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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ – UFPA

ESCOLA DE APLICAÇÃO – EAUFPA


COORDENAÇÃO DE ESN. MÉDIO

Disciplina: Filosofia. Série: 3º ano Turma:

Profº.: Rafael Costa.

Data: / /

Filosofia e Ciência II

1. A Ciência antes da Revolução Científica do séc. XVII d.C.

Como dissemos anteriormente, a Ciência parece ter surgido junto com a Filosofia, na Grécia Antiga,
por volta do século VI a.C., no contexto de uma nova explicação para a realidade que não mais tivesse como
base a ideia de que o sobrenatural determina o que acontece na natureza. Como é amplamente reconhecido,
os primeiros filósofos, e muitos outros que vieram depois deles, não distinguiam propriamente investigações
científicas, filosóficas e matemáticas. Na verdade, encaravam tudo isso como Filosofia, enquanto busca pela
sabedoria, pela totalidade do conhecimento, a partir da qual construiríamos o melhor tipo de vida que um ser
humano pode desejar. Embora seja importante reconhecer a existência de saberes pré-científicos nas culturas
africanas e orientais, os historiadores, de modo geral, dizem-nos que foi com os gregos que estes
conhecimentos pré-científicos ganharam um caráter propriamente teórico e laico, com a investigação racional
acerca de seus fundamentos e desdobramentos.
É importante frisar, também, que o termo “Ciência” (epistéme, em grego), até o século XVII d.C., era
compreendido, essencialmente, como o conhecimento em seu mais alto grau de perfeição, o conhecimento em
sua plenitude e, portanto, o conhecimento daquilo que é o fundamento da realidade como um todo. Isto é
importante, porque, filosoficamente, o fundamento da realidade muitas vezes não coincide com os fenômenos
empíricos, sendo algo de caráter imaterial (metafísico), embora não necessariamente sobrenatural (esse
fundamento aparece como sobrenatural geralmente quando temos a junção de Filosofia com Teologia). Assim,
o que durante muito tempo foi chamado de “Ciência” não foi o conhecimento experimental da realidade
empírica, e sim o conhecimento especulativo (filosófico ou filosófico-teológico) dos fundamentos da realidade
(seja esse fundamento algum elemento primordial ou o ser). Como esse fundamento não é empírico e, portanto,
não é experimental, a “Ciência” correspondia a um saber lógico-racional, não fazia experimentos e se baseava
ou apenas na consistência lógica dos argumentos e teses propostas, ou nessa consistência e na revelação divina.
Por exemplo, para os pré-socráticos, nem todos os elementos primordiais eram visíveis a olho nu, mas
nem por isso eram sobrenaturais e a “Ciência”, portanto, embora envolvesse a observação da realidade
concreta, realizava-se apenas no conhecimento destes elementos imateriais. Para Platão, a “Ciência”
verdadeira era a dialética, enquanto conhecimento das ideias, entidades imateriais que são os fundamentos da
realidade sensível, bem como do fundamento das ideias, que, para esse filósofo, era o Bem inteligível. Para
Aristóteles, a “Ciência” autêntica corresponde ao conhecimento das causas primeiras, principalmente, da
causa primeira, a causa que causa a si mesma e tudo o mais. Mas, como essa causa é divina e, portanto,
imaterial, ela não pode ser conhecida experimentalmente, mas apenas especulativamente. Para os filósofos
medievais, que em sua maioria juntaram a Filosofia com a Teologia, em especial a Teologia Cristã,
subordinando a razão aos dogmas religiosos e às verdades reveladas pela fé, o conhecimento mais elevado é
o das verdades reveladas pela fé, para os quais, a razão e a “Ciência” são caminhos possíveis.

