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“O Hippie”

Elenco (Por ordem de aparição):

Armando:_______ _________________
Marine:_________ _________________
Hippie:_________ _________________
Carminha:________ ________________
Natureza:________ _________________
Sol:__________
Lua:___________ __________________
Bartolomeu:____ __________________
Verônica:________ ________________
Sofia:__________ __________________
Francisca:________ _______________

Possiveis – Empregada, dois hippies

CENA 1:
Armando e Marine
CENA 2:
Armando, Hippie, Carminha, Natureza, Sol e Lua
CENA 3:
Hippie, Carminha, Bartolomeu e Verônica
CENA 4:
Sofia, Hippie, Bartolomeu e Maricleuza
CENA 1 (1953) – ARMANDO SENTADO À MESA IMPACIENTE.
ENTRA MARINE COM UMA BANDEIJA COM UM PRATO DE SOPA.

MARINE – Sua sopa, armando.

ARMANDO – Eu não devia estar aqui, Marine!

MARINE – Não brigues comigo. Foram ordens médicas.

ARMANDO – Mas esse médico é um irresponsável! Será que ele não sabe que se eu
passar um dia fora da empresa eu perco lucros incríveis?

MARINE – Irresponsável é quem não cuida da saúde. Já estavas há três semanas trancado
naquele escritório sem te alimentares e sem te divertires.

ARMANDO – O trabalho é a minha diversão! O ramo de imóveis pode ser muito


divertido... eu adoro pegar aquelas notinhas todas e guardar no bolso... elas ficam tão
bonitas... tu sabes, Marine: sem lucro eu não sou ninguém!
MARINE – Eu é quem sei, Armando... és um homem de negócios, mas quem sofre sou
eu.
ARMANDO – Para veres que sem lucro eu não sou ninguém.

MARINE – eu tenho algo pra te contar que, suponho, vai-te deixar mais excitado do que a
valorização do euro.

ARMANDO – O quê?! As ações subiram?!

MARINE – Não, eu... eu estou grávida!

ARMANDO – Como é que é?!

MARINE – O que foi? Não gostas?

ARMANDO – Repete...

MARINE – Eu estou grávida!

ARMANDO – Como é que é?! Repete...

MARINE – Para com isso! Eu já estava desesperada!

ARMANDO – Você é uma leviana..!

MARINE – Não, Armando, o filho é teu!!

ARMANDO – Como é que é?!

MARINE – O filho é teu!

ARMANDO – Repete...

MARINE – o filho é teu!

ARMANDO – Mas como, se faz cinco meses que nós não... tu sabes!

MARINE – Ora, lembras-te daquela noite que os negócios subiram e tu conseguiste


fazer… algo?

ARMANDO – Lembro, mas nessa mesma noite a televisão do vizinho estava alta e eu
escutei que as bolsas europeias tinham fechado em baixa e aí...

MARINE – E aí?!

ARMANDO – E aí que eu perdi tudo...


MARINE – Mas a questão é que tu vivias me aborrecendo, dizendo que eu tinha me
juntado contigo por causa do dinheiro...

ARMANDO – E não foi por isso?

MARINE – Não, e agora eu fiquei grávida para te provar isso. Agora me fazes o favor de
soltar essa faca?

ARMANDO SE DÁ CONTA DE QUE ESTÁ COM UMA FACA


APONTADA PARA O ESTÔMAGO DA MULHER. SEM GRAÇA,
ABAIXA A FACA.

ARMANDO – É, pensando melhor... agora eu começo a gostar dessa idéia.

MARINE – Que bom, meu amor, porque da última vez que brigámos tive que chamar o
Padre Geraldo.. vou guardar essa faca na cozinha!

ARMANDO – Na verdade isto é muito bom! Eu não consigo aceitar a idéia de não ter um
varão para herdar as minhas empresas, as minhas casas, o meu capital...

MARINE – E se for mulher?

ARMANDO – Deus não seria assim tão injusto comigo. Mas temos que contar com essa
probabilidade... ao passo que, se for mulher, estamos na década de cinqüenta e hoje em dia,
as mulheres já estão alcançando cargos que há alguns anos nem sonhariam alcançar. Sendo
assim, se for menina, daremos a ela o cargo de minha secretária e trataremos de fazer um
filho macho para me substituir.

