Você está na página 1de 6

Revolução Científica

Anotações de Aula
17/06/2020
Profº. Rafael Costa – EAUFPA
1. Ciência Antiga e Medieval (Aristotélica/Ptolomaica)
- Ciência (episteme): é o conhecimento verdadeiro, em sua totalidade. Sobretudo dos
fundamentos da realidade e de nosso conhecimento sobre ela. Por buscar esses
fundamentos, dizemos que esse modelo de ciência busca, sobretudo, as causas primeiras
ou remotas.
- Empírica (observação): como um dos pontos de partida, para a explicação da realidade,
está a observação dos fenômenos a serem explicados.
- Especulativa (predominantemente lógico-argumentativa): em virtude de seus
principais objetos de estudo (o pensamento e a natureza divina) não poderem ser nem
observado e nem submetidos à experimentação, como veremos abaixo, o principal
método de estudo e demonstração é lógico-argumentativo. Mesmo visando explicar o
mundo físico, predomina a explicação especulativa, cujo principal critério é o da
consistência lógica-argumentativa.
- Contemplativa (adaptação do ser humano à natureza, ao universo):
predominantemente, o objetivo desse conhecimento é a adaptação do ser humano ao meio
em que ele se encontra. Pois, no caso dos Antigos, havia a crença de que há uma ordem
racional na natureza, uma ordem finalística (teleológica). No caso dos Medievais, havia
a crença de que Deus organizo o mundo.
- Metafísica (estudo do pensamento e do fundamento da realidade): sendo o
conhecimento da verdade em sua totalidade, a ciência não estuda apenas o mundo físico,
estuda, igualmente, como é possível que nós possamos conhecê-lo (metafísica) e o que
fundamenta a realidade (o ser), seja física ou mental.
- Teológica/Escolástica (estudo da natureza e tributos divinos): com o advento do
cristianismo e da teologia católica, é acrescido ao modelo de ciência aristotélico a busca
pela compreensão da natureza divina.
- Modelo aristotélico/ptolomaico (astrologia), princípios básicos: a) o céu e os corpos
celestes eram inalteráveis e imutáveis; b) o seu movimento era eterno, circular e perfeito;
c) existia uma quinta-essência superior (mundo supra-lunar), distinta do mundo inferior
(sub-lunar), a terra e seus elementos; d) no mundo sub-lunar prevalecem os processos de
geração, alteração e decomposição.
- Modelo aristotélico/ptolomaico (astrologia), aspectos principais: a) mistura de temas
religiosos-emotivos com temas matemáticos; b) técnicas que visavam persuadir ou
dominar as forças presentes na natureza (ameaçadora e hostil); c) processo de
humanização do universo.
2. Revolução Científica (séc. XVII d.C.)
- Cenário cultural (Renascimento sécs. XV e VXI d.C.):
a) Busca por uma radical renovação especulativa: questionamento de todo o
sistema vigente (sistema aristotélico/ptolomaico; geocêntrico); construção de um novo
quadro do mundo, uma nova compreensão da natureza e do universo.
b) Contato direto com a realidade (natural e espiritual): adoção de princípios
contrários às noções de ‘razão’ (passagem da razão metafísica-especulativa para razão
empírica-experimental) e ‘experiência’ (passagem da experiência ingênua para
experiência criteriosa e experimentação) tal como vinham sendo concebidas pelo
sistema vigente.
c) Difusão da experiência concreta: valorização da experiência e experimentação
como método de conhecimento. Dentro da Teoria do Conhecimento, a experiência e o
conhecimento sensível ganham mais espaço, passam a ser mais estudados e
valorizados como fonte e método de conhecimento.
d) Naturalismo imanentista (explicar a natureza por ela mesma): elaboração de
um novo conceito de ‘natureza’, ‘razão’, ‘experiência’, de ‘lei natural’ dentre outros.
e) crescimento do interesse pela mecânica (construção, balística e hidráulica).
f) desenvolvimento da matemática para a resolução de problemas técnicos e
mecânicos.
