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A ilha do falcão por Vandinha

Summary:

Para Natasha, lidar com a situação de ter sido enganada não foi nada
fácil. Além da dor, insuportável, a traição a obrigava a tomar
decisões que não queria tomar. Expulsar Andreia de sua vida era o
mesmo que condenar-se a viver triste, sem rumo, entregue a solidão.
Então como lidar com tudo isso? 

Andreia sabia que teria que ir embora. Não esperava que Natasha a
perdoasse, porque não merecia perdão. Sentia-se morta,
absolutamente perdida; sentia vergonha. 

Por mais difícil que fosse, precisava encontrar forças para seguir em
frente. E seu filho, era o melhor motivo. 

Atenção!

Esse é um romance com temática LGBT , que aborda, em alguns


momentos a Doutrina Espírita, ao reencarne e ao desencarne, sem
misticismos, religiosidade perniciosa ou fanatismo.

Categoria: Romances Characters: Original


Challenges:

Series: Nenhum

Capítulos: 84 Completa: Sim Palavras: 202173 Leituras: 280561


Publicada: 03/01/2018 Atualizada: 17/01/2019

1. Capítulo 1 -- Natasha Falcão por Vandinha

2. Capítulo 2 - ANDREIA DIAS por Vandinha

3. Capítulo 3 - UMA TRANSA HOT por Vandinha

4. Capítulo 4 O QUINTO DETETIVE por Vandinha

5. Capítulo 5 A MÉDICA SUBSTITUTA por Vandinha

6. Capítulo 6 A IRMÃ RUIVA por Vandinha

7. Capítulo 7 O PLANO por Vandinha

8. Capítulo 8 O QUE FAZER? por Vandinha

9. Capítulo 9 A CULPA SERÁ SUA por Vandinha


10. Capítulo 10 O MELHOR AMIGO por Vandinha

11. Capítulo 11 SOLTEIRA SIM, SOZINHA JAMAIS! por Vandinha

12. Capítulo 12 MENTE CRIMINOSA por Vandinha

13. Capítulo 13 NÃO CONFIO EM NINGUÉM por Vandinha

14. Capítulo 14 NAUSEAS E TONTURAS por Vandinha

15. Capítulo 15 SE EU FOSSE VOCÊ por Vandinha

16. Capítulo 16 Bravo! Bravo!...Bravíssimo! por Vandinha

17. Capítulo 17 VOCÊ NUNCA ERROU POR AMOR? por Vandinha

18. Capítulo 18 ESTOU SENDO INCOVENIENTE? por Vandinha

19. Capítulo 19 A CAIXINHA DE VELUDO por Vandinha

20. Capítulo 20 ME CHAMO SAKURA por Vandinha

21. Capítulo 21 Ela Foi Embora? por Vandinha

22. Capítulo 22 Tão somente por você. por Vandinha

23. Capítulo 23 É Tentação Demais por Vandinha

24. Capítulo 24 Que Vergonha! por Vandinha

25. Capítulo 25 A Ilha da Magia por Vandinha

26. Capítulo 26 Cheirinho de Golpe por Vandinha

27. Capítulo 27 por Vandinha

28. Capítulo 28 Tempestade por Vandinha

29. Capítulo 29 A Velha Cabana por Vandinha

30. Capítulo 30 Eu Vou Te Matar por Vandinha

31. Capítulo 31 -- O Resgate por Vandinha

32. Capítulo 32 -- Amar é Complicado por Vandinha

33. Capítulo 33 -- Quem Resiste? por Vandinha

34. Capítulo 34 -- Adeus Mariana por Vandinha

35. Capítulo 35 por Vandinha

36. Capítulo 36 por Vandinha

37. Capítulo 37 por Vandinha

38. Capítulo 38 por Vandinha

39. Capítulo 39 por Vandinha

40. Capítulo 40 -- O sonho de Pedrita por Vandinha

41. Capítulo 41 -- Reggae Night por Vandinha

42. Capítulo 42 -- Não foi uma visão por Vandinha

43. Capítulo 43 -- Não Ouse Me Tocar por Vandinha

44. Capítulo 44 -- A Ilha Carolina por Vandinha

45. Capítulo 45 -- Não Deixe Para Amanhã por Vandinha

46. Capítulo 46 -- Eu Vou Morrer? por Vandinha

47. Capítulo 47 -- Eu Detesto Você por Vandinha

48. Capítulo 48 - Você me faz perder o ar por Vandinha


49. Capítulo 49 - Estou Sonhando? por Vandinha

50. Capítulo 50 - Ela não perde por esperar por Vandinha

51. Capítulo 51 - Faz Parte Do Meu Show por Vandinha

52. Capítulo 52 -- E O Vento Levou por Vandinha

53. Capítulo 53 -- Paciência Tem Limite por Vandinha

54. Capítulo 54 -- Que doutora é essa? por Vandinha

55. Capítulo 55 - O Tempo Passa por Vandinha

56. Capítulo 56 -- Pode Beijar a Noiva por Vandinha

57. Capítulo 57 - Sangue nas mãos por Vandinha

58. Capítulo 58 -- A felicidade não é uma droga. por Vandinha

59. Capítulo 59 -- Digitais por Vandinha

60. Capítulo 60 -- Estarei Esperando por Vandinha

61. Capítulo 61 - Bem-Vinda à Bagé por Vandinha

62. Capítulo 62 -- Você não é uma Aventureira? por Vandinha

63. Capítulo 63 -- Sabe que dia é hoje? por Vandinha

64. Capítulo 64 -- Deixai vir a mim os pequeninos por Vandinha

65. Capítulo 65 - A médium poderosa por Vandinha

66. Capítulo 66 -- Acolhedora por Vandinha

67. Capítulo 67 -- É tão difícil pedir perdão! por Vandinha

68. Capítulo 68 -- O Sequestro por Vandinha

69. Capítulo 69 - Na Ilha da Magia por Vandinha

70. Capítulo 70 -- A Fuga por Vandinha

71. Capítulo 71 -- Quase Lá por Vandinha

72. Capítulo 72 -- Mentores que nos guiam por Vandinha

73. Capítulo 73 -- A Rainha da Fronteira por Vandinha

74. Capítulo 74 -- Dane-se a razão por Vandinha

75. Capítulo 75 - O Pequeno Falcão por Vandinha

76. Capítulo 76 - É assim que sou por Vandinha

77. Capítulo 77 - Não Há Um "Nós" por Vandinha

78. Capítulo 78 -- O Retorno à Casa por Vandinha

79. Capítulo 79 -- O Soco Torto por Vandinha

80. Capítulo 80 -- Renascendo das Cinzas por Vandinha

81. Capítulo 81 -- Estranha Sensação por Vandinha

82. Capítulo 82 -- As Pedras por Vandinha

83. Capítulo 83 -- Voltas Que a Vida Dá por Vandinha

84. Capítulo 84 -- ÚLTIMO CAPÍTULO por Vandinha


Capítulo 1 -- Natasha Falcão por Vandinha
 

A Ilha do Falcão

Natasha Falcão

Mariana inclinou-se sobre Natasha na cama e afastou uma mecha de cabelo do seu rosto.

-- Eu nunca me esquecerei de você -- disse Mariana com os olhos cheios de lágrimas -- Vou te amar para
sempre.

Natasha se levantou bruscamente, fitando-a com raiva.

-- Você é uma cínica -- ela disse, irritada -- Se me amasse como diz que me ama, jamais iria embora.

Natasha estava revoltada. Demonstrara para ela os sentimentos mais profundos e, agora, ela estava dizendo
adeus. Natasha ficou enjoada.

-- Vou levar comigo na memória os momentos maravilhosos que vivemos. Os beijos, o primeiro encontro... --
um nó se formou na garganta de Mariana --Tenho de fazer isso, porque se não fizer, não ficarei em paz comigo
mesma. Esperei a vida inteira por esse momento. Esse projeto português dedicado à arte africana e que
também prevê a construção de um Centro de Arte Africana Contemporânea, será uma experiência única que
não posso perder de forma alguma.

-- Ser trocada por girafas, hipopótamos, leões... é fim de carreira -- Natasha fechou os olhos, tentando digerir
o que estava acontecendo. Mas não conseguia. Estava lá, em sua luxuosa suíte particular, sendo informada de
que sua namorada em poucas horas embarcaria em definitivo para a África. Parecia mentira, mas era verdade.
A mais pura verdade. Ela estava falando sério.

-- Já havíamos conversado sobre isso, Natasha. Pensei que tivesse aceito a nossa separação numa boa! -- a
garganta de Mariana se apertou novamente -- É triste, mas às vezes, só amor não basta -- não foi fácil dizer
aquilo.

-- E eu aceitei, mas isso não quer dizer que tenha que ficar escutando esse papinho de eu te amo, mas adeus,
com a maior passividade do mundo -- caminhou até a janela e colou o nariz na vidraça. Se pelo menos o dia
não estivesse chuvoso, ela talvez se sentisse melhor.

-- Eu te amo, Natasha, muito! E espero que um dia você possa me perdoar -- ela disse com a voz emocionada --
Acredite em mim.

Natasha respirou profundamente buscando o ar que começava a faltar, pegou a bombinha e aspirou algumas
vezes, até sentir-se um pouco melhor.

Mariana tentou se aproximar para ampará-la, mas Natasha se afastou bruscamente.

-- Vou tomar um banho. Por favor Mariana, não esteja mais aqui quando eu voltar.

Mariana olhou-a surpresa e assustada. Ainda precisava de Natasha. Mesmo o bom salário de fotógrafa que
receberia não seria suficiente para ela manter o alto padrão de vida; além disso, era viciada em compras e a
empresária sempre atendia a todos os seus caprichos.

-- Não podemos terminar desse jeito, Natasha, como duas inimigas.

-- Não, claro que não -- respondeu Natasha -- Pois nem como inimiga eu te quero mais em minha vida.

As palavras de Natasha chegavam a causar dor em Mariana. Foi como um golpe na boca do estômago.

A empresária andou vagarosamente em direção à porta do quarto.

-- Entregue o seu cartão magnético da porta da minha suíte, na recepção. Você não vai mais precisar dele --
disse sem se virar.

No quarto, Natasha abriu o chuveiro e deixou a água quente cair sobre o corpo. Então, junto com a decepção,
uma outra sensação começou a percorrê-la: ódio.

Depois de muito tempo, desligou o chuveiro e saiu do banho. Enxugou-se e colocou a primeira roupa que viu
pela frente. Encostou o ouvido na porta e ficou parada ali por um momento, a mão na maçaneta, a respiração
pesada, ouviu o tilintar de copos. Ela ainda estava lá.
Quando retornou a sala, Natasha encontrou Mariana junto ao bar, com um copo de bebida na mão. Sua
expressão era indecifrável, como se estivesse sofrendo. Porém, a empresária não acreditou.

-- Posso lhe servir um drinque, Natasha? -- ela ofereceu.

-- Não! -- respondeu seca -- Vá embora daqui Mariana, não quero mais te olhar -- sacudiu os cabelos molhados,
depois prendeu uma mecha atrás da orelha -- Não me fale em amor, o amor não existe. Nem nunca vai existir.
Não existe felizes para sempre, nem aquele sentimento de que o amor pode tudo, isso é só mais uma ilusão.
Aliás, você, foi pura ilusão -- a voz de Natasha saiu fria, indiferente, desiludida.

Depois das duras palavras de Natasha, Mariana desistiu de tentar manter ao menos a amizade. Naquele
momento ela estava muito magoada. Seria impossível estabelecer um diálogo amigável.

Sem dizer uma palavra, colocou o copo sobre a mesa e caminhou até a porta.

-- Adeus, Natasha -- murmurou Mariana numa voz estrangulada -- Sinto muito.

Quando a porta se abriu e Mariana saiu por ela, foi que Natasha teve noção do tamanho do estrago que a
morena causara em seu coração.

-- Sinto muito, um caral... -- espiou pela janela e com o coração aos pulos pode ver a bela mulher entrar em um
taxi. Natasha ajeitou os cabelos em desalinho que lhe caíam sobre a testa e afastou-se. Não queria mais se
torturar. Ouviu o ronco forte do motor diminuir aos poucos até se tornar inaudível, e ela concluiu que,
Mariana realmente foi embora.

Um ano depois...

Os últimos meses de Natasha haviam sido uma tentativa de sufocar emoções e esquecer Mariana.

Não era mulher de ficar chorando pelos cantos, muito pelo contrário, era forte e determinada.

-- A patroa vai sair a cavalo? -- perguntou Saulo, da porta do estábulo -- A chefe não quer que eu chame o
Hannibal?

-- Não precisa. Vou apenas cavalgar pela trilha proibida. Traga o Falcão para mim -- pediu Natasha.

Falcão era o cavalo preferido de Natasha. Era aparentemente manso, mas genioso e independente como a
dona.

-- Vamos ver se você ainda aguenta o tranco -- afagou as crinas do animal e pulou em seu lombo.

Minutos depois, estava cavalgando pelas trilhas cercadas de árvores por ambos os lados. Subiu um morro e
entrou na mata que dava para um atalho até a praia. Precisava espairecer e aquele pedaço perdido de paraíso
era a sua terapia preferida.

Olhou longe e avistou as gaivotas voando sobre as águas. Apressou o cavalo instintivamente. Conforme se
aproximava do velho casebre diminuiu o ritmo e foi parando.

Desmontou e prendeu as rédeas em um galho a sombra de uma árvore. Aliviada, Natasha constatou que seu
santuário ainda permanecia em segredo. Nenhum turista abelhudo havia profanado o lugar para onde sempre
fugia, quando precisava de paz interior.

Subiu os degraus com cuidado, afastando as folhas secas do chão. Examinou a antiga construção com
admiração. A casa resistia ao tempo com bravura e apesar das fortes tempestades que se formavam a beira
mar, ela permanecia ali, de pé, lutando bravamente.

Natasha sentou na escada da varanda. De onde estava, ouvia o estrondo das ondas quebrando nos rochedos
e o canto dos pássaros. Uma lágrima rolou pelo rosto. Só então percebeu que mesmo depois de um ano o
sofrimento pela partida de Mariana ainda não havia desaparecido do seu peito.

Ela havia sido uma conquista fácil para Mariana, uma mulher egocêntrica e fria. Desde o inicio os amigos e
funcionários desaprovavam a relação, mas ela estava cega e não deu importância a opinião de terceiros.
Pagou os estudos dela, financiou projetos, ofereceu uma vida de mordomias e luxo. Para que? Para ela se
transformar em uma fotografa famosa, solicitada pelas maiores empresas de jornalismo e moda do mundo.

Com raiva secou as lágrimas que caiam.

-- Não vale a pena derramar uma lágrima por aquela falsa interesseira. Nunca mais vou permitir que outra
mulher me faça de boba -- ela riu, amargamente -- Nunca mais.

Falcão relinchou, impaciente.


-- Já vamos, amigão -- sorrindo, aproximou-se dele, tocando-o de leve -- Você é o único amigo em que posso
confiar.

Seus cabelos estavam úmidos, os olhos fechados e o rosto avermelhado devido a febre. Jessy tocou-lhe a
testa quente e ficou aflita.

-- Você tomou o antitérmico que eu trouxe?

-- Tomei -- Natasha respondeu num fio de voz. Ela tremia muito, e seu rosto estava banhado em suor.

-- Mas a febre não baixou -- comentou Jessy, preocupada.

-- O que pretende fazer? -- Léozinho perguntou, observando o rosto angustiado de Jessy.

-- Eu chamei a doutora Sibele. Ela já deve estar chegando. Infelizmente só nos resta esperá-la -- Jessy sentou-
se na beirada da cama e tomou a mão da patroa entre as suas.

-- Vocês estão exagerando -- disse Natasha, puxando a mão -- Ainda não se acostumaram com as minhas crises
de asma?

-- Soubemos muito bem como são as suas crises, por isso mesmo estamos tão preocupados.

-- A doutora Sibele foi contratada para permanecer 24 horas por dia no hotel. Por onde anda essa criaturinha?
-- Léozinho resmungou indignado -- Vou procurá-la! -- ele disse, erguendo-se. Atravessou o quarto e abriu a
porta, dando de cara com Sibele que já estava de pé no corredor.

-- O que houve? -- perguntou, aproximando-se da cama com sua maleta.

-- Adivinha, kirida? -- Léozinho perguntou com ironia -- Tava onde flô?

-- Natasha está desde ontem com febre e dificuldade para respirar. Está tomando as medicações e usando a
bombinha, mas, mesmo assim não vemos melhora -- Jessy afastou-se para dar espaço a médica.

Sibele voltou-se de imediato para Natasha. Sentindo a presença de Léozinho nas suas costas.

-- Vou administrar a medicação por via intravenosa, é mais veloz e eficiente.

-- Você não devia se ausentar por tanto tempo. Sabe muito bem que podemos precisar de você a qualquer
momento -- Léozinho sentou-se em uma poltrona próximo à cama de Natasha -- Você é paga e, muito bem paga,
diga-se de passagem, para ficar 24 horas por dia, aqui na ilha.

Sibele parou o que estava fazendo e olhou zangada para ele.

-- Minha chefe é a Natasha, você não tem nada que ficar metendo o bedelho -- jogou a cabeça para trás e ficou
olhando para o frasco de soro pendurado.

-- Meto sim! Natashatíssssima é a minha chefinha e não vou permitir negligências -- Léozinho falou alto,
olhando para as unhas disfarçadamente.

-- Chatíssssima, vai ficar a sua cara se não parar de chamar ela assim -- Sibele disse irritada -- Você sabe que ela
odeia.

-- Será que dá para vocês calarem a boca? -- disse Natasha, levantando a cabeça e olhando para eles de forma
ameaçadora -- Vou expulsar todos vocês daqui.

-- Desculpa! -- Léozinho inclinou-se para a frente e sacudiu a cabeça -- É que me preocupo com você,
Natashow.

Jessy revirou os olhos.

-- Vamos sair daqui, Léo -- disse a gerente, ajeitando o cobertor sobre o corpo de Natasha -- Vamos deixá-la
descansar.

Assim que eles saíram e fecharam a porta, Sibele se sentou na beirada da cama.

-- O remédio fará efeito em alguns minutos.

Os lábios de Natasha se moveram, mas o som saiu baixinho. Então Sibele aproximou-se ainda mais dela.
Natasha respirava com certa dificuldade. Estava com o peito doendo devido aos acessos de tosse que a
acometeu nos últimos dias.

-- Quer alguma coisa, Natasha?

-- Quero me sentar.
Sibele ajeitou os travesseiros para ela se apoiar.

Bateram na porta de leve e logo ela se abriu.

-- Com licença -- Léozinho colocou a cabeça para dentro -- Já descansou chefinha?

Sibele olhou para ele incrédula.

-- Você acabou de sair daqui!

-- É? Parece que faz tanto tempo.

A médica balançou a cabeça e se voltou para Natasha.

-- Está com fome? Eu peço para a Sílvia preparar algo bem gostoso para você -- Sibele perguntou estendendo o
braço para ajudá-la a sentar.

-- Você tem que comer, Natashatíssssima.

-- Não, não quero comer -- murmurou devagar -- Se me chamar de Natashatíssssima de novo, vou pendurar
você pelos dentes em uma corrente presa ao teto.

-- A poderosíssima parece ter melhorado um pouco. Até falou comigo.

-- Como está se sentindo? -- perguntou Sibele, fechando o soro.

-- Muito melhor -- foi sua resposta. Natasha olhou para os dois de cara feia -- Convivo com essas crises desde
criança, acho até, que sentiria falta delas se acabassem. Sei muito bem lidar com essas crises -- sorriu com
ironia, e repetiu: -- Estou melhor.

A franqueza, forçava Sibele a admitir que, sem dúvida, Natasha era a mulher mais bonita que já havia
conhecido, embora a empresária não ligasse para isso. Aos vinte e seis anos estava na plenitude da vida. Ria
com belos olhos verdes matreiros, tinha cabelos castanhos claros e mesmo abatida pela doença, possuía um
sorriso de tirar o fôlego.

-- Se você está dizendo... -- Sibele recolheu o soro, sua maleta e abriu a porta -- Precisando de mim, estou no
ambulatório.

Léozinho esperou que Sibele fechasse a porta para falar:

-- Tenho um assunto muito chato para conversar com você, portentosa.

-- O Flamengo ganhou do Fluminense -- Natasha jogou o cobertor longe e se levantou da cama.

-- É sobre a falecida -- sussurrou Léozinho.

-- Quem? -- Natasha franziu o cenho, sem entender.

-- A defunta, morta, fímbria, finada.

-- A Mariana?

-- É.

Só de falar o nome dela, um calor percorreu por seu corpo, e ela fingiu desinteresse. A última coisa que
queria fazer era mostrar qualquer sinal de que estava perturbada.

-- O que tem aquela vassoura de piaçava? -- abriu o closet e retirou uma blusa branca.

-- Chegou a fatura do cartão de crédito da Mariana. Ela gastou uma fortuna com equipamentos fotográficos.

Natasha levantou uma sobrancelha, mas não comentou nada. Vestiu um blazer feminino de linho preto que lhe
dava um ar sério. Por baixo vestia uma fina blusa branca de gola alta, criando um look elegante.

-- Na minha opinião você deveria cortar o barato dessa folgada -- Léozinho falava enquanto recolhia as roupas
que Natasha jogara no chão.

-- Legal sua opinião, pena que eu não ligo para ela -- respondeu malcriada e sentou na cama para calçar os
sapatos.

-- Não entendo porque a chefinha ainda sustenta essa piranha -- Léozinho pensou por alguns segundos -- A
não ser que... Meu Deus!

Natasha deu um pulo.

-- O que? -- perguntou assustada.


-- A não ser que... A invejável ainda pense em voltar com ela.

Natasha se levantou irritada.

-- Tá louco! Voltar com ex-namorada é como comprar um carro que já foi seu. Vem com os mesmos defeitos, só
que mais rodado. E tem outra, daquela lá, quero é distância -- Natasha caminhou até a porta, lembrou de algo e
voltou -- Faz o seguinte, Léozinho! Cancela todos os cartões da carcará, quero ver ela se virar apenas com o
salário de fotógrafa -- A empresária deixou escapar uma risadinha maldosa.

-- Tem certeza que quer fazer isso? -- Léozinho estava vibrando com a decisão da patroa. Ele odiava aquela
mulher. Odiava o sorriso presunçoso que aparecia em seu rosto quando zombava dele. Aquela mulher, aquela
bruxa, sentia prazer em humilhá-lo, destruí-lo, em frente a todos.

-- Absoluta certeza. Saiba que existem três jeitos de fazer as coisas: o jeito certo, o jeito errado e o meu jeito.
Pode cancelar todos os cartões.

-- Vai sair, poderosa?

-- Vou dar as boas vindas à uma hóspede -- colocou uma gota de perfume no pescoço e atrás das orelhas -- Se
eu não voltar em meia hora...

-- Já sei. Não preciso me preocupar -- ele rodopiou o corpo como um mestre-sala -- Danadinha!

Natasha revirou os olhos e fitou o teto.

-- Vai trabalhar, Leopoldo.

Natasha bateu à porta do quarto de Lalesca e ficou esperando, impaciente. Por algum tempo, nada escutou.
Depois de alguns segundos, a porta foi escancarada violentamente e uma bela morena apareceu diante dela
com os cabelos molhados, o rosto perfeito e uma camisola, tão transparente que, Natasha não conseguia
desviar o olhar. A visão era magnífica.

-- Entre, senhorita Falcão -- disse com uma voz sedutora.

-- Obrigada -- Natasha agradeceu, dando uma rápida olhada para dentro do apartamento. O clima estava
gostoso, meia luz e as cortinas estavam totalmente fechadas -- Gostou do apartamento que reservaram para
você?

-- Adorei! -- os olhos negros de Lalesca capturaram os de Natasha -- A propósito, ainda não tive a chance de
agradecer por tanta gentileza.

-- Não fiz mais do que minha obrigação -- ela respondeu com um leve curvar de lábios e também a expressão
sensual que tanto excitava as mulheres que a conheciam.

Lalesca aproximou-se lentamente, encostando seu corpo ao de Natasha, as mãos deslizando para baixo, até
segurarem-lhe os pulsos.

-- Estou louca por você e quero beijá-la agora mesmo! Ela roçou os lábios nos lábios da empresária -- Sua pele
é tão macia. E seu perfume é uma loucura -- ela puxou Natasha até o quarto, uma vez lá dentro, arrancou a
camisola e jogou-a no chão -- Faça amor comigo -- murmurou ela -- Estou queimando de tesão.

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Capítulo 2 - ANDREIA DIAS por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 2  

ANDREIA DIAS 

 -- Sinto muito, senhorita -- o cardiologista falou com pesar -- Fábio já não vinha se sentindo bem há duas
semanas, até que ontem sofreu uma parada cardíaca. 

Marcela começou a chorar e o médico a levou até um banco e ajudou-a sentar. 

-- Por que você não me avisou? -- perguntou Marcela entre soluços. 

O cardiologista olhou para ela, surpreso. Segundo Fábio, sua filha Marcela nunca foi do tipo "família". De
temperamento rebelde e tempestuosa, nunca deu importância a autoridade do pai e tão pouco a da mãe. Sua
vida resumia-se a baladas e viagens. Por isso preferiu entrar em contato com Andreia, a filha adotiva de
Fábio. 

-- Avisei a senhorita Andreia, mas ela só conseguiu chegar aqui no Rio, hoje de manhã. 

-- E como ele está doutor? 

-- Infelizmente muito mal. Tivemos que o induzir ao coma. 

-- Então é grave? -- indagou ainda incrédula -- Ele não vai sobreviver? 

-- O estado dele é muito grave -- disse o médico enfiando as mãos nos bolsos do jaleco -- Fábio precisava de
reparos complicados em veias em torno de seu coração para impedir o rompimento fatal de um aneurisma na
aorta -- explicou -- No momento, vamos concentrar nossas energias em mantê-lo vivo. Depois nos
preocuparemos com a cirurgia. 

-- Marcela! -- Andreia correu até a irmã com lágrimas rolando no rosto -- Assim que soube larguei tudo e vim
imediatamente. 

Marcela enlaçou a irmã e a abraçou com força. 

-- Estou tão feliz por você estar aqui, mana. 

-- Eu também, Marcela. Como papai está? 

-- Segundo o doutor Vicente, o caso dele é crítico. Não é mesmo doutor? 


-- Como vai, Andreia? -- ele estendeu a mão para a ruiva a cumprimentando com um sorriso genuíno -- O estado
de saúde dele é grave, mas estável. Está em coma e respira com a ajuda de aparelhos. Ele vai precisar passar
por uma cirurgia complicada.  

Andreia caiu em pranto copioso. 

-- Meu Deus! Papai parecia um touro, de tão forte e saudável que aparentava ser. 

-- Seu pai não estava bem ultimamente, Andreia. Ele não queria preocupar vocês, por isso não comentou nada
-- suspirou profundamente e pousou a mão sobre o ombro da ruiva -- Prepare-se, Andreia. Mesmo que ele
sobreviva, não poderá mais ficar a frente dos negócios. 

O médico saiu e Andreia continuou onde estava, pensando nas coisas que ele dissera. Estava fora do país há
três anos preparando-se para esse momento. Porém, não imaginava que fosse tão cedo. 

Um ano nos Estados Unidos tinha acrescentado experiência e brilhantismo a sua preparação para a vida
empresarial. A família Dias formava parte do grupo de elite do mercado hoteleiro e o pai se sentia muito
orgulhoso de sua posição. 

-- Assumir a direção do hotel? -- pensou em voz alta, passando impacientemente a mão pelo cabelo. 

-- Por quê? Algum problema nisso? Você passou os últimos três anos da sua vida estudando no exterior, para
assumir os negócios do papai. Agora está com medo? Me poupe, Andreia -- disse Marcela, irritada. 

-- Estudar, fazer estágio, não é a mesma coisa que assumir a direção de um negócio tão importante. 

-- Difícil ou não, você vai ter que se virar -- Marcela falou aborrecida -- Esse hotel é tudo o que temos. É o
nosso sustento. 

Enquanto Andreia se preparava para ingressar no vasto mercado hoteleiro e, assumir os negócios da família,
Marcela só pensou em diversão. 

-- Você está mais preocupada com os negócios do que com o papai -- falou indignada. 

-- Deixe de ser tão metódica. Estou apenas sendo realista -- Marcela se levantou -- Vamos pegar uma xícara de
café. Dormi muito pouco. 

Andreia assentiu e elas saíram em direção a cantina do hospital. 

-- Como é que foi a viagem? -- perguntou Marcela num tom aparentemente descontraído, apontando para uma
mesa vaga. 

-- Foi um pouco demorada, mas, como estava com sono, dormi quase toda a viagem. 
-- Dois cafés, por favor -- pediu Marcela para o rapaz que estava atrás do balcão -- Conheci uma mulher
maravilhosa. 

Andreia fez um ar de surpresa, mas, antes que pudesse comentar algo, Marcela continuou: 

-- Ela é médica e trabalha em Santa Catarina! -- exclamou a jovem, orgulhosa -- Tive muita sorte de encontrar
uma mulher assim, com uma profissão tão interessante... e bonita! -- acrescentou, com malícia. 

-- Há quanto tempo você está com essa moça? -- indagou Andreia, franzindo a testa. 

-- Dois meses -- ela informou, sorridente -- Foi uma amiga minha, que nos apresentou. E, sinceramente, estou
bastante entusiasmada. 

Preocupada com a irmã, Andreia insistiu em questioná-la: 

-- Você gosta realmente dessa mulher, ou é apenas mais uma "ficante"? 

-- Ainda não sei -- deu de ombros, fingindo indiferença -- Agora que herdei um grande hotel, talvez, não tenha
mais tempo para um relacionamento sério. 

-- Papai ainda não morreu, Marcela -- irritada, Andreia sentiu vontade de bater na irmã. 

-- Talvez não morra, mas você ouviu o doutor Vicente? Papai não vai mais voltar à frente dos negócios. 

Ansiosa por encerrar aquela conversa, que ameaçava rumar para uma discussão, Andreia tomou todo o café e
se levantou. 

-- Me leva para casa. Preciso tomar um banho e voltar -- emendou Andreia, séria -- Vou passar a noite no
hospital. 

-- Iremos para o meu apartamento, você toma um banho, descansa e mais tarde lhe trago de volta. 

Andreia assentiu com um gesto de cabeça. 

-- Primeiro vamos passar no hotel para pegar as minhas malas. 

As irmãs mantiveram-se em silêncio e assim permaneceram até saírem do hospital. 

Minutos mais tarde, Marcela estacionava na garagem do prédio luxuoso localizado de frente para o mar. 
Assim que entraram, Andreia encaminhou-se para o quarto indicado por Marcela e trancou a porta. Ficou
profundamente magoada com a irmã. Ela estava dando a mínima para o pai. Preocupava-se tão somente em
como ficaria a sua situação financeira de agora em diante. Era o tipo de atitude egoísta e desumana com a qual
ela jamais se acostumaria. 

Intranquila, Andreia abriu a janela, apoiou-se no parapeito e aspirou o ar fresco que vinha da baía. 

Amava Fábio. Ele nunca foi um padrasto, Andreia odiava a palavra padrasto. A relação de sangue marca, mas
pode gostar-se de forma muito semelhante. Não têm o mesmo sangue, isso nunca se poderá alterar. Porém,
brincava, levava-a ao médico, acompanhava-a como qualquer pai. Uma vez ouviu o pai falar para um amigo: 

"Gosta de futebol e de beber umas cervejas com os amigos. Ela é mais parecida comigo do que a minha filha
legitima. Fala baixo, é meiga, estudiosa e romântica. Pode ser da personalidade, mas também pode ser da
convivência comigo". 

Uma batida forte na porta do quarto a fez franzir a testa. 

-- Andreia! Sou eu, abra! 

Andreia percebeu pelo tom de voz da irmã que o assunto era urgente. 

A ruiva abriu a porta e encarou Marcela. 

-- O que aconteceu? Papai... 

-- Não! Não tem nada a ver com a doença do papai -- Marcela suspirou fundo antes de falar -- Tem um homem
na sala se dizendo o advogado do papai. Ele quer conversar conosco. 

Andreia caminhou ao lado da irmã até a sala sentindo-se, de repente, terrivelmente cansada. Contudo, o
assunto deveria ser sério, para ele procurá-las àquela hora da noite. 

O homem a cumprimentou e sentou-se no sofá com uma pasta sobre as pernas. 

-- Infelizmente trago péssimas notícias -- ele abriu a pasta e lhe entregou um maço de papéis. 

-- O que é isso? -- Andreia perguntou-lhe assustada. 

-- São os balancetes financeiro dos negócios de seu pai -- o homem olhou-a com pesar -- Sinto muito,
senhoritas, mas o senhor Fábio está falido -- disse ele, sem rodeios. 

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Capítulo 3 - UMA TRANSA HOT por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- Capítulo 3   

Uma transa hot  

Natasha desceu as mãos pelas costas de Lalesca, querendo-a mais próxima dela.  

A morena suspirou e se aproximou mais para beijá-la na boca, o corpo roçando o dela sensualmente. Natasha
levou o braço para trás, enlaçando-a pela cintura.  

-- Me chupa, vai... -- ela pediu, abrindo as pernas para aninhá-la junto ao corpo.  

Era o que Natasha queria, necessitava senti-la daquela maneira. Sabia que era a primeira vez que se
encontrava pessoalmente com Lalesca e não era certo já estar na cama com ela, mas que se danasse o certo, a
desejava demais e ponto.  

Lalesca gemeu, e ela introduziu a língua com vontade, segurando as pernas acima de seus ombros e movendo
a cabeça de modo a acariciá-la por completo.  

-- Mexe, mexe... -- Natasha pediu, a voz alterada pelo desejo.  

Lalesca moveu os quadris, erguendo o corpo enquanto era invadida de modo lento e ritmado.  

-- Levante as pernas -- pediu, então, com voz rouca.  

Lalesca correu as unhas pelas costas da empresária, murmurando palavras desconexas, e ela deslizou as
mãos pelo torso delicado até a cintura. Deus! Nunca conhecera uma mulher tão sexy quanto Natasha,
pensou, atordoada.  

Natasha foi subindo, fazendo um caminho com a língua até pairar sobre a barriga de Lalesca. Pressionou seus
lábios em seu umbigo e passou a língua eroticamente em torno dele.   

-- Natasha, por favor...  

-- Adoro quando você diz o meu nome. Quando pede mais -- Natasha roçou a face nos seios excitados da
morena, ouvindo as batidas aceleradas de seu coração. Os mamilos respondiam instantaneamente a seus
toques e tremores percorreriam todo o seu corpo.   

A respiração de Lalesca acelerou ainda mais quando os dedos macios de Natasha encontraram a umidade
quente do seu sexo, brincando e acariciando em torno de seu clitóris.  
-- Como isso é gostoso! Coloque-os dentro de mim. Coloque! -- pediu, implorou.  

Natasha obedeceu deslizando dois dedos dentro dela, bombeando-os dentro e fora até que Lalesca pensou
que ia morrer de puro prazer.   

-- Mais... Mais... -- ela convulsionava enquanto a empresária esfregava a palma da sua mão contra seu sexo --
Foda-me mais. Estou quase gozando -- ela arqueou, precisando de mais, querendo tocá-la, também.  

Natasha a penetrou mais fundo, enquanto passava a se mover com mais ímpeto, deslizava os dedos mais
profundamente dentro dela.  

O erótico balé não poderia durar por muito tempo, percebeu, que Lalesca estremecia e o orgasmo se
aproximava. Se moveu sob ela, agoniada de prazer, porém Lalesca a impediu, assumindo o comando.  

-- Também quero -- ela lhe deu um sorriso malicioso.   

Natasha a fitou, com o sangue fervendo e entregou-se aos toques de sua amante. Aumentaram o ritmo até
sentirem que seus corpos se contraíam por inteiro.  

O suor escorreu pelo rosto quando Lalesca contraiu os músculos em torno de Natasha. Ela jogou a cabeça
para trás e gritou o nome da empresária. Continuaram os movimentos, até que ambas chegaram juntas ao
clímax.  

Respirando de forma acelerada, Lalesca apoiou a cabeça nos braços de Natasha.  

-- Uau, foi bom demais! -- fechou os olhos com força e respirou profundamente -- Você é muito gostosa.  

-- Você é muito... Quente -- Natasha passou o braço em volta da cintura dela.   

Lalesca sorriu para ela.  

-- Você pega todas as suas hospedes convidadas?  

Natasha franziu a testa.  

-- Todas não, somente as belas.  

-- Não sei se estou lisonjeada ou decepcionada. Me sentia especial.  

Natasha se virou de frente para ela.  

-- Hoje você é especial. Vamos dormir de conchinha?  


 

-- Você está dizendo que o nosso pai está arruinado? Que o hotel está falido? -- Marcela olhou fixamente para
o advogado -- Você só pode estar querendo nos pregar uma peça. O hotel nunca esteve tão bem. Papai estava
feliz e animado -- um medo intenso tomou conta de Marcela. Estava tão apavorada que sentiu as pernas
fraquejarem.  

-- Era tudo fachada, senhorita Marcela. O senhor Fábio tentou esconder o máximo que pode, temia que os
clientes em potencial cancelassem seus eventos e pedissem o reembolso do dinheiro. Mas, chegamos a um
ponto insustentável e vamos ter que abrir o processo de falência.  

-- Isso tudo é tão assustador que não pode ser verdade -- Andreia estava sentada de frente para o advogado,
pensava desesperadamente em algo que pudesse dar um folego, mesmo que temporário as finanças do hotel --
Podemos hipotecar o hotel, vender todos os nossos bens, pedir um empréstimo ao banco...  

O advogado balançou a cabeça. Ele gostava de seu cliente Fábio, de sua jovem e bonita filha. Sentia muito por
eles, mas o mundo dos negócios é cruel e imperdoável.  

-- Sinto muito, minha querida -- disse-lhe -- Mas, seu pai já tentou tudo isso e não obteve sucesso. Ninguém
mais terá confiança nele e, você sabe muito bem que confiança é algo imprescindível e que não tem preço.  

-- Nosso pai perdeu o hotel e todos os outros bens? É isto o que o senhor quer dizer? -- Marcela perguntou-
lhe aterrorizada.  

O olhar compassivo do advogado foi tudo o que obteve como resposta.  

-- Não há nada que possamos fazer para salvar o hotel? -- perguntou Andreia com olhar suplicante.  

-- A ordem de despejo sairá em setenta dias. Esse é o tempo que você terá para conseguir o dinheiro.  

Andreia cobriu o rosto com as mãos. O que ele estava falando era humanamente impossível.  

-- Quero lhe advertir, Andreia. Apenas saldar as dívidas, não vai trazer de volta a confiança dos clientes.
Lamentavelmente, a reputação de vocês no ramo hoteleiro, está destruída.  

-- Nosso pai é um incompetente... um bobalhão... o que faremos agora? -- Marcela saiu da sala chorando.
Entrou no quarto batendo a porta com violência.  

-- Ela não deveria culpar o pai, afinal de contas, o Brasil está vivendo um dos momentos mais críticos da sua
história. É uma crise sem precedentes. Muitos empresários estão falindo porque não conseguem atender a
toda a demanda dos tributos.  
-- Claro, entendo. Sei de tudo isso, senhor Teodoro. Minha irmã está nervosa, ela precisa apenas de um tempo
para clarear as ideias, para acalmar-se. Ela também vai entender depois que assimilar a situação, tenho
certeza.  

-- Eu realmente sinto muito, minha querida -- ele fez uma pausa -- Vocês encontrarão uma saída.  

Doutor Teodoro saiu do apartamento de cabeça baixa. Ele havia dado o máximo de si, mas infelizmente certas
coisas estão completamente além de nossas possibilidades.  

Andreia foi até o quarto da irmã e a encontrou deitada na cama de bruços chorando baixinho. Marcela sempre
foi acostumada a boa vida e ao luxo. Tinha tudo o que as pessoas da sua idade gostavam: viagens, carros de
luxo, mansão na praia, roupas de grifes importadas e muito mais. Seu mundo havia desabado.  

Andreia respirou fundo, sentou-se na cama e depois jogou as pernas para o lado.  

-- Olha, Marcela. Eu sei que a princípio, a ideia de estarmos falidos parece o fim do mundo, mas nós duas
somos inteligentes, temos uma ótima profissão, podemos muito bem procurarmos um emprego...  

-- Não! Nunca! -- disse a moça furiosa, levantando-se abruptamente da cama -- E eu absolutamente proíbo você
de dizer qualquer coisa sobre isso a qualquer pessoa que seja.  

-- Como assim? Dentro de alguns dias todos saberão pelos noticiários.  

-- Eu ouvi o que o senhor Teodoro falou. Temos setenta dias de prazo. Eu não vou sair do meu apartamento,
não vou ser uma assalariada morta da fome! Nunca! Ouviu isso? Nunca! -- o pânico e a aflição a dominou e ela
berrava totalmente descontrolada -- Eu odeio o papai! Odeio!  

-- Vamos passar por tudo isso juntas. Somos irmãs, vamos apoiar uma a outra...  

-- Você não é minha irmã. É uma coitada que foi abandonada na porta da nossa casa. Para você deve ser fácil
acostumar-se a essa nova vidinha de pobre, mas para mim não!  

Marcela saiu correndo do quarto, gritando ofensas contra ela e o pai. Aquelas palavras feriram os ouvidos de
Andreia com o tom agressivo e revoltado: a feriram e lhe martelaram a mente durante dias. Mesmo adotiva,
amava a irmã e não queria vê-la sofrer.  

Natasha acordou nos braços de Lalesca. Olhou para os lados tentando se localizar.  

-- Bom dia -- disse a morena, sonolenta.  


-- Bom dia -- Natasha respondeu se levantando da cama.  

-- Dormiu bem? -- perguntou.  

-- Não sei. Estava dormindo, nem reparei! -- Natasha se inclinou e procurou pela bombinha que estava no
bolso do blazer -- Droga, aonde foi parar...  

-- Está procurando por isso? -- Lalesca entregou o medicamento na mão de Natasha -- Você é asmática?  

-- Não. Eu só uso a bombinha porque acho charmosa.  

Sem responder, Lalesca se levantou, vestiu o roupão de seda e foi para o banheiro. Natasha se vestiu e saiu
do quarto. Quando chegou no outro cômodo, deu de cara com Eliza.  

-- Natasha? O que faz aqui? -- a senhora perguntou, levantando uma sobrancelha.  

-- Estou procurando o Mindinho -- Natasha se abaixou fingindo procurar o cachorro -- Mindinhooo... Vem cá
garoto!  

-- O Mindinho está em seu apartamento.  

-- Sério? E esse não é o meu apartamento? -- a empresária deu de ombros -- Nem percebi.  

Natasha passou por ela, e sem olhar para trás, saiu porta à fora.  

Eliza balançou a cabeça, sabia muito bem o que ela fazia naquele apartamento.  

-- Natasha! -- Lalesca entrou na sala e assustou-se ao ver Eliza.  

-- A Natasha já foi -- disse a senhora, empurrando o carrinho com o café da manhã para próximo da mesa -- A
funcionária responsável por servi-la não pode vir, mas a partir de amanhã ela estará inteiramente a sua
disposição. Qualquer coisa que precisar, é só ligar para a recepção.  

-- Obrigada...   

-- Eliza, meu nome é Eliza.  

-- Obrigada, Eliza -- Lalesca sentou e apoiou a cabeça entre as mãos.  

Eliza sorriu, encheu uma xícara com café e entregou para ela.  
-- Beba, vai te fazer bem. A Natasha não é um docinho, mas quando acorda é um pouco pior.  

Lalesca estranhou o comentário.  

-- Você a conhece bem? -- decidiu matar a curiosidade.  

-- Digamos que desde que ela nasceu. Era a babá das filhas dos Falcão. Desde criança que Natasha é assim:
malcriada e mal-humorada.  

Depois do que Eliza falou, foi que Lalesca a observou melhor. A senhora não estava vestida com o uniforme
do hotel e seus gestos elegantes eram de uma pessoa acostumada a conviver com a burguesia.  

-- Que interessante. Você deve ser um anjo para suportá-la por tanto tempo.  

Eliza riu baixo.  

-- E você, a conhece desde quando?  

-- Até ontem a conhecia apenas pela internet, sou dona da empresa que fornece produtos de informática para
os hotéis.  

-- Hum -- Eliza parou por falta de palavras para expressar sua opinião. O que pensou, com certeza ofenderia a
jovem hóspede.  

Lalesca olhou para ela interrogativamente. A senhora deu de ombros, pediu licença e saiu.  

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Capítulo 4 O QUINTO DETETIVE por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 4  

O QUINTO DETETIVE 

Andreia deu uma rápida olhada para a sala de terapia intensiva onde Fábio estava. Pegou uma revista para se
entreter, porém não conseguiu concentrar-se, pensando o tempo todo em Marcela. 

As palavras dela haviam penetrado na alma de Andreia. O pai se tornara rico por esforço próprio, começando
do nada e construíra um hotel magnífico. No entanto, agora, vendo a sua ruína, era evidente que além da
crise, faltou-lhe também instinto e prudência. 

Andreia não sentia nenhum tipo de ressentimento por ele, muito pelo contrário, o pai lhe proporcionou
recursos e incentivos para que ela abrisse o próprio caminho aos 18 anos. 

Sentia-se um tanto decepcionada consigo mesma por não ter estado mais presente e envolvida com os
negócios do pai. Talvez o final da história fosse a mesma, porém ele teria com quem dividir a sua aflição. 

Andreia foi às lágrimas. O pai havia caído em um poço profundo, imerso em escuridão e medo. Sofreu calado.
Foi tanto sofrimento que o corpo não suportou. 

Marcela estava sendo tão cruel. A ruiva engoliu em seco. A irmã mais nova sempre manteve uma distância
emocional da família. Lembrou Andreia, cheia de mágoa. Nunca demonstrou nenhum interesse pelo pai e por
ela, por que se preocuparia com eles agora? 

Natasha pegou o pão sobre a mesa, tirou um pedaço e jogou para Mindinho. O cachorro cheiro e saiu. 

-- Cachorro chato, viu a cara que ele fez? 

-- Pão seco, ninguém merece -- Sibele se recostou na cadeira e também pegou um pedaço de pão. 

-- Tá certo, da próxima vez vou dar o cardápio para ele mesmo escolher o que quer comer no desjejum --
Natasha olhou para a médica e encontrou o olhar perdido dela -- Você está chateada? 

-- Problemas, problemas e mais problemas -- disse, esforçando-se para dar um tom ameno à voz. 

 
-- O que foi? Posso saber o motivo? -- disse Natasha.  

-- Minha namorada que mora no Rio me ligou chorando. 

-- Hum, isso é mal. Odeio mulheres que choram, elas parecem indefesas -- Natasha apoiou os cotovelos sobre
a mesa para olhá-la -- Elas choram para amolecerem o nosso coração e conseguirem tudo o que querem. Abre
o olho. 

-- Gostaria de ir até lá ver o que realmente está acontecendo. 

-- E por que não vai? -- perguntou Natasha, cruzando os braços sobre a mesa -- Fica lá por uma semana. 

-- Ausentei-me por dois dias e a biba do Léozinho só faltou me colocar no tronco -- reclamou Sibele -- Imagina
uma semana? 

-- Você poderia pelo menos ter deixado alguém no seu lugar. Deveria ter chamado um médico de Floripa para
lhe substituir. 

-- Hum, verdade -- Sibele pensou por alguns segundos e perguntou: -- Caso consiga alguém para ficar no meu
lugar, por alguns dias, posso viajar para o Rio? 

-- Claro que pode, Sibele. Quem manda aqui sou eu. É só deixar um médico bem informado sobre as suas
atribuições aqui no hotel, que ficará tudo bem. 

A médica sorriu agradecida. 

-- Não sei como agradecê-la, Natasha. 

-- Poderosíssima, o detetive Vanderlei, chegou -- Léozinho informou da porta. 

A empresária tomou um gole de café e se levantou. 

-- Por favor, Léo. Leve-o até o escritório.  

-- Claro, Natashatís... -- o rapaz percebendo a cara brava da patroa, tossiu para disfarçar -- Natasha. 

-- Com esse detetive vai ser diferente. Vou dizer a ele que: ou ele acha a minha irmã, ou... 

-- Ou? -- Sibele ergueu uma sobrancelha e olhou fixamente para seus olhos verdes. 

-- Ou eu mando o Hannibal jogar ele para os tubarões. 


 

-- Já é o quinto detetive que você contrata. Será que a sua irmã não está... 

Natasha levantou a mão impedindo-a de continuar. 

-- Nem complete a frase -- disse irritada.  

Sibele apenas balançou a cabeça. Evitaria contrariar Natasha, apesar de seu impetuoso temperamento, a
empresária proporcionava aos seus funcionários: novidades, sofisticação, muito sol, várias folgas, um salário
magnífico, oportunidade de trabalhar em um hotel maravilhoso. O que mais poderia desejar? 

Quando Natasha entrou no escritório, o detetive se levantou de imediato e foi ao encontro dela. 

-- Bom dia, senhorita Falcão -- o detetive cumprimentou Natasha com efusão. Era um homem corpulento, alto.
Seus olhos eram frios e inexpressivos -- Sou o detetive Vanderlei, ao seu dispor. 

-- Essa é Sibele, ela é médica e trabalha aqui no hotel. 

O detetive a cumprimentou com um gesto de cabeça. 

-- Vamos sentar, a conversa será longa -- Natasha sentou-se confortavelmente em sua cadeira com os
antebraços e as mãos sobre a mesa. 

-- O seu secretário adiantou-me algumas coisas, mas vou precisar saber da história completa. Tudo o que
conseguir lembrar, pequenos detalhes que possam lhe parecer insignificante, muitas vezes são de suma
importância para mim. 

-- Eu só falei sobre o acidente, ilustríssima -- Léozinho deu meia volta e foi sentar-se em uma poltrona próxima
a janela. 

-- Você gostaria de uma bebida? -- perguntou Sibele para Vanderlei. 

-- Alguma coisa refrescante viria a calhar. Nessa ilha, a água, o vento, o sol, parecem ser diferentes dos outros
lugares. Pensei que fosse derreter. 

-- Demora-se um pouco a acostumar-se com o clima quente, eu por exemplo, até hoje ainda sofro um bocado --
a médica sorriu, imaginando o detetive de terno e gravata sob o sol escaldante da ilha -- Os hotéis e as
pousadas são climatizados. Sua estadia não será tão terrível, assim. Não se preocupe. 

Sibele serviu um copo de suco para Vanderlei e outro para Natasha, depois sentou-se ao lado de Léozinho na
poltrona. 

 
-- Lembro-me de pouca coisa, tinha apenas sete anos quando tudo aconteceu, mas, vou contar o pouco que
lembro e o que fiquei sabendo através de meus avós e de minha babá. 

Natasha deu um gole da sua bebida gelada e colocou o copo sobre a mesa. 

-- Eu os perdi muito cedo, tinha apenas sete anos -- ela estremeceu diante da lembrança -- Papai dizia que me
pareço muito com minha mãe. 

-- Então ela devia ser belíssima -- Léozinho comentou, dando uma piscadinha para ela. 

-- Cara, como você é puxa-saco. Chega a dar embrulhos -- disse Sibele, impaciente. 

Léozinho revirou os olhos. 

-- Sua invejosa! 

Natasha balançou a cabeça e continuou: 

-- Minha mãe era uma bela catarinense, manézinha da ilha, chamada, Ângela. Meu pai era louco por ela. Foi
amor à primeira vista, amor verdadeiro. 

-- Ela foi uma boa mãe para você? -- Vanderlei a fitou com as sobrancelhas erguidas. 

-- Boa? -- Natasha tinha o coração apertado e recostou a cabeça no encosto da cadeira -- Mamãe foi perfeita.
Tinha momentos ruins, tinha seus defeitos, como todos nós, mas para mim ela foi tudo. Foi carinho, foi
mestra, foi exemplo. Mesmo quando ela engravidou e trouxe ao mundo aquela ruivinha chata que tomou o
meu lugar de bebê da casa, ela foi fabulosa. 

Vanderlei, Léozinho e Sibele, foram contagiados por sua emoção e sorriram juntos a ela. 

-- Sua mãe deve ter sido uma pessoa muito bondosa e divertida -- observou Vanderlei, após um breve silêncio -
- Como ficou a relação de vocês depois que a ruivinha nasceu? -- Ele a observava com olhos analíticos,
esperando por uma resposta. 

-- Ela foi extremamente compreensiva com relação ao momento ciúme pelo qual estava passando -- disse com
uma voz suave unida a um sorriso aberto, tão raro em seu rosto bonito -- Confesso que por muitas vezes
merecia ser punida severamente. 

-- Por quê? -- as sobrancelhas dele se juntaram, franzindo o rosto. 

-- Adorava arrastar a minha irmãzinha ruiva pelos cabelos como se ela fosse uma boneca de pano, tentava
afogá-la na banheira, trancava a pobrezinha no armário, coisinhas básicas e natural de irmãos. 

Risos. 
 

-- Tadinha! -- o advogado fez uma expressão divertida -- Sei que deve ser difícil para você falar no assunto, mas
preciso saber o que houve no dia do acidente. 

-- Não se preocupe. Isso aconteceu há muito tempo. Aquela menina assustada cresceu e transformou-se em
uma mulher valente -- ela voltou a colocar o braço sobre a mesa e a entrelaçar os dedos -- Essa etapa infeliz da
minha vida ainda não terminou. Me fortaleço cada dia na esperança de encontrar a minha irmã. 

Sibele saiu de onde estava e foi sentar-se em uma cadeira ao seu lado. Não cansava de ouvir aquela triste
história. 

-- Eu nunca gostei de sair da ilha -- sua voz baixa, profunda e com um forte sotaque Micaelense (idioma falado
em São Miguel que é a maior das ilhas do arquipélago dos Açores e a maior de todas as ilhas integrantes do
território de Portugal) -- Meus ancestrais são imigrantes Açorianos. Eu nasci e me criei aqui, na Ilha do Falcão,
junto a muitas pessoas dos Açores. 

-- Por que não estava no carro no dia do acidente? 

-- Dificilmente saía da ilha. Até hoje, o máximo que vou é até Florianópolis -- Natasha fechou os olhos e
recordou as palavras do pai: 

"Vamos, minha filha. Você nunca sai dessa ilha. Sabia que existe um mundo maravilhoso fora desse pedaço de
terra perdido no mar?" 

-- Eu sabia que existia e, isso me causava medo. O centro dos negócios do meu pai, na época, era em
Florianópolis. Quem trouxe tudo para a Ilha do Falcão, fui eu. Por isso, meu pai partia todos os dias para o
Continente. 

-- Foi em uma dessas viagens que aconteceu o acidente? -- perguntou, Vanderlei. 

-- Não foi a trabalho. Era o início do ciclo de Festas do Divino Espirito Santo, também chamado de "folias do
Divino" ou "cantorias do Divino" é uma tradição cristã católica, com mais de oito séculos, introduzida na
cultura local pelos açorianos, em celebração a sua devoção ao Espírito Santo. Florianópolis e vários outros
municípios do litoral realizam essa festividade. 

-- Seus pais estavam indo participar das festividades? 

-- Logo cedo saíram daqui no iate do papai com destino a ilha de Santa Catarina. Chegando lá pegaram um
carro e partiram em direção ao Continente pela ponte Colombo Sales -- Natasha esforçava-se para que a sua
voz soasse calma -- O acidente aconteceu na Rodovia Governador Gustavo Richard, logo na saída da ponte. 

Natasha deu um gole maior na bebida. Sua garganta estava totalmente seca e arranhando. 

-- Segundo as informações que tenho, um bêbado surgiu na curva dirigindo na contramão e bateu de frente
com o carro em que eles se encontravam. Meu pai, minha mãe e o motorista, morreram na hora. 

Natasha olhou para as próprias mãos, entrelaçadas sobre a mesa. 


 

-- E... sua irmãzinha? -- Vanderlei perguntou irrequieto. 

-- Quando o socorro chegou não encontraram a Carol. A polícia ouviu o depoimento de várias testemunhas
que chegaram ao local logo após o acidente, mas ninguém viu a menina. 

-- Essa história sempre me intrigou -- Sibele sacudiu o copo antes de levá-lo aos lábios. 

-- Como essa menina sumiu do local do acidente? Mesmo que fosse o corpinho sem vida, ela devia ter sido
encontrada. No entanto, o paradeiro dela é um mistério para todos -- completou, Léozinho. 

Vanderlei suspirou fundo. Tinha consciência que encontrar Carolina Falcão era uma missão quase impossível.
Sentiu-se tentado a não aceitar o caso, mas a frase que Natasha disse a seguir o levaria até o inferno para
procurá-la, caso fosse preciso. 

-- Dois milhões é o preço que pagarei para encontrá-la -- então, com um suspiro cansado, ela se pôs
lentamente de pé -- Vou buscar uma foto de infância, dela. Quero que leve a um especialista para que ele faça
uma projeção de como estaria Caroline hoje, com vinte e quatro anos. 

-- Vou com você, fabulosa -- Léozinho a seguiu. 

Os olhos do homem brilharam provocado pela ganância do valor mencionado. 

-- Hum -- resmungou o detetive, sem desviar o olhar de Natasha que caminha em direção a porta. 

-- Quantia irrecusável. Não é mesmo? -- Sibele comentou, olhando para ele -- E poderá ser maior ainda.
Natasha costuma ser bem generosa com quem cumpre o seu trabalho com êxito. 

-- Por quê, depois de tantos anos ela resolveu ir atrás da irmã? 

-- Ela está procurando há anos, você é o quinto detetive. Os outros não tiveram sucesso. A mulher parece ter
evaporado. 

-- Ela é bem insistente. 

-- Natasha só deixará de procurar a irmã, quando tiver certeza de que ela está morta. 

-- Ela deve ser muito rica. Não é mesmo? 

-- Natasha é herdeira de todo um império. Duas ilhas maravilhosas, com hotéis e pousadas de luxo, as duas
situadas aqui no litoral de Santa Catarina. Tem tudo o que qualquer um deseja: Dinheiro, beleza, talento, o
respeito das pessoas e ótima reputação no mercado. Ela é uma mulher, independente e muito... muito
carismática. 

 
-- As pessoas nunca estão completas. Mesmo com toda a sorte do mundo, sempre há algo faltando -- o detetive
balançou a cabeça redirecionando seu olhar para a porta. 

-- Natasha, sente-se incompleta, pois falta um pedaço de seu coração. Ela nunca se conformará com o
desaparecimento da irmã. 

-- Não mesmo! -- falou a empresária entrando com a foto na mão -- Demoramos escolhendo uma que fosse mais
nítida. Acabei optando por essa. 

-- A irmãzinha da Natíssima era tão enferrujadinha tadinha! -- disse Léozinho passando a mão pela cútis


acetinada -- Foi difícil de escolher uma apresentável. 

Natasha fez uma cara séria de desaprovação. 

O detetive esticou o braço e pegou a foto, analisou e aprovou. 

-- Vou começar o meu trabalho agora mesmo, senhorita Natasha. 

Natasha desviou o olhar para o advogado que estava sentado do outro lado da mesa -- Quero que você
intensifique a busca. Percorra os quatro cantos desse país. Não me interessa de que forma você fará isso, a
única coisa que me interessa, é que traga ela de volta. E Vanderlei... Custe o que custar! 

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É
Capítulo 5 A MÉDICA SUBSTITUTA por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 5 

 A MÉDICA SUBSTITUTA 

Andreia jogou a bolsa sobre o sofá e caminhou até a cozinha com alguns papéis na mão. Deixou-se cair na
cadeira, enquanto esfregava os olhos que ardiam devido ao sono. 

A figura esbelta, bem-vestida, sexy e de olhos castanhos, surgiu à entrada da cozinha. 

-- Vai sair? -- perguntou Andreia, colocando os papéis sobre a mesa -- Pensei que fosse ficar um pouco com
papai, lá no hospital. 

Marcela desviou os olhos, fitando-se em um espelho enorme que havia na sala. 

-- Vou buscar a minha namorada no aeroporto -- ela desviou os olhos do espelho para a mão bem cuidada --
Acho que vou me dar bem. 

Andreia sentiu um embrulho no estômago só de ouvi-la falar. 

-- Não cheguei a dormir duas horas na noite passada. Gostaria que revezasse comigo, ao menos por algumas
horas -- com um gesto cansado, Andreia enfiou o rosto entre as mãos. 

-- Me poupe, né Andréia? -- Marcela caminhou até a porta e virou-se para olhar para ela -- Nesse momento
tenho outras prioridades. Não vou ficar presa dentro de um hospital, enquanto o meu mundo está
desabando. Não sou simplória como você, vou a luta. 

Assim que Marcela saiu, batendo a porta atrás de si, Andréia deitou-se na cama e chorou. 

Deitada de costas, mantinha o olhar fixo no teto. Estava exausta por tudo o que acontecera nos últimos dias.
Aquele fardo ficaria apenas sobre seus ombros. Um fardo que se tornaria mais pesado a cada dia. Não
poderia contar com Marcela para nada, isso era fato. 

Andreia se levantou da cama. Tomaria um banho e retornaria ao hospital. Não queria pensar mais a esse
respeito. O pai precisa dela e ela não se acovardaria. 

Uma hora depois, ajeitou a bolsa no ombro e entrou decidida no elevador. Força Andreia, disse para si
mesma. 

 
Natasha bebeu de sua taça de vinho, franzindo o cenho diante das besteiras que Léozinho falava. 

-- Esse seria um caso para o Fox Mulder e Dana Scully -- disse o rapaz, gesticulando com o garfo em direção à
empresária. 

-- Quem é Fox Mulder e Dana Scully? -- Natasha olhou para Léozinho, examinou sua expressão e notou que
ele não estava brincando. 

-- Meu Deus! Você não conhece a dupla de agentes especiais do Arquivo X? -- o secretário estava indignado.
Deu um tapa na própria testa -- Em que mundo você vive, poderosa? -- ele pegou a faca que estava entre os
seus talheres e apontou para Natasha -- Não tem vergonha? 

Natasha limpou a boca calmamente no guardanapo antes de falar: 

-- Quer morrer? -- perguntou de cara fechada e sobrancelhas erguidas -- Mesmo assim obrigada. Saber quem é
Fox Mulder e Dana Scully, realmente é algo extraordinário. Não sei como consegui viver até hoje sem essa
informação -- ironizou. 

-- Desculpa! É que fiquei passada -- Léozinho abaixou a cabeça, mas logo levantou -- Que tal chamar o CSI,
poderosíssima? 

-- Nem vale a pena comentar -- ela se limitou a encolher os ombros, como se não tivesse importância. Natasha
tomou um gole do vinho, depois colocou a taça sobre a mesa -- Liberei a Sibele por uma semana. Ela vai visitar
a namorada que mora no Rio. 

-- E vamos ficar sem médica até ela voltar? 

-- Sibele chamou uma médica de Florianópolis para substituí-la. Tudo bem? 

-- Hum... Não! 

-- Por que não? Vai dizer que não gostou? Era só o que me faltava! -- disse Natasha irritada. 

-- Eu nunca ganhei uma semana para viajar ao Rio. 

-- Você nunca pediu. 

-- Eu não tenho ninguém no Rio, por isso nunca pedi. 

Natasha respirou fundo. 

-- Então vai para outro lugar, Recife, São Paulo, Muçambinho, Sombrio, Salto do Lontra, Pintópolis, Anta
Gorda, Paudalho, Ponta Grossa, Jijoca de Jericoacoara... 
-- Nãooo... Eu também não conheço ninguém nessas cidadesss... 

Natasha perdeu a paciência. 

-- Tenho várias opções de divertimento para você: Excursão para o raio que o parta, encontro com
Farmacêuticos para ver o que é bom pra tosse, mutirão para limpeza do leite derramado, excursão para puta
que o pariu, festa na casa da mãe Joana... Quer mais? Tem também, investigação para descobrir onde Judas
perdeu as botas, workshop para ensinar o padre a rezar a missa, debate para apurar se realmente a
esperança é a última a morrer, debate para descobrir se a mentira tem perna curta... Tudo por minha conta,
pode escolher. 

-- Aaaaaaaaa... -- Léozinho saiu chorando. 

-- Aff, por quê toda bicha tem que ser assim tão espalhafatosa e emotiva? -- resmungou Natasha, jogando o
guardanapo na mesa. 

-- Não generalize -- uma voz suave unida a um sorriso aberto soou próximo ao ouvido da empresária --
Conheço alguns bem discretos. 

Natasha virou-se para a direção da voz aveludada. 

-- Não me faça rir -- Sibele exclamou logo em seguida -- Os amigos de Léozinho são todos do mesmo nível que
ele. 

Um sorriso muito suave passou pelos lábios de Natasha. 

-- Deixe-me adivinhar... Você é a médica que vai substituir a Sibele. 

-- Sim, eu mesma -- a médica respondeu sorrindo. 

-- Essa loiraça aqui é a minha amiga, Talita -- apresentou, Sibele. 

-- Já vi mulher bonita, mas você... apela! -- Natasha deixou escapar uma risada divertida. Nesse preciso
momento, seus sentidos se alertaram e passou a olhar com mais interesse para a loira gostosa. Os
maravilhosos olhos verdes de Natasha faiscaram divertidos e a loira riu movendo a cabeça de um lado a outro
-- Muito prazer, doutora Talita -- a empresária cumprimentou-a com dois beijinhos na bochecha -- Sente-se a
minha mesa -- apontou para a cadeira vazia. 

-- Obrigada! -- a médica sentou na cadeira indicada e sorriu para Natasha -- Acabei de chegar e já estou
apaixonada por essa ilha. 

-- A ilha é realmente encantadora, e como diria meu falecido avô: um pedacinho do paraíso perdido no mar. 

-- Seu avô era um homem sábio -- disse Talita. 


-- Está com fome? -- indagou de repente, e, quando Talita assentiu, Natasha levantou a mão chamando o
garçom -- E você, Sibele? Não vai almoçar conosco? 

-- Faço um lanche mais tarde. Agora vou arrumar as malas. 

-- Que pressa, hein? -- Natasha entregou o cardápio para a loira -- Minha médica titular, está realmente
apaixonada. O amor está refletido nos seus olhos. 

-- Confesso que acabo de lançar-me em um caminho inseguro e perigoso, mas como saberei se é o certo se não
arriscar? 

-- Quebrar a cara é bem doído. Vai por mim -- disse Natasha, tocando de leve em seu ombro -- E pode deixar
marcas bem profundas. 

-- Vou lembrar disso. Então... vou indo... -- disse com os olhos brilhando. 

-- Boa sorte! 

Natasha e Talita desejaram com sinceridade. 

-- Bem, agora que estamos a sós, podemos aproveitar o tempo para nos conhecermos melhor -- Natasha
declarou enquanto arrastava a sua cadeira para mais perto de Talita -- Casada? Solteira? Ficante? Amontoada?
Ou a espera de um milagre? 

-- Casada -- disse Talita com um sorrisinho irônico. 

-- Eu sempre prefiro às casadas, dão menos problemas -- falou suavemente, com o tom de voz provocativo. 

Talita deu uma gargalhada. 

-- Você acha? 

-- Acho -- respondeu Natasha, séria -- Na verdade o problema são os maridos -- sorriu divertida. 

-- E você? É solteira? 

-- Sou solteira porque o burro do meu cupido usa uma metralhadora em vez de arco e flecha, e acaba matando
as minhas pretendentes -- brincou. 

-- Ouvi muitas coisas a seu respeito -- Talita disse em um tom mais sério -- Os seus funcionários adoram contar
histórias ao seu respeito. 
-- O que por exemplo? -- perguntou Natasha, com a curiosidade aguçada. 

-- Que a Falcão é uma tirana insensível e uma mulherenga sem princípios. Flerta com qualquer uma que estiver
ao seu alcance... 

Natasha gargalhou, mas não disse nada. 

-- Não vai se defender? 

-- Claro que não! -- a empresária esperou o garçom servi-las, para depois continuar -- Eu gosto dessa fama de
mal. 

Natasha pegou uma garfada de comida e comeu calmamente. Olhou séria para Talita e falou com delicadeza: --
Para você, minha bela doutora substituta, que acha que eu sou uma tirana insensível, cantarei um trecho da
música Rosas, de Pixinguinha, para demonstrar o quanto sou romântica e sonhadora. 

Tu és divina e graciosa, estátua majestosa 

Do amor, por Deus esculturada 

E formada com ardor 

Da alma da mais linda flor de mais ativo olor 

Que na vida é preferida pelo beija-flor 

Se Deus me fora tão clemente aqui neste ambiente 

De luz, formada numa tela deslumbrante e bela 

Teu coração, junto ao meu lanceado 

Pregado e crucificado sobre a rósea cruz do arfante peito teu... 

Arrepiando-se da cabeça aos pés, Talita revirou-se na cadeira, de tão perturbada que ficou com o flerte
dirigido a ela. 
-- Eu amo esse sotaque açoriano -- sussurrou a médica. 

Natasha sorriu. Adorava jogar o seu charme micaelense. 

-- Vim dos Açores bem pequena, mas fui criada no meio de açorianos que faziam questão de manter as origens
e falar apenas a língua usada na ilha de São Miguel, nos Açores, o português micaelense. 

-- Admiro os imigrantes que mesmo em terras distantes procuram manter as tradições da terra natal. 

-- A maioria dos imigrantes açorianos aportou na Ilha de Santa Catarina, mas com os passar das décadas
povoaram todo o litoral catarinense. Vieram para cá, curandeiras e mulheres condenadas por fofoca. Salvas
das fogueiras, as açorianas não se sentiram gratas à nova terra: chamavam-na Desterro. Para assentar
bandeira foram construídos os prédios pilares: catedral, palácio do governo, câmara dos vereadores, cadeia e
mercado. Desterro virou cidade. E o povo cresceu ao redor.  

-- Pelo que sei o povo açoriano é bem católico. 

-- As tradições açorianas giram ao redor do catolicismo. Se por um lado, ajoelham-se sob o altar, por outro se
divertem com as bruxas e com o diabo. Segundo a crença, seria a bruxa a sétima filha de um casal, sem varão
de entremeio, que não tenha recebido na pia batismal o nome de Benta e que não tenha como madrinha a sua
irmã mais velha. 

Talita levantou os cantos dos lábios, achando engraçado. 

-- Que coisa. Ainda bem que tenho apenas dois irmãos. 

-- Ainda bem, odiaria saber que você é uma bruxa -- comentou Natasha, com ar divertido -- A festa do Divino é
o mais forte culto religioso do povo açoriano. Após o domingo de Páscoa, o cortejo leva a bandeira que é o
símbolo da tradição. A orquestra segue com tambor, violão, rabeca, gaita, pandeiro e viola. O mestre
improvisa os tradicionais versos do culto. Em seguida, visitam as casas, seus moradores beijam a pomba da
bandeira em sinal de respeito. Agradecem as graças, fazem ofertas e colocam nova fita na bandeira como
pagamento de promessas. 

-- Deve ser lindo. Você costuma participar? 

-- Apesar de ser para mim, uma data marcada pela tragédia, costumo participar todos os anos -- de
repente, uma densa nuvem de tristeza cobriu seus profundos olhos verdes. 

-- Quer falar sobre isso? -- Talita perguntou, hesitante. 

-- Prefiro não falar sobre minha vida particular, Talita, se não se incomoda. 

-- Tudo bem -- ela concordou com um sorriso levemente decepcionado.  


-- Que tal um cálice de vinho? Temos aqui o impressionante tinto Quinta do Vesúvio, ele já foi apontado como
candidato ao posto de melhor vinho tinto de Portugal! Elaborado apenas nas melhores safras, é concentrado
e exuberante, produzido com uma base de Touriga Nacional, sendo impressionantemente elegante para um
vinho tinto. 

-- Impressionante, mas, estou em horário de trabalho e seria irresponsabilidade de minha parte. 

-- Hum, gostei -- Natasha sorriu, satisfeita com o profissionalismo dela, porém, insistiu no convite -- Mesmo
assim, quero que prove o nosso vinho. Hoje a noite está bom para você? 

Sibele estava ansiosa para chegar ao Rio, a cidade maravilhosa. Mal podia esperar para rever sua bela
namorada. 

Depois de uma hora e quarenta, o avião pousou no Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão. 

Chegou ao saguão com um largo sorriso nos lábios. Marcela foi correndo abraça-la. 

-- Que saudade! -- disse Marcela com amabilidade. 

-- Também estou -- Sibele pôs malícia na voz. O amor fazia dela uma adolescente bobinha e insegura -- Você
está linda! -- exclamou com um olhar luminoso. 

Marcela sorriu, lisonjeada. Segurou Sibele pelo braço e a levou até a saída do terminal aonde vários táxis
estavam estacionados aguardando por passageiros. 

-- Leblon, por favor -- disse Marcela, para o taxista. 

O motorista sorriu, acenou de forma cortês, colocou a bagagem no porta-malas do carro, e finalmente se
puseram a caminho do apartamento da garota. 

-- Estou muito feliz com a sua vinda -- a pele clara de seu rosto estava rosada, os olhos castanhos brilhavam
intensamente demonstrando satisfação. 

-- Fiquei preocupada -- foi sincera -- Você estava chorando quando me ligou, tive a sensação de que está
acontecendo algo muito grave. 

-- Realmente está -- disse Marcela com pressa -- Não vou conseguir conversar sobre o assunto agora. Se eu
falar vou começar a chorar e acho que aqui não é o lugar. Nem a hora. A moça tocou o braço da namorada,
afetuosamente -- Vamos deixar para conversar quando estivermos em meu apartamento. 

Sibele concordou com Marcela embora, estivesse ansiosa demais para esperar. Passaram então a conversar
animadamente sobre as belezas da Cidade Maravilhosa. 
 

CRÉDITOS: 

https://www.buzzfeed.com/davirocha/eventos-facebook-njmk?utm_term=.dvj1LwJWjO#.hmAby1Kaw0 

http://anoticia.clicrbs.com.br/sc/noticia/2014/08/florianopolis-mantem-as-tradicoes-culturais-do-arquipelago-de-
acores-em-portugal-4566034.html 

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Capítulo 6 A IRMÃ RUIVA por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 6 

A IRMÃ RUIVA 

O apartamento de Marcela era grande e luxuoso. As cortinas das janelas estavam abertas, emoldurando a
vista da baia da Guanabara. Mais ao longe, o pão de açúcar, lembravam o cenário de um cartão postal. 

O olhar de Sibele voltou-se para as paredes cobertas de telas retratando as belezas naturais de várias partes
do mundo. O teto em arco era sustentado por colunas trabalhadas. 

Puxa vida! ela murmurou para si mesma. Quanto luxo!  

Pegou a mala que estava no chão e olhou para Marcela. 

-- Algum quarto que você prefere que eu use?  

-- Eu te levo -- ela respondeu e pegou uma das malas das mãos de Sibele -- Minha irmã está usando um dos
quartos. 

-- Ela já voltou dos Estados Unidos? -- Sibele mostrou-se surpresa -- Pensei que ainda faltasse um semestre
para ela se formar. 

-- Realmente falta, mas como lhe contei por telefone, papai sofreu uma parada cardíaca e está em coma no
hospital -- Marcela abriu a porta do quarto e colocou a mala sobre a cama -- O médico dele achou melhor
chamá-la. 

-- É tão grave assim? -- Sibele colocou a segunda mala sobre a cama e sentou-se ao lado. 

-- Muito grave! Segundo o cardiologista, ele vai precisar passar por uma cirurgia delicadíssima. 

-- Que triste. Um homem tão ativo... 

-- E burro! -- Marcela completou socando o colchão. 

Sibele não estava entendendo o motivo de tanto ódio.  

-- O que aconteceu? Da última vez que conversamos sobre ele, você me disse que ele era um homem muito
competente e respeitado no setor de hotelaria. 
-- Era o que pensava -- disse por entre os dentes -- Hoje a minha opinião é outra. Ele é um
grande incompetente, isso sim. Estava enganada, meu pai não era a pessoa que imaginei que fosse -- mordeu o
lábio inferior -- Ele cavou a própria cova. 

-- Talvez você esteja exagerando -- Sibele fitou demoradamente os raivosos olhos castanhos, antes de
continuar -- Uma pessoa que construiu um hotel desse porte em plena orla de Copacabana, não poderá nunca
ser considerado um burro incompetente. Não é para qualquer um manter-se tantos anos no mercado em meio
a tantas crises que esse país já viveu, e vive. 

-- Estamos falidos! -- Marcela gritou furiosa. Depois caiu em convulsivo pranto -- Nós estamos falidos, Sibele. 

Na frente do hotel, Natasha parou e olhou para o outro lado da avenida durante alguns minutos para apreciar
o movimento.  

Era alta temporada, estação mais esperada para aquecer os negócios de sua cadeia de hotéis e pousadas.
Para sua satisfação, a ilha estava cheia de turistas, os bares lotados, as praias entupidas de gente. 

Os negócios se expandiram rapidamente. Agora funcionam praticamente sozinhos e ela tinha tempo de sobra
para circular pela ilha, visitar obras e conversar com os moradores. 

Uma sombra de frustração passou pelo rosto bonito de Natasha. Tudo seria perfeito se Carolina estivesse ali
compartilhando de toda aquela beleza e riqueza. Sentia falta de alguém para discutir, tomar sorvete, darem
risadas juntas. Ainda tinha esperanças de encontrar a irmã e traze-la para junto de si. 

-- Admirando o seu paraíso, senhorita Falcão? -- Talita parou ao lado dela na escada. 

-- Nunca me cansarei de admirar -- respondeu Natasha, com as mãos nos bolsos e os olhos fixos no
horizonte. 

-- Parabéns Natasha, você montou um ambulatório magnifico aqui na ilha. Bem equipado e com profissionais
bem treinados e comprometidos. 

-- Estamos a meia hora do continente e mesmo de helicóptero, em casos mais graves, precisamos ter


condições de dar os primeiros socorros aqui na ilha.  

-- Quando precisar de mais um médico, não esqueça de me chamar -- disse Talita, com um sorriso tão sincero
que fez Natasha pensar na possibilidade. 

-- Sibele é a chefe desse departamento, é ela quem trata desses assuntos. Por que não conversa com ela? 

-- Farei isso -- ela sorriu esperançosa. Uma excelente remuneração, um projeto de sonho, trabalhar em um
paraíso e em excelente companhia. O que mais poderia querer? Ela tinha certeza de que aquele era o lugar
para começar a sua nova vida, o lugar que a afastaria do caos em que se encontram os hospitais públicos da
capital. Faltam médicos e enfermeiros e quase a metade dos hospitais tem leitos fechados e falta de
medicamentos. Estava cansada, muito cansada de dar murro em ponta de faca. 

-- Senhorita Talita, está maravilhosa com esse jaleco branco. Se eu não tivesse uma aversão tão intensa ao
compromisso de uma vida a dois, em especial quando esse compromisso é formalizado pelo casamento,
estaria agora jogada aos seus pés implorando que casasse comigo. 

-- Você é muito gentil. É pena que eu já seja casada -- ela sorriu -- E como diz o poeta: "O casamento é a união
de duas pessoas que se amam para sempre". 

-- Os poetas dizem muitas coisas que não são verdadeiras. E essa frase com certeza é uma delas. 

-- Não acredita no amor eterno, Natasha?  

-- Não! Eu não acredito. Acho que a partir do momento que a relação começa a ter problemas, você não
consegue deixá-la perfeita de novo. Você esqueceria uma traição? 

-- Não!  

-- Nem eu. Acho que a gente tem que cuidar no dia a dia para não se machucar. Se você quer ficar do lado da
pessoa que você escolheu para o resto da vida você tem que regar diariamente seu relacionamento. Isso
é difícil, muito difícil, por isso não posso acreditar. 

-- Você fala isso porque nunca amou alguém -- Talita retrucou. 

-- Me contentaria com uma relação que houvesse um ponto de equilíbrio. 

-- Hum, isso parece bom -- Talita olhou para ela curiosa -- Duas pessoas maduras, quem sabe? 

-- Quem sabe, só que não -- Natasha fez uma careta, deixando claro que o assunto a incomodava -
- Vamos jantar juntas esta noite, Talita? Ficaria encantada com sua companhia, se aceitasse ir comigo a algum
restaurante fora do hotel. 

Talita pensou em dizer não, mas ao ver o sorriso sedutor de Natasha mudou de ideia. 

-- Está bem -- concordou num fio de voz -- Eu aceito. 

Andréia estava com fome. Seu almoço tinha consistido em salada e um suco de frutas. Foi até a lanchonete fez
um lanche rápido e quando retornava para junto do pai, encontrou o doutor Vicente conversando com um
homem na porta da UTI. Andréia bebeu um copo de água gelada enquanto se perguntava quem seria aquele
senhor vestido socialmente e segurando uma pasta preta de couro. 

De todos os modos jogou um olhar sério a ele e descobriu que seu instinto estava certo. Assim que a viu, ele
caminhou até ela e estendeu a mão. 

-- Meu nome é Rodrigo Santos. Sou Oficial de Justiça. Estive no apartamento do seu pai por diversas vezes e
não o encontrei. Hoje, conversando com o porteiro fui informado do triste ocorrido -- o oficial olhou para ela
alguns segundos, parecia constrangido -- Sinto muito, mas tenho que cumprir o meu trabalho. 

-- Pode falar senhor Rodrigo. Estou preparada para tudo o que senhor tiver para me falar. 

-- Seu pai se arriscou a uns níveis que nenhum homem sensato se teria atrevido. E esses riscos lhe custaram
uma fabulosa soma de dinheiro. Ele empenhorou o apartamento e não conseguiu pagar a dívida -- o oficial
abriu a pasta e entregou uma pilha de documentos para ela -- Vou ter que cumprir a ação de despejo. O juiz
fixou prazo de trinta dias para vocês desocuparem o imóvel. 

-- Eu já esperava por isso, o advogado de meu pai havia me alertado. 

-- Melhor assim -- o homem fez um gesto com a cabeça -- Boa sorte! 

Atônita e sem fala, Andreia jogou-se na cadeira. Pensou, que fosse desmaiar 

-- Oh, Deus, o que faço? -- sem conseguir encontrar uma saída, ela apenas escondeu o rosto entre as mãos e
tentou reprimir os soluços.  

-- O que de pior ainda poderia acontecer? 

-- Falidos? -- Sibele perguntou, incrédula. 

Natasha era uma verdadeira enciclopédia em matéria de hotéis e pousadas. Sempre comentava a respeito de
como andava o mercado financeiro. Lembrou-se de certo dia ter a ouvido falar que esse hotel era uma
verdadeira mina de ouro e faturava milhões por ano. Agora aquele dinheiro tinha ido embora, engolido pela
má administração e ações inconsequentes do pai de Marcela. Infelizmente, ele fora ingênuo demais e agora
estava pagando o preço por isto. 

-- Sim, foi isso mesmo que você ouviu: Falidos -- Minha vida acabou. Quero morrer -- Marcela sentia-se como se
estivesse atolada em uma lama sem fim -- O que meus amigos dirão? Com certeza vão me abandonar, vão fazer
chacota com cada passo que eu der, vão me ironizar. 

-- Não seja tão infantil -- Sibele disse-lhe indignada -- O que menos importa nesse momento é a opinião dos
seus amigos. 

-- Você tem razão. Foi por isso que a chamei até aqui, Sibele. 
A médica cruzou os braços e a encarou curiosa. O que ela teria a ver com aquilo? 

-- Pensei que o motivo seria saudade, apoio, uma palavra amiga? 

-- Também! -- Marcela sentou no colo da médica e envolveu seu pescoço com os braços -- Você é uma pessoa
sensata. Pensei, se você pudesse atrair um sócio rico que estivesse preparado para colocar dinheiro na
empresa. 

Sibele olhou-a nos olhos e ergueu as sobrancelhas. 

-- Eu? A única empresária rica que conheço é a Natasha e, ela já deixou bem claro que não investe fora das
ilhas.  

Marcela se levantou rapidamente, irritada com a resposta da namorada. 

-- Pensei que me amasse -- disse com um tom de voz dengoso. 

-- Eu a amo -- Sibele se aproximou dela humildemente -- A amo muito.  

As duas eram tão diferentes. Sibele uma brava guerreira, Marcela uma gatinha dengosa criada por pais que a
mimaram muito. Que diabos iria fazer? Precisaria de um milagre para salvá-la.  

-- Se me amasse como diz me amar, faria algo para me ajudar -- lágrimas brotaram em seus olhos. Era tão típico
de Marcela essa chantagem emocional, mas mesmo assim, Sibele deixou-se envolver.  

-- Sinto muito, mas... 

Marcela saiu do quarto chorando. Sibele foi atrás. 

-- Juro, que se tivesse algo que eu pudesse fazer por você, eu faria... 

-- Oh, pode parar Sibele -- disse bruscamente -- É muito fácil para você ficar aí parada -- disse-lhe Marcela,
ferozmente -- Poderia pelo menos tentar. O que faz você pensar que essa Natasha não aceitará o negócio? 

-- A única coisa que ela pensa nesse momento é encontrar a irmã desaparecida. 

-- Que idiota! -- resmungou Marcela. 

Sibele caminhou até a estante. Seguiu-se um grande silêncio, durante o qual a médica olhava para um retrato. 
-- Essa ruiva é a sua irmã adotiva? -- Sibele tirou o porta-retratos de uma das prateleiras e ficou olhando para a
fotografia. Ideias maldosas passaram por sua cabeça -- Você conhece a história da adoção de sua irmã? 

-- Claro! Papai contou para nós..., mas o que isso importa agora? -- perguntou, sem entender a que ela se
referia. 

-- Estou pensando em algo que resolveria o seu problema de dinheiro para sempre. 

-- Diga, Sibele! -- pediu Marcela, ansiosa. 

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Capítulo 7 O PLANO por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 7  

  O PLANO   

-- O quadro clínico dele continua estável -- falou doutor Vicente, aproximando-se -- Meu amigo é um guerreiro.  

-- Posso ficar com ele, doutor?  

-- Não há o que fazer aqui. Por que não vai para casa descansar e volta amanhã?  

-- Eu prefiro ficar -- insistiu Andreia.  

-- Não gaste suas energias todas de uma vez, Andreia. Você ainda vai precisar muito dela -- o médico a olhou
com muita pena.   

-- Tem certeza de que ele não vai precisar de mim?  

-- Absoluta.  

Quando Andreia tocou as mãos do pai, elas estavam frias. Ficou olhando para ele por alguns minutos,
esperando uma reação, um piscar de olhos, um sinal qualquer que lhe trouxesse esperança. Mas nada
aconteceu.  

-- Obrigada, doutor. Voltarei pela manhã -- virando-se, Andreia saiu do quarto pensando em como seu mundo
virou de pernas para o ar em tão pouco tempo.   

-- Senhorita Andreia!  

Estava tão distraída, que a voz da recepcionista, provocou-lhe um sobressalto.   

-- Pois não? -- olhou para a moça vestida com o uniforme do hospital.  

-- Por favor, senhorita, precisamos conversar.  

Andreia suspirou longamente. Estava em uma fase tão ruim que esperava sempre o pior.   

-- Pode falar -- ela se encostou contra o balcão.  


 

-- A administração do hospital pediu-me para informá-la que a operadora cancelou o contrato de plano de
saúde do senhor Fábio Dias.  

Os olhos de Andreia se arregalaram de surpresa e ela se debruçou para frente.  

-- Como assim, cancelou? -- Andreia empalideceu. As palavras da recepcionista atingiram-na como um soco no
estomago.  

-- Segundo eles, o senhor Fábio está inadimplente por mais de sessenta dias, consecutivos, e que foi
notificado há cinquenta dias.  

Em um momento, Andreia sentiu suas pernas fraquejarem e o ar faltar. Começou a caminhar lentamente em
direção à porta.  

-- Senhorita Andreia...   

A voz da recepcionista parecia longe...   

-- O que a senhorita vai fazer?  

Andreia apoiou-se com as mãos na parede e olhou para ela.  

-- Por favor, vamos deixar esse assunto para amanhã. Hoje não estou com cabeça para mais nada.  

Saiu para a rua em total estado de desânimo. Entrou no primeiro táxi da fila e passou o endereço para o
motorista.  

Enquanto o veículo se distanciava do hospital, pensava em como resolveria mais esse problema.  

Marcela, estava sentado no sofá com o porta-retratos de Andreia sobre uma das pernas. Ouvia o que Sibele
falava, com toda a atenção possível.  

-- Sua irmã tem todos os requisitos, ela se enquadra direitinho no papel de Carolina.  

-- Minha irmã nunca aceitará. Ela é toda certinha -- Com um sorriso amargo, Marcela se levantou e caminhou
pela ampla sala -- Que oportunidade de ouro. Isso só pode ser ajuda divina.    

 
-- Não exagere, Marcela. Imagina se Deus vai ajudar alguém dessa forma -- a médica revirou os olhos -- Agora
temos de pensar em uma maneira de convencer a Andreia -- Sibele aproximou-se de Marcela certa de que seu
plano era perfeito -- Natasha tem tanto dinheiro, que nem sabe o quanto. Vocês nunca mais se preocuparão
com outra coisa a não ser viajar e curtir a vida com muito luxo.  

Os olhos de Marcela brilharam gananciosos.   

-- Uma ilha só para nós!  

-- Sim, Natasha tem duas ilhas: A ilha Falcão e a ilha Carolina. Natasha nunca perdeu a esperança de encontrar
a irmã, por isso deu o nome dela a ilha.  

-- E como é a ilha que ela mora?  

-- A Ilha Falcão? Você não faz ideia da beleza e do luxo daquele lugar. É grandioso, é mágico.  

-- Como ela conseguiu tudo isso?  

-- Os mares do Sul possuem muitas ilhas. Natasha é descendente de Açorianos, povo que colonizou aquela
região de Santa Catarina. Os imigrantes mais espertos compraram terras praticamente a preço de banana.
Principalmente as ilhas, que não tinham valor algum para eles.  

Marcela estava extremamente interessada. A cada resposta de Sibele, ela se entusiasmava ainda mais com a
ideia.  

-- E os hotéis?  

-- Os hotéis foram construídos pelo avô de Natasha, porém, depois que ela ficou à frente dos negócios muita
coisa mudou. Ela é uma empresária moderna, cheia de ideias inovadoras. Logo os hotéis viraram cinco
estrelas, estão sempre lotados e tem até fila de espera.   

-- E nós vamos ficar com um pedaço de terra insignificante? O que nós faremos no meio do mato? Vamos criar
macacos?  

Sibele ergueu os olhos e olhou para o teto, incrédula, antes de voltar a encarar Marcela.  

-- Você quer tudo de mão beijada? A ilha está com toda infraestrutura necessárias para a implantação de
qualquer tipo de obra. Natasha está sendo muito bondosa, outro no lugar dela não procuraria pela irmã.  

-- Não temos dinheiro nem para ir até Santa Catarina, imagina construir alguma coisa em uma ilha.  

-- Deixa de ser cabeça dura -- Sibele caiu sentada no sofá -- Você acha que a Natasha vai deixar a tão sonhada
irmã, sem dinheiro para investir na ilha?  

 
Marcela sorriu cheia de maldade. Tinha lógica o que Sibele falava. De certo modo seria até melhor que fosse
dessa forma. Poderiam superfaturar as obras e ganhar muito dinheiro as custas da irmãzinha empresária.  

-- Não seja injusta comigo, baby -- Marcela colocou os braços ao redor do pescoço de Sibele e deu um selinho
nela -- Eu não conheço a Natasha, não sei que tipo de pessoa ela é, por isso que estou tão receosa.  

Afastaram-se ouvindo o barulho da chave abrindo a fechadura da porta.  

-- Vai ser dureza convencê-la -- disse Marcela.  

Léozinho entrou no quarto, cantarolando, sentou-se na cama, as mãos entrelaçadas sobre os joelhos e um


olhar curioso percebendo que Natasha estava pronta para sair.  

-- Vai curtir a noite de sexta? -- o rapaz encostou as costas contra os travesseiros e sentou com as pernas
cruzadas.  

-- Convidei a doutora Talita para sair comigo -- Natasha olhou-se no espelho, depois virou-se para Léozinho --
Vou levá-la para jantar no Moinho.  

-- Hum, que chique! O Moinho é um restaurante muito prestigiado cujos convidados são formados pela alta
sociedade de Florianópolis.  

Natasha enfiou as mãos nos bolsos da elegante calça social e fitou Léozinho por alguns segundos.  

-- Bem lembrado. Tomara que os sanguessugas não estejam por lá.  

-- Acho difícil, chefinha. Você sabe que aquele restaurante é o preferido dos políticos da região.   

-- Tudo bem -- Natasha pegou a chave do carro e deu alguns passos em direção a porta -- Eu sei como lidar
com esse bando de puxa-saco.  

-- Dispensou o motorista?   

-- Dispensei. Hoje quero privacidade.  

Natasha abriu a porta e saiu para o corredor.   

-- Avisa a Eliza que fui jantar fora do hotel e não sei a hora que volto.  
 

-- Pode deixar, patroazinha.  

Andreia preparou um lanche rápido e foi comer na sala. Apesar de estar muito cansada, queria conhecer um
pouco mais sobre a nova namorada da irmã. Sentou no sofá com o prato sobre a perna e olhou indagativa
para Sibele.   

-- Você trabalha em um hotel?  

-- Na verdade, eu trabalho como clínica geral em um ambulatório que fica na Ilha do Falcão -- antes de
continuar, Sibele olhou Marcela de soslaio -- Na ilha temos dois hotéis e várias pousadas.  

-- Uau! -- Andreia suspirou e deu uma mordida com vontade em seu sanduiche -- Essa ilha deve ser um
paraíso.  

-- Você tem razão, a Ilha do Falcão é mais um paraíso na terra, essa ilha é conhecida por ser um lugar seguro, o
mar é lindo, de águas cristalinas e praias encantadoras pelo visual. A gastronomia do hotel é tão deliciosa
quanto o cenário.  

-- Como é o nome desse empresário? Quero fazer uma pesquisa na internet para ver se aprendo alguma coisa -
- disse Andreia, debochando de si mesmo.  

-- Não é um empresário, é uma empresária -- disse Sibele, preparando o caminho para entrar no assunto -- O
nome dela é Natasha Falcão.  

-- Deve ter um marido por trás dela, sempre tem -- deu uma mordida de leve no sanduiche e um gole generoso
no suco de laranja -- Mulheres não são muito respeitadas nesse ramo.  

-- Natasha é solteira. Com a morte dos pais, o avô reassumiu os negócios. O idoso, mas experiente empresário,
a levou para junto dele. Natasha o acompanhava para suas visitas regulares aos hotéis, aprendeu sem pressa
os segredos e artimanhas do mercado. Coordenou a modernização e o marketing dos hotéis e pousadas com
pulso de ferro. Eles tiveram um relacionamento profissional maravilhoso, levando-se em conta o fato de que,
Natasha na época, era apenas uma menina.  

-- Poxa, que história interessante -- Andreia estava impressionada -- Parece até coisa de filme.  

-- Você acha? Então espera eu te contar toda a história.   

Andreia colocou o prato sobre a mesa e inclinou-se para frente cheia de curiosidade. A história pareceu-lhe
interessante e deixou-se envolver pela narrativa de Sibele.   

 
-- Continua -- pediu -- Admiro mulheres empreendedoras, de histórias inspiradoras, que batalharam e ainda
batalham para transformar seus sonhos em negócios rentáveis e bem-sucedidos.   

-- Natasha têm determinação de sobra e investiu pesado na profissionalização dos seus produtos e serviços
para conquistar o mercado. Trilhou caminhos marcados pelo trabalho árduo e busca por conhecimento, ela
é um exemplo para outras mulheres e sua trajetória está cheia de ensinamentos valiosos.  

-- Você está linda -- disse Natasha, suavemente.  

-- Obrigada -- agradeceu ela, desmanchando-se diante do elogio.  

-- Vamos? -- a empresária indicou com a cabeça o caminho de saída -- Esse vestido caiu muito bem para você.
Seu marido é um homem de sorte.  

Natasha piscou para ela. Mulheres de vestido e salto alteravam seu equilíbrio. Um instinto inato? Como se
fosse uma doença. Sua fraqueza, sua kriptonita.  

O concierge abriu a porta do carro para elas entrarem. Natasha ligou o automóvel e saiu.   

Passava das nove quando chegaram ao Moinho. A senhora Acácia, primeira-dama do município, foi
recepcioná-la na porta.  

-- Natasha! -- a mulher deu um abraço de urso na empresária -- Para nós é uma honra e uma grande alegria tê-la
em nossa mesa.  

Natasha respirou fundo buscando ar.  

-- Obrigada, Acácia -- a empresária olhou ao redor e dirigiu um belo sorriso aos conhecidos -- Quero lhe
apresentar a doutora Talita, a nossa médica do hotel.  

Acácia analisou-a de alto a baixo lentamente, com seu olhar um tanto invejoso.  

-- Muito prazer, Talita -- cumprimentou-a com claro desdém -- O que aconteceu com Sibele? Ela não trabalha
mais no hotel?  

-- Sibele teve que se ausentar para resolver problemas de ordem particular, mas logo estará de volta -- sem
esperar que Acácia continuasse, segurou a mão de Talita entre as suas -- Muito obrigada pelo convite, mas
fizemos reserva.   

-- Ah, que pena! Temos tanto que conversar.  


 

Natasha começava a ficar incomodada com a presença de Acácia. Contudo, a experiência lhe ensinara que,
com pessoas como a esposa do prefeito, o melhor era manter-se sob controle e com um comportamento frio e
calmo.  

-- Por que a senhora e o prefeito não passam um final de semana na ilha? Aquela suíte ainda está lá,
aguardando por vocês.  

As narinas de Acácia se alargaram quando ela respirou fundo de emoção.  

-- Você é um amor, Natasha. Vou conversar com o Juliano e ligo para o hotel.  

Natasha tomou o braço da médica e a conduziu para longe de Acácia.  

-- Tem gente que não gosta de mim por causa das coisas que eu digo -- disse Natasha assim que se afastaram --
Imagina se eles soubessem o que eu penso.  

Andreia parecia paralisada, escutando a história com a boca aberta, como se estivesse ouvindo uma história
de terror.  

-- E até hoje ela não teve nenhuma notícia da irmã?  

-- E provavelmente não terá -- disse Sibele, bastante realista -- Depois de vinte anos, acho
praticamente impossível ela aparecer. Na minha opinião a criança foi levada para fora do país ou, quem sabe,
está morta.  

-- Que horror -- disse Andreia, colocando-se no lugar da empresária. Quanto sofrimento aquela criança deve
ter passado, sem a mãe, sem o pai e sem a irmãzinha -- Admiro a determinação dessa mulher, não é qualquer
um que que após uma tragédia, consegue seguir a vida com tanto animo e sucesso.  

-- Ela seria bem mais feliz se encontrasse a irmã desaparecida -- disse Marcela, sentando-se ao lado da irmã
adotiva -- E nós podemos ajudá-la.  

-- Vou rezar para que ela encontre a Caro... -- Andreia cortou o que estava falando e olhou para a irmã com o
cenho franzido -- O que você está querendo dizer com: Nós podemos ajudá-la?  

Sibele saiu de onde estava e abaixou-se diante de Andreia.  

-- Eu e Marcela, estávamos conversando até a pouco sobre isso. Seria a única saída para vocês.  

 
Andreia agora não estava entendendo nada.   

-- Alguém, por favor pode me explicar aonde vocês querem chegar com essa conversa fiada?  

-- A irmã desaparecida da Natasha era ruiva e com sardas pelo rosto como você. Sem contar o fato de que
você é adotiva.  

-- Vocês estão querendo dizer que eu sou a irmã desaparecida dela? -- Andreia caiu na gargalhada -- Minha mãe
me entregou para os seus pais na porta da maternidade, Marcela. Você sabe muito bem disso, ela era uma
drogada, viciada em crack. Meus pais morreram das drogas, não de acidente de carro.  

-- Eu sei muito bem que você não é a irmã dela -- disse Marcela, rindo do comentário de Andréia -- mas poderá
ser, se quiser.  

Andreia olhou para ela com uma expressão carregada de censura e de raiva.  

-- Estou realmente entendendo o que vocês estão planejando?  

-- Não temos outra saída, Déia -- Marcela segurou as mãos dela entre as suas -- Ou fazemos isso, ou
acabaremos na sarjeta. Você...  

-- Nunca! -- Andreia berrou e levantou-se bruscamente, sem a deixar terminar a frase -- Pois prefiro a sarjeta do
que agir como uma criminosa.  

Andreia saiu da sala como um furacão, entrou no quarto e bateu a porta com força.   

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Capítulo 8 O QUE FAZER? por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 8 

O QUE FAZER? 

Natasha chamou um dos garçons que circulavam e pediu mais uma garrafa de champanhe. 

-- Eu costumo participar das festas beneficentes organizadas pelas madames da cidade. Essas festas


de Acácia são tão chatas que só servem para encher a cara de champanhe -- ela acrescentou -- Seu esposo
sempre a deixa sair sozinha? -- disse de repente. 

-- Por que não deixaria? -- Talita deu uma risada baixa e rouca. 

-- Sei lá, talvez por ciúmes. Os homens costumam ter ciúmes de suas esposas, ainda mais de uma tão bonita
como você. 

Talita sentiu o rosto queimar, tomou um pouco da bebida e para disfarçar, desviou o olhar para um grupo de
pessoas que conversavam animados. Era estranho como qualquer elogio vindo de Natasha a fazia ficar
vermelha. 

-- Enquanto estiver casada com Ric, serei fiel a ele. 

Natasha lhe deu um olhar longo e avaliativo. 

-- É mesmo? -- com o polegar, a empresária acariciou-lhe os lábios -- Então me prove. 

Talita ficou tensa, e a respiração dela acelerou. 

-- Mais champanhe? -- perguntou Natasha. 

-- Não, obrigada. Acho que já bebi demais -- assim que ela largou a taça de champanhe sobre a mesa, deu um
gole na água mineral. 

-- Está tudo bem senhorita Falcão? -- O dono do restaurante, obviamente animado com a presença da
empresária, apareceu na mesa. 

-- Na verdade, já que você me perguntou, Rodrigo, não! Não está tudo bem.  

O dono do restaurante arregalou os olhos e Talita encolheu-se na cadeira ao perceber que todos os olhares
se voltaram para a mesa delas. 
-- Perdoe-nos senhorita Falcão. Qual é o problema? Diga e eu resolvo em um instante. 

-- Minha acompanhante não está se sentindo especial e, isso para mim é imperdoável. 

A vergonha de Talita aumentou ainda mais quando Natasha pegou a mão dela sobre a mesa e beijou.  

-- Perdoe a nossa falha, senhorita Talita -- disse Rodrigo, desesperado para agradar -- Vou providenciar um
atendimento de princesa. Com licença. 

-- Eu te mato, Falcão! -- sussurrou ela furiosa do outro lado da mesa.  

A expressão de Natasha era de pura diversão. 

Depois de alguns minutos Rodrigo voltou a mesa acompanhado de um violinista e um bonito buquê de flores
para agradar a Talita. 

-- Eu estou muito contente que vocês tenham escolhido meu restaurante para essa noite tão especial. Permita-
me dizer, senhorita Falcão, a sua acompanhante é maravilhosa e vocês formam um lindo casal. 

O violinista tocou uma bela canção romântica e quando ele terminou, Rodrigo virou-se ansioso para Talita,
esperando algum comentário por parte dela. 

-- Que lindo -- ela falou -- As flores também são belas. Obrigada, Rodrigo. 

Rodrigo bateu palmas de contentamento. 

-- Obrigada, Rodrigo. Acredito que agora, a senhorita Talita, esteja se sentindo especial. 

-- Jesus. Como está quente! -- comentou a médica assim que o proprietário do restaurante se afastou. 

Natasha deu risada. 

Andreia entrou no quarto e jogou-se na cama, sentia vontade de gritar, arrancar os cabelos, espernear,
porém, só abraçou o travesseiro e começou a chorar. Como sua irmã podia pensar em algo tão maldoso? E o
pior... achar que ela aceitaria fazer parte dessa trama ardilosa, criminosa. 

Quando chegou ao Brasil estava tão empolgada. Veria a sua irmã depois de tanto tempo. Imaginou conversas
até a madrugada, risadas, brincadeiras, lembranças de momentos da infância e adolescência. Seria
maravilhoso. Imaginou. 
Porém, no primeiro encontro no hospital, bastaram alguns minutos de conversa, para ela perceber que aquela
pessoa ali não era a Marcela. Não aquela Marcela que se recordava e tanto amava. Já não reconhece mais
aquela pessoa que até a pouco tempo era a sua irmã e amiga.  

-- A minha irmã não existe mais -- tristemente aceitou a realidade. 

Andreia olhou para o celular e lembrou do amigo, Sidney. Como seria bom se ele estivesse ali. Pelo menos,
teria um ombro amigo para se apoiar. Decidida, pegou seu celular, escreveu uma mensagem no WhatsApp e
enviou. Ele não estava online naquele momento, mas com certeza assim que visualizasse, responderia a
mensagem de imediato. 

Ela continuou jogada na cama. O apartamento agora estava silencioso, mas ainda ouvia os ecos da proposta
que a irmã acabara de fazer. O coração dela se apertou à lembrança do pai que tanto amava. 

-- Que saudade de você, paizinho. 

Natasha e Talita saíram do restaurante as gargalhadas. 

-- Eu achei o máximo quando você disse que eu não estava se sentindo especial. Ele arregalou aqueles olhos
enormes -- a médica ria sem parar -- Parecia um macaco Tarsius. 

-- Os olhos dele pareciam dois biscoitos queimados -- Natasha ligou o som do carro -- Gosta dos Tribalistas? 

-- Adoro! -- respondeu eufórica, sentindo o efeito da bebida ingerida em demasia, subir a cabeça. 

-- Então somos duas. 

Houve um momento de silêncio. Talita tentava fingir que não via os olhares divertidos e penetrantes que
Natasha a dirigia. 

-- Você ficou com vergonha -- disse Natasha, depois de algum tempo. 

-- E como não ficaria? Todas as pessoas que estavam no restaurante pararam o que estavam fazendo para
olhar em nossa direção. Você que... 

Talita percebeu por fim que Natasha não estava prestando atenção na conversa e foi diminuindo o tom de
voz. 

-- O que está acontecendo? -- para surpresa da médica, Natasha não a olhou, mas sim cravou os olhos no
espelho retrovisor -- O que está acontecendo? -- insistiu, assustada. 
-- Estamos sendo seguidas -- respondeu sem tirar os olhos do retrovisor. 

-- Como você sabe? 

-- Estamos viajando já há uns quinze minutos, e o carro continua atrás de nós -- disse, tentando manter a
calma. 

Talita olhou para trás, e esboçou um gesto de preocupação. 

-- Você é louca de andar sem seguranças. É arriscado para uma pessoa de sua posição. Compreendo que se
sinta mal em ter alguém o tempo todo te vigiando, mas realmente deveria tomar cuidado. Você é um alvo fácil.
Sei que é muito mais gostoso e descontraído andar por aí assim, mas repito: não é sensato, o Brasil é um país
violento. Aquelas pessoas podem ser, sequestradores ou assassinos. 

Talita calou-se ao perceber que Natasha colocou uma pistola sobre o colo. 

-- Oh, meu Deus!!! Você tem uma arma. 

Natasha a olhou com um sorriso zombeteiro nos lábios.  

-- Calma, só usarei a arma se eles nos atacarem. Mas, você tem razão, eu tenho que tomar certas precauções. 

-- Eles ainda estão atrás de nós -- Talita disse com voz entrecortada. 

-- Vamos por essa rodovia, para pegarmos uma estrada mais vazia para que eu possa acelerar um pouco para
ver se eles se distanciam. Estamos quase chegando nas balsas. 

Natasha pisou fundo e se afastou com facilidade. Seu carro era muito mais potente que o de seu
perseguidor.  

Em poucos minutos, entraram numa estrada estreita, Natasha diminuiu a marcha para passar pelos portões
abertos e parar diante de uma bilheteria.  

O carro suspeito as seguiu, mas parou a certa distância da entrada das balsas. 

Natasha comprou o bilhete para a viagem e chamou o vigilante para conversar. 

-- Está vendo aquele carro? Caso ele nos siga, chame a polícia. 

 
Oito horas o relógio despertou. Andreia espreguiçou-se e sentou na cama. Levou alguns minutos para colocar
suas ideias em ordem e caminhar desanimada até o banheiro.  

Tomou um banho demorado, colocou uma roupa confortável e foi para a cozinha preparar o seu café. 

-- Bom dia! -- disse Marcela, saindo do quarto e indo também em direção a cozinha. 

-- Bom dia! -- A ruiva respondeu de forma fria. A lembrança da conversa da noite passada ainda irritava
Andreia. 

-- Pode deixar que eu preparo o café -- falou gentilmente -- A Sibele já deve estar vindo. 

Andreia não respondeu, apenas ficou ali, sentada na cadeira, calada e pensativa. Observava a irmã enquanto
ela preparava o café. Com aquele jeito doce enganava completamente as pessoas, mas, na verdade, possuía
uma mente maldosa.  

-- Bom dia! -- Sibele entrou na cozinha, um pouco receosa. 

-- Sente-se -- disse Marcela, apontando para a cadeira -- Quer um café, ou um suco? 

-- Prefiro café -- ela respondeu, sentando-se lentamente. 

-- Hoje vou até o hospital visitar o papai. Você vai comigo, Sibele? -- perguntou Marcela enquanto colocava a
jarra de vidro com o café fumegante à mesa, junto com um bolo de cenoura -- Sou uma ótima doceira -- disse
ela cortando o bolo. 

-- Você? -- Andreia, franziu a testa ao olhar para ela, ainda de pé -- Desde quando? 

-- Desde que abriram essa panificadora lá na esquina -- deu uma risada divertida. 

-- Eu vou com você -- disse Sibele -- Quero visitar o seu pai. 

-- Vou levar o carro do papai -- disse Andreia, levantando-se. 

A ruiva olhou para o relógio de parede da cozinha. Ainda era cedo, mas no momento, só queria se livrar das
duas mulheres. Desculpou-se rapidamente, sem explicações, pegou o carro e acelerou em direção ao hospital.
Parou no estacionamento e assim que entrou na recepção, ouviu a voz do doutor Vicente. 

-- Bom dia, minha querida -- ele se aproximou e pôs uma mão sobre o ombro dela. 

-- Bom dia, doutor -- disse ela, parando diante do balcão da recepção. 


-- Infelizmente não tenho boas notícias -- o médico enfiou as mãos nos bolsos. 

Como se isso fosse novidade. Pensou Andreia. Ultimamente boas notícias andam raras em sua vida. 

-- Meu pai piorou? -- perguntou nervosamente. 

-- Não! -- respondeu ele, rapidamente -- O estado do seu pai é o mesmo. Não houve nenhuma mudança. 

Adriana suspirou aliviada. 

-- Menos mal, doutor. Então, o que aconteceu? 

-- O hospital está nos pressionando. Não podemos mais ficar com o seu pai internado aqui, teremos que o
transferir para um hospital do SUS. 

Adriana abaixou a cabeça, triste e derrotada. 

-- O plano de saúde foi cancelado. Não é mesmo? 

-- Sim, eles não estão mais fazendo os pagamentos -- a voz baixa de Vicente tinha uma ponta de preocupação. 

-- Eu já estava preparada para isso. A recepcionista havia me alertado -- ela sorriu sem ânimo -- Não vejo
problema em meu pai ser atendido pelo SUS, fico apenas chateada por ele não ser mais acompanhado pelo
senhor. 

O cardiologista piscou várias vezes, como se quisesse dizer algo muito importante. 

-- Venha comigo, Andreia -- doutor Vicente pegou o braço dela e sentaram-se em uma poltrona que havia na
recepção -- Quero que saibas que sou totalmente contra a transferência de seu pai para outro hospital. O
estado dele é gravíssimo. Será um risco muito grande -- o olhar de Vicente tornou-se sombrio -- Tentei
convencer a direção, mas foi inútil. Segundo eles os gastos estão sendo enormes e ninguém quer arcar com o
prejuízo. 

Andreia o encarou, sem acreditar. 

-- Quer dizer que ele corre risco de morte? 

-- Arrisco afirmar que ele não vai resistir -- o cardiologista segurou suas mãos em sinal de apoio -- Conheço
Fábio há anos, ele é meu grande amigo. Tem certeza que não há nada que possam fazer para evitar isso? 

Tremendo de revolta e desespero, Andreia desabou em lágrimas, enquanto Vicente tentava consolá-la. 
-- Não temos dinheiro, doutor -- disse com a voz embargada pelo choro -- Oh, Deus, o que será de meu pai
agora?  

-- Calma, Andreia. Tente se tranquilizar. Agindo dessa forma não conseguirá pensar em uma saída. 

Andreia fungou, sabia que ele tinha razão. Ela estava muito tensa e precisava se acalmar. Caso contrário,
acabaria tendo uma crise nervosa ali mesmo, na recepção. 

-- O que aconteceu? -- Marcela perguntou, assustada ao ver a irmã chorando desconsolada -- Papai morreu? 

Sibele a segurou pela cintura buscando apoiá-la naquele momento tão difícil. 

-- Não -- Andreia respondeu, enxugando os olhos -- O plano de saúde do papai foi cancelado. Seremos
obrigados a leva-lo para outro hospital. 

-- O que? -- perguntou Marcela, olhando na direção da irmã -- Não me diga que até isso papai não estava
conseguindo pagar. Que absurdo!  

Andreia balançou a cabeça, desanimada. A única pessoa no mundo que havia se importado realmente com ela,
o homem que lhe dera a oportunidade de ter um lar, uma família, que a criou como se ela fosse de seu próprio
sangue, estava morrendo e não podia fazer nada. Uma onda de desespero tomou conta da ruiva. 

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Á
Capítulo 9 A CULPA SERÁ SUA por Vandinha
A ILHA FALCÃO -- CAPÍTULO 9 

A CULPA SERÁ SUA 

Andreia estava arrasada. Parecia viver um pesadelo predestinado a um final trágico e apavorante.  

-- Papai não vai resistir ser transferido para outro hospital -- os olhos dela se encheram de lágrimas, que
depois lhe escorreram pelo rosto -- Ele vai morrer! 

Marcela se afastou alguns passos olhando pensativa por alguns momentos para Andreia.  

-- Não temos outra saída, Déia -- Marcela sentiu que essa era a oportunidade de usar a doença do pai como
chantagem para convencer a irmã, fazendo com que ela se sentisse culpada por não ajudar o pai -- Você
precisa aceitar participar de nosso plano. Por favor, não deixe o nosso pai morrer -- em seu rosto existia um
falso desespero, lágrimas sem sentimentos -- A vida do papai está em suas mãos, só depende de você. 

Andreia já não estava mais conseguindo raciocinar direito.  

-- Vocês possuem alguma chance de conseguirem o dinheiro para pagar as despesas com a internação? --
perguntou doutor Vicente, esperançoso -- Porque se tiverem posso pedir mais alguns dias de prazo. 

Andreia tapou o rosto com as mãos. Suas lágrimas diminuíram, restava apenas o desespero. Ciente de que o
doutor Vicente a observava ansioso, ela procurou seu olhar. 

-- Obrigada, doutor Vicente. O senhor tem sido um verdadeiro amigo, mas não temos como pagar. 

-- Eu entendo -- disse ele, passando a mão pelo braço dela de forma carinhosa -- Caso precisem de mim, estarei
em minha sala. 

Assim que o médico saiu, Marcela puxou a irmã pelo braço e deu de dedo em sua cara. 

-- Só para te avisar... Caso meu pai morra, a culpa será sua -- Marcela se virou para Sibele com os olhos
faiscando -- Vamos sair daqui. 

Perplexa e com o rosto banhado em lagrimas, Andreia ficou olhando Marcela ir embora.  

Natasha deu um pulo e sentou-se na mesa de bilhar. Jessye parou diante dela com uma pilha de papéis na
mão. 

-- Temos um grupo de turistas chegando hoje. Eles fizeram reservas para sete dias, então, para esse final de
semana estamos com nossa capacidade máxima de atendimento. 

-- E as pousadas? 

-- Temos ainda dez disponíveis. 

-- Para os próximos que ligarem solicitando reservas no hotel, ofereça as pousadas. Dê vantagens, passeio de
helicóptero, qualquer coisa, mas não perca o cliente. Quero lotação total para o próximo final de semana. 

-- Algo especial? -- Jessye sorriu. 

-- Semana que vem vai fazer 21 anos que meus pais morreram e minha irmã desapareceu. Quero homenageá-
los da melhor maneira possível. Vamos lotar essa ilha e fazer muita festa. 

-- Shatíssssima! -- Léozinho berrou com sua voz exageradamente fina -- Volteiiii... 

-- Tem amigos que quando vão embora você sente saudade, mas quando volta, você implora para ele ir embora
de novo. 

-- Cruzes! Quanta maldade Tashinha -- reclamou o rapaz, fechando a cara. 

-- Quando você me chama de Shatíssssima, tenho vontade de encher a sua cara de bolacha -- sua expressão
era séria, uma indicação clara de que ela estava irritada. 

Jessye estalou os dedos, como quem tivesse tido uma excelente ideia. 

-- Que tal organizarmos uma festa na praia? Pode ser sábado a noite. 


Natasha virou-se sorridente para Léozinho. 

-- Podemos contratar uma banda de reggae. O que vocês acham? 

-- Criaturinha bipolar -- o secretário resmungou. 

-- O que você falou? -- perguntou Natasha. 

-- Vamos jogar bilhar? Faz um bom tempo que eu não sei o que é pegar no taco e empurrar as bolas na caçapa -
- disse ele, pegando a bola nove na mão. 

-- Algum dia você fez isso? -- perguntou Jessye, sorrindo. 

O secretário não respondeu, limitou-se a encolher os ombros, como se o assunto não tivesse importância. 

-- Coisa sem graça, ficar segurando um taco, passando giz na ponta... -- Natasha deu um tapa na própria coxa e
pulou da mesa -- Agora vamos trabalhar. Temos uma festa para organizar. 

-- Não precisa mandar, sou um profissional competentíssimo -- Léozinho retrucou malcriado. 

-- Profissão: tirar foto o dia todo pra postar no Facebook -- disse Natasha de forma irônica, fazendo uma
expressão de deboche. 

-- Pior são essas pessoas que ficam pedindo nudes... -- insinuou Léozinho. 

-- Pedir nudes é coisa de adolescentes, eu chamo pra sair e vejo a pessoa pelada pessoalmente -- Natasha
agitou a cabeça e riu divertida. 

-- É assim é? -- Talita perguntou da porta. 

-- Mais ou menos -- respondeu Natasha, caminhando em direção à médica, entrelaçou seus dedos nos dela e
apertou -- Estava esperando você para tomar café. Vamos? 

A proximidade de Natasha perturbava Talita de tal modo que ela chegava a se assustar com o que estava
sentindo. Mas precisava controlar o sentimento que lhe crescia no peito. Era uma mulher casada e amava o
esposo, enquanto Natasha era apenas uma aventura perigosa. 

-- Contou para eles o que aconteceu ontem, na volta para a ilha? 

Léozinho e Jessye olharam para Natasha, esperando que ela falasse, mas a empresária se esquivou do
assunto. 

-- Ainda não -- ela caminhou até a porta do salão de jogos e esperou por alguns instantes, decidindo se
contava ou não. Por fim, se virou e falou irritada: -- E por que eu deveria contar para esses dois pamonhas?
Ora pois! 

Andreia tinha vontade de gritar e de bater em Marcela. Mas sabia que tinha que se controlar. De nada
adiantaria se descontrolar e surtar. Sentou-se no banco do jardim do hospital e, desolada, chorou. A vida
parecia tão triste e injusta. Sentia-se deprimida e completamente sozinha. Tudo o que estava acontecendo
parecia surreal. 

-- Posso sentar? 

Andreia deu um suspiro triste e desanimado. A última coisa que queria naquele momento era ouvir sandices. 

Sibele não esperou pela resposta de Andreia, sentou-se ao seu lado e virou-se de frente para ela. 

-- A Marcela está sendo muito cruel jogando toda a responsabilidade para cima de você. Eu dei a ideia porque
não encontrei outra saída para a sua família -- Sibele abaixou os olhos e buscou as palavras certas -- Porém,
pensando com mais calma, cheguei à conclusão que você tem razão. Mesmo que seja para dar mais uma
chance de vida para o seu pai, não está certo mentir para a Natasha. 

As palavras de Sibele deixavam Andreia ainda mais confusa e triste. 

-- Ela é uma pessoa arrogante, egoísta e muito cruel com os seus funcionários. Pensei que com a irmã por
perto ela mudasse um pouco o seu jeito de ser -- Sibele se levantou fingindo estar arrependida -- Desculpa,
minha intenção era apenas ajudar. 

-- Não tenho certeza de mais nada -- disse Andreia, de repente. 

Sibele voltou-se para ela, surpresa. 

-- Como assim? 
-- Ontem eu tinha certeza de que não poderia aceitar isso. A ideia era cruel demais. No entanto, hoje, não vejo
outra solução. 

Sibele percebeu que Andreia estava desestruturada emocionalmente e que esse era o melhor momento para
convencê-la. 

-- E não há outra solução, pode ter certeza. O valor que vocês precisam para salvar o hotel é muito alto e
mesmo que optássemos apenas pela cirurgia do seu pai, não conseguiríamos juntar o dinheiro em tão pouco
tempo. 

-- Ela não deve ser nenhum pouco boba, vai querer que eu faça o exame de DNA -- Andreia levantou-se,
nervosa -- Podemos ser presas por isso. 

-- Não se preocupe, já pensei em tudo. É só você incorporar a irmã desaparecida que tudo ficará bem. 

Sibele não conseguia esconder seu contentamento e sorria sem parar. 

-- Acho que não será difícil a sua encenação, é só deixar as coisas rolarem naturalmente. Carol era muito
pequena quando desapareceu então não precisará responder a nenhuma pergunta que for feita por Natasha. 

-- Não será difícil? -- Andreia estava revoltada -- Estamos falsificando, fraudando, alterando documentos, isso
é crime de falsa identidade. Sabe quantos anos isso dá de cadeia? Sem contar que a empresária vai ficar
arrasada se descobrir. 

-- Ela não vai descobrir, confie em mim -- Sibele garantiu -- Mal posso ver a felicidade dela quando souber que
o detetive encontrou a Carolina. 

-- Detetive? -- Andreia levantou-se e ficou de pé diante da médica -- Ainda mais isso! Como pensa enganar um
detetive? 

-- Não vamos enganar ele -- disse ela, sorrindo -- Natasha prometeu pagar uma fortuna caso ele encontre
Carolina. Como ele tem consciência que será uma missão quase impossível, vai aceitar um acordo. 

Andreia balançou a cabeça. Não existia mais, pessoas honestas e de caráter. Até ela que se orgulhava de sua
índole impecável que, apesar de tudo, estava conseguindo viver de forma correta e honesta, agora olhava
para baixo, sentindo-se envergonhada da maneira como estava agindo. 

-- Vou pedir para o doutor Vicente conversar com a direção do hospital -- Andreia deu alguns passos e
subitamente se virou para Sibele -- Que meio está sendo usado para encontrá-la? 

-- Conversei com o detetive, ele me disse que está vindo para o Rio conversar com um especialista em retratos.
Ele vai espalhar o retrato de Carolina da época do desaparecimento e de como ela pode estar hoje. 

-- Isso não pode dar problema? -- perguntou Adriana -- Eu posso não ser parecida com ela. 

-- Também já pensei nisso -- Sibele deu um sorriso confiante -- Não tenho pensado em outra coisa. Vou ligar
para o detetive agora mesmo e, marcar um encontro no apartamento de Marcela. 

-- Mente brilhante -- resmungou ela, olhando séria para a médica. Também criminosa e fria, pensou Andreia
enquanto voltava a caminhar em direção à entrada lateral do hospital. 

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Capítulo 10 O MELHOR AMIGO por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 10 

O MELHOR AMIGO 

Natasha serviu o café e Talita tomou um gole antes de comentar: 

-- Não estou brincando, Natasha. O que aconteceu ontem foi muito grave.   

-- Basta, Talita! -- berrou a empresária, sem paciência. A médica estava deixando-a nervosa com aquele papo de
sequestradores, assassinos, ladrões -- Não se preocupe, prometo que vou acionar a minha equipe
de segurança e conversar com eles a respeito. Por hora, gostaria que não saísse por aí falando sobre a minha
vida particular. Você já deve ter percebido que sou uma pessoa bem discreta com relação a isso -- Natasha
pegou a xícara e bebeu um pouco do café para depois deixá-la sobre a mesa -- Fui clara? 

Talita concordou balançando a cabeça afirmativamente. Natasha era uma mula, até quando teimaria em não
dar importância ao ocorrido? 

-- Preciosíssima! -- Léozinho puxou uma cadeira e sentou-se diante de Natasha -- O detetive Vanderlei, está
querendo falar com você. 

-- Aonde ele está? 

-- Na recepção. 

-- Traga ele até aqui, Leopoldo. 

Léozinho fez uma careta e saiu. Odiava quando Natasha o chamava pelo nome. 

-- Leopoldo, Leopoldo... que raiva! Odeio esse nome. 

-- Detetive? -- perguntou Talita. 

-- Há anos estou à procura de minha irmã desaparecida. Durante esse tempo contratei vários detetives, mas
nenhum deles teve sucesso. 

-- Será que esse tal de Vanderlei tem alguma novidade?  

-- Não sei. Já vamos saber, olhe ele aí -- Natasha tomou um gole de café e ficou esperando o homem se
aproximar. 

-- Bom dia, senhorita Falcão. 

-- Sente-se Vanderlei -- Natasha observou ele passar a mão pela bochecha fingindo ignorar o brilho nos olhos
dela, deixou a pasta sobre a mesa e sentou-se em uma cadeira próxima, tendo o cuidado de não olhar
diretamente para ela -- Novidades? 

-- Ainda não encontrei nenhuma pista da sua irmã. Estou viajando para outros estados, pois aqui em Santa
Catarina não tenho mais aonde procurar. 

-- Droga! Será que vou ter que contratar outro detetive? -- Natasha jogou o guardanapo na mesa e o encarou
irritada.  

-- Entendo que está decepcionada, senhorita, mas penso que deveria esperar um pouco mais, não tive tempo
de procurar direito -- abriu a pasta e retirou a foto de Carolina com três anos -- No Rio de Janeiro, vou
procurar um especialista em retratos. Usando essa foto da época do desaparecimento ele, através de um
programa de computador, conseguirá nos dar a ideia de como ela pode estar atualmente. 

Natasha apoiou a cabeça nas mãos, e olhou para ele longamente. 

-- Está bem -- ela conseguiu se acalmar um pouco, mas o corpo ainda estava rígido e o olhar, severo -- Vou
esperar mais um pouco. 

Vanderlei Levantou-se da cadeira. 

-- Obrigado pela oportunidade, senhorita Falcão. Não se arrependerá por ter me contratado. 

Natasha pegou a bombinha do bolso e aspirou algumas vezes. 

-- Vou subir para a minha suíte. Não me incomodem -- ela fez cara feia para eles e saiu. 
Talita olhou para Léozinho, angustiada.  

-- Não vai fazer nada? 

-- Eu hein, tá louca é? -- Léozinho enfiou um pedaço de bolo na boca -- Não ouviu o que ela falou? 

-- Vou atrás dela -- disse decidida. 

-- Se eu fosse você, ficaria quietinha aonde está. A Natasha não gosta de ser contrariada. 

Talita ficou sentada olhando para ele, subitamente muda, o que dizer? Sacudiu a cabeça, inconformada. 

-- Andreiaaaaa... -- Um rapaz magro e espalhafatoso, jogou-se à sua frente assim que Andreia surgiu no saguão
de desembarque do aeroporto. 

-- Sidney! -- Andreia mergulhou em um entusiasmado abraço -- Que saudade, meu querido. 

-- Ei! -- disse ele, rindo alto -- Foram apenas alguns dias, miguxa. 

-- Pois para mim, parece que fazem meses. 

Andreia e Sidney eram melhores amigos desde o dia que Andreia chegou nos Estados Unidos. O rapaz era
dois anos mais velho que ela, mas sua idade mental de longe condizia com a sua idade cronológica. 

Frequentavam a mesma faculdade. Os dois eram inseparáveis, Sidney era do tipo que não parava de falar nem
mesmo durante as aulas, já Andreia, era calada e estudiosa. Duas pessoas de personalidades tão diferentes,
mas que se davam tão bem. 

Eles se adoravam e as indiferenças eram compensadas com um amor de irmão, pensou Andreia, afetuosa,
esperando que a amizade que tinham jamais mudasse. 

Andreia pegou o braço do amigo. 

-- Vamos sair logo dessa muvuca. 

Pegaram a mala na esteira e saíram rapidamente do tumultuado terminal de passageiros.  

Assim que entraram no carro, Sidney se virou para a amiga e abriu os braços. 

-- Então -- disse com seu jeito afeminado -- O que está acontecendo? Confesso que estou muito preocupado.
Você está acabada, meu amor. 

-- Obrigada Sidney. Você me fez se sentir bem melhor. 

-- Sou sincera, kirida -- Sidney olhou para fora, mas logo voltou a olhar para a amiga -- Nem adianta tentar fugir
do assunto. Vai logo, desembucha, o que está rolando? 

-- Droga, Sid. Nem sei por onde começar -- Andreia coçou a cabeça. 

-- Que tal começar pelo seu pai. Que coisa né Déia, assim que recebi a sua mensagem, larguei tudo e peguei o
primeiro voo para o Brasil. 

-- Você é um amor -- sorriu com carinho para ele -- Papai não está nada bem. O seu estado é crítico. Os médicos
estão mantendo-o em coma induzido. 

-- Por que? 

-- Ele precisa passar por uma cirurgia muito delicada nos próximos dias. 

-- Hum... -- Sidney a olhou preocupado quando o carro parou em um semáforo -- Você parece pálida, cansada.
Tem mais coisas, não é mesmo? 

Dizer que não havia mais nada seria o melhor, pensou Andreia, enquanto dirigia. Mas não era verdade. Tinha
tanto para contar que precisariam de uma noite inteirinha em uma mesa de bar e, de preferência bebericando
uma cerveja bem gelada. 

-- Tem muitas coisas que quero lhe contar -- disse Andreia sorrindo de maneira fraca -- Mas, prefiro que seja
em outro lugar. Que tal em um barzinho no calçadão? 

-- Ai, Déia. Amei o programa. Mal posso esperar para rever Copacabana e os garotões bronzeados que
desfilam por lá. É tão bom estar de volta ao Brasil. 
-- Me sinto mais tranquila com você ao meu lado. Gosto de compartilhar os meus medos com você, Sidney -- ela
sorriu e piscou delicadamente.  

Sidney deu uma risada e a mão dele tocou com carinho o braço dela. 

Eliza se virou e deu de cara com Natasha. 

-- Aiii... Meu Deus! 

-- O que foi? Tá fazendo coisa errada é? -- Natasha sentou no sofá com a respiração difícil e irregular causada
pela asma -- Hoje o dia começou mal. 

-- Já usou a bombinha? -- perguntou Eliza, nervosa -- Quer que eu chame um médico? 

-- Não usei ainda. Estou esperando entrar em coma para ficar mais emocionante -- disse malcriada -- Será que
você pode manter a calma, por favor -- pediu Natasha, com dificuldade -- E pare de dar chilique, estou bem --
completou irritada. 

-- Coisinha grossa você, né! -- reclamou a senhora -- A culpa foi daquele detetive. O que ele tinha que aparecer
por aqui só para dizer que não tem nenhuma notícia da Carolina... 

Natasha inalou mais algumas vezes até que a garganta pareceu abrir por completo e ela fez um gesto para que
Eliza se aproximasse. 

-- Pode falar, minha filha. Sou toda ouvidos -- ela aproximou o ouvido da boca dela, na tentativa de ouvir
melhor. 

-- Cala a boca, Eliza! -- Natasha berrou, ficou de pé e saiu correndo. 

-- Sua praga! -- Eliza gritou, dando um tapa na perna de Natasha e correndo atrás dela até o quarto. 

A empresária se virou e sorriu para ela. 

-- Você é uma banana podre, Eliza. 

-- Só para você saber, sou uma pessoa idosa, porém já fui bem ágil em minha juventude. 

-- Faço ideia -- Natasha sentou na cama para tirar os tênis. 

-- E as namoradinhas, Natasha?  

-- E o regime, Eliza? 

Eliza olhou para Natasha com expressão de censura. 

-- A tal da Lalesca perguntou por você. Fiquei sem saber o que dizer. 

-- Tô nem aí com a Lalesca, por mim ela que: dó ré mi fo da se. 

-- O que é isso? Que falta de respeito, menina -- Eliza deu um tapa na cabeça dela -- Desisto de manter uma
conversa séria com você. Toda vez que começo a falar já vem brincadeira. 

A jovem senhora se virou para sair. 

-- Sabe porquê? -- Natasha se aproximou de Eliza -- Porque acho perda de tempo tudo o que você está falando.
Fique sabendo, Eliza, que nesse momento oito em cada dez pessoas estão fazendo sexo. As outras duas
somos eu te ouvindo, e você que está falando besteiras sem parar. 

Natasha entrou no banheiro, ligou o chuveiro e começou a cantar: 

"Despacito  

Quiero respirar tu cuello despacito  

Deja que te diga cosas al oído  

Para que te acuerdes si no estás conmigo" 

-- Sua desaforada! -- O tom ríspido da senhora veio acompanhado por um sorriso carinhoso. 

 
 

Sidney admirava a paisagem familiar ao olhar da varanda do barzinho. De onde estavam podiam ver toda a
orla de Copacabana, incluindo o Pão de Açúcar e Niterói. 

O cheiro de maresia, os prédios altos, a fumaça dos escapamentos, o calor do verão e, acima de tudo, um céu
azul sem nuvens, faziam do Rio a sua cidade preferida. 

-- Não me canso de olhar para essa obra prima de Deus -- ele olhou para o mar e o vento espalhou seu sedoso
cabelo -- Feliz é você que é dona de um hotel em plena orla de Copacabana. Que inveja, amiga. 

Andreia olhou para ele, sua expressão outrora tão confiante, agora estavam cheios de tristeza e medo. 

-- Estamos falidos. 

Sidney piscou os olhos, como se estivesse atordoado com a revelação da amiga. 

-- Você está brincando -- ele a fitou por um longo tempo -- Não, você não está brincando. 

-- Não brincaria com algo tão sério -- Andreia tomou somente um gole da cerveja para molhar a garganta e
continuou: -- Como eu não percebi que isso estava acontecendo? Já faziam dois anos que a situação
financeira do hotel era crítica, redução no número de hóspedes e salários atrasados constantemente. Eu
deixei meu pai sozinho, Sidney. 

-- Ei, ei, peraí garota -- ele sorriu e, por cima da mesa, segurou a mão dela -- Não pode ficar se culpando dessa
forma. Como poderia saber? Você estava há anos estudando nos Estados Unidos.  

Andreia abaixou a cabeça. 

-- E a sua irmã não desconfiou de nada? -- ele perguntou. 

-- Marcela nunca se importou com os negócios, a única coisa que interessava a ela, era a gorda mesada que
recebia do papai. 

-- Que coisa! -- o rosto de Sidney tinha uma expressão triste, mas ele forçou um sorriso -- Olha, amiga, eu sei
que ser pobre não é nada fácil, mas também não é o fim do mundo. Você vai sobreviver. 

-- O problema não é esse Sid.  

-- Não? Ainda tem mais? -- ele perguntou, admirado. 

-- Muito mais -- Andreia tomou toda a bebida de um só gole e fez um sinal para o garçom -- Vamos pedir mais
cerveja, vou te contar o plano que a Marcela e a namorada bolaram para darmos o golpe em uma milionária. 

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Capítulo 11 SOLTEIRA SIM, SOZINHA JAMAIS! por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 11 

Solteira sim, sozinha jamais. 

Natasha sacudiu o cabelo para tirar um pouco da água, atravessou a sala da enorme suíte, caminhando na
direção da porta. Eliza teria esquecido o seu cartão de acesso? Ou teria voltado com a intenção de azucrinar
a sua vida? Que bobagem! Ela não faria isso. Forçando um sorriso, abriu a porta. 

-- Boa noite, senhorita Falcão -- Talita pulou para dentro, passou pela empresária e ficou parada no meio da
sala -- Você sumiu sem dar notícias. Fiquei preocupada. 

-- Não acha que está exagerando um pouco? -- Natasha olhou no relógio de pulso e ergueu as sobrancelhas --
Fazem exatamente: Três horas, vinte e dois minutos e treze segundos que subi para a minha suíte. Como dizia
Albert Einstein: "O tempo e espaço são relativos, dependendo do ponto de vista do observador".  

Natasha fechou a porta e, num gesto arrojado puxou Talita para perto. A médica tentou se afastar, mas ela
não a soltou. 

-- Para quem ama, "minutos parecem comparáveis a eternidades e na cama pode caber um universo inteiro".  

Talita estava surpresa com a ousadia dela. Abriu a boca para protestar, mas Natasha não permitiu. Deslizou a
língua por seus lábios, para depois apoderar-se de sua boca. 

Quando se afastou para respirar, Talita olhou-a nos olhos de um jeito suave, mas, ao mesmo tempo,
repreensivo. 

-- Eu te amo? Você está viajando.  

Natasha olhou-a nos olhos com aquele jeito de quem está acostumada a conseguir tudo o que quer. 

-- Eu sou o amor da sua vida, você é que ainda não descobriu -- disse Natasha, com uma expressão
engraçada. 

-- Você é bem petulante -- ela se afastou um pouco, tentando controlar a situação. 

Natasha passou a mão no rosto dela, afastando o cabelo de seu rosto, num gesto de carinho.  

-- Não fale desse jeito, fico parecendo uma cafajeste -- pediu junto a boca da médica. Talita não se afastou e
aceitou o beijo entre elas. 

-- Não devemos misturar a vida profissional com a pessoal -- ela olhou para a empresária de canto de olho. 

-- Não consegui evitar -- Natasha suspirou de um jeito engraçado, deu um sorriso e ficou com um olhar safado
e brincalhão -- Você tem razão. 

Sempre evitou se aproximar de mulheres casadas ou comprometidas, e nunca se envolvia com as que
trabalhavam para ela. No caso de Talita estava infringindo as duas principais regras. Porém, não sabia o que
pretendia quando estava perto dela. Queria sentir o calor do seu corpo. 

Talita balançou a cabeça de um lado para outro. Como não se deixar fascinar por aqueles olhos verdes
lindos? 

-- Não se preocupe, doutora -- Natasha a observava atentamente, registrando cada reação -- Você é uma
mulher linda, mas posso lhe garantir que não penso em me comprometer com alguém. Meu lema é: Solteira
sim, sozinha jamais. 

Talita sabia disso. Achava que ela não tinha sangue nas veias, pois era de uma frieza absurda. No entanto, era
leal e justa com os funcionários e sabia tratar muito bem as mulheres. 

-- Obrigada pelo elogio -- Talita se desviou da empresária e chegou até a porta -- Vou até o apartamento 202,
temos uma hóspede com a pressão bem alterada. 

Natasha deu uma piscadinha e fez sinal de positivo. Ficou a observando se afastar em direção ao elevador e
suspirou profundamente. 

 
Sidney ouviu Andreia com atenção nos mínimos detalhes. O jovem olhava com preocupação para a amiga. Era
um plano arriscado, especialmente com uma mulher tão poderosa quanto Natasha Falcão.  

-- É isso aí -- Andreia terminou a história com um suspiro que misturava medo e vergonha -- O plano parece
bem simples. Não vou precisar de grandes encenações, basta apenas mudar algumas coisinhas e se fazer de
boba. De resto, é ser eu mesma: uma pobre e coitada órfã. 

-- Está brincando! -- Sidney estava horrorizado com a audácia do plano.  

-- Queria estar, meu amigo. Por mais estranho que o plano de Marcela e Sibele pareça, se funcionar, vai nos
tornar muito ricas. 

-- Ou vão mofar na cadeia por longos anos -- ele fez um som entre um suspiro e um resmungo! 

-- Obrigada -- conseguiu dizer, com muito desanimo -- Era o que eu precisava ouvir. 

-- Já parou para pensar nessa possibilidade? Ou você acha que ela vai simplesmente te receber de braços
abertos sem investigar mais a fundo. Ninguém é tão bobo assim, amiga. 

-- Eu sei que ela vai querer todas as provas possíveis -- Andreia levantou o olhar para ver o movimento ao seu
redor, depois olhou para o amigo e sorriu, sem graça -- Estou confiando em Sibele, ela parece ter pensado em
todos os detalhes.  

-- Não vou mentir para você, estou achando essa sua atitude horrível, desonesta e decepcionante. 

-- Estou tão mal com isso, Sid. Você não faz ideia do quanto, mas não sei o que fazer -- reclamou, chorosa -- Se
você tem outra ideia, qualquer uma, por favor, meu amigo, me diz. Faria qualquer coisa para não me meter
nessa trama. 

-- Infelizmente não vejo nenhuma luz, principalmente para o problema com o seu pai, que é o que realmente
interessa. Tentar salvar o hotel, é tempo perdido. 

-- Também acho, embora saiba que essa deve ser a prioridade da Marcela. Ela está pouco ligando para a
cirurgia do papai -- uma tristeza genuína escureceu os olhos castanhos de Andreia enquanto falava da irmã --
A sua única preocupação é voltar a ser rica. Nada mais.  

O tráfego, como sempre, mantinha um ritmo constante numa fila sem fim de veículos que disputavam um lugar
melhor para estacionar.  

Natasha dirigia o seu jipe com calma, olhando para os lados, observando as embarcações atracadas no cais, a
marina e os bares lotados de turistas. 

O tráfego só ficou mais tranquilo quando se aproximou das praias localizadas ao norte da ilha.  

Natasha freou bruscamente minutos mais tarde em um trecho de praia menos movimentado. Tirou os óculos
escuros e o colocou sobre o painel do carro. 

-- Uma barraca? Que abusados! -- resmungou irritada. 

Na Ilha do Falcão, é proibido armar tendas e barracas na praia, devido ao impacto ecológico que o camping
pode causar, ao deixar lixo nas praias, fazer fogueiras, destruir mata nativa, entre outros.  

-- Como os seguranças não viram isso? São uns incompetentes. 

Natasha ligou o jipe e voltou rápido para o hotel. Assim que entrou em sua sala, chamou o segurança pelo
celular. 

-- Hannibal, venha até a minha sala. 

-- Já estou indo, chefe -- o homem respondeu prontamente. 

Marcela abraçou Sidney um pouco hesitante. O rapaz, estava com uma expressão de preocupação no rosto
magro e levemente maquiado. 

-- Voltou para ficar? -- perguntou torcendo por uma resposta negativa. 

-- Quem sabe... -- ele respondeu em tom provocativo e desdenhoso -- Ah, estava com tanta saudade da Andreia!
-- ele disse e se virou para a ruiva jogando a cabeleira para trás. 
-- E eu de você -- disse ela, sorrindo -- Venha, vou fazer um chá para nós. 

Entraram na cozinha, Sidney sentou à mesa, enquanto Andreia foi para o fogão. Depois, durante um momento
de silêncio, a moça perguntou com hesitação: 

-- E Cesar? Ele apareceu na república? 

-- Quatro dias depois que você viajou. Estava louco da vida, disse que achará você nem que para isso tenha
que ir até o fim do mundo. 

-- Você disse aonde eu estou? 

-- Esqueceu que me proibiu de dar notícias suas?  

Andreia colocou o bule em cima da mesa e apanhou o pote de biscoitos. 

-- Não, não esqueci -- ela balançou a cabeça com vivacidade -- Fez muito bem em não falar. Quero distancia
daquele idiota. 

-- Ainda bem, amiga -- ele deu um suspiro fundo e olhou para ela interrogativamente -- Você ainda gosta dele?
Ou já esqueceu de tudo? 

-- Não sei... 

-- Como não sabe? -- Sidney subiu o tom da voz -- Meu Deus, Déia, você não aprende, mesmo. Aquele cara não
presta, já perdi a conta das tantas vezes que ele te traiu.  

-- Você acha que corro o risco de ele aparecer por aqui? 

Antes que Sidney pudesse responder, Marcela entrou na cozinha 

-- Você pode ficar no quarto ao lado do quarto da Andreia. 

-- Obrigado, Marcela.  

Os amigos trocaram um olhar de cumplicidade. 

-- Tome seu chá antes que esfrie... Depois a gente conversa -- Andreia apanhou automaticamente o bule e
serviu o rapaz. 

Curioso, Hannibal entrou na sala de Natasha e a encontrou parada diante da janela, com um copo na mão. Ela
se virou e olhou para o homem alto, vestindo um terno preto, impecável, como se tivesse acabado de ser
tirado do armário.  

O segurança musculoso e ombros largos, parou no meio da sala.  

-- O que deseja, chefe? 

Natasha colocou o copo sobre a mesa e sentou em sua cadeira. 

-- Hoje, estava dando uma volta de carro pela parte norte da ilha e avistei uma barraca. Como você sabe, não
admito a prática do campismo em minha ilha.  

-- Eu sei chefe, não sei como isso aconteceu. Pode ter certeza que hoje mesmo vou expulsar os campistas. 

-- Ótimo, mantenha-me informada. 

Assim que ele saiu, Natasha foi até o bar e serviu-se de dois dedos de uísque em um copo. Sentou-se na
beirada da mesa com um suspiro, estava inquieta e um tanto deprimida. De repente, ressentiu-se da ingratidão
e da frieza de Mariana, ressentiu-se de ela deixar de lado tudo o que viveram juntas, dela não sentir mais nada,
enquanto ela sentia tudo. Sentiu ódio, sentiu dor. Pior de tudo: ela ainda sentia muita saudade daquela
ingrata. Saudade física, de toca-la, beija-la, ama-la. 

-- Queria saber como conseguiu arrancar o amor do peito com tanta facilidade. Eu estava certa que seriamos
felizes para sempre, mas agora o que tenho são apenas as lembranças. 

-- A regra é clara: Nasceu feio tem que ser simpático.  


-- Tadinho, Sidney. Ele nem é tão feio assim -- Andreia riu divertida -- E tem outra, trocar ele pelo ex foi muito
cruel. 

-- Ex é que nem bolacha. Caiu no chão, ninguém viu a gente pega de novo. 

-- "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". Me dá um conselho, mas, no entanto, faz tudo ao
contrário. 

-- É diferente, o Cesar não presta. Ele só te fez sofrer. Deus nos livre de você voltar com aquele traste. 

-- Não se preocupe. Cansei de ser só trouxa. 

-- Agora você vai ser uma trouxa cansada -- exclamou Sidney, com uma boa risada -- Se cada pequena gota
d'água representasse o tanto que você é trouxa, você seria o oceano pacífico. 

-- Bobão! -- Andreia jogou uma almofada na cabeça do amigo. 

Marcela entrou na sala, ofegante e com as faces rosadas. Olhou para trás e estendeu a mão para Sibele que a
seguia. Ela parou e fitou a irmã e Sidney. 

-- Sidney, essa é a Sibele, minha namorada -- Marcela apresentou-a ao rapaz, que não demonstrou muito
entusiasmo. Provavelmente devido ao que Andreia havia contado a respeito da médica. 

-- Prazer em conhecê-lo -- Sibele estendeu a mão, esperou até que ele desse a ela a sua, e suavemente apertou. 

Decidido a tratar educadamente as pessoas, como sempre o fizera, Sidney sorriu, porém não teve tempo de
responder. Quando sua boca se abriu, a campainha tocou, Sibele se virou bruscamente para a porta. 

-- É ele... o detetive Vanderlei. 

Mensagem 

Quando você se observar, à beira do desânimo, acelere o passo para frente, proibindo-se parar. 

Ore, pedindo a Deus mais luz para vencer as sombras. 

Faça algo de bom, além do cansaço em que se veja. 

Tente contato de pessoas, cuja conversação lhe melhore o clima espiritual. 

Procure um ambiente, no qual lhe seja possível ouvir palavras e instruções que lhe enobreçam os
pensamentos. 

Preste um favor, especialmente aquele favor que você esteja adiando. 

Visite um enfermo, buscando reconforto naqueles que atravessam dificuldades maiores que as suas. 

Atenda às tarefas imediatas que esperam por você e que lhe impeçam qualquer demora nas nuvens do
desalento. 

Guarde a convicção de que todos estamos caminhando para adiante, através de problemas e lutas, na
aquisição de experiência, e de que a vida concorda com as pausas de refazimento das nossas forças, mas não
se acomoda com a inércia em momento algum. 

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Capítulo 12 MENTE CRIMINOSA por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 12 

MENTE CRIMINOSA 

Marcela abriu a porta do apartamento, para que o detetive Vanderlei entrasse. Os quatro ficaram por algum
tempo em silêncio observando o homem que caminhava receoso até o meio da sala. Finalmente, ao perceber
que estavam sendo indelicados, Marcela fechou a porta atrás de si e indicou o sofá para que ele se sentasse. 

-- Meu nome é Marcela -- apresentou-se sentando-se ao lado dele no sofá -- A Sibele você já conhece, aquela é
a Andreia, minha irmã e o seu amigo Sidney. 

Andreia, que estava sentada ao lado de Sidney em uma poltrona no canto da sala, olhou para ele, fez
um gesto discreto com a mão, mas não se levantou. Sabia que o detetive era figura importante nessa trama, e
isso a incomodava profundamente. Ele deu uma olhada ao redor, antes de falar com Sibele: 

-- Então você tem algo muito importante para me dizer. Espero que seja sobre a irmã da senhorita Natasha. 

Percebendo que ele esperava por uma resposta, Sibele começou a falar: 

-- Você tem um problema, nós temos um problema. Quem sabe juntos não resolvemos esse problema? 

Vanderlei fitou-a, confuso, sem entender onde Sibele queria chegar com toda aquela conversa sobre
problema. 

-- Seja mais clara, Sibele -- pediu o detetive. 

-- Serei bem realista, você nunca encontrará a Carolina. Essa garota deve estar morta ou, perdida nesse
mundão de Deus. É um caso perdido -- Sibele caminhou pela sala, enquanto falava, e parou junto à poltrona
em que Vanderlei e Marcela estavam sentados -- Os dois milhões que a Natasha prometeu, nunca chegarão as
suas mãos. 

O detetive engoliu em seco, o tom da voz da médica era duro e frio, porém, realista. 

-- E qual é a solução que você encontrou? -- ele perguntou, curioso. 

-- Tenho uma solução muito simples -- Sibele apontou para Andreia -- Nossa querida ruiva também é adotiva,
tem os olhos castanhos e pode tranquilamente se passar por Carolina. 

O detetive olhou para Andreia atentamente.  

-- Ser simplesmente parecida com Carolina não basta. Existem milhares de ruivas de cabelos castanhos
espalhadas pelo Brasil. Algumas até mais parecidas do que ela. Precisamos de mais provas. 

-- Nós daremos mais provas -- comentou Sibele com um sorriso -- Daremos até um exame de DNA. 

Vanderlei ergueu uma sobrancelha. A ideia começava a ficar bem interessante. 

-- Exame de DNA positivo. Hum, como conseguirá isso? -- perguntou Vanderlei, olhando para Andreia -- Se bem
que... -- Mais uma vez, ele voltou a atenção para Sibele -- Você é a médica de confiança da Natasha,
será fácil manipular o resultado. 

Marcela caminhou até o bar, pegou uma garrafa de uísque da prateleira e colocou sobre o balcão. 

-- Deixe-me ver se adivinho. Já sei, você vai falsificar o resultado -- disse ela, enquanto preparava os drinks. 

-- Exatamente -- Sibele sentou em uma poltrona de frente para Vanderlei e curvou um pouco o corpo para
frente -- Eu farei a coleta de material para enviar para análise. 

-- Como será realizado o exame de DNA? Ela vai ter que mandar desenterrar o pai? -- Andreia não conseguiu
segurar a curiosidade. Era tudo novo, complicado demais, estranho demais -- Que horror! 

-- Nesses casos, em que o pai está morto, há duas alternativas para determinar a paternidade. A primeira é
tentar extrair o DNA da ossada, mas pode fracassar, por causa da má qualidade do DNA, já exposto ao
ambiente. A outra solução é compor características genéticas do falecido por meio de material colhido de
parentes próximos. Provavelmente essa será a alternativa que Natasha escolherá. 

-- Difícil vai ser esconder essa história da imprensa. Natasha é uma celebridade, a notícia repercutirá por todo
o país, os jornalistas começarão a fazer especulações e a investigar a vida da Andreia -- comentou Sidney --
Tem muita gente que a conhece e sabe de que forma ela foi adotada. Inclusive seu pai, meu amor. Ele vai ficar
revoltadíssimo quando souber. 
-- Ele tem razão, Marcela -- concordou, Andreia -- As pessoas vão comentar e duvidar de nós. 

Marcela olhou séria para Sibele esperando por uma luz. 

-- Vamos dizer que seus pais adotivos esconderam a verdade com medo da justiça e de perderem o bebê.
Quanto ao seu pai, Andreia, somente vocês poderão convencê-lo a guardar segredo. 

-- Papai vai levar um bom tempo para se recuperar, até isso acontecer, pensaremos em uma forma. 

-- Mentes criminosas em ação -- resmungou Sidney. 

Sibele foi até a estante, tirou a foto de Andreia do porta-retratos e entregou para o detetive. 

-- Você já se encontrou com o especialista em retratos? 

-- Ainda não -- respondeu o detetive, olhando para a foto em sua mão -- Por que? 

Sibele sorriu e balançou a cabeça. 

-- Porque o retrato de como Carolina pode estar atualmente, deve ser parecido com esse retrato da Andreia --
Sibele ergueu bem a cabeça e falou em tom sério: Foi distribuindo esse retrato pelo Rio que você chegou até a
Carolina. 

-- Entendi - o detetive sorriu, satisfeito. 

-- Para que tudo fique ainda mais confiável, será bom que você procure a impressa e peça para eles divulgarem
a foto.  

-- Meu Deus, isso já está indo longe demais -- Andreia encostou a cabeça no ombro do amigo e fechou os
olhos -- Me diz que isso é um pesadelo, Sid. 

-- Pior que não, amiga. E olha que a tortura ainda nem começou. Espera quando a tal da Natasha ficar sabendo
que encontraram a irmã desaparecida.  

-- Nem me lembre disso, eu acho que vou entrar em ebulição na frente dela. 

Sibele deu uma gargalhada. 

-- Você não faz ideia de como Natasha espera por esse momento. Não tem um só dia em que ela não fale em
seu nome. 

-- Meu nome? No nome da Carolina, você quis dizer -- Andreia sorriu, ironicamente. 

-- Que seja -- Sibele levantou as mãos ao alto -- Enfim, a Marcela deu uma boa ideia. Você pode fazer isso,
Vanderlei? 

-- Claro, tenho amigos na imprensa que podem fazer essa divulgação. 

Marcela entregou um copo de bebida para o detetive e sentou novamente ao seu lado. 

-- Vou dizer que assisti a reportagem e avisei a Andreia. 

-- Não, não -- Sidney deu um pulo e ficou de pé -- Eu assisti a reportagem e avisei a Andreia. 

-- Sidney! Até você? -- berrou Andreia, indignada. 

-- O que tem de errado? Eu só vou assistir a reportagem e te contar. 

-- Amanhã mesmo vou embarcar de volta para a Ilha do Falcão. Vou agir como se não soubesse de nada --
Sibele, como todos os presentes, estava nervosa e ansiosa -- Fiquem cientes de que quando o Vanderlei der a
notícia para a Natasha, colocarei em dúvida a veracidade da história e me oferecerei para providenciar o
exame de DNA. Natasha com certeza vai aceitar. 

-- Você é o máximo -- Marcela sorriu. 

Recostada no sofá, Andreia viu Marcela abraçar Sibele. A atmosfera como um todo estava bem carregada e a
maldade presente no apartamento era quase palpável e sufocante para Andreia. Sentia-se suja. Uma
criminosa 

Depois de tomar um gole do uísque, Marcela olhou para Andreia e a fitou com ar sério -- Tem certeza que não
vai pular fora? 

O olhar que Andreia lançou a irmã foi frio e pouco amistoso, e não passou despercebido a todos.  

-- Não estaria aqui se não tivesse certeza - respondeu, rudemente. 


 

Natasha acordou cedo. Correu para o banheiro e ligou o chuveiro. Cantou umas cinco músicas e saiu do
boxe, o banheiro mais parecia uma sauna de tanta fumaça. 

-- Eu se não fosse eu, sentiria inveja de mim -- disse para o seu reflexo. Suspirou longamente. Queria tanto
encontrar Carolina, ter a irmã ao seu lado seria maravilhoso. Uma pessoa fiel, amiga e inseparável. Uma pessoa
para cuidar e ser cuidada. 

Era uma das empresárias mais ricas do país, mas havia aprendido, pela falta de uma, a dar valor à riqueza de
uma família. 

Abriu uma gaveta e pegou uma barra de chocolate. Era o único alimento que seria capaz de comer naquele
momento. Estava sem fome e nauseada. 

-- Bom dia, fantástica -- a voz familiar soou estridente, como sempre. 

-- Bom dia, Leopoldo. 

O secretário levantou-se do sofá e caminhou até ela com um tablet na mão. 

-- Estou aqui nesse sofá há horas. Nunca conheci alguém que demorasse tanto no banho. Credo -- ele fez um
gesto de impaciência, e olhou para o tablet -- Temos uma agenda lotada hoje. Reuniões a manhã toda e no
período da tarde... 

-- Que interessante! -- Natasha o interrompeu, impaciente -- Só que não. 

-- Mas... Mestra, temos... 

-- Não insista, Léo. Posso até cumprir a agenda da manhã, mas os compromissos da tarde, pode cancelar
todos -- abriu o chocolate e colocou um pedaço na boca -- Vou surfar. 

-- Que nojo! -- Léozinho resmungou. 

-- O que você falou? -- Natasha mordeu outro pedaço do chocolate. 

-- Que fofo! 

-- Fofo não, radical. 

Natasha sentou em frente ao computador e ficou concentrada por alguns minutos na tela. 

Léozinho aproximou-se lentamente da mesa. 

-- Chefe?  

-- Hum. 

-- Posso falar uma coisa? 

-- Se for besteira, nem abre a boca. Estou ocupada. 

Léozinho não falou nada, em vez disso, ele meramente inclinou a cabeça, então se virou e saiu da sala. 

O delicado som da porta sendo fechada, chamou a atenção de Natasha. Ela afastou os olhos da tela e com
uma expressão pensativa, apoiou o queixo na mão. 

-- O que será que ele queria dizer? 

Sibele espiou pela janela do avião, os olhos negros brilharam ao observar o oceano a milhares de pés lá
embaixo. Uma olhada no relógio confirmou que em menos de meia hora aterrissaria no aeroporto de
Florianópolis. 

Apanhou uma revista de informações turísticas e logo na primeira página reconheceu a Ilha do Falcão. As
fotos foram tiradas no hotel e nas praias centrais. 

Sibele virou a página: Natasha Falcão, a princesa dos mares do Sul, era o título da reportagem. 

-- Você a conhece? -- perguntou a moça que estava sentada ao seu lado.  


-- Claro, trabalho para ela -- respondeu, divertida. 

-- Ela deve ser uma pessoa inteligente, sofisticada e educada. 

Sibele deu uma gargalhada. 

-- Você não faz ideia de como. 

O percurso de Florianópolis até a ilha foi feito de lancha. O dia estava lindo, o que fez a paisagem ficar ainda
mais deslumbrante. Àquela hora da manhã, o oceano estava azul cristalino e a brisa soprava de maneira
delicada. 

Assim que chegou ao cais, Sibele pegou um taxi e foi direto para o hotel. 

-- Seja bem-vinda, doutora! -- a recepcionista abriu um largo sorriso -- Não se preocupe, vamos cuidar da sua
bagagem. 

-- Obrigada, Paloma. A Natasha está no hotel? 

-- Ela acabou de sair de uma reunião. Provavelmente ainda está na sala. 

-- Bem, vou para o meu apartamento, caso veja a chefa, diga que eu voltei. 

-- Claro, pode deixar -- a recepcionista sorriu com simpatia. 

Sibele cruzou o saguão na direção do elevador. Tinha que voltar o mais rápido possível a sua rotina de
trabalho. Mostrar-se alheia a tudo que envolvesse Carolina era o melhor a fazer, ao menos por enquanto. 

A porta do elevador se abriu e Natasha saiu acompanhada de Talita. Assim que a viu, a empresária arqueou as
sobrancelhas. 

-- Já de volta! Cansou da namoradinha mimada? 

Sibele sorriu e deu um abraço na empresária. 

-- Acho que estou sofrendo do mesmo mal que você. Não consigo mais, sair dessa ilha. Estava lá, mas com o
pensamento aqui.  

-- Essa ilha é magica e nos prende a ela -- Natasha disse, com uma voz que demonstrava satisfação consigo
mesma. 

-- Não querendo ser impertinente, como fica a minha situação com a volta da Sibele? 

Sibele olhou para Natasha com expressão interrogativa. 

A empresária deu de ombros e começou a caminhar em direção a enorme porta. 

-- Natasha -- Sibele a chamou.  

Ela se virou para olhar. 

-- O que eu faço? 

-- Você não é a responsável pelo setor? Então decida. 

Andreia acordou na manhã seguinte e foi ao banheiro, olhou sua imagem no espelho, não parecia nada bem,
as olheiras rodeavam seus olhos e as faces estavam pálidas. 

-- Coitada da minha nova irmã, vai levar um susto quando me ver -- agitou a cabeça e riu intimamente da
própria melancolia. 

