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Os Senhores da Guerra

Dimas C. Oliveira

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Autor
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial deste trabalho, seja por meio
eletrônico ou impresso, inclusive fotocópias sem prévia autorização e consentimento da editora.
N
o decorrer de toda a história humana nos deparamos com nu-
merosas personagens que marcaram seus nomes com a rubri-
ca dos sucessos militares; essas personagens são conhecidas
principalmente como “os grandes capitães”, aqueles cujo talento
estratégico lhes deu a posse de vastos territórios e de tronos cobi-
çados, títulos de honra e coroas de louros. Diante de seus exércitos
caíram muitas cidades, outros exércitos e nações inteiras; acostu-
mados ao pagamento de tributos imensos e à homenagem dos seus
súditos, eles literalmente “pisavam o pescoço” dos vencidos, como
vemos em monumentos egípcios antigos, e lhes impunham seus
desígnios; passavam então a receber o epíteto de “grande”, aquele
que se destaca no meio dos outros, o filho dileto dos deuses que
deles recebeu o domínio sobre os demais.
Em meio à pompa dos títulos, porém, e à profusão de elogios
que esses homens receberam através dos tempos, seja por parte
de seus dependentes seja até mesmo por parte de seus próprios
inimigos, surge sempre a dúvida: será que eles foram apenas “he-
róis”, homens dotados de inteligência e determinação extraordiná-
Entreria,
emcapazes
nossodeCanal no nome
deixar seu Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
reconhecido por gerações inteiras,
ou, ao contrário, foram apenas frios assassinos, inimigos de todo
Os Senhores da Guerra

o gênero humano, genocidas merecedores de castigos inimaginá-


veis? Essa polêmica pergunta é uma das mais fascinantes que já
ouvimos; ela é repetida de quando em quando não apenas pelos
estudiosos, mas por todos nós que nos consideramos como parte
integrante da humanidade; torna-se necessário, portanto, formular
mais uma vez a questão, e estudar sua problemática: afinal de con-
tas, esses generais estavam apenas realizando seu papel de defesa
da sua pátria – porque praticamente todas as guerras são apresen-
tadas como “guerras justas”, isto é, de resposta a uma provocação
injustificada – ou foram realmente homens verdadeiramente “de-
sumanos”, impelidos por uma insaciável sede de sangue dos seus
próprios congêneres e irmãos? Eles apenas respondiam a um ata-
que ou foram eles mesmos os atacantes? E o que dizer quando sua
fúria se abateu sobre seus próprios compatriotas?
O trabalho a seguir busca dar uma ideia dessa interessante ques-
ƚĆŽ͕ ĂŶĂůŝƐĂŶĚŽ ĂůŐƵŶƐ ĐĂƐŽƐ ơƉŝĐŽƐ ƋƵĞ ĞŶĐŽŶƚƌĂŵŽƐ ŶĂ ŚŝƐƚſƌŝĂ͕
desde os seus primórdios até ao mundo contemporâneo, cujas guer-
ras, aliás, nos dão a impressão de jamais terminarem. Neste momen-
Entretoem
vemnosso
à nossaCanal noum
lembrança Telegram:
pensamentot.me/BRASILREVISTAS
de Voltaire: o de que toda
a história “consiste apenas na crônica da infelicidade humana”.
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ÍNDICE
CAPÍTULO I ......................................................................................... 08
No Oriente Antigo

CAPÍTULO II ........................................................................................ 22
Os Romanos

CAPÍTULO III ....................................................................................... 32


O Flajelo dos Deuses
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CAPÍTULO IV ...................................................................................... 36
Tiranetes

CAPÍTULO V ....................................................................................... 50
A Modernidade de Napoleão

CAPÍTULO VI ...................................................................................... 56
Um novo Gêngis- Cã

CAPÍTULO VII ..................................................................................... 68


Adolf Hitler

CAPÍTULO VIII .................................................................................... 76


Capítulo Final?

BIBLIOGRAFIA .................................................................................... 80
7
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8
1
CAPÍTULO
NO
ORIENTE
ANTIGO
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“E todas as cidades desses reis e todos os seus reis os tomou Josué e se pôs a
feri-los a fio de espada. Os entregou por inteiro à destruição, tal como Moisés
o servo de Jeová tinha mandado”
[Josué, XI 12]

9
No Oriente Antigo

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Reminiscências
Bíblicas
O grande Livro Sagrado de cristãos e de judeus, a Bíblia, apre-
senta em sua primeira parte, conhecida por Antigo Testamento,
relatos assustadores de guerras e invasões que nos convidam à
meditação. Naturalmente essa meditação não pode ter conse-
quências sobre a fé; como dizia Renan: “as fogueiras de Felipe
II e Pio V jamais me fariam afastar da fé católica; se eu fiz isso,
foi por razões de outra ordem, muito mais elevadas, exclusiva-
mente internas.”. Mas, de qualquer modo, a leitura daqueles ca-
pítulos bíblicos representa um desafio ao nosso senso crítico e à
nossa capacidade de leitura; é exatamente isso que procuramos
fazer aqui: aceitar e lidar com o desafio, ao tomar conhecimento
daqueles capítulos que não podem permanecer escondidos por
motivos de escrúpulo religioso. Por outro lado, as crônicas do
Oriente antigo, assírias principalmente, são impregnadas de um
espírito bélico dos mais marcantes; já naqueles tempos remotos
foram muitos os grandes “senhores da guerra”.

10
Os Senhores da Guerra

Os senhores
da guerra assírios
Dentre os povos do antigo Oriente, os assírios se destacaram por
sua ferocidade no trato com os povos vencidos; a formidável má-
quina militar assíria levava de roldão todos os povos circunvizinhos,
sobretudo aqueles que, movidos por um sentimento de indepen-
dência e autoconfiança, ousavam recusar obediência aos imperio-
sos senhores da guerra. Os assírios combatiam sempre em nome do
deus Assur, ou de Bel, que lhes tinham dado, como seus filhos dile-
tos, “o domínio sobre as quatro regiões da terra”, e sobre os vales
dos grandes rios, o Tigre e o Eufrates; e o primeiro capitão assírio
que conhecemos por suas façanhas bélicas é Tiglat-Pileser. Tendo
sob seu comando um poderoso exército de vinte mil homens, con-
tando infantes, cavaleiros e carros de guerra, ele marchou contra
os habitantes de Comagena, no chamado “país alto” ao norte da
Assíria, e derrotou-os completamente, apesar das diversas alianças
que eles tinham estabelecido com os vizinhos deles; depois de ven-
Entrecidos, os habitantes
em nosso Canalforam massacrados t.me/BRASILREVISTAS
no Telegram: em boa parte, o território
devastado, e seu gado e muitos prisioneiros levados como tributo
de guerra. O próprio rei nos deixou um relato impressionante da
guerra: “O país, uma região de difícil acesso, foi por mim atravessa-
do; eu travei combate com seus vinte mil homens e seus cinco reis,
e fui ao seu encontro. As fileiras de seus guerreiros que combatiam
em formação foram derrubadas como que por uma tempestade. As
carcaças deles cobriam os vales e o pico das montanhas; cortei as
cabeças deles; das suas fortificações fiz verdadeiras montanhas de
terra; seus bens móveis, sua riqueza e preciosidades, eu saqueei
formando um amontoado imenso. Seis mil de seus soldados rasos,
que fugiram diante dos meus servos e aceitaram meu jugo, eu cap-
turei e entreguei aos meus próprios homens como escravos.”
ůŐƵŵ ƚĞŵƉŽ ĚĞƉŽŝƐ ĚĞƐƐĂ ĐĂŵƉĂŶŚĂ͕ ƉĂƌƟĐƵůĂƌŵĞŶƚĞ ĐƌƵĞů͕
dŝŐůĂƚͲWŝůĞƐĞƌ ĂƚĂĐŽƵ ŶŽǀĂŵĞŶƚĞ Ž ƚĞƌƌŝƚſƌŝŽ ĚĞ ŽŵĂŐĞŶĂ͕ ƋƵĞ ƟŶŚĂ
se revoltado, e o devastou sem remissão; as tribos circunvizinhas, que
ƚĂŵďĠŵƉĂƌƟĐŝƉĂǀĂŵĚŽŵŽǀŝŵĞŶƚŽ͕ƟǀĞƌĂŵƐƵĂƐĨŽƌƚĂůĞnjĂƐŶĂƐŵŽŶ-
tanhas assaltadas pela força expedicionária do soberano, suas cidades
ŝŶĐĞŶĚŝĂĚĂƐ Ğ ƐĞƵƐ ƌĞƐƉĞĐƟǀŽƐ ƚĞƌƌŝƚſƌŝŽƐ ƐĂƋƵĞĂĚŽƐ͘ EĂ ŵĞƐŵĂ ŽĐĂ-
sião, o rei empreendeu outros ataques contra povos que ameaçavam
ĂŝŶƚĞŐƌŝĚĂĚĞĚŽƐĞƵŝŵƉĠƌŝŽ͕ƚĂůĐŽŵŽŽƐŚŝƟƚĂƐ͕ƋƵĞŶĆŽŽƵƐĂƌĂŵƌĞ-

11
No Oriente Antigo

ƐŝƐƟƌ͕ƟǀĞƌĂŵƐĞƵƐďĞŶƐŵſǀĞŝƐĂƌƌĞďĂƚĂĚŽƐ͕Ğ͞ĐĞŶƚŽĞǀŝŶƚĞĐĂƌƌŽƐĚĞ
guerra levados”; e o mesmo aconteceu na região sul, no “país baixo” e
nas montanhas de Zagros, onde fortalezas foram reduzidas e tesouros
saqueados; outras guerras se sucederam sob o mesmo rei, nas quais os
ŵĂƐƐĂĐƌĞƐĞƌĂŵƵƐƵĂŝƐ͕ĞŵďŽƌĂŶĞŵƐĞŵƉƌĞĞƐƚĂƟƐƟĐĂŵĞŶƚĞƐĞŐƵƌŽƐ͘
Por outro lado, as campanhas desse rei se fizeram ainda mais
destruidoras quando se voltaram na direção dos povos que habita-
vam na outra margem do rio Eufrates, mais próximo do “mar supe-
rior”, ou seja, o Mediterrâneo; diz-se que Tiglat-Pileser “bateu essa
região de um só golpe”, atacando primeiro a margem mais acessí-
vel, depois fazendo seu exército cruzar a corrente em barcos inflá-
veis, envolvidos em peles; ele só retornou após incendiar seis cida-
des e tomar-lhes um imenso butim. Por fim, todas as crônicas desse
longo reinado são unânimes na descrição de expedições guerrei-
ras assírias que terminavam na tomada de fortalezas, no incêndio
e saque de numerosas cidades, e no extermínio ou escravização
de seus habitantes; e embora não tenhamos dados exatos que nos
permitam avaliar o total de vítimas, esse total deve ter sido impres-
Entresionante
em nosso Canal
ao final no Telegram:
do reinado t.me/BRASILREVISTAS
de Tiglat-Pileser: “Caíram em minhas
mãos, ao todo, entre o começo de meu reinado e o quinto ano, qua-
renta e dois países com seus reis, desde as margens do rio Zab até
às margens do rio Eufrates, o país dos Khatti e o Oceano superior
do sol poente. Eu os submeti ao meu governo; tomei-lhes reféns;
impus-lhes tributos e oferendas”; Tiglat-Pileser termina sua crôni-
ca sangrenta relatando formidáveis expedições de caça, nas quais
ele “matou quatro ferozes touros selvagens a flechadas, outros dez
búfalos, e capturou quatro”, além de abater cerca de novecentos
e vinte leões! Seus sucessos, aliás, ele os atribui em especial aos
deuses da guerra: Nino e Nergal, cujos templos ele restaurou, jun-
tamente com os de outros deuses, e encheu de despojos de guerra.

