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Filosofia e Ciência II
Como dissemos anteriormente, a Ciência parece ter surgido junto com a Filosofia, na Grécia Antiga,
por volta do século VI a.C., no contexto de uma nova explicação para a realidade que não mais tivesse como
base a ideia de que o sobrenatural determina o que acontece na natureza. Como é amplamente reconhecido,
os primeiros filósofos, e muitos outros que vieram depois deles, não distinguiam propriamente investigações
científicas, filosóficas e matemáticas. Na verdade, encaravam tudo isso como Filosofia, enquanto busca pela
sabedoria, pela totalidade do conhecimento, a partir da qual construiríamos o melhor tipo de vida que um ser
humano pode desejar. Embora seja importante reconhecer a existência de saberes pré-científicos nas culturas
africanas e orientais, os historiadores, de modo geral, dizem-nos que foi com os gregos que estes
conhecimentos pré-científicos ganharam um caráter propriamente teórico e laico, com a investigação racional
acerca de seus fundamentos e desdobramentos.
É importante frisar, também, que o termo “Ciência” (epistéme, em grego), até o século XVII d.C., era
compreendido, essencialmente, como o conhecimento em seu mais alto grau de perfeição, o conhecimento em
sua plenitude e, portanto, o conhecimento daquilo que é o fundamento da realidade como um todo. Isto é
importante, porque, filosoficamente, o fundamento da realidade muitas vezes não coincide com os fenômenos
empíricos, sendo algo de caráter imaterial (metafísico), embora não necessariamente sobrenatural (esse
fundamento aparece como sobrenatural geralmente quando temos a junção de Filosofia com Teologia). Assim,
o que durante muito tempo foi chamado de “Ciência” não foi o conhecimento experimental da realidade
empírica, e sim o conhecimento especulativo (filosófico ou filosófico-teológico) dos fundamentos da realidade
(seja esse fundamento algum elemento primordial ou o ser). Como esse fundamento não é empírico e, portanto,
não é experimental, a “Ciência” correspondia a um saber lógico-racional, não fazia experimentos e se baseava
ou apenas na consistência lógica dos argumentos e teses propostas, ou nessa consistência e na revelação divina.
Por exemplo, para os pré-socráticos, nem todos os elementos primordiais eram visíveis a olho nu, mas
nem por isso eram sobrenaturais e a “Ciência”, portanto, embora envolvesse a observação da realidade
concreta, realizava-se apenas no conhecimento destes elementos imateriais. Para Platão, a “Ciência”
verdadeira era a dialética, enquanto conhecimento das ideias, entidades imateriais que são os fundamentos da
realidade sensível, bem como do fundamento das ideias, que, para esse filósofo, era o Bem inteligível. Para
Aristóteles, a “Ciência” autêntica corresponde ao conhecimento das causas primeiras, principalmente, da
causa primeira, a causa que causa a si mesma e tudo o mais. Mas, como essa causa é divina e, portanto,
imaterial, ela não pode ser conhecida experimentalmente, mas apenas especulativamente. Para os filósofos
medievais, que em sua maioria juntaram a Filosofia com a Teologia, em especial a Teologia Cristã,
subordinando a razão aos dogmas religiosos e às verdades reveladas pela fé, o conhecimento mais elevado é
o das verdades reveladas pela fé, para os quais, a razão e a “Ciência” são caminhos possíveis.
O primeiro grande modelo de Ciência, e que basicamente perdura até a Revolução Científica do século
XVII d.C., é o modelo da Ciência Antiga, ou o modelo aristotélico de ciência. A principal característica desse
modelo de ciência é o seu caráter contemplativo, isto é: esse tipo de ciência é baseado na observação da
realidade concreta, mas o seu principal critério de verificação das hipótese e teses defendidas é a consistência
lógico-argumentativa das mesmas. A Ciência aristotélica é, fundamentalmente, uma ciência teórica, não-
experimental, seu principal instrumento de conhecimento é a Lógica, enquanto o conjunto de regras para a
argumentação correta e válida. De maneira geral, a Ciência aristotélica parte da lógica dedutiva, ou seja, suas
teorias partem de enunciados universais para chegar em enunciados particulares (Ex.: todo homem é mortal,
Sócrates é homem, logo Sócrates é mortal).
Esse modelo de ciência também se caracteriza por ser discursivo, por não recorrer à matemática como
sua linguagem oficial, isto porque, essa Ciência é qualitativa, ela trabalha com as qualidades dos objetos e
fenômenos investigados, com seus predicados, seu principal objetivo é identificar a substância desses objetos
e fenômenos, sua essência, sua causa primeira, e os atributos, os predicados, as características dessa
substância, aquilo que melhor lhe caracteriza. Tudo isso, vale sempre lembrar, tem como fio condutor a
Lógica, e isto é tão importante que Aristóteles escreve uma série de obras, posteriormente reunidas sob o título
Oganon (instrumento), com lições de Lógica, para que os pesquisadores aprendessem o método da Ciência, o
método lógico-especulativo, tal como a atividade científica era concebida por ele.
