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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE GEOGRAFIA

18. GEOMOFOLOGIA
São Paulo, 1969.

UM CONCEITO DE GEOMORFOLOGIA SERVIÇO


DAS PESQUISAS SOBRE O QUARTENÁRIO

AZIZ NACIB AB’SÁBER

Um conceito de Geomorfologia serviço das pesquisas sobre o Quartenário. – No


intento de estabelecer bases geomorfológicas para servirem de diretrizes para o estudo
do Quartenário do território intertropical brasileiro, julgamos oportuno expor o próprio
conceito de Geomorfologia a que nos filiamos. Nos últimos anos temos procurando
difundir um conceito de Geomorfologia tripartite, no qual existe alguma coisa de
pessoal, sobretudo na ordenação dos diferentes níveis de tratamento da moderna ciência
do relevo. De resto, trata-se de uma simbiose conceitual através da qual são reunidos os
principais objetivos e enfoques que caracterizam a Geomorfologia contemporânea. Ao
sublinhar os níveis de tratamento que consideramos essenciais na metodologia das
pesquisas geomorfológicas, nos anima apenas a idéia de pôr ordem no caos das
postulações pessoais e das controvérsias escolásticas.

1. – pensamos que, em um primeiro nível de considerações, a Geomorfologia é um


campo científico que cuida do entendimento da compartimentação da topografia
regional, assim como da caracterização e descrição, tão exatas quanto possíveis,
das formas de relevo de cada um dos compartimentos estudados;
2. – em um segundo nível de tratamento, a Geomorfologia – além dessas
preocupações topográficas e morfológicas básicas e elementares – procura obter
informações sistemáticas sobre a estrutura superficial das paisagens referentes a
todos os compartimentos e formas de relevo observados. Através desses estudos,
por assim dizer estruturais superficiais, e, até certo ponto estáticos, obtém-se
idéias da cronogeomofologia e as primeiras proposições interpretativas sobre a
sequência de processos paleo-climáticos e morfoclimáticos quartenários da área
de estudo. Esta forma, observações geológicas dos depósitos, e observações
geomorfológicas das feições antigas (superfícies de aplainamento, relevos

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residuais) e recentes do relevo (formas de vertentes, pedimentos, terraços etc),
conduzem a visualização de uma plausível cinemática recente da paisagem.
3. – em um terceiro nível, Geomorfologia moderna cuida de entender os processos
morfoclimáticos e pedogênicos atuais, em sua plena atuação, ou seja, procura
compreender globalmente a fisiologia da paisagem através da dinâmica
climática e de observações mais demoradas e sob controle de equipamentos de
precisão. No caso, ao invés de estudar os resultados cumulativos dos eventos
quartenários inclusos na estrutura superficial da paisagem, pretende-se observar
a funcionalidade atual e global desta mesma paisagem (dinâmica climática e
hidrodinâmica). Forma de relevo, solo e subsolo, estão sujeitos à atuação
conjunta dos fatos climáticos em sua sucessão efetiva na área considerada. Há
que entender a fisiologia da paisagem apoiada, pelo menos, nos seguintes
conhecimentos: a sucessão habitual do tempo e atuação de fatos climáticos não
habituais, a ocorrência de processos espasmódicos, a hidrodinâmica global da
área e, ainda, levando-se em conta os processos biogênicos, químicos
interrelacionados. Evidentemente, variações sutis de fisiologia podem ser
determinadas por ações antrópicas predatórias, as quais na maior parte dos casos
são irreversíveis em relação o “metabolismo” primário do meio natural. N
verdade, intervenção humana nos solos responde por complexas e sutis
variações na fisiologia de uma determinada paisagem, imitando até certo ponto
os acontecimentos de maior intensidade, relacionados às variações climáticas
quartenárias (Ab’Saber, 1965, pp. 147-148). Por todas estas razões, um cotejo
entre a fisiologia de uma paisagem primária e aquela pertencente a uma área
similar e contíguo, porém fortemente marcada por influências antrópicas
predatórias, é de todo recomendável para consubstanciar o conhecimento da
fisiologia original ou primária de um determinado domínio paisagístico.