- Humanismo:
a) Antropocentrismo: o ser humano passa a ser concebido como o centro das
investigações, como o ponto de partida e chegada dos saberes, seja no campo da ética,
da religião, da arte e do conhecimento.
b) Antropocentrismo cognitivo (antropocentrismo no conhecimento): do ponto de
vista do conhecimento, tomando o ser humano, por si mesmo, como fundamento do
conhecimento que possa vir a ter do mundo e de si mesmo, temos duas fontes de
conhecimento: a razão (racionalidade, conhecimento racional) e os sentidos
(sensibilidade, conhecimento empírico/experienciado).
c) Reconhecimento da falibilidade: tomando o ser humano como fonte do
conhecimento, é preciso reconhecer que, embora ela disponha de fontes de
conhecimento, essas fontes são falíveis, igual ao próprio ser humano. Portanto, é
preciso buscar conhece-las cada vez mais, organizá-las cada vez melhor (método) e
identificar as suas falhas e corrigi-las.
- Racionalismo: Descartes e o “Discurso do Método”:
a) O filósofo francês Renè Descartes propõe o que chama de um método para a boa
condução do espírito (ou seja: do pensamento.
b) Todos os seres humanos são racionais e, assim, são dotados de bom senso, da
capacidade julgar e avaliar as coisas. A diferença é que alguns/as aplicam corretamente
essa capacidade e outros/as não.
c) O que permite a correta aplicação da razão é o método.
d) Regras do método: 1) Aceitar como verdadeiro apenas o que for evidente
empiricamente e, sobretudo, racionalmente (logicamente); 2) Dividir o objeto de
investigação em seus elementos mais básicos (análise); 3) Começar o estudo pelos
elementos mais simples até chegar aos mais complexos, 4) Fazer enumerações
completas e revisões gerais para evitar os erros.
- Empirismo: Francis Bacon e o “Novum Organum”:
a) Combate aos Ídolos: os ídolos ou noções falsas são conhecimentos ou princípios
de conhecimento falsos, que levam ao erro, impedindo, segundo Bacon, que a
humanidade alcance a verdadeira ciência. Sendo importante frisar que, para esse
filósofo, a ciência deve ser, sobretudo, um saber ativo, operativo, que traga benefícios
aos seres humanos. A ciência deve conhecer para dar poder, deve, na medida do
possível, dominar a natureza a favor da humanidade.
b) Tipos de Ídolos: 1) Ídolos da tribo: são as falsas noções que derivam da natureza
humana, de deficiências cognitivas que são inerentes à espécie humana; assim, esses
ídolos acabam sendo os mais comuns, aparecem como o senso comum que constitui
grande parte das tradições culturais (ex: os seres humanos tendem a fazer
generalizações apressadas); 2) Ídolos da caverna: são as falsas noções que derivam da
subjetividade, da individualidade de cada um/a; cada pessoa entende o mundo de uma
forma particular, sua, que tende a ser conveniente a ele/a; 3) Ídolos do fórum ou
mercado: são as falsa noções derivadas das ambiguidades da linguagem e das falhas
de comunicação humana, a exemplo do que ocorre nas feiras e fóruns quando cada um
deseja ludibriar os demais; 4) Ídolos do teatro: são as falsas noções geradas pela
filosofia, sobretudo a filosofia especulativa (abstrata), que ao invés de explicar a
realidade, cria fantasias, tal como peças teatrais.
c) Método indutivo: para o correto conhecimento dos fenômenos da natureza, é
preciso que se parta dos fatos concretos, dos casos particulares, tais como se
apresentam na experiência, para que se chegue, por meio da generalização, às formas
gerais, que constituem as causa e leis que regem esses fenômenos. A generalização
deve ser baseada na constatação da regularidade entre os casos particulares
observados de forma criteriosa.
d) Experiência vaga v.s. Experiência escriturada (criteriosa): para Bacon, a
observação dos fatos concretos, a experiência desses fatos, não pode ser uma
experiência vaga, ou seja: uma experiência espontânea, sem critérios prévios, feita de
maneira ingênua. Essa experiência deve ser uma experiência escriturada, uma
observação preparada, metodicamente conduzida e testada experimentalmente.