MARINE – Oh, querido... tu és tão liberal, previdente, maravilhoso e … rico... E agora que
sabes que eu não sou interesseira, podemos finalmente nos casar... Afinal, já são SEIS
MESES juntos, as pessoas já estão a começar a comentar...

ARMANDO – Casaremos assim que esse rapaz nascer. Eu quero ver a cara dele e se o
bébé for que nem eu: bonito, simpático, inteligente, trabalhador...

MARINE - ...modesto...

ARMANDO – Isso, modesto também e com cara de quem sabe o que quer..., eu casarei
contigo.

MARINE – De uma coisa eu já sei: seremos muito felizes!

ARMANDO SAI DA SALA CANTAROLANDO. MARINA DESFAZ A


CARA DE BOAZINHA E MOSTRA SEU VERDADEIRO CARÁTER
MARINE – Você aqui e eu em PARIS! Pão-duro, sovina... trinta anos mais velho que eu e
ainda quer que o filho seja dele... idiota!

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CENA 2 (1970) – ARMANDO ESTÁ BEM MAIS VELHO, COM ALGUNS


POSTAIS NA MÃO, SENTADO EM SEU SOFÁ. LÊ OS CARTÕES E
SUSPIRA.

ARMANDO – “Voltarei logo, coloquei lasanha no congelador”... Ai que saudades da


minha velhota... Faz exactos dez anos que não a vejo. E ela ainda me pergunta como eu
vou... sei lá como eu vou! Olha lá isto, esses cartões postais estão se a entulhar e eu não
agüento mais ver a foto da Torre Eiffel. Deixa -me ler este outro aqui... “Como vai o nosso
varão? Ele já está administrando o nosso império?”

UM SOM DE ROCK ALUCINADO SAI DO QUARTO DO FILHO DE


ARMANDO. NA SALA, O PAI COM OS POSTAIS NA MÃO.

ARMANDO – Falando nele, aí vem a figura...

ENTRA O HIPPIE ARRASTANDO OS PÉS NO CHÃO, ANDANDO


TODO ESCULACHADO DE SANDÁLIAS, CALÇA BOCA DE SINO,
CORRENTES E TATUAGENS.

ARMANDO – Se já não bastasse aquela amostra terrível de poluição sonora, fazes ranger
o soalho?! Faz silêncio que eu quero ler!

HIPPIE –É mesmo... já está na hora de trocar esse soalho, bacano.

ARMANDO – Não sou “bacano”, sou teu pai!

HIPPIE – És o“velho” do meu coração! Vou sair, bacano!

ARMANDO –vais sair com essa roupa?!

HIPPIE – O quê...queres que eu fique nu? Boa, sempre quis andar que nem os índios:!

ARMANDO – O que os meus amigos da sociedade vão dizer?!

HIPPIE – Ah, sei lá, que meu cabelo é fixe, que estou na moda?!

ARMANDO – Não, que você é a escória da humanidade, o ser mais abominável, o terror
de todas as culturas! Em suma, um lixo!

HIPPIE – obrigado, velhote!... Muito obrigado!


ARMANDO – Filho, eu chamei-te nomes... não teci nenhum elogio!

HIPPIE – Paizão, mas foi o máximo! Não dá para escreveres tudo isso que falaste pra eu
chatear a malta da escola? Eles vão achar muito baril!

ARMANDO – Eu até gostaria de escrever. Mas eu aposto que nem ler tu sabes... já leste a
Bíblia, meu filho?

HIPPIE – calma aí velhote, também não é assim! Só tenho dificuldade com as letrinhas de
mãos dadas. Se escreveres com letra de máquina, tá tudo nos conformes. Bíblia é aquele
livro muita groooooooooooosso que tem um monte de letras de mãos dadas, bem pequenio
assim...

ARMANDO – Quando pretendes arrumar trabalho?

HIPPIE – Credo, velhote,! Vai de reto... endoidaste?! Eu já ganho um dinheirinho extra


nuns trabalhinhos que eu faço pra malta...

ARMANDO – Foi pra isso que eu te eduquei? Para meia dúzia de vagabundos te tirar do
teu caminho?

HIPPIE –O meu bando não tem 3 pessoas! tem 12 pessoas! É muito fixe... a gente fica
cantando debaixo da lua amiga e vendo o tempo passar... É tudo tão lindo,... Até tu, ficas
lindo embaixo de uma lua...