Os deuses
da guerra
ŝŵƉƌĞƐƐŝŽŶĂŶƚĞŽĨĂŶĂƟƐŵŽƌĞůŝŐŝŽƐŽƋƵĞŝŵƉƌĞŐŶĂĂƐŝŶƐĐƌŝĕƁĞƐ
de Tiglat-Pileser; ele derrama sobre seus inimigos, sobre todos os
povos vencidos, uma torrente de invocações provocadoras de maldi-
ções que assustam e interessam ao mesmo tempo: “Que possam Anu
e Vul, os grandes deuses, meus senhores, consignar o nome dele [o

12
Os Senhores da Guerra

ƋƵĞĚĂŶŝĮĐĂĂƐŝŶƐĐƌŝĕƁĞƐĚŽƐŵŽŶƵŵĞŶƚŽƐ΁ăƉĞƌĚŝĕĆŽ͊WŽƐƐĂŵĞůĞƐ
amaldiçoá-lo com irremissível maldição! Possam eles fazer sucumbir
a sua soberania! Possam arrancar o fundamento do seu trono e do
ƐĞƵŝŵƉĠƌŝŽ͊YƵĞĂƐƵĂĞƐƟƌƉĞŶĆŽůŚĞƐŽďƌĞǀŝǀĂŶŽƌĞŝŶŽ͊YƵĞƐĞƵƐ
escravos sejam dilacerados! Suas tropas derrotadas! Que ele fuja ven-
cido por seus inimigos! Possa Vul, em sua fúria, arrancar o produto da
ƐƵĂƚĞƌƌĂ͊WŽƐƐĂĂĞƐĐĂƐƐĞnjĚĞĂůŝŵĞŶƚŽƐŶĞĐĞƐƐĄƌŝŽƐăǀŝĚĂĂŇŝŐŝƌƐĞƵ
país! Que pelo menos por um dia não sejam chamados felizes! Possa
perecer seu nome e sua raça!” Essa sucessão de injúrias e invocações
ĚĞƐƚƌƵŝĚŽƌĂƐŶŽƐŵŽƐƚƌĂƋƵĞŽĐŽŶƋƵŝƐƚĂĚŽƌŶĆŽƐĞƐĂƟƐĨĂnjŝĂĐŽŵĂ
vitória militar, e procurava estender seu ódio até mesmo sobre as gera-
ções posteriores de seus inimigos. Por isso o historiador inglês George
Rawlinson comenta que “É evidente para nós que temos aqui não a
exposição de um culto dos lábios, não uma piedade convencional, mas
uma fé religiosa real, sincera, séria –
ƵŵĂĨĠƋƵĞďĞŝƌĂŽĨĂŶĂƟƐŵŽʹƵŵ EU OS SUBMETI AO MEU
ĞƐƉşƌŝƚŽĂĮŵĚĂƋƵĞůĞƋƵĞĚŽŵŝŶĂǀĂ GOVERNO; TOMEI-LHES
os judeus em suas guerras contra as REFÉNS; IMPUS-LHES TRIBUTOS
Entrenações
em nosso Canal
de Canaã, noosTelegram:
ou que t.me/BRASILREVISTAS
solda- E OFERENDAS.
dos de Maomé transpiravam, quan-
ĚŽĞůĞƐĚĞƐĞŵďĂŝŶŚĂǀĂŵƐƵĂƐĞƐƉĂĚĂƐǀŝƌŐĞŶƐĐŽŶƚƌĂŽƐŝŶĮĠŝƐ͘͟
ƐƐŝŵ͕ĞƐƐĂƋƵĞĠƵŵĂĚĂƐƉƌŝŵĞŝƌĂƐĮŐƵƌĂƐĚŽƐ͞ƐĞŶŚŽƌĞƐĚĂŐƵĞƌ-
ƌĂ͕͟ƐĞĂƉƌĞƐĞŶƚĂĐŽŵŽƵŵŐƵĞƌƌĞŝƌŽĞƵŵĨĂŶĄƟĐŽƐŝŵƵůƚĂŶĞĂŵĞŶƚĞ͘
ZĂǁůŝŶƐŽŶĂĮƌŵĂƋƵĞŽƐŽďĞƌĂŶŽƐĞŐůŽƌŝĮĐĂŵƵŝƚŽ͕ĠǀĞƌĚĂĚĞ͕ƉŽƌĠŵ
ŐůŽƌŝĮĐĂŽƐĚĞƵƐĞƐĂŝŶĚĂŵĂŝƐ͖ĐŽŵďĂƚĞĂĮŵĚĞĂƵŵĞŶƚĂƌĂĞdžƚĞŶ-
são de seu território, mas também combate pela honra dos deuses
rejeitados pelas nações circum-adjacentes; e ele busca difundir o cul-
to dessas divindades amplamente, por todas as regiões conhecidas.
Suas guerras são religiosas, portanto, tanto quanto de conquista;
e seu espírito bélico aparece sempre regido pelo espírito religioso
propriamente dito, exclusivo e intolerante. No final de seu reinado,
entretanto, o soberano assírio bebeu de seu próprio veneno quan-
do atacou o poderoso reino rival de Babilônia, situado ao sul; pela
vez primeira Tiglat-Pileser viu seu exército derrotado e as imagens
de seus deuses tutelares capturadas; somente o poder incontestá-
vel da monarquia assíria, apoiada por sua localização estratégica
na região montanhosa ao norte do rio Tigre impediu uma invasão
babilônica nesse momento.

13
No Oriente Antigo

Crueldade
Entre em nossodos assírios
Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
Quanto ao soberano seguinte, Assurizirpal, ele se tornou fa-
moso quando, no decorrer de suas primeiras guerras, não ape-
nas derrotou seus inimigos, saqueou e incendiou suas cidades e
capturou multidões de escravos, mas também conduziu um dos
chefes prisioneiros para a cidade assíria de Arbela, o fez esfolar
vivo e dependurar na muralha. Pouco tempo depois, irritado com
a revolta de uma cidade do médio Eufrates, ele marchou contra
ela, recebeu imediata submissão, mas não hesitou em fazer uso
de um exemplo terrível: primeiramente selecionou os mais cul-
pados dentre os habitantes; em seguida, ele “crucificou alguns,
queimou outros, e puniu os demais lhes cortando narizes ou ore-
lhas”. Seguiu-se uma grande invasão da Assíria por povos coliga-
dos procedentes do norte e do leste, e apoiados por cidades re-
beldes do vale do Eufrates; as forças combinadas somavam cerca
de vinte mil homens. Assurizirpal cruzou então a corrente em jan-
gadas e derrotou os combatentes que vinham ao seu encontro,
promovendo verdadeira devastação; o grosso das tropas inimigas,
aliás, morreu não pelas armas assírias, mas afogado no grande
rio; seis mil e quinhentos homens pereceram ao todo, segundo

14
Os Senhores da Guerra

os registros assírios; e “todo o território da margem direita do rio


que tinha sido poupado nas campanhas anteriores, foi devastado
a ferro e fogo pelo soberano em fúria; as cidades e castelos foram
incendiados, os machos passados pelo fio da espada, as mulheres,
crianças e gado arrebatados”; todos foram naturalmente condu-
zidos como prisioneiros da Assíria; finalmente o poderio militar
do rei se voltou contra as cidades do litoral mediterrâneo, da Síria
e da Fenícia, “e a grandeza do seu exército espalhou terror até o
mar”. O rei assírio que vem a seguir, Shalmaneser II, completou a
conquista daquela região; isso aconteceu apesar da desesperada
resistência de sírios, fenícios e até hebreus aliados; tornou-se fa-
mosa a batalha na qual os soldados da coligação foram massacra-
dos pelo rei assírio, em número de vinte mil homens.

As grandes
campanhas assírias
Embora essas perdas sejam grandes, e indiquem um ardor
bélico assustador, mais impressionante ainda foi o que ocorreu
Entredurante
em nosso Canal
a grande no Telegram:
revolta t.me/BRASILREVISTAS
dos babilônios contra o domínio assí-
rio, muito tempo antes, aliás, do famoso Nabucodonosor II, men-
cionado na Bíblia. O rei da Assíria
que tinha sucedido a Shalmaneser TODOS FORAM
desceu o vale do Tigre e do Eufrates NATURALMENTE
rumo ao território babilônio, tomou CONDUZIDOS COMO
uma fortaleza, “fez derramar como PRISIONEIROS DA ASSÍRIA.
água” o sangue dos seus defensores;
matou cerca de dezoito mil inimigos, aprisionou três mil, e sa-
queou furiosamente a cidade protegida pela fortaleza. Depois ele
foi ao encontro do exército coligado que o esperava, matou cinco
mil soldados, aprisionou outros dois mil, “cem carros, duzentas
tendas, e o pavilhão real”.
O maior conquistador assírio, entretanto, foi Sargão II, que
conduziu seus exércitos para o domínio definitivo da Síria, do li-
toral fenício e palestino, e até do poderoso Egito; sua habilida-
de estratégica, aliás, proporcionou-lhe a posse até mesmo de ci-
dades “no meio do mar”, como diz uma orgulhosa inscrição. Foi
Sargão que deu início a uma política impiedosa de transferência
forçada de populações inteiras das regiões conquistadas, a fim de

15
No Oriente Antigo

evitar coligações militares e revoltas de grupos aparentados entre si;


ĞƐƐĂƉŽůşƟĐĂ͕ĂŵƉůĂŵĞŶƚĞƉƌĂƟĐĂĚĂƉĞůŽŵŽĚĞƌŶşƐƐŝŵŽ:ŽƐĞƉŚ^ƚĄůŝŶ͕
ƐĞŶŚŽƌĚĂĞdžƟŶƚĂhŶŝĆŽ^ŽǀŝĠƟĐĂ͕ůĞǀŽƵŚĂďŝƚĂŶƚĞƐĚĂWĂůĞƐƟŶĂƉĂƌĂĂƐ
margens do Eufrates, assírios para a fronteira da Armênia, e babilônios e
ĄƌĂďĞƐƉĂƌĂĂWĂůĞƐƟŶĂ͘ZĂǁůŝŶƐŽŶĚŝnjƋƵĞ͞WŽƌƚŽĚĂƐĂƐƉĂƌƚĞƐ͕^ĂƌŐĆŽ
͚ŵƵĚŽƵŽĚŽŵŝĐşůŝŽ͛ĚĞƐĞƵƐƐƷĚŝƚŽƐ͕ƐĞŶĚŽƐĞƵŽďũĞƟǀŽĂŽƋƵĞƉĂƌĞĐĞ͕
Entreenfraquecer
em nossoas Canal nofortes
raças mais Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
pela dispersão, e destruir o espírito do
mais fraco cortando de um só golpe todos os laços que unem um povo
ƉĂƚƌŝŽƚĂĂŽƉĂşƐƋƵĞĞůĞŚĂďŝƚŽƵƉŽƌůŽŶŐŽƚĞŵƉŽ͖͟ĞƐƐĂƉƌĄƟĐĂĠŵĞŶŽƐ
espetacular, porém não menos chocante e cruel que o assassinato puro
e simples de milhares de soldados derrotados na batalha.

Assírios
contra hebreus
O caso mais espetacular dos anais da Assíria ocorreu, entretan-
ƚŽ͕ĚŝĂŶƚĞĚĂƐŵƵƌĂůŚĂƐĚĂĐŝĚĂĚĞĚĞ:ĞƌƵƐĂůĠŵ͕ƐŽďŽƌĞŝŶĂĚŽĚĞ
Senaqueribe. Este rei tinha avançado contra a fronteira do Egito, a
fim de garantir suas possessões ao sul da Palestina; foi então que
chegaram ao seu conhecimento manobras diplomáticas do sobe-
rano hebreu, Ezequias, que negociava com os inimigos da Assíria;
assim, depois de vencer os egípcios e tomar-lhes duas importan-
tes fortalezas, Senaqueribe veio sitiar a capital dos hebreus com
um formidável exército de cerca de cento e oitenta e cinco mil
homens. Nessa ocasião, uma das mais dramáticas de toda a histó-
ria dos hebreus, marcada de maneira inesquecível pela narrativa
bíblica, o profeta Isaías acalmou os temores do povo, dizendo-lhe:

16
Os Senhores da Guerra

͞ƐƐŝŵĚŝƐƐĞ:ĞŽǀĄ͗EĆŽƚĞŶŚĂƐŵĞĚŽƉŽƌĐĂƵƐĂĚĂƐƉĂůĂǀƌĂƐƋƵĞ
ouviste, com que os ajudantes do rei da Assíria me ultrajaram; eis
que ponho nele um espírito, e ele terá de ouvir uma notícia e voltar
à sua própria terra; e eu hei de fazê-lo cair pela espada na sua pró-
ƉƌŝĂƚĞƌƌĂ͟΀ϮZĞŝƐy/y͕ϲͬϳ΁͘ƌĞĂůŵĞŶƚĞ͕ƋƵĂŶĚŽŽŐƌĂŶĚĞĞdžĠƌĐŝƚŽ
ĞƐƚĂǀĂĂĐĂŵƉĂĚŽĚŝĂŶƚĞĚĂƐƉŽƌƚĂƐĚĞ:ĞƌƵƐĂůĠŵ͕ĞŽĂƐƐĂůƚŽĞĚĞƐ-
truição final da cidade pareciam iminentes, por um motivo que até
hoje os historiadores não conseguiram descobrir, todo o conjunto
das tropas assírias ou pelo menos a grande massa delas apareceu
morta em suas tendas. Então, o rei, apavorado, retornou à sua terra
sem jamais retornar à Palestina; Rawlinson acredita que, apesar do
desastre, Senaqueribe continuou suas campanhas na parte oriental
do império, derrotou várias rebeliões, muitas delas lideradas pela
Babilônia, e quase conseguiu recuperar-se do terrível desastre na
Palestina, até que finalmente morreu assassinado por um de seus
próprios filhos, como o profeta tinha previsto.

Assurbanípal
Entre em nossoreiCanal
O último no Telegram:
da Assíria t.me/BRASILREVISTAS
famoso por suas façanhas bélicas e sua
crueldade foi Assurbanípal, que não apenas confirmou a posse dos
territórios que já pertenciam ao império, como ainda os fez au-
ŵĞŶƚĂƌ ĂĐƌĞƐĐĞŶƚĂĚŽ ĐĞƌƚĂƐ ƉĂƌƚĞƐ Ă ůĞƐƚĞ Ğ Ă ŽĞƐƚĞ͘ hŵ ĐĂƉşƚƵůŽ
de horror nas crônicas desse rei é formado por sua repressão aos
elamitas recentemente submetidos e revoltados sob a liderança
de seus príncipes: depois de vencê-
-los em campo aberto, Assurbaní- O GRANDE EXÉRCITO
pal executou um deles juntamente ESTAVA ACAMPADO DIANTE
com o pai, fez mutilar vários netos DAS PORTAS DE JERUSALÉM.
do líder principal, mandou arrancar
pela raiz a língua de diversos outros chefes, e impôs o esfolamento
ou decapitação de outros. É curioso observar que essa severidade
excessiva espalhava terror, é verdade, mas ao invés de impedir as
revoltas apenas servia para fomentá-las; a repressão era sempre a
semente de novas e mais violentas rebeliões onde a vingança exer-
cia um papel importante.
No intervalo entre a queda do império assírio e os começos do
império dos medos e persas, a região da Ásia Menor foi invadida
pelos povos citas provenientes das planícies ao norte do Mar Ne-

17
No Oriente Antigo

gro e da região adjacente à parte setentrional do Cáucaso; esses


povos já foram comparados à célebre Horda de Ouro dos mongóis
que invadiu a Rússia no início do século XIII: eles devastavam o
território percorrido “como um bando imenso de gafanhotos”, na
expressão dos historiadores, sitiando as cidades fortificadas na
esperança de saque, e massacrando seus habitantes quando as-
sim lhes aprazia, ou então os escravizando ou os libertando ape-
nas mediante pesado resgate.