Andreia lavou o rosto, penteou os cabelos e foi para a cozinha. 

Marcela a esperava com a mesa posta com o café da manhã. Como já era de se esperar, ela franziu a testa
e lançou um olhar de desagrado. 

-- Está bem acabadinha para quem vai reencontrar a irmã depois de vinte e um anos -- disse friamente -- Ontem
nem tocou no jantar. 

-- Não estava com fome -- ela respondeu sentando-se a mesa -- Marcela, podemos conversar? 

Marcela a olhou irritada, já prevendo problemas. 

-- Não me diga que está querendo desistir, nem inventa, Andreia. 


-- Não, não -- respondeu de imediato -- Agora não tem mais volta. Já dei carta branca para o doutor Vicente
fazer o que for necessário. 

-- Então o que é? 

-- Até quando vamos manter essa farsa? Não sei se vou conseguir manter essa mentira por muito tempo. 

-- Por que ficar se preocupando com isso agora? Vamos deixar para pensar nisso só depois que o papai
estiver longe daquele hospital. No momento concentre-se apenas em fazer a Natasha acreditar que você é a
irmã dela. 

Andreia colocou a mão sobre a mesa e suspirou longamente. Quem sabe Natasha fosse até melhor irmã que
Marcela. A moça só pensa em dinheiro, faz tudo por dinheiro, vive apenas para o dinheiro. Chega a esquecer
do mundo, do amor, das pessoas. Ela pensa que tudo se pode comprar. 

Mensagem 

Certa vez, Chico Xavier, visitando o cemitério de Uberaba, notou a presença de um espírito que, rente ao seu
próprio túmulo, chorava arrependido. 

Fora um rico comerciante na cidade e cometera suicídio. Chico o conhecera de nome.  

Percebendo que podia conversar com o médium, após lamentar o gesto infeliz, que praticara por causa dos
negócios que não iam bem, ele disse: 

- Chico, vocês, os espíritas, são os verdadeiros milionários da Terra!  

Chico Xavier ficou com muita pena dele, porque, de fato, o dinheiro, para quem apenas aprendeu a valoriza-lo,
é um transtorno muito grande. 

Fazia muito tempo que ele estava ali, preso aos despojos, se lamentando . . .  

Conversaram por alguns minutos, e apesar da consciência que revelava de sua situação, ele não se mostrava
com a menor disposição íntima de abandonar o local; aquilo era uma autopunição . . ." (Do livro: O Evangelho
de Chico Xavier) 

O apóstolo Paulo, disse: "se temos o que comer e com que nos vestir, fiquemos contentes com isso. Aqueles,
porém, que querem tornar-se ricos, caem na armadilha da tentação e em muitos desejos insensatos e
perniciosos, que fazem os homens afundarem na ruína e perdição.  

Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Por causa dessa ânsia de dinheiro, alguns se afastam
da fé e afligem a si mesmos com muitos tormentos. 

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É
Capítulo 13 NÃO CONFIO EM NINGUÉM por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 13 

NÃO CONFIO EM NINGUÉM 

Andreia sentiu um calor nas faces quando viu a sua foto sendo mostrada no jornal da manhã. 

-- Que vergonha! -- levantou a cabeça, mas ficou sem voz ao encarar aqueles olhos verdes lindos -- Então, essa
é a minha irmã? -- Seus cabelos castanhos claros não eram muito curtos nem muito compridos, e seu rosto
tinha um formato perfeito. Sua beleza a deixou fascinada. Ao perceber que Sidney notava sua reação, tossiu,
tentando disfarçar a sua fascinação. 

-- Ela é uma mulher quase inalcançável -- comentou o rapaz -- E você está a ponto de se tornar a queridinha
dela. Está assustada? 

-- Não estou assustada, mas sim aterrorizada.  

Os amigos voltaram a atenção para o telejornal. 

-- Uma fonte segura confirmou que a vasta fortuna da família Falcão, acumulada ao longo de várias décadas,
inclui duas ilhas, dois hotéis cinco estrelas, várias pousadas, muitos bares e restaurantes. Mais de três mil
funcionários, Natasha comanda um império que se estende muito além do Brasil -- disse a repórter, fazendo
pose em frente à câmera. 

-- Você ficou babando quando a viu, não esqueça que vai ser a irmã dela e não a namorada. 

-- Não fala besteira, seu maluco. Eu não sou lésbica -- respondeu de imediato. 

-- Ah, tá. E o que me diz daquela mulata que você ficou no halloween do ano passado? E da loira hippie do
curso de filosofia que você ficou, antes de conhecer o Cesar? 

-- Não sou lésbica, sou bissexual, é diferente -- Andreia se virou para voltar a assistir o telejornal. 

-- Agora vou ter que arrumar as minhas coisas e voltar para os Estados Unidos. 

-- Por que? -- Andreia virou-se bruscamente para encará-lo -- Pensei que ficaria ao meu lado, que fosse comigo
para a ilha. Não vou conseguir ficar lá sem você.  

Sidney pegou a mão dela, e aplicou um beijo na palma da mão. Seu coração compadeceu-se, mas estava
receoso. 

-- Gostaria muito de acompanhar você, mas não sei se serei bem recebido pela toda poderosa.  

-- O que? Se ela te tratar mal, eu arranco aqueles olhos lindos dela e jogo para os falcões comerem. 

Sidney deu um salto de susto. 

-- Credo, linda! Que violência. 

-- Não é justo que eu abra mão dos meus amigos, só porque ela não gosta deles. Acho bom que ela te receba
muito bem, caso contrário, dou meia volta e retorno para o Rio. 

-- Eu, hein!? -- exclamou admirado, o rapaz -- Já incorporou a irmãzinha Carolina? 

A campainha estridente do telefone sou pelo apartamento. Andreia riu divertida e se levantou para atender.  

-- Alô! Quem? Sonia? Hum... -- Andreia afastou o telefone para que a pessoa não ouvisse e, sussurrou para
Sidney: É a minha prima, ela viu a reportagem e me reconheceu como a irmã desaparecida da Natasha.  

A reportagem também causou grande impacto na Ilha do Falcão. Um dos funcionários do hotel recebeu
por WhatsApp trechos da reportagem e em poucos minutos a notícia se espalhou pela ilha. 

-- Poderosa mestra! -- Leozinho parou à sua frente com um celular na mão, impedindo-lhe a passagem. 

-- Nem vem, Léo -- Natasha empurrou o celular e continuou o seu caminho -- Estou de saco cheio desses
seus vídeos de receitas e de homem kiwi. 
-- Como assim, homem kiwi, poderosa? 

-- Peludo por fora mais fruta por dentro!! -- Ignorando Leozinho, Natasha cruzou o elegante saguão com piso
de mármore, indo em direção ao elevador e apertando o botão. 

-- Não é nada disso chefa. É uma reportagem sobre a Carolina. 

-- Carolina? -- imediatamente recuou e pegou o celular da mão dele -- Colocaram justo esse meu vídeo, minha
irmã vai me achar um bucho. 

-- Onde foi filmado? 

-- No Beto Carreiro World, eu havia acabado de sair da montanha-russa invertida, não dá pra ver, mas estava
toda cagada. 

-- Olha a foto de como ela pode estar agora. 

-- Deixe-me ver -- Natasha se adiantou -- Poxa! Ela é linda. 

-- Não se empolgue. Esse é só um retrato falado de progressão de idade, como Carolina estaria hoje, com vinte
e quatro anos -- Leozinho balançou os ombros -- Ela pode ser um tribufu com a cara cheia de... 

O rapaz nem terminou a frase, Natasha deu um tapa na nuca dele. 

-- Nunca mais fale da minha irmã dessa forma -- ela deu de dedo nele e entrou no elevador. 

-- Credo. Parece uma louca! -- Leozinho resmungou da porta do elevador. 

-- O que você falou? -- Natasha virou-se para encara-lo. 

-- Que nunca mais abro a boca. 

-- Acho bom. Agora vamos para a minha sala, quero ligar para o Vanderlei. Talvez ele tenha alguma novidade. 

Vanderlei olhou para o relógio, impaciente para sair. Estava quase na hora de embarcar para Santa Catarina e
Andreia não aparecia. Queria encontrar-se o mais breve possível com Natasha. 

O detetive esfregou as mãos com força. Só este nome já era suficiente para deixá-lo nervoso. 

-- Não posso mais esperar -- se levantou dando um tapa no braço da poltrona. 

-- Ela e o Sidney foram ao hospital, espere mais um pouco, eles já devem estar chegando. 

-- Não posso, vou perder o voo e... -- seu telefone celular tocou e ele rapidamente checou o identificador de
chamadas -- É a senhorita Natasha. 

O detetive passou uma das mãos pelos cabelos ralos de modo impaciente ao mesmo tempo em que segurava o
telefone celular próximo à orelha -- Pode falar, senhorita. 

O estomago de Marcela revirou e ela foi até a cozinha pegar um copo de água gelada. A situação era muito
estressante, caso a empresária descobrisse, todos poderiam acabar na cadeia. 

Esse pensamento colocou seu coração em disparada. Ela ouviu a porta do apartamento
se abrindo, depositou o copo sobre a pia e notou que seus dedos tremiam.  

-- Calma Marcela -- ela falou para si mesma. Respirou fundo e voltou para a sala. 

Na sala, o clima era tenso. Andreia e Sidney estavam sentados lado a lado de frente para o detetive. Vanderlei
demorou alguns instantes para quebrar o silêncio. 

-- Já recebi dezenas de mensagens e fotos de pessoas que dizem ser Carolina Falcão. Natasha quer que eu as
envie para ela, agora mesmo. 

-- Nós ainda não enviamos nada da Andreia -- disse Marcela, demonstrando preocupação. 

-- Pode deixar comigo -- Sidney levantou-se, então, dando a volta na mesinha e pegando o celular -- Dá um jeito
nessa cútis amassada, querida. Vou tirar uma foto bem linda para enviar para a sua irmã. 

-- Eu estou horrível, chorei por um longo tempo lá no hospital -- reclamou, Andreia. 

-- Espera um pouquinho -- Sidney correu até o quarto e voltou com um nécessaire para maquiagem na mão --
Nada que um corretivo e uma base, não dê um jeito, bobinha. 
 

Natasha olhou para Leozinho, colocou a foto computadorizada da Carolina ao lado do computador, respirou
fundo e abriu o e-mail, ansiosa.  

-- Vamos lá -- abriu o primeiro e-mail e analisou a foto -- Essa não é. 

-- Essa também não, chefe. 

Depois de trinta fotos... 

-- Essa é bem parecida, mas é japonesa -- Natasha inclinou em direção à tela para ver melhor -- Será possível? 

-- Claro que não, sua burra -- Leozinho falou baixinho, revirou os olhos e fitou o teto. 

Natasha parou o que estava fazendo e o encarou, com os olhos faiscando. 

-- O que você falou?  

-- Que essa moça merece uma surra -- disse de imediato -- Tentar enganar a chefe, desse jeito -- ele pigarreou. 

-- É verdade -- Ela retornou à atenção para o computador -- Vamos para a próxima -- Natasha olhou, olhou
novamente e depois olhou para Leozinho, sem entender -- O que é isso? 

Leozinho se inclinou para a tela. 

-- Um gay? 

Os olhos dele se abriram e, por alguns segundos, ambos se olharam estarrecidos. 

-- Vou ler a mensagem -- Natasha abriu o documento anexo e leu em voz alta: Meu nome é Sidney. Eu assisti à
reportagem e achei a minha amiga Andreia, muito parecida com a sua irmã desaparecida. Por isso enviei a foto
dela. 

-- Ahhhh... -- os dois exclamaram juntos. 

-- Que susto! -- disse Natasha, cruzando os dedos atrás da nuca -- Por que toda bicha tem que ser
exibicionista? 

-- Por que toda lésbica tem que ser grossa? 

-- Vou fazer de conta que não ouvi. 

-- Abre logo o anexo, poderosa -- pediu Leozinho, em uma ansiedade louca. 

Os olhos de Natasha encheram de lágrimas quando ela viu a foto de Andreia. 

-- Carolina, é a Carolina -- disse ela, os olhos se enchendo de lágrimas de novo. Natasha não conseguia evitar,
de tocar com as pontas dos dedos na tela, fazendo um carinho no rosto da suposta irmã.  

-- Vai com calma Natasha. Pode ser que essa moça não seja a sua irmã desaparecida. 

-- É ela, eu sei que é -- a empresária não se cansava de admirá-la -- Ela é linda. 

-- O tempo faz milagre com as pessoas -- Leozinho foi irônico. 

Natasha se levantou bruscamente da cadeira. 

-- Mande preparar o jatinho, vou ainda hoje para o Rio. 

Sibele saiu do quarto e quase esbarrou na pessoa que passava de cabeça baixa.  

-- Léo, por que não olha por onde anda? 

-- Conversamos mais tarde. Estou com muita pressa agora -- Leozinho fez menção de voltar a caminhar, mas
Sibele o segurou pelo braço. 

-- Ei, ei, espera. O que está acontecendo? Por que tanta pressa? 

-- A Natasha está se preparando para viajar ao Rio, estou indo falar com o comandante. 
-- Para o Rio?  

-- Natasha acredita que o detetive encontrou a Carolina. Por isso ela quer ir o mais rápido possível para lá. 

-- NÃO! -- ela berrou, com um olhar desesperado para Leozinho. 

-- Não? -- o rapaz não entendeu direito o que Sibele queria dizer -- Por que? 

Sibele percebeu que sua reação foi exagerada, e saber que Leozinho não podia suspeitar de seus
pensamentos devolveu-lhe o controle. 

-- É que... ela não tem certeza que essa moça é realmente a Carolina. É uma atitude precipitada da Natasha.  

O pior de tudo, pensou Leozinho olhando para a médica, era que, realmente, não tinham certeza de nada.  

-- Você tem razão -- concordou -- Então, conversa com ela. A Natasha não vai me escutar. 

-- Aonde ela está? 

-- Estava lá no saguão conversando com o Hannibal. 

Sibele entrou no elevador e carregou no botão do piso para onde queria ir. A pele clara de seu rosto estava
pálida, os olhos brilhavam intensamente demonstrando nervosismo. O elevador se abriu e ela dirigiu-se para a
porta. 

Andou rápido e alcançou Natasha entrando no carro. 

-- Natasha! 

A empresária se virou rapidamente, fez um sinal para o motorista e aguardou Sibele se aproximar. 

-- Tem um tempo para conversar? 

-- Estou indo até as praias do Norte -- Natasha se encostou na porta do carro. 

-- Algum problema? 

-- Alguns dias atrás, observei que havia alguém acampando perto do atracadouro. Pedi para o Hannibal
averiguar e, hoje ele veio me contar que tem uma moça sozinha naquela barraca. 

-- Que coragem! -- Sibele respirou fundo.  

Na Ilha do Falcão, praticamente não existem crimes praticados contra a vida. O sonho de toda família é viver
em um lugar como esse, sem violência, e com nenhum registro de assassinato. Para uma mulher sozinha, no
entanto, o Norte pode ser um lugar perigoso e traiçoeiro. 

-- Depois de resolver isso, vou viajar para o Rio de Janeiro. 

Sibele se obrigava a manter a calma, embora o pensamento do que estava por falar a deixasse muito nervosa. 

-- Você não pode fazer isso -- Sibele sentiu-se enrubescer imediatamente. 

Natasha a encarou surpresa. 

-- Não posso? 

A médica ficou indecisa por alguns instantes, estava nervosa, mas logo se recobrou e tentando controlar a
voz falou: 

-- Confesso que sou bem cética sobre a chance dessa moça ser a sua irmã -- dissimulou Sibele -- Mas se você
acredita que ela é a Carolina, seria mais prudente que primeiro fizesse o exame de DNA. 

Natasha inclinou a cabeça a um lado, pensativa. Estava ansiosa demais para se encontrar com Carolina. Tanto
que tinha a boca seca e sentia um aperto no coração.  

-- Esperei há anos por Carolina, está sendo muito difícil ficar aqui na ilha, parada, sem fazer nada. 

-- Já que esperou por tanto tempo, porque não esperar só mais um pouquinho?  

-- Quanto tempo demora para sair o resultado?  

-- Tudo depende do que está sendo analisado no teste de DNA. Sequenciamentos de todo o DNA, como os
feitos nos testes de paternidade, pode demorar até duas semanas.  
Ainda encostada no carro, Natasha passou uma mão pelo cabelo castanho claro, os olhos verdes fixos no
mar. Sibele imaginou que ela estava pensando sobre o assunto. 

-- Hum... Tá certo -- Natasha entrou no carro, baixou o vidro e olhou para ela -- Mas, se encarregue de acelerar
esse exame. Não sei se consigo esperar duas semanas. 

Sibele sorriu, satisfeita. 

-- Pode deixar, vou entrar em contato com essa moça e marcar uma data para o exame. Quando você voltar,
vou coletar o seu sangue para enviar ao laboratório. 

-- Resolva tudo pessoalmente. Use o meu jatinho para ir ao Rio -- Natasha franziu a testa, impaciente -- Não
perca tempo com picuinhas. 

Assim que o motorista colocou o carro em movimento, Natasha pegou uma garrafinha de água para beber. 

-- Sabe Hannibal, Sibele me abriu os olhos para algo muito importante: Se você não sabe em quem confiar, não
confie em ninguém. Principalmente nos momentos em que estamos fragilizados por conta da emoção. Isso
porque, quando estamos fragilizados, ficamos vulneráveis e o nosso discernimento pode ficar comprometido.
Nessa hora somos presas fáceis daquelas pessoas que não se importam conosco ou que nos desejam mal --
Suspirou longamente -- Quando Mariana foi embora, prometi a mim mesma que nunca mais permitiria que
alguém me fizesse de boba. E vou cumprir essa promessa. 

Natasha tomou um gole da água e olhou para fora da janela do carro, onde o sol da manhã brilhava sobre o
oceano Atlântico.  

-- Você e o Lucas estão comigo desde que nasci.  Trabalharam para o meu avô, para os meus pais e, agora para
mim. Os considero minha família. 

Lucas a olhou pelo retrovisor e sorriu. 

-- Confio em vocês como confiava em meu avô. Por isso, vou encarrega-los de um trabalho secreto. 

-- Pode falar, chefe -- disse, Hannibal. 

-- Vocês vão para o Rio de Janeiro e, só voltarão de lá quando descobrirem tudo sobre Andreia Dias e sua
família -- Natasha ergueu o rosto e olhou para os dois -- Revirem a vida dela desde os descendentes, de
geração em geração. Se Andreia, realmente for a minha irmã Carolina, farei dela a pessoa mais feliz do mundo.
Mas se não for... Farei da vida dela um verdadeiro inferno. 

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Capítulo 14 NAUSEAS E TONTURAS por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 14

NAUSEAS E TONTURA

Natasha tirou o tênis e caminhou pela praia, sentindo a areia macia nos pés. Na sua opinião, viver na ilha era
um sonho. Sempre tivera pena das pessoas que viviam na cidade. Tem o barulho de carros, sirenes para
todos os lados, incêndios, assassinatos, acidentes... Preferia perder o sono ouvindo o ronco do mar do que
das businas. Decididamente, não gostava de cidade grande. Esse estilo de vida a apavorava, estremecia a sua
alma.
Estava em pé no ancoradouro, olhou em volta, mas a única coisa que viu foi um bando de gaivotas
sobrevoando um pequeno barco pesqueiro. Nem sinal de campistas. Provavelmente a moça já havia ido
embora. Caminhou até o local onde dias atrás estava armada a barraca e sentou-se na areia morna e macia,
dobrando as pernas, abraçando-as e descansando o queixo nos joelhos. Pelo menos a campista era
cuidadosa com o meio ambiente. Tudo estava limpo.
Distraidamente, Natasha pegou um galhinho de Jundu ("mato" rasteiro das praias), e escreveu o próprio nome
na areia.
O mar estava calmo. Uma leve brisa soprava balançando os seus cabelos. Naquele silêncio, repleto de paz, ela
se lembrou com saudades do avô. De sua honestidade e generosidade. Deixou para ela o exemplo da
abnegação e da seriedade de encarar as responsabilidades e principalmente do amor dedicado a sua familia.
Natasha levantou-se em um salto, sacudindo a areia das calças.

-- Vamos voltar para o hotel, Hannibal. A moça já deve ter ido embora da ilha -- olhou para o relógio e levou um
susto -- Nossa! O tempo passou e eu nem percebi. A Sibele está me esperando para coletar o material para o
exame de DNA. Então devemos apressar-nos.

Eram só 16 horas quando Sibele, chegou ao Rio de Janeiro. Ela finalizou rapidamente os procedimentos de
praxe, e enquanto caminhava para fora do aeroporto, conversava por celular com o funcionário do
laboratório.

-- Daqui a umas duas horas estarei aí com o material coletado.


Desligou e jogou o aparelho dentro da bolsa. Tinha combinado
com Marcela para ir buscá-la, e ela estava lá,
sentada em um banco, com um copo de suco na mão.
Assim que a viu, a moça foi ao encontro dela.
-- Sabia que a curiosidade mata? -- disse sorrindo -- Por que não respondeu as minhas mensagens?
Sibele também sorriu para ela, um tanto cautelosa. Colocou a pequena mala no chão e segurou o braço da
namorada.

com você pessoalmente -- a médica abraçou-a de leve e deu-lhe um beijo rápido e suave.
-- Prefiro falar
-- Estou angustiada. Natasha enviou um e-mail para a Andreia dizendo que estava maravilhada com a

possibilidade dela ser a sua irmã Carolina. Disse também, que não via a hora de encontrá-la.
-- Ela me falou -- Sibele pegou a mala e começaram a caminhar em direção ao estacionamento
-- Confesso que
quase tive um infarto. Ela queria vir para o Rio, antes mesmo do resultado do exame de DNA sair. Natasha tem
certeza que a Andreia é a Carolina -- caminharam alguns metros e pararam diante do carro -- Andreia tem
conversado com a Natasha? -- Sibele perguntou, surpresa.
-- Na verdade, pedi para o Sidney responder aos e-mails.

-- O que? -- a médica se virou para ela assustada -- Você está louca? Aquele cara é um vacilão. Ele pode botar
tudo a perder.
-- Não se preocupe. Ele só quer ajudar a Andreia --  Marcela tranquilizou-a com um sorriso calmo.
-- Por isso mesmo que estou preocupada -- ela não se convenceu.

-- Ajudei ele a escrever uma bela e triste história sobre a vida de Andreia.
Sibele balançou a cabeça, acenando com uma das mãos, em um gesto de quem discordava da atitude.
-- Não exagera na encenação, Marcela. A Natasha não é nada boba.
-- Foi só para tocar o coração da poderosa Natasha -- Marcela deu com
um sorriso de satisfação enquanto
entravam no carro esporte e saíam em direção ao bairro de Copacabana, na Zona Sul da cidade do Rio de
Janeiro.
Sibele sentiu uma brisa gostosa tocar seus cabelos e, suspirando pesado ajeitou-os com dificuldade.

-- Assim que chegarmos em seu apartamento, coleto o sangue da Andreia e levo para o laboratório -- Nervosa,
Sibele consultou o relógio de pulso e fez uma careta.
-- Não se preocupe. Tudo vai dar certo, amor -- Marcela estendeu a mão, tocando-a de leve na perna.
-- Está bem, mas, vamos ter cuidado, sim?
Em resposta, Marcela sorriu com afabilidade.

-- A dona Elisa deseja vê-la -- disse Jessye e abriu a porta da sala, para que a senhora entrasse.

A secretária tinha o hábito de anunciar a todos, mas a meiga senhora era tão importante para Natasha que
nunca, se negaria atendê-la.
-- Com licença -- Jessye, saiu e fechou a porta atrás de si com delicadeza.
Eliza deu uma olhada ao redor, como se estivesse procurando uma outra
pessoa.
Natasha, que estava sentada em sua mesa, olhou para ela, mas não se levantou. Sabia
que Elisa não estava ali
simplesmente para uma visita corriqueira.
Embora tivesse sessenta anos, Elisa era uma
mulher muito bonita e elegante. Tinha cabelos claros e lisos;
suas feições eram doce e seus olhos castanhos pareciam enxergar além do visível. Sua mente decifrava a
intenção dos menores gestos. Não era muito alta, mas sua pele bronzeada lhe dava uma aparência jovial. No
entanto, não era nenhum de seus atributos físicos que a tornara uma mulher amada e respeitada por todos na
ilha. Elisa tinha sempre uma ou outra palavra esclarecedora, mantinha uma intensa calma e benevolência com
as pessoas.
Por isso, Natasha não estranhou o fato de vê-la ali, parada a sua frente com a maior cara de preocupação.
-- Eu quero falar com você, Natasha.
-- Senta, Elisa.
A senhora olhou para ela atentamente, e se sentou. Natasha percebeu que ela estava decepcionada, mas isso
não a perturbou. Desde pequena havia se habituado com as broncas da babá; por isso, não se preocupava
mais com sua cara de reprovação.
-- Deixe-me ver se adivinho. Você veio falar sobre a Carolina, não é?
-- Sim, vim conversar sobre ela -- a senhora usava maquilagem leve e tinha os cabelos presos na nuca -- Recebi
do mundo espírita informações sobre a sua irmã, que não conferem com essa moça -- seu rosto delicado se
contraiu e os olhos castanhos, brilharam -- Tem certeza que essa moça é a sua irmã, minha filha?
-- Certeza, certeza, terei apenas quando sair o resultado do exame de DNA -- ela respondeu, olhando para as
fotos que estavam sobre a mesa -- Mas, olhe para isso babá. A foto que o especialista entregou para o detetive
é quase idêntica a foto que essa moça enviou por e-mail.
-- Eu sei que pode parecer muito fantasioso e que o futuro pertence a Deus, mas gostaria que ao menos dessa
vez, levasse a sério a minha mediunidade.
-- Eu sempre respeitei a sua doutrina e a sua mediunidade. Até mesmo as visões e contatos que a senhora diz
ter com seres que não pertencem a esse mundo material, eu respeito. Porém, não posso ficar presa a isso. As
provas do mundo material são mais convincentes que as do mundo espiritual. Caso o exame seja positivo, não
tenho porquê duvidar dela -- os olhos verdes de Natasha brilharam como cristais -- No e-mail que a Andreia
me enviou, ela contou a sua história de vida com riqueza de detalhes. Contou que o pai revelou a verdade
sobre a sua adoção, apenas alguns dias atrás.
-- Mesmo assim prefiro acreditar em meu mentor espiritual. Ele disse que sua irmã é livre como um cavalo
selvagem. Ela não aceita freios ou quem queira pôr-lhe sela. Não nasceu para ser domada. Ela vai vir ao seu
encontro e, não você ao encontro dela...
-- Não tem medo da opinião alheia e muito menos de fugir as regras -- ela completou a frase com um sorriso
amargo -- Você está dizendo isso há anos, babá -- disse ela com sinceridade se levantando da cadeira,
passando os dedos pelos cabelos castanho-claros cortados na altura do ombro -- Quem sabe, Andreia não
seja essa pessoa livre como um cavalo selvagem? Eu enviei o Hannibal e o Lucas para o Rio. Apesar de crer
que Andreia seja realmente a Carolina, achei prudente mandar eles investigarem a vida dela.
-- E se ela for uma impostora? O que fará?
-- Se ela é uma impostora, babá, o exame irá mostrar -- Natasha deu um sorriso amarelo e olhando para o
relógio, ficou surpresa ao ver que já tinha se passado tanto tempo -- Não se preocupe, Elisa. Ninguém vai se
aproveitar de mim. Mariana me ensinou o quanto as mulheres podem ser traiçoeiras. Conhece aquele
provérbio francês: "Por mais traiçoeiro que seja o mar, mais traiçoeiras são as mulheres".

Andreia corria desesperada por uma rua, onde árvores criavam sombras monstruosas à sua frente, seus
pulmões pareciam prestes a estourar e suas pernas doíam, mas não podia parar. Tinha que continuar
correndo. Tinha que fugir.
Andreia sentou-se ofegante na cama, com o corpo molhado de suor e aterrorizada por aquele sonho
recorrente.
Meu Deus, pensou com a respiração ainda irregular. Que sonho é esse?
O sol invadia o quarto por uma fresta da cortina. Seria um lindo dia de verão. Andreia se levantou da cama,
esfregando os olhos. Definitivamente era hora de levantar.
Arrastou-se até o banheiro, onde tomou uma ducha quente. Sentia-se profundamente enjoada e fraca.
Cambaleando, abriu a porta do boxe e saiu. Inclinou-se sobre o vaso sanitário, mas não conseguiu vomitar.
Seu estômago estava vazio.
Lavou o rosto com a água gelada, olhou-se rapidamente no espelho e percebeu que estava com olheiras
profundas.
-- Só me falta essa. Ficar doente nesse momento, seria terrível -- saiu do banheiro e vestiu o robe que estava
pendurado no cabideiro.
-- Oiê -- Sidney colocou a cabeça para dentro do quarto -- Vamos tomar café?
-- Não sei se consigo -- ela ainda se sentia um pouco tonta, respirou fundo, esfregou os olhos e sentou-se na
cama -- Só de pensar em comer, meu estômago embrulha.
-- Você está me parecendo doente mesmo -- disse Sidney, sentando-se ao seu lado na cama -- Vamos a um
hospital -- ele franziu a testa, preocupado.
-- Não, claro que não. Deve ser apenas um mal estar passageiro.
O rapaz olhou para ela atentamente, e se calou.
-- É sério, Sid. Não fique me olhando como se eu estivesse a beira da morte -- ela disse, achando graça.
-- Então vamos comer alguma coisa -- ele olhou-a nos olhos de um jeito suave, mas, ao mesmo tempo, inflexível
-- Comprei pãozinho, bolo de cenoura e pastel assado.
-- Eca! -- Andreia fez careta de nojo -- Apenas café preto -- passou a mão pelo estômago.
Sidney sorriu brevemente.
-- Tá bom, sua chata. Então vamos.
A semana passou rápido como um furacão. No sábado Natasha levantou-se às seis, bebeu uma xícara de café
e após tomar banho e se vestir, tomou o elevador privativo do apartamento duplex até o saguão.
-- Bom dia, senhorita Natasha -- a elegante recepcionista; dirigiu-se a ela sorrindo -- Em que posso ajudá-la?
-- Bom dia, Paloma. Localiza o Hannibal e o Lucas e peça para eles irem até a minha sala.
Os dois funcionários haviam retornado a ilha na noite anterior, Natasha mal conseguia controlar a ansiedade,
porém respeitou o descanso dos dois.
Todos esses dias em que o segurança e o motorista estiveram no Rio investigando a vida de Andreia, a
empresária não manteve contato com eles. Preferiu não pressioná-los pois, qualquer que fosse o resultado da
averiguação, sabia exatamente qual seria seu próximo passo. Por isso olhava para a porta da sala com
angustia no coração. Seria dali que viria os portadores de boas ou más notícias, e nesse instante a porta se
abriu.
-- Com licença chefe -- disse Lucas, abrindo a porta.
-- Entrem e sentem-se -- Natasha apontou para as cadeiras na frente de sua mesa de trabalho e pediu que eles
se acomodassem. Ela cruzou as mãos sobre a mesa e em seguida fixou os olhos neles -- Eu soube que vocês
enfrentaram uma tempestade no voo de volta para Santa Catarina.
Hannibal assentiu com um gesto de cabeça.
-- O avião enfrentou uma série de turbulências.
-- A viagem foi péssima -- disse Lucas olhando para Natasha de um jeito engraçado -- Não é à toa que não
gosto de aviões. Quase sujei as calças.
-- Não há quem não tenha medo quando o avião começa balançar. Mesmo já tendo viajado de avião tantas
vezes, sempre tenho a sensação de que podemos cair a qualquer momento -- Natasha ajeitou-se melhor na
cadeira e, séria, inclinou-se um pouco mais para frente -- Então, o que descobriram sobre Andreia Dias? O que
ela tem feito? E a família dela? Vamos, falem tudo que descobriram.

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Ê
Capítulo 15 SE EU FOSSE VOCÊ por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 15

SE EU FOSSE VOCÊ

Natasha apoiou os cotovelos sobre a mesa de madeira rústica e olhou para Hannibal fixamente. Ansiosa,
sustentou a respiração enquanto aguardava pela resposta.

-- Nossa investigação foi muito proveitosa. Não é mesmo Lucas? -- disse o grandalhão, de voz grossa e forte.
Mesmo agora, aos quarenta e nove anos, Hannibal era um homem musculoso e ágil como um jovem, pois ainda
tinha o hábito de frequentar a academia e correr todas as manhãs pelas trilhas da ilha.

-- Sim. Para começo de conversa, a senhorita Andreia realmente é órfã -- o homem mais velho puxou a cadeira
para mais próximo da mesa.

Natasha soltou o ar, aliviada. Com o rosto iluminado pela esperança, ela sorriu e pediu para Lucas continuar.

-- A história que todos conhecem é que, os pais biológicos eram viciados em crack e assim que a menina
nasceu, entregaram para que o casal Dias a criassem.

-- Uma história bem comum -- Natasha recostou-se em sua cadeira, pensativa -- Que pode muito bem ser
mentirosa, não é mesmo, senhor Lucas? -- a opinião daquele homem experiente era muito importante para a
jovem empresária.

-- Sim, pode ser, chefe. Nesses casos tanto a mentira, quanto a realidade, é quase sempre a mesma: os pais
eram bandidos, drogados ou prostitutas.

-- Em todo caso, me sinto aliviada em saber que a história que ela me contou por e-mail é verdadeira -- Natasha
tornou a sorrir e ajeitou-se melhor na cadeira -- Agora me conte sobre os pais adotivo. Ela vive com eles? Eles
se dão bem?

A pergunta foi motivada em parte pelo interesse de Natasha em saber se Andreia estaria disposta a deixar os
pais no Rio para vir morar com ela na ilha. Mas também porque, queria estar preparada para quando a
abordasse sobre o assunto.

-- A mãe da senhorita Andreia faleceu já faz dez anos e o pai... -- Lucas hesitou um pouco, antes de responder.

-- Fala homem! -- pediu a empresária com impaciência -- O que tem o pai dela?

-- O senhor Fábio Dias sofreu um infarte violento e está em coma induzido, aguardando por uma cirurgia
delicadíssima.

-- Isso ela não me contou -- Natasha suspirou e tirou uma mecha de cabelos dos olhos -- Para quando está
agendada a cirurgia? -- esse detalhe a interessava muito. A cirurgia do pai adotivo poderia prendê-la ao Rio.

Por alguns segundos, os dois homens se olharam.

-- Então, chefe. Nós conversamos com a moça da recepção do hospital e ela abriu o jogo pra gente. Disse que
a família Dias está falida -- a voz de Lucas soou estranha, como se estivesse consternado -- Eles são donos de
um Hotel em Copacabana, mas a justiça decretou falência e bloqueou todos os bens da família. Eles não tem
dinheiro sequer para a cirurgia.

Natasha olhou para ele absolutamente estupefata, muito surpresa com o desenrolar da conversa.

-- Fábio Dias, o dono do Copacabana Blue Sea -- ela franziu o cenho ao lembrar do empresário -- Eu conheço
esse homem... e também tudo sobre o hotel falido.

Natasha é uma empresária competente. Desde que assumiu o comando dos negócios da família, a fortuna se
multiplicou de maneira impressionante. Ela não perdia sequer uma única oportunidade de gerar bons lucros.
Fazia pesquisa de mercado. Estudava todos os seus concorrentes, analisava os custos e os riscos, enfim, ela
sabia muito bem o que havia acontecido com o Copacabana Blue Sea.

-- Ele me pediu ajuda para salvar o hotel, mas como não tenho planos de investimento no Rio de Janeiro, não
dei importância a sua proposta de negócio -- ela apoiou o queixo nas mãos e fitou os dois homens com
curiosos olhos verdes -- Andreia é uma filha dedicada?
-- Pelo que a moça do hospital falou, ela é uma filha muito carinhosa e presente. Mesmo ele estando em coma,
Andreia, vai todos os dias ao hospital ficar ao lado do pai.

-- Hum, vou ter que dar um jeito nisso -- concluiu preocupada -- Mais alguma coisa para me contar?

-- Só mais uma coisa, chefe -- Lucas levantou-se da cadeira de couro -- Ela estava estudando nos Estados
Unidos.

-- Que bom!. Você sabe o que ela estava cursando?

-- Administração -- respondeu, Lucas.

-- Maravilha! -- ela sorriu, radiante -- Não poderia ser melhor, vamos fazer uma dupla e tanto!

Sidney abriu as cortinas do quarto deixando entrar a luz do início da manhã e a cumprimentou com um
animado bom-dia.

-- Como está hoje, minha querida?

-- De humor ou de saúde? -- ela perguntou, pálida e abatida.

-- Ambos.

-- O humor está péssimo e a saúde ainda não sei, prefiro responder depois de levantar para ir ao banheiro --
ela havia dormido pouco, e sabia que devia estar com a aparência horrível.

-- Espero que o seu mau humor não a mantenha na cama o dia inteiro. Precisamos comprar roupas novas para
você. O resultado do exame sai amanhã e sua irmã vai querer vê-la o mais breve possível.

-- Obrigada por me lembrar disso logo cedo -- Andreia sentou-se, não devia permanecer na cama por mais
tempo. Tinha muitas coisas a fazer -- Como sabe que a Natasha vai querer me ver o mais breve possível?

-- Porque sei, oras! -- ele tentou disfarçar com toda a rapidez, mas essa reação serviu apenas para denunciá-lo.
Andreia o conhecia muito bem.

-- O que você está aprontando, Sidney?

-- Nada.

-- Sidney -- ela disse, quase sem paciência -- desembucha.

-- Eu enviei alguns e-mails para a Natasha em seu nome -- baixou os olhos, sentindo a pele do rosto vermelha.

Andreia balançou a cabeça em desespero.

-- Meu Deus, como você pôde fazer isso? Foi contaminado pela Marcela e a Sibele, é?

-- Fiz isso para ajudá-la, foi só para o seu bem -- Sidney olhou para ela com o canto dos olhos -- Não quero que
se aborreça comigo.

-- Eu sei... Para me ajudar. Só que não! -- ela piscou, perdendo de vez a paciência.

-- A sua preocupação é desnecessária -- ele argumentou.

Andreia se levantou rapidamente da cama.

-- Será mesmo, Sidney? Pelo que me consta, o senhor não é daquelas pessoas centradas, comedidas,
discretas.

A ruiva virou-se e foi em direção ao banheiro, sem dar-lhe chance de retrucar. Aliás, ele nem tinha o que falar
para ela. Fez coisa errada, sabia disso.

A curiosidade de Andreia foi maior e ela voltou do banheiro para perguntar:

-- O que você contou para ela?

-- Nada demais, coisinhas básicas tipo: infância, adolescência -- Sidney rodopiou e se jogou na cama -- Eu
contei também, que você não vê a hora de beijá-la, abraçá-la...

-- Seu louco! -- Andreia jogou um travesseiro na cabeça dele -- Você vai me mostrar todos os e-mails que enviou
para ela. Tenho até medo de ler.

-- Ela queria conversar com você através do Skype.


Andreia deu uma gargalhada.

-- O que você respondeu?

-- Que achava melhor esperar o resultado do exame de DNA. Queria o que? Que me passasse por Andreia
Dias?

-- Vindo de você, não duvido de mais nada.

Andreia fechou a porta do box e ligou o chuveiro sabendo em seu coração que a partir do dia seguinte, não
existia mais nada que pudesse fazer, a não ser concentrar o pensamento no sacrifício que estava prestes a
enfrentar.

No dia seguinte, logo cedo, Sibele foi retirar o resultado do exame no laboratório. Pegou o envelope, mas não
abriu. Desceu a escadaria até o estacionamento e entrou no carro de Marcela.

Acomodou-se no banco do carona e abriu a janela para captar a brisa refrescante. Então, abriu o envelope,
leu e releu o conteúdo. Suas feições ficaram tensas e guardou o papel no bolso.

-- O que foi? -- indagou Marcela -- Algum problema?

Sibele levou algum tempo para recuperar a compostura, antes de responder.

-- Não. Apenas estou pensando que a partir de agora nossa vida será uma grande mentira. A começar pelo
nosso namoro -- disse, divertida, colocando o cinto de segurança -- Vou dizer para Natasha que terminei o
namoro.

Marcela apertou a mão que segurava a sua.

-- Pois eu prefiro pensar que estaremos tendo a oportunidade de um novo recomeço. Em um lugar lindo e
cheio de magia.

Sibele virou a cabeça, fitou-a nos olhos e sorriu.

-- Quer dizer que estou prestes a conhecer a minha alma gêmea? Isso é muito emocionante! -- comentou,
sorrindo divertida.

Após duas semanas de suspense, enfim, o resultado do exame foi liberado. Natasha contemplou o papel
enviado por Sibele, levantou a mão e estalou os dedos.

-- Bebidas para todos! -- disse Natasha para a funcionária do bar do hotel -- Quero que comemorem comigo,
finalmente encontrei a minha irmã. Sonhei com esse dia há anos, portanto, vamos festar! -- anunciou em voz
alta.

Houve aplausos e assobios, todos os hóspedes e funcionários presentes começaram a gritar, bater palmas e
a dançar ao redor de Natasha. A empresária não teve escolha a não ser acompanhá-los. Depois de alguns
passos na pista, retornou para o balcão.

-- Depois de todo esse remelexo, vou precisar de um drinque especial, Nani -- pediu Natasha a barwoman.

-- Deixa comigo chefe. Talvez demore um pouco mais que o habitual, nossa DrinkMixer especial teve que ser
levada para a manutenção.

-- Tá com defeito? -- perguntou Leozinho.

-- Não Léu, é que ela estava cansada de ficar em casa e a Nani resolveu levá-la para passear -- disse Natasha,
sem paciência.

-- Se a gente colhe o que planta, então jogaram, por maldade, sementes de ingratidão na minha horta. Quem
sempre fica ao seu lado quando tem crise de asma? Sua desalmada!

-- Deixa de lamuriar, Léo. Lembra aquele dia que eu estava com dor abdominal e você pesquisou sobre os
sintomas no Google?

Leozinho balançou a cabeça e Natasha continuou.

-- Você descobriu que eu estava com cinco tipos de câncer e só tinha mais dois dias de vida.

-- Aqui estão os drinques -- Nani colocou a bandeja com os copos sobre o balcão.

-- Agora me diga, "mirífica". Diga para mim. A culpa foi minha?


-- O que é isso, Léo? -- Natasha abriu os braços, curiosa -- Se mirífica for um palavrão, eu vou te bater tanto,
tanto...

-- Tá vendo Nani como ela cruel comigo?

Natasha balançou a cabeça, levantando uma das mãos, em um gesto de incredulidade.

-- Eu até hoje não entendo o motivo do vovô ter lhe contratado, você é mais inútil que protetor solar fator 15.

-- Eu não mereço isso -- sem olhar para ela, ele se virou e saiu resmungando.

Natasha ergueu as sobrancelhas e acompanhou Leozinho se afastando com um ar levemente zombeteiro.

-- Que Bicha mais ressentida!

-- Você está radiante hoje -- comentou Talita, encostando-se ao balcão -- Até dançar, você dançou! É o efeito
Carolina?

Natasha sorriu, animada.

-- Volta e meia me belisco para ter certeza que não estou sonhando -- disse pegando o copo de cima do balcão
-- Tomara que a Carolina sinta pela ilha o mesmo que eu sinto.

-- Tenho certeza que sim, todos que conhecem esse paraíso, se apaixonam de imediato e nunca mais querem ir
embora.

-- O que é o seu caso. Não é mesmo?

-- O que é o meu caso -- Talita repetiu sorrindo.

Depois de tomar um gole da maravilhosa bebida preparada por Nani e saborear, por alguns instantes,
Natasha comentou:

-- Quero recuperar o tempo, quero passear, nadar, cavalgar, junto com ela. Quero dar tanto amor a Carolina,
que ela nunca mais vai querer ir embora.

Natasha ergueu o copo na direção de Talita, com um brilho enigmático nos olhos.

-- Ao amor desprendido.

-- Ao amor desprendido -- Talita também levantou o copo e elas brindaram. A médica teve a estranha impressão
de que elas não estavam falando sobre a mesma coisa.

Natasha olhou para ela com uma expressão divertida. Talita ficou vermelha e desviou os olhos.

-- Agora que tem certeza que Andreia é a sua irmã, o que pretende fazer?

-- Vou esperar ela vir para a ilha, depois, vou dar uma festa tão badalada, que Santa Catarina jamais esquecerá.

-- Só isso? -- Talita abriu os braços e fez um trejeito com a cabeça.

-- Como assim só isso? -- Natasha acomodou-se no banquinho próximo ao dela -- Vou dar uma suntuosa
recepção para ela. Você acha pouco?

-- Concordo que a festa é legal, mas se fosse eu... Ah, deixa pra lá... Você vai achar besteira -- ela girou em seu
banquinho e ficou de frente para o balcão.

-- Não, me fala o que faria se fosse você? -- perguntou, curiosa.

-- Já que insiste -- Talita voltou a girar o banquinho e ficar de frente para a empresária -- No seu lugar eu iria
agora mesmo até o Rio de Janeiro e bateria na porta do apartamento da sua irmã com um buquê de flores na
mão. Pronto, falei! -- Talita fez uma pausa, esperando por sua reação. Mas Natasha não disse nada,
provavelmente estava pensando a respeito -- Ah, tem mais... Eu chegaria de surpresa. Não contaria nem para a
Sibele.

Natasha ficou ali parada, pensando. Pegou o celular e, por um segundo, refletiu sobre o que fazer.

- Você tem toda razão - ela discou o número do celular de Jessye e a secretária atendeu em seguida - É a
Natasha, prepare a sua mala. Vamos para o Rio de Janeiro. Me encontre no saguão do hotel as duas horas.

Talita não conseguiu impedir um sorriso vitorioso nos lábios.

 
 

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Capítulo 16 Bravo! Bravo!...Bravíssimo! por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 16

Bravo! Bravo!...Bravíssimo!

Natasha estava animada, tomou um banho de chuveiro demorado, vestiu um jeans preto e uma camisa social
branca. Seus cabelos eram castanhos claros, desalinhados, mas nem de longe era desleixada. Era alta e magra,
porém de belas curvas naturais, olhos verdes brilhantes e misteriosos.
Antes de descer para o saguão, olhou-se no imenso espelho do quarto
e ficou satisfeita. Natasha possuía uma
beleza natural por isso, não se preocupava com sua aparência. Não usava maquilagem, seu rosto delicado e
sua boca bem feita, eram marcantes. Era realmente linda e a presença dela era notada em qualquer lugar que
fosse.
No corredor encontrou-se com Talita, a médica olhou-a de alto a baixo, revelando o seu desejo e admiração
pela empresária.
-- Natasha, você está linda! -- exclamou sem embaraço.
Natasha levantou as sobrancelhas e sorriu com todo o
seu charme Micaelense, e ela sentiu o coração a
acelerar.

vindo de uma mulher tão bela como você, é um baita elogio -- um sorriso irônico, quase de
-- Obrigada,
zombaria, cruzou-lhe os lábios.
-- Carolina vai ficar maravilhada em ter uma irmã tão bela.

-- Minha irmã é linda, mas a amaria mesmo que ela se parecesse com um gnomo -- sorriu, passando os dedos
pelos cabelos -- Olha Talita, já passei por momentos bem estressantes nessa minha vida, e raramente fiquei
abalada. Enfrentei empresários inescrupuloso, políticos poderosos, mas hoje, estou tremendo dos pés a
cabeça -- disse com uma risada sufocada -- Meu coração parece estar prestes a explodir.

-- É natural você se sentir dessa forma, afinal, você vai se encontrar com a pessoa mais importante da sua
vida.
-- Verdade, ela é a minha única família. Sangue do meu sangue, não é maravilhoso poder dizer isso?
-- Muito -- um sorriso irônico surgiu em seu belo rosto, mas passou despercebido por Natasha.

-- Vamos -- disse Natasha, com um gesto em direção ao elevador que as aguardava -- Então, vai continuar
conosco, ou não?
-- A Sibele ainda não teve tempo para conversar comigo. Ela anda bem atarefada ultimamente.

-- Quando ela voltar do Rio, pedirei para que resolva logo a sua situação. Você tem que dar continuidade a sua
vida profissional, não pode ficar tanto tempo aguardando por uma decisão.
A médica concordou acenando com a cabeça. Por isso admirava tanto a empresária. Ela respeitava o trabalho
de todos, desde o porteiro até o seu gerente de confiança. Todos eram parceiros e precisavam ser
respeitados.
O elevador se abriu no primeiro andar e a figura de Leozinho dirigiu-se até ela.
-- Você não pode simplesmente largar tudo e ir atrás da enferrujada -- Leozinho
cruzou os braços sobre o
peito -- E ainda por cima, sem me avisar. Que desaforo!
Ela parou por um instante e encarou o secretário sem acreditar no que estava ouvindo.
-- Eu só posso, estar ouvindo coisas. Tá a fim de aprender a voar é? Olha que te jogo pela janela -- disse
ríspida -- Como soube que eu estou indo para o Rio?

no banheiro para fazer xixi e o rapaz da manutenção
-- A chefe nem faz ideia como foi difícil descobrir, entrei
me contou.
-- Droga! Era para ninguém ficar sabendo.

-- Não se preocupe, só eu e torcida do Flamengo que estamos sabendo.


-- Engraçadinho -- Natasha saiu pisando firme, nem olhou para trás.
--Tudo por causa daquela ruiva sardenta -- resmungou Leozinho.

Talita riu alto.


-- Você cisma com
ela. Por que isso?

um ar pensativo -- Prefiro nem pensar muito a respeito.
-- Não sei ao certo -- disse o rapaz com

Andreia não conseguiu reprimir um suspiro ao olhar as vitrines das lojas com etiquetas famosas e preços
exorbitantes. Seu guarda-roupa precisava ser renovado com urgência. As roupas que comprara nos Estados
Unidos não combinavam com o clima quente do Brasil.

-- Vai ser divertido comprar roupas novas -- Sidney andava rápido pelos corredores do shopping, olhando de
loja em loja.
-- Divertido, só se for para você -- ela acelerou o passo para alcançá-lo -- Não posso ficar usando o meu cartão
de crédito de forma irresponsável, não sei se vou conseguir pagar.
-- Larga de ser coitadinha. A partir de amanhã você vai ser um Falcão. Essa comprinha aqui, não vai nem fazer
cosquinhas no seu bolso.
-- Não te entendo, Sid. Você era totalmente contra essa armação e agora está aí todo feliz e empolgado em ir
para a ilha.
-- Como não
ficaria, meu amor. Aquela ilha da fantasia é o sonho de todo mortal -- Sidney deu um gritinho e
puxou Andreia para dentro de uma boutique -- Que biquíni divino! Olha só, meu Deus!
Uma moça alta, muito bem maquiada e elegante foi recepcioná-los.

-- Boa tarde! Posso ajudá-los? -- a vendedora olhou para eles com um pouco de desconfiança.
-- Minha amiga precisa renovar o guarda-roupa. Biquínis, vestidos, jeans, shortinhos...
-- Tudo bem -- disse a moça -- Por aqui, por favor.
A vendedora os guiou até o setor feminino e apontou para uma arara abarrotado de vestidos.
-- Esses vestidos são...
-- Péraí, lindona -- Sidney tocou no braço dela -- Por que aquelas peruas estão sendo levadas para aquele lado
e nós fomos trazidos para esse?
-- Aquele setor é reservado, para as clientes especiais. Da elite privilegiada -- a moça olhou sorrindo em
direção ao setor das madames -- O resto da loja é aberto ao público.
-- Por que essa discriminação? -- perguntou, Andreia -- Só porque elas são da alta sociedade?
-- Não é discriminação. É para que elas possam examinar mais de perto os vestidos cuja assinatura são de
estilistas famosos.
Sidney ficou indignado.
-- Vem comigo -- segurou a mão da amiga e a puxou.
-- Onde vamos? -- Andreia perguntou, assustada.
-- Ei, esperem. Vocês não podem entrar nesse setor -- a vendedora foi atrás deles.
-- Vamos dar uma lição nessa lambisgoia.
-- Não faça isso, Sidney. Vamos embora -- implorou Andreia, vermelha de vergonha.
-- Não mesmo! Ela está pensando o que? Que vai humilhar a gente e simplesmente ficar por isso?
A vendedora parou diante de Sidney, perto o bastante para que ele ouvisse o bufar de raiva dela.
-- Me desculpa, mas os artigos desse departamento não vão interessar a vocês -- a moça insistiu -- São peças
mantidas guardadas, quase como um tesouro, para serem mostrados primeiro para as clientes vip. São
caríssimas e com certeza...
-- Que tal se nós mesmos decidirmos isso? -- Sidney encarou ela com as mãos na cintura.
Andreia estava morta de vergonha com aquela discussão descabida. Mas encontrou forças para exclamar,
baixinho:
-- Desculpa, moça. Nós já estamos indo -- Andreia segurou o braço de Sidney -- Vamos, não vale a pena todo
esse estresse.
-- Que ódio! -- Sidney saiu da loja pisando pesado -- Você é dona de um hotel em Copacabana. Que falta de
respeito!
-- Nós tínhamos, um hotel em Copacabana, Sid. Hoje não temos mais nada -- Andreia colocou a mão sobre o
ombro do rapaz -- Mas, não pense que estou triste por não poder comprar roupas de grife, isso é o que
menos importa. A única coisa que me importa nesse momento é a saúde do meu pai. Isso sim é que me deixa
triste e revoltada.

Marcela e Sibele estavam deitadas na cama, os cabelos negros espalhados pelos ombros da médica. Marcela,
perdida em pensamentos, passava a mão pelo rosto dela.
-- No que está pensando? -- Sibele, perguntou.
Marcela se virou de lado e olhou para ela como se não tivesse ouvido a pergunta.
-- O que falou?
-- Perguntei sobre o que está pensando. Está tão calada.
-- Estou pensando no que Vanderlei falou sobre a personalidade da Natasha. Será que a Andreia vai suportar
a pressão?
-- Acho que sim -- Sibele beijou os cabelos de Marcela, gesto gentil, que fez a moça sorrir.
Nenhuma delas falou. O silêncio se estendeu por minutos, até que Sibele pigarreou nervosamente.
-- Tenho uma coisa muito importante para te contar.
Marcela levantou a cabeça do ombro da médica. Ela percebeu que a voz dela estava tensa ao falar e o rosto
assumiu uma aparência de preocupação.
-- O que está acontecendo, afinal? -- seus olhos castanhos examinaram Sibele com ansiedade.
Ela suspirou fundo antes de falar. Era uma notícia simplesmente aterradora!
-- Andreia está grávida.
Marcela arregalou os olhos ao perceber o que ela dizia. A caçula dos Dias começou a rir, sem saber se
acreditava em Sibele ou não.
-- Você só pode estar brincando! -- O tom de Marcela exprimia profunda surpresa -- Andreia grávida, isso é
absurdo!
-- Absurdo ou não, é a mais pura verdade -- ela confirmou e fez uma careta.
-- Será que ela sabe?
-- Andreia provavelmente não sabe. Para adulterar o resultado do exame de DNA, a funcionária do laboratório
analisou o sangue de sua irmã. Ela detectou hormona no sangue dela.
-- O que é hormona?
-- HCG é a sigla utilizada para denominar a hormona (hormônio em português do Brasil) gonadotrofina
coriônica humana. Esta hormona é produzida pelo corpo da mulher exclusivamente quando existe uma
gravidez. Por esta razão, esta hormona é o principal marcador utilizado pelos testes de gravidez para detetar
se existe ou não uma gestação. Ou seja, o teste de gravidez detecta se há presença de HCG na urina ou no
sangue.
Marcela encarou-a, atônita.
-- Vamos contar para ela?
-- De jeito algum! -- ela afirmou duramente -- Ao menos por enquanto.
Marcela sentou-se na cama, encostada na cabeceira.
-- Não sei, acho melhor contar -- ela disse, hesitante -- Andreia vai ficar uma fera se descobrir que sabíamos e
não falamos para ela.
-- Pensa bem, Marcela. Se a Andreia descobrir que está grávida, ela pode querer desistir do plano.
-- Sim, é provável, mas não vai levar muito tempo até que ela descubra.
Marcela estava preocupada, e tentou sorrir, passando a mão pelos cabelos castanhos.
Sibele a puxou para si e a beijou brevemente.
-- Depois que estivermos na ilha, ela não vai ter como voltar atrás. Estando grávida, Andreia não vai desistir e
correr o risco de responder processo por crime de falsidade ideológica -- Sibele curvou-se e aproximou sua
boca dos lábios dela -- Não se preocupe, no momento oportuno nós contamos.
Marcela relaxou, mas só um pouco.
-- Quem será o pai dessa criança? Andreia não comentou sobre nenhum homem -- Marcela voltou a deitar a
cabeça sobre o ombro de Sibele e fechar os olhos -- Se bem que ela sempre foi muito discreta em seus
relacionamentos -- ela riu. Todo o seu rosto se iluminou -- Além de uma irmã, Natasha vai ganhar um sobrinho.

Sidney jogou as bolsa de compras sobre a poltrona e se virou para Andreia.


-- De quem é essa mala de viagem jogada aqui no chão?
Andreia balançou a cabeça.
-- Deve ser da Sibele. A Marcela falou que ela vai viajar amanhã cedo para Santa Catarina.
-- Hum, bem discreta, uma mala cor-de-rosa -- ironizou.
-- Ao menos todos sabem que é dela -- comentou, Andreia -- Não tem como confundir.
-- Verdade. Será que elas estão em casa?
-- Acho que não. As duas saíram para se encontrar com o detetive Vanderlei. A conversa provavelmente vai ser
longa -- Andreia abriu uma das bolsas e retirou um biquíni -- Adorei esse modelo, achei lindo. Mal posso
esperar para usar.
-- É maravilhoso. Você vai ficar uma deusa dentro desse... Agora eu estou na dúvida se você vai ficar dentro do
biquíni ou, o biquíni vai ficar dentro de você.
Andreia corou e olhou furiosa para ele. Ele soltou um risinho, se divertindo.
-- Nem é tão pequeno assim, seu, boca grande.
-- Então coloca. Vamos ver se é ou não pequeno.
Andreia olhou para ele com um certo ar de indecisão. Até que concordou:
-- Tá bom! Já volto.

Enquanto o carro percorria silenciosamente as ruas molhadas do Rio de Janeiro, Natasha tentava organizar
seus pensamentos.
-- Quer dizer que a Carolina mora com a irmã?
-- Eu liguei para o Hotel Blue Sea dizendo que tinha um assunto muito importante a tratar com a Andreia Dias.
Depois de muita insistência o funcionário me passou o endereço e disse que o apartamento pertence à
Marcela Dias, irmã adotiva da Andreia.
-- Aqueles dois incompetentes não me falaram que ela tem uma irmã. Muito menos que mora com ela. Quando
eu voltar a ilha, vou mandar fazer uma autópsia do cérebro dos dois.
Jessye riu.
-- Seja mais compreensiva, Natasha. Eles não são detetives e talvez não tenham achado esse detalhe
importante.
-- E que detalhe, hein! -- As duas ficaram em silêncio por um momento. Natasha olhou para fora, caía uma
chuva fininha, molhando o calçadão, da praia de Copacabana -- Você fez reservas para o mesmo hotel que a
Sibele está hospedada?
-- Sim, chefe. Ela está hospedada no Windsor Marapendi, na Barra da Tijuca.
-- Vou aproveitar e conversar com ela sobre o senhor Fábio Dias. Você não falou que viríamos, não é mesmo?
-- Fiz tudo como você pediu. Não falei para ninguém, apesar de o Leozinho ter descoberto.
-- O importante é que a Carolina não sabe -- Natasha estalou os dedos, lembrando de algo -- Falando nisso,
enquanto eu converso com a Carolina, quero que você faça uma visita ao Hotel Blue Sea. Conversa com os
funcionários, tenta sentir o clima e descobrir alguma novidade.
Jessye apenas fez um ligeiro gesto de cabeça, concordando. Era o tipo de trabalho que adorava fazer e sentia-
se feliz pela oportunidade.
Percorreram em silêncio o resto do trajeto até o hotel. Natasha estava mergulhada em seu passado, em seus
pais e seus avós. Onde quer que eles estejam, devem estar felizes com a felicidade dela. Eles a amavam tanto!
Viveria esse presente e abraçaria essa felicidade toda, em homenagem a eles.
O motorista manobrou e estacionou o táxi em frente ao elegante prédio em Copacabana. Natasha abriu a
porta e saiu do carro aquecido, para a chuva gelada.
Parou diante do prédio e hesitou um instante antes de atravessar a porta de vidro. Ela deu um passo adiante,
olhando em volta. Assim que sua figura delgada apontou dentro da recepção, imediatamente atraiu a atenção
de todos. A empresária elegante e sexy, de 1,75 m, era incrivelmente bonita. Virou-se para a esquerda e viu o
balcão de recepção com sua simpática recepcionista.
-- Boa noite -- a moça sorriu para ela -- Posso ajudá-la?
-- Boa noite. Me chamo Natasha Falcão sou...
-- A irmã da dona Andreia! -- a moça disse empolgada.
Natasha ergueu uma das sobrancelhas. A recepcionista continuou a falar:
-- Eu acompanhei toda a história pela mídia. Confesso que torci e rezei para que você encontrasse a sua irmã.
-- Obrigada! -- Natasha agradeceu, com sinceridade.
-- Quem poderia imaginar que ela estaria aqui tão pertinho. Só por Deus, mesmo!
-- Só por Deus -- repetiu, Natasha -- Poderia me anunciar, por favor.
-- Claro, com todo prazer -- a moça apertou o botão do interfone e aguardou alguém atender.
-- Aqui é a Andreia -- respondeu a voz aveludada do outro lado do aparelho -- Pode falar.
Natasha ficou emocionada só de ouvir a voz de Carolina.
-- A sua irmã está aqui na recepção pedindo autorização para subir. Posso permitir?
-- Claro que pode. Por que ela não poderia subir? Não precisa nem perguntar -- Andreia desligou, virou-se e
fez uma careta para o amigo -- Marcela parece louca, desde quando ela precisa pedir autorização para entrar
em seu próprio apartamento?
-- Deixa ela pra lá, aquelas duas devem estar bêbadas -- Sidney a empurrou pelo ombro até o corredor -- Esse
biquíni ficou maravilhoso, agora coloca o verdinho água. Tenho certeza que vai superar todos os outros.
Andreia atendeu ao pedido do amigo e depois de algum tempo, retornou a sala como se fosse uma modelo
caminhando pelo tablado.
-- Bravo! Bravo!...Bravíssimo! -- gritou Sidney, aplaudindo com entusiasmo.
-- Viu só? Não lhe disse que tudo daria certo? Não precisamos gastar uma fortuna para ficarmos bonitos,
basta ter bom gosto.
-- Para quem tem um corpinho esculpido pelos deuses, como o seu, é fácil, né querida. Quero ver é alguém
dizer isso com um corpinho talhado a facão como o meu.
-- Oh, muito engraçado! -- ela rebateu, sorrindo -- Sidney, me diga como vou andar pela ilha vestida com esse
ban-aid? Se eu bobear, acabo ficando nua.
-- Não se preocupe! Você fará um enorme sucesso! -- garantiu, Sidney -- O máximo que pode acontecer é os
seus lindos seios pularem para fora -- disse, rindo alto.
A campainha tocou. Andreia olhou para o Sidney irritada.
-- A cabeça dura sequer levou a chave -- pensando assim, abriu a porta em um repente -- Sua cabeça de... --
Andreia perdeu o ar e precisou se apoiar na porta -- Você!

Créditos:
http://www.ficargravida.com/2012/05/o-que-e-hcg.html

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Ê
Capítulo 17 VOCÊ NUNCA ERROU POR AMOR? por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 17

Você nunca errou por amor?

Sob a luz difusa do corredor, Natasha parecia uma visão. O cabelo castanho comprido à altura do ombro, a
pele aveludada do rosto e algo misterioso na sua expressão, fez com que Andreia tremesse e se segurasse
ainda mais forte a porta. Ela Assemelhava-se a uma gata siamesa de lindos olhos verdes e o sorriso que
formavam covinhas fofas nas bochechas.

Sua presença era tão avassaladora e dominante, que fez com que Andreia sentisse uma súbita sensação de
pânico, um desejo ardente de fechar novamente a porta. Sentiu um gosto amargo na boca. Muito nervosa, fez
um grande esforço para se controlar. Então, ela finalmente ia conhecer Natasha Falcão!

Natasha ficou parada, olhando para ela com ar abobalhado. Estava tão emocionada que seus olhos ficaram
úmidos. Era sua irmã, não tinha como se enganar. Carolina não tinha nenhuma semelhança com ela, o que
desde criança sempre intrigava os estranhos. Aqueles olhos castanhos brilhantes e os fartos cabelos ruivos
eram herança de Ângela, a querida mãe.

Natasha inclinou-se em direção à porta aberta, os olhos molhados e tempestuosos fitaram Andreia com
carinho.

-- Posso entrar? -- perguntou, receosa, avaliando o rosto da irmã por alguns segundos -- Ou vai bater a porta
na minha cara?

-- Estou surpresa -- disse ela, ignorando a pergunta e enfatizando a ausência de boas maneiras. No entanto,
ser educada era a menor de suas preocupações no momento. Não quando aquele sotaque soava como um
Fado encantado e hipnotizante.

-- Acho que vai bater a porta na minha cara -- Natasha riu, um riso seco, um som baixo que pareceu ressoar
diretamente nos ouvidos de Andreia.

-- Ai meu Deus! Desculpa! -- ela inspirou profundamente e despejou as palavras -- Entra, como eu sou
desligada.

-- Obrigada -- Natasha, agradeceu com o olhar passeando pelo corpo de Andreia, desde os olhos e seguindo
uma trilha por suas curvas, passando pelas pernas e chegando até as sandálias de salto que ela usava. E
fazendo todo o caminho de volta -- Você costuma ir a praia de salto alto? -- disse ela, os cantos da boca
elevando-se em um sorriso maroto.

Somente naquele momento, Andreia se deu conta que estava usando apenas um biquíni. As faces pálidas da
ruiva ficaram vermelhas na hora. Ela olhou para Natasha com os olhos arregalados, assustada por se sentir
praticamente nua dentro daquela peça minúscula.

-- Ah, é que eu... -- ela gaguejava e corava -- Jesus! Isso é muito embaraçoso. Vou até meu quarto colocar uma
roupa.

-- Não -- Natasha foi até ela e segurou seu braço -- Espera um pouco.

Andreia mordiscou o lábio superior lentamente.

-- Fala -- pediu, lutando para manter a voz neutra.

-- Eu nunca deixei de acreditar que você estava viva -- confessou Natasha -- Não sei explicar o porque, só sei
que eu sentia em meu coração. Você entende?

Andreia entendia, estava evidente nos olhos da empresária o desejo que tinha de encontrar a irmã e, isso
doeu demais nela.

-- Eu entendo.

Seus olhares se cruzaram, e as duas permaneceram longo tempo como que hipnotizadas, se contemplando.

-- Posso lhe dar um abraço?

Andreia sentia-se como se o ar fosse lhe faltar. Uma coisa era ficar de biquíni em frente a mulher de olhos
verdes misteriosos, e outra, era imaginar-se nua abraçada a ela.
-- Posso? -- Natasha repetiu o pedido.

-- Pode -- ela concordou timidamente.

Natasha enlaçou Andreia em um abraço caloroso e apertado. As mãos macias lhe tocaram a pele nua e alva. A
ruiva não podia acreditar que havia concordado com esta mentira. Mas agora era tarde demais para voltar
atrás. Deixou-se abraçar, no início tesa, retraída, mas aos poucos foi aconchegando-se naqueles braços
reconfortantes, quentes e fortes. Nunca havia recebido um abraço tão gostoso, tão verdadeiro como aquele.

Natasha fechou os olhos, saboreando o calor que emanava do corpo de Andreia. Inalou o doce perfume dela
e sentiu todos os fantasmas do passado irem embora. A paz a rodeava. Com certeza, naquele momento, ela
deu um passo em direção ao céu.

Andreia escutou o leve ruído de Sidney por cima dos ombros de Natasha e abriu os olhos. Ele gesticulava,
fazia caretas desesperadas, arrancava cabelos e finalmente, apontou para a mala rosa da Sibele que estava no
chão da sala.

Andreia estremeceu. Caso Natasha visse a mala, poderia facilmente reconhecê-la como sendo a de Sibele.
Então, tinha que pensar rápido em uma saída estratégica.

Saindo daquele abraço apertado, Andreia tornou-se a própria reencarnação da irmã desaparecida. Ela afastou
o encantamento e se concentrou no plano.

-- Obrigada por nunca ter desistido de mim -- declarou enquanto beijava carinhosamente o rosto de Natasha --
Isso demonstra o quanto me ama. É tão bom sentir-se amada dessa forma.

Andreia olhou de relance para Sidney, ele permanecia em pé escondendo a mala atrás das pernas, aguardando
uma oportunidade de arrastá-la para o quarto.

-- Eu te amo muito, minha bonequinha -- Natasha não pôde deixar de retribuir com um beijo carinhoso no
rosto da irmã -- Lógico que você não se lembra, mas era assim que eu te chamava -- quando era criança,
Carolina chegava a sofrer bullying devido as suas sardas e aos cabelos ruivos rebeldes. Mas agora, aquele
brilho tímido no olhar, aqueles cabelos volumosos e macios, eram o exemplo clássico de como o tempo faz
bem a algumas pessoas. Ela se tornou uma mulher linda -- Temos muito o que conversar, quero saber de tudo
o que se passou em sua vida nesses vinte e poucos anos -- Natasha falava animada -- Papai e mamãe devem
estar muito felizes com o nosso encontro.

-- Nós teremos todo o tempo do mundo para conversar. Quero que me conte tudo sobre os nossos pais, tudo
sobre você -- Andreia se inclinou na direção dela, abriu os braços e sorriu -- Mas no momento, eu quero mais
um abraço e um aconchego que só os irmãos podem dar.

Natasha sorriu, emocionada com aquela amável recepção. A irmã aproximou-se e ela abraçou-a.

Sidney percebeu que era a deixa para ele agir. Com cuidado, arrastou a mala de Sibele até o corredor.

-- Sidney?

O chamado brusco soou da porta do quarto. Sidney estremeceu ao ouvir a voz de Sibele.

-- Aiii... Meu Deus! -- Sidney levou um susto, e colocou a mão sobre a boca -- O que faz aqui. Pensei que
estivessem com o detetive Vanderlei.

-- Estávamos com ele, mas a conversa foi rápida e voltamos cedo para o apartamento -- Sibele olhou para a
mala e depois para ele -- O que você está aprontando? Aonde vai com a minha mala?

-- Fique sabendo que estou salvando a sua pele -- disse zangado -- Espia quem está lá na sala. Mas, toma
cuidado para não ser vista.

Sibele espiou pela fresta da porta, quando seus olhos pousaram sobre a mulher que, em pé, conversava de
perto com Andreia. O sangue fugiu-lhe completamente do rosto. E só a muito custo conseguiu dominar o
pânico.

-- Natasha -- ela pronunciou o nome da chefe como se achasse que tinha visto um fantasma.

-- Ela mesma. Em carne e osso -- Sidney encostou a porta lentamente e se virou para a médica -- Não fique aí
parada como uma idiota! Chama a Marcela para ajudar a Andreia.

-- Ajudar em que? -- Sibele sorriu trêmula, muito agitada, muito nervosa -- Ela pareceu estar bem à vontade,
agarrada à Natasha daquele jeito... A respeito da questão, que mal lhe pergunte, por que ela está vestida com
aquele look extravagante de biquíni fio dental e sapato de salto alto? Andreia está pensando que é a Lady
Gaga?

-- O que está acontecendo? -- Marcela saiu do quarto e fechou a porta ruidosamente atrás de si -- O que vocês
fazem a essa hora, discutindo aqui no corredor?
-- Fala baixo! A Natasha está lá na sala com a Andreia -- o desespero estava estampado nas feições suaves do
rosto atraente da médica.

-- Meu Deus! -- muito pálida, Marcela levou as mãos às têmporas, pensando que fosse desmaiar -- Ela
descobriu algo? Desconfiou que a Andreia não é a Carolina?

-- Calma! -- pediu Sidney -- A Andreia está se saindo muito bem como Carolina Falcão.

Sibele teve um lampejo e lembrou-se de ter deixado o endereço do hotel Windsor Marapendi com a secretária
da Natasha.

-- Eu preciso ir agora mesmo para a Barra da Tijuca.

-- Por que, Sibele? -- Marcela perguntou, estranhando seu comportamento.

-- A Natasha vai me procurar no Windsor Marapendi, eu tenho certeza disso.

-- Droga! O que faremos, agora?

-- Que tal se você começar tirando a sua irmã dessa situação constrangedora? -- Sidney abriu a porta e deu
mais uma espiadinha pela fresta -- Olha lá. A coitada está sentada no sofá toda sem jeito.

-- Eu vou tentar levar a Natasha para a cozinha. Enquanto isso você dá um jeito de sair do apartamento e a
Andreia de colocar uma roupa decente.

Sibele concordou prontamente.

Na sala, Andreia analisava os olhos de Natasha, pensando sobre como era lindo o tom de verde deles.

-- Carol... Carol...

-- Hum, fala Natasha -- ela falou, boquiaberta, segurando a mão de Natasha, ainda abismada, imaginando-se
diante de uma visão.

-- Nós a procuramos por quase todo o país. Depois de tanto tempo de buscas, todos acreditavam que você
havia morrido. Mas no fundo do coração eu mantinha a esperança de que você estava viva.

-- E você estava certa.

-- O senhor Fábio não devia ter feito o que fez. Ele cometeu um crime, um crime muito grave -- uma sombra de
tristeza passou pelos luminosos olhos verdes -- Perdemos vinte e poucos anos de uma convivência feliz.
Podíamos ter cuidado uma da outra, crescido juntas.

-- O destino quis assim, Natasha. Não podemos mudar o passado mais devemos aproveitar o presente. Nem
tão pouco devemos julgar e condenar as pessoas pelo que elas foram no passado, e nem basear-se nele para
tirar conclusões. Existem pessoas que se arrependem, mudam e encaram seus erros passados como uma
lição de vida. Eu mesmo posso dizer isso. Jamais quero cometer os mesmos erros que cometi no meu passado
-- Andreia lembrou-se da frase citada por Caio Abreu: "Pobre menina, dava conselhos que nem ela mesma
seguia." Com esse pensamento o rosto de Andreia enrubesceu mais uma vez. No entanto, forçou-se a ficar
firme -- Meus pais adotivos erraram, isso é fato, mas, você nunca errou por amor?

-- Você está parecendo a Elisa -- Natasha não pode deixar de rir.

-- Quem é a Elisa?

-- Você não vai lembrar. Elisa foi a nossa babá. Foi ela quem comprou a nossa primeira roupinha, deu o
primeiro banho na maternidade e os primeiros em casa. Trocava as fraldas, brincava, ia ao mercado e fazia
todas as papinhas. Ela foi fundamental em nossa criação. Elisa é médium e sempre vem com esses conselhos.
Geralmente frases de Chico Xavier. Nesse momento ela diria: "Quem errou por amor já está no caminho do
acerto." -- ela sorriu novamente -- E respondendo a sua pergunta: Sim, eu já errei por amor... e várias vezes...
especialmente com as mulheres. Por isso, por hora, vou deixar esse assunto para resolver depois.

Andreia agradeceu com um sorriso, mas o sorriso morreu-lhe nos lábios quando Marcela entrou na sala e a
olhou preocupada.

Ela entrou em silêncio, mas a tensão entre ambas estava presente. Uma apreensão que Natasha percebeu, mas
não comentou.

-- Boa noite! -- Marcela se pegou muito envergonhada. Sentiu-se corar da cabeça aos pés e viu que isso não
passou despercebido pela empresária.

-- Boa noite! -- Natasha respondeu, com um leve sorriso.

A empresária respondeu, boa noite, com um sotaque tão irresistível, que fez Marcela sentir-se como se
milhares de borboletas tivessem invadido o seu estômago. Ela pigarreou discretamente chamando a atenção
de Andreia.

-- Ah, que falta de educação! -- Andreia se levantou do sofá e caminhou até Natasha -- Essa é a Marcela, a
minha irmã.

Marcela não conseguiu se mover. Natasha se aproximou, a mão estendida para cumprimentá-la. A irmã adotiva
de Andreia controlou suas emoções e se forçou a corresponder ao caloroso aperto de mãos.

-- É um prazer conhecer a irmã de Carolina -- Natasha olhou-a de alto a baixo, revelando sua admiração.

-- Obrigada -- ela murmurou, quase que para si mesma -- Que tal se tomarmos um café? -- Marcela perguntou e,
sem esperar pela resposta pegou Natasha pelo braço. Ela teve tempo de observar o leve sorriso fugindo dos
lábios de Andreia, os olhos brilhando com uma ponta de contrariedade -- Minha irmã precisa se vestir --
gesticulou para ela.

Natasha olhou para Andreia como se pedisse a sua opinião. Andreia parou diante dela, sorriu e a incentivou:

-- Vai lá, eu logo volto -- prometeu.

Sem maiores considerações, ela seguiu Marcela até a cozinha. O cômodo era bem iluminado, elegante e
acolhedor. As janelas do apartamento pelo qual passou ofereciam uma vista magnífica da cidade, da praia e o
Forte de Copacabana.

Com as mãos nos bolsos dianteiros das calças, ela observava Marcela de cima a baixo. Sem dúvida, era uma
mulher atraente, morena clara, muito feminina. Marcela merecia um elogio, mas pela primeira vez, ela não
conseguiu dizer nada. Mesmo que adotiva, ela era a irmã de Carolina, por isso, manteria distância.

-- Teve alguma dificuldade para encontrar o nosso prédio? -- ela perguntou, no mesmo instante em que ligava a
cafeteira.

-- Não. Na verdade foi bem fácil. Vim de táxi, isso facilita muito.

-- Com certeza -- Marcela pegou duas xícaras e um prato com bolo.

-- Espere -- Natasha pediu -- Deixe que eu a ajude.

Assim que Natasha chegou mais perto, Marcela pôde sentir a deliciosa fragrância do perfume que ela usava
invadir-lhe as narinas, deixando-a levemente entorpecida.

-- Obrigada. Vamos sentar? -- Marcela convidou -- Quero que prove esse bolo de cenoura. Fui eu que fiz --
disse orgulhosa.

-- Pelo jeito, é uma mulher de muitas qualidades! -- Natasha comentou, observando o corpo perfeito de
Marcela.

Marcela sorriu.

-- Prove e seja sincera.

Natasha se instalou à mesa de madeira escura e Marcela se sentou à sua frente. Quando estava levando o
primeiro pedaço de bolo à boca, ouviu um barulho alto vindo da sala.

-- O que foi isso? -- Natasha imediatamente se pôs de pé -- Acho melhor irmos ver o que aconteceu -- ela
sugeriu e a voz soou preocupada.

Nervosa e sem saber o que fazer, Marcela olhou assustada para Natasha.

Créditos:

http://averdadeiraessenciadoamor.blogspot.com.br/2012/04/nao-devemos-julgar-as-pessoas-pelo-que.html

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Capítulo 18 ESTOU SENDO INCOVENIENTE? por Vandinha
                     CAPÍTULO 18 -- ESTOU SENDO INCONVENIENTE?

Marcela segurou Natasha pelo braço.


-- É o Sidney. Ele é um desastrado de primeira. Deve ter derrubado alguma coisa lá na sala.  
Natasha deu de ombros e voltou a sentar-se. Marcela colocou uma fatia de bolo em um pratinho
e deu para a
empresária.
-- Prova e depois me diz se não é o bolo mais gostoso que você comeu em toda a sua vida -- Marcela abriu um
sorriso largo e sentou-se ao lado dela sem cerimonias.

Sibele afogou um grito tapando a boca com a mão. Sentiu uma dor aguda, provocada pela mala que caiu sobre
o seu pé.
-- Seu desastrado! Olha só o que você fez -- Sibele berrou para Sidney -- Deve ter amassado o meu pé.
-- Fala baixo -- o rapaz grunhiu, olhando para a porta da cozinha -- Quer que a Natasha escute e venha
até
aqui?
-- Vou te encher a cara de bolachas -- Sibele falou alto demais -- Que dor, meu Deus!
-- Acho melhor você sair daqui rapidinho -- ele tapou a boca dela com a mão e a empurrou
até a porta -- Antes
que a vaca vá pro brejo.
A médica saiu porta afora arrastando a mala, mancando e gemendo de dor.
-- O que aconteceu Sidney? -- Andreia retornou vestindo uma bermuda jeans
e uma blusinha de alças bem
finas -- Ouvi o barulho de algo pesado caindo.
O rapaz estava encostado na soleira da porta, rindo. Rindo com tanta intensidade que havia lágrimas em seus
olhos. O riso dele acalmou o pânico que Andreia sentia.
-- Derrubei a mala sobre o pé da Sibele. Acho até que fraturou -- Sidney ria enquanto falava.
-- Não ria da desgraça alheia -- Andreia o repreendeu, mas também ria.

-- Impossível não rir da cena. Principalmente se tratando daquela esnobe


irritante de mente diabólica.
-- Quem é a irritante de mente diabólica? -- Natasha estava com um braço apoiado no umbral da porta da

cozinha. Apenas algumas palavras que, ditas com aquele lindo sotaque açoriano, soavam como uma ameaça.
Sidney ficou nervoso e precisou pensar muito antes de responder.

-- E... es... tava, falando do filme Mente Diabólica. Dizia para Andreia que Babee começou a ajudar Vera, esposa
de Keith, e os dois se sentem fortemente atraídos. Porém, Keith está fingindo pois tudo não passa de um
plano diabólico e audacioso de vingança...
Com os ombros eretos e as mãos nos bolsos, Natasha olhou para o rosto vermelho dele, por segundos, o
silêncio só foi interrompido pelo riso comedido de Andreia.
-- Você já deve o conhecer pela internet, mas mesmo assim quero apresentar meu amigo, Sidney.
Frequentamos a mesma faculdade nos Estados Unidos. Ele é a pessoa mais maravilhosa que conheci até hoje.
-- Muito prazer -- ele disse, e estendeu uma das mãos a fim de cumprimentá-la.

Natasha permaneceu com as mãos nos bolsos. Não moveu um músculo.

Andreia intercedeu ao perceber que ela estava muito séria, com os olhos verdes chispando. Ela achou
espantoso Natasha estar risonha e amável num momento, para logo depois se mostrar tão ranzinza. Com o
semblante fechado, justificando o que se dizia sobre ela.
-- Ele me ajudou muito a aliviar os temores de viver em um país estranho. Estava apavorada e sozinha, sem ter
ninguém para conversar -- Andreia observou que o olhar, quente e amigável, finalmente voltou aos olhos de
Natasha e tudo o que ela pôde fazer foi lembrar-se de respirar -- Gostaria que os meus amigos fossem os seus
amigos -- ela disse timidamente, mas de forma amável.
Natasha hesitou um pouco antes de tocar a mão dele. Porém, lembrou a si mesma que desejava o mesmo de
Carolina. Que seus amigos fossem os dela, então, deslizou a mão sobre a palma quente da mão dele e apertou
com força exagerada.
Sidney fez uma careta
e gemeu.
-- Desculpa pela força. Puro hábito -- ela disse; recolhendo a mão que havia estendido.
Mesmo assustado, Sidney assentiu com um gesto de cabeça.
Natasha dirigiu um olhar indecifrável para Andreia e sentou-se no sofá. Em pé, perto da janela, a ruiva
observava Natasha atentamente com o coração transbordado de receios.
-- Eu vim buscar você -- ela disse ajeitando-se entre as almofadas e esticando
as pernas -- Seu lugar é junto
comigo, na Ilha do Falcão.
Andreia franziu ligeiramente
a testa e sentou-se ao lado dela no sofá.

-- Tem uma coisa que eu não te contei, Natasha. Meu pai adotivo está internado e o estado dele é grave. Não
posso simplesmente largar ele aqui e ir embora com você. Eu amo muito o meu pai e estou vivendo momentos
de dor e desespero. Estou sofrendo por conta desta doença e nem consigo pensar no pior.
Natasha estava pouco se lixando para a doença de Fábio Dias. Para ela, ele era apenas o cara que roubou a
sua irmã, porém, aquele era o território onde sabia como agir e o que fazer. Tinha que agir com a razão e agir
com a razão nesse caso seria pensar no amanhã, nas consequências de uma decisão. Era uma estupenda
negociadora, suas estratégias sempre surtiam efeito. Por isso...
-- Eu entendo perfeitamente -- Natasha abaixou a cabeça numa atitude
que não lhe era habitual -- Quando você
poderá ir para a ilha?
-- Assim que a cirurgia
for feita e ele estiver fora de perigo -- as sobrancelhas de Natasha se ergueram, e
Andreia, com carinho, segurou-lhe uma das mãos -- Meu desejo era de ir hoje mesmo com você para a ilha,
acredite -- falou com suavidade, enquanto acariciava as mãos dela -- Porém, não será possível.
Natasha levou a mão dela até os lábios e a beijou.
-- Eu vou cuidar de você, minha bonequinha -- com toques suaves de seus lábios, ela beijou cada um de seus
dedos -- Não se preocupe.
Sidney suspirou fundo de emoção e colocou as mãos delicadamente sobre os ombros de Marcela.
-- Que lindo! -- sussurrou.
-- Preciso ir -- Natasha levantou-se devagar -- Amanhã as nove estarei aqui. Vamos dar um pequeno passeio.
Andreia também se levantou, num consentimento mudo, e seu rosto ficou de repente triste, mas não fez
nenhum comentário. Natasha percebeu e ficou desapontada. Talvez sua presença na vida de Carolina não
fosse motivo de felicidade como pensara que fosse.
-- Estou sendo inconveniente? Você prefere que eu não venha? -- ela perguntou com uma estranha entonação
de dúvida e expectativa.
Andreia ficou desconcertada com aquela pergunta. Não eram emoções morais autoconscientes como culpa,
vergonha, arrependimento, que estava sentindo. Eram emoções bem mais surpreendentes.
-- Por favor, você não está sendo inconveniente. Eu... eu não -- ela parou, corando violentamente -- Na
verdade, estou triste. Não queria que fosse embora -- a medida que os minutos foram passando, Andreia foi
se sentindo cada vez mais próxima daquela linda mulher que deveria por força das circunstancias, chamar de
irmã. Perto dela, sentia-se estranhamente protegida, segura e confiante. Tinha sido assim desde o momento
que Natasha a abraçou com tanto calor.
-- Sinto-me mais tranquila e muito feliz. Hoje foi apenas o nosso primeiro encontro, com o tempo vamos nos
conhecer melhor. Então, vamos deixar as coisas fluírem, sem pressa, sem achismo, sem conclusões
precipitadas e sem cobranças -- Natasha sorriu e deu-lhe um beijo rápido na bochecha -- Preciso mesmo ir. Já
é muito tarde e você deve estar cansada.
-- Tá certo. Vou descansar e amanhã as nove nos vemos -- Andreia foi junto com ela até a porta.
-- Eu te acompanho até a portaria -- ofereceu Sidney.
Natasha olhou para Andreia e levantou as sobrancelhas. Depois enfiou as mãos nos bolsos e encolheu os
ombros -- Tudo bem. Até mais, Marcela.
Marcela sorriu e acenou a mão em despedida. Depois que Natasha saiu, ela ficou parada por alguns
segundos, antes de bufar de raiva.
-- "Estou triste. Não queria que fosse embora" -- rindo com a sua gargalhada irônica, Marcela repetiu a frase
dita por Andreia -- Posso saber o que foi isso?
-- Não estou entendendo -- Andreia deu um passo para trás, seus olhos brilhando enquanto a encaravam --
Não era para ser o mais convincente possível?
-- E você não acha que exagerou? -- Marcela disse, irritada.
-- Não. Sinceramente, não acho -- disse, controlando o tremor na voz -- Se me der licença, agora preciso
dormir.
-- Para quem achava o nosso plano um crime horrendo, você está bem empolgada.
Não conseguindo ficar indiferente a declaração de Marcela, Andreia se virou e deu alguns passos até ela.
Marcela empalidecia, à medida que a irmã avançava com uma expressão dura no olhar que ela jamais vira
antes.
-- Escute bem, eu continuo achando uma baita sacanagem o que estamos fazendo com essa moça. Ela não
merece o que estamos fazendo, aliás, nem ela nem ninguém, mas já que essa é a única forma que vejo para
pagar a cirurgia do nosso pai, que ao menos tenhamos uma convivência agradável.
Marcela respirou profundamente várias vezes. Ela tinha que se acalmar. Estava bancando a boba, deveria
estar agradecida por Andreia ter aceito participar do plano.
-- Desculpe, eu não devia ter dito isso. Você tem sido extraordinária. Devia agradecer, isso sim. Sei que o seu
papel nessa trama é o mais difícil. Então, me perdoe.
Andreia estranhou, Marcela sempre foi mal-agradecida. O pai lhe dava conforto, carinho, ternura e ela nunca
havia aberto a boca para agradecer, para mostrar gratidão. Também nunca havia pedido desculpas, ao menos
até aquela noite.
-- Aceito o pedido de desculpas, mas vamos parar por aqui. Mais um insulto seu e eu largo tudo na hora.
Marcela concordou, sem nada dizer, apenas com um pequeno meneio de cabeça.

Natasha e Sidney saíram juntos do elevador. O rapaz a guiava com as mãos apoiadas em suas costas. A
empresária estava incomodada ao sentir aquele toque e esforçava-se para se controlar, enquanto repetia
mentalmente palavras de paciência.
-- Quer que eu peça um táxi? -- ele murmurou e, por fim, retirou as mãos das costas dela.
-- Por favor -- ela disse e caminhou até a porta.
Sidney fez o chamado enquanto Natasha o aguardava, com as mãos nos bolsos traseiros das calças.
-- Já deve estar chegando -- ele falou, assim que se aproximou.
-- Obrigada -- ela olhou para a rua, examinando os passantes e o tráfego. A chuva havia passado e a
temperatura aumentado consideravelmente. Provavelmente o dia seguinte seria ensolarado e quente.
-- Fui eu que mostrei a reportagem para a Carolina -- ele disse, hesitante, coçando a testa com as pontas dos
dedos.
-- Eu sei e, agradeço muito por ter avisado a Carolina que a estávamos procurando.
Dando um profundo suspiro, Sidney ergueu a cabeça, criou coragem e falou:
-- Bem, na verdade, vou pedir um prêmio por isso.
Os olhos de Natasha se fixaram nele com surpresa e ela se inclinou um pouco para frente, entortando o dedo
para que ele se aproximasse ainda mais. Olhando-a cautelosamente, ele deu um passo em direção a ela e
pareceu como se fosse desmaiar de medo.
-- Diga o que quer -- Natasha fez questão de fazer a cara mais apavorante possível.

Após fechar a porta do closet, Jessye caminhou em direção a cama e jogou umas peças de roupas sobre o
colo de Sibele.
-- Que péssimo momento para isso acontecer. Não é mesmo?
-- Acidentes acontecem -- Sibele encarou Jessye incisivamente e acrescentou: -- Não tenho culpa se a cadeira
estava no caminho -- a médica se levantou com dificuldade e começou a trocar de roupa.
-- Essa história está muito mal contada. Aonde você estava hospedada?
As palavras desapareceram, um forte rubor tomou o rosto da médica. Ela ergueu as sobrancelhas.
-- No apartamento de uma antiga namorada -- era uma boa desculpa. Pensou -- Estávamos na cama, me levantei,
estava escuro e não vi a poltrona.
-- A Natasha não vai gostar nadinha de saber que você estava se divertindo ao invés de estar trabalhando. E
além de tudo, ter quebrado o dedo. Ela vai virar um bicho -- Jessye estava realmente preocupada. Natasha era
extremamente exigente com relação ao cumprimento de suas ordens.
-- Ela não precisa saber que eu não estava hospedada aqui no Windsor Marapendi.  
-- Não vou mentir para a Natasha -- a resposta de Jessye foi rápida e taxativa.
-- Você não vai mentir -- Sibele ajeitou os travesseiros atrás de si e encostou-se calmamente -- Vai apenas
omitir.  
-- Nem vem, Sibele.
-- Larga de ser boba, Jessye. Por que incomodar a Natasha com picuinhas?  
Uma batida na porta fez Sibele e Jessye se encararam, os olhares mais expressivos do que palavras. Jessye
levantou-se e foi atender. Já sabia quem estava do outro lado. Abriu a porta, cheia de apreensão, prevendo
que os próximos minutos não seriam muito agradáveis. Já era secretária de Natasha há anos e sabia que
quando as coisas não saiam como ela queria, a empresária não economizava a bronca.
Ela mal esperou que a secretária abrisse a porta por completo. Entrou como um furacão no quarto e deu de
cara com Sibele deitada na cama com o pé sobre uma pilha de almofadas.
-- O que aconteceu? -- Natasha parou diante da cama.
Sibele levou alguns minutos para se concentrar no que dizer. 
-- Fraturei o hálux.
-- Isso eu estou vendo. Como aconteceu? -- as feições bonitas demonstravam desagrado.
-- Eu dei uma topada no pé da poltrona.
-- Que droga, Sibele! Justo agora -- Natasha sentou na beirada da cama -- Queria que acompanhasse o senhor
Fábio no hospital. Ele precisa passar pela cirurgia cardíaca o mais rápido possível.  
-- Eu posso...  
-- Não -- Natasha a interrompeu -- Você vai voltar para a ilha amanhã, conforme o combinado.
-- Mas...  
-- Está decidido -- Natasha se levantou, caminhou até a porta e de lá, se virou para dar as últimas instruções --
Você vai voltar para a ilha e se afastar do trabalho até se recuperar dessa fratura. Jessye, você vai
providenciar a contratação da Talita e a sua vinda para o Rio. Quero que ela acompanhe a cirurgia e a
recuperação do senhor Fábio. Tudo isso vai levar muito tempo e eu não estou disposta a ficar longe da
Carolina nem mais um dia.
Natasha saiu do quarto e fechou a porta com força atrás de si. Sibele encostou-se mais contra os travesseiros
e piscou várias vezes antes de encarar Jessye.
-- Não estou gostando nada disso, Jessye. A Talita está querendo puxar o meu tapete ou, é impressão minha?
Essa loira aguada não perde por esperar.

Talita saíra logo de manhã cedo. Entrou no jipe e pisou fundo o acelerador, para que pudesse sair dali antes
de ser vista por Leozinho. Entrou por uma avenida bem larga, dividida ao meio por uma interminável fileira de
palmeiras. Reduziu a velocidade e entrou em uma trilha cheia de galhos secos e buracos. De onde estava
podia contemplar a imensidão de terras que Natasha possuía. A Ilha do Falcão era imensa e bela. Aspirou o ar
puro e antes de voltar a concentrar-se na estrada, deu mais uma olhada no mapa da ilha.
-- Graças a Deus, estou no caminho certo.
Talita nunca havia se arriscado a deixar o centro da ilha. Estava apavorada só de se imaginar perdida em um
lugar como aquele.
A médica usava calça comprida e uma camiseta larga por cima. Escolheu ir de tênis pois imaginava ser o
calçado adequado para o tipo de terreno que encontraria. Seus cabelos longos estavam caídos sobre os
ombros, encobrindo boa parte deles.
Depois de algum tempo, ao se aproximar do local, achou melhor deixar o carro estacionado numa clareira e
fez o restante do caminho a pé. Com passos firmes e decididos cobriu os poucos metros que faltavam para
chegar a cabana.
Talita parou diante da porta fechada do refúgio de Natasha. Lá dentro o silêncio era completo. Consultou o
relógio. Oito horas. Debruçou no parapeito da varanda e ficou olhando o mar, ouvindo o murmúrio das ondas
que rolavam suavemente ao longo da baía.  
Por um instante, Talita pensou em ir embora dali, da mesma maneira como tinha chegado. Natasha vai ficar
furiosa quando descobrir que alguém invadiu o seu paraíso, ela pensou. E não podia culpá-la.  
De repente, uma voz a assustou e Talita voltou-se surpresa.
-- Até que enfim. Pela demora, pensei até, que tivesse mudado de ideia.

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Capítulo 19 A CAIXINHA DE VELUDO por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 19

A Caixinha de Veludo

 
Talita cruzou os braços e ficou admirando-a. Ela é realmente um anjo! A médica pensou, respirando fundo e se
aproximando.
Seu rosto denotava uma expressão inocente e infantil, mas suas atitudes eram de uma mulher segura e
autoconfiante. Ela era muito diferente da irmã, não se parecia fisicamente com ela, não falava da mesma
maneira que ela; nem mesmo se vestia com elegância como ela. Porém, era geniosa, impulsiva e um tanto
violenta como a irmã.
-- Desculpa -- a moça tocou-lhe o ombro, com delicadeza -- Não queria assustá-la.
-- Oh! Não foi nada -- a médica disse, depois de um momento -- Eu que estava distraída.
Carolina passou as mãos pelos cabelos em desalinho, sentindo o rosto queimar.

-- Vamos entrar, acho que a febre voltou. Acordei um pouco indisposta hoje -- ela abriu a porta e apontou para
dentro.
-- Certo -- Talita entrou, olhando ao redor com interesse. O teto da cabana era alto, e as paredes, brancas.
Grandes janelas estavam abertas para capturar a brisa. Os móveis eram pesados e antigos. Apesar de ser uma
cabana no meio do mato, tudo era de muito bom gosto e beleza.
Carolina estava apenas alguns dias na casa e já havia deixado o
lugar uma verdadeira bagunça. Haviam
diversas peças de roupas espalhadas por cima dos móveis e almofadas jogadas no chão.
-- Natasha vai ter uns dez tipos de convulsão quando ver no que você transformou o santuário dela.
Carolina a fitou sem nenhuma preocupação.

-- Tô morrendo de medo da Natasha -- a moça deu de ombros não dando importância, mas sua expressão
mudou -- Ela ainda está no Rio lambendo o chão da falsa Carolina?
-- Está -- Talita respondeu complacente, afundando-se no sofá -- Não faço a menor ideia de quando ela voltará.
-- Idiota! Está sendo enganada como uma bobinha -- ela disse, indignada.

-- Não fala assim da Natasha, ela está cega de amor pela pessoa que pensa ser a sua irmã. Quem deveria salvá-
la das garras dessa gente, é você. Por que não abre logo o jogo?
-- E perder a oportunidade de dar uma bela lição nesse bando? Não
mesmo! Deixa eles virem -- disse ela
calmamente, apesar daqueles dois olhos intimidadores soltando faíscas -- Eu vou procurar a Tasha, mas
quero que ela me reconheça sem precisar dizer quem eu sou. Da mesma forma que a reconheci. Através do
olhar, do sorriso, dos gestos. A minha alma reconheceu a dela assim que a vi naquela revista.
-- Não sei se a alma da Natasha é tão sociável assim, mas, você deve saber o que faz -- Talita sentou na
poltrona de frente para Carolina -- Como está a perna?

enquanto acariciava a perna machucada -- Fico
-- Bem melhor. Graças a você -- disse ela, sorrindo de leve
pensando se fosse a doutora Sibele que tivesse me encontrado.

-- Você acha que a Sibele está envolvida nessa farsa? Me custa acreditar nisso. Mas, se ela realmente traiu a
confiança que Natasha depositou nela, Sibele com certeza vai se arrepender pelo resto da vida.
-- Eu tenho certeza e vou encontrar uma maneira de provar que ela pagou por esse DNA falso -- ela disse, com
raiva.

pretende fazer de agora em diante? -- Talita ajoelhou-se de frente para ela, retirou o curativo e
-- O que
verificou que o ferimento não estava infeccionado.
-- Bem, por enquanto vou esperar a maninha trazer os criminosos para a ilha. Depois procuro a Tasha. Tenho
um plano muito interessante em mente.
-- Você parece a sua irmã falando. Não preciso de DNA para afirmar que você é uma Falcão.
Carolina deu uma risada marota.

-- Isso é verdade? -- ela perguntou, sorrindo. Depois, olhou para a parede onde estava um pôster gigante com
a foto de Natasha -- o rosto de Carolina imediatamente foi tomado por uma expressão triste, mas ela forçou
um sorriso - Cuida dela pra mim. Não deixa que eles a maltratem. Se essa mulher de alguma forma machucar a
minha irmã, eu juro que mato ela e os seus comparsas.
Talita engoliu em seco. Ela sabia que Carolina com sua personalidade forte era bem capaz de qualquer coisa.
-- Tenho algo que quero que guarde para mim -- Carolina manquitolou até o quarto e voltou com uma pequena

caixa de veludo na mão -- Esconda essa caixa em um lugar bem seguro. A Natasha tem uma igual, foi por causa
dela que comecei a investigar o meu passado. Guarde como a sua própria vida. É a única lembrança que tenho
dos meus pais.

As nove em ponto, Andreia e Sidney desceram para a portaria. Minutos após saírem para a rua, um motorista
encostou diante da entrada da frente.
Subitamente, Andreia viu-se tomada de
medo. Eram momentos de grande adrenalina. Era uma ótima atriz; isso
ficara mais do que evidente na destreza com que atuou na noite passada, porém, atuar o tempo todo, não era
uma missão das mais fáceis.
O motorista abriu a porta para eles, e, olhando assustada para Sidney, avançaram na direção de um enorme e
luxuoso carro preto. Ficou ligeiramente alarmada ao se deparar com uma moça sentada ao lado de Natasha.
Esperava encontrá-la na companhia de Sibele.
-- Demoramos? -- Natasha perguntou sorrindo, e simplesmente estendeu a mão para Andreia. A expressão no
rosto dela era luminosa quando se voltou para a moça a seu lado -- Jessye, essa moça linda e meiga é a minha
irmãzinha Carolina.
A moça se virou para ela, para cumprimentá-la, os dentes muito brancos e perfeitos. Foi muito difícil para
Andreia esconder seu nervosismo.
-- Muito prazer, senhorita Falcão -- Jessye olhou-a de alto a baixo, seus olhos estavam cheios de simpatia, e ela
sorriu encorajadoramente -- Estou a sua disposição para tudo que desejar.
Andreia relaxou um pouquinho. Talvez esse passeio não vá ser tão ruim, pensou, tentando colocar de lado
todos os seus temores. Ela e Sidney se acomodaram no assento confortável e o carro enfim, foi colocado em
movimento.

Talita estacionou o jipe na frente do ambulatório, pegou a maleta de emergência e começou a andar para a
porta. Porém antes de entrar, não conseguiu conter a sua curiosidade e abriu a caixinha de veludo entregue
por Carolina.
-- Uau, que...
-- Deve ser algo muito interessante para te deixar tão admirada -- Elisa deu uma risadinha -- Posso ver?
A médica arregalou os olhos quando a mulher deu alguns passos e parou à sua frente.
-- É uma joia -- ela retrucou, com um sorriso nervoso.
Elisa não deu importância. Apenas estendeu a mão.
-- Adoro joias.

Mal tiveram tempo de apreciar o passeio no luxuoso carro. Alguns minutos depois, o automóvel parou diante
do Shopping Center, e o chofer veio ajudá-los a descer do veículo.
Andreia fitou a construção magnífica, tentando imaginar o motivo de estarem naquele lugar que no dia
anterior a deixou tão chateada.
-- O que estamos fazendo aqui? -- Andreia suspirou fitando o olhar verde folha de Natasha.
-- Vamos fazer umas comprinhas -- ela respondeu com um gesto de pouco-caso.
Natasha entrou no Shopping e imediatamente atraiu a atenção de todos. A empresária impecável, elegante.
Uma Açoriana incrivelmente bonita, de blazer bem cortado, da calça comprida que alongava o seu corpo, dos
sapatos de qualidade, com uma elegância que era absurdamente sexy. Aquela sofisticação absoluta, todavia,
era combinada com uma personalidade fria e esnobe. Ela era uma mulher clássica, mas se distinguia dos
grupos das socialites porque não fazia muita questão de pertencer a eles.
-- Esse não é o meu lugar preferido para fazer compras, mas vamos brincar um pouco -- enquanto falava,
Natasha se inclinou na direção de Andreia, chegando tão perto que a ruiva podia sentir o calor do rosto dela
perto do seu.
-- Aposto que o seu lugar preferido fica em Paris, Londres, Milão -- um desejo louco fez com que ela tivesse
vontade de beijar o rosto de Natasha, contudo ela resistiu.
-- Confesso que esses lugares são os meus preferidos -- ela retrucou, com um sorriso maroto.
Aquele ligeiro sorriso esculpido naquela boca linda e arrogante a desafiava a ceder a todas as tentações.
-- Aposto que sim -- Andreia murmurou, achando difícil ser sarcástica quando a empresária estava tão perto.
Inspirou profunda e demoradamente, sentindo a fragrância que vinha do corpo dela.
Chegaram ao quinto andar em um elevador tão silencioso quanto rápido. Quando a porta do elevador se
abriu, a longa fila de empregados da loja do dia anterior, estavam a sua espera. Eles a cumprimentaram com
sorrisos amáveis e paparicos exagerados.
-- Seja bem-vinda, senhorita Carolina Falcão.
Andreia olhou para Sidney e balançou a cabeça.
-- O que significa isso?
-- Não tenho nada a ver com isso -- a mentira saiu fácil de seus lábios, mas não convenceu a amiga.
-- Sei.
Natasha ofereceu o braço a Andreia.
-- Senhorita Falcão, vamos -- ela dirigiu-lhe um sorriso que a deixou derretida.
Andreia enganchou o braço no braço de Natasha e deitou a cabeça no seu ombro.
-- Vocês são uns loucos.
- Loucos não! Apenas não gostamos de pessoas preconceituosas - corrigiu Sidney.

Hannibal estacionou o jipe em frente a cabana de Natasha. Saiu do automóvel e abriu a porta para que Elisa
saísse.
-- Fique por perto. Não sei se vou demorar ou não.
-- Sim senhora.
Elisa estava nervosa, ansiosa, emocionada, cheia de expectativas e, mesmo cautelosa, caminhou rápido até as
escadas. Colocou a mão trêmula sobre o corrimão e olhou para a porta fechada.
-- "O segredo é não correr atrás das borboletas...
-- É cuidar do jardim para que elas venham até você" -- Completou Carolina, subindo lentamente as escadas.
Com um grito de alegria, Elisa correu para ser acolhida em seus braços abertos, beijando seu rosto e rindo
quando elas caminharam para dentro sem se soltarem.
-- É você meu anjo? -- a senhora quis saber, observando-a erguer a mão delicada para passá-la pelo rosto
molhado -- Eu sei que é você. Deus me disse que viria.
-- Sou eu, Elisa -- Carolina manquitolou até o sofá. Contorceu o rosto numa expressão de dor.
-- Desculpa -- Elisa sentou ao lado dela no sofá -- A doutora Talita me contou que estava machucada. O que
aconteceu?
A garota ergueu o olhar.
-- Estava acampada na praia já fazia alguns dias. Até que em uma manhã, Natasha apareceu por lá. Ela não me
viu, mas pelo jeito não gostou muito da presença de um campista, pois, no dia seguinte, fui gentilmente
convidada a me retirar da praia por dois seguranças dela -- Carolina olhou para o teto, suspirou fundo e
continuou: -- Eu obedeci porque sabia que Natasha retornaria e eu não queria me encontrar com ela naquele
momento. Enfim, recolhi as minhas coisas e fui até as rochas. Em um momento de descuido, deixei a minha
mochila cair na água. A seguir, vivi a meia hora mais terrível de minha vida.

Uma semana atrás.

-- Droga! -- Carolina berrou, sem pensar no perigo, tirou os tênis e pulou na água.
Tudo o que tinha estava naquela mochila. Ela teria que enfrentar a mãe natureza, fazer um esforço sobre-
humano para recuperar do mar o que tinha de mais precioso.
Carolina estava tensa e viu que a mochila se afastava pelo mar adentro, o que a fez entrar em desespero.
Nessa altura, deu-se conta que também estava muito mais longe da margem, a debater-se contra a correnteza.
De repente, uma onda enorme passou por cima dela e a submergiu. Rezou para que tivesse forças para voltar
a tona.
-- Minha mãe! -- murmurou quando conseguiu emergir -- Graças a Deus.
Fazendo um grande esforço, Carolina conseguiu agarrar a mochila. Tentava prendê-la ao pescoço, mas as
ondas eram muito grandes e não paravam de a atingir.
Era uma tarefa difícil porque primeiro tinha que engatá-la ao pescoço, o que estava sendo mais difícil do que
previra, e depois tinha que puxá-la até a margem.
Carolina levantou o olhar e viu que estava se afastando cada vez mais da praia. Precisava agir com rapidez e,
com um aperto no coração, abriu a mochila, tirou uma caixinha de veludo que havia dentro dela e deixou que
o mar levasse embora os seus únicos pertences.
Depois disso, sentiu uma forte dor na perna, como uma facada única ou uma série de golpes. A água ficou
vermelha com seu sangue. Estava aterrorizada, se estivesse ferida com gravidade, o que seria dela?
Não aguentava mais, estava exausta de tanto nadar, de tanta dor e pedia a Deus animo para não desistir.
Enquanto lutava contra o mar revolto, pensava em tudo o que já havia passado na vida até chegar àquele
momento. Ela tinha sofrido muito. Havia passado fome, frio, solidão e talvez medo. Não! Não se deixaria levar
fácil assim, ela lutaria até o fim. Insistente, ela buscou as últimas forças que possuía naquele momento e com
um grito de vitória, voltou para a margem com a caixinha de veludo na mão.

Talita tirou as sandálias e começou a caminhar pela areia. Era a sua primeira caminhada pela praia depois que
chegou a Ilha do Falcão. Estava sempre tão envolvida com o trabalho que não tirava um tempo para relaxar.
Era tão bom sentir os pés afundando na areia macia e tinha a impressão de que estava descarregando todo o
estresse dos últimos dias.
Depois de passar os quatro últimos anos pulando de cidade em cidade, finalmente voltara a Santa Catarina e
conseguira um emprego em um lugar longe da violência e do descaso do poder publico. Porém, desde o seu
regresso, vinha notando mudanças na maneira como encarava o seu casamento. Ela parecia não mais se
importar com as frequentes viagens de seu marido. Aquilo a deixava surpresa, pois, apesar de considerar-se
amadurecida, sempre foi muito ciumenta e possessiva. O que estava acontecendo, afinal?
Foi andando lentamente até a beira da água e percebeu algo estranho. Olhando de onde estava parecia um
corpo.
-- Um corpo? -- Talita perguntou-se assustada - Será? -- pensou um pouco, jogou as sandálias na areia e saiu
correndo.

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Capítulo 20 ME CHAMO SAKURA por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 20

Me chamo sakura

Talita puxou a moça até a praia. Ajoelhou-se junto a ela e examinou-a. Ela respirava, então não precisaria fazer
as manobras de reanimação.
-- Ei moça -- a médica inclinou
a cabeça e acariciou-lhe a face com as pontas dos dedos -- Ei acorda -- Talita
observou que ela tinha uma grande ferida na perna e sangrava muito. Ficou a olhar para ela, planejando o que
faria a seguir.
Nesse momento, a moça tossiu e remexeu-se.
-- Calma, está tudo bem agora -- Talita murmurou, afastando-lhe o cabelo da testa.
A ruivinha abriu os olhos. A respiração entrecortada provocava-lhe intensa agonia
no peito. A perna também
doía muito, mas, pelo menos, estava viva. Pensou aliviada. Atordoada e atônita, fixou os olhos na figura bela
que a encarava de forma preocupada.
-- Liga pro mar e avisa que você está aqui
-- sussurrou com a garganta ardendo, devido a toda água salgada
que ingeriu.
Talita pensou que ela estivesse delirando.

-- Por quê? -- a médica perguntou com delicadeza, aproximando-se para ouvir melhor.
-- Porque eles podem dar falta de uma sereia!

A médica ficou indignada e esbravejou:


-- Eu aqui toda preocupada e você me vem
com gracinhas.
-- Está preocupada à toa. Eu estou muito bem -- disse num
sussurro abafado, o que evidenciava a sua dor.
-- Estou vendo -- resmungou Talita, pondo-se de pé -- Vou até o carro buscar a mala dos primeiros socorros.
-- Vai lá gostosa -- sussurrou.
Talita se voltou para ela.

-- O que?

-- Nada. Vai lá, pequena sereia.


A médica saiu correndo e voltou
em poucos minutos. Ajoelhou-se ao lado dela e verificou que a hemorragia
havia diminuído de intensidade. Limpou a área machucada e fez um curativo provisório com uma gaze e faixa.
-- É uma ferida profunda -- comentou -- Vai precisar levar pontos.

-- Não vai ser preciso -- no entanto, naquele momento, quando apoiou


na perna todo o seu peso, fez uma
careta de dor -- Droga! -- mancava a cada passo, tentando não se apoiar na perna ferida.
-- Larga de ser teimosa. Áreas do corpo que se movem muito, como a perna, precisam mais ainda de pontos
para que se mantenha fechado. Tem também o risco de infecção. Os pontos reduz a chance de infecção e faz
com que o ferimento se recupere adequadamente -- a médica ofereceu o ombro para que ela se apoiasse -- Ou
está com medo?
-- Medo eu? Fique sabendo que quando morei no Paraná, o meu bar preferido era o Risca Faca do Peludo -- a
ruiva balançou a cabeça, inconformada -- Era uma facada todo fim de semana. Imagina se vou ter medo de uma
agulhinha de nada.
Talita riu quando ela, contrariada, afastou sua mão recusando ajuda.
-- Então vamos -- Talita insistiu e ajudou-a a chegar ao jipe, onde ela se
deixou cair ao banco com um grito de
dor. A médica ligou o veículo, manobrou e saiu em disparada com o carro.
-- Tudo bem? -- Perguntou ela enquanto parava em um semáforo.

-- Estou bem, sim -- respondeu, ajeitando-se melhor no banco.

-- Que bom -- Quando o sinal abriu a médica arrancou com cautela -- Chamo-me Talita, e você, como se chama?
-- Sakura -- respondeu, sem olhar para a médica.

-- Tá de brincadeira, né -- Talita olhou-a de soslaio.


-- É sério. Minha mãe era fã da Sakura Card Captors.
Caso nascesse um menino ela registraria como Shaoran.
A cara que Talita fez foi cômica, mas a ruivinha segurou o riso.

-- Seria pior se ela fosse fã do Dragon Ball Z. Meu nome poderia


ser: Chi-chi, Bulma, Videl... -- a ruiva franziu o
sobrolho quando viu um adesivo com o logotipo dos hotéis Falcão no painel do jipe -- Você trabalha para a
Natasha Falcão?

-- Faço parte da equipe médica -- ela respondeu sem tirar a atenção do asfalto bem conservado da principal
rodovia da ilha.
Apesar do rosto bonito e brioso estar completamente inexpressivo, não demonstrando qualquer tipo de
emoção, interiormente estava hesitante e baixou os olhos decepcionada.
Talita parou o jipe no estacionamento reservado para os funcionários do ambulatório. Livrou-se do cinto e
virou-se para a ruiva.
-- Vou pegar uma cadeira
de rodas -- anunciou.
-- Me nego a sentar em uma cadeira de rodas --
disse com a cara fechada.
-- Mas é...

-- Não insista. Por favor -- ela afirmou irredutível.


Talita bufou, irritada. E, dando a volta no carro, abriu a porta e estendeu a mão, para ajudá-la a sair.
-- Vamos antes que eu me arrependa e te devolva ao mar.

-- Iemanjá vai adorar. Não é sempre que ela recebe uma oferenda magnífica como essa -- Num gesto
brincalhão, suas mãos subiram pelo próprio corpo, deslizando cintura acima, até juntarem-se sobre os seios.
-- Eu mereço -- Talita comentou, aproximando-se do banco do carro e sorrindo para a moça.

Assim que entraram no ambulatório, Talita chamou uma técnica de enfermagem e pediu para
que ela
preparasse a sala de sutura.
Sob a supervisão da médica, a moça limpou-lhe a ferida e deixou pronto para a sutura.
-- Isso dói -- reclamou a falsa Sakura.
-- Sim, mas não temos alternativa senão desinfetá-la bem -- respondeu Talita -- Precisamos remover tecidos
necróticos (mortos), corpos estranhos e toda a superfície da ferida.
Enquanto suturava, Talita conversava com a ruiva. É uma boa técnica para manter o paciente menos agitado.
-- Os pontos cirúrgicos, na maioria das vezes, são feitos à moda antiga: com agulha e linha. Os pontos, servem
para aproximar as bordas de ferimentos. Essa junção das bordas facilita a cicatrização e a regeneração dos
tecidos cortados. Na maioria dos casos, costurar com linha e agulha é a melhor opção. As linhas podem ser
feitas com material de origem animal e vegetal (como colágeno do intestino bovino, seda e algodão), com fios
de aço ou materiais sintéticos (náilon e poliéster, por exemplo). O tipo e a espessura de linha ideal para fechar
um ferimento dependem da profundidade do corte e do tecido atingido -- Talita olhou para a moça e percebeu
que ela estava pálida -- Tudo bem? Posso continuar?
-- Tem outro jeito? -- ela fechou os olhos e rezou para que não perdesse a consciência. Não queria pagar esse
mico diante da doutora gostosa.
-- Não! -- a médica respondeu sorrindo -- Não tem outro jeito.
-- Então, pode continuar.
-- Sabia que na Antiguidade, egípcios, indianos, gregos e romanos usavam desde fibras de plantas e fios de
cabelo até garras de formiga para fechar cortes? E os pontos mais antigos conhecidos estão em uma múmia
com mais de 3 mil anos? Que do início da era cristã até o século 19, quase nada mudou. A inovação mais
recente são os fios sintéticos, da década de 1930?
-- Não... Não sabia.
-- Viu quanta coisa você aprendeu graças a esse corte?
-- Belo consolo -- "Sakura", revirou os olhos.
A técnica de enfermagem aplicou-lhe anticéptico, cobriu-a com uma gaze e faixa. Depois prendeu tudo com
esparadrapo.
-- O que achou? -- perguntou a técnica quando acabou -- Ficou uma beleza.
-- Está muito bom, obrigada -- respondeu "Sakura" -- Você fez um ótimo trabalho.
-- Obrigada -- disse, com um sorriso gentil e saiu.
-- Vou te dar um analgésico e um anti-inflamatório -- Talita tirou uns comprimidos de uma caixa e entregou para
ela com um copo com água. A ruiva tomou-os e deitou-se para trás, visivelmente dolorida. Não resistindo à
curiosidade, a médica perguntou: -- O que aconteceu?
Ela não respondeu de imediato. Seus olhos se apertaram, fazendo Talita acreditar que ela estava escolhendo
muito bem as palavras.
-- Meu navio pirata naufragou.
A médica suspirou, como se ligeiramente irritada.
-- Fala sério -- pediu.
Sim, ela merecia saber a verdade. Pensou a ruiva. E diria tudo a ela naquele exato instante.
-- Estava nas pedras e deixei a minha mochila cair no mar. Nadava como louca e bati em qualquer coisa. Talvez
fosse uma rocha.
-- Foi um corte bem profundo e imagino que não vá conseguir apoiar a perna durante alguns dias. Está
hospedada aonde?
-- Estava hospedada em minha barraca, mas infelizmente o mar levou ela embora.
Talita olhou para ela incrédula e complemente surpresa.
-- É mais uma de suas gracinhas?
-- É sério. Estava indo para o outro lado da ilha aonde a sua chefinha e os seus capangas não pudessem me
encontrar.
Talita pareceu achar engraçado.
-- O que é que você está achando engraçado?
-- É proibido acampar na ilha, mas a Natasha não costuma sair por aí caçando campistas. Ela é bem esnobe. Se
é que você me entende.
-- Foi sem querer, ela devia estar apenas passando pelo local, mas enfim, fui expulsa de lá e agora estou sem
barraca, sem lenço e sem documento.
-- E agora? -- peguntou Talita, compadecida -- O que vai fazer?
-- Agora não me resta outra saída a não ser invadir a cabana da senhorita Falcão e curtir a minha estadia sem
se preocupar em acordar com uma cobra enrolada no pescoço, ou um morcego agarrado ao meu dedão do pé.
Talita começou a rir e a ruivinha também desatou às gargalhadas.
-- Você está pensando mesmo em fazer isso? Natasha vai te matar.
-- Não... Ela não vai me matar -- apertou os lábios, pensativa -- Olha doutora, eu gostei de você. Sinceramente.
Não costumo me enganar com relação as pessoas. Achei você confiável e honesta.
-- Onde está querendo chegar? -- a médica perguntou, compreensivelmente desconfiada. Afinal de contas,
aquela estranha era misteriosa demais.
-- O que estou querendo dizer é que estou em uma péssima situação, onde serei obrigada a confiar em você. E
que Deus me ajude, você não faça parte daquela corja nojenta que cerca a minha irmã.
Os traços de Talita se contraíram em uma expressão com mescla de desconfiança e surpresa; ficou de boca
aberta estupefata e sem palavras. Apenas sussurrou:
-- Carolina?
-- Será que tem algo aí pra mim comer? Não sou muito exigente, pode ser um pão com mortadela, mesmo.
Estou desde ontem sem comer.
 
Andreia sentou-se no sofá de uma pequena, mas luxuosa sala. De onde estava, via os funcionários da loja
correndo de um lado para outro com peças de roupas nas mãos, bandejas com água, café, salgadinhos.
Ficou observando Natasha por uns instantes. Ela estava encostada contra um balcão de vidro sendo bajulada
pelo gerente da loja. Ela esbanjava charme, beleza e uma arrogância deliciosamente irritante.
Sidney trouxe um vestido, girando-o diante do corpo. Era verde com detalhes em branco, uma combinação
belíssimo e surpreendente. Aquele era de longe o modelo mais ambicioso e caro da loja e provocou a reação
que o rapaz esperava: Andreia estava literalmente em choque.
-- É maravilhoso, Sidney. Simplesmente de tirar o fôlego.
-- Bom gosto, querida. Sou requintadíssimo -- Ele fez um gesto chamando a vendedora para mais perto --
Vamos levar esse também.
-- Ótima escolha. Essas peças são especiais, temos apenas um modelo na loja -- disse com um sorriso amigável
no rosto -- Ele custa...
-- Não quero nem saber quanto custa -- disse Sidney, com despreocupação -- Minha amiga gostou, isso é o que
importa. Agora busca uns shortinhos e umas blusinhas, mas que seja fashion.
A moça fez que sim e desapareceu por entre cabideiros e armários.
-- Já sou fã número um de sua irmã -- Sidney parou diante do espelho, virando-se de um lado para outro, para
ver todos os reflexos -- Ela é glamorosa, magnífica. Que poder!
-- Foi você quem deu a ideia de virmos aqui. Não foi?
-- Lógico, ou você acha que eu perderia a oportunidade de dar uma lição naquela desmilinguida? Ela nos
humilhou, meu bem. Agora está lá com o rabinho entre as pernas, morta de medo que a gente comente com o
gerente o que aconteceu.
-- Se depender de mim ela pode continuar trabalhando nessa loja até se aposentar -- comentou Andreia, sem
dar muita importância à questão.
-- O que deve ser lá pelos noventa anos -- disse Sidney e sem conseguir evitar, se jogou sobre a poltrona
caindo na gargalhada.
-- Você fica ainda mais linda quando sorri.
Assustada, Andreia virou-se. A mulher bela e bronzeada estava inclinada e um pouco distante, os olhos
verdes expressavam felicidade. Natasha permanecia olhando para ela. A empresária era maravilhosa, embora
ela detestasse admitir. Enquanto Andreia hesitava, tentando pensar na melhor maneira de lidar com a
situação, Natasha endireitou o corpo e se aproximou.
-- Está feliz, bonequinha?
Em um gesto automático, Andreia pôs os cabelos atrás da orelha.
-- Estou -- ela respondeu baixinho. Na verdade até havia uma certa timidez no comportamento de Andreia.
-- Fico contente que esteja gostando -- Natasha abraçou-a e beijou-a no rosto afetuosamente, acariciando os
cabelos dela com uma das mãos -- Disse Machado de Assis: O dinheiro não traz felicidade para quem não sabe
o que fazer com ele.
Sidney bateu palmas de contentamento.
-- Sábias palavras, grande guru.
-- É tudo muito lindo Nat, mas acho que já é o suficiente -- ela apressou-se em dizer, e segurou a mão da
empresária com força -- Obrigada.
-- Não me agradeça, meu amor. Isso tudo lhe pertence por direito -- Natasha sorriu com afabilidade. Queria ser
um porto seguro para ela, mas temia sufocá-la com seu excesso de cuidados.
Jessye aproximou-se delas e disse em tom calmo:
-- Com licença. Desculpe interrompê-la, Natasha, mas temos um compromisso agendado para as dez horas.
Então, Natasha assumiu uma expressão séria. Depois de um olhar rápido para a jovem a seu lado, voltou-se
novamente para Andreia.
-- Temos um assunto muito importante a tratar agora. Podemos ir ou, ainda falta algo?
A voz grave e profunda, suavizada pelo delicioso sotaque, fez Andreia arrepiar-se toda.
-- Podemos ir, compramos até mais do que devíamos -- respondeu olhando em seguida para Sidney -- Acho que
exageramos. Vou ter que levar umas cinco malas para a ilha.
-- Não se preocupe com isso -- disse Natasha, olhando Andreia com um sorriso insolente.
Aquela atitude fez o coração da ruiva derreter. E esse maldito sorriso, cercado por covinhas provocantes é
tentação demais. Pensou Andreia, atordoada.
-- Carol!
-- Hum -- Andreia retornou de seus devaneios -- Desculpa, o que disse? -- ela perguntou meio sem jeito.
-- Vamos? A Jessye já providenciou para que suas compras sejam entregues em seu apartamento.
-- Ah, que bom! Obrigada, Jessye.

Elisa abraçou com força sua adorável e risonha menina. Carolina sentiu o familiar abraço com o coração
transbordando de alegria pelo privilégio de ser alvo do amor incondicional de sua eterna babá.
Carolina com seu jeitão orgulhoso e forte, conteve as lágrimas que começavam a brotar em seus olhos.
-- Foi assim que cheguei até a Talita -- ela umedeceu os lábios subitamente secos -- Fiquei com receio de contar
para ela, mas não tive outra saída. Depois que machuquei a perna precisava de alguém para me ajudar.
-- Não a conheço muito bem, por isso, não posso garantir que ela esteja do nosso lado, mas vamos colocar
nas mãos de Deus -- Elisa soltou um longo suspiro e juntou as mãos -- Me desculpe, minha filha, mas estou me
coçando de curiosidade -- Os olhos da jovem senhora pareceram crescer dentro do rosto -- O que aconteceu
naquela terrível noite do acidente?
Carolina se revirou na poltrona, depois se voltou para olhar Elisa de frente.
-- Nada disso precisava ter acontecido, não é mesmo, babá? -- Carolina deu uma risadinha melancólica -- Mas
aconteceu... Eu vou te contar desde o início.

-- Doutor Vinícius, essa é Natasha Falcão -- disse Andreia formalmente.


O cardiologista, dirigiu-lhe um olhar de curiosidade.
 -- Muito prazer em conhecê-la senhorita Falcão -- disse o doutor Vicente, com sua voz suave, estendendo-lhe
a mão direita. Ele virou imediatamente a cabeça e encarou Andreia. A expressão do médico indicava que as
notícias não eram boas.
-- Como ele está, doutor? -- Andreia perguntou.
-- Vamos sentar -- ele disse suavemente, conduzindo-a até uma poltrona que havia em uma sala reservada. O
cardiologista puxou uma cadeira e sentou-se em frente a Andreia e Natasha.
-- Então, doutor? -- Andreia respirou fundo.
-- Ele precisa fazer a cirurgia no coração com urgência. Não podemos esperar mais -- ele disse com tristeza
genuína -- Mas, quando pediram uma reunião, pensei que tivessem novidades.
Andreia fitou-o, sem entender, estava curiosa e muito confusa.
-- Reunião?
-- Desculpa, Carol. Eu tomei a liberdade de pedir para a Jessye entrar em contato com o doutor Vinícius e
agendar uma reunião -- Natasha fez um gesto para que Jessye entrasse -- Eu não comentei nada com a Carol,
doutor.
-- Comentou o que, Nat? -- Andreia pegou o braço de Natasha -- Por que você pediu para conversar com o
doutor Vicente?
Doutor Vicente não estava menos confuso do que estava Andreia.
-- Carol? Por que a senhorita Natasha te chama assim, Andreia?
-- Calma! -- pediu Natasha, segurando as mãos de Andreia -- Vamos por partes. Primeiro conversaremos sobre
a cirurgia do seu pai. Depois, você conta para o doutor o motivo de te chamar de Carol.
Eles concordaram com um gesto rápido de cabeça. Por um bom tempo, Andreia a fitou, porém os olhos verdes
tinham uma expressão confiante que deixava claro que ela não queria ser contrariada em suas decisões.
-- Quero que façam a cirurgia cardíaca do senhor Fábio, hoje mesmo -- Natasha falou de forma impositiva,
mandou e não pediu. Ela estava acostumada a dar ordens e a ser obedecida de forma incondicional.
-- Creio que hoje não seja possível. Por mais que queira realizá-la, não conseguirei reunir a equipe...
Natasha o interrompeu cortante, com o rosto subitamente frio e irritada.
-- O celular, essa maravilhosa invenção de Martin Cooper, que tanto auxílio tem prestado ao homem, é muito
útil nesse momento, doutor -- Natasha o encarou por um longo momento -- Se não usar o seu, eu usarei o meu.
Ao ouvir o tom autoritário da empresária, Andreia se aproximou e se colocou junto a ela com a intensão de
apaziguar.
-- Nat, vamos ouvir o doutor Vicente, talvez ele...
-- Eu precisarei de apenas algumas horas para reunir aqui nesse hospital, a melhor equipe de cirurgiões do
Brasil. Não entendo porque o doutor Vicente precisa de tanto tempo para reunir a equipe dele.
O cardiologista fez um trejeito com a boca. Não permitiria que aquela arrogante trouxesse uma equipe de
outro hospital para realizar a cirurgia em seu amigo.
-- Tudo bem, Andreia. Eu vou tentar reunir a minha equipe de cirurgiões.
Com os ombros elevados e evitando bater de frente com aquela mulher, que aparentemente, possuía o poder
do dinheiro, ele voltou-se e saiu andando, rápido, pelo corredor do hospital, até que sumiu de vista.
Andreia, então, soltou um suspiro de alívio.
-- Precisava ser tão grossa com ele?
-- Precisava -- ela riu, abraçando-a com carinho -- As vezes, mana, precisamos dar um tranco, para que as
coisas funcionem. Não importa se vai dar certo ou não, se vai conseguir ou não, o importante é o empenho de
tentar. Não deixe que as pessoas digam para você que não vai dar certo, sem ao menos terem tentado.
Andreia fechou os olhos, encostou a cabeça no ombro da empresária, parecendo ali encontrar conforto.
-- Obrigada, por dar mais uma chance ao meu pai. Essa cirurgia é a nossa esperança de ter ele de volta.
-- Te quero ver feliz, meu amor -- Natasha apertou-a com mais força.
-- Estou com tanto medo, Nat. É uma cirurgia muito complicada e perigosa -- Andreia não queria pensar no que
poderia acontecer com seu pai -- Meu pai era uma rocha, ele era o homem mais forte que conheci. Nada
poderia derrubá-lo.
Natasha afastou-se delicadamente e apertou-lhe a mão.
-- Vai dar tudo certo. Você tem que acreditar nisso.
Natasha sorriu para ela, e seu sorriso a fortaleceu.

-- A Natasha não podia ter feito isso comigo -- Sibele protestou, quando entraram no saguão do aeroporto --
Eu que deveria acompanhar a recuperação do seu pai!
-- Usando muletas? -- Marcela retrucou, juntando-se à pequena fila dos passageiros de primeira classe -- A
culpa é daquele idiota.
-- Essa mudança nos planos não é nada bom.
-- O que faremos agora? -- Marcela perguntou, num fio de voz -- Essa tal de Talita pode colocar o nosso plano a
perder. Ela não pode estar ao lado do papai quando ele recuperar a lucidez.
-- Verdade, mas, não se preocupe, é só deixar tudo por minha conta.
-- É disso que tenho medo. Agora com esse dedo quebrado você não poderá fazer muita coisa.
Sibele emitiu um risinho sarcástico.
-- Isso é o que você pensa. Não vou permitir que aquela Barbie manézinha estrague tudo. Ah, mas não mesmo!
-- ela afirmou, convicta.

A bela mulher atravessou o salão de modo lento e determinado, até parar diante do balcão de recepção do
hotel.
-- Bom dia, por favor, pode verificar a minha reserva? -- ela entregou o documento e enquanto aguardava a
confirmação, olhava ao redor, admirando a decoração luxuosa.
-- Tudo certo, senhorita Layla -- a recepcionista sorriu com simpatia -- Um carregador a conduzirá até o
elevador, levando as malas até o décimo oitavo andar. Seja bem-vinda senhorita e uma ótima estadia!
-- Obrigada! -- a moça, agradeceu com um sorriso largo.
Pouco tempo depois estava a caminho do quarto, com o funcionário levando as bagagens.
O hotel era do jeitinho que imaginava. Luxuoso porém, aconchegante, com uma vista maravilhosa para o
Oceano Atlântico. Palmeiras e árvores frondosas que lembravam as ilhas do Caribe. Perfeito para o seu
projeto.
-- Gostou do que viu até agora? -- perguntou o rapaz ao sair do elevador.
-- Adorei, mas acho que ainda levará alguns dias até que consiga ver tudo.
-- A Ilha do Falcão é enorme, tem muitas trilhas, muitas cachoeiras. Esteja preparada para muito agito.
-- É o que eu mais quero -- disse Layla, animada -- Você tem informações sobre a senhorita Falcão? Preciso
muito falar com ela.
-- A senhorita Natasha está viajando, mas qualquer coisa que precisar, pode chamar o senhor Leopoldo, ele é
o gerente.
O carregador pôs a bagagem no chão da sala e em seguida, com um sorriso, deixou o local.
Layla fechou a porta e encostou-se nela com um sorriso estampado no rosto.
-- Hum, quem sabe essa ilha não seja o meu futuro lar?

Créditos:
http://pt.surgeon-live.com/content_kak-zashit-ranu.htm

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Capítulo 21 Ela Foi Embora? por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 21

ELA FOI EMBORA?

Natasha segurou a mão de Andreia, e todos se sentaram e ouviram enquanto o doutor Vinícius descrevia a
cirurgia e o que isso implicaria para Fábio.

-- Algumas vezes, especialmente quando o defeito é na valva mitral, é possível fazer o reparo usando
cateteres, envolvendo-a com um anel de plástico ou tecido. Em outras situações, o mal funcionamento da
valva requer que ela seja substituída por uma válvula (versão artificial da valva). Quando isso acontece, é
preciso fazer a substituição.

-- O que é o caso do papai? -- perguntou Andreia, com sua expressão de preocupação, cansaço e desespero.

O médico balançou a cabeça.

-- Sim. Existem dois tipos de válvulas: mecânicas e biológicas.

-- E qual vai ser usada no senhor Fábio? -- perguntou Natasha, com interesse.

-- Quando as válvulas mecânicas são utilizadas, você terá que tomar remédios que fazem o sangue ficar mais
ralo, mas elas normalmente duram o resto da vida (são feitas de aço inoxidável ou titânio). Já as biológicas têm
um tempo determinado de vida, mas você não vai depender de medicamentos -- o cardiologista sorriu -- Como
conheço muito bem o meu amigo e sei que ele não tomará os remédios, usaremos as biológicas.

Andreia balançou a cabeça.

-- O senhor faz ideia de quanto tempo levará a cirurgia?

-- Não tenho como prever. Só saberemos depois de abrir o peito e examinar a extensão dos danos. Durante a
cirurgia ele será conectado a uma máquina coração-pulmão, que faz o trabalho desses órgãos.

-- Meu Deus, tudo isso me parece assustador -- Isabel prendeu Natasha com seu olhar -- Eu preciso de você ao
meu lado.

Natasha pegou a mão de Andreia e trançou os dedos com os dela.

-- Ficarei o tempo todo com você -- disse com um sorriso, encorajador.

Doutor Vicente tocou de leve o ombro de Andreia.

-- Por que não vão todos para a sala de espera, eu peço para uma enfermeira avisar assim que a cirurgia
terminar.

O médico finalmente saiu. Natasha colocou o braço em volta de Andreia, amparando-a.

-- Vamos para a sala de espera. Agora só nos resta aguardar -- Natasha guiou-a até uma sala ampla com
televisão e várias poltronas onde elas se sentaram em silêncio.

Andreia se inclinou e encostou a cabeça no ombro da empresária. Que delícia aconchegar-se nos braços dela
e deixar o mundo girar lá fora! Pensou.

-- Obrigada por estar aqui comigo, Nat. Não sei se conseguiria sozinha.

Natasha beijou a cabeça dela, segurou-a firme, e a deixou chorar.

-- Enquanto você precisar de mim, estarei aqui.

As palavras de Natasha a fez refletir sobre suas atitudes desonestas. Sentiu-se tomada de um profundo
sentimento de culpa. Estava tomando posse de uma vida que não era dela, roubando o carinho e afeto que
eram de outra pessoa. Lágrimas escorriam pelo seu rosto. Abriu a boca ensaiando uma confissão, mas só
conseguiu sussurrar um pedido banal:

-- Eu adoraria uma xícara de café. Busca pra mim?

-- Claro, bonequinha -- Natasha se levantou, olhando para ela -- Já volto, tá.


 

Layla sentou-se na enorme sala de espera do escritório da gerência, olhando nervosamente para a porta
fechada.

Distraída, tomou mais um gole de café e depositou a xícara sobre a mesinha. Baixou os olhos para o relógio.
Já eram quase três horas e nada do tal gerente aparecer. A secretária havia garantido que ele estava na sala,
então por que não a recebia?

-- Com licença, pode me dizer se o gerente vai demorar muito a me atender? -- perguntou para a moça esbelta e
de cabelos negros sentada atrás de uma imensa mesa de vidro, analisando alguns papéis.

Ela levantou a cabeça quando ouviu Layla e interrompeu a tarefa que estava realizando.

-- Já comuniquei a sua presença, por favor, aguarde mais alguns minutos -- disse com um grande sorriso no
rosto.

-- Tudo bem. Desculpa, é que estou um pouco nervosa -- Layla voltou a sentar. Quanto mais o tempo passava,
mais nervosa ficava. Como seria esse gerente? Sua imaginação criava várias imagens dessa pessoa
desconhecida.

-- Senhorita Layla, já pode entrar -- avisou a moça.

-- Obrigada.

Assim que entrou na sala, Layla ergueu os olhos e viu um rapaz sorrindo para ela. A moça retribuiu o sorriso
educadamente. Ele estava em pé ao lado da mesa e estendeu a mão com exagerada delicadeza.

-- Layla Azevedo.

-- Leozinho -- respondeu o rapaz, com um aperto de mão delicado -- Sou o gerente. A venerável está no Rio de
Janeiro resolvendo um assunto particular.

-- Venerável? -- ela franziu o senho, sem entender.

-- Natasha, oras! -- afirmou ele, abrindo os braços -- Quem mais poderia ser?

-- Ah, claro -- ela revirou os olhos.

-- Mas, vamos ao que interessa -- Leozinho coçou a testa com a ponta do dedo indicador -- A Natasha está
muito animada com a possibilidade da instalação de um parque temático aqui na ilha e, confesso que eu muito
mais que ela. Adoro parque de diversão.

-- Que bom -- Layla abriu o notebook -- O Parque Temático da Ilha do Falcão será uma experiência inovadora,
repleta de incríveis emoções e puro relaxamento...

-- Antes que você comece a apresentar o projeto, quero que saibas que o Hotel Falcão opera de forma
sustentável e foi o primeiro hotel de luxo no Brasil a receber o selo de Etiqueta Nacional de Conservação de
Energia (ENCE), que caracteriza ações sustentáveis como redução de desperdício, menor impacto ambiental e
potencial de economia. O hotel foi projetado para consumir 40% menos água e 50% menos energia que um
hotel comum. A Natasha se preocupa muito com o meio ambiente.

-- Posso adequar o projeto atual, isso não será problema -- seus lábios tremiam. Aquele negócio renderia
milhões, não podia perder de jeito algum. Faria qualquer coisa para que ele fosse aprovado.

-- Mal posso esperar pra ver -- os olhos de Leozinho piscaram animados -- Estive no Beto Carrero e achei o
máximo. Me senti uma criança grande.

-- O Parque da Ilha do Falcão será o único parque temático genuinamente natural e tecnológico, construído
em uma ilha. É algo que vai agitar o turismo Catarinense e brasileiro.

-- Uau! -- Leozinho vibrou animado -- Espero que a Natasha aprove.

-- Consta no projeto aquários, orquidário, borboletário, arboreto, museu arqueológico, museu da história da
ilha, montanha-russa, teleférico, núcleo de conhecimento científico, núcleo de experiências, além do teatro, do
espaço de convivências, lojas, lanchonetes, centro administrativo e estacionamento -- Layla detalhou,
orgulhosa.

-- Pode ter certeza que farei tudo o que estiver ao meu alcance. Esse parque é um sonho antigo. Eu quero ele
pra mim, Layla.

Layla ergueu imediatamente a cabeça e o encarou, sorridente.

-- Que legal, Leozinho. O parque vai precisar de um administrador competente. Já conversou com a Natasha?
-- Tentei várias vezes, mas ela não me deu atenção.

-- Não desanime tão fácil. Quando ela voltar, vamos nos reunir e então você aproveita para falar a respeito.

-- Vou tentar.

Leozinho desejava realmente administrar aquele parque. Queria algo muito melhor do que aquele cargo de
gerência que ele já possuía. Ele queria um desafio maior. Desejava poder ser parte de um projeto ambicioso
como aquele. Tinha muito para provar à Natasha e também a si mesmo. Era a sua área, merecia aquele cargo.

Sidney puxou Marcela pela mão e foram para o balcão de informações.

-- Aonde está o senhor Fábio Dias? -- o rapaz perguntou aflito, tamborilando os dedos no balcão.

A mulher digitou algo em seu computador.

-- Nesse momento o paciente Fábio Dias está passando por uma cirurgia cardíaca.

-- Você sabe onde está a minha irmã Andreia?

-- Em uma área de espera reservada para a família. Atravesse a porta à sua esquerda, depois vá até o fim do
corredor e entre a direita.

-- Obrigada -- disse Marcela e puxou Sidney junto.

Passaram por portas e corredores até finalmente encontrarem a sala. Marcela soltou a mão de Sidney e se
aproximou de Andreia.

-- Alguma notícia?

Andreia balançou a cabeça.

-- Estamos à espera do fim da cirurgia. O doutor Vicente pediu para esperarmos aqui.

Olhando para o relógio de pulso, Natasha ficou surpresa ao ver que já tinha se passado tanto tempo.

-- Já faz mais de três horas de cirurgia -- ela se levantou e começou a andar pela sala -- Essa espera é terrível.

-- Nem me diga. Estou a ponto de subir pelas paredes -- Andreia olhou para Marcela com os olhos muito
abertos. Estava com o semblante fechado. A irmã não demonstrava preocupação pelo pai e isso a deixava
louca -- Pelo amor de Deus, Marcela! Você não deve ter um coração dentro desse peito.

Ao ver as lágrimas que Andreia derramava, Marcela abaixou os olhos envergonhada.

-- Eu também estou sofrendo muito, não é só você -- ela sussurrou, hesitante -- Eu tenho um coração. Tenho
sentimentos. Eu me importo com ele.

-- Não é o que parece, Marcela -- Andreia disse, irritada -- Papai está passando por uma cirurgia complicada e
perigosa e você, aonde estava? Com certeza tramando mais um de seus golpes.

-- Cala a boca, Andreia! -- berrou Marcela, Andreia estava falando demais -- Como poderia saber que essa
cirurgia seria feita ainda hoje? -- defendeu-se, desejando ardentemente que a irmã mantivesse a calma.

-- Como poderia saber? Estando aqui, sendo mais presente -- Andreia fez um gesto nervoso -- Desde que papai
foi internado, você visitou ele no máximo umas três vezes -- esbravejou, colocando para fora sua angústia.

-- Andreia, por favor! -- Sidney franziu a testa, e passou o braço em torno da amiga -- Não agora, meninas.
Concentrem-se em seu pai -- Decididamente, alguma coisa estava errada com Andreia. Sidney nunca a vira tão
aborrecida!

Natasha se levantou e puxou Andreia de volta para a poltrona. Colocou a mão sobre a dela num gesto
carinhoso -- Tente não perder a calma. Pense que daqui a pouco a cirurgia terá terminado e vocês terão o pai
com saúde novamente -- Ela acariciou de leve, os cabelos ruivos de Andreia.

Andreia sabia que ela estava tentando acalmar a briga entre as duas. Ela estava correta. Não era o momento,
nem o lugar para discutirem suas diferenças.

-- Sinto muito, Natasha. Eu não deveria ter me descontrolado assim -- ela tentou se levantar, mas a empresária
segurou-a pelo braço.

-- Você tem direito de ficar assim -- ela passou o polegar sobre o rosto de Andreia, secando algumas lágrimas
que ainda teimavam em cair.

Andreia beijou o topo da cabeça de Natasha.


-- Obrigada -- ela fungou e deu um sorriso fraco.

Finalmente, um médico entrou.

-- Boa noite. Eu sou o Dr. Leonardo, um dos cirurgiões cardíacos da equipe do Dr. Vicente.

Andreia apertou a mão de Natasha com força.

Sidney deu um gritinho abafado.

-- A cirurgia terminou? -- o rapaz perguntou, ansioso.

O médico se aproximou do grupo, enfiou as mãos nos bolsos do jaleco e encarou-os com o semblante
nitidamente cansado.

-- A cirurgia correu bem. Agora vamos transferi-lo para uma sala na unidade de cuidados cardíacos e monitorá-
lo durante as próximas vinte e quatro horas.

-- Ele está fora de perigo, doutor? -- Andreia não queria nem pensar que seu pai pudesse morrer. Seu pai era
humano, mortal, mas não era hora ainda. Não podia ser.

-- As próximas horas serão decisivas. O importante é que ele está vivo e com grande chance de recuperação.
Seu pai é duro como uma rocha.

-- Graças a Deus -- Andreia exclamou aliviada, jogando-se nos braços de Natasha.

-- Bom, tenho que sair, mandarei uma das enfermeiras trazer notícias de hora em hora.

-- Obrigada, doutor -- Andreia agradeceu com um sorriso -- Vocês ouviram isso? Papai vai se recuperar.

-- Claro que vai, seu pai é um homem forte e guerreiro -- Sidney disse, andando lentamente na direção dela -- Eu
não disse que tudo ficaria bem?

-- Eu tinha certeza -- Marcela disse com firmeza, depois se atirou na poltrona.

Natasha estava calada e pensativa. Andreia sentou-se de frente para ela e encarou-a interrogativa.

-- O quê foi?

-- Agora que o seu pai já fez a cirurgia e, segundo o médico, com um prognóstico bem favorável, penso que
podemos finalmente ir para a ilha, não é mesmo? -- ela perguntou em tom estranhamente autoritário que não
tinha nada a ver com a Natasha de minutos atrás. Sua expressão estava fechada, os olhos verdes opacos e
resolutos ao fitá-la.

Andreia sorriu, mas era um sorriso tenso.

-- Você não está falando sério. Não pode ser sério -- ela andou nervosamente pela sala e voltou a parar diante
da empresária -- Meu pai acabou de sair da sala de cirurgia. Ele ainda está correndo o risco de morrer, precisa
de alguém ao seu lado -- cansada, Andreia deixou escapar um suspiro que fez Natasha levantar as
sobrancelhas.

-- Ele precisa de um médico ao lado, não de uma chorona como você.

-- O que? -- Andreia estava indignada -- Ele precisa de um familiar, de uma pessoa que cuide dele com carinho.

-- Marcela -- Natasha apontou com um dedo para a garota esparramada na poltrona -- Pronto, está decidido.

-- Ahhh... Não! -- Marcela se levantou rapidamente da poltrona -- Eu estou sonhando há dias com essa viagem.
Não fico de maneira alguma.

-- Que tal o tricoflor, então? Ele é praticamente da família -- Natasha olhou-o rapidamente, de esguelha.

-- Não fico, não fico, não fico -- Sidney recusou, na mesma hora -- Eu também quero ir para a ilha.

-- Tadinho do papai. Ele não merece o que vocês estão fazendo -- Andreia estava fisicamente, mentalmente e
emocionalmente esgotada -- Eu vou ficar com ele -- ela desafiou, com cautela, colocando doçura na voz.

-- Isso está fora de cogitação -- Natasha estava irredutível -- A Jessye já entrou em contato com a doutora
Talita. Pedi para que ela acompanhasse toda a recuperação do seu pai. Se for necessário a sua presença, você
poderá vir na próxima semana -- ela admitiu, com voz dura.

Natasha virou-se e dirigiu-se para a porta de saída, mas Andreia, insistente, bloqueou a sua passagem.

-- Olha, Natasha. Me dá mais alguns dias -- Andreia segurou-lhe a mão com firmeza -- Apenas alguns dias.

Natasha bufou. Olhou demoradamente para Andreia e cruzou os braços.


-- Quatro dias -- disse ela, tentando parecer firme -- Caso você não esteja sexta feira na ilha...

-- Caso eu não esteja sexta feira na ilha? -- Andreia devolveu as palavras para Natasha, encarando-a com ar de
desafio.

-- Eu venho te buscar -- ela respondeu, com uma ponta de ironia, observando Andreia dos pés a cabeça -- E te
levo mesmo que seja arrastada.

Natasha saiu e fechou a porta atrás de si com uma surpreendente delicadeza. Andreia virou-se para Marcela e
Sidney, completamente surpresa.

-- Ela foi embora? -- a ruiva fez uma careta enquanto andava até a porta -- É isso mesmo? Ela foi embora e nem
se despediu de mim?

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Capítulo 22 Tão somente por você. por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 22

Tão somente por você.

Natasha saiu do hospital cuspindo marimbondo. Não estava mais suportando aquele amor incondicional de
Andreia pelo homem que as separou. Que a enganou com uma historinha idiota de pais drogados.

-- Para mim chega! -- bateu a porta do automóvel com força -- Vamos logo embora dessa droga de hospital.

Jessye permaneceu imóvel. Natasha estava tendo mais um de seus ataques de fúria carregado de sotaque
açoriano. Era uma ira incontrolável, que ela conhecia muito bem.

Agora, o que mais chamava a atenção da secretária era o modo dela falar. Geralmente entendia muito bem a
chefe, mas, nesses momentos de descontrole, era algo simplesmente incompreensível! Jessye olhou
rapidamente para a empresária. Sim, certamente Natasha era do tipo neurótica, pensou.

-- Deixe-me entender, Natasha -- ela disse à chefe -- Você e a senhorita Carolina, já tiveram a primeira
discussão?

-- Não... Quer dizer... Sim... -- um pouco confusa, ela virou-se e ficou de frente para Jessye -- Ela preferiu ficar
com o sequestrador do que ir comigo para a ilha. Dá para acreditar?

Jessye olhou para ela atentamente, e se calou. Era perda de tempo argumentar com a empresária.

-- Ficamos vinte e tantos anos longe uma da outra, agora que podemos, enfim, ficarmos juntas, ela se recusou
a viajar comigo para a ilha. Eu mereço? Confesso que senti uma vontade enorme de avançar na Andreia e
apertar aquele pescoço fino.

-- Agora acalme-se e me conte o que aconteceu -- pediu a secretária.

Natasha continuou a falar sem dar ouvidos à Jessye. Ela estava muito, muito brava.

-- Manda preparar o jatinho. Quero voltar para a ilha hoje mesmo -- Natasha ajeitou-se no banco -- E espero
sinceramente que ela cumpra o que prometeu.

Com o telefone apoiado entre o ombro e a orelha, Jessye combinou os detalhes do retorno com o
comandante.

Uma batida na janela do carro assustou Natasha. Ela virou-se e viu a silhueta de uma mulher próxima ao carro.

Seu jeito bravo desapareceu, substituído por um sorriso radiante, ao reconhecê-la.

-- Vanessa! -- ela destravou a porta do carro e saiu -- Que coincidência maravilhosa.

Vanessa era uma pessoa que dificilmente alguém consideraria linda. Hoje, quando se fala em padrões de
beleza na sociedade, as referências são as blogueiras fitness e modelos. Porém, Vanessa era a fofinha mais
sexy e elegante que Natasha havia conhecido.

Natasha patrocinava vários eventos beneficentes realizados pela moça. Vanessa não media esforços na
arrecadação de fundos para ajudar crianças e adolescentes carentes.

-- Minha querida! Como vai você? -- Vanessa, levantou os olhos para aquela linda mulher e sorriu gentilmente.

-- Muito melhor, agora -- a voz empolgada da empresária fez Vanessa alargar o sorriso, ainda mais.

A moça passou de leve os dedos na bochecha da empresária, depois trocaram um selinho rápido.

-- Está acompanhada? Espero que não -- Natasha deu um olhar devasso para a mulher.

-- Sozinha e faminta -- Ela assumiu uma expressão bem-humorada.

-- Por comida? -- perguntou Natasha. Uma pergunta maliciosa que fez Vanessa abrir um largo sorriso.

-- Você é uma danadinha, bebê -- Ela virou-se para Jessye e deu um sorriso simpático -- Olá Jessye, tudo bem?
Jessye não estava nem um pouco feliz, deu um sorriso amarelo e lhe respondeu num tom pouco convincente:

-- Tudo bem.

Natasha percebeu o olhar contrariado da secretária.

-- Algum problema, Jessye?

-- O jatinho estará a sua disposição em duas horas.

-- Cancele -- Natasha disse com firmeza, sorrindo quando cruzou o olhar com o de Vanessa -- Também estou
com muita fome e, um dia a mais, um dia a menos, não fará grande diferença -- sentiu um arrepio percorrer o
corpo só de pensar em como a noite poderia terminar.

-- Mas Natasha...

-- Por favor Jessye, relaxa -- Natasha disse dando uma piscada de olho -- Pegue a noite de folga e vá se divertir.

Jessye deu um olhar dissimulado para a chefe e pegou o celular.

-- Vou ligar para o comandante.

Vanessa ajeitou-se melhor no assento do carro.

-- Então vamos -- murmurou a moça, enquanto o motorista manobrava o automóvel, para sair do
estacionamento do hospital.

Andreia, Marcela e Sidney continuavam aguardando o doutor Vicente na sala de espera. O clima entre eles
estava tenso e a ironia de Marcela não ajudou a melhorar as coisas:

-- A irmãzinha bipolar deu um pé na bunda e se mandou -- cantarolou debochada -- Por que você não foi com
ela? -- perguntou, irritada -- Papai será muito bem cuidado. A tal da doutora Talita, não deixará nada faltar a
ele.

-- Você não entende. Essa mulher é uma estranha, ela nunca poderá nos substituir. Nesse momento, papai vai
precisar muito do nosso amor e carinho.

-- Para com isso, Andreia! Amor e carinho não paga dívidas -- Marcela escondeu o rosto nas mãos, num gesto
cansado e desesperado -- Sabia que não podia confiar em você. Algo me dizia que no momento crucial você
pularia fora.

Andreia passou a mão no cabelo, nervosa.

-- Você me faz sentir-se um monstro falando assim! Quando na verdade só quero o bem do papai.

Sidney lhe apertou a mão, confortadora.

-- Você só está fazendo o que é certo. A propósito, minha querida, você não teve culpa se as coisas não
correram como esperávamos.

Doutor Vicente entrou na sala e todos olharam para ele, ansiosos para ouvir o que o médico diria.

-- Meu amigo Fábio é um guerreiro -- ele sorriu, não escondendo a felicidade que sentia.

-- Como ele está? -- perguntou Marcela.

-- Ele vai ficar bem. Nesse momento estamos levando o Fábio para a UTI. É o protocolo para esses casos.

O alívio na sala era palpável. Andreia estava pálida, seu rosto tinham lágrimas rolando. Seu pai era a sua vida.
E, oh Deus, ela não poderia perdê-lo.

-- Posso ver o meu pai antes de levarem ele para a UTI? -- Andreia perguntou com voz rouca.

As sobrancelhas do médico levantaram e ele ficou em silêncio por alguns segundos.

-- Tudo bem. Apenas por alguns minutos.

Andreia empurrou a porta de vidro deslizante, seu coração despedaçou quando viu seu pai, pálido e preso a
um monte de máquinas fazendo bipes.

Ele parecia tão frágil. Ela lutou contra as lágrimas, aproximou-se e pegou a mão dele com carinho.

-- Me perdoe, papai. Espero que um dia entendas que tudo o que estou fazendo é tão somente por você.
Vendo seu pai depois de ter feito a cirurgia, com oxigênio, intravenoso no braço e ligado a tantas máquinas,
teve que admitir: Precisava do dinheiro da família Falcão.

Um grande número de pessoas aglomerava-se na entrada do restaurante. As mulheres com seus vestidos de
grifes e os homens com seus ternos elegantes, enfeitavam o ambiente. Milionários do mundo dos negócios
estavam presentes. Embora nenhum, Vanessa admitia, era tão poderoso quanto a mulher ao seu lado.

Logo um funcionário as recepcionou e as conduziram até uma mesa bem posicionada. A música tranquila de
fundo tornava o ambiente agradável.

-- Pensei em algo bem mais simples -- comentou Vanessa ao sentar-se.

-- O carrinho de cachorro quente não serve champanhe -- com um gesto firme, Natasha pegou o cardápio e
começou a folheá-lo -- Hum, essa paleta de cordeiro ao vinho branco e alecrim parece delicioso. O que você
acha?

-- Prefiro Gnocchi recheado com carne de ossobuco, molho de limão siciliano.

-- Para quem preferia um restaurante mais simples, seu pedido é bem requintado.

-- Já que estou aqui, por que não aproveitar? -- ela sorriu. Natasha estava sentada do outro lado da mesa, a
esta distância, podia sentir a fragrância suave do perfume dela.

O garçom registrou os pedidos e saiu, as garçonetes vieram logo em seguida, servindo as entradas. Vanessa
deu um gole em seu champanhe e, em seguida, mesmo receosa, ousou perguntar sobre Mariana.

-- Tem notícias dela?

Natasha permaneceu serena. Recusava-se a deixar transparecer o quanto aquele assunto a incomodava.

-- Faz muito tempo que não tenho notícias dela, mas, provavelmente terei nos próximos dias.

-- Por que diz isso?

-- Mandei cancelar os cartões de crédito dela.

Vanessa soltou uma risada debochada.

-- Pode ser que ela não seja um deslumbramento para os olhos, mas tem uma esperteza assombrosa -- a moça
deu outro gole no champanhe e olhou ao redor -- Aposto que ela vai voltar correndo.

-- Pois que volte, expulsarei ela da ilha, ou melhor, mandarei jogá-la aos tubarões.

Vanessa deu outra risada, dessa vez mais longa.

-- Não precisa proteger a sua reputação de mau, Natasha. Poupe seu fôlego. Todos sabem que você ainda é
louca por aquela lambisgoia. Tudo que você deseja é vingança!

-- Quem falou em vingança? -- Natasha perguntou irritada.

-- Nem precisa falar. Eu vejo em seu rosto -- observou, com desdém.

Ficaram em silêncio. Natasha olhava para ela inexpressivamente. Seus olhos estavam mais frios do que nunca.

-- Penso que devemos mudar de assunto, antes que o assunto mude o que eu penso sobre você.

-- E o que você pensa sobre mim?

-- Que você é uma pessoa agradável e discreta -- Natasha bateu com o garfo na mesa sem pensar -- Seu prato
parece mais suculento que o meu.

-- Bom gosto, meu amor. Isso tenho de sobra.

-- Posso me incluir em sua lista de bom gosto?

-- Primeirinha da lista -- Vanessa deslizou o dedo pelo rosto dela. Arrepios percorreram-lhe o corpo -- No meu
hotel ou no seu? -- ela perguntou, divertida.

-- No meu.

Com isso, elas deram o assunto por encerrado. Não tocaram mais no nome de Mariana e, durante o jantar,
Natasha já estava outra vez de bom humor.

 
Andreia retornou para a sala de espera e viu Jessye sentada na beirada da poltrona. De terninho e cabelo
preso, toda reta, composta e naturalmente elegante. Se ela estava alí, então Natasha também deveria estar.
Animada por esse pensamento, caminhou com determinação até a secretária.

-- Pensei que já tivessem voltado para a Ilha do Falcão -- sentou ao lado da moça, adotando uma atitude
cautelosa.

Como era educada, Jessye forçou um sorriso amarelo, mas não tinha a menor vontade de sorrir. Estava
chateada por Natasha ter mudado completamente os rumos daquela viagem. Havia conseguido poucas
informações sobre o Hotel falido do senhor Fábio, dessa forma, não conseguiria montar um relatório preciso
sobre a real situação do imóvel.

-- Natasha decidiu passar mais uma noite no Rio. Coincidentemente, ela encontrou-se com uma amiga no
estacionamento do hospital e resolveram relembrar os velhos tempos.

-- Como assim, relembrar os velhos tempos? -- um tipo de expressão estranha surgiu no rosto de Andreia.

-- Jantar, beber, curtir até quase de manhã... Se é que você me entende -- Jessye levantou as sobrancelhas
observando a reação da irmã de Natasha. Andreia deu de ombros, mostrando que estava confusa.

-- Não. Não entendi! -- disse Andreia, cruzando os braços sobre seu peito.