ARMANDO – Eu sei que estás atravessando um momento difícil... na minha juventude


também foi assim. Vou ver se uma psicóloga te pode ajudar. A Carminha, por exemplo, ela
anda a estudar para psicóloga.

A CAMPAINHA TOCA. O HIPPIE OLHA QUEM É.

HIPPIE – tem uma coisa da Carminha que tu não sabes...

ARMANDO – O quê?!

O HIPPIE ABRE A PORTA. ENTRA CARMINHA, COM UM CASAL DE


AMIGOS CHEIO DE CORRENTES, BRINCOS, CABELÃO, ROUPAS
LARGONAS E OLHEIRAS PROFUNDAS.

CARMINHA – E aí, bacano, como é que tás? Trouxe uns amigos aí pra conhecer a tua
casa. Oh! Sr Armando, deixa -me apresentar para o SR.. esse é a Natureza, o Sol e esse...

LUA – Meu nome é Lua. Bacano, adorei a tua roupa!

ARMANDO – Carminha! Tu também viraste hippie?!


CARMINHA – Epá , olha o gaijo... tá doido?! Eu sou hippie desde que nasci. Em vez de
biberão, a mamã colocou um piercing no meu nariz, qual é... (PARA O HIPPIE) – Por quê
tanta demora?!

HIPPIE – É que meu velho resolveu ter uma conversa de seca, justamente agora!...

ARMANDO – Mas Carminha, você era tão inteligente... Que desperdício! E agora?

CARMINHA – Calma, peace and love, velho, essa coisa de inteligência é relativo, topas?
Por exemplo, o hippie é o único grupo que consegue conversar somente com vogais!
Queres ver?

ARMANDO – Por favor, poupe-me!

CARMINHA (PARA O HIPPIE) – Oi.

HIPPIE – E aí?

CARMINHA – É?!

HIPPIE – É, ô...

CARMINHA – Ah!

HIPPIE – Gostou, paizão? É um clássico, deveria ser publicado no New York Times... já
tem até nome: “Óéaiéah”

ARMANDO – Não acredito, meu filho... tu não queres integrar-te na sociedade?!

HIPPIE – Eu estou na sociedade!

ARMANDO – Mas dói-me o coração de saber que tu não pretendes trabalhar, constituir
uma família, ir à igreja...

HIPPIE – Bom, constituir família eu constituo, é fácil... tudo sobre control! (O pai fica
mais aliviado)

ARMANDO – E quanto ao trabalho?! Lembre-se, meu filho: “Deus ajuda quem cedo
madruga”.

CARMINHA – Ih, que foleiro, SR Armando...

SOL – É assim que se fala: “Quem cedo madruga... fica com sono o dia inteiro”!

NATUREZA – Quem ri por último... é retardado!


LUA – Quem ama o feio... é cego!

SOL – Alegria de pobre... é impossível!

HIPPIE – Quem com ferro fere... não sabe como dói!

CARMINHA – Quem tem boca... vai ao dentista!

SOL – Os últimos... serão desclassificados!

LUA – Quem não tem cão... não caça!

NATUREZA – Água mole em pedra dura... tanto bate que acaba a água!

LUA – Se Maomé não vai à montanha... então ele vai à praia, ao campo, ao shopping...

ARMANDO – Vão pra igreja, meus filhos...

CARMINHA – Depois da tempestade... vem a gripe!

NATUREZA – Antes tarde... do que mais tarde ainda!

CARMINHA – Na verdade, bacano, essa coisa de sociedade é relativa... Como queres que
eu acredite na tua sociedade, se tu vestes essa roupa de marciano?

ARMANDO – Isto é um Valentino!

HIPPIE – “Caretino”, isso sim!Tu és o meu pai, velho, então, deves ter algo de mim!
Aposto que ainda não aprendeste a expandir a mente...

ARMANDO – Claro que aprendi. Eu leio muito e assim expando a minha mente!

CARMINHA –Velho, decididamente tu não estás lá! Estou a falar de expandir a mente...
não forçar a vista! Eu expando a minha mente todo dia... Queres ver o meu exercício de
ioga?

ARMANDO – Ai, poupa-me! Afinal de contas, o que eu posso fazer para vocês saírem da
minha frente?!

HIPPIE – Bom, eu queria a chave do carro para levar a Carminha para dar umas voltas...

ARMANDO (Colocando a mão no bolso) – Está bem. Desde que você não resolva ir até a
Califórnia com o meu carro...

