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O saco de nozes

Cena I

Padre – “que as mulheres sejam submissas aos seus maridos, como ao


senhor, pois o marido é cabeça de mulher” …São Paulo, cairia se visse o que
se passa na minha freguesia. As mulheres é que mandam nos homens

Cremilde – Sr Padre ?

Lurdes – Desculpe incomodar, mas está ali uma pessoa para falar consigo.

Cremilde – É o Lucas Samarra, que quer falar consigo.

Lurdes - Diz que é urgente.

Padre – Pelos vistos é sangria desatada

Cremilde – Ele a sangrar não vem , mas traz umas ligaduras na cabeça

Lurdes – Deve ter sido a mulher que lhe chegou a roupa ao pelo.

Padre - Não te deites a adivinhar criatura. Tu viste?

Lurdes - Não senhor

Cremilde – Eu se visse até ajudava.

Padre – Assim mesmo , temos sempre que espalhar a concórdia.

Cremilde – Qual concórdia eu ajudava a dar uns açoites naquele desgraçado.

Padre – Não sejas tola e cala-te para aí.

Lucas – Dá licença Sr Padre?

Lurdes - Adeus Sr . Padre.

Padre – Entra Lucas , o que te traz por cá rapaz?

Lucas – Desculpe , de vir tomar-lhe seu tempo ,m as eu tenho que desabafar


com alguém

Padre – Sou todo ouvidos

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Lucas – Vossa reverência está a ver estas ligaduras? Eu tenho dito que caí da
minha burra.

Padre – E não foi assim?

Lucas – Qual quê , a queda já a dei hà muito tempo.

Padre – e só agra é que pôs as ligaduras?

Lucas – Não , quando me casei é que dei um grande tombo

Padre – Homem não blasfeme

Lucas- Ó Sr Padre ela tem um génio muito ruim.

Padre – Quer dizer que ela ( faz gesto)?

Lucas - `É verdade Sr Padre

Padre – Assim sem mais nem menos.

Lucas – Não , ela só me arreia quando discutimos!

Padre – E porque não te calas meu rapaz?

Lucas – Nunca , que um homem não é de ferro!

Padre- Então ela date com força!

Lucas – ela não! Os dois , pois fica sempre dividido.

Padre- Pois , pois.

Lucas – A verdade é que eu fico sempre mais marcado, e por isso é que lhe
vim pedir um conselho.

Padre – Ora deixa cá ver …. Pois bem ouve aquilo que te vou dizer. Ela nunca
bate… ou melhor vocês os dois nunca se batem sem antes haver discussão.
Não é verdade?

Lucas – Sim

Padre- Vou-te então arranjar uma botija de água benta!

Lucas – Água? Isso é que não,, ela faz mal aos canos.

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Padre – Queres ou não resolver a tua situação? Então é o seguinte, Com esta
água tu faz fazer o seguinte, quando vires que vai haver discussão, pois um
bocado de água na boca , enquanto ela não se calar tu não engoles a água !

Lucas – Sim , Já estou a ver coisa… mas não lhe posso responder…?

Padre – Contando que não engulas a água (irónico) . Ó Cremilde! Traz de aí


uma botija.

Lucas - Assim que experimentar o seu plano venho cá dar noticias, Adeus
Cremilde. Então essa Boda

Cremilde -Está para breve

Padre – Isto está mesmo uma desgraça , nã há homem que não ande a mando
da mulher nesta paróquia.

Cremilde – E assim é que está bem

Padre – Tenho que fazer alguma coisa …, pois vou oferecer alguma coisa ao
homem que me provar que não anda a mando da mulher, vou oferecer um
saco de nozes , já que a nogueiras do passal este ano deram muita noz.

Cremilde – Pode ser que dê certo! Com o meu Manel você não conte , pois a
esse quem lhe dá as nozes sou eu.!

Cena II

(Casa de Lucas)

Sara – Até que enfim que sua excelência se digna em aparecer!

Lucas – Não comeces… Estive a falar com uma pessoa

Sara – Quem?