Os citas
Os citas também praticavam sacrifícios humanos: “Num dia pre-
estabelecido a cada ano eles ofereciam sacrifícios solenes humanos
e animais nos seus santuários; e o sangue ainda quente das vítimas
era envasilhado e derramado sobre as armas. As vítimas humanas
– prisioneiros feitos na guerra – eram cortadas em pedaços ao pé
da colina, e seus membros atirados para cima de maneira selvagem
pelos adoradores dos deuses, que depois se retiravam deixando os
restos ensanguentados onde tinham casualmente caído”, é o que
Entrenos
emdiznosso Canal
Rawlinson. no Telegram:
Assustado t.me/BRASILREVISTAS
com as devastações dos citas, o gran-
de historiador ainda os compara aos hunos que se espalharam pela
Itália depois de deixar as estepes da Ásia Central e da Hungria, ou
ainda aos búlgaros que também se fizeram célebres pelas destrui-
ções causadas às mais belas províncias do império bizantino.

Moisés
e Josué
Por outro lado, os hebreus também às vezes nos deixam assus-
tados com seus relatos bíblicos sobre as pragas que caíram sobre
o Egito na época de Moisés e a invasão e tomada das cidades de
ĂŶĂĆƐŽďŽĐŽŵĂŶĚŽĚĞ:ŽƐƵĠ͘EŽĐĂƐŽĞŐşƉĐŝŽ͕ŵĞƐŵŽĂĞŶĨŝĂ-
da de pragas que atormentou os nativos durante algum tempo,
desde as águas ensanguentadas do Nilo até aos gafanhotos e à
escuridão parece insignificante se comparada à última, tão san-
ŐƌĞŶƚĂĞƉƌŽĨƵŶĚĂ͗͞ƐƵĐĞĚĞƵ͕ăŵĞŝĂͲŶŽŝƚĞ͕ƋƵĞ:ĞŽǀĄŐŽůƉĞŽƵ
todo primogênito na terra do Egito, desde o primogênito do Faraó
sentado no seu trono, até o primogênito do cativo que se achava
na masmorra, e todo primogênito de animal. Faraó levantou-se
então durante a noite, ele e todos os seus servos, e todos os de-

18
Os Senhores da Guerra

mais egípcios; e começou a levantar-se um grande clamor entre


os egípcios, pois não havia casa em que não houvesse um mor-
EntreƚŽ͟΀džŽĚŽs///͕ϮϵͬϯϬ΁͘ŝŶĚĂŚŽũĞƐĞƚŽƌŶĂĚŝĨşĐŝů͕ŵĞƐŵŽĂƉſƐĂ
em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
sucessão de massacres, que a história das guerras e das tiranias
nos oferece, imaginar todo o peso do luto universal que se abateu
sobre a velha terra dos faraós naquela noite inesquecível; e ape-
nas o gênio ilustrador de Dante Alighieri ou de Gustave Doré, tão
sombrio e ao mesmo tempo tão sutil, nos parece capaz de traduzir
em imagens a presença do anjo da morte na paisagem egípcia.
A marcha triunfal dos hebreus, entretanto, após cruzar o Mar
Vermelho no qual o exército do faraó pereceu afogado, deveria
prosseguir sempre acompanhada de façanhas guerreiras que fa-
zem recordar o avanço dos exércitos assírios; assim a promessa
feita a Moisés: “E enviarei o horror de mim na tua frente e certa-
mente lançarei em confusão todo o povo entre o qual virás a estar,
e deveras te darei a cerviz de todos os teus inimigos. E vou enviar
na tua frente o sentimento de desânimo, e este simplesmente ex-
pulsará de diante de ti os heveus, os cananeus e os hititas” [Êxodo
yy///͕ ϮϳͬϮϴ΁͘  ƉŽƌ Ƶŵ ƌĞƋƵŝŶƚĞ ĚĞǀĞƌĂƐ ĂƐƐƵƐƚĂĚŽƌ ĞƐƐĂ ĚĞǀĂƐ-
tação não se dá de uma só vez, a fim de que a “política de terra
arrasada” não sirva aos inimigos dos hebreus e venha a prejudicar
os próprios invasores: “Não os expulsarei de diante de ti num só
ano, para que o país não se torne um baldio desolado e os animais

19
No Oriente Antigo

ƐĞůǀĄƟĐŽƐƌĞĂůŵĞŶƚĞŶĆŽƐĞŵƵůƟƉůŝƋƵĞŵĐŽŶƚƌĂƟ͟΀ŝĚĞŵ͕ŝĚĞŵϮϵ΁͖Ă
ŝŶǀĂƐĆŽĚĞǀĞƐĞƌƉĂƵůĂƟŶĂ͕ƉŽƌƚĂŶƚŽ͕ŐĂƌĂŶƟŶĚŽĂŽƐƌĞĐĠŵͲĐŚĞŐĂĚŽƐ
ŶĆŽĂƉĞŶĂƐĂƉŽƐƐĞĚĞĮŶŝƟǀĂĚĂƚĞƌƌĂ͕ŵĂƐĂŝŶĚĂŽƵƐƵĨƌƵƚŽĚĞƚƵĚŽ
que ela possa oferecer-lhes: “Pouco a pouco os expulsarei de diante de
Ɵ͕ĂƚĠƋƵĞƚĞƚŽƌŶĞƐĨĞĐƵŶĚŽĞƌĞĂůŵĞŶƚĞƚŽŵĞƐƉŽƐƐĞĚŽƉĂşƐ͘͟
ĞƉŽŝƐŽƚĞƌƌŽƌƐĞĞƐƉĂůŚŽƵƉĞůĂŵĂƌŐĞŵĚŝƌĞŝƚĂĚŽƌŝŽ:ŽƌĚĆŽ
quando se soube que a corrente tinha sido misteriosamente se-
cada a fim de permitir a passagem dos hebreus, tal como tinha
acontecido no Mar Vermelho; esse terror era bem justificado, ali-
ĄƐ͕ǀŝƐƚŽƋƵĞƋƵĂŶĚŽĂĐŝĚĂĚĞĚĞ:ĞƌŝĐſĨŽŝƚŽŵĂĚĂ͕͞ƚƵĚŽŽƋƵĞ
havia na cidade, desde o homem até a mulher, desde o moço até o
velho, e até o touro, e o ovídeo, e o jumento, devotavam à destrui-
ĕĆŽĂŽĨŝŽĚĂĞƐƉĂĚĂ͟΀:ŽƐƵĠs/͕Ϯϭ΁͖ĞŵĞƐŵŽĂƐŚĂďŝƚĂĕƁĞƐĞƌĂŵ
destinadas à ruína, já que “queimaram a fogo a cidade e tudo o
ƋƵĞŶĞůĂŚĂǀŝĂ͟΀ŝĚĞŵ͕ŝĚĞŵϮϰ΁͘ƐƵĐĞƐƐĆŽĚĞĐŝĚĂĚĞƐĚĞƐƚƌƵşĚĂƐ
após o massacre de seus habitantes é deveras impressionante e
deu margem a comentários maliciosos por parte de ateus, racio-
nalistas, céticos e iluministas de todos os matizes. “Abri então o
EntreLivro
em santo”,
nossoparecem
Canal no Telegram:
dizer eles, “e ledet.me/BRASILREVISTAS
o que nele está escrito!”.
ZĞĂůŵĞŶƚĞŶŽƐĚĞƉĂƌĂŵŽƐĞŵƚŽĚŽŽůŝǀƌŽĚĞ:ŽƐƵĠĐŽŵƌĞůĂƚŽƐ
sobre a captura e o incêndio de cidades, e “a passagem de todos
os seus habitantes pelo fio da espada”, sem qualquer condescen-
dência com a idade ou o sexo; a narrativa muitas vezes termina
assim: “De modo que fizeram com o seu rei assim como haviam
ĨĞŝƚŽĐŽŵŽƌĞŝĚĞ:ĞƌŝĐſ͟΀ŝĚĞŵ͕ŝĚĞŵϭϬͬϯϬ΁͘

A leitura
da Bíblia
Evidentemente, uma leitura superficial e tendenciosa da Bíblia
sob o ponto de vista de Voltaire é tão perigosa quanto o contrá-
rio tantas vezes praticado, isto é, uma leitura feita sob o signo do
fanatismo cego. De qualquer modo ficaram para nós os registros
históricos ou semilegendários daqueles tempos agitados, e às ve-
zes se torna difícil distinguir hebreus de assírios sob o ponto de
vista puramente humano. Por outro lado, a escala dos massacres é
muito diferente: enquanto os assírios usavam a guerra como meio
ĚĞĞdžƉĂŶƐĆŽĚĞƵŵǀĂƐƚŽŝŵƉĠƌŝŽ͕ĂƐĐŽŶƋƵŝƐƚĂƐĚĞ:ŽƐƵĠĂƐƐƵŵĞŵ
quase o aspecto de guerra tribal, localizada numa região pequena.

20
Os Senhores da Guerra

Outros povos
do Oriente
Ainda outros povos do Oriente nos apresentam crônicas san-
Entregrentas,
em nossocomoCanal
os hititas,
nopor exemplo; et.me/BRASILREVISTAS
Telegram: mesmo os pacíficos egíp-
cios tiveram seus acessos de crueldade durante as guerras dos
grandes faraós militaristas como Tutmés III e Ramsés II; a falta
de registros seguros, porém, não nos permite avaliar a extensão
desses acessos. Quanto aos medos e aos persas, eles não pare-
cem assumir características comuns a outros conquistadores, tais
como a destruição maciça de cidades ou a deportação e escra-
vização de seus habitantes; ao contrário, quando Ciro, o Grande
tomou Babilônia, ele tratou o rei capturado, Nabonid, com rara e
extrema condescendência, chegando mesmo ao requinte de ofe-
recer-lhe uma cidade para governar; além disso, Ciro permitiu que
os hebreus exilados voltassem à sua terra se assim o quisessem.
A única exceção notável entre os persas foi Cambises, soberano
cuja violência se tornou conhecida no Egito, sobretudo, onde ele
foi amaldiçoado pelo povo e pelos sacerdotes indignados com a
sua irreverência para com os deuses nacionais e os santuários.
Alguns outros casos isolados de crueldade pessoal foram notados
nas cortes dos reis persas, sem justificar, entretanto, o epíteto de
“genocida” infelizmente tão comum entre outros povos da Anti-
guidade; talvez isso tenha ocorrido por influência da religião per-
sa, mais espiritualizada que a de povos circunvizinhos.

21
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22
2
CAPÍTULO
PÍTU
OS
ROMANOS
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E mbora os triunfos militares de Alexandre tenham marcado os anais da


história antiga, dando ao príncipe uma aura de heroísmo legendário, cabe
aos romanos o primeiro lugar no uso do talento bélico; as guerras romanas
impressionam até hoje por sua quantidade e pelo número de vítimas que elas
causaram; os arcos do triunfo ocultam um lado “demasiado humano”, como di-
ria Friedrich Nietzsche, ainda pouco estudado. De qualquer modo os romanos
estão classificados entre os primeiros dos “senhores da guerra” pelas façanhas
militares que lhes permitiram a formação de um vasto império; e a queda des-
se império impressiona tanto quanto a sua elevação.

23
Os Romanos

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O império
de Alexandre
Alexandre Magno foi, sem dúvida alguma, um conquistador da
mais alta categoria. Seu vasto império se estendeu não apenas pelos
territórios que formavam o império persa como ainda foi mais além,
ƵůƚƌĂƉĂƐƐĂŶĚŽ ĂƐ ĨƌŽŶƚĞŝƌĂƐ ĚĂ 1ŶĚŝĂ Ğ ĂƟŶŐŝŶĚŽ ŽƐ ĐŽŶĮŶƐ ĚĂ ƐŝĂ
Central; ele ainda planejava voltar-se para o Ocidente, na direção da
Itália, onde provavelmente entraria em choque com os romanos; isso,
porém, jamais aconteceu porque Alexandre morreu prematuramente,
ĐŽŵĂƉĞŶĂƐƚƌŝŶƚĂĞƚƌġƐĂŶŽƐ͕ĚĞƉŽŝƐĚĞĂůŐƵŶƐĞdžĐĞƐƐŽƐĐŽŵĞƟĚŽƐŶĂ
famosa Babilônia; talvez envenenado por um de seus lugares-tenen-
tes. Mas o que desperta nossa atenção no caso desse conquistador é
que ele não parece jamais ter sido sedento de sangue; mesmo seus
atos de crueldade pessoal se limitaram a alguns companheiros sobre
os quais recaiu a suspeita de conspiração; Alexandre costumava tratar
com generosidade os reis e os povos vencidos por ele, buscando até
mesmo promover uma aproximação com eles por meio de numerosos
casamentos mistos dos quais ele mesmo deu o exemplo.