CARMINHA – Não te preocupes não,bacano…

ARMANDO – Espera aí!! Tu não podes conduzir... Tem menos de dezoito anos!
HIPPIE (Com sarcasmo) – E você tem mais de sessenta e cinco... Também não pagas o
autocarro ! Nada de aristocracia, velho! Vamos directos ao assunto. Vais- me dar a chave
ou não?

ARMANDO – Não!!!

HIPPIE – Ih, Carminha... vamos ter que roubar outro carro!

FECHA NA CARA DE TERROR DO PAI.

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CENA 3 (1987) – O HIPPIE, DEZESSETE ANOS DEPOIS, JÁ COM


ALGUNS CABELOS BRANCOS ESTÁ SENTADO NUMA CADEIRA AO
LADO DO SOFÁ, COM OS DEDOS DO PÉ BALANÇANDO, POSANDO
DE APOSENTADO, LENDO O JORNAL “Le Monde”.

HIPPIE – Hiiii, tá muito quieta esta casa!Que silêncio! Como eu posso ler desta forma?!

TOCA “Il Divo”

HIPPIE – EU ODEIO ESTA MÚSICA! Gostar de música clássica ainda vai, mas “IL
DIVO”, não! Olhem só este jornal... sempre a mesma porcaria: a águia carniceira(USA)
continua a criar estratagemas políticos para dominar o mundo! Não é a toa que meu pai, de
um dia para o outro, largou tudo o que tinha e foi morrer em Paris ao lado da minha mãe. Já
minha mãe é uma verdadeira burguesa... Ao saber que meu pai havia deixado tudo para
mim, só não o matou porque ele já estava com o pé na cova. Ô Carminha!Estás me a ouvir,
Carminha???

CARMINHA (Com um avental de cozinha) – Não escuto nada quando estou a cozinhar...
Já estou de cansada de todos os dias a mesma conversa! Não ser rico, vá lá... mas daí doar
tudo que teu pai deixou para o Partido Comunista foi burrice demais... Agora estamos nós
aqui pobres e mal pagos! Espero que o nosso filho não cometa os teus erros!

SOM FORTE E ESCANDALOSO DE UMA ORQUESTRA SINFÔNICA.


VESTINDO UM ELEGANTE TERNO, O FILHO DOS HIPPIES SAI DO
QUARTO COM UMA BATUTA, REGENDO UMA ORQUESTRA
INVISÍVEL E, PARA O DESESPERO DE SEU PAI, DANÇANDO E
REBOLANDO. O PAI PÁRA E FICA OLHANDO IMPIEDOSO PARA O
FILHO.

HIPPIE – Estás a parecer uma fada madrinha com a varinha de condão!

BARTOLOMEU – Estou a treinar, pai...


HIPPIE – E para quê?! Para seres a rainha das fadas?!

BARTOLOMEU – Não, para ser maestro!

HIPPIE – Como assim maestro?!

BARTOLOMEU – Ora, eu matriculei-me numa escola de música.

HIPPIE – E sem me consultar?

BARTOLOMEU – Eu avisei a mãe...

CARMINHA VEM LÁ DE DENTRO COM UM OVO ESTATELADO NO


AVENTAL.

CARMINHA – Eu pensei que tu fosses gostar, querido...

HIPPIE – Mas já foi o tempo que música era música.

BARTOLOMEU – Não seja por isso, pai... só estudarei clás-si-co!

HIPPIE (Imitando) – Mas também não precisa a-bu-sar!

BARTOLOMEU – Bom, pai, mãe, estou indo então...

HIPPIE – Espera aí, ó meu! Que tipo de roupa é essa? Queres sair dessa maneira?!

BARTOLOMEU – Ai, pai... é que eu estava a mexer nas coisas velhas e achei este fato
que era do Avô. É um Valentino... custa uma fortuna!

HIPPIE (Atônito) – Isto é culpa tua, Carminha!!! Não amamentou o gaiato direito!

CARMINHA – Culpa minha ! Culpa tua que insistis-te no curso de ioga quando estava
grávida. Numa das aulas ele deve ter batido com a cabeça em algum sítio

HIPPIE – É que eu pensei que a ioga fosse ajudar o nosso filho a nascer saudável!

