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MFP – Propagação de doença contagiosa – 283º

Bem jurídico é complexo e de natureza pessoal (IF e vida) e colectiva (segurança da saúde pública).
Protege logo bens de titularidade individual ou só colectiva? Se individual, a lesão ou perigo de lesão dá-
se com transmissão para uma única pessoa. Se colectiva, lesão ou perigo de lesão tem ser múltipla. Tipo
penal pretende abarcar conjunto de amplos de comportamentos, incluindo o contágio directo pessoa a
pessoa e o contágio múltiplo e indiferenciado. Basta que haja uma só vítima do contágio, mesmo sem
probabilidae de disseminação. Há poder específico/controlo de um poder social real de transmitir que
ultrapassa a competência organizacional da esfera própria e interfere com a alheia (JAKOBS).

DAMIÃO CUNHA – só há propagação se agente transmitir doença a pessoa e for possível outras ser
contagiadas. Argumento literal – significado de propagar: difundir, dominir o poder de transmissão por
meios não típicos de homícidio ou OIF. Argumento da ratio legis – perigo para a sociedade. Argumento
sistemático.

MFP responde – propagar não reclama resultado colectivo, mas modo de actuação. Tipo exige apenas
criação de um perigo para a vida ou IF; perigo para sociedade não depende de nº de atingidos, mas
poder de controle disponível sobre a esfera de outros; propagação é crime de perigo – depende de
especial perigosidade da acção.

Imputação objectiva:

Quando é que o perigo para a vida ou IF decorre da propagação (este é o perigo concreto, propagação é
meio de actuação – perigo concreto não é o perigo de propagação, isso é pressuposto)?

Teoria do risco – criar ou aumentar o perigo de um perigo (e não directamente um resultado) – IO


antecipada em relação ao resultado. Perigo do perigo para ROXIN – acção típica afectou de tal forma a
segurança da pessoa que só por acaso é que o bem jurídico não é lesado – critério da inevitabilidade do
dano sem medidas imprevisíveis – tem de haver inevitabilidade do curso infeccioso (contacto) que seja
previsível. Se agente está possivelmente infectado e contacta com alguém, cria perigo do perigo – risco
proibido. É necessário que depois haja concretização (do risco perigo do perigo) num resultado (haver
perigo concreto), pois crime é de resultado.

Imputação subjectiva:

1. Dolo de propagação + criação dolosa de perigo – disponibilização de sangue contaminado com


representação e aceitação desse facto e indiferença pala criação do perigo.
2. Dolo de propagação + negligência de perigo – disponibilização de sangue contaminado com
reperesentação e aceitação desse facto, mas convição de que ninguém ficará sujeito a perigo.
3. Negligência de propagação + negligência de perigo – disponibilização de sangue por falta de
controle adequado.

Direito de necessidade no perigo de transmissão de doença contagiosa:


 Violação do segredo médico no crime de transmissão. Dever de segredo absoluto (relação de
confiança e bem público) vs violação do segredo por causa do direito de necessidade. Dever de
violar o segredo em casos de perigo iminente grave e insuperável de outro modo – 135º/3 CPP.
 Internamento compulsivo de infectados (é necessário que infectado esteja a recusar, se não
meio não necessário). Deve ser entendido como acto médico destinado ao tratamento do
paciente – aí há direito de necessidade de cariz público, pois portador da doença não é
instrumentalizado, mas um fim em si mesmo, não se violando o 34º/c). Argumentos pro:
ponderação de valores e de interesses + saúde pública. Argumentos contra: discriminação dos
doentes + afastamento dos doentes do tratamento.

SIDA:

 IO – se doença atacar sistema imunitário, mas não provocar directamente lesões, há IO da


morte ou apena do perigo? Há quanto à morte, enquanto não houver meios normalmente
eficazes para impedir a evolução da doença – argumento da inevitabilidade. O processo é ainda
o desencadeado pelo contágio. Só se morrer por causas completamente estranhas à SIDA é que
há interrupção do nexo causal.
 IS – mesmo que haja baixa probabilidade de transmissão, não deixa de existir dolo de
propagação (tal como situações de dolo directo com baixa probabilidade de êxito da acção).

