Você está na página 1de 5

CORPO EM PROSA E VERSO – ELTON SDL

 Relato pessoal
 Incursões sobre o corpo na poesia Barroca

Anjo no nome, Angélica na cara!


Isso é ser flor e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara?
Quem vira uma tal flor que a não cortara
De verde pé, da rama florescente;
E quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus o não idolatrara?
Se pois como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu Custódio e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que por bela, e por galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo que me tenta, e não me guarda.
(Gregório de Matos)

 Nietzsche sobre o corpo

"Tenho uma palavra a dizer aos que desprezam o corpo. Não lhes peço
para mudar de opinião nem de doutrina, mas desfazerem-se do seu próprio
corpo -- o que os tornará mudos. 'Eu sou corpo e alma' -- assim fala a criança.
E por que não havemos de falar como as crianças? Mas o homem desperto
para a consciência e para o conhecimento diz: 'Todo eu sou corpo e nada
mais; a alma é uma palavra que designa uma parte do corpo.' (...) Quero dizer
uma coisa aos que desprezam o corpo. Aquilo que desprezam é a substância a
que devem respeito." (NIETZSCHE – Assim Falava Zaratrusta, p. 31-32)

“O corpo é o túmulo da alma”, os desprezadores do corpo pregam a


prevalência da alma sobre ele, mas Zaratustra diz: “Corpo sou eu inteiramente;
e alma é apenas uma palavra para um algo no corpo”. O corpo é a “Grande
Razão”, muito maior que a consciência. Aliás, ele faz a consciência, ela é
apenas um brinquedo em suas mãos, uma ferramenta para seus desígnios.
“Há mais razão em teu corpo do que em tua melhor sabedoria”.

É nosso corpo, como Vontade de Potência quem comanda, ele está no topo da
hierarquia, enquanto nossa consciência se ilude. A história da filosofia
interpretou a consciência como mestra, mas ela é apenas a criança mimada
que acredita comandar uma besta amansada. Na verdade, infelizmente é isso,
e aqui se encontra a causa do problema! O corpo quer criar, quer se superar,
que atingir novas disposições e capacidades, mas ainda está preso à forma
homem! “Um corpo mais elevados deves criar, um primeiro movimento, uma
roda que gire por si mesma, um criador deves tu criar” (p. 67).

(Idem)

 Deleuze e corpo

Segundo Deleuze a poesia cria perceptos e afectos, blocos de


sensação através dos quais você sente e vive o mundo (mesmo que por
breves instantes). Tais sensações passam sumariamente pelo corpo.

Ainda em Deleuze-Guatarri: Diz-se de um livro em construção que o livro


está ganhando corpo. Diz-se de um time bem treinado que o time
ganhou corpo. Corpo então designa solidez, consistência, concretude.

Dira Martinez Mendoza (performance Venezuela)


 Drummond, corpo e poesia

Meu corpo, minha dor,


Meu prazer e transcendência,
És afinal meu ser inteiro e único.

(Drummond, Missão do Corpo)

Meu corpo ordena que eu saia


em busca do que não quero,
e me nega, ao se afirmar
como senhor do meu Eu
convertido em cão servil.

Meu prazer mais refinado,


não sou eu quem vai senti-lo.
É ele, por mim, rapace,
e dá mastigados restos
à minha fome absoluta.

Se tento dele afastar-me,


por abstração ignorá-lo,
volta a mim, com todo o peso
de sua carne poluída,
seu tédio, seu desconforto.

Quero romper com meu corpo,


quero enfrentá-lo, acusá-lo,
por abolir minha essência,
mas ele sequer me escuta
e vai pelo rumo oposto.
Já premido por seu pulso
de inquebrantável rigor,
não sou mais que dantes era:
com volúpia dirigida,
saio a bailar com meu corpo.

(Drummond, As contradições do corpo)

Amor, amor, amor — o braseiro radiante que me

dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.

(Carlos Drummond de Andrade)

A LÍNGUA LAMBE

A língua lambe as pétalas vermelhas


da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,


a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
(Drummond)

Amor – pois que é palavra essencial


comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.
Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,


fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?


Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,


já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

(Drummond)

Você também pode gostar