CARMINHA – Pois é, idiota! E o pior é que ele nasceu saudável até demais! Olha só pra
ele... tanta coisa pra ele achar no baú velho, tantas lembranças boas e ele me encontra logo
esse maldito fato! Ele nasceu desmiolado, bacano! Também,ficavas gritando o nome do
Che Guevara no ouvido dele o tempo todo!

HIPPIE – Ora, eu queria que ele nascesse comunista.


CARMINHA – Mas foi pior, bacano... criou aversão na cabeça dele! Ou então, nosso azar
foi tão grande que justamente o capitalismo que assombrava o seu pai, pousou na cabeça do
nosso pobre Bartolomeuzinho!

HIPPIE – “Bartolomeu”... Isso é nome de gente? Isto foi culpa tua! Foste tu quem lhe deu
o nome . Não me escutaste... os nomes que eu queria eram muito mais interessantes.

CARMINHA – Siiiimmm.. “STALIN GORBATCHEV GUEVARA DE LENIN


CASTRO”...

HIPPIE – O que têm demais? Nomes fortes! Comunistas!

CARMINHA – E “NICOLE JOSÉ MARIA SACHA”?!

HIPPIE – Caso ele não soubesse muito a sua opção sexual e quisesse optar quando
estivesse adulto!

BARTOLOMEU – Mas pai, a minha opção sexual...

HIPPIE (Cortando) – Eu sei, meu filho... toda gente sabe... ninguém precisa ouvir isso!

BARTOLOMEU – Pai… mãe!!! Fiquem vocês sabendo que eu estou noivo!! E ela já deve
estar a chegar para irmos à ópera.

HIPPIE – NOIVO?!?!? Carminha, este rapaz não pode ser meu filho! Ele perderá os
melhores anos da sua vida!

BARTOLOMEU – Não sei porquê tanta histeria. Afinal, tu também casaste cedo

CAMPAINHA TOCA. BARTOLOMEU VAI ATENDER A NOIVA QUE


CHEGOU. NO MOMENTO EM QUE A NOIVA ENTRA OS DOIS FICAM
SURPRESOS COM A CENA QUE ESTÃO ASSISTINDO.

HIPPIE – Mas o nosso relacionamento sempre foi muito aberto e democrático, sem
nenhuma ditadura!

CARMINHA – O nome “Bartolomeu” também foi a pedido do seu pai, amor... por isso eu
dei esse nome foleiro para ele.

HIPPIE – FOLEIRO é tu me chamares de “amor”... Olha rapaz aqui,... chama-me pelo


nome. Nós fizemos todas as vontades do meu pai e olha o que aconteceu:o meu filho parece
ser filho de incubadeira... veste-se que nem o avô, fala que nem o avô, torce pelo sporting
que nem o avô... (Olha para Carminha com uma cara de desconfiança. Carminha finge que
não é com ela.) Ô, Carminha... vem cá.. diz-me uma coisa...
BARTOLOMEU – Ei! Ei! Vocês dois... por favor... será que agora eu posso apresentar a
minha noiva a vocês?

(AMBOS SE OLHAM SATISFEITOS)

CARMINHA – Claro que sim, Bartinho... Qual é o nome da sua alma gémea?

BARTOLOMEU – O nome de minha noiva é...

VERÔNICA – Verônica, muito prazer!

CARMINHA – Olha, que sotaque baril... De onde você é? Das BEIRAS ?

VERÔNICA – Não, meu senhor eu sou Brasileira, de Recife, mas vivo em Portugau fazem
muitos anos.

CARMINHA (Excitada) –Hiii... ó amor estes dois… é tão excitante! Lembraste da nossa
juventude, nós dois na praia,

HIPPIE – Se me lembro?.Hiii.. a gente com a areia, a areia com a gente... a gente com a
lua, a lua com a gente... a gente com o mar, o mar com a gente... a gente com...

BARTOLOMEU – PAI! PÁRAS COM ISSO!!!

CARMINHA – O teu pai é um filósofo, Bartinho.

HIPPIE – Mas está-me a faltar inspiração! São vocês que me perturbam, tal e qual o teu
avô fazia!

BARTOLOMEU – Verônica, deverias ter conhecido o meu avô!

VERÔNICA – E qual era o nome de seu avô?

HIPPIE E CARMINHA (Juntos) – VELHO!!!

VERÔNICA – “Velho”? Nossa, que nome espirituoso...

CARMINHA – Espirituoso?!