2. O modelo aristotélico e medieval de Ciência.

O primeiro grande modelo de Ciência, e que basicamente perdura até a Revolução Científica do século
XVII d.C., é o modelo da Ciência Antiga, ou o modelo aristotélico de ciência. A principal característica desse
modelo de ciência é o seu caráter contemplativo, isto é: esse tipo de ciência é baseado na observação da
realidade concreta, mas o seu principal critério de verificação das hipótese e teses defendidas é a consistência
lógico-argumentativa das mesmas. A Ciência aristotélica é, fundamentalmente, uma ciência teórica, não-
experimental, seu principal instrumento de conhecimento é a Lógica, enquanto o conjunto de regras para a
argumentação correta e válida. De maneira geral, a Ciência aristotélica parte da lógica dedutiva, ou seja, suas
teorias partem de enunciados universais para chegar em enunciados particulares (Ex.: todo homem é mortal,
Sócrates é homem, logo Sócrates é mortal).
Esse modelo de ciência também se caracteriza por ser discursivo, por não recorrer à matemática como
sua linguagem oficial, isto porque, essa Ciência é qualitativa, ela trabalha com as qualidades dos objetos e
fenômenos investigados, com seus predicados, seu principal objetivo é identificar a substância desses objetos
e fenômenos, sua essência, sua causa primeira, e os atributos, os predicados, as características dessa
substância, aquilo que melhor lhe caracteriza. Tudo isso, vale sempre lembrar, tem como fio condutor a
Lógica, e isto é tão importante que Aristóteles escreve uma série de obras, posteriormente reunidas sob o título
Oganon (instrumento), com lições de Lógica, para que os pesquisadores aprendessem o método da Ciência, o
método lógico-especulativo, tal como a atividade científica era concebida por ele.
No Medievo, o modelo aristotélico de ciência permanece a base da investigação científica, com o
acréscimo da dogmática religiosa, da Igreja Católica Apostólica Romana, ou seja: ao critério lógico-
argumentativo, somou-se o critério dogmático, segundo o qual, é verdadeiro apenas o que esteja de acordo
com os dogmas da religião, com os seus princípios fundamentais, e com aquilo que nos é testemunhado por
suas autoridades, geralmente os santos e os textos bíblicos. Assim, por exemplo, foi que o modelo geocêntrico,
aristotélico-ptolomaico, por ser condizente com os ensinamentos do Gênesis bíblico, foi incorporado à Ciência
Medieval com uma verdade e um dos dogmas da Igreja.
De modo geral, tanto a Ciência aristotélica quanto a medieval, partem do princípio de que o
conhecimento deve nos permitir adaptarmo-nos ao mundo em que vivemos, uma vez que se supõe que a ordem
desse mundo não só está estabelecida como é a melhor possível. Assim, estes modelos de ciência não visam
a intervenção científica na natureza e, consequentemente, a produção de tecnologia.

