Reinventando o esporte: possibilidades da prática pedagógica. Campinas: Autores Associados, chancela editorial CBCE, 2001.
Nicole Roessle Guaita
Professora Substituta do Departamento de Teoria e Prática de Ensino e aluna do Mestrado da Universidade Federal do Paraná.
Marcelo Moraes e Silva
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.
Q ue vença o melhor! Competição, con-
corrência e rendimento. Esses são elementos fundamentais da sociedade capi- Física escolar, influenciada pela instituição esportiva, que a escola assume códigos, sen- tidos e valores da sociedade capitalista. É talista, ritualizados por uma manifestação nesse contexto que emergem as principais cultural chamada esporte. Para aqueles que categorias utilizadas pelo autor. Trata-se pensam esse fenômeno e a Educação Física do par dialético levantado por Alexandre desvinculados do paradigma da aptidão física, Cheptulin (1982), denominado realidade e há o difícil, e não menos desejado desafio de possibilidade. Para o autor, a categoria re- “reinventar” tal prática. É com esse sentimen- alidade, do ponto de vista do materialismo to, gerado a partir do interesse sobre o espor- dialético, é o que existe realmente e a cate- te encontrado na escola, que Sávio Assis de goria possibilidade é o que pode produzir-se Oliveira apresenta importantes contribuições em cima da realidade, ou seja, pensando es- para a Educação Física escolar. sas categorias, no livro de Assis de Oliveira, A encruzilhada entre a “desesportivização” a realidade é o esporte existente na escola e da Educação Física e o não abandono do es- a possibilidade é aquilo que o esporte pode porte pela escola é a mola propulsora utilizada vir a ser nesse espaço. pelo autor. Pautado no paradigma da cultura Foi buscando essas possibilidades de rein- corporal e na metodologia crítico-superadora, venção do esporte, que surgiu a principal tese o livro em questão permite o questionamen- levantada por Assis de Oliveira: a busca de to das “regras do jogo” do esporte moderno, outros jogos possíveis. Nesse sentido, o autor apontando, com detalhes, as relações entre o aponta os aspectos lúdicos como elementos fenômeno esportivo e a sociedade. centrais para haver possibilidade de constru- O foco do estudo, apresentado pelo ção de um novo modelo social. autor, é o esporte encontrado no contexto Embora o autor comente diversas vezes escolar. Para tematizar essas questões foram que a escola é um importante instrumento na feitas discussões sobre a escola e suas rela- reprodução da lógica capitalista, sua análise ções com a sociedade capitalista, indicando discorda, em parte, do modelo apresentado que essa instituição possui importante papel por Louis Althusser (1983), que visualiza na reprodução dos valores desse modo de esta instituição somente como “Aparelho produção. Assis de Oliveira aponta, ainda, Ideológico do Estado”, argumentando que para a questão de que é através da Educação o lócus escolar deve ser compreendido como
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espaço de contradição e intervenção, e lu- Amparado no materialismo histórico dia- gar privilegiado de construção de um “novo lético, mas com uma forte tendência do que esporte”, que deve surgir a partir das críti- Perry Anderson (1989) denominou de “mar- cas dirigidas ao “velho esporte”. Observa- xismo ocidental”, Sávio Assis de Oliveira mos que o autor não rompe com o esporte, procura apontar possibilidades para o ensino nem prega, como vários críticos deste, seu do esporte encontrado no interior das escolas abandono. E apesar de concordar com dis- baseado principalmente nas reflexões levan- cussões anteriores sobre a necessidade de se tadas inicialmente pelo Coletivo de Autores pensar a transformação do esporte na escola (1992), no início da década de 1990. para o esporte da escola, entendemos que o Apesar dos esforços do autor em mostrar autor realiza uma crítica política a um texto as possibilidades da metodologia crítico- publicado anteriormente por Vago (1996). superadora, notamos algumas lacunas, no que Acreditando nas possibilidades emanci- tange ao ensino de Educação Física.Acreditamos patórias do esporte e da Educação Física, que o paradigma da cultura corporal, ao se Assis de Oliveira indica que não se deve opor ao da aptidão física, não supera o modelo simplesmente reinventá-lo. É preciso antes tradicionalista de educação, pois as análises que essa prática esteja atrelada a um projeto contidas em Reinventando o esporte e no próprio político-pedagógico que vise à transforma- Coletivo de Autores, apesar de transcenderem ção da sociedade. ao modelo hegemônico