24
Os Senhores da Guerra

Julgamento de Herder
sobre os romanos
O caso dos romanos foi muito diferente; por seu caráter violento eles
ĐŽŶƐĞŐƵŝƌĂŵŝŵƉƌĞƐƐŝŽŶĂƌƵŵĚŽƐĐƌŝĂĚŽƌĞƐĚĂĮůŽƐŽĮĂĚĂŚŝƐƚſƌŝĂ͕ŽĂůĞ-
ŵĆŽ:ŽŚĂŶŶ'ŽƪƌŝĞĚǀŽŶ,ĞƌĚĞƌ͕ƋƵĞĚŝƐƐĞ͗͞KƐŐĞŶĞƌĂŝƐƌŽŵĂŶŽƐĐŚĞ-
gavam muitas vezes ao consulado, cujos poderes civis e militares duravam
apenas um ano. Eles se apressavam, portanto, em triunfar; e seus suces-
sores ardiam de desejo de marchar seguindo seus passos gloriosos! Daí
os avanços e o número quase incrível das guerras romana; uma sucedia
à outra; uma segunda provocava uma terceira. Sabia-se como encontrar
ăĚŝƐƚąŶĐŝĂƉƌĞƚĞdžƚŽƐƉĂƌĂŶŽǀĂƐŐƵĞƌƌĂƐ͕ĂƐƐŝŵƋƵĞĂƐƉƌŝŵĞŝƌĂƐƟǀĞƐƐĞŵ
terminado, e assim se juntava um odioso capital de sangue, de rapinas
ĞĚĞŐůſƌŝĂ͘͘͘:ĂŵĂŝƐƐĞǀŝƵƵŵŽƌŐƵůŚŽŵĂŝƐĨƌŝŽ͕ƵŵĂŝŵƉƵĚġŶĐŝĂŵĂŝƐ
insultante que a dos romanos que imaginavam que o universo era feito
para eles e pertencia somente a eles.” Essa tendência dominadora explica,
de acordo com Herder, a rápida expansão de Roma seja pela própria Itália
seja pela bacia do Mediterrâneo e ainda através de vastas extensões de
terra na Europa, África e Ásia.
Entre em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
Roma e
Cartago
Nesse contexto, a grande rival e objeto do ódio mais profundo dos ro-
manos foi a famosa Cartago, a colônia fenícia localizada na África do nor-
ƚĞ͕ŶĂ>şďŝĂĂƚƵĂů͕ĐĞŶƚƌŽĂƟǀŽĚĞĐŽŵĠƌĐŝŽĞŶĂǀĞŐĂĕĆŽ͘,ĞƌĚĞƌůĞŵďƌĂ
ƋƵĞ͕ĂƉſƐŽƐƉƌŝŵĞŝƌŽƐĐŽŶŇŝƚŽƐŶĂ^ŝĐşůŝĂĞŶĂŐƌĂŶĚĞŐƵĞƌƌĂƉƷŶŝĐĂ
de Aníbal, o senado romano deliberava a destruição de Cartago com
ĂŝŶĚŝĨĞƌĞŶĕĂĚĞƵŵũĂƌĚŝŶĞŝƌŽƋƵĞĂƌƌĂŶĐĂƵŵĂƉůĂŶƚĂĐƵůƟǀĂĚĂƉŽƌ
ele mesmo: “Centenas de exemplos assim fazem da história romana,
apesar do valor e do gênio de seus heróis, uma verdadeira história in-
fernal. Cipião, ele mesmo, quando o vemos diante de Cartago que não
pode mais rivalizar com Roma, a quem ela oferece um enorme tributo
ĞŵƚƌŽĐĂĚĞĂƉŽŝŽ͖ĚŝĂŶƚĞĚĞĂƌƚĂŐŽƋƵĞ͕ĐŽŶĮĂŶƚĞŶĂƉĂůĂǀƌĂĚĞůĞ͕
lhe entrega suas armas, seus navios, seus arsenais, trezentos de seus
principais habitantes como reféns; Cipião é um deus, quando, numa
situação parecida, ele apresenta a Cartago como um decreto do se-
nado aquela odiosa, insolente advertência de sua destruição? Missão
abominável, missão infernal da qual o nobre mensageiro deveria ser
ŽƉƌŝŵĞŝƌŽĂĞŶǀĞƌŐŽŶŚĂƌͲƐĞ͊͟ĞƉŽŝƐŽĮůſƐŽĨŽŶŽƐĨĂůĂĚĂƉĂƐƐĂŐĞŵ

25
Os Romanos

dos romanos pela Grécia, passagem simplesmente devastadora, que


ŶĆŽƌĞƐƉĞŝƚĂǀĂŶĞŵŵĞƐŵŽŽƐŵĂŝƐĂŶƟŐŽƐĞŶŽďƌĞƐŵŽŶƵŵĞŶƚŽƐĚĂ
ĂƌƚĞŚĞůġŶŝĐĂ͕ŽƉƌŽĚƵƚŽĚĞƐĠĐƵůŽƐƐƵĐĞƐƐŝǀŽƐĚĞƌĞĮŶĂŵĞŶƚŽ͖ĞůĞĚĞ-
clara todo o seu horror “Quando Paulo Emílio saqueou setenta cidades
ĚŽƉŝƌŽ͕ƋƵĂŶĚŽĞůĞĂƟƌŽƵĂŽƐƐĞƵƐƐŽůĚĂĚŽƐĂƌĞŶĚĂĚĞĐĞŶƚŽĞĐŝŶ-
quenta mil cidadãos vendidos como escravos; quando Metelo e Silano
pilharam e devastaram a Macedônia, quando Múmio arruinou Corinto;
Sila destruiu Atenas e Delfos com uma crueldade talvez sem exemplo;
quando a ruína se estendeu sobre o Arquipélago inteiro e Rodes, Chipre,
ƌĞƚĂ͕ĐŽŵƉĂƌƟůŚĂŶĚŽĂƐŽƌƚĞĚĂ'ƌĠĐŝĂ͕ĨŽƌĂŵƌĞĚƵnjŝĚĂƐăĐŽŶĚŝĕĆŽĚĞ
simples tributárias que vinham engrossar os triunfos dos romanos.”

Os grandes capitães
da Antiguidade
Por isso, de Alexandre, passamos diretamente para outros capitães
ĚĂŶƟŐƵŝĚĂĚĞƋƵĞƐĞĮnjĞƌĂŵĐĠůĞďƌĞƐƉĞůĂŵĂƚĂŶĕĂƋƵĞƌĞĂůŝnjĂƌĂŵ
ŶŽĐĂŵƉŽĚĞďĂƚĂůŚĂ͕ƐŽďƌĞƚƵĚŽ͕ŵĂƐƚĂŵďĠŵĚƵƌĂŶƚĞŽƐşƟŽĚĞĐŝ-
dades ou até mesmo após a rendição dela. Na história romana são
Entre em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
ŶƵŵĞƌŽƐŽƐŽƐƋƵĞƐĞĚĞƐƚĂĐĂŵŶĞƐƐĞƐĞŶƟ-
SILA DESTRUIU ATENAS do; comecemos com três deles: o cartaginês
E DELFOS COM UMA ŶşďĂůĞŽƐƌŽŵĂŶŽƐŝƉŝĆŽĞ:ƷůŝŽĠƐĂƌ͘K
CRUELDADE SEM primeiro, Aníbal, talvez por ser duro consigo
COMPARAÇÃO. mesmo, submetendo-se a severa disciplina,
que incluía privação de sono, alimentação
escassa e adaptação ao calor escaldante ou ao mais duro inverno,
não hesitava em impor a sentença de morte aos seus próprios solda-
dos se eles faltassem com o respeito exigido pela hierarquia militar;
ĞůĞƐĞŵŽƐƚƌŽƵŝŵƉŝĞĚŽƐŽŶŽƐşƟŽĚĂĐŝĚĂĚĞĚĞ^ĂŐƵŶƚŽ͕ĂůŝĂĚĂĚŽƐ
romanos, e no combate às tribos bárbaras que apresentavam algum
obstáculo à sua marcha em direção aos Alpes. Os massacres atribu-
ídos ao general cartaginês, entretanto, estavam por vir: foi quando
ele, depois de atravessar aquela famosa cordilheira, destruiu grandes
exércitos romanos em Trébia e no lago Trasimeno. O escritor romano
dŝƚŽ>şǀŝŽŶŽƐĚĞŝdžŽƵƵŵĂƉĂǀŽƌŽƐĂĚĞƐĐƌŝĕĆŽĚĞƐƚĂƷůƟŵĂďĂƚĂůŚĂ͕
na qual ele fala dos soldados que, apanhados de surpresa por Aníbal
em meio às névoas que envolviam o lago e suas margens, foram mor-
tos como gado no matadouro, ou então se perderam nos pântanos e
foram afogados; “quinze mil romanos foram mortos na batalha, dez
mil se espalharam em fuga através da Etrúria, e chegaram até Roma
26
Os Senhores da Guerra

por diversos caminhos”; aliás, ele diz que “a tal ponto o espírito es-
tava voltado para a batalha, que ninguém percebeu o terremoto que
arruinou muitas cidades e territórios da Itália, desviou o curso rápido
de rios, lançou rios contra o mar, e abateu montanhas com fragor.”

Canas e
o Metauro
Presume-se que pereceram ao todo, apenas nessas duas batalhas,
entre quarenta e sessenta mil romanos; a maior de todas as batalhas
de Aníbal em solo italiano, porém, foi a de Canas, onde morreram cin-
quenta mil romanos de uma só vez. Ironicamente, foi após essa batalha
ƋƵĞĂĚĞƌƌŽƚĂĮŶĂůĚĞŶşďĂůƐƵƌŐŝƵŶŽŚŽƌŝnjŽŶƚĞ͕ũĄƋƵĞĞůĞƐĞŽĐƵƉŽƵ
mais com o saque do exército derrotado do que com o proveito das
ǀĂŶƚĂŐĞŶƐĞƐƚƌĂƚĠŐŝĐĂƐƋƵĞƟŶŚĂŽďƟĚŽ͘&ŝĐŽƵĨĂŵŽƐŽŽƉĞŶƐĂŵĞŶƚŽ
de um dos lugares-tenentes de Aníbal: “sabes vencer, mas não sabes
ĨĂnjĞƌƵƐŽĚĂǀŝƚſƌŝĂ͘͟ĚĞĨĂƚŽŽƐƌŽŵĂŶŽƐ͕ƟƌĂŶĚŽƉƌŽǀĞŝƚŽĚĂƐŚĞƐŝ-
tações de Aníbal e da inveja que os próprios cartagineses lhe devota-
vam, retomaram a ofensiva, se recuperaram do desastre; algum tempo
Entredepois
em nosso
de Canas Canal no Telegram:
os cônsules romanos tra-t.me/BRASILREVISTAS
varam contra Hasdrubal, o irmão de Aní- OS FUGITIVOS DEVERIAM
ďĂůƋƵĞůŚĞĨŽƌĂůĞǀĂƌƌĞĨŽƌĕŽƐĂƉĂƌƟƌĚĂ SOBREVIVER A FIM DE
Espanha, a igualmente famosa batalha do ANUNCIAR O DESASTRE
Metauro, na qual os cartagineses sofreram DO INIMIGO E O VALOR
um desastre das mesmas proporções que
DOS ROMANOS.
ƟŶŚĂŵ ƐŽĨƌŝĚŽ ŽƐ ƌŽŵĂŶŽƐ͘ ͞ŝŶƋƵĞŶƚĂ Ğ
seis mil inimigos foram mortos; capturados cinco mil e quatrocentos”,
diz Tito Lívio; “E a tal ponto os próprios vencedores estavam saciados
de sangue e de morte, que no dia seguinte, quando foi comunicado ao
ĐƀŶƐƵů>şǀŝŽƋƵĞ͚'ĂůŽƐĐŝƐĂůƉŝŶŽƐĞůşŐƵƌĞƐ͕ƋƵĞŽƵŶĆŽƟŶŚĂŵƉĂƌƟĐŝ-
ƉĂĚŽĚŽĐŽŵďĂƚĞŽƵƟŶŚĂŵĞƐĐĂƉĂĚŽĂŽŵĂƐƐĂĐƌĞ͕ƐĞƌĞƟƌĂǀĂŵƐĞŵ
um comandante, sem insígnias, sem ordem e disciplina; e poderiam
ser exterminados se fosse enviado um único esquadrão de cavalaria’; o
ĐƀŶƐƵůĚŝƐƐĞƋƵĞĞůĞƐĚĞǀĞƌŝĂŵƐŽďƌĞǀŝǀĞƌĂĮŵĚĞĂŶƵŶĐŝĂƌŽĚĞƐĂƐƚƌĞ
ĚŽ ŝŶŝŵŝŐŽ Ğ Ž ǀĂůŽƌ ĚŽƐ ƌŽŵĂŶŽƐ͘͟ ZĞĂůŵĞŶƚĞ͕ƟƌĂŶĚŽ ƉƌŽǀĞŝƚŽ ĚĂƐ
divisões internas entre os cartagineses, que não ofereceram reforços
adequados a Aníbal e do efeito da batalha do Metauro [por meio de
uma catapulta os romanos lançaram a cabeça de Hasdrubal no inte-
rior do acampamento de Aníbal, no sul da Itália os romanos levaram a

27
Os Romanos

ŐƵĞƌƌĂĂŽƚĞƌƌŝƚſƌŝŽĐĂƌƚĂŐŝŶġƐ͕ŽďƌŝŐĂŶĚŽŶşďĂůĂƌĞƟƌĂƌͲƐĞĚĂ/ƚĄůŝĂĂ
ĮŵĚĞĚĞĨĞŶĚĞƌƐƵĂƉĄƚƌŝĂ͘&ŽŝĞŶƚĆŽƋƵĞ͕ŶĂĐĠůĞďƌĞďĂƚĂůŚĂĚĞĂŵĂ͕
Cipião, o Africano venceu Aníbal por sua vez, matando cartagineses
quase no mesmo número dos romanos mortos por Aníbal.