-- Bobinha! -- Marcela, que estava sentada numa cadeira no canto da sala, olhou para ela, mas não se levantou -
- Elas foram: botar as aranhas para brigar; fazer vuco-vuco; nheco-nheco; repartir a peruca; sapeca iá iá; dar
uma lapada na rachada; dar uns pegas; virar os zóin; colar o velcro; dar um tapa na periquita -- a moça
respirou fundo e levantou uma das sobrancelhas de forma cínica antes de perguntar: -- Entendeu agora?

Por um segundo Andreia ficou apenas olhando para Jessye.

-- É isso mesmo?

-- Sim, é isso mesmo -- a secretária afirmou, balançando os ombros.

-- Como ela teve coragem? Ficar com a irmã, ela não podia, agora com uma amiguinha, ela pode! -- Andreia
estava indignada.

Sidney caminhou em direção a ela, colocando a mão em seu ombro com um suspiro.

-- Não esqueça, minha querida que foi você que se recusou a ir com ela.

-- É mesmo! -- exclamou Marcela, com ironia -- E você Jessye, o que faz aqui? -- ela sabia que Jessye não estava
ali por acaso, e a presença dela a incomodava.

-- Estou esperando pela doutora Talita -- ela deu uma olhada ao redor, como se estivesse procurando uma
outra pessoa; e ela ficou contente ao perceber que a doutora acabava de entrar -- Olha ela aí.

Talita levantou o rosto e fitou Andreia por um bom tempo. Seu olhar era penetrante, como se quisesse
descobrir os segredos dela.

-- Então você é a Carolina? Finalmente nos encontramos -- Talita sentiu uma onda quase insuportável de ódio
ferver dentro dela. Droga. Aquela mulher era uma mentirosa perversa.

Houve um longo silêncio.

-- Sim, eu mesma -- Andreia estendeu a mão, esperou até que a doutora desse a sua a ela, e suavemente
apertou -- Muito prazer, doutora Talita. Estava lhe aguardando ansiosamente.

-- Estava? -- perguntou Talita, admirada.

-- Natasha disse que você viria para acompanhar o meu pai em sua recuperação. Pois bem, preciso ir em casa
tomar um banho e pegar algumas roupas limpas.

-- Por mim tudo bem, mas quero que me apresentem ao médico responsável por ele -- A jovem doutora olhou-a
com altivez, lutando para manter a voz neutra -- Tenho que ter amplo acesso à papeleta, ao prontuário médico,
a todo o seu material médico, laboratorial. Saber o seu diagnóstico, conhecer a fundo o seu tratamento, os
medicamentos.

-- Sem problemas. Já conversei com o doutor Vicente e ele autorizou o seu livre acesso aos documentos --
Andreia falou com a voz mais simpática possível, apesar de perceber o modo como Talita demonstrara
imediata desconfiança e antipatia em relação a ela -- Enquanto estou fora, Marcela poderá acompanhá-la. Não
é mesmo marcela? -- Andreia olhou para a irmã e fez um trejeito com a boca.

-- Mas é claro -- a contragosto, Marcela concordou -- Pode ir, não se preocupe.

Andreia segurou o braço de Sidney e apontou na direção da porta.


-- Você vem comigo! -- ela praticamente o arrastou até o corredor -- Lembra qual é o hotel que a Natasha está
hospedada?

-- No Windsor Marapendi, mas, por que?

-- No caminho te conto. Está com a chave do carro da Marcela?

Natasha e Vanessa saíram do restaurante e foram direto para o Windsor Marapendi. O enorme carro que as
esperava junto à porta deslizou com facilidade pelas ruas desertas até estacionar em frente ao hotel na Barra
da Tijuca.

Andreia estava no carro em frente ao hotel, sentindo-se ridícula parecendo uma ex-namorada perseguidora.
Sidney estava encolhido no banco do carona, tremendo de frio. Ele esfregou as mãos nos braços, rezando
para que os seguranças do hotel, não chamassem a polícia.

-- O que estamos fazendo parados na frente desse hotel, a essa hora? -- ele bocejou -- Francamente, por que
eu me permito entrar nessas encrencas?

-- Para de resmungar. É por uma justa causa -- Andreia inclinou-se para frente e forçou o olhar em direção a
entrada do Windsor Marapendi -- É ela.

Andreia abriu a porta do carro e saiu.

-- Ei sua louca, aonde vai? -- perguntou Sidney, surpreso. Andreia não costumava agir assim, por impulso. Ela
era sempre tão pragmática.

Andreia apoiou-se na beirada da janela aberta do carro, e se inclinou para falar com o amigo.

-- Caso eu não volte em uma hora, não se preocupe. Pode ir embora.

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É
Capítulo 23 É Tentação Demais por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 23 

É tentação demais  

O motorista estacionou e saiu rápido da limusine, aproximou-se da porta de trás e abriu-a, fazendo uma
saudação educada para Natasha e sua acompanhante.  

Vanessa foi a primeira a sair do carro e cuidadosamente alisou o seu elegante vestido. Olhou para Natasha,
que estava saindo da limusine negra e por um momento, seu olhar castanho-escuro encontrou o verde cálido
do olhar de Natasha. Ela parecia tão bem quanto no passado. Pensou a moça. Será que continuava gostosa
como antes? De alguma forma ela sabia que sim, apesar de já terem se passado tanto tempo desde que haviam
feito sexo pela última vez. Ela desviou o olhar do rosto da empresária para uma moça ruiva que caminhava
rápido em direção a elas.  

-- Natasha! -- a ruiva chamou, a poucos metros de distância do carro. 

Natasha virou-se devagar, deparando-se com Andreia. Levantou a vista até encarar o belo par de olhos
castanhos que ela reconheceria em qualquer lugar.   

-- Carolina! -- Natasha não conseguiu evitar o sorriso -- O que faz aqui?  

Andreia se encostou na porta do carro e tentou encontrar as palavras certas. Engoliu em seco e umedeceu os
lábios.   

-- Precisamos conversar -- ela mal podia respirar.  

Vanessa olhou-a de alto a baixo enquanto Natasha se aproximava dela, o instinto feminino avisando que
aquela ruiva era sim, uma enorme ameaça ao seu plano de uma noite ardente de pura sedução. -- Conversar, a
essa hora? -- Vanessa se colocou entre as duas -- O que será tão importante que não pode esperar até
amanhecer?  

Andreia alisou o cabelo com as mãos, desejando ter tido tempo de se produzir melhor. Sentia-se uma
magricela sem graça, diante daquela mulher cheia de curvas e sexy. Ela tinha os longos cabelos presos no alto
da cabeça; sua postura altiva era fascinante e sua voz era firme e atraente. De repente, Andreia sentiu-se
como o Leão Covarde, morrendo de medo da cabeça verde e flutuante do Mágico de Oz.  

-- Para com isso, Vanessa -- Natasha intercedeu -- Você parece um Pit Bull babando em mim. Carolina pode me
procurar a hora que bem entender.  

Novamente, Natasha a fez sentir-se a pessoa mais importante do mundo. Ela era a sua heroína, a sua Mulher
Maravilha dos Açores. A cara de boneca Annabelle, que a tal da Vanessa fez, inflou o ego de Andreia, quase a
ponto de explodir.   

Lutando para recuperar sua respiração normal, Andreia puxou o ar pelo nariz até encher o pulmão, e soltou
de uma vez pela boca.   

-- Me desculpe, eu não queria atrapalhar a noite de vocês. 

Por um momento, Natasha, apoiou a mão sobre o cabelo ruivo da irmã, olhando seus olhos brilhantes. Sua
boca se curvou em um sorriso tranquilo.  

-- Não peças desculpas, você não está me atrapalhando -- Natasha esticou o braço e lhe segurou a mão -- Olhe,
pode ficar certa de que nunca vai me atrapalhar.   

Andreia percebeu que Vanessa a olhava. Ela parecia embaraçada e curiosa ao mesmo tempo.  

-- Vanessa, essa moça linda é a minha irmã Carolina. Lembra que havia lhe contado?  

-- Como poderia me esquecer? -- O sorriso de Vanessa se aprofundou e ela olhou-a de alto a baixo de novo,
nesse momento, com ar de alívio -- Eu me lembro de tudo o que você contou. É incrível que a tenha
encontrado.  

-- Na época você duvidou que eu a encontraria -- o bom humor aquecia a voz dela -- Viu, Carolina, se eu tivesse
dado ouvidos a esse povo, não teríamos nos encontrado.  
-- Ainda bem, que você nunca desistiu de mim -- Andreia riu, nervosa. Ainda podia sentir a mão dela presa a
sua.  

-- Você não prefere entrar? -- Natasha perguntou -- Lá na suíte conversaremos mais, a vontade.  

-- Bem. Não sei.  

-- Deixe de timidez -- ela sorriu abertamente a sua irmã -- Vamos subir, estou curiosa para ouvir o que você tem
a dizer.  

Andreia assentiu com a cabeça. Seus cabelos sedosos caíram sobre seu rosto bonito. Natasha apertou a sua
mão com força. Carolina era tudo que ela tinha, sua única família. Natasha acreditava que ela merecia tudo de
bom que a vida tinha para oferecer e estava decidida a proporcionar-lhe.   

Ao subirem no elevador, Andreia perguntou-se por que havia tomado a decisão de procurar Natasha! Refletiu
e como resposta franziu o cenho. Estava começando a se sentir meio confusa. Aquela não era ela, não
costumava agir de forma transloucada.  

A suíte de Natasha ficava na cobertura do hotel, com portas duplas que davam para uma grande sala e outras
para outros cômodos. A empresária fez um sinal para que a irmã a seguisse.   

Vanessa olhou para Andreia com frieza. A moça a estava estudando com igual interesse, e se não havia
aprovação em seu olhar, pelo menos também não havia nenhuma hostilidade.  

-- Gostariam de um drinque enquanto conversamos? -- sugeriu Natasha, enquanto chamava a irmã para sentar-
se ao seu lado no sofá. 

-- Não se preocupe comigo, eu mesma me sirvo -- Vanessa foi até o bar e serviu-se de dois dedos de uísque em
um copo com gelo. 

-- Prefiro ir direto ao ponto -- Andreia era conhecida por sua praticidade. Não agiria diferente com Natasha --
Assim que você deixou o hospital, recebi a permissão de entrar para ver o meu pai.   

Natasha logo fez um gesto para que ela continuasse a falar.  

-- Cheguei a conclusão de que a minha presença não será tão necessária nesses próximos dias. Ele está preso
a vários aparelhos e será mantido dessa forma por tempo indeterminado. Acredito na competência e
sensibilidade da doutora Talita para assisti-lo no que for preciso -- disse a jovem com mais confiança do que
sentia.  

-- Talita é competente e leal. Eu não tenho a menor dúvida quanto a isso, mas, o que está querendo me dizer?
Por acaso, mudou de ideia? -- indagou Natasha, dando-lhe um olhar esperançoso.  

Antes que Andreia tivesse tempo de responder, Natasha a abraçou com entusiasmo.  

-- É isso mesmo, Carol?  

-- Sim -- respondeu Andreia -- Eu vou para a ilha.  

Natasha voltou a abraçá-la, uma das mãos apertando as costas e a outra afagava a cabeça. Andreia cruzou
seus braços ao redor do pescoço dela com uma força fora do normal.  

Um ruído, então, separou-as e ambas se viraram para Vanessa.  

-- Eu gostaria de ir embora agora -- disse ela, com a voz baixa, passando o olhar pelo relógio de pulso -- O dia
já vai amanhecer.  

Natasha olhou para a janela, percebendo, que ela tinha razão.  

-- Tenho uma reunião as nove -- Vanessa explicou. Então, com um suspiro sôfrego, ela se levantou.  

-- Entendo perfeitamente -- Natasha, caminhou até o telefone -- Vou pedir para o motorista te levar. 

-- Até mais, Carolina. Foi um prazer te conhecer -- disse Vanessa -- E espero que voltemos a nos falar -- a moça
deu um sorrisinho estranho -- Mas, da próxima vez, que seja em um momento mais adequado -- completou,
fazendo um gesto de tchauzinho com a mão e saindo. 

Dividida entre a vergonha e um sentimento de felicidade, que parecia inteiramente inapropriado para as
circunstâncias, Andreia ficou observando enquanto Natasha se afastava alegremente. Ela ficou se
perguntando de onde havia tirado tanto atrevimento e audácia. Havia momentos em que estranhava suas
próprias atitudes.   

-- Ela já foi -- Natasha voltou animada e sorridente apesar da noite com Vanessa ter sido um fracasso. Não
seria a primeira e nem a última vez que tinha dado o cano em uma mulher. Principalmente nas do tipo
voluntariosas como Vanessa. Mulheres assim eram péssimas amantes. Suas mentes estavam voltadas somente
para o dinheiro das doações. E quando ela estava na cama com uma mulher, ela tinha de estar com sua mente
totalmente voltada para ela -- Precisamos descansar um pouco. Vou pedir para a Jessye mandar o comandante
preparar o jatinho. Onde está essa garota? -- ela andava de um lado para outro, visivelmente agitada, a testa
franzida, enfiando a mão nos bolsos a procura do celular.   

-- Ela e a doutora Talita estão lá no hospital -- sorridente, Andreia segurou-lhe a mão -- Vamos combinar uma
coisa?  

Natasha franziu a testa.  

-- Hum, lá vem você. Carolina, Carolina, não brinque comigo!  

A ruivinha sorriu de leve, segurou o rosto dela e deu-lhe um beijo na bochecha. Esse simples toque
causou em Andreia uma onda de excitação e desejo que percorreu o corpo dela, espalhando-se como
choques elétricos incontroláveis. Sentiu suas faces aquecerem, ela enrubesceu e ficou nervosa. Que loucura,
ela pensou quase em desespero.   

-- Não me enrola Carol!    

Por sorte, Natasha estava tão ansiosa que não percebeu o estado de Andreia.  

-- Não é nada disso, Nat -- a ruiva se afastou, franzindo a testa. Precisava controlar os seus pensamentos e
começar a agir como uma irmã e não como uma adolescente apaixonada. Mas, que droga! Aquela mulher a
deixava toda molhada. Os mamilos intumesciam e seu ventre queimava. Novamente seu rosto enrubesceu e ela
se virou para disfarçar -- Penso que será melhor você e a Jessye voltarem hoje para a ilha.   

-- Ah, não! -- Natasha abriu os braços irritada -- De novo não, Carol.  

-- Calma, calma, Nat -- tranquilizou Andreia -- Eu, a Marcela e o Sidney, viajaremos amanhã. O que você acha?  

Natasha passou a mão pelos cabelos que caíam suave sobre a testa. Os olhos verdes, contrastando com o
tom castanho claros dos cabelos, mostravam duvidas, porém, a proposta era bem melhor que a anterior.  

-- Jura que não vai mudar de ideia novamente? -- ela perguntou, fitando-a com desconfiança.  

-- Juro -- disse Andreia, estende a mão, levantando só o dedo mindinho -- Jura de dedinho?  

-- Juro juradinho! -- Natasha entrou na brincadeira, sorriu e entrelaçou seu dedinho com o da irmã.   

Ambas sorriram e sabiam que aquele juramento de forma alguma poderia ser quebrado.  

-- Tá certo -- Natasha concordou -- Vou ficar esperando por vocês.  

O abraço foi inevitável. Os braços de Natasha a envolveram pela cintura, apertando-a em seu abraço. O calor
dela queimava através do fino tecido da blusa de Andreia.  

-- Agora, vamos dormir, Carol -- determinada, Natasha caminhou em direção à porta do quarto e girou a
maçaneta -- O dia será longo. Com certeza vai ter muito o que organizar antes da viagem.  

Andreia paralisou, sua face ruborizou-se e os seios se ergueram rapidamente. 

-- Dormir? Com você? Na mesma cama?  

Natasha virou-se espantada e deu dois passos em direção a ela.  

-- O que tem demais? É normal e saudável, irmãs dormirem juntas. Na cama é um bom momento para sentirmos
a proximidade uma da outra.  

-- Ferrou! -- comentou baixinho, para Natasha não ouvir.  Ah, meu Deus, é tentação demais! Eu não devia ter
vindo. Pensou Andreia, desesperada.  

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Capítulo 24 Que Vergonha! por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 24 

Que Vergonha!

Natasha pegou o celular e caminhou até a porta. 

-- Vou ligar para a Jessye e combinar o horário da viagem. Enquanto isso, se quiser, pode tomar um banho e
se preparar para dormir. Leve o tempo que quiser. Não precisa ter pressa. 

Andreia ficou aliviada pela oportunidade de tomar um banho e trocar de roupa sem Natasha por perto.
Correu para o banheiro e tomou um banho relâmpago. Ela saiu do chuveiro sorrindo para si mesma, secou-se
rapidamente e enrolou a toalha ao redor do corpo. Quando abriu a porta do banheiro, arregalou os olhos
assustada ao ver Natasha diante do closet. 

Assim como ela, a empresária também tomara banho e estava com uma toalha enrolada ao redor do corpo. 

-- Ai, meu Deus! -- Andreia falou baixinho, apertando a toalha junto ao corpo -- E agora? -- ela provavelmente
usara o outro banheiro, deduziu. 

A porta do armário se fechou subitamente. Natasha se afastou e, na frente do espelho, soltou a toalha,
deixando-a deslizar suavemente pelo corpo até cair no chão. 

Com o olhar, Andreia acompanhou o movimento da toalha e sorriu abobalhada com aquela visão do paraíso.
Alta, morena clara, olhos verdes, lábios sensuais, corpo perfeito, pernas bem torneadas, não era uma mulher
comum, era uma deusa. Uma deusa das ilhas dos Açores. Talvez uma sereia seria a melhor expressão. 

Natasha vestiu a calcinha e o sutiã de renda do conjunto e sentou-se na beirada da cama com um frasco de
hidratante na mão. Enquanto ela tocava o corpo suavemente, espalhando o creme sem pressa,
Andreia, inconscientemente repetia os gestos. Seus dedos trêmulos tocavam o próprio corpo com ânsia. Os
lábios dela permaneciam ligeiramente afastados, intumescidos.  

Lentamente, deslizou seus dedos por sua umidade, acariciando seu clitóris com golpes longos, lentos,
abrindo-a, vagando de cima abaixo pelos lábios vaginais. Esfregando suas dobras suavemente entre seus
dedos, expôs seu clitóris completamente. Andreia se contorcia, o ar que chegava aos seus pulmões não era
suficiente para satisfazê-la. Ela inseriu um dedo, podia sentir cada centímetro entrando. Ela se fechou ao
redor dele, seus dedos se moviam para excitá-la. O sangue disparou em suas veias e ela sentiu o líquido suave
escorrer de dentro dela. Andreia estava ofegante e tonta.  

A porta do banheiro rangeu alto. Andreia pulou, assustada com o barulho. Há quanto tempo estaria ali?  

-- Carol? -- Natasha se levantou da cama -- Já saiu do banheiro? 

-- Eu estou aqui, Nat -- Andreia entrou em pânico e saiu correndo para dentro do banheiro, deixando a toalha
caída no chão.  

-- Que demora, Carol -- antes de entrar no banheiro, Natasha pegou a toalha de Andreia que estava caída no
chão -- Pelo jeito não toma banho a uma semana. Está pronta? 

Mas, antes que pudesse formular qualquer resposta, Natasha pousou as mãos nos ombros dela e a puxou
para si.  

-- Vamos deitar e dormir pelo menos umas duas horas. Por mais que eu deseje dormir o dia inteiro, tenho
um voo marcado para às dez horas. 

Andreia conseguiu buscar forças, afastou-se da irmã, pegou a toalha da mão dela e enrolou-a novamente ao
redor do corpo.  

-- As dez? -- exclamou, confusa -- Que horas são? 

-- Quatro horas. Vamos dormir até as seis, depois te levo até o seu apartamento e vou direto para o aeroporto
-- Natasha afastou-se e parou diante da porta para dizer: -- Vem logo! Estou morta de sono. 

Natasha acomodou-se na cama, puxou um cobertor sobre as pernas desnudas e pegou o celular para
programar o despertador. 

Andreia voltou ao quarto e relanceou os olhos pela cama. 


-- Pode me emprestar uma roupa? -- perguntou, sem jeito. Aquela voz tremula, nervosa, era mesmo dela? Se
perguntou Andreia. Sabia que era uma mulher bonita, sem falsa modéstia ou presunção. Mas estava morrendo
de vergonha por tudo que estava sentindo. Um prazer inacreditavelmente erótico. 

-- Eu a deixo envergonhada? -- Natasha perguntou de repente. 

-- Não! -- quase berrou -- É que... 

-- Então, deita logo -- ela terminou de falar em um sussurro e se virou. 

Andreia respirou fundo, deitou-se quieta bem na beiradinha da cama. 

Depois de alguns minutos Natasha se virou para ela. 

-- Acho melhor se cobrir ou você vai pegar um resfriado -- ela puxou o cobertor para cobri-la.   

Andreia sentiu seu corpo ser puxado contra o de Natasha, e agora a mão dela acariciava seu braço nu, seu
ombro, seu rosto. Andreia queria morrer. Cada toque daquela mão guardava um mundo de prazer.  

Natasha estava deitada perto demais dela. Mas quando Andreia resolveu se afastar, a empresária a puxou
novamente. 

-- Fica aqui. Está tão gostoso. 

O que estava fazendo? Andreia se perguntava. Se ficasse onde estava, correria o risco de ser dominada pelo
desejo.  

Depois de algum tempo, Natasha aquietou-se. Provavelmente havia adormecido. Para Andreia, era difícil
concentrar-se no sono, tendo aquele corpo nu, tão suave, quente e deliciosamente colado ao seu. 

Algum tempo depois, a ruiva desistiu da ideia de tentar dormir. Desvencilhou-se dos braços de Natasha com
cuidado e se levantou. 

O céu começava a clarear lentamente e a cidade despertava depressa.  

Andreia foi até o banheiro. Suas roupas estavam penduradas no cabide. Em menos de dez minutos ficou
pronta. 

Viu rapidamente o reflexo no espelho e assustou-se com as olheiras profundas que sombreavam seus olhos. 

-- Que maravilha! -- falou para si mesma -- Sem contar que estou com as minhas costas em frangalhos -- ela
disse, com uma careta de dor. 

O som do despertador acordou-a na manhã seguinte. Abrindo os olhos, Natasha encontrou Carolina junto de
sua cama, com uma xícara de café nas mãos. 

-- Hum, que delicia acordar com a irmãzinha trazendo o café na cama -- Natasha sentou, colocando um
travesseiro nas costas e puxando o cobertor para baixo dos braços -- Assim você me deixa mal-acostumada! 

-- Espero fazer isso muitas vezes ainda -- que Deus me livre. Andreia pensou, angustiada. 

-- Algo errado? Parece cansada. 

-- Você não? Dormimos apenas duas horas -- Andreia se levantou com dificuldade. Havia ficado quase duas
horas praticamente imóvel na cama. 

-- Pois eu, não. Estou novinha em folha -- ao contrário da irmã, Natasha se levantou num salto, cheia de
energia e pronta pra enfrentar o dia.  

O sol inundava o quarto e ela não conseguiu segurar o sorriso de satisfação com a presença de Carolina. 

-- Vou tomar um banho -- ela disse -- Não vou demorar -- terminou de tomar o café e colocou a xicara sobre a
mesa de cabeceira -- Foi você quem pediu o serviço de quarto? 

-- Não. Quando cheguei na sala a mesa do café já estava posta. Ouvi barulho no outro cômodo da suíte. 

-- Hum, deve ser a Jessye preparando as coisas para a viagem. Bem, já volto - disse e entrou no banheiro. 

Jessye já tomava café quando Andreia saiu do quarto. A moça olhou para ela obliquamente e dirigiu-lhe um
breve sorriso. 

-- O que vai querer comer? -- perguntou gentilmente.  

-- Prefiro pão integral -- disse Andreia -- Mas vou esperar a Nat.  


-- Claro -- ela disse, passando manteiga em sua torrada -- Fiquei muito surpresa com a sua presença aqui no
hotel. Ontem, ao sair do hospital você disse que iria para casa tomar banho. 

-- É, eu disse. Porém, no caminho mudei os planos e vim parar aqui. 

-- Entendo -- tentando não demonstrar excesso de curiosidade, a secretária perguntou: -- Vai voltar conosco
para a ilha? 

-- Não. Achei melhor deixarmos para amanhã. Tenho algumas coisas ainda para resolver aqui no Rio. Assuntos
pendentes e inadiáveis. 

-- Pretende se mudar para a ilha? 

Andreia começava a ficar incomodada com tantas perguntas. Ficou contente ao perceber que Natasha se
aproximava. 

-- Bom dia, Jessye. Está dando uma de Leozinho? Olha que a curiosidade matou o gato -- sentou-se de frente
para a secretária e encarou-a pensativamente.  

-- Desculpa, Natasha. Não foi minha intenção importunar a senhorita Carolina. 

-- Tudo bem, Jessye. Sem problemas -- Andreia rapidamente interferiu, tentando amenizar a conversa. 

Jessye tomou um gole de café e se levantou. 

-- E, se me der licença, vou arrumar as suas malas. 

Natasha assentiu com um gesto de cabeça.  

-- Você foi muito dura com a Jessye. Ela ficou chateada. 

-- Mulher é assim mesmo, ela mesma faz a pergunta, ela mesma responde e ainda fica com raiva da resposta --
Natasha encostou-se em sua cadeira e sorriu -- Você não vai comer nada? Esse pastel de queijo está muito
apetitoso.  

-- Vou comer. Estava lhe esperando -- mesmo sem fome, Andreia comeu uma fatia de pão de forma integral com
queijo Coalho. Depois de dar uma mordida no pão viu que Natasha olhava séria para a tela do celular -- Algum
problema? 

-- Nada demais. Apenas o Leozinho perguntando pela vigésima vez, quando eu vou voltar para a ilha. Você vai
gostar dele. O Leopoldo é um cara legal. A orelha dele é tão grande que pega mais de nove canais em alta
definição. 

Andreia balançou a cabeça. 

-- Coitado. 

-- É sério. O cara é tão feio, mas tão feio, que foi comprar uma máscara para o carnaval e só lhe venderam um
elástico. 

-- Para Natasha! -- Andreia pediu, sorrindo. 

Natasha ergueu uma sobrancelha e olhou fixamente para Andreia -- Está na hora de ir. Não esqueça que
estarei te esperando na ilha. 

-- Amanhã estarei lá. Estou ansiosa para conhecer o lugar em que nasci. O lugar que um dia foi o meu lar.  

A voz de Carolina soou com tanta emoção que Natasha teve vontade de beijar aquele rosto lindo, que
revelavam uma linha de tristeza, embora ela estivesse sorrindo. 

Andreia entrou no apartamento da irmã e fechou a porta com força. Um soluço subiu-lhe à garganta e ela caiu
num pranto convulso. O mundo parecia desmoronar. Ela passara as últimas horas vivendo uma grande tensão
emocional. Não sabia mais o que pensar. 

Lutava para colocar seus pensamentos em ordem e encontrar uma forma de explicar o que estava sentindo.
Sentia o perfume que Natasha usava até mesmo quando ela não estava por perto. Cheia de medo e em pânico,
lembrou-se de todo o prazer que sentira ao seu lado.  

-- A dor fortalece, a lágrima lava a alma, o coração partido ensina, mas uma cerveja gelada resolve tudo isso.
Pega -- Sidney estendeu um copo com cerveja para ela -- Olha amiga, não sou mãe Dina, mas já previa tudo isso
desde o começo. 
-- Tudo o que? -- ela olhou assustada para ele. Será que o seu interesse sexual por Natasha era tão evidente
assim? 

-- Eu já previa que você passaria por uma enorme pressão psicológica. Não vai ser nada fácil manter essa
farsa -- ele sorriu, sem notar a profunda perturbação que Andreia sentia -- Mas isso também não é motivo para
cair nessa choradeira. Por favor, engole esse choro e vamos nos preparar para essa viagem maravilhosa. Mais
cerveja? 

Andreia entregou o copo vazio para ele. 

-- Marcela está em casa? 

-- Está ao celular com aquela talzinha, que eu só não chamo de cachorra, por respeito aos animais. 

-- Acho melhor você começar a rever seu conceito em relação à Sibele. A partir de amanhã estaremos todos
juntos e misturados. E aí, meu querido, o bicho vai pegar. 

Sidney tomou um gole da cerveja e fez uma careta. Sabia que a amiga tinha razão, mas mesmo assim não
estava disposto a bancar o amiguinho da doutora mente brilhante. 

-- E a poderosa Falcão, já voltou para a ilha? 

Antes de responder Andreia olhou para o relógio. 

-- Bem, a essa hora ela já deve estar quase chegando na ilha.  

Assim que Natasha e Jessye entraram no elegante saguão do hotel, centenas de olhos voltaram-se para elas. 

-- Do jeito que todos olham, parece que estou cagada -- Natasha pegou o celular e deu uma olhada nas
mensagens.  

Jessye insinuou um sorriso.  

-- Do que está rindo? -- Natasha levantou o olhar da tela do celular e olhou para ela. 

No mesmo instante Jessye ficou séria. 

-- Nada. Bom, é que você sempre diz isso quando chega de viagem. E eu me lembrei. Só está faltando... 

-- Magnificaaaa... -- Leozinho berrou de longe. 

Jessye revirou os olhos. 

-- Não falta mais nada -- a secretária resmungou entediada -- Com licença, Natasha. Vou descansar um pouco. 

Leozinho se aproximou sorrindo e abraçou Natasha calorosamente. 

-- Que saudade, chefe. Nunca mais faça isso comigo. Onde já se viu largar tudo aqui na ilha e ir atrás da
enferrujada. Me vi como louco a frente de todos os negócios -- Leozinho olhou para a cara feia que Natasha
fez -- O que foi? Vai dizer que estou errado? 

-- Você vai virar estrelinha, Leopoldo -- Natasha olhou para ele mais admirada do que irritada, os grandes
olhos verdes bem abertos, e meneou a cabeça. 

-- Vou nada, Jesus me ama -- ele retrucou. 

-- Jesus te ama porque não convive com você -- Natasha voltou a caminhar e parou diante da porta do elevador
- E a Sibele, como está? 

-- Mesmo com a pata quebrada, ela não parou de trabalhar. Está lá no ambulatório atendendo normalmente. 

-- Chama ela pra mim. Vou precisar conversar com ela. A Carolina e os amigos vão chegar amanhã.  

-- Que boa notícia, mestre. Vai querer algo de especial para recepcioná-la? 

A porta do elevador se abriu e Natasha deu um passo adiante. 

-- Ainda não sei a hora da chegada. Quando souber te aviso -- ela apertou o botão do andar de sua suíte e as
portas do elevador se fecharam. 

No dia seguinte, antes da viagem, Andreia fez questão de passar no hospital para visitar o pai e conversar
com o doutor Vicente. 
O médico continuava esperançoso, acreditava que com o sucesso da cirurgia, Fábio teria uma grande chance
de se recuperar. 

Vicente fez várias perguntas, todas sem respostas. Apenas o tempo diria se aquela viagem resolveria o seu
problema ou, lhe trariam vários outros. 

Uma hora mais tarde, ela partia, com o coração repleto de esperança de que Fábio se recuperaria. Foi nesse
estado de ânimo que Andreia entrou no carro, rumo ao Galeão. 

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Capítulo 25 A Ilha da Magia por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 25

A Ilha da Magia

As ruas que davam acesso ao aeroporto estavam completamente congestionadas devido a hora do rush.
Marcela estava nervosa e reclamava o tempo todo.

-- Não podemos nos atrasar -- disse ao motorista, visivelmente preocupada.

-- Quanto tempo ainda temos? -- perguntou Andreia, olhando pela janela do carro, o trânsito completamente
parado.

-- Três horas -- respondeu a moça, esfregando as mãos nervosamente.

-- Credo, Marcela. Temos tempo de sobra.

-- Você é que pensa. Estamos cheias de bagagens, isso dá um trabalhão danado.

-- Só você trouxe umas cinco malas, né querida! -- disse Sidney, com um sorriso irônico.

De volta a sua realidade, Andreia olhou pela janela do carro para a sua eterna cidade maravilhosa. Não tinha
mais como fugir dessa viagem, já havia esperado o suficiente. Estava em pânico só de pensar que ficaria com a
empresária em uma ilha, o reduto dela, a mercê de suas vontades. Além disso, depois do que havia acontecido
na noite anterior, sentia a necessidade perturbadora de provar para si mesma que os sentimentos que tinha
por Natasha era só aquela vontade de querer fazer tudo que a sua imaginação dizia. Curiosidade, provocante
e tentadora. Tesão e loucura. O pior era que não confiava em si mesma, se ela estivesse por perto. Aquela
mulher a afetava tanto que Andreia nem sabia o que pensar. Ela não tirava da lembrança o instante em que
Natasha a abraçara, apertando aquele corpo de deusa contra o dela. Aquilo a fizera soltar um gemido de
prazer. Sorte ela não ter percebido.

Atendendo aos apelos desesperados de Marcela, o taxista ultrapassava os veículos que estavam à frente,
zigue-zagueando feito louco pelo trânsito intenso. Até parar diante do portão de acesso ao aeroporto.

Nos momentos seguintes, os três correram tanto que não tiveram tempo para pensar na loucura que estavam
fazendo.

-- Eu não disse que essas formalidades, com passagens e com a alfândega são demoradas! -- exclamou
Marcela, olhando para o enorme relógio do saguão.

-- Não é pra menos! -- disse Andreia -- Trouxemos umas dez malas. Nove são suas.

-- Quem fala! Você trouxe três malas abarrotadas de roupas novinhas que a Natasha comprou.

-- Não dê importância ao que a Marcela fala, Andreia. O invejoso é assim: Te observa, te crítica, e no final
acaba te imitando.

-- Ha, ha, ha -- Marcela riu com ironia -- Inveja eu tenho é de quem é rico, meu bem, de você tenho é pena.

Sidney não se abalou.

-- Sua inveja bate e volta em forma de plenitude, querida.

Já que nenhum dos dois parava de retrucar e a discussão não dava sinais de acabar, Andreia jogou a cabeça
para trás, acelerou o passo e saiu caminhando na frente.

-- Não sei para que levar tantas roupas para um fim de mundo daqueles. É bem capaz de ter até índios com
arco e flechas.

Marcela caiu na gargalhada.

-- É essa a ideia que você faz da Ilha do Falcão? -- indagou Marcela, sorrindo -- Sua irmã é uma herdeira
endinheirada e excêntrica. Li no jornal que ela não tem medo de ninguém. Os figurões da capital morrem de
medo dela.

Andreia deu de ombros. O que Marcela falava não parecia combinar bem com a ideia que fazia de Natasha. Em
todos os momentos em que estiveram juntas, Natasha foi carinhosa, educada e compreensiva. Até demais.
Estava tão mergulhada em seus pensamentos que se assustou ao ouvir a voz estridente de Sidney:

-- É o nosso voo! Estão chamando... Vamos!

Natasha não estava com a menor vontade de trabalhar. Mas Leozinho tinha avisado que passaria no
escritório com alguns papéis importantes que deveriam ser assinados, antes que ela partisse para outro
compromisso.

Ela apoiou o queixo na mão e fechou os olhos. Pequenas gotas de lágrimas, ameaçavam rolar pelas faces.

A culpa era de Mariana. Não podia ser verdade que sua ex namorada, tivesse tido a coragem de escrever
aquilo. Ela havia enviado uma mensagem ameaçadora:

"Não pense que vou aceitar numa boa, o que você fez. Você não vai tirar o que é meu por direito".

-- Por direito -- ela riu com ironia -- Que direito, Mariana? A única coisa que você queria de mim eram os
cartões de crédito. Ainda diz ter direitos.

Durante o dia todo ela tentou dizer a si mesma que não estava dando a mínima para ela. Mas, não era bem
assim.

-- Algum problema? -- Leozinho perguntou da porta.

Natasha apenas fez que não com a cabeça, enxugando disfarçadamente as lágrimas. Leozinho entrou e nem
percebeu que ela estivera chorando.

-- Nada, não -- disse afinal, tentando um sorriso -- Onde estão os papéis para eu assinar?

-- Aqui -- Leozinho colocou os papéis sobre a mesa e sentou-se de frente para ela.

Natasha pegou uma caneta e se inclinou para começar a assinar os documentos.

-- A senhorita Carolina, já está a caminho. A Jessye me contou que ela embarcou as 14:00.

-- Eu sei. Pena que o vovô não está mais aqui para ver isso -- lamentou-se, mas em seguida deu um sorriso
triste -- Ele nunca acreditou na possibilidade da Carolina estar viva.

-- Confesso que eu também não acreditava -- Leozinho fez um gesto para as folhas de papel -- termina de
assinar.

Natasha sacudiu a cabeça e retomou o trabalho.

Leozinho apoiou os cotovelos na escrivaninha e encarou Natasha.

-- Lembra que sonhei com uma cobra um pouco antes da Mariana ir embora para a África? Sonhos com répteis
principalmente cobra pode revelar que uma situação de traição, foi, está ou acontecerá. Desta forma o
espiritual se comunica com a matéria avisando do problema.

-- Seja mais claro, Leopoldo.

-- Sonhei com ela novamente.

Ao ouvir aquelas palavras, Natasha levantou a cabeça rapidamente. Olhou para o rapaz sentado à sua frente e
esforçou-se para não demonstrar tanto interesse.

-- E como foi o sonho? -- perguntou ela calmamente.

-- Nem queira saber, magnífica.

-- Eu quero saber -- insistiu Natasha.

-- Não vale a pena saber.

-- Mas eu quero saber!

-- Melhor não.

-- Fala ou eu te estrangulo -- Irritada, Natasha jogou a pilha de papéis no chão -- Viu o que você fez eu fazer?

-- Credo, que ruindade! Deveria controlar melhor os seus nervos -- Leozinho abaixou-se para pegar os papéis -
- Seus modos me surpreendem.

Natasha abaixou-se ao seu lado. Naquele instantes seus olhos percorreram uma das folhas.
-- O que é isso? -- Natasha lançou um olhar curioso a Leozinho.

-- É o projeto de um Parque temático -- ele respondeu sorrindo -- Um espaço de lazer, entretenimento,


educação e cultura.

-- E você me deu para assinar, sem avisar! Sabia que eu posso te demitir por isso?

-- Ah, tá! Você assina sem ler e eu que levo a culpa!

O verde dos olhos dela se intensificou. Era um péssimo sinal.

-- Eu confio em você. Por isso não leio.

-- Já que confia, então não se preocupe e deixe tudo por minha conta.

-- Em quanto a obra foi orçada? -- Natasha recolheu todas as folhas e começou a analisar minuciosamente o
projeto -- Esse tipo de empreendimento exige um investimento milionário.

-- Que nada, benévola. Uma pechincha -- O rapaz foi andando na direção da porta -- Estava em promoção.

Natasha o olhou com raiva. Leozinho teve medo de que a chefe avançasse contra ele. Natasha pegou o papel,
leu com atenção, arregalando os olhos, olhou para ele e novamente para o papel.

-- Eu vou te matar! -- disse Natasha furiosa, levantando-se tão abruptamente que quase derrubou a cadeira.

Leozinho correu para fora da sala. Natasha foi atrás.

-- Vem aqui... Seu...

Assim que Natasha saiu da sala, notou uma mulher loira, conversando com Jessye. A empresária rapidamente
esqueceu de Leozinho. Caminhou calmamente até ela e parou ao seu lado.

-- Com licença -- pediu, olhando para a moça -- Estou de saída, Jessye. Cancele a minha agenda. Tenho um
assunto muito importante a tratar com alguns investidores - mentiu, Natasha.

Jessye olhou para a loira e lançou um olhar pesaroso.

-- Que pena. A senhorita Layla estava justamente pedindo uma hora em sua agenda.

-- Hum, Layla. Belo nome.

-- Senhorita Natasha! -- a moça estendeu uma das mãos a fim de cumprimentá-la -- Desculpa a insistência, mas
estou há dias na ilha esperando por seu retorno. Será que poderia me dispensar alguns minutos?

Natasha apertou a mão macia e bem cuidada. Seus olhos se voltaram para a loira, detendo-se
momentaneamente em seus seios. Quase sorriu. Voltou a olhar para o seu rosto. Estaria com alguém? Ela era
muito sexy, o cabelo loiro emoldurando o rosto bonito cujos traços, apesar de delicados, mostravam que era
uma mulher decidida. Os olhos azuis eram realçados por cílios longos e a boca perfeita ficava ainda mais
provocante com o batom rosado.

Ela até que merecia alguns minutos de sua atenção.

-- Só que não!

-- O que? -- a loira perguntou surpresa. Não era possível que estivesse ouvindo bem.

-- Estou muito ocupada. Agende uma hora -- afastando o cabelo para tirá-lo dos olhos, Natasha atravessou a
sala, caminhando na direção da porta do elevador.

-- Não posso esperar mais. Preciso de uma resposta -- a loira insistiu.

Natasha Falcão não respondeu e decidida entrou no elevador.

Layla virou-se para a secretária, cheia de indignação por ser ignorada.

-- Que mulher grossa! -- sua voz tornou-se áspera, um tom que raramente usava -- Quem ela pensa que é?

-- A dona da ilha -- Jessye disse, calmamente -- Vamos agendar um horário?

A secretária não demonstrou o menor sinal de surpresa, o que significava que ela já estava acostumada a
grosserias da chefe.

-- Que ódio! -- Layla bufou, inconformada.

 
O avião foi parando devagar, e Andreia olhou pela janelinha. Estava finalmente em Florianópolis, e o sol
brilhava sobre a capital de Santa Catarina!

A irmã, sentada a seu lado olhava para ela um pouco ansiosa. Andreia percebeu que não era só ela quem
estava nervosa, Marcela também estava uma pilha.

Saíram do avião e caminharam pelos corredores do aeroporto até o balcão da alfândega.

-- Será que a Natasha mandou alguém nos buscar? -- Os turistas faziam filas para pegar as malas, Marcela
pegou as suas e colocou em um carrinho.

-- Imagina se não -- Sidney também pegou as suas malas -- Natasha é muito cuidadosa com a irmã.

-- É claro que ela mandou alguém nos buscar. Natasha sabe que nós não conhecemos nada dessa cidade --
Andreia saiu empurrando o carrinho com as suas malas.

-- Vamos combinar uma coisa -- disse Marcela.

Pararam no meio do saguão. Andreia e Sidney olhavam curiosamente para ela.

-- A partir desse momento Andreia Dias não existe mais. Existirá apenas, Carolina Falcão. Entenderam? -- disse
Marcela, tentando parecer firme.

-- Isso é assustador -- Andreia passou as costas da mão pela testa, enxugando as gotas de suor -- Mas, é
necessário.

-- Vai ser difícil, mas vou me esforçar -- Sidney concordou.

-- Ótimo. Já que estamos todos de acordo, adeus Andreia Dias -- Marcela voltou a caminhar.

-- Espera Marcela, olha lá -- Carolina apontou para um homem vestido de chofer que segurava um cartaz
escrito: Carolina Falcão -- Sou eu.

Marcela agitou as mãos no alto. O motorista sorriu e com passos largos, aproximou-se deles.

-- Bom dia, senhoritas, senhor! Dona Natasha me pediu para buscá-los. Por favor, queiram me acompanhar -- o
motorista, vestido elegantemente, jogou o cartaz no lixo e assumiu a direção do carrinho com as malas -- O
carro está logo ali na entrada.

Finalmente eles saíram do interior do aeroporto para o ar fresco da rua. O tradicional vento sul vindo do mar
soprava forte, espalhando os cabelos das pessoas.

Vários veículos estavam estacionados em frente, com motoristas encostados aos carros aguardando os
passageiros. O chofer colocou a bagagem no espaçoso porta-malas da limusine e depois abriu a porta para
que eles se sentassem, no banco traseiro. Deu a partida, e saíram em direção à cidade.

O motorista virou-se para eles, quando tiveram que parar num sinal vermelho.

-- A chefe disponibilizou um helicóptero e uma lancha para que vocês escolhessem de que forma desejam
chegar a ilha.

O sinal mudou para o verde e o carro seguiu em frente. Marcela olhou para Carolina e sorriu radiante.

-- Algum dia você pensou em ter essas duas opções como meio de transporte?

Andreia balançou a cabeça e voltou a olhar a paisagem pela janela do veículo. Os pensamentos dela estavam
longe dali. Pensava no pai e na sua recuperação. Estava convencida de que precisava do dinheiro para mantê-
lo no hospital e se, havia uma chance de ele voltar a ter uma vida normal, seria com a ajuda de Natasha.
Pensando dessa forma, encontrava forças para continuar.

Por alguns momentos, fechou os olhos. Era estranho Natasha não ter ido ao aeroporto encontrá-la.

Mas, como ela é uma empresária ocupadíssima, talvez tivesse tido algum problema, algum compromisso
importante. Sim, naturalmente era isso! Seu Coração tornou a ficar leve e ela sorriu.

O aeroporto foi ficando para trás e quanto mais se afastava, mais aumentava o seu desespero.

-- Você está muito quieta -- comentou Marcela.

-- Estou um pouco cansada -- disse esfregando as mãos.

-- Cansada ou nervosa? -- perguntou Sidney.

Carolina sorriu e encostou a cabeça no ombro do amigo.

-- Os dois -- confessou.
Carolina sentia-se exausta. Seu corpo estava dolorido, suas pernas pareciam ter o dobro do peso. Felizmente,
estavam chegando ao hangar. Mais uns minutos e estariam instaladas no helicóptero.

Depois de decidir que havia tirado fotos suficientes para levar de recordação da ilha, Lalesca retornou para o
hotel. O bar estava cheio de turistas, mas a morena ansiava por um enorme copo de suco gelado. Por isso,
abriu caminho entre a multidão e depois de muito empenho alcançou o balcão.

-- Ei, moça -- a morena levantou a mão tentando chamar a atenção da funcionária do bar -- Por favor, aqui --
Mas, estava tão lotado que ela não foi vista -- Que droga. Isso aqui está uma loucura. O que será que está
acontecendo?

Então, ouviu uma voz quase familiar em seus ouvidos:

-- Asa de urubu, asa de galinha, se quiser ficar comigo, dê uma risadinha.

A morena não conseguiu segurar o riso.

-- Sabia que você estava a fim de ficar comigo -- Natasha ergueu a mão e fez um gesto para a barwoman --
Bebidas para nós, Nani.

Natasha estava a seu lado. Aquela visão maravilhosa, e tão inesperada, trouxe toda a felicidade do mundo aos
olhos dela. Recuperando o fôlego, falou sorrindo:

-- Minha querida Nat, você voltou, finalmente. Isso é ótimo!

Natasha sorriu e tomou-lhe as mãos delicadas entre as suas num aperto caloroso.

-- Cheguei ontem -- Natasha encostou-se no balcão -- Estava louca de saudade da ilha. Isso aqui que é o
paraíso. Festas, mulheres, festas, mulheres.

-- Você se acha, né -- Lalesca apoiou seu braço no de Natasha e colocou sua cabeça no ombro dela. Natasha
não se opôs ao gesto.

-- Existem dois tipos de mulheres: As que me amam e as que não me conhecem.

-- Convencida! -- a morena deu um tapa de leve no braço de Natasha.

As duas se olharam e caíram na risada.

-- O que vai beber?

-- Um suco de morango, bem gelado -- todas aquelas pessoas à sua volta, os turistas barulhentos, pareciam
realmente não incomodar mais. E Lalesca só desejava curtir aquele momento com Natasha -- O que está
acontecendo, afinal? Nunca vi esse bar tão movimentado -- ela perguntou, olhando fixamente para a boca da
empresária.

-- Hoje será um dia inesquecível para mim e para todos na ilha. Carolina está voltando -- mal conseguiu
esconder a felicidade -- Hoje é bebida e petiscos por conta da casa. Por isso, todo esse alvoroço.

-- Maravilha! Quer dizer que o dia será de festa?

-- Festa por toda a ilha -- completou Natasha.

Aquilo parecia bem interessante. Lalesca sorriu e pegou a sua taça com o suco de morango. Faria de tudo
para estar ao lado da empresária durante a recepção. Era algo bem íntimo, que, com certeza, as aproximaria.
Era a oportunidade que esperava para ser vista por todos como a atual namorada de Natasha. Pensou,
confiante.

Carolina estava encantada, o helicóptero sobrevoava o mar azul que rodeava a ilha de Santa Catarina. A ponte
Hercílio Luz que liga Florianópolis ao continente é uma visão impressionante. O Parque da Luz, perto da
entrada da ponte, no lado de Santa Catarina e o Forte Santana, do século XVIII, também é maravilhoso.

-- É tudo tão lindo, uma aventura maravilhosa -- comentou a ruiva.

-- Eu não disse? -- concordou Marcela, com um sorriso.

-- Aquela é a Ilha do Falcão? -- Carolina estreitou os olhos.

O piloto sorriu.

-- Não. Aquela é a Ilha Carolina. A Ilha que leva o seu nome.


O piloto Erivaldo deu um voo rasante sobre o lugar e Carolina se alegrou ao ver a ilha de tão perto.

-- Fantástico! -- disse entusiasmada com a beleza -- Tem até uma cachoeira!

-- E é toda sua, dona Carolina -- disse Erivaldo, gentilmente.

-- Eu francamente imaginava outra coisa.

-- O que por exemplo, dona Carolina?

-- Imaginei um lugar de mata fechada, de difícil acesso -- Carolina não conteve o riso -- Pensei até em índios.

-- Essa é boa -- brincou ele -- Faz cinco anos que a dona Natasha enviou uma equipe de desbravadores, e
desde então, a ilha está sendo habitada por algumas famílias que cuidam para que não ocorram invasões.

O helicóptero aproximou-se da Ilha do Falcão. Carolina teve vontade de pedir para Erivaldo voltar de tão
encantada que estava.

-- A Ilha do Falcão é praticamente uma cidade, tem cinema, lojas, posto de saúde. A senhorita verá. Os
primeiros habitantes eram açorianos, inclusive a senhorita -- ele riu.

O piloto pousou no heliporto, desligou o motor e pulou da aeronave. Esperou que as hélices parassem de
girar para então descer Carolina, Marcela e Sidney.

-- Eu fico por aqui, um carro vai levá-las até o hotel. Não se preocupem com as bagagens, eu me encarrego
delas -- disse ele, com um sorriso educado.

-- Obrigada, Erivaldo -- disse Carolina, retribuindo o sorriso.

-- Por nada, senhorita Carolina. Estou a sua disposição.

O motorista abriu a porta da limusine para elas com um sorriso acolhedor.

-- Sejam bem-vindas a Ilha do Falcão. Meu nome é Victor, a sua disposição.

Marcela ergueu as sobrancelhas. Era luxo com o qual ela jamais sonhou.

-- Isso aqui passa longe do que imaginei que fosse -- disse com os olhos brilhando.

-- Estou com medo -- Carolina desejava desesperadamente fugir para longe. Até agora, não houve problemas,
haviam se relacionado apenas com empregados simpáticos, prestativos e que obedeciam a ordens, mas daqui
a pouco, começaria o pesadelo. Seria a vez dos amigos. Pessoas próximas a Natasha, que com certeza a viriam
como uma ameaça -- Quero voltar para casa -- disse, com os olhos embaçados. Sua voz tremia e parecia a
ponto de chorar.

Por alguns segundos, Marcela e Sidney se olharam fixamente. Depois, atônitos, olharam para ela.

-- Está louca! -- falaram juntos.

Nota da autora: Mais que um Hino, um poema.

Hino de Florianópolis

"Um pedacinho de terra, perdido no mar!...

Num pedacinho de terra, beleza sem par...

Jamais a natureza reuniu tanta beleza

Jamais algum poeta teve tanto pra cantar!

 
Num pedacinho de terras belezas sem par!

Ilha da moça faceira, da velha rendeira tradicional

Ilha da velha figueira onde em tarde fagueira

Vou ler meu jornal.

Tua lagoa formosa ternura de rosa

Poema ao luar, cristal onde a lua vaidosa

Sestrosa, dengosa vem se espelhar..."

Composição: Cláudio Alvim Barbosa / Zininho

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Capítulo 26 Cheirinho de Golpe por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 26

Cheirinho de Golpe

-- Estou com medo -- Carolina desejava desesperadamente fugir para longe. Até agora, não houve problemas,
haviam se relacionado apenas com empregados simpáticos, prestativos e que obedeciam a ordens, mas daqui
a pouco, começaria o pesadelo. Seria a vez dos amigos. Pessoas próximas a Natasha, que com certeza a viriam
como uma ameaça -- Quero voltar para casa -- disse, com os olhos embaçados. Sua voz tremia e parecia a
ponto de chorar.

Por alguns segundos, Marcela e Sidney se olharam fixamente. Depois, atônitos, olharam para ela.

-- Está louca! -- falaram juntos.

O motorista olhou pelo retrovisor e Marcela apressou-se em disfarçar.

-- Você está louca em querer tomar banho de mar a essa hora -- deu uma risadinha e balançou a cabeça -- Ora,
ora, que ideia!

Victor olhou rapidamente para Carolina e depois voltou sua atenção para a estrada.

-- Se você desistir agora, seremos presas -- Marcela sussurrou no ouvido de Carolina, para que o motorista
não ouvisse -- Fomos criadas por um pai que esbanjou tanto que nos deixou na miséria. Nosso dinheiro,
respeito próprio e a boa reputação do hotel foram jogados no lixo. Faz tanto tempo que não vejo dinheiro que
até já esqueci quais são os bichos da fauna brasileira que estão nas cédulas -- Marcela olhou para fora e
depois voltou a olhar para Carolina -- Não estaríamos passando por tudo isso se o nosso pai não tivesse
perdido o controle dos negócios e chegado ao fundo do poço -- ela bufou, inconformada -- Esse é o mundo
que eu quero viver. Eu nasci para brilhar, Carolina -- Marcela fez questão de enfatizar o nome -- Portanto,
fique quieta e não arrume confusão.

Suspirando forte, Carolina concordou balançando a cabeça afirmativamente. Era tarde demais para qualquer
mudança de plano.

Sidney segurou a sua mão.

-- Eu estarei com você em todos os momentos! Sejam eles, bons ou não tão bons assim.

-- Eu sei disso -- Carolina sorriu para ele. Era bom saber que teria um ombro amigo, alguém com quem
conversar.

As ruas largas e arborizadas estavam repletas de gente, a maioria com roupas de banho ou bermudas e
camisetas. Havia palmeiras por toda parte e o cheiro de maresia pairava no ar.

-- O Hotel principal fica aqui perto -- informou o motorista, olhando para elas pelo retrovisor.

-- Amanhã mesmo vou querer passear por esse lugar -- riu Marcela.

-- Bem, mas há muito mais o que ser visto por aqui -- respondeu o motorista.

-- Quero passear a cavalo -- lembrou Carolina -- Adoro cavalgar. Não existe programa mais relaxante.

-- É verdade -- concordou Victor -- Para quem gosta de cenários naturais e de ter contato com animais, cavalgar
é uma ótima pedida. A dona Natasha tem cavalos da raça Mangalarga, eles são os melhores e mais
confortáveis.

Victor ainda mencionou outros lugares lindos que elas poderiam visitar. Teria todo o tempo do mundo para
conhecer cada canto daquela ilha, pensou Carolina. Caso tudo saísse como o planejado, não iria embora tão
cedo.

Carolina avistou ao longe o gigante Hotel Falcão, a vista era deslumbrante. O prédio não correspondia
exatamente à imagem que as duas faziam do hotel de Natasha.

-- Aqui está o hotel, senhoritas.

-- Uau! -- Marcela vibrou. Era muito luxo para um hotel em uma ilha.
Finalmente, Victor estacionou na frente do hotel e desligou o motor. Marcela estava tão excitada, que mal
conseguia controlar a emoção.

O motorista abriu a porta para eles e foi retirar as malas do porta-malas.

O porteiro usava um paletó branco, sapatos bem engraxados, calça preta e uma cartola de aba estreita e copa
alta. Ele aproximou-se delas com um sorriso acolhedor.

-- Sejam bem-vindos! A senhorita Natasha os aguarda no saguão.

Subiram as escadas e parada em frente à enorme porta, Carolina alisou o vestido, respirou fundo, escancarou
a porta e entrou no elegante saguão.

Assim que entraram centenas de olhos voltaram-se para eles.

-- Jesus! Isso é muito embaraçoso -- Carolina ruborizou-se -- Estou me sentindo um ratinho -- com os olhos
castanhos muito abertos, Carolina parou no meio do imenso hall. Tentou ignorar os olhares de espanto e
curiosidade dirigidos a ela. Aquilo era natural.

Tudo a sua volta lembrava o cenário de um filme de Hollywood. Sem dúvida nenhuma, era o hotel mais lindo
que havia conhecido. O tapete alto, os sofás e poltronas, tudo cuidadosamente dispostos e posicionados de
forma a promover elegância. Majestosos lustres agregavam requinte e sofisticação ao ambiente, ao mesmo
tempo em que vasos de plantas, estrategicamente posicionados, produziam o efeito de simplicidade e
aconchego. Os quadros dispostos nas paredes retomam a ideia de modernidade, mesclando o efeito preto-e-
branco com vibrantes tons avermelhados.

Natasha ficou parada, olhando para ela com ar abobalhada. Estava tão emocionada que chegou a chorar. Era
sua irmã, sua irmã que retornava a casa depois de vinte e poucos anos.

Elas não eram mais as menininhas sapecas do papai. Agora elas eram mulheres feitas. Lindas e poderosas.

Carolina não tinha nenhuma semelhança com ela, o que desde criança sempre intrigava os estranhos. Aqueles
olhos castanhos brilhantes e os fartos cabelos ruivos eram herança de Ângela, a querida mãe.

Seus olhares se cruzaram, e as duas permaneceram longos minutos como que hipnotizadas, se
contemplando.

O olhar de Natasha transmitia ternura e carinho. O olhar de Carolina admiração e receios. Natasha era uma
linda mulher de olhos verdes e cabelos castanhos, difícil não se encantar.

Lalesca deu uma cotovelada de leve nas costelas de Natasha e riu.

-- Vamos lá recebê-los.

A voz da loira chegou aos seus ouvidos, estava tão distraída que assustou-se.

-- É, vamos logo -- disse Leozinho.

-- Já vou, já vou -- disse ela, saindo do estado lacônico em que se encontrava.

Carolina observava Natasha caminhar lentamente em sua direção. Ela sentia suas pernas começam a tremer
levemente ou incontrolavelmente. Quem não deve não teme, mas ela devia, por isso, estava com tanto medo.

-- Carolina! -- exclamou Natasha, aproximando-se de braços abertos -- Você está linda! -- Natasha parou diante
dela, sorriu e a enlaçou em uma abraço caloroso e apertado.

-- Seja bem-vinda, minha irmã.

Carolina aconchegou-se naquele abraço reconfortante, verdadeiro, quente e forte. Natasha se afastou um
pouco para admirá-la melhor, enquanto segurava-lhe as mãos.

-- Obrigada Nat. É tão emocionante estar aqui, na terra em que nasci e que um dia foi o meu lar.

A ruiva falava como Carolina. Naquele momento ela tornou-se a própria irmã desaparecida. Ela afastou sua
angústia e se concentrou no plano. Era tudo o que importava agora.

-- Você não nega ser a minha irmã, linda e sexy -- Natasha não pôde deixar de admirar a irmã. Quando era
criança, Carolina chegava a sofrer bullyng devido as suas sardas e aos cabelos ruivos rebeldes. Mas agora,
aquele brilho tímido no olhar, aqueles cabelos volumosos e macios, eram o exemplo clássico de como o tempo
faz bem a algumas pessoas. Ela se tornou uma mulher encantadora.

-- Desculpa por eu não ter ido recebê-los no aeroporto, mas estive muito tempo fora da ilha. E sabe como é né,
o olho do dono que engorda o gado -- Natasha olhou de soslaio para Leozinho e fez uma cara ameaçadora.
-- Não se preocupe, Nat. Os seus funcionários foram uns amores -- o olhar de Carolina voltou-se para uma
loira que caminhava graciosamente em direção a elas. Provavelmente deve ser amiga de Natasha, pensou ela,
ao reparar que a mulher a media da cabeça aos pés. Ainda bem que havia seguido o conselho de Sidney e
vestido uma das roupas elegantes compradas no Rio, pois caso contrário ficaria totalmente envergonhada
diante da beldade loira.

-- Natasha -- Lalesca tocou seu ombro levemente -- Que tal nos apresentar a sua irmã e seus amigos.

-- Ah! Claro -- Natasha meneou a cabeça e sorriu para Carolina -- Desculpa a minha indelicadeza -- ela segurou
as mãos da irmã e virou-se para Lalesca e Leozinho -- Carolina, Marcela sua irmã adotiva e o Sidney, amigo da
Carol.

Carolina deu um grande sorriso e os cumprimentou.

-- Muito prazer.

-- Carol, essa loira maravilhosa é a Lalesca...

Lalesca sorriu com olhar provocante em direção a Natasha.

-- Sua irmã sempre me deixa constrangida, Carol -- Lalesca enlaçou o seu braço no de Natasha -- Seja bem-
vinda, minha querida.

Pareciam tão à vontade e tão íntimas que um sentimento de ciúmes despertou em Carolina.

-- Obrigada! -- Carolina agradeceu com um sorriso, mas sentiu vontade de morder a loira.

-- Os dias são feitos de momentos. Então faremos com que esse momento seja perfeito para que a chegada de
Carolina torne-se inesquecível -- exclamou Natasha, cheia de charme.

-- Eu, hein! Quando passou a fazer poesia? -- perguntou Leozinho, erguendo a sobrancelha -- Com certeza
copiou daqueles sites de mensagens que tem na internet.

Natasha quase deixou escapar um palavrão, mas controlou-se quando percebeu que Carolina a olhava
encantada.

- Não importa. Foi lindo, Nat! - disse Carolina, emocionada.

Discretamente, Natasha se desvencilhou do braço de Lalesca e segurou o de Carolina.

-- Esse, orelha de bisteca é o Leopoldo, gerente do hotel -- apresentou Natasha.

-- Leozinho -- corrigiu o rapaz, olhando diretamente para o belo rosto de Sidney. O gerente olhou para o amigo
de Carolina de cima a baixo antes de dar um pequeno sorriso -- Sejam bem-vindos!

-- Fiquei encantada com tudo o que vi até agora. Principalmente com o hotel. Nunca imaginei que fosse tão
suntuoso!

-- Meu lar é este hotel. E espero que se torne o seu também, Carol. Fico feliz por ter você ao meu lado.

-- Você é um anjo, Natasha! -- exclamou Carolina, com os olhos castanhos brilhando.

Leozinho tossiu de forma levemente sarcástica. Porém, Natasha não deu importância.

- Sintam-se como em sua casa -- disse Natasha, animada -- Temos muito o que conversar, quero saber de tudo
o que se passou em sua vida nesses vinte e poucos anos -- ela se virou para trás e fez um gesto para a
secretária -- Eles devem estar cansados da viagem, por favor, acomode-os em suas suítes -- deu um beijo
carinhoso na bochecha de Carolina e olhou séria para Jessye -- Tome conta dela -- recomendou, rabugenta.

-- Tomarei, Natasha -- garantiu a secretária.

Os três seguiram Jessye em direção ao elevador. Carolina olhou para trás e viu Natasha ainda de papo com a
Lalesca. Precisava descobrir quem era a bela loira.

Carolina Falcão balançou a cabeça lentamente, a expressão infeliz. Ela se abaixou e sentou-se na pedra a
alguns passos de Elisa.

-- Natasha vai ficar muito triste quando souber a verdade. Afinal de contas, ela parece gostar muito dessa
mulher.

-- Natasha gosta, porque pensa que ela é você.


-- Pode ser -- suspirando, Carolina apoiou o rosto nos joelhos dobrados e olhou para Elisa que continuava
parada sossegada, mais perto da água.

-- Não achas que chegou o momento de contar a verdade para ela?

A única resposta que Elisa ouviu foi o som da água que Carolina agitava com os pés.

-- Baba, quando estamos passando por uma dificuldade, algum espírito de um ente querido pode falar
conosco através dos "sonhos"?

-- Aqueles que nos são caros, continuam tendo por nós o mesmo amor quando desencarnam. Nos protegem a
medida de suas possibilidades e nos amparam. Deus realmente assim permite para que continuemos unidos
pelos laços da afinidade.

-- Algumas vezes aconteceu isso comigo. Sempre que estava me sentindo péssima, meu ente querido vinha
como sonho e dizia que ficaria tudo bem. A primeira vez que isso ocorreu foi tão legal. Deu medo, mas depois
vi que ele só queria me ajudar.

-- Deus tem várias formas de aparecer -- disse Elisa, sentando-se a seu lado perguntou: -- Com quem você
sonhou?

-- Com minha mãe. Ela era uma pessoa maravilhosa, apesar de toda a miséria e pobreza éramos felizes. Era
bom tempo. As pessoas brincavam mais, minha mãe verificava todas as minhas lições de casa, apesar de ler e
escrever muito mal.

-- Por que você nunca procurou a Natasha?

Elisa percebeu que a face de Carolina se modificava conforme ela olhava ao redor. Então a moça se levantou,
serena em meio às especulações. Elisa nunca tivera mais orgulho de alguém em sua vida. A pequena Carolina
era uma guerreira.

-- Me perdoe, Baba. Mas prefiro que Natasha seja a primeira a ouvir a minha história -- a expressão dela
suavizou-se -- Eu sempre a amei. Mesmo a distância, eu sempre desejei o seu bem.

Seu bom senso lhe dizia que o mais certo seria contar a Natasha logo de uma vez. Mas desde quando o bom
senso era levado em conta por ela?

-- E quando pretende contar? -- insistiu, a jovem senhora.

-- O mais breve possível. Não se preocupe -- Carolina sorriu e beijou-lhe a mão antes de ir embora.

O rapaz moreno e alto, consultou o relógio. Eram três e vinte da tarde, havia agendado um horário com o
amigo da agência de turismo para as três e trinta, por isso acelerou o passo para chegar em tempo.

O prédio da agência tinha apenas um andar e era todo branco, com as molduras das janelas pintadas de cinza
e azul. Ele abriu a pesada porta principal e entrou. O lugar estava vazio e silencioso. Não havia o menor sinal
de seu amigo.

De uma sala à direita vinha o barulho de alguém digitando. Caminhou até lá e verificou que a porta estava
ligeiramente aberta. Ele bateu e entrou. Um homem de cabelos grisalhos estava sentado de frente para o
computador e parecia estar muito ocupado. Era muito pálido e havia uma expressão cansada em seu olhar. Ele
rapidamente desviou o olhar da tela e olhou para o rapaz que acabará de entrar.

-- César, meu querido. Quanto tempo! -- ele levantou-se e deu a volta na mesa, para cumprimentá-lo.

Abraçaram-se demoradamente, matando a longa saudade.

-- Por favor, sente-se -- o grisalho indicou a cadeira do outro lado da mesa e esperou até que César se
sentasse -- Desde que me ligou, fiquei imaginando para onde um cara como você desejaria viajar. Conhecendo
você como conheço, posso afirmar com convicção que nesse angu tem caroço.

César deu uma gargalhada diante do comentário do amigo.

-- Você realmente me conhece muito bem, Barques -- disse com um encolher de ombros.

-- Então, em que posso ajudar?

-- Pensei em fazer um cruzeiro de no mínimo uns15 dias. Aqueles com o pessoal endinheirado da terceira
idade. Tem algo para me sugerir?

-- Hum, estou sentindo um cheirinho de golpe no ar -- disse Barques, maneando a cabeça.


-- Vou partir para outra agora. Chega de bagatelas, quero algo mais lucrativo como coroas aposentadas, com a
conta bancária recheada. Essas mulheres são mais fáceis de se enganar.

-- Você não presta, César.

-- Obrigado! Mas vamos ao que interessa.

Barques caminhou até os fundos da loja, onde havia a arara com revistas e folders e levou para ele.

-- Aqui estão. Temos várias opções de Cruzeiros para 2018! As melhores rotas que já estão abertas para os
próximos meses. Todos os cruzeiros são parceláveis em até 10x sem juros.

No meio de tantas outras, uma das revistas chamou-lhe a atenção. A moça da capa era sua grande conhecida.
Com um leve sorriso nos lábios e um brilho perverso nos olhos, ele pegou-a e folheou-a.

-- O que foi? -- perguntou Barques vendo sua cara de satisfação.

César sorriu e fixou o olhar na revista.

- O que a Andreia faz na capa dessa revista? -- disse ele, pondo o dedo sobre a foto

Barques pegou a revista para examiná-la mais de perto.

- Essa é a Carolina Falcão. A irmã de Natasha Falcão, a empresária milionária, proprietária de vários hotéis de
luxo no Brasil.

-- Carolina Falcão, coisa nenhuma. Essa aqui é a Andreia, minha ex namorada.

- Você está enganado. Essa história correu o mundo. Essa moça é a irmã desaparecida que a empresária
procurava há anos - comentou o homem, enquanto César continuava olhando fixamente para a foto - Ela
agora, também é milionária.

César deu uma gargalhada.

-- Às vezes, tenho a impressão de que nasci com o bum-bum virado para a Lua - disse colocando a revista em
baixo do braço - Acabo de mudar os planos. Não irei mais atrás de coroas, irei atrás do grande amor da minha
vida.

"Neste dia de Páscoa, gostaria de desejar a você muita paz e harmonia. Que você tenha um reencontro
consigo mesmo e que as portas que Ele já abriu conduzam realmente a um caminho de muita luz, renovação e
libertação."

"Para você na Páscoa. Que a alegria da ressurreição de Cristo esteja em seu coração hoje e sempre."

Feliz vida nova!

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Capítulo 27 por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 27

Ela é um Doce

Fazia pouco mais de uma hora que Jessye, as deixara instaladas. A competente secretária, após mostrar a
suíte que ocupariam, despediu-se delas com a promessa de buscá-las as vinte horas.

O quarto tinha vista para o oceano, sob as palmeiras e árvores frondosas.

-- Gente, eu nunca fui ao Caribe, mas eu vi as fotos. E esse lugar lembra muito aquelas ilhas maravilhosas --
murmurou Sidney, ao mesmo tempo que explorava os aposentos.

A brisa marinha entrava pela janela do quarto trazendo consigo um cheiro delicioso de natureza. A suíte era
enorme, com vários cômodos. A decoração era do jeitinho de Natasha: moderna, sem muitos enfeites, mas
elegante. O ambiente era bonito e aconchegante.

Carolina retirou um vestido da mala, enquanto Marcela falava animadamente sobre o serviço de quarto.

-- Maravilhoso! Atendimento impecável -- Marcela caiu deitada no sofá -- Sua irmã é demais. Além de gatíssima,
é poderosa!

Carolina olhou para a irmã e balançou a cabeça, depois desviou o olhar para a deslumbrante paisagem vista
pela janela.

-- Olha só essa reportagem que saiu na revista Americana Condé Nast Traveler. Segundo a revista, o Hotel
Falcão está em primeiro lugar no ranking de melhores hotéis da América Latina. São duzentos apartamentos e
duas suítes no padrão presidencial. Não é brinquedo, não. E vejam quem está na capaaaa... -- Sidney dançava
com a revista na mão.

-- Me deixa ver -- Marcela pulou do sofá e correu atrás dele -- Me dá a revista!

-- Nãoooo...

Os dois corriam pela sala grande e espaçosa, gritando, e Carolina procurava em vão contê-los.

-- Parem com isso -- ela pediu, mas eles não deram importância. Pareciam duas crianças arteiras -- Chega! -- ela
berrou, então eles pararam -- Me dê a revista.

-- Pedindo assim com tanta delicadeza... -- Sidney mesmo contrariado, entregou para ela.

Carolina olhou para a sua foto, irritada. Não emitiu nenhum som, embora quisesse gritar. Queria rasgar a
publicação e jogar no lixo. Mas não adiantaria de nada.

-- Com que direito eles colocam a minha foto na capa dessa revista?

-- Você é uma pessoa pública agora, maninha.

-- Você está uma delícia nessa foto, não é, Marcela? -- suspirou Sidney, sem perceber o quanto isso afetava
Carolina.

-- Menos mal que em seu interior tem fotos belíssimas da ilha -- Carolina fechou a revista e colocou-a sobre a
mesa.

Marcela se inclinou para a frente, pegou a revista e abriu-a novamente.

-- Você deveria sentir-se feliz, afinal de contas agora é uma celebridade.

Carolina parecia distante, a pele clara de seu rosto estava pálida, os olhos castanhos estavam foscos.

-- Alô, tem alguém aí? -- A voz de Marcela invadiu os ouvidos de Carolina.

-- O quê?

-- Onde estava, Carolina? Não me diga que está pensando em desistir?

-- Não estou me sentindo bem -- respondeu Carolina com a voz trêmula -- Estou com... -- tapou a boca com a
mão para não vomitar ali mesmo e saiu correndo para o banheiro.
Marcela olhou para Sidney e explodiu numa gargalhada.

-- Tudo isso só por causa de uma foto?

Sidney abriu os braços.

-- Vai saber.

Natasha sorveu um gole de café e colocou a xícara sobre o pires num gesto de grande irritação.

-- O que Mariana quer dessa vez?

-- Que a misericordiosa longânime, continue bancando a sua esbórnia.

-- Pois ela que vá tirando o seu cavalinho da chuva -- Natasha afirmou com veemência -- Sabia que ela enviou
uma mensagem me ameaçando?

-- Sério? Que horror! -- disse Leozinho, admirado -- Quanta audácia. O que a poderosa vai fazer?

-- Nada.

-- Nada?

Ela assentiu, com um sorriso.

-- E se ela entrar na justiça exigindo partilha de bens?

Natasha deu uma gargalhada.

-- Art. 1.723 do Código Civil: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre duas pessoas,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de
família. Namoro não é união estável e nem quer dizer que existia intenção de construir família.

-- Tem certeza, chefe?

-- Meu advogado disse para eu ficar tranquila, pois é muito difícil que um namoro comum se caracterize como
união estável, a não ser que as duas pessoas morem juntas a um bom tempo. O que não foi o nosso caso.
Aqui é um hotel e, Mariana tinha a sua própria suíte.

-- Sendo assim, fico mais tranquilo.

Natasha tomou outro gole de café. Seus olhos se detiveram na jovem loira sentada à mesa próxima a janela.

-- Aquela beldade quer falar comigo. Você sabe qual é o assunto?

Leozinho disfarçou, olhou para trás e viu quem era a moça.

-- Aquela é a senhorita Layla. Responsável pelo projeto do parque temático -- disse Leozinho, um pouco
receoso.

-- Ela está bem nervosa. Não deveria demonstrar tanta ansiedade em fechar o negócio. Posso muito bem usar
esse fator para diminuir o custo em alguns milhões.

-- Faria isso? -- Leozinho perguntou em voz baixa -- A empresa deles está sofrendo com a crise. Esse contrato
pode salvá-los da falência.

-- Não me tornei milionária salvando empresários incompetentes, Leopoldo - exibindo frieza nos bonitos
traços do rosto, Natasha continuou tomando seu café com uma indiferença que deixou Leozinho indignado.

-- Você não pode ao menos recebê-la?

-- Porque tanta pressa? Quem está no desespero é ela e, não eu -- Natasha tomou o último gole de café e ficou
esperando pelo efeito de suas palavras. Leozinho estava com a testa franzida -- E nunca mais tente me
enganar, caso contrário, obrigo você a abraçar um cacto.

Rindo, Marcela se jogou na cama king size, deleitando-se com toda aquela mordomia, assustou-se ao ouvir
uma batida na porta.

-- Que saco! -- no quarto, seus pés afundaram na maciez de um tapete de pelúcia. Abriu a porta, deu de cara
com Sibele apoiada sobre muletas.

-- Posso entrar? -- perguntou Sibele.


-- Claro, entre -- Marcela abriu bem a porta, fazendo um gesto para que ela entrasse -- Tem alguém na sala?

-- Só a Andreia -- Sibele fechou a porta e encostou as muletas na parede -- Ou melhor, a Carolina.

Marcela aproximou-se sorrindo e abraçou-a por um longo momento.

-- Sibele, que bom te ver! Estou com tanta saudade.

-- Também estou. Como você está? -- a médica beijou-a na boca, com os olhos brilhantes de felicidade -- Como é
bom estar de novo em seus braços!

-- Vou muito bem. Mas quero saber é de você -- disse Marcela, encaminhando-a até a cama -- E o seu pé?

-- Foi uma fratura fechada do terceiro metatarso. Dói muito, mas em breve estarei novinha em folha. E vocês, o
que estão achando da ilha?

-- Estou maravilhada com tudo. Pensei que lugar como esse só existisse em filme -- comentou Marcela, com
tanta animação que fez Sibele sorrir -- Isso aqui é o verdadeiro paraíso na terra.

Sibele assentiu com a cabeça.

-- Você ainda não viu nada -- Sibele murmurou, aproximando-se ainda mais dela, passando o braço pela sua
cintura e beijando os lábios -- Agora que tal se matarmos a saudade?

-- Mas é claro que sim -- disse Marcela, enquanto puxava o rosto dela para outro beijo.

Carolina estava ficando entediada, por esse motivo, decidiu dar um pequeno passeio pelo hotel. Era incrível o
clima de festa que pairava no ar. Pessoas sorridentes passavam por ela, conversando com animação. Haviam
muitas mulheres de buquines e outras com vestidos luxuosos que tornava o ambiente estranho, misturando
looks sem o menor constrangimento.

De algum salão vinha o som de uma música animada, Carolina sentiu-se contagiada por aquele ritmo dançante.
A ruiva entrou no elevador, também entrou uma jovem senhora. A mulher a encarou, por um momento, com
curiosidade. Carolina desviou o olhar mas, não resistiu e voltou a fitá-la. Tratou de sorrir e comentou, sem
jeito: -- Povo animado, né!

-- Meu nome é Elisa -- ela declarou, e estendeu uma das mãos a fim de cumprimentá-la. Carolina hesitou um
pouco antes de tocar a mão dela. Afinal, aquela mulher a olhava de forma muito estranha. Tinha que ser
educada e conquistar a amizade de todos, lembrou a si mesma, e retribuiu o cumprimento.

-- Me chamo Carolina.

-- Eu sei -- um canto da boca de Elisa se curvou num sorriso frio -- E como sei.

Carolina sentiu que algo estava errado, pensou, olhando para a senhora. Correu a mão pelo cabelo e
comprimiu os lábios.

Quando a porta do elevador se abriu, elas saíram em silêncio.

Elisa rapidamente se voltou para ela, decidida a pressioná-la, porém, algo a fez cambalear e apoiar-se contra a
parede. Carolina, ao notar a palidez do rosto da senhora, apressou-se em ampará-la.

-- Algum problema? -- perguntou, tocando o ombro de Elisa.

-- Tudo bem -- ela apoiou a mão na parede, curvou o corpo para frente como se Carolina segurasse algo de seu
interesse. Tremia ligeiramente e estava visivelmente assustada.

-- Tem certeza? A senhora está tão pálida -- Carolina ficou preocupada.

-- Ficarei bem, foi só uma queda de pressão -- Elisa pressionou os dedos na testa e sorriu -- Viu, já estou
melhor.

Elisa saiu dali rapidamente. Seu coração ainda batia forte quando chegou ao seu quarto. Apanhou um copo
de água e levou-o a seus lábios. A bebida a estimulou e a senhora afundou na cadeira, apertando as têmporas
com força.

-- Meu Deus! Que visão foi essa? Qual o significado?

Elisa viu uma criança no colo da falsa Carolina. A criança estava enrolada em uma mantinha azul. Alguma coisa
na criança havia lhe tocado o coração. Ela se inclinou para olhar mais de perto o bebê de cabelos castanhos e
olhos verdes, e sua raiva se evaporou com aquela visão.
-- Oh, Deus! Ajude-me a compreender a sua mensagem. Eu sei que os Espíritos Superiores afirmam que: "em
princípio, o futuro é oculto ao homem e só em casos raros e excepcionais permite Deus que seja revelado".
Mas como saber se essa visão é premonitória ou, se é realmente uma revelação? Estou tão confusa e
perturbada!

Carolina caminhou até a porta do bar, mas antes de entrar olhou para trás. O encontro com aquela senhora a
deixou muito perturbada. A mulher de olhos grandes e penetrantes parecia enxergar-lhe a alma.

Quando ela entrou no bar, o lugar caiu em silêncio. Funcionários apontaram, mulheres olharam boquiabertas,
homens a encaravam com curiosidade e...Cachorros latiam?

-- Lady Carolina, seja bem-vinda ao nosso bar de malucos -- Leozinho disse de modo solene, com um brilho
divertido nos olhos -- Sabia que os hóspedes podem trazer seus pets para acompanhá-los durante a estadia?
Seguindo algumas regras, é claro.

-- Não sabia -- Carolina balançou a cabeça e sorriu para ele -- Mas, que bagunça!

-- Você tem toda razão. Esse bar é um dos muitos que temos no hotel. Venha, vamos fazer um lanche em um
bar mais tranquilo.

Os dois caminharam sem pressa ao longo do corredor do hotel. Carolina parecia não se dar conta da atenção
que despertava nas pessoas em todos os lugares por onde passava. Os cabelos, ruivos, caíam levemente
sobre os ombros, contornando o rosto de traços perfeitos.

-- São onze horas, comeremos algo leve, está quase na hora do almoço -- Leozinho puxou uma cadeira para ela
sentar -- Vou pedir café com bolo.

-- Vou querer apenas um suco de melancia.

O garçom se aproximou, perguntando se queriam ver o cardápio.

-- Quero café com uma fatia de bolo Marta Rocha -- disse o gerente -- E traga um suco de melancia para a
senhorita Carolina.

O garçom tomou nota do pedido e se foi.

-- Esse lugar parece uma parada LGBT, nunca vi tanto gays e lésbicas juntos -- comentou a ruiva.

-- Nosso slogan é: Hotel das diversidades. Natasha faz questão de que todos sintam-se à vontade. Aqueles
que discriminam raça, cor, gênero, idioma, nacionalidade, opinião ou outro motivo qualquer, não são bem-
vindos -- disse Leozinho, demonstrando muita satisfação.

-- A moça na mesa a nossa direita, é a atriz da novela das sete? -- Carolina apontou discretamente.

Leozinho confirmou com um gesto de cabeça, sorrindo em apreciação quando o garçom lhe serviu o bolo e o
café.

-- Obrigado, querido.

Carolina sorriu do jeito que ele olhou para o garçom.

-- Sabe Carolzinha, gostei de você. Completamente diferente daquela desalmada, desnaturada, bruta,
grosseira, selvagem, estúpida, grossa, indelicada, desabrida, selvática, bravia, mal-educada, intratável,
bárbara...

-- Leozinho! -- Carolina olhou para ele, fingindo-se brava -- Não fale assim de minha irmã. Natasha é um doce!

Leozinho olhou sério para ela, depois caiu na gargalhada.

-- Natasha é um doce... Kkkk... Fala sério!

Carolina tomou um gole do suco e colocou o copo sobre a mesa, olhou para ele, espantada com o fato
daquele rapaz falar tão mal da Natasha e ainda trabalhar para ela.

-- Por que continua trabalhando para ela, então? -- perguntou irritada.

-- Porque eu a amo, admiro, idolatro, ela é uma mulher confiante, segura de si e tem atitude. Ela defende com
unhas e dentes as suas opiniões, mas um doce... Isso já é demais!

-- Comigo ela é um doce, isso sim, me encanta.

-- Está bem, não precisa ficar brava! -- comeu um pedaço da fatia do bolo, ergueu o rosto e olhou-a nos olhos --
Percebi que a Natasha te escuta, ela é bem mais maleável com você. Por isso, quero pedir-lhe um favor.
Carolina ergueu uma sobrancelha interrogativamente.

-- Não me meta em confusão -- disse ela, parecendo preocupada.

-- Não é nada demais, bobinha. Escuta o que eu quero que fale para ela.

Enquanto isso, a verdadeira Carolina, continuava a lenta jornada de volta para a cabana, pensativa. Tinha
muito sobre o que pensar, principalmente sobre o assunto da conversa com Elisa. Talvez fosse a hora certa
para contar tudo.

Além disso, os próprios sentimentos começavam a assustá-la. Pegava-se constantemente pensando em Talita e
nos momentos que passaram juntas. Que confusão tinha feito de seu sossegado coração! O crescente
carinho que sentia pela médica casada não poderia levar a um final feliz. Melhor acabar logo com aquilo e ir
embora da ilha. Procuraria Natasha e confessaria tudo. Depois poderia encerrar essa fase e voltar para a sua
verdadeira vida.

No aeroporto, Mariana se dirigiu para a alfândega. O fiscal deixou suas malas passarem sem sequer olhar
dentro delas, pediu a um ajudante que carregasse as duas malas dela e lhe desejou uma feliz estada em Santa
Catarina.

Depois de hesitar alguns momentos, Mariana seguiu o rapaz até a saída do prédio.

-- Bem-vinda a Florianópolis -- o motorista sorriu, acenou de forma cortês e colocou a bagagem no porta-malas
do táxi -- Vamos para onde?

-- Para a Marina Santo Antônio -- não havia emoção na voz da bela mulher, nenhum sinal de que ela estava feliz
em voltar. Talvez fosse o cansaço da viagem. Afinal de contas, a distância entre a África e o Brasil era longa.
Ela não havia dormido nada no avião. A ansiedade e o temor de reencontrar Natasha sempre a mantinha
acordada -- Vou para a Ilha Falcão.

-- Hum, férias?

-- Negócios -- como se quisesse evitar qualquer tentativa de conversa, Mariana entrou no carro e virou a
cabeça para olhar pela janela. Lembrou que em outros tempos, com certeza, uma enorme limusine luxuosa,
com ar-condicionado, champanhe e com um motorista elegantemente uniformizado ao volante, a esperaria no
portão.

Depois de Alguns momentos, fechou os olhos. Era estranho retornar como uma simples coadjuvante ao lugar
onde sempre foi a protagonista. Não era mais a rainha, agora era a bruxa.

Créditos:

https://www.jurisway.org.br

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Capítulo 28 Tempestade por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 28 

Tempestade  

Oito horas em ponto, Jessye foi buscar Carolina, Marcela e Sidney para o jantar com Natasha. 

Chegaram à mesa, o garçom educadamente puxou as cadeiras para elas se sentarem. Sibele chegou logo em
seguida e sentou-se à mesa com eles. 

-- Não aguento mais essas muletas -- resmungou a médica, impaciente -- Tenho vontade de quebrá-las na sua
cabeça. 

-- Hiii...Xô mau humor -- Sidney balançou a cabeça e tapou os ouvidos com as duas mãos para não ouvir as
queixas de Sibele. 

-- Tenho a impressão que todos estão olhando para mim e, isso me incomoda muito -- disse Carol, desviando o
olhar para a toalha branca. 

-- Aproveita boba -- disse Marcela, empinando o nariz para olhar ao redor -- Agora você tem tudo o que
poderia um ser humano desejar: posição, fortuna, poder, prestígio, a ponto de causar inveja aos outros. 

-- Francamente, minha irmã, eu não dou a mínima para tudo isso. Nunca fui de ambições e nem muito
materialista, sempre evitei o ócio, só quero a tranquilidade de uma vida decente, a alegria de um amor sincero
e a companhia dos meus amigos queridos. 

-- Não seja tão sonhadora, Carol. Sua vida pode ser bem mais leve e feliz sendo rica -- Marcela afirmou,
convicta. 

Carol sentiu seu coração disparar, quando viu Natasha entrar no restaurante. Ela vestia jeans de brim
desbotado e uma jaqueta de couro aberta até a cintura. As botas pretas de saltos completavam o traje ao
mesmo tempo esportivo e sofisticado. 

Os passos elegantes eram acompanhados por Leozinho a seu lado. Carol olhou radiante para ela com aquele
jeitão displicente, passando a mão pelo seu cabelo bagunçado enquanto caminhava em sua direção,
sustentando um sorriso lindo. 

-- Boa noite -- Natasha apanhou uma das mãos de Carol e levou-a aos lábios em um gesto de carinho --
Desculpe-me pelo atraso. Saímos de moto para uma visita a uns amigos e acabamos perdendo a hora. 

-- Acabei perdendo muito mais que a hora. Berrei tanto de medo, que em cada curva que ela fazia, eu deixava
cair um órgão -- Leozinho parou de falar e sentou ao lado de Sidney -- Natgirl, parece uma louca. 

-- Amanhã sairemos de motocicleta novamente, com sorte você perde a língua -- Natasha puxou uma cadeira e
sentou ao lado de Carolina -- Tudo bem? Estão te tratando como uma princesa? Caso não estejam, é só me
falar que eu mando para o quarto da tortura. 

Carol remexeu-se na cadeira. 

-- Quarto da tortura? -- perguntou, curiosa e assustada. 

-- É isso aí -- O garçom apareceu para anotar os pedidos e, enquanto Natasha e Sibele discutiam o cardápio e
faziam os pedidos, Carol ainda pensava no quarto da tortura. 

-- Como é esse quarto da tortura? -- insistiu. 

-- É um quarto com vedação acústico e equipado com som muito potente. Onde o torturado fica ouvindo a
música: Que tiro foi esse? Que tiro foi esse que tá um arraso?! Que tiro foi esse? Que tiro foi esse que tá um
arraso?! Por horas seguidas. 

Carolina balançou a cabeça. 

-- Eu pensei que você estivesse falando sério, Natasha. 

-- Estou falando sério -- Natasha olhou para Carol com um jeitinho maroto -- Não se preocupe, para você tenho
reservado o Teletubbies. 
-- Foi um verdadeiro milagre você ter encontrado a Carol -- Marcela rapidamente mudou de assunto. Esse papo
de tortura estava assustando a irmã. 

-- Não foi milagre -- rebateu Natasha -- Foi perseverança. A mesma perseverança que um grão de milho verde.
Que, mesmo depois de colhido, enlatado, digerido e de ver tudo transformado em merda, permanece inteiro,
firme e forte. 

-- Sábias palavras, chefe -- Leozinho aplaudiu. 

-- Gostam de frutos do mar? -- perguntou Natasha, ainda examinando o cardápio com atenção. 

-- Adoro! -- Andreia respondeu empolgada. 

-- Eu amo! -- afirmou Sidney. 

-- Então pedirei polvo -- disse Natasha, fechando o cardápio -- Basicamente, existem duas formas de servir a
"iguaria", que se chama sannakji, nas quais o bichinho é cortado em pedacinhos e servido enquanto ainda
está se remexendo no prato ou é apresentado inteiro mesmo -- Vocês vão adorar. Os coreanos, como são
experientes, engolem os polvos vivos, a melhor parte é a sensação das ventosas presentes nos tentáculos
grudando na boca. Hummm... Mas, como vocês são novatos, recomendo que os bichos sejam bem mastigados
antes de serem tragados, para evitar o risco de que as ventosas fiquem coladas na garganta e provoquem
asfixia.  

Todos ficaram paralisados, olhando para ela com olhos arregalados e engolindo seco.  

-- Mudei de ideia -- disse Carol, num fio de voz. 

-- Não gosta de polvo, Carol? -- perguntou Natasha, decepcionada. 

-- Eu amo polvo, mas não dessa forma. Prefiro em um aquário. 

-- Natasha, que tal um prato típico dos açores. Nossos convidados, com certeza vão adorar -- sugeriu, Sibele. 

-- Hum, então vou pedir uma alcatra à moda da terceira, morcela com ananás dos Açores e um delicioso vinho
produzido exclusivamente a partir de uvas provenientes da Região Demarcada do Douro, no Norte de
Portugal. As comunidades de açorianos estabelecidas principalmente no Estado de Santa Catarina, trouxeram
consigo as festas folclóricas que sempre tiveram muita importância na vida dos açorianos, como a do Espírito
Santo, com a tradicional sopa do Espírito Santo. Entre os pratos locais mais famosos está o polvo guisado e o
cozido de São Miguel. Os doces das ilhas também são variados e atrativos. O queijo do Pico é geralmente
acompanhado de um tradicional pão de milho. Os abacaxis também são famosos, assim como os vinhos da
região, como o Verdelho do Pico. 

-- Quem sabe depois de beber uma garrafa de vinho eu não crie coragem e coma esse tal de polvo guisado --
Andreia fez uma careta -- Mas, vivo, fico arrepiada só de pensar. 

-- Vocês vão amar o nosso tempero -- observou Natasha -- Por favor Pietro, avise o polvo que hoje é o seu dia
de sorte e traga-nos uma alcatra à moda da casa e uma garrafa de vinho da Região Demarcada do Douro. 

-- Sim, senhorita Natasha. 

Quando o garçom se afastou, Natasha passou o dedo indicador sobre o nariz de Carol. A ruiva amou aquele
gesto carinhoso de Natasha.  

-- Deveria ter pedido ensopado de genitais, chefe. 

-- Uiiiiii... Que nojo! -- disse Sidney, fazendo ânsia de vômito. 

-- Não é nojento -- replicou Leozinho -- É uma das iguarias mais servidas nos restaurantes chineses. Têm como
ingrediente principal a genitália de uma variedade de animais. Entre os espécimes mais comuns, estão os pênis
de burro, carneiro e boi, e os chineses acreditam que esses "produtos" possuem uma série de propriedades
medicinais. 

-- Acho que perdi a fome -- comentou Marcela. 

-- Que tal se mudarmos de assunto? -- sugeriu, Sibele -- Já estão trazendo o nosso pedido. 

-- Apesar de achar que estar em uma ilha e não comer frutos do mar, é o mesmo que ir no puteiro e pedir um
abraço. Concordo com a Sibele -- Natasha riu divertida.  

Junto com o pedido vieram o chef de cozinha do restaurante, um grupo de cozinheiros e mais dois garçons,
todos para vangloriar-se diante da chefe. 

-- Salut, demoiselle -- o chef cumprimentou Carol cheio de cerimônias e colocou o prato a sua frente --
Bon appétit. 
Carolina ficou olhando para ele sem saber o que fazer. Com um olhar divertido, Natasha voltou-se para a
ruivinha e explicou: 

-- Thierry Beaulieu não sairá daqui enquanto você não provar o prato e dar a sua opinião. 

Andreia olhou para o prato que mais parecia uma obra de arte. Sentiu-se desconfortável com tantos olhos
ansiosos a observarem, mas não deixou transparecer nada. Pegou o garfo e levou um pedaço de alcatra a
boca. Houve um momento de silêncio. Ouvia-se a respiração dos funcionários. Carol fechou os olhos para
apurar o sabor. Marcela tamborilava os dedos na mesa ao ritmo do coração. 

Depois de alguns segundos Carol finalmente se pronunciou: 

-- Meu Deus, que delícia! 

Carol ficou roxa de vergonha quando todos aplaudiram. 

-- Eles estão comemorando -- Natasha piscou para ela -- Você é uma cliente ilustre. 

-- Poxa! -- foi só o que ela conseguiu dizer. 

-- Obrigada, Thierry Beaulieu -- Natasha acenou para os funcionários e eles saíram. 

-- Que fofos! -- comentou a ruiva, tomando um gole de vinho. 

Durante o almoço, falaram sobre diversos assuntos e Leozinho fez questão de entrar em um, que muito lhe
interessava. 

-- Quando morava nos Estados Unidos, o que você fazia para se divertir nas horas livres? -- Leozinho
perguntou a Carol, disfarçando o seu verdadeiro objetivo. 

-- Eu amo parque de diversão -- ela disse com empolgação -- Em dezembro do ano passado, visitamos o
Magic Kingdom em Orlando, isso sim é um parque temático! Muitos brinquedos e atrações emocionantes.
Fomos a todos os brinquedos e adoramos cada um. Não é mesmo Sidney? 

Sidney a fitou, sem entender, mas, concordou com a cabeça. 

-- Foi mais difícil controlar as minhas lágrimas do que a excitação dela! 

-- Você está exagerando, Sidney -- disse Carol, sem graça. 

-- Não, não estou. Quando nos aproximamos do parque e ela viu a montanha-russa de dentro do carro, ela
começou a gritar: "É meu sonho, é meu sonho, realizado!" -- Sidney descrevia as características do parque com
gestos exagerados. Alguns momentos depois, virou-se para Natasha e disse: -- Sua ilha seria perfeita se
tivesse um parque. 

Natasha fechou a cara e levantou-se com um movimento brusco. As palavras de Sidney doeram mais que um
tapa na cara. 

-- Se me dão licença, tenho mais o que fazer! -- Natasha abaixou a cabeça, beijou a irmã perto da orelha e saiu
sem olhar para trás. 

Carol lhe dirigiu um meio sorriso e ficou olhando Natasha se afastar com passos largos em direção ao
elevador. 

-- O que houve? Falei alguma besteira? -- perguntou Sidney, obviamente assustado com a rispidez da voz de
Natasha. 

-- Não se preocupe. Você foi perfeito -- Leozinho se levantou da mesa -- Vou conversar com ela. 

Sacudindo o cabelo, ele atravessou o restaurante e entrou no elevador. 

-- Que história é essa de parque? Não entendi nada -- Sibele abriu os braços -- Natasha odeia quando falam
que a ilha dela não é perfeita. 

-- Entrei de gaiato e acabei dançando -- lamentou-se Sidney. 

-- Foi o Leozinho que me pediu para entrar nesse assunto. Ele está querendo que a Natasha aprove um
projeto para a construção de um parque temático aqui na ilha. 

-- Qual o interesse dele nesse projeto, Carol? 

-- Não sei, Sibele. Só sei que é muito importante para ele.  

-- Pelo jeito que ela saiu daqui, acho que ele vai conseguir -- afirmou Marcela. 

 
No dia seguinte, logo cedo, Elisa chegou a cabana onde Carolina estava morando secretamente. 

-- Trouxe algumas coisas para você -- a senhora colocou quatro bolsas sobre a mesa da cozinha -- Aí tem
mantimentos para uma semana. Quero que se alimente direitinho. Está muito magrinha e pálida. 

Carolina deu uma gargalhada. 

-- Já passei muita fome, baba. Estou acostumada a ficar sem comer. 

-- Isso faz parte do passado, não precisa mais ficar sem comer. 

-- Você é um amor -- Carolina botou os braços em volta dela e a apertou com força contra o corpo -- Gostosa! 

-- Para menina. Olha o respeito! 

-- Eu hein, apesar de achar que você está uma gatona, quem pega acima de 60, é radar. 

-- Bobona! Fique sabendo que ainda sou muito paquerada. 

-- Acredito. Estava apenas brincando -- ela deu um beijo carinhoso no rosto da mulher -- Por que veio tão
cedo? Caiu da cama? 

-- O Instituto de meteorologia está prevendo uma tempestade para as próximas horas. Estou preocupada com
você. Esta cabana apesar de muito resistente, é antiga e, essa região é a primeira a ser afetada pelas
tempestades -- Elisa torcia as mãos, preocupada -- Quero que saia daqui e vá para o centro da ilha. Vou
arrumar um lugar para você ficar. 

Com expressão pensativa, Carolina ficou uns instantes em silêncio. Não queria deixar a cabana por causa de
uma tempestade, mas também não queria preocupar Elisa. Por isso mentiu: 

-- Eu vou para o centro da ilha, mas não precisa arrumar um lugar para mim. Eu mesma arrumo. 

-- Tem certeza, menina? 

-- Absoluta. Não se preocupe -- Carolina baixou os olhos, evitando assim que Elisa percebesse que estava
mentindo. 

Carol, Marcela e Sibele estavam tomando o café da manhã no restaurante, quando viram Natasha
conversando animadamente com uma bela mulher. A conversa entre as duas parecia bem interessante e a
proximidade delas, chamou a sua atenção. 

-- Aquela mulher é a namorada da Natasha? 

-- Quem? -- Sibele desviou o olhar em direção as duas -- Não. Aquela deve ser uma hóspede -- a médica sorriu --
Natasha é uma safada. Vive dando em cima da mulherada. 

Carol continuava a observar com interesse as duas mulheres. 

-- Natasha tem alguém em especial? 

-- Natasha não acredita no amor. Ela teve uma grande desilusão há dois anos e desde então só tem tido casos
sem importância. 

-- Ela estava apaixonada? -- Carol queria ir mais a fundo no assunto, então insistiu -- O que aconteceu? 

-- Ela era apaixonada e sofreu muito com o término do relacionamento -- Sibele tomou um gole do café e
colocou a xícara sobre a mesa -- O nome dela é Mariana, uma fotógrafa famosa. Ela recebeu uma proposta de
trabalho na África e não pensou duas vezes. 

-- Idiota -- disse Marcela, inconformada -- Jamais deixaria essa vida de luxo e diversão, pra viver no meio dos
bichos. Só uma louca mesmo para fazer isso. E você Carol? -- perguntou Marcela -- Qual a sua opinião? 

-- Não deixaria o meu amor por nada nesse mundo. Poderia deixar o luxo e a diversão, o amor, nunca. 

-- Carol é uma romântica incorrigível -- comentou Marcela -- Ora, ora, deixar um tesão desses para ir fotografar
bichos -- Marcela colocou os cotovelos sobre a mesa, a cabeça entre as mãos e ficou olhando para Natasha. 

-- O que significa isso? -- Sibele olhou irritada para ela -- Está falando como uma mulher vulgar. 

-- Não seja grosseira -- reclamou ela -- Está me ofendendo. 

-- Sinto muito. Será que eu disse alguma besteira? 

-- Pare de dramatizar as coisas, Sibele! Foi apenas um comentário -- Marcela perdeu a paciência. 
-- Um comentário bem infeliz -- retrucou Sibele. 

Carol olhou fixamente para Marcela. Era claro que Sibele tinha razão!  

-- Eu pensei que você me amasse -- quando Sibele falou, sua voz era sentida. 

-- Eu te amo -- Marcela mordeu o lábio -- Por que essa dúvida? 

-- Então, por que me trata assim? Você fala coisas que me magoa. 

Marcela ficou em silêncio por um instante. Depois, ergueu um pouco a cabeça e encarou Sibele. 

-- Desculpa, não era minha intenção magoá-la. Você tem toda a razão, exagerei um pouco. Prometo que daqui
em diante vou me comportar. 

Sibele sorriu, parecia acreditar na promessa de Marcela. A conversa tomou outro rumo e as duas enfim, se
acalmaram. 

Como acreditar em Marcela, se nem sua sobrancelha é de verdade. Pensou Carol. 

-- Desculpa a minha ignorância, mas, qual a diferença entre parque temático e parque de diversão? 

-- Parque temático é muito mais complexo do que um parque de diversões ou feira. Os parques temáticos, um
tipo específico de parque de diversão, são geralmente muito mais ligados tematicamente a um certo assunto
ou grupo de assuntos que os parques de diversão normais. É geralmente organizada em torno de um enredo
que os inspira.  

-- Hum, isso significa um projeto empresarial mais sólido, com grandes investimentos econômicos.  

-- Exatamente! -- Layla balançou a cabeça com veemência. 

-- Quero um igual ao Magic Kingdom.  

-- Magic Kingdom? Mas é o maior do mundo.  

-- O maior do mundo não é a Disneylândia? 

-- O Magic Kingdom é o coração dos quatro parques que formam o complexo de Walt Disney World, em
Orlando, tem desfiles de personagens todas as tardes, seguidos de queima de fogos de artifício. 

-- Agora fundiu a minha cabeça -- Natasha bateu os dedos na mesa. Fazendo um "batuque" impaciente - Então,
me contento em ter um parque temático melhor que o Beto Carrero World, mas, também quero desfiles de
personagens todas as tardes, seguidos de queima de fogos de artifício. 

Layla respirou fundo, pedindo ao céu paciência. 

-- Teremos desfiles de personagens todas as tardes, seguidos de queima de fogos de artifício. 

-- Ótimo -- Natasha bebeu um gole do café e olhou séria para Layla -- Sabia que quanto mais velha, maior fica a
testa? 

-- Não entendi -- Layla franziu as sobrancelhas. 

-- Deixa pra lá -- Natasha se levantou -- Vou falar para o Leozinho entrar em contato com você. 

-- Obrigada, senhorita Natasha. 

-- Ah, mais uma coisa. Você é casada? 

Natasha levantou a cabeça quando ouviu uma voz masculina chamar o seu nome. 

-- O que deseja? -- perguntou ao homem parado a sua frente. 

-- Eu me chamo Márlon -- ele declarou, e estendeu uma das mãos a fim de cumprimentá-la. 

Natasha hesitou um pouco antes de cruzar os braços. 

-- Se todos soubessem da vida sexual de cada um, ninguém se cumprimentava com aperto de mão. 

O homem ficou olhando para as próprias mãos por algum tempo, depois continuou: 

-- Sou da Defesa Civil, vim pedir autorização para enviar o alerta de tempestade. 

A expressão de Natasha mudou. Seu olhar estava carregado de preocupação. 


-- Tempestade? Vá logo, homem! O que está esperando? 

O homem saiu apressado do restaurante e desapareceu porta afora. 

Créditos: 

http://mverzaro.com.br/archives/1057 

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Capítulo 29 A Velha Cabana por Vandinha
 

A Ilha do Falcão -- Capítulo 29

A Velha Cabana

Natasha foi até a mesa, sentou-se de frente para Leozinho e encarou-o pensativamente.

-- Os últimos barcos de pescadores que estavam em alto-mar já voltaram?

-- Acabei de confirmar com o pessoal da guarda costeira, todos já voltaram.

-- Ótimo -- Natasha encostou-se em sua cadeira e disse com uma voz sufocada -- Não quero que digam depois
que não avisamos.

-- Não precisa se preocupar com isso. Todos nesta ilha sabem que você tem um coração enorme.

Natasha soltou um riso.

-- Pelo menos, eles respeitam os avisos da defesa civil. Afinal, a ilha do Falcão está bastante acostumada com a
força das tempestades que se formam na costa catarinense. Sempre que eles atingem a região, os moradores
se preparam e as enfrentam sem maiores problemas.

-- Essa promete ser uma tempestade e tanto -- Leozinho meneou a cabeça com firmeza.

Natasha suspirou, mas não mudou de expressão, quando o gerente comentou sobre a tempestade.

-- Nada assusta você, chefe?

-- Não tenho medo de tempestades. Você já deveria saber que as tempestades castigam mais o lado leste da
ilha. As poucas pessoas que moram por aqueles lados, nesse momento devem estar em abrigos aqui no
centro da ilha.

Ele apoiou os cotovelos sobre a mesa, brincando com uma caneta entre os dedos.

-- Não estava falando só da tempestade.

Leozinho continuou com os cotovelos sobre a mesa.

-- Estou falando de tudo.

Natasha disfarçou um sorriso ao ouvi-lo.

-- Meu avô sempre disse que a melhor maneira de vencer nossos medos e nossos sofrimentos é enfrentá-los
com coragem e de frente -- sua expressão tornou-se sombria -- Para ser bem sincera, Leozinho, as coisas
simples é que me deixam desnorteada.

No final da tarde, entretanto, ficou evidente para Carolina, que não seria nada fácil enfrentar a tempestade. A
maré estava subindo rapidamente. As ondas pareciam querer arrastar todos os rochedos com sua força. O
mar, que no dia anterior parecera um lago, agora estava violento e assustador.

A moça parada junto da porta da cabana observou o céu escuro. Seu rosto não demonstrou nenhum medo,
quando o silêncio foi quebrado pelo rugido dos trovões. A tempestade estava se aproximando, o céu cada vez
mais escuro.

A escuridão rapidamente cobriu o sol, Carolina sentiu o vento lhe bater na pele com força. Era assombroso.

-- É o momento de me recolher.

Com um suspiro derrotado, entrou na cabana, trancou a porta e verificou se todas as janelas estavam bem
fechadas.

Entrelaçando os dedos, sentou-se no sofá. A forte tormenta estava pronta para desabar sobre a ilha. Ela
inclinou-se para trás e abraçou os joelhos. O vento agitava as árvores, era a fúria da natureza que sacudia
toda a cabana.

A luz apagou e o dia virou noite.


Carolina respirou fundo tentando recuperar a calma. Não havia dado a devida importância aos conselhos de
Elisa, agora estava arrependida.

-- Eu não posso morrer sem antes te ver, Talita -- sussurrou, triste e assustada -- Não posso!

Carolina levantou o olhar e ficou pálida quando viu a parede escura de concreto desabando como um
papelão. Ela caiu e ficou imóvel, um pequeno corpo no chão. O coração dela pulou para a garganta enquanto
toda a cabana desabava sobre si.

Talita pulou de susto e derrubou um copo, que espatifou-se no chão.

-- Caralho! -- Doutor Vicente soltou o palavrão, mas logo se arrependeu -- Desculpe, saiu sem querer -- o
médico olhou para ela, estava pálida, nem se mexia -- O que aconteceu? Doutora!

Talita não podia falar; estava assustada, trêmula.

-- Preciso voltar para a ilha, doutor -- ela disse de repente -- Algo de muito ruim está acontecendo.

-- Não precisa voltar. É só dar um telefonema e tudo estará resolvido.

-- Você não entende, doutor Vicente -- havia uma expressão de desespero que lhe cortava a respiração -- Uma
pessoa está me chamando e eu não posso abandoná-la.

-- Quem está chamando? Não entendo! -- o médico estava confuso.

-- Uma amiga, eu estou ouvindo... -- ela continuava perturbada -- Não sei o que significa, mas preciso ir.

Talita caminhou até a porta e, antes de sair, olhou o cardiologista firmemente nos olhos.

-- Eu voltarei. Assim que puder.

Natasha estava encostada na porta do box esperando Carol terminar o banho.

-- Tudo bem aí? -- perguntou com voz divertida -- Faz quase uma hora que você está no chuveiro, o banheiro
está parecendo cena do filme "O Nevoeiro".

-- A Marcela já trouxe as minhas roupas? -- ela perguntou, hesitante, observando o vulto da empresária do
outro lado do box.

-- Ainda não, mas já deve estar chegando. Abre a porta que eu te ajudo a secar-se.

-- Não! -- berrou Carol, sua voz saiu um pouco mais alta do que desejava.

-- Por que não? O que tem demais eu querer ajudar a minha irmã a secar-se?

Carol queria escorrer pelo ralo. Não conseguia ver Natasha com os mesmos olhos que via Marcela. Para a
empresária podia ser a coisa mais natural do mundo toda aquela intimidade, mas para ela, era embaraçoso
demais. Torturante demais.

Com cuidado abriu uma frestinha da porta do box e colocou a mão para fora.

-- Passa a toalha -- agora sua voz saiu como um cochicho.

-- Deixa de ser recatada, Carol. Sou sua...

Natasha foi interrompida por batidas na porta.

-- Deve ser a Marcela. Já volto.

Era a sua grande oportunidade. Ela saiu do chuveiro, secou-se rapidamente e enrolou a toalha ao redor do
copo. Quando abriu a porta do banheiro, arregalou os olhos assustada ao ver Leozinho diante dela com uma
bolsa na mão.

-- O que você faz aqui no quarto? -- Carol berrou, apertando a toalha junto ao corpo -- Pelo jeito privacidade é
algo impossível nessa ilha!

-- Está com medo que eu lhe agarre? -- Leozinho deu uma risadinha irônica -- Só se for para roubar esse seu
brinco de gatinho. Que coisinha mais fofa! -- o rapaz colocou a bolsa sobre a cama e se virou para sair -- A
paladina defensora dos oprimidos, pediu para lhe entregar. São roupas secas, Natasha contou que você foi
pega de surpresa pela chuva e que parecia um pinto molhado.

Carol revirou os olhos e pegou a bolsa que estava sobre a cama.


-- Onde ela está?

-- Na sala, conversando com o rapaz da defesa civil.

Depois que Leozinho saiu, Carol se vestiu e enfiou-se debaixo das cobertas. Ela tinha pavor de trovão, e
relâmpagos.

Com os olhos fechados ela sentiu seu pé ser beijado.

-- Que pé macio -- Natasha sussurrou, baixo, o sotaque sensual causou arrepios por todo o corpo da ruivinha.

-- Sua maluca! -- Carol lutou para simplesmente respirar. Ela não esperava por esse gesto.

Natasha espreguiçou-se, se deitou ao lado de Carol e ficou observando a irmã. Um silêncio confortável se fez
naquele momento.

-- Não deveria ter saído com uma tempestade dessas se formando.

-- Não imaginei que viria tão rápido -- defendeu-se.

-- Nunca mais faça isso -- disse Natasha, com seriedade.

Carol cruzou o olhar com o dela, cabeça erguida.

-- Você me parece do tipo dominadora -- sustentou o olhar de desafio.

Natasha esfregou o maxilar, pensativa.

-- Você acha?

-- Acho -- respondeu prontamente, sem titubear.

Natasha sorriu.

-- Sou dominadora e não aceito ser contrariada. Ainda lhe dou umas palmadas! -- ameaçou ela.

Um trovão fez Carol rolar para cima de Natasha agarrando-se ao seu corpo com braços e pernas.

-- O que foi isso? -- a empresária puxou Carol para aninhar-se nos seus braços -- Está com medo?

Carol balançou a cabeça afirmativamente e tapou os ouvidos com as duas mãos para não ouvir os trovões.

-- Não tenha medo, pois estou aqui e vou cuidar de você -- Natasha apertou-a de encontro a si e a fez sentir-se
segura.

Carol aceitou o carinho, estava gostoso demais para recusar.

-- Nat.

-- Hum?

-- Você já se apaixonou? -- arriscou perguntar ao perceber que ela estava serena e de bom humor.

-- A última vez que me apaixonei, o Mar Morto ainda estava hospitalizado.

A resposta foi bem estilo Natasha, sempre com uma piadinha sem graça.

-- E o que aconteceu? Por que não deu certo? -- A pergunta podia parecer indiscreta, mas tinha que fazer.
Estava tomada pela curiosidade.

Ela hesitou antes de responder, inclinou a cabeça para trás e ficou olhando para o teto.

-- Trata-se de um assunto muito chato e eu prefiro não falar nele -- Natasha pareceu irritar-se.

Carol corou e apressou-se em se explicar.

-- Não foi minha intenção invadir sua intimidade, apenas preocupação de irmã.

Surpresa, Natasha arqueou as sobrancelhas. "Preocupação de irmã", era tão confortante ouvir aquilo. Ela
precisava de amor fraternal. Receber e dar. Esse tipo de amor, na sua opinião, era verdadeiro.

-- Há cinco anos conheci uma mulher em uma balada em Floripa, ela procurava por emprego e eu não pensei
duas vezes, contratei-a como recepcionista do hotel -- Natasha permaneceu em silêncio por alguns momentos,
depois continuou: -- Não demorou muito pra gente engatar um namoro. Ela era meiga e carinhosa. Bem,
tivemos períodos alegres e tristes em nosso relacionamento. Coisa normal, como todo casal. Ela estudou,
formou-se em fotografia, fez pós e muitos cursos no exterior. Após essas especializações, ela começou a ficar
mais independente. Era como se tivesse rompido correntes.

-- Como assim, Natasha? -- a história de Natasha despertou a atenção de Carol.

-- Ela dependia do meu dinheiro para tudo, só depois das especializações é que começou a ser chamada para
alguns trabalhos. Trabalhos pequenos que não rendiam muito dinheiro, mas eu achava legal já que ela estava
fazendo o que sempre amou, que era fotografar -- Natasha calou-se por um instante e, depois, continuou: --
Até que há dois anos, ela recebeu a proposta de um trabalho na África. O resto da história você já deve
imaginar. Resumindo, "amor verdadeiro é pizza bem quentinha, o resto é armadilha de satanás pra fazer você
se iludir".

Carol não soube o que dizer. Até certo ponto, sentia-se feliz por Natasha confiar nela e se abrir, mas o
assunto a deixara constrangida. Natasha não fazia ideia o quanto estava correta.

Carol tinha muitas perguntas povoando a sua mente, porém, achou melhor não insistir.

-- Estou muito feliz com a sua volta. Preciso de alguém verdadeiro ao meu lado. Preciso esquecer o passado.
Desde a morte do meu avô e a decepção com Mariana, tenho me dedicado demais aos negócios. Preciso curtir
a vida, gastar minhas energias com coisas mais interessantes -- Natasha afastou os cabelos da testa de Carol e
em seguida deu um beijo no local -- E você? Tem alguém em especial?

-- Não, não tenho ninguém.

-- Ainda bem -- disse sorrindo -- Sabia que Eva era tão ciumenta, que todas as noites contava as costelas de
Adão? Eu sou assim, então, abra bem o olho. A pessoa escolhida tem que passar por uma minuciosa
avaliação.

-- Bobinha! -- Carol aninhou-se. Os braços protetores de Natasha, faziam com que ela esquecesse que, lá fora,
o vento rugia e a chuva devastadora os obrigavam a permanecerem no hotel, como se fossem prisioneiros.

Logo Carol adormeceu, sentindo o perfume delicioso da irmã.

A tempestade foi embora. O vento e a chuva pararam de castigar a ilha e o litoral catarinense. Agora apenas se
ouvia, um teimoso pinga-pinga e o sol, que vez ou outra aparecia, era fraco e branco.

Natasha tomou o café da manhã, vestiu uma calça jeans e uma camiseta branca. Colocou um boné de beisebol
e tênis para caminhada. Passou pela cozinha, pegou uma bandeja com frutas e frios e retornou ao quarto.

-- Acorda, princesa! Trouxe seu café.

Carol moveu-se, resmungou e escondeu o rosto no travesseiro.

Natasha sorriu.

-- Desculpe acordar você tão cedo, mas tenho que receber o pessoal da defesa civil. Segundo eles, houve
queda de árvores, casas derrubadas, muros caídos, inundações e alagamentos registrados em vários locais
da ilha.

Carol levantou a cabeça.

-- Alguma vítima?

-- A princípio, não. Os moradores dessas localidades conhecem muito bem o poder destrutivo de uma grande
tempestade. Assim que recebem o alerta, eles procuram imediatamente os abrigos.

-- Se perdermos bens materiais poderemos recuperá-los, em maior ou menor tempo, com maior ou menor
esforço. Porém, a vida de quem amamos, quando perdemos, não podemos mais recuperar -- Carol fez um
carinho no rosto da empresária -- Vá, e por favor, ajude as pessoas que perderam as suas casas.

Natasha sentiu vontade de abraçá-la. De abraçá-la bem apertado, como se fosse louca.

Carol olhou para a boca de Natasha e então ergueu os olhos para os olhos profundamente verdes, a
expressão confusa. Um arrepio involuntário percorreu seu corpo. Sabia que a forma com que a fitava não era
a de uma irmã carinhosa, agora sabia o que estava acontecendo. E não era nada bom.

Natasha atravessou a enorme recepção, acenando brevemente para os funcionários da segurança que a
estavam aguardando.

-- Venham comigo! -- ela continuou caminhando em direção a saída -- Já sobrevoou a ilha, Erivaldo?
-- Não, chefe. O vento continua muito forte. Tentei decolar, mas fui obrigado arremeter e na segunda tentativa
quase não consegui pousar por conta dos ventos.

-- Alguma novidade, Rambo?

-- A tempestade deixou estragos e um rastro de destruição. De acordo com a Defesa Civil, os locais mais
afetados foram as encostas do lado leste.

-- Menos mal -- Natasha colocou as mãos nos bolsos e respirou fundo -- Prepara o jipe para mim. Vou até a
costa leste da ilha, acho que dessa vez a velha cabana não resistiu.

- Vai sozinha, chefe? Não acha melhor que eu ir junto?

- Não, Rambo. Prefiro que fique e comande tudo por aqui. Qualquer problema eu uso o rádio do jipe para
entrar em contato com você.

Logo depois, Natasha entrou no carro e saiu cantando os pneus.

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Capítulo 30 Eu Vou Te Matar por Vandinha
 

A Ilha do Falcão -- Capítulo 30

Eu Vou Te Matar

O barulho da tempestade foi absorvido gradualmente pelos milhares de ruídos normais da região: o barulho
de grilos, o coaxar dos sapos. As ondas batendo contra as rochas.

O chão ensopado e a cascata de água que caiu sobre ela durante toda a noite, deu lugar a uma pequena fresta
de sol que invadia bravamente por entre um mundo de entulhos e algumas paredes que ainda permaneciam de
pé.

Carolina tentou mover-se, mas seu corpo estava completamente coberto por muito concreto e madeira. Foi
muita sorte não ter sido enterrada viva.

Não havia nada o que pudesse fazer além de orar. Orar por um milagre.

Fazia algumas horas que Natasha estava rodando por aquela estrada de lama que parecia não ter fim.

Não demorou a perceber que, após o cruzamento uma árvore impedia a passagem. Xingando, manobrou o
carro e tratou de voltar ao cruzamento, para pegar outro caminho.

Com um suspiro desanimado, Natasha acelerou o jipe, numa tentativa de recuperar o tempo perdido.

Algum tempo depois, pisou no freio com toda a força. O caminho à frente estava totalmente encoberto pelas
águas do rio que transbordara.

Natasha pulou do jipe e foi ver de perto a real situação.

-- Que merda! Vai ser impossível atravessar -- desanimada, colocou os braços ao redor do volante e descansou
a cabeça sobre eles -- Acho que não vale a pena se arriscar por algo que posso resolver outro dia.

Natasha engatou a marcha ré e voltou para a trilha.

Talita batia nervosamente sobre o balcão.

-- Eu preciso voltar o mais breve possível para Florianópolis. Por favor, moça.

-- Em feriados prolongados como esse, é praticamente impossível conseguir uma passagem sem reserva --
explicou a funcionária, educadamente.

-- É muito importante para mim, não existe outra forma? -- insistiu, Talita.

-- Você pode aguardar, caso aconteça alguma desistência, nós avisaremos -- disse a moça, com um sorriso
compreensivo -- Mas adianto que infelizmente, isso pode levar horas -- enfatizou.

Com um suspiro de enfado, Talita seguiu o conselho da funcionária da empresa. Atravessou para o outro lado
da sala, sentou em uma cadeira, pegou o celular e ligou para Elisa pela quinta vez.

Logo no primeiro toque, ela atendeu.

-- Então Elisa, conseguiu falar com a Carolina? Ainda não? Você tem certeza que ela está em um dos abrigos?

Natasha percorreu alguns quilômetros e parou.

-- Por que deixar para amanhã o que podemos fazer hoje? -- engatou a marcha ré, manobrou o carro e
retornou ao local onde estava a árvore caída que impediu a sua passagem.

-- Existe criatura mais teimosa do que eu? - perguntou, rindo para a sua imagem no espelho retrovisor.

Pulou do jipe, encostou-se nele, forçou-se a examinar suas opções.


-- Vai ser difícil, mas eu vou conseguir -- por sorte estava com um carro com tração nas quatro rodas, engate
para reboque e corda com ganchos. Natasha prendeu o cabo na árvore e ligou o carro.

Com um suspiro, ela pisou fundo no acelerador, o veículo não se moveu um centímetro sequer. Os pneus
derrapavam no atoleiro. Tentou uma vez mais e nada. Desceu do carro. Inspecionou as rodas e viu que era
impossível remover a árvore com os pneus atolados naquele lamaçal.

-- Como dizia o vovô: "Os tapetes não servem apenas para deixar o carro limpinho".

Natasha pegou o macaco e levantou o carro até tirar a roda do chão. Depois, colocou folhas, pedaços de
galho e o tapete do carro embaixo dos pneus, formando uma rampa.

-- Agora é só entrar no carro, engatar a segunda marcha e sair suavemente até pegar embalo e... Hú! Hú! --
Natasha conseguiu arrastar a árvore e liberar a estrada -- Raro encontrar pessoas bonitas e inteligentes...
Somos poucos!!!

Natasha soltou a corda, recolheu os tapetes e seguiu caminho. Virou a cabeça para a densa vegetação que a
cercava. Não avistou nada além de árvores e galhos quebrados.

Minutos depois estacionou o jipe a alguns metros de sua antiga cabana. A obra de três gerações ficou
reduzida a escombros em uma tempestade que durou pouco mais de uma hora.

-- Meu santuário, meu refúgio -- ela ia escolhendo cuidadosamente o caminho através dos escombros, atenta
ao lugar onde pisava -- Não sobrou nada -- com as lágrimas escorrendo-lhe pelo rosto, Natasha deixou-se cair
sentada no chão, soluçando desesperada, com a cabeça entre as mãos -- Estão vendo isso, papai e vovô? Essa
cabana significava muito para mim. Por que?

E a chuva começou a cair novamente. No início leve e aos poucos foi se tornando intensa, encharcando suas
roupas. Não lhe restava mais nada a fazer. No devido tempo, recuperaria a velha cabana.

Suas roupas estavam molhadas e seus tênis, encharcados e sujos de lama, congelando os seus pés. Precisava
sair dali.

Estava prestes a se afastar, quando ouviu alguém tossir baixinho. Parecia longe, mas era certo que havia
alguém no meio dos escombros.

Natasha começou a caminhar por sobre o amontoado de telhas e madeiras, porém hesitou em seguir adiante
quando ouviu estalos a cada passo que dava.

A chuva forte batia contra o seu corpo. Uma forte rajada de vento quase a fez perder o equilíbrio e cair.
Respirou fundo, recuperando a calma e começou a descida pelo telhado escorregadio.

-- Ei, tem alguém aí? -- com curiosidade, parou ao lado de um pequeno buraco, entre as vigas do telhado e
cuidadosamente analisou as condições do interior. Seria um milagre uma pessoa ter sobrevivido ao
desabamento -- Se tiver, me dê um sinal, qualquer coisa. Pode ser um pum, um arroto.

Natasha riu.

-- Deixe de brincadeiras, Natasha e vá logo embora -- falou baixinho e levantou-se -- Não tem ninguém aqui.

Porém uma nova tosse confirmou suas suspeitas. Ajoelhou-se e continuou espreitando pela fresta por mais
alguns instantes.

-- Eu sei que está aí, tente manter a calma. Eu vou descer para ajudá-lo, mas primeiro preciso buscar algumas
ferramentas no carro. Já volto.

A chuva continuava, molhando-a da cabeça aos pés, mas Natasha estava tão concentrada em salvar a pessoa,
que nem se importava com isso.

Foi até a beirada do telhado, pisando em escombros e detritos no caminho. Ela examinou o telhado
novamente, observando bem onde pisava. Quando alcançou o chão, Natasha correu até o jipe, pegou o
máximo de ferramentas que conseguia carregar e jogou dentro de uma mochila. Vestiu uma jaqueta e cobriu
os cabelos com o capuz. Pegou também uma garrafa com água e uma lanterna.

-- Queria que o Leozinho estivesse aqui filmando tudo. Ele diria: Natgirl foi absurdamente corajosa!

Meia hora depois, Natasha voltou. Outra rajada de vento provocou-lhe um arrepio.

-- Uau, sorte ter trazido essa jaqueta -- seus lábios estavam azulados por causa da repentina queda de
temperatura.

Então, amarrou uma ponta da corda na cintura, e a outra ponta prendeu-a em uma saliência da construção.

-- Estou descendo -- avisou.


Com a agilidade de um gato, Natasha passou pelo pequeno buraco. Com movimentos precisos, foi descendo
lentamente. Pedaços de madeira ofereceram alguma resistência, mas cediam após algumas batidas com a
machadinha.

O último obstacula foi o mais difícil. Bordas pontiagudas causaram alguns ferimentos em sua perna e o
sangue manchou a sua calça.

Deu um sorriso exultante quando sentiu o contato dos pés com o chão. Estava dentro do casarão!

-- Estou aqui dentro, onde está você? -- ligou a lanterna e iluminou ao redor.

Durante algum tempo procurou, no meio dos escombros. Finalmente encontrou a pessoa, coberta de pó e de
pedras. Caindo de joelhos diante dela, descobriu que era uma mulher. Estava ainda viva. Natasha removeu
pedras, e chamou:

-- Moça, moça! -- a princípio, ela não a ouviu, nem reagiu, mas uns minutos depois gemeu. Devia estar muito
machucada -- Droga, como está escuro -- pedaços de concretos bloqueavam a claridade justamente no
instante em que mais precisava dela. Orientando-se unicamente pelo tato, tocou o rosto da moça.

-- Fique tranquila. Vou tirá-la daqui -- sussurrou, tirando a poeira que cobria o rosto da moça com as mãos.

Como um milagre, Carolina tossiu nos braços de Natasha. Seus lindos olhos se abriram e ela engoliu e tentou
falar.

-- Natas...

-- Não fale -- ordenou, mas pensando melhor, contrariando a sua própria exigência, perguntou: -- Você me
conhece?

-- Sim eu... -- a voz engasgou.

-- Chega, não fala mais. Temos que encontrar uma forma de sairmos daqui -- os olhos dela se encontraram com
os de Carolina. Seu coração parou de funcionar por alguns segundos.

Lembrou das palavras de Selma Soares Albuquerque:

"Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste
atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.

Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser
a pessoa que você está esperando há muito tempo.

Por isso, preste atenção nos sinais, não deixe que as loucuras do dia a dia o deixem cego para a melhor coisa
da vida".

-- Não -- Carolina arquejou -- Estou morrendo -- lágrimas rolaram dos seus olhos.

-- Se não a tirar daqui agora, com certeza, morrerá -- Natasha começou a afastar os blocos menores de
cimentos. Deixaria o maior e mais pesado por último. Faria uma alavanca com um pedaço de pau e tentaria
libertá-la.

-- Não! Não vou conseguir! -- soluçando, ela balançou a cabeça -- Agora já posso morrer -- os olhos cheios de
lágrimas, a voz rouca enquanto olhava para a irmã que lutava bravamente para salvá-la -- Finalmente, vou
poder dizer para a minha irmã que a amo muito.

-- Tenho que tirá-la daqui -- Natasha continuou o seu trabalho, sem dar importância ao que a moça falara -- Não
temos muito tempo -- pegou a lanterna e avaliou a situação -- Agora só falta o bloco maior.

-- Esqueça isso, Tasha. Você não vai conseguir -- sussurrou, os olhos brilhantes de lágrimas. Agora podia ao
menos, mover os braços -- Deixe-me entregar-lhe uma coisa.

Com esforço ela enfiou a mão no bolso do casaco e tirou uma caixinha de veludo.

-- A doutora Talita havia guardado para mim, sorte eu ter pego com ela antes da sua viagem. Pega "Tassa", fica
com ela.

Tassa? Somente uma pessoa no mundo a chamava dessa forma.

Sentiu uma mão forte e pesada tocar em seu ombro, fazendo com que ela estremecesse. Olhou ao redor,
porém, não tinha ninguém além das duas.

-- Pega -- usando suas últimas forças, Carolina estendeu a caixinha para a irmã.

Natasha abriu. Assustada, deixou a lanterna cair no chão. Numa fração de segundos se sentiu tonta, imóvel
sob a sombra da enorme pedra de concreto.
-- Não! -- sacudiu a cabeça, incrédula -- Carolina está lá no hotel -- berrou, com uma voz rouca e autoritária.

-- A minha alma reconheceu a sua assim que a vi naquela revista. A Carolina que está lá no hotel, é uma
falsária. Uma golpista.

Natasha pegou a pulseirinha que estava na caixinha. Ela usava uma idêntica em seu pulso.

-- Nossa mãe colocou em nós, com o nome e endereço gravados. Provavelmente com medo de nos perdermos.

-- Ela não pode ser uma farsa. Ela fez o DNA, ela me ama. Eu sinto isso...

A dor que Carolina ouvia na voz da irmã a destroçava. Ela lhe parecera tão perdida segurando a caixinha de
encontro ao peito, com a água da chuva escorrendo pelo seu rosto, que sentira uma vontade enorme de
abraçá-la. Natasha amava aquela mulher. Ela havia se tornado o seu tudo. Então seus olhos escureceram e
Carolina desmaiou.

Natasha ouviu um grito de dor e ódio, e percebeu que saíra dos próprios lábios. Tudo que queria era matar
todos que a tinham enganado. Principalmente aquela que se dizia a sua irmã.

Caiu sentada, chorando. Sua agonia vinha da dor da decepção e do desapontamento. Teria dado a vida por
ela.

-- Como pude ser tão inocente!

Natasha ainda tentava se recuperar do choque da revelação, quando ouviu o gemido de Carolina. Os olhos
verdes cresceram com o desespero. Ela olhou o rosto da moça e o coração parou.

-- Você não nega ser a sardenta feinha da mana -- apertou-a com força -- Não posso deixá-la morrer.

Ficou imóvel por alguns segundos, tentando absorver a súbita sensação de medo. Estava num local isolado e
não tinha como pedir socorro.

-- O rádio do carro! -- olhou para cima. Chamar o helicóptero seria a única chance -- Aguenta firme, maninha.
Eu já volto.

Talita ainda aguardava no aeroporto por uma desistência quando um casal de jovens sentaram-se ao seu lado.

-- Eu não acredito que você deixou para dizer isso uma hora antes do embarque! -- disse o rapaz, irritado.

-- Não tive culpa -- ela respondeu, de forma triste -- Meu pai não permitiu que eu faça essa viagem. Ele disse
que as coisas não estão boas em Florianópolis. Houve uma tempestade e a cidade está um caos.

-- Você sabe quanto tempo esperamos por isso. Planejamos cada detalhe, o hotel, as festas.

-- Eu sei meu amor, mas não posso desobedecer ao meu pai.

Talita que ouvia tudo com atenção, não pode deixar de fazer uma proposta.

-- Gostariam de uma semana em uma ilha maravilhosa, tudo por minha conta?

Os jovens a fitaram desconfiados.

-- É sério? -- perguntou a moça -- Não é uma pegadinha?

Depois de meia hora, Natasha retornou para junto de Carolina. A irmã permanecia desacordada e gelada. Ela
tirou a jaqueta e a cobriu.

-- Já chamei o Erivaldo. Ele é o melhor piloto de helicóptero da região. Vou tirar você dessa, ou não me chamo
Natasha Falcão.

Natasha, então, colocou a cabeça da irmã em seu colo e passou a cuidar dela, esperando pelo helicóptero. O
tempo corria, rápido e implacavelmente contra elas! Nesse meio tempo, lembrou da mulher linda, meiga e
carinhosa que havia deixado dormindo em sua cama. Os lábios tremiam, os olhos verdes largos estavam
tristes e cheios de lágrimas.

-- Você não faz ideia com quem se meteu, Andreia Dias.

 
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Capítulo 31 -- O Resgate por Vandinha
 

A Ilha do Falcão -- Capítulo 31 

O Resgate 

A chuva continuava a cair torrencialmente, aumentando o risco de um novo desabamento. 

O tempo passava e Natasha ia se sentindo cada vez mais perturbada, até que, não aguentando mais a tensão,
levantou-se de repente. Esfregou suas mãos de cima abaixo por seus braços num claro sinal de angústia. 

-- Por que Erivaldo está demorando tanto? -- era doloroso demais olhar para a irmã naquele estado. Não podia
deixar que isso continuasse -- Vou tentar remover a barra de concreto, fazendo uma alavanca. 

--Tassa! -- Carolina a chamou com voz fraca. 

-- Carol, amor, o que aconteceu? Está com dor? 

-- Não tente tirar a barra Natasha, é uma loucura e sabe disso. Saia daqui enquanto é tempo. Não quero que
arrisque a sua vida. 

Natasha estava sacudindo a cabeça antes mesmo que ela terminasse a frase. 

-- Está tudo bem -- disse Natasha, com carinho. Carolina chorava -- Está tudo bem. 

Continuou afagando os cabelos da irmã e não voltou mais a falar em remover o bloco. Fechou os olhos,
abraçando-a. Era dor demais, para ela, descobrir a verdadeira irmã em meio a uma tragédia. 

De maneira nenhuma deixaria a irmã para morrer. Morreriam juntas, se assim fosse o destino. Agarrou-a
contra ela e a abraçou enquanto passava a mão por seu cabelo. 

Natasha não conseguia reprimir os tremores que lhe percorriam o corpo. Pingos de água barrenta escorriam
de seus cabelos castanhos para o rosto e pescoço. Os lábios estavam arroxeados, e não havia uma única
parte de seu corpo que não doesse. Qualquer movimento que fizesse a deixava ofegante. 

Com dedos trêmulos, ela procurou pela bombinha no bolso da calça e fez uma careta. 

-- Droga! Por que eu sempre esqueço -- sorriu nostálgica, ao lembrar o que a mãe sempre dizia: "Menina
cabeçuda. Está sempre esquecendo essa bombinha". 

Natasha apertou os olhos. Estava sentindo-se mal, preocupada demais para pensar em qualquer outra coisa
que não fosse tirar a irmã dali. Natasha tinha a impressão de estar no meio de um pesadelo. Aquilo não podia
estar acontecendo! 

Dentro do Hangar, Erivaldo andava de um lado para o outro, impaciente, ignorando a todos os conselhos,
inclusive do experiente comandante Faraco, que, encostado à mesa, os braços cruzados, tentava convence-lo
a não decolar.  

-- Infelizmente, não temos outra saída -- disse Erivaldo, tocando o ombro do amigo piloto -- Não tive problema
algum com a decolagem com vento de cauda de 5 ou 6 nós, mas com um vento de cauda de 10 nós, nunca
decolei. 

-- Você pode estar entrando em uma roubada, Erivaldo. O amigo está indo além dos limites que permeia as
cabines de helicóptero. O perigo de queda existe e, infelizmente, vejo-a com mais frequência que gostaria de
admitir. 

-- Não posso mais ficar aqui parado enquanto a chefe está precisando da minha ajuda -- disse
decidido - Eu prefiro arriscar e correr o risco, do que viver frustrado por não tentar. 

Elisa estacionou o carro diante do portão do hangar com uma manobra habilidosa e saiu correndo em direção
a Rambo, com o rosto pálido, transfigurada pelo desespero. 

-- O que está acontecendo? -- perguntou tomada por terrível angústia -- Não me esconda nada, Rambo. 
-- A única coisa que sei dona Elisa, é que a velha cabana desabou e a senhorita Natasha solicitou o
helicóptero para um resgate. 

Elisa ficou pálida e suas pernas fraquejaram. 

-- Meu Deus! -- Se Rambo não a estivesse amparando teria caído.  

-- Cinco minutos para decolar -- avisou Erivaldo, enquanto olhava para o céu cheio de nuvens escuras -- Vamos
pessoal. 

Rambo olhou para a inquieta senhora, com um sorriso tranquilizador nos lábios, embora seu coração se
contorcesse em preocupação. 

-- Fique tranquila, dona Elisa. Vamos trazer a senhorita Natasha sã e salva. 

Ela fungou balançando a cabeça. 

-- Que Deus os abençoe! -- Sua preocupação agora era em dobro. Não havia encontrado Carolina em nenhum
dos abrigos. Teimosia devia fazer parte da genética da família Falcão. Credo, como são cabeça-dura. Nunca
abrem mão da própria opinião e não dão importância aos conselhos dos outros quando pretendem fazer algo.
Pensou a jovem senhora, com o coração aos pulos. 

Um segundo depois de terem saltado para dentro, o helicóptero iniciava a difícil subida. Erivaldo podia sentir
o helicóptero sendo empurrado com força pelo vento contrário.  

Em sua suíte, Carol andava de um lado para o outro, preocupada demais para se sentar e esperar notícias de
Natasha. 

-- O que pode ter acontecido? -- perguntou, aflita, caminhando novamente até a janela -- Será que algo de ruim
aconteceu à Natasha? -- seu coração falhou uma batida. 

-- Não sei -- respondeu Sidney -- Só sei que o helicóptero acabou de levantar voo. 

-- Meu Deus! -- lágrimas escorreram pelas faces de Carol -- Será que ela está perdida na mata? 

-- Não diga tolices -- debochou Marcela -- Natasha deve conhecer essa mata, da mesma forma que você
conhece o meu apartamento no Rio. 

-- Não fique tão preocupada, Carol. Natasha é uma mulher forte e acostumada a esse tipo de situação --
comentou, Sidney. 

-- Não sei porque toda essa agonia, afinal de contas, pense no quanto ganharíamos caso ela morresse -- havia
um brilho gelado nos olhos dela. 

Carol não conseguiu controlar a revolta. As palavras maldosas de Marcela, causaram uma reação intempestiva
na irmã. Ela chegou mais perto e berrou, com o dedo apontado para Marcela. 

-- Nunca mais diga isso! -- Carol tinha os olhos enormes brilhando de indignação. 

-- Calma Carol. Controle-se -- Sidney a segurou pelo ombro. 

-- Sempre a achei interesseira e maldosa, mas agora vejo que é muito mais do que imaginei! -- Carol se afastou,
furiosa -- Vou sair daqui antes que eu te meta a mão na cara. 

Ela simplesmente virou as costas e saiu dali, deixando Marcela atônita. 

Sidney não tentou impedi-la, ficou apenas olhando enquanto ela batia a porta. 

-- Agora você passou dos limites Marcela -- ele balançou a cabeça -- Veja o estado que ela ficou. 

-- Eu vi. E confesso que estou bem admirada. 

-- Ela gosta de verdade da Natasha -- Sidney andou lentamente para a ampla janela e olhou para o céu, nas
nuvens densas e escuras -- E quer saber, Marcela. Eu também gosto. Gosto da Natasha, do Leozinho, da
Jessye, de todos nessa ilha. Não devíamos ter armado essa farsa, foi um grande erro e eu estou arrependido. 

Marcela deu uma gargalhada diante do comentário inocente de Sidney. 

-- Não seja bobo. É tarde demais para arrependimentos -- ela jogou os cabelos para trás e olhou para ele com
uma expressão séria, misto de irritação e preocupação. Tentou controlar a voz quando falou: -- Ela vai mandar
a gente para a cadeia, no mesmo instante. E sabe de uma coisa, Sidney. 

O rapaz continuava a olhar pela janela, mas depois virou-se e encarou Marcela. 
Ela ergueu o rosto e olhou-o nos olhos. Sua expressão era fria. 

-- Andreia não suportaria essa vergonha e muito menos papai -- Marcela olhou-o de um jeito estranho,
examinando a reação dele -- Você quer dizer alguma coisa, Sidney? 

Houve um momento de silêncio. Ela esperou pacientemente até que ele respondesse. 

-- Não! Não tenho nada a dizer. 

-- Ótimo. Agora, vamos atrás daquela louca. 

-- Tassa! 

Natasha levantou a cabeça quando ouviu seu nome e pela primeira vez desde que se encontraram, ela sorriu
com entusiasmo. 

-- Como você está? -- ela perguntou com uma voz tranquila enquanto tocava os dedos nos botões de pressão
da jaqueta que cobria a irmã. 

Com a cabeça, Carolina fez um sinal demonstrando que estava tudo bem. Natasha notou emoção nos olhos
dela. 

-- Por que está me olhando como se eu fosse a Gal Gadot? -- brincou -- Não me ofenda, sou muito mais gata
que ela. 

-- Eu te admiro, muito -- admitiu com sinceridade -- Você é uma mulher incrível. Não se lamenta sobre a
situação. Não demonstra medo. Apenas aceita com calma e controle. 

Natasha deu uma risada divertida. 

-- Verdade que pensa isso de mim? Pois fique sabendo que toda vez que me olho no espelho, penso: Que
merda é essa -- os olhos verdes de Natasha estavam ainda mais claros. 

-- Estou falando sério. Há muito tempo acompanho as suas conquistas. 

-- Carolina? -- Natasha inclinou a cabeça e continuou brincando com o botão da jaqueta -- Você tinha a pulseira
com o seu nome e endereço. Por que não me procurou? 

-- No momento do acidente, fui arremessada para fora do carro. Quem me encontrou foi um casal de
moradores de rua que viviam há anos embaixo de um viaduto, próximo à ponte. 

-- Você morou embaixo do viaduto? -- Natasha ficou perplexa. 

-- Sim. Vivíamos em um espaço pequeno, fechado com placas e alambrado. O local era limpo. Tínhamos dois
sofás, colchão, estante, guarda-roupa e varal, entre outros objetos típicos de uma casa. 

-- Eu não acredito que se conformava em viver dessa forma. 

-- Eu era apenas uma criança -- Carolina disse, baixinho -- Eu vivia muito bem na minha casa, me sentia no
paraíso. Ninguém nos atrapalhava. Só o trem que parecia passar em cima da minha cama, mas já estava
acostumada -- disse Carolina, rindo. 

-- E depois? Quando você não era mais criança? Eles não contaram a verdade? Por que você não fugiu de sua
família e me procurou? 

-- Eu não precisava fugir. Eles nunca me impediram de nada. Inclusive me contaram tudo -- Carolina fechou os
olhos sentindo-se fraca, como se todos os seus ossos estivessem quebrados -- Eles me ensinaram a amar, a
ser humilde, me ensinaram a pensar por mim mesma, me deram amor, me deram tudo o que eu precisava. Eu
pegava recicláveis, limpava terrenos e ganhava dinheiro assim. Eles fizeram tudo por mim. Não precisava de
bens materiais. Somente o amor bastava. 

-- Como dizia o filósofo lendário Elvis Aaron Presley, músico e ator, mundialmente denominado "Rei do Rock":
A única coisa boa em ter dinheiro é que você não precisa se preocupar com ele. Se eu gastar tudo hoje
amanhã ganho mais. Isso não importa. O que importa são as pessoas que temos a nossa volta -- ela fez
silêncio durante um tempo antes de continuar: Não precisava ter vindo atrás do dinheiro, poderia ter vindo
atrás de sua irmã -- disse Natasha, sorrindo fracamente -- Daria todo o meu dinheiro para ter você de volta. 

-- Sim. Sim, hoje eu sei disso. Porém sua fama de malvada corria longe. Quando falava na intenção de lhe
procurar, todos agiam, como se eu estivesse indo para a forca. 

-- Sério? -- o olhar interrogativo de Natasha fez com que Carolina sorrisse novamente -- Você sabe que não sou
do tipo simpática... -- murmurou ela, pensativa -- Não é de admirar, já que todos agem como se eu fosse capaz
de morder, não acha? -- Dessa vez ela fitou a irmã, erguendo uma sobrancelha. 
-- Os boatos devem ter algum fundamento -- resmungou Carolina. 

Uma sombra de tristeza passou pelos luminosos olhos verdes de Natasha. 

-- Porém com você seria diferente. 

-- Como foi com a falsa Carolina? -- foi a vez dela erguer uma sobrancelha. 

As feições delicadas de Natasha refletiam tristeza. 

-- Como poderia imaginar que ela estava me usando e que tudo o que compartilhamos tinha sido uma mentira? 

Eram tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo que Natasha nem sabia ao certo o que pensar. Ela exalou
um suspiro pesado e com curiosidade voltou a perguntar sobre a atual família de Carolina. 

-- Eles ainda moram embaixo do viaduto? 

-- A assistente social já tentou tirar a nossa família de lá, mas não aceitamos sair. No abrigo tem hora para
tudo, a gente perde a liberdade, eu e meus irmãos teríamos que ficar separados -- disse Carolina, balançando a
cabeça -- As pessoas erram, mas na maioria das vezes erram por amor. Eu não podia abandoná-los -- Carolina
não conteve as lágrimas -- Você deve estar me odiando. 

-- Estou mesmo -- concordou Natasha, com um sorriso -- Sua bobinha, nunca seria capaz de odiar a minha irmã
querida -- Inesperadamente a empresária tocou nos cabelos dela. Natasha não deixou de ficar emocionada
também, e algumas lágrimas rolaram de seus olhos -- Poderíamos ter ajudado a sua família. 

-- Fui boba né! Me perdoe -- ela sussurrou. O cansaço parecia tomar conta dela -- Saia daqui eu te peço! -- a
expressão dela era preocupada, cheia de dor -- Tudo aqui pode desabar a qualquer momento. 

Natasha levantou a cabeça e olhou fixamente para cima.  

-- Shiii! -- ela pediu pelo silêncio de Carolina -- Está ouvindo esse barulho? 

Os ventos aumentaram naquele instante, agitando as árvores com violência e uivando entre os matagais.  

-- É o nosso resgate! -- Natasha gritou com entusiasmo. 

O coração de Carolina não havia sossegado desde o momento que ela olhara aqueles olhos verdes da irmã.
Encontrá-la ali, no meio de um desastre, sozinhas, por um momento a assustara para valer. Mas agora, vendo
que ela estava pulando com o entusiasmo de uma garotinha que acabara de ganhar um brinquedo, ela sentiu
algo completamente diferente de apreensão. Ela sentiu amor e carinho. 

Alguns minutos depois, a voz de Rambo veio através da fresta cortando o ar cerca de cinco metros acima de
onde elas estavam. 

-- Chefe! 

-- Estamos aqui, Rambo. 

Ele olhou para baixo iluminando todo o lugar com uma poderosa lanterna e percebeu que uma barra de
concreto havia desmoronado sobre a moça. 

-- Como está a situação? 

-- Está bem ruim -- disse Natasha, balançando a cabeça e abrindo os braços para enfatizar o local.  

-- Relaxa, chefe. Você tem a melhor equipe de resgate, lembra? Pena que paga tão mal -- disse o grande homem. 

Natasha lançou um olhar afiado para ele. Balançando a cabeça em negativa, ela estalou os dedos. 

-- Vocês têm uma hora. 

-- É pra já, chefe! 

Desviando a atenção para Carolina, Natasha sorriu.  

-- Agora falta pouco. 

Mal teve tempo de terminar a frase, antes que uma crise de tosse a dominasse.   

-- É sempre assim? -- perguntou Carolina. 

-- O que? 

-- Essa tosse. 
-- Sou asmática. Isso é normal -- balbuciou num fio de voz, tentando desviar-se do assunto. Natasha sabia que
estava prestes a ter uma crise. Tensão emocional a tornava vulnerável, e ela tinha acabado de ter a mais
incrível revelação de sua vida. Passou do sentimento mais puro que sentia pela falsa Carolina para o pior de
todos: O ódio. 

Carol entrou correndo no saguão do hotel à procura de um rosto familiar. Afobada, aproximou-se de Elisa e
agarrou-se ao seu braço, o rosto molhado de lágrimas. O olhar curioso da mulher pousou sobre ela. 

-- Onde está a Natasha? O que aconteceu com ela? 

A expressão desesperada do rosto de Carol, sensibilizou Elisa. Ela percebeu que a moça estava realmente
preocupada. 

-- Natasha chamou o resgate. Parece que a velha cabana desabou com a tempestade e tinha alguém lá no
momento do acidente -- ela fechou os olhos e passou a mão por seu longo cabelo -- Meu Deus! Estou
desesperada! -- Elisa tinha as mãos úmidas e tremia. Sentou-se, respirou profundamente, e tentou se
concentrar na conversa -- Rambo e Erivaldo já devem ter chegado ao local. 

-- Graças a Deus! -- após um momento de reflexão, Carol percebeu que Elisa estava nervosa demais, seu estado
era deplorável -- Você conhece a pessoa que estava na cabana durante a tempestade? 

Elisa pensou bastante antes de responder. 

-- Não! Claro que não. É que... pensei que houvesse acontecido algo de ruim com a Natasha e, se essa pessoa
morrer? Meu Deus, será uma tragédia. 

-- Verdade -- Carol suspirou fundo -- Estou mais tranquila com relação a Natasha, mas vou ficar orando por
essa pessoa. 

-- Faça isso, minha filha. A oração é a arma mais forte que temos. 

Sem perder tempo, Rambo deslizou por uma corda até onde Natasha e Carolina estavam.  

-- Vamos remover essa barra de cimento de cima dela -- disse Natasha, quase sem ar -- Trouxe mais homens
para ajudar? 

-- Sim, chefe. Já estão descendo. 

Carolina estava com os braços soltos na lateral do corpo e imóvel. Ela não tinha mais força para lutar.  

Assim que os dois homens desceram, começaram imediatamente o trabalho de remoção. Com cuidado, e
parando várias vezes para escorar com madeiras algumas partes que ameaçavam desabar sobre eles,
finalmente conseguiram afastar a barra. 

-- Vou chamar o Erivaldo -- Rambo começou a estabelecer contato com o piloto pelo rádio -- Tenta pairar o
helicóptero sobre a abertura em meio aos escombros. Mas, Erivaldo. Tome muito cuidado, pois isso aqui, está
prestes a desmoronar. 

- Entendido! Em dois minutos - respondeu Erivaldo - Cambio desligo. 

Olhando para baixo, Erivaldo lançou um rápido olhar para a abertura informada por Rambo. Era pequena, mas
o suficiente para a passagem da maca. 

-- Esteja pronto com a maca, Hans -- pediu o piloto para o rapaz. 

-- Ich bin bereit -- Hans deu um sorriso e caminhou até a escotilha aberta. Ele inclinou-se para fora do
helicóptero, preso a uma tira de segurança. O vento chicoteava seu corpo, mas ele resistia com veemência. 

Erivaldo fez o helicóptero pairar constante, em baixa altitude, apesar do vento tentar afastá-los do seu alvo. 

Momentos depois, Hans começou a descer um cabo de aço, com uma maca presa na ponta. 

O giro das pás da hélice do helicóptero criava um turbilhão de areia e terra, prejudicando a orientação de
Erivaldo. Depois de várias tentativas de pegar o cabo balouçante, Rambo conseguiu e Natasha ajudou-o a
preparar a maca e todo o equipamento de segurança. 

-- Vocês estão prontos? -- gritou Hans, enquanto a maca de salvamento estava posicionada ao lado de
Carolina. 

-- Como eu nunca estive antes em toda a minha vida! -- afirmou Natasha, tossindo. 
-- Tudo bem, chefe? 

Natasha se sentou em um monte de entulhos e colocou a mão sobre o peito. Seu peito chiava como um miado
de gato. Suas vias aéreas se apertavam e ficava difícil de passar o ar para dentro dos pulmões. 

-- Esse lugar para mim, é como se fosse um tumulo -- com muito esforço ela colocou-se de pé -- Você é o
especialista Breno, mostre-nos como fazer para colocá-la na maca. 

-- Vamos fazer o uso da imobilização manual da coluna cervical e do colar cervical e depois iça-la com o
guincho elétrico do helicóptero. 

Natasha sentiu-se feliz em lidar com pessoas que sabiam agir com competência e segurança. Era a vida de sua
irmã que estava em jogo e isso não tinha preço. 

Rambo sacudiu a cabeça e, em seguida, acenou para Hans, ainda pendurado para fora do helicóptero. Em um
segundo, a maca foi subindo com cuidado. 

Natasha buscou ar em desespero.  

-- Cuidado! -- ela gritava para ser ouvida sob a barulheira do helicóptero.  

Algum tempo depois, a empresária também subiu a bordo e acenou para Erivaldo.  

-- Voe direto para o Hospital Celso Ramos em Florianópolis. Não temos tempo a perder.  

Erivaldo balançou a cabeça e o helicóptero saiu rasgando o céu em direção ao continente. 

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Capítulo 32 -- Amar é Complicado por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 32 

Amar é complicado 

O aviso de "Apertem os cintos de segurança" acendeu, e Talita, automaticamente, verificou se o cinto estava
travado. 

-- Dentro de minutos pousaremos no Aeroporto Internacional de Florianópolis, Hercílio Luz, anunciou a voz


macia da aeromoça. 

-- Por favor, verifiquem se a bagagem de mão está no compartimento, e fechem as bandejas das poltronas. 

O avião mergulhou para se aproximar da pista e Talita estremeceu. Mas o tremor não foi causado pelo medo.
O que a fazia tremer era a angustia de não ter notícias de Carolina. Em seu último contato, Elisa havia dito que
Carolina não estava em nenhum dos abrigos oficiais da ilha. Essa informação a fez ter pensamentos horríveis
sobre o que poderia ter acontecido com ela durante a tempestade. 

A aterrissagem foi rápida e sem problema. O aeroporto estava movimentado. O feriado prolongado havia
trazido muitos turistas à Florianópolis. 

O avião taxiou tranquilamente no terminal, enquanto os passageiros e a tripulação recolhiam seus pertences.  

As pessoas falavam alto, muitos estavam revoltados com a falta de sorte. Aquele era um voo turístico, a
maioria dos passageiros haviam programado a viagem a meses. Seria o feriadão dos sonhos, mas a
tempestade transformou tudo em um verdadeiro pesadelo. A mudança meteorológica foi repentina e agora era
tarde demais para desistir.  

O avião estacionou, a porta foi aberta e, os passageiros desembarcaram apressados. 

Talita caminhou até o terminal, entregou o passaporte para a inspeção e entrou na fila para recolher a
bagagem na esteira rolante. 

Era apenas uma pequena mala, deixou o restante de seus pertences no Rio de Janeiro, para onde pretendia
retornar em breve. 

O celular tocou. Era Elisa. 

-- Boa noite, Elisa. Acabei de chegar em Florianópolis -- Talita caminhava em direção ao portão de saída do
aeroporto enquanto falava ao celular -- Estou indo para a marina... -- O que? 

Se já estava ansiosa no avião, agora se sentia cem vezes mais nervosa. Seu coração quase explodiu. 

-- Meu Deus, Elisa -- Talita falava com muito esforço. Não se conteve e começou a chorar -- Por que aquela
cabeçuda não saiu da cabana? 

Talita estava tão transtornada e perdida que quando se deu conta já estava entrando em um taxi. 

-- Para o Hospital Celso Ramos -- o táxi se pôs em movimento, e Talita acrescentou: -- O mais rápido possível.
Por favor! 

Natasha abriu os olhos lentamente e olhou para o teto branco. Deitada de costas na cama, se sentia
entorpecida e alheia aos bips a sua volta. 

-- Natasha. 

Ao reconhecer a voz de Talita, Natasha virou a cabeça devagar. Ela estava parada junto à cama, com uma
expressão de choque e preocupação nos olhos quando a encarou. 

-- Falei com a médica quando cheguei. Ela me contou que você teve uma crise de asma, mas que vai ficar bem --
disse, com um relance ao redor do quarto -- Ela também me disse que você chamava o tempo todo por
Carolina. 

Ao ouvir o nome Carolina, Natasha voltou a fechar os olhos. Momentos antes, ela dissera palavras
desconexas em seu sono, devido à febre. 
-- Qual delas? A falsa ou a verdadeira? -- perguntou cheia de amargura e revolta. 

Talita puxou uma cadeira e se acomodou mais próximo dela. Natasha descobriria isso mais cedo ou mais
tarde. 

-- Então você já sabe. 

Natasha ergueu o olhar para a encarar, e seus lábios tremeram, como se estivesse na iminência de uma crise
de choro convulsivo. 

-- Como uma pessoa consegue ser tão falsa e mentirosa? Como pude me enganar tanto? Reconheço agora que
agi como uma boba ingênua, mas ela me pareceu tão sincera... 

Talita percebeu que mais do que traída e magoada pela armação de Andreia, Natasha sentia-se humilhada. 

-- Você não é uma boba, Natasha. Muito menos ingênua. A trama que elas montaram é que foi muito bem
planejada. Só não deu certo porque a sua irmã verdadeira apareceu. 

Natasha sabia que a médica estava tentando ser amável, tentando animá-la, mas nada nem ninguém
conseguiria tal feito. 

-- Bom, pensarei nisso mais tarde. Como dizia um filósofo: É pra frente que se anda -- decidiu -- No momento o
mais importante é cuidar da minha irmã verdadeira -- em poucos momentos ela esqueceu de tudo que não
fosse a alegria de ter encontrado a verdadeira Carolina -- Como ela está? 

-- Aquela garota adora entrar em encrencas -- Talita sorriu -- Ela vive se machucando. Dessa vez ela teve
fratura exposta na perna esquerda e passou por uma cirurgia. O estado de saúde dela requer atenção
profissional contínua, mas encontra-se estável. 

-- Enquanto viver jamais esquecerei o horror, a dor e o desespero desse dia -- uma sombra de tristeza passou
pelos luminosos olhos verdes -- Pensei que não sairíamos vivas daquele lugar. 

-- Ela nasceu de novo, foi você quem a salvou. Não tinha como estar viva se não fosse por sua persistência e
calma. 

-- A coragem e inteligência é um carma que me acompanha desde que nasci. Fazer o que. 

-- Você se acha a fodásica, não é mesmo? 

-- Eu não me acho, mas o que é a minha opinião contra a de milhões? -- Natasha começou a arrancar os fios
presos aos seus braços -- Estou bem. Não preciso mais disso. Quero ver a minha irmã. 

-- Calma, Natasha! -- pediu Talita -- Criaturinha nervosinha. Deixa que eu tiro. 

-- É esse o hotel -- disse Mariana, sem olhar para o motorista de meia-idade. 

O homem obedeceu, saiu do carro e abriu a porta para ela sair. 

Instantes depois, passos impacientes atravessaram o saguão do imponente hotel, parando diante do balcão
da recepção. 

-- Senhorita Mariana, nós não a estávamos esperando -- comentou a recepcionista, confusa. 

Mariana não respondeu. 

-- Quero a minha antiga suíte. 

-- Sinto muito senhorita Mariana, mas a suíte está sendo ocupada pela irmã da dona Natasha.  

Mariana ficou furiosa. A pele clara de seu rosto estava vermelha. Porém suspirou e controlou-se. 

-- Então pode ser a suíte rosa. 

-- Desculpa, mas nessa suíte está a dona Lalesca, amiga da dona Natasha. A única suíte vaga no momento é a
do sexto andar. 

-- O que? Então manda transferir essa tal de Grotesca, Balesca, sei lá o que, para a suíte do sexto andar. 

-- Sinto muito, mas a senhorita não manda em mais nada por aqui -- Paloma se calou rapidamente. Levou ambas
as mãos à boca, depois as deixou pender lentamente -- Desculpa. 

-- Desculpa uma pinoia! -- disse irritada -- Considere-se demitida. Vou falar com a Natasha sobre essa sua
atitude desrespeitosa -- Mariana deu um tapa no balcão e olhou para Paloma de um jeito estranho -- Me dê a
chave da suíte do sexto andar, depois resolvo esse desaforo -- decidida, Mariana entrou no elevador, pálida,
os olhos brilhavam intensamente demonstrando nervosismo. 

O elevador se abriu no sexto andar e a figura esguia, de cabelos ruivos e longos entrava, enquanto ela saia. 