- Matematização: quantificação (abandono do predomínio do conhecimento qualitativo),
mecanização (compreensão do movimento por causa puramente físicas e quantificáveis).
- Galileu Galilei: a sistematização do novo método científico:
- Crítica do tradicional saber acadêmico (aristotélico-escolástico ou metafísico-
teológico):
a) Crítica ao racionalismo dogmático: para Galilei, o predomínio do conhecimento
metafísico-teológico, no tradicional saber acadêmico, faz desse saber um saber
dogmático e equivocado em relação ao conhecimento do mundo concreto. Buscando,
sobretudo, pelo conhecimento acerca dos fundamentos do próprio pensamento
humano, da natureza última da realidade e da natureza divina (pelo que se chama de
causas primeiras ou remotas), que predomina no conhecimento metafísico-teológico,
esse conhecimento constitui uma espécie de racionalismo dogmático. Como só pode
recorrer ao pensamento racional para buscar entender o pensamento, o ser e deus, o
conhecimento metafísico-teológico faz da razão uma espécie de meio de conhecimento
inquestionável (dogmático). Ainda que busque manter a coerência lógica de suas
teorizações, o saber metafísico-teológico não consegue perceber que projetar uma
explicação essencialmente lógico-racional sobre o mundo físico, sem que essa
explicação esteja devidamente amparada pela experiência, gera contradições com
a própria realidade física a que se visa explicar.
b) Crítica à contaminação mística-religiosa: Para Galilei, tentando conhecer objetos
que não podem ser senão objetos de especulação (o pensamento, a natureza da
realidade e deus), o saber metafísico-teológico, ainda que busque manter-se no limite
da racionalidade, acaba tendo de recorrer, e ser contaminado, por explicações de
caráter místico e religioso. Explicações que recorrem a elementos sobrenaturais,
míticos e que não podem, por completo, ser demonstrados argumentativa e
logicamente. Contaminado por elementos místico e religiosos, o conhecimento
metafísico-teológico estaria repleto de metáforas, ambiguidades e sutilizas discursivas,
que teriam apenas um disfarce no formalismo lógico.
c) Crítica ao princípio de autoridade: por causa do racionalismo dogmático
misturado com explicações místicas e religiosas, Galilei diz que o tradicional saber
acadêmico recorre, geralmente, para fundamentar suas explicações e se defender das
críticas, ao princípio de autoridade, “confirmando” suas explicações a partir do apoio
na autoridade dos Antigos (sobretudo Aristóteles), dos textos bíblicos e das
autoridades da igreja e da teologia cristã, predominante na época.
- A proposição de um novo saber: um novo método!
a) Eliminar as pretensões metafísicas e teológicas: Galilei propõe, para que se possa
buscar o correto conhecimento da realidade física, que, enquanto busca pelo
conhecimento dos fenômenos físicos, deve abandonar as pretensões metafísicas e
teológicas. Em outras palavras, não podendo o conhecimento acerca do pensamento
humano, acerca da natureza do real e da natureza divina ser construído senão
especulativamente, e resultando essa especulação em dogmatismo e misticismo, os
quais então em contradição com o funcionamento do mundo concreto, deve-se tomar
como objeto de conhecimento, única e exclusivamente, os fenômenos empíricos.