Mário detém
os germanos
WŽƌ ŽƵƚƌŽ ůĂĚŽ͕ ĂŶƚĞƐ ĚŽ ĂƉĂƌĞĐŝŵĞŶƚŽ ĚĞ :ƷůŝŽ ĠƐĂƌ͕ Ž ƌŽŵĂŶŽ
Caio Mário venceu uma grande coligação de povos germânicos que
ƟŶŚĂŵŝŐƌĂĚŽƌƵŵŽăƉĞŶşŶƐƵůĂŝƚĂůŝĂŶĂ͕ŽƐĐŝŵďƌŽƐĞŽƐƚĞƵƚƁĞƐ͖ĞĞŵ
ĚƵĂƐŐƌĂŶĚĞƐďĂƚĂůŚĂƐƐƵĐĞƐƐŝǀĂƐ͕ĂĚĞƋƵĂ^ĞdžƟĂĞĂĚĞsĞƌĐĞůĂƐ͕ŵĂƐ-
sacrou aproximadamente cento e vinte mil deles, incluindo as mulheres
e crianças, já que essas mulheres se suicidaram em grande número, de-
ƉŽŝƐĚĞŵĂƚĂƌƐĞƵƐƉƌſƉƌŝŽƐĮůŚŽƐ͕ĂĮŵĚĞĞǀŝƚĂƌĂĞƐĐƌĂǀŝĚĆŽƋƵĞĂƐ
ĂŐƵĂƌĚĂǀĂ͘ĮŶĂůŵĞŶƚĞ:ƷůŝŽĠƐĂƌƐĞĨĞnjĨĂŵŽƐŽ͕ŶĆŽĂƉĞŶĂƐƉŽƌƐĞƵƐ
talentos de general, que o conduziram à vitória sobre diversas tribos
gaulesas, mas também por sua frieza em relação ao inimigo: não temos
ĞƐƚĂơƐƟĐĂƐŵƵŝƚŽĐŽŶĮĄǀĞŝƐĂƌĞƐƉĞŝƚŽ͕ŵĂƐĨŽƌĂŵŵŝůŚĂƌĞƐŽƐďĄƌďĂƌŽƐ
Entremortos
em nosso Canal
nas guerras no Telegram:
da Gália, narradas com t.me/BRASILREVISTAS
grande requinte literário no
ůŝǀƌŽ ĚŽ ŵĞƐŵŽ ơƚƵůŽ͕ ĐŽŵƉŽƐƚŽ ƉĞůŽ :ƷůŝŽ ĠƐĂƌ͖ ŽƐ ŚŝƐƚŽƌŝĂĚŽƌĞƐ ƐĞ
ĞƐƉĂŶƚĂŵĂŝŶĚĂĐŽŵĂƐƵĂŝŶĚŝĨĞƌĞŶĕĂĂŽŶĂƌƌĂƌĂǀĞŶĚĂĐŽůĞƟǀĂƋƵĞ
ele fez, no mercado de escravos, de uma tribo inteira, cerca de cinquenta
ĞƚƌġƐŽƵĐŝŶƋƵĞŶƚĂĞƐĞŝƐŵŝůŚŽŵĞŶƐ͊͞ƚĠŽŵŽĚĞƌŶŽƚƌĄĮĐŽŶĞŐƌĞŝƌŽ
jamais ostenta algo assim”, observa um desses historiadores. Também
ŽƵƚƌŽƐŵŝůŚĂƌĞƐĚĞŐĂƵůĞƐĞƐĨŽƌĂŵŵŽƌƚŽƐŶŽƐşƟŽĞƌĞŶĚŝĕĆŽĮŶĂůĚĞ
ůĠƐŝĂ͕ĂĐĂƉŝƚĂůĚĞůĞƐ͕ŝŶĐĞŶĚŝĂĚĂƉŽƌ:ƷůŝŽĠƐĂƌ͘

As guerras civis
Os imperadores
Ironicamente, nas guerras civis de Mário e Sila foram milhares os
romanos mortos por seus próprios concidadãos, e o mesmo aconteceu
ŶŽ ŐƌĂŶĚĞ ĐŽŶŇŝƚŽ ĞŶƚƌĞ :ƷůŝŽ ĠƐĂƌ Ğ ƐĞƵ ƌŝǀĂů WŽŵƉĞƵ͖ ďĂƐƚĂ ĚŝnjĞƌ
ƋƵĞĂƉĞŶĂƐŶĂďĂƚĂůŚĂĮŶĂůĚĞ&ĂƌƐĄůŝĂ͕ǀĞŶĐŝĚĂƉŽƌĠƐĂƌ͕ŵŽƌƌĞƌĂŵ
ƋƵŝŶnjĞŵŝůƌŽŵĂŶŽƐ͘ŽŵŽŽďƐĞƌǀĂƵŵŚŝƐƚŽƌŝĂĚŽƌĐƌŝƐƚĆŽ͕^ĆŽ:ĞƌƀŶŝ-
mo, “as guerras civis quase consumiram mais exércitos romanos que
a espada do inimigo...” Por outro lado, a crueldade dos imperadores
ƌŽŵĂŶŽƐ͕ƚĆŽĐŽŶŚĞĐŝĚĂŶĂŚŝƐƚſƌŝĂ͕ĚĞƵŵŵŽĚŽŐĞƌĂů͕ŶĆŽĨŽŝƉƌĂƟ-
ĐĂĚĂĐŽŶƚƌĂĐŽůĞƟǀŝĚĂĚĞƐ͕ŵĂƐĐŽŶƚƌĂŝŶĚŝǀşĚƵŽƐĚĂĂƌŝƐƚŽĐƌĂĐŝĂƌŽŵĂ-

28
Os Senhores da Guerra

na, personagens ilustres que de certo modo despertavam a inveja e o


ciúme dos governantes, sobretudo dos famosos “doze Césares”. Nesse
ĐĂƐŽ͕ĂĚŝŵĞŶƐĆŽĞƐƚĂơƐƟĐĂǀĞŝŽĂƐĞƌƐƵďƐƟƚƵşĚĂƉĞůŽĚƌĂŵĂĚĞĐĂĚĂ
ƵŵĂĚĂƋƵĞůĂƐǀşƟŵĂƐ͕ƋƵĞŵŽƌƌŝĂŵĂƉſƐƵŵďƌĞǀĞƉƌŽĐĞƐƐŽŽƵĞƌĂŵ
sumariamente executadas “tendo aberto as veias dos braços”, como
ĚŝnjŽƌŶĠůŝŽdĄĐŝƚŽ͘hŵĂĞdžĐĞĕĆŽŶŽƚĄǀĞůĨŽŝĂƌĞƉƌĞƐƐĆŽƋƵĞdŝďĠƌŝŽ
ĞdžĞƌĐĞƵĐŽŶƚƌĂŽƐƉĂƌƟĚĄƌŝŽƐĚĞƵŵŵŝŶŝƐƚƌŽƌĞďĞůĚĞ͗͞/ƌƌŝƚĂĚŽĐŽŵŽƐ
sucessivos pedidos de clemência para com os suspeitos que estavam
ŶĂ ƉƌŝƐĆŽ͕ dŝďĠƌŝŽ ŽƐ ĨĞnj ŵĂƐƐĂĐƌĂƌ ƐĞŵ ĚŝƐƟŶĕĆŽ ĚĞ ƐĞdžŽ͕ ŝĚĂĚĞ ŽƵ
ĐůĂƐƐĞ͖ŶŽďƌĞƐĞƉůĞďĞƵƐƉĞƌĞĐĞƌĂŵŝŐƵĂůŵĞŶƚĞ͕͟ƐĞŐƵŶĚŽĂŶĂƌƌĂƟǀĂ
de Tácito; e jamais poderemos esquecer aquele outro episódio terrí-
ǀĞů͕ƋƵĂŶĚŽdŝďĠƌŝŽƐĞůĞŵďƌŽƵĚĂƐĐƌŝĂŶĕĂƐĮůŚĂƐĚŽŵŝŶŝƐƚƌŽĐú̎
em desgraça, Sejano, e mandou executá-las sem piedade; Tácito se
ĂƌƌĞƉŝĂĂŽĐŽŶƚĂƌƋƵĞ͞KŵĞŶŝŶŽĐŽŶŚĞĐŝĂŽĚĞƐƟŶŽƋƵĞŽĞƐƉĞƌĂǀĂ͖
ƉŽƌĠŵĂŵĞŶŝŶĂƉĞƌŐƵŶƚĂǀĂĚĞŵĂŶĞŝƌĂŝŶŐġŶƵĂƋƵĞĨĂůƚĂƟŶŚĂĐŽŵĞ-
ƟĚŽ͕ĞƉƌŽŵĞƟĂŶĆŽƌĞŝŶĐŝĚŝƌ͘ĞƉŽŝƐ͕ĐŽŵŽĂůĞŝƉƌŽŝďŝĂĂĞdžĞĐƵĕĆŽ
de uma virgem, foi violada pelo carrasco antes de ser estrangulada; no
dia seguinte o povo se encheu de horror e compaixão ao ver corpos
EntreĚĂƋƵĞůĂŝĚĂĚĞĂƟƌĂĚŽƐŶĂƐĞƐĐĂĚĂƌŝĂƐĚĂƐ'ĞŵƀŶŝĂƐĂƉſƐƚĞƌƐƵĂƐŐĂƌ-
em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
gantas torcidas.”

Perseguição
antijudaica
Outra exceção, muito mais notável, aliás, que a primeira, foi a per-
seguição de Calígula contra os judeus; perseguição esta que não se
manifestou tanto na própria Roma quanto em Alexandria, a metrópole
egípcia, onde se abrigava numerosa e próspera colônia judaica. Irritados
ĐŽŵĂƌŝƋƵĞnjĂĚŽƐũƵĚĞƵƐ͕ĂƟǀŽƐĐŽŵĞƌĐŝĂŶƚĞƐ͕ĂƌƚĞƐĆŽƐĞďĂŶƋƵĞŝƌŽƐ͕
ĞĐŽŵŽƐƉƌŝǀŝůĠŐŝŽƐĮƐĐĂŝƐƋƵĞŽƐŐŽǀĞƌŶĂŶƚĞƐWƚŽůŽŵĞƵƐůŚĞƐƟŶŚĂŵ
concedido, os alexandrinos incitados pelo prefeito Aulo Flaco, que dese-
ũĂĂŐƌĂĚĂƌĂŽŝŵƉĞƌĂĚŽƌ͕ĞůĞǀĂƌĂŵƉŽƵĐŽĂƉŽƵĐŽŽŐƌĂƵĚĞŚŽƐƟůŝĚĂĚĞ
contra os judeus no ano trinta e oito d. C. O pretexto para a perseguição
aberta foi a proposta de Flaco de colocar estátuas de Calígula no interior
das sinagogas judaicas; a recusa natural dos judeus deu início ao que foi
chamado de “primeiro pogrom da história”; num assomo de indigna-
ção Gerald Messadié nos conta que a turba se voltou contra os judeus,
“Fechou-os dentro do bairro Delta, submetendo-os desse modo à fome;,
ĞĞŵƐĞŐƵŝĚĂĂƟƌŽƵͲƐĞƐŽďƌĞƐĞƵƐĐŽŵĠƌĐŝŽƐĞƉŝůŚŽƵͲŽƐ͘KƐũƵĚĞƵƐƋƵĞ

29
Os Romanos

saíam do bairro Delta para comprar víveres eram massacrados pela mul-
ƟĚĆŽĞŵĚĞůşƌŝŽ͕ĂůŐƵŶƐĂƌƌĂƐƚĂĚŽƐƉĞůĂĐŝĚĂĚĞƉŽƌƵŵĂĐŽƌĚĂĂŵĂƌƌĂ-
ĚĂĂƵŵƉĠ͕ŽƵƚƌŽƐƐƵƌƌĂĚŽƐ͕ƚŽƌƚƵƌĂĚŽƐ͕ĐƌƵĐŝĮĐĂĚŽƐ͕ĞƐĨŽůĂĚŽƐǀŝǀŽƐ͕Ğ
seus cadáveres eram desmembrados e pisoteados, ou então eram quei-
ŵĂĚŽƐǀŝǀŽƐĞŵĨŽŐƵĞŝƌĂƐĚĞŵĂĚĞŝƌĂǀĞƌĚĞƉĂƌĂƋƵĞƐĞĂƐĮdžŝĂƐƐĞŵĂŽ
mesmo tempo em que eram queimados (esboço sinistro de massacres
posteriores). Famílias inteiras foram assim exterminadas, velhos, mulhe-
ƌĞƐ͕ĐƌŝĂŶĕĂƐĚĞĐŽůŽ͕ƐĞŵĚŝƐƟŶĕĆŽĚĞŝĚĂĚĞŶĞŵĚĞĐŽŶĚŝĕĆŽ͖͟ŝƌŽŶŝĐĂ-
Entremente
em o prefeito Flaco foi executado mais tarde, por ordem de Calígula.
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Seguiram-se outros pogrons cerca de trinta anos depois, na mesma
ĐŝĚĂĚĞ ĚĞ ůĞdžĂŶĚƌŝĂ Ğ ĂƚĠ Ğŵ :ĞƌƵƐĂůĠŵ͘ 'ĞƌĂůĚ DĞƐƐĂĚŝĠ ŽďƐĞƌǀĂ
com espanto que, nesse caso, o prefeito
TIBÉRIO OS FEZ de Alexandria, o famoso Tibério Alexan-
MASSACRAR, SEM dre, era um um judeu, que ordenou às
DISTINÇÃO DE SEXO, tropas encarregadas da repressão contra
IDADE OU CLASSE. seus congêneres que não apenas os ma-
tassem, mas ainda saqueassem todos os
seus bens. Calcula-se em cinquenta mil o número de cadáveres encon-
ƚƌĂĚŽƐŶŽďĂŝƌƌŽũƵĚĞƵĂƉſƐĂƌĞƟƌĂĚĂĚŽĞdžĠƌĐŝƚŽĚĞdŝďĠƌŝŽůĞdžĂŶ-
dre; para Messadié, o prefeito “teria adotado a opinião dos romanos,
ƐĞŐƵŶĚŽĂƋƵĂůŽĐƌŝŵĞĚŽƐũƵĚĞƵƐƐĞƌŝĂŝŶƋƵĂůŝĮĐĄǀĞů͗ĂĐƌĞĚŝƚĂƌĞŵ
um Deus não representável e único, considerando odiosas todas as
ŽƵƚƌĂƐƌĞůŝŐŝƁĞƐĞĂƐŶĂĕƁĞƐƋƵĞĂƐƉƌĂƟĐĂƐƐĞŵ͖͟ŽƋƵĞĞǀŝĚĞŶƚĞŵĞŶ-
ƚĞĐŽŶƐƟƚƵşĂĂƉĞŶĂƐƵŵƉƌĞƚĞdžƚŽƵƐƵĂůƉĂƌĂĂƉĞƌƐĞŐƵŝĕĆŽ͖DĞƐƐĂĚŝĠ
ĐŽŶĐůƵŝĚŝnjĞŶĚŽƋƵĞ͞ĮĐĂƌşĂŵŽƐŝŶĐůŝŶĂĚŽƐĂĐŽŵƉĂƌĂƌdŝďĠƌŝŽůĞdžĂŶ-
dre aos mais sinistros personagens da história do século XX”. Realmen-
te, existe uma semelhança aterradora entre o bairro Delta naqueles
ƚĞŵƉŽƐƌĞĐƵĂĚŽƐĞŽ'ƵĞƚŽĚĞsĂƌƐſǀŝĂĞŶƚƌĞϭϵϰϮĞϭϵϰϰ͕ĚƵƌĂŶƚĞĂ
Segunda Guerra Mundial.