3. Francis Bacon e a crítica à Ciência aristotélica.

Com o fim da Idade Média, acompanhamos o Renascimento, em que a cultura greco-romana é resgata,
sem necessariamente a interferência do pensamento cristão antes dominante. Com isso, a concepção
intelectual moderna vai adquirindo seus principais traços, que são o racionalismo, o antropocentrismo e a
busca pela elaboração de um novo método, tão rigoroso quanto possível, para a compreensão da realidade,
principalmente, em seu aspecto empírico, concreto. Some-se a isso, graças à expansão marítimo-comercial
que a Europa conheceu à época, a noção de que o conhecimento da realidade deve, essencialmente, resultar
em nossa intervenção nessa realidade, em sua transformação científica, ou seja: a partir do Renascimento e,
principalmente na Modernidade, aparece e se desenvolve a noção de que o objetivo do saber é a transformação
da realidade de acordo com as necessidades e interesses da humanidade.
No campo da Filosofia, o inglês Francis Bacon (séc’s. XVI-XVII d.C.) aparece como o grande crítico
do modelo científico da Antiguidade e do Medievo, um dos precursores do empirismo moderno, cuja reflexão
incentiva a reformulação do método científico. De acordo com Bacon, para alcançarmos o conhecimento
verdadeiro da realidade devemos combater, primeiramente, os ídolos, que para ele são fontes errôneas de
informação sobre nós mesmos e o mundo. Existem quatro tipos de ídolos: a) os da tribo: preconceitos vindos
de nossa tradição cultural; b) os da caverna: preconceitos derivados de nossa subjetividade individual; c) os
do mercado (ou fórum): os preconceitos gerados pelas relações comercias e jurídicas; d) os do teatro: os
preconceitos produzidos pela própria filosofia especulativa (puramente abstrata). Toda vez que projetamos
esses preconceitos sobre a natureza, temos um falso entendimento acerca dela. Porém, depois de nos livrarmos
desses preconceitos, podemos alcançar o conhecimento verdadeiro, o qual tem como fio condutor o método
indutivo, ou seja: a Ciência deve partir da observação dos casos particulares para depois propor leis universais,
com base na generalização do que ocorre nos casos individuais.
Para Bacon, entretanto, não se trata de uma observação ingênua e espontânea. Para esse filósofo, a
observação científica deve ser previamente orientada, com critérios que direcionem esta observação e o
levantamento de questões que ela suscita, mas sem que essa orientação prévia produza preconceitos, isto é,
sem que ela antecipe erradamente o conhecimento dos fenômenos. Outro ponto importante, é que as tentativas
de explicação científicas, segundo Bacon, devem ter sua veracidade ou falsidade verificadas pela experiência,
isto é, ele aponta já a importância da experimentação como método de prova científico. Assim, Bacon faz uma
crítica à Ciência aristotélica e medieval, como ao próprio racionalismo moderno, segundo o qual o
conhecimento da verdade deve ser puramente racional. Tanto é que ele escreve um livro chamado Novum
Organum, “novo” em relação ao Organon de Aristóteles, apontando a indução e o método indutivo como a
nova ferramenta, o novo instrumento do conhecimento científico. Nessa perspectiva, para que a razão possa
conhecer a verdade, ela precisa estar amparada e orientada pela experiência e pela experimentação.
Isto tudo está ligado com a visão baconiana de que a Ciência deve intervir na natureza e manipular os
fenômenos de acordo com nossas necessidades e interesses. Segundo Bacon, saber é poder, e todo
conhecimento legítimo dever ser revertido na transformação da natureza. Para tanto, é preciso que conheçamos
as leis da natureza, para poder intervir em seus fenômenos. Vale frisar que, para Bacon, nós não alteramos as
leis da natureza, elas são inalteráveis, mas, podemos utilizar o conhecimento que temos delas a nosso favor.

4. Galileu Galilei e a Revolução Científica.

No campo da Ciência propriamente falando, o principal expoente da Revolução Científica é Galileu