HIPPIE – Mas voltando ao assunto, rapaz! O que é que pretendes da vida vestido dessa
maneira?

VERÔNICA – Mas ele está tão lindo, tão legal...

BARTOLOMEU – Ora, estudar música, me preparar, ser honesto, ir à ópera, conhecer o


mundo...
HIPPIE – Gostei do “conhecer o mundo”!

BARTOLOMEU - ...trabalhar...

HIPPIE – O QUÊ???????

O HIPPIE CAI SENTADO TENDO UM ATAQUE. CARMINHA,


APAVORADA, VAI AO SOCORRO DELE E BRONQUEIA COM O
FILHO.

CARMINHA –Queres matar o teu pai de desgosto, meu filho?! trabalhar?! Tu só tens
dezassete anos!

VERÔNICA – Mor, não contou para seus pais sobre emprego na fábrica de caipirinhas de
me papai?

BARTOLOMEU (Aturdido) – Pois é... eu... eu ia deixar para falar com vocês num
momento mais oportuno, mas eu... eu... eu arranjei um emprego!

OS PAIS FICAM BOQUIABERTOS E ATÔNITOS

HIPPIE – Aposto que ele só faz isto para nos contrariar, Carminha, nos punir... deve existir
alguma cura... deve existir... PSICOLOGIA!!! Vamos mandá-lo para os Açores!

CARMINHA – Os tempos mudaram, bacano... antes nós faziamos de tudo para ter um
cantinho escurinho para namorar. Hoje, estão pensando em namoro virtual,... Estamos em
1987 e agora ficam vários imbecis namorando através de computador... Depois, os tolinhos
somos nós!

HIPPIE – E o que fizeram com o rock?! O QUE FIZERAM COM O ROCK???? As nossas
violas tocando em troca de algumas moedas na rua... hoje, a música é produto usa deita
fora, vem uma música, vende e é descartada, até surgir outra mais interessante mais
popular, é Pimba!

CARMINHA – E além de tudo... (Começa a chorar) Eles trabalham!!

HIPPIE – E se entregam a este mundo capitalista e esquecem-se de nós, velhos lutadores


de outrora... E O POVO PÁ!

NUM DRAMALHÃO MEXICANO, AMBOS SE ABRAÇAM E CHORAM


COPIOSAMENTE E ESCANDALOSAMENTE.

BARTOLOMEU – Bom, pai... mãe... não me queiram mal, mas eu vou tomar uma atitude
e eu acho que vou ter que...
HIPPIE – O QUE??? (Esperançoso) vais fugir de casa... partir tudo... mandar-nos à
fava?!

BARTOLOMEU – Não, eu não faria uma coisa dessas com vocês.

OS DOIS EXPLODEM EM CHORO.

BARTOLOMEU – Bom,temos de ir... estamos atrasados para a ópera!

HIPPIE – Espera, filho... toma lá as chaves do carro... e vai à tua vida,... toma conta do
carro também... ele era do teu avô e creio que ele ficaria muito feliz ...

BARTOLOMEU – Mas pai, eu não conduzo. Eu sou menor de idade!

AMBOS GRITAM ALUCINADOS.

HIPPIE E CARMINHA: PEGA JÁ NA MERDA DA CHAVE!!!

BLACK OUT EM CIMA.

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CENA 4 (2002) – BARTOLOMEU, O FILHO DO HIPPIE, JÁ ADULTO,


ESTÁ EM SUA SALA, VESTIDO COM UM PIJAMA DE BOLINHAS,
OUVINDO MÚSICA CLÁSSICA E REGENDO COM A BATUTA SUA
ORQUESTRA INVISÍVEL. DE REPENTE, UM SOM CHATO DE
APARELHO ELETRÔNICO INCOMODA O JÁ FAMOSO MAESTRO,
QUE PÉ ANTE PÉ VAI ATÉ UM CÔMODO, ONDE ESTÃO SOFIA, UMA
ADOLESCENTE DE SEUS TREZE ANOS E O HIPPIE, SEU PAI,
JOGANDO UM VIDEOGAME COM UM LACINHO DE FITA NA
CABEÇA E UM MACACÃO DE GAROTA APERTADO NO CORPO
TENTANDO SE CAMUFLAR.

BARTOLOMEU – Pai, eu sei que és tu!

NESSE MOMENTO, A EMPREGADA ENTRA TRAZENDO UM LANCHE


PARA SOFIA E O HIPPIE.