Se a Geomorfologia pretende atingir informações atinentes a esses três níveis de estudos


científicos, todo pesquisador deverá ter uma idéia de suas possibilidades e deficiências
operacionais, em relação às técnicas de pesquisa requeridas para cada um deles. Entre
os procedimentos necessários para compreender a compartimentação de uma topografia
e as formas de relevo de cada um de seus compartimentos, e, aqueles estudos e técnicas
de trabalho indispensável para a realização de pesquisas sobre a estrutura superficial da
paisagem, existem diferenças fundamentais. Entrementes, entre as técnicas de trabalho,
dominantemente geológicas, exigidas para a elaboração de pesquisas sobre a estrutura
superficial das paisagens, e, aquelas técnicas, delicadas e múltiplas, necessárias ao
entendimento da fisiologia de uma paisagem, existem diferenças tão radicais, que
atingem inclusive até as raízes da própria formação científica de cada pesquisador,
assim como, as dimensões e possibilidades das instituições a que eles pertencem.

A despreocupação relativa dos grandes nomes da Geomorfologia moderna em relação á


compartimentação topográfica é uma atitude compreensível, porém não inteiramente
justificada. Na verdade, devido ao extraordinário desenvolvimento da cartografia de
escol, em países grandemente desenvolvidos, não há muito o que fazer no terreno da
compartimentação dos terrenos. Hoje, basta analisar uma boa carta ou um grupo de
fotografias aéreas de escala apropriada para ser obter uma idéia da compartimentação
territorial, em um nível de visualização muito superior aquele obtido pelo trânsito na
área. Desta forma, o descuido em relação entendimento da compartimentação e das
formas, representa mais um desprezo por um nível de pesquisa, considerado elementar,
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do que propriamente uma consciência interior de uma falta de validade completa de tais
setores. Desde que se faça ao mesmo tempo o estudo da compartimentação e das formas
e o estudo da posição dos diferentes tipos de depósitos superficiais – e, considerações
adequadas sobre sua significação paleogeográfica – todos os pesquisadores ficam
concordes, quanto ao valor metodológicos do procedimento. Em outras palavras, desde
que se lhes demonstre que o realmente pretendido é um estudo da compartimentação da
paisagem, acompanhado pari passu por uma prospecção superficial dos diferentes
depósitos de vertentes, terraços e planícies, todos ficam plenamente de acordo sobre a
validade do método. Isto porque, todos estão cientes de que somente assim conduzidos,
os estudos geomorfológicos podem servir às disciplinas vizinhas e atingir a alguma
coisa de mais objetivo para a restauração dos eventos que responderam pela evolução
do relevo e pelas transformações globais e locais da própria paisagem.

Se é que uma paisagem tropical não evolui a partir de uma estaca zero, completamente
despida de solos e de vegetação, mas sim evolui ou se modifica a partir de toda a sua
riqueza superficial de produtos de intemperismo, de solos e de cobertura vegetal, é
evidente que seu relevo atual comporta um saldo de interferência que somente poder ser
compreendido à de uma investigação minuciosa dos seus depósitos superficiais. Na
realidade, custou muito para se compreender que as bases rochosas da paisagem
respondem apenas por uma certa ossatura topográfica, e, que, na realidade são os
processos morfoclimáticos sucessivos que realmente modelam e criam feições próprias
do relevo. Mais difícil ainda foi entender que conforme o clima e as variações
climáticas é o comportamento superficial das bases litológicas da paisagem. Na
verdade, as rochas poder se revestir de um máximo de regolitos por intemperismo
químico (como é o caso do domínio dos “mares de morros”), mas frente a outros tipos
de clima ou épocas de mudanças climáticas podem sofre descarnações parciais ou
extensivas de seus mantos de decomposição, de seus solos e de sua cobertura vegetal.
Isto para não fala nas correlações estreitas existentes no interior de cada domínio
morfoclimático entre as feições erosivas, as feições residuais e as feições deposicionais.