ABN – conflito de deveres

EN e conflito de deveres – figuras de conflito de interesse – CJ. Fundamento: solidariedade (explica que
alguém não juridicamente responsável suporte lesão de bens ou que estes sejam postos em perigo) +
ponderação de interesses. Limites: dimensão do valores e autonomia pessoal do sacrificado. Se há CJ,
agente não pode ser forçado a agir de outro modo/impedido.

EN: agente tem de optar entre adoptar comportamento A ou não adoptar comportamento A –
comportamento que, à partida, devia abster-se de fazer . CD: adoptar comportamento A ou adoptar
comportamento B – à partida, obrigado a ambos e não consegue cumprir ambos (e não há critério legal
que fixe qual deve optar). Pode haver conflito de devres de acção ou conflito de deveres de acção e de
omissão.

Maioria da doutrina trata conflito entre dever de acção e dever de omissãp com critérios do EN.
Pressupõem erradamente que o dever de omitir prevalece sempre sobre o de agir, de tal modo que no
máximo haverá permissão excepcional de cumprir dever de agir e violar dever de omitir, mas nunca a
obrigação de violar o dever de omitir para cumprir o dever de agir. Mas no casos é que se define qual
dever prevalece. Aplicar critérios do EN impossibilita ponderação – dá resposta a priori: o dever de
omitir prevalece. Critérios do CD permitem ponderação, pelo que a repsosta só surgirá, e bem, depois
da pergunta, escolhendo-se o dever mais vinculante. Critérios – valor do bem, gravidade do dano, grau
de perigo de concretização do dano – pode levar a que bem menos valioso prevaleça. Mesmos critérios
que definem a sensível superioridade no EN. Se não há prevalecente – liberdade de escolher o que
quiser, independentemente de motivações.

Situações em que vida está em causa – vida é impoderável quantitativa e qualitativamente – igualdade
absoluta do valor entre vidas. Não deixa de haver CJ se optar por salvar 1 pessoa em vez de 7 nem se
optar salvar velho em vez de jovem. Mas esta liberdade não vale nos mesmos termos se conflito entre
dever de acção e dever de omissão – não permitido ao médico criar ou potenciar risco para o bem vida
(a não ser quando seja risco necessário do tratatmento). Pode escolher acudir um e não deixar morrer o
outro, mas não pode matar um para salavr o outro. Excepção: pessoa a sacrificar já está condenada
(normalmente, EN defensivo) – se cumprir dever de omitir (se não matar), morrem todos (não há lucro),
e médico não está verdadeiramente a escolher aquele como o que deve morrer (porque já está
condenado), mas a escolher salvar os outros. Situações em que tem de matar alguém para salvar outros
mas o primeiro não está à partida condenado, não há CJ – seria firmar que essa pessoa não se podia
defender em LD, não tendo feito nada ilícito que justifique perder esse direito.

Não deve estabelecer-se critérios (para máquinas de ventilação) de quem é mais velho – princípio da
igualdade proíbe que seja factor diferencial de ponderação, pois o valor da vida não depende do seu
tempo de duração remanescente. Idade só pode ser relevante na medida de determinar a probabilidade
de sucesso, e em casos de necessidade extrema em que risco para ambos é de dimensão significativa.
Ex. paciente jovem tem 100% de hipóteses de sobreviver com tratamento e 90% sem; e idoso tem 40%
de hipóteses com e 0% sem – risco não é significativo para jovem – idade não releva.

Dever de omissão e dever de acção – critérios de ponderação (como probabilidade de sucesso do


tratamento) estão subordinados a distinção de dever de acção e dever de omissão, e não o inverso. É
diferente estarem A e B sem máquina, ambos precisarem e só haver 1 de estar A ligado e B também
precisar mas não haver mais. Acção de desligar a máquina de A é interromper o seu processo de
salvamento, pois esse processo já atingiu esfera da vítima – há intormissao na esfera de domínio sobre
os bens jurídicos de outrem, no seu espaço de liberdade de decisão sobre os seus bens. É diferente de
não fazer nada ou interromper processo de salvamento que ainda não atingiu esfera da vítimas
(situações do 1º caso), que é menos desvalioso. Aqui, outros factores terão de justificar interrupção do
salvamento, como o grau de perigo ser maior para B ou hipóteses de salvamento serem muito mais
elevadas para B, pois o A ter chegado ao hospital antes de B pode ter sido mera sorte (e não maior
necessidade).

