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PEDRO DE MALAS-ARTES

Uma pobre mulher tinha um filho, que era assim atolado, e porque nunca fazia nem
dizia nada acertado, chamavam-lhe o Pedro das Malas-Artes. A mulher não tinha senão
aquelle filho, e por isso estimava-o. Um dia trouxe a mulher para casa uma têa de linho,
que tinha deitado, e disse:
— Este panno é para nós taparmos os nossos buraquinhos.
Assim que a mulher sahiu, e se demorou na missa, o filho foi á têa de linho, cortou-a
em bocadinhos e começou a mettel-os pelos buracos das paredes do casebre. Quando a
mãe chegou, elle disse-lhe muito contente:
— Mãe, olhe como estão tapados os nossos buraquinhos.
A mãe conheceu a tolice, lamentou os seus peccados, e fel-o prometter que nunca
mais tornaria. No dia seguinte disse ao filho que fosse á feira comprar um bacoro e o
trouxesse para casa. Esperou, esperou, e como o filho não acabava de vir, foi a vêr se o
encontrava; achou-o caido no chão com o porco em cima de si, porque tinha entendido
que o havia de trazer ás costas, e elle era bastante pezado. A mulher chorou, affligiu-se, e
explicou:
— Isto traz-se para casa, com um cordelsinho amarrado pelo pé, e toca-se para
diante com uma varinha.
Pedro de Malas-Artes, ouviu aquillo para seu governo; passados dias a mãe mandou-
o que fosse á feira comprar um cantaro. Quando elle chegou a casa, trazia só a aza.
— Que é isto, Pedro? Onde está o cantaro que te mandei buscar.
Disse elle á mãe:
— Amarrei-lhe um cordelsinho pela aza, e toquei-o para diante com uma varinha; fiz
como minha mãe me disse no outro dia.
A mãe tornou a lamentar-se, e disse-lhe:
— Se tu tivesses juizo trazias o cantaro na mão, ou então entre palha, n'algum carro
que viesse para as nossas bandas.
Vae n'isto mandou-o a uma loja comprar um vintem de agulhas; Pedro de Malas-
Artes trouxe as agulhas, e como ia passando um carro de palha aproveitou a occasião e
despejou as agulhas entre a palha. Chega a casa, e pergunta-lhe a mãe pelas agulhas:
— Vem ahi no carro da palha do nosso visinho; botei-as lá, como minha mãe me
disse no outro dia.
A mãe já estava cançada de tanta tolice, e já tinha medo de o mandar a algum
recado. Um dia comprou tripas para guisar para o jantar e disse a Pedro de Malas-Artes:
— Vae ali á beira do rio lavar essas tripas, e não m'as tragas cá sem que estejam
bem limpas.
— Mas eu como é que heide saber que as tripas estão limpas?
— Pergunta a alguem, que te diga.
Foi Pedro de Malas-Artes lavar as tripas; lavou, tornou a lavar, e como não passava
ninguem, lavava que lavava. Até que lá ao longe viu vir um barco á vela e a remar, porque
havia calmaria, e pôz-se a acenar e a chamar. A gente do barco pensando gue era algum
passageiro abicou á praia, luctando contra a corrente, quando Pedro de Malas-Artes
perguntou:
— Olhem lá; os senhores dizem-me se estas tripas já estão bem lavadas?
A gente do barco ficou desesperada, saltaram em terra, deram-lhe muita pancada e
disseram por fim:
— O que tu deves dizer, é que sopre muito vento.
Foram-se embora. Pedro de Malas-Artes ia para casa, e aconteceu passar por um
campo onde se andava ceifando trigo e armando as paveias, e começou a dizer:
— O que é preciso é que sopre muito vento; que sopre muito vento.
A gente que andava ceifando ficou desesperada, e vieram bater-lhe, dizendo:
— Oh estuporado, não sabes que o muito vento nos espalhava o trigo todo? O que é
preciso é que não caia nenhum.
E deixaram-n'o ir embora. Foi-se Pedro e passou por um campo onde estavam uns
homens armando uma rêde para apanhar passaros, e começou a dizer:
— O que é preciso é que não caia nenhum, que não caia nenhum.
Vem os homens da rêde, bateram-lhe muitas, e clamaram:
— O que tu deves dizer, é que assim haja muito sangue.
Passa Pedro por um caminho onde estavam dois homens engalfilhados brigando, e
outros tambem querendo apartal-os, e entra a dizer em altos gritos:
— Assim haja muito sangue, assim haja muito sangue.
Já se sabe, vieram ter com elle e deram-lhe muitas pancadas, e disseram-lhe:
— O que tu deves dizer é que Deus os desaparte, Deus os desaparte.
Vae-se Pedro de Malas-Artes por ali adiante, quando vinha um grande
acompanhamento com um noivo e noiva que acabavam de se casar. Começa elle:
— Assim Deus os desaparte, assim Deus os desaparte.
Os convidados deram-lhe muita pancada e disseram:
— Oh homem, o que tu deves dizer é que d'estes cada dia um.
Indo mais para diante encontra um enterro de um homem muito estimado na terra, e
entra a bradar:
— D'estes cada dia um, cada dia um.
A gente que seguia o enterro não teve mão que lhe não batesse muita pancada, e
disseram-lhe:
— O que você deve dizer é que nosso senhor o leve direitinho para o céo.
Vae mais para diante, e vinha passando um baptisado, e começa Pedro de Malas-
Artes:
— Nosso senhor o leve direitinho para o céo.
Os padrinhos da criança tomaram aquillo por máo agoiro, e desancaram Pedro de
Malas-Artes, que botou a fugir e se não chegasse a casa ainda andava a levar pancadas
por esse mundo.

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