Quer nos parecer, entretanto, que o setor mais difícil da pesquisa geomorfológica diz
respeito à compreensão da dinâmica em processo, ou seja, o estudo propriamente dito
da fisiologia da paisagem. Muito embora as bases das ciências da Terra tenham sido
assentadas na observação dos processos atuais – entendidos como chaves para a
interpretação dos processos pretéritos – o que se conhece efetivamente sobre a fisiologia
global dos diversos tipos de paisagem ainda deixa muito a desejar.

É compreensivo, até certo ponto, a dificuldade de se levar a bom termo, esse tipo de
pesquisa. Se é que o estudo da estrutura superficial da paisagem pode ser realizado a
qualquer momento através de pesquisas rotineiras de geologia de superfície, os estudos
sobre a fisiologia da paisagem têm que se pautar por séries de informes prolongados,
obtidos em todos os tipos de tempo mais representativos para a área e incluindo
observações realizadas em momentos críticos para a atividade morfogênica. Em muitos
aspectos as observações sobre a epiderme da paisagem constituem modalidades de
pesquisa, em grande parte aparentadas com as técnicas da geologia de superfície,
através das quais observam fatos estáticos (cortes, afloramentos, solos superpostos),
visando compreender a dinâmica do passado recente. No caso a situação é estática e
pode ser estudada em qualquer tempo; a preocupação é a de entender uma paleo
dinâmica a custa de fatos, todos dominantemente dedutivos. Enquanto que as pesquisas
sobre a morfologia da paisagem são modalidades de pesquisa em situações
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efetivamente dinâmicas. Por isso mesmo pressupõe recursos técnicos, equipamentos
locados, análises demoradas e observações de processos em plena atividade tais como:
no momento da chuva, em todos os tipos de precipitações, períodos de cheias, durante
as vazantes, no decorrer de todas as estações, épocas de grandes distúrbios climáticos, e
até mesmo em eventuais ocasiões de incidência de processos espasmódicos. Além do
que inclui investigação sobre as ações biogênicas, sobre o trabalho dos lençóis d’água
superficiais, sobre as atividades das águas de infiltração, sobre as diversas modalidades
de movimentos coletivos do solo, e as múltiplas ações físicas, químicas, biológicas da
pedogênese. Na categoria de verdadeiro corolário inclui o conhecimento do ciclo
hidrológico, com o detalhamento dos fatos hidrodinâmicos, assim como, uma pequena
atitude de correlação entre os fatos ditos areolares e lineares da dinâmica da paisagem.
Evidentemente não é dado a todo pesquisador a abordagem analítica de tais complexos
de ações morfológicas, pedogênicas e hidrodinâmicas de ação integrada na natureza.
Entretanto, a consciência desses fatos, em termos de filosofia das ciências, já constituiu
um bom ponto de partida para o ingresso nessa nova faixa de pesquisa.

Raros tem sido os estudos sobre a fisiologia das paisagens intertropicais brasileiras. Isto
porque haveria que se dispor de recursos técnicos, pessoal categorizado, equipamentos e
bases de pesquisa, que não são muito simples de serem reunidos ou obtidos e postos a
funcionar a contendo. Acresce a isso, o fato de tais pesquisas, nas raras vezes que foram
realizadas, terem sido conduzidas a melhores resultados – ainda que sob uma ótica
muito parcial - nos trabalhos dos pedólogos, ecologias e hidrogeólogos. Tal fato talvez
esteja a indicar que os estudos de fisiologia de paisagem, ainda que essenciais para os
estudos dos geomorfologistas, somente possam ser esclarecidos à custa de pesquisas
marcadamente interdisciplinares. Espera-se que um dia, as equipes de elementos
realmente interessados, possam se organizar.