-- Boa noite! -- disse Carol, sorrindo. 

Mariana não respondeu. Saiu do elevador de modo prepotente e arrogante. 

-- Odeio gente muito feliz! 

-- Mal-amada - respondeu Carol. 

Carolina dormia quando Natasha entrou no quarto. Ao vê-la, Talita levantou-se e contou: 

-- Ela dormiu muito bem essa noite e só acordou uma vez. Eu passei a noite aqui, não queria deixa-la sozinha.
E você como está? 

-- Tô com asma. Asmania de ser trouxa. 

-- Que coisa, Natasha -- Talita olhou para a janela pela qual entrava luz e depois para o relógio -- Daqui a pouco
vai ter que voltar para a ilha. Acho melhor estar preparada para enfrentar a dura realidade. 

-- Opinião é igual bunda: não é por que você tem, que você precisa dar -- Natasha tirou a jaqueta e sentou-se
na cadeira ao lado da cama. Passou a mão pelos cabelos da irmã e deu um beijo em sua testa. A mão de
Carolina, parecia frágil em cima do cobertor. Ao pegá-la, sentiu uma sensação de conforto. 

-- Desculpa. Só queria ajudar -- Talita encolheu os ombros -- Não falo mais nada. 

Natasha sorriu. 

-- Confessa que está morrendo de curiosidade. 

-- Claro que estou, mas não é de curiosidade. É de preocupação. Sei o quanto você é louca -- Talita voltou a
sentar-se -- O que vai fazer com Andreia? 

-- Vou matá-la! 

Talita prendeu a respiração. Assustada, fitou o rosto impassível de Natasha procurando encontrar
algum vestígio de humor negro. 

-- Você está brincando. 

-- Pareço? 

Não. Talita percebeu que ela não estava brincando. 

-- Tanta crueldade é desnecessária. 

-- Não é o que penso -- Natasha fez uma careta e, após um instante, mudou de assunto deliberadamente --
Carolina tem alguma previsão de alta? 

-- O ortopedista responsável pelo caso, me disse que prefere aguardar 72 horas para então, dar o seu
prognóstico. 

Natasha pegou a jaqueta e a jogou nos ombros. 

-- Fica de olho nela. Carolina é bem capaz de fugir. 

-- E o senhor Fábio? Não quer mais que eu volte ao Rio? 

-- Esqueça esse homem. Quero mais é que essa família se exploda.  

Talita respirou fundo. Apesar de entender a revolta de Natasha, sentia-se muito mal. 

-- Carolina está precisando de você, fique ao lado dela -- Natasha caminhou em direção à porta e quando já
estava saindo, virou-se, olhou a médica nos olhos e sentenciou: -- Até que eu autorize, ninguém deve saber
sobre a verdadeira Carolina. Entendeu? 

Talita balançou a cabeça afirmativamente. 

-- Outra coisa. Percebi que você e a Carolina estão bem amiguinhas. Só para lembrar: 

"Fazer amizade com mulher é mesmo que criar frangos: Chega uma hora que dá vontade de comer". 
 

Mariana dirigiu-se para a porta onde havia uma placa com a inscrição: Leopoldo Junior, Gerente
Administrativo. 

A fotógrafa entrou sem bater e passou pela secretária, que a olhou atônita, sem sequer cumprimentá-la. 

Leozinho que estava ao telefone assustou-se ver aquela pessoa entrar de modo tão intempestivo e ficou
aterrorizado de imediato quando a reconheceu.  

-- Ahhh... socorro! Preciso de um exorcista. O capeta apareceu na minha sala -- ele desligou o telefone e se
levantou -- Xô, demônio africano. 

-- O mesmo idiota de sempre -- Mariana encarou-o furiosa com seus frios olhos cinzentos -- Onde está
Natasha? 

Leozinho pensou um pouco antes de responder e não perdeu a oportunidade de provocar Mariana.  

-- Nesse momento, Natasha está em Florianópolis aproveitando ao máximo as maravilhas do continente --


Leozinho ajeitou uma mecha de cabelo que tinha se soltado do penteado -- Com sua noiva, é lógico. 

-- Noiva? 

-- Não sabia? Natasha está noiva, kirida. 

-- Aquela... aquela... -- sem que Leozinho tivesse tempo de se afastar, Mariana saiu tão depressa que quase o
derrubou. 

-- Credo! Se grosseria fosse profissão, não teria tanta gente desempregada. 

Carolina mexeu-se e estremeceu. O corpo todo doía. Abriu os olhos e franziu a testa. 

Ao dar-se conta de que ela estava acordada, Talita relaxou. Inclinou-se para frente e a fitou com carinho. 

-- Como se sente? -- A médica indagou numa voz perigosamente macia -- Está precisando de algo? 

Carolina queria responder, mas a dor era tão aguda que a fez prender a respiração. 

-- Está com dor? 

Ah, doutora Talita. Você é o meu anjo. Pensou, fazendo uma careta. 

-- Vou pedir para a técnica de enfermagem fazer uma medicação para a dor. 

Carolina sorriu, e o simples gesto lhe provocou dor. 

Elisa esperava por Natasha nas escadarias do hotel. A senhora estava apreensiva. Uma premonição de que
algo não estava bem, mexia com seus nervos. 

Natasha chegou, subiu um degrau, parou. Olhou para a senhora e balançou a cabeça. Depois, subiu a escada,
degrau por degrau até parar diante dela. 

-- Será que não dá para esperar eu entrar? Fofoqueira! 

-- Não é fofoca. Vim aqui para impedir que cometa alguma besteira -- disse ela, séria -- Gostaria que pensasse
bem antes de agir, ser inteligente, colocar o raciocínio em ação, para não ter remorsos no futuro. 

-- Fingirei que não ouvi isso -- Natasha franziu a testa, substituindo o sorriso por uma expressão de
desagrado, enquanto caminhava em direção a porta. 

-- Natasha! -- insistiu Elisa -- Não devemos retribuir o mal com o mal. Deixe que a justiça julgue e condene.  

-- Aqui na ilha, babá. Eu sou a justiça. O que eles fizeram comigo não tem perdão. 

Carolina olhou em volta e perguntou: 

-- Que hospital é esse? 


Talita ajudou-a a sentar-se contra os travesseiros e a beber um copo de água. 

-- Hospital Celso Ramos em Florianópolis. 

Fitaram-se. Talita colocou o copo sobre uma mesinha, sentou-se na beirada da cama e segurou a sua mão. 

-- Você tem dado muito trabalho, Carolina. E nos deixou, muito preocupados. 

Incapaz de desviar o olhar, Carolina sorriu. 

-- Desculpa. É que eu nunca tive tantas pessoas se preocupando comigo. 

-- Natasha não gosta de ser contrariada.  

-- Eu não gosto de ser controlada. 

-- É, vocês vão se dar muito bem -- Talita passou a mão pelo rosto de Carolina -- Está com fome? -- ela
perguntou. 

-- Comida é a última coisa que eu quero. Estou nauseada. 

-- Mesmo assim, precisa se alimentar -- Talita afirmou. O sinal de mensagem de texto em seu celular fez com
que ela soltasse a mão de Carolina e pegasse o aparelho de cima da mesinha. 

-- Onde está a Natasha? -- quis saber a garota. 

-- Voltou para a ilha, mas amanhã, volta para te ver -- Talita continuava olhando para a tela do celular. 

-- Problemas? 

-- Meu marido está perguntando se tenho um horário disponível para ele em minha agenda. 

-- Desse jeito, vai perdê-lo. "Quem ama cuida". 

-- Eu sei -- Talita olhou para o rosto delicado da garota e sentiu algo estranho agitar-lhe o peito -- Vou ligar para
ele. Já volto. 

Carolina ficou olhando Talita sair do quarto.  

-- Como é horrível amar alguém e não ser correspondido. 

Natasha e Elisa entraram na recepção lotada, e foram saudadas com aplausos e vivas. 

A senhora sem entender franziu seu sobrolho e olhou ao redor. 

-- Posso saber o que significa isso? 

-- Ora, ficamos sabendo que a senhorita Natasha, nossa querida chefe, salvou uma turista de morrer
soterrada -- disse um funcionário, emocionadíssimo. 

Um homem loiro de meia idade do outro lado do recinto levantou o copo e disse em voz alta: 

-- Um brinde a coragem! -- ele sorriu e acrescentou em êxtase -- Temos uma heroína entre nós. 

Mais uma, explosão de palmas e vivas. 

Natasha, levantou a mão, agradecendo a homenagem. 

-- O mundo precisa de mais heróis humildes! Hoje em dia somos poucos... -- ela disse, recebendo o
cumprimento das pessoas. 

-- Acho que vou vomitar -- Elisa seguiu Natasha até a porta do elevador -- Pense bem, Natasha. Não faça
besteira. 

Natasha bufou, revirando os olhos, e logo deu as costas a ela sem nada dizer. Amava e respeitava Elisa e
quase sempre atendia aos seus pedidos. Porém, dessa vez, o assunto era muito mais sério. Andreia e seus
comparsas pagariam caro por tudo o que fizeram. Estava decidido. 

Rapidamente abriu a porta de sua suíte e entrou. O coração disparou quando Carol surgiu de súbito e jogou-
se em seus braços chorando desesperada. 

 
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Capítulo 33 -- Quem Resiste? por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 33 

Quem resiste?  

Natasha rapidamente abriu a porta de sua suíte e entrou. O coração disparou quando Carol surgiu de súbito
e jogou-se em seus braços chorando compulsivamente. 

Atônita pela súbita aparição de Carol e pelo seu estado incrivelmente desesperado, Natasha ficou sem ação.
Ela estava decidida estrangulá-la, mas ao revê-la, suas defesas desabaram.  

-- Oh meu Deus -- Carol sussurrou, sua voz rouca de tanto chorar -- Natasha, você está bem? -- ela mal
conseguia pronunciar as palavras em torno de seus soluços. 

-- Eu estou bem -- disse ela, em voz baixa, lutando para manter o controle -- Não foi dessa vez, minha querida
irmã -- ela se afastou rapidamente daquele contato tão íntimo. 

Ao ver a expressão de frieza no rosto dela, Carol deu um passo para trás, seus olhos brilhando enquanto a
encaravam. 

-- O que você está querendo dizer com isto? -- os olhos castanhos da ruiva estavam alertas como sempre
acontecia quando ficava surpresa. 

-- Sabe muito bem! -- sinais de cansaço apareceram na voz da empresária -- Caso eu tivesse morrido, você se
tornaria a única herdeira da família Falcão. 

-- Oh, você ... Você acha realmente que eu, em algum momento pensei nisso? -- Carol perguntou sem disfarçar
um tom de tristeza na voz. 

Natasha não teve pressa em responder. Deu alguns passos e se virou lentamente para olhar um porta-
retratos que estava na estante. 

-- Sinceridade? Acho -- afirmou Natasha, com convicção. 

Carol pareceu ficar ofendida com as palavras ditas pela empresária. 

-- Conte-me o que está aborrecendo você -- Carol cruzou os braços, fazia tempo que ela não se sentia tão
perdida em uma conversa. 

Natasha conteve a vontade que sentia de amassar aquela carinha de doçurinha que ela tinha. Em vez disso,
ela pegou o porta-retratos e segurou bem em frente ao rosto. Aquela foto aumentou a intensidade da dor que
sentia. Idiota, ela se xingou em pensamento. 

-- O que está acontecendo, Natasha? Eu te amo, nunca desejaria o seu mal. 

-- Ha, ha, ha... "Eu te amo" -- Natasha acrescentou, imitando a voz dela. 

A voz grave e debochada dela irritou Carol. 

-- Você está errada -- disse com voz fraca -- Entendo que você teve um dia difícil e deve estar cansada agora,
depois de tudo o que aconteceu. Por isso, vou deixá-la descansar -- ela sacudiu a cabeça. Nunca se sentira tão
esgotada emocionalmente -- Eu te amo. 

Natasha precisou se controlar muito para fitá-la. O desgosto e a tristeza contidos nos olhos de Carol, agora
pareciam incomodá-la.  

-- Vou me deitar -- foi o que ela fez, sem dizer mais nada. 

Cansada, foi para o quarto e deitou na cama, olhando séria para o teto. As palavras de Elisa e Carol
martelavam sua cabeça durante todo o tempo. 

"Não devemos retribuir o mal com o mal" -- havia afirmado Elisa. 

"Eu te amo" -- a falsa Carolina, afirmou sem o menor constrangimento. 

Natasha jogou longe o cobertor, pulou da cama e se encaminhou para a porta. 


-- Por que não pensei nisso antes? -- indagou ela com ironia e, dando um riso debochado, saiu de sua suíte e
foi até o apartamento de Elisa. 

A senhora atendeu embasbacada. 

-- Não tem vergonha de andar pelo hotel de pijama? Ainda mais com essa estampa ridícula. 

-- O hotel é meu e eu ando do jeito que bem entender -- Natasha entrou e se jogou no sofá -- Você está muito
desatualizada. Essa estampa é da Patrulha Canina. Marshall, seu lema é: "Pronto para um resgate". Essa frase
não te lembra alguém? 

-- Parece-me que você perdeu totalmente o senso do estrambólico, Natasha -- Elisa bocejou e sentou-se no
sofá -- Teve um pesadelo e ficou com medo? 

-- Tá me estranhando? Na verdade, tive uma ideia -- apoiou o rosto entre as mãos sorrindo -- O seu,
fantasminha camarada tem razão. 

-- Mais respeito com o meu Mentor Espiritual, por favor. 

-- "Amparador espiritual", "espírito guia", "anjo da guarda", "seres de luz". Seja lá qual for a expressão, quero
dizer que ele está corretíssimo. 

-- Com relação a que? 

-- Não devemos retribuir o mal com o mal. 

-- Hum, enfim algo de bom entrou nessa sua cabecinha. 

-- Acho que a morte seria pouco para essa quadrilha. Pensei em algo bem mais cruel. 

-- Retiro o que acabei de falar -- ela suspirou fundo antes de falar: -- O que está planejando fazer? 

-- Vou retribuir o mal com o amor. Entendeu? 

-- Não? 

-- Burra! 

-- Natasha! -- ela deu um tapa na cabeça da empresária -- Sua malcriada! 

-- Desculpa, pensei em voz alta -- Natasha se revirou no sofá e olhou para ela -- Vou ser mais clara. 

-- Por favor -- Elisa pediu entediada. 

-- Vou fazer a Carol se apaixonar por mim -- Natasha olhou para o rosto de Elisa, esperando ver qual seria a
sua reação. 

-- Você está louca -- disse Elisa, indignada -- Ela é a sua irmã. 

-- Irmã um ca...ramba -- Natasha se levantou, e agitada, caminhava pela sala -- Ela vai ficar louca por mim, vou
fazê-la pagar por ter me feito de boba. O plano é simples e ela vai sofrer uma decepção amorosa tão grande,
que nunca mais se envolverá com outra pessoa. 

-- O que te garante que ela vai se apaixonar por você? 

-- Ah, babá. Olha pra mim, quem resiste? 

Carol sentia que algo estava errado, mas não conseguia entender o que. Será que essa era a verdadeira
Natasha? Aquela que todos conhecem, menos ela? 

-- Por favor, Nani. Prepara um drinque para mim? -- sorriu para a moça. 

-- Pode ser um Sex on the Beach? -- perguntou a barwoman -- Gelo, Licor de pêssego, Suco de Cranberry, Suco
de laranja e Vodka. 

-- Pode ser. 

-- Ei sumida! 

Carol assustou-se, voltando-se para aquela figura sorridente com um copo de bebida na mão. 

-- Sofia! -- ela abriu os braços, e a amiga saltou neles -- O que faz aqui sua louca? -- perguntou ela, apertando a
amiga entre os braços. Quando se afastaram, estudou-a com olhar curioso. 
-- Eu é que pergunto -- Sofia encostou-se ao balcão sem desviar os olhos da amiga -- Você não estava
estudando no exterior? 

Carol olhou em direção a amiga e suspirou.  

-- Tenho tantas coisas para te contar, amiga. Acho que um dia inteiro não será o suficiente.  

Sofia olhou para ela, intrigada e sorriu. 

-- Minhas férias começaram hoje e as suas? 

-- Não estou de férias -- Carol deu mais um suspiro profundo -- É uma longa história. 

-- Então, teremos muito tempo para conversarmos -- Sofia sorriu, estava muito feliz em encontrar a amiga --
Mas, que grande coincidência. Você parece bem íntima do lugar. 

-- Você não faz ideia de como -- o rosto de Carol tinha uma expressão triste, mas ela forçou um sorriso --
Vamos terminar os nossos drinques, depois subimos e eu te conto tudo.  

Leozinho entregou um copo com Dry Martini para Sidney, depois sentou-se de frente para ele. 

-- Adoro sobrancelhas bem-feitas. Mas, eu tenho um problema sério para ajeitar as minhas. Elas são muito
finas e muito claras. Tenho pouco pelinhos e elas tem o início menos centralizado, se é assim que posso
dizer. 

-- Eu já fiz sobrancelhas de henna duas vezes e, nas duas, ficou muito estranho -- Sidney bebericou o drinque
e se inclinou para a frente -- Carol me contou que você está interessado em administrar o parque temático. 

-- Natasha já me deu carta branca. O próximo passo será escolher o terreno.  

Relutantemente, Sidney desviou o olhar do copo e fitou o gerente a sua frente.  

-- Queria te pedir uma coisinha. Pode ser? 

Leozinho piscou. Uma. Duas vezes. Depois, balançou a cabeça. 

-- Claro. Pode pedir. 

-- Me leva contigo para trabalhar no parque.  

-- Por que levaria você para trabalhar comigo? 

-- Trabalhei muitos anos em um parque aquático. Tenho muita experiência no ramo de entretenimento. 

-- Sério? Fazia o que lá? -- perguntou Leozinho curiosíssimo. 

-- Trabalhava na bilheteria.  

Sofia, levou as mãos à cabeça e exclamou alarmada. 

-- Meu Deus. Isso é inacreditável! 

-- Pois acredite. É verdade -- Carol foi até o bar e voltou trazendo uma garrafa de vinho branco.  

Depois que Carol serviu a bebida para ambas, Sofia agradeceu e deu um gole antes de falar: 

-- Vou ser franca. Estou pasma. O que levou você a fazer isso? Está louca, Andreia? Isso é crime -- Sofia
comprimiu os lábios -- Você deve conhecer a fama da Natasha Falcão, se ela descobrir, vai acabar com vocês. 

Carol fez uma careta.  

-- Acabei de conhecer essa Natasha. 

-- Cai fora enquanto pode, amiga. Vocês podem acabar na cadeia ou, até mesmo, coisa pior. 

-- Não tem mais volta, Sofia. Estou devendo uma fortuna para o hospital -- Carol sentou-se na cama, as mãos
entrelaçadas sobre os joelhos e, desolada, olhou envergonhada para a amiga -- Estou errada, estou muito
errada, eu sei. Porém, ou participava dessa trama ou meu pai morreria sem realizar a cirurgia. Não conseguiria
viver com essa culpa. 

Sofia sentou-se ao lado da amiga e estendeu as mãos para ela. 


-- Bem, depois não diga que não avisei -- sorriu de forma amável ante a expressão assustada da amiga. 

Carol sorriu de volta. Antes de ir estudar nos Estados Unidos, Sofia era a sua melhor amiga e confidente, por
isso, contou para ela sem medo algum. 

-- Me fale sobre a Natasha -- Sofia deu uma risadinha e balançou a cabeça -- Ela é gostosa? 

Carol deu um sorriso, enquanto olhava para o copo em sua mão. 

-- Ela é linda, seus olhos são como cristais e quando ela sorri surgem duas covinhas nas bochechas -- Carol
perdeu-se em divagações sobre Natasha -- Ela é do tipo, mulher poderosa, sabe. Mas, quando uso a palavra
"poderosa" estou falando de uma mulher forte que não permite que ninguém tenha controle sobre ela e sabe
se defender quando os outros passam dos limites.  

-- Entendo. Independente da beleza física -- comentou Sofia. 

-- Isso mesmo -- após um longo suspiro e uma pausa demorada, Carol voltou a falar -- Até ontem ela me tratava
de forma carinhosa, atenciosa e gentil. Porém hoje, as suas atitudes mudaram. Ela foi fria, irônica e até mesmo
grosseira. 

Sofia aproximou-se, preocupada. 

-- Será que ela descobriu a farsa? 

-- Não acredito -- tomou o resto do vinho e serviu-se de mais -- Penso que a reação dela teria sido bem pior
caso tivesse descoberto. Amanhã vou procurá-la, espero que tenha sido apenas coisa de momento. 

Leozinho bateu à porta do quarto de Natasha o mais forte que ousou e ficou esperando, aflito. Por algum
tempo, nada escutou. Depois, ouviu uma voz sonolenta. 

-- Hoje estou morta, e só levantarei da minha cama no horário do meu sepultamento. 

-- Abre, Natasha! Emergência código vermelho. 

Natasha abriu a porta e puxou Leozinho para dentro, sem a menor gentileza. 

-- O meu assunto é emergência código laranja -- disse com um forte sotaque micaelense -- É muito mais
importante. 

-- Impossível -- Leozinho se sentou na beirada da cama -- O que tenho para contar é algo horrível. 

-- A Carolina que está aqui no hotel, não é a Carolina. 

-- O que? -- ele perguntou quase berrando, assombrado -- Como assim a Carolina não é a Carolina?
É impossível. 

-- É tudo mentira, uma grande armação -- inquieta, Natasha andava pelo quarto -- Andreia, Marcela, Sidney... 

-- Sibele -- completou o gerente. 

-- Verdade. Não havia pensado nela -- Natasha olhou para ele e sentiu algo se revirar em seu íntimo. Sim, ela
estava triste. Triste por perceber que até a sua amiga de tantos anos havia lhe traído -- Tudo por causa do
dinheiro. A ganância é um desejo maligno que destrói as pessoas. 

-- Estava começando a ficar fascinado pelo Sidney -- fitou as próprias mãos, e naqueles segundos reviu
mentalmente a aparência arrebatadora daquele rapaz -- As unhas eram tão limpas e bem tratadas. Porém, os
lábios dele foram o que mais me chamou a atenção. São os lábios mais sensuais que eu já vi. 

-- A pessoa pode até ser feio, mas se tiver um bom coração... continua sendo feio, porque uma coisa não tem
nada a haver com a outra - viajou Natasha. 

Ficaram se olhando em silêncio. Natasha, parada, pensando em Sibele. Leozinho pensando em Sidney. 

-- Ah! Mas, no meio de tudo isso tenho uma notícia boa -- Natasha sentou-se ao lado dele, sorrindo -- Encontrei
a verdadeira Carolina. 

-- Que loucura! -- Leozinho estava boquiaberto -- Como foi isso. 

-- No dia da tempestade... 

Naquela manhã Carolina sentia-se bem melhor.  Elas tinham conversado sobre tudo, exceto sobre o que
a garota achava ser o mais importante para ela. Os seus sentimentos. 
Ela estava sentada na cama, com a perna fraturada para cima, mantida por um sistema de sustentação
formado por um cabo, três roldanas e um peso. Era desconfortável, mas necessário. 

Talita desligou o celular e olhou séria para Carolina. 

-- Natasha as vezes me surpreende -- a médica se levantou e foi até a janela -- Pensei que quando ela soubesse
de toda a verdade, teria um surto psicótico e acabasse com a raça daquela gente. Só que não. Sabe o que ela
acabou de me pedir? 

-- Não. 

-- Que deixemos tudo como está. Ela quer segredo absoluto, inclusive sobre você. 

-- Estranho. Ela não disse o motivo? 

-- Disse apenas, que resolveria a seu modo. Vai entender. 

-- Bom, resumindo: Continuarei me escondendo. 

Natasha caminhava em direção ao seu escritório com Leozinho ao seu lado. 

-- Vamos chamar a polícia, poderosa? -- indagou Leozinho. 

-- Não. Tenho planos para todos eles. A Justiça brasileira tarda, e tarda muito. Por aqui, entre o início de uma
ação e a sentença podem se passar anos, ou mesmo décadas. Então, prefiro eu mesma punir os meliantes. 

-- Senhorita Natasha -- chamou a secretária assim que ela passou pela antessala. 

-- Agora não, Jessye -- ela respondeu, acenando com a mão. 

-- Mas... -- insistiu a moça. 

Ao abrir a porta, Natasha precisou se abaixar rapidamente para se desviar de um objeto lançado em sua
direção. Ela olhou para as canetas e lápis espalhados no chão ao seu redor e depois para a mulher agora
imóvel ao lado de sua mesa. 

-- Sua sem vergonha! -- berrou a invasora. 

Natasha piscou algumas vezes até conseguir focar direito o olhar.  

-- Mariana? 

-- Ah, chefe - disse Leozinho - Lembra da emergência código vermelho? 

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Capítulo 34 -- Adeus Mariana por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 34  

Adeus Mariana 

A percepção do que acontecia demorou a atingir Natasha. Não era possível, disse a si mesma, ainda que seus
olhos mostrassem o contrário, revelando o que ela não desejava que fosse. 

Era Mariana, em carne e osso, sentiu-se atordoada. 

Enquanto a observava a distância, Natasha pensava que ela não mudara nada naqueles três anos. O tempo,
ao que parecia, não correra nem se arrastara; mantivera-se simplesmente inalterado, para ela. 

Era apenas um pouco mais baixa que ela. O vestido cinzento que ela vestia era de etiqueta famosa, assim
como as sandálias de salto alto. De cabelos escuros, quase pretos, era de fato uma bela mulher. 

Caminhando até onde Mariana estava, Natasha ficou cara a cara com ela. 

-- O que faz aqui? Pensei ter dito para você nunca mais aparecer na ilha -- Natasha sentia o coração bater nas
costelas. 

-- Precisamos conversar, Natasha. Conversar como duas pessoas civilizadas -- Mariana olhou de relance para
Leozinho e, ele de imediato, entendeu o recado. 

-- Se precisar de mim, chefe, estarei ali fora. 

Natasha fez um sinal positivo com a cabeça para ele e voltou a encarar Mariana. 

-- Que legal, aprendeu a ser civilizada com os animais da savana africana?  

-- Engraçadinha! -- Mariana deu alguns passos para trás, mas Natasha continuou avançando em sua direção
com uma expressão maldosa, quase cruel, no olhar. 

-- Pois eu continuo a mesma selvagem que você desprezou anos atrás. Ainda tenho o mesmo humor, os
mesmos defeitos.  

-- O mesmo amor? -- indagou, confiante. 

-- Águas passadas, querida -- retrucou ela, ocultando ao máximo o ressentimento -- O que importa é o agora. 

-- Hum. E o seu agora, é a sua noiva? 

Natasha ergueu as sobrancelhas. 

-- Noiva? 

Carol passou por uma porta à direita e entrou numa sala enorme. Procurou por Jessye em sua mesa, mas ela
não estava. Que estranho! Pensou. 

Já estava saindo quando ouviu um cochicho e se virou bruscamente. 

-- O que vocês estão fazendo aí? 

-- Aiiiii... -- Com o susto, um grito agudo e involuntário escapou da garganta de Leozinho antes que ele pudesse
reprimi-lo. 

-- Quer nos matar de susto? -- disse Jessye, pálida. 

-- Que coisa feia! Vocês estão ouvindo atrás da porta? 

Fez-se um silêncio carregado de tensão. Leozinho falou primeiro. 

-- Estávamos sim -- ele confessou -- A Mulher capeta está lá dentro com a Natasha. 

-- Quem? -- perguntou Carol, franzindo a testa. A voz trêmula de Leozinho a deixou preocupada.  
-- A Mariana -- respondeu Jessye. 

-- A ex da Natasha? Saiam da frente, deixem-me tentar ouvir. 

Carol encostou o ouvido à porta da sala de Natasha, tentando ouvir alguma coisa. Só que não precisou se
esforçar muito para ouvir o que conversavam no lado de dentro. 

Natasha deixou escapar uma risada de deboche. 

-- Quem te falou isso? 

-- O Leozinho me contou assim que cheguei -- Mariana passou o dedo indicador sobre o nariz da empresária --
Pensou que eu não voltasse mais? 

-- Você por acaso achou que eu ficaria aqui te esperando para sempre só porque você decidiu partir e me
deixar? Se você achou que eu ficaria muito mal com isso, fique sabendo que eu não tô nem aí pra você -- disse
Natasha, cheia de desdém, mas uma expressão tristonha cobriu seu rosto. 

-- Não minta para mim -- disse sorrindo -- Eu vejo em seu olhar que você ainda me ama -- acrescentou incapaz
de ocultar o cinismo na voz. 

Natasha se virou em direção à porta. 

-- Vá se ferrar -- ela rebateu, frustrada por ser tão transparente. 

-- Espera! 

-- Eu não quero mais ouvir a sua voz -- disse Natasha virando-se para ir embora, mas mudou de ideia e voltou --
Afinal, o que você quer, Mariana? 

-- Quero voltar com você, Natasha. Eu ainda te amo. Eu nunca deixei de te amar. Agora eu vejo o quanto fui
boba por ter ido embora, o quanto de tempo desperdicei longe de você e o quando fui burra trocando o
nosso amor lindo por uma ilusão. 

Segundos agonizantes se passaram. Até que a porta se abriu de repente, sem que Natasha tivesse tempo de
se afastar, e Carol entrou tão depressa que quase a derrubou.  

-- Não caia na lábia dessa mulher, Natasha -- a voz de Carol saiu alta e autoritária, fazendo a empresária
encará-la, ainda perplexa. 

Natasha engoliu um palavrão. Que absurdo! A mulher que a enganara ainda se achava no direito de invadir a
sua vida como se fosse a defensora dos oprimidos. Pensou irritada. 

Mariana arregalou os olhos ao contemplar a beleza ruiva parada à sua frente. 

-- Quem é essa? -- Mariana colocou as mãos na cintura, assumindo uma postura petulante -- Então, essa
Curupira é a sua noiva? 

-- Curupira? -- Carol plantou os pés separados e rangeu os dentes -- Vou te fazer engolir os dentes, sua
Vassoura de piaçava. 

-- Eu deveria matá-la -- Mariana berrou enlouquecida. O ímpeto de raiva era tão forte que ela mal conseguia
respirar. 

Cega pela raiva, Carol agarrou a morena pela alça do vestido e atirou-a de encontro a parede. 

Completamente fora de si, as duas começaram a puxar os cabelos uma da outra. 

-- Eu vou matá-la, sua chupa cabra desnutrida e não sentirei sequer um instante de remorso -- disse Carol. 

Mariana caiu no chão como uma boneca de pano e Carol pulou em cima dela. 

-- Meu Deus! -- Leozinho estava horrorizado -- Não vai fazer nada? 

Natasha meteu as mãos nos bolsos do jeans e deu de ombros. Depois olhou para o rosto preocupado de
Leozinho. 

-- Você foi o culpado. Quem mandou inventar que eu tenho uma noiva -- ela fez uma careta engraçada e deu-lhe
as costas -- Agora, se vira. 

Talita desligou o telefone, tirou o jaleco branco e ajeitou o vestido. 


-- Preciso que você fique sozinha por algum tempo. Tudo bem? 

Em resposta, Carolina simplesmente sacudiu os ombros. 

-- Vai aonde? -- não conseguiu segurar a curiosidade. 

-- Meu marido está na recepção me esperando. 

Talita parecia nervosa. Carolina percebeu isso pelo modo desajeitado que ela dobrava o jaleco para guardar. 

-- Apesar de achar que eu estou muito debilitada e não posso ficar muito tempo sozinha... 

-- Carolina, por favor. Não venha com chantagem emocional.  

No mesmo instante Carolina fechou a cara. Irritada com o olhar crítico que Talita lançou para ela. 

-- Então vai, e por mim, não precisa mais voltar. 

Talita sentou-se numa cadeira e ficou olhando para ela com aqueles olhos escuros indecifráveis. 

-- Você está sendo infantil, Carolina. Eu preciso conversar com meu marido. Enquanto estiver casada, devo-lhe
respeito e satisfação dos meus atos. 

-- Eu estava apenas brincando -- disse a garota de modo abrupto, exageradamente abrupto.  

Merda, ela estava agindo como uma idiota de novo. Pensou. Ciúme e possessividade, uma péssima
combinação. Não tinha nenhum direito sobre ela, compreendia muito bem, mas, sentia-se péssima. 

-- Desculpa, vai lá. Pode até ir a um motel, se quiser. 

Talita se levantou respirando fundo e tentando se acalmar. 

-- Não preciso ir à um motel. Minha casa fica há dez minutos daqui. 

-- Hum. Que bom para vocês -- lá estava ela agindo como uma chata, novamente.  Irritou-se consigo mesma por
ser tão irracional. 

Talita resolveu não discutir mais com Carolina. Não adiantaria. Ela é uma Falcão.  

"Há pessoas que parecem não saber que a terra gira em torno do Sol, e não em torno delas. Não entendem
que a vida não gira só ao seu redor, que seu umbigo não é o centro do mundo nem das pessoas que o
rodeiam. Por isso se autoproclamam importantíssimos, gerando com seus comportamentos uma fortíssima
rejeição social. 

Como consequência, mantêm comportamentos egocêntricos e enchem nossos ouvidos de mensagens e


comportamentos que chamam a gritos por atenção. Gritos que são tão ensurdecedores que nos saturam e
esgotam com facilidade". 

-- Comporte-se, hem, Carolzinha. Vou tentar dar uma, bem rapidinha -- provocou. 

Assim que ela saiu, Carolina começou a se livrar dos cabos que sustentavam a sua perna. 

-- Comporte-se, hem, Carolzinha -- ela imitou com ironia, os olhos castanhos claros brilhando, vingativos --
Quero ver o que a Natasha vai fazer com você, quando souber que eu fugi. 

Sidney colocou cubos de gelo em uma toalha e entregou para Carol. 

-- Olhe para você. Cheia de arranhões, luxações, torções e hematomas. Onde estava com a cabeça? 

-- Com certeza a cabeça estava em cima do pescoço, pois o cabelo foi o primeiro alvo atingido pela Marivaca --
Leozinho passou a mão pelos cabelos da ruiva e sorriu -- Mas, o importante é que você venceu. Por pontos,
mas venceu. Aquela Sanguessuga psicopata levou o que merecia. Amei. Você fez o que eu sempre sonhei
fazer. 

Carol apenas balançava a cabeça. Estava com tanta dor, que não conseguia falar.  

-- E a minha amiga? Olhe o estado dela. 

-- Ela também levou o que merecia -- Leozinho colocou a mão sobre a boca, se deu conta que havia falado
demais -- Não devia ter se metido com a cacatua. E as unhas? Não me diga que quebraram. 

Carol estendeu as mãos para mostrar as unhas intactas, depois se levantou. 

-- Vou tomar um banho -- ela disse -- Não vou demorar. Depois conversamos. 
Assim que Carol deixou a sala, Sidney virou-se para Leozinho.  

-- Não pense que me enganou. O que quis dizer com: Ela também levou o que merecia? 

-- Quem deve saber é você. 

-- Eu não sei de nada -- disse Sidney, virando o rosto para o lado. 

-- Não acredito -- insistiu Leozinho -- Eu sei que sabe. 

-- Não sei de nada -- ele começou a chorar -- Não sei de nada. 

-- Sidney, por favor! -- comovido, Leozinho afundou as mãos no cabelo do rapaz -- Você não faz ideia de como
isso é importante para todos. 

-- Eu não posso -- ele gritou e, desatou num choro convulso. Sentiu que o gerente o abraçava. Sentiu um
perfume suavemente e marcante. Pensou que talvez Natasha já soubesse de tudo.  E seu choro tornou-se
ainda mais amargo -- Tá bom, vamos conversar, mas não aqui. 

Leozinho pegou em sua mão e caminharam juntos até a porta. 

--Venha, vou te levar a um lugar bem legal. 

 Natasha parou diante de Mariana e balançou a cabeça de um lado para o outro. 

-- A que nível você chegou. Olhe-se no espelho -- ela murmurou, num tom baixo e áspero -- Aquela moça é a
minha irmã e não a minha noiva. 

-- Jessye me contou -- Mariana se levantou e serviu-se de uma taça de vinho -- Desculpa, mas foi ela quem agiu
como se fosse. 

-- Ela agiu daquela forma porque conhece a nossa história infeliz. Queria apenas me defender de você. 

Mariana deu uma gargalhada. 

-- Natasha Falcão precisando de alguém para defendê-la? Eu pareço esse monstro? Que injustiça! 

Mariana a olhou por um momento. Ela vestia jeans surrado com um blazer de grife famosa. Não tinha mudado;
continuava com o mesmo jeitão lindo de sempre. 

-- Natasha. 

-- Sim! -- ela cruzou os braços. 

-- Sinto muito -- ela disse, num sussurro -- Sinto muito. Eu nunca deveria ter trocado o nosso amor pelo meu
trabalho. Nunca deveria ter ido embora para a África. Você me perdoa? 

Natasha ficou em silêncio por um instante. Depois, ergueu a cabeça para responder. 

-- Acho que nunca mais nos veremos -- disse ela, melancólica -- Mas isto não quer dizer que não a perdoei. Ao
meu ver, não faz sentido odiar alguém de quem de certa forma, se tem pena. Vá embora, Mariana. Essa ilha é
pequena demais para o tamanho do seu ego. 

O silêncio caiu entre ambas, fazendo Mariana pensar em coisas terríveis. Por fim, ela falou: 

-- Ainda nos veremos, Natasha. Pode ter certeza disso. 

Espero que não, Natasha concluiu, em pensamento.  

Créditos: 

https://amenteemaravilhosa.com.br/pessoas-acham-mundo-gira-seu-redor/ 

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Capítulo 35 por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 35 

Talita entrou no quarto e olhou ao redor, desconfiada. 

-- Carolina! -- chamou como se não esperasse encontrá-la -- Droga! Por que será que não estou surpresa? 

Esperou, junto à porta entreaberta, que ela voltasse. Mas Carolina não apareceu. 

Como uma detetive em busca de pistas, Talita conversou com cada um dos enfermeiros, tentando descobrir o
paradeiro de Carolina. As pistas finalmente a levaram a uma cantina no primeiro andar, próximo ao
estacionamento, mas Carolina também não estava lá. 

Desesperada, Talita voltou para o quarto de Carolina. 

Mais uma hora se passou, antes que a porta se abrisse e ela entrasse, com uma expressão de decepção no
olhar. 

-- Ah, resolveu voltar? -- disse a garota, apoiada em duas muletas. 

-- Faço minhas suas palavras -- ela murmurou, num tom baixo e impaciente -- Você deveria estar na cama. 

Na sua cama. Pensou Carolina, rindo de seus pensamentos eróticos. 

-- Na verdade, meus planos eram de uma fuga estratégica. Porém, meus trajes não convencionais chamou a
atenção da general que cuida da portaria. 

-- Menos mal -- ela respondeu calmamente, escondendo muito bem a angustia que sentia. Natasha a demitiria
na hora caso Carolina tivesse fugido. 

-- Então? Conseguiram se entender? Fizeram as pazes? -- ela indagou, embora não fossem essas as perguntas
que estavam na ponta de sua língua. 

-- Vou responder a qualquer pergunta sua, mas pare de me olhar desse jeito. 

Carolina disfarçou, olhou para o teto, para as mãos, depois voltou a olhar para a médica. 

-- E o que aconteceu, doutora? 

-- Não estamos bem. Trabalhar na ilha é a melhor coisa que me aconteceu até hoje. Estou realizada
profissionalmente, financeiramente... 

-- Menos sentimentalmente -- completou Carolina -- Eu entendo. 

-- Não sei se meu casamento suportará a distância. 

-- "A distância não separa o amor verdadeiro". É o que dizem. 

-- Não sei de mais nada, enfim, decidimos deixar o tempo falar. 

Talita fez uma pausa. 

-- Você está liberada para ir para casa. 

-- Hú, húúú... -- Carolina comemorou -- Finalmente! -- ela ficou séria, olhou de lado para Talita e sussurrou,
baixo -- Não tenho casa. 

A médica colocou o jaleco e pegou uma bolsa com roupas de dentro do armário. 

-- Recebi uma ligação da Natasha. Você ficará em meu chalé na ilha -- ela pegou algumas peças de roupa e as
colocou sobre a cama. 

-- Vou morar com você? -- Carolina perguntou, com os olhos brilhantes. 

-- Sim. Algum problema? 

Tudo o que Carolina pôde fazer foi lembrar-se de respirar. 

 
 

Uma batida na porta fez Carol dar um pulo na cama. Tinha cochilado um pouco e, perdeu a noção do tempo. 

-- Pode entrar -- se sentou na cama, já completamente desperta e esperou que a pessoa entrasse. 

A porta foi aberta lentamente e Natasha entrou no quarto. 

-- Desculpa acordá-la, mas estava demorando demais, fiquei preocupada. 

O olhar, quente e amável, finalmente voltou aos olhos de Natasha e isso deixou o coração de Carol aos pulos. 

-- Acho que estava mais cansada do que imaginei. Tomei um banho, cai na cama e não me lembro de mais
nada. 

Natasha sentou-se na beirada da cama, fitando-a com visível curiosidade. 

-- Por que enfrentou a Mariana daquele jeito? Você nem a conhecia. 

-- Por tudo o que ela fez com você no passado. Temi que a aceitasse de volta -- Carol ocultou o rosto entre as
mãos -- Sei que pode soar um pouco louco, mas fiquei preocupada com você. Desculpa. 

-- Não se desculpe, Carol. Mariana merecia uma surra -- A voz de Natasha soava tranquila -- Pena que deu
empate. 

-- Não deu empate -- ela retrucou -- Venci por pontos. 

-- Quem disse isso? 

-- O Leozinho. 

-- Só podia! -- Natasha sorriu, sem notar a profunda perturbação que Carol sentia -- Ele é bem imparcial. 

Carol queria tocá-la, abraçá-la com força, mas tinha certeza de que Natasha estranharia. 

-- Está com fome? Claro que deve estar. Não jantou -- Natasha a puxou pelas mãos -- Vamos até o restaurante.
Quero que se alimente e depois pode dormir sem hora para acordar. 

Carol não protestou. Essa era uma ordem que obedeceria com facilidade. Estava com muita fome. 

-- Então me espera um pouco. Vou trocar de roupa e já volto. 

Leozinho sorriu. Seria inútil negar o que sentia por Sidney. Ele o havia cativado, e isso era tudo. Por várias
vezes, ele o flagrará observando-o com uma atenção diferente. Será que Sidney também se sentia atraído por
ele? Será que também estaria se apaixonando? 

-- Eu não vou te julgar, Sidney. Não posso fazer isso, seria fácil para mim te julgar quando a verdadeira
prejudicada aqui foi a Natasha. Com certeza, ela deve te enxergar com outros olhos. 

-- Com certeza bem mais severos que os seus -- ele baixou a cabeça por alguns segundos, agora se sentia
culpado e envergonhado. 

-- O que vocês fizeram foi cruel. Mesmo que o motivo tenha sido a doença do senhor Fábio, nada justifica
tanta desonestidade, falsidade, mentira. 

-- Estou arrependido -- Sidney sentia uma mudança em si mesmo. O homem diante de Leozinho não era mais o
ator de uma peça, mas alguém contrito e consciente de sua cumplicidade -- A Andreia também arrependeu-se.
Mentir dessa forma está indo contra tudo o que ela acredita. 

-- Vai falar isso para a Natasha -- Leozinho segurou-lhe um dos braços e o virou de forma que pudesse encará-
lo. O jovem tremeu ao sentir aquele toque - Ela nunca vai acreditar. 

- E é totalmente compreensivo. Nem eu acreditaria. 

Leozinho passou a mão pelo cabelo nervosamente e deixou escapar um suspiro. 

- Não sei porque, mas gosto da Andreia. Acredito que ela seja verdadeiramente uma pessoa do bem, que foi
influenciada negativamente pelas Bruxas de Salém. 

Sidney fez que sim com a cabeça, triste. 

-- Promete que vai me visitar na cadeia? 


Leozinho deu risada, mas podia perceber que Sidney não estava achando nada engraçado. 

-- Não vai né! Logo imaginei. 

-- Não é isso, seu bobo -- Leozinho andou até o bar e sacou a rolha de uma garrafa com um estouro, antes de
encher duas taças e entregar-lhe uma -- A Natasha não acha que a cadeia seja o suficiente para vocês. 

Sidney deu um gole na bebida. Os olhos dele ficaram sombrios. 

-- Ela vai nos matar? 

-- Não -- Leozinho colocou a taça sobre a mesa e sentou-se confortavelmente no sofá - Na verdade, eu nem sei
o que ela vai fazer com vocês. A única coisa que ela me disse é que vai fazer de tudo para que a Andreia se
apaixone por ela. 

- E depois... - Sidnei tapou a boca com a mão em um gesto de horror. 

- Exatamente! Essa é a vingança. 

- Tadinha da minha amiga. Ela vai sofrer tanto. 

- Não se a gente agir em parceria - Leozinho disse, segurando as mãos de Sidney sobre seu colo. 

- Como assim? Não entendi. 

- Tenho um plano, mas você vai ter que me jurar que não vai dar com a língua nos dentes. 

- Lógico que não! Se for para o bem da Andreia, não abro a minha boca nem sob tortura. 

- Ótimo. O meu plano é o seguinte... 

Andreia procurou ignorar os olhares que as acompanhavam, à medida que avançavam pelo restaurante. 

-- Vamos sentar naquela mesa, Carol. 

Natasha escolheu uma mesa afastada, puxou uma cadeira para Carol e sentou-se a sua frente. 

-- Hoje vou deixar você escolher a comida. 

-- Que bom. Já estava ficando preocupada. 

O garçom parou ao lado da mesa com o cardápio na mão. Carol olhou para o solícito garçom e sorriu diante
daquela formalidade: 

-- Nós vamos comer Salmão ao molho de shoyu assado no papilote. 

-- E para beber, chefe? 

-- Traga um vinho do Porto. Mas, escolha uma boa safra. 

-- Sim, senhorita. 

Carol esperou o garçom afastar-se antes de falar. 

-- Pensei ter entendido que me deixaria escolher o prato. 

-- Verdade. Fica para a próxima. 

Carol respirou fundo e forçou um sorriso. 

-- Vou fingir que acredito. 

Natasha colocou os cotovelos sobre a mesa e apoiou o queixo nas mãos. 

-- Lembra de alguma coisa da sua infância? 

Carol balançou a cabeça. 

-- Não lembro de nada. Não lembro de mamãe e nem de papai. Nem da ilha, nem das montanhas, nem da praia. 

-- Claro que não -- disse Natasha, com um sorriso -- As margaridas eram as flores preferidas da mamãe. Ela
tinha um canteiro repleto delas -- a empresária fechou os olhos e respirou fundo -- Eu lembro muito pouco de
você. Lembro apenas de uma menininha enferrujada e feinha. Desculpa a sinceridade. 

-- Que horror, Natasha! 

-- Você tornou-se uma mulher muito linda -- disse ela com sinceridade -- É tudo original? 

-- Claro que é, bobinha. 

-- Eu pergunto isso, porque conheci uma menina com os cílios postiços tão grande, que quando ela piscava
me abanava. 

-- Pare, pare! -- interrompeu Carol com uma gargalhada. 

-- Um dia ela disse para mim: "Essa roupa tá me deixando gorda, Nat!" E eu disse: É só você parar de comer
essa roupa... 

-- E ela? 

-- Depois desse dia não vi mais ela. 

O garçom trouxe os pedidos. Serviu vinho para ambas e retirou-se. 

Carol provou um pedaço do salmão, sorriu e olhou para o prato, e novamente para Natasha. 

-- Eu não costumo comer peixe com muita frequência. 

-- Não gosta? 

-- Não muito, porém, esse está divino -- ela pousou o talher na mesa, bebericou o vinho e olhou para Natasha,
fascinada. Era tão agradável conversar descontraidamente com ela -- Não pensa em ter filhos um dia? --
perguntou receosa. 

Natasha balançou a bebida no copo antes de olhar para ela e responder: 

-- Eu gostaria de ter um filho um dia... dois dias, no máximo -- brincou. 

-- Fala sério, Natasha. 

-- Prefiro mudar de assunto -- ela deu um sorriso que deixou Carol derretida - Esse papo de filhos me deixa
nervosa só de pensar. 

Carol assentiu. Não pretendia estragar o clima tão agradável. 

-- Está certo -- ela estendeu a taça vazia para Natasha enchê-la, lutando com os pensamentos inoportunos que
passavam por sua cabeça. Ela limpou o canto da boca e depois pousou o guardanapo na mesa, ao lado do
prato. 

Natasha comeu o último pedaço de salmão antes de continuar: 

-- Tenho percebido que vocês estão muito entusiasmados com a ilha. Dessa forma, decidi que é o momento de
você começar a cuidar pessoalmente de sua ilha. Quero que abra o seu próprio caminho, como eu fiz. Se você
tiver peito para isso, vai merecer o meu respeito. 

Carol levantou as sobrancelhas. 

-- Não entendi. 

-- Eu e meu avô desbravamos essa ilha. Era mata virgem e nós com muita luta transformamos em tudo o que ela
é hoje. 

-- Deve ter sido maravilhoso -- comentou Carol. 

-- Não, não foi. Na verdade foi uma merda, foram os piores dias da minha vida! -- ela deu uma risadinha -- Muita
cobra, onça-pintada, lobo-guará, morcego orelhudo... 

Carol estava horrorizada. Natasha continuou: 

-- Sem contar os insetos: A mutuca ou butuca que é um inseto voraz que se alimenta de sangue. A coceira é
aterrorizante. Os mosquitos, pernilongos, borrachudos, carrapatos e inúmeros outros bichos que devem ter
na Ilha Carolina. 

-- Você vai mandar a gente para lá? -- ela perguntou num fio de voz, assombrada, enquanto servia-se de mais
vinho. 

Natasha balançou a cabeça afirmativamente. 


-- Eu gostaria de ir com você, maninha, mas tenho muito trabalho pendente aqui na Ilha do Falcão. 

Os olhos de Carol estavam abertos, cheios de desespero e de surpresa. Armando-se de coragem, perguntou: 

-- Quem vai comigo? 

-- Hum, vejamos... -- ela apoiou o queixo na mão, olhou para Carol e fingiu que estava pensando -- Você, a
Marcela, o Sidney, a doutora Sibele e uma equipe escolhida por mim. 

-- Por que a Sibele? - perguntou, cheia de curiosidade. 

-- É sempre bom ter um médico por perto -- Natacha serviu mais vinho para ambas -- Vai que alguém seja
atacado por uma onça ou, picado por uma cobra. 

Não entre em pânico, não entre em pânico. Carol repetia a si mesma. Mantenha a calma, seja controlada. 

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Capítulo 36 por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 36 

Leozinho fez o sinal da cruz e olhou para o teto. Natasha estava obcecada em vingar-se. Na sua opinião, ela já
estava passando dos limites. 

-- Quanta maldade, Natasha. Da Marcela e da Sibele, eu não tenho pena, mas da Carol e do Sidney, eu tô com
uma peninha. Tem certeza que vai fazer isso? 

Natasha levantou os olhos da tela do celular e olhou para ele com um sorriso maldoso. 

-- A única coisa que tenho certeza, é da minha beleza. O resto é tudo experiência. 

Impaciente, ela afastou o cobertor e se levantou da cama. 

-- Tantas pessoas morrendo neste mundo. Será que é porque elas ignoram essas correntes de WhatsApp? --
Natasha jogou o celular sobre a cama e caminhou em direção ao banheiro. 

-- Sei não, musa. Prefiro não brincar com essas coisas. 

Natasha voltou para o quarto. Leozinho tinha o dom de deixá-la em dúvida. 

-- Será? 

-- Escuta só -- Leozinho pegou o celular do bolso e leu uma mensagem que acabara de receber: 

"Miranda Pinsley estava voltando do colégio a pé no sábado. Ela tinha recentemente recebido esta mensagem
e a ignorou. Então ela tropeçou numa pedra solta na calçada e caiu dentro do esgoto, e morreu. Isso pode
acontecer com você!!!" 

Natasha olhou para ele assombrada. 

-- Escuta a mensagem que acabei de receber: 

"Dexter Bip, um garoto de 13 anos, recebeu essa corrente e a ignorou. Mais tarde, no mesmo dia, ele foi
atropelado por um carro e sua namorada também. Ambos morreram. As famílias dos dois estavam tão tristes
que todos os seus parentes ficaram loucos e passaram o resto da vida num manicômio. Isso pode acontecer
com você!!!" 

-- Ai, ai, ai, chefe. Se eu fosse você não quebrava a corrente. 

Natasha coçou a cabeça. 

-- Sei não, acho meio exagerado. Escuta só: 

"Passe para 15.067 pessoas nas próximas 48 horas ou alguma coisa horripilante acontecerá com você, como
aconteceu com essas pessoas". 

-- Que tragédia! -- Leozinho ficou pensativo -- Mas é fácil, chefe. É só marcar todos os seus contatos e enviar. 

-- E você acha que eu tenho 15.067 pessoas no meu Whats? Sua anta! -- Natasha entrou no banheiro, mas
deixou a porta aberta. 

-- Pensei que as pessoas ricas tivessem milhares de contatos no Whats -- Leozinho parou diante do espelho,
virando-se de um lado para outro para ver melhor a sua imagem. 

Natasha saiu do banheiro já vestida para sair. 

-- Pobre é que tem milhares de contatos. Tem o Whats do padeiro, do vendedor de ovos, do tiozinho da
pamonha, do cara das conservas, da mulher dos detergentes. Sem contar os grupos de família, de trabalho, de
vizinhos, de crochê, de pintura. 

Leozinho sentou-se na cama e olhou surpreso para a empresária vestida de bermuda e camiseta. 

-- Vai aonde, nesse Look tão despojado? 

-- Vou passear de moto, pela ilha. 

-- Vai sozinha? 
-- Acho que vou convidar a Lalesca para ir comigo. 

-- Hum. Podia ao menos dar uma arrumadinha na cama, né? Está uma bagunça. Coitada da camareira. 

Ela suspirou. 

-- A cama é bem grandinha, pode se arrumar sozinha -- Natasha olhou-se no espelho e sorriu para a sua
imagem -- Linda! 

-- Quando eles vão para a Ilha Carolina? 

-- Provavelmente na segunda-feira. Só falta mais um detalhe -- Natasha fitou o gerente e sorriu maldosa -- O
detalhe mais importante -- uma risada escapou de seus lábios -- Vou tomar café no restaurante. Vai ficar? 

-- Pode ir. Vou logo em seguida. 

Enquanto Natasha saiu para tomar café, Leozinho ligou para Sidney. 

-- Oi Sisi, a chefinha está saindo para passear de moto. Vamos começar a colocar o nosso plano em ação. Faz
o seguinte... 

Sidney bateu à porta do quarto de Carol e entrou. 

-- Olá meu amor! Você dormiu bem? -- ele indagou em um tom divertido de voz. 

Carol se espreguiçou e exibiu um sorriso feliz. 

-- Maravilhosamente bem. 

-- A Natasha está saindo para um passeio de moto. Por que não vai com ela? O dia está lindo -- perguntou
Sidney de repente -- Seria melhor do que ficar nesse apartamento sozinha pensando na vida. 

-- Se ela quisesse que eu fosse, teria me convidado. Você não acha? -- a ruiva se levantou da cama, esfregando
os olhos com o dorso da mão e caminhou na direção do banheiro com passadas preguiçosas. 

-- Então, você não vai? -- perguntou, decepcionado. 

-- Não, acho que não quero ir -- ela berrou do banheiro -- Não custava nada ela ter me convidado. 

-- Mas deveria ir -- insistiu Sidney com firmeza -- Olhe, você está aqui há vários dias e nesse tempo todo nunca
saiu para se divertir. Não acha que está na hora de começar a encontrar as pessoas, frequentar os bares,
restaurantes. Essa é uma ilha para pessoas em férias, há sempre um programa divertido para fazer. 

Quando chegou, Marcela e Sibele a convidaram para sair, mas recusou com frieza. Não estava com clima para
diversão. 

-- Quem sabe outro dia -- respondeu Carol. Hoje não. Não podia sair e fingir que se divertia. 

Sidney era teimoso e continuou a insistir. 

-- Você vai -- ele disse com um jeitinho todo especial -- Não discuta comigo. Ou será que prefere que
a Lalesca vá junto com a Natasha? -- provocou sentando-se na cama -- Aquela mulher linda de cabelos longos
é um perigo. 

-- Por que está dizendo isso? -- Carol perguntou, tentando abafar a preocupação que começara a tomar conta
dela, enquanto ele falava. Lalesca ficava o tempo todo se jogando para cima da Natasha. Pensou desgostosa.
Ela não fazia a menor questão de esconder o seu interesse pela empresária. 

-- O Leozinho me contou que a Natasha estava pensando em chamar ela para passear -- Sidney afirmou,
balançando os ombros. 

Carol olhou, pensativa para o sol brilhando lá fora.  

-- Sabe de uma coisa, meu amigo? Você tem razão. Eu preciso sair dessa concha e esta é uma ótima ocasião
para isso. 

-- Agora senti firmeza. Essa é a mulher forte e animada que conheci nos Estados Unidos -- disse, dirigindo-se
para o closet -- Faço questão de escolher uma roupa bem sexy para você vestir -- Sidney tinha um pequeno
sorriso vitorioso nos lábios. Mais uma vez havia conseguido mexer com os brios da amiga.  

Natasha estava atravessando o saguão do hotel, mas deteve-se relutante quando ouviu uma voz chamar atrás
e se virou. 
-- Senhorita Natasha -- Paloma se aproximou, acompanhada de dois homens -- Esses senhores estão a sua
procura. 

-- Ah, claro -- afinal, ela pensou com um certo alívio. Era o detalhe que faltava -- Obrigada, Paloma. Pode deixar
que eu me entendo com esses senhores -- Natasha esperou que a recepcionista saísse, então se virou para os
dois homens -- Vocês são os caras do zoológico? 

-- Sim, trouxemos tudo o que a senhorita pediu: a onça-pintada, o elefante, a girafa, o gorila e a anta. Estão
todos lá no caminhão. 

-- Shii... Fala baixo que ninguém pode saber -- ela olhou rapidamente ao redor para se certificar que ninguém
havia escutado -- Vou pedir para o Rambo levar vocês e os animais até a Ilha Carolina. Essa é uma operação
sigilosa portanto, boca fechada -- instruiu Natasha, soando levemente irônica. 

Marcela caminhava de um lado para o outro, impaciente. Só parava de vez em quando para dar um gole em sua
taça de vinho. Sibele, sentada no sofá, observava tudo com um olhar preocupado. 

-- Imagina se vou me sujeitar a isso -- Marcela indignada, não parava de resmungar. 

Sidney passou a mão pelo rosto. Tinha certeza que essa ida para a Ilha Carolina, era parte do plano de
vingança de Natasha. 

-- Meu Deus! A Carol acabou de me contar. 

-- Eu não vou. O meu gesso só vai ser retirado semana que vem. 

-- A Carol comentou isso com a Natasha e sabe o que ela falou, Sibele? 

-- Hum -- a médica olhou para o rapaz com curiosidade. 

-- Que isso não será problema. Não vai faltar homem para carregá-la no colo de um lado para outro. 

Sibele engoliu em seco. 

-- Que horror! Dispenso. Prefiro as minhas muletas. 

-- Vocês não acham essa atitude da Natasha estranha demais para quem tratava a irmã como uma princesa? --
Marcela olhou para Sidney, depois para Sibele, com expressão sombria e desconfiada nos olhos castanhos --
Será que ela descobriu algo a nosso respeito? 

Desta vez foi Sidney quem se levantou e caminhou nervosamente pela sala. Marcela era esperta demais, cética
demais para aceitar passivamente, sem indagações. 

-- Eu acho que ela quer que a Carol vença com seu próprio esforço. Não acredito que ela vá abandonar a irmã
a própria sorte -- Sidney olhou para o rosto de Marcela, esperando ver alguma reação as palavras dele -- Ela
está nos testando. 

Marcela não pareceu convencida. Houve um silêncio incomodo e ele procurou desesperadamente alguma
coisa para dizer. 

-- Tenho certeza que no máximo uns dois dias, ela manda nos buscar. 

-- Será que Carol cogitou a possibilidade de recusarmos? 

-- Carol e eu já aceitamos e, caso vocês não aceitem, serão convidadas a se retirarem imediatamente da Ilha do
Falcão. 

Os olhos de Marcela se abriram e, por alguns segundos, ela e Sibele se olharam fixamente. 

-- Nós também vamos. Não é mesmo, Sibele? -- as palavras saíram com dificuldade de sua boca -- Mas, se
Natasha pensa que vou me sujeitar a ficar mais que dois dias naquela selva, ela está muito enganada. 

Carol respirou fundo e saiu do elevador. Olhou para todos os lados e avistou Natasha em um canto mais
distante da recepção. Ela parecia animada, conversando sorridente com dois homens. Por um instante,
pensou em ir embora dali, da mesma maneira como tinha chegado. 

Ela é realmente linda! -- Carol murmurou, respirando fundo e se aproximando. 

Tocou-lhe o ombro, com delicadeza. Não queria que ela se assustasse. 

-- Bom dia! -- disse, com cautelosa. 


Natasha a viu e parou de falar. Acenou para os homens com uma das mãos, em um gesto de despedida. Eles
manearam a cabeça e se afastaram rapidamente. 

-- Bom dia! -- Natasha cruzou os braços e ficou admirando-a. Carol parou diante dela, em uma calça preta justa,
as botas de salto fino ressoando alto de encontro ao piso. Ela era linda, elegante, a boca feminina bem
delineada, os olhos castanhos vivos e curiosos. Sou mesmo uma boboca. Admirando uma mulher que só
a enxergava como um degrau para a riqueza. Pensou irritada. 

-- Vai passear? -- Carol, perguntou sorrindo. 

-- Vou dar uma volta de moto -- Natasha respondeu, friamente. 

Carol surpreendeu-se. A empresária a encarava com completo desdém. O sorriso se desfez. 

-- Olhe, não sei qual é o seu problema, mas será que podia pelo menos me tratar com educação? 

Natasha sentiu vontade de esmurrar-se. Estava fazendo tudo errado. Carol nunca se apaixonaria por uma
grossa antipática e insensível. Então, a fisionomia fechada e mau humorada mudou completamente. 

-- Desculpa, Carol -- ela se aproximou sorrindo e abraçou-a -- Estava resolvendo um problema do hotel e isso
me deixou de mau humor. Desculpa mesmo. 

Natasha foi recompensada com um olhar brilhante, olhar que confirmou que Carol havia acreditado.
Satisfeita, deu um beijo em seu rosto. Se aquilo era um jogo, tinha acabado de marcar o primeiro ponto. 

-- A senhorita dormiu bem? -- ela murmurou, sem saber direito o que dizer. 

-- Sim, descansei bastante, estou pronta para o passeio de moto -- perguntou Carol, no auge do entusiasmo.  

Natasha olhou surpresa para ela e levantou uma sobrancelha, como se lhe perguntasse: Quem te convidou? 

-- Ah! Se você me levar, é claro -- Carol passou as mãos pelos cabelos, sentindo o rosto ruborizado. 

Aquilo soou muito engraçado, e Natasha não conseguiu evitar o sorriso e muito menos negar o pedido. 

Carol estremeceu só de fitar os lindos olhos verde-jade. 

-- Você já andou de moto antes? 

Carol meneou a cabeça, sentindo-se empolgada. 

-- Várias vezes -- respondeu. 

-- Em uma daquelas? -- Natasha apontou para o lado de fora, onde uma moto, enorme e poderosa estava
estacionada. 

-- Uau! -- Carol correu até onde a moto estava e deu uma volta em torno dela -- É linda! Gigante! 

Ela observou quando Natasha levantou uma das pernas e sentou-se no banco da moto. A visão era tão sexy
que Carol ficou petrificada. 

Natasha entregou um capacete para ela. 

-- Sobe -- ela pediu e estendeu-lhe a mão para ajuda-la. Carol sentou de pernas abertas na moto. 

A ruiva escorregou, ficando com o corpo colado ao corpo de Natasha. 

-- Desculpa -- murmurou envergonhada, enrubescendo enquanto tentava ir mais para trás. 

-- Não precisa se desculpar -- Natasha pegou as mãos de Carol e colocou-as ao redor de sua cintura -- O banco
é projetado para ser assim. É só segurar-se bem firme e relaxar. 

Relaxar? De que jeito? Indagou-se Carol. Aquele corpo malhado, o perfume provocante. Tudo a excitava
loucamente. 

-- Não tenha medo -- Natasha propositalmente, colocou uma mão na coxa dela -- Incline-se contra mim e segure
firme. 

Um tremor atingiu Carol assim que as mãos dela tocaram sua coxa. Mesmo por cima do tecido da calça,
chegava a arder de tão quente. 

Então ela ligou a moto e saiu, o motor potente da moto, roncou na avenida principal. 

Carol sentiu medo de cair e instintivamente suas mãos se apertaram mais ao redor de Natasha. Mas, quando
ela sentiu a mão de Natasha apertando a sua, transmitindo segurança, ela começou a relaxar. 
A avenida margeava a praia e tinha uma vista tão maravilhosa, que Carol estava sem fôlego. Minutos depois,
Natasha parou a moto no acostamento. Saltando da moto, Natasha virou-se para ajudá-la, segurando-a pela
cintura. Na Ilha do Falcão, as pessoas eram agradáveis e hospitaleiras. Os comerciantes as cumprimentavam
sorridentes, os moradores, na grande maioria funcionários de Natasha, acenavam com cortesia. 

Carol sentou em um banco, Natasha sentou ao lado dela. 

-- Não dou motivo para eles me amarem, mas, mesmo assim, eles me amam -- Natasha brincou -- Você está
gostando da ilha? 

-- Estou completamente apaixonada por ela. 

Aquela declaração provocou em Natasha, um sorriso tristonho. Andreia é tão falsa que nem nasceu, chegou
em um contêiner da China. Pensou. 

Permaneceram sentadas em silêncio, ouvindo o murmúrio das ondas que rolavam suavemente ao longo da
praia. 

-- Você gostaria de andar um pouco? -- perguntou Natasha, depois de alguns minutos -- Temos tempo de sobra.
Vamos dar um passeio. 

-- Vamos! 

Carol tirou os sapatos e saiu caminhando na frente. A areia branca brilhava na luz do sol. 

Natasha, surpreendeu-a quando pegou sua mão. Sentindo-se vulnerável, Carol sorriu. Saboreava cada
momento daquele dia tão especial. 

Depois de mais um curto trajeto ao longo da praia, elas chegaram a um ponto mais movimentado da ilha. 

Carol caminhava pelo calçadão, fugindo do calor e observando os outros turistas bebendo e comendo nos
bares com mesas ao ar livre. Como tinha feito um lanche leve pela manhã, começou a sentir fome. 

-- Está maravilhoso aqui -- comentou num tom de voz baixo, quase com medo de estragar a magia da atmosfera
-- Mas estou com uma fome danada. Você está? 

Natasha sorriu 

-- Perguntar se eu estou com fome é igual perguntar se eu preciso de oxigênio. Estou morrendo de fome! Meu
estômago também não para de roncar -- ela parou, abruptamente -- Então vamos lá. Tem um restaurante
maravilhoso logo ali na praça -- ela disse, segurando-a pela cintura e começando a caminhar -- Como diria o
poeta: "Me dê comida e não flores".  

Passaram pelo cais e foram em direção à praça. Carol sorriu para a senhora vendedora de flores e o senhor
sentado em frente ao restaurante. Esbanjava simpatia. Ela se recusava a analisar a situação e suas
consequências. Mais tarde, talvez, quando estivesse no quarto sozinha, consultaria o coração. Mas, agora,
estava feliz e queria aproveitar o momento. 

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Capítulo 37 por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 37

Um garçom anotou os pedidos e saiu. Natasha procurou manter uma conversa leve e agradável sobre os mais
diversos tipos de assunto. Estava precisando desse momento de tranquilidade, mesmo se essa tranquilidade
estivesse apenas dentro de sua cabeça.

A comida chegou e elas começaram a comer. Então, Natasha aproveitando o clima de intimidade que havia
entre elas, resolveu ser um pouco mais indiscreta e iniciar uma conversa sobre assuntos sentimentais.

-- Você passou algum tempo no exterior. Duvido que não tenha conhecido alguém interessante -- ela percebeu
a expressão de Carol se modificar.

-- Fui para os Estados Unidos somente com propósito de estudo, mas houve alguém. Infelizmente.

-- Por que, infelizmente? -- franziu a testa, surpresa.

-- Porque foi uma relação desastrosa. Ele me traiu com apenas dois meses de namoro -- ela baixou os olhos
para o prato e tentou comer -- No começo fiquei arrasada e quase morri de decepção, pois não acreditava que
aquele cara que dizia me amar pudesse ser tão cruel.

-- Não fique triste. Até o capeta é chifrudo.

-- Obrigada -- a expressão dela suavizou-se -- Suas palavras me confortam.

Elas riram.

-- Independente do quanto sofri, decidi encarar tudo como um aprendizado. Até perdoei.

-- Poxa! Como conseguiu? Ou você é uma santa, ou uma boba.

-- Perdoar não é ter amnésia, Tasha. Muito menos fingir que nada aconteceu. É deixar o tempo passar, e os
sentimentos ruins ceder espaço a razão.

Natasha pensava no assunto, enquanto brincava com a comida no prato.

-- Se é assim, então acho que perdoei a Mariana. Hoje não sinto mais nada por ela. Nem ódio, nem amor.
Porém, não esqueci o que ela me fez.

-- E nem deve esquecer. Mas caso esqueça, farei questão de lembrar-lhe.

-- Não! De novo não! -- Natasha brincou e as duas riram muito -- Olha, Carol. Você só conhece uma pessoa de
verdade, quando conversa com ela bêbada de madrugada. "Pessoas falsas são como produtos piratas. Te
atraem pela facilidade, mas logo te decepcionam pela qualidade" -- Natasha olhou-a fixamente para dar mais
ênfase a sua frase.

Aquilo foi uma indireta para ela ou simplesmente algo direcionado a outra pessoa? Nem tudo é indireta, mas
se a carapuça serviu é porque a consciência está pesada. Pensou Carol, constrangida.

-- Gostava de morar nos Estados Unidos?

-- Foram dias alegres e despreocupados. Morava com o Sidney, compartilhamos acomodação e comida.
Quando tínhamos um tempo livre, alugávamos um carro e viajávamos até as cidades vizinhas.

-- Isso me parece muito divertido -- Natasha apoiou a cabeça entre as mãos -- Podemos fazer uma viajem ao
redor do mundo. O que você acha? Conhecer novas paisagens, novas pessoas, novos sorrisos, e
principalmente de paz. Muita paz -- só depois de algum tempo foi que Natasha percebeu o tamanho da
besteira que havia falado.

Carol sorriu inconsciente de como seus olhos brilharam diante da ideia da empresária.

-- Quem sabe!

-- Quem sabe! -- repetiu Natasha, sem a mesma empolgação de momentos atrás -- Vamos continuar o passeio?

-- Vamos -- com calma, Carol limpou os lábios com o guardanapo e o pousou ao lado do prato -- Não esqueça
que eu quero conhecer a famosa cafeteria da Pedrita. O Sidney falou maravilhas daquele lugar.

Natasha levantou-se e estendeu-lhe uma mão para ajudá-la.

É
-- É o melhor café da ilha. Pode ter certeza. Vamos dar uma passadinha por lá e provar o melhor cappuccino
do mundo.

-- E a moto?

-- Podemos deixar aonde está. Ninguém vai mexer. Quando terminarmos o nosso café, passaremos para pegá-
la.

Carol queria que aquela tarde durasse para sempre. A sensação carinhosa de ser amada trouxe lágrimas aos
olhos dela.

-- Então vamos!

O chalé de Talita parecia coisa de contos de fadas. O jardim florido cheio de rosas e margaridas, era
romântico demais para ser verdade.

Elas saíram do carro e Carolina aspirou profundamente a fragrância deliciosa da natureza. Parecia mentira
que aquele pesadelo havia acabado. Para uma pessoa de espírito livre, como ela, ficar presa em um quarto de
hospital era torturante demais.

-- Vamos entrar? -- perguntou Talita, interrompendo os devaneios dela.

Carolina concordou passando o braço sobre o ombro da médica. Talita guiou-a para o caminho que ia até a
porta. Caminharam em silêncio, um silêncio nervoso, ansioso.

-- Seu chalé é muito lindo.

-- Verdade. Natasha foi muito gentil em ceder ele para mim. Não me adaptei a vida no hotel, prefiro fazer minha
própria comida, cuidar da minha roupa. Acho que nasci para a vida doméstica -- Talita apontou para a
poltrona preta perto da janela e ajudou-a sentar-se, com as costas contra uma almofada.

-- Eu já morei em cada lugar maluco que nada mais me assusta -- disse sorrindo.

-- Você deve estar com fome. Vou preparar um lanche para nós -- ela colocou as muletas próximas à Carolina e
foi para a cozinha, sem esperar resposta.

Pedrita saiu correndo da cozinha, o corpo cheinho balançando de um lado para o outro.

-- Natasha! -- ela exclamou, cumprimentando-a efusivamente. Ela tinha o mesmo sotaque encantador que
Natasha. Pedrita abraçou-a, sem deixar de olhar para Carol -- Quem é essa moça linda? -- e, sem esperar pela
resposta, abraçou Carol, também.

-- Eu sou Carolina. Muito prazer em conhecer você.

-- Carolina é a minha irmã, Pedrita. Ela veio provar o seu famoso café.

Pedrita olhou surpresa para Natasha.

-- Como pude me enganar tanto?

Carol olhou para Pedrita, sem entender o comentário.

-- Enganar-se com o que?

-- Deixa pra lá -- disse Pedrita, olhando para Natasha.

-- Deixar pra lá? Não é o que você costuma dizer -- Natasha riu, lembrando-se de que ela era a segunda pessoa
mais enxerida do mundo. A primeira era a Elisa.

-- Acho que interpretei o meu sonho de forma errada -- ela declarou -- Mas, o que vão querer?

Natasha optou por um café cremoso, enquanto Carol, pediu um Afogatto de cappuccino.

-- Essa bebida é refrescante e deliciosa -- disse Pedrita -- Perfeita para os amantes de café. Usamos apenas três
ingredientes: sorvete de creme ou baunilha, café forte passado na hora e cookies de chocolate.

-- Você sabia, Pedrita, que uma pesquisa revelou que café reduz o risco de suicídio. E é verdade, pois nunca vi
ninguém se matar com um bule na mão.
Pedrita colocou uma mão no ombro de Natasha.

-- Muito engraçadinha -- disse Pedrita, com uma voz divertida -- Bem, fiquem à vontade. Não preciso nem dizer
que a casa é sua. Não é mesmo?

-- Não, não precisa. Eu tenho a escritura do imóvel lá em casa.

-- Natasha! -- Carol chamou a sua atenção -- Que indelicadeza!

-- Não se preocupe, Carol. Quando conheci a Natasha ela ainda usava fraldas -- Pedrita virou-se e saiu de volta
para cozinha.

-- Brincadeira sem graça -- Carol comentou, com acidez.

-- Não era brincadeira -- retrucou Natasha -- Era brincadeira -- ela disse sorrindo.

Carol ficou olhando séria para ela. Quando sorria, Natasha era a coisa mais linda que ela havia visto em toda a
sua vida. Aquelas covinhas eram muito fofas e causavam contrações dentro dela.

Carol sentia que naquele momento elas pareciam compartilhar algo muito especial. Tal sensação era tão forte
que a chocou um pouco. Estar tão envolvida com uma mulher, especialmente a vítima de seu golpe, não era
algo em que se imaginava, e tinha dificuldade em aceitar.

-- Pedrita também é açoriana? -- Carol perguntou.

-- Sim. Pedrita veio para a ilha com seis anos. Ela trabalhou no restaurante do hotel até ano passado, mas teve
que assumir a cafeteria depois da morte do pai.

-- Hum -- Carol fez um biquinho -- O que ela quis dizer com ter interpretado o sonho de forma errada?

-- Ah! Não liga para isso. Ela e a Elisa são bruxas e...

Pedrita colocou uma mão sobre a boca de Natasha e fez com que ela se calasse.

-- Não somos bruxas, somos médiuns. E você deveria respeitar a nossa doutrina -- ela balançou a cabeça --
Será que tenho de lembrá-la toda vez que vem aqui?

Os olhos verdes de Natasha brilhavam divertidos.

-- Como posso respeitar? Vocês duas falam cada coisa absurda -- Natasha olhou para Carol e sorriu -- Acredita
que elas esperam há anos pela reencarnação do meu pai?

Carol olhou rapidamente para Pedrita. Com uma expressão que era um misto de surpresa e incredulidade.

-- Eu e a Elisa temos o mesmo sonho premonitório há muito tempo.

-- Muito obrigada -- Carol agradeceu, quando ela colocou os pedidos sobre a mesa e sentou-se ao seu lado
com uma xícara de café fumegante -- Como é o sonho?

-- Não me diga que também acredita nisso? -- Natasha perguntou, irritada.

-- Estou curiosa. Deixa ela contar -- Carol retrucou.

-- O pai de vocês vem, em espírito, até o meu quarto acompanhado de outro espírito, uma mulher. Ele senta-se
ao meu lado e, de mãos dadas, me convida para ir com ele até o lugar onde ele deverá reencarnar. É sempre
três horas da manhã do dia 28 de novembro de 2018.

-- Quanta besteira! -- Natasha se levantou -- Vamos embora.

-- Espera Natasha -- pediu, Carol -- Conta mais, Pedrita.

-- Ah, então vai ficar sozinha, porque eu já vou indo -- Natasha saiu de cara feia.

Pedrita sorriu.

-- Ela não quer ouvir o sonho. Sempre que começo, ela sai correndo.

-- Eu entendo ela. É tudo muito louco, surreal, mas, mesmo assim, quero ouvir. Adoro histórias de fantasmas.

Pedrita revirou os olhos.

-- Não é história de fantasmas. São espíritos de luz -- Pedrita tomou o resto do café e se levantou -- Se quiser
que eu conte o sonho completo, volte amanhã -- a moça segurou a mão de Carol e estremeceu. Sentiu-se tonta
e nauseada. Algo não estava certo.

-- Eu venho. Pode ter certeza -- Carol se levantou sorrindo e saiu apressada.


-- Ei, Carol - Pedrita a chamou.

A ruiva se virou.

-- Mas, venha sem a Natasha. Ela é muito ranzinza e cética.

-- Pode deixar.

Eram quase quatro horas quando elas deixaram o café e chegaram até a moto. O sol não estava muito forte,
mas a pele sensível da ruiva já começava a ficar rosada.

-- Um homem andava de moto na estrada quando caiu da moto e saiu arrastado por ela. Qual o nome do filme?

-- Não sei, Tasha.

-- O encurralado -- Natasha subiu na moto e estendeu a mão para ela.

-- Sem graça.

Carol subiu na moto com cuidado, se colocou atrás dela e abraçou-a pela cintura.

Natasha ligou o motor e arrancou em alta velocidade pela avenida.

Enquanto Carolina assistia a um filme na sala, Talita tirou a mesa, lavou e secou a louça, guardando-as nos
armários. Pegou o frasco de requeijão e virou-se para guardar na geladeira. Com o movimento engatou o pé no
tapete e se desequilibrou.

Recuou, sem saber que Carolina estava atrás, e só quando pisou no pé dela percebeu que era a perna
machucada.

Carolina recuou um passo, fazendo com que Talita perdesse de vez o equilíbrio. Quando a médica viu que ia
cair, tentou evitar, agarrando-se no pescoço da jovem. Talita desabou em cima de Carolina e as duas caíram no
chão.

-- Que droga! -- murmurou Talita, apoiando-se nas mãos e olhando assustada para Carolina -- Você está bem?
Eu a machuquei?

-- Desculpa. Não consegui segurá-la, minha perna fraquejou.

-- Sua perna. Meu Deus! -- Talita desesperou-se -- Sinto muito. A culpa foi minha. Você deve estar sentindo
muita dor. Droga, como sou desastrada.

-- Estou sentindo uma dor enorme -- concordou, sorrindo.

A proximidade dela perturbava Carolina. A garota não fez o menor movimento para se levantar, e a sua perna
aprisionava a perna de Talita, impedindo-a de erguer-se.

-- Mas não é a perna que está doendo -- Carolina se inclinou, olhando a médica diretamente aos olhos.

-- Não?

-- Não -- Carolina segurou-lhe o rosto e beijou-a.

Talita não correspondeu, então Carolina se afastou.

-- Frígida!

-- O que? Repete se tem coragem.

-- Frigida!

Quando Talita abriu a boca para dizer um palavrão, Carolina a beijou novamente. Ela viu suas forças
enfraquecerem. Estava excitada. Ninguém, jamais a beijara daquele jeito! Seu corpo inteiro pedia mais e estava
quase a ponto de ceder ao desejo, quando campainha tocou, assustando as duas. Talita se levantou
rapidamente.

-- Empata foda do inferno -- Carolina praguejou, irritada -- Tem gente que consegue ser mais chata que dobrar
lençol com elástico.

-- Você está bem? -- Talita perguntou, preocupada.

-- Bem? Como posso estar bem? -- disse ela, irritada.


A campainha voltou a tocar.

-- Vamos, abra logo essa porta, antes que a criatura estoure a campainha.

-- Eu vou, mas não pense que o que você fez, vai ficar impune -- Talita fez cara feia e saiu atender a porta.

Carolina sentou na cadeira e ajeitou o cabelo.

-- Não pense que acabou, doutora -- resmungou baixinho -- Você não me conhece. Sou chata, insistente,
irritante e... tarada.

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Capítulo 38 por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 38

Quando chegaram diante da porta do apartamento, Carol pegou o cartão para abri-la.

Natasha encostou-se à parede, ao lado dela, com as mãos enfiadas nos bolsos.

-- Não esqueça que temos uma festa amanhã à noite.

A ruiva assentiu com um gesto de cabeça enquanto empurrava a porta.

-- Como poderia esquecer da minha festa de despedida -- disse amargurada.

Natasha logo percebeu que Carol estava triste, mas não poderia amolecer com relação a ela, não podia
colocar seu plano em risco.

-- Não entenda a ida de vocês para a Ilha Carolina como uma coisa desesperadora. Vocês ficarão isolados, mas
terão muito trabalho para mantê-los ocupados.

-- Tudo bem, Natasha -- Carol disse num tom de voz desanimado -- Não precisa se explicar.

Natasha subitamente teve vontade de envolvê-la nos braços e confortá-la, porém, somente a segurou no rosto
e depositou um beijo em sua bochecha.

-- Nos vemos amanhã.

Carol foi para o seu quarto, trocou a calça jeans e a blusa de manga por um leve vestido floral e foi procurar
Sidney. Encontrou-o na sala falando ao celular.

-- Daqui a meia hora apareço por aí. Beijos querido.

Ele desligou, olhou para o celular por um minuto e então sorriu.

-- Leozinho é um fofo -- suspirou, e se virou para a amiga -- Como foi o passeio?

-- Foi muito bom. Natasha voltou a me tratar como uma irmã carinhosa.

Sidney franziu a testa. Tadinha da Andreia, não faz ideia do tamanho da encrenca que estava metida.

-- Que bom! -- ele percebeu que o tom da fala dela era triste e talvez um pouco desesperada. Havia algo
diferente nela. Ele não conseguia captar muito bem, mas era alguma coisa muito grave para deixá-la tão abatida
-- O que está acontecendo, meu amor? Sua fisionomia está péssima -- comentou Sidney.

Carol sorriu, um pouco triste.

-- Eu não sei mais o que fazer, Sidney. Preciso de ajuda!

Sidney segurou a mão dela e levou-a até o sofá.

-- Senta aqui. Agora vamos conversar -- ele ainda estava segurando a mão dela e apertou suavemente -- Respira
e me conta o que está acontecendo.

E foi exatamente o que ela fez. Respirou fundo, passou as mãos pelo rosto e começou a falar:

-- Eu não quero ir para a Ilha Carolina, Sidney.

Andreia, normalmente tão centrada e calma, chorou desconsoladamente até que os olhos incharam. Sem dizer
nada, Sidney apenas esperou pacientemente até que ela se acalmasse.

-- Por favor, olhe para mim -- sem obter resposta, ele segurou-a pelo queixo, obrigando-a a fitá-lo -- Olhe para
mim. O que foi que aconteceu? A Natasha te machucou? Ela te maltratou?-- Atônito, Sidney secou as lágrimas
que escorriam pelo rosto da amiga com as pontas dos dedos -- Eu vou arranhar ela todinha.

-- A Natasha não fez nada -- como uma criança, Carol limpou as lágrimas com as costas das mãos -- Ela me
tratou muito bem -- disse, com a voz trêmula.

Por um longo instante Sidney não disse nada e limitou-se a fitá-la, como se tentasse entender o que estava
acontecendo.
-- Isto é tão diferente de mim. Eu nunca me senti assim, tão sensível, tão frágil -- todas as coisas que estavam
lhe acontecendo nas últimas semanas pareciam impossíveis de suportar. Sabia que havia chegado ao limite.

Sidney tomou uma das mãos da amiga entre as suas, movido por um carinho imenso.

-- O que você está querendo dizer com isto? -- ele pegou um lenço de papel e o entregou para ela limpar as
lágrimas.

-- Eu vou contar a verdade para a Natasha -- com o coração batendo descompassado no peito, Carol secou as
lágrimas com o lenço de papel -- Vou contar tudo, depois fugir para bem longe.

-- Não diga besteira. Você precisa se acalmar. Devíamos ter pensado nisso antes, agora é tarde.

-- Não, Sidney. Não é tarde -- Carol levou a mão à boca para conter um soluço -- Eu conto a verdade para ela.
Peço perdão, ela vai entender.

Carol levantou-se e começou a andar pela sala, parando para olhar as fotos dela e de Natasha em porta-
retratos dispostos sobre a mesa de canto.

Sidney coçou a nuca e respirou fundo, tentando se acalmar e pensar racionalmente. Andreia estava
descontrolada e prestes a fazer uma grande besteira. Caso confessasse agora, Natasha desistiria do plano de
vingança e mandaria todos para a cadeia.

-- Não, Andreia. Natasha não vai entender. Coloque-se no lugar dela. O que nós fizemos foi muito grave --
Sidney aproximou-se dela -- Então não há escolha. Você está muito nervosa...

Enfurecida, Carol empurrou-o para longe. Não queria ouvir mais nenhuma palavra.

-- Deixe-me em paz! Você não está entendendo. Aliás, ninguém me entende. Ninguém está nem aí para o que eu
penso ou sinto.

-- Você tenha razão -- concordou Sidney.

-- É claro que tenho! -- Andreia jamais falara dessa forma com ninguém em toda a sua vida, muito menos com
seu melhor amigo, mas sentia que estava no limite de sua resistência.

-- Você quer ir embora? -- perguntou Sidney com inesperada suavidade.

Ela estava prestes a responder afirmativamente quando se lembrou de quem deixaria para trás. Sua fuga
destruiria para sempre qualquer chance do perdão de Natasha.

A injustiça do destino provocou novas lágrimas.

-- Eu não vou embora -- ela olhou para Sidney, com lágrimas nos olhos castanhos -- Eu amo a Natasha, não
posso ir embora, mas também não posso continuar mentindo.

Sidney colocou as duas mãos sobre a boca, para reprimir um grito.

Natasha caminhava pelo corredor do hotel num passo rápido. Seu rosto tinha leve sinais de preocupação.
Quando ia abrir à porta de sua suíte, ouviu uma voz zombeteira atrás de si:

-- Para que tanta pressa, Natasha?

Ela virou-se rápido, reconhecendo a voz melosa.

-- Eu não acredito! -- ela se inclinou para a frente, com um brilho estranho no olhar -- O que faz aqui Mariana?
Qual parte do: caia fora da ilha, que você não entendeu?

-- Não seja grossa comigo -- murmurou, junto aos lábios da empresária -- Me dá vontade de puni-la
terrivelmente.

-- Não me provoque, Mariana -- Natasha teve ganas de sacudi-la.

-- Porque? Vai chamar a irmãzinha?

-- Não, mas te encho de pancadas sem a menor dificuldade.

Mariana fez uma careta medonha.

-- Você não pode me proibir de estar aqui. Estou pagando a minha estadia como qualquer outro hóspede.

Seguiu-se um silêncio carregado de tensão antes que Natasha caísse na gargalhada.


-- Pagando! Kkkk... -- exclamou com um riso debochado e alto; depois voltou-se novamente para a moça -- Você
não tem dinheiro nem para comprar um chiclete Ploc.

Mariana estava indignada.

-- O que está acontecendo com você? Eu não a estou reconhecendo, Natasha -- ela suspirou -- Vim até aqui
para conversarmos numa boa, mas você só está pretendendo me humilhar!

-- Me poupe, Mariana -- disse Natasha com raiva -- Não se faça de vítima. Você é uma viúva-negra. É só eu dar
bobeira para você lançar a teia, e me aprisionar.

Mariana suspirou mais pesadamente dessa vez.

-- Eu só quero ficar mais alguns dias na ilha. Prometo que não vou mais me intrometer na sua vida. Só quero
que seja feliz.

Natasha ficou em silêncio por um instante. Depois, ela sorriu, acreditando na promessa de Mariana.

-- Tudo bem, mas por apenas alguns dias -- intimou, Natasha.

A moça sorriu, satisfeita.

-- Agora eu ficaria muito feliz se você mandasse a Jessye providenciar uma suíte mais confortável para mim --
Mariana fez um biquinho -- Aquela que estou é tão simplesinha, não condiz com a minha beleza.

-- A gente oferece um dedo, já querem o braço inteiro.-- reclamou irritada -- Está bem, mas não abusa.

Quando Natasha se afastou, Mariana ficou pensando na besteira que havia feito quando deixou ela e a ilha. A
única pessoa que não lhe deu às costas e sempre fez de tudo para agradá-la, agora não mostrava qualquer
sinal de raiva, apenas da mais total frieza e indiferença. Pela primeira vez na vida, sentia-se derrotada, incapaz
de dominar as circunstâncias.

Procurando raciocinar direito, Mariana decidiu que deveria agir com paciência e evitar brigas e discussões.

Embora estivesse claro que Natasha não a queria mais, talvez ainda existisse resquícios daquele amor.
Mudaria de tática. Não pretendia abrir mão de Natasha tão fácil assim.

Carolina deixou-se cair na cama, de braços estendidos. Deitou a cabeça no travesseiro, deu um suspiro e
fechou os olhos.

Talita fechou a porta atrás de si e encostou-se nela.

-- Posso saber o que faz aqui? -- a médica cruzou os braços, impaciente -- Pensei ter dito que o seu quarto é
no final do corredor.

-- Tenho medo de dormir sozinha -- respondeu, com um leve sorriso nos lábios.

-- Ah, tá! Quer que eu acredite nisso? Olhe para mim, tá escrito, boba aqui na minha cara?

-- Na sua cara tem um luminoso piscando escrito: linda, linda, linda...

Talita olhou para ela, alarmada.

-- Você só pode estar brincando comigo. Tem que estar -- a expressão dela continuava estarrecida.

-- Sabe, você é realmente uma mulher muito linda -- disse ela -- Acho que, na verdade, podemos nos dar muito
bem. Existe uma química sexual maravilhosa entre nós que não podemos desperdiçar.

Talita a encarava de boca aberta. Estarrecida.

-- Você é louca. De onde você tirou essa ideia de química sexual? Eu... -- ela desviou o olhar daqueles olhos tão
penetrantes -- Sou casada e, muito bem-casada. Eu já lhe disse que o que aconteceu entre a gente foi um
beijinho de nada -- disse ela, abaixando os olhos -- Foi um erro, deveríamos ter evitado -- Talita mordeu o lábio
enquanto pensava o que dizer.

-- Concordo totalmente com você -- afirmou Carolina. Ela riu com ironia e se ajeitou melhor no travesseiro -- Ao
menos me deixe dormir no seu quarto. Estou tão triste, abandonada -- ela aninhou-se contra o travesseiro,
escondendo o rosto, demonstrando uma dor profunda -- Ninguém dá a mínima para mim, até mesmo a
Natasha, parece gostar mais da bandoleira ruiva do que da irmã -- descontrolada, Carolina socou várias vezes
o travesseiro -- Quero ir embora daqui.

-- Está realmente infeliz aqui?


A garota assentiu.

-- Não sei explicar. Sinto falta de tanta coisa. Aqui há regras para tudo, inclusive que temos que dormir em
quartos separados. É tedioso.

-- Você é uma idiota -- Tatiana, sentia-se sufocada por sentimentos intensos e perturbadores e a culpa era de
Carolina. Hesitou ligeiramente e sentou-se na beirada da cama. Estava atraída pela estranha emoção que viu
nos olhos dela. Seria curiosidade? -- Chega prá lá -- pediu.

Carolina engoliu para tentar desfazer o nó que se formara em sua garganta. Talita estendeu a mão e tocou nos
cabelos dela. Não conseguiu resistir.

-- Eu vou dormir aqui, mas ai de você se tocar um dedo em mim -- o que estava fazendo, pelo amor de Deus?
Tatiana torturava-se tentando entender o que acabara de fazer -- Algo me diz que vou me arrepender
amargamente disso.

-- Vai nada -- o olhar de Carolina se iluminou -- Vamos dormir de conchinha?

Atônito com a confissão de Carol, Sidney levou algum tempo até se recuperar do choque. Como não havia
enxergado?

-- Não sei como isso foi acontecer. Demorei para percebeu que tinha cometido o enorme erro de se apaixonar
pela Natasha -- ela respirou fundo, soltou o ar e balançou a cabeça com tristeza -- É tudo culpa minha. Não
devia ter baixado a guarda tanto assim.

O rosto de Carol tinha uma expressão triste, mas ela forçou um sorriso. Estava amando, enquanto Natasha,
apenas gostava dela como irmã.

-- Pois eu acho maravilhoso! -- Sidney se acendeu de empolgação.

-- Está louco? -- Carol passou a mão sobre o rosto -- Eu aqui desesperada e você achando maravilhoso.

-- Pensa bem -- Sidney mal conseguia disfarçar o entusiasmo -- Talvez isso seja a nossa única saída.

-- O que é que você está aprontando agora? -- perguntou Carol, franzindo o cenho.

-- Não estou aprontando nada. Apenas acho que você deveria recorrer ao seu poder de sedução para
conquistar o coração da Natasha.

Carol sentou-se e, ansiosa, esperou o amigo continuar falando.

-- Quando sentir que ela está apaixonada, você conta toda a verdade.

-- Você tem cada ideia, Sidney! -- Carol olhou para ele, espantada -- Ela jamais se apaixonará pela irmã.

-- Por que você é tão pessimista?

-- Não sou pessimista, qualquer um percebe que esse seu plano é horrível. A Natasha vai me achar uma
doente. Dando em cima da própria irmã. Que horror!

-- Você não a ama?

-- Já disse que amo.

-- Então! -- ele disse, afastando-se e olhando-a com enternecimento -- Vai à luta, bela.

-- Sei não -- ficou em silêncio por um longo momento. Parecia estudar o assunto. Não estava certa do que
fazer. A ideia de tentar seduzir a empresária a fez tremer -- Você acha que eu tenho alguma chance?

-- Meu Deus! Que pergunta boba. Claro que você tem -- Sidney abraçou a amiga com carinho -- Lute pelo amor
da sua vida, Carol e não desista nunca desse sentimento tão puro e bonito. E, na primeira oportunidade que
tiver, conte a verdade. Mostre que se arrependeu verdadeiramente e está disposta a corrigir os seus erros.
Procure recuperar a confiança perdida e o coração da Natasha. A confiança e o amor são sentimentos que
devem andar juntos para um relacionamento ter sucesso.

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Capítulo 39 por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 39

Sidney entrou no quarto imenso e elegante, fechou a porta e caminhou até o banheiro, escutando o som
inconfundível de Carol pondo para fora o café da manhã. Ela estava triste, mas não parecia doente quando a
deixara na noite passada.
Minutos depois, Carol saiu
do banheiro, ainda pálida. Disfarçou quando viu o amigo.
-- Bom dia! Caiu da cama?
Sidney não respondeu a pergunta dela. Estava visivelmente preocupado e inquieto.
-- Há quanto tempo está doente? -- perguntou, sentando-se na cama.
-- Não estou doente, são apenas enjoos matinais -- Carol foi para o closet, onde deixara todas as roupas novas
que Natasha havia comprado para ela no Rio -- Não é nada.

Algo na voz dela o fez ficar apreensivo. Alguma coisa não estava certa. Enjoos matinais?
-- Há alguma possibilidade de você estar grávida? -- Sidney indagou, gentil. Colocou a situação de um modo
delicado, para que ela não se chateasse.
-- Pelo amor de Deus, não! -- disse, aflita.

Ela o encarou com os enormes olhos castanhos e negou com a cabeça.


-- Por que não? Você tinha um namorado, esqueceu? Existe a possibilidade de uma gravidez.
O rosto de Carol perdeu a cor, e ela precisou sentar-se. Existia sim, mas não queria nem cogitar
a
possibilidade.
-- Já faz quase três meses que eu terminei o namoro com o César. Desde então, não me relacionei com mais
ninguém.
Sidney apoiou os cotovelos nos joelhos e olhou para ela.
-- Mesmo assim acho melhor você fazer os exames. Não é
normal uma pessoal vomitar todos os dias.
-- Você tem razão! Hoje mesmo vou falar com a Sibele.

-- Não! -- disse com a voz rouca e aflita -- Qualquer médico, menos a Sibele. Esqueceu que aquela mulher é uma
cobra venenosa? Não podemos confiar nela e, muito menos na Marcela.
-- Eu tenho certeza que não estou grávida. Estou menstruando normalmente
e tem outra, minha barriga
continua sarada como sempre -- era verdade que sua cintura se mostrava um pouco mais grossa ultimamente,
o que se poderia supor ganho de peso recente, mas quem consegue resistir a tanta comida deliciosa servida
no restaurante do hotel?

-- Mesmo assim faça os exames -- pediu Sidney. Com certeza, a ruiva parada à sua frente, estava em maus
lençóis e infeliz, mas doente? Sua pele e seus cabelos indicavam uma saúde perfeita.
-- Prometo que amanhã, antes de partirmos para a Ilha Carolina, vou procurar a Talita e pedir todos os exames
necessários.
-- Ótimo. Fico mais tranquilo assim.

Marcela sorveu um gole de café e colocou a xícara sobre o pires.


-- Teremos de tomar providências, Sibele. Não vai demorar muito
para a Carol descobrir que está grávida.
-- Estive pensando sobre isso. Será que a Natasha não mudará de ideia quando souber que a Carol está
grávida?
Por alguns
instantes, Marcela ficou olhando para Sibele, parecendo pensativa.

-- Você tem razão, meu amor -- respondeu Marcela -- Ela não terá coragem de mandar a irmã grávida para um
lugar sem infraestrutura e segurança. Seria um ato irresponsável e desumano -- deu uma mordida em sua
torrada com manteiga e se voltou novamente para a médica -- O problema é: Como contaremos para a Carol?
-- Não precisaremos contar, a própria Carol vai descobrir. Provavelmente ela já deva estar desconfiada.

-- Mas isso pode levar dias e, não esqueça, que já estamos de partida para a ilha.
-- Não vai demorar muito. Pelos meus cálculos, ela já deve estar de uns três meses.

-- Como ela ainda não percebeu? Como a Andreia é tansa! -- comentou Marcela balançando a cabeça como se
estivesse impressionada.
Sibele deu uma risada seca.
-- Parece história de novela ou de algum conhecido de alguém. Mas, isso acontece com uma frequência
impressionante. "Gravidez silenciosa" é o termo usado algumas vezes para casos em que uma mulher não
descobre que está grávida até estar com pelo menos 20 semanas de gravidez, ou aproximadamente cinco
meses. Mas você deve estar se perguntando: como a barriga não apareceu? Os enjoos? Menstruação? A
questão é que, em vez de engordar, algumas mulheres emagrecem. Enjoo, tontura e mal-estar nem toda
gestante sente. E quanto à menstruação, é possível que ela tenha corrimento, que pode ocorrer durante a
gravidez, e que ela confunda como sendo a menstruação. No entanto, é importante deixar claro que as
mulheres grávidas não podem menstruar, mas podem ter episódios frequentes de sangramento vaginal
durante a sua gestação.
-- Interessante! Deve ser
o caso da Carol, pois não vejo diferença alguma nela. Chego até a duvidar dessa
gravidez.

do abdômen é variável de pessoa para pessoa, depende de como é a arcada óssea. "Normalmente,
-- O formato
o útero cresce, mas ainda está dentro da bacia até o terceiro mês. Isso não é visível e palpável, por isso ela
não percebeu.
-- Hum, então vamos deixar tudo como está. Quanto menos nos metermos nisso, melhor. Não quero que ela
desconfie que sabíamos da gravidez e escondemos dela. Minha irmã vai virar uma fera!

Carol vestia uma camisa feminina verde, calça de montaria e botas pretas. Estava prestes a montar no belo
cavalo-branco quando Natasha apareceu. A empresária arregalou os olhos, em total incredulidade.
-- Ei, mocinha. Aonde pensa que vai?
-- Vou cavalgar. Não vim para a ilha para ficar trancada dentro do hotel -- resmungou, desafiando a empresária.
-- Não estou dizendo para ficar presa dentro do hotel. Não coloque palavras em minha boca -- ela disse,
franzindo a testa -- Só não quero que saia sozinha. Pode me chamar, chamar o Rambo ou qualquer outra
pessoa, menos sair sozinha -- Natasha a olhou com uma expressão exageradamente protetora.
-- Que mal tem em cavalgar sozinha? Vejo pessoas o tempo todo fazendo isso.
-- Só que você não é "qualquer pessoa". Você é uma Falcão e, não vou permitir que algo de ruim lhe aconteça.
Carol estranhou e, levantando uma sobrancelha, apontou para o estábulo.
-- Eu não vou sozinha, convidei uma amiga para me acompanhar. Ela está lá dentro escolhendo um cavalo.
Os olhos de Natasha brilharam de irritação.
-- Que amiga? -- o tom áspero mostrava que ela não tinha gostado da informação.
-- Sofia a minha... -- assustada, Carol não sabia o que dizer. Por que será que sentia-se tímida, perto dela.
-- Você vai ficar no hotel -- Natasha segurou-a pelo braço -- Eu tenho algumas coisas para resolver, depois
posso te acompanhar.
Um tremor a percorreu, mas ela retrucou à altura:
-- Não precisa se incomodar. Só vamos passear aqui pelas redondezas do hotel -- não era bem a verdade, mas,
se dissesse que sairia para visitar a Pedrita, ela ficaria mais irritada ainda.
-- Mesmo que fosse somente ao redor do estábulo, vou levá-la de volta para o hotel -- Natasha estava
irredutível.
Os lábios de Carol começaram a tremer e ela levou as mãos ao rosto, chorando.
-- Você está bem? -- perguntou Natasha, preocupada -- Desculpe-me, não tive intenção de magoá-la.
-- Não se desculpe, Natasha. Eu sou mesmo uma chorona -- disse Carol, desabando novamente em lágrimas.
-- Não, por favor, não chore -- seu tom de voz mudou sensivelmente -- Eu sou uma grossa. Desculpa.
Natasha colocou um braço ao redor dos ombros dela.
Sofia saiu do estábulo puxando um belo cavalo árabe pelas rédeas.
-- Aconteceu algo? -- perguntou ao perceber que Carol chorava.
-- Estou bem -- apressou-se em responder.
-- Então por que está chorando? -- perguntou Sofia.
Natasha olhava tudo aquilo meio embasbacada. Mulheres. Chegara a pensar que as entendia e que lhes
conhecia o funcionamento do cérebro. Porém, a reação de Carol a deixou surpresa. Desatar numa choradeira
danada por tão pouco, por essa ela não esperava.
-- O que você fez para ela? -- Sofia cruzou os braços sobre o peito.
Arrancada de suas divagações, Natasha ficou olhando para Sofia.
-- Quem é você? -- perguntou, quase enfiando o dedo na cara dela.
Com uma larga passada, Carol colocou-se entre as duas.
-- Natasha, deixe-me apresentá-la. Essa é a Sofia, minha melhor amiga. Sofia, essa é a Natasha, minha irmã.
A empresária olhou-a de alto a baixo com curiosidade, e depois voltou-se para Carol, sem procurar disfarçar a
irritação.
-- Tem certeza que não quer um guia?
-- Tenho, Natasha. Não se preocupe.
-- Sabe andar a cavalo, senhorita? -- Natasha olhou para o traje de Sofia com ar de aprovação. Ao menos
estava vestida adequadamente.
Confusa, Sofia a encarou.
-- Sim, cavalgo, mas não muito bem.
-- Foi o que imaginei -- resmungou -- Não precisa ter medo. Meus cavalos são mansos e tranquilos, próprios
para novatos.
-- Obrigada, garanto que não estou com medo -- Sofia precisou respirar fundo. A personalidade dominante
dela era irritante.
Natasha virou-se para Carol, ainda séria.
-- O sol ainda vai esquentar muito. Leve o meu chapéu -- ela finalmente sorriu, ajudando-a colocar o chapéu --
Não quero que fique vermelha como um camarão.
Durante um momento elas se encararam. Natasha esticou a mão e ajeitou o cabelo dela. Carol ficou paralisada.
-- Obrigada -- disse baixinho.
Natasha ajudou Carol a montar e deu um tapinha no lombo do animal.
-- Tome cuidado -- Natasha disse, um tanto azeda.
Logo que começaram a cavalgar, Sofia olhou para Carol e fez uma careta.
-- O que foi aquilo?
Carol não entendeu.
-- Aquilo o que?
-- Essa mulher é uma arrogante insuportável. Quem ela pensa que é para ficar controlando a sua vida dessa
forma?
-- Natasha possuí um temperamento terrível quando contrariada. Mas no fundo ela está preocupada com a
gente, cavalgar sem um guia é perigoso. Quanto tempo faz que você não anda a cavalo?
-- A última vez foi no aniversário de dezoito anos da Marcela, lembra?
-- Está tentando me dizer que há quatro anos não monta a cavalo? -- Carol encarou-a, incrédula -- Infelizmente
tenho que concordar com a Natasha.
-- Relaxe. Andar a cavalo é como andar de bicicleta, a gente nunca esquece! -- ela disse, acariciando o pescoço
do animal.
-- Que Deus nos ajude! -- Carol disse baixinho.
-- Para onde vamos, Andreia? -- Sofia quis saber.
-- Me chame de Carol, por favor -- pediu.
-- Tá bom, Carol.
-- Vamos até a cafeteria da Pedrita. Prometi que voltaria hoje para conversar com ela. Ela teve um sonho bem
estranho com fantasmas e você sabe como eu gosto de ouvir essas histórias, não é mesmo?
Elas começaram a cavalgar ao longo da praia.
Natasha estava certa. A trilha era extremamente difíceis em certos trechos, mas a praia era deserta e linda,
uma vista inesquecível. Carol olhou em total encantamento para a praia calma de águas verde-esmeralda.
-- Estou achando que você está pálida, Carol!
A ruiva voltou à realidade.
-- Eu estou bem, Sofia. Não é nada.
-- Tem certeza? -- A amiga estava preocupada e fosse o que fosse que estava acontecendo, ela tinha certeza
que era algo relacionado a Natasha --Espero que esteja tudo bem mesmo. Você parece preocupada!
-- Ora, não é nada -- Carol se forçou a sorrir, desviou o olhar mas, logo em seguida voltou a fitá-la -- Acho
melhor aproveitarmos o passeio, já que a partir de amanhã só verei, mato, mato, mato.
Elas riram daquele comentário tão melancólico, e Carol deixou escapar um longo suspiro.

Mariana chegou até a porta que ficava no outro lado do saguão e saiu para a varanda, que dava vista para a
praia. A areia branquinha parecia um tapete e as águas do Oceano Atlântico, de um azul infinito.
-- Que saudade eu estava desse lugar -- estava para dar meia-volta e entrar no hotel, quando ouviu um rapaz
fazendo perguntas a um garçom sobre Carolina, a irmã de Natasha. Cautelosamente se aproximou e procurou
por um lugar junto a eles que não chamasse a atenção.
-- Foi um milagre a chefe ter encontrado a irmã -- disse o garçom -- Depois de vinte anos, todos acreditavam
que ela estava morta.
-- Essa ilha é fenomenal, Natasha Falcão deve ter tanto dinheiro que não sabe o quanto -- ao falar, seus olhos
brilhavam, com ganância e inveja -- Andreia se deu bem.
O garçom parecia prestes a dizer alguma coisa, mas apenas meneou a cabeça, pediu licença e saiu.
-- Perdoe a intromissão -- Mariana parou ao lado do desconhecido -- Não pude evitar ouvir o que falavam, e
devo dizer-lhe que seu comentário sobre Natasha Falcão foi muito pertinente -- com um sorriso amarelo
Mariana se apresentou -- Eu me chamo Mariana, muito prazer.
O rapaz hesitou em continuar a conversa, mas não resistiu.
-- Não há necessidade de pedir desculpas -- Simpático, ele estendeu a mão para cumprimentá-la -- Muito
prazer, me chamo César.

Créditos:

https://www.huffpostbrasil.com/2015/09/30/sim-e-perfeitamente-possivel-que-uma-mulher-esteja-gravida-
sem_a_21689663/
https://brasil.babycenter.com/thread/39915/gravidez-menstruando-normalmente#ixzz5Hp73QYr1

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Capítulo 40 -- O sonho de Pedrita por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 40 

Mariana recolheu a mão que havia estendido. 

-- Você é amigo da Carolina? -- perguntou ela, jogando seu cabelo longo e macio para trás e endireitando os
ombros. 

-- Sou o namorado dela -- ele disse, com uma voz que demonstrava orgulho consigo mesmo -- Você conhece a
Carolina? 

-- Na verdade, não conheço muito bem a Carolina -- Mariana encostou-se ao parapeito da varanda -- Sou a
namorada da Natasha -- ela entrecerrou os olhos, olhando-o com atenção -- É muito bom conhecê-lo. Não sei
se sabe que Carolina e eu tivemos alguns problemas, ultimamente. Estou tentando, sem sucesso, superar as
divergências que nos impedem de sermos amigas -- virou-se para olhar o mar -- Quem sabe você possa me
ajudar. 

-- Ajudar de que forma? -- perguntou o homem surpreso e lançou um olhar receoso para a bela mulher que
acabara de conhecer. 

-- Você poderia servir de ponte entre nós duas. Gostaria de verdade que fossemos amigas. 

César ficou surpreendido com Mariana. Se perguntou se por trás do pedido da moça havia algum outro
motivo oculto e não tão nobre como aquele. 

-- Vou conversar com a Carolina, quem sabe combinamos um jantar para amanhã à noite -- disse César com
firmeza -- Agora, se me dá licença... 

Mariana franziu as sobrancelhas, piscou várias vezes e impediu que César se afastasse, segurando seu braço
com firmeza. 

-- Você está mentindo para mim, César -- Mariana lançou um olhar ameaçador para o rapaz -- Desembucha, vai. 

César quase morreu diante daquele olhar feroz. 

-- Não estou mentindo -- insistiu. 

-- Então me diga, onde estará a Carolina amanhã à noite? Se você é realmente o namorado dela, com certeza
deve saber. 

Diante da situação, César foi obrigado a confessar a verdade. 

-- Eu era o namorado dela -- ele mordeu o lábio, envergonhado e nervoso -- Faz três meses que terminamos --
confessou. 

Mariana começou a andar em círculos pela varanda. Estava irritada, mas sabia que ele, mesmo sendo
um ex namorado, seria um poderoso aliado. 

-- Tudo bem. Eu também sou a ex da Natasha -- confessou, parando de andar por um momento -- Portanto
estamos quites. 

César apoiou os cotovelos sobre o parapeito da varanda e apoiou a cabeça nas mãos. 

-- Somos dois idiotas, um querendo enganar o outro. Também levou um pontapé na bunda? 

Mariana mediu-o dos pés à cabeça e sorriu com desprezo. 

-- Não sou mulher de levar pé na bunda -- disse irritada -- Fui eu que terminei o namoro. 

-- E agora está correndo atrás? Quanta burrice! -- César riu com ironia e se reclinou melhor sobre o parapeito
da varanda. 

-- Você é um ogro. Não foi à toa que a Carolina te deu um fora -- ela bufou -- Mesmo assim, quero que você me
leve até ela. 

César coçou a ponta do nariz e balançou a cabeça. 

-- Ela não sabe que eu estou aqui e tenho certeza que quando souber, vai me botar pra correr. 

-- Eu não acredito! -- ela disse, indignada -- Então o que faz aqui, criatura? 
Depois de olhar para ele durante alguns segundos, Mariana pareceu entender o verdadeiro motivo de ele ter
aparecido na Ilha do Falcão. César está interessado em nada mais do que no dinheiro da ruiva. 

-- Agora entendi. 

-- Entendeu o que? -- ele perguntou curioso. 

-- Você é um homem mentiroso e interesseiro. Veio atrás da fortuna dos Falcões. 

-- É provável -- falou tenso -- Não sou bobo, Mariana. Conheço uma mulher inescrupulosa a quilômetros de
distância. Você está aqui pelo mesmo motivo. 

César era muito mais esperto do que ela pensara. Quem sabe ficando juntos encontram uma solução para o
problema de ambos. 

-- Maneire seu linguajar, César -- ela estalou os dedos para um dos garçons que passavam por ali e pegou duas
taças de champanhe oferecida numa bandeja -- Vamos comemorar a nossa aliança. 

-- Temos uma aliança? 

Mariana entregou-lhe uma das taças e sorriu para ele. 

-- Eu ajudo você a recuperar a Carolina, você me ajuda a recuperar a Natasha. Então, o que acha? 

César balançou a cabeça lentamente. 

-- Acho que não tenho outra saída. 

-- Com certeza, não tem -- ela levantou a taça de champanhe propondo um brinde -- À nossa parceria! 

Carol levantou o chapéu para secar o suor da testa. 

Era uma dessas manhãs de fim de semanas quentes e sufocantes. O céu exibia o mais belo tom de azul, sem
uma única nuvem. 

A praia do centro, era a parte mais cara da Ilha do Falcão, estava sempre cheia de pessoas bonitas. Carol
pensou que, se alguém quisesse ver as pessoas ricas em ação, aquele era o lugar. O preço das hospedagens
era astronômico, como os iates ancorados no porto. 

Sofia fez uma careta para a amiga. 

-- Não aguento mais esse papo de: Natasha e seu lindo sorriso, seus olhos maravilhosos, seu sotaque
irresistível, seu corpo de deusa. 

Carol riu enquanto desmontava do cavalo. 

-- E é mentira? 

-- Abre o olho, amiga -- disse Sofia séria -- Segundo as fofocas nas redes sociais, ela parece ter uma mulher
diferente para cada dia da semana -- ela desmontou e entregou as rédeas para um simpático rapaz que as
recepcionou sorrindo. 

-- Só faltou você dizer que na segunda-feira, uma morena. Terça-feira, uma loira. Quarta-feira, uma negra.
Quinta-feira uma ruiva. Sua bobinha, não se deve acreditar em tudo o que esse povo posta nas redes.  

Carol riu novamente, desta vez mais alto e Sofia deu-se por vencida.  

-- Bem, então só me resta torcer para que as fofocas sejam mesmo mentiras. 

-- Ou, que quinta-feira seja mesmo o dia das ruivas. 

Elas riram juntas. 

-- Algo me dizia que essa história não acabaria bem -- mais ou menos uma semana, ela começou a perceber que
Carol estava apaixonada por Natasha. Essa situação era por culpa dela mesma. Carol tinha mudado as regras
sem mesmo perceber. Ela a estava amando enquanto Natasha apenas gostava dela como irmã. O olhar de
Sofia se fixou na amiga e quando falou, sua fisionomia demonstrava grande preocupação -- A mentira tem
sempre data de vencimento, pois é muito difícil de se sustentar. Trair as pessoas é um dos atos mais
detestáveis que o ser humano pode fazer. Natasha vai descobrir e quero estar bem longe quando isso
acontecer. 

Carol sabia que a amiga tinha razão e temia que a qualquer momento Natasha descobrisse toda a verdade. A
última coisa que queria era ser odiada por ela. Era por isso que temia lhe contar.  
Carol entregou as rédeas de seu cavalo para o rapaz e olhou fixamente para o enorme imóvel marrom que
servia como cafeteria. Parecia de alguma maneira, acolhedora. Como se o prédio estivesse esperando por ela. 

A cafeteria ficava na parte de trás de uma praça florida e bem cuidada, diversas árvores ofereciam sombra aos
banhistas. Ela respirou fundo, sentindo o cheiro de maresia que vinha do mar, a apenas alguns metros de
distância.  

-- Sabe Sofia, eu sempre me considerei uma mulher urbana. Feliz por morar em uma cidade como o Rio de
Janeiro, amava a correria das pessoas, as buzinas, enfim, todo aquele agito maluco. Hoje eu não me vejo longe
dessa ilha deslumbrante do sul do Brasil. Longe do aroma das flores, da areia, da gente hospitaleira, do
cheiro do mar. 

-- Fala sério! Confessa que o cheiro que você mais vai sentir falta, é o de uma certa empresária gostosona. 

Carol riu baixinho, antes de responder. 

-- Também. 

Pedrita sorriu ao ver as duas amigas chegando, animadas.  

-- Seja bem-vinda, minha querida. Pensei que não viesse. 

-- Imagina se não. Quase nem dormi de tanta curiosidade -- Carol abraçou calorosamente a mais nova amiga. 

Sem esperar as apresentações, Sofia adiantou-se e tomou a mão de Pedrita. 

-- Me chamo Sofia. Sou amiga da Carol. 

-- Muito prazer, Sofia. Estou feliz por tê-la entre nós -- Pedrita sorriu ao cumprimentá-la -- Devem estar
exaustas e morta de calor. Venham tomar um copo de suco bem gelado -- a proprietária da cafeteria
enganchou o braço no de Carol e levou-a até a porta -- É um prazer revê-la, Carol. Tem certeza que a
comandante Falcão não a seguiu? 

Carol riu da forma como Pedrita se referiu à Natasha. 

-- Tenho certeza! Ela está muito ocupada para ficar vigiando a irmã. 

-- Ótimo. Então vamos entrar -- convidou, Pedrita. 

Afirmando com a cabeça, Carol e Sofia seguiram a moça até o interior do café. 

Leozinho abriu a porta e recuou um pouco, para que Natasha entrasse em sua suíte, chutando os móveis. 

-- Ela me desobedeceu, Leozinho. Você acredita que ela me enfrentou e não desistiu da ideia de sair a cavalo
pela ilha -- Natasha sentou-se na poltrona com seu cabelo castanho bagunçado preso, por baixo de um gorro
com as cores de Portugal -- E ainda por cima, na companhia de uma mulher desconhecida. 

-- Desconhecida? De onde apareceu essa mulher? -- perguntou Leozinho, visivelmente preocupado. 

-- Uma tal de Sofia, amiga de longa data. 

-- Ah, tá! Que susto, então ela não é uma desconhecida. 

-- Eu não a conhecia. Para mim ela é uma desconhecida. Tô certa ou errada? 

Leozinho riu e balançou a cabeça. A chefe estava com ciúme.  

-- A Sofia é bonita? 

-- É -- sussurrou. 

-- Hum, tá explicado. É ciúme. 

Natasha ergueu a cabeça e arregalou os olhos verde como uma floresta. 

-- Ciúme uma pinoia! Eu sou linda, sexy, poderosa, irresistível. Deus foi extremamente generoso comigo em
todos os sentidos. Vou ter ciúme daquele sapo-cururu? Jamais! -- um estranho sentimento, a invadiu e a
deixou chocada. Estava com ciúmes? Antes de Carol nunca sentiu ciúmes ou foi possessiva com uma mulher.
Até mesmo quando estava com Mariana, tais sentimentos nunca a incomodaram. Mas, pensar em Carol nos
braços de outra pessoa, a deixou angustiada! -- Talvez você esteja certo em uma coisa. Não quero que ela se
envolva com outra pessoa, isso só atrapalharia os meus planos. Agora, dizer que é ciúme, já é demais. 

Por que tudo isto tinha que acontecer? Ela se perguntou, levantando-se e começando a andar pela sala,
parando para olhar as fotos de uma família feliz em molduras dispostas, na estante. Mostravam pais
orgulhosos de suas filhas. Nada disso aconteceria se, a verdadeira Carolina tivesse aparecido antes. 

-- Aqui está o suco -- Pedrita indicou, deixando os copos sobre a mesa.  

-- Obrigada -- Carol agradeceu, sorrindo -- Ontem você me contou que sonhava constantemente com o nosso
pai e que ele falava em reencarnação. Esse é um assunto tão importante pra mim, eu gostaria de saber mais e
mais. 

-- A reencarnação é uma crença presente em diversas religiões, mas que têm divergências de acordo com o
local onde se vive. É um tema polêmico e mesmo nas religiões milenares e ancestrais não se encontram provas
lógicas de sua existência, mas os indícios são muitos. Para os espíritas, reencarnação é o processo pelo qual
o espírito, estruturando um corpo físico, retorna, periodicamente, ao polisistema material. Esse processo tem
como objetivo, ao propiciar vivência de conhecimentos, auxiliar o espírito reencarnante a evoluir. 

-- Tenho uma curiosidade. É possível reencarnar na mesma família? 

-- É possível, isso acontece e muito. Somos conduzidos pelos gostos, pelas semelhanças, pela lei de afinidade.
Logo esses fatores são predominantes na escolha da família, o que significa dizer que realmente ficamos
próximos dentro de um mesmo grupo. Ressaltando que a escolha da família se dará de acordo com as nossas
maiores necessidades, como espíritos imortais que somos -- Pedrita fixou os olhos no seu copo com suco de
morango -- Nesse sonho recorrente, o pai de vocês vem, em espírito, até o meu quarto acompanhado de outro
espírito, uma mulher. Ele senta-se ao meu lado e, de mãos dadas, me convida para ir com ele até o lugar onde
ele deverá reencarnar. É sempre três horas da manhã do dia 28 de novembro de 2018. 

-- A data está próxima -- afirmou Sofia, muito interessada na conversa. 

-- Sim, daqui há seis meses -- respondeu Pedrita. 

-- E aí, Pedrita. Você já foi até esse lugar? -- o olhar de Carol continuou fixo em Pedrita quando tomou um gole
do suco. 

-- A mulher mandou que segurássemos firmemente nas mãos um do outro e voamos pelo espaço,
acompanhados e envoltos em uma espécie de transporte eletromagnético. A gente, é transportado. Esses
voos às vezes parecem longos e começa a dar uma sensação de que não terminará, mas, finalmente,
pousamos em uma pequena cidade do Rio Grande do Sul, cujo nome tem quatro letras. Caminhamos até a casa
onde ele deveria reencarnar.  

-- Que legal! Um gaúcho. 

-- Você mora no Rio Grande do Sul, Sofia? 

-- Nasci no Rio Grande do Sul e me mudei para o Rio de Janeiro quando tinha dezoito anos. Meus pais é que
continuam morando lá.  

-- Continua, Pedrita -- pediu Carol -- Estou ansiosa. 

-- Ah, claro! -- deu uma risadinha e prosseguiu -- Eu estava em estado de êxtase, sem acreditar muito que aquilo
estava ocorrendo, mas feliz. Naquele momento, eu tinha muitas perguntas a fazer sobre o processo de
reencarnação, mas não dava mais tempo. Ele tinha que reencarnar naquele instante. Não sei se foi ele quem
escolheu ou se foi forçado a isso, mas o certo é que ele queria concretizar logo e a futura mãe já estava em
trabalhos de parto. 

Chegamos à pequena casa de poucos cômodos, mobília simples, tudo muito limpo. Apesar de ser noite e tudo
estar escuro, não tínhamos problemas de ver tudo com clareza. Minha curiosidade ascendeu e comecei a
olhar os poucos quadros na parede para ver alguma coisa da família, mas nada era conhecido. 

Seu pai foi levado para o quarto do casal e eu fui levada para fora da casa onde havia muitos espíritos, todos
vestindo branco, ninguém que eu me lembrasse conhecer. 

Ninguém dirigiu uma só palavra para mim, era como se eu não estivesse ali. Todos estavam em pé, em silêncio,
como se estivessem em oração, virados na direção do quarto do casal. De repente ouvi um barulho dentro da
casa, e o choro do bebê fez todos os espíritos aplaudirem. Nunca tinha visto ninguém aplaudir um
nascimento nem sei por que seu pai teve esse merecimento ou se é assim a cada reencarnação. Fiquei muito
emocionada naquele momento. Ninguém teve a permissão de entrar na casa. 

Fui para o lado da frente da casa, querendo achar o nome da rua, algo assim. O dia estava amanhecendo. O
espírito que me conduzia disse baixinho: ele será o primeiro filho dessa mulher e virá ao mundo para trazer
paz aos corações. Está na hora da gente voltar para o seu corpo. Sem que desse tempo de pensar,
começamos a voar de volta para minha casa. Dei uma última olhada na cidade gaúcha, que nunca estive nela
nesta vida. 
O espírito que me acompanhava bateu levemente em minhas mãos e senti meu corpo espiritual adormecer.  

Sonho ou realidade, esta viagem foi um presente que nunca imaginei receber. Todos os meus conhecimentos
sobre reencarnação foram resumidos e ao mesmo tempo, ampliados. Já tinha a certeza, mas nunca imaginei
presenciar uma e ainda mais de uma pessoa conhecida.  

-- Se ele pode escolher, por que escolheu nascer tão longe da sua família? -- perguntou Sofia.  

-- É muito cedo para saber se haverá algum encontro no futuro. A única coisa que sei é que, algo muito
importante está para acontecer. 

Enquanto voltava para o hotel, Carol viu-se pensando em tudo o que Pedrita havia contado. O sonho, a
reencarnação, pareciam coisas tão fantasiosas e irreais que por mais que tentasse não conseguia levar a
sério. 

-- O que você achou do sonho recorrente da Pedrinha? Meio utópico, não é mesmo? 

-- Confesso que eu não acreditava em reencarnação. Quando ouvi sobre o assunto pela primeira vez, eu me
perguntava como as pessoas podiam acreditar nesse absurdo, entretanto após ler muito sobre o assunto
encontrei muitas evidências que me convenceram. Agora eu acredito na reencarnação, porque as razões para
isto, são muito grandes. 

-- A Natasha não acredita. Ela disse que a Pedrita é uma bruxa -- disse Carol em tom de brincadeira. 

-- Ah, tá. Em bruxa ela acredita. A Natasha é uma idiota -- Sofia revirou os olhos -- Por falar em Natasha, ela já
deve estar convulsionando de raiva. 

-- Verdade. Estou ficando nervosa -- Carol olhou para o relógio mais uma vez -- Ela vai me matar. Eu disse que
ficaria tarde, mas você é uma teimosa. Tinha que querer provar a *Fortaia da Pedrita. 

-- Me diz se não valeu a pena! Estava uma delícia -- Sofia sorriu e piscou os olhos castanhos -- Olha Carol, você
sabe que conselho pra amigo se dá uma vez só. Se ele não seguir, tem que se ferrar pra aprender. Então
escuta bem o que vou lhe dizer. Agindo dessa forma como uma coitadinha, tansa e submissa, a Natasha nunca
irá se apaixonar por você.  

Carol franziu a testa, tentando pensar sobre onde ela queria chegar com aquela conversa. 

-- E de que forma você acha que tenho que agir? 

-- Primeiro; falar a verdade, porque ela jamais vai se apaixonar pela irmã. Segundo; pessoas arrogante e


prepotentes como a Natasha, devem ser levadas no cabresto, com antolhos.  

-- Que horror, Sofia. Você é literalmente aquela amiga que dá conselhos sobre relacionamentos e tá sempre
solteira. 

-- Por opção, querida. 

-- Acho que por ruindade -- retrucou Carol. 

-- O que você me diz da tal Mariana! Ela mandava e desmandava na Natasha. Não é mesmo? Então. 

-- Pensando bem, a Natasha comia um vagão de alfafa por ela -- era muito arriscado seguir o conselho de Sofia,
mas concordava ser uma boa ideia -- Eu vou fazer o que falou. 

-- Vai? -- Sofia indagou, admirada. 

-- Vou. Só não vou contar a verdade, pelo menos nesse momento. O doutor Vicente me falou que semana que
vem, o coma induzido do meu pai vai ser interrompido devido a melhora do quadro clínico dele.  

-- Que noticia maravilhosa!  

-- Estou tão feliz, amiga. Assim que ele estiver fora de perigo, abro o jogo com a Natasha e seja o que Deus
quiser. A partir do momento que você faz uma escolha, você é obrigado a conviver com as consequências
dela. E é dessa forma que vou encarar a minha punição. Posso ter mentido sobre todas as outras coisas, mas
não mentirei ao declarar o meu amor por ela. 

-- "Que os Jogos Vorazes comecem e que a sorte esteja sempre em seu favor" -- disse Sofia apontando com um
dedo para a figura encostada na parede de madeira do estabulo.  

Assim que avistou Natasha, Carol ficou sem ar. 

-- Ai meu Deus! 
 

Fortaia: Um tipo de omelete, feito com ovos, queijo ou salame, pimenta e azeite. 

Créditos: 

http://bemzen.uol.com.br/noticias/ver/2013/03/11/880-espiritismo-reencarnacao 

https://evangelhoespirita.wordpress.com/capitulos-1-a-27/cap-4-ninguem-pode-ver-o-reino-de-deus-se-nao-
nascer-de-novo/os-lacos-de-familia-sao-fortalecidos-pela-reencarnacao-e-rompidos-pela-unicidade-da-
existencia/ 

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Capítulo 41 -- Reggae Night por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 41 

Natasha encontrou-as perto da porta. Parecia irritada, como sempre, e não foi menos antipática com Sofia.
Natasha nada comentou, e pela sua expressão, Carol deduziu que ela as aguardava há bastante tempo. 

-- Aonde você estava? -- perguntou ela, se aproximando do cavalo e pegando as rédeas -- Sabe que horas são?
Esqueceu que temos uma festa? -- Carol não respondeu, sua expressão era enigmática, e ela simplesmente
estendeu a mão para Natasha ajudá-la a descer do cavalo. 

-- Você não escutou o que eu perguntei? 

-- Escutei Natasha -- Carol respondeu enfadada -- A festa é onze horas da noite. Faltam exatamente doze horas
para começar. Você acha que não vai dar tempo? 

Num esforço supremo para se controlar, Natasha entregou as rédeas do cavalo para o senhor Saulo. 

Sofia deu uma risadinha. Carol estava realmente seguindo o seu conselho, porém, lembrou de uma frase que
sua mãe costumava dizer: "Nunca acenda um fogo que não possa apagar". 

-- Por que está rindo de mim? -- Natasha perguntou sem disfarçar um tom de irritação. 

Sofia não teve pressa em responder. Entregou as rédeas do cavalo para Saulo. Só depois de ajeitar as roupas,
disse: 

-- Não estou rindo de você, estou rindo da cena ridícula que você está fazendo. 

-- Olha aqui sua... -- Natasha ficou toda ouriçada. 

Em um segundo Carol estava ao lado de Natasha, segurando-a pelo braço levantando o queixo em um
gesto enérgico. 

-- Comporte-se, Natasha! -- depois, virou-se para Sofia e disse de maneira firme -- Acho melhor você voltar para
o hotel. Nos vemos à noite na festa. 

Sofia encolheu os ombros e antes de sair deu uma risadinha irritante. 

-- Essa mulher está me provocando -- o ódio faiscava em seus olhos -- Vou jogá-la ao mar para que os tubarões
a devorem. 

Carol suspirou e balançou a cabeça. Ela parecia uma pirata malvada, mas a intrigava tanto que estava se
divertindo. Como herdeira bilionária, Natasha se acostumara a ter as pessoas se desdobrando para agradá-la. 

-- Você está sendo ridiculamente infantil, Natasha -- Carol começou a caminhar. A empresária deu um passo
para o lado para ela poder passar -- Vou até o posto de saúde conversar com a Talita. Nos encontramos na
festa. 

-- Espera! Eu te levo até o posto. Você deve estar cansada. 

O tratamento carinhoso pegou Carol de surpresa, mas, mesmo assim, retrucou: 

-- Não precisa, eu posso muito bem ir caminhando. 

-- Eu insisto -- ela sorriu, sem nenhum constrangimento -- Meu carro está logo ali, atrás do estábulo. 

Carol enfim, concordou, meneando a cabeça, incapaz de falar, mas sem deixar de fitá-la. 

-- O que você tem para conversar com a Talita? -- Natasha perguntou, enquanto caminhavam até o carro. 

-- Quero realizar alguns exames. Vou pedir para ela solicitar para mim. 

Com os olhos cheios de preocupação, Natasha virou-se para ela e a tocou no braço. 

-- Você está doente?  

-- São apenas exames de rotina. Não precisa se preocupar. 

-- Ótimo. Assim fico mais tranquila para mandar você para a Ilha Carolina. 
Carol assentiu, mas sua expressão tornou-se triste. Não queria ficar longe de Natasha, queria um lugar
especial no seu coração, na vida e no futuro dela... 

Carolina colocou a mão sobre a testa para bloquear a claridade. Já fazia uma semana que parte do telhado da
cabana havia despencado e apesar de ter que ficar com o gesso ainda por um longo tempo, seus ferimentos
estavam quase cicatrizados. 

Levantara bem cedo, pegou as muletas e foi dar um passeio pelas redondezas. Quando passou em frente ao
ambulatório decidiu entrar e fazer uma surpresa para Talita. 

Entrou no prédio e foi direto ao balcão de recepção.  

-- Bom dia, moça bonita -- disse, encostando-se ao balcão -- A doutora Talita está? 

-- Bom dia! -- a recepcionista esboçou um leve sorriso e respondeu com simpatia -- A doutora Talita está no
consultório atendendo uma senhora. Assim que ela terminar, aviso que você está aqui. 

-- Obrigada. Vou sentar... 

Carol entrou apressada no ambulatório e levou um susto, quando de repente, esbarrou-se em uma moça que
caminhava com uma certa dificuldade e amparada por muletas. 

-- Desculpa! Meu Deus, como sou desastrada -- a estranha ergueu as sobrancelhas e fitou-a com um ar
assustado -- Estou com um pouco de pressa. 

Carolina piscou várias vezes antes de olhar de novo para a mulher. Ela a reconheceu de imediato. Andreia
Dias! O coração de Carolina disparou ao olhar para a mulher que estava se passando por ela. Tinha os
cabelos ruivos e olhos castanho-claros como os seus. Seu rosto pálido tinha menos sardas, mas não podia
negar uma certa semelhança entre as duas.  

-- Tudo bem! -- disse Carolina baixinho, a voz estrangulada pela tensão -- Com licença. 

Carolina foi sentar-se em uma cadeira no canto da sala. De longe ficou observando Andreia aproximar-se do
balcão e falar algo para a recepcionista. A moça de imediato pegou o telefone e ligou para alguém. Em
instantes, Talita apareceu na porta. Recepcionista babaca! Xingou, baixinho. Para ela a Talita estava ocupada,
agora para a irmãzinha falsa da Natasha, a doutora estava disponível e cheia de mimos.  

Talita levantou os olhos, surpresa, mas acabou dando um sorriso comedido. 

-- Carol, a que devo o prazer de sua visita? -- apesar das palavras cordiais, o tom revelava desconfiança. 

-- Está ocupada? Estou precisando muito conversar. 

Talita franziu a testa, estranhando. 

-- Claro. Vem comigo. 

-- Doutora -- a recepcionista a chamou -- Tem uma moça aguardando ser atendida. 

Talita olhou para o canto da sala e arregalou os olhos. Respirou fundo, tentando se acalmar e pensar
racionalmente. Aquele encontro de Carolinas era estranho. 

-- Ah! -- ela sorriu e acenou para a verdadeira Carolina -- Pode esperar um pouco? 

Carolina fez sinal de positivo e ficou olhando pensativa enquanto Talita e Carol entravam no consultório. O
que será que esse mau caráter tem para conversar com a minha doutora? Hum, não estou gostando nada
disso. Pensou. 

Natasha abriu a porta e recuou um pouco, para que Elisa entrasse na frente. 

-- Você vai na festa hoje à noite? Está precisando sair um pouco da toca. 

-- Lógico que vou a festa. Quem sabe encontre a metade da minha laranja -- disse Elisa, a voz estridente e cheia
de entusiasmo.  

-- Você não precisa achar a metade da sua laranja, Elisa. Você é uma laranja inteira, então você só precisa
achar alguém que te chupe bem. 

Elisa dirigiu um olhar congelante para Natasha. 

-- O que foi, não gostou? Era para ser um elogio. 


-- Mas soou como uma malcriação -- reclamou a jovem senhora. 

Ignorando o protesto, Natasha continuou: 

-- Debaixo dessa máscara, existe uma mulher diabólica que precisa de alguém que a jogue no chão e pule em
cima... 

-- Que besteira é essa que você está falando? -- ela retrucou indignada -- Olha o respeito! 

Natasha deu um sorrisinho cínico e sentou-se em sua cadeira. 

-- Nesse momento, a Carol está lá no ambulatório fazendo alguns exames. Queria tanto saber que exames são
esses - ela olhou para cima, pensativa - Odeio não ter o controle da situação -- levou a caneta a boca e mordeu
a tampa com força. 

-- Carol está doente? -- perguntou Elisa, preocupada. 

-- Segundo ela, apenas exames de rotina. Não engoli essa história, sou muito desconfiada e esperta. 

-- Hum, o que você acha que é? 

-- Alguma doença venérea. 

-- Sua esperteza me assusta, minha filha -- Elisa caminhou até a porta e deu uma última olhadela em volta da
sala para ver se tudo estava em ordem - Ao invés de ficar só pensando em vingança, você deveria dar mais
importância as coisas de Deus. Não precisa ser médium nem ter visões para ouvir a voz dele! Deus fala com
você todos os dias, de muitas maneiras. Você só precisa aprender a ouvir. 

Antes que Elisa saísse da sala, Natasha perguntou: 

-- Só por curiosidade, Elisa. Desde quando você recebe mensagens dos espíritos desencarnados? 

-- Desde a adolescência -- com os olhos distantes, Elisa lembrou-se do passado -- Após sofrer um acidente, saí
do meu corpo, vi um anjo e assisti aos meus familiares e amigos chorando por mim. O meu corpo estava sendo
operado e minha alma assistia a tudo, do alto. Minha alma saiu do meu corpo e voltou. Depois desse evento,
passei a receber mensagens de irmãos desencarnados. Quase sempre enviado a um ente querido
inconformado. 

Natasha se levantou e coçou a cabeça. Elisa estava dizendo a verdade, ou o que acreditava ser a verdade. Mas
era tão difícil acreditar naquela história de poderes paranormais. 

-- Você não acredita, não é? -- indagou Elisa, ainda na porta.  

-- Acho que você está convencida que possui esse dom de falar com espíritos -- Natasha começou a caminhar
de um lado para outro -- Não sou inclinada a acreditar nesse tipo de coisa, Elisa. 

A senhora assentiu, com expressão infeliz. 

-- Eu sei. Mas, Deus nunca desiste de nós! Mesmo quando nos afastamos da sua presença, Deus nunca abre
mão da nossa vida! Você já desistiu de orar, não lê mais a Bíblia e fugiu dos compromissos com a sua religião.
Mas saiba que Deus não desiste de você! O sonho Dele é que você volte a caminhar em sua presença e se
arrependa dos seus pecados dia após dia, até que o amor dele te transforme de dentro para fora. Um dia,
tenho certeza, você vai voltar pra casa do pai. 

Elisa saiu deixando Natasha séria e pensativa. Lembrou da infância, e dos domingos que nasciam diferente de
todos os outros dias, era dia de missa. A igreja, atrás do hotel, foi fechada logo após o acidente que tirou a
vida do casal Falcão. A missa de sétimo dia encerrou de vez as celebrações da igrejinha. As portas foram
lacradas, e nunca mais abertas. 

A porta se abriu, Talita e Carol saíram do consultório e foram até a recepção. 

-- Por favor, Fernanda. Quero que leve a senhorita Carol até o laboratório. Solicitei alguns exames de sangue
que devem ser coletados ainda hoje. 

-- Claro, doutora. 

Talita virou-se para Carol com as folhas de requisição na mão. 

-- Por ser sexta-feira, talvez eu não consiga entregar o resultado dos exames antes da partida de vocês para a
Ilha Carolina, mas prometo enviar por e-mail assim que o laboratório liberar. 

-- Tudo bem, Talita. Não é nada urgente -- Carol deu-lhe um beijinho em cada lado do rosto -- Obrigada. Nos
vemos mais tarde. 
Assim que Carol saiu, acompanhada pela recepcionista, Talita debruçou-se no balcão. 

-- Levanta a cabeça princesa, senão a coroa cai -- Carolina parou ao seu lado, sorrindo -- Ou você é uma
grande atriz, ou gosta realmente, da facínora. Aqueles beijinhos foram cômicos. 

Talita mordeu o lábio. Seus olhos se estreitaram pensativos. 

-- Não sei o que dizer, mas não consigo sentir raiva dela. Algo em Carol me transmite credibilidade. 

Carolina não pôde evitar uma leve gargalhada.  

-- Você só pode estar brincando. Essa mulher é uma mentirosa, chefe de uma quadrilha de estelionatários.
Você já parou para pensar se eu não aparecesse? Sabe-se lá o que eles fariam com a coitada da minha irmã. 

Dessa vez foi Talita que não pode evitar a gargalhada. 

-- Não seja dramática, Carolina. É grave o que eles fizeram? É grave, sim. E merecem punição, mas chamar a
Natasha de coitada, já é demais -- Talita pegou o cotovelo de Carolina em um aperto surpreendentemente
gentil quando a guiou para a porta -- Mas, "mudando de saco pra mala", o que você faz andando com muletas
por aí? 

-- Vim te buscar. Decidi fazer um mimo. 

Talita riu e balançou a cabeça. 

-- Carolina, Carolina. Toma jeito, garota. 

Depois do banho, Carol acabou de secar os cabelos e saiu do banheiro enrolada na toalha. Vestiu-se
calmamente e cuidou dos detalhes sem pressa. 

Carol estava linda, a maquiagem leve, o cabelo ruivo presos na nuca, os lábios vermelhos sensuais. O vestido
leve em tom coral moldava seu corpo perfeito e contrastava com os olhos castanhos. As discretas joias
completavam o modelito leve e jovial, formando uma imagem encantadora. 

Calçou as sandálias próprias para caminhar na areia e saiu da suíte, acompanhada de Marcela e Sibele. No
corredor encontraram-se com Sidney, Leozinho e Sofia.  

-- Fico feliz em saber que não desistiu da festa. Achei que não estivesse com disposição depois de hoje pela
manhã -- comentou Sofia. 

-- O que aconteceu hoje pela manhã? -- perguntou Marcela enquanto entravam no elevador. 

-- Nada demais -- respondeu Carol, sem a menor vontade de conversar -- Apenas saímos para cavalgar e acho
me cansei demais com esse passeio. Entretanto, com algumas horas de descanso à tarde, estou novinha em
folha. 

-- Você continua a mesma molenga de sempre -- Marcela sorriu de forma maldosa. 

-- E você continua a mesma idiota de sempre -- Sofia retrucou, tentando disfarçar seu nervosismo. Marcela era
irritante, terrível, coração de pedra. Sentia pena de Andreia por ter que conviver com uma pessoa tão má. 

-- Deixa pra lá, Sofia. Não vale a pena se estressar com a Marcela. 

Quando a porta do elevador se abriu, eles aceleraram o passo e seguiram caminhando na frente de Marcela e
Sibele. 

-- Não sei como você aguenta isso, Carol -- Sofia não escondia a sua indignação. 

-- Tomara que lá na ilha tenha bastante perereca -- disse Sidney, sorrindo -- Quero soltar várias no quarto
dela. 

-- Pena que não estarei lá para ajudar -- a mão de Sofia tocou, de leve, no ombro de Sidney. 

-- Vou fazer de conta que não ouvi isso -- Carol riu, com vontade. 

Caminharam em silêncio para o espaço destinado a festa.  

A banda de reggae tocava um dos sucessos de Jimmy Cliff, o que deixava a pista de dança improvisada, lotada
de pessoas dançando animadas enquanto outros apenas assistiam de suas mesas. O ritmo da música
jamaicana tem a capacidade de hipnotizar o público com uma dança de casais mais lenta e sensual, ou um
ritmo mais agitado da guitarra, que tem a função de dar a ginga ao reggae. 
Natasha começou a caminhar em direção à pista, mas virou-se logo em seguida ao ouvir seu nome. 

-- Era só o que me faltava -- resmungou. 

-- Ranzinza como sempre -- Mariana descansou a testa no ombro dela -- Está sozinha esta noite? 

-- Estava. Até você chegar -- Natasha se virou e examinou a massa de gente que se amontoava na pista
improvisada em frente ao palco. 

-- Nunca vi a Ilha tão cheia. 

-- É véspera de feriado, a ilha está repleta de turistas vindos de todas as partes do país e do mundo. 

Natasha passeou impacientemente o olhar pelo local. Entre os convidados havia argentinos, portugueses e
americanos. As garrafas de champanhe espalhavam-se pelas mesas, em meio a doces e salgadinhos de todos
os tipos.  

Andreia e Sofia deram alguns passos adiante para observar a banda que se apresentava. Em um palco
montado na areia, cinco homens tocavam guitarra, bateria, baixo, teclado e alguns instrumentos de
percussão. O vocalista sorria e andava pelo palco enquanto cantava Reggae Night com sua voz forte e alta. 

A melodia ritmada chegou aos ouvidos delas e involuntariamente reagiram movimentando o corpo
discretamente. 

-- Isso aqui está bom demais! -- Carol olhou para trás e sentiu um nó na garganta. Encolheu os ombros e soltou
um suspiro -- Não acredito que a Natasha está novamente conversando com aquela bruxa. 

-- Aquela é a tal da Mariana? Hum, ela é muito bonita. 

Carol queria gritar. Mas aquilo pareceria infantil. Então, controlou-se e falou, num tom que denotava frieza: 

-- Pode até ser bonita, mas é uma grande safada! -- maldizia o ciúme que a dominava quando via Natasha com
outra mulher. Que direito tinha de agir como namorada traída? Ela era apenas a sua falsa irmã. 

Natasha esperava com ansiedade a primeira chance de fugir de Mariana. Sentia-se cansada e mal-humorada e
os flertes dela começavam a aborrecê-la.  

Um garçom lhe estendeu um drinque que, ela aceitou sem pestanejar. Quando reunia todas as forças para
desculpar-se e anunciar que estava de saída, Mariana aproximou-se e a surpreendeu com um beijo na boca.  

Os olhares curiosos pousaram sobre elas. 

Natasha afastou-se irritada. Talvez fosse cínica por olhar para uma mulher e ver apenas o interesse dela por
seu dinheiro. Será que todas eram assim? 

-- Nunca mais faça isso! 

-- Por que não? Somos duas pessoas livres, podemos nos divertir. 

-- Ah, tá. Eu sou livre, tu és livre. Viva a livraria -- ela recuou alguns passos e falou em tom de ameaça -- Não me
obrigue a te expulsar da ilha. Fui clara? 

Mariana resmungou, jogou o copo com bebida na areia e saiu correndo. 

-- Louca! -- Assim que se virou e avistou Carol, Natasha ficou sem ar. Que linda! 

Ela caminhou em direção ao grupo de amigos. Enquanto atravessava pelo meio do aglomerado de pessoas,
deixou transparecer certo embaraço. 

Carol sentiu algo frio apertar seu peito. Apenas um segundo atrás, estava perdida em seu ciúme desenfreado.
E tinha ficado louca de raiva dela. Mas, agora tudo havia passado e ela estava de novo enfeitiçada por aqueles
olhos verdes. 

Natasha parou próxima ao grupo e virou-se para olhá-la. 

-- Você está linda, minha adorável irmãzinha! -- continuou fitando-a e tentou entender o que sentia pela mulher
ali a sua frente, que trouxe tantas emoções à sua vida. Lentamente, passou os dedos pelos cabelos dela -- Que
bom que está aqui comigo -- ela falou suavemente. 

-- Também estou amando estar aqui -- os olhos de Carol se iluminaram. 


-- A festa está animadíssima -- comentou Sofia -- Qual tipo de música que você escuta, Natasha? -- tentou ser
simpática. 

-- Todas, eu não sou surda - respondeu de forma grosseira. 

As amigas trocaram um olhar, sem dizer nada. Carol pegou uma taça de champanhe e tomou um gole antes de
comentar: 

-- Você deveria tentar ser um pouquinho mais simpática com as pessoas. Caso não consiga, seja ao
menos educada. 

-- Gente chata é igual punheta: tem que bater. 

-- Que coisa! -- Carol encostou um dos cotovelos no bar e tomou um gole de sua bebida. Olhou de relance as
pessoas sentadas em cadeiras espalhadas pela areia, a pouca distância deles. Seu olhar fixou-se numa figura
de cabelos castanho-escuros, curtos e arrepiados. Uma sensação que não lhe agradava a dominou. Ficou
atordoada por um instante, ao concluir que era Cesar, seu ex-namorado. 

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Capítulo 42 -- Não foi uma visão por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 42

Não Foi Uma Visão

A vista de Carol escureceu. Natasha a amparou antes que caísse. Com ela nos braços, dirigiu-se até a cadeira
mais próxima e sentou-se.

Sibele mesmo mancando, aproximou-se para orientar Natasha nos primeiros socorros.

-- Coloque as pernas mais altas que o corpo e a cabeça. Deixe a cabeça dela de lado, para facilitar a respiração
e evitar asfixia devido ao risco de vômito. Natasha fez tudo o que Sibele pediu. Ela aconchegou Carol de
encontro ao peito e passou a mão em seu rosto. Suas pálpebras entreabriram-se lentamente.

-- Você desmaiou, mas está tudo bem agora -- ela disse, tentando acalmá-la.

Ainda meio ofegante, a ruiva respirou fundo.

-- Já estou bem -- tentou levantar a cabeça, mas ficou tonta.

-- Espera mais um pouco -- disse Marcela -- Pode ser uma queda de pressão.

-- Você se alimentou bem, hoje? -- perguntou, Sidney -- Você costuma ficar muito tempo sem comer.

-- Passou por algum estresse? Trauma emocional ou medo? -- perguntou Sofia, aproximando-se da amiga para
tocá-la -- A Natasha é uma grossa, estúpida, insensível...

-- Ei! Pode parar. Só falta você dizer que a culpa foi minha.

-- E não foi?

-- Em pensar que uma camisinha teria livrado a gente dessa coisinha aí -- Natasha respirou fundo e em seguida
voltou a sua atenção para a ruiva sentada em seu colo -- Vou chamar a ambulância.

-- Não exagera, Natasha -- Naquele momento Carol só queria ter certeza de que era realmente César, o homem
que acabara de ver -- Eu já estou bem. Olha só -- ela pulou do colo da irmã, deu alguns passos, dois pulinhos,
rodopiou e abriu os braços -- Viu?

Natasha se levantou irritada.

-- Você está melhor que eu.

-- Acho melhor você não abusar, Carol -- Leozinho aproximou-se com o celular na mão -- Fiz uma pesquisa no
Google e aqui diz que o desmaio pode ser desencadeado por uma série de fatores. Inclusive esforço
excessivo durante a evacuação.

-- Aonde foi que eu errei meu Deus? -- Natasha deu um tapa na própria cabeça -- Acho melhor não responder
Deus.

-- Tem mais -- continuou Leozinho, sem dar importância à Natasha -- Em casos raros, um desmaio também pode
ser sintoma de tumores cerebrais, principalmente se acompanhado de outros sintomas neurológicos, como
convulsão.

Marcela revirou os olhos e disse com ironia:

- Daqui a pouco ele diz que você tem apenas alguns meses de vida.

-- Foi por isso que você foi procurar a Talita? -- perguntou Natasha com uma voz suave e preocupada -- São
episódios recorrentes?

Carol olhava desesperadamente de um lado para o outro à procura de César, o verdadeiro motivo de sua
queda de pressão, hipoglicemia, estresse, qualquer coisa que possa ter causado o desmaio. Menos o esforço
excessivo durante a evacuação. Lógico.

César não estava mais lá.

-- Não, Natasha. Não foi por isso que procurei a Talita -- Carol, colocou a mão no ombro dela -- Foi a primeira
vez que desmaiei. Isso nunca aconteceu antes -- murmurou.
-- Então, acho que está tudo bem -- Natasha observou, sentindo-se aliviada -- Vamos voltar a nos divertir.

-- Você não está preocupada com ela, sua desalmada? Ela pode estar com uma doença grave -- Sofia cruzou os
braços na altura do peito, forte indicativo de que queria provocar a empresária.

Natasha sabia disso. Ela era perito em ler a linguagem corporal, principalmente de seus adversários.

-- Ô da franja -- ela murmurou em voz baixa, esfregando a testa -- Não posso acreditar que esteja em minha ilha,
em meu hotel e não tenha medo de amanhecer com a boca cheia de formigas, minhocas e afins.

-- A boca é minha e eu falo o que eu quero doa a quem doer.

-- Sabia que quanto menor a mente, maior a boca? -- Natasha sacudiu a cabeça com zombaria -- Eu sei que por
trás dessa sua franja ridícula, existe uma testa de 42 polegadas.

-- Quem fala! Quando você nasceu, devia ser tão feia, que nem a Cuca quis te pegar -- retrucou Sofia.

-- Antes de me julgar, se olhe no espelho. Só tenha cuidado para não se cortar com os cacos -- disse Natasha,
no máximo de sua paciência.

-- Vocês duas são tão chatas! -- resmungou, Leozinho.

-- Cala a boca, Leopoldo -- Natasha, apontou para ele, mas o gerente não deu importância à ordem.

-- Só dei minha opinião.

-- Então toma ela de volta, que eu não quero.

-- Por favor, parem! -- pediu a ruiva.

Sofia virou-se para Carol.

-- Sua irmã é a culpada.

Ah, como odiava a palavra irmã. Pensou Carol. Sofia era uma mulher adorável, embora fosse impulsiva. Fora
bondosa e lhe oferecera amizade nos piores momentos de sua vida. Para uma mulher solitária como ela, isso
era muito importante. Naquela noite, porém, ela estava se superando em suas provocações. Natasha já estava
a ponto de esganá-la.

-- Sofia! -- Carol enganchou seu braço no braço da amiga -- Preciso ir ao banheiro. Vem comigo?

-- Claro, amiga -- Sofia olhou para Natasha e mostrou a língua.

Natasha ficou vermelha de raiva, os dedos se fecharam com força.

-- Mulherzinha insuportável -- disse, por entre os dentes - Só o que me resta nesse momento é ficar bêbada e
achar alguém para azucrinar -- Natasha pegou um copo de bebida da bandeja e saiu abrindo caminho entre a
multidão de turistas.

Talita pegou a bebida e olhou em torno. O local reservado para a festa estava cheio de pessoas bebendo,
rindo e dançando. O som da música era alto e as pessoas em movimento na pista de dança gritavam como
loucas. A lua brilhante iluminava o céu escuro, mostrando o oceano.

Talita tinha trabalhado muito nos últimos dias e preferia ter ficado em casa descansando em vez de ir àquela
festa. Mas, Natasha insistiu tanto e não seria gentil recusar o convite dela.

-- Adoro Reggae -- disse Carolina próximo ao seu ouvido -- Pena que estou impossibilitada de dançar.

-- Pois eu estou tão cansada que mal consigo sair desse banquinho -- Talita jogou a cabeça para trás, deixando
que o ventinho praiano brincasse com seus cabelos.

-- Você trabalha demais. Precisa diminuir um pouco o ritmo.

-- No momento não é possível. Enquanto a Natasha não resolver o que fará com a Sibele, terei que me
desdobrar.

-- A Natasha é uma mentecapta, uma estúpida, praticamente uma debiloideeee... aiii... - Carolina levou um tapa
na nuca que a fez gritar de dor. Virou-se rapidamente e deu de cara com a irmã.

-- Quer desaparecer por mais vinte anos, é? -- disse Natasha, com cara de zangada.

-- Desculpa, Nat -- Carolina sentou ao lado de Talita, com as muletas sobre o colo -- É que você está sendo
complacente com esses bandidos.
-- Não estou sendo complacente -- afirmou, Natasha abrandando sua expressão com um sorriso maroto e
duas covinhas sedutoras -- Apenas quero me divertir um pouco antes de entregá-los a justiça.

-- Espero realmente que faça. Porque se você não fizer, eu faço.

Não choraria. Carol entrou com toda pressa no banheiro feminino. Por sorte, estava vazio e se apressou a se
fechar em um dos banheiros. Pegou um pouco de papel do porta papel e o apertou com força contra seus
olhos. Só podia ser uma alucinação. Não podia ser verdade!

-- Abre a porta! -- solicitou Sofia com a voz preocupada.

-- Já vou abrir -- disse enquanto abria a porta.

-- Está bem?

-- Sim -- respondeu Carol entre gemidos -- Só estou nervosa.

-- Não pode ser ele Carol. Como esse cara iria te encontrar aqui? -- Sofia tentava acalmá-la, mas não sabia o
que fazer. Tocou em seu braço transmitindo coragem. Um simples toque às vezes é mais significativo que mil
palavras -- Será que posso ajudá-la de algum modo?

-- Você já está me ajudando muito, ficando ao meu lado.

A ansiedade na voz dela tocou o coração de Sofia.

-- Não se preocupe. Ficarei ao seu lado o tempo todo.

Layla sentou no banco vazio ao lado de Natasha e cruzou as pernas. Natasha virou o banco do bar para ficar
de frente para ela.

-- O que quer beber? -- perguntou Natasha, de forma amável.

-- Gostaria de beber uma taça de vinho sem álcool.

-- O único vinho que conheço que não tem álcool é o ovinho de codorna -- Natasha sorriu, divertida --
Brincadeirinha. Temos o Natureo Muscat, que é um vinho desalcoolizado de alta qualidade. Límpido, fresco,
com sabor doce de uvas frescas.

-- Então, vou beber o Natureo Muscat -- disse, rindo; um riso doce e suave que envolveu todo o rosto.

-- Você combina com esse lugar, sabia? -- os olhos verdes de Natasha voltaram-se para Layla.

-- Por que diz isso? -- indagou, curiosa.

-- Linda, independente, sonhadora, misteriosa. Tudo o que combina com a minha ilha da magia.

-- Obrigado pela gentileza! Fico lisonjeada com o elogio -- E surpresa também. Natasha era arrogante,
autoritária e áspera. Layla não esperava receber elogios dela.

O garçom serviu as bebidas e saiu rapidamente.

-- Você deveria passar uns dias aqui na Ilha, Layla. Não a trabalho, mas sim, em férias.

Layla levou a taça aos lábios, ao mesmo tempo que encarava o rosto da empresária.

-- Talvez tenha razão, Natasha. Preciso de férias, mas não agora. Antes quero colocar em prática o nosso
projeto do parque temático.

A mãe de Layla sempre dizia que ela envelheceria dentro do escritório da empresa. Depois da morte da mãe,
as coisas ficaram ainda piores. O pai caiu em depressão e deixou os negócios nas mãos dela e do irmão mais
velho. Para uma jovem de dezoito anos, foi catastrófico. A rotina da empresa não lhe deixava nem tempo nem
energia para pensar em qualquer outra coisa.

-- Mas, depois que terminar, quero passar um mês na vida boa.

-- A vida é mais do que só trabalhar, Layla. Se dedique ao seu ganha-pão, mas saiba a hora de parar e
aproveitar os momentos de lazer.

-- Até que enfim! -- Leozinho parou ao lado de Natasha e descansou os braços no encosto do banco --
Estamos a um bom tempo procurando por você.

Natasha olhou para Sofia e fez uma careta.


-- Já estava com saudades de me encher o saco?

-- Está vendo, Carol? Sua irmã está de marcação comigo.

-- Não começa, Natasha -- Carol soltou o braço de Sofia e se encostou contra o balcão de bebidas -- Por favor,
moça. Prepara um drinque para mim.

-- Carol, essa moça é a Nani. Os drinques que ela prepara são os melhores, graças a ela, nosso bar está
ficando famoso -- disse Natasha, fazendo Nani abrir um largo sorriso.

Nani, a barwoman, entregou o drinque para Carol.

-- A moda da casa -- anunciou sorrindo.

Carol bebeu um gole e deu um suspiro de satisfação.

-- Delicioso! Excelente -- disse, com sinceridade -- É o melhor drinque que bebi até hoje.

-- Muita gentileza sua, obrigada -- Nani enxugou as mãos em uma toalha, levantou o olhar para Natasha -- Vou
preparar uma rodada de drinques para todos.

Sofia sentiu-se contagiada pela música que a banda começou a tocar. Fez um sinal para Leozinho e apontou
para a pista.

-- Vamos?

-- Demorou! Vamos pessoal! -- Leozinho enlaçou os braços em torno de Sidney e os dois saíram pulando pela
pista.

-- Vamos Layla -- convidou, Sofia.

-- Claro! -- a moça assentiu e as duas saíram em direção a pista.

-- Você não vai? -- perguntou Natasha, puxando-a mais para perto. Carol sorriu.

-- Você se importa se eu ficar com você? -- perguntou, encarando-a nos olhos -- Não estou com ânimo para
dançar.

-- Lógico que pode -- Natasha segurou o rosto dela e a beijou perto da orelha -- Pelo menos você está se
divertindo esta noite?

-- Apesar do desmaio, estou me divertindo muito. A festa está muito animada.

-- Então, ótimo! -- sorrindo, Natasha levantou seu copo insinuando um brinde e bebeu -- Vamos pedir mais...