FRANCISQUINHA – Olha o lanchinho...

O HIPPIE LEVANTA ASSUSTANDO A EMPREGADA QUE DEIXA


CAIR A BANDEJA.
FRANCISQUINHA (Grita) – CREDO, NOSSA SENHORA DA AGRELA!!! O quê que o
senhor está fazendo vestido dessa maneira???

HIPPIE – Ihhhh... Qual é, Francisquinha! Que conversa é essa de senhor? O senhor tá no


céu, tá bém?

FRANCISQUINHA – É não é? Está Bem... mas quem vai ter que limpar esta procaria
toda, pra variar, sou eu, não é...?

HIPPIE – Qual é minha filha... Não stresses, deixa tudo assim mesmo.

FRANCISQUINHA – E quem é que vai “agarantir” o meu emprego ,o meu salário... o


senhor?!

HIPPIE – Ihhhhhhhhh...

SOFIA – Merda!!!

BARTOLOMEU – O que é isso, minha filha?

SOFIA – Pai, foi a palavra que eu aprendi hoje! Não é fixe?!

O MAESTRO OLHA DESCONFIADO PARA O PAI.

HIPPIE – Ei, não me olhes assim,

BARTOLOMEU – CHEGA, PAI!!! Estás a viciar a minha filha com esses hábitos
rebeldes sem causa. Se não fosse o meu sucesso,estarias perdido e se não fosse a minha
gestão, tu pegarias em todo o dinheiro e o doarias para o partido comunista.

HIPPIE – Eu não sou má influência para a menina. Ela sabe discernir qualquer porcaria,
do que é certo e errado! Queres ver?

BARTOLOMEU – Ai, poupa-me...

HIPPIE – Sofia, quantos anos tens?

SOFIA – Treze!

HIPPIE – Qual o melhor país pra se viver?

SOFIA – A China!

HIPPIE – Quem é o melhor homem do mundo?


SOFIA – Tu,não é avô?

HIPPIE – E o melhor charuto?

SOFIA – Cubano!

HIPPIE – Qual é a cor dos meus cabelos?

SOFIA – Preto!

HIPPIE – Crespos ou lisos?

SOFIA – Lisos!

HIPPIE – Que shampoo é que eu uso?

SOFIA – Nenhum, prefere sabão !

HIPPIE – E amaciador?

SOFIA – Coisa de gay!!!

HIPPIE – E qual é o Teu verdadeiro nome?

SOFIA – Sofia!

HIPPIE – Nome de...?

SOFIA – Gente complexada!

HIPPIE –Vais-te chamar de...?

SOFIA – Afrodite!

HIPPIE – Muito bem, palmas pra ela!!!

BARTOLOMEU – Afrodite??

HIPPIE – Ihhhhhh.. Afrodite é a deusa da beleza! Que raio de maestro é este que não sabe
mitologia?

BARTOLOMEU –! Eu passo a semana toda fora, a viajar e olha o que tu fazes com a
minha filha... tu sabes muito bem que eu não gosto desses nomes esdrúxulos! Parece coisa
de gente sem família. O nome da minha filha é Sofia! E trata de tirar esse boné horroroso
da cabeça! (ELA TIRA O BONÉ) Sofia tem nome e sobrenome. Sobrenome esse que eu fiz
com que todos conhecessem nos quatro cantos do mundo!
HIPPIE – Se não confias em mim, por que não a levas contigo?

BARTOLOMEU – Ora, pai... Porque ela precisa ficar para tomar conta de ti!!!

HIPPIE – Olha lá, não me venhas com essa! Tu deves achar-me um irresponsável, mas ela
tem que saber que tem cabeça própria e que pode fazer o que quer.Ela é inteligente, sabe
filtrar o que eu digo, e tira o que ela acha que é certo!

SOFIA (Berrando pela casa) – A ÁGUIA CARNICEIRA FINALMENTE VAI MORRER


DEGOLADA!

O HIPPIE OLHA SEM GRAÇA PARA SEU FILHO.

HIPPIE – Talvez ela esteja com esse filtro meio desregulado...

BARTOLOMEU – Eu devia fazer como a mãe... Largar -te por aí... mas não, eu cuido de
ti , te ajudo e olha como tu me recompensas...