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Importância da visualização da compartimentação para os estudos sobre o
Quartenário. - No desenvolvimento da geomorfologia brasileira talvez tenha sido o
Estado de São Paulo a primeira área territorial do país a merecer bons estudos sobre a
sua compartimentação topográfica. Ainda que tais modalidades de estudo tenham sido
esboçadas para o Nordeste pelo grupo de geólogos da antiga Inspetoria Federal de
Obras Contra as Secas (atual DNOCS), e, ainda que os reconhecimentos geológicos de
Euzébio de Oliveira tenham redundado numa boa caracterização do edifício geológico e
estrutural e topográfico do Paraná, foi o Estado de São Paulo que primeiro teve um bom
retrato de sua macro-compartimentação topográfica. Em verdade, graças a uma série de
estudos, sucessivamente aperfeiçoados, da lavra de Pierre Denis (1927), Chester
Washburne (1930), Viktor Oppenheim (1934), Moraes Rego (1931, 1932), Pierre
Monbeig (1949), Fernando de Almeida (1949, 1956), Ruy Ozório de Freitas (1951,
1951a), Aziz Nacib Ab’Saber (1948, 1954, 1956), foi possível obter-se um razoável
acervo de conhecimento sobre as linhas essenciais da compartimentação topográfica de
um Estado, que possui um quarto de milhão de quilômetros quadrados de área
territorial. Cumpre sublinhar que tais estudos não poderiam ter caminhado tão
rapidamente não fosse o grande “stock” de documentos cartográficos básicos
acumulados pelo trabalho topográfico da antiga Comissão Geográfica e Geológica do
Estado de São Paulo e do atual Instituto Geográfico e Geológico (SP). Note-se que para
realizar em caráter pessoal uma idêntica apreciação global da compartimentação
topográfica do Estado do Paraná, Reinhar Maack (1947) teve que compor um mapa
geológico e um mapa fitogeográfico (1953 e 1950), na escala de 1:750.000, à custa de
um enorme carga de serviços individuais.

Um fato histórico a se registrar é o de que os geomorfologistas paulistas, ao par com os


estudos desenvolvidos sobre São Paulo, terem procurado entender a ótica de seus
estudos para grandes áreas do território brasileiro, visando entender a macro-
compartimentação global do país. Antes mesmo que a documentação cartográfica básica
tenha abrangido uma área apreciável do território nacional (a despeito dos bons e
progressivos serviços prestados à cartografia brasileira pelo Conselho Nacional de
Geografia e pelo Serviço Gráfico do Exército) já os especialistas das ciências de Terra
em São Paulo esforçavam-se para traçar a perspectiva global compartimentação
territorial brasileira. Precedidos por um trabalho de conjunto de lavra de Fabio Macedo
Soares Guimarães (1943) e de uma aplicação gráfica das unidades geomórficas de Von
Engeln (1942) ao caso da América do Sul, muito razoável para a época, feita por
George Berry (in, Engeln, 1942), lançaram-se os geomorfologistas paulistas ao
entendimento do Brasil, tanto do ponto de vista macro-estrutural, como do ponto de
vista macro-topográfico e geomorfológico (Almeida, 1948, 1949, 1956, 1964), Rui
Ozório de Freitas (1951, 1951a, 1951b) e Aziz Ab’Sáber (1948,1964, 1965).

Tal extensão de preocupações e tal busca de conhecimentos, em termos de um país de


escala continental prejudicou, até certo ponto, o retorno às pesquisas analíticas, dentro
dos quadros do próprio território paulista. Inumeráveis problemas restaram em aberto
no que concerne ao esclarecimento da compartimentação topográfica, em escala maior,
assim como, no que diz respeito à estrutura superficial das paisagens, e aos
conhecimentos sobre a fisiologia da paisagem, predominante ditos. Responsabilizamos,
em grande parte, esses fatos por aquela enorme carência de estudos sobre vertentes,
assim como, a grande ausência de bons estudos sobre a epiderme da paisagem e a
evolução quartenária das grandes paisagens brasileiras.