Nuance: situação em que máquina requer acções frequentes do médico é mais próxima de caso de
reanimação por respiração boca-a-boca do que de caso em que se atira bóia – pode concluir-se que
desligar máquina não é intromissão indevida no espaço alheio, mas mera abdicação de prosseguir com a
actuação de salvamento.

NIM – crime de propagação de doença – 283º

Com COVID, elavadas hipóteses de propagação inconsciente.


Incumprimento de políticas – grave – passível de pôr em perigo o sucesso das mesmas.

Qual a necesdidade de autonomizar quando já há OIF, homicídio e crime de desobediência?

- Dissipa dúvidas – diminuição da imprevisibilidade e segurança jurídica.

- Este crime de perigo permite punir condutas que seriam criminalmente irrelevantes ou objecto de uma
condenação desproporcional – contaminação que provoque perigo nunca consumado para a IF – está
preenchido o 283º, mas não o 143º, pois não houve resultado de OIF (mas discutível se não pode ser
tentativa de OIF). Torna inequivocamente punível a conduta de propagação com um dolo de perigo não
individualizado, i.e., dirigido à difusão da doença na comunidade. Também se punirá quem, através de
propagação de doença, contagia 3º sem causar perigo para a sua IF, mas que vem posteriormente a
contactar com outra pessoa de grupo de risco que fica lesado.

Punível por negligência. Mas, punição a título negligente, além de poder não alcançar o patamar devido
de quase inevitabilidade das cadeias de transmissão comunitárias, levaria a massificação da RP.

Crime de propagação de doença

CP de 1982 – 270º - crime contra a saúde pública e era preciso pôr em perigo x pessoas. Agora, basta
pôr em perigo outrem.

Contagiosa – susceptível de ser transmitida de um indivíduo para o outro.

DC – abrange forma dolo-negligência. Se ex ante se verifica que muitas pessoas (representativas da


comunidade) podem ser postas em perigo, já se verifica o perigo comum mesmo que só uma delas
tenha sido, de facto, posta em perigo.

Paulo Pinto de Albuquerque – crime de perigo concreto (quanto ao grau de lesão dos bens) e de
resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção) – poder verificar-se apenas
quanto a 1 pessoa (bem individual), que representa a comunidade (bem saúde pública).

“Propagar” – aumentar probabilidade de transmissão. Engloba transmissão por contacto directo e casos
de “guerra biológica” (contaminação de águas ou alimentos) – DC. Também possível por introdução de
gérmenes pela pele ou ar.

DC – não necessária efectiva contaminação, mas necessário que a outra pessoa pudesse infectar outras
pessoas (contágio que se pode alastrar na comunidade). Agente não tem de ter doença mas pode atingir
outro com ela. Vs MFP – princípio da legalidade – tem de haver uma transmissão efectiva, não basta
mera possibilidade de transmissão.

DC – perigo para OIF – tem de haver dupla gravidade – perigo grave de OIF grave.

Marques Borges – dolo envolve a intenção de propagar + conhecimento da criação do perigo pelo seu
comportamento (negligência – não prevê que criará perigo).
Dolo em relação à propagação e quanto à criação de perigo.

Nº2 – dolo (conduta) – negligência (criação de perigo).

Nº3 – negligência – negligência (violação de dever de cuidado).

Tentativa – só punível se dolo-dolo – nunca em casa dos nº2 e 3. Mas 286º, ligado ao 24º.

285º - Maia Gonçalves – agravação pelo resultado tem de ser imputada ao agente a título de negligência
(18º), se não, há concurso dos 2 crimes.

Dever de sigilo médico – essencial para se manter a confiança – 195º - proteger direito à intimidade da
vida privada e familiar.