de Educação Física, Nesse sentido, outro ponto importante acabam operando na mesma lógica, ou seja, merece ser destacado: as escolhas políticas apenas invertem as “regras do jogo” em favor e teóricas realizadas pelo autor para a em- de uma “suposta” classe trabalhadora. Essa preitada da “reinvenção do esporte”. Ampa- idéia não sugere a inexistência do conceito de rado numa nova vertente do materialismo classe trabalhadora, ela apenas adverte para o histórico dialético, o autor coloca a cultura caráter reducionista do binômio dominante x como elemento fundamental na construção dominado, alertando para a necessidade de dar do seu texto, tratando este conceito não visibilidade a inúmeras outras questões, que como algo simplesmente dado pelas estru- assim como a própria categoria de classe social, turas econômicas, mas que perpassa tam- perpassa os sujeitos e seus corpos, inclusive bém pelo plano cultural. durante todo o processo de escolarização. A perspectiva adotada pelo autor, de afir- De fato, essa é uma questão comumente mar que a Educação Física escolar deve tratar colocada no sentido de evidenciar uma lacuna do conhecimento da cultura corporal histori- na proposta crítico superadora, ou mesmo, na perspectiva marxista. Esse é, sem dúvida, camente produzida pelo homem, através dos um tema a aprofundar, cuja abordagem não esportes, da dança, da ginástica, das lutas e pode se resumir ao marxismo, mas também da expressão corporal, reduz as manifesta- não pode excluí-lo. Um caminho é começar ções corporais a tempos e espaços previa- pela redescoberta da perspectiva humanista do próprio Marx, de Gramsci e de Lukács, para mente definidos, reproduzindo assim a ótica citar apenas esses. No entanto, posso registrar, conteudista de educação, embora amparada desde já, meu entendimento no sentido de por um enfoque político. Acreditamos que, que a formação da consciência (a “corporal” ao perspectivar uma formação humana, a inclusive) não se dá no vazio e nem fora do escola deve ir além dos conteúdos formais, mundo, mas na própria vida cotidiana, onde são gerados os problemas, as questões, as considerando-os mais uma possibilidade de indagações, as quais exigem saídas e soluções intervenção de ensino e não somente como (ASSIS DE OLIVEIRA, 2001, p. 154). a única forma.
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Entendemos que Assis de Oliveira, ao Referências propor um trato, mesmo que diferenciado, do conteúdo esporte, continua “encaixotando” as ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de diversas manifestações corporais existentes Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1983. no contexto escolar a uma dimensão motriz ANDERSON, Perry. Considerações sobre o da educação física. Isso acaba por negligen- Marxismo Ocidental. São Paulo: Brasiliense, 1989. ciar importantes aspectos que perpassam o corpo dos diversos agentes escolares e que se ASSIS DE OLIVEIRA, Sávio. Reinventando manifestam em todos os sujeitos e, sistemati- o esporte: possibilidades da prática pedagógica. camente, no cotidiano dessa instituição. Campinas: Autores Associados, chancela Chegando ao final da partida, é impor- editorial CBCE, 2001. tante salientar o esforço crítico de Assis de CHEPTULIN, Alexandre. A dialética Oliveira em “desconstruir” as bases do esporte materialista: categorias e leis da dialética. São hegemônico, no contexto escolar, tratando-o Paulo: Alfa-Omega, 1982. como possibilidade de explicação, negação e superação. O autor enaltece a idéia de esco- COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: la, discutida ao longo do livro, como produ- Cortez, 1992. tora de uma cultura própria, capaz inclusive de provocar outras mudanças para além dos VAGO, Tarcísio Mauro. O “esporte na escola” muros escolares. e o “esporte da escola”: da negação radical Enfim, nem ganhadores, muito menos para uma relação de tensão permanente – Um perdedores! Esta análise busca dar visibili- diálogo com Valter Bracht. Movimento, Porto dade a uma obra de relevância para a área Alegre, ano 3, n. 5, p. 4-17, 2 de set. 1996. de Educação Física, a fim de exclamar que ...................................................................................... o jogo continua, no entanto, com um olhar mais atento para o corpo. Corpo esse que Recebido: 19 de maio de 2007 Aprovado: 11 de outubro de 2007 ultrapassa as aulas de Educação Física, o conteúdo esporte, a dimensão motriz, a ins- Endereço para correspondência tituição escola bem como a própria socieda- nicoleguaita@yahoo.com.br de capitalista. moraes_marc@yahoo.com.br
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