b) Das causas primeiras/remotas às causa próximas: assim, ao invés de buscar o
que se chamava de causas primeiras ou remotas, a origem primeira e a destinação final
de tudo o que existe, Galilei propõe que se foque nas causas próximas, ou seja: os
fenômenos físicos devem ser explicados com base somente em fenômenos físicos, os
fenômenos empíricos devem ser explicados com base apenas em fenômenos
empíricos. Comumente, diz-se que ao invés de explicar o “porquê”, deve-se explicar
o “como”, o funcionamento da natureza apenas.
c) O método matemático-experimental: todas essas críticas ao tradicional saber
acadêmico (metafísico-teológico) e a nova proposição com relação ao objeto de estudo
a que deve se dedicar a ciência derivam da construção e estabelecimento de um novo
método: o método matemático-experimental. Se os conhecimentos sobre os
fenômenos empíricos podem ser testados experimentalmente, e se a experimentação
se oferece como um método de prova consistente, mas cujos limites são os limites da
empiria (da experiência), a explicação acerca desses fenômenos deve se limitar aos
próprios fenômenos empíricos (ou seja: sem ter de estar direta e necessariamente
relacionada com o conhecimento acerca do pensamento, do ser ou de deus). Acresça-
se que, para eliminar as ambiguidades, derivadas de uma visão qualitativa dos
fenômenos concretos, a investigação deve ser conduzida e expressa matematicamente.

3. Ciência Moderna
- Definição de Ciência: é o conhecimento experimental (positivo, no caso das C.H.)
acerca dos fenômenos empíricos.
- Definição de Natureza: conjunto dos fenômenos empíricos que ocorrem sob leis
necessárias, invariáveis e mecânicas.
- Definição de Razão: a razão segue como a forma de compreensão dos fenômenos
empíricos, contudo, ela não pode ser compreendida como independente em relação à
observação e à experimentação.
- Ciência Ativa: com a Revolução Científica, passa a prevalecer a concepção da ciência
como conhecimento ativo, como devendo manipular os fenômenos empíricos, a natureza,
em favor da humanidade e do seu desenvolvimento técnico, econômico e social.
Modernamente, a ciência deve produzir e desenvolver as técnicas e tecnologias.
- Método da Ciência Moderna:
a) Observação: o primeiro momento é a observação, uma observação criteriosa,
programada, que visa identificar problemas e possíveis regularidades entre os
fenômenos.
b) Problematização: com base na observação criteriosa, levanta-se um problema,
uma questão que se buscará responder.
c) Hipótese: diante do problema levantado, busca-se apresentar, de maneira
fundamentada empírica e argumentativamente, uma possibilidade de resposta, a essa
possibilidade de resposta chama-se hipótese.
d) Experimentação/experimento: para verificar a veracidade ou falsidade da
hipótese, se a hipótese é correta ou não, se ela explica o fenômeno estudando ou não,
a hipótese é submetida à experimentação. A experimentação/experimento, é uma
reprodução programa do fenômeno a ser explicado.
e) Generalização: se a experimentação confirmar a hipótese, a hipótese passa a ser
considerada uma lei científica e é generalizada. Passa a ser considerada como
explicando o funcionamento de todos os casos particulares do fenômeno estudado. Se
a experimentação não confirmar a hipótese, esta é descartada ou reelaborada, e uma
hipótese nova ou reelaborada deve ser novamente submetida à experimentação.
f) Teoria: a um conjunto de leis científicas, ou um modelo explicativo de grande
abrangência, dá-se o nome de teoria científica.
Fontes:
ANDRADE, J. Bacon: vida e obra. In: Bancon. São Paulo: Abril Cultura, 2ª ed, 1979.
(Col. Os Pensadores).
ARANHA & MRTINS. Filosofando. São Paulo: Moderna, 4 ª ed, 2009.
BANFI. A. Galileu. Lisboa: Edições 70, s/ ano.
DESCARTES, R. Discurso do método. In: Obras escolhidas. São Paulo: Difel, 1973.
ROSSI, P. A ciência e filosofia dos modernos. São Paulo: Unesp, 1992.

Você também pode gostar