Lucas – Assuntos meus

Sara – Assuntos teus? Devem cá ser uns ricos assuntos! Que diabo levas aí

Lucas – Não é nada

Sara – Quem nada é peixe… deixa cá ver isso … Uma botija ,ah desgraçado
que andas a beber e não ofereces …… água, água choca.
(o Lucas tira a botija e põe água na boca)

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Ó desgraçado , tu bebeste desta água… fala desgraçado ….. tu não me faças
perder a cabeça… estás a ouvir-me estafermo. Tas a gozar comigo? Ouves ou
não espantalho?

Lucas - Irra que é demais! Quem é que é o espantalho? Chama-me lá outra


vez se és capaz?

Sara- Espantalho!

Lucas- Estojo! Camafeu!

Sara – Zé-ninguém ! Choninha!

Lucas –Regateira! Tola!

Sara – O quê desgraçado ? Eu já te ensino!

( ela bate com a vassoura ele defende-se com o pano de cozinha)

Cena III

Na tasca do Matias

Matias – Quem tu? Tiras-me o saco de nozes? Nunca , tem juízo rapaz, para já
só casas para a semana, e a Cremilde não te deixa respirar.

Manuel – Isso também não é assim.

Matias – é o que consta à boca cheia .

Manuel – isso se verá a seu tempo

Matias – As nozes do Sr Padre já têm dono

Lucas – Deite ai um copo bem forte

Matias – Homem o que foi isso agora?

Lucas - Caí da minha burra

Armando – Outra vez ? Anda sem pré a cair diabo !

Lucas – É, o animal tem manha, e não pára quieta!

Armando – Aos tombos que você já deu , se fosse comigo já a tinha


despachad!

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Lucas – Despachado?

Matias – Pois vendia?

Lucas – e acha que alguém era capaz de ma comprar?

Matias – Porque não? Até eu a posso comprar! Ela come bem ?

Lucas – Come o que eu como , couves , toucinho, sardinhas ….

Matias – não me diga que também a senta à mesa consigo?

Lucas – Claro, ela tem dente real

Matias – Nunca ouvi tal coisa, Quantos anos tem

Lucas – Vai fazer trinta e oito anos

Matias – Nunca pensei que fosse tão velha , mas ainda dá para você saltar
para cima dela?
Lucas -. Saltar para cima dela? Que raio está para aí a dizer? De quem é que
está a falar diabo?

Matias -Da burra pois então?

Lucas – Ah bom ! Eu estava a falar da minha mulher!

Matias – agora entendo, ó homem desculpe lá o que eu disse . Semre pensei


que estivesse a falar da burra.

Manel – Ó ti Samarra não me diga que vendia a mulher?

Lucas – Era já , Era mesmo já a seguir!

Manuel – Não diga isso compadre !Essas ligaduras não enganam!

Lucas – Pois não que o toro da vassoura era bastante duro! Mas ela também
levou das boas com o pano de cozinha!

Matias – Imagino (irónico)Isso assim não pode ser!! Tinha que aguentar a água
na boca !

Lucas – qual quê ela chamou-me de espantalho… isso é que não… se fosse
burro , ou mesmo maricas ….. agora espantalho … eu não sou de ferro
caramba. Pancada para cima , a meias está claro

Matias (irónico) claríssimo, ouça lá para a outra vez ponha adesivo na boca:

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Lucas – Adesivo? È isso bem pensado! Voçê não é nada burro não !Obrigado
pelo conselho , adeus !

Manel – Você também não perdoa , adesivo?

Matias Caiu como um tordo! Ah Ah Ah

Cena IV

Sara – Arre Gato ! Excomungado! Levou-me a linguiça!

Lucas – Está a dormir !

Sara – Irra que este gatos são demais , não nos podemos distrair

Lucas – Deixas as coisas à mão de semear…

Sara – que está para aí a rosnar, alma do diabo! Já não me bastam os gatos!

Lucas – se não fosses uma cabeça de vento!

Sara – ah ele é isso, queres música? Pois então faz tu o jantar ó espertinho! Vá
desenrasca-te que eu já não faço mais nada!