30
Os Senhores da Guerra

Memória sangrenta
dos imperadores
Felizmente, como diz Edward Gibbon, muitos dos crimes dos Césares
͞ũĂnjĞŵŽĐƵůƚŽƐƐŽďŽǀĠƵĚĂƐŶŽƚĂƐĞŵůĂƟŵ͖͟ĚĞĨĂƚŽ͕ƋƵĞŵĂŝŶĚĂƐĞ
lembra da Conjuração de Pisão, por exemplo, quando Nero massacrou
os nobres romanos, fazendo correr em abundância o seu sangue, como
ĂŶƚĞƐƟŶŚĂĨĞŝƚŽĐŽƌƌĞƌŽƐĂŶŐƵĞĚĂƉƌſƉƌŝĂŵĆĞ͕ŐƌŝƉŝŶĂ͕ĚĞƉŽŝƐĚĞĞŶ-
venenar seu irmão Britânico? Para conhecer essa crônica sombria é preci-
ƐŽĐŽŶŚĞĐĞƌŽĚŝİĐŝů͕ƋƵĂƐĞŝŶĂĐĞƐƐşǀĞůůĂƟŵĚĞŽƌŶĠůŝŽdĄĐŝƚŽ͘WŽƌŽƵƚƌŽ
lado, ainda com referência aos judeus, apesar de sua violência inaudita
nem Calígula nem Nero nem qualquer um dos imperadores romanos foi
forte o bastante para fazer suas estátuas adoradas no interior da sinagoga.

Martírio
dos cristãos
YƵĂŶƚŽ ĂŽƐ ŵĄƌƟƌĞƐ ĐƌŝƐƚĆŽƐ͕ ĂƉĞƐĂƌ ĚĞ ƚŽĚĂ Ă ƐŽůĞŶĞ Ğ ĞŵŽĐŝŽ-
nante descrição que deles faz a crônica e o romance, eles parecem ter sido
Entremenos numerosos do que imaginavam os historiadores; o que causou im-
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ƉĂĐƚŽĨŽŝĂŶƚĞƐŽŵŽĚŽĐŽŵŽĞůĞƐĞƌĂŵƐĂĐƌŝĮĐĂĚŽƐ͕ƐŽďƌĞƚƵĚŽƐŽďŽƌĞŝ-
nado de Nero, Décio e Diocleciano, mediante o uso da fogueira, da cruz, da
ĞƐƉĂĚĂŽƵĞŶƚĆŽĚĂƐĨĞƌĂƐŶŽĐŝƌĐŽ͘ƉƌſƉƌŝĂ/ŐƌĞũĂ͕ĂůŝĄƐ͕ŶƵŶĐĂĞƐƟŵƵůŽƵ
ŽŵĂƌơƌŝŽǀŽůƵŶƚĄƌŝŽ͕ƵŵĂƉƌŽǀĂĚŝƐƐŽĠĂĞdžŝƐƚġŶĐŝĂĚĂƐĐĂƚĂĐƵŵďĂƐ͕ĚĞƐƟ-
ŶĂĚĂƐăƉƌĄƟĐĂƐĞĐƌĞƚĂĚŽĐƵůƚŽĞŵĠƉŽĐĂƐĚĞƉĞƌƐĞŐƵŝĕĆŽ͖Ă/ŐƌĞũĂĂƉĞŶĂƐ
ƉƌŽĐƵƌŽƵĨŽƌƟĮĐĂƌĞĐŽŶƐŽůĂƌĂƋƵĞůĞƐƋƵĞĚĞƵŵŵŽĚŽŽƵĚĞŽƵƚƌŽĮĐĂǀĂŵ
ĞdžƉŽƐƚŽƐĂŽŵĂƌơƌŝŽŶĂĚĞĨĞƐĂĚĂĨĠ͕ĞƐĂŶƟĮĐŽƵĂůŐƵŶƐŵŝůŚĂƌĞƐĚĞůĞƐ͘
Terminamos este capítulo sangrento da história de Roma com uma
ƉĂƚĠƟĐĂ ŽďƐĞƌǀĂĕĆŽ ĚĞ ,ĞƌĚĞƌ͕ ĚŝƌŝŐŝĚĂ ĂŽƐ ƌŽŵĂŶŽƐ ŵĂŝƐ ƌĞƉƌĞƐĞŶ-
ƚĂƟǀŽƐĚĞƚŽĚŽƐŽƐƚĞŵƉŽƐ͗͞MǀſƐ͕ŶŽďƌĞƐĞŐƌĂŶĚĞƐĂůŵĂƐ͕ŝƉŝĆŽ͕
César! Que pensamentos, que pesares devem ser os vossos quando
o vosso espírito, desligado de seus entraves terrestres e planando no
alto das esferas celestes, deixa recair um olhar sobre Roma, esse antro
de bandidos, asilo de vossos assassinos? O quanto vossa glória deve
parecer-vos impura! Como vossos louros são maculados de sangue!
Como elas são odiosas e desumanas, essas artes da destruição e da
ƌƵşŶĂ͊ZŽŵĂŶĆŽĞdžŝƐƚĞŵĂŝƐ͖ĞĞŶƋƵĂŶƚŽĞůĂĞdžŝƐƟĂ͕ĐĂĚĂŚŽŵĞŵ͕ŶŽ
ƋƵĂůďĂƟĂƵŵĐŽƌĂĕĆŽŶŽďƌĞĞŐĞŶĞƌŽƐŽ͕ĚĞǀŝĂĚŝnjĞƌĂƐŝŵĞƐŵŽƋƵĞ
tantas vitórias injustas, tantos triunfos vergonhosos deveriam atrair
sobre sua pátria os raios do céu e terrível vingança.”

31
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32
3
CAPÍTULO
O
FLAGELO
DE DEUS
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N a mesma medida em que o império romano se enfraquecia por suas próprias dis-
sensões internas, os bárbaros que viviam fora de suas fronteiras se tornavam cada
vez mais forte; esses bárbaros passaram a fazer pressão sobre o império, e acabaram
por invadi-lo num fenômeno histórico que ficou conhecido como “a grande migração”,
a partir do século IV depois de Cristo. Primeiro foram os povos germânicos que, através
do vale do Reno e do Danúbio, foram empurrando os romanos de volta para a Itália;
depois vieram outros povos, de origem asiática; dentre estes últimos os mais famosos
são os hunos que, sob o comando de Átila, “o flagelo de Deus”, espalharam o terror por
vastas extensões do antigo império. Mais tarde, quase no final desse longo período que
conhecemos como Idade Média, novas levas de bárbaros chegaram até à Europa, reno-
vando o terror: eram os mongóis que tinham à sua frente um líder não menos famoso
por sua crueldade, seu imenso poder, e as destruições que causou: Gêngis-Cã.

33
O Flajelo de Deus

As invasões
bárbaras
ŵƐĞƵƐƌĞŐŝƐƚƌŽƐŚŝƐƚſƌŝĐŽƐ͕^ĆŽ:ĞƌƀŶŝŵŽĚĞĚŝĐŽƵƉĄŐŝŶĂƐŵĂƌ-
ĐĂŶƚĞƐĂŽĮŶĂůĚŽŝŵƉĠƌŝŽƌŽŵĂŶŽ͕ŝŶǀĂĚŝĚŽƉŽƌƵŵĂǀĞƌĚĂĚĞŝƌĂƚŽƌ-
rente de povos bárbaros. “Nosso espírito se aterroriza ao tratar das
ruínas de nossa época; há mais de vinte anos o sangue romano é
ĚŝĂƌŝĂŵĞŶƚĞ ĚĞƌƌĂŵĂĚŽ ĞŶƚƌĞ ŽŶƐƚĂŶƟŶŽƉůĂ Ğ ŽƐ ůƉĞƐ :ƵůŝĂŶŽƐ͖͟
em seguida, ele enumera os povos das mais diversas origens e deno-
minações, desde os godos até os vândalos e marcomanos que cru-
njĂƌĂŵĂĨƌŽŶƚĞŝƌĂĂĮŵĚĞĚĞƐƚƌƵŝƌĞƐĂƋƵĞĂƌƚƵĚŽƋƵĞĞŶĐŽŶƚƌĂƐƐĞŵ
no caminho: “Quantas matronas, quantas virgens de Deus e corpos
livres e nobres foram abusados por essas feras! Bispos, padres, cléri-
ŐŽƐĚŽƐŵĂŝƐĚŝǀĞƌƐŽƐŽİĐŝŽƐĨŽƌĂŵĐĂƉƚƵƌĂĚŽƐ͖ŝŐƌĞũĂƐĨŽƌĂŵĚĞŵŽ-
lidas; estábulos construídos ao pé dos altares de Cristo; os ossos dos
ŵĄƌƟƌĞƐĨŽƌĂŵĚĞƐĞŶƚĞƌƌĂĚŽƐ͚͗ƉŽƌƚŽĚĂƐĂƐƉĂƌƚĞƐŽůƵƚŽ͕ŽƉĂǀŽƌĞ
ĂŝŵĂŐĞŵŵƵůƟƉůŝĐĂĚĂĚĂŵŽƌƚĞ͖͛ŽŵƵŶĚŽƌŽŵĂŶŽǀĞŵĂďĂŝdžŽ͕ĞƚŽ-
davia, a nossa cerviz não se dobra.” Ele lamenta que a Grécia, outrora
Entretão
embela, tão celebrada pelos poetas, agora jaz mergulhada em ruínas
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pelo avanço dos bárbaros, enquanto o Oriente, que até então parecia
imune ao desastre, é como que subitamente inundado pelos temíveis
invasores: “lançados contra nós desde os mais distantes rochedos do
Cáucaso, esses lobos que vieram não mais da Arábia, mas do Seten-
trião, percorreram tantas províncias em tão pouco tempo! Quantos
ŵŽƐƚĞŝƌŽƐĐĂƉƚƵƌĂĚŽƐ͊YƵĂŶƚŽƐƌŝŽƐƟǀĞƌĂŵƐƵĂƐĄŐƵĂƐƚƌĂŶƐĨŽƌŵĂ-
das pelo contato com sangue humano!” Depois ele recorda os versos
ĚĞ sŝƌŐşůŝŽ͗ ͞^Ğ ĞƵ ƟǀĞƐƐĞ ĐĞŵ ůşŶŐƵĂƐ Ğ ĐĞŵ ďŽĐĂƐ͕ Ğ ƵŵĂ ǀŽnj ĚĞ
ferro, não poderia ainda assim nomear tantas desgraças...”