Jessye chegou ao bar, e ela não terminou sua frase.

-- Natasha! Desculpe atrapalhar a diversão, mas temos um problema com a refrigeração dos freezers do bar
principal.

Natasha soltou o ar com força, insatisfeita.

-- Que droga!

-- Tudo bem, Natasha -- Carol tocou o braço da empresária de leve -- Eu espero.

-- Tem certeza?

-- Claro. Vai Lá! -- disse sorrindo.

Natasha colocou o copo vazio no balcão e saiu acompanhando os passos de Jessye por entre os turistas que
se espalhavam pela praia, bebendo, rindo e dançando.

Sem muito ânimo, o sorriso morrendo, Carol observou Natasha se afastar.

Carol olhou ao redor, ainda desconfiada. Estava tensa e tentava se convencer de que havia se enganado
redondamente. Teve que admitir que, afinal, estava se divertindo. Estava decidida a não estragar mais aquela
noite pensando em César. Já tinha perdido bons momentos de sua vida por causa disso. Estava mais do que
na hora de esquecer aquele homem de uma vez por todas e começar a viver de novo. De repente, seus olhos
encontraram os da moça de muletas. A mesma que desastrosamente havia se esbarrado com ela no
ambulatório.

Ela estava ocupando uma das mesas espalhadas ao redor do palco, o rosto meio escondido pela aba do boné,
como se não quisesse ser vista por alguém. Curiosa, Carol não conseguia parar de olhá-la.

Provavelmente ela percebeu que Carol a observava pois, virou o rosto rapidamente.
-- Por favor, Nani. Enche novamente o meu copo. Vou dar uma volta.

-- Claro que sim!

A praia estava repleta de luzes e de gente que se divertia com a banda de reggae que continuava a sua
exibição. As pessoas caminhavam pela areia, sorridentes, conversando com animação. Havia muitas mulheres
com saída de banho e homens de bermuda e camiseta.

A ruiva continuou sua caminhada pela praia, deixando para trás o som da música, o murmúrio das vozes e as
risadas altas. Como gostaria de também estar naquele clima de descontração, sem preocupações e tristezas.

Ela sem se dar conta foi se afastando cada vez mais da festa.

Natasha retornou ao bar e não encontrou Carol. Seus olhos procuraram, ansiosamente por ela, mas em vão.

-- Nani, você viu para onde a Carol foi?

-- Ela disse que ia dar uma volta -- ela encolheu os ombros e olhou ao redor.

-- A sua Carolzinha foi naquela direção -- murmurou Carolina, parando ao lado da irmã, com olhos cerrados e
sorriso irônico.

-- Que mulher teimosa. Parece que quanto mais eu falo, mais ela me desobedece.

-- Você parece preocupada -- comentou Carolina, encostando-se ao balcão.

-- Estou muito preocupada -- afirmou irritada -- Ela acabou de ter um desmaio. Sem contar o perigo de
caminhar pela praia a essa hora.

-- Que se dane essa trambiqueira -- Carolina afirmou, balançando os ombros.

Natasha não gostou nem um pouco do que ouviu.

-- A Carol é responsabilidade minha. Confesso que não gosto de ouvir você o tempo todo falando como devo
agir com relação a ela. Portanto, guarde a sua opinião para você -- Natasha se virou e saiu de cara fechada.

Quando olhou para trás, Carol percebeu o quanto havia andado pela faixa de praia que corria adjacente ao
calçadão. Estava tão alheia a tudo, que caminhou mais de uma hora sem direção, afastando-se do local da
festa.

-- Droga! -- apreensiva, Andreia deu meia volta e retornou pelo mesmo caminho -- Vou passar o resto da
madrugada andando. Não queria estragar a noite da Natasha, mas já passava das duas horas e, ela já deveria
estar preocupada.

A ruiva caminhava apressada e as batidas de seu coração ficaram ligeiramente aceleradas. O som do vento e
das ondas que outrora a acalmaram, agora eram assustadores. Carol se livrou das sandálias buscando mais
agilidade no caminhar.

Alguns metros dali, um homem a observava em meio às sombras. Seus olhos seguiam a ruiva que caminhava a
passos largos pela areia macia da praia. Ela parecia tão vulnerável, com a cabeça baixa e os ombros levemente
curvados.

Carol pressentindo a presença de alguém, virou o rosto para o lado, e prendeu a respiração. Seus olhos
castanhos se ofuscaram. Ela pensou em correr, mas era tarde demais.

O choque de vê-lo foi tão grande, tão inesperado, que ela pensou ter uma visão. Mas depois de piscar duas
vezes, incrédula, ela encarou a realidade: César estava mesmo na ilha. Carol sentiu-se empalidecer quando
seus olhos se encontraram e ela reconheceu o mesmo ar de zombaria de sempre.

-- Agora somos apenas nós dois, princesa -- disse ele, rosnando como um animal enfurecido.

 
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Capítulo 43 -- Não Ouse Me Tocar por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 43 

Não Ouse Me Tocar 

Com passos rápidos, Carol se afastou dele, mas só havia caminhado poucos metros quando ouviu sua voz
grave perguntando: 

-- Por que está fugindo de mim, princesa? Não está feliz em me ver? 

Ela quase pulou de susto quando a mão forte prendeu seu braço, fazendo-a parar. Quando se virou já sabia
que estaria diante da última pessoa no mundo que gostaria de encontrar. 

-- O que você faz aqui? -- sentiu um tremor só de lembrar da última vez em que estiveram juntos -- Como me
encontrou? 

-- Mas o que está acontecendo? -- César zombava dela -- Viu algum monstro, ou algum fantasma? 

-- Não temos mais nada para falar -- ela disse, tentando usar um tom tranquilo -- E agora vá embora, por favor.  

-- O que é isso Andreia? Ou devo chamá-la de Carolina? -- ele sorriu e puxou-a para perto -- Você dizia que me
amava loucamente. Quantas noites intensas de prazer tivemos, essas coisas não se apagam com tanta
facilidade. 

-- Prefiro não falar sobre o passado. O que passou não me interessa mais -- disse com firmeza. 

-- Tem certeza? -- ele apertou o braço dela, deixando marcas vermelhas em sua pele branquinha. 

-- Vá para o inferno! -- gritou Carol, enquanto tentava se afastar dele -- Me deixe em paz. 

-- Não sem antes conseguir o que vim Buscar. 

-- E o que é que você veio buscar? -- ela olhou, espantada. 

-- Duas coisas -- ele deu um sorriso cínico -- Primeiro você; segundo a minha parte do dinheiro que vai
arrancar da empresária. 

-- Você deve estar maluco! Não ouse me tocar! Se colocar as mãos em mim, eu... 

-- O que vai fazer? Pedir socorro a irmãzinha? Você pode gritar à vontade. Ninguém virá em seu socorro --
César ficou olhando para ela com raiva e desejo -- Minha cadelinha selvagem! 

Antes que Carol pudesse se afastar, ele a tomou nos braços. Num gesto repentino, beijou-a de uma forma
bruta e arrogante. 

-- Socorro! -- Carol gritou desesperada.  

-- Pode gritar a vontade sua piranha. Ninguém vai lhe escutar -- um sorriso maldoso cruzou o rosto do homem
enquanto ele agarrava Carol com força. Ela abriu a boca tentando gritar novamente, mas não conseguiu. Ele
apertava a sua garganta com uma mão, enquanto a outra deslizava pelo seu corpo. 

De olhos arregalados e aterrorizada, foi jogada ao chão. 

-- Não! -- gemeu enquanto se debatia e lutava na tentativa desesperada de se libertar. 

Carol lutava inutilmente, César era forte, forte demais para ela. 

-- Quando eu terminar você vai implorar por mais -- ele deu uma risada zombeteira e tomou-lhe a boca num
beijo selvagem, enquanto ela se debatia, tentando fugir. 

Carol entrou em pânico. Os olhos castanhos demonstravam pavor. 

-- Gostosa! -- ele murmurou, deslizando sua língua molhada pelo pescoço dela. Queria aquele corpo a qualquer
preço -- Estava com saudade de transar com você, minha putinha. 

De repente, ouviram um cavalo relinchar e o forte ruído dos cascos do animal galopando velozmente, logo
depois, um pisão forte na cabeça de César, interromperam os seus planos diabólicos.  

O chute foi tão forte que o canalha soltou Carol e rolou para o lado, deixando uma grande mancha de sangue
na areia. 
-- Natasha! -- Carol chorava compulsivamente.  

-- Eu vou te matar, seu desgraçado! -- Natasha atacou-o com chutes e pontapés violentos -- Vai pagar o que fez
com ela. 

-- Pare, pare -- ele rosnava -- A culpa foi dela. 

Carol cobriu o rosto com as mãos, enquanto Natasha espancava o tarado covarde, que sangrava pelo nariz e
boca. 

-- Você vai aprender a nunca mais encostar essas mãos imundas em uma mulher indefesa -- Natasha continuou
batendo no desconhecido até vê-lo quase inconsciente. 

-- Chega, Natasha! -- Carol pôr-se de pé e aproximou-se da empresária, implorando para que ela parasse de
bater no homem -- Acabou! Não vale a pena matá-lo. 

Natasha enfim largou o corpo quase desfalecido no chão. 

-- Ele a machucou, meu amor? -- Natasha abraçou Carol e enxugou as lágrimas que escorriam pelo rosto dela. 

-- Agora estou bem, obrigada -- ela agarrou-se a Natasha com uma paixão confusa -- Obrigada! Obrigada por ter
vindo -- ela falou num tom choroso, escondendo o rosto no pescoço de sua salvadora. 

-- Quando percebi que você estava demorando demais, montei no Falcão e vim o mais rápido que pude.  

Natasha não cavalgava assim de forma tão rápida há anos. Seu peito doía de desespero, sem saber o que
podia acontecer com Carolina. Ela não conhecia o local, não conhecia o terreno e os perigos que estava
correndo. Ficava com o coração em disparada só de pensar em como ficaria caso algo de ruim acontecesse a
ela.  

Colocou esses pensamentos de lado, pois felizmente tudo estava resolvido. 

-- Quando vi aquele homem sobre você, senti vontade de matá-lo a pontapés. 

-- Tive tanto medo. Fiquei horrorizada. Imaginando que poderia nunca mais ver vocês -- disse engolindo em
seco -- Agradeço a Deus por ter-lhe enviado, Natasha.  

Natasha abraçou-a com força, consolando-a. Passou o polegar por seu rosto, secando as lágrimas que
rolavam. 

-- Você está toda suja! -- comentou de forma carinhosa. 

Andreia examinou a própria roupa. Seu vestido estava sujo e molhado, os pés descalços e o cabelo deveria
estar um horror. Envergonhada levantou os olhos para Natasha. 

-- Estou horrível, né? 

Natasha a mantinha ainda abraçada, e pôs-se a acariciar os cabelos dela. Beijou-a na face, e deslizou os lábios
até o ouvido dela. 

-- Não se preocupe, você é linda até do avesso. 

Com um gesto rápido, César se levantou e mesmo arrastando uma perna, saiu correndo. Natasha preparou-se
para correr atrás dele, mas foi impedida por Carol. 

-- Não vá. Fica comigo -- desesperada, pediu. Lágrimas inundaram os seus olhos. 

-- Pensei que quisesse uma morte bem cruel para ele. 

-- Lógico que não -- Carol ficou horrorizada -- Meu Deus Natasha! 

Natasha pensou por algum tempo, depois pegou o celular, ligou para o Rambo e passou algumas instruções. 

-- Pronto. O Rambo vai dar um jeito no camarada. Ele não vai muito longe a pé e machucado daquele jeito. 

-- O que farão com ele? -- perguntou Carol. 

-- Vou dizer para o Rambo jogá-lo ao mar -- pensativa, Natasha coçou o queixo -- Não posso esquecer de dizer
para os rapazes fazerem a coisa bem-feita. Fico chocada quando leio nos jornais que foi encontrado mais um
corpo boiando no rio. Será que ninguém sabe mais como usar um bloco de cimento? 

Carol arregalou os olhos e abriu a boca. 

-- Você não está falando sério, né Natasha? Não tem polícia nessa ilha? 
-- Na Ilha Falcão, eu sou a lei -- Natasha bateu no peito, orgulhosa -- Mas não se incomode com isso. Amanhã
eu decido o que faremos com ele. 

Naquele momento, Carol sentiu o desejo irresistível de ser honesta. Aqueles dias de mentiras a estava
destruindo. Decidiu contar definitivamente a verdade. Confessar-lhe que ela estava mentindo, mas que a
amava. 

Respirou fundo para afastar a vontade de chorar e começou: 

-- Natasha, aquele homem é...  

-- Não! -- Natasha colocou o dedo indicador sobre os lábios dela -- Já disse que resolvo tudo amanhã. 

-- Mas, eu queria... -- insistiu, Carol. 

-- Você passou por um momento muito traumático. Vamos deixar esse assunto para outra hora -- disse,
caminhando até onde havia deixado o cavalo.  

Carol balançou a cabeça e aproximou-se de Natasha. 

-- Quer ir comigo no cavalo ou prefere que eu chame o Rambo? 

-- Adoraria ir com você -- ela disse, feliz como uma criança -- Seu cavalo é lindo -- Andreia fez um carinho na
cabeça do animal.  

-- Falcão é um animal fabuloso -- concordou -- Está comigo a muitos anos, ele é o meu amigão -- Natasha pulou
no lombo do cavalo, debruçou-se e lhe estendeu a mão -- Vem pule atrás de mim -- disse ela com a mão ainda
estendida. 

Andreia segurou a mão oferecida e com um movimento rápido, Natasha puxou-a para cima do cavalo, atrás
dela. 

-- Pronta para ir para casa? -- pegou as rédeas e se preparou para galopar. 

-- Prontíssima! -- abraçou a cintura de Natasha com força e encostou o rosto contra as costas dela. Ela exalava
o perfume de Natasha, um aroma que amava. Era leve e suave, era mais refrescante que a brisa que vinha do
mar. 

-- Você deve ter passado momentos de terror -- comentou Natasha. 

-- Nunca orei tanto em minha vida -- Andreia fechou os olhos -- Acho que a minha fé lhe trouxe até aqui -- deu
um sorriso rápido e acrescentou -- A fé remove montanhas, mesmo. Hoje tive certeza. 

-- Até pode ser, mas eu prefiro dinamite. 

-- Hã? -- Andreia não entendeu. 

-- Nada, não -- Natasha respondeu com um sorriso divertido, ajeitou o corpo e olhou para frente -- Segura
firme, vamos acelerar a cavalgada -- disse ela, com uma voz marota, antes de apertar as rédeas e saírem em
disparada. 

Mariana dirigia em alta velocidade em direção ao centro da ilha. 

-- Seu imbecil! O que deu em você? Pensa que está no Rio de Janeiro? -- ela apertou o volante com mais firmeza
para se certificar de que não deslizariam -- Você está na Ilha da Natasha. Aqui quem manda é ela, quem faz a lei
é ela. Parou para pensar o que aconteceria com você caso eu não aparecesse para te resgatar? 

César apenas balançou a cabeça e deixou escapar um suspiro. 

-- Você estaria morto, seu idiota! -- ela deu um soco no volante -- Os seguranças dela, devem estar fazendo uma
varredura por toda a ilha tentando te encontrar. 

-- Aquela mulher parece o próprio demônio. Chegou distribuindo porrada, nem tive tempo de reagir. 

-- Panaca. Apanhando de mulher. 

-- Dessa vez ela me pegou de surpresa, mas na próxima... 

-- Se houver uma próxima vez -- Mariana comentou, séria. 

-- Por que diz isso? 

-- Você vai precisar se esconder muito bem. Natasha não vai sossegar enquanto não te encontrar. 
-- Na sua opinião, eu devo sair da ilha? 

-- De jeito nenhum. Nesse momento, as saídas da ilha já devem estar todas vigiadas. 

-- O que faremos, então? 

-- Não deveria, mas vou te ajudar. Vou passar no hotel, pegar as minhas coisas e me mudar para um chalé.
Você vem comigo. Ninguém vai desconfiar de mim. 

-- Lar doce lar! -- exclamou Carol, descalçando os sapatos e estirando-se no sofá. 

-- Hum, hum... -- Natasha sentou-se no sofá ao seu lado -- Nunca mais faça isso. Não é seguro sair sozinha a
noite para caminhar. 

-- Desculpa, não sei onde estava com a cabeça quando fiz isso -- concordou, estava profundamente
envergonhada -- Diga-me que não estraguei nossa noite -- Carol enroscou seus braços no pescoço dela e
enterrou seu rosto em seu pescoço. 

Natasha retribuiu o abraço apertando-a bem forte contra si.  

-- Você não teve culpa de nada. Como poderia imaginar? É a primeira vez que acontece esse tipo de crime na
ilha. Não vou deixar impune -- disse parecendo inconformada -- Vou caçar esse rato até no esgoto. Pode ficar
tranquila. 

Carol recostou a cabeça no peito de Natasha. Pensativa, a empresária afundou os lábios nos sedosos cabelos
ruivos, sentindo sua suave fragrância. 

Depois de alguns segundos de silêncio, Natasha, num gesto impulsivo, pegou a mão de Carol. Levou-a até os
lábios e beijou-a demoradamente. 

Era maravilhoso aquela proximidade. Carol permaneceu em silêncio, imóvel, torcendo para que nada
estragasse aquele momento. 

Natasha murmurou algumas palavras carinhosas, mas Carol não entendeu direito e nem respondeu. Estava
tão relaxada que queria apenas sentir o contato da mão suave afagando os seus cabelos. 

-- Carol, meu Deus! -- berrou Sofia, tão logo ela adentrou a suíte. 

Estavam tão relaxadas que se assustaram ao ouvir a voz aguda de Sofia perguntando se havia algo errado. 

Rapidamente, ambas se afastaram e seus olhares se encontraram. Carol, contra a vontade, desvencilhou-se
dos braços de Natasha. Sentiu vontade de jogar Sofia pela janela. 

-- Está quase amanhecendo. Preciso ir -- disse Natasha, se levantando. 

-- Eu também. Tenho de arrumar as malas. 

-- Vocês não responderam a minha pergunta. O que aconteceu? Você está toda suja e com arranhões pelos
braços. 

-- Eu estou bem, Sofia. Não é nada -- ela voltou à realidade. 

-- Tem certeza? -- A amiga estava preocupada -- Espero que esteja tudo bem mesmo. Você parece em estado de
choque! 

Natasha se forçou a sorrir. 

-- Ela foi atacada por um homem na praia. 

-- Meu Deus! -- Sofia abraçou-a -- Ele te fez algum mal? 

-- Felizmente Natasha chegou a tempo. 

-- Sério? -- Sofia olhou para ela e deu uma risadinha -- Minha heroína -- disse em tom de deboche -- Não
pensava que em um lugar maravilhoso como esse, corrêssemos esse tipo de risco. É desanimador. 

-- O único lugar perfeito para morar é o Facebook. Lá todo mundo é bonzinho, respeita os animais, ama as
crianças, não existe corrupção, e dizem bom dia e boa noite todo dia. Aqui nem todos são turistas que vem
para a ilha para se divertir, alguns são bandidos infiltrados ou que chegam em barcos as escondidas e
atracam em partes da praia que meus homens não conseguem interceptar. 

-- Entendo. Infelizmente o mal está em todo lugar -- concordou Sofia, porém... -- Mesmo assim, a ilha é sua,
então, a culpa é sua. 
Natasha bocejou e espreguiçou os braços acima da cabeça.  

-- Sinceramente, estou com muito cansada para discutir com você, testa de capô de fusca -- disse, inclinando-
se sobre Carol e lhe dando um beijo no rosto -- O barco sai as três horas. Não se atrasem. 

Assim que Natasha fechou a porta, Carol deu um tapa no ombro da amiga. 

-- Sua estraga prazer!  

-- Como eu poderia adivinhar? Devia ter colocado um aviso na porta: Não entre! Estou tentando seduzir a
minha irmã. 

-- Engraçadinha -- ela sorriu sem graça enquanto tentava recuperar o fôlego e controlar as emoções que a
assaltavam.  

-- Mas me conta menina. O que aconteceu? 

-- O César era real e não uma alucinação. Descobri isso da pior maneira possível -- ela inclinou-se para trás no
sofá e abraçou os joelhos -- Aquele monstro tentou me estuprar -- Carol sentiu um embrulho no estômago só
de lembrar. 

-- Meu Deus! Que criatura nojenta -- Sofia estava assombrada -- Não imaginava que esse cara fosse tão
perigoso. Como você foi se envolver com uma pessoa tão inescrupulosa, Carol? 

-- E você acha que eu sabia? Eles não trazem escrito na testa: Sou cafajeste. Parece que eles sentem o cheiro
de mulher carente e vão aparecer no momento em que você estiver mais frágil, acredite nisso. O Sidney odiava
o César, ele vivia me alertando, mas, ainda assim, eu o defendia com unhas e dentes. 

-- Você contou a verdade para a Natasha? 

-- Não consegui -- ela confessou, com um suspiro desanimado. 

-- Oh, querida -- Sofia tocou no braço da amiga, com carinho -- Você nunca consegue. 

Carol estava tão frustrada e exausta! Havia uma estranha dor rondando seu coração. Naquela noite, outra
mentira passou sem ser revelada.  

O carro deslizou com facilidade pelas ruas até estacionar em frente ao chalé escolhido por Mariana.  

César olhou para ela e sentiu que algo estava errado. 

-- Como você está pálida! O que aconteceu? 

-- Rápido, pula para o banco de trás e se esconde -- falou apressada e nervosa demais.  

-- O que... 

-- Não faz pergunta -- ela berrou, agarrando o volante.  

Um veículo, preto e grande, estacionou logo atrás e dele saíram dois seguranças. Um homem bateu de leve no
vidro da janela ao lado de Mariana. 

-- Abra a janela -- falou o segurança. 

Mariana obedeceu e abriu um sorriso quando viu a face conhecida de Rambo. 

-- Bom dia Rambo. O que está acontecendo? 

-- Bom dia senhorita Mariana. Sinto muito pela abordagem -- Rambo se desculpou -- Essa precaução é
necessária para garantir a segurança dos hóspedes. 

-- Eu entendo. 

-- O que faz por esses lados? 

-- Troquei o hotel pelo chalé. Aqui terei mais privacidade -- Mariana sorriu esforçando-se para ser simpática --
Estou aproveitando a tranquilidade da hora para trazer as minhas bagagens que estavam no hotel.  

-- A senhorita precisa de ajuda? 

-- Não! -- ela respondeu rapidamente, até demais -- Obrigada, Rambo. Pode deixar que eu mesma guardo as
bagagens. 
-- Se prefere -- Rambo olhou ao redor, para se certificar de que tudo estava em ordem -- Tenha um bom dia,
senhorita Mariana. 

Logo depois, os dois seguranças entraram no carro e saíram cantando os pneus. 

Mariana e César permaneceram em silêncio por alguns instantes, mas aos poucos a tensão foi sumindo até
caírem na gargalhada.  

Natasha deu um soco na mesa.  

-- Seus incompetentes! Como vocês conseguiram deixar aquele moribundo fugir? O vagabundo mal conseguia
andar.  

-- Não sei como isso aconteceu chefe. O cara parece ter simplesmente evaporado. 

-- Não faz essa carinha de ursinho Pimpão, Rambo. Não combina com você -- debochou Carolina -- Quando eu
vi aquela meliante sair da festa caminhando pela praia como uma desorientada, logo pressenti que ia dar
merda. 

-- Droga! Agora temos um estuprador livre e solto andando pela ilha. Isso é péssimo para a nossa reputação.  

-- Não briga com ele chefa -- Leozinho deslizou a mão pelo braço musculoso, cobertos de pelos negros -- Dá
até vontade de fazer um cafuné. 

-- Dá vontade de fazer um cafuné, com um martelo -- disse Natasha, mal-humorada. 

-- Aiii, grossa! -- Leozinho deu um tapa no ombro do segurança -- Vai lá querido. Continua procurando e dessa
vez vê se não me decepciona. Seu fofo! 

-- Só tem tamanho! -- Natasha resmungou -- Se eu não tivesse que levar a Carol até o barco, iria pessoalmente
caçar esse animal. 

-- Não se preocupe, Nati. O Rambo vai encontrar esse cara.  

-- Espero que sim, Carolina. Minha ilha nunca registrou um caso sequer de violência contra as mulheres. Não
vou permitir de forma alguma que esse absurdo se repita -- disse Natasha, bocejando -- Desculpa, estou morta
de sono. Vou despachar aquela turma para a ilha Carolina, depois quero dormir o resto do dia. 

-- Pensei que fosse mudar de ideia. Você e a Carol me pareceram tão próximas nos últimos dias -- ele suspirou
profundamente -- Tadinha da Carol. Ela é tão doce -- Leozinho comentou, já esperando por uma reação
tempestuosa da chefe. 

Porém, por alguns instantes, Natasha ficou olhando para Leozinho, parecendo pensativa. Não esbravejou,
nem fez cara feia. Apenas permaneceu em silêncio por mais algum tempo e, depois, comentou desanimada: 

-- Confesso que pensei em perdoá-la. Esquecer essa ideia maluca de vingança... 

Leozinho sentiu que Natasha estava fraquejando e que era o momento certo de salvar Carol. Mas... A
verdadeira Carolina não estava nem um pouco disposta a facilitar a vida da ruivinha carioca. 

-- Está louca? Nesse momento eles devem estar rindo de você -- Carolina andava pela sala como um tigre
enjaulado -- Eu sei que me pediu para não se meter, mas não posso ficar de braços cruzados enquanto fazem
a minha irmã de boba. 

Natasha apertou os olhos com os dedos, enquanto uma confusão de pensamentos assaltava a sua mente.
Carolina tinha razão. Não podia deixá-los impune, mas, por outro lado, seu coração doía só de pensar em
fazer Carol sofrer. 

-- Não se preocupe, Carolina. Ninguém mais vai me fazer de boba. 

Meio entorpecida, Natasha se levantou. Ela nem tentou esconder a irritação. Sem mais uma palavra de
explicação ou de despedida, abriu a porta e saiu. 

Leozinho virou-se para Carolina e fitou-a friamente. 

-- Não percebe que ela gosta da Carol? 

Carolina respondeu com uma careta.  

-- Por que não para de instigar e deixa as duas se entenderem? A Andreia foi convencida pela Marcela e pela
Sibele a fazer parte dessa mentira. 
-- Não acredito. Ela é gananciosa, interesseira. E não venha com essa história de que ela é a boazinha e os
outros são os maus. Diga-me com quem andas e eu te direi quem és... Gente que não presta, gosta de gente
que não presta. A lei da atração é assim. 

Leozinho concluiu que Carol conquistou uma grande inimiga. Inimiga que influenciava demais nas decisões de
Natasha. 

-- Pode ter certeza, Leozinho. Farei de tudo para mandar essa pistoleira para a cadeia. 

Como a viagem da Ilha do Falcão até a Ilha Carolina não levaria mais do que trinta minutos, Carol não viu
motivos para se preocupar com os perigos da viagem. Juntou suas coisas e entregou para que o funcionário
levasse até onde o barco estava ancorado. 

Sofia abraçou a amiga e depositou um beijo demorado em sua bochecha. 

-- Cuide-se Andreia. Pelo amor de Deus, não faça nenhuma besteira. 

-- Não se preocupe -- Carol olhou de um lado a outro com a esperança de que Natasha ainda aparecesse para
se despedir. 

-- Natasha é uma bobona -- disse Sofia, percebendo a tristeza da amiga -- Mas, no fundo ela gosta de você. 

-- Então por que ela não está aqui? 

Uma lágrima rolou dos olhos de Carol. Nunca imaginou que doesse tanto amar e não ser amada. 

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Capítulo 44 -- A Ilha Carolina por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 44  

  A Ilha Carolina  

Natasha apertava o volante do carro com uma força desnecessária, a ponto de sentir dor nas mãos.  

Tentava desesperadamente concentrar-se na estrada, mas a mente e o coração estavam longe dali, mais
precisamente na marina da ilha.  

-- Oh, droga! -- Natasha murmurou, mordendo com força o lábio inferior, num gesto que denunciava a terrível
inquietação que a dominava -- Tinha que ter pego no sono. Eu sou uma anta, mesmo.  

Entrando no estacionamento da marina, ela desligou o motor do veículo, saltou do carro e saiu correndo em
direção ao cais.   

Ela queria se despedir, mas chegou atrasada e o barco já ia longe.  

Sofia se aproximou lentamente e parou ao seu lado. Percebeu que a empresária estava pálida e ofegante.  

-- Perdeu a hora, princesa Falcão? -- perguntou com a intenção de provocar. 

Natasha bufou sem olhar para ela.  

-- Não tenho jeito de princesa -- afirmou sem tirar os olhos do mar.  

-- Nem toda princesa usa coroa. Algumas abrem o litrão com o dente -- Sofia deu uma risadinha -- Você quer
que o mundo a veja como uma mulher competente, autossuficiente, independente. Enfim, a imagem da mulher
moderna que não precisa de ninguém para viver e vencer na vida. Mas essa imagem que você faz questão de
passar é só aparência. Na verdade, você é só mais uma garota insegura e que morre de medo de ficar sozinha
-- pela primeira vez Sofia falou sério e sem ironia -- Não sei o motivo de você ter mandado a Carol para aquela
ilha, mas seja lá o que for, espero que saiba o que está fazendo.  

Sofia ergueu o queixo com altivez e foi embora. Natasha virou o rosto e voltou a olhar o mar. O barco agora
era apenas um pontinho minúsculo no horizonte.  

Franziu o cenho, uma dor aguda e repentina se rasgava em seu peito. Não podia ser amor. Há anos tinha
arrebatado esse sentimento de sua vida, assegurou-se.  

Odiaria Andreia para sempre, em vez de desejá-la e sofrer por ela. Sentia que tinha perdido o controle. E o
controle perdido de tal maneira não era aceitável.   

Voltou o pensamento a sua vingança. Empurrando suas fraquezas para longe. Não se culparia, fizera o que
tivera que fazer. Eles mereciam uma bela lição. 

A experiência com Mariana tinha arrancado seu coração do peito. Ele sangrou de tal maneira que mesmo
depois de anos, ainda lutava para recuperá-lo.   

Não era amor, repetia para si mesma. Era desejo, curiosidade talvez.  

Por um longo tempo Natasha ficou ali, debruçada sobre o parapeito. A luz do sol cintilava em seu cabelo
castanho. Eram tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo que Natasha nem sabia ao certo o que pensar.
Era interessante como sua ânsia por vingança tinha diminuído e perdido a graça. Agora nada mais fazia
sentido. 

Enquanto o barco se aproximava do trapiche da Ilha, Carol continuava a admirar o panorama. Flores
coloridas, jacarandá, orquídeas, todas dispostas de tal maneira que pareciam um festival de primavera. Uma
imensa variedade de pássaros raros cujos nomes ela não conhecia, sobrevoavam o barco assustados com os
visitantes inusitados.  

Sidney arregalou os olhos ao contemplar a beleza à sua frente. Parecia mais uma miragem do que realidade.   

-- É magnífica! -- o rapaz não conseguiu se conter de tanta admiração.  

-- E é toda nossa -- Marcela comentou embevecida -- Quanto será que ganharemos com a venda?  
Carol balançou a cabeça e olhou para Sidney. A irmã estava contando com algo que jamais acontecerá. Seus
planos para a Ilha Carolina eram outros e nada nesse mundo a faria mudar de ideia. Aquele paraíso pertencia
à família Falcão e nunca deixará de pertencer. 

-- Senhoras e senhores -- disse o comandante, em voz alta.  

-- Apenas senhoras, comandante -- resmungou Marcela.  

Sidney revirou os olhos.  

O comandante continuou:  

-- Sejam bem-vindos a Ilha Carolina.  

Sibele olhou ao redor e franziu a testa.  

-- E a recepção? Os funcionários para levar as nossas bagagens?  

-- É -- Marcela parou em frente a ele -- E o transporte até a nossa casa?  

-- Cabana -- ele afirmou -- É uma cabana e não uma casa -- o comandante levantou o quepe e coçou a cabeça --
Os poucos funcionários que estão na ilha, no momento estão ocupados consertando uma ponte danificada
pela última tempestade. Portanto, teremos que seguir a pé até a cabana.   

-- Que maravilha! O dia está ideal para uma caminhada pela mata -- Marcela comentou com ironia, enquanto
pegava as coisas no barco. Ela se conformou e já se preparava para enfrentar a difícil caminhada quando
lembrou que Sibele estava com o gesso no pé -- Ela não vai conseguir caminhar até a cabana.  

-- Eu vou ficar no barco -- Sibele sentou e colocou as pernas para cima -- Daqui só saio transportada. Não
estou em condições de caminhar.  

-- Tudo bem -- concordou o comandante -- Vou ver o que posso fazer. Estão prontos? Pegaram tudo? Bem,
vamos embora!  

Talita passou bronzeador no corpo e deitou de bruços.   

-- Que maravilha! O dia está ideal para se bronzear -- Talita se virou de lado e olhou para Carolina -- Será que
poderia passar o creme em minhas costas?  

Por um instante Carolina hesitou, e sentiu o coração disparar.  

-- Claro! -- disse meio engasgada. Ela pegou o tubo e se ajoelhou ao lado dela, começando a espalhar o creme.  

-- Então, Andreia e os amigos embarcaram mesmo para a Ilha Carolina?  

-- Sim, provavelmente já devem estar lá.   

-- Ainda não consegui entender o que Natasha pretende.  

-- Pois eu entendo muito bem -- as mãos de Carolina se aproximaram da tira do biquíni, ela desfez o laço,
espalhando o creme nas costas toda -- Natasha quer dar uma lição neles e depois deixá-los ir como se nada
houvesse acontecido. Ela pensa que me engana. 

-- E isso a incomoda? -- Talita se virou e a parte superior de seu biquíni caiu para o lado deixando os seios da
médica a mostra.  

-- Nem um pouco -- os olhos castanhos percorreram seu corpo, detendo-se nos seios da médica -- Por mim
você podia fazer topless todos os dias.  

Talita sentou e colocou as mãos sobre os seios para cobri-los.  

-- Que droga, Carolina! -- ela reclamou.  

Carolina não deu ouvidos as reclamações da médica. Inclinou o corpo até alcançar os lábios dela. Foi um beijo
rápido, suave, mal tocando a boca.  

-- Carolina -- Talita murmurou, puxando-a para mais perto.  

Dessa vez, o beijo foi mais impaciente, os lábios se unindo ardentemente. Carolina colou seu corpo ao de
Talita e gemeu baixinho.  

-- Como você é linda! -- Carolina murmurou entre beijos. As mãos subindo e descendo pelas costas da médica,
sentindo seu calor, sua pele. Sabia que havia conseguido despertar o desejo nela. Isso era maravilhoso, era
tudo que mais desejava.  
Para Talita aquele beijo foi devastador. Sentiu uma confusão interior, um misto de desejo, medo, angustia.
Compreendia agora o que era o verdadeiro desejo!  

Não era possível que isso estivesse acontecendo com ela! Estava na praia quase deserta, quase nua,
abraçando e beijando uma mulher.  

Repentinamente ela empurrou Carolina para o lado e se levantou com o rosto em brasa.   

-- Vamos embora. Está ficando tarde e tenho um compromisso hoje a noite.  

Carolina ficou sentada na toalha, arrependida e decepcionada.  

-- Sim, mas espera um pouco -- ela se levantou e calmamente amarrou as tiras do biquíni da médica -- Não fique
zangada comigo, doutora. Pensei que quisesse o mesmo que eu. Desculpa.  

-- Carolina... 

-- Não precisa se explicar -- ela disse com frieza -- Eu passei dos limites. Prometo que não acontecerá
novamente -- Carolina pegou sua muleta e começou a caminhar lentamente em direção ao carro. Naquele
momento decidiu que não forçaria mais a barra. Estava cansada de levar patadas. 

Talita ficou parada, sem ação. 

-- Será que ela já desistiu? Assim tão fácil? 

Enquanto o comandante mostrava o caminho até a cabana, Carol admirava a paisagem. A vegetação chegava
bem pertinho do mar. Era difícil descer pela trilha. Caminharam pela mata até alcançarem uma pequena
enseada.   

Marcela tirou a mochila das costas e jogou-a no chão.  

-- Que inferno! -- berrou -- Eu não aguento mais andar. Meus pés estão cheios de bolhas -- sentou na areia,
tirou o chapéu e arremessou longe, como se fosse um bumerangue -- Acho que não consigo dar mais um
passo.  

-- Morreremos aqui! -- berrou Sidney, desesperado.  

-- Como fomos idiotas! -- disse em voz alta -- Que tolice aceitarmos vir para esse fim de mundo -- Naquele
momento, Marcela desejou que a polícia chegasse e os prendessem por crime de falsidade ideológica.
Nenhum castigo seria pior do que aquele pelo qual estavam passando.  

Carol não aguentou e começou a rir descontroladamente.  

-- Parem com isso. Ninguém vai morrer -- ainda rindo, Carol sentou ao lado da irmã. Marcela ainda agia como se
ela fosse uma criança birrenta. Já estava mais do que na hora dela enfrentar, superar, amenizar ou quem sabe
até resolver seus próprios problemas -- Estamos caminhando faz apenas dez minutos -- disse Carol, se
levantando e puxando a irmã pelos braços -- Vamos continuar, já devemos estar perto. Não é mesmo
comandante?  

O comandante ajeitou a gravata, endireitou os ombros e respondeu apontando para uma trilha que começava
na areia e adentrava a mata.  

-- É logo ali, não se preocupem, ninguém vai morrer -- ele balançou a cabeça e começou a caminhar -- Era só o
que me faltava. Que turma de molengas. 

-- Vamos logo! -- resmungou Carol, enquanto sentia o incómodo enjoo voltar.  

Marcela suspirou e tirou uma mecha de cabelos dos olhos.  

-- Vamos Sidney. Pega a minha mochila, o meu chapéu e carrega para mim.  

-- Perdoe-me, sinhá Marcela, mas nhanhã deixou de ser mucama já faz tempo. Se vosmecê me dá licença, vou
atrás do sinhozinho comandante e da sinhá moça, antes que eu me perca deles.  

-- Idiota! -- Marcela catou as suas coisas e saiu apressada.  

Minutos depois, pararam diante da cabana de madeira escura. 

-- É uma bela cabana -- disse Carol, observando a varanda enorme e as janelas em arco.  

-- É nova e muito confortável. A senhorita Natasha mandou construir especialmente para receber vocês.  

-- Tenho certeza que sim -- respondeu Marcela, sem olhar para o comandante de meia-idade.  
Ele subiu os degraus da entrada. Carol acompanhou-o, colocando as bolsas no chão.  

O homem virou-se e lhe entregou a chave da cabana.  

-- Aqui está. Se precisarem de alguma coisa é só chamar um dos funcionários.  

-- Não vai entrar? -- perguntou Sidney.  

-- Não -- ele balançou a cabeça com veemência -- Quero sair daqui o mais rápido possível.   

Carol olhou primeiro para Marcela e depois para Sidney.  

-- O senhor está agindo como se a cabana fosse assombrada, ou amaldiçoada.  

O comandante não disse nada. Ele ficou olhando para a porta de madeira maciça, como se fosse a entrada da
caverna do dragão. Que bobagem, pensou Carol.  

-- Tudo bem. A gente se vira -- disse a ruiva com firmeza, abrindo a porta e entrando.   

Cesar gemeu de dor.  

-- O que foi? -- indagou Mariana.  

-- Nada.  

-- Mentiroso -- ela se posicionou na frente dele e colocou as mãos em seus ombros.  

Ele tentou afastá-la, mas foi ignorado.   

-- Meu Deus! Há um corte enorme aqui -- afastou um pouco mais a camisa para avaliar -- Está infeccionado.  

-- Isso dói! -- Cesar cerrou os dentes.  

-- Imagino -- ela fez uma careta como se também estivesse sentindo a dor.  

Cesar tentou se levantar, mas não conseguiu. Ele mordeu o lábio, contendo-se para não gemer.   

-- Você precisa de um médico. Esse ferimento não vai cicatrizar sem antibióticos, mas... -- Mariana sabia que se
procurassem um médico seriam presos na hora.  

-- Mas, não podemos procurar um médico. Nem mesmo uma farmácia -- concluiu, Cesar -- E o que faremos?  

-- Vou invadir o ambulatório e roubar os medicamentos.   

-- Você é louca! -- Cesar exclamou, assustado -- Será pega.  

-- Tem uma ideia melhor? -- Mariana cruzou os braços e encarou o rapaz -- Eu conheço muito bem aquele lugar.
Vou amanhã de manhã. Um pouco antes do início do expediente, um rapaz passa, abre o ambulatório para a
zeladora fazer a limpeza e vai embora. É nesse momento que eu entro. Terei tempo de sobra até a técnica de
enfermagem chegar.  

-- E a zeladora?  

-- Ela chega e vai direto para a cozinha fazer o café. Eu sei porque passei um mês ajudando a Sibele a montar a
nova sala de sutura. 

-- Espero que a rotina continue a mesma -- Cesar parecia preocupado -- E se for pega?  

-- Se for pega, dou uma de Neymar. Caio no chão e começo a gritar de dor.  

Os dois riram muito.  

Marcela andou de um lado para o outro procurando o interruptor. Suspirando, ela virou-se, e o coração deu
um salto, ao perceber que não tinha energia elétrica na cabana.  

-- Eu não acredito. Isso só pode ser uma grande piada da imbecil da Natasha -- Marcela colocou a mochila nas
costas e foi em direção a porta -- Vou embora. Não vou ficar nem mais um minuto nessa caverna. Adeus!  

Quando abriu a porta deu de cara com a Sibele.  

-- Aiii... Meu Deus! Quer me matar de susto? -- Marcela colocou a mão sobre o peito -- Como chegou aqui,
criatura?  
Sibele entrou mancando e sentou no sofá. Estava em choque.  

-- Foi terrível. Nunca mais serei a mesma -- ela cobriu o rosto com as mãos e ficou assim por alguns segundos -
- Vim montada nas costas de um brutamontes. Todo suado, peludo... provavelmente quando voltar para casa,
terei que começar a me tratar de transtorno do estresse pós-traumático.  

-- Droga! Por que não fingi uma entorse? -- Sidney colocou a bolsa no chão e pegou um lampião, que estava
sobre uma mesa de madeira entalhada -- Olhem só o que eu achei.  

-- O que é isso? -- Marcela pegou o objeto e examinou com cuidado.  

-- Um lampião, espertinha -- Sidney revirou os olhos -- Quanta inteligência!  

-- Aí gente. Vamos deixar de papo e se mexer -- Carol pegou as suas bolsas e ajeitou-as nos ombros -- Vamos
ver onde ficam os quartos.  

Sibele estava séria e pensativa. Esperou Carol e Sidney saírem da sala para falar: 

-- Alguma coisa está errada, Marcela. Natasha não trataria a irmã dessa forma.   

-- Com assim? Você acha que ela está desconfiada de algo?  

-- Não sei. São apenas conjecturas.  

-- Pois eu penso que ela está apenas testando a Andreia. Um tipo de prova para ver se ela é realmente capaz --
Marcela estendeu a mão para a médica -- Vamos nos ater aos fatos, sem neuras. Está bem?  

Sibele segurou a mão de Marcela e se levantou. Ainda não estava convencida, mas concordou.  

-- Está bem. Vamos esperar e ver no que vai dar.  

Carol entrou no quarto e parou, desanimada. Pelo jeito Natasha estava tentando castiga-la. A decoração era
horrível, as cortinas desbotadas, os lençóis amarelados. Havia uma escrivaninha velha posicionada perto da
janela e um armário com a porta quase caindo.  

-- Ah, Natasha. Se você pensa que vou começar a chorar e implorar que venha me bucar, está muito
enganada.  

Sem palavras, Sidney parou na porta do quarto da amiga com uma toalha na mão. Pelo jeito, ele também não
havia gostado de seu quarto.  

-- Que horror. O que eu fiz para merecer isso? -- Sidney apoiou as costas na porta e fechou os olhos -- Ao
menos o banheiro é decente. Tem uma banheira enorme e um gerador de água quente.  

-- Menos mal. Ninguém merece banho com água fria -- Carol deixou a bolsa sobre a cama e foi até a janela -- A
vista é maravilhosa.  

-- Hum -- Sidney jogou a toalha sobre os ombros -- Vou tomar banho. Estou com nojo de mim mesmo.  

Carol sorriu. Coitado do amigo, acabou entrando de gaiato em toda aquela confusão.  

Sidney acendeu várias velas, deixando o banheiro todo iluminado. Pingou algumas gotas do óleo aromático na
água quente da banheira, respirou fundo e sentiu o agradável cheiro de flores.   

Encheu uma taça de vinho branco e colocou em uma mesa perto da banheira. Foi até a janela e afastou as
cortinas. Da banheira podia ver a mata, os pássaros, o sol caindo por entre as arvores.  

Perfeito, pensou, entrando na banheira. Colocou uma almofada para apoiar o pescoço e fechou os olhos
permitindo que todo o corpo relaxasse.   

-- Não basta ser elegante, tem que tomar banho apreciando a natureza -- Sidney olhou para fora, franziu o
cenho, apertou os olhos -- Meu Deus, o que o cansaço causa em um ser humano. Podia jurar que acabei de
ver uma girafa passando pela minha janela. Ufa! -- Sidney fechou os olhos novamente, mas em seguida voltou a
abrir. Piscou diversas vezes, para ter certeza de que não estava vendo coisas. Só que não...  

-- Ahhhhh... -- o rapaz gritou em pânico.  

Marcela e Sibele pularam do sofá.  

-- O que está acontecendo?  

-- O que foi isso? -- Carol correu assustada para a sala.  

Sidney apareceu pelado. Fazia gestos nervosos com as mãos, sequer conseguia falar, naquele momento.  

-- O que houve Sidney? Fique calmo, respire, respire -- Carol tentava em vão acalma-lo.  
-- Uma gi, uma girafa na janela do banheiro. Um bicho enorme, de uns dez metros, mascando chicletes.  

-- Tomou chá de cogumelos mágicos? -- Sibele se levantou -- Cada coisa!   

-- Maluco! -- Marcela jogou uma toalha para ele -- Girafa! Era só o que me faltava. Vou tomar banho. -- Você
acredita em mim, Andreia? Diz que sim, por favor!  

-- Caramba, Sid. Quer que eu acredite que você viu uma Girafa? Tá brincando, né! 

-- Mas Andreia... 

-- Eu vi você levando uma garrafa de vinho para o banheiro. Encheu a cara e agora fica vendo girafa. Que feio! -
- Carol girou nos calcanhares e saiu rapidamente da sala. 

Mariana acordou cedo no dia seguinte. Trocou de roupa, apanhou a bolsa que estava sobre a mesa e saiu em
direção ao ambulatória.   

Olhou ao redor. Mesmo cedo as ruas estavam cheias de turistas conversando animadamente. Mulheres com
saídas de banho, homens com bermudas coloridas, crianças brincando na areia.  

Movimentando-se com cuidado para não chamar a atenção, Mariana ficou esperando o rapaz abrir o
ambulatório e a zeladora entrar.  

-- É agora ou nunca -- ela invadiu o ambulatório e foi direto para a farmácia. Abriu a bolsa e guardou
nela: Cefalexina, ibuprofeno, soro, gases e mais alguns materiais -- Pronto, é tudo o que precisamos.  

Mariana estava pronta para sair quando ouviu uma voz de mulher.  

-- Cheguei mais cedo a pedido da doutora Talita. Ela quer que eu imprima um exame e leve para ela. Quando o
café estiver pronto, me chama.  

Mariana se escondeu rapidamente.  

A moça entrou na sala, ligou o computador. Imprimiu os exames e começou a analisa-los.  

-- Hum, vejamos. Carolina Falcão... -- a técnica de enfermagem arregalou os olhos -- Caramba, a doutora Talita
estava certa.  

-- O café está pronto, Vera -- avisou a zeladora -- Eu trouxe bolo de fubá.  

-- Maravilha! -- a técnica deixou os papeis em cima da mesa e foi para a cozinha tomar café. 

Mariana aproveitou para sair do esconderijo. Porém, não deixou o ambulatório sem antes dar uma olhadinha
nos exames da irmã de Natasha. 

-- Qualquer coisa que diz respeito à família Falcão, me interessa muito. Vejamos... BHCG.
Positivo? Uuuaauuu... 

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Capítulo 45 -- Não Deixe Para Amanhã por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 45 

Não Deixe Para Amanhã 

Natasha acordou cedo no dia seguinte, satisfeita por ter conseguido dormir mesmo com tantos pensamentos
negativos ruminando em sua cabeça. 

Tomou o café da manhã, vestiu uma calça jeans e uma camiseta e colocou um boné para então sair.  

Passou pelo escritório, assinou alguns documentos e foi em direção ao centro da ilha. Leozinho
e Layla haviam escolhido um terreno nas proximidades e ela decidiu visitar antes de aprovar a escolha dos
dois. 

Quando estacionou a caminhonete em frente ao terreno, Natasha não estava no melhor de seu humor. Mesmo
assim, prestou atenção nas explicações e nos motivos da escolha do local. 

-- O que achou chefe?  

Natasha olhou em volta. Era terra de perder de vista. 

-- A localização é ótima. E com certeza espaço não vai ser problema. 

-- Então, Natasha. Aprovado? -- Layla aguardava a resposta com ansiedade. Natasha era exigente e cuidadosa
na aprovação de projetos que mexiam com a paisagem natural da ilha. 

-- Sim. Está aprovado. Podem começar a construir o parque temático. 

Leozinho e Layla comemoraram, e Natasha tinha que admitir que também ficou satisfeita. 

Deixou os dois pulando de felicidade e caminhou em direção a praça da cidade, sorriu para algumas senhoras
e senhores sentados em frente às casas. Pessoas queridas, antigos moradores, os últimos imigrantes
açorianos que ajudaram seu avô e seu pai a desbravar aquelas matas catarinense. Encontrou a cafeteria da
Pedrita aberta onde comprou um café e água mineral, para então fazer o caminho de volta para casa.  

Carol desfez as bolsas, depois tomou um banho demorado. Vestiu um short e uma camiseta para então ir à
varanda. Enviou uma mensagem para o celular de Sofia, dizendo que chegara bem, mas a mensagem ficou
carregando, carregando e não foi. 

-- Que droga! Não tem sinal. 

O vento estava forte, balançava os galhos das enormes árvores que cercavam a cabana. O mar estava agitado,
as ondas batiam fortes contra a areia. O céu estava carregado, escuro. 

Natasha havia comentado sobre os terríveis temporais que costumavam cair sobre as ilhas. Foi apenas um
comentário que no dia Andreia não deu muita importância, mas agora a deixava apavorada. 

Marcela saiu da cabana equipada com uma bolsa onde levava toalha, vinho e queijo. 

-- Vai aonde? 

-- Vou até a praia, relaxar e tomar banho de mar. Estou levando vinho e algumas coisinhas para comer. Preciso
de um pouco de ar puro.  

-- Vai chover, acho melhor você ficar na cabana -- aconselhou Carol, sentando-se em uma cadeira. 

-- Vai nada! 

-- Se quiser, posso acompanhá-la. 

-- Prefiro ir sozinha -- assim que desceu o último degrau, Marcela se virou para Andreia -- Eu sou uma
aventureira. Não vou ficar trancada dentro dessa cabana. Tchau, maninha. 

-- Então, tchau -- Andreia ficou olhando Marcela sair rebolando cortando caminho pela trilha e tomando a
direção da praia. 
 

Natasha bateu à porta da cabana de Talita o mais forte que ousou e ficou esperando, aflita. Por algum tempo,
nada escutou. Depois, ouviu uma voz sonolenta 

-- Quem é? 

-- Sou eu, Natasha. 

-- Natasha? -- a porta foi escancarada e Carolina apareceu diante dela com os cabelos despenteados e cara de
sono -- O que está fazendo aqui? 

-- A doutora Talita me chamou. Sai da frente... 

-- Ela te chamou? -- interrompeu Carolina, sem se importar com a irritação da irmã -- O que será que ela quer? 

Natasha olhou-a com curiosidade. Sua reação parecia estranha demais. 

-- Não vai me deixar entrar? 

-- Claro, mas já vou adiantando que tudo o que a doutora te contar, só aconteceu porque ela me provocou.
Você não faz ideia de como ela é uma danadinha. Reagiu ao meu beijo com gemidos de desejo. A gente rolou
pela areia, e ela ainda estava sem a parte de cima do biquíni. Meu Deus! Que loucura! -- Carolina passou a mão
pela testa -- Nem pense em me punir por isso, eu sei muito bem que você é uma grande safada, se acha a
gostosona e vive dando em cima da mulherada. Eu não saio daqui do chalé da doutora nem amarrada -- a
garota respirou fundo -- Nem vem! 

-- Hã? -- Natasha não entendeu nada. 

Talita apareceu, a fisionomia carrancuda da doutora fez Carolina se afastar. 

-- Bom dia, Natasha. Entra. Já tenho o resultado dos exames da Carol. 

Natasha apontou o dedo indicador para Carolina. 

-- Depois eu converso com você. 

Natasha entrou no chalé com Talita e Carolina, e as três sentaram na sala de estar.  

-- Diga-me qual é o resultado do exame -- pediu a empresária. 

Talita meneou positivamente a cabeça. 

-- Natasha -- a médica fez suspense -- Andreia está grávida. 

Natasha ficou pálida como cera.  

-- Gravida? 

Talita balançou a cabeça. 

-- Sim, o resultado deu positivo para gravidez. 

Natasha levantou devagar do sofá e ficou em pé. 

-- Vai buscá-la? -- Carolina indagou, esperando, com sinceridade, ouvir um "não" por resposta. 

-- Sim. Lógico que vou. Não posso deixá-la naquele lugar isolado. Ela precisa de cuidados. Eu nunca vou me
perdoar se algo de ruim acontecer a ela ou ao bebê. 

Carolina olhou-a incrédula. 

-- Ela é uma mentirosa, Natasha! São usurpadores e canalhas. 

Natasha sentiu um aperto no estômago, e tornou a empalidecer. 

-- Como pode tratar essa mulher como se nada houvesse acontecido, Natasha? 

A tristeza anuviou o rosto da empresária e ela voltou-se para encarar a irmã, e Carolina percebeu sua
expressão decidida. 

-- Eu vou buscá-la. E fim de papo. 

Carolina ergueu os ombros, numa expressão de descaso. 


-- Bem, se você está se tornando um anjo, eu não estou! Eu odeio essa mulher! Odeio todos eles! Esqueceu-se
de tudo o que eles fizeram? Tudo bem. Dane-se o que você pensa. 

Carolina pegou a muleta e saiu batendo a porta. 

Natasha sentou-se, desanimada. Estava entre a cruz e a espada. Como poderia explicar o que sentia? A irmã,
no estado emocional em que se encontrava, não entenderia. 

-- O que eu faço, doutora? 

Talita olhou-a com estranheza. Natasha pedindo a sua opinião? Não queria se envolver na discussão das
irmãs, então encolheu uma forma bem sutil de comentar.  

-- Paulo Coelho disse: Escuta o teu coração, ele conhece todas as coisas, pois onde ele estiver, é onde está o
teu tesouro. 

Natasha sorriu como se aquela frase fosse a resposta para todas as suas dúvidas.  

Enquanto Mariana andava de um lado para outro da sala, César esvaziava um copo de uísque com dois goles. 

-- Essa criança só pode ser minha. 

-- Como tem tanta certeza disso?  

-- Andreia nunca foi uma mulher de muitos homens. Que eu saiba, fui o seu único namorado nos Estados
Unidos -- disse César confiante, enchendo novamente o copo. 

-- Se essa criança for realmente seu filho, estamos ricos. Ricos não. Estamos milionários! 

-- Estamos? -- César perguntou, dando uma gargalhada. 

-- Sou sua empresária. Esqueceu, banana? -- Mariana sentou, irritada -- Sozinho você não vai conseguir tirar
nem dez reais da Natasha. Ela dá cabo da sua vida com um estalar de dedos. 

-- Mas é o meu filho. Eu tenho direitos. 

-- Esqueceu que você tentou estuprar a mãe de seu filho? Natasha com o poder que tem, vai te enterrar na
cadeia. 

César desviou o olhar e ficou pensativo, absorvendo as palavras de Mariana, que no momento lhe pareceram
bem convincentes. 

-- Você está certa. Então, o que faremos? 

-- Vamos esperar. No momento certo, você entra em cena. 

César balançou a cabeça. Seus olhos se fecharam quando levou o copo aos lábios e saboreou mais um gole
da bebida. Talvez enfim fosse a hora da sorte.  

Marcela prendeu a respiração ao deparar com a beleza do cenário. Era a água mais azul que havia visto em
toda a sua vida! Parecia uma piscina! O céu estava escuro, mas o vento quente que vinha do mar tornava o
clima agradável. 

Percorreu a praia com o olhar, procurando o melhor local para estender a toalha.  

-- Aqui está perfeito -- Marcela sorriu, estendeu a toalha sobre a areia, deitou-se e abriu um livro -- Em pensar
que somos donas de tudo isso, quase tenho um orgasmo. 

Natasha entrou no carro e ligou o motor, a mão tremendo ao girar a chave. Sentia que o ar faltava nos seus
pulmões. Pegou a bombinha no porta-luvas e inalou umas três vezes. Aquela noticia a deixou chocada e
impotente. 

Durante o percurso do chalé de Talita até o hotel um pensamento invadiu-a como um raio; precisava buscar
Carol. Precisava trazê-la para o conforto da Ilha do Falcão. 

Elisa a aguardava diante da porta de sua suíte, como se soubesse que havia alguma coisa errada.  

-- O que foi? -- perguntou a senhora enquanto entravam no apartamento. 

Às vezes Natasha acreditava que Elisa era mesmo uma bruxa.  


-- Andreia está grávida. 

Elisa arregalou os olhos com alarme. 

-- Eu estava certa -- Elisa sorriu -- Agora você acredita em meus sonhos? 

-- Ainda acho que foi uma grande coincidência. 

-- Credo, Natasha! Como você é incrédula. 

-- O que está acontecendo? -- Leozinho entrou na suíte, com expressão de curiosidade e certa desconfiança. 

-- Acho que devemos nos sentar para conversar -- sugeriu Natasha. 

Os três sentaram na sala de estar. Leozinho estava ansioso. 

-- Pelo jeito é sério. 

Natasha meneou positivamente a cabeça. 

-- O exame que a Andreia fez antes de ir para a Ilha, deu positivo para gravidez. 

-- Jesus, Maria, José! -- Leozinho ficou olhando para Natasha de boca aberta -- Isso é fenomenal. Um bebê para
cheirarmos a cabeça. Que maravilha! 

-- Como as coisas são fáceis para você. Esqueceu quem é ela? 

-- Não, não esqueci -- enquanto falava, Leozinho sorria para elas -- Ela é uma mulher linda, meiga e que se dane
o plano idiota deles. Você a ama, não deixe o amor da sua vida ir embora. É com ela que você quer estar. 

Natasha e Elisa ficaram um bom tempo olhando para ele atônitas. 

-- Fumou umas pedras filosofais, é? Só pode -- Natasha estava tão irritada que saiu tropeçando nos móveis --
Se abrir a boca para falar essa besteira novamente, eu te afogo no bacio -- ela entrou no quarto e bateu a
porta com força. 

-- Você perdeu a cabeça, Leopoldo? -- Elisa entrecerrou os olhos, olhando-o com surpresa -- É muita coragem
falar essas coisas para ela. Você sabe como Natasha é cabeça dura. Ela nunca vai admitir que está apaixonada
pela mulher que a enganou. 

-- Que a enganou e que ainda a está enganando. Andreia precisa contar a verdade para a Natasha. Ela tem que
ao menos demonstrar arrependimento.  

-- Quem sabe não é só isso que esteja faltando para que a Natasha a perdoe -- disse Elisa, com a expressão
pensativa em seus olhos. 

Quando acordou do cochilo, Marcela notou uma brisa mais fresca e o mar bem mais agitado. O céu estava
escuro, parecia que a noite havia tomado conta do céu mesmo sendo dez da manhã. 

-- Andreia estava com razão -- ela engoliu em seco e apertou o estômago. Devia ter escutado a irmã. 

Um trovão ecoou, ameaçador e logo em seguida o rugido de um animal enfurecido. Marcela jogou-se ao chão
entre os arbustos e cobriu a cabeça. Sentiu um nó na garganta. Durante alguns segundos, não soube o que
fazer. Ficou paralisada de medo. 

Os primeiros pingos de chuva começavam a cair, ameaçando um temporal. Ela buscou coragem
desesperadamente e levantou a cabeça. Seus olhos castanhos se fixaram no animal, imponente, majestoso e
CARNÍVORO! 

-- Um... um... leão??? -- um tremor involuntário sacudiu o corpo de Marcela -- Só pode ser uma miragem -- Tinha
pavor de trovões e relâmpagos. Mas, no momento, mais terrível que a tempestade, era a possibilidade de ser
devorada pelo grande felino com sua juba enorme e suas garras afiadas. 

Marcela tremia de medo. O esforço para se controlar era inútil. Agarrou nervosamente a uma moita com tanta
força que seus dedos embranqueceram. 

Os trovões explodiam e o leão rugia fazendo um som profundo, como um berro longo, forçado com a boca
totalmente aberta.  

Andreia parada junto da porta da cabana observava o céu escuro. Um trovão ecoou, ela fechou os olhos
quando um raio clareou toda a varanda. 
-- Por que a Marcela tem que ser tão teimosa? -- perguntou mais para si mesma, do que para Sidney -- ela
umedeceu os lábios e desviou o olhar do rosto dele -- É perigoso estar nestes locais durante uma tempestade.
Um raio pode matar uma pessoa a 1 km de distância, mesmo que fique só com os pés na água ou na areia
molhada.  

-- A Marcela não é mais criança. Muito pelo contrário -- ele ergueu os olhos para ela. O rosto de Andreia
revelava preocupação e seus lábios estavam apertados -- Não se preocupe. Daqui a pouco ela aparece
andando tranquilamente... 

-- Socorrrrrrrooo... 

Marcela saiu de dentro da mata em uma corrida desesperada para escapar de algo que a perseguia. Ela olhava
para trás ainda correndo. Sua expressão demonstrava terror e aflição. 

-- Corre, corre... -- Andreia e Sidney, gritavam incentivando-a -- Falta pouco! 

Ao cruzar a linha de chegada, Marcela pareceu não acreditar no feito e desabou no chão da varanda. Seus
braços e pernas estavam arranhadas e sujas. 

-- Meu Deus, meu Deus, meu Deus... 

-- Eu hem! Até a pouco nem lembrava que Deus existe. 

-- Deixa ela, Sidney -- Andreia estudou-a demoradamente. A expressão dos olhos castanhos da irmã era de
muito medo -- O que aconteceu? Quem estava atrás de você? Era o César? Me fala! 

-- Um leão, Déia. Um leão enorme! 

Andreia e Sidney se entreolharam, comunicando-se sem palavras. 

Girafa, leão. Agora já era demais!  

Finalmente, munida de óculos escuros, boné e outros itens básicos na mochila, Natasha partiu para o hangar.
Estava decidida a buscar Andreia. A ruivinha não ficaria nem mais um dia naquela ilha isolada e perigosa. 

-- Vamos Erivaldo, quero estar de volta em menos de uma hora. 

-- Temos um problema chefe, o tempo está fechado e não tenho certeza se conseguiremos pousar na ilha. 

Natasha ouviu, mas não deu atenção. Ela deu de ombros, mostrando que o assunto não tinha importância. 

-- Existem dezenas de coisas que eu posso deixar para amanhã, Erivaldo. Eu posso sim escolher o que eu
posso fazer hoje e o que não quero deixar para amanhã. Buscar a Carol para mim é essencial e não posso
deixar para amanhã. Não posso deixar para amanhã o que quero que a vida seja, hoje! 

Erivaldo coçou o queixo bem barbeado e sacudiu a cabeça. 

-- Como eu falei, chefe. Não tenho certeza -- Erivaldo abriu a porta da aeronave para Natasha entrar -- Como
teremos certeza se não formos até lá?  

-- Agora sim você falou como o meu comandante. 

Ele deu uma risadinha. 

Sibele quase rolou no chão de tanto rir. 

-- Um leão! Essa é boa. 

Sidney suspirou e serviu-se de outra taça de vinho.  

-- Pois eu não duvido de mais nada. Depois de ontem à noite, ninguém me tira de dentro dessa cabana. Só falta
encontrarmos índios canibais. 

-- Aonde está a Marcela? -- Sibele perguntou, não conseguindo evitar o riso. 

-- Foi tomar banho, coitada. Chegou a fazer xixi na roupa. 

Andreia abriu a porta da cabana com violência e fechou-a rapidamente. Estava pálida e completamente sem ar. 

-- O que aconteceu Andreia? -- Sidney correu até ela -- Como você está pálida! 

Ela ficou boquiaberta, mas não conseguiu falar nada. Ela tentou, mas as palavras não saíam. 
-- Vou buscar um copo d'água para você -- Sidney foi até à cozinha e logo voltou com um copo nas mãos --
Beba, vai lhe fazer bem. 

Andreia, muito trêmula, pegou o copo que Sidney lhe estendia. Devagar ela bebeu um pouco da água. 

-- O que aconteceu, meu amor? -- insistiu Sidney. 

-- Um... -- ela tomou, de uma só vez, o restante da água e colocou o copo sobre a mesa -- Um... Um elefante
acabou de passar aqui na frente da cabana. 

Sidney lançou um olhar para Sibele e depois para a taça com vinho. 

-- Será que estão colocando droga em nossa bebida? 

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Capítulo 46 -- Eu Vou Morrer? por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 46

Eu Vou Morrer?

Sidney foi até a janela, afastou as cortinas e deu uma olhadinha para fora.

-- Nem sinal dos animais. Será que eles estão reunidos planejando uma estratégia de ataque?

-- Para de falar besteira -- Sibele atravessou a sala e sentou-se ao lado de Marcela no sofá -- Desde quando
animais criam estratégias?

-- Você diz isso porque não ficou frente a frente com a girafa. Pela cara do animal deu pra ver que ele possui
algum tipo de instinto maléfico, pronto para detonar a raça humana.

-- Você está querendo dizer que ele faz parte de uma estratégia de espécies de animais em busca de extinguir a
raça humana antes que os humanos os extinguem. Basicamente um tipo de autodefesa?

-- Exatamente! -- Sidney respondeu sério, mas Sibele caiu na gargalhada.

-- Seu louco! -- Sibele passou o braço pelos ombros de Marcela e a manteve junto de si -- Pois eu acho que o
leão estava tarando a Marcela.

Sidney franziu a testa, rabiscou algumas letras em sua palavras-cruzadas e então mordeu a ponta da caneta.

-- Um animal com "V"?

-- Você! -- respondeu Marcela rindo.

-- Veado! -- respondeu Sibele.

-- Engraçadinhas! Estou falando sério -- Sidney jogou a revista de palavras-cruzadas em cima da mesa e se
voltou para Andreia -- Ainda está pensando no elefante? Pode falar. É normal, eu mesmo não consigo parar de
pensar na girafa. Aquelas orelhinhas, aquela boquinha, mascando, mascando. Vocês sabiam que os machos
dos elefantes costumam beber a urina das fêmeas logo antes de fazerem sexo? E que o café mais caro do
mundo vem do cocô de elefante?

Andreia correu para o banheiro, mal chegando à pia em tempo, antes de começar a vomitar.

-- Olha só o que você fez -- Marcela bufou irritada.

-- Que coisa! A Andreia até parece que está grávida -- ele deu uma risadinha e olhou para Marcela e Sibele. As
feições sérias das duas, plantou uma sementinha de desconfiança no rapaz -- Vocês estão escondendo algo
de mim?

Andreia prendeu os cabelos em um coque no topo da cabeça e retirou a roupa. Ela entrou na água com um
leve suspiro de satisfação, permitiu que todo o corpo relaxasse. Sentia as tensões do dia desaparecerem
lentamente para serem substituídas pela sensação de bem-estar.

Ela pegou a caneca com chá e deu um pequeno gole. Ela riu suavemente, lembrando do elefante caminhando
tranquilamente pelo quintal. Nunca imaginou que passaria por tantas emoções em tão pouco tempo.

O sabonete tinha cheiro de ervas. Ela fez uma leve espuma e começou a passar na pele, demoradamente.
Fechou os olhos imaginando outras mãos tocando seu corpo, outros dedos acariciando suas pernas, seu
braços, seu abdome, seus seios, descendo... Descendo...

-- Ahhh... Natasha... -- disse ela, com a respiração ofegante e a voz rouca.

Andreia gemia movendo os quadris, se contorcia enquanto friccionava o clitóris.

-- Ahhh, Deus! -- ela gritava, empurrando ainda mais o quadril.

-- Andreia!

A porta se abriu com um estrondo e ela mergulhou apressadamente deixando seu corpo completamente
submerso.

-- Meu Deussssss... -- Sidney a puxou pelos cabelos -- Você está tentando o suicídio!

-- Me larga! -- Andreia se debateu -- Seu louco!


Finalmente ele a soltou.

-- Ai, desculpa. Pensei que estava se afogando de propósito -- ele sentou na beirada da banheira e a fitou
desconfiado -- Imaginei ter ouvido gritos.

-- Que se afogando, seu bobo -- ela mergulhou uma das pernas ensaboadas e depois a outra, deixando que a
água as enxaguasse -- Estava apenas relaxando.

-- Hum -- ele hesitou por uma fração de segundo -- Andreia seja sincera... Existe alguma possibilidade de você
estar grávida?

Andreia arregalou os olhos e até se esqueceu de respirar. Percebeu que Sidney também não estava
respirando, e franzia os olhos como se preparando para a resposta.

Na verdade, estava desconfiada. Seu corpo estava mudando. Sua cintura se mostrava um pouco mais larga, a
barriga estava mais inchada do que o normal e não estava conseguindo fechar algumas de suas calças jeans?
Pensou que fosse o TPM, mas o inchaço não foi embora e seu período menstrual não veio. Os seios doloridos
ou inchado, também aconteciam antes da menstruação. Por isso, não estranhou.

-- Andreia... Andreia... Está ouvindo esse barulho?

Ela foi arrancada dos seus devaneios pela voz ansiosa de Sidney.

-- Um helicóptero?

O som do motor cobriu-lhe a voz. Ela agarrou o braço de Sidney e se levantou da banheira. Seu coração
disparou. Só conseguia pensar em uma pessoa: Natasha.

O comandante Erivaldo olhou para Natasha e sorriu.

-- Que bom. O vento não está tão forte e parou de chover, vamos descer sem problemas -- ele disse aliviado --
Vou pousar o helicóptero naquela clareira.

-- Você não vai pousar o aparelho -- Natasha gritou perto da orelha de Erivaldo.

-- Não? -- ele perguntou, surpreso.

-- Eu quero algo mais glamouroso. Uma chegada triunfal.

O homem sentado a seu lado olhava para ela um pouco enauseado.

-- Para quem quer se mostrar?

-- Para ninguém. Só faça o que eu mandar -- disse ríspida -- Vou descer pelo cabo.

-- Fast Rope (corda rápida)? Tem consciência do que está querendo fazer? Você pode quebrar a perna, o
braço, ou até mesmo o pescoço. Pode ficar paralítica ou até mesmo morrer.

-- Quanto drama, Erivaldo -- Natasha soltou o cinto e foi para a parte de traz do aparelho -- Sou praticamente
uma guerrilheira.

-- Desde quando?

-- Desde...Desde... Cala a boca, Erivaldo - Natasha esbravejou - Fique tranquilo já fiz isso diversas vezes.

-- Quando?

-- Quando eu era criança, descia do sótão da casa do vovô por uma corda. Era moleza.

O comandante bufou, indignado.

-- Natasha, estamos em um helicóptero e não no sótão da casa do seu avô. Para de querer se exibir. Não
quero que se machuque.

-- Eu entendo, Erivaldo. Só que não! -- Natasha abriu a porta de correr e começou a descer um cabo. Calçou
luvas e agarrou-se ao cabo que a conduzirá do helicóptero ao solo.

Erivaldo viu que não tinha jeito. Natasha não ouvia ninguém.

-- Vou manter a aeronave estável, em voo pairado, para a sua descida, bem como compensar de forma
adequada a variação de peso/potência durante o hover.

-- Faça isso -- ela trançou os pés para realizar uma espécie de freio durante a descida. Com as mãos, ela
mantinha seu tronco próximo ao cabo -- Lá vou eu.
 

Todos correram para a varanda. Uma imensa sombra negra de um helicóptero voou sobre eles.

-- A Natasha está descendo por uma corda! -- Sidney levou involuntariamente a mão à cabeça -- Meu Deus! Uma
mulher como essa realmente existe?

Andreia sentiu o corpo inteiro ficar tenso.

-- Que coragem! -- a ruiva estava fascinada. Natasha vestia uma calça jeans justa, uma camiseta de algodão e
uma bota de couro. Os cabelos castanhos brilhantes presos por uma faixa. Mas a atenção de Andreia ficou
concentrada no corpo perfeito que parecia ter sido esculpido.

-- Que exibida! -- Marcela fez uma careta -- Quem ela pensa que é? Indiana Jones?

-- Tomara que caia de bunda e quebre o cóccix -- disse Sibele, cruzando os dedos atrás das costas.

-- Quanta inveja! -- Sidney fitou Sibele, com desprezo -- Apagar a luz do outro, não vai fazer a sua brilhar,
querida. Quem nasceu para ser Fusca, nunca será Ferrari.

-- Cala a boca! -- Sibele mostrou o dedo do meio para ele.

Natasha tocou suavemente o chão. Seu sorriso, falso transmitia tranquilidade, calma e segurança, mas, na
verdade, estava quase se borrando de medo. Descer de 20 metros, com a aeronave balançando ao vento,
equilibrar-se somente com a força das mãos, não era nada fácil. O corpo estava todo dolorido e mal conseguia
se movimentar.

Andreia correu para recebê-la.

-- Não acredito que você fez isso! -- Andreia pulou para cima de Natasha, passando os braços em volta do
pescoço dela.

-- Pois acredite, eu fiz, como fiz, e se bobear faço outra vez -- Natasha fitou-a com os olhos num tom cinza
levemente esverdeado.

Andreia fitou o verde, com seus olhos castanhos brilhantes. Verde e castanho, era uma combinação perfeita.

Natasha piscou várias vezes, quebrando a conexão entre elas.

Marcela desceu as escadas e parou de frente para Natasha. Havia algo entre as duas e ela daria tudo para
adivinhar o que era. Uma corrente de energia, quase palpável, que fazia-a temer pela irmã e pelo plano.

-- Uma apresentação digna de um filme de Hollywood -- comentou.

-- Obrigada, Marcela. Tudo fruto de muito treinamento.

-- Já com saudade de mim, Natasha? -- perguntou Sibele, encostada à parede da varanda.

-- Saudade de você? Saudade eu tenho é de quando vinha brinde no salgadinho. De você eu nem lembro.

Sibele bufou e olhou para o outro lado. Natasha sorriu.

-- Brincadeirinha, doutora. Na verdade pensei em você. Gostou do seu transporte? O Tião me disse que ele
adorou.

Sibele nem respondeu.

Andreia pegou uma das mãos de Natasha e a apertou.

-- Nat, precisamos conversar. Essa ilha está cheia de animais selvagens. Tem leão, girafa, elefante e sabe-se lá
mais o que? Você precisa tirar a gente daqui. Estamos correndo perigo.

Natasha respirou fundo. Doía muito vê-la com tanto medo, sabendo que ela foi a causa de tudo isso.

-- Ora, Carol. Estamos em Santa Catarina e não na Savana Africana. O máximo que temos em nossa mata
Atlântica é mico-leão-dourado, onça-pintada, bicho-preguiça, capivara, tamanduá-bandeira, jaguatirica e
outros animaizinhos inofensivos.

-- Mas, nós vimos! -- ela insistiu, apertando ainda mais a mão da empresária.

-- Tinha uma girafa me espiando pela janela do banheiro.

Natasha sentiu vontade de cair na gargalhada, mas conteve-se.

-- Que coisa estranha -- resmungou -- Eu resolvo isso depois, agora tenho um assunto muito mais importante
para conversar com você.
Todos olharam para ela com os olhos arregalados e assustados. O que poderia ser mais importante que uma
invasão de animais selvagens?

-- Tá, vamos entrar, então -- Andreia disse, hesitante. Imediatamente ficou tensa, pressentindo problemas.

Entraram na cabana e foram direto para o quarto. Natasha sentou-se na cama, as mãos entrelaçadas sobre os
joelhos e um olhar que denunciava seriedade.

Andreia observava a empresária analisar o lampião que iluminava parcialmente o pequeno quarto.

-- Carol? -- chamou ela, quebrando o interminável silêncio.

-- Sim?

Natasha não conseguia olhá-la nos olhos, o que aumentou o seu nervosismo. Temeu por ela ouvir o som de
seus batimentos cardíacos.

-- A doutora Talita me chamou para entregar o resultado do seu exame.

-- Eu vou morrer? -- perguntou com os olhos cheios de lágrimas - Fala a verdade, Natasha. Estou com alguma
doença incurável?

Natasha sorriu achando o comentário engraçado. A empresária ergueu o queixo de Carol de modo que ela
fosse obrigada a encará-la.

-- Por que está achando isso? -- ela quis saber, erguendo a mão e passando pelo rosto da ruiva.

-- Deve ser algo muito grave, para você vir até aqui.

Natasha parou de sorrir e acomodou-se mais próxima dela.

-- Você não está morrendo, Carol. Posso até afirmar que você se encontra muito bem -- sua mão direita buscou
a dela, apertando-a com gentileza -- Você está grávida, Carol -- disse Natasha, num sussurro, enquanto
colocava a outra mão sobre o ventre de Andreia.

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Capítulo 47 -- Eu Detesto Você por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 47

Eu Detesto Você

Andreia ergueu o olhar para encarar Natasha, e seus lábios tremeram, como se estivesse na iminência de uma
crise de choro convulsivo.

-- Grávida? -- ela parou para tomar fôlego.

-- Eu preferia que você soubesse da novidade de outra forma, mas não foi possível.

-- Obrigada por ter vindo me contar -- foi tudo que conseguiu dizer. A surpresa, as dúvidas, se misturavam em
uma emoção conturbada que a impedia de falar.

Natasha levantou-se de repente, deu alguns passos para a frente e se virou.

-- Não ficou feliz com a notícia? -- Natasha estava em pé, e várias dúvidas povoavam-lhe o pensamento.

-- Feliz? Meu Deus! -- ela sorriu - Só estou tentando assimilar a notícia. Estou até meia abobada.

-- Desculpa a pergunta indiscreta, mas você sabe quem é o pai?

Andreia sentiu uma lágrima chegar-lhe aos olhos e um nó na garganta. Esse era o seu grande problema.

-- Sim, eu sei -- Quase quatro meses depois de terem se conhecido. As lembranças voltaram-lhe à mente. César
a empurrou para dentro do quarto e a jogou na cama com violência. Mostrou-se corajosa lutando contra ele
para tentar escapar. Não conseguira esconder o temor evidente em seus olhos. César agira como um ogro,
mas ela o amava na época, ou pensava amar -- Natasha tenho algo muito importante para te contar -- Andreia
envolveu o rosto da empresária com as mãos. Não conseguia raciocinar. Sua mente estava entorpecida. Ela só
pensava em contar. Contar toda a verdade de uma vez por todas -- Talvez, depois dessa conversa, você até me
odeie, chame a polícia, me mate, sei lá. Mas, eu não posso mais esperar.

Natasha sorriu com os olhos verdes brilhantes. Ela manteve Andreia bem perto de seu corpo, enterrando o
seu rosto nos perfumados cabelos ruivos. Uma lágrima lhe escorreu pelo rosto. Queria tanto que Andreia
matasse a falsa Carolina. Que acabasse com toda aquela mentira que a magoava tanto. Mas, não queria pressa.
Queria sentar com calma e conversar. Olhar nos olhos de Andreia e ver o arrependimento refletido. Abrir o
coração e perceber que vale a pena perdoar.

-- Teremos todo o tempo do mundo quando chegarmos a Ilha do Falcão -- ela disse com ternura. Agora sabia
que Andreia contaria tudo. Seria um crime apressar as coisas -- Nesse momento, minha prioridade é a sua
segurança.

-- Tá certo. Vou dizer para eles arrumarem as malas -- as duas saíram do quarto abraçadas.

Havia um brilho de indiferença nos olhos de Natasha.

-- Eles vão ficar na ilha -- o rosto delicado de Natasha não demonstrava emoção alguma quando se tratava da
irmã e dos amigos de Andreia.

-- De modo algum. Nem pensar -- Andreia cruzou os braços e parou no meio da sala -- Não vou a lugar algum
com você sem os meus amigos.

Dando de ombros, Natasha começou a puxá-la para fora da cabana.

-- Vai sim!

-- Não vou deixar eles em um lugar cheio de animais selvagens -- Andreia gritava -- E se algo acontecer a eles? --
perguntou Andreia, enquanto o helicóptero pousava em uma clareira.

-- Nada vai acontecer a eles. Preocupe-se apenas com você, com sua gravidez.

Marcela, Sibele e Sidney, olhavam atônitos para a cena sem saber o que fazer. Não se atreveriam enfrentar
Natasha naquele momento. Ela estava brava e decidida.

-- Não! -- gritou Andreia, mas Natasha a ignorou.

A empresária pegou-a pela cintura, ergueu-a e colocou-a sobre o ombro.


-- Vamos ver se não vai -- Natasha atravessou o quintal arenoso em direção ao helicóptero.

-- Ponha-me no chão! -- Andreia esperneava tentando fugir dos braços apertados ao seu redor -- Sidney,
Marcela. Me ajudem!

Natasha era alta e forte. Andreia não tinha a mínima chance contra ela.

-- Pare de lutar comigo -- Natasha a tombou sobre o banco do helicóptero.

-- Você não pode me tratar dessa forma. Assim que conseguir me livrar de você, eu volto para buscá-los --
jurou ela, enquanto lágrimas enchiam seus olhos.

Natasha fez um gesto para Erivaldo. O helicóptero começou a levantar.

-- Você está chorando -- ela alisou os cabelos ruivos.

-- É claro que estou chorando -- ela afastou a cabeça -- Minha irmã e meus amigos estão correndo risco de
vida. Como quer que eu me sinta? -- ela olhou para fora da janela e deixou escapar um soluço.

-- Eles vão ficar bem. Acredite em mim.

-- Isso é tudo que você pode dizer? Acredite em mim, acredite em mim. Não acredito mais em você! Quem
pensa que é?

Mas Andreia sabia quem ela era. Ela era Natasha Falcão. Uma das pessoas mais ricas do mundo. Tão poderosa
que poderia fazer o que quisesse com ela. Não deveriam nunca ter se metido com aquela mulher. Pensou,
arrependida.

-- Será que é tão difícil assim você entender? Que estou apenas cuidando de você!

A doçura das palavras dela, surpreendeu Andreia e não a deixou raciocinar com clareza.

-- Cuidar de mim desse jeito?

-- Desculpa, pela grosseria. Sei que está grávida e não deveria tratá-la dessa forma. Mas, você não me deu
alternativa.

Seu modo lento e calmo de falar em nada lembrava a Natasha de minutos atrás.

-- Por mais que você diga que nada de ruim acontecerá a eles, eu não consigo ficar tranquila.

-- Eu sei que nada de ruim acontecerá a eles, porque fui eu quem contratou uma equipe de circo para levar os
animais para a ilha -- Natasha desviou o olhar para fora. O sol voltava a brilhar no céu.

Uma onda de raiva incontrolável assolou Andreia. Como Natasha ousara fazer aquilo com eles?

Finalmente, o helicóptero balançou e pousou exatamente sobre o alvo pintado no chão. No instante que
Erivaldo abriu a porta, Andreia desceu e saiu caminhando apressadamente.

-- Espera! -- Natasha alcançou-a, segurando-lhe o cotovelo.

Andreia puxou o braço se desvencilhando.

-- Não me toque -- Andreia deu alguns passos, se afastando do helicóptero. Um pouco mais adiante ela se
virou para olhá-la -- Você me enganou. Me fez de boba. Eu detesto você, sabia?

Por um segundo, a raiva cobriu as feições de Natasha.

-- Dói ser enganada, ser feita de boba. Não é mesmo?

O tom gelado na voz da empresária a abalou. Natasha se virou e, para espanto de Andreia, ela começou a
andar em direção a caminhonete estacionada em frente ao hangar. A angústia a envolveu. O que estava
acontecendo?

Antes de ligar o carro, Natasha disse que a levaria para algum lugar em que pudessem conversar.

Tudo o que Andreia queria era fugir daquela conversa. Mas que escolha tinha agora? Confessar era a única
opção que restava. Resolveria a situação. Imploraria de joelhos para Natasha se fosse preciso, mas, não
podia ir para a cadeia. Não com uma criança em seu ventre.

Marcela balançou a cabeça. Com aquele gesto, seu pensamento desviou-se para Andreia e inúmeras perguntas
vieram-lhe à mente. Será que a Natasha descobriu que Andreia não é a sua verdadeira irmã? Ou descobriu
que ela está grávida?
-- O que você acha de tudo isso, Sibele?

-- Acho que estamos ferrados -- ela fez uma pausa e estudou o rosto da namorada.

-- E isso não a preocupa?

-- Não muito -- Sibele respondeu, inexpressiva.

-- Acho melhor nós começarmos a construir uma jangada -- disse Sidney, apavorado -- Fomos abandonados
para morrer.

-- Já começou a falar besteira? -- Sibele disse, secamente -- Tudo vai dar certo, Sidney.

-- Vai não -- o rapaz disse, quase chorando -- A Natasha sabe de toda a verdade. Ela descobriu todo o nosso
plano.

Marcela e Sibele se entreolharam, assustadas. As palavras de Sidney ficaram suspensas no ar, como nuvens
negras e ameaçadoras.

Natasha estacionou o carro diante de uma pequena construção, alguns metros distantes do hotel principal,
saiu do carro e bateu a porta com força.

Andreia também desembarcou e se irritou ao se descobrir correndo atrás dela como uma tonta.

Natasha diminuiu o ritmo aliviada ao ouvir os passos na escada e saber que Andreia a seguia. Parou diante da
porta do chalé, retirou uma chave do bolso e abriu a porta.

-- Por aqui -- disse ela num tom frio e distante, indicando o caminho da sala.

Andreia a seguiu. O espaço era pequeno, mas bem arejado, iluminado e a vista da janela era de tirar o folego.

-- Senta -- ela pediu -- Já volto.

Haviam três sofás brancos de couro, um grande e dois pequenos. Uma mesa de centro de madeira e uma
Smart TV de 52 polegadas. Andreia se sentou no sofá maior, de frente para a janela. Suspirou com a visão do
pôr do sol. Levou as mãos ao ventre. Se estiver certa, o bebê nascerá no próximo verão. Estava feliz, mas
preocupada. A presença de César na ilha a deixava desesperada.

Um minuto depois, Natasha voltou para a sala. Entrou com o seu jeito arrogante e uma xícara de café na mão.
O coração de Andreia deu um pulo.

-- Beba -- entregou a xícara para ela e sentou-se no sofá menor -- Quer algo para comer?

Natasha parecia perfeitamente calma, até relaxada, e deu-lhe um sorriso absolutamente normal.

-- Não, obrigada -- Andreia esvaziou a xícara e a colocou sobre a mesa de centro. O que diria a Natasha? Ela se
perguntava. A necessidade de confessar que ela sentira minutos antes desapareceu completamente -- Lugar
bonito! -- ela sentia vontade de sair correndo.

-- Sim -- concordou -- Mas, é apenas mais um dos chalés da ilha. Nada de especial.

-- Não acredito nisso! -- Andreia olhou para a imensidão do mar -- Um lugar com uma vista tão maravilhosa será
sempre especial.

Natasha pensou no significado daquelas palavras. Ela a levara lá para que conversassem e ficassem sozinhas
e não para falar sobre o pôr do sol maravilhoso.

-- Você tinha algo para me contar. Não é mesmo? -- sua voz continha um misto de angústia e ansiedade -- Sou
toda, ouvidos.

Andreia hesitou por uma fração de segundo. O silêncio tornou-se muito desconfortável. Ela estava consciente
de que Natasha a olhava, e antes que as lágrimas cortassem a voz, disse:

-- Sou uma mentirosa.

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Capítulo 48 - Você me faz perder o ar por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 48 

Você me faz perder o ar 

Andreia sabia que tinha que pedir perdão pela sua atitude, explicar. Só que não sabia como explicar, algo que
ao seu ver não tinha explicação e nem perdão. 

-- Natasha. Eu... Eu não sou a sua irmã Carolina -- um silêncio tenso se seguiu, enquanto Andreia escolhia as
palavras certas -- Eu não tive outra saída.  

Natasha não pareceu alterar-se pela confissão. Isso deixou Andreia ainda mais confusa e hesitante. 

-- Quer me contar a história com mais exatidão? Não tenha pressa, leve o tempo que for preciso. 

Andreia ficou surpresa com a mansidão de Natasha. O tom de voz e a atitude dela a deixaram alarmada.
Esperava outro tipo de reação quando confessasse que era uma impostora. A empresária era tempestuosa,
explosiva. Onde estava aquela máscara insolente de frieza? Aquele olhar verde musgo de arrogância? O
sorriso irônico na boca tão bonita?  

Andreia se ajoelhou diante dela e lhe tocou o braço em um gesto de contrição. Ela suspirou fundo antes de
falar: 

-- Faziam três anos que estava estudando nos Estados Unidos. Vivia tranquila, meu pai todo mês enviava o
dinheiro para as despesas. Ele nunca sequer, deixou atrasar um dia a mensalidade -- disse, pigarreando, com
um nó na garganta -- Penso que já saiba tudo sobre o meu pai. Sobre ele e sobre o hotel. 

Natasha sacudiu a cabeça. Andreia continuou. 

-- Não fazia ideia que as coisas estavam tão ruins por aqui. Só descobri que estávamos falidos, depois que o
meu pai sofreu o enfarte. 

Enquanto Andreia falava, Natasha observava atentamente suas expressões, seus olhos castanhos e sua
boca.  

-- Doutor Vicente, o cardiologista responsável pelo caso do meu pai, foi quem me chamou. 

-- E Marcela? Ela não percebeu que o hotel estava em crise, e que por conta disso o salário dos funcionários,
o pagamento dos fornecedores e todos os outros compromissos financeiros não estavam sendo cumpridos?
Ela não enxergou o que era tão evidente? 

-- Marcela nunca deu importância aos negócios da família. Primeiro porque papai a conhecia muito bem. Então,
preferiu não a envolver nos negócios, e segundo porque esperava que eu, após formada, assumisse a
administração do hotel. Faltava pouco, ele arriscou me esperar. 

-- Penso que a sua irmã é uma grande folgada. Isso sim -- segurando a mão dela com firmeza, Natasha a levou
de volta ao sofá grande -- Vamos sentar. Quero saber o que aconteceu depois que você chegou ao Brasil.  

-- Quando cheguei ao Brasil, me deparei com a triste realidade -- Andreia começou a chorar intensamente.
Lágrimas corriam livremente por sua face pálida -- Meu pai estava morrendo, Nati. Ele estava morrendo e não
tínhamos dinheiro sequer para mantê-lo no hospital. 

-- Eu fiquei sabendo -- confessou Natasha -- Eu sei de tudo sobre a sua família. Assim que você se apresentou
como Carolina, eu enviei pessoas para o Rio. Eles investigaram e me repassaram tudo o que conseguiram
descobrir -- Natasha se levantou e foi até o bar para se servir de algo forte -- Eu sei tudo sobre o estado de
saúde do seu pai. Talita me enviou um relatório completo -- Natasha colocou a garrafa de bebida sobre o
pequeno balcão e olhou longamente para Andreia -- Quero saber como tudo começou. Como vocês tramaram
esse plano diabólico contra mim. 

Andreia abaixou-se para tirar as sandálias. Isso lhe deu tempo para pensar. Precisava enfrentar as próprias
emoções e encarar um fato do qual, reconhecia, vinha fugindo a muito tempo. 

-- A situação se agravava a cada dia. Um Oficial de Justiça me procurou para entregar uma ordem de despejo.
Meu pai tinha penhorado o apartamento e não conseguiu pagar a dívida. O juiz fixou prazo de trinta dias para
que desocupássemos o imóvel.  

-- E o que você fez? Tentou ao menos negociar? 


-- Tentei de tudo, Nati, mas não teve jeito. Entreguei o apartamento e fui morar com a Marcela. Foi lá que
conheci a namorada dela. A doutora Sibele. 

-- A Sibele é a namorada da Marcela? -- Natasha não pode conter sua surpresa. 

-- Sim. A Marcela havia conhecido a Sibele algum tempo atrás em uma festa no Rio de Janeiro -- Andreia passou
a mão sobre o rosto e continuou -- Minha irmã contou para ela que estávamos falidos. Foi então que a Sibele
teve a ideia de me fazer passar pela Carolina. Segundo ela, eu me encaixaria direitinho no papel de sua irmã
desaparecida. Ruiva e com sardas pelo rosto. Sem contar o fato de também ser adotiva. 

-- Desgraçada! -- Natasha atirou o copo contra a parede -- O que faltava para ela? 

-- Eu não queria, Nati. Juro que não -- murmurou com um fio de voz -- Eu disse que preferia a sarjeta do que
agir como uma criminosa -- Andreia baixou a cabeça com uma expressão triste -- Mas, como meu pai estava
inadimplente por mais de sessenta dias, consecutivos com o plano de saúde, a operadora cancelou o
contrato. O hospital começou a nos pressionar. Sem o plano de saúde, teríamos que o transferir para um
hospital do SUS -- com um suspiro renitente, ela se sentou -- O problema é que ele não resistiria a
transferência para outro hospital. 

Andreia fitou Natasha com um olhar agoniado e voltou a ficar cabisbaixa. Sua tristeza e arrependimento
pareciam realmente sinceros. Mas era tanta maldade e cobiça que Natasha não conseguiu evitar um
comentário ríspido. 

-- Meu avô sempre dizia que: "A ocasião faz o ladrão". 

-- Não fala assim Natasha -- pediu Andreia, ressentida. 

-- Não consigo pensar em um provérbio mais apropriado que esse. 

-- Não tive outra saída. E se meu pai morresse? Eu carregaria essa culpa pelo resto da vida -- ela parou diante
da súbita vontade de chorar, contendo as lágrimas -- Por isso aceitei. 

-- Deixe-me ver se adivinho. O detetive Vanderlei também faz parte da quadrilha -- Natasha falou com ironia e
se reclinou para ela -- Acertei? 

Ignorando o sarcasmo, Andreia prosseguiu: 

-- O detetive Vanderlei estava indo para o Rio conversar com o especialista em retratos. Sibele o chamou para
uma reunião e propor um acordo. 

-- Eu coloquei dois milhões na mão daquele salafrário -- Natasha não conseguiu controlar a expressão
nauseada do rosto -- Quanta safadeza! 

-- Sibele entregou o meu retrato para ele e ele entregou para o especialista em retratos. 

-- Por isso que o retrato da Carolina que foi espalhado pelo Rio, era tão parecido com você -- Natasha se
afastou um pouco, com expressão sombria e misteriosa. Ela parecia enraivecida. 

-- Para que tudo ficasse ainda mais confiável, ele procurou a impressa e pagou para que eles fizessem uma
reportagem e divulgassem a foto. 

-- Depois da reportagem vocês entraram em contato comigo. 

-- Sim, mas faltava um detalhe: O exame de DNA.  

-- Você nem precisa dizer quem manipulou o resultado de DNA -- Natasha riu, amargamente -- Infelizmente, no
Brasil, o DNA se transformou em uma indústria comercial. Temos uma legislação falha, que facilita esse tipo
de crime. Deve ter sido muito fácil para a Sibele conseguir um resultado falso. Não é ficção e sim a mais pura
verdade. "Quem não recorda que em 2009, no Piauí, foi fechado um laboratório, porque a geneticista estava
falsificando laudos e chegaram a mais de 60 (sessenta) pessoas a serem prejudicadas". 

-- Foi fácil, sim -- Andreia concordou. As palmas das mãos transpiravam e, sentia uma dorzinha chata à altura
do estômago. 

-- Canalha! Lembro-me que ela chegou a colocar em dúvida a veracidade da sua história e se ofereceu para
providenciar o exame. Eu sei que foi fácil me enganar. Eu aceitei tudo de olhos fechados. Estava tão feliz por
ter encontrado a minha irmã -- disse ela com voz irritada. Sua revolta era maior com Sibele -- Não consigo
entender o que levou a doutora a se virar contra mim. Ganância? Faltava dinheiro para ela? Eu pagava uma
fortuna para aquela mulher. Nenhum médico no Brasil recebe o que a Sibele recebe aqui -- Natasha passou a
mão pelo cabelo e respirou fundo buscando um pouco mais de ar -- Vocês tramarem contra mim, até entendo.
Mas uma pessoa que sempre considerei uma amiga, que me conhece há anos, me apunhalar pelas costas? O
que a levou a isso? Me conta. Isso me foge à compreensão. 

Andreia tapou o rosto com as mãos chorando compulsivamente. 


-- O amor -- Andreia não conseguia olhá-la nos olhos, só chorava -- Ela fez isso por amor a Marcela. O mesmo
amor que está me deixando louca. O mesmo amor que descobri estar sentindo por você e não consigo
controlar. 

Natasha olhou para ela quase sem ar.  Passou a mão pela testa úmida e caminhou até a janela que dava para o
jardim. Estava aberta e o aroma forte das flores entrava espalhava-se pela sala, piorando ainda mais a sua
dificuldade de respirar. 

-- Me perdoe, não posso mais esconder o que sinto por você. Um amor intenso como esse só é possível uma
vez na vida. 

Natasha continuava, silenciosa e imóvel, escutando e avaliando cada palavra de Andreia.  

-- Eu sabia que não podia revelá-lo. Você não devia saber de nada. Sim, pois era evidente que não sentiria a
mesma coisa por sua irmã. A mim só restava sentir a dor de amar sem esperanças. 

O choque da revelação pareceu rasgar o peito de Natasha. Ela começou a tossir desesperadamente. Sentou-
se no braço do sofá, com as mãos sobre o peito. Tentou pegar a bombinha, mas não conseguia encontrá-la no
bolso. A respiração tornou-se mais difícil. Tentou acalmar-se e deixar o ar entrar nos pulmões, mas foi em
vão. 

-- Natasha, meu amor -- ouviu Andreia dizer, enquanto a deitava no sofá -- Tente respirar. 

-- Eu... -- puxou Andreia para que ela a ouvisse -- Eu... 

A escuridão invadiu-a e a última imagem que viu foi o rosto apavorado de sua ruiva. 

Créditos: 

http://blogln.ning.com/forum/topics/da-possibilidade-de-se-fraudar 

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Capítulo 49 - Estou Sonhando? por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 49  

Estou Sonhando?  

Natasha voltou a si novamente no dia seguinte. O quarto estava em silêncio. Piscou diversas vezes antes de
voltar a fechar os olhos, ofuscada pela luz que vinha da janela.   

O corpo doía quando se movia, principalmente quando tentava respirar profundamente. Tentou mover o
braço, mas percebeu que alguém lhe segurava a mão.   

Em um grande esforço conseguiu abrir os olhos. Viu Andreia sentada a seu lado com os dedos entrelaçados
aos seus. Ela estava encostada na cabeceira da cama com os olhos fechados. Talvez dormindo.  

Quando tentou soltar a mão, ela deu um pulo da cama.  

-- Natasha! Graças a Deus -- Andreia beijou-a no rosto. Seus olhos estavam vermelhos e cheios de lágrimas --
Fiquei com tanto medo que morresse.  

-- Quanto tempo fiquei desacordada? Seu bebê já nasceu? -- brincou, mas não sorriu.  

-- Engraçadinha! -- o humor dela, deixou Andreia bem mais tranquila.  

O barulho fez Talita entrar no quarto.  

-- Até que enfim -- a médica aproximou-se e fechou o soro com medicação que havia terminado -- Desculpa,
mas tive que aplicar um sedativo. Você estava muito agitada.  

Andreia soltou a mão de Natasha e se virou para ficar de frente para ela.  

-- Eu sabia de suas crises de asma, mas não fazia ideia da seriedade de seu estado até ontem. É sempre
assim?  

Natasha sabia a causa da crise. Tensão emocional a tornava vulnerável, e ela tinha acabado de ter a mais
incrível revelação sobre os sentimentos que Andreia nutria por ela.   

-- Quase sempre -- respondeu Natasha, se recostando contra uma pilha de travesseiros.  

-- Você parecia tão bem ultimamente -- Talita deu uma risada maliciosa, enquanto seus olhos observavam
atentamente cada reação delas -- Aqui está a sua bombinha -- a doutora retirou a medicação da maleta e
entregou a ela -- Pelo amor de Deus, Natasha. Quantas vezes ainda terei que te falar que não deve tirar a
bombinha do bolso?  

-- Esqueci no carro -- Natasha resmungou, irritada. Na verdade, nem lembrava onde tinha deixado -- Obrigada,
doutora. Provavelmente estaria morta se não fosse você.  

-- Engano seu. Foi a Carol quem a salvou. Ela saiu correndo buscar ajuda, bateu na porta do meu chalé tarde
da noite e me arrastou até aqui. Eu apenas trouxe o oxigênio e fiz as medicações adequadas.  

-- Ah, então, agradeço a você também, Carol -- disse, constrangida.  

-- Não agradeça. Eu quase te matei -- Andreia estava envergonhada -- Acho que fui muito direta em minhas
revelações -- disse, olhando para o chão.  

-- Aqui está -- Talita entregou um lenço de papel para ela -- Enxugue essas lágrimas. Agora está tudo bem.  

Talita andou até a porta e parou antes de abri-la. Se virou com o semblante divertido.  

-- Ah, e podem continuar a conversa. Qualquer coisa, é só usar a bombinha.  

Antes de sair, Talita ainda deu um sorriso enorme.   

-- Adoro a Talita -- comentou Andreia, assim que a porta se fechou -- Ela é maravilhosa.  

-- A doutora está esquisita. Parece que está tendo um orgasmo enquanto anda.  

-- Credo, Natasha! Que indelicadeza falar essas coisas sobre a Talita.  


-- Mas, não é?  

-- Não. Não é. Eu contei para ela que não sou a Carolina e também que... Ah, deixa pra lá.  

-- A doutora é uma pessoa justa e honesta. Deveria se envolver com pessoas desse nível e não com pessoas
como a Sibele -- Natasha ajeitou-se melhor na cama -- Escutou o que ela disse. Vamos continuar a conversa.  

Andreia disfarçou e mudou de assunto:  

-- Como se sente? Pode respirar normalmente? Ainda sente dor no peito?  

-- Estou bem, Andreia. Por favor, pare de chorar e continue falando -- Natasha bufou, sem paciência.  

Andreia estava nervosa. Ontem no calor do momento havia falado coisas que nunca imaginou que tivesse
coragem de falar. Mas hoje, estava difícil.   

Desviou o olhar do verde dos olhos de Natasha para o azul das águas do Oceano Atlântico. Foi assim que
encontrou força.  

-- Sei que cometi muitos erros. Mas estou tentando repará-los. Prometo devolver tudo e até repor o dinheiro
que gastou com a doença do meu pai. Se quiser, posso trabalhar para você. Eu entendo de administração de
hotéis, mas por favor, Natasha. Olhe bem dentro de seu coração e me dê mais uma chance. O bebê não tem
culpa de meus erros -- sua voz tremeu ao dizer -- Pense no assunto com carinho, eu te peço.   

Natasha queria olhá-la nos olhos. Então, a fez se virar puxando-a com delicadeza pelo ombro.  

-- Ouça-me, Andreia.   

Pela primeira vez Andreia ouviu o seu nome ser pronunciado por Natasha. Soou tão doce quanto uma torta
de maracujá com chocolate.   

Natasha continuou:  

-- Não quero seu dinheiro e não necessito do seu trabalho. Só Deus sabe o quanto eu tenho pensado nesse
assunto -- disse, num tom firme, não querendo demonstrar sofrimento em sua voz -- Não teve um dia em que
eu não tenha me odiado por não ter tido coragem de entregar vocês a polícia.   

Andreia franziu o cenho e olhou para Natasha, não entendendo.   

-- Como assim, nos entregar a polícia?  

-- Já faz algum tempo que eu sei da verdade.   

Surpresa e embaraçada, Andreia respirou fundo. Havia sido uma revelação espantosa para ela. À medida que
seu cérebro processava as informações, Andreia começava a ficar cada vez mais confusa e temerosa. Por que
ela não a desmascarou? Perguntava-se.   

-- Como descobriu? -- ela a fitou boquiaberta.   

-- A verdadeira Carolina apareceu -- Natasha se remexeu, ajeitou o travesseiro nas costas, e, em seguida, fixou
os olhos em Andreia. Ela começou a explicar, tão natural quanto possível -- Lembra da garota que eu salvei no
desabamento da cabana? Pois é, aquela garota é a minha irmã.  

Andreia abriu a boca várias vezes, ensaiando a pergunta que não queria calar.  

-- Então, por que não nos entregou a polícia?  

Natasha ergueu as mãos em um gesto de rendição.  

-- Queria castiga-los, antes de chamar a polícia. As leis brasileiras são muito brandas. Com um bom advogado,
em breve estariam respondendo em liberdade. Vocês mereciam uma boa lição -- seus olhos verdes brilhavam
intensamente -- Você não concorda?  

Engolindo em seco e sacudindo a cabeça, Andreia nem tentou se defender. O pânico iluminou seus olhos e ela
caiu num choro convulsivo.  

-- Você tem razão -- sua voz estava embargada -- Pode chamar a polícia.  

-- Cala a boca -- disse Natasha, passando a mão pela testa.  

Andreia continuou falando e chorando.  

-- Eu sou uma mentirosa, uma criminosa perigosa... Mereço ir para uma penitenciaria de alta periculosidade e
de lá nunca mais sair...  
Natasha riu e a agarrou, puxando-a para a cama. Ela pegou o rosto de Andreia entre suas mãos e a calou com
um beijo. Um beijo longo, terno, como se não pensasse em mais nada há muito tempo.   

Andreia parou de respirar, entreabrindo os lábios. Seu corpo queimava com um fogo intenso, fazendo-a
derreter-se toda.  

O tempo perdeu todo o significado enquanto ela se entregava consumida por uma onda de prazer tão intensa,
tão absoluta, que podia sentir os músculos internos de seu corpo se contraindo.  

Todo o seu corpo estava mole, caído sobre Natasha.   

Parecia que tinha se passado uma eternidade quando finalmente suas bocas se afastaram. Os olhos de
Natasha sorriam para ela brilhando, com um verde maravilhoso.  

-- Só assim para te fazer calar -- ela disse, sorrindo de forma sexy.  

Andreia não pôde acreditar no que acontecera. Por vários minutos, ficou atônita demais para se mexer ou
dizer alguma coisa. Congelou, com os lábios ainda entreabertos.   

-- Natasha! -- Andreia sussurrou.  

Natasha sorriu dando um selinho em sua boca tentadora.  

-- Não foi essa conversa que me fez ter uma crise de asma. O assunto era bem mais... interessante.  

O rosto de Andreia ficou vermelho de vergonha.  

-- Não sei se vou conseguir continuar -- disse sorrindo.  

-- Vai sim. Eu ajudo.  

Ficaram se olhando por um bom tempo, conscientes de que havia algo muito forte entre elas, uma química
intensa nunca sentida antes.  

-- É real o que está acontecendo? -- perguntou Andreia, desejando prolongar aquela magia indefinidamente --
Tenho medo de despertar e enfrentar a realidade.  

-- É a mais pura realidade -- Natasha sentia que fizera a coisa certa. Seguira seu instinto inconsciente sem
pensar nas consequências, mas sentia-se feliz e tranquila. Isso que importava -- Confesso que fiquei
assustada e cheia de dúvidas. Perguntava-me como podia ter algum sentimento por alguém que armou algo tão
cruel contra mim. No entanto, sabia que sentia, por mais irracional que isso fosse.   

Andreia sentia-se privilegiada em poder tocar aquela mulher; a mulher mais linda que conhecera. Uma mulher
tão poderosa, e que para ela se mostrava tão vulnerável. Tão forte e orgulhosa, e ainda assim de profunda
delicadeza.  

Como podia existir uma mulher assim na vida real.  

-- Você não disse que me ama -- reclamou Andreia. Natasha a mantinha ainda abraçada, e pôs-se a acariciar os
cabelos dela. Beijou-a no rosto, e deslizou os lábios até o ouvido dela.  

-- E precisa?  

-- Claro que precisa -- Andreia fechou os olhos e afundou o rosto no peito dela. Era tão gostoso sentir o calor
que emanava do seu corpo.  

-- Andreia -- Natasha disse baixinho -- Eu te amo.  

A ruiva ergueu o rosto e deu o seu sorriso mais bonito.   

-- Se você não me beijar agora, serei obrigada a tomar o beijo a força -- Seus lábios se abriram e ela se inclinou
sobre a empresária.  

Natasha deu um sorriso sensual, com um brilho malicioso nos olhos.  

-- Com um pedido desses, tão quente, quem sou eu para recusar?  

Natasha a beijou novamente. O beijo foi tão intenso que Andreia mergulhou em um mundo paralelo. Um lugar
de paixão e deslumbramento que nunca experimentara. Pela primeira vez, Andreia compreendeu o que era o
desejo. Mas, não um desejo qualquer. O desejo de ter a pessoa que amava loucamente.   

Natasha concluiu que não poderia ter resistido à Andreia, mesmo que quisesse. E a única coisa que queria
naquele momento era ficar presa nos braços dela.  
Depois que o beijo terminou, Andreia se aninhou ao lado dela na cama e fechou os olhos, sorrindo. Estava
tão feliz, que mal se continha. Contudo, havia mais um assunto pendente: César.  

Não queria estragar a magia do momento trazendo mais problemas para Natasha, mas se estavam começando
um relacionamento, que fosse construído em bases sólidas, em terreno fértil, adubado com amor, verdade,
respeito e companheirismo. Não havia lugar para mentiras.  

-- Nat, tem mais uma coisa que preciso contar.  

-- Tem mais ainda? -- perguntou Natasha, puxando-a mais para perto até poder envolvê-la com os braços.   

-- É sobre o pai do meu bebê -- disse com a respiração pesada, e hesitante -- Ele está aqui na ilha.  

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Capítulo 50 - Ela não perde por esperar por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 50

Ela não perde por esperar

Todo o sangue pareceu sumir do rosto de Natasha naquele instante.

-- Quem é ele, onde ele está? -- ela perguntou, nervosa, num português europeu complicado, mas inteligível.

Andreia se levantou imediatamente da cama, mas não antes de ver a reação nos olhos de Natasha. Ela estava
tão zangada que ficou com medo de contar que ele era o homem que tentou estuprá-la na praia.

Afastando o fino cobertor, Natasha se levantou da cama.

-- Fala Andreia!

A ruiva andou lentamente até a janela, admirou o mar azul através do vidro, depois, se virou e olhou para
Natasha. Nervosa, a empresária batia com a ponta do pé no chão enquanto esperava Andreia falar.

-- Não quero violência...

-- Por que você acha que teremos violência?

-- É porque, porque... -- olhou para Natasha e riu sem jeito. Acho que falei demais, pensou irritada consigo
mesma.

Natasha lançou um olhar irônico e olhou para o relógio.

-- Você tem dois minutos para se recompor, engolir o choro e começar a contar. Quero saber de tudo, nos
mínimos detalhes.

Marcela e Sibele sentaram-se abraçadas numa poltrona, em frente à lareira.

-- A Andreia vai confessar tudo. Ela é uma covarde.

-- Será melhor assim, Marcela -- disse Sidney -- Quando Andreia abrir o jogo, tudo mudará para melhor.

A visão otimista era típica de Sidney. Porém, Sibele não se sentia tão confiante.

-- Esqueceu que fomos abandonados nessa ilha? E se a Natasha decidir nos deixar aqui para sempre?
Morreremos devorados pelos animais selvagens.

-- A girafa e o elefante são animais herbívoros. Desses não precisamos ter medo -- comentou Sidney.

-- Verdade. Então acho melhor você ficar de baga bem aberta.

-- Por que, Marcela? -- o rapaz perguntou inocentemente.

-- Porque você é uma florzinha -- ela e Sibele, caíram na gargalhada.

-- Parece que estou vendo a girafa com aquela boquinha ridícula, mascando, mascando, o Sidney como se
fosse um chicle bubbaloo.

-- Só as perninhas dele para fora balançando. Kkkk...

Magoado, irritado e decidido, Sidney se levantou do sofá.

-- Vou sair daqui! Não ficarei nem mais um minuto nesse lugar. Tem muita cobra cega se achando naja -- Sidney
foi para o quarto e começou a jogar algumas roupas dentro de uma mochila. Pegou o seu Piu piu de pelúcia e
o abraçou chorando -- Que saudade eu tenho de você, Andreia.

Marcela bateu à porta e entrou.

-- O que está fazendo? Que bicho feio é esse?


-- Não é feio. Ganhei esse Piu piu de presente da Andreia -- ele deu um beijo no bico do pintinho e mostrou a
língua para Marcela -- Se a Andreia estivesse aqui, vocês não estariam me maltratando desse jeito.

-- Larga de besteira, criatura. Você vai para onde?

-- Vou me juntar aos trabalhadores rústicos na construção da ponte -- Sidney foi até o armário, pegou uma
caixa de suco de uva e jogou dentro da mochila -- Lá, com certeza serei melhor tratado.

Marcela bufou, desistindo de tentar convencê-lo.

-- Então vai. Depois não volte chorando por ter sido mutilado por um animal selvagem.

-- Vou mesmo! -- Sidney ajeitou a mochila no ombro e segurou o Piu piu de pelúcia bem forte junto ao peito --
Prefiro morrer devorado por um leão, do que engolido vivo por uma anaconda.

Sidney se virou num rompante e saiu rapidamente da cabana. Marcela voltou para a sala rindo.

-- Não dou meia hora para ele voltar gritando de medo.

Natasha tentava caminhar até a porta, enquanto Andreia a puxava pela roupa.

-- Espera, Natasha. Deixa de ser teimosa -- deu um puxão e um tapa na cabeça dela -- Me escuta!

Natasha passou a mão pela cabeça.

-- Já começou a botar as garrinhas de fora é? Mulher é um bicho inacreditável. Você dá a mão e ela já começa a
bater na sua cabeça.

-- Desculpa! Perdi a paciência -- Andreia sentou na cama e deu um tapinha no lugar vago ao seu lado -- Senta
aqui senta. A Deia quer conversar com você.

Natasha hesitou um pouco, como se previsse que Andreia a convenceria facilmente.

-- Não vem que não tem, Andreia. Eu não vou mudar de ideia. Vou pegar aquele cara e obrigá-lo a fazer um
boquete nele mesmo.

-- Tudo bem. Eu também quero que ele pague pela tentativa de estrupo, mas não agora. Ele é bem capaz de
entrar na justiça para ter a guarda do meu filho.

-- Nenhum juiz vai dar a guarda para um estuprador.

-- E para uma mãe estelionatária? -- Andreia olhou tristemente para Natasha -- Não posso correr esse risco,
amor.

-- Não se preocupe -- Natasha passou a mão delicadamente pelo rosto molhado de Andreia -- Eu vou cuidar de
você e do seu bebê. Vou construir uma parede invisível e indestrutível ao redor de vocês dois.

Andreia sorriu. Não sabia o que ela ia fazer, só sabia que estaria protegida perto dela. Confiava nela e sentia-
se segura.

-- Não vou prestar queixa contra vocês, então, não tem com o que se preocupar.

-- E sua irmã? Como está reagindo?

Natasha revirou os olhos e fez uma careta.

-- Como se você fosse à mulher mais perversa do planeta -- Natasha deu um meio sorriso -- Mas não se
preocupe que a Carolina eu domino.

Sentindo-se mais confiante, Andreia segurou a mão de Natasha entre a sua.

-- Obrigada -- disse Andreia em meio a um suspiro -- Só mais uma coisinha.

Natasha deu uma gargalhada.

-- Percebeu quantas coisinhas você tem me pedido? Se juntar vai dar um coisão do tamanho do mundo.

-- Ah, Natasha! É uma coisinha de nada, amor. E você tem que convir que eu mereço uma recompensa por ter
salvado a sua vida ontem.

-- Você está reclamando de barriga cheia -- Natasha pensou um pouco -- Acho que essa frase soou um pouco
estranha, mas, enfim. Pode falar o que você quer -- Natasha não resistia ao jeitinho meigo e simples de Andreia
pedir as coisas.
-- Você me faria muito feliz se trouxesse o Sidney de volta. Ele não tem nada a ver com tudo isso. Entrou de
gaiato, coitado. Só queria conhecer a Ilha.

Natasha virou o rosto em direção à palma de sua mão e a beijou.

-- O cara não tem juízo, ainda faz amizade com quem tem menos ainda. Só pode dar nisso -- ela riu -- Tenho
uma boa notícia para você. O Leozinho me fez um pedido e eu não pude recusar.

Andreia ergueu as sobrancelhas.

-- Ele quer o rapaz como gerente administrativo do Parque Temático. E eu aceitei. Pedi para o Hannibal trazê-lo
de volta para a Ilha do Falcão o mais breve possível.

Andreia se levantou e comemorou com pulos ao redor da cama.

-- Ele vai amar -- ela segurou o rosto da empresária e encheu de beijos -- Te amo, te amo, te amo...

Talita chamou Carolina para se alimentarem com o lanche que ela havia preparado.

-- Estou feliz por você ter finalmente retirado o gesso! -- disse Talita, em seguida, deu uma boa mordida no
cachorro-quente.

-- Só você? Estou louca de felicidade. Mesmo tendo que ficar mais quinze dias com uma botinha, é um alívio
poder caminhar sem o auxílio de muletas -- tomou um gole de suco e pegou mais um pão -- Não pensei que
estivesse com tanta fome!

-- Eu também -- disse Talita, olhando para seu cachorro quente reduzido quase à metade.

-- Estou com fome mesmo, mas a cozinheira dessa vez se superou. O molho está divino!

-- Obrigada! Pena que eu só sei fazer isso na cozinha.

Carolina caiu na risada.

-- Não fale assim, doutora. O seu ovo frito também é maravilhoso.

-- Tem razão -- Talita terminou de comer, afastou o prato e limpou os lábios com o guardanapo -- Agora que já
consegue caminhar melhor, poderá ir visitar a Natasha com mais frequência.

-- Verdade! Com a pistoleira longe, não vejo problemas de me aproximar um pouco mais da Nat.

Talita recolheu os pratos vazios e colocou sobre a pia.

-- A Andreia está de volta a ilha -- disse Talita, tentando parecer natural -- Ela abriu o jogo com a Natasha.

-- Eu não acredito -- Carolina jogou o resto do cachorro quente na mesa e empurrou o prato -- Por que ela
voltou?

-- A Natasha foi buscá-la assim que descobriu que ela está grávida.

Todo o sangue pareceu sumir do rosto de Carolina naquele instante. Ela se sentiu tonta.

-- Gravida? -- ela berrou furiosa -- Agora mesmo que a tansa da Natasha não vai tomar uma atitude contra
aqueles delinquentes. Aposto que nesse momento ela deve estar babando em cima daquela impostora.

Talita olhou para ela assustada com aquela reação descomedida.

-- Não estou te entendendo. Por que esse ódio mortal pela Andreia?

-- Por que? Será que só eu acho que o que eles fizeram é um crime grave e deve ser denunciado?

-- Elas se amam. Será que ainda não percebeu isso?

-- O que garante que ela não está enganando a Natasha novamente? Uma vez mentirosa, sempre mentirosa.

-- Nunca ouviu dizer que o amor é um risco. Que quem quer garantia que faça um seguro? -- Talita se virou
para a pia e começou a lavar a louça -- Sentir amor é arriscado mesmo. Sempre foi. Quem abre o coração não
tem garantia de nada. Mesmo fazendo tudo direitinho. A Natasha decidiu arriscar e, quer saber de uma coisa?
-- ela jogou a esponja com força dentro da pia e se virou para encarar Carolina -- Sou fã de carteirinha da sua
irmã. Ela não está nem aí para o que os outros estão achando ou deixando de achar. Faz e pronto!

-- Você é uma romântica sonhadora. De onde eu vim aprendemos a ser espertos na marra. Nossa margem de
erro é zero -- Carolina se levantou, contrariada -- Essa mulher é uma grande atriz. Mas deixa, ela não perde por
esperar.
 

Sidney sentou-se na relva e enfiou a cabeça entre os joelhos para normalizar a respiração. Estava andando há
horas e sempre chegava ao mesmo lugar.

-- Ah, meu Deus! Eu já vi essa árvore em formato de banana split umas cinco vezes -- levantou-se com o piu piu
de pelúcia embaixo do braço, sacudiu a areia da bermuda e sorriu consigo mesmo -- Coragem Sid. Você tem
inúmeros exemplos de pessoas que sobreviveram em ilhas após naufrágios. E até se deram bem no final.

Em Destino Insólito -- Madonna é uma socialite mimada e fútil, que decide fazer um cruzeiro pelo
Mediterrâneo com amigos, mas o barco onde estão naufraga e ela vai parar sozinha numa ilha quase deserta,
onde vive um rude pescador italiano, com quem ela terá uma relação de ódio e amor.

-- Hum, um rude pescador italiano. Que delicia! -- Sidney continuou caminhando distraidamente pela mata -
Tem também o Robinson Crusoé. Pierce Brosnan, no papel do marinheiro britânico, que sobrevive a um
naufrágio e vai parar numa ilha, onde constrói ferramentas e sua casa, aprendendo a conviver com o que a
natureza lhe oferece, além de fazer amizade com um nativo, que o salvou dos canibais e a quem chama de
''sexta-feira''. Hum, um nativo corajoso. Que graça!

Sidney parou, olhou, coçou a cabeça.

-- Acho que é por aqui -- continuou -- Não posso esquecer da Lagoa Azul. Aquelas duas crianças lindas que,
sozinhas em uma ilha tropical paradisíaca, tentam crescer aos poucos e vão se apaixonando conforme
chegam na puberdade. Maravilhoso!

Sidney parou desanimado.

-- A banana split de novo! -- Sidney colocou o piu piu diante do rosto e declarou com fervor: -- Jamais
desistirei. Tom Hanks em: O Náufrago, interpretou o sobrevivente de um naufrágio, buscando recursos para
sobreviver sozinho em uma ilha. Ele tinha a bola de vôlei Wilson para conversar, eu tenho o meu lindo piu piu
-- ele retirou a caixa de suco de uva da mochila, abriu e bebeu um gole -- Ah. Que delicia! Quer um pouco,
senhor piu piu?

Depois de alguns segundos, o coração parou de bater rapidamente. Ele virou a cabeça para todos os lados.
Teve a impressão de ouvir o barulho inconfundível de passos sobre o tapete de folhas secas.

Foi tomado repentinamente de pânico.

-- Tem alguém aí? -- perguntou assustado -- Um elefante? Uma girafa? Um... Meu Deusss... Aiiiiiiiii...

Talita terminou de preencher os formulários e guardou a caneta no bolso do jaleco.

-- Muito bem, então, Andreia. Vamos até a sala de exames. Eu quero dar uma olhada em você.

-- Eu também vou -- Natasha parou ao lado de Andreia.

-- Você espera aqui por enquanto -- disse Talita -- Logo te chamo.

-- Como você é desagradável, doutora. Não parece, mas tenho muita experiência com gestantes e crianças. As
mães até me procuram para receber conselhos. Coincidentemente, terça-feira uma mãe me procurou. Sou
praticamente uma assistente social.

Talita olhou para ela surpresa.

-- O que essa louca queria?

-- Está muito preocupada com seus filhos. Ela fuma demais, e isso está afetando a saúde dos garotos. Me
perguntou como largar.

-- E o que você sugeriu?

-- Sugeri um orfanato!

-- Natasha! -- Andreia e Talita, falaram juntas.

-- O que? -- ela perguntou sorrindo.

Talita balançou a cabeça.

-- Venha comigo, Andreia -- insistiu -- Preciso examiná-la melhor.


Andreia assentiu, em silêncio. Em seguida, saiu caminhando atrás da doutora.

Natasha se virou para a recepcionista.

-- Estou tão nervosa.

-- Vai correr tudo bem. É só colocar na mão de Deus.

-- O jeito é deixar tudo nas mãos de Deus mesmo. Porque, se ficar na minha, estrago tudo.

Marcela e Sibele adentraram a mata em busca de Sidney. Já fazia três horas que ele havia saído. Elas estavam
preocupadas. Não faltava muito para começar a anoitecer.

-- Temos que encontrá-lo Sibele, não gosto nem de pensar na possibilidade dele passar a noite nessa selva
cheia de animais selvagem.

Sibele passou a mão pelo rosto, demonstrava muita preocupação.

-- Aquele panaca deve ter se perdido -- torceu os lábios -- Vamos continuar procurando.

-- Sidneyyyyy...

-- Sidneyyyyy...

Chamavam enquanto andavam.

Minutos mais tarde, Marcela viu algo suspeito jogado no chão. Correu até o objeto e se ajoelhou ao lado dele.

-- Meu Deusssss... Sibeleee... -- um rio de lágrimas deslizou por seu rosto -- O leão comeu o Sidney. Olha
quanto sangue. Que tragédia!

Marcela caiu em desespero.

-- Ahhhh... Tadinho, sobrou apenas o piu piu dele.

Créditos:

https://www.asomadetodosafetos.com/2016/12/o-amor-e-um-risco-quem-quer-garantia-faz-um-seguro.html

https://legiaodosherois.uol.com.br/lista/10-melhores-filmes-que-se-passam-em-uma-ilha.html/6

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Capítulo 51 - Faz Parte Do Meu Show por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 51

Faz parte do meu show

Andreia escorregou devagar da mesa de exames e ficou em pé.

-- Então, doutora. Como ela está? -- Natasha, levou as mãos ao ventre de Andreia, como se, de alguma forma,
quisesse proteger a criança que ela carregava.

-- Ela está bem, Natasha. Mas, terá que começar a fazer o pré-natal urgentemente. O pré-natal deve começar
assim que a mulher descobre que está grávida. Estas consultas devem ser realizadas 1 vez por mês até as 28
semanas de gestação, de 15 em 15 dias das 28ª até a 36ª semana e semanalmente a partir da 37ª semana de
gestação.

-- Hum, entendo -- Natasha ergueu os ombros, numa expressão de dúvida -- E o sexo do bebê? A gente já vai
ficar sabendo nessa primeira consulta?

-- É bem provável. Entre a 15ª e a 18ª semana de gestação, já é possível ver se é uma menina ou um menino. Ou
melhor, isso vai depender da posição do pequeno, às vezes, eles cismam em fechar as perninhas e não deixam
ninguém olhar ali.

-- O que não será o nosso caso -- seus olhos verdes, se enchiam de sentimento, quando fitavam os de Andreia
-- Sairemos da consulta já sabendo se teremos um príncipe ou uma princesa.

Andreia corou e abaixou a cabeça, envergonhada. Mesmo depois de tudo o que havia tramado contra ela,
Natasha ainda tratava o seu bebê de forma tão carinhosa e protetora.

-- Conheço um ótimo obstetra, Natasha -- disse Talita -- Ele tem uma clínica no centro de Florianópolis, na Rua
Felipe Schmidt -- a médica anotou o endereço num pedaço de papel e estendeu-o a Andreia -- Doutor Luiz
Fernando, é o seu nome. É ele quem vai fazer o ultrassom em você.

-- Obrigada, doutora Talita -- Andreia agradeceu com um leve sorriso.

-- Vamos? -- Natasha a enlaçou pela cintura e caminhou com ela na direção da saída - Você vai ficar comigo em
minha suíte.

O quarto estava na penumbra quando Natasha e Andreia entraram. Havia apenas uma pequena luz acesa
próxima a cabeceira da cama.

-- Fica a vontade -- Natasha apontou para a enorme cama -- Se quiser pode deitar. Vou até a cozinha preparar
um chá para você. Já volto.

Andreia aceitou com prazer a oferta dela. Estava cansada, o dia tinha sido estressante.

Do quarto, podia ouvir ruídos vindos de onde Natasha estava. Ficou imaginado a empresária desajeitada
bagunçando toda a cozinha só para preparar um simples chá.

Estava quase se levantando para ir ajudá-la, quando ela apareceu na porta com uma bandeja na mão e
segurando uma rosa entre os dentes. O coração de Andreia bateu freneticamente quando viu a cena. Era fofo
demais.

-- Aqui está. Uma rosa para uma rosa. Demorei porque não encontrava em meu jardim, uma flor tão bela
quanto você. Trouxe essa esbugalhada mesmo.

Andreia sorriu.

-- Por que está me olhando desse jeito? -- Natasha perguntou, desconfiada.

-- Sou digna dessa honra? Natasha Falcão me preparando um chá, me oferecendo uma rosa?

-- Faz parte do meu show, bela -- Natasha deu uma piscadinha e sorriu apenas com o canto da boca -- Depois
do chá posso fazer uma massagem, se estiver interessada. Sou muito boa nisso. É a minha especialidade.

-- Massagem relaxante ou erótica?


-- Geralmente eu começo com a relaxante e termino com a erótica.

-- Safada -- ela deu um tapa de leve no ombro da empresária -- Toma jeito, senhorita Natasha Falcão.

-- Tomarei. A partir de agora, minhas mãos maravilhosas sentirão apenas a suavidade do seu corpo, minha
linda ruiva.

-- Acho bom -- Andreia fez um biquinho charmoso.

-- Então, vai querer?

-- Eu quero, sim. O que devo vestir?

-- Que tal uma toalha?

Com o coração batendo loucamente no peito, Andreia se levantou.

-- Vou ao banheiro.

-- Está certo. Você já conhece o esquema, né? -- Natasha se afastou para que ela passasse -- Toalhas no
armário verde.

-- Conheço -- Andreia balançou a cabeça e olhou para ela com um olhar muito sensual.

Minutos depois, ela voltou, com uma toalha enrolada no corpo.

-- Assim está bem? -- perguntou Andreia. Devo ter ficado completamente louca, ela pensou em pânico. Não era
nenhuma bobinha, sabia como aquilo terminaria.

-- Está ótimo. Agora deite-se -- ela pediu.

Andreia deitou e fechou os olhos.

-- Tente relaxar. Vou colocar uma música bem suave para ajudar - Natasha apertou o controle e a voz mansa e
suave de Maria Gadú invadiu o quarto. Em seguida, ajoelhou-se na cama e começou a massagem. Primeiro pelo
pescoço, ombros e braços.

-- Ai! Doeu um pouquinho -- ela reclamou.

-- É assim mesmo -- garantiu Natasha -- Massagem é como virgindade: primeiro dói, depois a dor passa e fica
gostoso!

-- Bom. Muito bom -- ela disse num gemido quando as mãos de Natasha tocaram o seu abdome. Tentou ficar
calma, mas seu coração estava descontrolado.

-- Agora vou massagear as pernas e os pés.

Andreia possuía um corpo maravilhoso e a gravidez a deixou ainda mais bonita. Enquanto massageava,
Natasha a examinava minunciosamente. Ela fechou os olhos por um momento e respirou fundo.

-- Agora vire-se de bruços -- pediu Natasha e Andreia obedeceu.

O toque dela, tão sensual e habilidoso, tão macio e calmo, causou uma onda de excitação e desejo que
percorreu o corpo de Andreia. Ela sabia que aquilo aconteceria. Mas, por nada no mundo, faria algo para
impedir.

-- Mãos maravilhosas -- murmurou, fechando os olhos -- Venha cá -- pediu suavemente, ficando novamente de
costas no colchão. Então, sua mão puxou Natasha para junto dela.

Quando finalmente ela voltou a abrir os olhos, estes brilhavam por causa das lágrimas que começavam a
brotar.

-- O que foi? -- sussurrou Natasha, inclinando a cabeça e roçando docemente os lábios sobre o olho úmido.

-- Estou tão feliz! Eu te amo tanto -- Andreia abraçou Natasha com força, como se desse modo pudesse
prendê-la pelo resto da vida.

-- Eu também te amo -- Natasha gemeu com voz rouca, beijando-a nos olhos, nas bochechas, na testa, nos
lábios -- Te amo demais -- sussurrou outra vez. Suas mãos cobriram os seios de Andreia, para depois
deslizarem pela barriga, pela cintura, pelas coxas.

-- Mal posso esperar para ver as mudanças do seu corpo. Você vai ser a gestante mais linda do mundo.

Ela pousou a mão em cima da barriga de Andreia, enquanto olhava o resto do seu corpo. Começou uma longa
e torturante sessão de beijos pelo seu corpo.
Andreia desejava Natasha desde o primeiro encontro e finalmente estava em seus braços. Não queria sair dali
jamais.

Natasha acariciava suas partes íntimas enquanto gemia baixinho ao seu ouvido. Aqueles toques a um só
tempo, delicados e ousados quase a enlouqueceram de prazer.

Ninguém a fizera se sentir dessa forma. Seu coração estava quase saindo pela boca. O tipo de sexo feito por
Natasha era totalmente diferente para ela. Era delicado, calmo, sem pressa.

Um soluço de puro prazer saiu de sua garganta quando uma das mãos da empresária deslizou para entre as
suas coxas, buscando o clitóris para massagem.

-- Tudo bem? -- Natasha perguntou, suavemente.

-- Continua. Não para! -- ela berrou, descontrolada.

Andreia rebolava seus quadris, enquanto os dedos hábeis de Natasha deslizavam sobre o interior de suas
coxas e as pernas se abriram com facilidade.

Com a língua e os dedos, ela explorou cada centímetro daquele corpo esbelto e macio.

Sua excitação aumentava e ela se contorcia cada vez mais em resposta aos dedos que lhe davam prazer.

Natasha começou a acelerar os movimentos. Empurrou as pernas dela para trás a fim de subir mais sobre ela.
A tensão aumentava sem parar, com a fricção deliciosa.

Ela brincou com os lábios de sua vagina, espalhando sua umidade ao redor. Quando ela estava bem
lubrificada, ela separou e acariciou a abertura da vagina até deslocar um dedo para dentro.

Andreia gemeu baixinho. Em resposta, Natasha deslizou mais dois dedos para dentro de sua vagina e
começou a acariciá-la para dentro e para fora, em um ritmo torturante. Seus quadris se inclinaram, dirigindo
os seus dedos mais profundos.

-- Mais, mais -- ela pedia, implorava. Apertando a vagina contra os dedos.

Natasha acrescentou um quarto dedo e empurrou vigorosamente. Andreia arqueou-se para frente
esfregando-se contra a mão que pressionava seu clitóris. Ela podia sentir que estava perto do orgasmo.

Mais fundo! Mais rápido! A respiração de ambas se acelerou.

Natasha acariciou seu clitóris ainda mais forte, prolongando seu orgasmo. Até que deu um grito abafado
quando ela explodiu.

Natasha retirou os dedos de sua vagina, sobre o som de sua ofegante respiração. A empresária nunca
experimentara emoção tão intensa com uma mulher. Ela a abraçou, seu coração ainda batendo de seus
esforços. Os tremores do orgasmo ainda não haviam cessados e já estavam ficando excitadas novamente.

Não souberam por quanto tempo ficaram daquele jeito. Se amando de uma forma tão profunda e infinita.
Explorando a alma uma da outra.

Andreia sentiu-se adorada nos braços de Natasha; sentiu-se uma mulher poderosa, aninhada contra o peito
dela. Tantas desejavam um lugarzinho no coração da Falcão, mas só ela havia conseguido. Pensar nisso a
deixava extasiada de felicidade.

Cheia de encanto com o que acabara de experimentar, Natasha estava satisfeita e ficou imóvel, enquanto as
ondas de êxtase, aos poucos diminuíam.

-- Você foi perfeita -- murmurou com voz rouca -- Juntas seremos fogo e paixão.

-- Tenho muito a aprender -- murmurou Andreia, com modéstia.

-- Eu também e estou muito ansiosa para aprendermos juntas -- com um sorriso malicioso, Natasha beijou o
bico do seio de Andreia, ainda cor-de-rosa -- Obrigada. Obrigada, minha doce ruiva. Eu não sentia isso há
muito tempo -- Natasha beijou-a suavemente, gentilmente.

Andreia estava deitada com a cabeça apoiada em seu peito. Meio adormecida e serena. Natasha movimentou-
se com cuidado para não a acordar, mas ela abriu um pouco os olhos.

-- Não vai -- pediu.

-- Vou pegar um cobertor para cobri-la. Não quero que pegue um resfriado.

-- Tá bom -- ela resmungou, sonolenta.


A campainha tocou quando estava colocando o cobertor sobre Andreia. Olhou para o relógio na mesinha de
cabeceira. Passava um pouco da meia-noite, sem dúvida um horário inconveniente para se tocar a campainha
do apartamento de alguém.

Imaginando que poderia ser um de seus empregados em alguma espécie de emergência, vestiu o roupão e foi
abrir a porta.

-- Até que enfim! -- Sidney entrou de forma barulhenta e espalhafatosa -- Escuta aqui sua desalmada. Está
pensando que pode fazer o que bem entende com a vida das pessoas é? Comigo não, dona Falcão --
esperneou ridiculamente -- Esse grandão aí, arrancou o meu piu piu e deixou jogado lá no meio do mato.

Natasha olhou Sidney de alto a baixo. Depois se virou para o Hannibal.

-- Ele está todo ensanguentado, você cortou o pinto dele fora?

Hannibal revirou os olhos.

-- Sua burra! Isso aqui é suco de uva -- Sidney, cobriu a boca -- Desculpa, saiu sem querer.

-- Hannibal. Leva ele de volta para a ilha -- Natasha afastou-se deles.

O segurança o agarrou pela gola da camiseta.

-- NÃO! -- Sidney, berrou -- Não, pelo amor de Deus! Eu não quero voltar para aquele lugar maldito.

Andreia saiu do quarto vestindo uma camisola transparente. Esfregou os olhos e piscou várias vezes antes de
conseguir focar a imagem do amigo.

-- Sidney! -- ela caminhou a passos largos em direção a ele.

-- Mona! -- ele a recebeu de braços abertos -- Que saudade de você, linda!

-- Também estava -- Andreia aninhou-se nos braços dele.

-- O que faz aqui? A mulher tempestade está te mantendo como prisioneira?

Andreia deu uma gargalhada.

-- Seu bobo. Muita aconteceu desde a última vez que nos falamos - Andreia passou a mão pela camiseta dele --
O que é isso na sua roupa?

-- Suco de uva. Esse... -- olhou para Hannibal -- Gostosão, me agarrou, me amassou, me apertou e me arrastou
até a lancha. Acredita que o piu piu que você me deu de presente, ficou jogado lá no meio da mata? Estou
arrasado.

-- Pode ir, Hannibal. Já ouvi besteira demais por hoje -- Natasha fechou a porta, aproximou-se e deu um beijo
demorado na boca de Andreia -- Não demora. Já é tarde.

-- Vou logo em seguida -- respondeu Andreia, sorrindo.

Sidney ficou passado.

-- Monaaaa... Morri!

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Capítulo 52 -- E O Vento Levou por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 52

E o Vento Levou 

Sidney apressou-se a puxar a amiga pela mão e levá-la até o sofá. 

-- Menina que novidade é essa? -- pela primeira vez desde que chegaram a ilha, Sidney viu Andreia sorrir
radiante. 

-- Tenho muitas novidades, Sid. 

-- Conta, conta. Estou em cólicas -- pediu, ansioso. 

Os olhos de Andreia brilharam ao olhar para o amigo. 

-- Estou tão aliviada, tão feliz. As vezes parece que estou sonhando. Tenho agradecido muito a Deus por tudo
o que está me acontecendo! 

Ao ouvir isso ele se inclinou para a frente, com um brilho impaciente no olhar. 

-- Então, você contou a verdade para ela? 

-- Contei tudo -- Andreia abriu os braços -- Na verdade ela já sabia há muito tempo e estava apenas esperando
a minha confissão.  

-- Talvez ela só estivesse esperando uma demonstração de arrependimento da sua parte. 

-- Foi isso mesmo -- Andreia sorriu -- Você tinha razão. Nós nos amamos. Ela tem sido tão boa para mim sabe,
tão maravilhosa. Ela me ama, me completa, me alegra e me faz sorrir. E é impossível não amar uma pessoa
assim igual a ela. 

-- Isso só pode ser coisa de Deus! A Natasha é uma mulher tão difícil, tão durona -- disse Sidney, sorrindo ao
ver o brilho radiante e aliviado nos olhos de sua melhor amiga -- O amor faz milagres. 

-- Já dizia Wilian Neri: O amor tem uma força diferente... Querendo ou não, ele muda a gente. 

Sidney bateu palmas, aplaudindo-a e beijando-a na bochecha. 

-- Quer dizer que estamos perdoados? As duas caninanas vão poder voltar da ilha Carolina? 

Andreia ficou um momento em silêncio e logo prosseguiu: 

-- A Natasha me prometeu que não vai nos denunciar a polícia, porém, Sibele e Marcela vão continuar na ilha.
Será um tipo de punição imposto a elas por serem responsáveis por arquitetar o plano. 

-- E eu? -- Sidney, apoiou-se nela e lançou um olhar nervoso -- Também serei punido? 

-- Quanto a sua punição, Natasha deixou para que Leozinho decidisse o que fazer.  

A surpresa estampada no rosto do amigo era impagável. 

-- O Leozinho? 

-- Sim, portanto, entenda-se com ele -- Andreia sorriu -- Leozinho pediu a Natasha que o trouxesse. E ela
aceitou. 

-- Ai, que alívio -- ele riu, meio de lado. 

Andreia remexeu-se no sofá e colocou uma almofada sobre as coxas. 

-- Estou grávida -- disse, de supetão. 

No mesmo instante Sidney ficou sério. Depois, soltou violentamente o ar que estava preso em seus pulmões. 

-- Caramba! Fiquei rosa. 

-- A Natasha foi me buscar assim que soube do resultado do exame. 


-- Você sempre foi tão prevenida -- comentou num tom afetuoso -- Imagino que deva ter ficado chocada com a
notícia.  

-- Por que está tão preocupado? -- ela quis saber, observando-o com as feições endurecidas. 

-- O pai é o César. Não é mesmo? Tem como não ficar preocupado? 

Andreia abaixou a cabeça para esconder a fisionomia triste. 

-- O bebê não tem culpa de ter um pai mau caráter. 

-- Com certeza, mas o César vai incomodar. Pretende contar a novidade a ele? 

Andreia negou com um gesto. Sidney balançou a cabeça, sua boca tinha uma expressão de desagrado.  

-- Então acho melhor você resolver essa questão urgentemente, porque em breve não conseguirá esconder de
mais ninguém que está grávida. 

-- A Natasha colocou um batalhão de homens atrás do César. Ela quer expulsá-lo da ilha antes que ele
descubra. 

-- E isso é o certo? Não seria melhor você abrir o jogo com ele? 

Andreia respirou fundo e uma calma estranha substituiu a sua preocupação. 

-- O bebê é meu, e com a ajuda da Natasha, ficaremos bem. César não presta. Não vale nada. Se ele souber que
estou grávida, vai querer tirar alguma vantagem disso.  

-- Com certeza vocês ficarão bem. A Natasha não permitirá que ele se aproxime de vocês.  

-- Por isso estou tranquila. Vou ter o meu filho no lugar mais lindo do mundo e ao lado da mulher mais
maravilhosa e perfeita que existe. 

Sidney recostou a cabeça no encosto do sofá, suspirou profundamente. 

-- "O amor é lindo quando estamos com a pessoa certa".  

-- Vou ligar para a Andreia e acabar com toda essa palhaçada. Ela mandará alguém vir me buscar - disse
Marcela, pegando o celular para ligar. 

Sibele olhou para o aparelho na mão dela. 

-- Não há sinal de recepção nessa ilha. 

-- Que inferno! -- Marcela quase gritou em histeria. 

-- Sossega. Entrar em desespero não vai levar a nada. 

-- A Andreia vai morrer quando souber que o Sidney foi devorado por um leão. Que não sobrou nada dele.
Nem um ossinho para enterrarmos -- ela gritou e agarrada ao piu piu, finalmente, desatou num choro convulso
-- Que desgraça, meu Deus! Ele era tão jovem. 

-- Deixa disso, Marcela. Você nem gostava dele. 

-- Eu não gostava dele, mas não desejava uma morte tão horrível para o pobre coitado. Que horror! 

Alguns passos levaram Marcela até a varanda. Ela levantou o celular na esperança de conseguir sinal para o
seu celular.  

Olhou para uma extensão infinita de água e concluiu que estava presa naquela ilha. Presa para morrer
devorada pelos animais selvagens. 

Guardou o inútil celular no bolso e com voz firme e segura bradou:  

-- "Por Deus eu juro! Por Deus eu juro eles não vão acabar comigo! Eu vou passar por tudo isto e quando
terminar, jamais sentirei fome de novo. Nem eu nem minha família. Mesmo tendo que matar mentir, roubar ou
trair eu juro por Deus jamais sentirei fome novamente!" 

Sibele parou diante dela com os pés separados e as mãos na cintura. 

-- O que é isso, Marcela? Está louca? 

-- Estava apenas exprimindo os meus sentimentos. E esse discurso de Rose Calvert, em Titanic, é bem
motivador. 
Sibele revirou os olhos, parecendo não acreditar no que estava ouvindo. 

-- Esse é o discurso de Scarlett'O Hara no filme: E O Vento Levou -- Sibele a puxou pelo braço para dentro da
cabana -- Scarlett'O Hara também disse: "Por pior que seja a noite, amanhã é outro dia". Vamos dormir, sua
louca. 

Um pequeno ruído acordou Andreia na manhã seguinte. Abrindo os olhos encontrou Natasha junto a cama,
com uma xícara de café nas mãos. 

-- Bom dia, dorminhoca! 

-- Humm. Café na cama. Sou uma sortuda! -- Andreia sentou, colocando um travesseiro nas costas. Pegou a
xícara e tomou um gole generoso. 

-- Ficou acordada a noite toda? 

-- Vim para a cama as três horas. Como estava muito cansada, dormi na hora.  

-- Esse seu amigo é um grande maluco -- Natasha colocou a bandeja na mesinha lateral da cama. Em seguida,
serviu-a com uma panqueca de banana com aveia -- Porém, ele me parece uma boa pessoa. 

-- Sidney é uma pessoa maravilhosa. Pode ter certeza disso, Nat. 

-- Espero sinceramente que esteja certa, pois não costumo dar mais que uma chance -- Natasha serviu-a
novamente e tomou uma xícara para si também. 

Natasha estendeu um prato cheio de pedaços de frutas. 

-- Não posso comer isso tudo. 

-- Doutora Talita disse que você precisa se alimentar muito bem. 

-- Vou ficar como uma baleia comendo desse jeito -- Andreia sorriu e Natasha não pode deixar de fazer o
mesmo. 

-- Eu amo as baleias -- ela abriu um sorriso encantador -- Quer pão com geleia de tangerina? 

Andreia sacudiu a cabeça. Estava explodindo.  

-- Vai sair? -- ela perguntou, antes de tomar um gole de café. 

-- Sim. Todos os dias pela manhã, costumo sair para um passeio pela orla. É um costume que trago comigo
desde que assumi a administração da ilha.  

-- Preferia que ficasse comigo -- ela franziu o cenho. 

A expressão de Natasha ao encará-la, os olhos verdes brilhando e o sorriso de lado, causou um calor que lhe
subiu pelo corpo e ela molhou os lábios secos. 

-- Eu já volto -- Natasha murmurou, enquanto suas mãos a acariciavam -- Não se preocupe. O Hannibal vai ficar
te vigiando 24 horas por dia. Você não vai ver ele, mas pode ter certeza, ele estará te vendo. 

Natasha a beijou ligeiramente nos lábios e se levantou. 

-- Por que não chama aquela sua amiga pentelha para te fazer companhia? 

-- A Sofia? Bem lembrado, Nat. Vou chamá-la. 

Natasha saiu do elevador e atravessou o saguão dirigindo-se para a porta de saída. Antes de descer o
primeiro degrau, parou por um momento ao ver que a doutora Talita subia as escadas. 

-- Bom dia, doutora. 

-- Bom dia, Natasha. Você está de saída? 

-- Estou saindo para o meu passeio diário. Deseja algo? -- Natasha colocou as mãos nos bolsos laterais da
bermuda jeans e entrecerrou os olhos, olhando-a com atenção. 

-- Tenho algo para pedir -- ela disse, hesitante preste a desistir e ir embora -- Compreenderei se não for
possível, mas só consegue quem tenta. Não é mesmo? 
-- Com certeza, doutora -- Natasha colocou um braço em volta de seu ombro e elas desceram abraçadas a
escada -- A doutora conquistou a minha simpatia, o meu respeito e a minha confiança. Portanto, peça-me o
que quiser. Não medirei esforços em atendê-la. 

Talita sorriu, mais confiante. 

-- Nós temos um ambulatório médico muito bem equipado, mas poderíamos atender de maneira mais
adequada, se tivéssemos aparelho de raio-X e de ultrassom.  

Natasha olhou-a, pensativa. 

-- Atualmente estamos levando os pacientes de helicóptero até Florianópolis -- Natasha comentou. 

-- Exatamente. Isso traz prejuízo ao atendimento. A dificuldade de se fazer um raio-X ou um ultrassom pode
comprometer o prognóstico do paciente.  

-- Eu não entendo nada sobre esse assunto, doutora -- Natasha desceu o último degrau e virou-se de frente
para ela -- Porém, se a doutora está dizendo que é importante termos esses dois aparelhos, quem sou eu para
contradizer. 

Ela ficou tão feliz ao ouvir aquilo que pulou no pescoço de Natasha, tomando-a em um abraço e estalando um
grande beijo em sua bochecha.  

--Calma doutora, sou uma pessoa comprometida agora - ela deu uma gargalhada divertida - Olha que a ruivinha
é brava. 

-- E eu não sei? -- ela sorriu, mas logo voltou a ficar séria -- Você não vai se arrepender -- garantiu. 

-- Eu sei disso -- Natasha sorriu, satisfeita -- Aproveite que está aqui e vá conversar com a Jessye. Peça tudo o
que precisar para ela.  

-- Farei isso. Obrigada. 

Natasha entrou no carro e saiu em direção a rodovia que costeia a orla. Animada, Talita ficou olhando
Natasha se afastar. Aquilo estava mesmo acontecendo? Uma ilha maravilhosa, um trabalho gratificante e
prazeroso. Remuneração acima da média. Era bem mais do que sempre sonhou para si. 

Naquele momento, sentiu uma mão desenhar um círculo vermelho ao redor do seu braço. Talita olhou para o
homem e tentou soltar a mão, mas ele a segurou com mais firmeza. 

-- O que está fazendo aqui, Ivo? -- perguntou a médica, deixando transparecer a surpresa nos traços bonitos
do rosto bronzeado -- Pare com isso! 

-- Parar com o quê? -- perguntou com ironia -- Não posso tocar em minha esposa? 

-- Não sou mais a sua esposa -- Talita esbravejou -- Que parte do quero me separar, você não entendeu? 

-- Não se termina um casamento de dez anos por telefone. 

-- Terminar por telefone pode não ser a forma mais ideal de se terminar um relacionamento, mas, foi a única
opção. Quanto tempo estou te chamando para conversar?  

Ele a olhou com ar de superioridade que seria intimidador para qualquer um. 

-- Deixe de besteira. Eu nem dei ouvidos a esse seu desatino. 

-- É sério, Ivo, acabou. Vá embora, estou trabalhando. 

-- Muito bem -- virou-se de frente para ela -- Eu aceito a separação, se me der um bom motivo. 

-- Eu não te amo mais. Quer um motivo melhor que esse? -- Talita respondeu, olhando para as pessoas que os
observavam com curiosidade. O rosto dela pareceu incendiar. 

-- É aquela mulher, não é mesmo? 

Talita o fitou, tentando compreender as palavras dele.  

-- Que mulher? 

-- A Falcão.  Eu acabei de ver a cena ridícula entre vocês duas. 

Talita se viu obrigada a desviar o olhar. Aquela era uma acusação escandalosa, fora de propósito. 

-- Você está louco -- ela engasgou -- Vá embora! 

Ele cerrou os punhos, encarando-a.  


-- Farei o que você pediu. Irei embora. Mas só até encontrar uma evidência irrefutável -- sem aviso, ele a
segurou. Puxando-a pelo abraço -- Eu vou matá-la! -- disse ferozmente - Eu vou matar essa lésbica dos
infernos. 

Talita estremeceu e tentou soltar o braço, mas Ivo a segurou com mais força. 

-- Você não sabe do que eu sou capaz. 

Bravamente, ela o afastou. 

-- Nunca mais toque em mim - a médica berrou. 

-- Depois não me diga que eu não avisei -- ele disse com ódio, virou as costas e foi embora.  

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Capítulo 53 -- Paciência Tem Limite por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 53

Paciência Tem Limite!

Andreia vestiu um maiô, calçou o chinelo de borracha e pegou uma toalha de praia.

Sofia apanhou a bolsa que estava sobre o sofá e caminhou até a porta.

-- Não vejo a hora de cheirar a cabeça do meu afilhado.

-- Quem disse que você será a madrinha?

-- Eu -- apontou para si mesma e disse: -- Sou a sua melhor amiga, ficarei muito brava se você não me convidar.
Tem mais alguém que gostaria de convidar?

-- Estava pensando em convidar a Talita.

Sofia olhou para ela de cara feia.

-- Traidora.

Andreia caiu na gargalhada.

-- Vocês duas -- ela completou, ainda rindo.

-- Ah! -- Sofia fez um trejeito engraçado -- Essa tal de Talita é gente boa, ou é um nariz empinado igual a
"Natashata".

-- A Talita é uma pessoa linda e maravilhosa. Você vai se apaixonar por ela -- Andreia trancou a porta da suíte e
começou a andar para o elevador -- E a Natasha não é chata. Ela é um tesãoooo... -- ela berrou no ouvido da
amiga.

-- Idiota apaixonada, isso que você é -- ela deu um tapa no ombro de Andreia -- Você está com dor de cabeça?
Está com umas olheiras.

-- Você até parece médica. Mas não se preocupe, as minhas olheiras são por outro motivo.

Sofia fez uma careta.

-- Poupe-me dos detalhes.

Atravessaram o saguão, desceram com cautela as escadas e atravessaram a avenida caminhando em direção a
areia branquinha e fofa.

-- Que maravilha! O dia está ideal para se bronzear -- Andreia comentou, enquanto estendia a toalha sobre o
tapete branco.

-- Para quem está há tanto tempo na ilha, você está bem branquinha -- comentou Sofia.

-- Tenho sido cautelosa. Sou muito branca, prefiro me bronzear sem pressa -- Andreia espalhou filtro solar e
acomodou-se sobre a toalha.

-- Vai continuar na ilha, depois que o bebe nascer?

-- Infelizmente não depende apenas de mim. O meu desejo é viver aqui para sempre, mas o dela? Será que a
Natasha pensa em um relacionamento sério ou temporário.

-- A Falcão tem fama de mulherenga. Vai por mim, amiga.

-- Eu sei -- Andreia olhou desanimada para o frasco de filtro solar que tinha nas mãos -- Seria maravilhoso
poder criar o meu filho nesse paraíso que é a Ilha do Falcão.

-- É a água mais azul que vi em toda a minha vida! -- comentou Sofia, encantada.

É
-- É a praia mais calma de Santa Catarina -- Andreia sorriu, deitando-se sobre a toalha -- Parece uma enorme
piscina de águas calmas, cristalinas e azul-turquesa.

-- Vou dar um mergulho. Vem comigo?

-- Daqui a pouco -- respondeu Andreia, esticando a cabeça para olhar Sofia sair rebolando em direção a água.
Ela fechou os olhos e relaxou sobre a toalha. Um suspiro calmamente escapou de seus lábios.

Por que sentia-se tão insegura? Talvez porque Natasha era uma verdadeira deusa. Rica e de uma beleza
arrasadora. Não havia dúvidas de que a sua companheira deveria ser tão bela e arrasadora quanto ela e não
uma ruiva insonsa como Andreia se considerava. Natasha a queria com sinceridade, ou desejava apenas uma
breve aventura?

Antes de entrar no chalé, Mariana olhou em volta para certificar-se de que tudo estava em ordem. Não vendo
ninguém suspeito por perto, abriu a porta e entrou.

-- Demorou -- afirmou César, pegando as bolsas de sua mão.

-- Passei no hotel para pegar algumas coisinhas que já estão terminando.

César abriu a bolsa e olhou o que tinha dentro.

-- Champanhe, caviar, morango, geleia de pimenta, vinho... Só besteiras! -- disse irritado -- Estou louco de
vontade de comer um pirão de feijão com linguiça e você me aparece com essas porcarias!

-- Porcarias? Fique sabendo que esse é o meu kit sobrevivência. Sou uma pessoa fina, imagina se vou comer
pirão de feijão com linguiça.

-- Cai na real, mulher. Você está tão sem grana, que até a sua conversa é fiada.

-- Você me deixa tão irritada que tenho vontade de te matar -- murmurou ela, fazendo o possível para se
controlar.

Mariana pegou as bolsas e foi para a cozinha. César foi atrás dela, sentou-se em uma cadeira e ficou
observando enquanto ela guardava os produtos.

-- Falando em matar... -- desviou o olhar até a janela. Seu pensamento agora estava focado em outras coisas
que não eram comidas ou bebidas -- Caso a Natasha Falcão morresse, Carolina ficaria com toda a herança, não
é mesmo?

Lentamente, Mariana se virou em direção a ele.

-- O que está querendo dizer com isso? Por acaso você está pensando em matar a Natasha? -- ela se assustou
com a expressão demoníaca que dominou o rosto de César -- Você seria capaz disso?

-- Calma aí -- ergueu uma das mãos, como que se defendendo -- Estou apenas fazendo conjecturas.

-- Entendo -- ela o olhou com desconfiança, mas a expressão de César não demonstrava nenhum tipo de
sentimento. Devia ser sua imaginação fértil e mal-intencionada, pensou Mariana -- A Carolina é a única parente
viva, da Natasha, portanto, com a morte dela, sua ex herdaria tudo.

-- Ex e mãe do meu bebê -- César balançou a cabeça, como se a ideia fosse tentadora -- Eu sempre digo: "Para
morrer basta estar vivo".

Bolas chocaram-se e estalaram quando Natasha disparou o taco. A quinta bola mergulhou na caçapa do
canto.

-- Quando eu morrer, quero que o Leozinho entre nas minhas Redes Sociais e publique: "Quem diria que no
inferno tem Wi-Fi." Pensa na cara dos meus seguidores.

Jessye deu uma tacada. A bola branca bateu na bola marrom, que correu direto para a caçapa.

-- Sorte -- disse Natasha, passando giz no taco.

Jessye apenas sorriu.

-- Quando morrer, você prefere ser cremada ou enterrada?

Natasha olhou para ela pensativa.

-- Eu bebo tanto, que se for cremada, nunca mais paro de pegar fogo. Prefiro ser enterrada.
-- Será que vocês duas não tem outro assunto que não seja morte? -- Leozinho passou giz no taco e com um
leve toque matou a bola rosa.

-- Você é sensível demais, Leozinho -- comentou, Natasha.

-- É preferível ser sensível, que uma turrona insensível como você -- disse Sidney, protegendo a cabeça com as
mãos. Porém, Natasha não jogou nenhuma bola na cabeça dele. Sentada na ponta da mesa, ela lançou-lhe um
olhar cheio de tristeza.

-- Nem sempre fui assim, fria e insensível -- Natasha olhou para eles de modo melancólico, os grandes olhos
verdes brilhantes -- Meu coração endureceu depois de um fato muito triste.

Leozinho pousou a mão sobre os ombros dela demonstrando uma compaixão verdadeira.

-- Pode falar, chefe.

-- Vi uma formiga sofrendo ao carregar comida para sua família, que gesto lindo, fiquei tão emocionada, uma
lágrima caiu em cima da formiga e ela morreu.

Os três olharam para ela estupefatos. Natasha caiu na gargalhada.

-- Minha vez, bobões -- ela pegou o taco e passou giz com calma.

Num velório, um senhor cumprimenta e pergunta a viúva:

-- Meus pêsames...Do que morreu seu marido?

-- Envenenado.

-- Nossa...Mas ele parece tão machucado!!!

-- É que ele não queria tomar o veneno!!!

Natasha caiu na gargalhada novamente.

-- Jogar sinuca é muito fácil -- ela continuou -- Agora prestem atenção, enquanto eu explico como funciona --
Natasha deu a volta na mesa -- A nove tá fora, a dois ao lado -- anunciou, dando a tacada e preparando-se para
a seguinte -- Bola seis no meio, bola onze na lateral -- dito e feito. A jogada foi perfeita -- Agora,"Fatal Finale".
Quatro no fundo -- e com toda a calma do mundo ela matou a bola quatro e fechou o jogo.

-- O importante é competir -- disse Leozinho. Mais interessado em Sidney do que no jogo.

-- O importante não é vencer, mas te mato de pancada se a gente não ganhar -- a empresária colocou o taco
encostado, pegou o copo de bebida e tomou um gole -- Não gosto de perder nem no jogo de quebrar o
ossinho do peito do frango.

A figura de Andreia surgiu diante de seus olhos, e Natasha sorriu encantada.

-- Que bela sereia -- inclinando a cabeça, Natasha depositou um beijo na curvatura do pescoço dela.

-- Não faz isso. Estou com o corpo cheio de sal -- disse Andreia, fazendo uma careta.