( Lucas põe água e adesivo na boca)

Sara – Ficas sem jantar. Agradece á tua boquinha santa seu desgraçado! Sais
à tua mãe , chato que nem uma porta. Vá desenfrasca-te , que não é sala de
cães!

Lucas – Cão ? Eu? Cadela!


Sara – E tu rafeiro ! Sabujo
Lucas – Cadela tinhosa !
Sara – espera lá que eu já te digo como elas mordem!

( ela frigideira , Ele Ramos de chá)

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CENA V
( na boda do Manel e Cremilde)
Matias – Mas pôs adesivo bastante

Lucas – Não podia levar mais, mas tive que o arrancar, se ela me chamasse
porco ou boi , vá lá que não vá … mas cão? Isso não! Depois foi como Deus
quis

Matias – O costume ela deu-lhe com a vasoura!

Lucas – desta vez foi com a sertã que estava mais à mão!!

Glória – E você, caramba?

Lucas – Eu dei-lhe logo com o ramo do chá que estava mesmo ali ao lado.

Glória – Coitadinha dela ( irónica)

Lucas –È bem feito para não me chamar nomes

Glória – Vá lá… Ti Matias dê mais uma achega!

Matias – Desta vez para alem da água, do adesivo você vai por umas rolhinhas
de estopa!. Vai ver que é limpinho!

Lucas – Pouco custa tentar , acho que anda lá um bocado de estopa!

Arminda – Ó amigos os noivos querem ir de lua de mel , vamos lá a sair ! ò ti


Matias as Nozes sempre são suas

Matias – Já se sabe! Para a semana já lá vou buscá-las!

No quarto

Manuel – Vamos os dois acende a luz do quarto, que eu apago esta , Apaga-te
luz - uma!

Cremilde – Como diabo queres que se apague sozinha?

Manuel – Apaga-te luz – duas

Cremilde – e ele a dar-lhe .

Manuel- apaga-te luz três! (envia o sapato e parte a lâmpada)

Cremilde- Que fizeste, pensas que as lâmpadas não custam dinheiro?

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Manuel- Cala.-te mulher uma ! (Cremilde cala-se imediatamente)
- vamo-nos deitar.

Cremilde – Não , não me deito como selvagens como tu!

Manuel – Vamo-nos deitar - uma ( Cremilde vai logo imediatamente)

CENA IV

Lucas – Voltou a escrever o Brás

Sara – Quem?

Lucas - O Brás , caramba , aquele que nos quer comprar o prédio da roseira,
para vir morar para cá !

Sara – Se pagar bem porque é que não havemos de vender? Deve ter bom
dinheiro, foi daqueles que se governaram no tempo da velha senhora.

Lucas – Cala-te para aí mulher , para quê vender , fala-me antes em comprar.

Sara – Pois eu é que me esfalfo lá naquele prédio, mudo as vacas , ponho


silo , lavro a terra, agora tu , mandrião não fazes nada ! ( Lucas , põe adesivo,
água e estopa )
Julgas que eu me sento muitas vezes a descansar? A cozinhar , a varrer e a
esfregar! É que vamos vender esse pedaço de terra para ver se eu me aprumo
com algumas jóias , e tu com umas meias de lã. Está ouvir! Eh homem! O que
é isto …. Estopa? Ah seu ordinário, falo eu ou chiam carros?

( dá-lhe com a soca ele com a carta)

Cena VII

Cremilde – Dá licença?

Padre – Entra ! Ó Cremilde o que tens tu mulher?

Cremilde – Olhe Sr padre, saiu-me o tiro pela culatra!

Padre- Então como assim?

Cremilde – O meu Manuel! Muito sonso, em solteiro, muito falinhas mansas –


vai-se a ver , depois de casado, saiu-me melhor que a encomenda

Padre – Agora entendo! , deixa me rir.

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Cremilde – O Sr padre não se ria , que não tem piada nenhuma!

Padre – Se as Nozes não tivessem prometidas elas iam para o teu Manuel!