Os hunos
^ĆŽ:ĞƌƀŶŝŵŽƉƌŽƐƐĞŐƵĞĞŵƐƵĂƐůĂŵĞŶƚĂĕƁĞƐ͕ĐŽŵŽŽƉƌŽĨĞ-
ƚĂ:ĞƌĞŵŝĂƐƐŽďƌĞ:ĞƌƵƐĂůĠŵ͕ŵĂƐĞůĞŵĂŶŝĨĞƐƚĂƵŵƚĞƌƌŽƌĞƐƉĞĐŝĂů
ao falar dos hunos, provenientes das estepes da Ásia Central; um
povo de olhos amendoados, miúdo em sua estrutura física, exímios
cavaleiros, porém, e ferocíssimos. O historiador chega mesmo a di-
zer que eles representavam com perfeição a sentença do profeta
/ƐĂşĂƐ΀yyy͕ϭϳ΁͗͞DŝůĨƵŐŝƌĆŽƉĞƌƐĞŐƵŝĚŽƐƉŽƌƵŵƐſ͕͟ǀŝƐƚŽƋƵĞŽƐ
exércitos romanos remanescentes fugiam em debandada perante
ĂƐŚŽƌĚĂƐĚŽƐŚƵŶŽƐ͘ŽŶƚŝŶƵĂŶĚŽƐƵĂůƷŐƵďƌĞƌĞƚſƌŝĐĂ͕^ĆŽ:Ğƌƀ-

34
Os Senhores da Guerra

nimo afirma que, se nós pudéssemos escalar uma montanha bem


alta, de lá veríamos “as ruínas do mundo inteiro, nações e reinos
se entrechocando; uns sendo torturados, outros sendo assassina-
dos, outros afogados nas ondas, ainda outros arrastados para a es-
cravidão...” Os hunos mereciam, portanto, o epíteto que os tornou
famosos sob seu rei Átila: “o flagelo de Deus”, cujo vasto império
começou nas regiões compreendidas entre o rio Volga e o Danúbio.
Enquanto algumas hordas isoladas penetravam no território orien-
tal do império romano margeando o Mar Negro e a cadeia monta-
nhosa do Cáucaso, deixando imensa devastação no seu rasto, Átila
e as hordas mais numerosas invadiram as províncias romanas do
Ocidente, também destruindo ou saqueando tudo o que encontra-
vam; Gibbon, entretanto, considera que o avanço dos hunos sobre
as terras do império foi devido em grande parte à falta de energia
dos imperadores romanos, que muitas vezes preferiam pagar res-
gate ou mesmo ignorar a invasão do que repelir o inimigo. Como
resultado, vastos territórios da mais bela província romana, a Gália,
ficaram desertos; tudo parecia destruído “pelas chamas, o ferro, a
EntreĨĞƌŽĐŝĚĂĚĞĞĂƐƌĂƉŝŶĂƐ͟ĚĞƟůĂ͖ŵŝůŚĂƌĞƐĚĞŚĂďŝƚĂŶƚĞƐĚĂƉƌŽǀşŶĐŝĂ
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ĨŽƌĂŵŵŽƌƚŽƐŽƵĞƐĐƌĂǀŝnjĂĚŽƐ͕ĂƚĠƋƵĞŽƌĞŝĚŽƐŚƵŶŽƐ͕ĮŶĂůŵĞŶƚĞ͕
encontrou um general romano, Aécio, que ousou oferecer-lhe bata-
ůŚĂĞŵĂůŝĂŶĕĂĐŽŵŽƐǀŝƐŝŐŽĚŽƐ͕ĞŽĚĞƌƌŽƚŽƵ͖ĞƐƚĂďĂƚĂůŚĂĮĐŽƵĐŽ-
nhecida como dos Campos Catalaunicos, em seu comportamento
diante dos inimigos Átila foi comparado “a um leão cercado em seu
covil e ameaçando seus caçadores com redobrada fúria”; as perdas
de ambos os lados chegaram a trezentos mil. Depois disso, Átila
se dirigiu para a Itália, mas a eloquência do Papa Gregório I soube
convencê-lo a retirar-se das portas de Roma, num dos mais famosos
episódios da história. Em seguida, o rei dos hunos retornou ao seu
acampamento nas planícies da Hungria, onde morreu.

Os mongóis
Escrevendo sobre essa época agitada, Gibbon se lembrou dos
mongóis aparentados aos hunos, e que vieram a causar destruições
ainda maiores, séculos mais tarde, sob seu chefe supremo, Gêngis-Cã:
͞KƐŚƵŶŽƐĚĞƟůĂƉŽĚĞŵƐĞƌĐŽŵƉĂƌĂĚŽƐĐŽŵũƵƐƟĕĂĂŽƐŵŽŶŐſŝƐ
Ğ ƚĄƌƚĂƌŽƐ ĂŶƚĞƐ ƋƵĞ ĂƐ ŵĂŶĞŝƌĂƐ ƉƌŝŵŝƟǀĂƐ ĚĞƐƐĞƐ ƷůƟŵŽƐ ĨŽƐƐĞŵ
transformadas pela religião e o luxo; e a evidência da história orien-

35
O Flajelo de Deus

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ƚĂů ƉŽĚĞ ƌĞŇĞƟƌ ĂůŐƵŵĂ ůƵnj ƐŽďƌĞ ŽƐ ďƌĞǀĞƐ Ğ ŝŵƉĞƌĨĞŝƚŽƐ ĂŶĂŝƐ ĚĞ
ZŽŵĂ͘͟ĐŽŵƉĂƌĂĕĆŽ͕ƉŽƌĠŵ͕ƐĞƚŽƌŶĂĂŝŶĚĂŵĂŝƐŝŶƐƟŐĂŶƚĞƋƵĂŶĚŽ
ele menciona um fato pouco conhecido entre nós, o de que os mon-
ŐſŝƐƉůĂŶĞũĂǀĂŵĞdžƚĞƌŵŝŶĂƌŵƵůƟĚƁĞƐĚĞĐŚŝŶĞƐĞƐ͕ŶƵŵƉƌŽũĞƚŽƋƵĞ
faria inveja a Hitler, Stálin ou Mao-Tsé-Tung: “Após terem os mongóis
subjugado as províncias do norte da China, foi seriamente proposto,
não no momento da vitória e da paixão, mas num calmo e deliberado
conselho, exterminar todos os habitantes daquele populoso país, de
tal modo que os campos vazios pudessem ser transformados em pas-
ƚĂŐĞŵƉĂƌĂŽŐĂĚŽ͘͟ƉĞŶĂƐĂĐĂůŵĂĞĮƌŵĞnjĂĚĞƵŵŵŝŶŝƐƚƌŽĐŚŝŶġƐ͕
ƋƵĞĞdžƉƀƐŽƐƉƌĞũƵşnjŽƐĮŶĂŶĐĞŝƌŽƐƌĞƐƵůƚĂŶƚĞƐ͕ĂƐƐŝŵĐŽŵŽĂƐƉŽƐ-
sibilidades de se obter uma enorme riqueza em impostos sobre os
produtos da terra dissuadiu, os mongóis do seu plano sombrio. Mas,
como ainda observa Gibbon, “A mais casual provocação, o mais leve
ŵŽƟǀŽĚĞĐĂƉƌŝĐŚŽŽƵĐŽŶǀĞŶŝġŶĐŝĂ͕ŵƵŝƚĂƐǀĞnjĞƐůĞǀĂǀĂŽƐŵŽŶŐſŝƐ
a envolver toda a população num massacre indiscriminado; e a ruína
de algumas cidades prósperas era executada com tamanha determi-
nação, que, de acordo com eles mesmos, cavalos podiam marchar
ƐĞŵƚƌŽƉĞĕŽƐŽďƌĞŽƚĞƌƌĞŶŽŽŶĚĞ͕ĚĂŶƚĞƐ͕ĂƋƵĞůĂƐĐŝĚĂĚĞƐƟŶŚĂŵ

36
Os Senhores da Guerra

estado”; o historiador reconhece que, apesar de eventuais exageros


dos cronistas da época, é possível que Gêngis-Cã tenha matado, em
suas expedições, cerca de quatro milhões, trezentos e quarenta e
sete mil homens, aproximando-se já, perigosamente, dos modernos ge-
ŶŽĐŝĚĂƐ͘ĂƚĠŵĞƐŵŽdĂŵĞƌůĆŽ͕ŽƵdŝŵƵƌ͕ŽŽdžŽ͕ŽƷůƟŵŽĚŽƐŐƌĂŶĚĞƐ
chefes mongóis, “educado numa
ŝĚĂĚĞŵĞŶŽƐďĄƌďĂƌĂĞŶĂƉƌŽĮƐ- MUITAS VEZES, SOB O PRETEXTO
são da fé maometana”, não hesi- DA MAIS LEVE PROVOCAÇÃO,
tou em formar verdadeiras pirâ- OS MONGÓIS DESTRUÍAM
mides de crânios humanos dian- COMPLETAMENTE REGIÕES
te de Bagdá e Ispahan, noventa INTEIRAS QUE SE ENCONTRAVAM
mil no primeiro caso e setenta SOB SEU DOMÍNIO.
mil no segundo, além de massa-
ĐƌĂƌ ĐĞŵ ŵŝů ƉƌŝƐŝŽŶĞŝƌŽƐ ŝŶĚŝĂŶŽƐ ƋƵĞ Ž ƟŶŚĂŵ ŝƌƌŝƚĂĚŽ ĐŽŵ Ƶŵ ƌŝƐŽ
inoportuno. Isso prova o que Hannah Arendt chamou de a banalidade
do mal, até mesmo séculos antes dos campos de concentração nazistas!

EntreOs
em últimos
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bárbaros
Curioso, ainda, é verificar como às vezes atos de extrema cruel-
dade se ocultam sob a sombra daqueles mais conhecidos. Assim,
um corpo auxiliar dos hunos, formado por bárbaros germanos pro-
venientes da Turíngia, mereceu um olhar de indignação do gran-
de historiador Edward Gibbon ao perpetrar crime inaudito na pro-
víncia da Gália: “Eles massacraram seus reféns e todos os cativos;
duzentas virgens foram tratadas com requintada crueldade e fúria
inexorável; seus corpos foram dilacerados por cavalos selvagens,
ou seus corpos foram esmagados sob as rodas dos carros; e seus
membros insepultos foram abandonados nas vias públicas como
presa dos cães e dos abutres.” E o historiador termina dizendo que
o romantismo pode prejudicar nossa real visão do passado: “Assim
eram aqueles selvagens ancestrais cujas virtudes imaginárias exci-
taram muitas vezes o elogio e a inveja de idades civilizadas!” Quan-
to ao saque da cidade de Roma propriamente dita, primeiro pelos
visigodos sob o comando de Alarico, e depois pelos vândalos de
Genserico, foi terrível, é verdade, porém mais por seu significado
simbólico que pelas perdas reais.
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38
4
CAPÍTULO
TIRANETES
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N o período de transição entre a Idade Média e a Moderna surgiram diversos


“senhores da guerra” que se abrigam sob o título geral de tiranetes, isto
é, pequenos tiranos. Acreditamos que esse diminutivo não diminui em nada o
peso da responsabilidade que lhes cabe perante a história: de qualquer modo
eles estão entre aqueles que promoveram a guerra e ajudaram a construir a
sombria estatística do massacre; por isso fazemos menção deles aqui: nosso
objetivo é o de apresentar uma relação sucinta dos “senhores da guerra”,
aqueles homens que colocaram a espada a seu serviço, não importando quais
tenham sido os motivos reais ou imaginários que eles alegaram. O mal deve
ser sempre denunciado, justamente a fim de evitarmos aquilo que traduz a
famosa expressão de Hannah Arendt: a banalidade do mal.

39
Tiranetes

EntreChefes
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e tiranos
YƵĂŶƚŽƐƟƌĂŶŽƐĞŝŶŝŵŝŐŽƐĚŽŐġŶĞƌŽŚƵŵĂŶŽũĂnjĞŵĞƐƋƵĞĐŝĚŽƐ͕
imersos nas sombras que sobre eles projetam os grandes genocidas,
tristemente famosos? Na verdade não sabemos; mas eles devem ser
ŵƵŝƚŽƐ͕ƚĂůǀĞnjĐŽŶĮƌŵĂŶĚŽĂƐĞŶƚĞŶĕĂĚĞsŽůƚĂŝƌĞĚĞƋƵĞ͞ĂŚŝƐƚſƌŝĂ
em nada mais consiste que a crônica da infelicidade humana”. Tome-
ŵŽƐĂůŐƵŶƐĚĞůĞƐĂŽĂĐĂƐŽ͗ŝƐŽůĂĚŽŶƵŵƚĞƌƌŝƚſƌŝŽƌĞůĂƟǀĂŵĞŶƚĞƉĞ-
ƋƵĞŶŽ͕ĐĞƌĐĂĚŽŵƵŝƚĂƐǀĞnjĞƐƉŽƌƵŵĂĐŽƌƚĞ͞ĚĞďƌŝŶƋƵĞĚŽ͕͟ŽƟƌĂŶĞƚĞ
não renega, entretanto, sua natureza perversa, e merece pelo menos
um curto capítulo no presente trabalho. Comparando-o aos seus cole-
gas mais famosos pela extensão de seus crimes, podemos completar
ŽƋƵĂĚƌŽĚĂŵŝƐĠƌŝĂŚƵŵĂŶĂ͕ĚĞƵŵĂƉƐŝĐŽůŽŐŝĂƋƵĞďĞŵũƵƐƟĮĐĂŽ
ĨĂŵŽƐŽĚŝƚŽůĂƟŶŽĚĞƋƵĞŽŚŽŵĞŵĠůŽďŽƉĂƌĂŽƉƌſƉƌŝŽŚŽŵĞŵ͖Ž
que, aliás, desonra menos aquele animal do que nós mesmos.
^ĞĮnjĞƌŵŽƐƵŵĂĂďŽƌĚĂŐĞŵŝŶĐŝĚĞŶƚĂůĚĂŚŝƐƚſƌŝĂŵĞĚŝĞǀĂůƉŽĚĞƌĞ-
mos encontrar nas Cruzadas, por exemplo, alguns chefes que pareciam
jamais saciar-se de sangue; Saladino, sultão do Egito, e o príncipe franco
Godofredo de Bulhão, estão incluídos no rol; os cronistas dizem que,
ƋƵĂŶĚŽŽƐĐƌƵnjĂĚŽƐĞŶƚƌĂƌĂŵĞŵ:ĞƌƵƐĂůĠŵ͕ŶŽĂŶŽĚĞϭϬϵϵ͕ĂůƵƚĂĨŽŝ