HIPPIE – Ei, ei! Que conversa é essa de me largar por aí?! Não me venhas dar uma de
importante para cima , bacano! Eu sou um bacano mais vivido que tu, sei mais da vida que
tu e agora tu me abandonas como se fosse um vinil trocado por um CD? Só porque tem
mais brilhosinho, é pequenininho, e “compacto”. Eu posso não ser compatível, meu filho,
mas eu sou real e sincero.

SOFIA – Avô, eu nunca te abandonaria...

HIPPIE – Obrigado, eu sei... eu acho que tu terias gostado de conhecer a minha velha...

SOFIA – A que mora em Paris?

HIPPIE – Não, essa é minha mãe, a sua bisavó. Eu estou a falar da mulher com quem um
dia eu estive casado...

SOFIA – A que se separou de ti...

HIPPIE (Com lágrimas nos olhos) – Sim... a que se separou de mim e está completamente
fora do meu alcance...

SOFIA – Aposto que ela está no céu com saudades de ti, avô...

HIPPIE (Querendo sorrir) – É... ou então ela está no limbo fumando um bom charuto
cubano...

BARTOLOMEU EMOCIONA-SE TAMBÉM


BARTOLOMEU – Eu também fiquei muito triste com a partida dela. Ainda me lembro do
seu último pedido...

HIPPIE – Para mim, ela pediu que eu cuidasse da Sofia, ensinando coisas boas pra ela.

BARTOLOMEU – Para mim, ela pediu que... bem...

HIPPE – Vamos, fala!

BARTOLOMEU – Ela pediu-me… dramaticamente para que eu nunca mais usasse este
pijama...

HIPPIE (Sorrindo) – Uma vez Carminha, sempre Carminha... Eu teria pedido o mesmo!
Esse pijama é uma porcaria! E porque é que tu não lhe satisfezeste esse ultimo desejo.

BARTOLOMEU (Emocionado) – Eu tenho a esperança de um dia ela vir me cobrar


pessoalmente a promessa...

HIPPIE – Oh, filho...

BARTOLOMEU – É assim…! Eu odiava –os , mas vocês eram tudo que eu tinha e ao usar
esse ridículo pijama, presente francês da avó, eu sabia que um dia vocês iriam bater na
porta do meu quarto para reclamar da exacerbada falta de vergonha por usar algo de tão
mau gosto. Por incrível que pareça, eu gostava , fazendo de mim o que eu sou hoje...

HIPPIE - ... um bom rapaz, bondoso, que me deixa morar aqui, com vocês...

SOFIA - ... um pai amigo, que é famoso e que me deu uma playstation...

HIPPIE – E principalmente (Emocionado, abrindo os braços para abraçá-lo) uma pessoa


solidária, que me deu a Sofia, esta menina linda, dando-me a única razão pela qual eu
continuo a viver.

TODOS ABRAÇAM-SE FERVOROSAMENTE

BARTOLOMEU (Ainda emocionado) – Pai, queres viajar comigo na próxima digressão


para a Europa? Podemos encontrar a Avó Marine para ficarmos todos juntos pra
lembrarmos os velhos tempos.

HIPPIE – Vou adorar!

SOFIA – Eu também!

HIPPIE – Agora vai, meu filho, pois eu tenho que ensinar a Sofia a passar de fase neste
jogo .
BARTOLOMEU – Todos nós precisamos passar de fase, meu pai. também precisas passar
a tua...

HIPPIE – Boa... Onde foi que aprendeste a falar em metáforas? Eu acho que vai demorar
ainda um pouco para eu mudar de fase , filho...

BARTOLOMEU – Por quê?!

HIPPIE – Lembras-te daquele dinheiro que tu me deste depois de nossa última discussão?

BARTOLOMEU – Lembro... Era para comprares uma casa e sumires do mapa.

HIPPIE – Pois … olha pela janela!

BARTOLOMEU OLHA NA JANELA


BARTOLOMEU (Esfuziante) – Pai!!! É uma Harley Davidson da década de 50 em estado
impecável na garagem!

HIPPIE (Sorrindo) – Lembras-te dos nossos passeios?

BARTOLOMEU – Claro!!!

HIPPIE – Agora será a três: eu, tu e a Sofia, para lembrarmos os velhos tempos!

OS TRÊS SAEM FELIZES PARA A COCHIA. TERMINA COM O SOM


DE UMA MOTO ACELERANDO.

FIM

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