Cremilde – Mal de mim ! Mas acho que tem razão.

Lucas – Dá licença Sr padre

Padre – Entra Lucas !

Matias – O Sr padre dá licença !

Padre – Entra Matias!

Lucas – Bem é melhor ir-me embora que eu já me envergonho, fica para outra
altura a conversa com Vossa senhoria.

Matias – Olá Lucas , Adeus Lucas! Ia com pressa o desgraçado

Padre – Então vieste às nozes? Trazes saco?

Matias – Este pequeno. Pois a minha Eulália disse-me para trazer este.

Padre – Ai sim ! Explica-te lá!

Matias – Ela disse-me que deveria trazer este, para não parecer que quereria
ser avantajado e abusador

Padre – Muito me conta. E ela dá muitas opiniões?

Matias – Sim, aquela doçura de mulher ainda no outro dia me virou as ideias.

Cremilde – Conta lá como foi:

Matias – Eu queria aumentar o preço do vinho lá na tasca, mas depois ela,


disse-me que poderia perder a clientela e eu aceitei.

Padre – Pois parece-me a mim que não mereces as nozes!

Matias – Como assim?

Padre – Há muitas maneiras de andar a mando de uma mulher, e parece-me a


mim que a tua faz de ti o que quer, com as suas falinhas mansas, é claro
( irónico)

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Matias – Tem graça, nunca tinha pensado nisso antes. Não levo as nozes
paciência. Agora tenho de ir que a minha Eulália pediu-me para levar comida
para os coelhos!

Padre – Pois está mais que visto, adeusinho que daqui não levas nada!

Cremilde – quem diria hã?

Padre – Pois, uma desgraça é o que é, esta freguesia está condenada a andar
a mando das mulheres.

Bispo- Dá licença reverendo?

Padre -Sr. Bispo como vai vossa Reverência?

Bispo- Decidi parar para ver como andam as coisas. Ouvi dizer que ofereceu
um saco de nozes ao homem que não andasse ao mando da mulher!

Padre- Pois , mas tive um desgosto, o homem a quem estavam prometidas


também ele anda a mando da mulher. Uma Desgraça!

Bispo – E não existe mais nenhum?

Padre – a não ser o homem aqui da Cremilde, que pelo que parece é dos
duros, não me resta mais nenhum.

Bispo – Pois a mim parece-me que já encontrei dono das Nozes

Padre – ai sim?

Bispo – Já que pelo o que ouvi, esse homem é casadinho de fresco, e sendo
assim, ainda pode ser prematuro fazer juízos de valor. Ora como você
prometeu está prometido, as nozes são para mim!

Padre – Para si?

Bispo – Não havendo mais ninguém, eu como vosso superior, e sabendo que
o Sr. padre não quer ser transferido para outra paróquia, devo ficar com elas, e
Ainda porque eu gosto muito nozes! Então com um bocadinho de mel!

Padre – Tem toda a razão, não é que aqui no passal as abelhas fartaram-se de
trabalhar e deram muito mel! Arranjo já o seu pedido num estante.

Bispo – Para além das nozes, gosto muito de queijo e de um bom vinho! É de
família sabe?

Padre – Cremilde, rápido, nozes, mel, queijo e vinho para o Sr. Bispo!

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Bispo – Bem sendo assim não vale a pena fazer as suas malas, vejo que está
muito bem por aqui! E tem que continuar a por em ordem o seu rebanho!

Padre – Sim Sr. Bispo, deseja mais alguma coisa!

Bispo – Não, não quero abusar de sua hospitalidade! Olhe para o ano em vez
de um saco de nozes, prometa um bom presunto, que depois eu venho cá ver
como andam as coisas.

Padre – Sim… um presunto ….uma vaca …. Um porco….. como vossa


senhoria desejar!

Bispo – então adeus e até à próxima!

Padre – A sua bênção…….

O bispo sai

Padre – Ai, estava a ver que ia mudar de paróquia. Este Bispo saiu-me melhor
que a encomenda. Como diz o outro – “Guardado está o bocado para quem o
há de comer”

Fim

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