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Desigualdade e diferença

No dia a dia, as palavras “desigualdade” e “diferença”, muitas vezes, são utilizadas como
sinônimos, no entanto, no contexto histórico e sociocultural, elas não têm o mesmo
significado. É importante fazer a distinção entre elas para que possamos compreender melhor
a realidade social, cultural e econômica do Brasil e do mundo, que é muito rica em diferenças,
porém marcada por profundas desigualdades. Os diagramas a seguir trazem exemplos de
desigualdades e de diferenças que vão esclarecer esses conceitos

Ao longo da história, as lutas sociais contra imposições e violências se orientaram e continuam


se orientando por valorizar as diferenças e combater as desigualdades. Algumas formas de
desigualdades, como veremos ao longo deste capítulo, de tão arraigadas nas sociedades,
passam a ser vistas como fenômenos naturais, o que evidentemente não são. Elas são
resultantes de uma construção social, portanto, podem, e devem, ser combatidas e reduzidas
(em nenhum período da história elas foram completamente eliminadas). Já as diferenças são
múltiplas, têm um grau maior de permanência e, em geral, não podem ou são muito difíceis de
serem transformadas, mesmo as que foram construídas culturalmente. E as diferenças não são
em si positivas ou negativas. A crítica à desigualdade que existe entre os homens (“homens”
como conceito antropológico, sinônimo de espécie) é antiga. Uma das mais conhecidas é a do
filósofo iluminista francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

Em seu livro A origem da desigualdade entre os homens, publicado em 1754, ele afirma:
Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens concebo na espécie humana duas
espécies de desigualdades. Uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela
natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das
qualidades do espírito ou da alma. A outra, que pode ser chamada de desigualdade moral ou
política porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou pelo menos
autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios de que
gozam alguns em prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos
do que os outros ou mesmo fazer-se obedecer por eles.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. A origem da desigualdade entre os homens. São Paulo: Lafonte,


2017. p. 29.

O exemplo de desigualdade mais conhecido e visível tanto social quanto geograficamente nas
paisagens, sobretudo urbanas, é a desigualdade socioeconômica, isto é, a oposição entre
riqueza e pobreza, que consta no primeiro diagrama. A desigualdade de acesso à riqueza
produz outras formas de desigualdade, como acesso desigual a bens e serviços, educação,
cultura, assistência médica, lazer e até mesmo direitos políticos. O Brasil é um exemplo disso,
pois, como veremos adiante, é um dos países mais desiguais do ponto de vista
socioeconômico: os 10% mais ricos da sociedade brasileira detêm 42,5% do rendimento
nacional, ao passo que aos 10% mais pobres cabe apenas 1%. A desigualdade e a injustiça
social atravessam gerações, num círculo vicioso no qual os filhos de famílias pobres, com
poucas exceções, tendem a permanecer pobres. Para quebrar esse círculo vicioso, o Estado em
suas três esferas teria de garantir uma educação pública de qualidade para toda a população.
Trata-se de um direito de todo cidadão. Uma educação pública de qualidade e gratuita seria a
melhor forma de igualar minimamente as oportunidades entre as classes sociais, que hoje são
muito desiguais. No entanto, mesmo uma educação formal de qualidade não consegue
compensar totalmente as desvantagens, em termos de capital cultural, apresentadas pelos
estudantes oriundos de famílias pobres. Oportunidades de viajar, até mesmo para outros
países, aprender uma língua estrangeira, ter acesso a bens culturais diversos, que famílias ricas
e de classe média podem proporcionar aos filhos, tornam-se barreiras para famílias pobres que
não têm como oferecer esses benefícios aos filhos por insuficiência de renda. A educação
formal pode compensar parte dessas desvantagens, mas não compensa todas elas. Portanto, o
discurso da meritocracia, muito em voga hoje em dia, só faria sentido se as oportunidades
fossem iguais, se o ponto de partida fosse exatamente o mesmo para todos os estudantes, o
que, na realidade, não é. Enquanto não há igualdade de oportunidades na formação inicial dos
jovens, têm sido tomadas algumas medidas compensatórias, por exemplo, estabelecer cotas
sociais e/ou raciais nas universidades federais e estaduais para estudantes de escolas públicas.
Certamente, em países muito desiguais, como África do Sul, Brasil, México e Nigéria, entre
outros, muitos talentos são desperdiçados por falta de oportunidade e de estímulo. Essa é uma
das principais limitações que impedem países em desenvolvimento, como o nosso, de darem
um salto educacional e tecnológico para se tornarem nações menos desiguais e com melhores
condições de vida para toda a população. Países que se desenvolveram e apresentam altos
índices de desenvolvimento humano, como a Alemanha, a França, o Japão, a Finlândia e, mais
recentemente, a Coreia do Sul, fizeram isso com base em altos investimentos em educação, em
tecnologia e na construção de um sistema de ensino básico público, gratuito e de qualidade
para toda a população; também desenvolveram políticas econômicas que propiciaram o acesso
ao mercado de trabalho para os jovens e que favoreceram a melhoria na distribuição da renda

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