Costa Andrade diz que a doutrina maioritária diz que o bem é um valor individual (intimidade da vida…),
pondo em 2º plano os valores supra-individuais (protecção da dignidade e confiança da sociedade em
certas profissões) + não é ilícito partilhar com círculo de pessoas legitimamente chamadas a saber –
outros médicos especialistas e etc. vs isso é ilícito – necessário consentimento do paciente.

89º Código Deontológico da Ordem dos Médicos – pode tomar precauções necessárias para
salvaguardar a vida ou saúde de pessoas que possam contactar com o doente (em especial, família) –
não viola dever. Se comportamento do paciente traz risco para outra pessoa – primeiro deve adverte-lo
e, caso ele não altere o seu comportamento, deve informar pessoas em risco (comunicando ao paciente
que o vai fazer) – preservação da vida é valor fundamental.

Lícito – EN – se doenças graves (proteger vida e saúde pública). Só válido depois de esgotar todas as
possibilidades de ser o paciente a informar/de mudar comportamento. Costa Andrade – há DN – médico
tem PG e pode incorrer em crime de propagação de omissão se não informar (especialmente se médico
de ambos – aí, dever, não mero direito). Vs Maria Rueff – se paciente se recusa e médico não tem PG em
relação ao 3º, não lhe pode contar. Andrade Pereira – dizer que tem dever de informar e há crime se
não o fizer é subverter sistema de segredo médico e relação médico-paciente.

SIDA – Conselho Nacional de Ética para as ciências da VID – Parecer 32/CNECV/200, 23. Out. – se
paciente não mudar, médico tem dever de informar o seu cônjuge – conflito de deveres em que vida
prevalece.

DC – SIDA não é caso do 283º - responsabilização penal pelo contágio é extremamente difícil e não é
propagação, mas transmissão, pois não há, de antemão, perigo de contágio em cadeia (salvo se contacto
ocasional e pessoa vá ter relações com outros) capaz de pôr várias pessoas em perigo. Também Silva
Dias diz que SIDA escapa à ratio do crime de perigo comum – resolver com tipos que tutelam bens
individuais de titularidade determinada. Vs outros – 283º se bem em concreto é posto em perigo e
sendo a pessoa representante da sociedade e possível transmissão posterior (ainda que pouco
provável).

Direito de reserva de intimidade vs saúde pública.


Internamento compulsivo – 27º/2 CRP. Finalidade de controlo da fonte de perigo concreta – colisão de
direitos fundamentais. André Pereira – nº3, al. h) – interpretação extensiva – inclui internamento de
doentes contagiosos.

Lei nº 81/2009 revogou Lei nº2036 de 09.1949 que previa internamento nestas situações – vazio legal.

Pinto de Albuquerque – só justificável em cas de lepra que não cumpre restrições; portadores de
anomalia psíquica grave que provocam perigo real para bens de relevante valor (pessoais ou
patrimoniais) e recusam tratamento médico ou se cometeram crime (medida de segurança).

Para crimes do 283º - não previsto internamento compulsivo. Alguns autores criticam porque previsto
no Direito Internacional (reprovam a não transposição). Convenção Europeia dos Direitos do Homem –
5º/1, al. e).

Crime de desobediência – 348º

Ordens devem ser legítimas e dadas por autoridade competente – 271º/3 CRP e 36º/2 CP. Devem
também ser comunicadas adequadamente. Só nestas circunstâncias a obediência é devida. Legitimidade
formal – provir de autoridade competente, material – conteúdo da norma.

Decreto nº2-A/2020, 20.03 – art. 3º sobre confinamento obrigatório e sua violação.

BN – criminalização não visa a pura desobediência, com independência do conteúdo do comando.


Disposição legal – tem de ser normal penal respeitadora do princípio da legalidade – tem de ser lei da AR
ou DL autorizado, por mais válidas sejam as razões da ordem.

Dever geral de recolhimento domiciliário – al. b). Poderiam, na ausência de disposição legal fazer a
cominação da pena por desobediência…

Disposição legal da al. b) não tem de ser norma incriminatória – não poderá tornar-se crime em
resultado da cominação. Não há criminalização do desrespeito pelo dever geral de recolhimento –
detenções feitas com invocação da al. b) não têm base legal capaz de as validar.

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