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Pretendemos, até certo ponto, reatar as pesquisas geomorfológicas naquelas faixas
julgadas não satisfatórias. Sem perder de vistas as conquistas já realizadas, tentaremos
basear nos estudos sobre ocorrências geológicas superficiais e feições geomorfológicas
do Quartenário, dentro do quadro de compartimentação previamente conhecido, ainda
que com a introdução de algumas modificações julgadas necessárias. Poder-se-ia objetar
que, para um território apenas dotado de delgadas e descontínuas ocorrências de
depósitos quartenários, essa deliberação fosse menos válida do que seria em relação a
uma área cujos compartimentos fossem ricamente recheados de sedimentos modernos
(quartenários). Entretanto, como julgamos ser tão importante estudar as feições
geomórficas, como os depósitos climaticamente representativos, tal circunstância foi
considerada irrelevante. Pelo contrário, tratando-se de um fato que define as
peculiaridades de nossa evolução geomorfológica moderna, queremos dar ênfase ao
fato, baseando nossas pesquisas tão intimamente quanto possível no conhecimento
global do grandes, médios ou pequenos compartimentos que respondem pela notável
diversificação topográfica dos velhos planaltos paulistas.

A compreensão da compartimentação interior do território paulista, em diversas ordens


de grandezas, com vistas aos estudos regionais sobre o Quartenário, constitui um dos
pontos de vista essenciais para as pesquisas interdisciplinares realmente objetivas e
integradas. No Estado de São Paulo, em função dos fenômenos denudacionais
terciários, propriamente ditos, existem compartimentos interplanálticos de áreas
superiores a algumas dezenas de milhares de quilômetros quadrados (depressão
periférica e baixos chapadões ocidentais), ampliados, sobretudo, por velhos processos
de pediplanação neogênicos, acompanhados por uma evacuação extensivas dos
sedimentos então liberados.∗ Em contrapartida, existem bacias detríticas de origem
certamente tectônicas (Bacia de São Paulo, Bacia de Taubaté), aninhadas em escudos,
sugerindo diferenças regionais ponderáveis na história pré-quartenária da
compartimentação topográfica global do território.

O Quartenário, ele próprio, através de processos lineares, predominantemente


exorréicos, e de processos morfoclimáticos areolares intertropicais variáveis, apoiou-se
numa compartimentação prévia, relacionada a acontecimentos geológicos e
geomorfológicos de longa duração, pertencentes a história pós-cretácica e pré-
pliocênica. Com isso, abaixo do nível dos interflúvios que representam os pediplanos
neogênicos, podem ser vistos feições de menor extensão e topografia mais variada, tais
como: grandes e rasos compartimentos alveolares pedimentados, com ou sem bacias
detríticas correlativas, níveis de pedimentos escalonados, alvéolos pedimentados e
terraçeados, terraços fluviais, planícies fluviais.

Alguns dos compartimentos que foram essenciais para retenção de grandes massas de
detritos finos (Bacia de São Paulo, Bacia de Taubaté), ficaram sujeitos, durante quase
todo o Quartenário, a fases alternadas de erosão fluvial e de pedimentação restrita,
respectivamente associada a processos areolares de mamelonização e de plainação
lateral restrita. Foram tais acontecimento que responderam por uma nova
compartimentação superimposta a outra mais antiga e maior. Note-se que esta
compartimentação quartenária é de caráter forçadamente menor, em escala, e, de


Neste vasto conjunto de áreas denudadas, onde a evacuação de sedimentos para áreas distantes foi a
regra, destaca-se um caso de retenção local, que por isso mesmo tem grande importância em termos de
paleoclimatologia, tectônica residual e geomorfogênese: a Bacia de Rio Claro.
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aspecto geral nitidamente embutida, já que se localiza no interior daqueles vales e
alvéolos que responderam pelo próprio re-entalhamento dos vastos plainos regionais
oriundos de pediplanação ou da tectônica neogênica.