No Medievo, o modelo aristotélico de ciência permanece a base da investigação científica, com o
acréscimo da dogmática religiosa, da Igreja Católica Apostólica Romana, ou seja: ao critério lógico-
argumentativo, somou-se o critério dogmático, segundo o qual, é verdadeiro apenas o que esteja de acordo
com os dogmas da religião, com os seus princípios fundamentais, e com aquilo que nos é testemunhado por
suas autoridades, geralmente os santos e os textos bíblicos. Assim, por exemplo, foi que o modelo geocêntrico,
aristotélico-ptolomaico, por ser condizente com os ensinamentos do Gênesis bíblico, foi incorporado à Ciência
Medieval com uma verdade e um dos dogmas da Igreja.
De modo geral, tanto a Ciência aristotélica quanto a medieval, partem do princípio de que o
conhecimento deve nos permitir adaptarmo-nos ao mundo em que vivemos, uma vez que se supõe que a ordem
desse mundo não só está estabelecida como é a melhor possível. Assim, estes modelos de ciência não visam
a intervenção científica na natureza e, consequentemente, a produção de tecnologia.
Com o fim da Idade Média, acompanhamos o Renascimento, em que a cultura greco-romana é resgata,
sem necessariamente a interferência do pensamento cristão antes dominante. Com isso, a concepção
intelectual moderna vai adquirindo seus principais traços, que são o racionalismo, o antropocentrismo e a
busca pela elaboração de um novo método, tão rigoroso quanto possível, para a compreensão da realidade,
principalmente, em seu aspecto empírico, concreto. Some-se a isso, graças à expansão marítimo-comercial
que a Europa conheceu à época, a noção de que o conhecimento da realidade deve, essencialmente, resultar
em nossa intervenção nessa realidade, em sua transformação científica, ou seja: a partir do Renascimento e,
principalmente na Modernidade, aparece e se desenvolve a noção de que o objetivo do saber é a transformação
da realidade de acordo com as necessidades e interesses da humanidade.
No campo da Filosofia, o inglês Francis Bacon (séc’s. XVI-XVII d.C.) aparece como o grande crítico
do modelo científico da Antiguidade e do Medievo, um dos precursores do empirismo moderno, cuja reflexão
incentiva a reformulação do método científico. De acordo com Bacon, para alcançarmos o conhecimento
verdadeiro da realidade devemos combater, primeiramente, os ídolos, que para ele são fontes errôneas de
informação sobre nós mesmos e o mundo. Existem quatro tipos de ídolos: a) os da tribo: preconceitos vindos
de nossa tradição cultural; b) os da caverna: preconceitos derivados de nossa subjetividade individual; c) os
do mercado (ou fórum): os preconceitos gerados pelas relações comercias e jurídicas; d) os do teatro: os
preconceitos produzidos pela própria filosofia especulativa (puramente abstrata). Toda vez que projetamos
esses preconceitos sobre a natureza, temos um falso entendimento acerca dela. Porém, depois de nos livrarmos
desses preconceitos, podemos alcançar o conhecimento verdadeiro, o qual tem como fio condutor o método
indutivo, ou seja: a Ciência deve partir da observação dos casos particulares para depois propor leis universais,
com base na generalização do que ocorre nos casos individuais.
Para Bacon, entretanto, não se trata de uma observação ingênua e espontânea. Para esse filósofo, a
observação científica deve ser previamente orientada, com critérios que direcionem esta observação e o
levantamento de questões que ela suscita, mas sem que essa orientação prévia produza preconceitos, isto é,
sem que ela antecipe erradamente o conhecimento dos fenômenos. Outro ponto importante, é que as tentativas
de explicação científicas, segundo Bacon, devem ter sua veracidade ou falsidade verificadas pela experiência,
isto é, ele aponta já a importância da experimentação como método de prova científico. Assim, Bacon faz uma
crítica à Ciência aristotélica e medieval, como ao próprio racionalismo moderno, segundo o qual o
conhecimento da verdade deve ser puramente racional. Tanto é que ele escreve um livro chamado Novum
Organum, “novo” em relação ao Organon de Aristóteles, apontando a indução e o método indutivo como a
nova ferramenta, o novo instrumento do conhecimento científico. Nessa perspectiva, para que a razão possa
conhecer a verdade, ela precisa estar amparada e orientada pela experiência e pela experimentação.
Isto tudo está ligado com a visão baconiana de que a Ciência deve intervir na natureza e manipular os
fenômenos de acordo com nossas necessidades e interesses. Segundo Bacon, saber é poder, e todo
conhecimento legítimo dever ser revertido na transformação da natureza. Para tanto, é preciso que conheçamos
as leis da natureza, para poder intervir em seus fenômenos. Vale frisar que, para Bacon, nós não alteramos as
leis da natureza, elas são inalteráveis, mas, podemos utilizar o conhecimento que temos delas a nosso favor.