-- Eu beberia o mar se você fosse o sal.

-- Ahhh... Cantada de pedreiro -- Leozinho caiu na gargalhada -- Que horror!

Natasha fechou o punho.

-- Idiota! Por acaso sabe fazer melhor?

Leozinho olhou Sidney nos olhos.

-- Qual o caminho mais rápido pra chegar no seu coração?

Natasha respondeu:

-- Cirurgia plástica, lavagem cerebral e uns três meses de malhação.

Andreia puxou-a pelo braço com força e virou-se, encaminhando-se para a porta do bar.

-- Quero falar com você.

-- Quer pedir uma coisinha? -- perguntou sorrindo.

-- Quero -- ela respondeu calma -- Está na hora de você me apresentar a sua irmã. Estou pensando em convidar
a Carolina e a Talita para um jantar hoje a noite. O que você acha?
Natasha coçou a cabeça. Durante um momento ficou em silêncio pensando. Depois, perguntou com
hesitação:

-- Será?

-- Qual é o problema, Nat? Por acaso você está com vergonha de me apresentar a sua irmã? -- Andreia colocou
as mãos na cintura, assumindo uma postura petulante.

Natasha levantou as sobrancelhas.

-- Não é isso! Você entendeu errado. O problema é que a Carolina é um pouco nervosinha e, como você
também não é flor que se cheire, esse encontro pode ser um pouquinho explosivo.

-- Eu não sou assim, Nat. É uma injustiça tremenda você dizer isso de mim -- ela esbravejou, girou nos
calcanhares abruptamente e saiu andando, a passos largos pela porta lateral.

-- Ai, meu Deus! Espera Andreia! -- Natasha gritou e saiu correndo atrás dela.

Marcela abriu a porta da cabana e saiu para a sombra da varanda. Suspirou profundamente, fechou os olhos
e espreguiçou-se.

-- Que preguiçaaaa...

-- Senhorita Marcela.

-- Aiiiiii... -- ela levou um susto tão grande que chegou a dar um salto para trás. Ainda aturdida pelo susto e
sem entender nada, Marcela encarou os homens que a observavam com curiosidade -- Quem são vocês?

-- Somos os trabalhadores contratados pela senhorita Natasha -- respondeu um homem alto, moreno, que
parecia ser o líder daquele batalhão de trabalhadores uniformizados -- Viemos nos apresentar ao trabalho.

Porém Marcela ficou estática, chocada, com mais aquela novidade.

Sibele saiu apressadamente pela porta da cabana e encostou-se no parapeito da varanda.

-- Posso saber o que está acontecendo aqui? -- perguntou ela, num tom muito surpreso.

-- Eles são os trabalhadores contratados pela Natasha -- respondeu Marcela, mexendo apenas a boca -- Só não
me pergunte o que eles estão fazendo aqui.

O líder do grupo deu um passo a frente.

-- Me chamo Flávio. Sou engenheiro civil.

-- Eu me chamo Samuel. Sou engenheiro agrimensor. Estou aqui para planejar a movimentação de terra e o
preparo do terreno de acordo com as leis da construção civil a serem seguidas na movimentação de terra
antes de iniciar o empreendimento de vocês!

Elas se entreolharam, espantadas.

-- Nosso empreendimento?

Quando chegaram ao restaurante à beira-mar, foram logo levadas a uma mesa de canto que Natasha reservou
para a noite.

-- Espero que aprovem o prato -- disse Oliver, o maitre -- Preparei para as senhoritas: Tilápia crocante com
farofa de banana-da-terra (puxada na manteiga de garrafa), purê de mandioquinha e fondue de pimentões.
Tranche de salmão com arroz negro e Sogliola (linguado grelhado com risoto de sete grãos, ervilha fresca ao
molho de camarão). E para beber, escolhi um Sauvignon Blanc, que harmoniza muito bem com as carnes que
serviremos.

-- Está perfeito. Obrigada -- Natasha agradeceu, com um meio sorriso.

-- Eu amo esse restaurante -- Talita falou alegremente, tentando aliviar a tensão existente entre Carolina e
Andreia -- A vista é maravilhosa. Pena que custe os olhos da cara.

-- Mas vale a pena, doutora. A comida é divina.

Da janela podia-se ver as ondas que rebentavam na praia. Iluminada pela lua cheia e pelas estrelas brilhantes.
O vento entrava tranquilamente pelas portas e janelas do restaurante, deixando o ambiente fresco e
confortável.
Natasha serviu uma taça de vinho para Andreia e depois para si mesmo. Entregou a garrafa para Talita e virou-
se para Carolina.

-- A doutora Talita já deve ter te contado que a Andreia está grávida. Não é mesmo?

-- Sim, ela me contou -- Carolina fez uma careta que não passou despercebida por Andreia -- Podemos mudar
de assunto? -- disse, empurrando a taça de vinho e o prato -- Não estou nem um pouco interessada nessa
criança.

Andreia arregalou os olhos. Nunca se sentira tão furiosa na vida. Seu sangue ferveu e ela lutava para se
controlar.

-- Tudo bem. Então, vamos mudar de assunto -- ela rebateu -- Convidamos você para esse jantar com o objetivo
de nos conhecermos melhor. Gostaria que ao menos tivéssemos um relacionamento amigável -- Andreia
provou do vinho para acalmar-se.

-- Eu não sou obrigada a ter qualquer tipo de relacionamento com você -- disse Carolina, cheia de raiva -- É uma
jogada, Natasha. Essa mulher está lançando a teia, e você mais uma vez está caindo na armadilha. Será que
não percebe?

Houve um longo silêncio.

-- Vovô e vovó sempre fizeram tudo para mim, sempre tive tudo que quis, eles eram sempre muito amáveis e
foram referência como exemplo de tudo o que sou hoje.

Cresci, me formei, iniciei a fase profissional e me tornei a empresária que todos conhecem.

Depois da morte de nossos avós, fui ao fundo do poço, mas como certa vez ouvi um amigo dizer: "a morte tem
dois fatores importantes: Ou ela te faz afundar junto com ela, ou, você pega impulso, aproveita a vida e vive da
forma como você nunca viveu". Eu, preferi a segunda.

Sofri, sofri muito. Me sentia só e triste. Então, decidi te procurar. Sentia a falta de um irmão, alguém para
dividir objetivos, dividir tristezas e felicidades. Somar, multiplicar e dividir. Nunca subtrair. Hoje, vejo que
sabiamente Deus nos deu uma oportunidade de convivermos juntas, porém, não estamos sabendo aproveitar
essa segunda chance -- Natasha suspirou pesadamente. Depois, sorriu. O sorriso era dirigido para Andreia,
em um misto de gentileza, carinho e cumplicidade -- Eu amo a Andreia. E só pode amar quem sabe perdoar, e
perdoar é a consequência de quem ama. Não estou pedindo que seja amiga dela. Amor e amizade, não se
implora, se conquista. Estou apenas pedindo que respeite a minha decisão.

Andreia segurou com carinho uma das mãos de Natasha e o amor entre as duas pareceu ainda mais evidente.

-- Eu amo a sua irmã. Me dê a oportunidade de mostrar que o que falo é verdadeiro.

Carolina voltou a atenção para Andreia, olhando fixamente para ela. Nada a faria mudar de opinião. Aquela
mulher era uma pistoleira e essa paixão repentina pela irmã, só podia ser armação. O bebê não mudava o fato
de que não podiam se envolver, e ela precisava fazer com que Natasha entendesse isso. Ela perderia tudo o
que conseguiu até hoje.

-- Um relacionamento entre vocês não vai dar certo -- disse ela, secamente.

-- Você acha? -- Andreia já havia se arrependido de ter proposto o jantar. Carolina não facilitaria nenhum
pouco a sua vida.

-- Acho -- ela pegou a taça de vinho e deu um gole -- Por diversos motivos.

Andreia cruzou os braços.

-- E quais são esses motivos?

-- Não acredito em amor a primeira vista -- disse em tom de ironia -- Você vai ter um filho, não duvido que tenha
um homem por trás disso tudo.

Os olhos de Andreia ficaram escuros de raiva.

Natasha deu risada, mas Andreia podia perceber que ela não estava achando engraçado, que sim estava muito
ofendida.

-- Chega! -- Natasha berrou -- Em primeiro lugar -- disse ela em um tom de voz irritado -- Não me lembro de ter
pedido a sua opinião. Segundo, nunca dei o direito a ninguém de ditar, como devo viver minha vida, e com
quem devo me relacionar -- ela suspirou, buscando paciência -- Portanto, ou você aceita a Andreia como sua
cunhada e a trata com um membro da família ou, pegue a sua parte na herança e vá cuidar da sua vida -- uma
sombra de tristeza passou pelos luminosos olhos verdes. Com certeza aquelas palavras doíam mais nela do
que em Carolina -- Apenas quero te lembrar de um detalhe: A sua parte na herança é somente a Ilha Carolina. A
Ilha Falcão foi herança do vovô para mim. E, todos os outros bens, foram adquiridos com o meu trabalho.
Carolina engoliu em seco.

-- Você prefere ficar com essa criminosa, do que com a sua irmã.

-- Não. Você que preferiu me criticar e me julgar em vez de ficar ao meu lado e me apoiar.

Natasha levantou-se bruscamente e estendeu a mão para Andreia.

-- Vamos embora, Déa. Não temos mais nada a conversar.

-- Não, Nat. Calma. Vamos tentar conversar numa boa -- Andreia levantou-se, com a expressão preocupada --
Não quero que briguem por minha causa.

-- Já tive paciência demais, Déa. Até estou me estranhando. Em outros tempos já teria mandado essa garota
catar coquinho em descida -- Natasha acenou para Talita -- Desculpa doutora, pela situação constrangedora.

Talita respondeu com um gesto de despedida, enquanto Natasha e Andreia saiam do restaurante. Ela olhou
para a mesa onde a comida permanecia intacta e abaixou a cabeça, desanimada. Quando voltou a olhar para
Carolina, a médica tinha a expressão de censura e decepção estampada no rosto.

-- Quem é você? Eu não te reconheço mais. Não consigo mais enxergar em você a pessoa bonita, divertida e
descolada que um dia conheci. Suas atitudes ultimamente só tem me decepcionado. Nunca pensei que você
fosse tão rancorosa e vingativa. Você mudou tanto que me parece alguém estranho, uma pessoa que eu não
conheço nem um pouco.

O silêncio se estendeu interminável entre as duas. Talita queria entendê-la, queria uma explicação
convincente, uma tentativa de defesa, mas ela apenas calou-se. Então, a médica se levantou, ajeitou a bolsa no
ombro e foi embora.

Carolina empurrou a cadeira e jogou o guardanapo no prato de comida que estava pela metade.

-- Isso não vai ficar assim, Natasha. Eu não vou permitir que você estrague tudo.

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Capítulo 54 -- Que doutora é essa? por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 54 

Que doutora é essa? 

A semana passou rápida como uma ventania. O sol atrevido logo cedo entrou pela janela, iluminando a suíte
silenciosa. Era um dia lindo de agosto. Um dia que não trazia nenhuma preocupação para Natasha, nenhum
compromisso importante, nenhum encontro com representantes. Um dia perfeito para colocar em prática o
seu plano piramidal brilhante. 

Ela acordou e olhou para a maravilhosa criatura que dormia com a cabeça apoiada em seu peito e a perna
sobre a sua cintura.  

Um sorriso surgiu em seus lábios quando ela, ainda dormindo, resmungou o seu nome baixinho.  

-- Bom dia, minha pequena princesa -- disse delicadamente Natasha, acariciando os cabelos ruivos sedosos. 

-- Hummm... Já amanheceu? -- Andreia perguntou sonolenta. 

-- Sim, e o dia está lindo de viver. 

Andreia levantou a cabeça e abriu os olhos, piscando sob a claridade que invadia o quarto. 

-- Posso dormir mais um pouquinho? -- ela bocejou e deixou a cabeça cair novamente sobre o peito da
empresária -- Está tão gostoso aqui. 

Bocejando, Andreia voltou a fechar os olhos. Embora nunca tivesse sido uma pessoa preguiçosa, sair dos
braços de Natasha não era uma tarefa das mais fáceis. O prazer daquele aconchego quentinho a fazia odiar
ter que se levantar. Nunca antes tivera noites tão tranquilas, tão cheias de paz.  

-- Só mais um pouquinho. Eu prometo -- ela gemeu e se aninhou junto ao corpo da namorada. 

Natasha riu e deitou de lado, tocando o rosto de sua ruiva com as pontas dos dedos. 

-- O que foi? -- Andreia perguntou espiando com um olho aberto. 

-- Estou te admirando. Você é tão linda. 

Andreia sorriu sonolenta. Sua felicidade era evidente.  

-- Eu vou te fazer a mulher mais feliz desse mundo. 

-- Você não vai precisar se esforçar muito para isso. É só ficar ao meu lado. 

-- Não vai dar um beijo em sua namorada? -- Andreia fez um biquinho. 

Apoiada sobre um cotovelo, Natasha respondeu-a com um beijo quente e sensual. 

Depois do inferno que havia passado com Mariana, havia jurado nunca mais se envolver seriamente com
outra mulher. Porém, "o amor é traiçoeiro, te atinge quando menos espera, e quando você
se dá conta, está morrendo por ele". (Murilo Vaz). 

-- Feiticeira -- ela sussurrou entre os lábios macios da ruiva -- Você me enlouquece de uma forma que não tem
explicação. Só sei que enlouquecer de amor é bom demais. 

Rindo, Andreia se ajeitou nos braços dela. Não desejava estar em outro lugar no mundo que ali. Faria tudo
que pudesse para demonstrar que o amor entre elas era para sempre.  

O garçom parou ao lado da mesa, pronto para anotar os pedidos. 

-- Para mim, um café preto e uma fatia de torta trufada de limão -- Sofia disse ao garçom da cafeteria. 

-- E para mim, um café com leite e um croissant bem crocante -- pediu Sidney. 

Sofia esperou até que o garçom saísse para voltar ao assunto anterior. 

-- Essa irmã da Natasha vai infernizar a vida da Andreia. Escuta o que eu estou falando. 

-- Pois a peste agora deu para estar todos os dias aqui no hotel. Parece até que é a dona. 
-- Olha, Sidney. Posso até estar enganada, mas me arrisco em dizer que essa garota vai aprontar alguma.
Aquela carinha de boazinha que ela está fazendo, é só para enganar a Natasha.  

-- Será, Sofia? -- Sidney se inclinou para frente, colocando um dos cotovelos sobre a mesa -- Precisamos ficar
de olho nela.  

-- Não vou poder ajudar muito -- disse-lhe em tom confessional -- Meu dinheiro está acabando. Você sabe
muito bem que não sou rica para ficar tanto tempo hospedada em um hotel luxuoso como esse. Em breve vou
embora. 

-- Ah, não! A Andreia vai ficar muito triste com essa notícia. 

-- Infelizmente, não tem outro jeito. 

O garçom logo retornou com os pedidos. Colocou uma xícara fumegante na frente dela e outra na frente de
Sidney. Uma pequena nuvem de vapor subiu e o odor se espalhou. 

-- Torta de limão para a senhorita e croissant bem crocante para o cavalheiro. 

-- Obrigado, fofo -- Sidney agradeceu. Depois tomou um gole de café com leite -- Muito bom, está delicioso. 

-- Notícias do César? 

-- Aquele é outro que deve estar enfiado em alguma toca só esperando o momento de atacar. 

-- Esse café está maravilhoso. Quente e forte, do jeitinho que eu gosto -- Sofia esvaziou a xícara, depois olhou
para os lados observando o movimento.  

Avistou uma mulher que entrou como um furacão na cafeteria e caminhou até o balcão. Ela não era muito alta,
mas possuía um corpo lindo e pernas maravilhosas. O vestido bem cinturado delineava a cintura fina e as
curvas delicadas dos quadris. 

-- Sofia...Sofia -- Sidney precisou levantar a voz para ser ouvido. 

Ela deu um pulo na cadeira. 

-- O que foi? -- ela perguntou, sem tirar os olhos da bela mulher. 

-- Eu que pergunto. Você está de boca aberta babando. 

-- Estou apaixonada, Sidney. Loucamente apaixonada -- ela falava sem conseguir tirar os olhos da mulher --
Nascemos uma para a outra. 

-- Quem? -- Sidney olhou na direção que ela olhava -- Aquela lá no balcão? 

-- Ela mesma. 

A mulher pegou o copo de café da mão do atendente, pagou e saiu apressada. 

Sofia se levantou rapidamente da cadeira. 

-- Eu vou atrás dela. Vou atrás da minha felicidade. 

-- Sofia, não! Aquela é a... -- tarde demais. 

-- Segure o elevador pra mim. 

Uma suave voz feminina pediu. Talita estendeu o braço e impediu que as portas se fechassem. 

-- Obrigada -- Sofia encarou-a com um sorriso. 

-- Não por isso -- Talita também sorriu -- Que andar? 

Sofia pensou, pensou. Até que decidiu dar o andar da suíte de Natasha. 

-- Cobertura, por favor. 

-- Que coincidência! Também vou até a cobertura -- a médica apertou o botão e encostou-se à parede do
elevador. Com o canto do olho percebeu que a mulher a observava atentamente. 

O silêncio entre elas estendeu-se até que o elevador parou e as portas se abriram. Sofia deu um suspiro
fundo e trêmulo. 

-- Vamos? 
-- Vamos. 

Talita e Sofia caminharam lado a lado em direção à porta de entrada da suíte. Levaram a mão juntas até o
botão da campainha, se olharam e caíram na gargalhada. 

-- Sofia -- ela disse. 

-- Talita -- ela declarou, e estendeu uma das mãos a fim de cumprimentá-la -- Acho que o nosso destino é o
mesmo, Sofia. Veio falar com a Natasha? 

-- Não. Eu vim visitar a minha amiga, Andreia -- Sofia fitou os belos olhos negros da doutora. Fingindo-se de
inocente, murmurou: -- Você é muito bonita não pude deixar de admirá-la.  

Surpresa e embaraçada, Talita balbuciou um, obrigada e apertou a campainha. 

A porta se abriu lentamente. E quem apareceu foi Natasha. Ela olhou para as duas e levantou uma
sobrancelha. 

-- Se for uma festinha surpresa, saibam que eu não gosto de surpresas. As odeio, na verdade! 

-- Quem é, amor? -- Andreia berrou lá de dentro -- Sofia!!! Talita!!! Entrem. 

-- Com licença. Venha Talita -- Sofia puxou a doutora pelo braço -- Não tem educação é? -- disse para Natasha. 

Natasha balançou a cabeça e saiu da frente para elas passarem. 

-- Educação eu tenho. O que eu não tenho é paciência. 

-- Eu não sabia que vocês duas já se conheciam -- Andreia dirigiu um olhar de surpresa à amiga e sentou-se no
sofá. 

-- Na verdade nos conhecemos hoje, no elevador -- Talita sentou-se ao lado de Andreia e pegou o
esfigmomanômetro de dentro da sua valise -- Vamos verificar a pressão e depois a glicemia. 

-- Talita é a médica responsável pelo ambulatório da Ilha, Sofia. 

-- Foi uma coincidência muito agradável -- comentou Sofia, sorridente. 

-- Eu diria que, para a doutora, foi uma coincidência infeliz. Sabe aquela pessoa chata que dá vontade de jogar
pela janela? Pois é, essa é a Sofia! 

-- Natasha!!! -- Andreia a repreendeu. 

-- Falei alguma besteira? -- Natasha caminhou até a porta e se virou para Andreia -- Vou até o escritório. Não
esqueça o que combinamos. 

Andreia assentiu com um gesto de cabeça. Esperou até que tivesse certeza que Natasha tinha saído, para
então, comentar: 

-- A Natasha está tão estranha hoje. Acordou dizendo que vai me levar para um lugar bem legal, mas não quis
dizer para onde. 

-- Hiii...Abre o olho, amiga. Já ouvi vários casos de pessoas que foram mortas e depois, desovadas no mar. 

-- Credo, Sofia. 

-- Vai por mim. Quando Deus estava distribuindo coração, com certeza a Natasha estava no banheiro. 

Talita guardou os aparelhos na valise e se levantou. 

-- Pronto, Andreia. Sua pressão está normal e a sua glicemia também. Quando será a consulta com o doutor
Luiz Fernando? 

-- Amanhã -- disse Andreia, com um sorriso radiante -- Ele vai fazer o ultrassom para sabermos o sexo do bebê.
Estamos tão ansiosas! 

-- Vou ficar torcendo por vocês -- Talita deu um beijinho de despedida no rosto de Andreia -- Preciso ir. Tenho
vários pacientes para visitar. 

Sofia aproximou-se dela lentamente e estendeu-lhe a mão direita. 

-- Foi um enorme prazer ter te conhecido e ter tido a oportunidade de conversar com você, doutora. Gostaria
muito de qualquer dia desses, sairmos juntas para nos conhecermos melhor. 

-- Claro, podemos marcar -- Talita concordou, gentilmente. 


-- Que tal amanhã à noite? -- ela mordeu os lábios, ansiosamente. 

Talita estava admirada e fascinada com a obstinação daquela mulher. 

-- Não esperava tão cedo, mas... -- antes de responder ela sorriu -- Amanhã para mim está ótimo. 

Talita deixou a suíte de Natasha satisfeita por ter aceitado o convite de Sofia. Ela era uma pessoa agradável,
muito divertida e inteligente. Três qualidades que admirava nas pessoas. Sem contar que precisava sair,
conhecer gente nova, arejar a cabeça, mesmo que por pouco tempo.  

Andreia ficou um tempo em silêncio, olhando para a amiga. A conhecia muito bem para notar que estava
aprontando alguma. 

-- O que foi aquilo Sofia? Você praticamente assediou a doutora Talita. 

-- Estou perdidamente apaixonada! Foi amor à primeira vista. Ela mexeu comigo desde o exato momento em
que a vi na cafeteria. Eu nem quero saber se ela já tem alguém. Eu só quero ela e ponto final. 

-- Acho esse seu sentimento muito bonito. Porém, sinto lhe informar: A doutora Talita é casada. Portanto, vá
tirando essa ideia louca da cabeça. Entendeu? 

Sofia deu de ombros. Não, ela não entendeu. 

Duas horas depois. O carro esporte preto de Natasha parou no acostamento de uma estrada arborizada que
terminava próximo a praia. Ao longe, o sol de começo de tarde refletia no azul-safira do mar. 

Caminharam lentamente, de mãos dadas, durante alguns minutos, até que Natasha parou. 

-- Agora, fecha os olhos -- ela pediu, com um sorriso maroto. 

-- Ai, Natasha. Assim você está me deixando nervosa -- com as mãos molhadas de suor nervoso, Andreia
obedeceu e fechou os olhos -- O que você está inventando? 

-- Você já vai saber. Vem -- ela a conduziu por alguns metros e parou -- Agora pode abrir os olhos. 

Andreia abriu os olhos e tudo a sua frente se tornou verdejante. Deu alguns passos depois, se virou para
Natasha. 

-- Que lugar é esse? -- Andreia estava sem ar. Olhou para o elegante prédio com janelas enormes e portas
duplas. Uma varanda ampla rodeava toda a lateral da construção. Flores de todas as cores coloriam o jardim.
No centro havia uma fonte com uma estátua de anjo de onde a água jorrava. 

-- Essa é a mansão Falcão.  

-- É linda! E que vista! -- ela podia ouvir o barulho das ondas quebrando nas pedras -- Ninguém mora aqui? 

-- Depois que meu avô faleceu, esse lugar perdeu a graça. Então, fui morar no hotel. 

Andreia não cansava de admirar tudo a sua volta. 

-- Sabe por que a trouxe até aqui? 

Andreia apenas a encarou, curiosa em saber sobre o que ela falava. 

-- Esse lugar triste e frio, está precisando de luz e felicidade. E só penso em uma maneira de conseguir isso. 

Andreia continuava em silencio e a olhar para Natasha. Depois de intermináveis segundos, ela continuou. 

-- Eu quero você, eu quero essa criança, eu quero um cachorro, eu quero uma família. Andreia, você quer
casar comigo e juntas darmos vida a esse lugar? 

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Capítulo 55 - O Tempo Passa por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 55 

O Tempo Passa 

Uma onda de emoção envolveu Andreia e todas as suas dúvidas foram substituídas por uma felicidade tão
intensa que ela não se conteve. Sua boca colou-se à dela e os braços evolveram-lhe o pescoço. 

-- Então você quer se casar comigo? -- Natasha perguntou ainda insegura. 

-- Quero, quero. É tudo o que mais quero nesse mundo, meu amor -- confessou emocionada. 

-- Eu te amo, Andreia. 

-- Eu te amo e quero ficar na Ilha do Falcão para sempre. 

Com os olhos marejados, Natasha abraçou-a com força. 

-- Oh, Andreia, estou tão feliz que acho que vou chorar -- Natasha parecia pisar em nuvens. 

-- Não faça isso comigo. Eu que sou a chorona -- brincou Andreia -- Me perdoe por todo o mal que te fiz... 

Natasha a fez calar com um beijo rápido. 

-- O que aconteceu pertence ao passado e nos serviu de lição. Nossas vidas estão ligadas e não existimos
longe uma da outra. Agora, é só isso que importa. 

-- Eu te amo, Natasha. Sempre vou te amar. 

Natasha abraçou-a pela cintura e elas se beijaram até quase perder o folego. 

As bocas se afastaram. Andreia continuava nos braços dela. 

-- Quer conhecer o interior da nossa casa? 

-- Quero -- ela respondeu ansiosa. 

Assim que atravessaram o portão um enorme cachorro preto veio correndo na direção delas. 

-- Esse é o Mafioso. Meu rottweiler -- Natasha agachou-se sobre um joelho, batendo com a mão no chão -- Vem
aqui garoto. Ele é mansinho, Andreia. Pode tocá-lo. 

O cachorro aproximou-se, e Andreia acariciou-o na cabeça. 

-- Ele é tão lindo -- um sorriso reluzente surgiu no rosto bonito -- Tão macio. 

-- Agora vamos -- Natasha estendeu a mão -- Quero que conheça o nosso futuro lar. 

Andaram de mãos dadas pela grama, sem pressa. A mansão já havia sido um lugar feliz, quando era criança.
Contava com afeição e aconchego familiar, riqueza, segurança, como coisas garantidas. Em um estalar de
dedos, viu tudo se perder em uma rodovia de Florianópolis.  

Hoje estava virando a página. Depois de tantos desacertos, tantos desencontros, Natasha decidiu se dar uma
chance. Merecia ser feliz, mas dessa vez faria bem feito. Seria feliz hoje e aproveitaria cada segundo
intensamente.  

"Se você aproveitar bem o dia de hoje, dependerá menos do de amanhã". (Sêneca) 

Desesperadas, elas corriam pelo meio da mata. Corriam às cegas, cercadas pela densa vegetação, dominadas
pelo perigo. Olhos enormes as espreitavam. Corriam tanto que mal conseguiam respirar. 

-- Marcela, me espera! -- gritava Sibele, ela ainda se recuperava do dedo fraturado. 

-- Mais rápido! -- Marcela berrava. Seu coração batia freneticamente. Passos as perseguiam. 

Ouviram urros furiosos que ensurdeciam. Marcela sentiu vontade de explodir no choro. 
-- Coragem! -- Sibele falou, procurando encorajá-la -- Estamos quase chegando.  

Os urros agora, estavam mais distantes. Ao menos, assim parecia para Marcela, que se jogava para dentro da
varanda da cabana.  

Seu olhar procurava por sua companheira, que chegou logo a seguir, caindo sobre o chão daquela varanda
que era o refúgio de ambas. 

Eram novatas dentro do ambiente selvagem, mas não era preciso ser um expert para reconhecer o dono
daquele urro medonho. 

Sentada no chão sujo da varanda, com os braços em volta dos joelhos, Marcela tentava se recuperar. Os
urros do animal feroz ainda ecoavam em sua mente. 

-- Você está bem? -- perguntou Sibele, com a respiração ofegante. 

Marcela sacudiu a cabeça para clarear os pensamentos e dissipar as imagens dos momentos de terror.  

-- Fora o fato de estar toda breada, acho que estou bem. 

-- Os urros cessaram. Acho que o leão foi embora. Vamos entrar. 

Desanimada, assim que entrou na cabana, Marcela jogou-se no sofá. 

-- A culpa foi sua. O engenheiro ofereceu-se para trazer a gente até aqui. Por que você não aceitou? 

-- O tal do Samuel está de olho em você. Não se faça de sonsa -- Sibele tirou os tênis e jogou no canto da sala --
Fico pensando o que a Natasha pretende com tudo isso? Será que ela quer castigar a gente com trabalhos
forçados? 

-- É o que parece. Estou tão cansada e com sono, nunca acordei às cinco da manhã. Geralmente a essa hora
estou indo para a cama, depois de uma balada - De repente, Marcela arregalou os olhos e estremeceu -- Ouviu
isso, Sibele? 

Do lado de fora da cabana vinha um ruído de patas pesadas sobre o solo do quintal. Marcela encolheu-se nos
braços de Sibele como se fosse uma criança assustada. Os lábios dela tremiam incontrolavelmente. 

Em choque, Sibele prendeu a respiração. Estava pálida e muito nervosa. 

-- Acho que agora é o elefante. 

Natasha pegou a caneta, inclinou-se para a frente e assinou o último documento. 

Jessye recolheu os papéis e colocou dentro do envelope. 

-- Vou falar com o advogado hoje à tarde e resolver tudo. 

-- Não perca tempo. Quero esse hotel em meu nome até o fim de semana.  

-- Posso saber o que fará com um hotel falido? 

-- Será o meu presente de casamento para a Andreia. O senhor Fábio está se recuperando muito bem. Não
quero meu sogro deprimido, isso vai deixar a Andreia triste. 

Jessye levantou as sobrancelhas, sua expressão era de surpresa. 

-- Então, vai investir no hotel. 

-- Sim. Quero que faça tudo o que for necessário para deixar todos os pagamentos em dia. Reserve uma data
em minha agenda para ir ao Rio de Janeiro. Quero conversar pessoalmente com todos os funcionários --
Natasha jogou a caneta sobre a mesa -- Ah! E não esqueça do apartamento do senhor Fábio. Pode fechar o
negócio. O valor pedido está bem abaixo do valor de mercado. 

-- Que mudança radical -- comentou Jessye, com um leve sorriso no rosto -- Você odiava essa família.  

-- A família Dias me deixou irada e com vontade de se vingar, mas esses sentimentos não existem mais. Os
sentimentos agora são outros, bem mais agradáveis. 

-- Então, não há mais motivo para deixar a Marcela e a Sibele na Ilha Carolina. 

Natasha segurou o desejo quase histérico de gargalhar.  

-- Eu tenho outros planos para aquelas duas -- ela fez uma expressão divertida -- Elas vão aprender que o
sucesso não acontece por acaso. Deve-se levantar cedo, trabalhar duro, perseverar, sacrificar-se e, acima de
tudo, amor pelo que está fazendo. Elas querem dinheiro? Pois que trabalhem para isso. 

Andreia encolheu-se toda no sofá quando a rolha do champanhe estourou, caindo perto dela. 

Sidney entregou uma taça para ela e outra para Sofia.  

-- Vamos brindar a felicidade! 

-- Muitas felicidades! -- disse Sofia, levantando a taça. 

-- A felicidade! -- Andreia tomou um gole de champanhe. A bebida estava deliciosamente gelada. 

-- Já marcaram a data do casamento? 

-- Não temos pressa, Sid. Preferimos esperar o papai se recuperar completamente -- Andreia sorriu e passou a
mão sobre o ventre, massageando com carinho -- Sinto que estou vivendo um sonho -- comentou ela -- É quase
um conto de fadas. 

-- Quem diria, amiga, que aquele inferno astral, agora, não passe apenas de uma triste lembrança. 

-- Nem me diga, Sofia. Você não faz ideia de como me arrependo por ter feito parte dessa trama. 

-- Me desculpem, meninas -- Sidney colocou a taça sobre a mesa e sentou-se de frente para Andreia -- Mas, a
vida prega peças em nós que às vezes são tão complexas e confusas que estão além do nosso entendimento.
Se não fosse o plano da dupla do mal, Natasha não teria te conhecido. 

-- Verdade. E eu não teria encontrado o amor da minha vida. 

-- "Há males que vem para o bem", é muito mais que uma expressão que as avós usam. Os atuais
acontecimentos nos mostram claramente isso. 

-- Que tal, Sidney, se mudarmos para: "Há males que nos transformam em pessoas melhores" -- disse Andreia. 

Sofia levantou o dedo. 

-- Eu prefiro: "O que não nos mata nos fortalece". 

-- "Depois da tempestade, a bonança" -- disse Sidney. 

-- "Depois da chuva, o sol". "Depois do inverno, a primavera... -- Andreia se levantou e caminhou saltitante pela
sala -- Querem saber, meus amigos? Foda-se esse negócio de frase! O que importa é que estou feliz, e "só
existe uma felicidade na vida: amar e ser amada". 

-- Andreia -- Sidney tocou nela -- Essa frase é de George Sand. 

-- É? Pensei que fosse de minha autoria -- disse, decepcionada. 

Os dias seguintes foram um sonho, uma lua de mel. Estavam perdidamente apaixonadas. E a vida conspirava a
favor.  

Bastava Natasha olhar para Andreia que ela se derretia. 

-- Minha princesa -- Natasha a chamava, abraçando-a e beijando-a o tempo todo. 

Doutor Luiz Fernando realizou o ultrassom em Andreia. Depois de muito suspense ele revelou: 

-- Parabéns, mamães! É um belo garotão! 

Andreia olhou para Natasha e viu a própria felicidade refletida nos olhos da mulher que amava. 

-- Marlon -- Natasha sussurrou com a voz trémula de emoção -- Significa "pequeno falcão". Esse será o nome
do menino. O que você acha? 

-- Acho lindo. Marlon Dias Falcão. 

O pequeno falcão voará livre e feliz na segurança da ilha. Andreia pensava sonhadoramente enquanto os dias
passavam.  

Todas as dúvidas que tivera no passado, com relação ao amor de Natasha por ela, foram substituídas por
momentos cheios de amor e paixão. A desconfiança a havia levado a hesitar, mas, ao abandonar a
preocupação, ela descobrira que tudo que existia era o seu amor verdadeiro por Andreia. 
 

Marcela e Sibele continuavam na Ilha Carolina. As duas acordavam todos os dias as cinco da madrugada. Elas
estavam trabalhando duro na construção da nova ilha, mesmo que as vezes era necessário o leão entrar na
cabana para incentiva-las. 

Sidney e Leozinho, estavam ocupadíssimos, envolvidos até a cabeça na construção do parque temático. 

Carolina mantinha os mesmos sentimentos com relação a Andreia, porém, evitava contrariar a irmã. 

Diante das ameaças de Natasha, preferiu não arriscar. 

Sofia despediu-se dos amigos, chorando. Ela entrou no barco acenando. 

-- Adeus amigos! Vou tentar voltar no Natal. 

-- Vou ficar muito chateada se não vier -- Andreia, acenava e chorava.  

Sidney, Leozinho e Talita, agitavam a mão, tristemente. 

-- Adeus Talita, amor da minha vida -- Sofia sussurrou, bem baixinho para que ninguém a ouvisse -- Um dia eu
volto e ficaremos juntas para sempre. 

Um carro preto com vidros escuros, entrou na Marina em alta velocidade e parou bem próximo ao local de
embarque da lancha. De dentro do automóvel saíram dois homens de preto. 

-- Espere, comandante -- eles subiram na embarcação e seguraram Sofia pelos braços -- Essa mulher está
detida e não pode deixar a ilha. 

-- O que? Eu detida? -- ela tentou se desvencilhar, mas não conseguiu -- Posso saber o motivo? 

-- Porque é a mulher mais chata do mundo. E a dona Natasha não vai ter mais ninguém para chamar de
insuportável. 

Sofia balançou a cabeça e sorriu. 

-- Aquela idiota! 

-- Ei, seus bobões -- Natasha saiu do carro e se encostou na porta -- Vamos embora. Deixem de ficar chorando
por pouca coisa. 

Leozinho esperneou. 

-- Que ódio! Chorei horrores à toa.  

-- Eu também -- disse Sidney, secando as lágrimas -- Agora aquela ridícula sabe que eu gosto dela. Vai ficar toda
boba. 

Andreia e Talita abraçaram Sofia com alegria e foram caminhando para o carro. 

A moça com seu jeito totalmente louca, alegre extrovertida de bem com a vida, sempre animava o ambiente.  

Natasha percebeu a tristeza de Andreia com a notícia do retorno da amiga ao Rio. Então, o que custava
oferecer uma estadia gratuita a chata? 

Mariana e Cesar, permaneciam no chalé. Aguardavam ansiosos o nascimento do bebê. Eles ainda não sabiam
que Andreia não era a irmã desaparecida de Natasha. Apenas os mais próximos sabiam. 

Natasha e Andreia decidiram revelar a verdade a todos, somente, após o nascimento de Marlon. 

Mariana tinha os seus planos, mas Cesar não concordava. 

-- Por que pedir uma migalha se posso ter uma fortuna? -- ele dizia, irritado -- Meu filho é o herdeiro. 

Fábio Dias, finalmente, recebeu alta do hospital. Apesar da barriga de oito meses, Andreia fez questão de
viajar até o Rio e auxilia-lo em tudo que fosse preciso. 
Ela se sentou perto de Fabio e se inclinou. 

-- Estou aqui, papai -- sussurrou ela, com a voz trêmula de emoção. 

Os dedos finos seguraram a mão enrugada, enquanto com a outra mão lhe fazia um carinho na testa. 

-- Agora está tudo bem -- falou perto de seu ouvido e ele sorriu.  

Os olhos de Fabio se iluminaram e um sorriso fraco se formou nos lábios secos. 

-- Está tudo bem, mesmo, minha filha? 

Andreia olhou para a mulher parada à porta. Ela parecia à vontade, como se estivesse feliz por estar ali. 

Fabio se virou. Seus olhos logo a focalizaram.  

-- Essa é a Natasha, papai. 

Fabio foi até ela, como se fosse perfeitamente normal, passou o braço ao redor dos ombros da moça. 

-- Posso estar sendo ridículo, mas tenho que confessar -- ele disse sorrindo -- Sempre tive a maior inveja de
você. Tão jovem e tão competente. 

O olhar de Andreia encontrou o de Natasha, e em silêncio, sorriram. 

O sol brilhava através das janelas imensas, do apartamento de Fabio. Lágrimas quentes lhe escorreram pelo
rosto envelhecido. 

-- Natasha recuperou o apartamento e o hotel, papai. Agora, não precisa mais chorar. 

Andreia voltou para a ilha com a certeza de que o pai ficaria bem.  

Natasha mandou trocar toda a mobília da mansão. Móveis modernos, pintura nova com cores mais alegres e
vivas, que deram ao ambiente um novo astral. 

Também mandou abrir o caminho que levava até a praia deserta.  

-- Vamos chamar de Praia do Marlon -- disse Natasha, orgulhosa. 

Aquela era a praia deserta dos três, o paraíso particular.  

-- Não vejo a hora de ver o garotão correndo pela praia, perseguindo gaivotas, entrando comigo no mar --
Natasha, sonhava acordada. 

Viviam dias de conto de fadas. Elas nadavam e faziam amor à beira do mar. Depois voltavam para a mansão e
começavam tudo de novo. Nunca se limitavam a uma vez. Era como um vício e seus corpos entravam
em abstinência se não fizessem amor. 

-- Você é linda -- Natasha murmurou, maravilhada.  

Andreia beijou-lhe a boca, bem como todo o seu corpo, lenta e carinhosamente.  

Natasha gemeu de excitação e de prazer.  

-- Será que o que estamos vivendo não é fruto de minha imaginação? -- Natasha também a acariciou, correndo
as mãos por seus cabelos ruivos.  

-- Se for, meu amor, não quero nunca mais voltar à vida real -- Andreia se sentia viva sob as mãos dela. 

As duas se abraçaram querendo mais, até o dia amanhecer. Natasha sentia uma profunda paz. Sua princesa a
amava e estava em seus braços. Nada daria errado na sua vida outra vez. 

Os dias passavam. Passavam e a barriga crescia cada dia mais. 

-- Você é a gestante mais linda do mundo -- num gesto carinhoso tocou a saliência do ventre de Andreia com
os dedos -- Em pensar que o nosso filho está aqui. Tocou a parte de cima e de repente sentiu algo se mover
sob seus dedos -- Ele se mexeu, amor. Ele se mexeu. 

Andreia não conseguiu conter o riso diante da cena. 

-- Mexeu? -- Andreia levou a mão dela até um lado de sua barriga. Pressionou-a e o bebê mexeu de novo --
Sentiu? 
-- Senti. Ele é bem ativo.  

-- Doutora Talita disse que quanto mais ativos, mais saudáveis eles são.  

Natasha sentiu uma onda de emoção. 

-- Falta pouco né -- ela percorreu a vista pelo corpo dela. 

-- Um mês -- ela sussurrou. 

-- Pensei muito e decidi chamar o juiz de paz para nos casar. 

-- Por que assim de repente? -- perguntou Andreia, surpresa. 

-- Quero que você dê entrada na maternidade como uma Falcão. Como minha mulher. 

Andreia beijou-lhe a ponta do nariz. 

-- Faço tudo o que quiser, amor. Confio em você. 

-- Posso leva-la para nadar? 

-- Pode me levar para onde quiser -- disse Andreia -- Só não sei se vou conseguir nadar -- ela murmurou --
Talvez eu possa só molhar o pé. 

Natasha segurou-a pela mão, com um sorriso travesso. 

-- Lembra que te peguei no colo lá na Ilha Carolina? 

Andreia olhou para ela e riu. 

-- Aguenta uns doze quilos a mais? 

-- Molezinha, amor. Só que não! Prefiro a segurança de te levar pela mão -- ela disse, encantada. 

-- Então vamos. 

Natasha a guiou calmamente em direção à praia do Marlon. 

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Capítulo 56 -- Pode Beijar a Noiva por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 56

Pode beijar a noiva.

Um vento frio e cortante soprava impiedosamente na Ilha do Falcão, e o sol, que vez ou outra aparecia, era
fraco e tímido.

Carolina ergueu o rosto para o sol e pensou que o dia não podia ser mais propício para o evento grotesco
que a sua irmã estava realizando.

Talita abaixou o vidro de seu carro, enquanto aguardava em um semáforo.

-- Você está tão calada hoje. Não está animada para a festa?

Carolina se virou, e a olhou com uma expressão sisuda. Talita arrependeu-se imediatamente de ter
perguntado, pois a garota quase a fuzilou com o olhar.

-- Não está mais aqui quem perguntou.

Finalmente o sinal verde acendeu e Talita prosseguiu, virando a esquerda e depois, a direita, chegando
finalmente a larga rua, toda arborizada, aonde Natasha e Andreia moravam atualmente.

Talita estacionou o carro junto ao jardim. Alguns convidados ainda estavam do lado de fora da mansão
passeando pelo gramado, admirando o jardim de flores diversas e as esculturas antigas que Natasha fez
questão de preservar.

-- Acho melhorar você arrumar essa cara. A Natasha vai ficar muito triste em te ver assim.

-- Não consigo ser hipócrita e fingir que está tudo bem. Andreia está dando o golpe em minha irmã e ninguém
parece enxergar isso. A Natasha vai assinar o próprio atestado de óbito.

-- Você está procurando chifre em cabeça de cavalo, Carolina. Por favor, pare com isso!

-- Depois não digam que não avisei.

Ignorando as palavras de Carolina, a médica abriu a porta do veículo, jogou a chave no colo dela e saiu. Não
suportava mais ouvir aquelas acusações incabíveis contra Andreia.

-- Talita!

A médica se virou, rapidamente.

-- Sofia! -- ela sorriu. Aquela repentina aparição trouxe-lhe grande alívio -- Que bom te ver.

-- Você está linda! -- Sofia sorriu e falou sem pensar. O rosto dela ficou em brasa quando viu Carolina
encostada na porta do carro -- Se me permite, essa roupa cai muito bem em você.

-- Obrigada -- Talita enganchou seu braço no de Sofia e a puxou -- Que bom que você está aqui para me fazer
companhia. Carolina não está muito animada e eu estou louca de vontade de dançar.

-- Que ótimo! Posso te garantir que sou a maior pé de valsa da festa.

Talita deu uma risada gostosa.

-- Não duvido.

Carolina bateu a porta do carro com força. Natasha casaria. Não havia mais nada que ela pudesse fazer.

Dentro da mansão, Natasha andava de um lado para o outro, impaciente, ignorando a todos, inclusive Elisa,
que, encostado à parede com os braços cruzados, falava sem parar.

-- Não existe casamento espírita. Nenhum centro espírita ou sociedade verdadeiramente espírita realiza
casamentos, pois no Espiritismo não existem dogmas, sacramentos, rituais ou mesmo cerimônias. No entanto,
como o casamento no civil quase sempre é seguido de uma festa onde se encontram familiares e amigos,
alguns casais espíritas aproveitam a ocasião para fazer uma prece, por exemplo, a fim de selar esse
importante momento para ambos juntos de pessoas queridas.
Natasha parou de andar e finalmente olhou para ela.

-- Eu não sou espírita. Andreia não é espírita, não conheço esse tal de Dogma. Então, esse assunto não me
interessa -- disse e voltou a andar impacientemente -- Depois que o Márlon nascer e o seu Fábio estiver em
condições de viajar, faremos uma festa memorável.

-- O verdadeiro casamento é de alma para alma e não depende de formalidade alguma -- insistiu Elisa -- Há
pessoas muito felizes unidas há décadas que nunca se casaram formalmente nem sequer no civil. Depende da
escolha daqueles que se unem. A Doutrina Espírita não impõe nada, não proíbe nada. Mas também não vamos
dar o nome de casamento espírita, certo?

-- Nem quero -- resmungou, Natasha.

-- Faça do seu jeito, o casamento é seu, mas não deixarei de fazer uma prece, até porque sabemos que muitos
amigos espirituais também estarão presentes. Assim como nossos amigos desencarnados.

Natasha parou diante dela.

-- Você convidou espíritos desencarnados para a minha cerimonia? Quer transformar o meu casamento no
The Walking Dead?

Elisa sacudiu a cabeça para tirar os cabelos dos olhos, atravessou a sala, caminhando na direção da porta.

-- Eu não aguento escutar tanta besteira -- o rosto habitualmente meigo da médium agora estava cheio de
irritação, parou de repente e se virou para Natasha -- Os convidados já estão chegando. Tenta não demorar
muito, por favor.

-- Já vou -- Natasha consultou o relógio. Eram dezoito e trinta da tarde -- Só estou esperando a Andreia
terminar de se arrumar.

A maioria dos convidados para a cerimonia estavam reunidos no salão principal aguardando as noivas.
Carolina entrou no quarto e olhou preocupada para Natasha.

-- Você tem certeza do que está fazendo? -- ela pousou a mão no ombro da irmã -- Nunca é tarde demais.

Natasha sorriu e meneou a cabeça.

-- Você não desiste, não é mesmo? -- Natasha olhou-se no espelho -- Andreia é o amor da minha vida. Espero
ter um futuro feliz com ela. Seria demais te pedir que torça por mim? -- Natasha respirou fundo. Desde o
anúncio do casamento, Carolina se mostrava contrariada, até afastada. O que por um lado até foi bom, talvez
precisassem manter um pouco de distância. Entretanto, hoje, não queria distanciamento. Queria união.

Carolina, surpreendentemente aproximou-se e beijou o rosto da irmã.

-- Não se preocupe. Pelo menos, hoje, seremos uma família.

Natasha abraçou-a.

-- Obrigada! Por estar aqui.

Carolina percebeu a emoção na voz da irmã. Acariciou o ombro dela e sorriu.

-- Sou eu quem devo agradecer.

Carolina não era acostumada a grandes exibições de carinhos, porém naquele momento sentiu necessidade
daquele abraço.

Uma batida discreta à porta fez com elas encerrassem o contato. A porta foi aberta, e Andreia apareceu
vestindo um lindo vestido de gestante.

-- Você está maravilhosa -- elogiou, Natasha.

-- Obrigada, amor. Você também está linda -- Adriana olhou para Carolina, um pouco apreensiva -- Tudo bem? --
Os lábios pintados com um batom rosa tremeram quando a irmã de Natasha a olhou com certo desprezo.

-- Estou bem -- ela respondeu -- E você?

-- Melhor impossível -- respondeu ela com esforço.

Silenciosamente, Natasha estendeu a mão, os dedos entrelaçando-se aos de Andreia, puxando-a para perto.

-- Vamos. Os convidados já devem estar quase desmaiando de fome.

Nunca os corredores da mansão pareceram tão longos. O único barulho que se ouvia era o ruido seco dos
saltos altos no piso de mármore.
Andreia estava com a boca seca, as mãos frias e suadas. Natasha olhou para ela e sorriu.

-- Está nervosa?

-- Muito -- entretanto, apesar do nervosismo, Andreia sentia-se inundada por uma alegria imensa.

Natasha conduziu-a à sala onde cerca de cem convidados aguardavam. Sentiu o olhar das pessoas fixos nela.
Para a maioria era difícil de entender que Natasha estava se casando com a mulher que até, dias atrás, era
considerada a sua irmã. Estranho demais!

As pernas tremeram e Andreia vacilou. Ela ergueu o rosto e Natasha a encarou sorrindo, com aquele olhar
que dizia, não se preocupe, eu te protejo de tudo e de todos.

Foi penas um sorriso. Um gesto mínimo, mas foi como a luz do sol para Andreia.

Ela retribuiu o sorriso. Ergueu a cabeça, enchendo-se de uma coragem que não possuía, e caminhou a passos
firmes pelo corredor formado pelos convidados até a mesa da cerimonia de assinatura dos termos.

Leozinho estava a ponto de ter um ataque de nervos.

-- Juiz Frederico, por favor. Ocupe o seu lugar -- ele pediu, caminhando até a mesa colocada no centro da sala.

Como o velho nada respondeu, Leozinho berrou-lhe perto do ouvido:

-- Juiz Frederico! -- ele cutucou o velhote com o cotovelo -- Está na hora da cerimonia.

-- Hã???

-- A cerimonia! -- Leozinho fez sinal para que ele se aproximasse da mesa -- Pode começar.

-- Ah, claro! Desculpa. Esqueci o meu aparelho auditivo -- disse o velho senhor -- Então, vamos iniciar a
cerimonia.

Natasha se virou para Elisa e falou em seu ouvido:

-- Esse juiz é um dos seus amigos desencarnados? Se for, deve ser o espírito de Matusalém.

-- Quieta, Natasha! -- pediu a mulher -- Será que nem no seu casamento você não para de falar besteiras? Tem
certas coisas que a gente ouve que sente até inveja dos surdos.

-- Boa noite a todos! -- disse o juiz, passando a mão pelo bigode grisalho -- Estamos aqui hoje para celebrar as
melhores coisas da vida, a confiança, a esperança, o companheirismo e o amor entre essas duas mulheres.

Vocês foram convidados para compartilhar este momento com a Natasha e com a Andreia porque são as
pessoas mais importantes para elas.

O respeito, a compreensão e o carinho que sustentam o relacionamento...

Enquanto isso no chalé de Mariana, a ex de Natasha estava furiosa. O casamento acabava de vez com todas
as suas chances de reconciliação com a empresária.

-- É uma história muito louca -- César esfregou o rosto e passou as mãos pelos cabelos -- Nunca imaginei que a
Andreia fosse lésbica. Como pode isso? Não consigo entender.

-- Seu idiota! Será que não consegue perceber que ela está dando o golpe na Natasha? Pensa em tudo o que
esse casamento vai render para ela.

-- Será? -- os olhos dele brilharam perigosamente -- Então, a Andreia vai herdar tudo o que pertence a
Natasha?

-- Depende do regime de bens que elas estão assinando -- Mariana pegou o celular e mandou um whatsapp --
Vou pedir para a Paloma me manter informada.

-- Quem é Paloma?

-- A recepcionista do hotel. Dei uns vestidinhos que não usava mais e ela ficou muito grata. Agora somos
amicíssimas.

-- Mulheres, bah. Se vendem por tão pouco.

-- Homens, bah. São tão estúpidos e sem criatividade. O que pensa em fazer, agora que descobrimos que a
Andreia não é a irmã da Natasha?

-- Tenho umas ideias fervilhando na minha cabeça. Porém, ainda faltam alguns detalhes.
Mariana uniu-se a César na esperança de reconquistar Natasha. Agora, porém, ela temia que, esse jogo fosse
além de uma simples trama para separar as duas.

-- Não vai me dizer o que está planejando fazer?

-- Não. Prefiro agir a minha maneira. Cansei de esperar pela sua criatividade -- César abriu a geladeira e pegou
uma garrafa de cerveja, tirou a tampa e tomou no gargalo -- Quer um gole?

Uma hora depois...

-- Elas escolheram uma a outra como sua família, e hoje estão celebrando o amor que já começou e que vai
continuar crescendo ao longo dos anos. Pois o casamento é a união, é uma caminhada rumo a um futuro, que
envolve abrir mão do que somos, separados, em prol de tudo o que podemos vir a ser, juntos. O amor é
paciente...

Natasha estava agitada, nervosa, se movimentava sem parar. Olhava para o teto, para as mãos, coçava a
cabeça...

-- Sossega, Natasha. Você está toda descabelada -- Andreia passou a mão tentando ajeitar os cabelos dela.

-- O amor até pode ser paciente, Déa. Mas, eu não tenho paciência nem pra esperar os dois minutos do micro-
ondas, imagina se vou ter paciência em ouvir o Matusalém por mais de uma hora!

-- Andreia e Natasha, vocês já foram muitas coisas uma da outra, amigas, companheiras, namoradas...

-- Irmãs -- Carolina não conseguiu deixar de fazer o comentário.

-- Hã??? -- o juiz levou a mão ao ouvido, em forma de concha para ouvir melhor -- O que disse, minha filha?

-- Besteirinha, seu juiz. Pode continuar -- disse Sidney, segurando-o pelo braço -- Qualquer dúvida, mais tarde,
pede o árbitro de vídeo, bobo!

-- Você sabe por que o peido tem cheiro, Elisa? -- perguntou Natasha, para a senhora que estava ao seu lado.

-- Não.

-- É para que os surdos também possam apreciá-lo!

-- Vocês estão tumultuando o meu casamento -- Andreia choramingou -- Fala para o juiz de paz, continuar.

-- Deixa comigo, amor. Vou botar ordem na casa -- Natasha se aproximou dele e falou ao pé do ouvido: -- Hô,
juiz de paz e amor. Será que dá para o senhor pular a parte poética do negócio e ir direto para o "Pode beijar
a noiva"?

-- Claro, minha filha. Vamos continuar -- ele passou a mão pelo bigode e continuou -- Natasha, é de livre e
espontânea vontade que você aceita a Andreia como sua companheira em matrimônio?

-- Sim! -- respondeu ela, sorrindo.

-- Andreia, é de livre e espontânea vontade que você aceita a Natasha como sua companheira em matrimônio?

-- Sim! -- Andreia respondeu, cheia de emoção.

-- Assim sendo, por favor, deem-se as mãos e preparem-se para dar e receber os votos de amor, que estão
entre os maiores presentes da vida. Por favor os votos.

Natasha olhou séria para Andreia.

-- Será que podemos pular essa parte da eleição e irmos direto para as alianças?

Avistando o ambulatório, Ivo procurou estacionar o mais próximo possível e saltou da caminhonete, seguindo
na direção da entrada do prédio.

Já passava das vinte horas e ele se sentia exausto. A viagem de barco de Florianópolis até a ilha foi bem
conturbada. O mar estava agitado e o barco sacolejava demasiadamente. Contudo, precisava se encontrar
com Talita e convencê-la a voltar para casa.

Ivo parou diante do balcão da recepção.


-- Boa noite -- disse para a recepcionista -- Eu sou o Ivo. Esposo da doutora Talita. Passei no chalé e está tudo
escuro. Ela está aqui?

-- A doutora Talita está na mansão da dona Natasha. Com certeza o senhor só poderá encontrá-la amanha pela
manhã.

Ivo ficou transtornado, enrubescendo-se de ódio. Porém, ele disfarçou, despediu-se e saiu do ambulatório.

-- Essa vagabunda está me traindo com a chefe -- ele entrou na caminhonete e deu vários socos no volante --
Eu vou te matar, eu juro que vou te matar, Natasha Falcão.

Ivo estava completamente fora de si.

Uma hora depois...

-- E agora as alianças -- anunciou o juiz.

Sofia entrou com as alianças.

-- A Sofia é a daminha? Kkkkkk... -- Natasha explodiu em gargalhadas -- Parece a filha da Fiona!

Andreia deu uma cotovelada na costela dela.

-- Doeu, sabia? -- Natasha fez uma careta -- Pode continuar, senhor faraó Ramsés.

O juiz, prosseguiu:

-- As alianças são símbolos físicos do compromisso de um casal e de sua ligação emocional e espiritual. Elas
são consideradas um círculo perfeito, sem começo nem fim...

Os convidados, conversavam entre si reclamando da demora. Leozinho fez sinal para que se calassem.
Entretanto já estavam aguardando há muito tempo e sentiam-se famintos.

Somente Elisa permanecia imóvel, orando, as costas apoiadas na parede e os olhos fechados.

-- Andreia e Natasha, que estes anéis sejam um lembrete visível de seus sentimentos um pelo outro neste
momento. Ao olhar para eles, lembrem-se que vocês têm alguém especial com quem compartilhar suas vidas.
Lembrem-se de que vocês se encontraram, e de que nunca mais andarão sozinhas.

-- Andreia, eu te dou esta aliança como sinal de que escolhi você para ser minha esposa e minha melhor amiga.
Receba-a e saiba que eu te amo muito -- Natasha colocou a aliança e depois a beijou.

-- Natasha, eu te dou esta aliança como sinal de que eu escolhi você para ser minha esposa e minha melhor
amiga. Receba-a e saiba que eu te amo e sempre te amarei -- Andreia colocou a aliança e depois a beijou.

"O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não
procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas
se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta." (1 Coríntios 13:4-7)

-- Andreia e Natasha ninguém além de vocês detém o poder de proclamá-los esposa e esposa. Porém, vocês
nos escolheram como anunciantes desta boa nova. E assim, tendo testemunhado sua troca de votos diante de
todos que estão aqui hoje, e também com base nesta certidão de casamento que vocês assinaram, é com
grande alegria que nós declaramos que vocês estão casadas. Pode beijar a noiva.

Em meio a aplausos eufóricos, um coro de desejos de felicidades e uma chuva de pétalas de rosas. Natasha e
Andreia, se beijaram.

 
 

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Capítulo 57 - Sangue nas mãos por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 57  

Sangue nas mãos 

Os convidados foram conduzidos para outra sala, preparada para o jantar. Natasha e Andreia foram cercadas
pelos convidados, que as beijaram e abraçaram.   

Os garçons começaram a servir as mesas. Bandejas de comida e bebidas circulavam, enquanto os convidados
famintos, ajeitavam-se rapidamente em seus lugares.  

Sofia sentou-se ao lado de Talita, sem dar importância aos olhares ameaçadores de Carolina.  

-- Foi um casamento demorado, mais bonito -- comentou -- Estou feliz pela Andreia, ela ama muito a Natasha.   

-- A Natasha também ama muito a Andreia -- Talita cortou um pedaço de carne e levou-o à boca -- Elas são
lindas juntas.  

-- Guarde esse papo para outra pessoa, Sofia. Você sabe muito bem que Andreia só casou com a Natasha por
causa do dinheiro que ela tem.   

Carolina estava visivelmente irritada naquela festa. E mostrava claramente que não gostava de Andreia. Ela
sabia que sua atitude era observada e comentada por todos os convidados, mas ela pouco se importava com
as opiniões dos outros. A desconfiança tinha sua razão de ser, e nada parecia lhe dar motivo para mudar de
ideia.  

Sofia se viu na obrigação de defender a amiga.  

-- Andreia não é assim. Ela é uma pessoa boa, que ama profundamente a Natasha. Você que é mal-humorada,
mimada e irritante.  

-- Andreia é boa em que? -- ela perguntou, fazendo uma careta de deboche -- Em tramar contra as pessoas? Em
criar planos mirabolante ou, assumindo a identidade de pessoas ricas?  

-- Andreia se arrependeu do que fez e pediu perdão a Natasha. Pedir perdão não resolve o problema, eu sei
disso, mas revela a consciência que ela tem sobre o que fez de errado.  

Talita sorriu ante aquela avivada defesa de Sofia a sua amiga.   

-- Não adianta debater com a Carolina sobre esse assunto, Sofia. Eu já desisti.  

-- Ouvir coisas ruins sobre a Andreia me irrita profundamente -- Sofia empurrou o prato e se levantou. Ela
levou as mãos ao rosto e respirou fundo. Precisava controlar-se. Carolina era insuportável -- Não vou estragar
a minha noite. Vou me juntar a Sidney e Leozinho para dançar.  

-- Espera! --Talita limpou os lábios com um guardanapo e o pousou ao lado do prato -- Vou com você -- olhou
para Carolina e se levantou -- Não vai com a gente?  

-- Não. Vai lá, divirta-se -- respondeu secamente.  

A sala ampla estava cheia de gente dançando ao som da alegre música. O pequeno grupo de amigos,
dançavam, cantavam e sorriam sem parar. Numa das extremidades da sala, Andreia divertia-se com a agitação.
Enquanto Natasha degustava mais uma taça de vinho.  

Cumprimentava os convidados, sorria e acenava feliz. Elisa parou por um instante ao seu lado, antes de
sentar-se.  

-- Meu Deus, estou pregada -- havia uma expressão cansada em seu olhar -- Você já bebeu demais. Essa já deve
ser a quinta taça de vinho que você está bebendo.  

Natasha ficou de frente para ela.  

-- Como você sabe disso?  

-- Um passarinho me contou.  

-- Quem deve ter bebido vinho demais é a senhora, pra ficar falando com passarinho.  
Elisa bufou.  

A música era alta, as risadas, estridentes. Sofia e Talita decidiram respirar um pouco de ar puro. Sentaram-se
sorrindo em um banco no jardim.  

-- Senti um clima entre você e a Carolina. Vocês estão...Ficando? -- perguntou ela, hesitante.  

Talita não estranhou a pergunta. Ela sorriu e pensou um pouco antes de responder.  

-- Confesso que a Carolina que eu conheci, era encantadora. Uma garota realmente admirável. Não sei em que
momento tudo mudou e o encanto acabou.  

-- Essa garota é muito mimada e arrogante. Ela parece estar mais preocupada com o dinheiro, do que com a
felicidade da Natasha.  

-- Bem observado. E o interessante é que a Carolina era a pessoa mais desinteressada por bens materiais que
eu conheci em minha vida.  

Elas ficaram em silêncio. Durante algum tempo, os únicos sons eram os que vinham de dentro da mansão.
Sofia voltou a falar, mas agora suas palavras eram delicadas.  

-- Você não respondeu a minha pergunta -- ela a relembrou -- Então, diga-me, querida, você está interessada na
Carolina?   

Talita percebeu que Sofia sabia perfeitamente que ela queria fugir do terreno perigoso. Mas, mesmo assim,
respondeu.  

-- Não. Não estou interessada na Carolina.  

Natasha encheu uma das mãos de brigadeiros. Entregou um para Andreia e enfiou dois na boca.  

-- Adoro brigadeiro!  

-- Não fala com a boca cheia, Natasha.  

-- Não tô com a boca cheia.  

Andreia revirou os olhos, encostando os dedos no rosto sujo de brigadeiro.  

-- Acho que a sua irmã vai embora -- Andreia comentou ao ver Carolina vestindo a jaqueta e caminhando na
direção delas.  

A garota parou diante da irmã, ajeitando a gola da jaqueta.  

-- Estou indo -- comunicou.  

-- Você não pode ir embora assim! -- disse Natasha -- Ainda é cedo, por que não vai dançar como o resto do
pessoal está fazendo? A festa está tão animada. E você ainda nem comeu brigadeiros.  

-- Desculpe. Mas não estou com vontade de dançar.  

-- Ah, mas brigadeiro você vai ter que comer. Espera um pouco que eu vou buscar.  

Andreia e Carolina, ficaram olhando Natasha sair para buscar os docinhos. A ruiva aproveitou o momento
para questionar a garota.  

-- Qual é o problema, Carolina? Existe algum outro motivo para que você me odeie tanto? Por que se existe,
por favor, me diga.  

-- Eu não gosto de você, Andreia. Simplesmente isso. E quer saber? Quero que você e o seu filho se danem.  

Carolina se virou e foi embora. Quando Natasha retornou com os docinhos, a irmã já estava fora da mansão. E
Andreia muito abatida.  

-- O que aconteceu? Por que ela não me esperou?  

-- Ela deixou um beijo para você. Disse que estava muito cansada e com dor de cabeça.  

Natasha jogou os brigadeiros sobre uma mesa.   

-- Acho que ela não gosta de mim da mesma forma que eu gosto dela. Tenho de me fazer de estúpida e fingir
que não percebo. Mesmo que todos percebam.  

-- Não é nada disso, Natasha. Ela também te ama.  


Natasha permaneceu em silêncio. Andreia não conseguiria convencê-la, até porque ela tinha a certeza disso.   

Seguiu-se um momento de silêncio, e depois Natasha abraçou-a pela cintura.  

-- Desculpa -- murmurou -- Estou estragando a sua noite. Você não...  

Andreia a calou com um beijo.  

-- Não quero mais ouvir coisas tristes -- murmurou, junto aos lábios dela -- Me dá vontade de puni-la
terrivelmente.  

-- Humm, de que forma?  

-- Sequestrando-a e mantendo-a presa no nosso quarto até me sentir totalmente satisfeita.  

-- Não me tente -- ela beijou-lhe a palma da mão.  

Andreia beijou-a na face, e deslizou os lábios até o ouvido dela.  

-- Vamos? -- murmurou.  

Natasha a mantinha ainda abraçada, e pôs-se a acariciar os cabelos dela.   

-- Não vamos nos despedir dos convidados?  

-- Do jeito que estão bêbados, não vão nem perceber que fugimos -- Andreia sorriu, olhando para a pista de
dança lotada.  

-- Então, vamos... -- concordou, Natasha.  

Na sala, Talita apanhou o casaco e olhou para Sofia.  

-- Preciso ir para casa. Tenho plantão logo cedo.  

-- A Carolina levou o seu carro. Como você vai?  

-- Vou de carona com a Elisa. Ela já está indo embora. 

-- Vamos juntas. Eu vou pegar o carro da Natasha emprestado e te levo até o chalé -- Sofia já ia saindo, mas
Talita a segurou pelo braço.  

-- Então prefiro ir caminhando pela praia -- ela disse, suavemente.  

Sofia não recusaria por nada nesse mundo e olhando para ela, limitou-se a assentir com a cabeça.  

Era uma noite maravilhosa, com a lua brilhando clara no céu, refletida no mar escuro. Apesar do ventinho frio
que soprava, a noite estava convidativa, e a caminhada estava agradável.  

Afastando-se aos poucos do ruído da música e dos berros quase histéricos que havia na mansão, as duas
caminhavam calmamente pela areia da praia.  

-- Você acredita em amor à primeira vista, Talita?  

-- Não!  

A forma firme de sua resposta surpreendeu Sofia.  

-- Não. Não acredito -- Talita repetiu mais calmamente.  

-- Eu acredito. Quando os nossos olhos se cruzaram, eu senti que já a conhecia, apesar de nunca a ter visto
antes. Foi como se nos conhecêssemos desde há muito tempo, desde uma outra vida...  

Talita olhou para ela surpresa.   

-- Você está querendo dizer que eu sou a sua alma gêmea? -- ela sorriu, como se duvidasse.  

-- Eu sinto que já a amei antes, num outro tempo, num outro local.  

-- Você está sendo romântica -- Talita sorriu, divertida -- As borboletas no estômago, a emoção no peito, o
rubor nas faces, a alegria inexplicável... são sintomas que todas as pessoas que já estiveram apaixonadas
reconhecem facilmente.  

-- Não é isso. "Estou falando de algo muito mais forte e muito mais intenso do que qualquer outro amor ou
paixão vivida. Acima de tudo, o que caracteriza o encontro com uma alma gémea é a sua intensidade e,
principalmente, a sua certeza. Quando encontramos a nossa alma gémea, sabemos. Não conseguimos explicar
porquê, nem encontrar uma justificação lógica, mas sabemos que aquela pessoa faz parte de nós, que
estamos intrinsecamente ligados a ela, e que a nossa vida nunca mais será a mesma depois de a
encontrarmos".  

Talita parou de frente para ela.  

-- O que você está falando é tudo muito lindo, muito romântico, uma bela cantada -- Talita se virou e voltou a
caminhar. Ela parecia chateada.  

Sofia acelerou o passou e a alcançou.  

-- Talita! -- ela a segurou pelo braço -- "Quando duas Almas Gémeas se encontram, é frequente que estejam em
pontos diferentes do seu processo de evolução. Uma delas pode ainda não estar preparada para viver esse
amor intenso e absoluto, havendo um adiamento da consumação do mesmo. Esta separação temporária não é
dolorosa, pois existe da parte da outra alma, mais evoluída, a firme certeza que "vamos ficar juntas". Eu sei
que te amo e não vou desistir desse amor.  

-- Olhe para mim -- Talita segurou o rosto dela entre as mãos, com carinho -- Quem disse que a minha alma não
está preparada para viver esse amor intenso e absoluto? -- ela arqueou a sobrancelha, com um olhar
malicioso. Seus rostos estavam a poucos centímetros, uma da outra.   

-- Talita -- Sofia disse baixinho -- Eu te amo.  

Ela baixou a cabeça e colou os seus lábios aos dela.  

O coração de Andreia parou de bater quando ela abaixou a face e fitou as mãos sujas de sangue. Um calor
intenso a afligiu. O sangue era dela? De quem era o sangue? Ela deu um grito e acordou assustada, o coração
batendo descompassado, incapaz de saber onde estava. A luz do sol passava pelas frestas das cortinas e ela
olhou em torno, procurando por Natasha. 

-- Natasha! -- ela berrou, desesperada -- Nat! -- berrou novamente. 

A porta se abriu e Natasha apareceu apressada.  

-- O que aconteceu, amor? -- ela sentou-se na beirada da cama, fitando-a com visível preocupação. 

Andreia olhava para as mãos com os olhos cheios de lagrimas. 

-- Minhas mãos estavam sujas de sangue -- ela disse chorando -- Estou com medo. 

Natasha se aproximou sorrindo e abraçou-a com força.  

-- Foi um pesadelo, amor -- disse movendo um braço para aconchegá-la mais. 

-- Oh, Natasha, parecia tão real -- sussurrou Andreia em desespero. 

-- Desconfortos durante o sono podem causar pesadelos, Déa -- disse ao ouvir um soluço escapando dela --
Com essa barriga enorme, você provavelmente deve estar com dificuldade para respirar. Sabe aquela velha
frase "não dorme de barriga cheia que você terá pesadelo"? Pois bem, se alguma coisa não caiu bem ou se o
alimento está dando muito trabalho para ser digerido, é bem provável que essa sensação seja transportada
para os sonhos. 

Andreia se virou de frente para ela e a abraçou. Natasha suspirou e abraçou-a também. 

-- Você tem razão, amor. Deve ser devido a ansiedade. 

-- Com certeza -- Natasha depositou um beijo em seu cabelo ruivo -- A dona Vagina já vem trazer o seu café... 

-- Quem? -- Andreia franziu a testa.  

-- Valgina -- a senhora respondeu da porta -- Me chamo Valgina, mas pode me chamar de Gina -- a mulher entrou
no quarto com uma bandeja na mão. 

-- Ah! Que susto -- afirmou Andreia, encostando-se na cabeceira da cama -- Você vai sair? 

-- Vou fazer a minha ronda matinal. A dona Va...  

-- Valgina -- a senhora completou. 

-- Essa mesma...Vai ficar com você. Não vou demorar -- Natasha deu um beijo nos lábios de Andreia e pegou os
óculos escuros em cima da cômoda. Antes de sair se virou para a dona Valgina -- O pai da senhora devia estar
pensando em alguma sacanagem na hora de registra-la. 

-- Meu nome é a junção de Valdomiro, meu pai, e Regina, minha mãe -- explicou a senhora. 
-- Hum. Fico pensando que poderia ser bem pior se o seu pai se chamasse Bruce e a sua mãe Violeta. 

-- Natasha!!! 

-- Já estou indo. Já estou indo. 

Créditos:  

https://www.mariahelena.pt/pt/pages/almas-gemeas  

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Capítulo 58 -- A felicidade não é uma droga. por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 58   

A felicidade não é uma droga. 

Natasha entrou rapidamente no carro e, poucos segundos depois, saía em direção as praias do leste. Ela
conduzia o jipe calmamente, observando a paisagem com atenção. 

Depois de meia hora, chegou ao terreno onde estava sendo instalado o parque temático. Por ser domingo, o
lugar estava sem nenhum movimento. Muito diferente dos dias uteis, onde a região que cercava a obra, ficava
apinhada de trabalhadores. Saiu do jipe e caminhou sem pressa por entre as máquinas escavadeiras e
caçambas. Os rapazes estavam fazendo um bom trabalho. Já haviam terminado o processo de terraplenagem e
o terreno estava pronto para a construção.   

Estava se preparando para voltar, caminhando em direção ao automóvel, quando um tumulto do outro lado da
avenida chamou sua atenção.   

Reconheceu Hannibal segurando uma mulher pelo braço. Olhou dos dois lados antes de atravessar a avenida
e se aproximou dos dois.  

A moça vestia uma saia curtíssimas e uma blusa colorida bem chamativa. Naturalmente teria que ser alguém
bastante doida para estar vestida daquela forma.  

Mas, Natasha decidiu não se intrometer. Afinal, o problema era com o Hannibal. Ele que se entendesse com a
moça.  

Já havia começado a voltar para o seu carro quando ouviu um grito e olhou novamente para os dois. A pessoa
se soltou do segurança e vinha correndo, em sua direção. Quando estava bem próxima dela, tropeçou e foi
rolando até os pés da empresária.  

Natasha se abaixou para ajudar a mulher bonita, mas, ela se levantou rápido, limpando a areia que havia em
sua roupa.  

-- Ei, você está bem, moça?  

-- Não! Não estou nada bem -- ela reclamou -- Esse brutamonte está me discriminando -- ela apontou para
Hannibal de forma irritada -- Ele está me tratando assim só porque sou uma mulher.  

-- Você está enganada. Nós aqui na ilha não discriminamos ninguém.   

-- Ela estava vendendo drogas, chefe -- Hannibal segurou-a pelo braço -- Vou pedir para um dos rapazes levá-la
até a delegacia de Florianópolis. 

Natasha se voltou lentamente para o segurança. 

-- Faça isso, Hannibal. Não admito traficantes em minha ilha. Essa noite, reúna um grupo de seguranças e
façam uma varredura em toda a região.   

Natasha se virou e começou a caminhar em direção ao jipe. Ela estava indignada. Seus hóspedes estavam
virando alvo do assédio de traficantes. Nem o forte esquema de segurança, impedia a venda de drogas em
plena orla da ilha. 

Duas horas mais tarde, Natasha estava em casa contando o ocorrido para Andreia.   

-- É inacreditável. É praticamente impossível dar um fim no consumo de drogas. Sua venda está em todo lugar
e atraem mais e mais pessoas, que vão desgastando sua vida e da família aos poucos -- Natasha estava
enraivecida -- Cuidei tanto para que isso não acontecesse em minha ilha. Onde foi que falhei?  

Andreia a estudou por um longo momento. Era nítida a decepção que Natasha sentia de si mesma. Saber que
traficantes haviam chegado a sua ilha, a deixou muito abatida.  

-- Consumir drogas está tão comum nos dias atuais, que parte das pessoas veem isso como uma coisa normal
e não lutam para o seu fim, não denunciam, simplesmente aceitam.  
-- Mas eu não sou assim! Eu não vou aceitar -- ela fechou os punhos revoltada -- Hoje mesmo, vou colocar todo
o meu pessoal atrás desses vendedores da morte.  

Andreia passou a mão pela barriga e sentou no sofá.  

-- Incrível como o consumo de drogas que se vê hoje em dia não escolhe classe social nem faixa etária,
simplesmente ataca qualquer "público" sem acepção de pessoas.  

-- Os jovens são os que mais entram nessa "onda", pois tem mais oportunidade e querem experimentar coisas
"novas" da vida que estão iniciando, mas quando entram raramente conseguem sair, pois já se tornarão
viciados -- Natasha sentou ao lado dela no sofá e fez um carinho em seu rosto -- Vocês estão bem? --
comentou, com gentileza, o cenho franzindo-se de leve.  

O olhar de Andreia se iluminou de repente.  

-- Estamos muito bem. Saudáveis e felizes. Apenas gostaria que o parto acontecesse logo. Estou ansiosa.  

Natasha sorriu.  

-- Acho que estou mais ansiosa que você. Não vejo a hora de ter o bebê nos meus braços e lhe dar todo o
carinho que uma mãe sente por seu bebê. Essa criança é o maior presente que eu terei em toda a minha vida!  

Os olhos de Andreia ficaram marejados. Nunca acreditara ser capaz de amar alguém com tamanha intensidade
nem de, algum dia, sentir tanta felicidade.  

-- Eu te amo -- ela murmurou com intensidade -- Juntas seremos felizes para sempre, meu amor. Você é tudo
para mim -- Andreia beijou-a na boca, com os olhos brilhantes de felicidade.  

"Dizem que a vida é cheia de surpresas. Que nossos sonhos realmente se realizam, assim como nossos
pesadelos". Gossip Girl.  

Mariana foi até a cozinha, a fim de preparar café. Mal acabou de ligar a cafeteira, César apareceu na porta.
Bocejou, foi até a geladeira e tirou uma garrafa de água.  

-- Já acordado? -- Mariana olhou para o relógio de parede -- Seis horas, caiu da cama?  

César guardou a garrafa de água e pegou uma xícara do armário.  

-- Será que não posso sair cedo para caminhar? -- ele fez um gesto de pouco-caso, resolvido a não dar muitas
explicações.  

-- Você só pode estar brincando, né? Não acha que é loucura ficar andando por aí sabendo que estão todos a
sua procura?  

-- Sei perfeitamente os perigos que existem aqui, obrigado pela preocupação.  

-- Ah, sabe, é? Pois acho estranho você ter decidido sair a essa hora da manhã -- Mariana olhava para ele,
desconfiada -- Pensei que estivéssemos juntos nesse propósito.  

-- E estamos! Não se preocupe, não esquecerei do nosso acordo -- ele esvaziou a xícara e a colocou no pires.
Fez um gesto com a mão para indicar que estava saindo, abriu a porta e tomou a direção do norte da ilha.  

A pálpebra pesada caiu, fechando-se para a claridade, que entrava pela janela do carro. Ivo tentou voltar a
dormir, mas seu corpo latejava de dor devido à noite mal dormida no banco irregular.  

Levantou a cabeça e olhou ao redor. Era cedo, as ruas ainda estavam desertas. Resoluto em seu objetivo,
ligou o carro. Esperava ansioso por esse dia, era chegado o momento.  

Carolina observava Talita, enquanto ela se arrumava para ir trabalhar.   

-- Vai sair? -- indagou a médica, olhando-a pelo espelho -- Deve ser um compromisso muito importante para
estar de pé tão cedo.  

Carolina parou ao lado de Talita, enquanto ela se mirava no espelho e ajeitava os cabelos.  

-- Vou de carro até o norte da ilha. Não conheço as praias daquela região, dizem que são muito bonitas.  

-- São lindas. Você vai ficar encantada -- ela ajeitou a bolsa no ombro e caminhou em direção a porta -- Não
deixe de passar pela praia do Marlon. A Natasha transformou aquele lugar em um paraíso.  
Quando Talita saiu apressadamente do quarto, Carolina mirou-se no espelho, ergueu a gola do casaco e
sorriu para a sua imagem.  

-- Praia do Marlon! Que coisa mais ridícula -- Carolina fez um gesto de enfado, revirando os olhos.  

O dia de Natasha havia começado como qualquer outro. Levantou-se às seis, tomou um banho demorado,
bebeu uma xícara de café e ligou o notebook.  

Dona Valgina entrou na cozinha e ficou olhando para a bancada, pensativa.  

Havia uma variedade enorme de delicias. Enroladinho de queijo e presunto, sanduíches frios, bolo de
chocolate e laranja, café, chá, leite, chocolate e sucos. Pães artesanais, croissants e ciabatas. Para
acompanhar: queijo de búfala, queijo brie com geleia de damasco importada e um patê tipo foie gras.  

-- O que será que a dona Andreia gostaria para o café da manhã? Isso aqui parece o buffet do restaurante.
Não sei nem o que preparar.  

-- Bom dia, dona Valgina! -- Andreia entrou na cozinha, parou diante do balcão, estendeu a mão e pegou um
croissant -- Eu quero tudo.  

Valgina olhou para ela com os olhos arregalados.  

-- Tudo? -- perguntou assustada.  

Andreia achou a reação dela engraçada, começou a rir e Natasha riu com ela.  

-- Você deixou a Vagina de boca aberta, amor.   

-- Estou brincando, dona Valgina. Vou querer apenas um pãozinho com geleia de damasco.  

-- Então, sente-se que eu vou pegar o pão.  

Andreia sentou-se à mesa, obediente.   

-- Depois que o bebê nascer, vou fazer questão de acompanhar você nesses passeios matinais. Parece tão
agradável.  

-- A praia tem efeitos positivos tanto física quanto psicologicamente. Para mim, que tenho dificuldades de
respirar, devido a asma, esses passeios são imprescindíveis.  

-- Acho que você não suportaria viver nas grandes metrópoles.  

-- O mar está em mim. Não conseguiria viver em outro lugar.  

Andreia não conseguia se conter. Pegou mais um pãozinho.  

-- Que interessante! -- disse ela, voltando a atenção para a janela.  

-- O pãozinho é interessante? -- perguntou Natasha servindo-se de outra xícara de café.  

-- O tempo, amor -- Andreia se virou para que pudesse encará-la -- Ontem o sol estava brilhando e hoje, veja só,
nublado e um vento frio que dói até nos ossos.  

-- Esse é o famoso vento sul. Bastante presente na região, geralmente de maior intensidade e frio. Com esse
vento, a tendência é ter mares mais revoltos. A água da superfície mistura com a do fundo e a temperatura
esfria.   

-- Dona Natasha. Hoje é o aniversário da Elisa -- avisou Valgina -- Esqueceu?  

Natasha fechou os olhos. Esquecera da data, como todos os anos.  

-- Droga! E agora? Tenho vários compromissos hoje.  

Dona Valgina pegou a bolsa e se dirigiu para a porta.  

-- Vou dar uma saidinha. Volto logo.  

Natasha fez um gesto com a mão mostrando para Valgina que concordava. Olhou para Andreia e fez um
trejeito com a cabeça.  

-- A Elisa vai me bater.   

Sorrindo, Andreia abraçou-a pelo pescoço.  


-- Posso resolver isso para você. Vou ligar para a floricultura e encomendar um buquê de rosas. Depois,
chamo a Sofia para ir comigo até o centro comprar um presente bem bonito para ela. Também vou pedir para a
Jessye organizar um jantar no restaurante do hotel. Vai ser uma bela surpresa.  

Natasha sorriu e deu-lhe um beijo rápido na boca. As bocas se afastaram. Andreia continuava nos braços
dela.  

-- Você é o máximo! O que seria de mim sem você? -- ela deu uma olhadela no relógio -- Vou indo. Vai ficar bem
sozinha?  

-- Claro! A dona Valgina volta logo -- ela balançou a cabeça, afastando-se da mulher tentadoramente linda a sua
frente -- Não demora, tá. Eu estou um pouco angustiada hoje.  

Natasha a abraçou por trás, mergulhando o rosto nos cabelos ruivos.  

-- Vou até o centro me encontrar com o Hannibal e os outros seguranças. Espero receber novidades sobre os
traficantes. Depois, almoço com o prefeito de Florianópolis no restaurante do hotel.  

-- Se cuida, amor -- Andreia estava meio preocupada com ela -- Não quero que se envolva com essas pessoas.  

-- Não se preocupe. Não vou nem chegar perto deles -- Natasha fechou a tampa do notebook e pegou a chave
do carro -- Os rapazes é que estão cuidando deles.  

Andreia foi até a janela ainda com a sensação esquisita de que algo estava por acontecer. Isso, porém, não
fazia sentido, e outra vez ela achou que era tudo por causa da gravidez.   

Estava na reta final da gestação, o medo do parto e a curiosidade para conhecer o bebê estava gerando
angústia. Faltava tão pouco!  

Estava tudo pronto para a chegada do Marlon. Natasha dizia que o ninho estava montado. As roupas limpas e
guardadas. A mala da maternidade pronta. Andreia fazia um checklist todos os dias.  

Rindo de si mesma, dirigiu-se à sala, pensando em telefonar para Sofia. Pegou o aparelho e começou a discar
o número da amiga. Mas nesse instante ouviu um som seco e inconfundível de um tiro.  

Andreia apoiou-se na mesa e levou a mão à barriga. O bebê estava se mexendo violentamente.  

O coração disparou e ela correu em direção a garagem.  

Créditos: 

https://www.projetoredacao.com.br/temas-de-redacao/tabagismo-no-seculo-xxi/consumo-de-drogas-nos-dias-
atuais/g2ts7vq8w8 

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Capítulo 59 -- Digitais por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 59 

Digitais 

Andreia se movimentava com dificuldade, devido ao peso da barriga. Quando chegou a garagem, sua
respiração era pesada.  

-- Natasha! Onde está... 

Ao vê-la caída no chão, ela não conseguiu concluir a pergunta.  

Sentiu um nó na garganta. Não podia acreditar no que estava vendo. Andreia ficou pálida, sem fala, olhando
para o seu amor ao lado do carro, caída de bruços, numa poça de seu próprio sangue. 

-- Natasha! -- Andreia chamava. 

Sem conseguir mais se controlar, ela caiu ajoelhada ao chão frio da garagem.  

-- Natasha, meu amor -- ao perceber que ela não se movia, Andreia entrou em pânico. Não demorou para que
as lágrimas começassem a rolar por seu rosto -- Não me deixe -- sentou-se e puxou-a para mais perto, de modo
que a cabeça ficasse apoiada em seu colo. Começou a bater levemente nas mãos e no rosto de Natasha. De
nada adiantou, pois ela continuava inconsciente. 

Piscou os grandes olhos castanhos, suspirou fundo buscando forças, precisava chamar a ambulância e
a polícia. Se levantou com dificuldade, apoiando-se no carro. Suas mãos sujas de sangue deixavam marcas em
tudo que tocava. 

De repente, passos ecoaram pelo chão de mármore, do lado de fora da garagem. O barulho marcante soava
cada vez mais próximo. Andreia pegou a arma jogada ao lado do corpo desfalecido de Natasha, e apontou em
direção da porta aberta da garagem. 

Ofegante e com a arma em punho, ela deu um passo e parou abruptamente. O barulho parou, mas seu coração
continuou batendo forte como se quisesse pular do peito.  

-- Quem está aí? -- Andreia colocou a mão sobre a barriga, enquanto se concentrava em enfrentar o invasor --
Estou armada. Nem pense em entrar. 

-- Sou eu, a Carolina -- a irmã de Natasha berrou lá de fora e entrou cautelosamente na garagem, aliviando a
tensão de Andreia. 

-- Meu Deus, Carolina! Que bom te ver -- Andreia tremia dos pés à cabeça -- Alguém entrou aqui e atirou na
Natasha. Pelo amor de Deus, chama a ambulância -- ela voltou a se ajoelhar ao lado de Natasha. 

Apavorada, notou que Carolina tinha uma expressão fria de quem parecia pronta para atacá-la. Espantada
com o comportamento da moça, ela berrou: 

-- Liga para a Talita! 

Dona Valgina apareceu logo atrás de Carolina. 

-- Meus Deus! -- ela exclamou alarmada -- O que aconteceu? -- perguntou, aproximando-se. 

Andreia olhou para a empregada. Havia angústia em suas pupilas castanhas. 

-- Liga para a Talita, dona Valgina. Rápido, por favor.  

-- Sim -- ela respondeu pegando o celular e discando o número da médica. 

-- Larga essa arma, Andreia -- Carolina fez um gesto com a mão para indicar onde ela deveria colocar
o revólver -- Acabou. Você não tem saída. 

Com a arma na mão e toda ensanguentada, Andreia arregalou os olhos, apreensiva. Você não tem saída? Mas,
do que ela estaria falando? 

-- A doutora está vindo de helicóptero -- disse Valgina, trazendo Andreia de volta à realidade. 


-- Você é louca! -- Andreia colocou a arma sobre o carro e voltou-se para Natasha, sentindo a presença de
Carolina logo atrás de si -- Ela está perdendo muito sangue -- disse, com a voz trêmula.  

-- Eu vou buscar algumas toalhas - disse a empregada, entrando rapidamente na casa.  

-- Aguenta firme, meu amor -- Andreia cerrou os olhos e sentiu as lágrimas quentes rolarem por seu rosto -- Eu
te amo, não posso viver sem você -- murmurava, enquanto passava a mão em sua testa. 

Ao se ajoelhar ao lado de Natasha, Carolina dirigiu-se diretamente a cunhada. 

-- Andreia - sua voz soou forte e assustadora -- Acho melhor você sair daqui antes que a polícia chegue. 

Todo o sangue pareceu sumir do rosto de Andreia naquele instante. Ela se sentiu tonta e enjoada ao mesmo
tempo. Teria caído se não estivesse de joelhos. 

-- Eu não acredito que você está insinuando que fui eu quem atirou na Natasha! -- Andreia, que já estava
brava, ficou furiosa com a acusação de Carolina -- Sua dissimulada. Perversa. Eu amo a sua irmã, nunca faria
isso -- negou ela com veemência. 

Carolina notou que lágrimas desciam de forma abundante pelo rosto da ruiva. 

-- Se você pensa que lágrimas funcionarão, está muito enganada.  

O barulho do helicóptero pousando a fez olhar para fora.  

Talita abriu a porta da aeronave e saiu correndo segurando a maleta de primeiros socorros. Carolina já estava
de pé, à sua espera. 

-- O que houve? -- perguntou, aproximando-se. 

-- Ainda bem que chegou -- Carolina apontou para Natasha -- Ela levou um tiro, está inconsciente.  

-- Meu Deus! -- disse Talita ao vê-la ensanguentada. 

Imediatamente a médica abriu a maleta e começou os procedimentos para controlar o sangramento. A ferida
provocada pelo projétil que atingiu Natasha pelas costas no lado esquerdo, sangrava muito. Precisava levá-la
urgentemente ao hospital, cada segundo era muito precioso.  

-- Vamos transportá-la para o helicóptero -- pediu Talita, aos técnicos -- Você está bem? -- perguntou, fitando
Andreia. 

-- Não, não estou -- os olhos de Andreia se encheram de lágrimas.  

Carolina empinou o peito. 

-- Foi ela quem atirou na minha irmã.  

-- Você não pode me acusar dessa forma -- respondeu ela. 

-- Por favor -- Talita fez um gesto apaziguador -- Você não pode acusar uma pessoa sem provas. 

-- Quando cheguei, essa ladra, trapaceira, estava com a arma na mão. 

-- Calma lá! Não tire conclusões precipitadas -- pediu, Talita. 

-- Você ainda protege esta desclassificada! Por quê? -- indagou ela, com ar petulante. 

Andreia cerrou os punhos. 

-- Não preciso da proteção de ninguém, eu sou inocente. 

-- Quero ver a polícia acreditar em você. O seu passado a condena, Andreia -- Carolina pegou uma luva da
maleta de Talita, calçou, pegou o revólver e enrolou em uma toalha -- Sem contar que as suas impressões
digitais estão nessa arma. 

-- Eu peguei a arma para me defender. Pensei que o criminoso ainda estava aqui na mansão -- Andreia parou
para respirar -- Você deve estar muito feliz em me acusar. Não é mesmo? 

-- É, mais ou menos isso -- foi a resposta que ela deu, empurrando Andreia pelo braço -- Agora, vá embora. Pela
Natasha, estou te dando a chance de fugir para bem longe daqui. 

-- Parem com isso já! -- Talita colocou-se entre as duas e empurrou Carolina -- O helicóptero está pronto. Vou
levar a Natasha para Florianópolis. Por favor, Carolina. Não tome nenhuma atitude precipitada -- a médica
lançou um último olhar a Andreia; depois, afastou-se. 
O destino parecia se divertir em maltratar Andreia. Primeiro a doença do pai e a falência do hotel. Depois, o
erro em participação da trama maldosa da irmã e o amor impossível por Natasha! Ela já não tinha esperança
de ser feliz. De repente, porém, tudo mudou na sua vida: Estava grávida, casada com Natasha e sentindo-se a
criatura mais afortunada do mundo. E, novamente, levou uma rasteira do destino. 

Voltando-se para Carolina, procurou, mas não encontrou nenhum traço de benevolência em seu rosto, mas
havia outra emoção que ela não conseguia decifrar. 

-- Você é uma mau-caráter, uma ladra, mas Natasha não merece o constrangimento de ter o seu nome
evidenciado em rede nacional por ter sido baleada por sua esposa grávida. Seria um escândalo vergonhoso. 

Andreia deu alguns passos e parou na porta da garagem. Uma mão pousou sobre seu ombro e ela olhou
para Valgina. A mulher também olhava para o helicóptero enquanto o piloto se preparava para decolar. 

-- Não está certo -- disse Andreia. Lágrimas queimavam em seus olhos -- Eu deveria estar naquele helicóptero
ao lado da Natasha. 

-- Sim -- concordou Valgina, com seu jeito sempre calmo -- Mas, acho melhor você fazer o que a dona Carolina
está falando. 

-- Estou assumindo algo que não fiz -- murmurou, observando o helicóptero subir no ar. 

-- Nesse momento, vamos nos preocupar com o bebê -- Valgina a relembrou gentilmente -- Quem sabe a Dona
Natasha se recuperando, ela não possa identificar o atirador? 

As palavras de dona Valgina faziam sentido. A própria Natasha poderia inocenta-la.  

-- A senhora tem razão. Natasha vai acordar e contar à polícia quem foi o autor do tiro -- ela comentou com
entusiasmo e lançou um olhar inquisidor para Carolina -- Você não vai nos separar. Por mais que tente, não vai
conseguir. Quando o amor é verdadeiro, supera qualquer problema. 

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Capítulo 60 -- Estarei Esperando por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 60 

Estarei Esperando 

Enquanto lutava para colocar seus pensamentos em ordem e encontrar uma forma de ajudar a sua amiga,
Sofia se sentou. 

-- Eu já sei o que fazer -- ela deu um soco no braço da poltrona. Estava preocupada com Andreia, e tentou
sorrir para animá-la -- Vamos fugir daqui, hoje mesmo. 

-- Fugir? -- Andreia repetiu, virando-se e olhando para ela -- Mas, eu não fiz nada para ter que fugir! O que eu
quero é ir até o hospital em Florianópolis -- Andreia queria ver Natasha. Ela estava aflita por notícias. 

-- Encare a realidade, amiga. Sei que pode soar um pouco louco, mas farejo uma trapaça a distância. 

Dona Valgina se levantou. Caminhou até a porta entreaberta e fechou-a. 

-- A sua amiga tem razão, dona Andreia. A primeira pessoa a ser investigada será a senhora. 

-- Por que tudo isto está começando a parecer surreal para mim? -- Andreia perguntou, levantando-se e
caminhando pela sala da casa de dona Valgina, parando para olhar alguns porta-retratos -- A vida estava boa
demais para ser verdade. 

-- Pois é, justo agora que eu e a doutora estávamos começando a nos entender. 

Andreia deixou cair os ombros. Um gesto que demonstrava o tamanho de seu pesar. 

-- Não quero atrapalhar a sua vida, Sofia. Já basta a minha. 

-- Deixa de besteira. Somos amigas ou não somos? 

-- Somos -- respondeu Andreia com um sorrindo fraco. 

-- Então! -- Sofia abraçou a amiga com carinhos. 

Andreia agradeceu a Deus por ela existir. Quando chegasse a hora do bebê nascer, iria sem dúvida
precisar mais do que nunca de Sofia, com seu entusiasmo, seu temperamento forte, seu bom humor e sua
alegria. 

-- O que faremos agora? -- Andreia sentou-se, as mãos postas no colo. Enfim, convenceu-se da dura realidade. 

-- Tem um barco que sai da marina as seis horas. A gente passa a noite em Florianópolis e amanhã pegamos
um avião com destino ao nosso refúgio. 

Andreia ficou sentada por mais um momento, então passou uma das mãos sobre os olhos marejados e voltou
a se levantar. 

-- Só vou aceitar porque não quero que o meu bebê passe por isso -- disse com tristeza. Então olhou para
Sofia -- Antes de partir de Santa Catarina, preciso fazer uma coisa. 

-- O que? -- perguntou Sofia, desconfiada. 

-- Preciso ver a Natasha. Não vou embora sem vê-la e ter a certeza de que ela está bem. 

Sofia hesitou por um momento, então assentiu, compreendendo a razão da angustia da amiga. 

-- Acho que não tem problema. A capetinha não estará no hospital -- ela tocou o ombro de Andreia num gesto
de conforto -- Pegue as suas coisas. Partiremos em uma hora. 

Cesar entrou rapidamente no chalé. Arrancou as roupas e foi direto para o chuveiro. Fechou a porta e logo
após se ouviu o barulho da água caindo sobre o piso. 

Mariana entrou no quarto e sentou-se na beirada da cama. As atitudes de Cesar eram muito suspeitas e
assustadoras. Ela sempre viveu às custas de pessoas ricas, que bancavam um estilo de vida extravagante, de
ostentação e muita grana. Falsa e interesseira, ela era assim e não mudaria. Porém, esse era o seu limite.
Jamais seria como Cesar, que fazia da violência um meio para alcançar os seus objetivos. 

Cesar desligou o chuveiro, enxugou-se rapidamente, enrolou-se na toalha e entrou no quarto. Respirando
fundo, constatou que Mariana estava sentada na cama.  

-- Faça o favor de não me olhar como se eu fosse um monstro! -- ele disse, irritado. 

-- Onde estava? 

Cesar abriu o closet e pegou uma bermuda. 

-- Estava caminhando pelo calçadão -- ele voltou ao banheiro para se vestir - Algum problema nisso? -- ele
perguntou de lá. 

Quando Cesar retornou ao quarto, Mariana percebeu manchas escuras em sua pele. 

-- Você se machucou? -- ela estendeu a mão e tocou com a ponta do dedo, o hematoma na parte de cima do
braço direito -- Como conseguiu isso? -- ela examinou atentamente o ferimento. 

Cesar se retraiu e se afastou bruscamente. 

-- Você parece a minha mãe -- retrucou, fugindo da pergunta -- Preciso de uma bebida. 

Ele saiu rapidamente em direção a cozinha. Mariana foi atrás. 

-- Espero que não tenha metido os pés pelas mãos. Eu disse para esperarmos. 

Cesar bateu a porta da geladeira com mais força do que necessário e levou uma garrafa de vinho até a mesa. 

-- A Natasha levou um tiro -- ele disse, com um sorriso forçado no rosto.  

-- Meu Deus! -- Mariana ficou boquiaberta, em choque por algum tempo, depois, fugiu para a varanda, em
busca de um pouco de ar. O lugar estava silencioso e calmo. Uma brisa suave soprava do mar. Ela respirou
fundo e aos poucos foi se acalmando. Ouviu passos atrás dela e se virou -- Por que fez isso? -- era o que ela
mais temia. Uma enorme tristeza a envolveu -- Não precisava chegar a esse ponto. 

Ele concordou em silêncio, mas percebeu que havia uma razão para tanta comoção.  

-- Você ainda gosta da ave de rapina? 

A pergunta caiu como um raio, e ela ficou atônita, sem saber o que responder. 

-- Vamos, responda! -- ele insistiu. 

-- Ainda tinha esperanças de reatarmos -- disse ela, sem olhar para ele, com um leve ar de derrota. 

Cesar deu um sorriso amargurado. Passou a mão pelo rosto e tomou um gole de vinho. 

-- Não fui eu quem atirou e, pelo que ouvi do pessoal, ela não está morta -- ele disse olhando para a taça com a
bebida vermelha -- Vaso ruim não quebra. 

-- Então como sabe de tudo isso? 

-- Parei em um quiosque para tomar uma água de coco e ouvi os comentários. Não se fala em outra coisa na
ilha. 

-- Eu não acredito em você -- Mariana aproximou-se e cravou-lhe um dedo no peito com força -- Seu assassino! 

Sem mais nada a dizer, Mariana deu-lhe as costas e saiu. 

Andreia e Sofia cruzaram o corredor do hospital e pararam diante de uma moça sentada atrás do balcão da
recepção. 

-- Viemos ver Natasha Falcão. Ela deu entrada hoje, pela manhã -- Andreia acrescentou, a ansiedade na voz
era visível. 

A moça olhou para o relógio. O horário de visita já havia se encerrado. Porém, Natasha Falcão era uma das
mantenedoras do hospital, tinha que ser cautelosa. 

-- O que a senhorita é dela? 

-- Esposa -- disse Andreia, tamborilando os dedos sobre o mármore do balcão -- Sou a esposa dela. Por favor,
moça. Será que dá para ser mais rápida?  
Completamente atrapalhada, a moça apressou-se em olhar para a tela diante de si. 

-- Oh, sim! É só pegar o elevador e parar no sexto andar. Seguir o corredor a esquerda, terceira porta, número
226. Mas, por favor, aguarde um minuto, vou avisar que está subindo... 

Andreia já caminhava em direção ao elevador. A moça contornou o balcão para impedi-la. 

-- Você não pode subir para o quarto sem a autorização da doutora Talita. 

-- Pode deixar que eu mesma peço -- ela murmurou, sem reduzir o passo. 

Sofia foi até a moça e segurou seu braço. 

-- Acho melhor não a contrariar. Ela está nervosa e de nove meses. Já pensou se ela dá um treco? A dona
Natasha Falcão vai te perseguir até mesmo depois da morte - Sofia olhou no fundo dos olhos dela -- Já viu um
espirito desencarnado? 

A jovem arregalou os olhos e engoliu em seco. Tentou dizer alguma coisa, mas mudou de ideia. Achou melhor
ficar quieta e voltar para a recepção. 

Andreia parou diante da porta do quarto 226, bateu de leve e entrou. Talita virou-se, surpresa. 

-- Andreia!  

-- Oi, doutora -- Andreia olhou melancólica para Natasha -- Como ela está? -- perguntou, sentando-se em uma
cadeira ao lado da cama. Segurou a mão fria de Natasha entre as suas. A mulher pálida e frágil deitada na
cama do hospital, presa à vários aparelhos, era muito mais que sua esposa. Ela era o grande amor de sua vida.
O amor verdadeiro, sua família. A pessoa especial que, apesar de tudo, havia confiado nela. Que estava
cuidando dela e de seu filho e que dera um significado verdadeiro à sua vida. 

As últimas horas tinham sido um inferno; esperava acordar a qualquer instante e descobrir que tudo tinha
sido um pesadelo. Não tinha recebido qualquer notícia e começava a se sentir desesperada. Olhou cheia de
expectativa para Talita, esperando novidades animadoras. 

-- A bala entrou-lhe pelas costas e alojou-se abaixo do pulmão esquerdo. Ela vai passar por uma cirurgia no
tórax. Estamos apenas aguardando o cirurgião chefe chegar -- Talita respondeu, com voz suave -- Vai ficar
tudo bem. A Natasha é dura na queda -- ela disse, querendo confortá-la. 

Andreia agitou a cabeça. Não havia nada que pudesse fazer.  

-- Prometa que vai cuidar dela, doutora. Prometa que vai deixar a minha Falcão, firme e forte novamente --
Andreia acariciou suavemente a pele suave das costas da mão de Natasha. O nó em sua garganta era tão
grande que ela mal conseguia engolir.  

-- Está prometido -- ela fez que sim com a cabeça, triste -- O que pretende fazer? 

-- Vou embora de Santa Catarina. Ao menos até a Natasha melhorar. Tenho certeza de que ela vai conseguir
identificar quem tentou assassiná-la.  

-- A Carolina pode estar sendo muito má com você, mas ela tem razão quando diz que a polícia vai acusá-la.
Você estava no local do crime e com a arma na mão -- Talita calou-se e olhou séria para Andreia -- Espere um
instante -- disse ela -- O que a Carolina foi fazer na mansão? 

-- Não sei -- ela fez um gesto de pouco-caso -- Achei estranho, a Carolina evitava se encontrar comigo, mas não
parei para questionar o motivo de sua visita. 

-- Bem, tudo isso vai ser esclarecido e você vai poder voltar com o nosso menino Falcão. 

-- Deus te ouça, doutora. 

-- Você vai para onde? 

-- Ainda não sei. A Sofia é quem vai decidir. 

-- Ela está aqui no hospital?  

-- Sim, pedi que ficasse na sala de espera enquanto estava aqui, mas sei que ela deve estar impaciente para vê-
la -- Andreia acrescentou. Paciência não era uma de suas qualidades. 

A médica desapareceu antes que Andreia pudesse fazer mais perguntas. Sua vida novamente estava uma
droga, pensou, passando a mão trêmula pelos cabelos de Natasha.  

-- Você prometeu que cuidaria de mim e do Marlon -- Andreia inclinou-se até ficar bem próxima de seu amor.
Ficou parada, em silêncio. Os lábios dela acariciavam sua face pálida -- Não desiste, tá. Há pessoas que
dependem de você. Pessoas que você ama e que também a amam muito. 
Abaixou-se para beijar-lhe os lábios, um beijo leve e doce. 

-- Agora eu tenho que ir, amor. Eu e o Marlon, vamos ficar te esperando -- lágrimas surgiram em seus olhos --
Eu te amo. 

Sua voz era um sussurro e ela não conseguiu dizer mais nada. Andreia se virou para sair com um desespero
incontrolável. Mais do que qualquer outra coisa, queria ficar ao lado dela. 

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Capítulo 61 - Bem-Vinda à Bagé por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 61

Bem-vinda à Bagé

O aviso de "Apertem os cintos de segurança" acendeu, Sofia e Andreia, automaticamente, verificaram se os


cintos estavam travados.
-- Dentro de dez minutos
pousaremos no Aeroporto Internacional de Bagé, Comandante Gustavo Kraemer --
anunciou a aeromoça.
-- Acho que não foi uma boa ideia. Eu deveria ter ficado com a Natasha -- lamentou-se Andreia -- Ao fugir,
assumi um crime que não cometi.
-- Larga de ser boba. Caso ficasse na ilha, a capetinha acabaria com você -- Sofia ajeitou-se na poltrona para
encará-la -- A única pessoa que consegue dominar a Carolina, é a Natasha. Vamos esperar ela se recuperar,
então, a gente volta.
-- Espero que você esteja certa -- Andreia acariciou a barriga, pensativa.
A aterrissagem foi rápida e sem problema. O avião taxiou tranquilamente no terminal, enquanto os
passageiros e a tripulação recolhiam seus pertences. O aeroporto de Bagé era pequeno, mas bem
movimentado.
O avião estacionou, a porta foi aberta e elas desembarcaram calmamente.
-- Bem-vinda à Bagé, minha amiga -- Sofia fez um gesto com a mão -- Vamos
pegar um táxi até a rodoviária,
depois um ônibus até a casa dos meus pais. Lá você estará segura.
Após breve corrida de táxi pela cidade, elas chegaram a rodoviária.

Enquanto Sofia comprava as passagens, Andreia decidiu ir até a lanchonete para tomar um café e se
alimentar, assim não correria o risco de uma hipoglicemia, pois sabia que ainda teriam longas horas de viagem
até chegar à casa dos pais de Sofia.
Assim que levou a xícara de café à boca, começou a recordar as inacreditáveis circunstâncias que
determinaram sua viagem.

Havia acordado tão feliz naquele dia. Estava animada planejando uma bela surpresa de aniversário para Elisa.
De repente, o tiro. Como tudo pode mudar em apenas alguns segundos? Indagou-se tristemente.
Resolutamente ergueu os ombros e afastou os pensamentos tristes. Não havia como voltar atrás, agora
deveria apenas concentrar-se em seu filho. Poderia ter simplesmente recusado fugir da ilha com Sofia, mas
não queria ficar nas mãos de Carolina e correr o risco de ter que responder à tentativa de assassinato,
prestes a dar à luz. Seria muito estressante para ela e para o bebê.
Depois de escovar os dentes e lavar o rosto, no minúsculo banheiro
da lanchonete, aplicou uma leve
maquilagem e saiu a procura da amiga.
Sofia já estava na plataforma, de passagem
na mão, ansiosa por embarcar.
-- Comprei um café para você.

-- Obrigada! -- Sofia pegou o copo da mão de Andreia - Estava mesmo louca por um café.
-- Tudo certo?
-- Sim, partimos daqui à meia hora. Vou pegar as suas malas e entregar para o rapaz colocar no bagageiro.
Andreia respondeu-lhe com um gesto de mão. Trouxera apenas duas malas, a maioria roupas para o bebê,

deixando o restante de seus pertences na ilha. Porque era para lá que pretendia retornar assim que Natasha
acordasse. Lembrou resoluta.
Entraram em um ônibus com destino a zona rural. Andreia recostou-se na poltrona deixando o olhar vagar
pela janela.
-- Não me disse que os seus pais moravam na zona rural.
-- Por que acha que eu me mandei daqui? -- Sofia falou com
bom humor -- Morar no meio do mato, não é a
moleza que a gente imagina quando faz as malas e pega a estrada para um mero refúgio dos fins de semana.
Esse lugar é isolado demais para se morar.
-- E para se ter um filho também -- ela disse,
preocupada -- Quando a Natasha souber que eu vou ter o nosso
filho em um lugar isolado como esse, com certeza vai ter um chilique. Justo ela que já havia cuidado
pessoalmente dos mínimos detalhes junto à maternidade.
-- Eu sei. Ela é bem capaz de mandar a força nacional vir te buscar.
Andreia sorriu e encostou a cabeça no vidro da janela. Ajeitou-se, tentando dormir um pouco. Estava cansada
e dolorida. Ela respirou fundo, fechou os olhos e logo mergulhou em um sono profundo.
O sol acabara de nascer quando Andreia acordou na poltrona do ônibus. Ela olhou fascinada para o sol
surgindo por trás da mata.

Cercas de arame farpado delimitavam as enormes propriedades de pecuária de corte, criação de gado e
também a produção de soja, uvas para vinhos finos, a olivicultura e a fruticultura.
Uma casa de tom que variava entre um bege e cinza, foi vista à distância rodeada de
campos verdes e de mato
fechado.
-- Chegamos! -- Sofia afirmou, sorridente -- Estou tão feliz. Faz muito tempo que não visito os meus pais.
O ônibus parou na beira da estrada e elas desceram em meio a uma nuvem de poeira.

-- Achei que fosse dar a luz dentro do ônibus -- Andreia fez uma careta, estava tonta e
com muita dor nas
costas.
Um senhor alto, moreno e vestindo jeans e uma camisa branca aberta no peito, desceu de um jipe e dirigiu-se
para Sofia, sorrindo.

-- ele disse, após um abraço que fez Sofia perder o fôlego -- Andreia? -- perguntou
-- Estamos muito felizes
franzindo a testa, mas logo ele sorriu novamente ante a confirmação -- Sou Pedro, pai da Sofia. Seja bem-
vinda, Dona Marta, está ansiosa para vê-las. Vamos! -- disse ele, quando viu as duas acomodadas. Sentou-se,
então, ao volante e deu partida no motor.
O percurso da estrada até a casa era curto, mas no estado de Andreia, dar alguns passos era uma tortura.
-- Quero só ver a cara da Marta quando puser os olhos em você -- disse alegremente.
-- Por quê, papai? -- perguntou Sofia, surpresa.
Inclinando a cabeça de lado, estudou-a minuciosamente em cada detalhe.
-- Você está tão diferente, minha filha. Não se parece nenhum pouco com a desmilinguida que saiu daqui a
anos atrás.
Sofia olhou para as roupas que estava usando. Por que não pensara em colocar jeans e uma camiseta para
parecer menos gostosona? Mas será que eles esperavam a Sofia desnutrida, sem bunda e seios. E com aquele
vestido de colona italiana?
-- Mas por quê, papai? O que há de errado em minha aparência?
-- Não há nada de errado -- replicou, seu Pedro -- O que eu quero dizer é que você está tão... Tão... Ah! Deixa
pra lá.
Sofia assentiu com a cabeça e virou-se para Andreia fazendo um ar de riso.
Andreia começou a rir da forma atrapalhada com que o senhor Pedro buscava as palavras. Ele estava feliz e
compreensivamente nervoso.
A recepção de dona Marta foi ainda mais efusiva. Ela beijou a filha diversas vezes e não cansava de fazer
elogios a aparência saudável da filha.
Sofia ignorou a maioria dos comentários da mãe.
Silenciosamente Andreia começava a reparar por onde passavam. A casa era pequena poucos cômodos,
mobília simples. No centro dela uma escada de dois degraus levava à varanda, para a qual davam portas que
permitiam o acesso a seu interior.
Sofia segurou o braço de Andreia e conduziu-a em direção à casa.
-- Está exausta, não é mesmo? Venha comigo e mamãe providenciará um copo de chá gelado.
-- Leve-a para a sala de visitas, minha filha -- disse dona Marta -- Não demorarei. Vamos beber um chá gelado
enquanto conversamos.
Senhor Pedro passou por elas, carregando a sua mala.
-- Vou colocar a mala de sua amiga no quarto de visitas -- disse, sorrindo fraternalmente para Sofia.
-- Obrigada, papai.
Dona Marta apareceu segurando uma bandeja com três copos de chá gelado. Exibia um sorriso de alegria. Mal
acreditava que a sua filha estava ali.
-- Sirvam-se, meninas. Creio que gostariam de se lavar e descansar um pouco antes do almoço. Estou
preparando uma galinhada e vou servir mais cedo. Vocês devem ter tomado café bem cedo, e agora devem
estar famintas.
Sofia abraçou a mãe.
-- Ela não é um amor, Andreia?
-- Tenho que admitir. A senhora acertou na mosca -- ela disse, com ternura.

Talita e o cirurgião chefe estavam ao lado da cama. Haviam realizado uma extraordinária cirurgia, uma perfeita
extração da bala. Se Natasha não estivesse tão mal, jamais teriam se arriscado tanto. Depois da cirurgia, ela
permanecia em coma induzido para dar tempo ao corpo se recuperar. Salvaram sua vida, mas teriam que
esperar as próximas 24 horas.
-- Agora, só nos resta esperar, doutora. Amanhã, vamos acordá-la.
-- Obrigada, doutor.
O cirurgião abriu a porta para sair no instante em que Elisa entrava.
-- Bom dia -- ela disse -- Posso entrar?
-- Bom dia -- ele disse, olhando para Talita.
-- Bom dia, Elisa. Claro, pode entrar -- a médica, foi recebê-la na porta.
Os olhos negros, vermelhos do choro, estavam cheios de tristeza. Elisa se sentou perto de Natasha e se
inclinou.
-- Estou aqui, meu amor -- sussurrou ela, com a voz trêmula.
Talita tocou o ombro da senhora, com carinho. Natasha era como uma filha para ela.
-- O pior já passou, a cirurgia foi um grande sucesso e ela ficará bem.
-- Graças a Deus! -- disse a mulher, segurando a mão de Natasha -- Que loucura foi essa? Tem alguém tentando
matar a minha menina?
Talita suspirou fundo e sentou-se na cadeira ao lado da cama.
-- É o que parece -- Talita respondeu, calmamente. Em nenhum momento havia permitido que as emoções
interferissem em sua missão profissional; que os sentimentos de amizade e admiração pela empresária,
pesassem no momento de salvá-la.
-- Carolina me contou que encontrou a Andreia ao lado de Natasha com a arma na mão -- a senhora olhou para
a médica, esperando uma opinião.
Mas foi Talita quem fez a pergunta primeiro:
-- E o que você acha?
-- Acho que a Andreia nunca faria isso -- Elisa respondeu, com firmeza.
-- Eu também -- Talita foi até o frigobar, pegou um copo de água e entregou para a senhora -- A polícia esteve
aqui, ontem à noite. Tentei convencê-los a esperar que Natasha acorde. Disse que talvez ela tenha visto o
autor do disparo.
-- E eles?
-- Não ficaram muito convencidos -- Talita, voltou a sentar-se - Mas, concordaram em aguardar o depoimento
dela.
-- Andreia não devia ter fugido. Natasha nunca permitirá que alguém faça mal a ela. Imagina! -- Elisa pegou o
celular da bolsa e tentou ligar para Andreia -- Que droga! Só dá fora de área ou desligado.
-- Eu tentei falar com a Sofia e também dá como fora de área ou desligado - Talita balanço a cabeça,
conformada - Amanhã, nós vamos acordar a Natasha do coma induzido. Então, dependendo do seu estado,
vamos tomar uma atitude.
-- É, vamos deixar ela decidir o que fazer.

Andreia acompanhou Sofia. Passaram por um curto corredor e chegaram a um pequeno quarto, onde sua
mala havia sido colocada pelo senhor Pedro ao pé da cama.
-- A casa é pequena, mas bem aconchegante -- disse Sofia, sentando-se na cama.
-- Está perfeito. Seus pais são amáveis e simpáticos -- Andreia sentou-se na cama ao lado de Sofia, as mãos
entrelaçadas sobre os joelhos e um olhar que denunciava sua dor. A amiga aproximou-se, preocupada.
-- Oh, meu amor! O que aconteceu?
-- Oh, Sofia! -- Lágrimas rolaram -- Eu preciso da Natasha. Estou me sentindo perdida sem ela.
Sofia a abraçou com força, consolando-a.
-- Eu entendo.
-- Preciso de notícias. Saber como ela está -- Andreia procurou o celular na bolsa -- Vou ligar para a Talita. Não
vou conseguir ficar em paz enquanto não souber do estado de saúde dela.
Tentou ligar para ela, mas não conseguiu. Estava sem sinal.
-- Meu celular está... morto -- constatou Andreia.
-- Suicidou-se, coitado. Pra você ver, nem ele aguentou o tédio daqui.
-- Sofia, sua louca! -- Andreia se levantou, irritada -- Você sabia que os celulares não funcionam aqui?
-- Na última vez que estive aqui, o celular funcionou normalmente. Não sei o que está acontecendo. Vou
perguntar para o papai -- Sofia deu um pulo da cama.
-- Espera -- Andreia segurou-a pelo braço -- Tem uma maternidade aqui perto?
-- Maternidade não, mas tem uma parteira maravilhosa. Todas as crianças da região vieram ao mundo pelas
mãos abençoadas da dona Iracema.
Andreia caiu para trás em cima da cama.
-- Ai, meu Deus!

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Capítulo 62 -- Você não é uma Aventureira? por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 62 

Você não é uma aventureira?  

Na manhã seguinte, Andreia se levantou. Sofia ainda dormia. Apesar de ter dito a amiga que estava bem, se
sentia nauseada e com dores nas costas, por isso foi até o banheiro e lavou o rosto com a água gelada que
saía das torneiras. 

Olhou-se no espelho e franziu as sobrancelhas. Estava com olheiras profundas, desanimada e cansada,
cansada demais para ser normal. 

Quando voltou para o quarto, descobriu que Sofia tinha acordado, e a cama estava vazia. Caminhou até a
janela e olhou para o céu cheio de nuvens escuras. O tempo havia mudado repentinamente. Ainda fazia calor,
mas a chuva parecia iminente. 

Estava tão perdida em seus pensamentos, que não ouviu a porta abrir atrás dela, nem percebeu que Sofia
entrara no quarto, até que ouviu ela dar uma gargalhada. 

-- Está pensando em fugir pela janela? 

-- Olha que não seria má ideia -- abriu as malas e começou a colocar as roupas no armário -- Ainda não
consegui digerir essa história de parteira. 

-- Fique sabendo que devido falhas no sistema de saúde, acompanhado das desigualdades sociais e regionais
presentes principalmente na zona rural, a figura das parteiras persiste até hoje. Mesmo tratando-se de um
direito constitucional assegurado, boa parte das mulheres não tem acesso real à assistência institucional ao
parto. Comunidades rurais na sua maioria, quer pela falta de assistência médica e pela distância dos centros
de saúde, vivem em situação de isolamento, por isso o trabalho da parteira torna-se indispensável nessas
comunidades. 

-- Eu sei de tudo isso. Não desmereço o trabalho delas, apenas acredito que não há necessidade de colocar o
meu bebê em risco. Qual é Sofia? Poderíamos ter ficado em um hotel na cidade -- ela fez um gesto impaciente
com a mão -- E caso ocorra algum problema durante o parto? O que fará? 

Sofia olhou para ela com os olhos marejados. 

-- Sinto muito. A minha intenção era só ajudar e acabei sendo inconveniente --  lamentou-se Sofia, fungando. 

Sofia sentou na cama e Andreia sentou ao lado dela. 

-- Estou pensando em voltar. 

Sofia olhou para ela assustada. 

-- Voltar para a ilha? 

-- Sim! Eu não fiz nada de errado, não tenho o que temer. Se a Natasha realmente me ama, ela vai acreditar na
minha inocência mesmo que não tenha visto quem atirou nela. 

Sofia ficou em silêncio por um longo momento. Parecia pensar no assunto. 

-- Você não está em condições de fazer essa viagem novamente. 

-- Podemos tentar -- disse cheia de entusiasmo. 

Sofia franziu o cenho. 

-- Agora, quem está dando uma de louca é você. O trabalho de parto pode se iniciar a qualquer momento e
você mal consegue andar com o tamanho da barriga. 

-- Mesmo assim prefiro arriscar -- Andreia estava decidida a enfrentar as consequências -- Não sei o que é
pior, ter o bebê aqui no meio do nada, ou dentro de um avião. 

-- Também não precisa escangalhar, né -- Sofia se levantou, sorrindo -- Vou conversar com o papai e ver se
ele consegue descobrir o horário do ônibus que vai para a cidade. Já volto. 

 
-- Acorda Natasha -- disse Talita, apertando a mão da empresária. 

As pálpebras dela tremeram e se abriram. Tinha os olhos verdes, confusos. 

-- Ei, sou eu -- disse Talita e sorriu -- Olá, Natasha. 

-- Oi -- sua voz saiu como um sussurro fraco. 

-- Olhe para mim -- pediu Talita, levantando a mão direita -- Quantos dedos você consegue ver? 

-- Quatro -- disse ela bem baixinho. 

-- Muito bem! -- disse Talita, feliz. 

-- Onde estou? -- o olhar de Natasha se moveu pelo quarto -- Que lugar é esse? 

-- Você está em um hospital de Florianópolis. 

A informação fez Natasha ter um sobressalto.  

-- Hospital? -- nesse momento ela tentou levantar o braço e percebeu o emaranhado de fios ligados aos
aparelhos -- O que aconteceu? Não lembro de nada -- fez careta de dor ao se mover bruscamente. 

Talita percebeu a expressão de dor no rosto de Natasha. 

-- Está sentindo dor, Natasha? -- perguntou a médica. 

-- Dói quando respiro -- as mãos se moveram lentas e tocaram o abdome -- O que aconteceu, doutora? Me diga
logo -- insistiu, Natasha. 

-- Você passou por uma experiência terrível, Natasha -- Talita murmurou, mansamente -- Você esteve
desacordada por dois dias. Sua recuperação é um grande milagre. Nós a operamos e o projétil foi removido
com sucesso. 

-- Projétil? -- Natasha franziu o cenho, enquanto seu cérebro disparava. Projétil, pensou. Então, lembrou-se de
estar na garagem da mansão, do click, do barulho surdo do tiro, da dor e em seguida a escuridão. 

Cerrando as pálpebras com força, lutou para manter os olhos abertos, queria saber mais, porém, sua voz foi
ficando fraca e dolorosa. Quando abriu a boca para falar mais uma vez, não conseguiu. 

Talita voltou os olhos para Natasha e notou que ela adormecera. A empresária estava inconsciente havia dois
dias e era de estranhar que ainda tivesse forças para falar. A médica abriu a porta com cuidado e saiu sem
fazer ruído, fechando a porta atrás de si. Caminhou pelo corredor com seu passo rápido. Natasha deveria
descansar bastante e se alimentar muito bem durante os próximos dias, a fim de que sua saúde se restabeleça
por completo. Afinal, quando ela perguntar por Andreia, teria que contar a verdade. Então, ninguém mais
conseguiria mantê-la na cama. 

Andreia andava impaciente de um lado para outro do quarto. Sofia a observava em silêncio. Não demoraria
muito até ela reclamar novamente de dor nas costas. 

-- O seu pai está demorando. 

-- Só faz dez minutos que ele saiu. Calma mulher, quanto desperdício de energia!  

Andreia levou as mãos atrás das costas e fez uma careta. 

-- Essa dor nas costas está insuportável -- reclamou. 

-- Vem cá -- pediu Sofia, dando uma palmadinha no colchão -- Algumas mulheres percebem melhora quando se
deitam de lado, com um travesseiro no meio das duas pernas ou colocado embaixo da barriga.  

-- Será? -- a ruiva hesitou um pouco, mas depois aceitou o conselho da amiga -- Faço qualquer coisa para
aliviar essa dor. 

-- É desse jeito que você quer entrar em um ônibus? -- Sofia olhou para ela, preocupada -- Você não está em
condições de fazer essa viagem. 

-- Não vou ficar aqui sem notícias da Natasha -- o olhar irritado da ruiva deitada na cama voltou-se para ela -- Já
que nos meteu nessa, vai ter que nos tirar. 

-- Vou avisando, não sei fazer parto -- resmungou -- O Marlon que sossegue o facho. 

Ouviram alguém batendo na porta. Andreia olhou rápido para Sofia. 


-- Deve ser o seu Pedro. 

Sofia se levantou. Foi atender a porta e se preparou para receber o pai, rezando para que não houvesse mais
nenhum ônibus para aquele dia. Porém... 

-- O Bastião disse que tem um ônibus que passa por aqui as 18:00. 

Sofia olhou para ele de cara feia. 

-- Que bela notícia -- ela disse, de forma irônica -- Acho melhor eu ir conversar com a parteira e pegar algumas
dicas de como se faz um parto. 

O senhor Pedro olhou para a filha sem entender o que estava acontecendo. 

-- A moça está para parir? 

Andreia se levantou da cama com dificuldade. Apesar da dor, estava sorrindo. 

-- Obrigada, senhor Pedro. Estou bem, não se preocupe. 

-- Tem certeza, Andreia? -- Sofia perguntou, num sussurro. 

-- Absoluta! -- ela olhou a aliança que reluzia em sua mão esquerda. Quando voltou a erguer os olhos, esboçou
um meio sorriso -- Não imaginei que a amasse tanto. 

Seu Pedro deu um tapinha no ombro de Andreia. 

-- Não se preocupe, minha filha. O filho do Bastião é doutor, e ele vai embarcar no mesmo ônibus que vocês. 

Elas se entreolharam e, depois de alguns segundos, começaram a rir. Era sorte demais. 

Muito depois, Natasha acordou assustada, o coração batendo descompassado, incapaz de saber onde
estava. Apenas uma luz fraca iluminava o quarto e ela olhou em torno, dominada por fragmentos de um
sonho. 

Ela começou a tentar se erguer, mas alguém a deteve. 

-- Calma, minha filha -- disse Elisa, pegando a mão dela e segurando-a com firmeza -- Está tudo bem agora -- ela
murmurou e a acomodou de volta nos travesseiros. 

-- Eu tive um sonho tão estranho -- balbuciou num fio de voz. 

-- Quer me contar? 

Natasha fez um gesto impaciente com a mão. 

-- Depois eu conto. Agora eu quero saber como está a Andreia e o bebê. Ela está bem? O bandido não a
machucou, não é mesmo? Ela não ficou muito assustada? -- Havia, em seu semblante sinais de preocupação e
medo. 

-- Calma! -- Elisa disse com um sorriso tímido. O momento que ela mais temia havia chegado. Não sabia como
contar para Natasha que Andreia não estava mais na ilha. Conhecendo-a como a conhecia, sabia que a sua
reação seria explosiva -- A Andreia e o bebê estão bem, mas...  

Bateram de leve na porta e, sem esperar resposta, Carolina entrou no quarto. 

-- Natasha! -- ela exclamou, com sincera felicidade -- Que bom te ver acordada e conversando. 

Natasha olhou-a com muita desconfiança. 

-- Não tem nada para me contar? Onde está a Andreia? 

Elisa e Carolina entreolharam-se.  

Observando o semblante sério de Natasha, Carolina percebeu que não adiantava protelar.  

-- Você lembra o que aconteceu?  

-- Lembro-me apenas de estar na garagem e ouvir o barulho do disparo e o explodir da dor da bala rasgando
por minhas costas. No momento seguinte tudo ficou escuro e eu apaguei. 

-- Então, você não chegou a ver quem fez o disparo? 


-- Não. Não consegui ver quem atirou -- Natasha engoliu a saliva com dificuldade. Sua respiração entrecortada
movimentava o peito -- Vou perguntar só mais uma vez. Onde está a Andreia? 

-- A Andreia foi embora da ilha -- ela umedeceu os lábios com a língua, depois, continuou -- Eu cheguei a sua
casa logo após o atentado e encontrei ela ao seu lado com a arma em punho. Achei melhor que ela fosse
embora antes que a polícia chegasse e a acusasse de tentativa de assassinato -- Carolina tirou o casaco e o
pendurou na cadeira ao lado da cama. Então, olhou para Natasha, e seu coração acelerou ainda mais. Os
olhos verdes estavam vermelho sangue -- Aconteceu o que eu temia. Ela tentou te matar para ficar com os
seus bens. Andreia só estava esperando assinar os papéis do casamento para colocar fim em sua vida. 

Um furacão de raiva a sacudiu por dentro. Natasha não emitiu nenhum som, embora quisesse gritar. Em um
movimento brusco ela agarrou o braço da irmã e apertou com tanta força que Carolina gemeu alto. 

-- Estou impressionada com o seu sarcasmo -- disse Natasha, rangendo os dentes. 

Elisa se aproximou da cama. 

-- Acalme-se, Natasha -- a senhora a interrompeu, cuidadosamente -- Você acabou de passar por uma cirurgia
delicada. Não pode se agitar dessa forma. 

-- Impossível manter a calma, Elisa -- Natasha soltou o braço da irmã -- A sua sorte é eu estar presa a essa cama
-- sua voz era um sussurro e ela fitou Carolina com uma mágoa profunda. Queria apenas ficar só para chorar e
liberar um pouco da tensão e angústia que a oprimia -- Deus, tudo o que eu mais desejava era te encontrar.
Minha irmãzinha, meu tesouro, que havia perdido. E agora que a tenho de volta, a sinto como se fosse uma
estranha. 

Lágrimas queimavam os olhos de Carolina quando olhou para Natasha. 

-- Talvez você não acredite, mas eu só fiz isso para te proteger. 

-- Me proteger de que, Carolina? Do amor da minha vida? Da minha razão de viver? 

-- Ela tentou te matar -- insistiu a garota. 

-- Cala a boca! -- berrou, Natasha -- Você não sabe o que é amar, porque você nunca amou ninguém de verdade.
Você só fala essas coisas da Andreia, porque não sabe o que é sentir um amor incondicional. Aquele amor
que tem o poder de nos fazer sentir completos mesmo que não pensemos nisso. Quando amamos alguém
incondicionalmente, percebemos claramente como a pessoa é de verdade. E, é por isso que eu sei que não foi
a Andreia que tentou me matar. 

-- Eu só quis ajudar. Não falei nada para a polícia e permiti que ela saísse da ilha. 

-- Ajudar? -- Natasha cerrou as mãos -- Faça-me o favor, Carol. Se você tivesse a mínima consideração por mim,
teria protegido a Andreia. Ela está grávida. Droga! -- Natasha bufou, indignada -- Você sabe para onde ela foi? 

-- Não faço ideia -- Carolina respondeu com a voz baixa e insegura. 

-- O que? -- os olhos verdes assumiram um brilho raivoso -- Você expulsou a minha mulher, da minha ilha,
grávida de nove meses e, nem sabe para onde ela foi? 

Carolina continuava de cabeça baixa, calada.  

Natasha suspirou fundo. 

-- Por favor, para o bem de ambas, saia daqui -- ela disse, passando a mão sobre o rosto e esfregando os olhos
-- Estou muito cansada. 

Elisa puxou Carolina pelo braço em direção à saída. 

-- Acho melhor você ir embora. Ela precisa descansar. Volte em outro dia. 

-- Não, Elisa -- disse Natasha, de olhos fechados -- A Carolina não vai mais voltar aqui. Ela vai arrumar as malas
e partir amanhã mesmo para a Ilha Carolina. 

Todo o sangue pareceu sumir do rosto de Carolina naquele instante. 

-- Você está fazendo uma grande besteira, Nat. 

-- Nunca subestime a minha capacidade de fazer merda, Carol. 

-- Eu não vou para aquela ilha cheia de mosquitos, formigas e aranhas. 

-- Você não entende? Eu não estou pedindo a sua opinião. Eu estou mandando -- Natasha quase sorriu -- Você
não é uma aventureira? Então, vai adorar a sua ilha. A doutora Sibele e a Marcela, estão se divertindo
horrores. 
Uma onda de medo a assolou, e Carolina mal conseguia controlar a expressão. 

-- E se eu não obedecer? 

-- Volta a morar debaixo do viaduto. Porque na Ilha do Falcão, você só volta com a autorização da Andreia. 

Trovões e relâmpagos cortavam os céus. Chovia forte naquela tarde de novembro. 

Andreia parada junto à porta da casa recusava-se a acreditar em sua falta de sorte. 

-- Esse temporal enrolou o dia inteiro, para cair justo na hora de pegarmos o ônibus -- Andreia resmungou
baixinho e olhou para o relógio de parede.  

Sofia percebendo a ansiedade da amiga, caminhou até ela.  

-- Calma, Andreia. Vamos esperar até a tormenta cessar. Todo esse estresse não vai fazer bem a você. 

-- Só falta meia hora, não vamos cons... Aiii... -- uma dor aguda e lancinante a fez gritar e contorcer-se.
Andreia colocou a mão sobre a barriga enquanto um líquido quente, em grande volume, escorria por suas
pernas.  

Senhor Pedro percebeu a situação e correu em seu auxílio. 

-- Vai chamar a sua mãe, minha filha. Parece que o bebê está chegando. 

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Capítulo 63 -- Sabe que dia é hoje? por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 63

Sabe que dia é hoje?

Dona Marta veio correndo da cozinha, parou e olhou, quase hipnotizada.

-- Minha Nossa Senhora do Bom Parto! A bolsa estourou -- a senhora caminhou até o esposo e deu um tapa
em seu ombro -- Leva ela para o quarto, homem de Deus. Rápido!

Seu Pedro obedeceu prontamente.

-- E agora mãe? -- perguntou Sofia aflita, ansiosa, sem saber como agir corretamente. Estava perdida e sem
ação.

-- Eu já sei o que vou fazer -- com cuidado, o pai de Sofia levou Andreia até o quarto e a colocou sobre a cama -
- Vou buscar o filho do Bastião.

-- Mas ele não vai pegar o ônibus para a cidade? -- indagou, Sofia.

-- Mas bah, tchê! Bem capaz que eu vou deixar o guapo partir sem trazer esse guri ao mundo.

-- O que vai fazer pai?

-- Vou até o ponto, parar o ônibus e arrancar ele de dentro -- o gaúcho enfiou o chapéu na cabeça e abriu a
porta do quarto -- Me aguardem. Comigo, é tiro dado e bugio deitado.

-- Tomara que ele consiga -- disse Sofia, levantando as mãos ao céu -- Como está, amiga?

Andreia fez uma careta.

-- A dor parou.

Sofia olhou no relógio.

-- Vamos marcar o intervalo entre as contrações. Não tenho certeza, mas acho que são cerca de três
contrações a cada dez minutos. Ou seja, quando o tempo entre uma e outra for de três a cinco minuto.

-- As dores que eu estava sentindo essa semana já eram contrações -- comentou Andreia.

-- Verdade. Você está há dias reclamando de cansaço, dores nas costas e na barriga -- Sofia se sentou na cama
e segurou a mão dela com carinho -- Força amiga. Aguenta firme que agora falta pouco.

Andreia acomodou-se na cama a espera de mais contrações. Olhou, com certa tristeza, para a amiga.

-- Eu queria tanto que a Nat estivesse aqui para segurar a minha mão. Ela é tão forte, tão segura de si. Para ela
não há problema sem solução.

-- Deve ser fácil para quem tem jatinho, helicóptero, lancha, tudo a disposição -- Sofia fez um gesto de enfado,
revirando os olhos -- Assim, até eu.

-- Não é questão de... aiii... -- Andreia sentiu novas contrações.

-- Calma, amiga. Acho que o bebê vai demorar um pouco para nascer. O intervalo das contrações ainda não
diminuiu.

-- Mas, está doendo demais! -- Andreia gemia, retorcendo-se de dor.

-- Papai vai chegar logo com o doutor -- disse calmamente, tentando disfarçar a ansiedade da voz -- Sofia
segurou as mãos da amiga e afagou.

A contração passou e Andreia, novamente conseguiu relaxar.

 
Natasha acordou assustada, o coração batendo descompassado. Olhou em torno procurando por Andreia.
Podia jurar que a tinha ouvido chamar. Assim que viu onde se encontrava, percebeu que tudo não havia
passado de um sonho. O mesmo sonho.

-- Você está bem? -- perguntou Elisa, preocupada.

-- Sim, foi apenas um sonho -- mentiu para a senhora. Não era comum ter sonhos tão nítidos. Geralmente, seus
sonhos são sempre confusos e bagunçados, sem pé nem cabeça -- O que me deixou intrigada é que foi o
mesmo sonho que tive anteriormente. Isso nunca me aconteceu, foi muito real. O tempo passava de uma
maneira estranha, era como se acontecesse em minutos, mas esses minutos representassem dias, talvez anos,
tão... calmo. Tudo tão tranquilo, era algo tão real que quando eu acordei achei que a realidade era um sonho.

-- Como foi esse sonho? -- perguntou Elisa, curiosa.

-- Eu estava voando a princípio sobre o mar azul, o sol me aquecia, e eu sorria. Sorria quando o vento do mar
soprava em meu rosto. Fechei os olhos para senti-lo tocar minha pele. Eu parecia completamente feliz. Porém,
de repente, aproximaram-se nuvens negras, o vento começou a soprar forte, raios brilhantes riscavam o céu,
seguidos do som assustador dos trovões. Eu fiquei com medo, mas continuei o meu voo. Estava com pressa.

Elisa limitava-se em olhá-la e a pensar sobre o que Natasha contava. As lágrimas começaram a correr pelo seu
rosto quando percebeu o significado daquele sonho. Era claro para ela de que se tratava da criança que
estava para nascer.

-- A chuva começou a cair forte. O estranho é que eu não estava molhada, a chuva batia em mim e escorria
pelo meu corpo sem me molhar. E pra ficar mais confuso no meio de tudo apareceram meus avós falecidos,
eles não falavam nada, apenas olhavam e sorriam. O mar ficou para trás e naquele momento eu sobrevoava
uma cidade. Dei um voo rasante como um quero-quero e pousei no quintal de uma casa.

-- Uma casa de tom bege, rodeada de campos verdes e de mato fechado?

Natasha olhou-a surpresa.

-- Como sabe?

-- Se tivesse me dado ouvido quando falava do meu sonho, agora saberia a resposta.

-- Não acredito em reencarnação, Elisa -- disse Natasha, irritada.

-- Sabe que dia é hoje? Dia 27 de novembro de 2018.

Por todos esses anos, Natasha permaneceu incrédula as crenças de Elisa e Pedrita. Porém, naquele momento
ela estremeceu.

-- As três horas da manhã do dia 28 de novembro de 2018, Nascerá a criança -- afirmou a senhora com
convicção, abrandando sua expressão ansiosa com um meigo sorriso -- Vou para casa. Eu e a Pedrita
passaremos a noite orando pela mãe e pelo bebê.

A jovem senhora já estava na porta quando Natasha indagou:

-- Elisa. Você acha que a criança, pode ser o Márlon?

Sofia estava ficando preocupada. O pai já havia saído a mais de meia hora e, nesse intervalo, começara a cair
granizo. Seu Pedro podia ter se abrigado em algum lugar, para se proteger.

-- Como está se sentindo, Andreia? -- indagou Sofia.

-- Mais ou menos. Se o senhor Pedro não chegar logo com o doutor... -- as palavras foram interrompidas por
nova contração.

-- O intervalo entre as contrações diminuiu, Andreia. Mas não se preocupe, papai já deve estar chegando.

Andreia estava pálida. Sofia deixou-a e foi até a varanda em frente da casa. O céu estava carregado de nuvens
cinzentas que prometiam ainda mais chuva. O vento soprava forte, balançando os galhos das árvores, mas
felizmente, não havia mais granizo.

Mesmo firmando a vista, ela mal conseguiria enxergar meio metro à frente. Uma onda de pânico a dominou.
Estava nervosa demais. Já era para o pai ter retornado.

A porta abriu-se deixando passar a luz do interior para a varanda.

-- O que está fazendo aí fora, minha filha?

-- Por que será que o papai está demorando tanto?


-- Não sei, mas não dá mais para esperar -- disse dona Marta, com a expressão séria -- Venha depressa.

Sofia entrou no quarto e viu Andreia retorcendo-se de dor.

-- Está na hora. Onde está o médico? -- balbuciou ela.

-- Ele ainda não chegou -- Sofia juntou as mãos, e orou em pensamento: Deus, precisamos de sua ajuda. Salve
essas duas vidas tão preciosas para nós. Somos incapazes de fazermos isso sozinhas. Não peço por mim,
pois não mereço bênção alguma. Mas por Andreia, ela é uma pessoa boa e humilde.

-- Não aguento mais. Algo está errado -- Andreia gemeu ao ser tomada por outro espasmo de dor.

Desesperada, Sofia massageou as mãos da amiga. Se o médico não chegasse logo, teria ela mesma que fazer o
parto.

O ruído do motor de um carro, interrompeu o seu pensamento. Podia ouvi-lo cada vez mais próximo. Prendeu
a respiração e ficou esperando.

-- Pedro, chegou! -- disse dona Marta, olhando pela janela.

-- Escutou, amiga? -- Sofia curvou-se e passou a mão pelos cabelos de Andreia.

Com um soluço, Andreia largou a cabeça no travesseiro.

Pouco depois, o senhor Pedro entrou na casa acompanhado por um rapaz moreno, alto, magro e de cabelos
longos.

-- Aqui está o doutor Leandro, filho do Bastião. Ele veio fazer o parto da Andreia.

-- Por livre e espontânea pressão. Quero deixar bem claro -- disse o médico, enrolando as mangas do blazer
cor caqui -- Esse bruto me arrancou de dentro do ônibus como se eu fosse um potro fujão.

A luz dos relâmpagos refletiam nos cabelos brilhantes, presos à nuca num coque. As roupas justas deixavam
nítida a graciosidade do filho do Bastião. Sofia revirou os olhos. A primeira ideia que lhe ocorreu foi de que:
Sim, o mundo está virando gay.

-- Venha doutor Leandro. Vou levá-lo até o quarto -- Sofia indicou o caminho ao rapaz. Seu alívio era tão
grande que sentiu vontade de abraçá-lo bem forte. Mas apenas disse: -- Estava desesperada. Vocês demoraram
demais.

-- Sinto muito. O carro do seu pai atolou, no lamaçal.

Num passo firme, Sofia e o doutor chegaram ao quarto.

-- Quando foi a última contração, Andreia?

-- Dois ou três minutos atrás -- a ruiva respondeu, cansada e fraca.

Ele se virou para Sofia.

-- Por favor, lave bem as mãos. Vou precisar de sua ajuda.

-- O quê?! Você só pode estar brincando -- disse ela, aflita.

-- Tenho cara de quem está brincando, Kirida? -- ele respondeu, com as mãos nos quadris.

-- Eu não posso ver sangue. Vou desmaiar!

-- Como você faz para trocar o absorvente? -- indagou ele.

-- Seu...

Um gemido de Andreia interrompeu a discussão dos dois.

-- Tá bom. Vou lavar as mãos -- Sofia foi até o banheiro, pegou um sabão e começou a lavar as mãos. Ai meu
Deus. Faça que tudo dê certo, pensou ao esfregar bem entre os dedos. Esse médico de meia tigela saberá o
que fazer.

Natasha, sentia-se inquieta. Não queria dar ouvidos as profecias de Elisa, mas, por outro lado, tudo parecia
tão convincente que até ela, pessoa incrédula e sem fé, começava a acreditar.

-- Quer tomar um pouco de sopa? -- Talita ofereceu, estendendo o braço para pegar o prato de sobre o criado-
mudo.
-- Não, não quero. Estou sem fome -- Natasha murmurou, olhando para o teto.

-- Você precisa se alimentar. Quem dorme de barriga vazia, tem pesadelos -- Talita sentou-se na cadeira ao lado
da cama e tomou a mão da empresária -- Como se sente?

-- Estou bem melhor. Acho até que já posso receber alta.

Talita riu como se Natasha tivesse contado uma piada.

-- Seu senso de humor está intacto.

-- Pediu para a Jessye investigar para onde elas fugiram?

-- Ela ligou para o aeroporto de Florianópolis e eles se negaram a informar. Por lei os funcionários das
companhias aéreas são proibidos de fornecer qualquer tipo de informação sobre os passageiros. Somente a
polícia, com uma ordem judicial pode fazer isso.

Natasha encostou-se no travesseiro e lançou um olhar zangado para a médica.

-- Droga! Ninguém consegue resolver nada sem mim?

-- Acalme-se. Nós a encontraremos. Sei que a encontraremos!

-- Quando? Não posso esperar nem mais um dia -- lágrimas queimaram em seus olhos -- Segundo o sonho de
Elisa e Pedrita, o bebê vai nascer nessa madrugada. E eu... não estarei ao lado dela para apoiá-la.

Às 02:30, Elisa e Pedrita se encontraram para orar. Elas se ajoelharam e curvaram a cabeça por entre os seus
joelhos, colocaram-se prostradas, em humildade diante de Deus.

-- Deus de infinita bondade, já que te aprouve permitir ao Espírito desta criança voltar novamente às provas
terrenas, para o seu próprio progresso, concede-lhe a luz necessária, a fim de aprender a conhecer-te, amar-
te e adorar-te -- orou Elisa, de olhos fechados.

-- Faze, pelo teu supremo poder, que esta alma se regenere na fonte dos teus divinos ensinamentos. Que, sob
a proteção do seu Anjo da Guarda, sua inteligência se fortaleça e se desenvolva, aspirando a aproximar-se
cada vez mais de ti -- orou, Pedrita.

Em Bagé...

-- Faça força, Andreia -- mandava o doutor Leandro.

Andreia obedeceu, chegava a gritar com o esforço.

-- Isso mesmo! Você vai conseguir! -- Sofia tentava estimulá-la.

Mais uma vez e em vão, ela tentou dar à luz.

-- O que está acontecendo? -- indagou Sofia, aflita.

-- A criança está sentada -- informou, doutor Leandro -- Vou ter de virá-la.

Sofia olhou para ele assustada.

-- Você será capaz disso? -- indagou ela, insegura -- Já fez um parto como este antes? -- Sofia quis saber.

-- Sou clínico geral e não obstetra, mas vou conseguir. Pode ter certeza -- respondeu ele tornando a virar-se
para Andreia -- Vamos esperar passar a próxima contratação. Então, tentarei virar o bebê.

-- Tudo bem, doutor. Faça o que for preciso -- Andreia segurou na mão do jovem médico e sorriu -- Se só
puder salvar um de nós, que seja o bebê. Entendeu?

"Ser mãe é descobrir que sua vida tem menos valor depois que chega o bebê. Que se deseja sacrificar a vida
para poupar a do filho, mas, ao mesmo tempo, deseja viver mais, não para realizar os seus sonhos, mas para
ver a criança realizar os dela".
Autor desconhecido.

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Capítulo 64 -- Deixai vir a mim os pequeninos por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 64

Deixai vir a mim os pequeninos

Sofia ficou horrorizada ao ouvir o que a amiga dizia. Não queria nem pensar nessa hipótese. Morreria se algo
acontecesse a Andreia.

-- Não fale assim, Andreia! Logo, tudo já terá passado e você estará com o Marlon nos braços.

Andreia não falou nada, pois uma nova contração obrigou-a a gritar e a contorcer-se.

-- Prepare-se, Andreia. Tão logo a dor passe, nos avise -- pediu, o médico.

Andreia apenas fez um sinal com a cabeça. A dor ainda era intensa.

-- Natasha... Natasha, minha filha.

Natasha abriu os olhos, ainda entorpecida pelos remédios e pelo sono. Queria se virar na cama e continuar
dormindo, mas a voz voltou a chamá-la:

-- Natasha!

Uma mão agarrou seu pulso, e ela levantou a cabeça, assustada.

-- Hum? Pai? É você?

-- Sim, sou eu mesmo, minha filha.

Natasha, com os olhos brilhantes e o coração transbordando de alegria e saudade, abraçou-se ao pai.

-- Papai! -- exclamou com a voz trêmula -- Que saudade!

Ele retribuiu o abraço. Não falou, mas seus olhos estavam cheios de amor. Demonstrava no gesto uma
consolação divina, recostado ao abraço carinhoso da filha. Era mais união espiritual que percepções
sensoriais, propriamente ditas. Ele olhou para a mulher que estava de pé próxima a janela -- Essa é Aurora, ela
é um Espírito amigo que me trouxe até aqui.

A mulher aproximou-se e estendeu a mão direita para ela e a esquerda para ele.

-- Segurem firme a minha mão. Agora vamos voar.

Eles voaram pelo espaço, acompanhados e envoltos em uma espécie de transporte eletromagnético. O voo
pareceu longo e Natasha teve a sensação de que não terminaria nunca, mas, finalmente, pousaram em um
lugar que parecia um pequeno sítio.

O pai de Natasha virou-se para ela e sorriu.

-- Sei que você não quer perder o nascimento do seu filho. Acompanhei o seu sofrimento e pedi muito para
que os Espíritos Puros dessem a permissão para essa sua experiência fora do corpo.

Natasha ficou em estado de êxtase, sem acreditar muito que aquilo estava ocorrendo, mas feliz. Naquele
momento, ela só pensava em Andreia e em Marlon. Ela tinha muitas perguntas a fazer, mas não dava mais
tempo. A futura mãe já estava em trabalho de parto.

Com um misto de angustia, preocupação e felicidade, caminharam até a casa onde a criança estava para
nascer.

"A gestação não é um período de céu de brigadeiro. Ela é recheada de incertezas, de angústias e de pequenas
grandes comemorações temporais. A preocupação nos ultrassons, evitar doenças e qualquer coisa que
prejudique a formação do bebê. São alguns exemplos. Ou seja, você está sempre comemorando uma vitória e
se preocupando com outro problema no instante seguinte". Ela e Andreia experimentaram de tudo um pouco,
com muita paciência e amor. Nada mais justo que estar presente.

Chegaram à pequena casa de poucos cômodos, mobília simples, tudo muito limpo. Apesar de ser noite e tudo
estar escuro, não tiveram problemas de ver tudo com clareza. A curiosidade de Natasha ascendeu e ela
começou a olhar os poucos quadros na parede para ver alguma coisa da família, mas nada era conhecido.

Seu pai foi levado para o quarto e Natasha ficou esperando do lado de fora. Foram os mais longos e
angustiantes minutos. Um filme de sua vida se passou diante dos seus olhos. Desde pequena até aquele
momento, a sua infância na ilha, as brincadeiras e as responsabilidades, as pessoas que foram importantes e
tudo que a fez chegar até ali. Será que estava preparada para ser mãe? Será que a criança a aceitaria como
mãe? Será que tudo sairá bem?

Enquanto discutia consigo mesma, Aurora a chamou da porta.

-- Venha. Você merece participar desse momento.

Atrapalhada, Natasha a seguiu pelo corredor até chegar ao quarto.

-- Ela não consegue lhe ver nem ouvir, porém, você pode transmitir impressões agradáveis, suaves, tranquilas.

Neste momento, ela foi tomada por uma felicidade absurda. Quase passou mal, mas tinha que segurar as
pontas e não transmitir o seu nervosismo para Andreia, que naquele momento, lutava bravamente para dar à
luz. Só que não resistiu.

-- O que está acontecendo? Alguém faça alguma coisa. Ela está sofrendo! -- Natasha berrou, aflita.

Ninguém dirigiu uma só palavra para ela, era como se não estivesse ali. Haviam muitos espíritos, todos
vestindo branco. Eles estavam em pé, em silêncio, como se estivessem em oração, virados na direção à cama.

-- A dor passou -- disse Andreia ao colocar-se aos pés da cama.

-- Agora é a sua vez, Sofia. Ajude ela -- pediu o médico.

Sofia rodeou o corpo da amiga com os braços e segurou-a bem forte, e mais uma vez, mentalmente, rezou.

-- Esse imbecil não vai fazer o parto? -- indagou Natasha, com antipático sotaque açoriano. Porém, mais uma
vez não foi ouvida -- Droga! Vou arrastar a cara da Sofia no asfalto.

-- Tudo vai indo bem, Andreia. Não vai demorar muito mais. Vou contar até três e, então, você grite bem forte --
pediu Leandro -- Vamos lá: um, dois e três!

Com a agonia presa dentro de si, desde a fuga da Ilha do Falcão, Andreia gritou. Gritou por ter sido acusada
injustamente por Carolina, por Natasha, pelo filho. Gritava pela vida de seus amores, não pela sua.

Ao ouvi-la, Natasha sentiu os olhos cheios de lágrimas. Andreia e Marlon eram seus presentes enviados por
Deus. Sem eles a vida não teria mais sentido.

-- Pronto! O bebê já está em posição normal -- o médico avisou com voz arfante -- Agora, Andreia, quando
sentir a próxima contração, faça a maior força possível.

A contração seguinte começou quase imediatamente. O rosto dela contraiu-se, e Andreia respirou fundo com
a dor.

-- Força, força -- instigou o médico.

Andreia e o médico lutavam juntos para salvar o bebê. Natasha não podia se aproximar, mas percebia o
esforço deles e sofria junto.

-- Força amor! Eu amo vocês! -- ela tentava ser ouvida, mas apesar de todas as tentativas não teve sucesso.

Os minutos que procederam foram tensos demais. Até que Andreia amoleceu o corpo enquanto a nova vida
vinha ao mundo. E, as três horas em ponto, ouviu-se o estalar de uma palmada seguido pelo choro convulsivo
do recém-nascido.

O choro do bebê fez todos os espíritos aplaudirem. Natasha ficou muito emocionada naquele momento e ela
teve a permissão de se aproximar da cama.

-- Ai, olha só Andreia é um menino! Você tem um filho lindo! -- exclamou Leandro, encantado.

Andreia mexeu-se e mesmo gemendo, sorriu.


-- Ouviu, meu amor? O Marlon nasceu. Escute o choro dele -- disse Natasha, comovida. Ela sentia que mesmo
sem ser ouvida, de alguma forma, suas palavras chegavam ao coração de Andreia -- Estou tão orgulhosa de
você, minha guerreira. O que sinto por você, é o maior amor do mundo. Um amor sem limites.

-- Deixe eu ver, doutor -- pediu Andreia.

-- Espere até eu cortar o cordão umbilical e enrolar a criança numa manta -- respondeu Leandro enquanto
pegava os instrumentos.

Pouco depois, Andreia estava com o bebê nos braços. Ela sussurrou baixinho para ele.

-- Apesar de estar longe, mamãe Natasha, com certeza, está ao nosso lado. Não fisicamente, e sim de alma.

Natasha sorriu e beijou a cabeça da criança.

Pois, embora ausente quanto ao corpo, contudo, em espírito, estou convosco, alegrando-me e verificando a
vossa boa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo. Colossenses 2:5

O dia estava amanhecendo. O espírito que conduzia Natasha disse baixinho:

-- Essa criança veio ao mundo para trazer paz aos corações -- ela sorriu, com meiguice -- Está na hora de você
voltar para o seu corpo.

-- Não! Eu não posso deixá-los aqui -- Natasha bradou.

-- Essa viagem foi um presente maravilhoso que você recebeu, não seja insensível.

Natasha foi para o lado da frente da casa, querendo achar o nome da rua, algo assim, mas sem que desse
tempo de pensar, começaram a voar de volta para o hospital. Ela deu uma última olhada no lugar, que nunca
esteve nesta vida.

O espírito que a acompanhava bateu levemente em suas mãos e ela sentiu seu corpo espiritual adormecer.

Elisa olhou para o relógio e finalizou a oração:

-- Que a Ciência do Espiritismo seja a luz brilhante a iluminar o caminho dessa criança. Que ele saiba pai,
compreender toda a extensão do teu amor, que nos submete à prova para nos purificar. Senhor, lança o teu
olhar paterno sobre a família a que confiaste esta alma, para que ela possa compreender a importância da sua
missão, e faze germinar nesta criança as boas sementes, até o momento em que ela possa, por si mesma,
Senhor, e através de suas próprias aspirações, elevar-se gloriosamente para ti. Digna-te, ó meu Deus, ouvir
essa humilde prece, em nome e pelos méritos daquele que disse: "Deixai vir a mim os pequeninos, porque o
Reino dos Céus é daquele que se lhes assemelham!"

Créditos:

https://www.paimoderno.com/diario/emocao-indescritivel-de-ver-seu-filho-nascer

https://estudantespirita.com.br/espiritismo-sonhos-com-desencarnados/

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Capítulo 65 - A médium poderosa por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 65

A médium poderosa

Natasha acordou com um sobressalto ao ouvir a porta do quarto sendo aberta e fechada devagar. Por alguns
segundos, foi tomada por uma sensação estranha de irrealidade. Olhou para o lado e viu Talita olhando
distraidamente pela janela.

-- Que horas são? -- perguntou, de repente.

-- Oh, Natasha! Você me assustou! -- exclamou a médica, com um sorriso fraco -- O que está fazendo acordada
a essa hora?

-- Para ficar mais tempo à toa -- ela disse, esfregando os olhos.

-- Só se for para isso, mesmo -- afirmou Talita, com um ar de indignação.

-- Preciso conversar com a Elisa e a Pedrita. Você poderia chamá-las para mim? -- pediu Natasha, ajeitando a
cabeça no travesseiro.

-- Claro. Vou pedir para o comandante buscá-las na ilha.

-- Muito obrigada, doutora -- Natasha sorriu, agradecida.

Talita pegou o celular do bolso, e caminhou para a saída.

-- Mais uma coisa, doutora.

Talita se virou e retornou para perto da cama.

-- Sim?

-- Você já teve a sensação de que o que você está vivendo não é real, uma sensação estranha, como se seus
olhos enxergassem um mundo que parece real, que você está vivendo dentro de um sonho ou filme.

-- Verossimilhança?

-- Exatamente -- Natasha concordou, olhando com curiosidade para a médica.

-- Eu sei aonde você quer chegar -- Talita se sentou na cadeira ao lado da cama.

-- Sabe? -- Natasha levantou uma sobrancelha -- Então, me diga.

-- Você teve um sonho, tão real como eu estar aqui, agora, à sua frente.

-- É, porém, algumas lembranças são fragmentadas.

-- Como médica, posso dizer que existe uma doença que aflige inúmeras pessoas e elas nem sabem disso.
Sentir que está vivendo dentro de um sonho ou filme, o indivíduo tem uma sensação de ser um observador
externo dos próprios processos mentais e do próprio corpo. Há também o sentimento de anestesia sensorial
e alteração na percepção, as pessoas parecem "estranhas" ou "mecânicas". O indivíduo se sente separado do
próprio corpo. Esses são os principais sintomas da desrealização ou despersonalização. Em outras ocasiões
o paciente sente que o próprio corpo aumenta e/ou diminui de tamanho, isso é conhecido como síndrome de
Alice no País das Maravilhas (o nome é referente à história de Alice, que muda de tamanho durante todo o
conto. Às vezes ela cresce e fica enorme, às vezes diminui a ponto de parecer uma miniatura, tudo depende
do cogumelo que ingere). O que não é o seu caso.

-- Que coisa louca! -- Natasha sorriu -- Não, com certeza não é o meu caso.

-- Você sonhou com a Andreia?

-- Se foi sonho ou realidade eu não sei, a única coisa que sei é que, foi um presente que nunca imaginei
receber -- lágrimas queimaram em seus olhos quando olhou para Talita -- Deus, como sinto saudade dela.

Talita foi até a geladeira e voltou com uma garrafa de água fria. Abriu-a e entregou para ela.

-- Beba. Você vai se sentir melhor.


Natasha bebeu o líquido refrescante e respirou fundo. Os lábios se moveram, mas não articularam som
nenhum. Talita tocou no ombro dela para reconfortá-la.

-- Estou confusa, não sei mais no que acreditar. Queria tanto ter fé, eu juro. Mas não é tão fácil assim, peço
tanto pra ele me ajudar nas dificuldades que estou enfrentando, as vezes chego a pensar que Deus não
existe. Falar é tão fácil, mas, na prática, mesmo, é muito difícil acreditar em algo imaginário! Muitas pessoas
dizem que ele fala com elas. Mas comigo nunca falou. Queria tanto que ele falasse comigo pra eu poder crer
de verdade. O que eu faço?

Talita fez um trejeito com a boca.