Por diversas razões, acreditamos que a compartimentação neogênica ainda constitua o


melhor ponto de partida para nortear os estudos sobre o Quartenário no Estado de São
Paulo. Partindo-se da unidade regional maior, representada por um dos aludidos
compartimentos, das depressões pressões periféricas, depressões monoclinais, bacias de
compartimentos de planalto – pode-se realizar uma analisar minuciosa das feições
geomórficas e depósitos quartenários, localizados em diferentes posições em seu
interior. Desta forma, o estudo de cada um desses tipos de depressões relativas pode
conduzir a conclusões essenciais para a compreensão dos eventos quartenários dos
planaltos intertropicais do Brasil sul-oriental. Pode igualmente conduzir à realização de
estudos vinculados de ordem geomorfológica, geológica e pedológica, de grande
interesse interdisciplinar.

No entanto, a título de experiência e de antítese, pensamos em realizar, mais tarde, um


procedimento inverso do proposto: com base em estudos extensivos da estrutura
superficial da paisagem, partindo-se da observação dos solos e depósitos de cobertura
de vertentes e dos interflúvios, assim como, dos sedimentos superiores das planícies de
inundação, tentaremos sucessivamente atingir o passado, através do desfolhamento
sistemático dos componentes epidérmicos da paisagem. Se é que, os solos e os
depósitos de cobertura, extravasam aos compartimentos de todas as ordens de grandeza,
existem feições geomórficas e depósitos que se confinam especificamente em cada um
dos tipos de compartimento previamente reconhecidos – depressões periféricas, rifts
valleys, alvéolos.

Numa terceira ordem de considerações, devemos considerar os depósitos modernos


situados entre os compartimentos maiores do relevo paulista, como que em função da
complexidade das variações climáticas intertropicais, puderam restar em posições
relativamente anômalas, tais como reversos de cuestas arenito-basálticas ou em topo de
planaltos residuais situados a cavaleiro dos grandes compartimentos de planaltos. Tais
documentos e comentários conservam grande interesse pelo campo de estudos dos
depósitos correlativos, constituindo um agrupamento à parte de depósitos plio-
quartenários ou quartenários da terra paulista.

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Importância dos estudos sobre o Quartenário – Para os que tem acompanhado a história
das investigações geomorfológicas no Brasil é fácil entender que, nos últimos trinta
anos, sucederam-se, entre nós, três tendências ou linhas de pesquisa, de atuação
raramente associada entre si, ou sejam: 1. estudos sobre a compartimentação maior dos
planaltos interiores com ênfase nos estudos dos relevos de cuestas e na caracterização
da rede de depressões periféricas do Planalto Brasileiro (Ab’Saber, Almeida); 2.
pesquisas sobre superfícies aplainadas, sua datação relativa e sua posição na macro-
compartimentação do território (Martonne, Ruellan, Freitas, Barbosa, Almeida,
Ab’Saber, Bigarella, Domingues); e, finalmente, em uma fase ainda em pleno
desenvolvimento, estudos fragmentários sobre vertentes, estrutura superficial da
paisagem, depósitos de cobertura, terraços e pedimentos e efeitos das retomadas de
pedimentação (Tricart, Raynl, Birot, Bigarella, Ab’Saber). Note-se que nem todos os
autores que participaram de uma ou mais linhagens temáticas ou dessas tendências
metodológicas tiveram consciência plena de sua filiação a uma ou outra delas.

Somente nos últimos anos, em alguns raros estudos, de maior perspicácia, vem se
esboçando a discussão dos efeitos mais prováveis das flutuações climáticas
intertropicais, assim como, sobre as interferências sucessivas entre processos de
mamelonização, terraceamento e pedimentação. Com decorrência dessa preocupação
pela sequência dos processos morfogenéticos modernos é que surgiram algumas
contribuições isoladas, e de maior valor científico, a respeito do Quartenário de
diferentes parcelas do território brasileiro. Trata-se de estudos pioneiros, ainda muito
fragmentários, realizados por especialistas de diversas formações científicas. O
importante a assinalar, entretanto, é que, um ou outro de tais estudos, vem sendo
realizados com total conhecimento das ciências da Terra, constituindo uma boa
contribuição brasileira ao conhecimento dos paleoclimas e da evolução geomorfológica
das regiões intertropicais (Bigarella).