Galilei (séc’s. XVI-XVII d.C.), responsável pelo estabelecimento do novo método científico. De acordo com
Galileu, é preciso que a metodologia da pesquisa científica seja remodelada, é preciso que a Ciência como um
todo seja revista e transformada a fim de que ela passe a ter um estatuto próprio, desligado tanto da Filosofia
quanto da Teologia. Pois a primeira, com seu alto nível de abstração, permanecia no terreno da justificativa
lógico-racional, o que trazia dificuldades para a verificação da veracidade ou falsidade de hipóteses que se
referissem aos fenômenos empíricos, e a segunda, por suas subordinação à fé e ao argumento de autoridade,
também não oferecia aos pesquisadores da natureza um critério satisfatório de prova, pois, muitas das
observações e experimentações não eram explicáveis à luz dos dogmas religiosos, tais como o modelo
heliocêntrico, proposto por Copérnico, e confirmado experimentalmente por Galileu.
O que ocorre na Revolução Científica é uma redefinição da identidade da Ciência, a qual passa, a partir
do século XVII d. C., a ser compreendida como a investigação experimental acerca da realidade empírica, ou,
como a investigação, dos fenômenos empíricos, que tem como método de verificação da veracidade ou
falsidade das suas proposições a experimentação. Os cientistas recorrem à experimentação por ver nela o
método mais objetivo possível para a prova de suas hipóteses. Sendo a experiência sensorial algo que pode
ser observado por todos, algo que não depende de nossa subjetividade, de nossos sentimentos, ela seria o
critério de prova mais objetivo que temos à disposição. Na experiência (sensorial) não importa o que sentimos,
mas o que observamos, de modo que os acontecimentos são externos à nós, portanto independentes dos nossos
desejos, sentimentos e interesses. A experiência coloca todos os pesquisadores em pé de igualdade, de modo
que suas diferenças teóricas serão resolvidas objetivamente, por um “juiz imparcial”, a experiência.
Entretanto, o recurso à experiência, se por um lado nos garante um método consistente e confiável de
verificação da falsidade ou veracidade das hipóteses, faz com que a Ciência tenha que restringir seu objeto de
estudo àquilo que pode ser sensorialmente experimentado. Com isso, diferente da Filosofia e da Teologia, que
buscam o conhecimento das causas primeiras, a Ciência passa a se limitar às causas próximas, ou seja: ela
assume como seu objeto de estudo apenas os fenômenos empíricos, aqueles a que temos acesso por meio de
nossa experiência sensorial, pois são os únicos capazes de serem reproduzidos experimentalmente. Assim, é
que a Ciência passa a ser definida como o estudo dos fenômenos empíricos com base no método experimental.
Além da experimentação, Galileu avança outra importante inovação metodológica no campo da
Ciência, a matematização da linguagem científica. Para evitar mal-entendidos, ambiguidades e deturpações
de sentido, muito comuns na linguagem natural (nos idiomas), a Ciência assume como sua linguagem oficial,
por sua precisão, univocidade e clareza, a matemática. Nesse sentido, as hipóteses devem ser expostas e
demonstradas em termos matemáticos, para que a objetividade do discurso científico seja reforçada.
Importante frisar, ainda, que a Ciência Moderna surge, basicamente, como Ciência da Natureza, mais
precisamente, com o nascimento da Física. Assim, a compreensão geral que passamos a ter da natureza é de
que ela é um conjunto de fenômenos empíricos que ocorrem segundo leis necessárias e, por isso, invariáveis
e constantes. Ao se limitar às causas próximas, a Ciência visa a explicar como os fenômenos ocorrem e não
necessariamente por quê. A partir da observação dos fenômenos empíricos, o cientista busca descobrir certa
regularidade nesses fenômenos, as quais expressa matematicamente em suas hipóteses e, em seguida, submete
essas hipóteses a experimentos. Se os experimentos confirmarem as hipóteses, elas são generalizadas, alçadas
ao posto de leis científicas, se os experimentos desmentirem as hipóteses elas podem ser corrigidas ou
abandonadas. De todo modo, o que define a cientificidade é seu caráter empírico e experimental.

5. As etapas do método científico.

De modo geral, a partir da Revolução Científica e do surgimento da Ciência Moderna, a pesquisa


científica se estrutura de acordo com os seguintes procedimentos (que podem ou não acontecer nessa ordem
ao longo das pesquisas em curso):
a) observação: os problemas científicos devem derivar da observação dos fenômenos empíricos, da
realidade concreta, ainda que essa observação seja previamente orientada, pela área de interesse do
pesquisador, seus instrumentos de observação etc. No fundo, isso significa que os problemas científicos não
devem ser problemas lógicos, derivados de meras abstrações, e sim problemas que possam ser resolvidos
experimentalmente.
b) problematização: a partir da observação, o cientista procura elaborar questionamentos sobre os
aspectos que ele considerar, à luz de sua orientação prévia (mas às vezes também para além dela), os mais
interessantes e fundamentais.
c) elaboração de hipóteses: depois de elaborado o problema, o pesquisador busca tentativas de
solucioná-lo, essas tentativas são chamadas de hipóteses, são conjecturas, propostas de resolução, de
explicação para o funcionamento daquele fenômeno ou conjunto de fenômenos.
d) experimentação: de alguma forma as hipóteses devem ser experimentalmente verificáveis, em si
mesmas ou em seus efeitos, de alguma forma, devem nos levar a um evento empírico, que pode ou não ocorrer
segundo a hipótese. Para testar isso, o pesquisador organiza um experimento, busca reproduzir as condições
de ocorrência de um fenômeno ou conjunto de fenômenos para verificar a veracidade ou falsidade de sua
hipótese. Se o fenômeno ocorre de acordo com a hipótese, ela é verdadeira, se não ocorre, ela é falsa.
e) generalização: uma vez a hipótese confirmada ela é alçada ao estatuto de lei científica, passa valer
com a explicação para todos os fenômenos ou conjunto de fenômenos semelhantes aos que foram
experimentados.
Tudo isso, vale frisar, é feito em meio as discussões com a comunidade científica!

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