-- Talvez eu não seja a pessoa certa para falar sobre fé, mas um dia ouvi alguém dizer que: "Ter fé não é achar
que Deus fará o que eu quero, mas ter a certeza de que Deus fará por mim tudo o que preciso" -- a médica
sorriu -- Acho que devemos confiar. Ter fé é acreditar, e você acredita quando confia.

-- Eu sou ateia. Isso sim.

-- Você não é ateia. Ateia é aquela que não crê em Deus e, você crê sim num deus. Seja a "força máxima" que
rege o universo, seja ele uma entidade inalcançável. Você apenas se decepcionou com as religiões, e no fundo
é anti-religiões e não ateia.

-- Poxa! Estou surpresa com você doutora. Tem resposta para tudo. Até parece a Elisa.

As duas riram juntas.

-- E por falar em Elisa -- a médica voltou a pegar o celular do bolso -- Vou pedir para o comandante ir buscá-la.

-- A Pedrita também -- sussurrou ela para Talita, que assentiu e saiu do quarto, sabendo que quando a chefe
pede, tem que ser tudo para ontem.

Bagé - RS

Sofia acendeu a luminária do quarto, pegou no colo o bebê que chorava e deu um beijo em sua cabeça
carequinha.

-- Não chore gurizinho, a dinda Sofia está aqui -- murmurava, enquanto, carinhosamente, embalava o nenê
enroladinho em uma manta. Olhou para Andreia que dormia profundamente e respirou aliviada. Tudo tinha
terminado. A amiga e a criança agora passavam bem graças à eficiência do doutor Leandro. Quem sabe o que
teria acontecido se ele não houvesse chegado a tempo. Sofia estremeceu só de pensar.

Ouviu o barulho de Leandro abrindo a porta e entrando no quarto.

-- Já vou indo. Andreia e o bebê estão bem e eu preciso pegar o ônibus para a cidade.

-- Mas, já? -- a decepção de Sofia era sincera.

Andreia se virou na cama, sentindo o corpo pesado de sono. Passando pela sensação momentânea de total
desorientação, ela nervosamente levantou a cabeça e procurou pelo filho.

-- Ele está aqui, mãezinha -- Sofia riu do desespero de Andreia -- Estou me divertindo um pouco com a dinda --
disse, imitando a fala de uma criança.

-- Estava tão cansada que cai em um sono profundo.

-- É compreensível, Andreia. Foi uma madrugada e tanto -- Leandro se sentou na cama -- Você foi demais.

-- Você é que foi demais. Obrigada, fico te devendo essa pelo resto da minha vida.

-- O que é isso, boba. Não fiz mais que a minha obrigação -- o jovem médico se levantou. Parecia desanimado.

-- Está indo embora? -- perguntou Andreia, ajeitando-se melhor contra os travesseiros.

-- Estou. Esse lugar não tem futuro para um médico. Se eu fosse um veterinário, quem sabe, conseguisse mais
trabalho. Esse povo daqui não ficam doentes nunca, parecem uns touros -- ele riu sem vontade -- Vou tentar a
sorte na capital.

Andreia mordeu o lábio, pensativa. Queria muito ajudar o rapaz. Graças a ele, tanto ela quanto seu bebê
estavam passando muito bem. Chegou mesmo a se perguntar se teria sobrevivido sem ele. Era uma dívida de
gratidão que pagaria com todo prazer.
-- Sabe, Leandro. Talvez a minha esposa possa te indicar para algum hospital. Ou até mesmo para o posto de
saúde da ilha.

Os olhos do médico se iluminaram.

-- Sério?

-- Sim. A Natasha é uma empresária de muito prestígio e gentil...

Sofia teve um ataque de tosse. Andreia revirou os olhos.

-- O que foi, Sofia?

-- Que ela é uma empresária de muito prestígio, até aí, tudo bem. Agora, ser gentil. Você está apelando né
Andreia!

-- Natasha nunca deixou um amigo na mão. Esqueceu que ela não deixou você ir embora da ilha?

-- Esqueceu que a Marcela e a Sibele estão até hoje abandonadas na Ilha das Cobras a mando dela? --
retrucou.

-- Cruzes! -- Leandro ficou horrorizado -- Isso é verdade, Andreia?

-- Em partes sim. Você conhece a cobra Real? -- perguntou Andreia para Leandro.

O médico balançou a cabeça negativamente.

-- Cobra Real é aquela que além de ser a maior cobra venenosa que existe, ela ainda se alimenta de outras
cobras, venenosas ou não. Pois é, essas são Marcela e Sibele -- afirmou ela, estendendo os braços para pegar
o bebê -- Nós merecíamos um castigo bem pior que ir para uma ilha deserta. Natasha até que foi muito boa.

Sofia franziu a testa. Como que pressentindo o início de uma discussão, mudou de assunto.

-- Alguns dias antes de sairmos da ilha, ouvi a doutora Talita dizer que estavam comprando novos aparelhos
para equipar o posto. Quem sabe ela não precise de mais médicos?

-- Trabalhar em uma ilha é algo que me deixa maravilhado só de pensar -- ele se flagrou curvando os lábios
num sorriso -- Quando você vai falar com ela?

-- Assim que estiver forte o suficiente para poder viajar -- o bebê em seus braços começou a chorar e, como
que por reflexo, Andreia ofereceu o seio para ele mamar -- Se puder esperar, prometo tentar convencer a
Natasha a contratá-lo.

-- E olha que a minha amiga pode ser bem convincente quando quer.

-- Vou esperar. A ideia é muito tentadora -- Leandro abriu a porta do quarto e antes de sair avisou gentilmente -
- Vou ficar na sala. Qualquer coisa é só me chamar.

Andreia sorriu para ele e acariciou o rosto da criança com a ponta do dedo.

-- Temos que ir para a cidade. Preciso ligar para a Talita, não suporto mais ficar sem saber notícias da Natasha.

-- Tá louca mulher? O doutor Leandro disse que mesmo de parto normal, a mulher tem que se cuidar.

Andreia ajeitou Marlon ao seu lado, deitou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos.

Sofia pôde perceber o esgotamento no rosto pálido de Andreia e as profundas olheiras.

-- Você está cansada.

-- Estou -- concordou Andreia -- Acabei de acordar e já estou esgotada.

-- Eu vou pegar um cobertor para você -- disse Sofia, se levantando -- Está um friozinho chato hoje.

Andreia sorriu, agradecida.

-- Obrigada.

Natasha mexia no celular quando Elisa e Pedrita entraram no quarto. Ao vê-las, ela sentou, colocando um
travesseiro nas costas e puxando os lençóis para baixo.

-- É impressão minha ou vocês vieram de fusca? -- indagou, por entre os dentes.


-- Eu não tenho asas! -- Elisa respondeu no mesmo tom.

-- Pensei em uma vassoura... Aiiiiii... -- Elisa acertou-lhe um tapa na orelha -- Grossa, mão de bigorna!

-- Não estou para desaforos -- resmungou -- O que você quer?

-- Bolinhos de banana!

Pedrita se aproximou da cama.

-- Então, o que você tem de tão importante para falar comigo e com a Elisa, que não podia esperar até amanhã?

Natasha remexeu-se na cama.

-- Contem-me sobre essa profecia sobre a qual você e Elisa vivem conversando. Mereço saber, não acha?

Elisa a olhou, a expressão incrédula.

-- Estou há anos querendo contá-la. Agora não quero mais! -- a senhora cruzou os braços e virou o rosto.

-- Certo -- Natasha suspirou e passou uma das mãos sobre o rosto -- Vou mudar a frase: -- Por favor, meninas.
Contem-me sobre essa profecia sobre a qual vocês vivem conversando e eu nunca dei a mínima atenção.

-- Já que pediu com tanta educação. Agora sim, podemos conversar -- Elisa sentou-se em uma cadeira ao lado
da cama. Pedrita puxando outra cadeira, também sentou-se -- É mais um sonho premonitório do que uma
profecia.

Natasha assentiu, interessada, apesar de sua resolução em não ser convencida por explicações
sobrenaturais.

-- Pois então me contem o sonho -- pediu Natasha.

Elisa olhou para Pedrita e começou a contar o sonho com certa hesitação, com um fundo de impaciência,
como se achasse que no final, Natasha com toda a sua descrença, cairia na gargalhada.

Natasha, por sua vez, prestava atenção em cada palavra da senhora. Os olhos verdes estavam fixos nela.

-- O espírito que me conduzia disse baixinho: ele será o primeiro filho dessa mulher e virá ao mundo para
trazer paz aos corações. Está na hora da gente voltar para o seu corpo. Sem que desse tempo de pensar,
começamos a voar de volta para minha casa. O espírito que me acompanhava bateu levemente em minhas
mãos e senti meu corpo espiritual adormecer -- Elisa suspirou fundo e olhou para a empresária. Não estava
claro se o sonho a havia desagradado, se ela achou uma grande besteira. Ela não se manifestou a respeito. De
qualquer forma, já havia contado.

Houve um longo período de silêncio. Elisa estudou detidamente seu rosto, e Natasha a fitou sem piscar.

-- Eu tive o mesmo sonho -- disse de repente -- Eu também fui levada a esse lugar e presenciei o nascimento do
Marlon.

Elisa e Pedrita ficaram chocadas com a revelação.

-- Você teve uma experiência fora do corpo. Isso é maravilhoso! -- Pedrita, estava surpresa -- Você sempre foi
tão cética.

-- Talvez fosse a vontade enorme que eu estava de estar presente ao parto que fez Deus ter pena de mim.

O tom de voz de Natasha era encabulado, e Elisa a olhou com carinho.

-- "Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu". Esta é a terceira petição formulada por Jesus na
oração que ele nos ensinou, o Pai Nosso. Que quer dizer: Seja feita a Vontade de Deus, não a nossa vontade.

-- Não entendo. Pensei que Deus enfim, havia atendido um pedido meu.

-- E atendeu -- afirmou Pedrita -- Se a nossa vontade for de acordo com as Leis de Deus trilharemos o caminho
reto que leva a Deus e a nossa vontade será atendida.

-- Eu pensei que por ser uma transviada, ele não olhasse por mim.

-- A Lei de Deus é igual para todos: não poderia ser boa para o bom e má para o mau, porque tanto o bom
quanto o que é mau estão sob as vistas do Criador, que faz o mau se tornar bom, e o bom se tornar melhor.
Quando a criatura humana, num momento de irreflexão se afasta das Leis Divinas, e se entrega a toda sorte
de dissoluções, a dor e a miséria, ferem a sua alma orgulhosa até que num momento supremo de angústia, ela
possa elevar-se para Deus e decidir voltar ao caminho que leva à perfeição.

É
É então que, como o filho pródigo, o homem transviado, arrependido, volta-se para o Pai carinhoso e diz: "Pai,
pequei contra Ti, já não sou digno de ser chamado seu filho..." E Deus, nosso amoroso Criador, abre àquele
filho as portas da regeneração e lhe possibilita tudo o que for necessário para esse grandioso trabalho da
perfeição espiritual.

Natasha ajeitou-se mais confortavelmente na cama macia.

-- Elisa... Você... Não pode falar com um dos seus amigos desencarnados e perguntar onde está a Andreia?

Elisa coçou a orelha.

-- Não! Eu não consigo -- Elisa desviou o olhar e fitou as próprias mãos -- Só conheço uma médium capaz
disso.

Ao ouvir isso Natasha se inclinou para a frente, com um brilho estranho no olhar.

-- Quem?

-- A doutora Bruna Sontag.

Créditos:

https://www.dm.com.br/ciencia/2015/07/a-doenca-em-que-voce-sonha-acordado.html

https://www.espiritoimortal.com.br/seja-feita-a-tua-vontade-assim-na-terra-como-no-ceu-interpretacao-do-pai-
nosso/

Significado de verossimilhança: Que tem aparência de verdade. Semelhante à verdade = plausível, provável.

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Capítulo 66 -- Acolhedora por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 66

A acolhedora

Natasha sorriu, vitoriosa. Então, existe alguém capaz de encontrar Andreia decentemente sem que fosse
preciso subornar ou espancar meia dúzia.

-- Quem é Bruna Sontag? -- ela perguntou curiosa.

-- Bruna Sontag é uma famosa médium. Ela é conhecida no Brasil inteiro por suas cartas psicografadas e
cirurgias espirituais.

-- Ela é médica e alguns dias na semana, trabalha em um Centro Espirita no Rio de Janeiro -- disse Pedrita, com
o entusiasmo de quem admirava profundamente a médium.

Sentindo-se ainda mais empolgada, Natasha inclinou-se e fitou Elisa nos olhos.

-- Quero que viaje amanhã mesmo para o Rio.

-- Viajar para o Rio? -- Elisa deu um pulo da cadeira -- Para quê?

-- Para trazer a doutora até aqui. O que mais poderia ser? -- perguntou Natasha, completamente tranquila.

-- Ah, mas não, mesmo! -- Elisa começou a andar de um lado para o outro no quarto -- A doutora Bruna nunca
vai aceitar vir comigo. Ela é uma pessoa muito ocupada.

Natasha sacudiu os ombros com indiferença.

-- Confio no seu poder de persuasão.

-- As coisas nem sempre são como você quer, Natasha. Tem situações que nem o dinheiro resolve.

-- Você está muito dramática. Simplesmente vá e arraste a doutora para a ilha com você, queira ela ou não.
Ninguém mandou você e a Pedrita ficarem enchendo a minha cabeça com esse negócio de Espirito bom e
Espirito mau - Natasha parou um instante, pensativa. Depois, voltou-se para Elisa - Falando nisso, a frase:
Espirito bom é Espirito morto, está certa?

-- Meu Deus, dai-me paciência. Não vou nem responder - a senhora estava a ponto de arrancar os cabelos.

-- Deixa pra lá. Eu pergunto no Google. Então, está decidido. Você vai até o Rio buscá-la.

-- Está vendo isso, Pedrita? Está vendo o absurdo? -- a senhora estava indignada -- Quem ela pensa que eu
sou? Um gângster?

Pedrita permanecia quieta, mal respirava.

-- Para que você não diga que eu sou uma pessoa desumana, fria e calculista. Vou permitir que a Pedrita lhe
acompanhe. Podem até passear pelo Complexo do Alemão, se quiserem. O que foi agora? -- questionou ao ver
a expressão desaprovadora das duas -- Que coisa. Nada agrada vocês.

Leozinho piscou quando as luzes dos flashes brilharam, perto da entrada do hotel. Eram os repórteres,
tirando fotos. O gerente olhou feio para eles.

-- O que houve? O que há de errado? -- Sidney aproximou-se, com ar de preocupado.

-- Já estou com a cabeça cheia de problemas e agora esses repórteres que não largam do nosso pé.

Sidney colocou a mão no ombro dele e sorriu.

-- Você está muito perturbado. Devia tentar se acalmar. Que tal um banho de mar e uma água de coco bem
gelado.

-- Quem me dera poder fazer isso! -- quando outro flash feriu seus olhos, Leozinho ficou a ponto de explodir.
-- Ei, senhor Leopoldo!

O gerente resmungou alguma coisa e virou-se na direção da voz.

-- Há alguém procurando pelo senhor. Um delegado.

-- Polícia?! -- repetiu Leozinho, com surpresa -- Onde ele está?

-- Disse a ele para esperar no restaurante -- respondeu o rapaz -- Na verdade ele quer falar também, com o
senhor Sidney e com a Jessye.

A polícia? Sidney sabia que podia escapar facilmente se quisesse. Mas não deixaria Leozinho numa situação
difícil.

-- Não temos nada a temer. Vamos logo acabar com isso.

A expressão de Leozinho suavizou-se ao olhar para o amigo.

-- Você tem razão -- Leozinho beijou-lhe na bochecha e caminharam juntos até o restaurante.

No aeroporto, Elisa e Pedrita se dirigiam para a alfândega. O fiscal deixou suas bagagens passarem sem
sequer olhar dentro delas.

-- Viu isso? -- resmungou Elisa -- Só porque somos cinquentonas, nem olham nas bagagens. E se fossemos
traficantes?

-- Mas, não somos -- disse Pedrita, puxando a senhora pelo braço -- Vamos logo antes que eu me arrependa e
entre no próximo avião de volta à Santa Catarina.

-- Não sei nem o que dizer para a doutora Bruna. Que vergonha!

-- A Natasha é completamente sem noção -- Pedrita fez um gesto em direção a porta -- Vamos até o Centro
Espirita, participamos da sessão, tiramos algumas fotos para provar que estivemos lá e depois voltamos para
o hotel. Amanhã, bem cedo, retornaremos à Florianópolis e falamos para a Natasha que a doutora se negou a
acompanhar a gente.

-- Mentir? Que coisa feia, Pedrita -- Elisa parou de caminhar para ficar frente a frente com a amiga -- Para não
arranjarmos confusão com a Natasha, vamos tentar. Eu disse, tentar. Não insistir.

Pedrita sorriu.

-- Entendi.

Jessye tinha combinado com um dos funcionários, da Natasha no Rio, para ir buscá-las no aeroporto. Depois
de caminharem por mais alguns metros chegaram num pequeno hall, onde estava uma moça alta, morena de
olhos verdes. Ela olhou para as duas sorrindo e perguntou em voz clara e com forte sotaque americano.

-- Elisa e Pedrita?

Elisa concordou, fazendo um gesto com a cabeça.

-- Sim sou Elisa e ela é a Pedrita.

-- Bem-vindas ao Rio de Janeiro. Me chamo Kristen. Desculpem que o meu português não é muito bom. Vamos
agora.

Lá fora estava um enorme carro preto e um motorista uniformizado ao volante. Ele saiu rápido, aproximou-se
da porta de trás e abriu-a, fazendo uma saudação quando elas entraram.

Dentro da limusine, Kristen sorriu para Elisa, que inclinou a cabeça e olhou para ela, séria.

-- Estamos indo para o hotel?

-- Sim. Vocês podem descansar um pouco antes de irmos para o Centro Espirita -- Kristen deu uma olhada no
relógio de pulso e voltou a olhar para Elisa -- A sessão começa as dezenove horas.

Elisa assentiu, sentindo um nó na garganta. Trocou um rápido olhar com Pedrita, depois, virou a cabeça para
olhar pela janela e apreciar a paisagem.

 
Natasha fez uma careta quando, o delegado Edvar entrou no quarto. Ela já sabia, com certeza, de que o
delegado queria falar.

-- Bom dia, senhora Falcão. Podemos conversar?

-- Já estamos -- respondeu ela, mal-humorada.

O delegado sentou-se numa cadeira próxima à cama.

-- Serei breve. Não quero incomodá-la -- disse ele, tirando do bolso um bloquinho de anotações -- Estive hoje
pela manhã na ilha e conversei com alguns de seus funcionários.

-- Então?

-- Só me incomodei. Falaram de tudo, menos do caso.

Natasha sentiu vontade de gargalhar. Até imaginou Leozinho e Sidney passando uma receita de panqueca de
carne moída para o delegado.

-- Mas, vamos logo ao que interessa. Por que a senhorita se recusou a registrar um Boletim de Ocorrência?

Natasha franziu a testa.

-- Sou obrigada? -- Natasha sustentou o olhar com firmeza -- D eve ter sido um terrível acidente. Ninguém iria à
minha casa, armado com a intensão de me matar. O tiro só pode ter sido disparado acidentalmente, e eu
estava na linha de tiro por acaso. Essa é a única explicação lógica para mim.

O delegado pareceu surpreso.

-- Não está curiosa para saber quem foi o autor do tiro?

-- No momento essa é a minha menor preocupação. Sempre cuidei da segurança da ilha e vou continuar
cuidando.

O delegado ergueu as sobrancelhas e tomou nota em seu bloco.

-- A senhora está ciente de que não posso simplesmente fazer vista grossa e ir embora. Não é mesmo?

Natasha encolheu os ombros.

-- Fique à vontade.

Edvar suspirou.

-- Deveria estar preocupada. Existem muitas pessoas que podem querer a sua morte.

A afirmação do delegado a deixou com a expressão desconfiada. Será que ele estava com a razão? Haveria
mesmo um assassino percorrendo as ruas da ilha, querendo acabar com a sua vida? Quem poderia odiá-la a
esse ponto?

-- Sua esposa Andreia está na Ilha do Falcão?

Estava tão entretida com essas considerações que só ouviu a pergunta do delegado quando ele a repetiu:

-- Sua esposa Andreia está na Ilha do Falcão?

Natasha evitou deliberadamente olhar para ele. Não queria ser influenciada no que diria. Mas, antes que
pudesse abrir a boca, ele fez outra pergunta.

-- Sua esposa estava junto com a senhora na hora da ocorrência?

-- Ela estava no interior da casa.

-- Alguma possibilidade de ela ser a autora do tiro?

Natasha lançou um olhar duro para Edvar.

-- Não. Nenhuma possibilidade - disse, tentando manter a calma -- Andreia estava de nove meses, mal
conseguia andar. Imagina conseguir pegar uma arma e vir atrás de mim até a garagem! Sem chance.

-- Ela poderia ter contratado alguém.

Natasha conteve um: Vai pra puta que te pariu. O delegado estava sendo insistente demais! Isso provocou
uma irritação que veio se somar ao desconforto de estar impotente sobre uma cama.
-- Como já lhe disse, o senhor pode ficar à vontade. Eu acho, detetive, que o senhor deveria se hospedar no
hotel. Tudo por minha conta, claro -- Natasha estava calma, concentrada e séria -- Se o senhor estiver certo,
precisa encontrá-lo antes que ataque novamente. Talvez eu realmente seja um alvo fácil. Confesso que sou
descuidada, e passo a maior parte do tempo sem seguranças.

O delegado ficou satisfeito. A resposta o tranquilizou.

-- Ótimo. Vou voltar para a Ilha hoje mesmo. Desejo-lhe pronta recuperação, senhora Falcão -- o delegado se
levantou, fez um gesto de despedida com a mão e saiu.

O carro parou diante de um antigo prédio de pedras brancas que mais parecia um antigo palácio, com balcões
diante das janelas e enormes portas de madeira.

Elisa e a Pedrita saíram do carro, arrumando os vestidos enquanto admiravam o lugar.

-- Que jardim bonito -- comentou Pedrita.

-- Lindo né. Transmite uma sensação de paz interior muito diferente.

-- Já deve ter começado -- disse Pedrita, puxando Elisa na direção da porta -- Não quero perder essa palestra
por nada nesse mundo.

Subiram um lance de escada e diminuíram o passo ao se aproximarem da porta aberta, por onde podiam ouvir
o burburinho das conversas.

Se aproximaram silenciosamente, a sala estava lotada. Uma mulher alta e loira, parecendo uma atriz de
Hollywood, veio recepcioná-las. Ela usava uma camisa branca de manga comprida e arregaçada. Vestia calça
preta, bem justa e bota de couro. Os olhos de um azul raríssimo examinaram as duas visitantes sem qualquer
constrangimento

-- Ah, vocês devem ser novas por aqui -- disse a moça.

-- Sim, é a nossa primeira vez nesse Centro -- afirmou Elisa.

-- Será que no final, conseguimos falar com a doutora Bruna? -- perguntou Pedrita -- Está tão cheio.

-- Claro que conseguem. Não se preocupem que eu dou um jeito. Está escrito em Calipso: Não temas; eu sou o
primeiro e o último.

-- Apocalipse 1-7 -- Elisa a corrigiu, fitando a moça meio desconfiada.

-- Foi o que eu disse -- a loira apontou para uma das extremidades do salão e no mesmo instante virou as
costas, fechando a porta atrás de si -- Entrem e sintam-se em casa. Se quiserem podem passar um paninho nos
móveis.

Elisa e Pedrita hesitaram, franziram a testa e tomaram a direção indicada, andando sem fazer barulho pelo
enorme salão lotado. Nem respiravam para não chamar a atenção.

-- Sentem aqui -- berrou a moça, apontando para duas cadeiras vagas -- as vozes cessaram, um silêncio
absurdo pairou sobre o salão e todos se viraram para olhar.

-- Shiii...Silêncio! -- pediram.

Isabel olhou para Victória, balançou a cabeça e cochichou próxima ao seu ouvido.

-- Eu disse que não ia dar certo deixar a Xanda como acolhedora!

-- Sentem aqui, senhoras -- Alexandra tocou no ombro de Pedrita -- Poxa moça, você é tão magra, que se fosse
um Transformers, seria uma bicicleta -- ela deu uma risadinha -- Podem deixar comigo, assim que terminar a
palestra eu levo vocês até a doutora mediúnica.

Assim que Alexandra se afastou, Elisa se virou para Pedrita.

-- Quem será essa louca?

-- Não sei. Só sei que quanto mais eu rezo, mais assombração aparece.

 
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É
Capítulo 67 -- É tão difícil pedir perdão! por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 67 

É tão difícil pedir perdão!  

-- Alexandra Girani, por favor! Venha se sentar comigo -- a voz áspera e profunda da moça mostrava uma
irritação mal disfarçada -- Cada vez que a Bruninha tenta começar a palestra, você atrapalha. Vamos! -- houve
um som de pés pesados se afastando e a loira fixou o olhar nas senhoras.  

-- Essa é a minha esposa, Isabel. Eu amo esse jeito feroz dela -- Alexandra enfiou as mãos nos bolsos -- Não
tenho medo. Só obedeço, para não deixar Isa ainda mais aborrecida. Eu vou, mas de lá, estarei de olho em
vocês.  

Elisa e Pedrita entreolharam-se, deram de ombros e voltaram a atenção para a jovem médium que começava a
falar:  

-- Uma caravana de camelos atravessava o deserto. Chegou a hora do descanso e o cameleiro preparava-se,
como habitualmente, para prender os camelos às estacas, quando verificou que faltava uma estaca.  

Não sabendo como resolver o problema, perguntou ao mestre da caravana:  

-- Mestre, falta uma estaca para um camelo. Como fazer?  

-- Não terás problema. Eles estão tão habituados a ficar presos que, se tu fingires que atas o camelo com a
corda, ele pensará que está preso e nem sequer tentará sair do lugar.  

O cameleiro assim o fez e o camelo ali ficou, por toda a noite.  

No dia seguinte, quando se preparavam para partir, o mesmo camelo simplesmente recusou-se a sair do lugar,
mesmo quando o cameleiro o puxava com toda a força. Sem saber que atitude tomar, dirigiu-se de novo ao
mestre, contando-lhe o sucedido.  

-- Homem! -- respondeu-lhe o mestre -- Que fizeste ontem? Não fingiste que o ataste à estaca? Então, faz o
mesmo hoje. Finge que o desamarra.  

O camelo, mal o cameleiro fingiu que o desatava da estaca imaginária, recomeçou a caminhada.  

Moral da história:  

Muitas vezes não avançamos devido às nossas "estacas mentais". Por acreditarmos em certas regras
preestabelecidas e obedecidas por nossa mente.  

Nos acomodamos simplesmente, por que permitimos que alguém amarre as nossas rédeas quando e como
bem entendem. Porque chegamos num estágio de acomodação muito grande, ao qual nos impede de
pensarmos por nossa própria conta, por achar trabalhoso demais. (Autor desconhecido).  

É uma questão de interesse, comprometimento consigo mesmo. É preciso levantar a cabeça e olhar a sua
volta.  

Disse Martin Luther King: O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos
desonestos, dos sem caráter, dos sem ética, dos homofóbicos, dos racistas, dos fascistas... O que me
preocupa é o silêncio dos bons. Por isso meus irmãos, devemos nos unir contra a corrupção, contra o
fascismo, contra a homofobia, unir as cidades, os estados...  

Alexandra virou-se e fez um sinal de ok para as duas senhoras que estavam sentadas logo atrás. Isabel lhe
deu um cutucão nas costelas e ela gemeu de dor.  

-- Presta atenção, Xanda. Você ouviu o que a Bruninha falou sobre a união contra a homofobia?  

-- Estou prestando atenção, meu mel. Inclusive achei muito interessante essa ideia de unir os estados. Se o
Piauí se unir com o Maranhão fica Piranhão?  

Isabel revirou os olhos.  

-- Quem são aquelas mulheres que você tanto olha?  


-- Ah! Aquelas são a Elisa e a Pedrita. Elas são novas por aqui. E como sou a acolhedora da noite, devo fazer
de tudo para deixá-las à vontade. Não foi o que você e a Victória falaram?  

-- Foi, mas não precisa exagerar, amor -- com um movimento acariciante, Isabel correu os dedos por suas faces
-- Estou até começando a ficar com ciúmes -- brincou. 

-- Não se preocupe, mel. A Pedrita é tão magra, que quando calça tênis a confundem com um taco de golfe. 

Elisa e Pedrita foram envolvidas por um sentimento realmente incrível. Ninguém conseguia desviar o olhar da
médium. Todos prestavam atenção em cada palavra que ela dizia, estavam muito envolvidos e focados no que
estava acontecendo.  

Bruna prosseguiu:  

-- Lembro-me de uma famosa frase de Chico Xavier: "Estenda a mão ao que necessita de apoio. Chegará seu dia
de receber cooperação."  

Alexandra apontou para Bruna e olhou para Isabel.  

-- Escutou isso, Isa, meu mel? Essa frase foi dita especialmente para mim. Eu senti algo muito forte dentro do
meu coração. Preciso estender a mão à aquelas duas senhoras.  

-- Não adianta querer me enrolar, Xanda. Você está com segundas intenções, abre o jogo.  

-- Credo amor! O que te garante que eu não esteja sendo influenciada por um espírito bondoso?  

Isabel olhou para ela séria, levantando uma sobrancelha.  

-- Sei -- ela disse, desconfiada.  

Bruna terminou a palestra, escutou, respondeu às perguntas e colocou-se à disposição para conversar com
as pessoas individualmente. Para finalizar, agradeceu a presença de todos.  

Rapidamente uma multidão ansiosa a rodeou e parecia impossível aproximar-se dela.  

-- Acho melhor irmos embora -- disse Elisa, desanimada -- nunca chegaremos até ela.  

-- Você tem razão -- concordou Pedrita -- Vamos.  

Ao se virarem deram de cara com Alexandra.  

-- Não deixe outras pessoas estragarem seu dia. Vai lá e estrague você mesmo -- a loira apontou para a
multidão -- Vamos lá falar com a doutora mediúnica?  

-- Tá louca? Seremos pisoteadas -- protestou, Elisa.  

A loira deu um risinho.  

-- Vocês não conhecem Alexandra Girani. O impossível não existe para mim, sigam-me!  

As senhoras hesitaram por um momento, mas por fim, decidiram obedece-la. 

Alexandra abriu caminho através da multidão, empurrando uns e outros dos dois lados ao passar,
derrubando no chão, senhoras, crianças e homens sem a menor educação. Plantou-se diante da médium com
as mãos nos bolsos.  

Bruna cruzou os braços, indignada.  

-- Não conhece as quatro palavrinhas mágicas, Alexandra?  

-- Claro que conheço. Como acha que chegamos até aqui?   

-- Quais são? -- perguntou Bruna, ainda de braços cruzados.  

-- Sai da frente, caralho!  

Bruna bufou, Elisa balançou a cabeça e virou-se para fitar Pedrita com um desespero explícito.  

-- Natasha nunca poderá se encontrar com essa mulher. Seria uma verdadeira catástrofe mundial as duas
juntas.  

-- Ainda bem que elas vivem a mais de mil quilômetros de distância uma da outra. Deus nos livre e guarde --
comentou Pedrita.  

Bruna deu um sorriso polido, antes de descer dois degraus e parar próxima às senhoras.  
-- Boa noite! As senhoras desejam falar comigo?  

Elisa hesitou um pouco, estava encabulada. Alexandra lhe deu um tapa encorajador nas costas, tão forte que
a mulher quase perdeu o equilíbrio.  

-- Fala para ela o que você quer. A doutora mediúnica é uma santa. Acredita que ela e a Vic, tem mais de dez
filhos?  

-- Alexandra, isso não vem ao caso. Por favor, senhora...  

-- Elisa, meu nome é Elisa -- ela completou -- E essa é a minha amiga Pedrita.  

-- A Pedrita é tão magra que pode ser salva de um afogamento com um biscoito de polvilho!  

-- Alexandra, por favor! -- Bruna a fitou, franzindo a testa -- Desculpem a Alexandra, ela é uma grossa -- Bruna
passou o braço pelos ombros de Elisa e começaram a andar em direção a uma sala reservada até pararem
junto a uma mesa coberta com uma toalha muito branca -- Sentem-se, vamos conversar.  

-- Fala Elisa -- pediu Pedrita.  

-- Nós viemos até aqui a pedido da Natasha Falcão. Ela está sofrendo muito. Sua esposa e o filhinho...   

Elisa contou toda a história. Bruna não só prestou atenção na narrativa, como fez perguntas e alguns
comentários pertinentes.  

-- Ela não devia ter fugido. Pelo que você me contou, a Natasha deve amá-la muito -- Bruna comentou,
observando o olhar tristonho da mulher -- Gostaria muito de poder ajudar, mas...  

Alexandra inclinou-se para frente e a fitou com aqueles olhos azuis e perigosos, antes que ela conseguisse
terminar a frase.  

-- Não me diga que você não vai participar da operação?  

-- Que operação? -- Bruna franziu o cenho e ficou olhando fixamente para ela.  

-- Operação, Falcão Depenado! -- disse Alexandra, com evidente orgulho.  

-- Ah, mas não mesmo! -- Bruna levantou-se, dando a volta na mesa umas três vezes até parar próxima à Elisa --
Sinto muito. Sinto muito, mesmo, mas não vai rolar.  

-- Por que não? -- insistiu Alexandra.  

-- Porque eu sou uma médium e não, Indiana Jones -- afirmou ela, coçando a orelha -- Ainda tem a Vic e as
crianças.  

-- Sei, sei. Entendo -- Alexandra olhou séria para as mulheres -- Não se preocupem, senhoras. Melhorem essas
caras enrugadas. Se tem uma coisa que acaba com a tristeza, é a alegria. Eu não as abandonarei.
Principalmente você, Pedrita. Que é tão magra que se colocar um vestido verde fica parecendo um quiabo.  

Bruna balançou a cabeça, acenando com uma das mãos, em um gesto de despedida.  

-- Me perdoem por não poder ajudar. Quero distância dessa louca mafiosa. Vocês não fazem ideia do que ela é
capaz -- Bruna saiu da sala rapidamente.  

-- Eu tinha certeza que ela não iria com a gente -- lamentou-se Elisa.  

-- Convenhamos que a ideia é um absurdo -- afirmou, Pedrita.  

-- Nem tanto minha cara Louva Deus.  

Pedrita olhou para ela de cara feia.  

-- Você está fazendo bullying -- resmungou, revoltada.  

-- Bullying? Deixe de ser ridícula! Bullying é quando você tira uma foto bonita e seus amigos falam: Nem parece
você -- Alexandra passou o braço pelos ombros de Elisa -- Para ser bem sincera com as senhoras, a doutora
mediúnica morre de medo da Victória. Só existe uma pessoa no mundo capaz de afastá-la da família.  

As duas amigas entreolharam-se.  

-- Quem?  

-- Eu, lógico. Quem mais, seria? -- Alexandra segurou Elisa pelo braço e cochichou em seu ouvido: a doutora
mediúnica estará amanhã em Florianópolis. É só dizer o endereço.  

-- Sério? -- Elisa estava incrédula.  


-- Eu sou Alexandra, a grande! A sorte do garoto é que ele é um gavião, se fosse um urubu, não ia sobrar nem
o cheirinho -- disse a loira, olhando para Pedrita -- Você é virgem. Não é mesmo?  

Talita abriu a porta da frente do chalé, e entrou distraidamente. Acendeu a luz e assustou-se com a figura
sombria parada no centro da sala. Ela carregava duas malas que colocou no chão.  

-- Poxa, pensei que nunca mais voltaria a vê-la -- Carolina disse, parecendo tranquila -- Minha irmã, enfim a
liberou?  

Talita tinha centenas de respostas na ponta da língua, mas escolheu a mais cortês.  

-- Ela está bem melhor. Então, aproveitei para vir até a ilha buscar algumas coisas que estou precisando -- a
médica apontou para as malas -- Está indo para onde?  

-- Não ouviu o que a senhora Falcão falou? Ela não quer mais me ver na Ilha do Falcão.  

-- Por que será, né! -- ela fez um gesto impaciente com a mão.  

-- Talita, eu... eu sinto muito.  

De todas as coisas que ela esperava ouvir, nada poderia surpreendê-la mais.  

-- Você sente muito?  

Carolina assentiu com a cabeça encostada à porta.  

-- Você sente muito?! -- a raiva explodiu no rosto da médica -- Por mais que eu tente, não consigo entender a
sua atitude. Você praticamente expulsou a Andreia da ilha, e sente muito?  

Carolina franziu o cenho.  

-- Pensei muito, nesses dias, e estou arrependida.   

Talita não conseguia acreditar no arrependimento da garota.  

-- Não é para mim que você deve falar essas coisas. Por que não tenta convencer a sua irmã? Porque eu,
sinceramente, não acredito.  

Fechando a porta antes que Carolina entrasse no quarto, Talita apoiou a cabeça no batente da porta.
Amargurada!  

Ao ouvir a voz de Carolina do lado de fora do quarto, ela reprimiu a tristeza e se recompôs rapidamente.
Abriu a porta e a encontrou parada, fitando-a com expressão chorosa. Uma onda de culpa a sufocou ao
pensar que talvez estivesse sendo injusta.  

-- Eu te amo -- sua voz mal era um sussurro -- Me perdoa, por favor!  

Talita virou-se para encará-la. Mais do que qualquer outra coisa, queria encostar a cabeça no ombro dela e
dizer: "eu também te amo". Mas de forma alguma daria esse gostinho a ela. Não seria tão fácil assim.  

-- Olha, Carol. Eu não...  

Carolina agarrou a médica pela cintura e a puxou, afastando-a da porta. Sua boca se colou à dela, forçando-a a
agarrá-la para não perder o equilíbrio.  

A garota pousou as mãos por trás da cabeça de Talita, forçando os lábios entreabertos com a ponta da língua,
ela respondeu com um suspiro. O contato fez o coração da médica bater mais forte.  

-- Sinto muito a sua falta. Me perdoe!  

A voz de Carolina, ansiosa, esperançosa, ecoou nos ouvidos de Talita.  

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Capítulo 68 -- O Sequestro por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 68 

O Sequestro

Elisa pagou o motorista de táxi e, ansiosas, correram para dentro do hospital. Mal acabaram de passar pela
porta do quarto, Elisa foi logo falando: 

-- Natasha, conseguimos! 

Natasha sentou, colocando um travesseiro nas costas. 

-- Aonde ela está? -- perguntou ansiosa. 

Elisa e Pedrita, se entreolharam. 

-- Bem, ela ainda está no Rio -- Elisa largou a bolsa sobre a cadeira, tirou o casaco e sentou na beirada da cama
-- Mas chegará ainda hoje à Florianópolis. 

Natasha não gostou do que ouviu. 

-- Espera um pouco -- ela fez um gesto impaciente com a mão -- Pensei ter dito a vocês que trouxessem a
médium mesmo que fosse arrastada. Foi ou não foi?  

Pedrita deu um passo à frente. 

-- Na verdade, ela não aceitou. 

-- O que? -- o berro da empresária ecoou pelo quarto. 

Pedrita se encolheu, assustada.  

-- E como você me diz que a doutora virá para Florianópolis hoje, Elisa? 

A senhora esfregou as mãos com nervosismo. 

-- Conhecemos uma moça lá no Centro Espirita. Ela garantiu que vai trazer a doutora Bruna para a Ilha ainda
hoje. 

Natasha olhou de lado para Pedrita. A mulher estava com uma expressão preocupada no rosto. 

-- E você Pedrita, o que me diz a respeito? 

-- Apesar de ter achado essa moça uma louca, acredito que ela cumpra o que prometeu. 

Natasha estava insegura. Contava com a ajuda da médium para encontrar Andreia, sem ela não saberia por
onde começar a procurar. 

-- Qual o interesse dessa moça em nos ajudar? 

Elas não haviam pensado nisso. As senhoras, novamente se entreolharam. 

-- Por bondade é que não deve ser. Aquela mulher parece o Al Capone de saias -- comentou Elisa -- Cheguei a
ficar com medo dela. 

-- Ela me pegou pra Cristo. Ficou o tempo todo fazendo bullying e piadinhas maldosas -- reclamou Pedrita,
cheia de caras e bocas. 

Natasha ficou pensativa. Isso não era nada animador. A perspectiva do que tinha à sua frente não era das
melhores. Pelas informações, a tal mulher não era nada confiável. 

-- Bem, sendo assim, acho melhor estarmos preparada para tudo. Será que ela vai pedir dinheiro em troca da
ajuda? 

-- Não faço ideia -- Elisa deu de ombros -- Acho melhor irmos descansar no hotel. Voltaremos assim que a moça
avisar de sua chegada -- as senhoras já estavam se dirigindo para a porta quando Natasha as chamou. 
-- Só mais uma coisa. Qual o nome dessa moça? Vou pesquisar sobre ela. Preciso saber onde estou me
metendo. 

-- Alexandra Girani -- respondeu Elisa, antes de sair.  

Um forte aroma de perfume francês inundou a cozinha e Alexandra apareceu. Estava mais linda que nunca.
Seu corpo se comprimia numa calça justa, e uma camisa verde de manga comprida, que contrastava com o
brilho dos seus olhos e o sorriso que fazia sua covinha aparente. 

-- Poderosíssssimaaa!!! Morri!!! -- André bateu palminhas. Levantou-se da cadeira e foi até ela -- Se eu gostasse
da fruta me jogaria aos seus pés agora mesmo. 

-- E eu passaria por cima - Alexandra desviou-se dele e foi sentar-se à mesa. 

Isabel olhou-a de alto a baixo. 

-- Não é só você quem vai morrer, André -- Isabel jogou o guardanapo sobre a mesa -- Alexandra Girani, aonde
você pensa que vai vestida desse jeito? -- Ela sabia que Alexandra era atraente demais, linda demais,
desinibida demais, para que ela tivesse paz de espírito. Isso sem falar no poder da sua sexualidade. Ela teve
de repetir uma centena de vezes para si mesma que não tinha com que se preocupar. Alexandra era a pessoa
mais fiel do mundo. Sempre foi. 

-- Tenho um compromisso muito importante, meu mel -- ela sorriu, sem notar a profunda perturbação que
Isabel sentia. 

-- Pelo visto, esse compromisso é com uma mulher -- Isabel comentou, observando o jeito despreocupado da
esposa -- Já vou avisando, se me trair, te mato -- ela se levantou e foi até a geladeira. 

-- Não estou sabendo de nenhum compromisso...aiiiiii... -- o rapaz berrou. 

Alexandra jogou uma coxinha de galinha em André. A coxinha bateu na cabeça dele, depois na xícara e o café
derramou por cima da borda do pires, manchando a toalha branca. 

Isabel se virou rapidamente. 

-- O que foi isso? 

-- Que coxinha dura! -- André disfarçou, fazendo uma careta -- Quase quebrei o dente. 

-- Impossível. Essas coxinhas foram compradas hoje cedo -- comentou Isabel, desconfiada. 

-- É que hoje em dia as galinhas além de malharem muito, ainda tem uma alimentação saudável e uma boa
suplementação à base de proteínas. Por isso as coxinhas são duras e definidas. 

Isabel respirou fundo e olhou-a ameaçadoramente. 

-- É bom que esteja bem engraçadinha a semana inteira. Não esqueça que a minha mãe chega hoje à noite --
Isabel tinha na boca um sorriso irônico -- Ela vai ficar a semana inteira com a gente. 

-- Como poderia esquecer, Isa? Sua mãe é tão linda quanto um anjo que caiu do céu... 

-- Hum -- Isabel pegou uma maçã e deu uma bela mordida, mastigou por uns segundos -- Que nora fofa que
minha mãe tem! 

-- Pena que caiu de cara no chão -- resmungou Alexandra. 

-- O que disse, amor? 

-- Amo-a de paixão. 

-- Mamãe também disse que te ama -- Isabel deu mais uma mordida na fruta e saiu da cozinha, calmamente. 

-- Além de sogra, é mentirosa -- disse Alexandra, num sussurro. 

-- Você não tem nenhum compromisso que eu sei -- resmungou André, tentando limpar a toalha com um
guardanapo. 

-- Tenho sim! Vou participar de uma operação super secreta. 

André deixou o que estava fazendo, apoiou os cotovelos na mesa e fixou os olhos na patroa. 

-- Também quero, poderosa. Sou o seu melhor agente -- disse, fingindo estar distraído olhando para as unhas -
- Lembra da operação na África? Lembra das putas? 
-- Não fala assim das meninas. Não gosto quando chamam elas de putas. 

-- Acompanhante de luxo é o que? 

-- É puta! 

-- Profissional do sexo é o que? 

-- É puta! 

-- Mulher que vende seu corpo em troca de dinheiro é o que? 

-- É puta! 

-- Então? -- ele fez um gesto espalhafatoso com a mão -- O que elas são? 

--Puta -- ela tomou um gole de café e pousou a xícara na mesa -- Como estava falando, preciso que fique aqui
no Rio e distraia a mãe da Isa enquanto eu estiver fora. 

-- Ah, nãooo... -- André esperneou -- Eu quero ir junto. 

-- Não teima, André. 

-- Hum, entendi agora -- ele deu uma risadinha e balançou a cabeça -- Você está fugindo da mãe da Isa. Que
safadeza! Ainda bem que a minha sogra é um anjo. 

-- Sua sogra é um anjo? Sorte sua...a minha ainda é viva! 

-- Quando inicia a operação? 

-- Agora mesmo. O Van Damme está me esperando no carro -- Alexandra olhou para o relógio e se levantou --
Vou passar no Centro Espirita para pegar a doutora mediúnica. A essa hora ela deve estar atendendo a
comunidade. 

-- Então, a Bruninha também vai. Que legal! 

-- Na verdade, na verdade, ela ainda não sabe que vai.  

-- Ahhhh... -- André levou a mão à boca para conter um grito -- Você vai sequestrá-la!!! 

-- Por que a admiração? Fiz isso tantas vezes que já perdi a conta. 

-- Olha poderosa, você é realmente corajosa. A Vic e a Isabel vão querer matá-la. 

-- Eu sei como lidar com elas. Vai ser como das outras vezes. Não se preocupe comigo -- Alexandra deu um
passo adiante e se virou -- Está proibido de abrir a boca e contar sobre a operação para a Isa. Ouviu? 

André assentiu com a cabeça. Fez um gesto de despedida com a mão e, assim que Alexandra saiu da cozinha,
resmungou baixinho:  

-- Ouvir eu ouvi, agora se vou conseguir ficar com a boca fechada, aí já são outros quinhentos! 

Natasha acordou com um sobressalto, ao ouvir a porta do quarto sendo aberta e fechada devagar. Por alguns
segundos, foi tomada por uma sensação estranha, até que o ambiente voltasse a lhe parecer familiar. 

-- Você me assustou! -- disse ao ver que era a doutora Talita quem entrou. 

-- Desculpa! -- ela pediu, sem jeito -- Estou um pouco atrasada. 

-- Um pouco? Acho que você está um dia atrasada. 

-- Menos né Natasha. Bem menos -- Talita pegou uma cadeira e sentou-se ao lado da cama -- Estou aqui para
examiná-la e checar se está tudo bem com você. Dependendo do resultado, quero te liberar para caminhadas
pelo quarto, acompanhada de um fisioterapeuta. 

-- Já não era sem tempo -- reclamou -- Não aguento mais ficar nessa cama. 

A médica abriu a maleta e retirou o esfigmomanômetro e o estetoscópio. 

-- Vou verificar os sinais e solicitar alguns exames. 

Natasha assentiu com a cabeça. 

-- Algum problema, doutora? Você parece estar nervosa. 


Talita respirou fundo. Não estava nervosa, mas estava muito confusa. Não conseguia parar de pensar em
Carolina. Como num sonho, visualizava seus cabelos castanhos e os olhos brilhantes e expressivos. Sabia
que o sentimento que nutria por ela era puro e profundo, simples e sincero. As sensações que o beijo da
garota despertara nela, tinha sido como um tsunami. Arrancando-a da tranquilidade em que vivera até então. 

Ela havia cedido facilmente, mesmo sabendo que Carolina, de forma cruel e fria, havia expulsado Andreia da
ilha. Atormentada, perguntava-se que tipo de ser humano ela era. 

-- Doutora! 

A voz de Natasha interrompeu seu devaneio. 

-- Hã? 

-- Se a doutora continuar a passar esse estetoscópio pelo meu corpo, sou capaz até de me apaixonar por ele. 

Talita afastou-se bruscamente, o rosto todo vermelho, deixando em evidência toda a sua vergonha? 

-- Desculpa!  

-- Não por isso. Se quiser continuar... 

A médica balançava a cabeça enquanto guardava o instrumento na maleta. 

-- A princípio está tudo bem. Agora vou solicitar o exame de sangue. 

-- Não quer me contar o que está acontecendo? 

Talita levantou a cabeça para encará-la. 

-- Promete que não vai me julgar! 

Natasha deu uma risada. 

-- Tá brincando, né doutora. Quem sou eu para julgar alguém? -- Natasha ajeitou-se melhor nos travesseiros --
Uma jovem saiu da igreja gritando: 

-- Aleluia, aleluia! Ontem eu estava nos braços do capeta, hoje estou nos braços de Jesus! 

O bebum ia passando e gritou: -- E pra amanhã, já tem compromisso? 

Talita começou a rir, sentindo-se mais relaxada. 

-- Então? Não vai me contar o que está acontecendo? 

A médica olhou-a de relance e limpou a garganta. 

-- Eu passei a noite com a sua irmã -- ela disse, colocando uma mecha solta de cabelo atrás da orelha. 

Natasha levantou uma sobrancelha ligeiramente. 

-- Ela está morando há meses no seu chalé e só agora que você percebeu isso?  

Talita fez um gesto de enfado, revirando os olhos. 

-- Você está tornando as coisas bem mais difíceis para mim. 

-- Apenas seja mais clara -- retrucou a empresária. 

-- Eu transei com a sua irmã. Pronto, falei! 

No Centro Espirita. 

-- Onde dói, meu amor? -- perguntou Bruna, passando a mão pelo rostinho pálido da criança. 

-- Dói aqui, ó -- apontou para a barriga. 

-- Hum, dor de barriga? Que coisa! -- a médica apertou o abdome da criança com cuidado. Depois, olhou para a
mãe e sorriu -- Não é nada grave. Vou prescrever alguns remédios que tem aqui na nossa farmácia. É só
passar lá e pegar. 

-- Obrigada, doutora Bruna -- agradeceu a mãe. 


-- Por nada. Vá com Deus. 

Alexandra entrou porta adentro do Centro e foi direto até onde a médica estava. Pegou ela pelo colarinho da
blusa e quase a levantou do chão. 

-- Confessa que estava louca de saudade de ser sequestrada por mim! 

-- SOCORRO!!! -- a médica berrou assustada. 

As pessoas correram para ajudá-la. 

-- Solte a doutora Bruna -- berrou um rapaz. 

-- Tá querendo o que, sobrancelha de carvão? 

-- Larga ela -- berrou novamente. 

-- Já que insiste! 

Alexandra largou a médica e ela se espatifou no chão. 

-- Viu o que você fez -- ela voltou a segurar a médium pelo colarinho -- Eu cresci vendo minha vó matando
galinha, e ainda tem gente que fica me provocando. 

-- O que você quer dessa vez, Girani? 

-- Vamos resgatar o filhote de gavião. 

-- De Falcão -- corrigiu Bruna. 

-- Foi o que eu disse, não foi? 

-- NÃO! -- respondeu o povo. 

-- Gavião, Falcão. Tudo é ave de rapina. O que importa é que vamos resgatar o filhote. 

-- Mas, Girani. Nós nem conhecemos essas pessoas. Não podemos simplesmente largar tudo e partir numa
aventura maluca! 

-- Que lindo né doutora mediúnica. Não é você que vive falando:  "Amai-vos uns sobre os outros". 

Bruna revirou os olhos. 

-- É "Amai-vos uns aos outros". Cansei -- ela disse, desanimada. 

-- Eu também cansei -- Alexandra levou a mão ao cós da calça -- Afastem-se. Estou armada. 

-- Eu também estou armado -- disse o rapaz. 

Alexandra deu um risinho debochado. 

-- Você tem cara que não sabe usar nem desodorante, imagina arma. 

-- Não faça isso, moça. Você vai se arrepender -- disse um homem no fundo da sala. 

-- Certas coisas me fazem querer ter mais dedos do meio para expressar o que eu sinto -- Alexandra deu
um chacoalhão na médica e o povo assustado fez:  

-- Óóóó... 

-- Perceberam como sou cruel? Agora saiam da frente. 

-- Você não vai a lugar nenhum -- insistiu o rapaz. 

-- Óóóó... -- o povo murmurou admirado. 

-- Mas que cara chato! Olha rapaz, eu aparento ser calma. Mas no meu inconsciente, já torci o teu pescoço
umas cinco vezes. Sai logo da frente antes que eu tire a sua cueca pelo pescoço. 

-- Calma Alexandra. Sabia que a violência não leva a lugar nenhum? -- Bruna falou, impaciente. 

-- Vai te levar até Floripa, doutora -- Alexandra fez um gesto com a mão para que Van Damme se aproximasse --
Tira esse cara daqui. Ele está atrapalhando a minha performance.  

O segurança saiu arrastando o rapaz para fora da sala. E a plateia: 

Ó
-- Óóóó... 

-- Agora vamos, doutora. Temos um avião para pegar -- ela olhou para o povo e perguntou em voz alta -- Mais
alguém quer ficar sem cueca? Ninguém? Hum, muito bom. 

Alexandra arrastou a médica até o carro. 

-- Esse povo está ficando abusado. Nos outros sequestros ninguém ousou me enfrentar. 

As duas ficaram se olhando por alguns instantes até que Bruna resolveu falar: 

-- Você é uma louca varrida, grossa, arrogante e narcisista. 

-- Não tenho culpa se nem eu mesma resisto a minha beleza. 

-- Estou enjoada. Acho que vou vomitar. 

-- Abre um pouco a janela -- Alexandra meneou a cabeça de um lado para outro -- Inveja é pecado, doutora. Eu
sei que você se esforça, se maquia, faz a sobrancelha, pinta as unhas, se depila e usa produtos de beleza. Mas
aceite, você nunca será uma Alexandra Girani. 

-- Você só pode ser um fake news -- Bruna pegou o celular do bolso e começou a discar. 

-- O que está fazendo? -- Alexandra deu um tapa na mão da médica e o celular voou pela janela. 

-- Aiii... Sua estupida! Volta, volta -- ela colocou a cabeça para fora da janela do carro -- Meu celular,
volta Xanda! 

Alexandra pisou no acelerador e seguiu em frente. 

-- Nãoooo... -- ela berrou, desesperada. 

-- Viu aquilo? Um carro passou por cima do seu celular e fez plact. Doeu em mim. 

-- Você fez isso de propósito. Eu sei. 

-- Por que faria isso? -- Alexandra deu um imperceptível sorrisinho de canto. 

-- Eu ia ligar para a Vic. 

-- Tá louca? A Vic ligaria para a Andreia e as duas viriam atrás de nós. Pensa na confusão. 

Bruna tossiu para limpar a garganta. 

-- O que você pretende fazer? 

-- Fugir da minha sogra. 

-- O que? -- Bruna olhou para ela com os olhos arregalados -- Fugir da sua sogra? 

-- Tô brincando, bobinha. Minha sogra é tão boa que eu até gostaria de fazer uma estátua em homenagem a
ela. 

-- Sério? 

-- Sério! Só que ela não quer abrir a boca pra engolir o cimento. 

Isabel entrou na boate e logo avistou André conversando com Ramon no bar. 

-- Boa tarde, meninos -- ela olhou ao redor, sorrindo para os funcionários que passavam naquele momento --
Alexandra está no escritório? 

-- A poderosa não está -- respondeu André, encostado ao balcão. 

-- Hum, sei. Isso é mal. Alexandra é igual criança: Sumiu? Está aprontando. 

André foi se espremendo, se espremendo, até que explodiu. 

-- Ahhh... Eu não tenho nada a ver com isso. Eu juro, acredite em mim... -- lágrimas caiam descontroladamente
pelo rosto do rapaz -- Eu só aceitei ficar de olho na sua mãe porque fui coagido. 

Isabel ergueu a gola do casaco e ajeitou a alça da bolsa no ombro. 

-- Me passe o endereço -- foi só o que ela disse. 


 

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Capítulo 69 - Na Ilha da Magia por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 69 

Na Ilha da Magia 

Isabel pediu um papel e uma caneta para o barman e colocou sobre o balcão. 

-- Anota aí -- ela bateu várias vezes com a ponta do dedo sobre o papel -- E nem adianta dizer que não sabe de
nada. Não existem segredos entre você e a Alexandra. 

-- Isso porque eu sou esperto. Percebo tudo o que está acontecendo ao meu redor. Não sou como certa
pessoa que não enxerga um palmo diante do nariz. 

Ela cruzou os braços na altura do peito, forte indicativo de que não gostara do comentário. 

-- Você sabe que existe uma grande possibilidade de não sair vivo daqui. Não é mesmo? -- Isabel perguntou
sem disfarçar um tom de irritação. 

André deu um passo para trás quando Isabel arregalou os olhos. 

-- A verdade dói, né kirida? -- ele deu mais um passo para trás -- Não vou dar o endereço... 

Isabel deu um passo para frente. 

-- Ah, vai sim! 

-- Aiiii... Socorro! Monnn... -- André protegeu-se com os braços como se tivesse medo de ser partido em
pedacinhos. 

-- Esperem! -- Ramon se colocou entre os dois -- Calma, pessoal -- o rapaz se virou para o esposo, pegou a mão
dele e esfregou suavemente os dedos -- Acho melhor você dar o endereço para ela. 

-- Não posso escrever o endereço. Eu não sei -- disse, empinando o nariz. 

-- Ah, é? -- Isabel perdeu a paciência. Levantou o braço e foi pra cima do rapaz. 

André corria ao redor da mesa enquanto falava. Isabel corria atrás dele. 

-- Eu não posso escrever o endereço..., mas, posso levá-la até lá... 

Isabel parou repentinamente de correr. 

-- Pode? 

-- Posso -- ele respondeu ofegante, fechando os olhos -- Que susto! -- ele apoiou-se na mesa com a mão sobre o
peito -- Você não vai conseguir chegar até a poderosa, sem eu para guiá-la. 

-- Tá certo. Então vamos. 

-- Não posso ir agora. Tenho um negocinho para resolver antes. 

Isabel meneou a cabeça, pensativa, olhando diretamente para ele. Talvez fosse melhor marcar para mais tarde.
Assim, teria tempo de chamar Victória para ir junto. 

-- Tudo bem, André. Eu volto às 15 horas. Escutou? Às 15 horas. 

Num estalo, Isabel girou sobre os calcanhares e foi embora. 

-- Deselegante! -- André mostrou a língua quando ela deu as costas. 

-- Não provoca a Isa, André. Você sabe como ela é brava. 

-- Não tenho medo -- tirou o celular do bolso e começou a digitar um número -- Não se preocupe comigo, Mom.
Talvez tenha que me ausentar por alguns dias. 

Ramon meneou a cabeça de um lado para outro. 

-- Vai começar tudo de novo -- resmungou o rapaz. 


 

Pelo modo em que a olhava, Talita compreendeu que Natasha não acreditava em Carolina. 

-- Eu sei que não devia ter me deixado levar pela conversa da Carol, mas já está feito é tarde demais. Tarde
demais para voltar atrás e fugir, tarde demais para fingir que nada aconteceu. Não consigo esconder que o
que sinto é amor. 

Natasha não queria que Talita estivesse apaixonada justo por uma mulher como Carolina. A irmã não servia
para ela; não para sempre, não até o fim da vida. Tudo que Carol desejava era um romance leve, sem
consequências, sem amarras. 

-- Sinceramente, não considero a Carol alguém confiável. Por outro lado, a doutora não é nenhuma virgem
inocente. Considero a doutora uma mulher sofisticada, experiente. Então, não vou me meter no caso de
vocês. 

Talita sorriu. Gostava do modo como a empresária encarava as situações. Sem julgamentos, críticas e
parcialidade. 

Ela foi incapaz de se negar ao toque de Carolina, incapaz de reafirmar o bom senso e fugir de qualquer
contato íntimo. Agora teria que conviver com a possibilidade de se decepcionar novamente, disse a si mesma. 

-- A Carolina vai ter que rebolar muito para reconquistar a minha confiança. O que ela fez com a Andreia foi
um absurdo. Guardasse para si as suas desconfianças. Ela tem todo o direito de ter a sua própria opinião,
mas ela não tem o direito de acusar sem provas. 

-- Eu concordo com você. Confesso que estou pisando em ovos. 

Talita já se preparava para sair quando a enfermeira bateu à porta e entrou. 

-- Com licença. Vim coletar o material para o exame. 

Sem esperar por uma resposta, ela foi logo amarrando o garrote elástico no braço da empresária. 

-- Se doer mordo a sua orelha! -- Natasha franziu o cenho. 

-- Credo! -- a enfermeira exclamou, olhando para ela, horrorizada. 

Talita balançou a cabeça, os olhos brilhantes de divertimento. 

As nuvens se dissiparam para revelar um panorama simplesmente impressionante através da janela do avião.
Alexandra e Bruna puseram-se admirar, boquiabertas, a maravilhosa ilha que surgia lá em baixo. 

Alexandra olhou para Bruna e cantou: 

-- Um pedacinho de terra, perdido no mar!... num pedacinho de terra, beleza sem par!... 

-- Jamais a natureza reuniu tanta beleza, jamais algum poeta teve tanto pra cantar... num pedacinho de terra,
belezas sem par -- Bruna completou. 

-- Gosta do hino de Florianópolis, doutora? 

-- Gosto. 

-- Então não estraga. 

-- Eu canto bem, você é quem ouve mal -- entreolharam-se durante alguns segundos, até que por fim, Bruna
concordou -- Tá, eu canto mal, mas canto com sentimento. 

-- É, realmente. Sua voz parece um lamento. Ainda bem que as suas mensagens são escritas, se fossem
cantadas nem os espíritos suportariam. 

-- Você fala como se fosse a Shakira. Se enxerga. 

Alexandra deu de ombros. 

-- A minha sogra tem a voz tão feia que toda vez que ela começa a cantar, o marido corre para a varanda para
os vizinhos verem que ele não está batendo nela. 

O aviso de "Apertem os cintos de segurança" acendeu, e Bruna, automaticamente, verificou se o cinto estava
travado. 

-- Dentro de 15 minutos pousaremos no Aeroporto Internacional de Florianópolis, Hercílio Luz -- anunciou a


voz aveludada da aeromoça -- Por favor, verifiquem se a bagagem de mão está no compartimento, e fechem as
bandejas das poltronas. 

-- Fala sério Alexandra. O que você pretende me trazendo para Florianópolis? Não vejo de que forma eu posso
ajudar essas pessoas. 

-- Você vai ajudar a descobrir aonde o pequeno Gavião está.  

-- Falcão. 

-- Foi o que eu disse -- o avião mergulhou para se aproximar da pista e Alexandra respirou fundo. Seu
estomago revirou - As pessoas que não me acham muito religiosa deveriam me ver no avião -
- comentou suando frio -- Você pode psicografar uma carta. Da mesma forma que fez para mim.  

-- Vou repetir o que disse para você naquela época. A comunicação dos espíritos, não é obtida com a
facilidade de uma ligação telefônica. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra! Se as comunicações entre as
criaturas terrenas nem sempre são fáceis, que dizer das que se processam entre os espíritos e os homens?
Muita gente procura o médium como se ele fosse uma espécie de cabine telefônica. Mas nem sempre o circuito
está livre e muitas vezes o espírito chamado não pode atender. 

-- Foi fácil com o meu pai -- insistiu Alexandra. 

-- Nem todos os espíritos, estão em condições de comunicar-se com facilidade. Além disso, a manifestação
solicitada pode ser inconveniente no momento, tanto para o espírito quanto para o encarnado. Entendeu? 

-- Entendi -- Alexandra passou uma mão pela testa, amaldiçoando por dentro o medo que sentia de viajar de
avião -- Mesmo assim você vai tentar. Vai que alguém lá em cima atende e esteja a fim de nos ajudar. 

A aterrissagem foi rápida e sem problema. O aeroporto estava movimentado. O avião taxiou tranquilamente no
terminal, enquanto os passageiros e a tripulação recolhiam seus pertences. 

Após breve caminhada pela pista, chegaram ao terminal. 

-- Alguém vem buscar a gente? 

-- Eu falei com a Elisa por telefone. Ela já deve estar esperando por nós. 

No salão ao lado, as pessoas aguardavam para receber os passageiros. Muitas carregavam placas para se
identificar. Não foi difícil para Alexandra reconhecer a senhora parada atrás da aglomeração. 

Alexandra caminhou na direção dela, para parar bem ao seu lado. 

-- Oi -- ela berrou, próximo ao ouvido da mulher. 

Elisa a encarou, aturdida. O ouvido zumbindo. 

-- Você sempre foi assim tão louca? -- indagou, sabendo que essa, provavelmente, não era a coisa mais gentil a
dizer naquele momento, mas não conseguiu evitar. 

Alexandra olhou-a séria e se pôs a caminhar, Bruna e Elisa foram obrigadas a acompanhá-la.  

-- Estou num péssimo dia -- continuou -- Acho melhor não me contrariarem. 

Bruna podia argumentar que na opinião dela Alexandra só tinha dias ruins, mas não o fez. Estava ocupada
demais correndo atrás da loira. Tentando alcançá-la. 

-- Vou leva-las até o hospital. A Natasha está esperando por vocês. Tudo bem? -- indagou Elisa. 

-- Tudo ótimo -- Alexandra retrucou depressa, diminuindo o passo um pouquinho -- Ela sabe que eu sou a
comandante da operação? -- seus impressionantes olhos verdes estavam ocultos pelos óculos escuros. 

Elisa fez uma careta, mas se recusou a responder. 

-- Não dê ouvidos à Alexandra -- a médica deu uma palmadinha de leve no ombro da senhora -- Ela é tão
amarga, que eu acho que na outra encarnação foi um pé de boldo. 

No hospital, Natasha estava ansiosa pela chegada da médium. 

-- Você está exagerando, Natasha. O tempo das caminhadas será aumentado gradualmente conforme a
recuperação -- disse Talita, fazendo um gesto discreto para a fisioterapeuta. 

-- Estou completamente recuperada. Não tenho tempo para frescuras. Tenho vontade de sair desse hospital
agora mesmo. 

-- Onde você estaria se fizesse tudo que tem vontade? -- perguntou a fisioterapeuta. 
-- Presa -- respondeu Natasha, irritada. 

Talita sentou-se na beirada da cama, fitando-a com visível contrariedade. 

-- O que espera que a médium faça? 

-- Espero que ela me diga aonde a Andreia está. Só isso. 

-- Só isso? -- a médica passou a mão pelo rosto e saltou da cama -- Volta para a cama. Chega de caminhada. 

De repente, uma batida à porta interrompeu-as. 

-- Entre -- disse Talita, após alguns instantes. 

A porta se abriu e Elisa apareceu acompanhada por duas mulheres. 

-- Finalmente! -- disse Natasha, assim que elas entraram. 

-- Natasha, essas são... 

Alexandra deu um passo à frente e empurrou Elisa para o lado. 

-- Essa é uma operação ultrassecreta, secretíssima, confidencial e reservada. Então, por favor, os perus de
fora queiram se retirar. 

Todos olharam admirados para Alexandra, que puxou uma cadeira e se sentou. 

Bruna revirou os olhos. Ela se sentia tão sem palavras enquanto Alexandra, obviamente, se mostrava tão à
vontade. Não sabia se a aplaudia pela ousadia, ou se batia pela cara de pau. 

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Capítulo 70 -- A Fuga por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 70  

  A Fuga 

Talita, que observava tudo com atenção, se levantou e fez um gesto para Elisa e a fisioterapeuta.  

-- Vamos.  

Apesar de contrariada, Elisa acompanhou as duas para fora do quarto.  

Alexandra se levantou da cadeira e caminhou em direção à Natasha com passadas rápidas e pesadas. -- Eu
sou a Ale...  

Natasha levantou a mão pedindo a palavra.  

-- Alexandra Girani, empresária que comanda as baladas top do Brasil. Empreendedora que, à frente de bares,
restaurantes e boates, ocupa o trono de rainha da badalação. Dedicada a receber o público endinheirado e
disposto a esvaziar suas polpudas carteiras na farra. Você é uma milionária excêntrica -- Natasha fez um gesto
de enfado, revirando os olhos, e ajeitando-se na cama -- Não sei se excêntrica seria a palavra adequada. Em
alguns casos beira a loucura, em outros a ostentação, com meio termos levemente esquisitos.  

Alexandra olhou para Natasha, com um ar debochado.  

-- Investigou a minha vida? Só te passaram a parte chata. Não te informaram que eu fui eleita a empresária
mais linda do Brasil? E além de toda beleza, ainda sou inteligente. Não é o máximo?  

Bruna e Natasha entreolharam-se.  

-- Você sabia? As pessoas mais inteligentes do mundo moram no mundo -- Alexandra fez um gesto de pouco
caso -- Bem, mas não foi para conversar sobre a minha beleza e inteligência que viemos até aqui.   

-- Finalmente! -- Bruna levantou as mãos aos céus -- Vamos aproveitar esse raro momento de sobriedade -- a
médium virou-se para Natasha e fitou-a, notando aflição nos olhos verdes -- Me diga, como posso ajudar?  

-- Não tenho certeza o que estou querendo -- disse inquieta. Seu rosto estava queimando, então suspirou.
Sentia-se estúpida -- Vou contar toda a história. Talvez assim, me compreenda melhor. 

Bruna puxou uma cadeira e sentou-se próxima à cama.  

-- Pode falar.  

-- Era o início do ciclo de Festas do Divino Espirito Santo, também chamado de "folias do Divino" ou "cantorias
do Divino" é uma tradição cristã católica, com mais de oito séculos, introduzida na cultura local pelos
açorianos, em celebração a sua devoção ao Espírito Santo. Florianópolis e vários outros municípios do litoral
realizam essa festividade. Meus pais saíram logo cedo da Ilha do Falcão no iate do papai com destino a ilha de
Santa Catarina. Chegando lá pegaram um carro e partiram em direção ao Continente pela ponte Colombo Sales.
Eles estavam muito felizes com a vida. Se davam muito bem. Se amavam.   

Meu pai era o meu melhor amigo e eu era a melhor amiga dele, a ponto de confidenciarmos um com o outro,
coisas que a minha mãe nem sabia. Ele me ensinou muita coisa. Eu o tinha como um herói, e ele me via como
uma bonequinha, como ele mesmo dizia.  

Natasha engoliu em seco. Os olhos dela ficaram rasos d'água e com a voz embargada continuou:  

-- O acidente aconteceu na Rodovia Governador Gustavo Richard, logo na saída da ponte.   

Alexandra então pegou um copo, encheu-o de água e entregou-o a ela. Natasha deu um gole. Sua garganta
estava totalmente seca e arranhando.   

-- Segundo as informações que tenho, um bêbado surgiu na curva dirigindo na contramão e bateu de frente
com o carro em que eles estavam. Meu pai, minha mãe e o motorista, morreram na hora. Com o impacto, minha
irmãzinha foi jogada para fora do carro. Ela sobreviveu, mas só consegui reencontrá-la há pouco tempo. 

-- História chocante -- comentou, Alexandra. 


-- Muito -- Natasha respirou fundo antes de continuar -- Naquele dia eu perdi as pessoas mais importantes da
minha vida. A família entrou em crise. Meus avós se desesperaram, minha crença em Deus se esvaziou por
completo. Eu, uma criança perdida, logo me transformei em uma adolescente descrente de Deus.  

Perguntava para todos: que Deus é esse que permite um casal tão maravilhoso morrer de uma forma tão
injusta? Me diziam apenas: "Deus quis assim". Quis assim como? Ele fica feliz com a desgraça da família dos
outros? Onde fica o tal amor que a Bíblia tanto fala?  

Desde que meus pais se foram perdi totalmente a fé em Deus. E assim vivi. Não queria correr o risco de crer
num Deus que eu pensava proteger os que amo e ter de conviver com novas tragédias.  

Agora, depois de passar por tudo que passei, começo a ver Deus de uma outra forma. Há alguns dias atrás,
depois de sonhar com o meu pai, cheguei à conclusão: Deus não teve nada a ver com a morte deles, pois ele
não permitiu nada. Pedi perdão a Deus por tê-lo culpado pelas desgraças da minha vida. Espero que ele me
perdoe por isso!  

Bruna pegou a mão dela e esfregou suavemente os dedos.  

-- Primeiro, lembre-se de uma coisa: você é humana e Deus sabe disso. Não quero passar a mão na cabeça do
pecado, mas o que importa é que você entenda o olhar do Pai. É ele que perdoa todos os seus pecados. O
Senhor é compassivo e misericordioso, paciente e cheio de amor. Não acusa, nem fica ressentido para
sempre; não nos trata conforme os nossos pecados nem nos retribui conforme as nossas iniquidades. Ele
não tem nada a ver com os acontecimentos humanos. Deus não controla nada, mas ama os seres humanos e
lhes apoia nos momentos difíceis.  

-- Verdade. Hoje percebo que foi ele quem me ajudou a suportar a tristeza da perda. Ainda tenho várias
dúvidas sobre Deus, mas acredito nele como um pai misericordioso.  

Bruna sorriu.   

-- As religiões são imperfeitas, as pessoas são imperfeitas, todos nós somos. Nós, cristãos, somos, sem
exceção, um bando de pecadores que amam a Cristo, e que devemos ajudarmos uns aos outros em nossas
fraquezas.   

-- Vai me ajudar? -- Natasha inclinou-se um pouco para frente.   

-- Farei o que estiver ao meu alcance -- respondeu Bruna.  

Alexandra deu um pulo da cadeira.  

-- Pronto? Terminou a sessão? Agora vamos!  

-- Vamos para onde criatura? -- Bruna olhou para ela com os olhos arregalados.  

-- Vamos atrás da mamãe Gavião e seu filhote.  

-- Falcão! -- Natasha fez um gesto de enfado, revirando os olhos.  

-- Foi o que eu disse -- Alexandra falou bem próxima à Natasha -- Detesto conversar com pessoas bonitas.
Parece que estou conversando com o meu espelho.  

Bruna meneou a cabeça de um lado para outro. Natasha não conseguiu segurar uma risada. A loira era uma
figura.  

-- Estamos perdendo tempo -- Alexandra foi até o armário, abriu as portas e olhou para dentro -- Suas roupas
estão aqui?  

-- Estão, mas espere -- pediu Natasha -- Como sairemos daqui?  

Bruna ficou ligeiramente alarmada com a forma abrupta com que Natasha saiu da cama e foi até o armário.  

-- Espera um pouco! Você não está pensando em fazer o que essa doida está propondo. Não é mesmo?  

-- Claro que sim! Estive pensando nisso desde ontem -- Natasha pegou algumas peças de roupas e jogou sobre
a cama.  

-- Você ainda está em recuperação. Não pode simplesmente sair assim do hospital sem receber alta médica --
insistiu, Bruna.  

-- Quem disse isso? -- Natasha olhou séria para ela.  

-- Eu, estou dizendo.  

-- Ah, tá! -- Natasha fez um gesto de pouco caso e se virou para Alexandra -- Como sairemos daqui sem sermos
percebidas?  
-- Deixa comigo. Já tenho tudo esquematizado na cabeça. O plano A está pronto, no caminho eu penso no
plano B e C. Troca de roupa e fica pronta. Já volto -- Alexandra ergueu a gola da camisa e saiu porta a fora.  

-- Meu guia espiritual deve ser psiquiatra, pois é cada louca que ele coloca em minha vida -- Bruna encostou-se
no batente da porta.  

-- Loucura é loucura. Não tente compreender.  

-- Verdade. Até eu pareço normal, mas já tentei acertar a lua com uma pedra.  

Natasha parou o que fazia e olhou para ela.  

-- Que legal, doutora! Eu também já fiz isso quando criança, só que usei uma espingarda.  

-- Você tinha uma espingarda quando era criança? -- Bruna estava horrorizada.  

-- Sim. Usava para me defender das baratas. O problema era quando elas voavam. Fazia um estrago! -- Natasha
voltou a se vestir.  

-- Você me falou de um sonho que teve com o seu pai. Me fale um pouco sobre ele.  

-- No sonho, ele me levou para assistir a sua reencarnação.  

Bruna ficou muito interessada. Caminhou até Natasha e tocou de leve em seu ombro.  

-- Você acredita que esse sonho pode ter se realizado?  

-- Até hoje, o único sonho meu que se realizou, foi o que eu estava toda mijada.  

-- Fala sério. Duvido que não tenha pensado a respeito.  

Natasha deteve-se em frente a Bruna com o tênis na mão e olhou-a incerta, depois se sentou cautelosamente
na cama.  

-- Claro que pensei. Pensei tanto que cheguei a ter dor de cabeça. Porém não cheguei à conclusão alguma.  

Bruna caminhou pelo quarto. Na média as pessoas levam cerca de 200 anos para reencarnar, logo, as
possibilidades de uma criança ser um parente recém desencarnado são bem pequenas, segundo a Doutrina
Espírita codificada por Allan Kardec. No entanto, existe algumas exceções. Uma pessoa que tenha falecido
num acidente de carro (ou qualquer outro tipo de morte prematura). Desta forma, é bem provável que ele não
tivesse terminado a prova prevista para esta encarnação. Caso esta pessoa tenha merecimento, e sua família
também, poderá reencarnar neste mesmo grupo familiar a fim de concluir a sua prova.  

-- Você pode ter tido um sonho premonitório. Sonhos premonitórios são aqueles em que o que foi visto
durante o sono se torna realidade na vida material. Há três tipos diferentes. O primeiro é aquele em que o
espírito, durante o sono, desprendido do corpo físico, tem uma vasta percepção de sua vida e da de outros.
Com essa visão ampliada do momento, pode prever um desfecho lógico para determinada situação. A outra
forma é quando estando o espírito em outro plano, recebe de um ou mais espíritos evoluídos informações
sobre o futuro e, ao acordarem, trazem na lembrança esses registros. Por fim a terceira maneira de sonho
profético é a mais rara de todas. Trata-se de uma forma mais precisa e rica em detalhes de datas, horas e
locais. São visões proféticas de fatos que ainda vão acontecer, aos quais o espírito é transportado,
despertando com a lembrança rica em imagens -- Bruna sentou-se ao lado dela na cama, decidiu não falar
sobre a possibilidade do pequeno Marlon ser a reencarnação de seu pai. Seria demais para a cabeça de um
leigo. Não criaria nenhuma expectativa, simplesmente se conectaria com seu mentor espiritual em busca de
conselhos -- Nesse sonho, você recebeu informações detalhadas de datas, horas e locais?   

-- Data e hora sim, mas o local não ficou muito claro. Lembro que pousamos em uma pequena cidade do Rio
Grande do Sul, cujo nome tem quatro letras. Depois, caminhamos até a casa onde ele deveria reencarnar.    

-- Hum, ótimo. Preciso de um local calmo para falar com o meu mentor, potencializar as energias boas. Sentar-
se calmamente, acalmar a mente...  

Naquele instante, Alexandra abriu a porta com uma violência assustadora.  

-- De preferência bem longe da Girani -- completou, a médium.  

-- O que é isso? -- Natasha foi ao encontro da loira.  

-- Isso é um carrinho cesto de lavanderia hospitalar -- Alexandra respondeu, empinando o nariz -- Mais
conhecido como veículo para fuga de hospital. Não vai me dizer que nunca fez isso antes?  

-- Não sou louca de entrar em uma coisa dessa. Isso deve estar todo contaminado... Argh! Que nojo! 

Alexandra lançou um olhar reprovador para ela.  


-- Larga de ser fresca. Não é louco quem corre atrás de um objetivo, porque a nossa vida está tecida e
emaranhada por um fio de uma transitória aventura. Pensa no pequeno Gavião e na sua bela família
emplumada tão bem descrita a minha pessoa pela sua amiga Pedrita que come feito baleia, mas parece um
palito. 

Natasha hesitou um segundo ou dois, olhava vigorosamente para os olhos claros de Alexandra e depois
mandou as suas restantes dúvidas para o espaço. Seu instinto dizia-lhe que podia confiar nela. 

-- Pensando assim... Por eles vale o sacrifício.  

-- Claro! Como diz a minha sogra que é tão feia, que quando vai tirar uma selfie, tem que desativar o antivírus:
"Todo sacrifício é temporário, mas as vitórias são para sempre".  

-- Sua sogra é uma mulher sábia -- comentou, Bruna -- Ela é idosa, Girani?  

-- Minha sogra é tão velha, mas tão velha, que quando Jesus ressuscitou, ela foi a primeira a espalhar a
notícia.  

-- Meu Deus! Será que dá para você agir como uma pessoa normal ao menos uma vez na vida? -- disse Bruna,
irritada.  

-- Desculpa! É que sempre fico assim quando estou no comando de uma operação importante.  

-- Ei, péraí -- Natasha empolou o peito e soltou a voz -- Sou eu quem estou no comando da operação.  

-- Não sei se a empresária do ramo de motéis percebeu, mas eu estou no comando já faz tempo. Quem
arquitetou o plano e providenciou o veículo e as roupas para a fuga?  

-- Diga: Empresária do ramo hoteleiro, por favor -- Natasha abriu o carrinho e analisou o espaço -- Não sei se a
empresária do ramo de boates percebeu, mas eu sou a protagonista dessa história.  

-- Diga: Empresária do ramo de entretenimento, por favor -- Alexandra cruzou os braços na altura do peito,
forte indicativo de que não gostara do comentário e muito menos que aceitaria o papel de coadjuvante --
Então, a protagonista da história, vai vestir o uniforme de zeladora, que eu arrumei, vai entrar no carrinho
cesto, que eu arrumei, e vai sair pelos corredores empurrando o carrinho, que eu arrumei. Sabe por que?  

-- Por que? -- Natasha deu pancadinhas no queixo na expectativa. 

-- Não recebo ordens -- disse calma e de forma arrogante. 

-- Será que as meninas podem dar uma pausa na guerra de egos e saírmos logo daqui? -- Bruna pegou o
uniforme de zeladora e começou a se vestir.  

-- Tá certo -- resmungou, Natasha -- Enquanto eu estiver dentro do veículo de fuga, quero que você esteja no
comando -- disse ela baixinho para Alexandra.   

Créditos:  

https://www.altoastral.com.br/premonicao-espiritismo/  

https://radioboanova.com.br/evangelho_e_reforma/conheca-quatro-passos-para-entrar-em-contato-com-o-seu-
mentor-espiritual/  

https://www.osvigaristas.com.br/frases/loucos/pagina2.html  

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Capítulo 71 -- Quase Lá por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 71  

Quase Lá 

Alexandra segurou a porta, colocou a cabeça para fora e espiou ao redor cuidadosamente.  

-- Caminho livre -- avisou, a loira -- Agora vê se sossega aí dentro -- ela colocou a mão sobre a cabeça de
Natasha e empurrou para baixo -- Você empurra o carrinho, doutora. Eu vou averiguando o caminho.  

Bruna posicionou-se atrás do carrinho e começou a empurrá-lo pelo corredor. Seu coração batia forte e suas
pernas pareciam pesadas.  

-- Vamos ao combate! -- Alexandra deu um murro no ar.  

-- Que combate? -- Bruna franziu a testa -- Nem se atreva a provocar alguém. Quanto menos chamarmos a
atenção, melhor.  

-- Você sabe que eu gosto de fortes emoções -- Alexandra caminhava a passos largos à frente do carrinho --
Arma em punho, soldado!  

Bruna apontou para a vassoura e para o espanador presos ao carrinho.  

-- Qual dos dois? -- perguntou, sorrindo. 

Alexandra olhou para ela descorçoada. 

-- Esperar o que de uma pomba branca? -- os saltos das botas de couro de Alexandra ecoavam no chão de
mármore do hospital, enquanto elas se aproximavam da porta fechada no final do corredor -- Não se
preocupe, eu protejo a todas -- levantou a camisa e mostrou a arma sob a cintura.  

Bruna não mostrou qualquer sinal de surpresa. A loira adorava promover seu próprio exibicionismo. 

-- Estou vendo -- disse, simplesmente.  

Alexandra parou diante da porta. Ignorando o ar inquisitivo dos olhos de Bruna, ela abriu a porta com
cuidado e vislumbrou o local. Estava deserto.  

-- Ninguém! -- sussurrou -- Vamos usar o elevador. É mais rápido e seguro. 

Aguardaram um pouco até que, finalmente, o elevador parou e as portas se abriram. Elas entraram e
Alexandra imediatamente apertou o botão para o térreo.  

-- Segure o elevador -- uma suave voz feminina pediu. Bruna estendeu o braço e impediu que as portas se
fechassem.  

A mulher que entrou em seguida não era muito alta. O uniforme não lhe caía bem. Parecia ser uns cinco
números menores.  

-- Obrigada. Estou atrasada -- ela olhou para o carrinho e depois, as encarou de cara feia.   

-- Que andar? -- perguntou, Alexandra.  

-- Terceiro, por favor.  

Alexandra apertou o botão e encostou-se à parede do elevador, observando-a atentamente.  

-- Uma coisa é ser feia, outra é imitar o Belzebu sem querer -- ela cochichou no ouvido da médica.  

Bruna sentiu no seu âmago, que estava prestes a dar um chilique caso tivesse que ficar mais um minuto
naquele elevador. Alexandra não parava de olhar para a mulher.  

-- Vocês são novas no trabalho? Não sabem que é proibido usar esse elevador? -- a mulher fez uma careta --
Para vocês tem o elevador de serviço.  

Apesar de ser a pessoa mais grosseria e antipática do mundo, Alexandra, esboçou um sorrisinho simpático e
casual. Por um instante Bruna imaginou a loira enfiando o cano do revólver na boca da moça.  
-- Interessante. Sempre achei que no elevador todos eram amigos -- disse Alexandra.  

-- Por que diz isso? -- perguntou a mulher.  

-- Quando um peida, todo mundo cheira.  

-- Você não tem vergonha na cara, né? -- ela disse, muito irritada.  

-- Vergonha não, só beleza -- retrucou Alexandra, cheia de ironia. 

-- Chega, Girani! -- Bruna resolveu dar um basta, antes que as duas se agarrassem -- Desculpa, moça.  

-- Não peça desculpa para esse tira-gosto de dinossauro -- no terceiro andar as portas abriram, mas a moça
não saiu -- Não vai descer aqui? -- Alexandra perguntou -- Não estou me sentindo muito bem. O seu cabelo é
tão seco, que eu olho pra ele e me dá sede.  

-- Foda-se, sua loira sem graça -- a moça esbravejou, irada. 

Alexandra sentiu raiva e engoliu em seco. Mas, tinha que se controlar ou colocaria tudo a perder. 

-- O "foda-se" é um ponto de equilíbrio entre corpo e alma. E, se de uma coisa tenho certeza, é da minha beleza.
Portanto, suas palavras não me agridem.  

Bruna empurrou Alexandra para longe da mulher e tentou amenizar a situação.  

-- Olha moça, pode ir tranquila. A minha amiga está um pouco nervosa. É o primeiro dia dela no trabalho,
coitada. Por favor, seja compreensiva.  

Ao ouvir as palavras de Bruna, ela ficou muito quieta, observando Alexandra atentamente.  

-- Tudo bem, mas ela me deve desculpas -- a mulher exigiu. 

Alexandra fez uma mesura relutante para ela. Coçou a cabeça e olhou para o chão. 

-- Suponho que me considere verdadeiramente louca. Mas, como dizia Pedro Bial: O sol nasce, águias voam,
meu pé esquerdo tá doendo, vitamina de abacate, as rosas são vermelhas, Nova Lima tem ladeira e relógio! Ah,
que vontade! Que vontade de dormir e logo após salvar uma criança muda do sul da Indonésia. Entendeu?  

-- É... acho que entendi -- ela deu um passo para fora do elevador -- Mas, não esqueçam! Na próxima vez, usem
o elevador de serviço.  

-- Pode deixar -- antes da porta se fechar, Bruna mandou um tchauzinho pra ela.  

-- Estou precisando de ar -- disse Natasha, no meio de um ataque de tosse.  

Alexandra empurrou ela para dentro do cesto.  

-- Aguenta só mais um pouquinho. Já estamos quase lá -- ela disse, animada.  

A porta do elevador se abriu e o sorriso nos lábios de Alexandra sumiu instantaneamente. Talita estava logo
ali, encostada ao balcão de recepção do Pronto Socorro.  

-- E agora? -- Bruna olhou para ela com os olhos arregalados -- A Talita vai nos reconhecer de cara.  

Alexandra passou os braços em volta dos ombros de Bruna.  

-- Relaxa, doutora mediúnica. Como disse o presidente americano Roosevelt: "Não temos nada a temer a não
ser o próprio medo. E Alexandra Girani" -- ela completou com um sorriso maroto -- Leve o carrinho para atrás
daquela pilastra e fiquem ali até eu voltar.  

Mal terminou de falar, Alexandra entrou no elevador e as portas se fecharam. 

Imediatamente Bruna abriu o carrinho.  

-- Tudo bem, Natasha?  

-- Estou começando a me arrepender de ter aceitado esse plano maluco. Eu tenho asma e já usei a bombinha
umas três vezes.  

-- Tente manter a calma. Estamos a alguns metros da porta de saída -- Bruna falou tentando tranquilizá-la, mas
na verdade estava apavorada -- A Girani logo estará de volta. Por hora, vamos fazer o que ela pediu e nos
escondermos. 

 
Isabel andava enquanto falava.  

-- Por que não me disse que teríamos que viajar?  

-- Porque se eu dissesse, você não me deixaria ir junto -- André fez um gesto impaciente com a mão -- Vamos
para o balcão de check-in.  

-- Eu vou bater tanto na Xanda. Quem ela pensa que é? -- a voz de Victória soou realmente irritada -- Tadinha
da Bruninha. Essa deve ser a quinta vez que a Alexandra a arrasta para essas aventuras malucas.  

-- Pode deixar, Vic. Eu mesma vou dar uma lição naquela loira desmiolada.  

-- Você está dizendo isso há mais de um ano, Isa -- Victória entregou os documentos para a funcionária da
companhia aérea e fixou os olhos em Isabel -- Você sempre acaba dando razão a ela.  

Isabel fez um biquinho charmoso.  

-- É que ela é tão fofa!  

-- A poderosa é fofíssima! -- completou André.  

-- Minha Bruninha é altamente sensível e bondosa. A Xanda é uma má influência para ela.  

-- Para com isso, Vic -- Isabel meneou a cabeça de um lado para outro -- Não vou discutir, nem censurar
a Xanda por ela ajudar as pessoas.  

-- Você está dizendo que aprova essas barbaridades que ela faz? Me poupe Isabel. A Xanda agi como se fosse
a dona do mundo.  

-- Para mim a poderosa veio de outra dimensão!  

-- Cala a boca, André -- Isabel ficou olhando para ele. A cabeça latejava de tensão desde que pusera os pés no
aeroporto -- Você é outro que só me apronta.  

-- Euuuu...?  

-- Você mesmo! Por sua causa estamos indo para Florianópolis apenas com a roupa do corpo. 

-- Não faça tempestade em copo d'água, mona. Vocês podem comprar roupas novas em Florianópolis. 

-- O avião já está na pista -- a mulher do balcão de check-in disse a Victória.  

Victória respirou fundo novamente e tentou se acalmar. Não podia perder o controle. Ela gostaria de
simplesmente virar as costas e sair dali, deixando a Bruna em companhia da maluca da Alexandra. Mas não
podia. Tinha que ignorar o fato da loira ser a pessoa mais louca e irresponsável que já encontrara e lembrar-
se que só estava indo por causa da Bruna. Não podia perder o foco.  

-- Tá certo. Então vamos.  

Minutos depois, eles subiam a bordo do enorme avião com destino à Florianópolis.  

Cinco minutos depois, que Alexandra se foi, Bruna estava explodindo de impaciência.  

-- Meu Deus! Aonde a Girani se meteu? -- soltou um resmungo.  

-- Estou aqui, florzinha!  

-- Aiiii... -- Bruna levou um susto e se virou -- Sua...  

Nesse instante, a campainha de emergência soou pelo Pronto Socorro. Todos os médicos e enfermeiros que
estavam no local saíram apressados. As pessoas ficaram agitadas e especulavam sobre a identidade do
paciente que estava passando mal.  

-- Que cara é essa, doutora? Não queríamos uma oportunidade para atravessarmos a recepção sem sermos
reconhecidas?  

-- Precisava esse alvoroço todo?  

Alexandra a encarou, com um sorriso malévolo.  

-- Precisava.  

Bruna conduziu o carrinho em alta velocidade em direção às portas envidraçadas que se abriam para a parte
externa do hospital.  
A noite apresentava-se agradavelmente fresca depois do calor do dia. Alexandra tocou no braço de Bruna e
apontou para a parte lateral do prédio. Então, foram naquela direção, afastando-se das luzes.  

-- Pode sair, Natasha -- disse Bruna, abrindo a tampa do carrinho.  

Natasha não pensou duas vezes, pulou desengonçadamente para fora do carrinho.  

-- Jesus! Estou sem ar... minha bombinha... vou morrer...  

-- Não se preocupe -- Alexandra deu-lhe uma palmadinha de leve no ombro -- Caso precise, temos aqui
conosco, uma médica para cuidar do seu corpo físico e caso morra, uma médium para cuidar do seu espírito.  

-- Você devia ter seguido carreira no exército. Que gênio, parece um general -- disse Natasha, em meio a um
ataque de tosse.  

-- Não me ofenda. Sou totalmente contra a regimes que impõe força sobre o mais fraco, que causa opressão --
ela cerrou os dentes e esforçou-se para continuar -- Sou contra os prepotentes, dominadores, despóticos,
tiranos, ditatoriais. Que massacram o povo, perseguem e reprimem as minorias.  

Bruna e Natasha ficaram olhando para ela em silêncio. Não podiam acreditar no que estavam ouvindo.  

-- Agora vamos. Perdemos tempo demais -- disse Alexandra, olhando para elas de testa franzida, os braços
cruzados diante do peito -- Desse jeito quando encontrarmos o filhote de gavião, ele já vai até estar voando.  

Depois de passarem pela alfândega, saíram à procura de um restaurante. André estava com fome e não parava
de reclamar.  

-- Se estivéssemos viajando com a poderosa, eles teriam nos servido um banquete.  

-- Não duvido -- Isabel olhou ao redor. Sentiu-se completamente perdida. Ia pedir informação a alguém quando
um homem moreno, usando uniforme, sorriu para ela como se adivinhasse suas dificuldades.  

-- Procurando alguma coisa, senhorita? -- perguntou, sorrindo com simpatia. Qualquer ajuda seria bem
recebida no momento; principalmente vinda de um homem usando uniforme. 

-- Estamos procurando um bom restaurante. Tem algum por aqui que possa nos recomendar? 

-- Temos ótimos restaurantes na praça de alimentação -- sorria solicito, examinando a figura elegante de Isabel
-- continue a andar nesta direção e logo encontrará a praça de alimentação. O nome do restaurante é Ovelha. 

-- Obrigada, senhor. 

-- De nada! -- disse ele, acenando com simpatia. 

Realmente, logo encontraram a praça de alimentação e o restaurante Ovelha. Não houve o menor problema
para acharem uma mesa vaga e se acomodarem. 

O garçom se aproximou, anotou os pedidos e se afastou. 

-- Preciso ir ao banheiro. Vamos comigo, Vic? Não quero ir sozinha. 

-- Vamos. Eu também quero. 

-- Vão me deixar aqui sozinho? Que droga! 

-- Não me diga que quer ir junto? Era só o que faltava -- Isabel enroscou seu braço no braço de Vic e empinou
o nariz -- Vamos amiga. 

Por algum tempo, ele ficou olhando elas se afastarem. Depois, fez uma careta e mostrou a língua. 

-- Bobonas! Se acham. Tomara que a poderosa e médium aprontem uma... aiiii... 

Alexandra apertou a orelha dele com força, deixando-o de pé.  

-- Poderosa??? -- André estava com os olhos fixos em Alexandra -- O que você está fazendo aqui em
Florianópolis? 

-- Não! Eu não escutei isso -- Alexandra olhou para ele incrédula -- Você trouxe a Isa e a Vic até aqui! 

-- Se eu não a trouxesse, ela me... 

-- Não retruque! -- explodiu ela, raivosa -- Você sabe muito bem do que a Isa é capaz -- ela apertou o lóbulo da
orelha com mais força. 
-- Aiiii... tá doendo! -- André esperneou até que Alexandra o soltou. 

-- Você tem tanto medo assim da sua esposa? -- o sotaque marcante na voz debochada de Natasha deixou
Alexandra extremamente irritada. 

-- Claro que não! Tá pra nascer a mulher que vai mandar em mim!  

-- Xanda! -- Isa berrou, próxima ao ouvido dela -- Repita se tem coragem! 

Alexandra congelou no lugar. 

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Capítulo 72 -- Mentores que nos guiam por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 72 

Mentores que nos guiam 

-- Vamos Xanda. Repita o que você acabou de falar -- Isabel estava furiosa com os braços cruzados e o pé
batendo impacientemente contra o piso do chão. 

-- Claro, meu mel. Estava falando para a Natasha que, tá pra nascer a mulher que vai mandar em mim!  -- ela
abriu um sorriso largo, mostrando os dentes brancos -- Ninguém é de Ninguém!!!!! Não existe essa de mandar.
O que existi é um comprometimento mútuo e respeito pela opinião da outra. É assim que vivemos com bem
menos conflitos no relacionamento.  

A emoção foi tão intensa que os olhos de Isabel se encheram de lágrimas. 

-- Que lindo, Xanda -- ela rodeou o pescoço de Alexandra com os braços e beijou-a com adoração. 

As lágrimas rolaram pelas faces de André. Ele pegou um guardanapo e secou os olhos e o rosto. 

-- A poderosa sempre foi uma pessoa romântica, doce, sensível e muito emotiva.  

Bruna, Victória e Natasha ficaram paradas incrédulas, absolutamente incapazes de falarem. Alexandra e Isabel
pareciam representar uma peça de William Shakespeare. 

Victória puxou Bruna pelo braço e cochichou em seu ouvido: 

-- Essas duas se merecem. 

-- O que foi? Estão olhando o que? -- Alexandra se voltou para elas -- Nunca viram um casal apaixonado? 

-- Desse tipo, nunca -- disse Natasha, se jogando desanimada na cadeira -- Agora que os casaizinhos já estão
reunidos e felizes, será que poderíamos nos concentrar na procura da minha família? 

Bruna beijou de leve os lábios da esposa e acariciou-a com meiguice. Victória a olhava fixamente e como se
lesse dentro dos seus olhos, pediu: 

-- Você precisa ajudar ela, meu amor. Meu coração queima e se desespera só de me imaginar em seu lugar.
Você e meus filhos são tudo para mim. Morreria caso perdesse um de vocês. 

Bruna concordou meneando a cabeça de um jeito quase formal. 

-- Claro, amor. "Não há como ver sentido na vida se não for para ser útil aos outros. Viver pra si mesmo é bom.
Viver em busca de prazeres é bom. Ninguém aqui é santo. Mas enquanto vivemos só pra nós mesmos, por
mais prazer que tenhamos, por mais coisas boas e agradáveis que experimentemos, nunca é o suficiente. O
prazer alcançado nunca é o bastante. É por isso que quem vive voltado para as coisas materiais, quem vive em
função de prazeres materiais, sempre quer mais. 

Sempre mais comida, mais álcool, mais drogas, mais roupas e sapatos e bolsas e aparelhos e tudo o que o
consumismo oferece, sempre mais sexo, mais jogo, mais velocidade, mais prazeres de todo tipo. Porque o
prazer não preenche o vazio no peito, o prazer material não é capaz de suprir a necessidade íntima de ser útil
aos outros. A única maneira de se sentir realizado é fazendo algo de útil em proveito de alguém". 

Alexandra segurou Isabel pela mão e de mãos dadas elas se encaminharam para a mesa. 

-- A Xanda é essa criatura maluquinha, mas em nenhum instante deixou de pensar nas pessoas. Em certos
momentos, até mais do que deveria -- Isabel olhou para a loira e sorriu -- Por isso, nossa vida é uma constante
"operação de salvamento". Porque, sempre há alguém precisando dela. Sempre há alguém que precisa
exatamente do tipo de ajuda que ela pode oferecer -- ela esfregou suavemente os dedos na mão de Alexandra -
- Eu me orgulho muito de você, Xanda. 

-- Obrigada, meu mel. Você sabe que contigo ao meu lado me sinto ainda mais forte.  

-- Tipo Viúva Negra, poderosa?  

-- A Viúva Negra, é viúva, André -- Isabel deu um tapa na cabeça dele. 

-- Desculpa, mona. Foi mal. 


-- O que pretende fazer Bruninha? -- Victória sentou-se à mesa, ao lado de Bruna -- Por que vieram para o
aeroporto? Estão pensando em viajar? 

Foi Natasha quem respondeu: 

-- Eu sonhei com o meu pai e no sonho, ele me mostrou que reencarnaria em uma pequena cidade do Rio
Grande do Sul -- contou, Natasha. Seus olhos verdes fixos em Victória -- Pretendíamos ir para Porto Alegre
depois, pensaríamos o que fazer. 

-- Eu sou gaúcha. Você não tem nenhuma pista de qual é a cidade? -- Victória inclinou-se para frente e encarou
Natasha. 

-- Quatro letras. É só o que eu sei -- Natasha, respondeu desanimada. 

-- Isso já é um bom começo -- Victória pegou o celular e acessou rapidamente o Google -- Quantas cidades com
quatro letras tem no Rio Grande do Sul? 

-- Verdade. Vamos ver -- disse Isabel, olhando para a as caretas que Alexandra fazia -- Não seja
pessimista, Xanda. 

-- Não tem porque ser pessimista. Não vai funcionar mesmo... 

Isabel simplesmente ignorou-a.  

-- Anota pra nós, André -- ela pediu -- Pode falar, Vic. 

-- Tá. Vejamos... Bagé, Chui, Ijuí, Iraí, Jari, Joia... 

-- Pode parar, Vic -- Bruna fechou os olhos quando esfregou a mão sobre a mão de Victória -- São muitas
cidades, amor. 

-- Eu disse -- Alexandra deu uma risadinha debochada para Isabel -- Acho que a doutora vai ter que chamar o,
fantasminha camarada pra ajudar a gente.  

-- Mais respeito, Xanda -- repreendeu-a Bruna -- Vou dar a minha sugestão. Cabe à Natasha decidir.  

-- Pode falar, doutora -- Natasha levantou as sobrancelhas, ansiosa e esperançosa. 

-- Vamos nos hospedar em um hotel aqui em Florianópolis. Preciso aquietar a mente e entrar em estado de
profunda conexão com minha força interior. Estamos muito agitados. 

-- Eu tenho um hotel na Beira Mar Norte. Podemos nos hospedar lá -- Natasha levantou-se decidida. 

Alexandra também se levantou, num consentimento mudo. 

-- É o que faremos, então.  

No hospital. 

Talita parou incrédula ao lado da cama vazia. Nem sinal de Natasha e de suas novas amigas. 

-- Desculpa doutora -- a enfermeira chefe estava muito chateada -- Isso nunca aconteceu antes. Somos bem
cuidadosos com relação aos nossos pacientes. 

-- Não precisa se desculpar. Quando a Natasha coloca algo na cabeça, ninguém a impede. Ela sairia do
hospital mesmo que fosse pela janela. 

A enfermeira saiu do quarto resmungando, o que fez Talita sorrir. 

-- Natasha, Natasha -- ela meneou a cabeça de um lado para outro -- Então, meu trabalho aqui nesse hospital
chegou ao fim. 

Caminhou automaticamente pelos corredores do hospital, até parar diante da porta do elevador. Estava de
certa forma feliz em voltar para o seu chalé na Ilha do Falcão. Natasha estava bem, não tinha com o que se
preocupar. 

A porta abriu-se e sem que Talita tivesse tempo de se afastar, um homem saiu tão depressa que quase a
derrubou.  

-- Ivo? -- Talita olhou para ele com os olhos arregalados -- O que faz aqui?  

 
Andreia olhava distraidamente pela janela a chuva que caia a três dias. Estava desanimada. Os últimos dias
haviam sido penosos. A saudade de Natasha era tanta que chegava a doer. Não sabia como ela estava, sequer
sabia se havia sobrevivido ao tiro. 

-- Você está bem? -- perguntou Sofia encostada no batente da porta. 

-- Estou bem -- Andreia mentiu, sabendo que era melhor não dizer nada. A amiga começaria com a mesma
ladainha de sempre. 

Sofia a olhou de esguelha. 

-- Tem certeza? 

-- Absoluta -- disse caminhando em direção a cozinha. 

Sofia a seguiu. 

-- Ainda está chateada comigo?  

-- Sofia, por favor -- disse Andreia sem paciência, colocando uma fatia de pão no prato -- Já conversamos
várias vezes sobre isso. 

-- Promete que vai limpar a minha barra junto a Natasha.  

Andreia se virou para encarar Sofia. 

-- Você conhece muito bem o gênio forte da Natasha -- um sorriso brotou-lhe dos lábios ao se lembrar dela --
Mas, prometo que assumirei a culpa. 

-- Obrigada amiga. Não estava conseguindo nem dormir direito.  

Andreia deu uma risada divertida. 

-- Está com medo dela? Você sempre a enfrentou com petulância. 

-- Era diferente. Dessa vez eu sei que tenho culpa no cartório e até mereço uma bronca -- Sofia olhou para o
teto -- Estou tão arrependida de termos vindo para esse fim de mundo.  

-- Não fique se culpando. Um conjunto de coisas que aconteceram nos deixaram nessa situação. Não adianta
se lamentar. O jeito agora é esperarmos a chuva passar e irmos atrás de notícias. 

-- Você já pensou na possibilidade de a Natasha ter morrido? 

Andreia ficou pálida como cera. Ficava arrasada só de cogitar a ideia. 

-- Não. Eu sei que ela está bem. E acredite que mesmo longe uma da outra eu sinto a presença dela todos os
dias.  

-- Espero que você esteja certa, amiga. Pois caso contrário, pode esquecer a Ilha do Falcão. Nunca mais
Carolina permitirá a nossa entrada na ilha.  

Bruna sentou no sofá e Alexandra veio para o lado dela. 

-- Quando vai conversar com o cara? -- ela parou por um instante, olhou ao redor e depois perguntou
baixinho: Ele está aqui? 

Natasha se interessou pelo assunto. Entregou um copo de bebida para Bruna, outro para Alexandra e sentou-
se no sofá menor, de frente para a médium. 

-- Ele está aqui? -- Também ansiava saber. 

Os lábios de Bruna se curvaram num sorriso divertido. Ainda que o tema cause certo medo, é fato que o
assunto desperta também uma boa dose de curiosidade.  

-- "Nossos mentores espirituais são pessoas extrafísicas que já alcançaram um grau de pureza maior que o
nosso, porém, não estão muito distantes de nosso nível evolutivo. Em outras vidas eles podem ter sido
nossos parentes, ou algum amigo muito próximo". 

Vivendo agora no plano espiritual, eles se dispõem a trabalhar na tarefa de auxílio aos encarnados. Para
assumir tal função, esses espíritos foram selecionados e preparados de acordo com os desafios que vamos
enfrentar na vida carnal. 

Eles conhecem profundamente nossas qualidades e defeitos, atuam principalmente nos fornecendo
inspiração e proteção contra adversários físicos e espirituais de vidas passadas. Sempre respeitando as leis
divinas, seu objetivo é nos assistir na realização de nossa missão evolutiva na Terra. 

-- Você está dizendo que todos nós temos um ou mais Mentores que nos guiam nesta trajetória terrena? --
perguntou, Alexandra. 

-- Sim. "O reconhecimento da presença do mentor está relacionado ao tipo de percepção que cada um possui.
Existem pessoas que tem a percepção visual mais aguçada, elas conseguem ver vultos, ou até mesmo podem
enxergar claramente seu mentor. Há pessoas que possuem a percepção auditiva mais desenvolvida, elas
costumam escutar a voz de seu mentor dentro da mente. Outras pessoas são as chamadas cinestésicas, estas
assimilam a presença do mentor através de sensações físicas, como arrepios, pressão no corpo, calor ou frio.
Este processo de senso percepção é uma capacidade natural do organismo humano. Todas as pessoas
podem estabelecer uma comunicação com seus mentores e o plano espiritual, independente de crença ou
religião". 

-- Não sei -- Alexandra coçou a cabeça -- Sou incrédula em relação à espiritualidade. 

-- Você já sentiu que estava sendo observada, mas, quando se virou para ver quem era, ninguém estava lá?
Ouviu alguém dizer o seu nome sem haver ninguém por perto? Teve a impressão de ter sentido a presença de
alguém quando estava sozinho em casa? Pode até ser que essas situações não tenham sido nada, mas pode
ser também que espíritos estejam tentando se comunicar com você. Pessoas que desenvolveram a habilidade
de se conectar, de uma forma ou de outra, com o mundo dos mortos. Sentir essas manifestações de vez em
quando é comum, pois todos temos a capacidade de estabelecer esse contato. Decidir trabalhar ou não essa
habilidade aparentemente inerente ao ser humano é uma escolha e os caminhos, não necessariamente,
precisam passar por alguma religião. 

-- Eu pensava como você, Natasha, até receber uma mensagem psicografada pela Bruna. A carta tinha
informações que só pertenciam a mim e a minha irmã. Como as conversas entre nós e o nosso pai. Apelidos e
segredos, coisas que só nós duas sabíamos, era muito íntimo. Com tudo isso, é impossível não acreditar em
vida após a morte. 

Bruna segurou as mãos de Natasha entre as suas e sorriu. 

-- Existem diferentes tipos de psicografia. Uma delas é a "mecânica", quando o espírito se "apossa" do braço do
médium por inteiro e o receptor geralmente não tem consciência do que ele está escrevendo. Na "semi-
mecânica", o médium participa de ambos os estados. Ele sente que metade do braço sofre uma certa impulsão
e geralmente vai tomando consciência do que está escrevendo. Tem ainda os chamados intuitivos, que ouvem
os pensamentos dos espíritos e transcrevem para a folha e os inspirados, que escrevem bem devagar, captam
imagens e vão colocando descrições no papel -- Bruna ficou séria, mas seu jeito era meigo, seu olhar era
sereno e sua simples presença transmitia muita paz -- Então? O que me diz? 

Os olhos de Natasha transbordaram-se de esperança.   

-- Vamos tentar receber uma mensagem -- disse confiante. 

-- Vamos, mas lembre-se: Não somos nós quem decidimos. 

-- Eu sei. E compreenderei se não der certo. 

-- Ótimo. 

Bruna e Natasha entraram em cômodo mais restrito e tranquilo e fecharam a porta na cara de Alexandra. 

CRÉDITOS: 

http://www.espiritoimortal.com.br/a-necessidade-de-ser-util-ao-proximo/ 

https://www.marciafernandes.com.br/site/a-diferenca-entre-anjo-da-guarda-mestre-mentor-e-guia-espiritual/ 

https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2015/06/26/noticias-saude,187411/capacidade-de-entrar-em-contato-
com-espiritos-pode-ser-desenvolvida-po.shtml 

https://cinemanafloresta.com.br/mentor-espiritual-esta-ao-seu-lado/ 

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Capítulo 73 -- A Rainha da Fronteira por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 73 

Rainha da Fronteira 

Alexandra encostou seu ouvido na porta, tentando escutar o que estava acontecendo lá dentro. 

Victória parou atrás dela e apoiou as mãos sobre os ombros da loira. 

-- Sabia que é feio ouvir a conversa alheia? 

Alexandra deu um pulo e pôs a mão sobre o coração. 

-- Você me deu um susto -- ela suspirou, tentando acalmar seu coração acelerado. 

-- Que feio! -- Victória olhou para a porta fechada, depois, para Alexandra -- O que está acontecendo? 

-- Já faz dois minutos que elas entraram e até agora nada. 

Victória fez um gesto de enfado, revirou os olhos, e encostou o ouvido na porta. 

-- Verdade. Não consigo ouvir nada. 

-- Vai buscar um copo -- pediu Alexandra. 

-- Pra que você quer um copo? 

-- Busca lá que eu te mostro. 

Mesmo usando saltos, Victória saiu caminhando com passos largos em direção a cozinha. Instantes depois,
retornou acompanhada de Isabel e de André. 

-- Aqui está o copo. 

-- Eu não acredito que você vai espiar elas -- disse Isabel irritada. 

-- Com certeza.  

-- Que horror, poderosa. Isso é coisa de fofoqueira. 

Alexandra encostou a borda do copo contra a porta para criar uma conexão acústica entre ambos. Depois,
apoiou a orelha no fundo do copo.  

-- Shhhhh! Será que dá pra vocês calarem a boca? Desse jeito não vou conseguir ouvir o que elas estão
falando. 

Silêncio por alguns segundos. 

-- Então Xanda. Está ouvindo algo? 

-- Espera um pouco Isa. A doutora vai começar agora. 

-- Não vou aguentar ficar aqui parada esperando. Vou pegar um copo pra mim. 

-- Traz um pra mim também, Isa -- pediu Victória. 

-- Credo que mulherada mais curiosas -- André esfregou as mãos com nervosismo -- Mas, que droga! Vou
buscar um copo pra mim também. 

Ivo encarou a médica furioso. Seus olhos frios e cinzentos, causaram medo em Talita. A mão pesada do
homem se fechou com força em torno do braço dela. A médica proferiu um grito de dor e se sobressaltou. 

-- Me solte! -- gritou, puxando o braço com violência. 

-- Primeiro terá que me garantir que vai voltar para casa. 

Talita seguiu lutando enquanto berrava. 


-- Me solte! Está me machucando. 

-- Você não presta. Não vale nada -- disse Ivo com desprezo. 

-- Você usou de má fé comigo, Talita. Foi trabalhar na ilha para ficar mais perto de sua amante. Fiz papel de
idiota! - exclamou, olhando-a nos olhos. 

-- Não é nada disso. Por favor, me escute -- tentou explicar -- Eu fui para a ilha porque era uma grande
oportunidade para a minha carreira profissional. 

-- Você realmente acha que eu vou acreditar nessa sua conversinha? Confiei em você. Como fui imbecil. Como
fui acreditar que seria apenas um trabalho temporário? Você jogou sujo demais, comigo. 

-- Estou apaixonada por outra pessoa, Ivo. Sinto muito, não foi minha intenção te magoar. 

Ivo empalideceu. A expressão furiosa do rosto dele a assustou. Nunca sentira tanto medo em sua
vida. Ele passou a mão pelos cabelos, num gesto quase de desespero. Era impossível prever qual seria sua
próxima atitude.  

-- É aquela depravada, não é mesmo? Aquela Falcão dos infernos -- Ivo soltou o braço dela nervoso e começou
a esbravejar, enquanto andava em círculos -- Eu devia tê-la matado naquele dia. Sou uma besta! 

Ao ouvir aquelas palavras, Talita ergueu a cabeça, aterrorizada. Chegou a conclusão estarrecedora de que Ivo
foi o autor do disparo contra Natasha. 

-- Então foi você quem tentou matar a Natasha -- sentia-se destruída -- Nunca pensei que fosse capaz de uma
coisa assim. 

-- A culpa foi sua. Você deveria ter imaginado que eu nunca aceitaria ser trocado por uma mulher. Nunca!
Prefiro morrer na cadeia. 

-- Você está enganado. Minha relação com a Natasha é puramente profissional. Eu amo outra pessoa. 

Quanto mais Talita tentava explicar, mais Ivo se enfurecia. Estava transtornado. 

-- Diga a verdade, sua vagabunda -- ele berrou. 

-- Eu vou te denunciar a polícia -- ela ameaçou -- Você vai pagar pelo que fez. 

Num impulso de ódio, Ivo aproximou-se dela e levantou a mão na altura do rosto, como se fosse lhe dar uma
bofetada. 

Talita colocou as mãos no rosto, procurando se proteger. Neste momento, duas funcionárias do hospital
apareceram, fazendo com que ele recuasse. 

-- Vá embora, Ivo. Não me procure nunca mais -- sussurrou a médica tristemente. 

Ivo hesitou por um longo instante, um tempo quase insuportável, fitando-a nos olhos. 

-- Eu vou agora, mas, tenha certeza que brevemente nos encontraremos -- ele deu alguns passos e se voltou
para ela de forma ameaçadora -- E ai de você se abrir o bico. 

Ele finalmente virou-se e saiu. Esse era um dos dias que Talita jamais esqueceria.   

Bruna e Natasha sentaram-se ao redor de uma mesa.  

-- Está pronta? -- perguntou lentamente. 

Natasha sorriu para ela, um tanto cautelosa e insegura. Porém, estava determinada a continuar, custasse o
que custasse. 

-- Estou pronta. 

-- Vou começar a sessão com uma prece -- com os olhos fechados, Bruna iniciou: -- "Meu Deus, permita que os
Bons Espíritos que me assistem possam ajudar-me, nesse momento de dificuldade, e amparem-me nas minhas
vacilações. Senhor, que eles me inspirem a fé, a esperança e a caridade, que sejam para mim um apoio, uma
esperança e uma prova da vossa misericórdia. Fazei, enfim, que eu neles encontre a força que me faltar nas
provas da vida, e para resistir às sugestões do mal, a fé que salva e o amor que consola. 

Espíritos amados, Anjos Guardiães, vós a quem Deus, na sua infinita misericórdia, permite velarem, pelos
homens, sede o nosso amparo nas provas desta vida terrena. Fazei que sintamos a presença, ao nosso lado,
de um amigo devotado, que assista os nossos sofrimentos e participe das nossas alegrias".  
Natasha sentiu-se muito bem naquele momento. Sentiu uma brisa suave, vinda não sabia de onde. Aspirou
aquele ar e sentiu muita calma e tranquilidade. 

Ainda com os olhos fechados, Bruna deu um suspiro e com uma voz estranha pediu: 

-- Me alcance papel e caneta. 

Natasha prontamente atendeu. Colocou sobre a mesa folhas de papel e uma caneta. Ela ficou em silencio
observando a entidade escrever pelas mãos da médium. Após algum tempo, Bruna pousou a caneta sobre os
papeis e sorriu com bondade para Natasha. 

-- Que essa mensagem nos ajude e que o amor de Deus encha o nosso coração -- Bruna massageou o pescoço,
dolorido e tomou os papeis em suas mãos -- Agora vamos ver o que temos aqui -- Bruna iniciou a leitura: 

"Querida... Eu sei que ficaram muitas perguntas, muitos questionamen­tos a respeito do nosso desencarne.
Tantos sonhos frustrados e interrompidos. Estávamos felizes e certos de que fazíamos o melhor para você e
sua irmãzinha. 

O que parece ser injustiça, quando visto de cima, todas as ideias e conceitos sobre o divino são repensados,
refeitos, colocados em testes, em refazimento. Quero primeiramente que saiba que nada acontece por acaso.
Não existem vítimas no Universo. 

Colhemos o que plantamos. Aprendo aqui que esta é a lei uni­versal e inalterável, a lei da ação e reação.  

Quero que saiba que Deus não foi o culpado pela nossa morte. Aliás, minha filha, a morte não existe. Nós
apenas vamos para outro lugar, aprender muitas coisas para só depois poder se comunicar com nossos entes
queridos que permanecem na crosta terrestre.  

Naquele sábado, você chorou muito, pedindo que não fossemos para a festa. Achávamos que fosse devido ao
medo que sentia de deixar a ilha, mas na verdade eram espíritos amigos que tentavam nos avisar através de
você que não deveríamos pegar a estrada naquele dia. E assim, a boa justiça divina nos chamou para o
acerto! 

Filha... Minha filha Natasha... Eu sei que o seu coração sofre com essa saudade; sei que não é fácil ver os dias
passarem e não ter a nossa presença física ao seu lado. Ah, filha! Eu sei o que é isso. Sabe... quando tudo
aconteceu, foi bem complicado. Estava feliz, eu brincava com sua irmãzinha quando tudo de repente se
tornou um grande caos. 

Mas eu pude, minha filha, no meio desse caos e gritos de de­s espero, jogar a sua irmã pela janela e antes que o
carro explodisse eu lembrei de você. Passou como um filme na minha cabeça e eu pedi a Deus força e
misericórdia. 

Quando de repente me vi, fora do corpo, alguns ir­mãos vestidos como enfermeiros e outros com crachás
médicos vieram nos ajudar. Veja, minha querida, eu me dei conta quando senti uma mão macia e amiga sobre o
meu ombro. Era a minha mãe desencarnada há muito tempo. 

Foi mamãe quem me acolheu e me auxiliou naquele mo­mento. Me acalmando e pedindo para eu ficar tranquila. 

Seu pai reencarnou. Não sei se foi ele quem escolheu ou se foi forçado a isso, mas o certo é que ele precisava
passar pela reencarnação a fim de elevar a sua alma para a perfeição espiritual. A Rainha da Fronteira o
acolheu e ele há de velejar por onde os ventos da Providência Divina o levar, com a segurança da felicidade. 

Sua mãe está bem! Eu quero que fique bem, também, minha filha! 

Eu cumpri a minha agenda. Aquilo mesmo que eu programei e escolhi. Filha... Eu te amo muito, minha filha...
Cuide da sua irmãzinha, minha Carolina, meu anjinho! Te amo, Elisa, minha querida amiga! Força! 

Natasha, minha filha querida! Estarei sempre ao seu lado, nunca se esqueça disso. Nunca deixarei você só. Eu
amo muito vocês, não chorem por mim! Eu estou muito bem. Rezem! Rezem muito. Não só por mim, papai e
João Carlos, mas por todos nós. Muita luz sempre, com amor". 

Eu te amo! 

Ângela 

Natasha começou a chorar. 

-- Reconhece alguém nessa carta? -- perguntou a médium. 

-- Sim. É a minha mãe que juntamente com o meu pai, faleceu em um acidente automobilístico. 
-- Quem é Carolina e João Carlos? 

-- Carolina é a minha irmã. Ela estava no carro e... Quem diria, foi mamãe quem a salvou -- a forte emoção
embargou a sua voz -- João Carlos era o motorista. 

-- Pode ficar com a carta. Ela é sua. 

-- Obrigada -- Natasha pegou a carta e se levantou -- Estou muito feliz. Saber que a minha mãe está bem e olha
por nós, é maravilhoso. É uma sensação indescritível, uma emoção que não consigo explicar. Mas... 

-- Mas, ficou faltando uma informação. 

-- Sim... 

Um barulho irritante vindo do lado de fora fez Bruna caminhar até a porta e abri-la de supetão. Os
curiosos que estavam encostados nela, caíram para dentro uns sobre os outros. 

-- O que significa isso? -- perguntou Bruna, indignada. 

Alexandra se levantou rapidamente, com o copo na mão. 

-- Querem uma bebida? 

Bruna balançou a cabeça de um lado para outro. 

-- Que vergonha! Até você Vic? 

-- Má influência -- respondeu ela, entrando na pequena sala -- E aí?  

-- Pela demora não foi uma carta. Foi um livro de auto ajuda. 

-- Cala a boca, Xanda -- Isabel tocou no braço de Natasha com delicadeza -- Recebeu a mensagem? 

-- Recebi uma mensagem de minha mãe. Foi muito emocionante, impossível não acreditar. 

-- Ela mencionou o nome da cidade? -- perguntou Alexandra. 

-- Infelizmente, não -- disse Bruna, desanimada. 

-- Então volta lá Bruna. Pede pra falar com ela novamente. Dessa vez não precisa ser uma carta, pode ser um
bilhetinho... 

-- Não vou nem responder, Xanda -- Bruna saiu da sala. 

-- Mal-humorada -- Alexandra foi atrás dela -- Espera doutora... 

Isabel parou ao lado de Natasha. 

-- Posso ver a carta? 

-- Claro. Fique à vontade -- Natasha entregou a carta para ela e saiu. 

Isabel sentou à mesa, Victória sentou ao seu lado. 

-- Essas cartas me deixam arrepiada, Vic. 

-- Sério? Eu já estou acostumada. 

Isabel abriu a carta e começou a ler em voz alta para que Victória também acompanhasse. Em um trecho da
carta ela pediu para que Isabel fizesse uma pausa. 

-- O que foi? -- Isabel olhou para ela curiosa. 

-- Repete essa parte que fala sobre a reencarnação do pai da Natasha. 

-- Tá certo. 

"Seu pai reencarnou. Não sei se foi ele quem escolheu ou se foi forçado a isso, mas o certo é que ele
precisava passar pela reencarnação a fim de elevar a sua alma para a perfeição espiritual. A Rainha da
Fronteira o acolheu e ele há de velejar por onde os ventos da Providência Divina o levar, com a segurança da
felicidade". 

-- A Rainha da Fronteira o acolheu? -- Victória apoiou o cotovelo sobre a mesa e segurou o queixo pensativa --
Que estranho. Olha no Google Isa.  

-- Vejamos... Rainha da Fronteira, música do Teixeirinha. 


-- Música do Teixeirinha? Vamos olhar a letra, Isa. 

Cheguei em Bagé naquele lindo pago 

Tomei mate amargo com a gauchada 

Cantei quatro dias verso lindo e novo... 

-- A cidade é Bagé!!! 

Elas gritaram juntas. 

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Capítulo 74 -- Dane-se a razão por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 74 

Dane-se a razão 

Natasha olhou ansiosamente pela janela e seu coração disparou quando viu o edifício do aeroporto aparecer.
A luz brilhante de seus olhos verdes revelava um espírito novo, de esperança e felicidade. 

Alexandra estava muito nervosa enquanto o avião sobrevoava o aeroporto tentando pousar, Isabel
conversava com ela, procurando acalmá-la. 

O avião chacoalhou forte quando suas rodas tocaram a pista e deslizaram por ela. O voo havia sido longo e
turbulento e a aterrissagem atrasada por conta do mau tempo.  

Natasha só conseguia pensar em Andreia e Márlon. Sua garganta se apertou. E se Andreia não estivesse em
Bagé? Com um movimento quase imperceptível da cabeça, procurou afastar esse pensamento.  

Olhou para os novos amigos e sorriu satisfeita. Quando comunicou a eles na noite anterior, que pegaria o
primeiro voo para Bagé, se ofereceram de imediato para acompanhá-la. Eram sem dúvida nenhuma, pessoas
maravilhosas. 

O avião parou no fim da pista do aeroporto de Bagé. Soltando o cinto de segurança, Natasha levantou-se,
para se juntar à fila de passageiros que desembarcavam. 

Saíram juntos do avião, caminhando pelos corredores brancos, aparentemente intermináveis, até o balcão da
alfândega. Os pensamentos de Natasha estavam longe dali. Deu uma olhada no relógio de pulso e verificou
que o voo estava bem atrasado. Seus passos tornaram-se mais vagarosos, esperando pelos amigos que
vinham logo atrás. 

-- Bruna, eu era contra o aborto. Mas depois que olhei para aquele comandante, passei a ser a favor. 

-- Isa, você não consegue manter a Girani de boca fechada? 

-- Xanda! Fica quietinha amor. 

-- Falei alguma mentira? 

-- O que faremos agora, Natasha? -- perguntou Victória, sem deixar de caminhar. 

-- Vamos para o centro da cidade. Chegando lá nos separamos em duplas e saímos atrás de informações --
Natasha ajeitou a mochila no ombro e se virou para Bruna -- Eu lembro muito bem de toda a região e aonde
fica a propriedade. Resta saber para que lado ir. 

-- Ô Gavião! 

Natasha se virou para olhar para Alexandra. 

-- Fala. 

-- Essa garota que está com a sua mulher, você disse que ela é gaúcha. Será que elas não... O que foi?  

Todos olharam para ela. 

-- Você é demais, Girani -- Natasha a abraçou com força. 

-- Eu sei que sou. Mas, pode falar mais vezes, eu não me importo. 

-- O nome dela é Sofia. Vou ligar para a minha secretária e pedir para ela me enviar um relatório completo. 

-- Ótimo, Natasha -- Bruna apontou para a longa fila de táxis estacionados próximos à saída do prédio do
aeroporto -- Agora vamos. Esse tempo está horrível. Tenho medo que piore e ocorra alagamentos. 

Entraram nos táxis e foram em direção ao centro da cidade de Bagé. 

Estava finalmente em casa, e o sol brilhava! Mas, os pensamentos de Talita estavam longe dali. Pensava na
situação constrangedora que passou e sobretudo na confissão assustadora de Ivo. 
Estava decidida denunciá-lo a polícia, porém, esperaria Natasha retornar. Era mais prudente estar sobre a sua
proteção. Agora que era uma testemunha chave, sua vida também estava em perigo. 

-- Estou feliz por ter resolvido voltar, afinal. 

Talita virou a cabeça bruscamente na direção da voz da visitante inesperada. 

-- Carol! -- a médica arregalou os olhos quando a garota subiu dois degraus e parou à sua frente -- Que
surpresa -- a proximidade de Carolina lhe dificultava a respiração. 

-- Surpresa boa ou ruim? -- perguntou. 

Por um longo momento ela estudou o rosto de Carolina, os olhos com uma expressão séria, indagadora. 

-- Vamos entrar? -- Talita pegou a chave e, tremula, abriu a porta. Deu um passo para dentro do chalé e parou,
o coração saltitando de nervoso. Carolina a seguiu. Após alguns segundos de desconforto, a médica ergueu o
olhar -- Fique à vontade. Eu já volto. 

Carolina consentiu com um leve sinal de cabeça. 

Talita jogou a bolsa no sofá e entrou no quarto. Ela tirou os sapatos e foi para o banheiro a fim de tomar um
banho rápido. Quando terminou, vestiu um short jeans, uma blusinha leve e saiu do banheiro.  

Retornando ao quarto, encontrou Carolina sentada na cama. 

-- Como está a Nat? -- perguntou cruzando as pernas e esticando os braços para trás. 

-- Deve estar bem -- a médica sorriu marota -- Ela fugiu do hospital, acompanhada de duas meliantes. 

Carolina deu uma gargalhada. 

-- Por que será que eu não estou nem um pouco surpresa? 

-- Nada segura a sua irmã. 

Um breve silêncio caiu entre elas, então Carolina pigarreou, se levantou e deu um passo desajeitado em
direção a médica. 

-- Precisamos conversar.  

Outro silêncio, desta vez quebrado por Talita. 

-- Sim, precisamos -- a médica aproximou-se devagar e sentaram-se lado a lado na cama -- Estou magoada,
Carol. Desejava algo mais de você. Sinceramente, não esperava um amor-perfeito, até porque amor-perfeito
não existe. O que eu queria era você do meu lado, uma parceira, companheira para todos os momentos. Você
tem objetivos dos quais eu não posso fazer parte. Tenho esperanças e sonhos, que mesmo tão simples,
nunca poderemos tornar reais por sermos tão diferentes. 

-- Espera -- os dedos de Carolina cobriram os lábios de Talita, interrompendo as palavras -- Acho que eu não
soube demonstrar os meus verdadeiros sentimentos. Você pensou que nós íamos ter um romancezinho leve,
ligeiro, nada de sério? É isso? 

-- Sim foi isso, mesmo. Não quero entrar na vida de alguém sendo algo passageiro, muito menos ter uma
amizade-colorida. Não quero meio termos, não sou assim. 

Carolina a abraçou por trás, mergulhando o rosto nos cabelos sedosos. 

-- Talita -- disse ela baixinho -- Eu te amo. Eu preciso de você. Nada mais importa.  

Talita não conseguia emitir som algum. Sua garganta estava fechada. Havia uma dor profunda, dentro dela.
Não! Ela gritava por dentro.  

-- Desculpe, mas eu não consigo confiar em você -- em desespero, cerrou os punhos -- Eu não quero mais
sofrer.  

-- Eu não posso te prometer um amor eterno, mas hoje, não posso viver sem você -- esfregou as mãos com
nervosismo. Sentia perder o amor de sua vida -- E se eu te prometer que a amarei o máximo que puder, um dia
de cada vez? -- os olhos dela se encheram de lágrimas -- Há muitas coisas que eu gostaria de não ter feito. Eu
sinto muito por ter te magoado. Magoado a Natasha, a Andreia. É algo que devo conviver todos os dias, eu sei
que palavras que são ditas por impulso, marcam demais. Então toda a mágoa que fiz vocês passarem queria
poder tirá-la. Mas, gostaria de fazer tudo diferente, pois o nosso tempo é tão curto... -- sua voz era um
sussurro e ela não conseguiu dizer mais nada. 

Talita a encarou com desespero. Mais do que qualquer outra coisa, queria abraçá-la e dizer: "eu também te
amo".  
-- Sei que errei, fui imatura e impensável. Me perdoa? Eu te amo, Talita -- ela repetiu. 

Talita podia sentir isso nela, via na sua expressão e em seus olhos. Não era mentira. Sua voz não tinha o tom
arrogante e insolente, nem estava desesperada em convencê-la. Queria apenas ser compreendida.  

Como Talita não respondeu, Carolina pegou seu queixo e a olhou com tanto amor e carinho que lhe vieram
lágrimas aos olhos. 

-- O que há de errado, Talita? Você não me ama? 

-- Não há nada de errado, Carol -- disse sem nenhuma convicção -- É que... Muita coisa aconteceu... -- oh, meu
Deus, ela rezou, não me deixe esmorecer -- O amor se cansou -- ela disse, sem olhá-la. 

-- Então você não me ama mais? 

Talita fez que sim com a cabeça, olhando para longe. Carolina olhou para ela, triste, desamparada, perdida. Se
aproximou da médica e a beijou delicadamente no rosto. Seus lábios estavam quentes e trêmulos.  

Talita contraiu-se. Um arrepio lhe passou involuntariamente pela espinha. 

-- Adeus, doutora -- ela se levantou e abriu a porta do quarto lentamente, sentindo-se derrotada. 

-- Vai para onde? 

-- Voltar para o meu mundo. 

Observando Carolina se afastar, Talita perguntou-se se ela conseguiria viver sem aquela garota chata e
ranzinza.  

Sheila Kolberg, escreveu certa vez que:  

"Amar é como andar de montanha-russa... 

Você olha e fica fascinada, louca para experimentar. 

Tem quem não pensa duas vezes e se entrega.  

Tem quem fique apenas olhando com medo do que possa sentir.  

Tem quem vá mesmo com medo e não consegue aproveitar o turbilhão de sensações que aquele inocente
brinquedo provoca. Anda, mas não relaxa. Fecha os olhos e não desfruta do momento. Mas tem quem apesar
de todos os medos e sensações consegue abrir os olhos, levantar os braços, gritar feito louco pra poder
extravasar toda a emoção que está sentindo. Talvez isso seja viver intensamente.  

Talita ficou olhando para a porta do quarto fechada. Ouviu passos, a porta principal abrindo-se e depois
fechando-se, os passos se afastando. O tempo passando. Para onde ela estaria indo? Será que nunca mais a
veria?  

Talita não sabia se estava pensando corretamente, mas ela se levantou abruptamente e gritou: 

-- Se não for eterno? Dane-se, o que importa é cada momento que estivermos juntas. Dane-se a razão, eu
quero amor! 

Da varanda, olhou para todos os lados, tapou o sol com a mão para enxergar melhor e finalmente avistou
Carolina que já ia longe caminhando pela praia deserta.  

-- Carolina! Carol! -- chamou, mas ela não ouviu. 

Ela lançou-se numa corrida desenfreada pela areia fofa da praia.  

-- Carol! -- ela corria e chamava -- Não vá! 

Carolina, parou de repente e se virou. Mal acreditando em seus olhos. 

-- Talita! 

-- Eu te amo -- a médica gritou. 

-- O que? 

-- Eu te amooo... 

Correram ao encontro uma da outra, impelidas por uma ansiedade sem limite. Os braços de Carolina a
rodearam, puxando-a com força para si. Talita lançou os braços em volta de seu pescoço murmurando contra
o rosto dela.  
-- Hoje é um dia perfeito para ser feliz.  

Estreitaram-se, bocas e corpos se encaixando como se fosse possível ficarem ainda mais próximas.  

Alguns minutos se passaram antes que um jipe, jogando lama para todos os lados, saísse em disparada pelas
ruas de Bagé. 

-- Tem certeza que é esse o caminho? -- Alexandra perguntou franzindo a testa, obviamente duvidando. Era
muito mato e plantações de soja. 

-- Segundo a Jessye, a Sofia mora no Rio de Janeiro. Os pais dela é que moram aqui -- disse Natasha,
sacolejando desconfortavelmente sobre as pedras e buracos da ruazinha estreita que corria ao longo de
vastas plantações. 

-- O tiozinho da lanchonete disse que o pai dela se chama Pedro -- Victória olhou no GPS do celular e sorriu
para Natasha -- Estamos no caminho certo. 

Natasha tranquilizou-se e começou a reparar por onde passavam. Tinham cruzado a cidade e notou que era
bem maior do que imaginara. Agora a deixaram para trás, seguindo por uma estrada muito castigada pelas
chuvas que caiam há mais de três dias. Por um bom tempo, ninguém falou, contentando-se em olhar a
paisagem. 

-- Vocês estão quietos demais -- Disse Alexandra. 

-- Demorou! -- retrucou, Bruna. 

-- Vou contar uma piada: 

A velhinha acorda toda eufórica e vira-se para o velho: 

-- Velho, imagina só! Você não sabe o que eu sonhei! 

-- O que é? -- pergunta o velho, curioso. 

-- Sonhei que tinha achado um balaio cheio de caralhos... de tudo quanto é tipo, brancos, pretos, pequenos,
grandes, circuncisados, não circuncisados... 

-- E o meu, também 'tava lá? -- perguntou o velhinho todo empolgado. 

-- 'Tava sim, era um miudinho, todo encolhido num canto! 

O velho engoliu o sapo e no dia seguinte acordou todo eufórico: 

-- Velha, imagina só! Você não sabe o que eu sonhei! 

-- O que é? -- pergunta a velha. 

-- Sonhei que tinha achado um balaio cheio de bocetas... de todos os tamanhos e cores... loiras, morenas,
ruivas, depiladas, uma mais linda que a outra! 

-- E a minha, também 'tava lá? 

-- A sua era o balaio! 

-- Acho melhor a gente brincar de vaca amarela -- resmungou Bruna. 

-- Natasha! Olha lá -- Isabel apontou para um enorme portão em forma de arco -- Aquele deve ser o portão
descrito pelo dono da lanchonete. 

Alexandra estacionou o jipe em frente ao portão e tocou de leve no ombro de Natasha. 

-- Como está o seu coração? 

-- Doendo de saudade -- então, Natasha sorriu... Porque sabia que a sua felicidade estava logo ali. 

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Capítulo 75 - O Pequeno Falcão por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 75 

O Pequeno Falcão 

Marcela tomou um banho de banheira, vestiu um short e uma camiseta para então ir à varanda. Enviou uma
mensagem para o celular de Sidney, dizendo que estavam bem, e sentou-se com uma toalha sobre os ombros
para secar o cabelo antes de penteá-lo. 

Recostou na cadeira, feliz por não ter nada o que fazer naquela manhã. Dez chalés já estavam praticamente
finalizados e no dia seguinte iniciariam as obras de drenagem e asfaltamento em toda a orla. 

O começo foi difícil. A herança cultural que designa a mulher coadjuvante em sua própria história por
submissão ao homem, parece incrustada no DNA da sociedade e teima em extinguir-se. Os trabalhadores
contratados para as obras na Ilha Carolina, ofereceram grande resistência a presença de Marcela e Sibele
entre eles.  

No dia a dia, elas sofreram com os comentários maldosos, como forma de intimidá-las a não participarem da
construção da Ilha, afinal de contas, numa sociedade machista, isto é "receber ordens", é "estar abaixo" da
mulher, algo inadmissível. Atitude orgulhosa e irracional do sexo oposto. 

Felizmente essa fase havia passado e elas, através de muito trabalho e competência, conquistaram o respeito
dos trabalhadores. 

Não tinham nenhuma experiência ou vivência na construção civil, mas em compensação elas carregavam algo
valioso que era o bom gosto e ideias inovadoras. E esse foi o principal combustível para que em pouquíssimo
tempo os engenheiros as consultassem para tudo. 

Ficou ali distraída, e quando percebeu já era dez horas. Espreguiçou-se e resolveu comer o pão e o queijo que
havia no chalé, pois era tarde demais para preparar um café da manhã mais reforçado. 

Mal ela tinha acabado de colocar as canecas na mesa, Sibele entrou na cozinha. 

-- Bom dia, dorminhoca -- ela deu um beijo no rosto de Marcela, e sentou à mesa. 

-- Quer comer alguma coisa? -- ela perguntou -- Só temos pão e queijo. 

-- Eu como até papel e sabão. Se não comer alguma coisa, sou capaz de morrer de fome -- brincou ela --
Descansou bem? 

Marcela caminhou até a geladeira e tirou o queijo. Depois abriu um armário e pegou o pão. Quando voltou
para a mesa, Marcela já tinha colocado café nas canecas.  

-- Dormi como um anjo. Foi o primeiro dia da semana que não precisei levantar antes das cinco. 

-- Agora que os chalés estão prontos, quem sabe podemos diminuir um pouco o ritmo de trabalho -- ela pegou
uma fatia do enorme pão caseiro e colocou queijo. 

-- De jeito algum -- Marcela exaltou-se -- Não vejo a hora de ver a avenida principal asfaltada.  

-- E depois a Marina... E depois a praça... E depois... E depois... -- Sibele riu divertida -- Você pegou jeito pra
coisa. 

-- Estou amando o nosso trabalho. Apesar do estado de minhas mãos -- Marcela estendeu uma das mãos e
mostrou um calo -- É maravilhoso contribuir para a construção de um lugar onde pessoas de todo o país e até
do mundo, virão para descansar e se divertir. Isso é uma conquista. É a verdadeira realização pessoal. 

-- Sidney disse que a Natasha foi atrás da Andreia. Isso significa que ela pode estar voltando a Ilha. 

Marcela colocou o queijo entre as fatias de pão que tinha cortado e deu uma mordida no sanduíche. Olhou
séria para Sibele, estudando-a enquanto mastigava. 

-- Você acha que a Natasha vai querer nos tirar daqui? -- perguntou preocupada. 

-- Penso que sim -- Sibele replicou, na hora.  


-- Daqui ninguém me tira -- Marcela falou, encolhendo os ombros -- Pode ir ou ficar, você é quem sabe. Eu vou
ficar. 

-- Certo -- Sibele concordou -- Também quero ficar. Não é justo depois de tudo o que construímos nessa ilha,
simplesmente irmos embora sem vermos o resultado do nosso trabalho. 

Virando-lhe as costas, Marcela foi até a geladeira e pegou uma jarra com suco. 

-- Estou pensando em ir até o continente... 

Um barulho do lado de fora fez com que ambas olhassem para a janela. 

-- Deve ser a princesa -- Disse Marcela, sorrindo -- Vou pegar uma banana para ela. 

Marcela pegou uma banana da fruteira e foi até a janela. 

-- Princesa! Vem cá menina! -- ao ver a fruta, a elefanta esticou a tromba e pego-a da mão de Marcela -- Isso
menina. Volte sempre -- Marcela fechou a janela e voltou para a mesa -- Eu não troco essa vida por nada. Em
qual outro lugar teremos elefante, girafa e leão como animais de estimação? 

O jipe atravessou o portão em forma de arco e entrou na propriedade enlameada. Alexandra estacionou


o veículo bem em frente à casa e se virou para Natasha. 

-- Chegamos ao destino. Agora é só correr para o abraço. 

Bruna tocou de leve o ombro da empresária e sorriu. 

-- Vai lá, Natasha. 

-- Vocês não vão entrar?  

-- A gente vai ficar aqui, por enquanto -- disse Alexandra -- Esse momento é de vocês. Depois a gente mata um
daqueles bois que estão no pasto e fazemos um belo churrasco. 

-- Boa ideia, poderosa -- concordou André. 

-- Churrasco gaúcho. Que delícia! -- exclamou Isabel, entusiasmada. 

-- Vocês são loucos. Fazem planos sem consultar o dono do boi -- Victória balançou a cabeça -- Vai logo,
Natasha. 

-- Eu vou. Não saiam daqui. 

-- Sei não, acho que vou sair. Tô louca pra brincar na chuva e cair de boca na lama -- Alexandra fez um gesto
de enfado, revirando os olhos. 

Andreia colocou Márlon no carrinho e desviou o olhar até a janela. A chuva insistia em cair, não dava trégua.
Apesar de ser quase meio-dia, parecia que estava prestes a anoitecer.  

Um raio iluminou a sala e um trovão ameaçador ressoou pela casa. Ela engoliu em seco, olhou para se
certificar que Márlon ainda dormia e andou pela pequena sala, até a cozinha.  

-- Que escuridão! -- passou o dedo pelo interruptor de luz na parede e continuou andando até a geladeira. 

-- Essa chuva já encheu o saco -- Sofia entrou logo após ela reclamando do mal tempo -- Estou virando sapo. 

-- Estou pensando em sair daqui assim mesmo. 

-- É muito perigoso nos aventurarmos com um bebezinho recém-nascido dentro do carro. Vamos esperar ao


menos a chuva passar. 

Andreia não estava convencida e Sofia subitamente começou a ficar impaciente. 

-- Não me diga que vai se arriscar mesmo assim? 

-- Cansei de ficar só esperando. Preciso ir à luta. 

-- Quem precisa ir à luta? -- Leandro entrou na cozinha, expressão denotando curiosidade e certa
desconfiança. 

-- A Andreia -- Sofia respondeu à pergunta dando de ombros -- Ela sempre diz isso. Até parece que vou deixá-la
sair com o meu afilhado nessa chuvarada -- enfiou um pedaço de pão na boca, mastigando calmamente. 
Nesse instante, ouviram batidas na porta da frente. Eles se entreolharam admirados. 

-- Eu hein -- disse Sofia, de boca cheia -- Quem será o louco?  

As batidas eram tão fortes que pareciam querer colocá-la abaixo. Andreia olhou para a amiga embuchada e
balançou a cabeça sorrindo. 

-- Deixa que eu abro. Desse jeito vai assustar a visita. 

Andreia girou a chave e depois a maçaneta, entreabrindo a porta de leve e não pôde acreditar no que viu. 

-- Oh, Deus! -- Andreia, piscou várias vezes e estremeceu. 

Natasha inalou bruscamente, soltou o ar de forma violenta e tocou a ponta do seu sapato encharcado contra
o chão. Olhando para ela, perguntou: 

-- Não vai me convidar para entrar? -- disse, sorrindo de leve. Seu cabelo molhado caía despenteado sobre os
ombros. Minúsculas gotas de água caíam de seu cabelo e escorriam por seu pescoço. 

Uma emoção tão forte a percorreu, que Andreia não conseguiu falar ou gritar. Por alguns momentos, ela só
conseguiu olhar para Natasha. Seu coração saltava no peito.  

Ela abriu a boca para falar, provavelmente para dizer que estava com saudade; porém, uma vez que isso era
óbvio, abandonou a ideia imediatamente. Braços ansiosos circularam o pescoço de Natasha, e dedos
delicados se entrelaçaram em seus cabelos. A respiração de Natasha parecia ofegante, e ela tremia. Não tinha
certeza se estava com frio ou excitada, ou experimentando um pouco de cada emoção. 

Natasha afastou-se para encontrar o olhar de Andreia. 

-- Como você está, meu amor? -- ela murmurou, erguendo a mão delicada para passá-la pelo rosto molhado de
Andreia -- Fiquei tão preocupada com você e com o Márlon. 

-- Desesperada -- respondeu, enfatizando bastante a palavra, para que ela tivesse noção de como se sentia --
Caí numa desolação profunda -- ao mesmo tempo em que ela sorria, chorava aliviada, aninhada junto ao corpo
da empresária -- Na verdade, quase morri de preocupação. Não sabia como você estava. 

Natasha beijou o topo de sua cabeça e fez um carinho em seu braço. 

-- Eu estou bem, mas aonde está o meu herdeiro que não veio me receber? 

-- Está aqui -- Sofia orgulhosamente apareceu empurrando o carrinho com o bebê -- Apresento-
lhe, Márlon Falcão. 

-- Márlon Dias Falcão -- corrigiu Andreia. 

-- Meu filho! -- Natasha disse com voz abafada e seus olhos se encheram de lágrimas -- Posso segurar? -- pediu
olhando para o berço.  

-- Claro, meu amor. 

-- Eu estou toda molhada -- disse hesitante. 

-- Não tem problema, amor. Ele está bem enroladinho na manta. 

Natasha se dirigiu ao carrinho estacionado no centro da sala e abaixou-se para espiar o bebê. 

-- Olá, meu anjo -- murmurou, pegando a criança no colo. O rosto de Natasha se iluminou de orgulho e
satisfação. Pegou-o com cuidado, encostando-o no peito -- Ele tem muito de você -- comentou. 

-- Graças a Deus -- Andreia sorriu, observando as feições delicadas do filho. 

Natasha olhou para Sofia e franziu a testa. 

-- Foi ideia sua, não foi? Sua ameba gaúcha -- Natasha falou alto demais e o bebê se mexeu em seus braços.
Ninou-o de novo até que se acalmasse. 

-- Eu hein! A ideia foi da sua esposa. Você não sabe como é Andreia? Quando se decide a fazer uma coisa,
ninguém a convence do contrário.  

Natasha olhou para Andreia de forma interrogativa. 

-- Fui eu quem tive a ideia de fugir para Bagé -- ela falou ligeiramente embaraçada -- Sabia que acabaria por se
arrepender, mas era tarde demais para mudar os planos. 

Natasha percebeu o tom de tristeza que havia na voz dela. 


-- O que aconteceu? 

-- O parto foi muito difícil. Pensei que morreríamos -- Andreia suspirou alto, mas continuou a falar -- Deus foi
tão bom conosco. Ele enviou um anjo para nos socorrer -- ela olhou para o médico, sorrindo -- Esse é
Leandro, o médico que fez o parto e nos salvou. 

-- Obrigada, Leandro -- murmurou Natasha, segurando o bebê com os dois braços -- Nossa família será sempre
grata a você -- disse com sinceridade. 

Leandro balançou a cabeça emocionado e feliz. Andreia abraçou Natasha por trás e encostou a cabeça em
seu ombro. 

-- Ele é lindo né Nat. 

-- Lindo como você -- Nesse momento, Márlon abriu a boca, deixando escapar um choramingo -- Ei garoto, não
faça isso. Sua mamãe Natasha não tem a mínima experiência com bebês chorando -- para sua surpresa, ele
parou de chorar e a olhou, o rostinho corado, a respiração acalmada. Com olhos arregalados, fitou-a curioso. 

-- Você tem os mesmos olhos castanhos da mamãe Déia. Você vai destruir corações com esses olhos -- disse
baixinho. 

Os lábios do bebê se curvaram. O sorriso pegou Natasha desprevenida. 

-- Ele riu pra mim -- ela comemorou -- Você viu? 

Andreia achou graça. 

-- Ele sentiu que você o ama. 

-- Amo demais! -- murmurou, segurando o bebê junto ao corpo.  

Alexandra empurrou a porta e colocou somente a cabeça para dentro.  

-- Oiê, será que já podemos entrar? 

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É
Capítulo 76 - É assim que sou por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 76  

É assim que sou  

Alexandra empurrou a porta e colocou somente a cabeça para dentro. 

- Oiê, será que já podemos entrar? 

Natasha sorriu e olhou para Isabel, e então novamente para Alexandra.  

-- Claro, Girani. Pode entrar e chame os outros também.  

-- Já estamos aqui -- Bruna apareceu ao lado de Natasha. A seguir apareceram Isabel e Victória. E por último,
André.  

-- Bom dia, senhora Gavião -- falou Alexandra, com seu largo sorriso.  

Andreia fixou os olhos na loira a sua frente. Era ela! Alexandra Girani em pessoa! Pensou, entusiasmada.  

-- Você é a dona da Vision? -- rapidamente, ela olhou para ela, incrédula -- Eu e a minha irmã éramos clientes
assíduas da sua casa noturna. Que demais! -- vibrou. 

-- Boate -- Natasha murmurou, quase que para si mesma.  

-- A própria. Linda, engraçada, inteligente, talentosa, humilde e que ainda beija muitíssimo bem -- disse
Alexandra, com o ego absurdamente inflado.  

-- O problema de gente convencida é que, normalmente, elas não são nem metade do que acham que são -- a
médium se aproximou com a mão estendida para cumprimentar Andreia.  

-- Eu convencida! Que nada! Apenas me agrada muito o que vejo no espelho todos os dias -- Alexandra
apertou a bochecha do bebê que continuava no colo de Natasha. 

-- Meu nome é Bruna Sontag. Muito prazer. 

Andreia controlou suas emoções e se forçou a corresponder ao caloroso aperto de mãos.  

-- A médium mais famosa do Brasil! -- exclamou. 

-- Prefiro ser considerada uma apóstola do Espiritismo -- Expressou um sorriso doce e gentil -- Quero lhe
apresentar a minha esposa, Victória.  

-- Muito prazer, Victória -- Andreia estendeu a mão.  

Victória se virou para ela, para cumprimentá-la, os dentes muito brancos e perfeitos.  

-- Você é tudo o que a Natasha sem nenhum exagero descreveu para nós -- Victória comentou gentilmente.  

-- Obrigada - Andreia agradeceu, sorridente.  

Isabel deu alguns passos em direção a ela.  

-- Já que a minha digníssima esposa não me apresentou, eu mesma o faço. Meu nome é Isabel -- ela disse,
levantando o queixo -- É um prazer te conhecer, Andreia -- E esse é o nosso amigo André -- fez um gesto com a
mão em direção ao rapaz.  

-- Você está uma mamãezona linda, nem parece que teve bebê a tão pouco tempo.  

-- Muito obrigada, André. Você é um amor -- então, Andreia se virou para Sofia e Leandro -- Quero lhes
apresentar meus amigos, Sofia e Leandro.  

-- Foi essa louca aí que trouxe a Andreia para esse fim de mundo, Natasha? -- Alexandra tirou Márlon do colo
de Natasha, pegando-o desajeitadamente nos braços.  

-- O que você falou? -- Sofia perguntou, indignada -- Quem te disse isso?  


-- A Natasha. Ela também disse que você é uma metida, tagarela e que seu apelido é assistente do demônio --
Alexandra disse, calmamente. Mudou o bebê para o outro braço e pegou o celular -- Vou fazer uma self e
enviar para o meu Instagram. É sempre bom fazer uma média com os meus eleitores.  

André olhou para ela com os olhos admirados.  

-- Vai se candidatar? Isso é sério?  

-- Na próxima eleição, vou me candidatar a vereadora e lutar pelos direitos das pessoas sem sobrancelhas.  

Natasha voltou a pegar o bebê no colo.  

-- Não tem vergonha de usar o meu garoto para fazer marketing pessoal?  

-- Não -- Alexandra arrancou o bebê do colo de Natasha -- Crianças sempre causam comoção.  

-- Devolve o meu filho, sua maluca -- Natasha puxou o menino pelos pés.  

-- Ahhh... Que horror! Você arrancou os pés do bebê! -- André gritou e tapou os olhos com as mãos.  

-- São os sapatinhos dele, seu boboca! -- Natasha fez um gesto de enfado, revirando os olhos.  

-- Ah, tá. Que susto.  

-- Para com isso, Alexandra. Devolva o filho da Natasha -- Victória olhou para ela com os olhos arregalados e
os braços abertos -- Ele está em fase de desenvolvimento, você pode causar alguma lesão que venha a
dificultar o seu desenvolvimento adequado, isso sem contar que pode também influenciar no seu estado
emocional 

-- Quanta frescura. Eu agradeço se me der uma cerveja, Vic, ao invés da sua opinião.  

-- Xanda! -- furiosa, Isabel puxou-a por uma orelha -- Devolve a criança para ela. 

Alexandra fez uma careta de dor e devolveu o menino aos braços de Natasha. Ela pegou o bebê e colocou-o
no berço, arrumando a pequena manta sobre a criança para protegê-lo do frio.  

-- Você viu isso, Déia. Ainda admira essa louca?  

Andreia estava pasma e sem reação. Olhou para o filho e depois para Natasha. Desfalecida, caiu sentada no
sofá. Sofia foi para o lado dela e lhe segurou a mão com força.  

-- Olha só o que vocês fizeram! Deixaram a minha amiga catatônica.  

Seu Pedro abriu a porta num rompante e entrou na casa batendo a lama das botas.  

-- Mas a la pucha quantos viventes! -- comentou, olhando para os visitantes.  

-- Esse guasca bigodudo só pode ser o chefão do pedaço -- Alexandra cruzou os braços e olhou o homem de
cima a baixo -- Sou Alexandra Girani, precisamos conversar.  

Seu Pedro a olhou surpreso.  

-- Se aprochegue guria.  

Alexandra deu um passo à frente, porém, Bruna se antecipou.  

-- Sou Bruna Sontag, muito prazer -- ela estendeu a mão e cumprimentou o pai de Sofia -- Desculpa a invasão.
Estamos aqui acompanhando a Natasha.  

-- Não precisa se desculpar guria. Os amigos de Andreia são meus amigos. Sejam bem-vindos à nossa humilde
casa.  

-- Obrigada -- Bruna sorriu agradecida.  

Seu Pedro tirou o chapéu, coçou a careca e olhou ao redor, procurando pela loira.  

-- Mas o que tu querias guria?  

-- Acho melhor não... -- Bruna meneou a cabeça de um lado para outro,  

-- Por que não? -- Alexandra empurrou a médium para o lado e deu uma palmadinha de leve no ombro de seu
Pedro -- Por favor, bigodão. Vamos até o seu escritório, precisamos conversar.  

-- Não tenho escritório.  

-- Pode ser na lavanderia, mesmo.  


-- Girani! -- Bruna olhou para ela com os olhos azuis arregalados -- Vê se não apronta.  

-- São apenas negócios. Vem Cabeça de Rolon.  

Seu Pedro coçou a careca novamente.  

-- Cabeça de Rolon? O que é isso?  

-- Nem queira saber -- Bruna disse a si mesma -- Para evitar uma tragédia, prefiro estar presente nessa
conversa -- a médica jogou um beijo para Victória e foi atrás dos dois.  

-- Vamos sentar? -- Natasha convidou, apontando para o sofá confortável -- Precisamos esclarecer alguns
pontos antes de pegarmos a estrada -- ela sentou ao lado de Andreia no sofá e ficou em silêncio por um
momento -- Você está linda, com essa roupa -- olhou-a com admiração -- Ah, estava com tanta saudade de
você.  

Andreia praticamente pulou para os braços de Natasha, colando seu rosto e seu corpo no dela, dizendo
quase sussurrando:  

-- Ah, Nat, também estava louca de saudades.  

Sofia se levantou do sofá.  

-- Vou até a cozinha preparar um café para nós.  

Andreia consentiu com um sinal de cabeça.  

-- Excelente ideia, Sofia -- comentou Isabel.  

-- Mas, como você conheceu eles? -- Andreia virou-se sorrindo para Isabel, Victória e André.  

-- Elisa me convenceu de que a doutora Bruna era a única pessoa que podia nos ajudar a encontrá-la. Então,
ela e Pedrita foram para o Rio de Janeiro conversar com a doutora.  

-- Que maravilhoso! E deu certo?  

-- Sim, foi tudo perfeito.  

-- Você esqueceu de comentar que junto com a Bruna, veio de brinde a Alexandra -- disse Victória, com ironia.  

-- E você também, Vic -- comentou Isabel.  

-- E você também, Isa -- replicou Victória.  

André se levantou, com os seus olhos castanhos cravados nelas.  

-- Credo. Parecem pólvora. Explodem com uma simples faísca. Vou ficar na varanda. Qualquer coisa é só me
chamar -- o rapaz girou sobre os calcanhares e saiu esbaforido da sala. 

- Eu também vou - disse Leandro.  

-- Na realidade, não sei como agradecer a Alexandra -- Natasha disse, com o olhar baixo -- Se não fosse por
sua insistência, não estaríamos aqui. Ela não mediu esforços em nos ajudar.  

-- Não precisa muito para recompensá-la, é só dizer que ela é o máximo que já é o suficiente para
a Xanda sentir-se realizada -- disse Isabel, sorrindo levemente - Vai por mim. Essa louca mafiosa, adora ajudar
as pessoas. 

-- Conte-me o que aconteceu. Por que vocês saíram da ilha e vieram para tão longe? Foi a Carolina, não foi? O
que ela fez para vocês? Quando pensavam em voltar? -- perguntou Natasha, aflita por respostas.  

Antes que Andreia pudesse responder, Sofia voltou com a bandeja do café e colocou sobre a mesinha de
centro.  

Andreia examinou a bandeja. Além do bule de café e de biscoitos, havia um pratinho de sanduíches e uma
torta muito apetitosa de fubá.  

-- Vamos tomar o café antes que esfrie -- enquanto servia, Sofia perguntou para Andreia: -- Você não acha que
está na hora de contar a verdade para ela? -- ela terminou de servir o café, acrescentou leite e estendeu a
xícara para Isabel e Victória.  

Andreia engoliu em seco.  

-- Fale-me sobre o que aconteceu! -- suplicou Natasha, indiferente ao café que esfriava na xícara.  

Andreia deu um suspiro fundo e olhou para Natasha.  


-- Você sabe o que aconteceu, não preciso nem falar -- disse Andreia com um sorriso para Natasha. 

--Preciso ouvir de você. 

--Você não vai tomar o café? -- Andreia tentou mudar de assunto. 

-- Mas, mulher! -- interrompeu Sofia com os olhos arregalados -- Conte para ela. Por que ainda tenta encobrir
as maldades daquela garota?  