Acreditamos que os estudos sobre o Quartenário serão certamente aqueles que maiores
oportunidades terão para realizar uma integração dos conhecimentos de geociências
sobre o território brasileiro. Isto porque, além de se tratar de investigações de forte valor
interdisciplinar, trata-se de estudos básicos do mais alto interesse para o
desenvolvimento da geologia e da geomorfologia geral dos países intertropicais. Nesse
sentido, uma nova fase de verdadeiros estudos sobre os processos atuais poderá ter
implicações diretas para a própria revisão de alguns velhos princípios e conceitos da
geodinâmica, firmados alhures (noutro lugar), através da ótica parcial de observações
realizadas em regiões climatobotânicas totalmente diferentes. Acreditamos mesmo que
dos estudos sobre o Quartenário, precedidos nas últimas décadas na África, no Brasil e
em Madagascar, está por se esboçar uma retomada mais objetiva e válida dos princípios
do atualismo.

Os estudos sobre o Quartenário tem o papel de obrigar ao geomorfologista a se


interessar pelo conhecimento da estrutura superficial da paisagem. Ao mesmo tempo,
tais estudos facilitam à compreensão objetiva da evolução das formas recentes exibidas
pelo relevo de uma região qualquer. Na realidade, ao realizar estudos sobre os
documentos geológicos de idade certamente quartenária, o pesquisador está penetrando
no campo dos acontecimentos e processos responsáveis pelo acabamento final das
feições geomórficas integradas que constituem uma paisagem.

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A roupagem final de todas as paisagens terrestres, qualquer que seja a área considerada,
somente pode ser objetivamente entendida através de estudos sobre o Quartenário
regional. Trata-se de determinação oriunda das complexas variações climáticas, que se
processaram nos últimos 1000 ou 3000 milhares de anos dos fins do Cenozóico. Não há
como escapar ou contornar a esta diretriz metodológica, já firmada e reconhecida por
todas as melhores cabeças da Geomorfologia contemporânea. Se é que a Geomorfologia
não poder ser entendida apenas como uma singela geologia do Quartenário (preposição
contra a qual sempre nos revoltamos), não há que duvidar sobre o caráter básico tido
pelas pesquisas múltiplas ao campo do Quartenário para tornar mais científica, aplicável
e completa a pesquisa geomorfológica.

Quando se diz que uma das preocupações do geomorfologista é a cronogeologia dos


eventos morfológicos – ou seja, a cronogeomorfologia – dever-se-ia sublinhar antes,
que a Geomorfologia atinge a cronologia recente dos eventos fisiográficos e geológicos
através de estudos sistemáticos sobre a epiderme da Terra. Na verdade, os principais
segredos de uma complexa evolução recente das formas e compartimentos menores do
relevo estão contidos na estrutura superficial das paisagens, mesmo porque a
estruturação superficial da paisagem é feita a custas das marcas acumuladas pelos
processos morfoclimáticos e deposicionais de um flutuante Quartenário. Variações
climáticas sucessivas, mudanças de marcha nos processos erosivos globais, flutuações
hidrológica e hidrodinâmicas, criando e remodelando feições, constituem os complexos
mais habituais da evolução quartenária das paisagens terrestres. E, ninguém será dado
entender, objetivamente a participação desses acontecimentos na elaboração de um
quadro natural qualquer, sem o estudo exaustivo da estrutura superficial do terreno.