Natasha apanhou automaticamente a xícara e deu um gole. Ela colocou a xícara em cima da mesinha e olhou
séria para Andreia.  

-- Você não precisa encobrir as maldades da Carolina. Eu sei muito bem do que ela é capaz. Inclusive, já tomei
algumas providências.  

-- Ela é a sua irmã desaparecida há mais de vinte anos -- Isabel balançou a cabeça com vivacidade -- Deveria ter
mais paciência com ela.  

-- Cansei. Mandei ela sair da Ilha do Falcão.  

-- Que maravilha! Então ela e a doutora Talita não estão mais juntas -- observou Sofia, encarando Natasha
fixamente, sem piscar.  

-- Ela não tá nem aí pra você -- Natasha bebeu mais um gole de café.  

-- Como você pode saber disso? -- perguntou Sofia, com o rosto vermelho, surpresa com o comentário -- Ela
falou algo para você?  

-- Sim. Infelizmente ela está apaixonada pela Carolina -- Natasha mordeu o lábio -- Quem manda deixar a
doutora dando sopa?  

Sofia deu um suspiro. Tinha a impressão de que no amor sairia sempre perdendo. Mas era um pouco culpada,
afinal. Abandonou tudo e saiu fugida da ilha. Queria o que?  

-- Está bem -- admitiu por fim -- Você tem toda razão. Eu deixei o caminho livre para a Carolina.  

-- Não sei se entendi direito, mas você está desistindo de lutar pelo seu amor? -- comentou Victória com uma
certa ironia na voz -- É preferível a tristeza da certeza de que as coisas não deram certo, do que a dor de
desistir sem saber que fez tudo o que estava ao seu alcance. Será que não há uma chance de fazer as coisas
darem certo entre vocês?  

-- Você já passou por uma situação dessa?  

Victória assentiu com a cabeça.  

-- Muito pior. Quando a Bruna descobriu que eu era a amante do pai dela, jurou nunca mais olhar na minha
cara.  

-- E você? -- insistiu Sofia.  

-- Em nenhum momento desisti do nosso amor.  

Sofia deu um sorriso e, durante alguns segundos, pareceu anos mais jovem. Os lábios dela se entreabriram
num sorriso esperançoso. A amiga de Andreia encarou Victória sem saber o que dizer. Inclinou-se para
colocar a xícara vazia na bandeja e virou-se para Natasha -- Quando vamos voltar para a Ilha? -- indagou,
levantando as sobrancelhas.  

Natasha e Andreia trocaram um olhar de cumplicidade.  

-- As estradas estão ruins? -- perguntou Andreia.  

-- Está chovendo muito, mesmo, mas as estradas ainda estão transitáveis -- respondeu Natasha. Ela já sabia
qual seria a próxima pergunta antes mesmo de Andreia perguntar, então, acrescentou: -- Pretendo sair daqui
amanhã bem cedo. O que vocês acham? 

- Por nós tudo bem. Né Isa! 

- Com certeza - ela concordou, prontamente. 

Naquele instante, Alexandra, Bruna e seu Pedro voltaram para a sala.  

-- Tudo bem, eu sou careca. Mas não tinha necessidade de me chamar de Cabeça de Rolon -- o pai de Sofia se
instalou à mesa de madeira escura e as duas se sentaram à sua frente. 

-- O seu Pedro tem toda razão de estar bravo com você, Girani. Pede desculpas a ele. 
-- Se isso é tão importante para ele, eu peço -- Alexandra fez um gesto de pouco-caso -- Desculpa aiê. Mas,
deve ser ruim ser careca. Você vira uma referência sem saber. Tipo: Isa, estou aqui perto de um careca de
camisa azul. 

Bruna mexeu-se sem jeito na cadeira. 

-- Não adianta seu Pedro. O melhor é ignorar. 

Seu Pedro se levantou empurrando a cadeira com as pernas. 

-- Vamos até o pasto separar um boi para o abate. 

-- Um boi para o abate? -- indagou Sofia, surpresa. 

-- Eu comprei um boi do seu pai para fazer uns espetinhos para a minha deusa. Ela está com desejo. 

-- Ai que romântica! -- Isabel disse, com uma voz exageradamente melosa. 

-- Um boi? Poxa! -- Victória dirigiu o olhar espantada para Alexandra que estava de pé ao lado do sofá.  

-- Quem vê essa carinha de princesa, não imagina que come mais que pedreiro em jejum -- disse Alexandra
enquanto abria a porta e saía atrás do seu Pedro e de Bruna. 

-- Aceitam mais café? -- perguntou Sofia para Victória e Isabel. 

Elas balançaram a cabeça negativamente. 

-- Vou ver o que a Xanda está inventando. Vem comigo, Vic? 

-- Está chovendo demais. 

-- Temos algumas sombrinhas lá na varanda. Eu levo vocês até onde eles estão -- Sofia indicou o caminho e
elas saíram da casa.  

Natasha se virou para Andreia. Os olhos verdes tinham uma expressão curiosa. 

-- Por que você está se esquivando em responder minha pergunta? -- insistiu Natasha, com impaciência.  

-- Não é isso, amor. Apenas não quero que vocês duas briguem por minha causa -- disse ela com voz
delicada.  

-- Nós já brigamos! -- ela exclamou franzindo a testa. Natasha ajeitou-se no sofá resignada. Andreia estava
realmente decidida a não lhe responder -- Se você não quer falar, tudo bem. Eu sei que a Carolina ameaçou
vocês duas. Só queria saber se ela te maltratou... Porque se... 

-- De qualquer maneira, você não precisava se preocupar com isso, meu amor. O que importa é que tudo está
bem agora. Você podia ter morrido lá -- A voz dela era baixa, sonora e no primeiro instante Andreia sentiu um
arrepio ao se lembrar da terrível cena. 

-- Você fez muito mal de não avisar ninguém sobre seu paradeiro. Não lhe ocorreu que eu poderia
enlouquecer de preocupação? -- ela fitou-a com atenção.  

-- Desculpa, me senti perdida sem você. 

Natasha abraçou-a e beijou-a. 

-- Senti sua falta cada minuto, cada segundo desde que partiu. 

-- Nunca mais me afastarei de você. 

Natasha fitou-a por um longo momento. 

-- Eu te amo. E nunca me imaginaria amando alguém com tanta intensidade, nem sabia que tinha tanta
capacidade pra amar assim.  

-- Eu também te amo imensamente. Te amo desde o primeiro dia que te vi na televisão -- Andreia apoiou-se no
encosto do sofá, enquanto segurava o rosto de Natasha entre as mãos. 

-- Eu estava horrível naquele vídeo. 

-- Você estava linda. Você é linda. 

Natasha puxou-a para si e beijou-a com extrema paixão. 

Dona Marta abriu a porta e todos entraram na maior algazarra. A jovem senhora abriu um sorriso amável
assim que viu Natasha. 
-- Então você que é a famosa Falcão! 

Natasha confirmou com um pequeno gesto de cabeça e um sorriso amigável. 

-- Essa é a minha mãe, Natasha -- Sofia sentou-se no sofá ao lado da poltrona de Andreia. 

-- Seu Pedro já abateu o boi? -- Perguntou Andreia. 

-- O espetinho foi pro espaço! -- disse Isabel, desanimada -- A Alexandra mudou de ideia. Agora ela está
pensando em uma forma de levar o boi para o Rio de Janeiro. 

-- Estou esperando o dia em que a poderosa vai ter pena das verduras e legumes, retirados da terra
violentamente e picados de forma impiedosa. 

-- Nem dá a ideia, André -- Isabel jogou-se no sofá, irritada -- Droga! Estava louca pra comer um churrasco bem
suculento. 

-- E tirar a vida daquele pobre inocente? -- Alexandra apareceu repentinamente na porta -- Os homens pensam
que os animais não sentem. Claro que sentem -- ela meneou a cabeça de um lado para outro -- Vão comer
porco-espinho, que serve pra fazer tira-gosto e ainda vem com os palitos de brinde -- disse irritada -- Vocês
precisavam ver os olhinhos tristes que ele fez quando o bigodão apareceu.  

-- Me poupe Alexandra! -- Sofia cruzou as pernas, apoiou o cotovelo no braço da poltrona e se inclinou na
direção dela -- Já estava contando com uma bela churrascada gaúcha para essa noite. 

-- Tudo bem! -- disse dona Marta -- Já que não tem churrasco, vou matar umas galinhas e preparar uma
verdadeira galinhada gaúcha. 

-- NÃO!!! -- gritou Alexandra -- Matar galinhas? Jamais! As coitadinhas já têm uma vida tão sofrida, não merecem
parar em uma panela de ferro e virar galinhada gaúcha. 

-- Deixa de ser exagerada, Alexandra -- dona Marta franziu a testa -- Desde quando galinha tem uma vida
sofrida? 

-- Ah é! Experimente botar um ovo, então -- Alexandra se encostou na porta -- Nem vem. Só passando por cima
do meu cadáver. 

A maré estava baixa. Leozinho descalçou os sapatos e caminhou pela praia, sentindo a areia macia nos pés.  

Absorto nos seus pensamentos, só percebeu a aproximação do jipe, quando o carro já estava quase em cima
dele. 

-- Está louco é? -- afastou-se com um pulo para o lado. 

Sidney desligou o motor do carro, desceu do veículo e caminhou em direção ao rapaz. Mantinha a cabeça
erguida, olhando fixo para ele. 

-- Não devia ter saído sem avisar. Fiquei preocupado. 

-- Não tem com o que se preocupar, Sidney. Eu estou bem -- Leozinho se sentou na areia, olhando o mar
iluminado pela Lua, ouvindo o murmúrio das ondas que rolavam suavemente. 

-- Vamos esclarecer uma coisa -- disse ele -- Nunca dei motivos para que acreditasse num futuro entre nós. Se
criou expectativas, infelizmente o erro foi seu. 

Os olhos azuis de Leozinho brilharam intensamente, 

-- Não precisa refrescar a minha memória -- Leozinho protestou, irritado -- Eu sei disso. Se eu pudesse não
teria nunca me apaixonado por um tarado, libertino. 

Sidney respirou fundo. 

-- Tarado, libertino? -- sorriu ele, ironicamente -- Não me lembro de ter usado a força física. 

Corado, Leozinho admitiu que a escolha da palavra havia sido infeliz e inadequada. 

-- Então, sedutor -- corrigiu-se, reunindo forças para vencer a vergonha. 

-- Não fale assim. Nós havíamos combinado que seria apenas uma amizade-colorida. 

-- É que... Eu nunca imaginei que você encontraria outra pessoa. Não aqui na ilha.  
-- Você não devia ter se apaixonado por mim. 

-- Seu crápula! -- Leozinho se pôs de pé -- Como se a gente pudesse escolher entre amar ou não amar --
afirmou, indignado, dando meia volta para ir embora, antes que Sidney pudesse ver as lágrimas em seus
olhos. 

-- Leozinho, espera! -- seguiu-o, agarrando-o pelos ombros -- Eu não devia ter dito aquilo. 

Leozinho fechou os olhos quando Sidney colocou a mão sobre seu ombro. 

-- Por que não? -- indagou ele -- É verdade. Eu é que fui um bobão. 

-- Mas eu não devia ter correspondido. A culpa foi minha. 

Conseguia sentir o calor dos dedos dele através da roupa e a sensação provocava-lhe lembranças que
preferia manter enterradas para sempre.  

-- Tira as mãos de cima de mim! Não me toque nunca mais!  

Ele assentiu de imediato, recuando com as mãos erguidas, num gesto defensivo. 

-- Lamento muito -- disse -- Não quero perder a sua amizade. Você é muito importante para mim. 

Devido a construção do parque, não havia dúvida de que se veriam todos os dias, e a única coisa que lhe
restava fazer era aprender a conviver com a sua presença.  

-- Bem, tenho de ir -- suspirou, procurando uma forma digna de sair dali, antes que sucumbisse à tristeza. 

-- Espera -- pediu Sidney -- Tem algo que preciso saber. 

-- Não há mais nada para dizer, Sidney.  

-- Só quero saber se poderei continuar o meu trabalho na administração do parque temático? 

Leozinho ficou em silêncio por alguns instantes, examinando o belo rosto do rapaz. Estava ciente de que não
havia maneira de alterar aquela situação. Precisava agir com profissionalismo e maturidade. Encarar a
situação com calma. O que aconteceu entre eles não poderia interferir em sua capacidade profissional e de
julgamento. 

-- Amigos, amigos, negócios à parte. Lembre-se de que sou um profissional. 

-- Que bom -- Sidney hesitou, por um momento, como se pretendesse dizer mais alguma coisa, mas depois
abanou a cabeça e voltou para o jipe, acenando com a mão, numa despedida silenciosa. 

Leozinho deixou-se ficar onde estava, vendo-o afastar-se, em direção ao hotel. Tinha que aprender a aceitar o
fato de que agora, Sidney, tinha outra pessoa.  

"É difícil admitir que amar não necessariamente quer dizer estar junto, mas sim desejar profundamente a
felicidade da outra pessoa mesmo que isso signifique abrir mão de nossa própria felicidade.  

É assim que sou e é assim que serei sempre". 

(Professor Galvão) 

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Capítulo 77 - Não Há Um "Nós" por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 77  

Não Há Um "Nós"  

O sol entrava pelas janelas, iluminando o ambiente. Era um dia lindo, cheio de paz, de alegria e... Fome.   

Quando Natasha e Andreia entraram na cozinha, todos já estavam sentados diante de uma mesa farta.  

-- Bom dia! -- Andreia cumprimentou com entusiasmo -- Levantaram cedo, hein!  

Isabel levantou os olhos da fatia do bolo de laranja e suspirou, satisfeita.  

-- Bom dia, Andreia. A fome era tanta que nem consegui dormir.  

-- Nem eu -- disse André -- Meu estômago roncava tão alto que chegava a me assustar.  

-- Na verdade, ninguém conseguiu dormir -- completou Bruna. 

-- Sentem-se meninas, fiz uma torta salgada. Está bem quentinha.  

-- A torta que mamãe faz é divina. Vai por mim.  

-- Sofia tem razão. Está uma maravilha -- disse Victória.  

Alexandra enfiou uns três brigadeiros na boca e fechou os olhos, degustando com prazer.  

-- Hummm... Brigadeiro é tão bom, que deveria ser um elogio, tipo: Nossa Isa, você está tão brigadeiro hoje.  

-- Bobona! -- Isa sorriu -- Por sua causa estamos todos varados de fome.   

-- Eu comi um balde de salada de aspargos, uma gamela de salada de brotos de couve crua, uma bacia de
salada de feijão, salsa e limão e mais um caminhão de folhas estranhas... -- disse seu Pedro.  

-- E mesmo assim assaltou a geladeira umas duas vezes durante a madrugada pra comer virado de feijão preto
com torresmo prensado -- comentou dona Marta.  

-- Pois é, essa tal de dieta baseada em vegetais que a guria loira tanto fala é comida de fresco. Um gaudério dos
pampas feito eu, bateria as botas em três dias.  

-- Embora coma carne, minha vida é bem vegana: resolvo pepinos, seguro batatas quentes, descasco abacaxis
e ouço montes de abobrinhas -- Bruna sorveu um gole de café e recostou-se na cadeira, com as pernas
estendidas.  

-- Quer que eu prepare um suco para você, Natasha? -- a mãe de Sofia perguntou, prestativa.  

-- Obrigada, dona Marta. Um café está bom -- Natasha se sentou em uma das cadeiras em um ângulo de onde
pudesse acompanhar os movimentos de Marlon no carrinho.  

-- Nem tudo que é caro é bom, mas às vezes, gastar um pouco mais vale a pena. Principalmente se o objetivo é
experimentar alimentos refinados, preparados com cuidado pelos principais restaurantes do Rio de Janeiro.
Por exemplo, já pensou em comer o Aligot, que vem de Auvergne, na França, e é preparado com purê de
batatas, queijo gruyère e minas padrão.  

-- O que você chama de prato mais parece um pires -- brincou Alexandra -- Um pedacinho de uma coisinha
esquisita rodeada com uns matinhos e uma baba gosmenta por cima.  

-- Não gosto de comer comida muito cara, depois fico com pena de fazer cocô.  

-- Que horror, André! -- Isabel ergueu a cabeça e olhou-o perplexa.  

André enrubesceu ao perceber a crítica implícita na voz de Isabel.  

-- Qual é o problema, Deusa? -- perguntou o rapaz, servindo-se de café.  

-- Você -- respondeu Isabel, servindo-se de mais bolo.  

Seu Pedro deu uma mordida generosa na coxinha.  


-- Cada vez que como uma coxinha fico faceiro que nem guri de calça nova.  

-- A gente pode medir o caráter de uma pessoa observando por onde ela começa a comer sua coxinha --
Alexandra pegou um biscoito de polvilho e ofereceu a Isabel. 

-- O que você quis dizer com isso, palmito?  

-- Que o senhor é um homem sábio -- interferiu Bruna -- Pois começa pela bundinha. Começar pela ponta você
come um monte de massa antes do recheio e isso as vezes tira muito o apetite de comer a coxinha, começando
pela bundinha você pode dar aquela mordida generosa nela.  

Alexandra deu uma risadinha irônica.  

-- Não era bem isso que eu estava pensando, mas serve -- Alexandra disse depois de engolir e dar outro gole
em seu café.  

Leandro parou à porta aberta da cozinha e olhou timidamente para o grupo que conversava ruidosamente. O
ambiente no interior era arejado e cheirava a café, mas a primeira coisa que chamou a sua atenção foi Natasha
Falcão sentada ao lado de Andreia.  

-- Bom dia, Leandro -- disse Andreia amavelmente, assim que o viu -- Vem tomar café com a gente -- ela apontou
para a cadeira do outro lado da mesa e passou-lhe uma caneca.  

Ele pegou a caneca, uma tigelinha de salada de frutas, pôs dois brioches no prato e sentou-se no lugar vago.  

Andreia percebeu que aquele era o momento certo para tocar no assunto que devia estar fervilhando na
cabeça de Leandro. Era muito importante para ele. Seu coração devia estar em turbulências.  

-- Leandro vai para a Ilha do Falcão conosco, amor -- disse de supetão.  

Leandro arregalou os olhos. O rapaz parou com a colher com salada de frutas a meio caminho da boca.   

-- Vai? -- perguntou Natasha, com o rosto de menina e o cabelo desalinhado, mais parecia uma adolescente que
uma adulta.  

-- Vai -- Andreia olhou para ele sorrindo -- Leandro é um médico recém-formado, cheio de energia, ideias e,
muito competente.  

Natasha olhou séria para ele. Os olhos verdes faiscando sob a luz do sol que entrava pela janela, fez o rapaz
abaixar a cabeça.  

Como Natasha nada falou, Andreia prosseguiu:  

-- Tenho certeza que a doutora Talita vai adorar ter mais um médico em sua equipe. O que você acha, amor?  

Sem falar, Natasha pegou um pedaço de bolo e colocou-o calmamente na boca de Andreia.   

Leandro observava a cena angustiado. Ansioso pela resposta da poderosa Falcão.  

-- Eu não devo achar nada -- ela respondeu brandamente -- Você é a primeira dama. Tem completa autonomia
para tomar decisões. Se acha que ele merece estar entre nós na Ilha do Falcão, que assim seja.  

Um sorriso radiante surgiu nos lábios rosados de Andreia. Natasha era perfeita. A mulher em quem confiava,
respeitava e amava profundamente.  

-- Obrigada, meu amor.  

Como resposta, Natasha pegou a mão dela, e depositou um beijo na palma da mão.  

-- Ninguém tem coragem de dizer, mas eu vou -- Alexandra sorveu o resto do café, depois colocou a xícara
vazia sobre o pires -- Tem uma remela no seu olho, senhor Pedro.  

-- Vamos a delegacia -- disse Carolina, virando a cabeça para olhar Talita -- Você está com medo? -- perguntou,
enquanto colocava umas fatias de bacon na frigideira.  

Talita mordeu o lábio.  

-- Não, claro que não -- respondeu a médica, enquanto enchia duas canecas de café, e ao olhar depois para a
garota percebeu sua expressão duvidosa.  

-- Então por que não denuncia logo esse bandido?  

-- Hoje não, prefiro esperar a Natasha voltar. Ela me garantiu que se o tempo continuar estável, amanhã elas
estarão de volta.  
Carolina bebeu um gole de café enquanto olhava para a médica, pensativamente.  

-- Algum problema? -- perguntou Talita. 

Carolina assentiu sem olhar para ela.  

-- A verdade é que eu preciso me mudar para a minha ilha. Tenho que entrar em contato com a Marcela e a
Sibele para que saibam que estou indo. Já se passaram quase uma semana desde a última vez que estive por
lá, elas devem estar pensando que desisti do nosso projeto.  

-- E não foi isso? -- perguntou Talita, enquanto sentava a mesa -- É impossível lugar mais longe da civilização do
que aquela ilha.   

-- Preciso ir. Esqueceu que a Natasha me expulsou daqui?  

-- Não acredito que ela manterá essa decisão.  

-- Prefiro não arriscar -- Carolina passou as mãos nos cabelos se sentando na cadeira em frente a ela.  

-- E quando vai fazer isso? -- perguntou ela, partindo dois pedaços de pão.  

Carolina mexeu o café antes de olhar para Talita novamente.  

-- Não seria: Quando nós faremos isso? -- ela pousou o café e olhou atentamente para a médica -- Você vai
comigo, não é mesmo?  

-- Eu não posso largar o projeto da construção do novo ambulatório para ir morar em uma ilha desabitada --
ela conseguiu forçar as palavras a saírem de seus lábios -- Médicos precisam estar aonde o povo está.   

-- A namorada precisa estar aonde a namorada está. É isso que eu penso -- ela tomou um gole do café, mal
sentindo o gosto.  

-- Podemos nos ver sempre que quisermos -- seu sorriso era um pouco ausente quando pegou seu café para
saborear -- Afinal é apenas uma hora de distância.   

-- Você não entende! Não é esse o problema.  

-- O que é então?  

Ela nunca foi de rodeios e não ia começar a ser agora.   

-- Quero você ao meu lado. Me ajudando a transformar aquela ilha em um paraíso. Bem melhor que a Ilha do
Falcão -- ela disse se virando para ela para reabastecer sua xícara de café.   

-- Será que importa para você os meus projetos? -- Talita perguntou -- Será que estamos caminhando rumos
diferentes? -- Talita balançou a cabeça lentamente -- Se houvesse um "nós", não estaríamos discutindo agora.  

-- Estamos discutindo porque você não abre mão de nada. Sempre eu quem tenho que abrir mão de algo por
você -- Carolina rosnou se levantando e dando a volta na mesa, seu rosto mudando de expressão num piscar
de olhos.   

-- Nenhuma de nós precisa abrir mão de nossos projetos, Carol. Podemos muito bem concilia-los.  

-- Não vou ficar de lá pra cá o tempo todo. Ponto final -- dito isso, ela deu a volta e saiu do chalé, batendo a
porta.  

Talita sentiu como se tivesse recebido um balde de água fria.  

-- Oh, definitivamente não há um "nós".  

As estradas estavam lamacentas e perigosas por causa da chuva que caíra nos últimos dias.  

Após uma hora de viagem, os dois carros pararam no estacionamento do aeroporto de Bagé.  

-- Finalmente chegamos! -- comemorou Isabel, assim que saiu do carro.  

-- E agora? -- Alexandra abriu os braços.  

Isabel sorriu para ela e, num tom muito alegre, perguntou:  

-- Não me diga que já está com medo -- comentou.  

-- Claro que não! -- ela respondeu, tentando parecer tão despreocupada quanto a esposa -- Só que, na
verdade, ainda não decidimos para aonde vamos.  
Isabel plantou os pés separados e colocou as mãos na cintura, assumindo uma postura mais dura.  

-- Como assim: "Não decidimos para aonde vamos?" Vamos para casa, é lógico!  

-- Isso mesmo! -- Victória deu a volta no carro e parou ao lado de Isabel -- Vamos para casa e ai de você Bruna
se não fizer isso.  

-- Claro que vamos para casa -- Bruna franziu a testa -- Para onde mais iriamos?  

-- Para a Ilha do Falcão -- resmungou Alexandra -- Temos um criminoso que precisa ser capturado.  

-- E nós temos dez filhos para cuidar -- disse Victória.  

-- Mas nós, não -- respondeu Alexandra.  

Tal afirmativa só fez piorar o humor de Isabel, que fincou os calcanhares no chão e rangeu os dentes.  

-- Xanda! -- ela berrou -- Deixe o bandido para a polícia capturar. É o trabalho deles, não seu. 

Em silêncio, Alexandra ergueu uma das mãos, em um gesto de: Não tá mais aqui quem falou.  

Andreia pegou a criança no colo e aproximou-se dos amigos.  

-- Então, vamos para a Ilha do Falcão?  

Alexandra trocou um rápido olhar com Isabel e balançou a cabeça, desanimada.  

-- Não vamos mais.  

-- Por que não? -- perguntou Natasha, espantada -- Você me disse que iriam juntos para a Ilha. Até mandei
a Jessye reservar as suítes para vocês. 

Alexandra respirou fundo e balançou a cabeça em sinal de negativa.   

-- Isabel prefere voltar para o Rio.  

-- Hum -- Natasha a puxou pelo braço para longe do grupo. Em seguida, puxou-a para baixo e cochichou em
seu ouvido:  

-- Você disse que a Isabel não dá palpites em seus negócios.  

-- Eu disse? -- Alexandra deu uma risada irônica.   

-- Essa foi a melhor não resposta que já ouvi -- Natasha disse, percebendo que ele não ia falar mais nada.   

Alexandra se virou para o grupo e, com um sorriso lento, avisou:  

-- Vou providenciar as passagens. Vem comigo, Natasha.  

Ainda de cara fechada devido a discursão com Talita, Carolina passou pela grande porta de vidro e parou na
recepção. Jessye, a secretária de Natasha, olhou preocupada para ela.  

-- Algum problema, Carol? Você parece zangada.  

-- Não um problema exatamente -- o semblante da garota suavizou-se um pouco -- Uma decepção.  

-- Uma decepção? -- Jessye trocou um olhar interrogativo com a irmã de Natasha.  

-- Uma conhecida minha costuma dizer que a vida seria ótima, se não fossem as outras pessoas...  

-- Desde sempre precisamos de outros seres humanos para viver e sobreviver, e ao mesmo tempo estamos
sempre em conflito com eles. Mágoas, frustrações, irritação. Essas emoções surgem em nós exatamente na
proporção de nossas expectativas em relação às pessoas com quem convivemos.   

-- Você tem razão. Quanto maior a nossa expectativa em relação a elas, maior a probabilidade de nos
decepcionarmos.  

Agora, já mais calma. Carolina pôde observar como a secretária de Natasha era linda e simpática.  

-- E então. Em que posso ajudar? -- Jessye sorriu.  

-- Preciso usar o rádio para me comunicar com a Marcela e a Sibele na Ilha Carolina.  
-- Claro. Você pode esperar um pouquinho? A recepcionista foi ao banheiro, assim que ela voltar, te levo até o
rádio.  

-- Tudo bem! -- Carol assentiu e apoiou-se no balcão de granito -- Eu espero.  

Alexandra, Isabel, Bruna, Victória e André, chegaram ao portão de embarque na maior balbúrdia. 

-- Uma menina postou assim, no facebook: "Mim indiquem uma cérie boa".  

-- E o que você respondeu, poderosa? 

-- Respondi: "Quinta Série" e ela me bloqueou. 

-- Já vi gente confundir incremento com excremento -- comentou Bruna. 

-- Você está com as passagens, né amor? -- perguntou Isabel.  

-- Estão aqui -- Alexandra os sacudiu no ar.  

O funcionário da empresa checou as passagens em meio a muita confusão. 

-- Por favor, queiram fazer silencio! -- pediu. 

-- André, ouviu o que o rapaz pediu, né? 

-- Ouvi, minha deusa. 

Rapidamente, entraram no avião e ocuparam suas poltronas. Alexandra sentiu o avião começar a se mover.
Olhou pela janela, despedindo-se silenciosamente da cidade de Bagé. 

-- Rio de Janeiro aí vamos nós -- Isabel olhou brevemente para Alexandra -- Você não está com saudade de
casa? Da nossa cama? 

O arquear das sobrancelhas de Alexandra a irritou, mas o avião começou a andar na pista, e ela inclinou-se
para a frente, observando o solo se distanciar quando eles levantaram voo. 

Uma estranha sensação a percorreu, produzindo pensamentos absurdos. Deixe de bobagens, avisou a si
mesma. 

-- Mamãe mandou um WhatsApp dizendo que está com muita saudade de você. 

-- Eu não -- o sorriso de Alexandra continha mais do que um toque de ironia. 

-- O que disse amor? 

-- Que bom! Foi o que eu disse, meu mel. 

-- Hã -- Isabel tirou um livro da bolsa, ajeitou-se melhor na poltrona e rapidamente, concentrou-se no livro. 

A luz do cinto de segurança se apagou e o piloto anunciou que eles tinham alcançado altitude. Alexandra
levantou-se e olhou para as poltronas da frente. 

-- Meu Deus, Natasha, Andreia, Sofia, Leandro! -- exclamou admirada -- Que coincidência! O que vocês fazem
nesse avião? 

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Capítulo 78 -- O Retorno à Casa por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 78 

O Retorno à Casa  

Isabel observou Alexandra sair de sua poltrona e parar no meio do corredor. 

-- Amiga sua louca. Pegou o avião errado, foi? -- ela disse com exagerada animação -- Vem cá, me dá um abraço. 

Natasha se aproximou sorrindo e abraçou-a. 

-- Girani, que bom ver você!  

-- Como vai, Nat? -- Alexandra beijou-a no rosto, com os olhos brilhantes de felicidade.  

Isabel fechou o livro, levantou-se e andou até elas. 

-- Algo me dizia que você estava aprontando, Xanda. 

Então Alexandra sorriu para ela e murmurou: 

-- Acho que pegamos o avião errado amor. 

Isabel respirou fundo e soltou o ar. Inclinou-se um pouco para frente, entortando o dedo para que Alexandra
se aproximasse.  

Olhando-a cautelosamente, a loira obedeceu. 

Isabel embalou o livro no ar e bateu tão forte quanto pôde na cabeça dela. 

Alexandra levou a mão a cabeça e cambaleou para trás.  

-- Ai, ai, ai... Sua maluca! -- ela escondeu-se atrás da Natasha. Ainda esfregando a cabeça -- Você não tem medo
que eu tenha um traumatismo craniano encefálico e fique em coma profundo, tenha convulsões, perca a
memória ou tenha outras sequelas graves? 

-- Pois é bem essa a intensão...E vou conseguir -- Isabel levantou o livro para bater novamente nela, porém,
desistiu ao ouvir alguém tossir. Olhou para o lado e viu a comissária de bordo observando-a com cara de
poucos amigos. 

-- Qual o problema? -- a moça perguntou, desviando o olhar para Alexandra. 

-- O problema é o livro de capa dura -- ela respondeu. 

-- Você tem dois minutos para fazer esse avião dar meia volta e voltar para o aeroporto. 

Alexandra deu um passo para trás, seus olhos brilhando enquanto a encaravam. 

-- Ah tá! Basta uma mexidinha no nariz para que a magia aconteça. 

-- Você ouviu à Isabel. Vamos voltar agora! -- exigiu Victória. 

-- Calma gente, vamos... 

-- Cala a boca, Bruna! Eu não terminei aqui -- berrou Victória, e retornou a atenção à Alexandra -- A essas
alturas, meus filhos já devem ter pendurado a babá no teto. 

-- Pensem pelo lado positivo, gente. Vocês... 

-- Quieta Natasha! Eu sei muito bem que você também está fazendo parte desse complô -- Andreia
colocou Márlon no colo dela e apontou para o banco -- Vai fazê-lo dormir. 

-- Hiiii... Já se uniram em grupo para protestar -- comentou André -- Eu sei muito bem até onde isso vai chegar,
poderosa. Começam batendo com o livro e terminam batendo panelas. Quando a minha deusa perceber, já
deram o golpe. 
-- Quer morrer? -- Isabel perguntou, e deu-lhe as costas -- Dá a volta nesse avião, já -- ela disse para a
comissária. 

-- Vão sentar! Vocês estão viajando de avião, não de Uber -- disse a moça, tentando acalmar os ânimos -- Não
me obriguem a comunicar a Polícia Federal. 

Isabel deu uma gargalhada alta e debochada. 

-- Estou morrendo de medo, olha -- ela mostrou as mãos fingindo estarem trêmulas -- Fique sabendo que o
diretor-geral da Polícia Federal não sai lá de casa pedindo favor a minha esposa. É ela quem organiza o baile
anual deles. Nós até o chamamos pelo apelido de: Pão de açúcar. 

-- Moça, você está me desacatando -- disse a comissária, à beira de um ataque de nervos -- Você já foi longe
demais! 

-- Meu Deus, que barraco! -- Sofia encolheu-se no banco e cobriu a cabeça com uma manta. 

-- A senhorita Patatí por acaso está ameaçando a minha esposa? -- Alexandra deu de dedo na comissária. 

-- Você me chamou de Patatí? Que audácia! 

-- Eu ainda acho que jogaram Nescau na cara dela -- disse Natasha, embalando o filho para um lado e para o
outro. 

-- Tem gente que em vez de se maquiar, incorpora o Coringa! -- Bruna comentou, caindo na gargalhada. 

-- Se suar vai apagar a sobrancelha -- disse André. 

-- Fecha a matraca pavão misterioso! -- um dos passageiros berrou lá do fundo. 

-- O queeee??? -- Leandro se levantou, todo espalhafatoso -- Agora ofendeu! Mexeu com uma, mexeu com
todas! 

-- É isso aí, Leandro -- Alexandra empurrou Isabel e a comissária para o lado e se atirou para frente,
vociferando para os passageiros: -- O testa de amolar facão, merece morrer. Alguém discorda? Quem cala,
comente. 

-- É: Quem cala, consente -- corrigiu Natasha. 

-- Foi o que eu disse. Isabel me passe a arma. 

-- Arma??? -- os passageiros indagaram juntos.  

Em seguida, houve muita gritaria, pessoas se jogando no chão ou se escondendo atrás das poltronas para se
proteger de um possível tiroteio. 

-- Que arma, amor? 

-- Essa -- Alexandra pegou o livro da mão de Isabel. 

-- Ahhhh... -- os passageiros voltaram para as suas poltronas, aliviados. 

-- O que foi? Nunca ouviram dizer que: "O livro é a melhor arma?"  

-- Muito bem Girani -- Bruna aplaudiu -- Enfim, as consultas com o psicólogo estão surtindo efeito. 

-- Não te contei? Ele mandou eu escrever uma carta para as pessoas que eu não gosto, para depois queimá-
las.  

-- Que legal! Essa é uma forma bem criativa que os psicólogos usam para ajudar os seus pacientes a superar
certos desafios na sua vida.  

-- Só não entendi o que faço com as cartas. 

-- Eu mereço -- Sofia fez um gesto de enfado, revirando os olhos. 

-- Que cheiro estranho! -- comentou um dos passageiros. 

-- Eca! Que horror! -- Sofia fez ânsia de vômito. 

-- Amor, acho que o Márlon fez cocô -- Natasha fez careta de nojo. 

-- Fez cocô? Ele jogou merda na nossa cara. Isso sim -- disse Alexandra tapando o nariz com uma mão -- Joga
esse guri pela janela. 

-- Xanda! -- berrou Isabel. 


-- Tô brincando, meu mel.  

-- Caramba! Estão dando urubu pra essa criança comer? -- disse outro passageiro. 

-- O que você disse? -- Andreia virou uma fera. 

-- Deixa comigo, amor -- Natasha entregou Márlon para ela -- Isabel, me dê a arma. Vou transmitir um pouco de
cultura a esse idiota. 

Virada no Jiraya, Natasha destruiu o livro na cabeça do passageiro. 

Elisa chamou o comandante Erivaldo e passou as instruções para que ele fosse buscar Natasha, Andreia e os
amigos em Florianópolis. 

-- São muitos, talvez você tenha que fazer duas viagens. 

-- Sem problemas, dona Elisa -- ele então olhou para o relógio e levantou-se. Estava quase na hora do avião
chegar à capital -- Vou indo. Não quero levar uma bronca logo no primeiro dia. 

-- Vai com Deus, meu filho. 

Assim que Erivaldo saiu, Elisa se virou em direção a recepção e viu Carolina conversando animadamente com
Jessye. 

A senhora caminhou até ela e a abraçou. 

-- Carolina! Como está, minha filha? 

-- Estou bem, Elisa -- ela apertou o corpo da senhora contra o seu, enquanto a beijava carinhosamente no
rosto. 

-- Sua irmã está chegando -- Elisa deu um suspiro fundo e olhou para a garota com preocupação -- Acho que
vocês deveriam se entender.  

-- De que jeito Elisa, se a Natasha não quer nem me ouvir? 

-- Por que não procura a Andreia? Sua cunhada é bem mais maleável que a Natasha. 

Carolina olhou fixamente para a jovem senhora. Ela pensou durante alguns segundos, depois, meneou a
cabeça. 

-- Nós ainda não nos conhecemos bem. E eu fui muito maldosa com ela. 

-- É. Você cometeu uma grande injustiça, mas, reconhecer o erro já é um grande começo -- Elisa aproveitou
para perguntar: -- Diga-me o que você fará tão longe da civilização? 

-- Para falar a verdade, eu queria me afastar alguns dias da Ilha do Falcão. Preciso refletir sozinha e pensei
que esse tempo será positivo para mim. 

-- Não fuja de seus problemas, minha filha. Encare-os de frente com coragem e determinação, pois se não os
resolver no dia de hoje, certamente terá que fazê-lo no dia de amanhã porque eles continuarão existindo
enquanto não forem resolvidos, prolongando o seu sofrimento. Pense nisso. 

-- Vou pensar, Elisa. Juro que vou pensar. 

O policial federal desligou o telefone e olhou sério para o companheiro. 

-- Ela está falando a verdade. O chefão disse que se tocarmos um dedinho nela vamos se ver com ele. 

-- Droga! Estava louco pra jogar esse bando de baderneiros no camburão e levar para a delegacia. 

-- Pois vá mudando o tom da conversa. O comandante disse que a tal da Girani é parceirona da corporação.
Todos os anos é ela quem financia e organiza o baile de confraternização. 

-- Fazer o que né!  

O policial encolheu os ombros e caminhou até o grupo que tagarelava sem parar. 

-- Para cada ideia ruim que a Alexandra tem, eu estou sempre lá para dizer "Tô dentro". Eu não aprendo nunca
-- resmungou Bruna. 

-- Eu quem diga -- comentou Victória, irritada. 


-- Você vai ser presa por formação de quadrilha, poderosa. 

-- Não fala besteira André. Girani nunca será presa -- disse Alexandra com orgulho -- Natasha é das minhas.
Sentou o braço no testa de capô de fusca. 

-- Mexeu com o meu filho, eu meto a mão mesmo. 

-- Totalmente apoiada, Nat. Estou muito orgulhosa de você -- disse Andreia, com a expressão de ternura
estampada nos olhos castanhos.  

-- Com licença -- o policial parou ao lado de Alexandra e sorriu meio sem jeito -- Vocês estão liberados. 

O grupo comemorou. 

-- Já não era sem tempo -- Natasha fez um gesto impaciente com a mão. 

-- O comandante pede desculpas pelo transtorno e lembra a senhora Girani que o baile da corporação está
programado para a próxima quarta-feira. E que uma mão lava a outra. 

Alexandra ergueu as sobrancelhas. 

-- E as duas lava a jato -- Alexandra deu um tapa no ombro do policial e caiu na gargalhada -- Essa foi boa. 

-- Quanta besteira Girani -- comentou Bruna. 

Natasha meneou a cabeça de um lado para outro. 

-- Vamos sair logo daqui. Não vejo a hora de voltar para a ilha.   

Mariana encarou César, que a fitava com insistência.  

-- É claro que estou perturbada -- admitiu, depressa -- E quem não estaria, ao ouvir falar em chantagem? 

-- O menino é o meu filho. Não vou embora do Brasil sem ter alguma vantagem com isso. 

-- A Natasha não é nenhuma bobinha -- Mariana balançou a cabeça -- Ela não vai aceitar a sua chantagem assim
tão facilmente. 

César deu um sorriso tenso. Segurou o queixo de Mariana, fazendo-a erguer o rosto.  

-- Quero que participe de livre e espontânea vontade. Não pretendo forçá-la a nada -- Então, de repente, ele se
afastou -- Porém, quando estiver de bolso cheio e de malas prontas para os Estados Unidos, não quero
ninguém chorando atrás de mim. Ouviu? -- disse, dando-lhe as costas.  

Por alguns instantes, Mariana ficou parada no lugar onde ele a deixara, incapaz de mover-se. O medo de ficar
só e na miséria atormentavam-na. Não podia continuar da maneira como estava concluiu, após um momento
de reflexão. Afinal, não tinha nada, então o que perderia? Desanimada, trancou a porta e decidiu que era
melhor parar de perseguir o que nunca seria seu.  

-- É Natasha, é hora de dizer adeus para sempre. 

Quando o helicóptero pousou no heliporto da ilha, Andreia suspirou extasiada. Como era bom estar de novo
em casa! A ilha estava pontilhada de luzes, acendendo-se ao cair da tarde. Finalmente estava de volta a Ilha do
Falcão. 

Uma brisa suave e morna acariciou o rosto de Isabel que observava a paisagem com curiosidade. Tudo era
exatamente como havia imaginado. Um verdadeiro paraíso. Com coqueiros, areia branquinha e a praia
tranquila. 

Os olhos de Natasha encheram-se de lágrimas. Era tudo tão conhecido e, ao mesmo tempo, tão novo. Aquela
volta era especial. Agora tinha um filho no colo. 

Um barco a motor passou pelo canal, interrompendo as divagações. 

-- Muito bem, vocês estão finalmente na Ilha do Falcão -- disse Natasha, como uma boa anfitriã -- Sejam bem-
vindos! 

-- Há quantos anos sonhava em conhecer este lugar. Várias vezes comentei com a Bruna, né amor. 

-- Verdade, mas nunca sobrava tempo. 


-- Então, depois de toda essa confusão, vocês vão até me agradecer por estarem aqui -- Alexandra saiu
andando na frente -- Vamos pessoal. Temos um criminoso de alta periculosidade para capturar. 

-- Ai meu Deus -- Bruna levantou as mãos à cabeça -- Quando teremos um pouco de paz? 

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Capítulo 79 -- O Soco Torto por Vandinha
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 79

O Soco Torto

-- Chegamos -- anunciou Natasha, segurando a mão de Andreia -- Chegamos ao hotel Falcão -- murmurou ela,
afastando uma mecha de cabelos do rosto da esposa.

Andreia sorriu. Amava a sua nova casa, mas o hotel tinha um lugar muito especial em seu coração. Foi ali que
seu amor nasceu e floresceu.

-- Oh! -- exclamou ela emocionada, finalmente despertando de seu devaneio.

Isabel e Victória que estavam no segundo carro, olhavam pela janela pasmas com a beleza da paisagem e da
construção.

-- Aqui está o hotel, mademoiselles -- o motorista abriu a porta para elas e entregou as malas a um jovem que
saíra do hotel com um sorriso acolhedor.

Eles desceram do carro e ficaram parados diante da escadaria de acesso a porta de entrada do hotel.

-- Sejam bem-vindos! O Hotel Falcão sente-se honrado em recebê-los. Me chamo Pablo, e até estarem
devidamente instalados e satisfeitos, estarei à disposição para tirar qualquer dúvida. Nosso Hotel possui...

Natasha deu-lhe uma palmadinha de leve no ombro.

-- Olá Pablo!

O coração do rapaz deu um salto de susto quando percebeu quem era.

-- Dona Natasha!

-- Obrigada Pablo, mas pode deixar que eu mesma faço as honras da casa. Essas pessoas são minhas
convidadas. Quero que sejam tratados como meus familiares -- Natasha disse, sorrindo para eles -- São irmãos
muito queridos a quem tenho muito o que agradecer e tentar de toda e qualquer forma possível retribuir,
então, saibam que para qualquer coisa, em qualquer hora ou lugar, eu estarei, pronta para ajudar, assim como
fizeram comigo.

-- Faço minha as palavras da Nat -- completou Andreia, sorrindo de forma carinhosa.

-- Obrigada Natasha. Você é muito gentil -- Bruna agradeceu, sorrindo -- E você Girani? Por que está tão
quieta?

-- E quando Alexandra, fica quieta, é certo que está aprontando. O silêncio é o sinal de alerta. Tenho até medo
o que a cabecinha dela está matutando.

-- Não seja tão neurótica Isabel, meu mel puro -- Alexandra colocou um braço ao redor do pescoço de Natasha
e juntas começaram a subir os degraus -- Obrigada pelas palavras, porém, ainda é cedo. Temos muito trabalho
pela frente.

-- Estava pensando no criminoso? -- Natasha levantou uma sobrancelha -- Por isso estava tão quieta?

-- Sim. Estava criando estratégias -- seus impressionantes olhos verdes estavam ocultos pelos óculos escuros
-- A operação vai se chamar: Bunda branca.

Natasha olhou para ela surpresa.

-- Por que bunda branca?

-- Em homenagem ao doutor Leandro -- no topo da escada elas se viraram e, em seguida, com um puxão leve
em sua roupa, Alexandra trouxe Natasha para mais próximo -- Você reparou como a bunda dele é branca?
Tipo assim... Cor de porra.

Natasha se afastou dela.

-- Você parece doente, Girani! Tenho coisa bem mais agradável para fazer do que ficar olhando para a bunda
do doutor Leandro.

-- Faz bem. Deixe esses detalhes sórdidos para mim. Tudo deve ser minunciosamente observado. Até mesmo
as bundas.
-- Você olhou para a bunda da Andreia? -- Natasha olhou com cara feia para ela.

-- Olhei -- Alexandra ajeitou os óculos antes de continuar -- Mas, foram olhadas técnicas. Somente isso.

-- Hum. Olhadas técnicas. Sei. Os tapas e beliscões da Isabel também são técnicos?

-- Deixa a Isabel, mel de jataí, fora disso -- Alexandra voltou a colocar um braço ao redor do pescoço de
Natasha -- Brasil acima de tudo, e eu dando em cima de todas -- ela riu divertida -- Brincadeirinha. Mulher de
amiga minha é homem.

Assim que entraram no saguão, se depararam com luxo e opulência. O tapete alto, os sofás e poltronas
iluminados por um vitral em mosaico, vidraças com detalhes vibrantes. Os quadros antigos, comum em hotéis,
foram substituídos por arte local, fotos impactantes da Ilha do Falcão e, outras que ajudavam a contar a
história do hotel e arredores.

-- O que acharam? -- perguntou Andreia, segurando Márlon junto ao corpo.

-- Não é um sonho? Esse lugar existe? -- Victória estava fascinada.

-- É tudo tão alegre, colorido, divertido -- André estava entusiasmado -- Dá vontade de sair pulando.

-- Foi projetado para incentivar o lazer e a diversão -- comentou Pablo.

-- Os hóspedes amam o conforto e os pequenos luxos que uma estadia em um hotel pode oferecer. Ao buscar
hotéis na internet, os viajantes procuram um lugar mais bonito e que possa oferecer confortos modernos com
bom custo-benefício -- disse Natasha, enquanto procurava Jessye com os olhos.

-- Para você André, que gosta de tons alegres, além das paredes e móveis, objetos como cadeiras, guarda-sol,
canecas e potes também foram coloridos para compor os espaços com o jeito Falcão de ser. Até as bicicletas
disponíveis entraram na brincadeira!

-- Ah, que divino. Amei -- ele bateu palminhas de alegria.

Jessye estava ocupada com outros hóspedes. Assim que liberou os outros hóspedes, aproximou-se sorrindo.

-- Sejam bem-vindos -- disse com simpatia.

-- Essa é a minha secretária: Jessye -- apresentou, Natasha -- Você deixou tudo preparado como pedi?

-- Sim, Natasha. Três suítes, como pediu.

-- Ótimo -- dito isso se virou para os amigos que olhavam atentamente para ela -- Pedi que o jantar fosse
servido nas suítes. Caso queiram descer para o restaurante ou conhecer o hotel, fiquem à vontade. A Jessye
estará a disposição de vocês.

-- Nós vamos descansar, né amor. Foi um dia muito estressante -- Andreia passou a mão pelo rostinho sereno
do filho.

-- Sim, Deia. Inclusive vamos ficar aqui no hotel hoje. Quero levantar cedo e mostrar a ilha para vocês.

-- Eu e Vic também vamos descansar. O dia foi extremamente longo -- Bruna segurou a mão da esposa e
apertou entre as suas.

-- Eu estou morto da fome -- comentou André.

-- Eu também -- disse Leandro -- Mas prefiro jantar no quarto.

-- Então vamos -- Isabel percebeu que Alexandra disfarçava olhando para o outro lado do saguão -- Nem
adianta fazer essa cara de mosca morta. Nós também vamos descansar.

Alexandra fez um gesto de pouco-caso.

-- Quero mais é que vá se danar! -- resmungou.

-- O que você disse, Xanda? -- Isabel olhou para ela com os olhos arregalados.

-- Quero mais é subir pra jantar! O que mais seria Isabel, meu mel de abelha-africana?

-- Então tá -- Isabel respondeu desconfiada.

Pouco tempo depois estavam a caminho do quarto, com Jessye seguindo em frente.

Ao retornar para o chalé, César encontrou Mariana sentada no sofá. Ele jogou a chave sobre a mesa e foi
sentar-se ao seu lado, apertando ligeiramente as mãos trêmulas.
-- A Natasha e a Andreia voltaram -- ele disse em voz baixa -- Decidiu se vai me ajudar?

Mariana suspirou. Em silêncio levantou-se da poltrona onde estava sentada e foi até o quarto buscar o
celular. Colocou o aparelho sobre a mesa e voltou a sentar.

-- Pensei muito a respeito e cheguei a conclusão de que você tem razão. Eu não tenho nada a perder -- foi
necessário algum esforço, mas conseguiu esboçar um sorriso -- O que eu tenho que fazer?

-- Nada muito complicado. Não se preocupe -- ele sorriu satisfeito consigo mesmo por ter conseguido
convencê-la -- Você fez a melhor escolha.

-- O que pretende fazer, César? Me conte para que eu possa me preparar melhor.

-- Vou entrar com o pedido de guarda compartilhada.

Mariana deu uma gargalhada.

-- Nenhum juiz vai atender ao seu pedido?

-- E por que não atenderia? Consultei um advogado e ele me disse que o juiz vê muito o aspecto social,
emocional, educacional e familiar.

-- Você não está nem aí para essa criança. Só pensa no dinheiro.

-- O juiz não sabe disse. E tem outra, famílias formadas por dois pais ou duas mães nunca será um lar
apropriado para uma criança.

-- "Um lar é um lar, uma família é uma família, por mais que algumas pessoas tentem desvirtuar isto dando
ênfase maior ao sexo dos envolvidos. Quando somos capazes de observar mais de perto estas relações,
vamos perceber que existe uma rotina igual à de qualquer família".

-- A realidade é que as leis ainda defendem apenas o modelo tradicional de família.

-- Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou recurso do Ministério Público do Paraná e manteve
decisão que autorizou a adoção de crianças por um casal homoafetivo de Curitiba.

Mariana argumentou, mas César rebateu:

-- Poucos dias antes, um adolescente, filho de pais homossexuais, acabou morto em uma escola da Grande
São Paulo supostamente após ter sido agredido por ter pais gays -- ele riu -- Eu vou conseguir a guarda
compartilhada e a Falcão vai me oferecer um caminhão de dinheiro em troca da minha desistência.

-- Esqueceu que você tentou estuprar a Andreia, naquela noite na praia? Isso poderá ser usado contra você.

-- Elas não têm nenhuma prova contra mim. Sequer fizeram um Boletim de Ocorrência. Então, não tem como
não dar certo.

-- Se você diz...Então, boa noite.

Mariana olhou para ele e deu um sorriso estranho. Pegou o celular e foi para o quarto.

Natasha ouviu os ruídos do bebé, que ameaçava abrir um berreiro. Rapidamente, foi até o berço e o pegou no
colo.

O pequeno pestanejou várias vezes e depois sorriu para ela. Natasha sentiu uma felicidade que lhe encheu os
olhos de lágrimas.

Andreia aproximou-se dela e a abraçou por trás.

-- Desse jeito ele vai ficar muito mimado, Nat.

-- Não me importo -- ela sorriu -- Penso que ele já conhece a minha voz -- disse, sem afastar os olhos do
rostinho do bebê.

Andreia riu.

-- Ele é esperto e você é uma mamãe muito coruja -- Andreia apertou as bochechas dela.

-- Nunca imaginei que uma coisinha tão pequenina, pudesse mudar tanto a minha vida. Certas coisas você
nunca conseguirá saber como realmente são por mais que tente imaginá-las, só saberá após vivê-las, não é?

-- Principalmente a maternidade -- Isabel respondeu, rindo-se -- É impressionante como a maternidade é algo


que a gente só imagina, mas nunca saberá realmente como é até vivê-la.
Natasha sentou-se na cama e colocou o bebé frente a ela, para poder olhar para ele. Enquanto ela o
acariciava, o bebé a olhava encantado.

-- Mamãe Natasha te ama muito -- ela inclinou-se e beijou o bebé no rosto -- Meu filho vai crescer livremente!
Desenvolver-se livremente! Viver livre como os pássaros! -- segurando o pescoço do bebê com a palma da
mão, ela levantou-se e deixou o bebé no seu berço.

-- Enquanto tivermos vida e forças vamos protegê-lo e lutar pela sua felicidade.

-- Isso eu posso prometer, Déia. Assim como prometo amar você até o final dos meus dias.

Olharam-se demoradamente e Natasha baixou a cabeça na direção dos lábios de Andreia. Foi um beijo macio e
carinhoso. Andreia a envolveu num abraço quente e apaixonado.

Os lábios de Natasha percorreram a face corada de Andreia e tocaram-lhe os olhos e a testa. Suas mãos
mergulharam nos cabelos ruivos, e um arrepio profundo percorreu-lhe a espinha. Puxou-a ainda mais para si,
apertando-a contra o corpo.

Em resposta, Andreia deslizou os dedos sob a camiseta dela e deteve-se em sua cintura, sentindo mais perto o
calor de sua pele ardente.

O beijo que começara tão suave transformara-se numa labareda que unia suas bocas, seus corpos e seus
corações.

-- Não faz ideia do quanto te quero, meu anjo. Quero você agora. Já.

-- Então, pare de falar, Natasha. Me ame -- ela praticamente exigiu.

Natasha gemeu baixinho. Deitou-a na cama e tirou-lhe os sapatos, a calça jeans e a calcinha branca.

-- Você é linda! -- disse Natasha. Sua voz, um som grave e ressonante, parecia acariciar Andreia -- Você é tão
linda que mal consigo achar palavras que definam sua beleza.

Andreia fitou-a nos olhos, reconhecendo neles o mesmo desejo que a incendiava.

Aquela união era o que havia de mais doce no mundo, a sensação mais arrasadora que conheciam. Amor
puro, terno e direito.

-- Você que é linda -- disse ela, com sinceridade -- Linda por dentro e por fora...Deus te deu a beleza dos Anjos.

Sorrindo, Natasha posicionou-se sobre ela. Seus movimentos tornaram-se mais acelerados, mais
desesperados.

Parecia que nada seria capaz de separá-las naquele momento, mas, de repente...

-- Ouviu isso? -- Andreia levantou a cabeça, aguçando a audição.

-- Não -- Natasha voltou a beijar o pescoço da ruiva -- Vem, quero você...

-- De novo! Ouviu agora?

Natasha sentou rapidamente na cama.

-- Tem alguém batendo. Quem será o inconveniente?

-- Vai lá ver quem é, Nat -- pediu Andreia.

-- Eu não! -- rolando para o lado, Natasha deitou-se junto a ela -- Vamos continuar. Não fico mais um dia sem
fazer amor com você.

-- Mas, se for importante?

-- Não deve ser. Vamos continuar, a pessoa vai se cansar e ir embora.

Entretanto, não adiantou, o indivíduo continuou batendo na porta.

-- Droga! Fica aí que eu vou dispensar esse imbecil e já volto.

Natasha saiu da cama, pisando duro. A criatura continuava a bater com insistência.

-- Já vai, coisa! -- ela berrou e abriu a porta com raiva -- Alexandra! -- Fechou a porta novamente.

-- Natasha -- ela chamou com a voz branda -- Deixe-me entrar. Quero conversar com você.

Conversar! Aquela maluca estragaria a sua noite de amor. Isso sim!


-- Natasha, por favor!

Bem, se ela estava pedindo "por favor" era diferente. Alexandra Girani nunca implorava por nada, muito
menos para que alguém falasse com ela. Devia estar mesmo desesperada para pedir desse jeito.

Abriu a porta, cheia de apreensão, mas abriu.

Alexandra mal aguardou que ela abrisse a porta por completo. Entrou como um furacão na suíte.

-- Precisamos começar imediatamente.

-- Começar o que? -- Natasha não tinha a menor ideia a que ela se referia.

-- As investigações! -- Alexandra gritou, sem paciência.

-- A essa hora? -- Natasha exclamou espantada.

-- Cheguei cedo demais? -- olhou no relógio de pulso -- É, acho que me adiantei mesmo. Pretendia começar às
cinco, mas já que estou aqui, por que não começar?

-- Mas não mesmo! Estava... -- Alexandra saiu em direção ao quarto. Natasha se desesperou e foi atrás dela --
Espera, não entre...

-- Bom dia, Andreia!

Andreia deu-se conta de que estava deitada sobre a colcha praticamente nua, exceto pelo sutiã de renda.

-- Bom dia? -- ela se cobriu rapidamente -- Já amanheceu? -- perguntou assustada, olhando Alexandra caminhar
calmamente pelo quarto.

-- Não, Déia. Ainda não amanheceu -- Natasha murmurou, visivelmente irritada -- A Alexandra que chegou um
pouquinho adiantada -- A Isabel sabe que você está aqui?

-- Não -- fez um gesto de pouco-caso -- Isabel, meu mel orgânico, está dormindo babando no travesseiro.

-- A coitada estava morta de cansada -- comentou Andreia.

-- Que nada! Eu dei um sonífero para ela.

-- Meu Deus! -- Andreia estava horrorizada.

-- Vocês não deviam fazer safadezas na frente do menino. Ele pode ficar traumatizado e...

Natasha a pegou pelo braço e saiu arrastando-a para fora do quarto.

-- Acho melhor você voltar para a sua suíte e tentar dormir.

-- Não consigo. Perdi o sono. Sonhei que tinha comido um algodão-doce de dois quilos, e quando acordei o
travesseiro tinha sumido.

-- Engraçadinha! -- Natasha desistiu e se jogou no sofá -- O que você tem pra me dizer?

-- A Andreia tem a bunda muito bonita.

Natasha se levantou.

-- Calma, calma. Eu prefiro a do doutor Leandro -- Alexandra fez uma careta e sorriu -- Vamos falar sério, agora.

-- Você consegue?

-- Depende da situação -- Alexandra se levantou e ficou parada no meio da sala -- Vamos começar o
interrogatório.

-- Agora?

-- Sim. Quanto antes melhor.

-- Espera um pouco, vou vestir outra roupa.

-- Eu vou chamar a doutora mediúnica. Ela deve estar presente.

-- Tá certo. Como diz a doutora Bruna: "Para cada ideia ruim que a Alexandra tem, eu estou sempre lá para
dizer: Tô dentro."

 
Quando chegou ao 40° andar, Talita caminhou até a porta da suíte de Natasha e parou hesitante. Olhou no
relógio pensativa.

-- O que eu estou fazendo aqui a essa hora? -- ela ouviu passos e ergueu a cabeça para dizer boa-noite, mas
seu sorriso se desfez no momento em que se deparou com Carolina. Instintivamente, encostou-se na parede.

Carolina aproximou-se séria.

-- Acho que a fila está grande para conversar com a poderosa Falcão. Já estão distribuindo senha?

Talita sorriu.

-- Eu sou a primeira da fila.

-- Eu a segunda -- Carolina levantou a mão -- Confesso que estou me borrando, mas vou me manter firme.

Talita voltou a sorrir, mas dessa vez cheia de ternura.

-- Parabéns pela decisão de conversar com a Natasha. Fugir só adiaria o problema.

-- Elisa também me disse isso.

-- Porém, devido ao adiantar da hora, penso que seremos expulsas por ela. Que tal voltarmos pela manhã?

-- Boa ideia. Logo cedo... -- Carolina calou-se ao ver duas mulheres pararem diante da porta da suíte.

-- Boa noite -- disse Bruna, sorrindo.

-- Boa noite -- respondeu Carolina, curiosa -- Se pretendem conversar com a Natasha, devem ir para o final da
fila.

Alexandra caiu na gargalhada e a ruivinha não gostou.

-- O que foi Gasparzinho. Qual a piada? -- Carolina disse irritada.

-- Escuta aqui Pokémon de fogo. Você sabe com quem está falando? -- Alexandra deu um passo a frente.

-- Sim. Com o Polenguinho.

-- Arroto de Fanta -- Alexandra deu mais um passo.

-- Garotas. Controlem-se! -- pediu Bruna.

-- Vamos Carol. Pela manhã a gente volta -- disse Talita.

-- Não vou dar a minha vez para esse cocô de pombo -- Carolina franziu a testa -- Meu santo não bateu com o
dela.

-- Quer ver como a minha mão bateu com a tua cara? -- Alexandra fechou o punho pronta para dar um murro
na ruivinha.

-- Bate se é mulher!

Carolina se abaixou e Alexandra desferiu o soco no instante que Natasha abriu a porta.

-- Que bagunça é essa... uuuuiiii...

Chocada, Alexandra cobriu a boca com a mão.

-- Fodeu!

Créditos:

https://www.bonde.com.br/comportamento/familia/como-falar-com-as-criancas-sobre-familias-homoafetivas-
-369223.html  

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Capítulo 80 -- Renascendo das Cinzas por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 80 

Renascendo das Cinzas 

Andreia foi correndo pegar uma bolsa de gelo para colocar sobre o olho roxo e inchado de Natasha. 

-- Eu tenho vontade de te espancar Alexandra -- ela resmungou irritada. 

-- A culpa foi da sua irmã. Ela não tinha nada que se abaixar. 

-- Minha culpa? Era só o que faltava -- reclamou Carolina -- Da próxima vez faço um x em cima do local que você
quer bater. 

-- Está doendo amor? -- perguntou Andreia, pressionando levemente a bolsa de gelo contra o olho dela -- Isso
aqui está muito feio. 

-- O gelo tem um efeito analgésico, mas também vasoconstritor, que vai acalmar e diminuir a contusão -- disse a
doutora Talita. 

-- Eu tenho uma receita melhor -- disse Alexandra -- Pegue uma batata crua. Corte em fatias grossas. Coloque
essas fatias na geladeira. Quando estiverem frias, aplique-as na área dos olhos. Deixe por cerca de quinze
minutos. A batata realmente contém uma enzima preciosa, a catalase, que ajuda a absorver o sangue da bolsa
formada sob os olhos, desinchando-os. O bom dessa receita é que depois, você pode cortá-las em tiras finas,
secar as batatas com um pano ou papel, passar as batatas na farinha de trigo e joga-las aos poucos no óleo
quente. Colocar para secar em papel toalha e jogar sal ou queijo ralado. Está pronta a velha e boa batata frita. 

Talita ergueu uma sobrancelha e comentou em tom zombeteiro: 

-- Gostei da parte da batata frita. 

Natasha afastou a bolsa de gelo que Andreia segurava e olhou com raiva para Carolina. 

-- Ainda por aqui? -- perguntou com extrema frieza -- Pensei que já estivesse longe. 

-- Resolvi ficar e te esperar. 

-- Eu não me lembro de ter dito que você teria escolha. 

Carolina corou e abaixou a cabeça. Por um momento, considerou seriamente a hipótese de levantar-se, sair
dali e nunca mais voltar. Então, ela buscou forças e encontrou nos olhos de Talita tudo o que precisava para
não desistir. 

-- Preciso muito falar com você, Nat. 

-- Mas, eu não quero falar com você. Tudo o que tínhamos para conversar, já conversamos. Você colocou em
risco a vida da Andreia e do Márlon. Você é mal. 

Carolina examinou a expressão sombria que a irmã ostentava e desanimou profundamente. 

Num impulso, Andreia saiu de onde estava e foi até Carolina. 

-- Você quer conhecer o seu sobrinho? 

-- Andreia! -- Natasha a censurou -- A Carol está de saída. 

A ruiva fingiu não ter ouvido e, continuou com os olhos fixos em Carolina. 

-- Então? Você quer ou não quer conhecer o seu sobrinho? 

Carolina olhou para Natasha. 

-- Eu não sei... -- sua resposta soou hesitante -- Quero, mas... 

Andreia estendeu a mão para ela. 


-- Deixe de besteira. Vem comigo -- disse Andreia, pegando a mão dela e segurando-a com firmeza. 

Dessa vez, Carolina foi capaz de ler a expressão no rosto de Natasha com extrema facilidade: desagrado. 

Andreia gentilmente levou Carolina até o berço de Márlon. O bebê bocejou e começou a sugar o punho
ruidosamente. 

-- Já está querendo mamar novamente, seu guloso! 

Carolina observava o bebê, atenta. 

-- Ele é lindo. De verdade, Andreia. Seu garoto é muito lindo. 

-- Obrigada, Carol. 

Márlon começou a choramingar mais forte. Andreia o tomou nos braços e olhou para Carolina. 

-- Quer segurar um pouco? 

-- Sim -- sussurrou, estendendo os braços. Ela pegou no pequeno com as duas mãos e encostou-o contra o
peito. 

-- Não chore, garoto. Você é um menininho, muito lindo. Vamos, não chore. 

Por fim a criança se aquietou. Levou o dedinho a boca e começou a sugá-lo. Aos poucos, seus olhos foram
fechando. 

-- Você leva jeito com criança -- comentou Andreia, com um leve sorriso nos lábios. 

-- Onde eu morava havia um bebezinho. Eu gostava de cuidar dele enquanto a sua mãe saía para catar papelão
-- Carolina observava Márlon e lhe acariciava a cabecinha -- Tinha muita pena daquele garoto. Gostaria de
poder fazer algo por ele -- ela parou pensativa. 

-- E por que não faz? Você é uma Falcão. Tem condições de fazer a diferença na vida dele. 

Carolina, normalmente tão fria e insensível, naquele instante tinha os olhos rasos d'água. Antes que as
lágrimas cortassem a voz, disse: 

-- Sou uma pessoa má. A Natasha tem razão em me odiar. 

-- Ela não te odeia. Tudo o que a Natasha falou foi da boca pra fora. Ela te ama, eu vejo no jeito que ela olha
para você. Natasha está magoada, decepcionada, triste, mas continua te amando. Amor entre irmãos é eterno
e supera até as piores brigas. Natasha é aquela pessoa que vai te defender de tudo e todos e, apesar das
implicâncias, é ela quem estará do seu lado quando os outros implicarem com você. 

Carolina levou a mão à boca para conter um soluço. 

-- Como pode ainda falar comigo depois de tudo o que eu fiz? Eu te acusei, ameacei, coloquei em risco a sua
vida e a do Márlon -- disse Carolina, e essas palavras provocaram muitas lágrimas -- Não mereço a sua
compreensão, a sua amizade. Você está piorando mais ainda o meu sentimento de culpa, falando dessa forma -
- disse, encostando-se desanimada à parede. 

 -- Ah, Carol. Se você soubesse o quanto guardar ressentimento faz mal ao coração. Gandhi disse certa vez: "O
perdão é atributo dos fortes". É preciso muita coragem para deixar para trás uma experiência dolorosa que
outra pessoa lhe impôs. Mas, se você deixar a raiva ir embora, fará bem a você mesma -- por um momento,
Andreia olhou para o filho que dormia no colo da cunhada. Por fim, balançou a cabeça -- Eu amo a Natasha e,
quem ama quer ver a outra pessoa feliz -- Andreia meneou a cabeça de um lado para outro -- Ela nunca será
feliz completamente sem a sua amada irmã ao seu lado. 

-- Me perdoa Andreia -- Carolina pediu, com sinceridade -- Você é uma pessoa maravilhosa -- falou com carinho
e, num impulso, deu um beijo no rosto de Andreia. 

Andreia se afastou para olhá-la nos olhos, o seu olhar dizia tudo. 

-- Deixe de se auto recriminar e pare de ser severa demais com você mesma. Todos nós temos o direito de
errar uma vez ou outra. Você não é a primeira e nem será a última -- disse afetuosamente -- Seremos uma
família feliz. Eu, Natasha, Márlon e você. Um cuidando do outro. 

A porta do quarto se abriu e Natasha, uniu-se a elas. Observou a cena e balançou a cabeça indignada. 

-- Pelo visto Andreia, você caiu no papinho dela. Cuidado. Judas também beijou Jesus na face. 

Carolina respirou fundo, soltou o ar e baixou a cabeça com tristeza. 

Andreia pegou Márlon do colo de Carolina e colocou-o no berço com cuidado para não o acordar. 
-- Quem sou eu para julgar a Carolina? Menti, trapaceei, enganei, fui desonesta, fria, medíocre e mesmo assim
você me perdoou. "Não julguem os outros para que vocês também não sejam julgados" -- Andreia cobriu o
bebê e beijou a sua testa -- Eu aprendi com os meus erros, Nat. Agora, se você se considera perfeita, nunca
errou e nunca precisará do perdão de alguém, então, continue a carregar esses sentimentos negativos no seu
coração. Só tenho a lamentar. 

Andreia deu mais uma olhada em Márlon e saiu do quarto. Suas palavras pairaram no ar por um momento,
causando desconforto em Natasha. 

Carolina sentou em uma poltrona, ao lado da cama, abraçada aos joelhos e com os cabelos ruivos caindo
sobre o rosto delicado, ela parecia lamentavelmente vulnerável. 

Ela estava com a cabeça baixa e os ombros levemente curvados. A aparência de alguém que está passando
por um sofrimento ou alguma dor. 

Ainda assim, Natasha não se convencia de seu arrependimento. Num impulso, ela deu um passo na direção da
irmã. Não queria decepcionar Andreia por nem ao menos ter dado a oportunidade de Carolina se explicar. 

-- Você disse que queria conversar. Então, pode começar. 

Carolina, ansiosa por poder conversar com a irmã, sentiu o desejo irresistível de ser honesta. Aqueles meses
de mentiras e discussões a deixara muito mal. 

-- Obrigada por me ouvir -- disse com sinceridade. 

-- Agradeça a Andreia. Ela é boa demais e, por ser boa demais, sempre a envolvem em confusão. 

-- Andreia é uma pessoa maravilhosa. Oh, Nat, sinto muito! -- Carolina murmurou, secando a lágrima que corria
por seu rosto -- Eu estou morrendo de vergonha. Você deve estar muito magoada com tudo o que falei. Não
sei o que fazer para apagar as bobagens que disse contra a Andreia. Seria tão bom se eu pudesse voltar atrás
no tempo. Eu me sinto culpada por ter sido insensível, preconceituosa, mesquinha, acho mesmo que até um
pouco invejosa. 

-- Invejosa? Por que diz isso? -- Natasha perguntou intrigada. 

Carolina resolveu contar tudo o que acontecera, desde o início. Todos os motivos que a levaram a odiar tanto
Andreia. 

-- Eu nunca tive uma família, Nat. Ao menos, não da forma como havia contado para você. Tenho certeza de
que se lembra da nossa conversa. 

Natasha examinou-a, curiosa. 

-- Sim. 

-- Depois do acidente fui encontrada por uma mulher dependente de crack. Ela me usava para pedir dinheiro a
motoristas em sinais de trânsito. Fui explorada por ela que me mandava às ruas, para pedir esmolas ou
sensibilizar as pessoas para comprarem balas, água. Muitas vezes dentro dos ônibus. 

Foi assim que por muitos anos em situação de risco e vulnerabilidade social. Exposta ao estupro, trabalho
forçado, drogas, agressão e assassinatos, não tendo oportunidade de usufruir dos meus direitos mais
básicos, com estudar, brincar ou viver num ambiente familiar saudável para o meu desenvolvimento social e
psicológico. Para o dependente só existe a droga. Uma pessoa que disposta a tudo para saciar seu vício.
Acabam os amigos, a consciência, a casa, o amor. Como, então, cuidar de uma criança? -- Carolina olhou para
Natasha com os olhos marejados -- Um dia, uma equipe do Comissariado da Infância e Juventude me resgatou
das ruas e fui encaminhada para um abrigo pelo Conselho Tutelar. 

Natasha a observava cuidadosamente. Era difícil acreditar que alguém conseguisse ser equilibrada
psicologicamente e emocionalmente depois de passar por tantos percalços na vida. 

-- Passei mais de dois anos em lares provisórios. Então, não aguentei mais e fugi. Fugi para viver nas ruas. Era
melhor que viver sendo jogada de um lado para outro como um empecilho. 

-- Por que você não me contou a verdade? 

-- Fiquei com medo que você fizesse comigo o mesmo que todos fizeram. 

-- Jamais faria isso, Carol. Você é a minha família. 

-- Quando percebi que você estava apaixonada pela Andreia, meu mundo desabou. Ela era uma ameaça que
deveria ser eliminada. Como todas que tive que enfrentar em minha vida. Nas ruas é uma guerra e, usamos
todas as armas possíveis. 

-- Você não está mais nas ruas. 


-- Agora eu sei. E sei também que Andreia não é uma ameaça e nunca será. Ela é uma pessoa linda que
exorcizou os demônios que me dominavam -- Carolina chorou desconsoladamente até que os olhos incharam -
- Me dá mais uma chance, Nat. Eu quero te mostrar que mudei. Me deixa ficar perto do Márlon, da Andreia e
de você. Eu quero ter a família que nunca tive. 

Natasha sorriu. 

-- Vem cá sua enferrujada bobinha -- Natasha abriu os braços -- Me dá um abraço. 

O olhar de Carolina se iluminou de repente e ela caiu nos braços de sua irmã, chorando. 

-- Você é sangue do meu sangue, um pedaço de mim. Quero estar em paz com você, minha irmã -- tranquilizou-a
Natasha -- Agora seca essas lágrimas e vamos beber para comemorar. 

-- Obrigada, Nat. 

-- Não agradeça. Apenas viva. Não precisa esquecer o passado. Pois é com ele que aprendemos a fazer um
presente e um futuro melhor -- Natasha deu um beijo carinhoso na cabeça da irmã mais nova -- Você é uma
Falcão garota e, Falcão renasce das suas próprias cinzas. 

-- Não seria a fênix? 

-- Como diz a Girani: "Foi o que eu disse" 

E as duas saíram do quarto rindo. Finalmente a paz voltou a reinar entre as irmãs. 

-- Natasha! 

Ainda rindo, ela virou-se para Andreia. 

-- O que foi meu amor? 

-- Estou maravilhada em ver vocês duas juntas e felizes! -- Andreia passou o olhar por todos na sala antes de
continuar -- Mas, a doutora Talita tem algo muito importante para te contar. 

No mesmo instante Natasha ficou séria. 

-- O que foi doutora. Pode falar. 

Talita esfregou as mãos com nervosismo. 

-- Eu sei quem tentou te matar! 

Natal, tempo de amor, tempo de perdoar, tempo de rever o que foi feito, e o que não foi feito. Tempo de
ressurreição. Tempo de novos sentimentos. Vamos saudar nosso amado aniversariante que é único em
nossas vidas, Jesus Cristo. 

Feliz Natal, minha querida leitora. Que você possa viver esta época natalina em plena alegria, e na companhia
da sua família. Que o amor e todos os bons sentimentos prevaleçam sobre o materialismo dos presentes. E
que Deus conceda a você e toda sua família muita felicidade e saúde. 

Tenha um Natal abençoado! 

Beijos da Vandinha. 

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Capítulo 81 -- Estranha Sensação por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 81  

Estranha Sensação  

Natasha ergueu as sobrancelhas num misto de surpresa e contentamento.  

-- Como assim? Quem te contou? Quem é o criminoso?  

Talita deu uma risadinha nervosa e levantou as mãos para silenciar aquela enxurrada de perguntas.  

-- Uma pergunta de cada vez, por favor.   

-- Desculpa. Estou muito ansiosa -- ela fez uma pausa e se aproximou da médica -- Quem é o bandido
covarde?  

-- Ivo, meu ex marido.  

Natasha estreitou os olhos e suas feições endureceram.  

-- Que safado! -- dirigiu-se a Talita, que assentiu em resposta.  

-- Apesar do Ivo ser um homem rude, machista e intolerante, nunca imaginei que ele fosse capaz de tal
violência.  

-- Passamos a conhecer melhor as pessoas quando elas tomam esse tipo de atitude. É surpreendente. É
assustador -- Bruna comentou com um tom de desapontamento.  

-- Você sabe aonde podemos encontrar o seu ex marido, doutora? -- perguntou Alexandra, deixando
transparecer a ansiedade nos traços do belo rosto loiro.  

-- Não posso dizer com toda certeza, mas é bem provável que ele esteja em Florianópolis. No seu escritório
que fica em um prédio no centro da cidade.  

-- Então é para lá que vamos! -- havia empolgação na voz de Alexandra -- Então, chamem o comandante.
Desceremos de rapel do helicóptero bem em cima do prédio.  

-- Qual o seu nível de maturidade, Girani? -- Victória fez um gesto de enfado, revirando os olhos.  

-- Varia de acordo com o nível da minha ansiedade no momento -- Alexandra respondeu, empinando o nariz.  

-- Nove anos -- comentou Bruna -- Onde já se viu. Tá pensando que é James Bond?  

-- Esperem um instante -- disse Natasha, com seu sotaque estrangeiro -- Você tem certeza doutora, que foi ele?
Não quero cometer nenhuma injustiça. 

-- Sim. Se eu não tivesse certeza não estaria aqui -- confidenciou a médica em um tom que deixava
subentendido que não estava brincando -- Foi ele mesmo quem me contou.   

-- Já tenho um plano -- Natasha sentou no sofá e Andreia sentou ao lado dela.  

-- E qual é o plano Nat?  

-- Desceremos de rapel do helicóptero bem em cima do prédio. Capturamos o bandido e o entregamos ao


delegado.  

Por alguns segundos, o silêncio desceu sobre a sala.   

-- Pera aí -- Alexandra ergueu a gola do camisete e ajeitou as mangas -- Esse plano é meu.  

-- Seu plano estava incompleto. Eu peguei e dei uma bela melhorada -- Natasha deu uma palmadinha de leve no
ombro de Alexandra -- Mas, não fique triste. Como prêmio pela participação, vou deixar você ser a primeira a
descer pela corda.   

-- Obrigada pela honra -- disse Alexandra, sem tentar esconder o seu sarcasmo.  

-- Se você sobreviver a descida, a doutora Bruna será a segunda. Caso ocorra o pior, cancelamos a operação.  
-- O que? -- Bruna deu um pulo do sofá -- Não vou, não vou, não vou. Jamais descerei por uma corda de um
helicóptero. Vocês não percebem o perigo que corremos? Posso cair e me esborrachar. Decididamente, não
vou! 

-- Não me decepcione doutora mediúnica. Um dia, em uma de suas palestras você disse: "O que ama o seu
irmão permanece na luz e nele não há ocasião de queda". O que aconteceu com sua fé? -- Alexandra meneou a
cabeça de um lado para outro -- Que decepção!  

Incrédula e perplexa, Bruna ficou olhando para ela.  

-- Estou sem palavras.  

Victória se levantou do sofá e caminhou desinteressada até a porta.  

-- Não vou dizer mais nada. Cansei. Parece que fazem de sacanagem -- ela disse irritada -- Por que não deixam
que a polícia faça o seu serviço?  

Ninguém respondeu. Victória abriu a porta mais irritada ainda.  

-- A partir desse momento vou apenas curtir a ilha. Vocês não me ouvem mesmo.  

-- Que Deus te guarde -- disse Alexandra -- E esqueça onde.  

Victória se virou para ela.  

-- O que falou?  

-- Não esquece de pegar um bronze.  

-- Ah! Com certeza. Vou convidar a Isa para ir junto.  

Nesse momento, Isabel apareceu na porta.  

-- Me convidar para o que? -- perguntou sonolenta -- Bom dia -- saudou com a voz mole.   

-- Para ir à praia. Vamos?  

-- Não sei. Estou com tanto sono.  

-- Credo. Você está inchada de tanto dormir.  

-- Não sei o que está acontecendo comigo. Nunca senti tanto sono.  

Alexandra foi até ela e a abraçou.  

-- Deve ser a sua pressão que baixou, meu mel. Venha se sentar -- segurou a mão dela e levou-a até o sofá.  

-- Minha pressão nunca foi baixa.   

-- Você comeu muita alface.  

-- Comi?  

-- Hi, é grave. Esqueceu até o que comeu ontem. Por favor doutora Talita, examine a minha esposa.  

Andreia se levantou impaciente.  

-- Eu vou à praia com vocês.  

-- Vocês vão sair nesse sol?! -- perguntou Carolina, preocupada.  

-- Não, né Carolina? Elas vão esperar o próximo -- retrucou Alexandra -- Cada coisa que a gente tem que
escutar.  

-- Já vão começar? -- Natasha levantou-se bruscamente, pegando o celular, discou o número do comandante
Erivaldo.  

Alexandra olhou para Isabel com carinho.  

-- Estamos saindo para a missão derradeira. Quando eu voltar, prometo curtir contigo todos os encantos da
ilha.   

Isabel olhou para ela e sorriu. Os olhos brilharam de alegria.  

-- Uma segunda lua de mel?  


-- Sim, meu amor -- Alexandra inclinou-se, aproximando-se ainda mais e a beijou na boca.  

-- Vamos logo -- pediu Victória -- Temos que passar na suíte para colocar o biquíni -- ela deu um beijo rápido na
boca de Bruna e saiu porta afora.  

Andreia sorriu e beijou Natasha na boca por um longo tempo. Um beijo doce e macio.  

-- Tome cuidado Nat. Esse Ivo é perigoso -- Com a ponta dos dedos, Andreia acariciou as faces de Natasha,
fazendo-a prender a respiração -- Talvez a Vic esteja certa. Por que não deixa a polícia cuidar do caso?  

-- Faço questão de pegar esse cara. Quero ver até onde vai a coragem dele.  

-- Ivo só se acha machão com arma na mão -- comentou Talita.  

-- De arma na mão qualquer bostinha vira machão, doutora.  

-- É isso aí, Girani -- Natasha pegou a mão de Andreia e esfregou suavemente os dedos -- Quem vai ficar com o
Marlon?  

-- Vou leva-lo comigo. Leozinho se ofereceu para cuidar dele. Ficaremos na praia das palmeiras. Lá tem muita
sombra.  

-- Ótimo. E não esqueça o protetor -- Natasha olhou para Alexandra e Bruna -- Então vamos. O comandante já
deve estar nos esperando.  

-- Eu também vou -- disse Carolina, decidida -- Nem tente me impedir Nat.  

Para surpresa da garota, Natasha aceitou sem argumentos e sem hesitação. Apenas balançou a cabeça,
assentindo. Fez um gesto com a mão e se virou na direção da porta.  

-- Esperem -- Talita abriu a bolsa e pegou o celular -- Tenho uma foto dele. Vou enviar por WhatsApp.  

-- Deixe-me ver -- Alexandra olhou para a foto de Ivo -- Caramba! O cara é tão feio, que quando nasceu, a sua
incubadora devia ser de vidro fumê.  

-- Obrigada doutora -- disse Natasha com um sorriso leve -- Vamos logo.  

Observando-as se afastarem em direção à porta, Andreia teve a estranha sensação de que algo muito ruim
estava por acontecer.   

-- Natasha! -- ela chamou -- Tome cuidado amor.  

Momentos mais tarde.  

-- Bom, o que acharam? -- Perguntou Andreia, quando chegaram à praia.   

-- É a água mais azul que vi em toda a minha vida! Parece uma piscina! -- disse Isabel, encantada.  

-- É a praia mais calma do sul do país. E é só nossa -- Andreia sorriu, estendendo a toalha sobre a areia -- É que
as pessoas se levantam tarde. Os turistas vêm para a Ilha do Falcão para descansar e esquecer o stress.  

Victória também estendeu a sua toalha e deitou de bruços.  

-- Estaria bem mais tranquila se os meus filhos estivessem comigo.  

-- Eu te entendo. Mãe é mãe -- Andreia tirou um tubo da bolsa -- O sol já está quente. Felizmente, trouxe creme
protetor.   

-- Você fez bem em trazer o rapaz para ficar com o Marlon na sombra das palmeiras. Quem é ele? -- perguntou
Isabel, espalhando creme pelos braços.   

-- Ah, aquele é o Leozinho. Braço direito da Natasha. Ele era o gerente do hotel. Agora é o responsável pelo
parque temático que está sendo construído na Ilha.  

-- Que legal! -- Victória levantou a cabeça para olhá-la -- Vou trazer os meus filhos para a inauguração.  

-- Se tudo correr como programado, será no último dia do ano.   

-- Fantástico. Vou conversar com a Bruna.  

Andreia sentou sobre a toalha e olhou para onde estava Leozinho, ainda com a sensação esquisita de que
algo estava por acontecer. Isso, porém, não fazia sentido, e outra vez ela achou que era tudo por causa da
ausência de Natasha. Era até engraçado. Parecia que estava longe dela há dias, e não apenas há uma hora.    

-- Você está preocupada com alguma coisa? -- perguntou Victória.  

Dando-se conta de que divagava, Andreia voltou à realidade.   

-- Não é nada -- Andreia riu de si mesma -- Besteira.  

Leozinho pegou Marlon no colo e empurrou o carrinho para o lado.  

-- Assim tá melhor, né -- ele desviou o olhar do bebê, para um belo rapaz que caminhava em sua direção.
Achou estranho então, imediatamente apertou Marlon contra o corpo.  

-- Bom dia -- ele disse sorrindo.  

Leozinho desconfiado, não respondeu. Porém, o rapaz não desistiu.  

-- Olá Marlon. Como vai meu garoto?  

Surpreso, Leozinho olhou sério para ele.  

-- Você conhece o bebê?  

-- Desde o ventre da mãe -- ele disse sorrindo.  

Leozinho ficou admirando a beleza do rapaz. Estudou com atenção as feições dele. Os cabelos lisos, com um
corte moderno, combinavam com seu rosto de pele clarinha e aveludada como a pétala de uma rosa. Seus
lábios rosados curvavam-se em um sorriso gracioso enquanto ele acariciava a cabecinha do bebê. O azul de
seus olhos tinha uma tonalidade diferente de tudo o que havia visto até agora. Era quente e profundo.  

-- Então me diga. Quem é você? Estou muito curioso.  

-- Me chamo Leandro. Fiz o parto do garotão aí.  

Os olhos do gerente brilharam.  

-- Me chamo Leopoldo. Leozinho para os íntimos -- ele estendeu a mão para cumprimentá-lo -- Muito prazer.  

-- O prazer é todo meu -- respondeu Leandro, dirigindo um sorriso especialmente simpático a Leozinho.  

-- Quantos anos você tem, Carolina? -- perguntou Alexandra.  

-- Olhando pra mim o que você acha?  

-- Feia. Mas qual sua idade?  

-- Não te interessa -- Carolina respondeu irritada.  

Natasha parou diante da porta do prédio e se virou para o grupo.  

-- É aqui. Avenidas Mauro Ramos, 521.  

-- Me nego a entrar no prédio dessa forma -- Alexandra cruzou os braços sobre o peito.  

-- Agora me diga para que entrar pendurada em uma corda, se podemos entrar tranquilamente pela porta?  

-- Alexandra Girani não gosta de entradinhas sem graça. Minhas entradas são sempre apoteóticas e muito bem
planejadas.  

-- Pois eu prefiro entrar inteira -- retrucou Carolina.  

-- Molenga.  

-- Girani e Carolina. Por favor -- pediu Bruna -- O que faremos agora, Natasha?  

-- O escritório dele fica no décimo andar. Vamos entrar tranquilamente...  


Alexandra abriu a porta com violência e entrou atropelando todo mundo que estava em sua frente. Somente
parou diante da porta do elevador.  

Carolina foi a primeira a alcança-la.  

-- Tá esperando o elevador?  

-- Não, estou esperando o escritório vir me buscar -- Alexandra respondeu, sem paciência. 

-- Sua grossa.  

Natasha e Bruna chegaram no momento em que a porta do elevador se abriu.  

-- Vamos!  

Elas desceram no décimo andar e correram até a sala informada por Talita.  

Uma mulher aflita as barrou do lado de fora.  

-- Esperem um momento. Vocês não podem entrar no escritório do senhor Ivo dessa forma -- foi um aviso
cheio de raiva.  

-- Tente nos impedir -- Natasha deu de dedo nela.  

-- É isso aí, Falcão. Tente nos impedir -- Alexandra pegou uma caneta e apontou para ela -- Vou furar seus
olhos.  

A mulher levantou os braços, num gesto de desespero.  

-- O senhor Ivo não está no escritório -- ela avisou.  

-- Não acredito -- Alexandra girava calmamente a caneta que segurava entre os dedos.  

-- Então olhem. Podem olhar.  

Natasha entrou e fez uma varredura pelo escritório. A secretária estava dizendo a verdade.  

-- Para onde ele foi? Diga!  

A mulher arregalou os olhos e olhou atentamente para Natasha.  

-- Ele saiu de Florianópolis hoje por volta das seis horas da manhã. A essa hora já deve ter chegado a Ilha do
Falcão.  

-- Meu Deus! -- Natasha estava pálida e assustada -- O que esse louco pretende fazer dessa vez? 

As amigas se entreolharam preocupadas. 

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Capítulo 82 -- As Pedras por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 82 

As Pedras 

-- Segure o elevador -- uma suave voz feminina pediu. Jessye estendeu o braço e impediu que as portas se
fechassem. 

Sofia entrou em seguida sorridente. A calça jeans e a camiseta preta de estampa não pareciam adequadas,
ainda mais para um clima que lá fora beirava os 40 graus. 

-- Obrigada -- ela encarou-a com um sorriso -- Estou atrasada, minhas amigas estão na praia aproveitando o sol
e eu aqui comendo moscas. 

-- Que andar? -- perguntou Jessye. 

-- Vigésimo nono, por favor. 

Jessye apertou o botão e encostou-se à parede do elevador, observando-a atentamente.  

Apesar de ser meio louquinha, a moça era muito bonita e simpática. Ela sorria para todos e fazia comentários
simpáticos e casuais, por um instante Jessye imaginou estar em um barzinho, com uma cerveja na mão,
conversando amenidades e rindo de tudo e de todos. 

O elevador esvaziou-se lentamente, até que só restassem as duas. 

-- Se não me falha a memória, você é a amiga da Andreia. Não é mesmo? 

-- Sim. Sou a Sofia e, você é a Jessye. Secretária da Natasha. 

-- Eu mesma -- Jessye olhou para a tela do celular e fez uma careta -- A Natasha está me ligando. Com licença,
tenho que atender, pode ser urgente. 

-- Fique à vontade, Jessye.  

Leandro estava deitado na toalha lendo um livro enquanto Leozinho se preparava para trocar a fralda do
bebê. 

-- Pega outra roupinha pra eu vestir no Márlon -- pediu o gerente -- Está naquela bolsa florida dentro do
carrinho. 

O médico abriu a bolsa, pegou a roupinha e entregou para Leozinho. 

-- Vamos tomar um sorvete? 

-- Não posso. Tenho que cuidar do Márlon -- ele pegou o bebê com cuidado, encostando-o no peito. 

-- Vamos levá-lo junto. 

-- Não tem como eu sair pra longe. Elas deixaram esse monte de bolsas para eu olhar. 

-- São umas folgadas! -- Leandro se levantou e limpou a bermuda cheia de areia -- Acho que estou ouvindo um
celular tocar. 

-- É mesmo. De quem será? 

Leandro sacudiu os ombros e olhou para as bolsas. 

-- Se voltar a tocar, vamos avisá-las. 

Natasha sentia vontade de jogar o celular no mar. 


-- Andreia e celular, decididamente não combinam! Sempre que preciso falar urgente com ela, a danada não
atende. 

-- Elas devem estar tomando banho de mar -- disse Bruna, enfiando o seu aparelho no bolso -- Liguei para
a Vic e ela também não atendeu.  

-- Pelo menos consegui falar com a Jessye e pedir para ela alertar a todos sobre a presença de Ivo na ilha --
Natasha deu uma olhada rápida no relógio de pulso -- Quanto tempo para chegarmos a Ilha do Falcão,
Erivaldo? 

-- Vinte minutos, chefe -- respondeu o comandante. 

Natasha suspirou. Passou a mão pelos cabelos castanho-claros, para tirá-los da testa. 

-- O que ele pretende afinal. 

-- O alvo deveria ser eu -- disse Carolina, pesarosa -- Ele a está confundindo comigo. A culpa é minha. 

Compadecida com o sofrimento da irmã, Natasha procurou consolá-la. 

-- Não se culpe pela maldade desse homem. Independentemente de quem seja o alvo de sua vingança, nós
vamos fazê-lo pagar por tudo o que está fazendo. 

-- As pessoas de coração ruim, sempre se autodestroem -- comentou Bruna -- Deus está acima de toda e
qualquer maldade. Maior que Deus, só Ele mesmo. 

-- Judas teve o melhor Pastor, Judas teve o melhor sábio, Judas tinha o melhor amigo. No entanto, ele fez o que
fez. A verdadeira transformação ocorre de dentro para fora e não de fora para dentro. Caso contrário não é
uma transformação, mas sim, uma mera aparência! -- Alexandra falou com tanta propriedade que todos
olharam para ela admirados -- O que foi? Eu disse alguma coisa sem noção, por acaso? 

-- Muito pelo contrário, Girani -- Bruna tocou de leve no ombro dela -- Dessa vez você mandou muito bem. 

-- Quanto tempo, Erivaldo? -- Natasha perguntou ansiosa.  

-- Cinco minutos -- devido ao barulho, Erivaldo falou-lhe próximo ao ouvido, e Natasha mudou, mais uma vez, a
expressão do rosto. 

-- Essa viagem nunca foi tão demorada -- Olhando para frente, através da janela do helicóptero, Natasha ficou
mais tranquila ao ver ao longe, palmeiras e coqueiros balançando com o vento forte que soprava na costa da
ilha -- Finalmente -- suspirou aliviada. 

Leozinho e Leandro caminharam alguns metros e se viraram. 

-- Vamos voltar -- disse Leozinho -- Não quero me afastar muito das bolsas -- ele lançou um olhar de soslaio
para Leandro, que respondeu com uma expressão de desagrado no rosto -- A gente pode dar um passeio mais
tarde. O que você acha? 

Leandro olhou bem no fundo dos olhos do gerente, levantou o queixo e abriu um sorriso largo. 

-- Acho ótimo -- disse ele, e em seguida viraram-se e voltaram a caminhar em direção as bolsas. 

Márlon choramingou. Leozinho diminuiu o passo e deu um beijo no rostinho do menino. 

-- O que foi meu garoto? -- o menino olhou-o com seus grandes olhos castanhos, idênticos aos de Andreia -- O
tio Leandro é um bobão. Nem esperou por nós. 

Leandro resmungou alguma coisa e continuou andando muito rápido, distanciando-se rapidamente de
Leozinho. 

-- Deixa ele né Márlon -- disse o gerente para o bebê -- Leandro é tão fofo! Você não acha? Estou perdidamente
apaixonado de amor por ele. Me sinto como estivesse levitando, no mundo da lua. Mas, ainda não conta pra
ninguém. Ouviu? 

-- Como o garoto cresceu! -- disse uma voz masculina, atrás dele. 

Assustado com aquela abordagem inesperada, Leozinho se virou para trás e viu um homem jovem e alto bem
no seu encalço. 

-- Quem é você? 

-- Desculpe. Não queria assustá-lo. Sou amigo da Natasha, nos conhecemos quando ela estava no hospital --
ele se aproximou e tocou o rosto do pequeno Márlon -- Que bonitinho. Está com que idade? 
-- Está com um mês. Vai fazer dois no dia 28 de janeiro. 

-- Eu e minha esposa tivemos um filho, mas... -- ele fez uma pausa, respirando fundo, como se estivesse
tentando conter o choro -- Ele morreu atropelado ano passado. Posso pegar o menino no colo? 

Leozinho sentiu muita pena do homem. Deve ser horrível perder um filho. Ainda mais assim, de forma tão
trágica. 

-- Tome muito cuidado. Se algo acontecer com essa criança, sou um gay morto -- Leozinho disse enquanto
passava o bebê para aquele estranho, que lhe parecia tão sofrido. 

Ele pegou Márlon em seus braços. 

-- Que coisinha mais fofa. Que sorte de Natasha, ter um garoto tão lindo como você -- ele sorriu de forma
diabólica para Márlon depois, olhou para onde estavam as mulheres -- Natasha também está lá? 

-- Não, Natasha foi para Florianópolis atrás de um bandido perigoso -- Leozinho deu alguns passos e parou --
Aquelas são Andreia, a mãe de Márlon, e as suas amigas Victória e Isabel -- Leozinho se virou. O homem
estranho estava andando na direção do calçadão. O que ele estava querendo fazer? Onde é que estava indo? 

-- Ei, volte aqui -- Leozinho berrou, desesperado -- SOCORROOO... -- ele clamava por ajuda e gritava o nome do
bebê -- Márlon! 

Andreia se levantou em um pulo. 

-- Meu Deus, meu filho! -- ela começou a correr na direção do estranho -- Pare. Pare agora. Socorro estão
tentando sequestrar o meu filho. 

-- Pare -- Leozinho correu atrás do homem. 

Ignorando-o, Ivo apressou os passos e se livrou dele. 

-- Pare aí, seu marginal! -- enfurecido, Leandro alcançou o homem justamente no momento em que ela estava
atravessando a avenida -- Devolva o garoto -- o médico o puxou pelo ombro e quando estava quase pegando o
menino, Ivo apontou uma arma. 

-- Eu mato a criança -- o homem gritou.  

-- Márlon, meu filho! -- Andreia se aproximou chorando -- Meu filho! Oh, Deus, me ajude. Por favor, por favor! --
lágrimas escorriam pelo rosto enquanto ela corria. 

Leandro deu um passo em direção a ele, mas Ivo encostou o cano do revólver na cabeça do bebê. 

-- Não faça isso, por favor! -- pediu Leozinho, aos prantos. 

-- Então, não se aproximem. 

-- Devolva o meu bebê, pelo amor de Deus. Ele não tem culpa de nada. É apenas um anjo -- Isso não está
acontecendo, Andreia disse para si mesma. Isso não pode estar acontecendo.  

-- Natasha vai sofrer. Ela vai sofrer da mesma forma que estou sofrendo -- Ivo caminhou de costas por alguns
metros -- E não me sigam, se não, mato o garoto na frente de vocês. 

Andreia olhou impotente Ivo se virar e sair correndo com o bebê no colo. Ela perdeu o equilíbrio e caiu na
areia. 

Ouviu as pessoas se aproximando. Depois escutou vozes. Olhando do chão, a única coisa de que foi capaz
foi levantar as mãos, implorando ajuda. Reconheceu então Sofia e Jessye que chegavam naquele momento. 

-- Viemos o mais rápido possível -- disse Sofia, esbaforida. 

-- Mas, infelizmente ele chegou antes de nós -- completou Jessye -- Sinto muito Andreia. 

A garganta de Andreia estava fechada e ela não conseguia emitir um som. Havia uma dor profunda, amarga,
dentro dela. Não! Ela gritava por dentro. Não machuque o meu filho! Por favor não machuque o meu filho!  

O helicóptero fez sombra sobre a praia, cortando o ar quente, agitando as copas das árvores e levantando
areia. 

Natasha viu que as pessoas lá embaixo circulavam sobre a areia. Ela percebeu que todos protegiam os olhos
contra o sol e observavam o helicóptero.  
-- Nat! -- Andreia a chamou pelo celular -- Ivo levou o nosso bebê! Ele vai matar o nosso filho. 

Natasha estava branca como cera. 

-- Eu sei meu amor. Jessye acabou de me avisar -- Natasha lutava para manter o controle -- Tente se acalmar.
Estou indo buscar o nosso Márlon. Me espere. Prometo retornar com ele são e salvo. 

Natasha desligou e olhou para as amigas.  

-- Vou cumprir a promessa que fiz para Andreia mesmo que custe a minha vida. 

-- Tô dentro! -- disse Alexandra. 

-- Nós também! -- disseram juntas, Bruna e Carolina. 

-- Eu também -- Erivaldo manobrou o helicóptero e seguiu pela orla. Enquanto sobrevoavam a praia, olhavam
atentamente à procura de Ivo. 

-- Tá usando o meu presente, coisinha feia? 

Carolina fez uma careta para Alexandra. 

-- Claro que não! Eu hein!  

Leozinho e Leandro estavam desolados. Sentiam-se culpados. 

-- Onde eu estava com a cabeça quando entreguei o menino para aquele estranho -- lamentou-se Leozinho. 

-- Eu não devia ter deixado você sozinho com o bebê -- Leandro estava arrasado. 

-- Parem de se lamentar -- disse Isabel, cerrando os punhos com firmeza -- Nota-se que vocês não conhecem a
Alexandra -- ela apertou a mão de Andreia entre as suas, para acalmá-la -- Nenhum problema é páreo para
a Xanda. Pode confiar. 

-- Você tem razão, Isa -- Andreia secou as lágrimas -- Vou confiar nelas. Para Natasha nenhum problema é
grande demais. Ela diz que faz e faz mesmo.  

-- Sem contar que minha Bruna consegue amolecer o coração do mais frio dos seres humanos. 

-- Você não vai falar nada sobre a Carolina? -- perguntou Sofia, com uma pontinha de provocação. 

Talita preferiu ficar em silêncio. Porém, Sofia insistiu no assunto. 

-- Ainda estão juntas? 

-- Acho que não. Carol está indo morar na Ilha Carolina. 

-- Hum, entendo. Então ainda posso ter esperanças. 

Talita meneou a cabeça de um lado para outro. 

-- Por favor Sofia. Estamos no meio de uma tempestade. 

-- Você está certa, doutora. Esse não é o momento -- ela sorriu -- Mas, pode ter certeza que voltaremos ao
assunto.  

Talita respondeu com um olhar triste no rosto. 

-- Pode deixar. No momento certo, eu te procuro. 

O coração de Natasha deu um grande pulo. Seus olhos verdes brilhavam, cheios de raiva e preocupação. 

-- Lá está ele -- disse ela, muito séria, e, jogando a cabeça para atrás, apertou os dentes -- Vamos descer
em rapel e cercá-lo. 

-- Vamos fazer um círculo e deixá-lo no meio -- disse Alexandra 

-- Como faziam os índios? 

-- Sim, Carolina.  

O rosto de Natasha se contraiu, desfigurado por uma prazerosa ansiedade. 


-- Não vejo a hora de torcer o pescoço desse imbecil. 

-- Deixa um pouquinho pra mim -- Alexandra calçou as luvas e agarra-se ao cabo que a levaria do helicóptero
ao solo. 

-- Vai com calma Natasha. E você também Girani -- pediu Bruna -- Nossa missão é resgatar o menino são e
salvo. 

-- Verdade Bruna -- concordou Alexandra -- Esfolar o cara fica pra depois do resgate. 

Comandante Erivaldo se virou e deu as últimas instruções. 

-- Vou manter a aeronave estável, em voo pairado, para a descida de vocês, bem como compensar de forma
adequada a variação de peso/potência durante o flutuar. 

-- Ok, comandante! É só dizer quando -- Carolina fechou os olhos e orou. 

-- "Não olhe para a luz Carol Anne" -- brincou Alexandra. 

-- No três -- avisou o comandante -- Um, dois...Três! 

Ivo corria desajeitadamente em direção as pedras. Agora não tinha mais volta. 

-- Sinto muito garoto, mas vou ter que te levar comigo -- ele deixou escapar um grito de dor. Suas pernas
pesavam. Seus olhos se embaçaram de repente. Não havia chorado desde que era pequeno, mas não pôde
impedir que se formassem as lágrimas -- Você vai pagar pelo pecado da sua mãe. 

-- Ivo, desista!  

Ele brecou e girou a cabeça para olhar. A cor abandonou sua cara e deixou brilhando seus olhos assustados. 

Natasha caminhava lentamente em sua direção. 

-- Desista enquanto é tempo!  

-- Tempo para o que, Natasha? -- Ivo perguntou entre os dentes. 

-- Para ser perdoado! -- respondeu Natasha. 

-- Para conversarmos -- disse Bruna. 

Ivo se virou para ela. 

-- Para você se abrir e contar o porquê de tudo isso.  

-- Você está querendo se vingar da pessoa errada Ivo -- foi a vez de Carolina falar.  

Ivo se virou para ela. Parecia tonto  

-- É a mim que você quer -- Carolina começou a caminhar em direção a ele -- Fui eu quem destruiu o seu
casamento. Não a Natasha. 

-- Não faça isso, Carol -- Natasha olhava atentamente para Ivo. Temia pela reação do homem. 

-- Você está mentindo -- Ivo afirmou, confuso. 

-- Não estou. Quer que eu diga aonde ela tem uma tatuagem de girassol? 

-- Ora sua... sua... -- Ivo apontou a arma para Carolina. Sentia-se ofendido. 

-- Atira em mim seu covarde. Atira aqui, bem no meu coração seu corno! 

Foi à última coisa que Carolina falou. Sem pestanejar, Ivo apertou o gatilho. De repente, o silêncio foi
quebrado pelo som forte, seco da arma de fogo e o corpo de Carolina caiu ao chão. 

Enfurecida, Natasha deu um chute na mão dele, fazendo a arma voar longe. 

-- Você nunca vai tirar o garoto de nós seu imundo -- agilmente, ela arrancou o bebê do colo dele. 

Alexandra o agarrou pelas costas e jogou-o para trás, afastando-o da criança. Ivo lutou com todas as forças,
mas não era páreo para os golpes de Judô da loira.  

Ela o derrubou e chutou-o na altura dos quadris. Sentindo fortes dores, Ivo gritou. 
Bruna muito atenta percebeu que ele olhava para a arma no chão.  

-- Girani, ele vai pegar a arma. 

Ivo tentou se levantar, mas Alexandra prendeu suas mãos para trás e deu-lhe vários socos. Sua boca e seu
nariz sangravam. Sentia dores por todo o corpo. Ainda assim, arrastou-se pela areia e com dificuldade se
levantou. 

-- Vocês não vão me pegar -- Ivo desesperado, escalou a parte rochosa da praia -- Eu jamais serei preso. Jamais!
Ouviram? 

-- Ivo, não faça isso. É perigoso -- alertou Natasha. 

Contudo ele a ignorou e o próximo passo foi fatal. Pisou em uma pedra solta, perdeu o equilíbrio e foi
deslizando, batendo contra as pedras até cair no mar. 

Tudo ocorreu em questão de segundos. A cena foi tenebrosa. Bruna deu um grito e cobriu o rosto com as
mãos. 

- Meu Deus! Será que ele morreu? 

- Se ele morreu eu não sei. Mas que vai dar um trabalho enorme pra montar novamente o corpo, ah, isso vai. 

- Girani! - Bruna berrou com ela. 

- Quem manda fazer pergunta boba. 

Natasha enxugou a testa, respirou fundo e se ajoelhou ao lado da irmã. Atônita, ela sentiu-se furiosa consigo
mesma. Sentia-se culpada e aflita. 

-- Carol, por favor não morra! -- ela entregou o bebê para Bruna e colocou a cabeça da irmã sobre o colo -- Por
que você fez isso? Por que provocou ele? 

-- Porque eu amo o meu sobrinho. Amo você e amo a Deia. 

Natasha arregalou os olhos. 

-- Você está bem? -- ela tocou o corpo da irmã procurando algum ferimento -- Impossível. Eu vi você levar um
tiro. 

-- Eu levei -- Carolina gemeu em voz alta e procurou Alexandra com os olhos -- Você não disse que ia doer tanto
-- ela falou para a loira.  

-- Está doendo? 

-- Muito! Como se tivesse levado um soco da lutadora Amanda Nunes. 

-- Você estava de colete -- gritou Natasha. Então não pôde seguir contendo as lágrimas, que começaram a
correr pelo seu rosto. As enxugou com o dorso da mão e caiu na risada -- Você é muito esperta -- Natasha
abraçou a irmã, aliviada e feliz. 

Carolina olhou para Alexandra cheia de gratidão. 

-- Obrigada loira. Você é uma pessoa especial. 

Alexandra fez um gesto de pouco-caso e estendeu a mão para Carolina se levantar. 

-- Sou apenas uma pessoa experiente em combates e missões de resgates. Já resgatei vinte putas na África.
Sabia? 

-- Sério? 

Bruna colocou Márlon no colo de Natasha e deu um passo para trás. Olhou nos olhos dela e viu duvidas e
perguntas. E uma das perguntas ela fez questão de responder. 

-- Sim, deves perdoar! Perdoar e esquecer as maldades que Ivo te fez. Perdoa-o com a maior dose de
compaixão e amor. Ele devia estar enfermo, credor, portanto, da misericórdia do perdão. O perdão beneficia
aquele que perdoa, por propiciar-lhe paz espiritual, equilíbrio emocional e lucidez mental. 

Natasha olhou para o mar que batia de forma violenta contra os rochedos. 

-- Hoje sinto que me tornei uma pessoa melhor. Descobri que a felicidade não se encontra na vingança ou no
remoer de sentimentos como a raiva. A felicidade está no altruísmo, no amor, no perdão, em todos os bons
sentimentos e gestos -- Natasha beijou a cabeça de Márlon e sorriu -- Quero construir um mundo melhor para
o meu filho, Bruna. E isso só vou conseguir começando por mim mesma.  
-- E já deu um grande passo perdoando esse infeliz -- Bruna passou a mão pelo cabelinho de Márlon -- Só Deus
tem o poder para julgar. É Ele que conhece o profundo das pessoas. Somente ele. 

Natasha concordou com um largo sorriso. Depois, pegou o celular e ligou para Andreia. 

Créditos: 

https://www.mundodasmensagens.com/mensagens-perdao/ 

Feliz Ano Novo Querida Leitora 

Mais uma etapa de nossas vidas foi concluída. Mais um ano que passou e eu espero que você tenha
aproveitado tudo de bom que Deus lhe proporcionou. 

Desejo a você, leitora, que na paz do Senhor encontre o seu caminho e que ele seja trilhado com muita fé para
que cada vez mais você acredite nesse sentimento que é capaz de transpor obstáculos e nos fazer felizes.  

Tenha coragem para assumir e enfrentar as dificuldades. Persevere para que cada dia seja regado de
esperança e jamais desista ou desanime de seus sonhos.  

Aguarde por novos horizontes que o nosso Senhor Deus tem a proporcionar para você. Muita saúde, paz,
alegria, harmonia são os meus desejos a você e sua família para este ano que está começando.  

Feliz Ano Novo! 

Da sua amiga, Vandinha 

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Capítulo 83 -- Voltas Que a Vida Dá por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 83 

 Voltas Que a Vida Dá 

Andreia chorava. Não podia conter suas lágrimas de alegria. Os soluços que a sacudiam pareciam liberar toda
a tensão passada nos longos minutos de desespero. 

-- Meu Deus obrigada -- dizia entrecortada -- Obrigada. 

A força dos soluços estremecia seu corpo, e seus grandes olhos castanho se inundaram de lágrimas. 

Natasha a envolveu com os braços e a beijou carinhosamente. 

-- Agora está tudo bem, meu amor -- disse Natasha numa voz controlada -- Tudo acabou bem! Nosso Marlon
está de volta para nós. 

Andreia pegou o filho no colo e apertou-o contra o corpo. 

-- Não sei o que seria de mim se algo de ruim acontecesse com você meu filho. 

Natasha apertou a orelha de Leozinho com força. 

-- Aiiii...  

-- Isso é por ter entregue o Marlon nas mãos daquele lunático -- Natasha franziu a testa, irritada.  

-- Eu sei que não deveria tê-lo entregue a um estranho. Não deveria tê-lo deixado -- repetia Leozinho,
reprovando-se amargamente -- Deveria ter dito não e não ter deixado que ele me convencesse, não devia. 

Comovida e ainda assustada, Andreia abraçou e beijou seu pequeno garoto.  

-- Está tudo bem, Leozinho. Graças a Deus tudo acabou bem -- a voz profunda de Andreia soou mais calma. 

-- Sou tão azarado que se inventassem uma pílula da imortalidade, eu morreria engasgada com ela -- lamentou-
se Leozinho -- Não devia ter sido tão estúpido a ponto de confiar em uma pessoa desconhecida -- disse ainda
culpando a si mesmo. 

-- Não precisa mais ficar se lamentando. Já passou -- Andreia estava claramente começando a se sentir mais
tranquila, estava até sorrindo. 

-- Abre a baga Leopoldo -- Natasha fez um gesto em direção a porta, pedindo a ele que saísse. 

Leozinho apenas fez um ligeiro gesto de cabeça concordando e saiu. 

Andreia meneou a cabeça de um lado para outro. 

-- Não precisava ser tão dura com ele. Coitado. Estava só querendo ajudar. 

-- Eu sei. É só para manter a minha fama de mal. 

Andreia colocou o menino no berço, aproximou-se de Natasha e beijou-a. 

-- Obrigada, querida, você foi maravilhosa hoje. 

-- Só hoje amor? -- ela brincou. 

-- Você é sempre maravilhosa, Nat, mas hoje você se superou. 

Natasha segurou a mão de Andreia e sorriu amável. Inclinou-se e beijou-a levemente na face. 

-- Tenho que ser justa. Todas foram maravilhosas, mas Carol foi perfeita. Ela arriscou a própria vida para
salvar a do Marlon. 

-- Não estranho a sua atitude. Desde o princípio acreditei que por trás daquela máscara de menina má, existia
uma menina bondosa e meiga.  

Natasha fez um gesto de enfado, revirando os olhos. 


-- Menos né amor, bem menos. Ainda vou continuar de olho nela. 

Natasha estava saindo do quarto quando seu celular tocou. Ela deu a volta foi até o balcão e atendeu a
ligação em tom seco. Ao ouvir a voz fez uma careta. 

-- Tudo bem. Já estou descendo -- respondeu -- O foda é quando você resolve 1 problema e aparecem mais 7. 

-- Era ela? -- perguntou Andreia, sem esforçar-se por esconder a irritação. 

-- Sim. E lá vamos nós de novo. 

Isabel se deteve nas enormes janelas da suíte do penúltimo andar do Hotel Falcão, contemplando a vista
maravilhosa. O calçadão vivia uma intensa atividade, com pessoas andando de um lado para outro, turistas
brasileiros e estrangeiros, todos disputando espaço nas lanchonetes lotadas.  

O rosto de Isabel se contraiu. Havia chegado a hora de ir embora. Se a escolha fosse sua jamais deixaria a
ilha. Mas a escolha não era sua. Nem de Alexandra. Tinha certeza que seu desejo também era ficar. 

Sua esposa era uma mulher importante, uma empresária de sucesso entre os ricos e famosos. Ela estava
acostumada a lidar com poderosos homens de negócios, pessoas de vida agitada que se dividiam entre o
trabalho champanhe e caviar. 

O ponto crucial nisso tudo era que Alexandra sempre sentira um certo desprezo pelas pessoas que se
entregavam por fadiga, por exaustão ao trabalho. Ela gostava de sempre que possível fugir para as suas
operações supersecretas. E Isabel sabia que para ela isso era uma forma de se distanciar do desgaste que o
mundo dos negócios causava. 

Alexandra se aproximou dela com o celular na mão. 

-- Vendo as fotos de algumas pessoas no Facebook, concluí que a feiura é hereditária. 

-- Credo Xanda! Que maldade. 

-- Olha o André. A mãe, é a única pessoa que coloca a reação do coração na foto dele. 

-- Falar nele, onde será que se meteu? 

-- Foi se despedir do Leandro e Leonardo. 

-- Leandro e Leozinho -- corrigiu Isabel. 

-- Foi o que eu disse -- Alexandra olhou para ela, franzindo a testa -- Há algum problema? Você parece
chateada. 

-- Estou triste por termos que voltar para a agitação do Rio -- respondeu virando-se e abraçando a loira -- Mas,
eu entendo. Também tem a minha mãe que está nos esperando ansiosamente. 

-- Ainda está lá aquele ogro? 

-- O que foi que você disse? -- Isabel preparou o bote. 

-- Eu perguntei se o meu sogro também está lá nos esperando. 

-- Hum -- Isabel levantou uma sobrancelha -- Meu padrasto só vai para o réveillon. 

-- Que maravilhoso! Eu tenho sorte em ter a sua mãe como sogra, Isa. 

-- Que fofa. 

-- Porque tem sogra que é tão ruim, mas tão ruim, que se colocar num liquidificador e bater, não dá um copo. 

-- Que bom que você gosta da minha mãe, amor. 

-- Fiz até um versinho: Gosto da rosa branca, porque nasceu no jardim. Gosto da minha sogra, porque criou
você pra mim. 

-- Que linda! 

-- Outro versinho: Batatinha quando frita, se esparrama na marmita, minha sogra quando grita, mais parece
uma cabrita. 

-- Chega Xanda. Já está se passando. 

-- Desculpa amor. Me deixei levar pela emoção. 


-- Xanda querida -- Isabel sussurrou, quando suas bocas se encontraram -- Que tal uma festinha de despedida
na banheira de hidromassagem da suíte? 

-- Hummm... Sexo: o motivo e a solução de todos os meus problemas. 

-- Quero que faça daquele jeitinho bem gostoso que só você faz. 

-- Agradeça a minha babá que me ensinou a comer Danoninho somente com a língua. 

Um ruído, então, separou-as e ambas se viraram, surpresas ao verem André bem atrás delas. 

-- Sabe aquela pessoa chata que dá vontade de jogar pela janela? Pois é, André! -- Alexandra sentiu-se
profundamente irritada com o rapaz que havia interrompido um momento tão íntimo, pois ela e Isabel
dificilmente ficavam só --Você é mais chato que cabelo no sabonete. 

-- Pensei que as beldades soubessem que temos um horário a cumprir. 

Alexandra e Isabel entreolharam-se e, depois de alguns segundos, caíram na gargalhada. 

-- Tá muito macho pro meu gosto -- brincou Alexandra. 

-- Ele está certo Xanda. Vamos deixar a nossa festinha pra quando chegarmos em casa. O pessoal já deve estar
esperando a gente. 

-- Verdade, meu mel -- disse Alexandra, mordendo o lábio enquanto caminhava até a janela.  

Pela primeira vez ela deixava transparecer em seu rosto o sentimento de tristeza por ir embora. 

-- Vou sentir saudade dessa gente. Dessa ilha e de tudo que vivemos aqui. 

Isabel olhou novamente as palmeiras e as árvores frondosas, que protegiam a ilha.  Sorriu para Alexandra,
segurou a mão dela e juntas caminharam em direção à porta. 

-- Quem sabe um dia a gente volte. 

-- Quem sabe -- respondeu Alexandra, dando uma piscadinha matreira. 

Natasha nunca pensara que pudesse ser possível que seus caminhos se cruzassem novamente. No entanto,
lá estava ela, como uma assombração vinda do além para torturá-la com mais problemas. Natasha engoliu em
seco, balançou a cabeça, balbuciou alguma coisa, como: Eu mereço e sentou-se atrás de sua enorme mesa,
coberta de papéis. 

-- Sente-se. Como está se sentindo depois de sua estadia como cliente de nossa pousada? -- perguntou
nitidamente desinteressada. 

-- Muito bem -- ela respondeu, olhando ao redor -- O atendimento aos clientes, como sempre impecável.  

-- Um bom atendimento é essencial para manter a satisfação e a fidelidade do cliente. 

-- Você sempre foi boa nisso -- por um momento, aqueles olhos perturbadores de Natasha pousaram sobre
ela. Mariana sentiu alguma coisa pegar fogo dentro dela. 

-- Obrigada. Mas a respeito das informações que você me passou. 

-- A chantagem que César pretende fazer? Ah, sim, trouxe o que prometi. 

-- O delegado Edvar já está lá fora. 

-- Como? Fazendo o quê? 

-- Esperando a minha autorização para prendê-lo. 

-- Mas... Assim... tão rápido? 

-- Quero que seja pego com a mão na massa -- respondeu Natasha, não dando a menor atenção aos seus
protestos. 

-- Pelo que entendi, ele será preso em flagrante? 

-- É isso mesmo -- Natasha parecia deliciar-se -- Você quer voltar para a Europa, não quer? 

-- Não consigo pensar em nada melhor do que ir embora daqui o quanto antes! 
-- Pois esta é a sua chance. Você quer dinheiro e estabilidade, e eu estou lhe dando. Mas, em troca quero que
acabe com o César. Seu depoimento vale milhões. Portanto, seja o mais convincente possível. 

O dinheiro falou mais alto e Mariana respondeu: 

-- Está bem, eu aceito. 

-- Ótimo. É assim que se fala. Bem, preciso saber mais detalhes. 

-- Sim, é claro, vou colocá-la a par de tudo -- Mariana abriu a bolsa e retirou um Pen drive -- Aqui está a
confissão dele. Inclusive da tentativa de estupro contra Andreia. 

O sorriso branco de Natasha revelava a sua satisfação. 

-- Você é uma cobra, Mariana. Fuja para bem longe. Um dia César será solto e irá atrás de você. Espero
sinceramente que use bem todo esse dinheiro que estou transferindo para a sua conta e garanta ao menos a
sua segurança. 

-- Não se preocupe. Como você disse: sou uma cobra. 

Natasha pegou o Pen drive e guardou na gaveta. Depois, ligou para o delegado. 

-- Delegado Edvar, pode prendê-lo. Já estou com as provas -- disse Natasha, com satisfação na voz -- Obrigada
delegado. 

Natasha desligou o telefone e olhou fixamente para Mariana com o maior par de olhos verdes que ela já havia
visto. 

-- Agora vá, Mariana. O delegado a está esperando na delegacia. Dê o seu depoimento e desapareça no
mundo. 

Mariana assentiu com a cabeça, logo ficou em pé lentamente e se dirigiu a porta. Depois deteve-se durante um
momento e virou-se para observar Natasha. 

Natasha era linda, aquela açoriana cujos cabelos castanhos rebeldes a diferenciavam das outras. Seus olhos
verdes, hipnotizavam. Era uma magnífica mulher, briosa, companheira e fiel. Pena que precisou perder para
dar valor. 

-- Adeus Natasha. A vida lhe deu alguém muito melhor que eu, e o amor venceu todas as dificuldades... seja
feliz!!! 

-- Viva em paz, Mariana. 

Ela sorriu e foi embora. Natasha ficou pensando nas voltas que a vida dá. Odiamos quem jurávamos amar o
resto de nossas vidas, amamos quem jurávamos odiar, viramos melhores amigos de quem um dia foi nosso
inimigo e fazemos coisas que jamais um dia pensaríamos em fazer. Nessas voltas da vida ela só quis mostrar
que o impossível pode sim acontecer, basta apenas abrir o coração. A vida é feita pra viver, se arrepender,
pedir perdão, rir, chorar, brincar, cair, levantar. Ser feliz. 

Bruna e Victória já estavam no heliporto aguardando por Alexandra, Isabel e André. 

-- Até que enfim! -- Victória levantou as mãos -- Já estava com sono. 

-- Se hoje Vic está com sono, então ela está com uma sonância, se amanhã Vic continuar com sono, será uma
ressonância. 

-- Quanta besteira Alexandra -- resmungou Bruna -- No mínimo se atrasaram porque você estava aprontando
alguma. 

-- A culpa não foi dela Bruna. Eu que me atrasei. 

-- Ah tá. Deixa que eu acredito, Isa -- Bruna fez um gesto de enfado, revirando os olhos -- Não basta ser
apaixonada tem que assumir o peido da esposa. 

Natasha e Andreia chegaram apressadas. 

-- Ai pessoal, que bom que chegamos a tempo -- Andreia abraçou os amigos e deu um beijo no rosto de cada
um -- Não vou dizer adeus, apenas um até logo. Quero que saibam que já sinto saudades de vocês. 

-- Acho que você disse tudo Andreia -- falou Victória com uma graça impecável -- Nós compartilhamos do
mesmo sentimento. 

O coração de Natasha estava aos pedaços. Ela se aproximou dos amigos visivelmente emocionada. 
-- Obrigada por estarem comigo até o fim. Foram situações difíceis e vocês em nenhum momento pensaram em
desistir. Vocês são pessoas maravilhosas e encantadoras. Eu transbordo de orgulho, alegria e gratidão por tê-
los como amigos. Serei grata eternamente -- sua voz estava embargada -- Por favor, voltem em breve. 

Inclinando-se para ela, Bruna pegou suas mãos e apertou-as com firmeza. 

-- Pode ter certeza que voltaremos.  

Alexandra puxou Natasha e cochichou em seu ouvido: 

-- Se prepara. Quando elas virem, os Minions virão junto. Será o apocalipse. 

Victória ouviu e esbravejou: 

-- Alexandra! Eu perdi a paciência. 

-- Se eu for aí e achar, vou esfregar na sua cara -- ela respondeu na mesma altura. 

-- Chega Xanda! -- berrou Isabel. 

-- Credo. Vic é pior do que o iceberg do Poseidon. 

-- Titanic. 

-- Foi o que eu disse. 

-- Ai meu Deus -- Victória bufou -- Desisto. 

Elisa e Pedrita chegaram esbaforidas. 

-- Doutora Bruna -- a senhora parou uns instantes para recuperar o fôlego -- Desculpa, sei que não é
o momento, mas, preciso muito ouvir uma palavra que acalme a minha alma. Sou espírita e estou um pouco
abalada devido aos últimos acontecimentos. 

Bruna sorriu para ela e para Pedrita. 

-- Entendo. Primeiro quero esclarecer o papel de um médium. Segundo o espiritismo, o médium é um ser
humano comum e qualquer pessoa tem mediunidade. "Basta desenvolvê-la de maneira adequada", o problema
é quando se confundem "os valores materiais com o dom espiritual". A mediunidade pode ser perdida,
principalmente se ela estiver relacionada ao personalismo e a vaidade. Não devemos confundir o sagrado com
o profano. O trabalho nas casas espíritas deve ser realizado em benefício do semelhante e sem interesse de
recompensa. É um trabalho de caridade. Não temos direito de julgar ou condenar, mas não podemos passar a
mão na cabeça por nossos erros ou pelos erros dos outros. Todos somos seres humanos, ninguém está livre
de uma queda, mas é preciso deixar que coisas passageiras, temporárias, não interfiram na nossa conduta. 

-- Obrigada doutora. 

-- Fiquem com Deus. 

-- Ninguém tem coragem de falar, mas eu falo: A Pedrita é tão magra, que pra tirar raio-X o médico só precisa
acender um isqueiro atrás dela. 

Isabel a puxou pelo braço. 

-- Coitada da mulher. 

-- Disse alguma mentira? 

Nesse momento o comandante Edvar ligou o motor do helicóptero e levantou uma fina poeira de areia. Os
cabelos voavam ao vento forte provocado pelas pás que começavam a girar. 

Todos se entreolharam. Era o momento. Não tinha jeito. 

-- Até logo pessoal -- disse Bruna acenando da porta do aparelho -- E obrigada por nos terem dado
oportunidade de pertencer a esta verdadeira família! 

O vento ergueu a saia de Andreia quando o helicóptero levando seus amigos levantou voo. Elas ficaram
olhando em silêncio até que a aeronave ficasse além do alcance da vista. 

Natasha passou os braços em volta da cintura de Andreia. 

-- É como eu sempre digo Deia: vão-se os dedos e ficam os anéis. 

-- Não seria: vão-se os anéis e ficam os dedos? 

-- Foi o que eu disse. 


 

Créditos: 

https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2018/12/22/joao-de-deus-nao-e-espirita-diz-federacao-espirita-
brasileira.ghtml 

Nota: 

"No espiritismo não há ritos, vestimentas, hierarquia ou sacerdócio. O serviço espiritual não ocorre
isoladamente, apenas com a presença do médium e da pessoa assistida. Não recomenda, portanto, a atividade
de médiuns que atuem em trabalho individual, por conta própria. Estes não estão vinculados ao Movimento
Espírita, nem seguindo sua orientação". 

Por isso, para a FEDERAÇÃO ESPIRITA BRASILEIRA a Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, onde João
de Deus fazia os atendimentos espirituais não é uma casa espírita. 

Geraldo Campetti, vice-presidente da FEB. 

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Ú Í
Capítulo 84 -- ÚLTIMO CAPÍTULO por Vandinha
 

A ILHA DO FALCÃO -- ÚLTIMO CAPÍTULO  

Talita sentou-se calmamente atrás de sua mesa enquanto Leandro esfregava as mãos nervosamente. 

-- Alguma experiência em pronto atendimento? 

-- Sim, alguns meses em um PA no interior do Rio Grande do Sul. Tenho aqui comigo os... 

-- Não precisa me mostrar. A Natasha já mandou fazer uma investigação completa sobre a sua vida. Só queria
saber se era um PA ou um hospital. 

Leandro olhou para ela em silêncio, completamente surpreso. 

-- Mas, não pense que ela desconfiou de você. Natasha faz isso com todo mundo. 

-- Me sinto bem mais tranquilo. 

-- Ela gosta muito de você. E quando Natasha gosta de alguém, faz de tudo por essa pessoa. Portanto, não a
decepcione. 

-- Jamais! Estou tão feliz com esse emprego que não canso de agradecer a Deus. 

-- Você tirou sorte grande -- ela comentou. 

Leandro deu um sorriso maroto. 

-- Em todos os sentidos. 

Talita não entendeu. 

-- Como assim? 

-- Estou me referindo a Leopoldo -- Leandro hesitou um pouco antes de continuar. Afinal, ele estava ali para
assumir um trabalho e não para falar sobre assuntos sentimentais. Porém, Talita o incentivou. 

-- O que tem o Leozinho? 

-- Eu estou apaixonado por ele -- o médico enfim confessou -- Estou perdido, meu Deus! 

Surpresa pelo inesperado daquela afirmação, Talita sorriu. 

-- Perdido por que? Leozinho é uma pessoa maravilhosa e parece ter o mesmo sentimento por você. Ele não
me disse, mas dá para perceber. Então, qual o problema? 

-- O problema é que eu não quero só ficar. Quero mais que aventura. Eu quero um amor para toda vida. 

-- E existe amor para toda a vida, Leandro? 

-- Sim, com certeza existe doutora, o problema é que cada vez mais a gente vive uma sociedade que dá mais
valor aos prazeres do que aos sentimentos, isso faz com que cada vez mais se diminua o valor da palavra
amor e que se confunda paixão/desejo com amor. Amor é uma sabedoria que poucos alcançam. Meus pais
estão juntos a cinquenta anos. Eu admiro a capacidade deles de encontrar forças para superar situações
adversas ou estressantes. 

-- Que lindo! 

-- É neles que espelho meu futuro com o meu parceiro. 

Inconscientemente Talita virou a cabeça. Sobre a estante, o rosto sorridente de Carolina encarava-a do porta-
retratos. Ela se voltou para Leandro e sentiu uma tristeza enorme. 

-- Parei de acreditar no amor verdadeiro. 

-- Eu acredito muito no amor. Acredito que cada pessoa sempre terá aquela outra que vai marcá-la para
sempre. Acredito na forma mais pura do amor. Eu acredito no amor romântico. Acredito naquele amor que
batalha pra ficar junto, que discutem, se separam, mas, que nunca desistem; aquele que você odeia por quase
um segundo e depois ama mais. Acredito no amor que só de olhar nos olhos da pessoa amada, já te faz
suspirar fundo. 
Talita abaixou a cabeça, pensativa. Enquanto Leandro continuava a falar. 

-- Amor é entrega, doutora. É entregar uma parte de você. É tomar posso de uma parte da outra e serem
apenas uma. 

Talita se levantou repentinamente da cadeira. 

-- Desculpa Leandro, mas lembrei que tenho uma coisa muito importante a fazer -- Talita pegou um papel de
cima da mesa e enrolou com cuidado - Pode começar a atender.  

- Mas doutora, eu não... 

- Qualquer dúvida, é só chamar a enfermeira. Não precisa se preocupar. 

Sem entender bulhufas, Leandro ficou olhando a doutora sair apressada sem olhar pra trás. 

Sofia estava andando apressada em direção ao elevador do hotel quando esbarrou por acidente em Carolina.
Mas, em vez de ser recebida com uma enxurrada de xingamentos que esperava, ela sorriu, se desculpou e
continuou andando. 

-- Carolina! -- ela chamou. 

A garota parou e virou-se lentamente para encará-la. 

-- Sim? 

-- Como está a doutora Talita? 

Carolina deu alguns passos e parou em frente a ela. 

-- Apesar de achar que você não tem nada a ver com isso, informo que Talita está muito bem. 

-- Não! Talita não está bem -- ela disse, o mais firme possível, com a cabeça erguida e o corpo rígido -- E a culpa
é sua. 

Carolina cruzou os braços sobre seu peito e dirigiu um olhar que soltava faíscas. 

-- Você é muito abusada. Não tem medo que eu te meta a mão na cara, não? 

-- Pode me bater se quiser, mas isso não vai mudar o fato de que você está fazendo a Talita sofrer. 

-- Você não sabe de nada, sua metida. 

-- Sei sim. E como sei -- disse ela seriamente, olhando no fundo dos olhos de Carolina -- Eu amo a Talita. E é por
amar tanto ela que não aguento vê-la sofrendo por sua causa. 

-- Eu também a amo. E amo muito -- disse ela de maneira firme, levantando o queixo em um gesto arrogante. 

-- Amar não é só dizer eu te amo, é demonstrar isso sem precisar de palavras. Você nunca ouviu isso? Amar é
antes de tudo prestar atenção no outro. Respeitar suas vontades, seus desejos, seus sonhos, seus
sentimentos, seus medos. 

Carolina se sentiu envergonhada. Mas não demonstrou. 

-- Você é egoísta, Carolina. Seu amor é egoísta. E o amor egoísta é decorrente de não se compreender as
necessidades alheias. 

-- Você está dizendo tudo isso porque está querendo roubar ela de mim. 

Sofia deu uma gargalhada. 

-- Você é muito infantil e insensível, garota. Eu não vou precisar roubar a Talita de você -- Sofia se virou,
apertou o botão para chamar o elevador e voltou a se virar para encarar Carolina -- Ela virá para mim por livre
e espontânea vontade. Sabe por que? Ela cansou de você. Cansou da sua infantilidade. Ainda não percebeu? 

O elevador chegou e as portas se abriram. Sofia entrou, mas Carolina permaneceu parada do lado de fora,
com aquelas palavras ecoando em sua cabeça. 

-- Segura! - alguém pediu. 

Sofia reconheceu a voz de Jessye e se virou rapidamente. 

É
-- É tão bom pagar com a mesma moeda. 

Jessye abriu um largo sorriso branco. 

-- Obrigada -- ela apertou o botão do 39° andar e as portas se fecharam -- O que aconteceu com a Carolina? Ela
parece petrificada. 

Sofia se encostou na parede do elevador olhando séria para o indicador de andar digital. 

-- Sabe Jessye, fiz muita merda nessa vida, mas de uma coisa eu me orgulho: Sei perder com classe. 

Jessye fez cara de quem não havia entendido. Então, Sofia continuou: 

-- Dei uma bela de uma cutucada na princesinha Falcão. Tenho certeza que agora ela vai tomar rumo na vida. 

-- Você desistiu da doutora Talita? 

-- Quem é a doutora Talita? -- ela brincou. 

Jessye sorriu. 

-- Fez bem. Aos poucos você assumirá novamente o controle da sua vida. Não vale a pena chorar por quem
não te ama, sem dúvida você encontrará um novo amor assim que seu coração estiver curado! Nada melhor
do que ocupar o seu tempo fazendo alguma atividade que lhe dê prazer, como um esporte, um passeio, um
hobby... 

-- Namorar 

-- E por que não? Em algumas semanas você vai se sentir mais leve e verá que não pensará tanto assim na
doutora. 

-- Você é uma ótima conselheira Jessye. Você não se importa de... 

-- Não. 

Sofia riu, divertida. 

-- Eu nem terminei de falar. 

-- Você não se importa de...continuarmos a conversa mais tarde? 

-- Era bem isso que eu ia falar. 

-- Viu! Isso se chama: sintonia -- a porta do elevador se abriu e Jessye saiu -- As nove no meu apartamento. 

- Combi... -- a porta do elevador se fechou. Sofia não teve tempo de terminar a frase. Com um sorriso bobo no
canto da boca, ela ficou olhando para a porta fechada. 

Às vezes a felicidade está à nossa frente diante dos nossos olhos e nós insistimos em ficar olhando para
trás. 

-- Combinado, então! -- disse para si mesma, com os olhos brilhando e sorriso safado. 

Carolina desceu as escadas do hotel correndo, dois degraus de cada vez. Atravessou a avenida e foi para a
areia da praia. Os gritos dos banhistas se misturavam ao som da música alta que vinha de uma das
lanchonetes. 

Carolina jamais esqueceria da música que tocava: 

Eu não existo longe de você 

E a solidão é o meu pior castigo 

Eu conto as horas pra poder te ver 

Mas o relógio tá de mal comigo... 

Ela continuava correndo pela areia que, de tão branca, parecia neve. Acelerou ainda mais a corrida, desejando
desesperadamente chegar o mais rápido possível, mas a cabana parecia tão longe. 

 
Talita entrou na cabana. Chamou por Carolina e, depois de não obter resposta alguma, desanimada, encostou-
se no batente da porta e fechou os olhos. 

Sabia o que queria, sabia o que era melhor para si. Então, não desistiria. 

Avançou rapidamente em direção à saída, tirou as sandálias, jogou em um canto da varanda, antes de
caminhar rumo à areia branca. Parecia loucura correr até o hotel, mas estava decidida. 

Carolina já havia se livrado dos sapatos e dobrado a barra da calça. Parou para recuperar o folego e acalmar o
coração. 

-- Preciso fazer mais exercícios -- se inclinou, com as mãos nos joelhos -- Estou quase botando os bofes pra
fora -- ela levantou a cabeça e encontrou um par de olhos negros em um rosto que as deusas deviam babar de
inveja. Como era idiota. Nunca encontraria alguém tão maravilhosa na vida. 

-- PRECISO TE FALAR UMA COISA! -- falaram ao mesmo tempo e, em seguida, começaram a rir -- VOCÊ TEM
RAZÃO! -- falaram juntas novamente e, dessa vez, caíram na gargalhada. 

-- Essa coincidência de pensamentos é um bom presságio -- Talita sentou na areia e Carolina sentou ao lado
dela -- Estou morta. Meta para 2019: academia -- ela colocou o papel cuidadosamente sobre o colo para que o
vento não o levasse para longe. 

-- O único aparelho da academia que eu gosto é o ar-condicionado -- disse Carolina, jogando um punhadinho
de areia sobre o pé. 

-- Queria ser que nem essas pessoas que trabalham, estudam, fazem academia, tudo ao mesmo tempo. Eu só
consigo fazer uma e ainda faço morrendo. 

Carolina ficou em silêncio por um longo momento. Parecia estudar o assunto. Ela respirou fundo e fechou os
olhos. Podia sentir o ar fresco correndo por dentro de seus pulmões. 

-- Você tem razão -- disse enfim -- Eu sou egoísta. 

-- Carol... 

-- Espera doutora! Deixe-me falar -- pediu -- Embora a gente não pense exatamente da mesma forma, somos um
time. Não somos? -- ela sorriu -- E como um time, devemos pensar como um time quando estivermos tomando
decisões em conjunto. Esse negócio de sempre se referir a "eu", em vez de "nós", não está certo. Estamos
lutando por objetivos em comum, que nos tornam mais fortes, e não por necessidades e desejos diferentes.
Nem sempre concordamos em tudo, e isto é perfeitamente normal. Mas, podemos tentar agir com dignidade e
bondade, e tomar decisões que sejam boas para ambas -- Carolina ergueu a cabeça. O som alto da sua
respiração se misturava ao de Talita -- Eu desejo o melhor para você. Eu quero estar ao seu lado para ajudá-la
a alcançar os seus objetivos, realizar os seus sonhos e dizer que você é capaz de construir o melhor hospital
já construído em uma ilha. Se você disser que quer construir o seu hospital em Marte, eu vou com você.
Somos parceiras, e sempre seremos melhores juntas do que separadas. Se... 

Talita a fez calar com um toque nos lábios. 

-- Está vendo esse papel? É o projeto do hospital -- ela entregou o documento para Carolina olhar -- O Hospital
Ângela Falcão, em homenagem a sua mãe. 

Carolina sorriu, emocionada. 

-- Natasha vai adorar ter um hospital em sua ilha, com o nome da mamãe. 

-- E você não gostaria de ter um hospital em sua ilha, com o nome da sua mãe? 

Carolina a fitou, sem entender, colocando o projeto sobre a perna. 

-- Espera um pouco, o que você está querendo dizer? -- Carolina perguntou, olhando diretamente para os
olhos da doutora. 

-- Que vamos construir o hospital na Ilha Carolina. 

-- Mas... 

Talita mais uma vez a fez calar com um toque nos lábios. 

-- Somos um time. Não somos? E como um time, devemos pensar como um time quando estivermos tomando
decisões em conjunto. Construindo o hospital na Ilha Carolina, não abriremos mão dos nossos próprios
objetivos, estaremos realizando-os juntas. 
-- Eu te amo Talita. Eu te amo tanto... Com você aprendi a ser corajosa, porque sei que estará comigo quando
eu precisar. 

-- Eu te amo...Aiiii... - uma rajada de vento veio e levou a folha de papel, soprando-o para longe - O vento levou
o projeto do hospital... - Talita berrava, enquanto tentava pegar o documento. 

O papel voava pelo ar e elas corriam atrás rindo, rolando pela areia como duas crianças felizes. 

Marcela cruzou os braços sobre o peito com força. 

-- Eu quero que seja assim e ponto final. 

-- Mas está estranho, dona Marcela -- disse o engenheiro, olhando para o projeto. 

-- Essa é uma obra arquitetônica que ficará para a história. 

-- Disso não tenho dúvida -- ele resmungou. 

-- Vá, vá -- ela fez um gesto com a mão e entrou na cabana. 

-- O que foi agora? -- Sibele arqueou uma sobrancelha e olhou para ela, com um sorriso desconfiado. 

-- Esses trabalhadores ficam me contrariando o tempo todo. 

-- Você queria o que? Ele é o engenheiro responsável. 

-- Mas, é meu subordinado -- ela deu de ombros e depois olhando para a médica, declarou: -- Acho que vou
assinar um decreto que torne obrigatório bater continência para mim. 

-- A continência é uma das regras da hierarquia militar onde civis não estão envolvidas nela, portanto, você
não pode obrigá-los -- respondeu dando um sorriso divertido para ela. 

-- Não tem problema, não preciso obrigar. É só dizer que se não baterem continência, serão demitidos. 

Sibele inclinou a cabeça para o lado. Podia sentir o olhar aborrecido de Marcela sobre ela. 

-- Você é uma ditadora -- num impulso, a médica deu um passo na direção de Marcela -- Uma ditadora,
encantadora. Quer casar comigo? 

Marcela franziu o cenho. Não esperava que ela fosse assim. Direta. 

-- Casar? Casar pra que? 

-- Como assim, casar pra que? -- Sibele abriu os braços -- Formar uma família, encher a casa de filhos, sei lá...  

-- Já temos os nossos filhos. Não precisamos casar para isso. 

-- Ah não! -- Sibele esperneou, revoltada -- Não quero continuar sendo mãe de uma girafa, um elefante e um
leão. Quero pegar o meu filho no colo, passear com ele, colocar pra dormir. 

-- Deveria tentar fazer isso com os filhos que temos. Ingrata. Mãe desnaturada. 

Marcela foi para o quarto, Sibele foi atrás. 

-- Eu gosto deles, mas... 

Num impulso, Marcela lançou os braços em volta do pescoço de Sibele e a puxou para mais perto. 

-- Eu aceito. 

- Hã? 

-- É isso aí. Eu aceito. 

-- Eu não acredito! -- Sibele estava nas nuvens -- Você não faz ideia de como estou feliz. 

-- Também estou. Pensei que nunca me pediria em casamento -- as emoções cresceram dentro dela -- Eu sei que
pareço durona, insensível, mas... -- ela não queria chorar. Se esforçou para se afastar da médica e esconder as
lágrimas, mas os braços de Sibele a apertaram, sem permitir que houvesse nem um centímetro de espaço entre
elas. 

-- Pode chorar -- disse Sibele, cheia de carinho -- Como diz o poeta: Se for chorar, que seja de alegria. 
Em meio a soluços profundos e fungadas, Marcela conseguiu colocar para fora as palavras: 

-- Eu te amo, Sibele. 

Segurando o rosto de Marcela entre as mãos, Sibele a beijou com suavidade. 

Marcela fungou mais uma vez e enxugou os olhos com a mão. 

-- Vamos brincar de Cinquenta Tons de Cinza? 

-- Acho melhor não. Ainda estou me recuperando dos hematomas da última noite. 

-- Hum, então que tal Tarzan e Jane? -- insistiu Marcela. 

-- Lembra que na última vez que brincamos de Tarzan e Jane, no dia seguinte os trabalhadores estavam todos
imitando a Chita. 

-- Também! Você exagerou no "ooo hohohooo hoooo". A ilha inteira ouviu. 

-- Verdade -- Sibele segurou a mão dela e juntas começaram a caminhar em direção ao quarto -- Vamos brincar
de Chapeuzinho Vermelho. É mais light. 

Marcela fez uma cara marota. 

-- Eu adoro brincar de Chapeuzinho Vermelho. Quem vai ser o lobo mau? 

O tráfego, naquela manhã de sexta-feira estava congestionado. Entupida de carros que seguiam com destino
as praias cariocas. Ônibus e automóveis, todos lotados se dirigindo para a mesma região. 

Senhor Fábio abaixou o vidro, enquanto aguardavam em um semáforo. Arrependeu-se imediatamente do que
tinha feito, pois o bafo quente que vinha do exterior o deixou sufocado. 

Finalmente o sinal verde acendeu e o carro voltou a se movimentar. 

-- Então, papai, como se sente? 

-- Estou bem. Mas o que você está aprontando minha filha? -- o velho empresário ajeitou-se no banco do carro
visivelmente curioso. 

Sorrindo, Andreia acariciou os cabelos brancos do pai. 

-- É uma surpresa. Não seja tão curioso, logo você saberá. 

O motorista parou o carro diante do magnífico hotel de Copacabana. 

Um sorriso amargo cruzou o rosto do empresário enquanto observava a grandiosa construção. 

-- Está lindo! -- afirmou Fábio, muito emocionado. 

-- O comprador mandou restaurá-lo, mas a arquitetura original foi mantida. 

Fábio desceu do carro perdido em seus pensamentos. Em alguns minutos de silenciosa caminhada, ele fez
uma rápida retrospectiva de sua vida. Sempre trabalhou de forma incansável. O hotel era tudo para ele. E o
que adiantou? A sua preciosa joia hoje estava nas mãos de uma pessoa sem nenhum apego emocional a ele e
aos seus funcionários. 

Finalmente Andreia soltou a mão do pai, para abrir uma enorme porta de madeira. A luz acendeu e todos
gritaram: 

-- SEJA BEM-VINDO SENHOR FÁBIO! 

Em um salão, com uma mesa comprida repleta de frutas, bebidas, salgados e doces, estavam, todos os
funcionários e amigos mais próximos do empresário.  

Os olhos de Fábio encheram-se de lágrimas e Andreia sentiu um aperto no coração. 

-- Tudo bem, pai? 

-- O que está acontecendo? -- ele perguntou com a voz entrecortada. 

-- Estou devolvendo o hotel ao seu legítimo dono. 


Andreia ouviu a voz e se virou. Ela sorriu quando viu Natasha, parada na porta do enorme salão. 

-- Natasha Falcão? 

-- Sim, senhor Fábio, eu mesma -- ela caminhou para ficar mais próxima a ele -- Comprei o hotel e restaurei para
o senhor. Não é um presente por ser pai da Andreia. É algo bem mais profundo. Em cada canto desse hotel
ainda sobrevivem os seus sonhos, o seu sangue pulsa por essas colunas e gradeados. Os meus hotéis falam
comigo e esse não fala. Acho que é de birra. 

-- Ele fala comigo -- lágrimas correram pelas faces de Fábio -- Ele pergunta por minha esposa, pelas minhas
meninas que corriam como loucas por esses longos corredores, pelos réveillons glamorosos, pelas festas a
fantasia. 

Natasha se virou para as pessoas presentes e falou em voz alta: 

-- É por isso que estou devolvendo o hotel e todos os funcionários para o senhor Fábio. Quem sou eu para
separar uma família tão unida. 

Os funcionários correram até o empresário, o choro que tempos atrás era de tristeza e dor, passou a ser de
alegria e todos o abraçaram. Aquele se tornou um momento maravilhoso. 

Andreia aproximou-se de Natasha e beijou-lhe o rosto. 

-- Meu pai estava morto e você lhe deu uma segunda chance. 

-- Sabe Deia. No começo considerei o seu pai um incompetente por ter deixado o hotel falir. Mas, quando você
deixa de lado a insensibilidade, indiferença, egoísmo e começa a compreender o outro, passa a querer ajudar
em vez de julgar e ter pena. Afinal, "somos todos iguais por sermos todos diferentes". Não é mesmo? 

Música alta, risadas, gritos de crianças e adultos maravilhados com a montanha-russa invertida, carrossel, a
roda-gigante. As atrações de água, como o splash, bumper boats, corredeira, rowing boats e muitos outros. 

Leozinho abraçou Leandro e o beijou no rosto. 

-- Obrigado por me fazer tão feliz. 

-- Você não tem nada o que me agradecer. Eu é que... 

-- Com licença -- Sidney se aproximou -- Desculpa a intromissão, é que eu queria convidar você para sentar
comigo no passeio inaugural da roda gigante. 

Leozinho sorriu com meiguice. 

-- Sinto muito Sidney, mas já tenho um parceiro para o passeio. 

Leandro segurou a mão de Leozinho com tanta força que chegou a doer. 

-- Vamos logo, meu amor. Já vão ligar a roda-gigante. 

Leozinho assentiu com um singelo balançar de cabeça e olhou para Sidney. 

-- Com licença, Sidney, mas preciso ir. Leandro parece uma criança de tão ansioso que está.  

- Claro. Vão logo. 

Sidney ficou olhando os dois se afastarem. Sentia um aperto no peito que não conseguia entender. Seu
estômago estava embrulhado. Sentia um impulso insano de chorar. 

-- O mundo dá voltas e quem ontem tinha tudo, hoje não tem mais nada! -- Erivaldo tocou de leve no ombro do
rapaz. 

Sidney se virou e encontrou os olhos divertidos do comandante Erivaldo. 

-- Acho que você disse tudo -- respondeu ele com um sorriso fraco -- "Se não plantar, não nasce. Se não regar,
não cresce. Se não amar, morre. Assim são as plantas... assim são as pessoas" -- Sidney olhou para a roda
gigante e depois para Erivaldo -- Vamos juntos comandantes? 

O comandante deu um passo para trás. 

-- Vamos. Mas, não se passa hein. Nada de ficar com medo e pular no meu colo. 

Sidney meneou a cabeça de um lado para outro. 


-- Mas credo que vou querer um velho babão desse. Vamos logo. 

Sofia segurou a mão de Jessye com firmeza e ajudou-a a sentar-se na cadeira da roda gigante. 

-- Essa roda gigante é tão alta, que lá de cima dá pra ver toda a ilha. 

-- Estou quase desistindo - disse Jessye com voz trêmula de medo. 

Sofia endireitou os ombros e falou com voz calma: 

-- Eu disse que cuidaria de você e vou cuidar -- sem hesitar, Sofia moveu as mãos para a cintura delicada de
Jessye e puxou-a para mais perto -- Eu vou cuidar de você para sempre -- ela murmurou -- Nos altos e baixos
da vida. 

-- Nos medos, esperança, lágrimas, sorrisos, angústias, encantamento? 

-- Em todos os momentos -- Sofia respondeu prontamente, beijando-a suavemente na boca. 

Carolina olhou para trás e sorriu para Elisa e Pedrita. 

-- Olha a cara das duas, amor. A roda gigante nem começou a girar e já estão toda cagada. 

-- O que é isso Carol? Esses são modos de falar com elas? -- Talita prendeu o cinto e ajeitou-se melhor na
cadeira. 

-- Na internet tem vários relatos de acidentes em parques como este. Semana passada uma menina estava com
uma colega na roda gigante. Na hora em que foi descer do brinquedo, ela caiu nas engrenagens e enroscou o
cabelo e a roupa. A menina morreu na hora. 

-- Vou descer -- resmungou Elisa. 

Talita se virou para trás e sorriu de forma amigável, calorosa e reconfortante. 

-- Acredite, você tem coragem para chegar onde quiser. Basta querer. Não desista Elisa. 

Pedrita segurou a mão de Elisa. 

-- Isso mesmo. Desistir jamais! Uma apoia a outra e vamos conseguir. 

-- Hum, essas duas nunca me enganaram. 

Talita deu um tapa de leve na cabeça de Carolina. 

-- Vira pra frente e deixa elas em paz. 

Carolina obedeceu. Ela se virou e sorriu para a médica. 

-- Não vejo a hora de estarmos lá em cima. 

-- Calma, tudo tem o seu tempo. Hoje estamos aqui em baixo, mas logo, poderemos estar lá em cima. 

Carolina a olhou confusa. 

-- Estou falando da roda gigante amor. 

-- E eu da vida. 

-- Olá, olá. Estamos chegando -- Marcela e Sibele se sentaram logo a frente -- Como está chefe? -- perguntou
Marcela. 

-- Não tão bem quanto vocês, mas vou levando -- respondeu Carolina -- Aonde estão as crianças? 

-- Arnaud e Cohen ficaram na ilha com os trabalhadores. Eles adoram cuidar dos meninos nas horas de folga.
A Hilary e a Blue Ivy estão no hotel com a Paloma e a Nani. 

-- Quatro? Não eram três? -- Talita olhava atentamente para Marcela.  

-- Ontem, Sibele foi até o orfanato conversar com a madre responsável e quando viu a menininha sorridente,
de cabelos enroladinhos e olhinhos de jabuticaba, não resistiu. Então, agora temos também a Hilary, que
significa "alegre", "aquela que contagia pela sua alegria".  

-- E vocês? -- perguntou Sibele -- Quando vão encomendar um chorão?  


Apesar da cara tristonha, Carolina respondeu prontamente.  

-- Estamos tentando. A Tali fez novamente a Inseminação Artificial, espero que dessa vez dê certo. O
tratamento já foi concluído. Agora iniciou-se a beta espera, ou seja, o tempo de espera para a confirmação da
gravidez enquanto ocorre a nidação.  

Talita segurou o queixo de Carolina com uma mão, e com a outra, acariciou a sua face.  

-- Já que estamos em um lugar tão lindo, cheio de alegria, paz e luzes coloridas. Quero te dar uma notícia: O
resultado saiu essa tarde. Estou grávida.  

Carolina olhou de boca aberta para Talita.  

-- Grá-vi-da? Você está grávida?   

-- Sim, meu amor. Conseguimos. Estou grávida.  

-- GRAVIDA! A TALITA ESTÁ GRAVIDA! OUVIU, NATASHA? -- ela berrou.  

O sorriso de Natasha era encantador, e ela abraçou com força sua adorável e feliz esposa.  

-- Elas merecem -- comentou sentando-se ao lado de Andreia na cadeira da roda gigante -- Só espero que ela
não se jogue do brinquedo.  

-- Que momento especial! Talita está começando sua jornada na maior aventura da vida: ser mamãe!  

-- Que elas aproveitem cada segundo, tanto da gravidez como tudo que vem depois porque o tempo passa
correndo. Não vê a gente, daqui a pouco o Marlon estará se formando na faculdade.  

-- Não exagera, Nat. O menino nem fala mamãe ainda.  

-- O tempo voa, amor. Lembra que mandei construir esse parque para você?  

-- Como poderia esquecer, Nat.  

Fogos de artifício iluminaram o céu da Ilha do Falcão e um painel gigantesco com o nome do parque temático
foi aceso. A música ficou mais alta, a roda gigante começou a se mover e Andreia agarrou-se firme em
Natasha.  

-- Está se divertindo, Deia?  

Andreia sentiu o familiar aperto no coração pelo privilégio de ser alvo do amor incondicional de Natasha.  

-- Amando! -- ela praticamente gritou.  

O rosto de Natasha se iluminou de alegria.  

-- Você já parou para pensar como a vida às vezes é como uma roda gigante?  

-- Às vezes em cima -- disse Andreia.  

-- Às vezes em baixo -- disse Natasha.  

-- Às vezes alegrias.  

-- Às vezes tristezas -- Natasha sorriu como nunca sorriu antes -- Mas, isso nunca abalará a nossa fé e nem
nos desanimará. A vida nunca foi e nunca será um mar de rosas. Os obstáculos fazem parte da vida.  

-- O que não faz parte é desistir, nunca devemos desistir do que realmente é da vontade de Deus. Por que ele
nunca dá uma cruz que não possamos carregar -- Andreia ficou olhando para a esposa por um bom tempo.
Até que sorriu e disse emocionada: -- Eu amo você, Natasha.   

-- Amo você também, minha ruivinha.  

O barulho e as cores do parque de diversão as cercaram. Natasha riu e beijou Andreia apaixonadamente.  

Vinte anos depois...  

-- Tem certeza que vocês vão para Florianópolis? Está chovendo demais -- Natasha estava com o semblante
bastante preocupado.  
-- Não se preocupe, mãe. A gente toma cuidado -- Marlon beijou o rosto de Natasha e depois de Andreia -- Em
meu carro vão o Arnaud e a Blue Ivy. O Cohen e a Hilary vão no outro carro. Assim que chegarmos em Floripa,
eu ligo.  

Marlon entrou no carro e arrancou suavemente.  

Andreia olhou para Natasha e balançou a cabeça.  

-- Não estou gostando nem um pouco disso.  

-- O Marlon é um garoto responsável.  

-- O problema não é ele. Eu conheço o meu filho e os meus sobrinhos. O problema é esses motoristas que
bebem e saem matando gente inocente.  

Natasha suspirou fundo. Sabia que Andreia tinha razão.  

Marlon conduzia o carro pela avenida, que costeava a praia, quando ao longe avistou uma menina que
caminhava perigosamente pelas pedras escorregadias.  

-- Olha que louca! Mas... não é a Michele?  

-- É ela sim -- Marlon parou o carro próximo as pedras -- Eu vou lá.  

-- Não vai cara. Vamos nos atrasar -- disse Arnaud.  

-- Claro que vou. Lembra que a mamãe contou que um cara caiu dessas pedras e morreu?  

Marlon bateu a porta do carro, colocou o capuz de seu casaco na cabeça para se proteger da chuva e foi até
onde ela estava.  

-- Carlita! -- chamou -- Oi Carlita.  

A garota olhou para ele e fez uma cara de brava.  

-- Meu nome é Michelle. Não gosto quando me chama assim.  

-- Filha de Carolina com Talita igual a Carlita.  

-- Seu pavão idiota.  

Marlon caiu na gargalhada.  

-- Sai daí. É muito perigoso. Você pode escorregar e se esborrachar lá embaixo.  

-- Não tô nem aí pra isso. Ninguém gosta de mim, mesmo.  

-- Até parece né, Carlita. Opa, desculpa, Michele. Somos todos doidos por você. Não tem ninguém nessa ilha
que não te ame. Vem, vamos pra casa.   

-- Mamãe Carol me proibiu de ir pra Floripa com vocês. Ela disse que é muito perigoso. Eu odeio ela.  

Marlon sentou em uma pedra e abraçou os joelhos.  

-- Minha mãe disse a mesma coisa -- o garoto pensou por alguns minutos, depois se levantou -- Sabe de uma
coisa, que tal se a gente for lá pra casa e fazer uma festinha. Podemos chamar a galera. 

Os olhos da garota brilharam.  

-- Sério? Posso chamar o Diogo?  

-- Claro. Quem você quiser, Carlita. Opa. Michele.  

A garota sorriu. Havia realmente pensado em tirar a própria vida. Agora seus planos de suicídio pareciam tão
bobos diante do carinho do primo.  

Marlon estendeu a mão para ela e foram para casa.  

Naquela noite um carro desgovernado bateu na cabeceira da ponte rodopiou pela pista e capotou. Os três
ocupantes morreram no local. Por sorte, nenhum carro vinha no sentido contrário. 

 
A criança nasce na família certa para cumprir sua missão de vida. A missão é uma tarefa a ser cumprida pelo
Espírito encarnado. Em sentido particular, cada Espírito desempenha tarefas especiais numa ou noutra
encarnação.  

O retorno do espírito para o corpo é planejado. A família em que ele nascerá será aquela capaz de propiciar o
positivo e o negativo que ele precisa para evoluir.  

O espírito do pai de Natasha, reencarnado em Marlon, busca corrigir erros do passado.  

O espírito de Ivo, reencarnado em Michele, aos poucos vai aprendendo que a vida é o dom mais valioso que
Deus deu para cada um de seus filhos.   

A evolução espiritual humana é uma atividade que envolve olhar com carinho e cuidado para o próximo,
porque, como todos estamos juntos nesse plano espiritual, é apenas através da empatia, da caridade e da
compaixão que poderemos conseguir o aprendizado do qual necessitamos para evoluir. 

Já parou para pensar no que você está fazendo hoje para evoluir?  

FIM   

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