Por seu turno, tais estudos são procedidos através de técnicas predominantemente
geológicas – superposição de solos, contacto entre formações recentes, depósitos de
vertentes, depósitos aluviais, crostas duras – porém, sempre, dirigidos segundo a ótica
integradora da geomorfologia regional. Não será nunca o estudo do depósito pelo
depósito que interessará a Geomorfologia, mas sim o estudo do depósito na qualidade
de escombro de um processo que criou uma ou mais feições geomórficas (erosivas,
residuais ou deposicionais). E, ainda que tais feições tenham sido remodeladas ou semi-
apagadas, ou mesmo praticamente eliminados pelos processos morfoclimáticos
ultrainteriores, ou seus escombros – inclusos descontinuamente na estrutura superficial
das paisagens – terão o valor objetivo de uma correlação a ser historicamente registrada.
Tais episódios sendo predominantemente relacionados às flutuações paleoclimáticas
sucessivas do Quartenário, dão prioridade total aos estudos dos depósitos modernos
para a realização de uma Geomorfologia verdadeiramente científica. Na realidade nunca
poderá haver uma pesquisa uma boa pesquisa de Geomorfologia sem um bom estudo
sobre o Quartenário regional, assim como jamais poderá existir um bom estudo de
geologia do Quartenário sem boas bases geomorfológicas.

Qualquer ocorrência isolada de depósitos modernos é apenas uma estação geológica de


significação paleogeográfica regional restrita e incompleta. Entretanto, qualquer
agrupamento de ocorrências, antevisto ao ponto de vista fisio-estratigráfico, e, se
possível cartográfico, passará a ter um significado geomorfológico mais científico e
digno de crédito. Nesse sentido há que sublinhar o fato de ser o mapeamento
geomorfológico, quando viável e vem conduzido, a técnica mais completa para
visualização integrada dos depósitos modernos em face da compartimentação
topográfica regional.
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Se é que para o estudo de uma planície ou uma planície deltaica, sujeitas a processos
eustáticos ou a uma apreciável instabilidade tectônica moderna, tais estudos tendem a
ser dominantemente estratigráficos, o mesmo não acontece com relação a regiões de
velhos planaltos bem compartimentados ou a áreas montanhosas bastante dissecadas e
remodeladas. Nesses casos, que são os de maior interesse para o Estado de São Paulo,
os métodos e técnicas atrás preconizados, são de uma importância absolutamente básica:
na realidade, quanto mais está compartimentada uma área mais fácil é aplicação dos
métodos de análise geomorfológica, apoiados em estudos sobre a estrutura superficial
das paisagens e na reconstrução dos eventos geomorfológicos e deposicionais do
Quartenário. Aliás, tais procedimentos tem ampla aplicação ao território brasileiro,
devido a grande extensão de nossas áreas planálticas e semi-montanhosas, fortemente
compartimentadas pela história fisiográfica e geomorfológica pós-cretácica (Ab’Saber,
1965).

Muito embora os métodos de trabalho aqui defendidos se apliquem a todos os


quadrantes interiores dos velhos planaltos paulistas, eles são notavelmente insuficientes
para atingir plenamente o domínio costeiro da fachada atlântica paulista. No que tange
ao litoral – e, sobretudo, no que dia respeito aos espessos depósitos quartenários
acumulados em diferentes setores da costa paulista – há que desenvolver uma
estratigrafia do Quartenário baseada em perfurações e no estudo de amostras de
profundidade. Isto porque, os rasos depósitos expostos – planície de restinga, depósitos
fluvio-marinhos, dunas adelgaçadas – são homogêneos e extensivos, representando
apenas os últimos acontecimentos da história quartenária da costa. Obtidas mais
informações, relativas aos sedimentos acumulados e escondidos nas paleo-bacias e
paleo-enseadas litorâneas, poder-se-á atingir a conclusões mais objetivas e completas
sobre a evolução paleogeográfica quartenária da fachada costeira de São Paulo.
Acreditamos mesmo, que será somente a partir daí que os documentos geomorfológicos
já registrados na bibliografia – níveis de erosão costeiros, terraços marinhos, sinais de
pedimentos escalonados – passarão a ter um valor indicativo e correlativo mais eficiente
e objetivo.

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