40
Os Senhores da Guerra

ƚĞƌƌşǀĞů͖ĞƉŽƌŝƌŽŶŝĂĚŽĚĞƐƟŶŽĞƐƐĂǀŝŽůġŶĐŝĂĨŽŝƉĂƌƟĐƵůĂƌŶŽƌĞĐŝŶƚŽĚŽ
ĂŶƟŐŽdĞŵƉůŽĚĞ^ĂůŽŵĆŽ͕ŽŶĚĞ͞ŽƐĂŶŐƵĞĐŽƌƌŝĂĐŽŵƚĂŶƚĂĂďƵŶĚąŶ-
cia, que chegava até ao tornozelo dos combatentes”; e o mesmo se pode
ĚŝnjĞƌĚĞŽƵƚƌŽƐůŽĐĂŝƐĚĞĐŽŵďĂƚĞĚƵƌĂŶƚĞŽůŽŶŐŽĐŽŶŇŝƚŽĐŽŶŚĞĐŝĚŽ
como “as expedições da cruz” ou Cruzadas. Tornou-se famoso um dito
ĚĞ^ĆŽ>ƵşƐ͕ƌĞŝĚĞ&ƌĂŶĕĂƋƵĞĐŽŵĂŶĚŽƵĂƷůƟŵĂĞdžƉĞĚŝĕĆŽ͖ĞůĞĚŝnjŝĂ
ƋƵĞƉƌŝŵĞŝƌŽĚĞǀĞŵŽƐŶŽƐĞŵƉĞŶŚĂƌŶĂĐŽŶǀĞƌƐĆŽĚŽƐŐĞŶƟŽƐ͕ŝƐƚŽĠ͕
ƚĞŶƚĂƌĐŽŶǀĞŶĐĞƌŽƐŝŶĮĠŝƐĚĞĂďƌĂĕĂƌĂĨĠĐƌŝƐƚĆ͖ŵĂƐĞŵƐĞŐƵŝĚĂ͕ĐĂƐŽ
ĞůĞƐƐĞŵŽƐƚƌĞŵƌĞŶŝƚĞŶƚĞƐ͕ŶĆŽŵĂŝƐĚŝƐĐƵƟƌŶĞŵĂƌŐƵŵĞŶƚĂƌ͕ƉŽƌĠŵ͕
ƐŝŵƉůĞƐŵĞŶƚĞ͗͞ĞŶĮĂƌͲůŚĞƐĂĞƐƉĂĚĂŶŽǀĞŶƚƌĞ͕ĂƚĠŽĐĂďŽ͘͟

Luís XI
Outro rei de França que merece atenção é Luís XI. O historiador,
Paul de Saint Victor, diz que ele “inventava suplícios com a perversa
ĨĂŶƚĂƐŝĂĚĞƐƐĞƐƟƌĂŶŽƐŝƚĂůŝĂŶŽƐƋƵĞƉŽĚĞƌŝĂŵƐĞƌĐŚĂŵĂĚŽƐŽƐĂƌƟƐ-
tas da tortura”; de fato, gaiolas de ferro que recaíam pesadamente so-
bre as costas dos prisioneiros, algemas e cadeias especiais forjadas na
ůĞŵĂŶŚĂ͕ĞƋƵĞŽƌĞŝĚĞŶŽŵŝŶĂǀĂŵĂůŝĐŝŽƐĂŵĞŶƚĞĚĞ͞ŵŝŶŚĂƐĮůŚĂƐ͕͟
Entreuma
emverdadeira
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luxúriano Telegram:
de grampos t.me/BRASILREVISTAS
e ferros que “poderiam mobiliar
ĂĂƐƟůŚĂ͕͟ƚƵĚŽŝƐƐŽĨĂnjŝĂƉĂƌƚĞĚŽƚĞƌƌşǀĞůĂƉĂƌĞůŚŽƌĞƉƌĞƐƐŽƌŵŽŶ-
tado pelo soberano. Aliás, ele fazia questão de contabilizar o quanto
ƟŶŚĂŐĂƐƚŽĚŽƚĞƐŽƵƌŽƌĞĂůŶĂĐŽŶĨĞĐĕĆŽĚĞƐƐĞƐŝŶƐƚƌƵŵĞŶƚŽƐĚĞƚŽƌ-
tura, por exemplo: “Fizemos pagar ao mestre tal trinta e oito libras
por um grampo em forma de ferradura duplicada, e uma grande cadeia
ĐŽŵ ƐŝŶĞƚĂ ŶĂ ƉŽŶƚĂ Ă Įŵ ĚĞ ƉƌĞŶĚĞƌ Ž ƐĞŶŚŽƌ >ĂŶĐĞůŽƚĞ ĚĞ ĞƌŶĂ͖
seis libras por dois ferros com grandes cadeias e bolas, para encerrar
dois prisioneiros de Arras que guardava Henri de La Chambre; dezesseis
ůŝďƌĂƐƉŽƌƵŵĨĞƌƌŽĚĞƐƟŶĂĚŽĂƉƌĞŶĚĞƌŽƐĚŽŝƐďƌĂĕŽƐ͕ĂƐƉĞƌŶĂƐĞŽ
pescoço assim como o corpo”; de assim por diante, numa sucessão que
parece interminável de cadeias, gaiolas de ferro, grampos, barbaridades
ĞĂĮŶƐ͘ĞƌƚĂŽĐĂƐŝĆŽ͕ĚĞƉŽŝƐĚĞƚĞƌŽƌĚĞŶĂĚŽƋƵĞƵŵĚĞƐĞƵƐƐƷĚŝƚŽƐ
ĨŽƐƐĞĐĞŐĂĚŽ͕ŽƌĞŝĮĐŽƵĨƵƌŝŽƐŽĂŽƐĂďĞƌƋƵĞƉŽƐƐŝǀĞůŵĞŶƚĞĂǀşƟŵĂ
ainda enxergava um pouco com um dos olhos, ele mandou então que
ĚŽŝƐĂƌƋƵĞŝƌŽƐĨŽƐƐĞŵ͞ǀŝƐŝƚĄͲůĂ͟ĐŽŵŽŽďũĞƟǀŽĚĞǀĞƌŝĮĐĂƌĂǀĞƌĂĐŝĚĂĚĞ
ĚŽďŽĂƚŽĞ͕ĞŵĐĂƐŽĂĮƌŵĂƟǀŽ͕ĐŽŵƉůĞƚĂƌŽĐĂƐƟŐŽŝŵƉŽƐƚŽƉĞůŽƌĞŝ͕
privando o homem de toda a sua visão. De outra feita, aborrecido com
as arengas de um monge que vinha vê-lo depois de alguma festança, o
rei “o fez delicadamente estrangular entre a cabeça e os ombros, de tal

41
Tiranetes

modo que ele expirou”; não se sabe por que razão o monge sobreviveu
à operação, apresentando-se de novo ao rei que, espantadíssimo com
Ă͞ƌĞƐƐƵƌƌĞŝĕĆŽ͕͟ƉĞƌŵŝƟƵͲůŚĞǀŝǀĞƌ͕ĚĞƐĚĞƋƵĞŽŵŽŶŐĞƐĞĞŶĐĞƌƌĂƐƐĞ
entre as paredes do convento e nunca mais se deixasse ver.
Assim, analisando o caráter do rei
O REI LUÍS XI APRESENTA UMA Luís XI, Paul de Saint Victor diz que ele
PERTURBADORA SEMELHANÇA se parecia com uma besta feroz; aliás,
COM NERO; FALTA-LHE ŶĞŵƚĂŶƚŽƉĞůŽŶƷŵĞƌŽĚĞƐƵĂƐǀşƟ-
APENAS UM HISTORIADOR mas quanto por seus acessos de bar-
COM A MESMA GRANDEZA baridade inaudita: “Poder-se-ia per-
DE CORNÉLIO TÁCITO. doar seus afogamentos à moda turca,
seus estrangulamentos à moda vene-
ziana, e as árvores carregadas de enforcados no seu castelo de Plessis-
-les-Tours. Mas existe esse e aquele fato ignorado, tal execução secreta,
ƚĂůǀşƟŵĂŽďƐĐƵƌĂƋƵĞŐƌŝƚĂĐŽŶƚƌĂĞůĞĐŽŵƵŵĂǀŽnjŵĂŝƐĐŽƌƚĂŶƚĞƋƵĞŽƐ
ŵŝůŚĂƌĞƐĚĞŵĄƌƟƌĞƐĚŽƐĂƋƵĞĚĞŝŶĂŶƚŽƵĚŽŵĂƐƐĂĐƌĞĚĞ>ŝĠŐĞ͘͟ƐƐĞ
ƌĞŝ͕ƋƵĞŐŽƐƚĂǀĂĚĞĂŵŝnjĂĚĞƐĚĞďĂŝdžĂĞdžƚƌĂĕĆŽ͕ƚĞŶĚŽĐŽŵŽƐĞƵƐĐŽŶĮ-
dentes o barbeiro e o carrasco, possui uma perturbadora semelhança com
EntreEĞƌŽ͖ĞƐĞŽŝŵƉĞƌĂĚŽƌƌŽŵĂŶŽĮĐŽƵĨĂƐĐŝŶĂĚŽĂŽƐĂďĞƌĚĞƵŵƐĂůƟŵ-
em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
banco egípcio que devorava carne crua, e quis “aperfeiçoá-lo, torná-lo um
ciclope, e treiná-lo no consumo de carne humana”, o rei de França, por sua
vez, apreciava conversas de caráter duvidoso com os criados da cozinha.

César Bórgia
Algum tempo depois de Luís XI, já em pleno século XVI, se destaca
ĠƐĂƌſƌŐŝĂ͕ŽƵƋƵĞĚĞsĂůĞŶƟŶŽŝƐ͖ĞůĞĞƌĂĮůŚŽĚŽWĂƉĂůĞdžĂŶĚƌĞ
VI naquele que é um dos capítulos mais sombrios da história dos pon-
ơĮĐĞƐƌŽŵĂŶŽƐ͕ĞƋƵĞƐĞƌǀĞĚĞƉĂƐƚŽƉĂƌĂŽƐŝŶŝŵŝŐŽƐĚĂ/ŐƌĞũĂĂƚƌĂǀĠƐ
dos tempos. César Bórgia é uma versão modernizada de Nero, um ho-
ŵĞŵĚĞĨƌŝĞnjĂĞĐƌƵĞůĚĂĚĞŝŶĐŽŵƉĂƌĄǀĞŝƐ͖ĞƐĞĞůĞŵĂƚŽƵƌĞůĂƟǀĂŵĞŶ-
te poucos homens foi apenas por não dispor de tempo e poder bas-
tante para promover um massacre generalizado, mas não por qualquer
escrúpulo. Numa resenha como esta que fazemos aqui, César Bórgia
bem merece menção, ele que unia a sede de sangue ao deboche e
ao abuso de todas as convenções sociais e mesmo às mais ordinárias
ŶŽƌŵĂƐĚŽĐŽŶǀşǀŝŽŚƵŵĂŶŽ͘WŽŝƐĞůĞŶĆŽĨŽŝĐĂƉĂnjĚĞŝŶƐƟƚƵŝƌƉĂƌĂ
seu deleite pessoal uma expedição que talvez envergonhasse o próprio
Nero? Ouçamos por alguns momentos um historiador que conheceu

42
Os Senhores da Guerra

ŽƐƐĞŐƌĞĚŽƐĚŽſƌŐŝĂ͕WĂƵůĚĞ^ĂŝŶƚsŝĐƚŽƌ͗͞hŵĚŝĂ͕ĚĞƉŽŝƐĚĞĐĞĂƌ͕
ĠƐĂƌ͕ƉŽƌƚĂŶĚŽǀĞƐƟŵĞŶƚĂĚĞĐĂĕĂ͕ĨĞnjǀŝƌƐĞŝƐĐŽŶĚĞŶĂĚŽƐăƉƌĂĕĂĚĞ
São Pedro cercada por pranchas; ele monta a cavalo, persegue em cor-
ƌĞƌŝĂĞƐƐĂĐĂĕĂŚƵŵĂŶĂ͕ĞŽƐŵĂƚĂĂƚŽĚŽƐ͕ĂŐŽůƉĞĚĞŇĞĐŚĂ͘KWĂƉĂ͕
ƐƵĂ ĮůŚĂ ;Ă ĨĂŵŽƐĂ >ƵĐƌĠĐŝĂ ſƌŐŝĂͿ͕ ƐĞƵ ŐĞŶƌŽ Ğ ƐƵĂ ĂŵĂŶƚĞ 'ŝƵůŝĂ
ĞůůĂĂƐƐŝƐƚĞŵĚĞƵŵďĂůĐĆŽĂĞƐƐĂƌĞƉĞƟĕĆŽĚŽƐĂŶƟŐŽƐĞƐƉĞƚĄĐƵůŽƐ͘͟
ůĠŵĚŝƐƐŽ͕ŽƵƋƵĞĚĞsĂůĞŶƟŶŽŝƐĞƌĂƵŵŵĞƐƚƌĞĐŽŶƐƵŵĂĚŽŶĂĂƌƚĞ
do envenenamento, e vários de seus inimigos, reais ou imaginários,
foram suprimidos mediante o uso desse abominável expediente; den-
tre esses inimigos estavam diversos prelados; ainda outros crimes de
César Bórgia não podem sequer ser mencionados, tamanha é sua di-
mensão, ainda numa incrível semelhança com Nero. O historiador diz
ƋƵĞ͕ĂĮŵĚĞĞƐĐĂƉĂƌĂƵŵĂƚĞŶƚĂƟǀĂĚĞĞŶǀĞŶĞŶĂŵĞŶƚŽĐŽŶƚƌĂĞůĞ͕Ž
Bórgia se fechou no corpo de um touro recentemente estripado e que
“O conto, se for um conto, encerra a beleza de um mito. Esse homem
de assassinatos e de incestos encarnado no animal das hecatombes
ĞĚĂƐďĞƐƟĂůŝĚĂĚĞƐĂŶƟŐĂƐĞǀŽĐĂŝŵĂŐĞŶƐŵŽŶƐƚƌƵŽƐĂƐ͖͘͘͘͟ŽŐƌĂŶĚĞ
ĐƌŝŵŝŶŽƐŽƌĞŶĂƐĐĞŶƟƐƚĂƐĂďŝĂĂƐƐŝŵƵŶŝƌƵŵĂƉŽůşƟĐĂƌĞĂůŝƐƚĂ͕ƚĂůĐŽŵŽ
EntreĞƌĂƉƌĞŐĂĚĂƉŽƌDĂƋƵŝĂǀĞů͕ĂƉŽĠƟĐĂƐƌĞĐŽƌĚĂĕƁĞƐŵŝƚŽůſŐŝĐĂƐ͕ƌĞĮ-
em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
namento este que serve tão somente para ressaltar a sua crueldade.

O caso de
Lutero
KƵƚƌŽ ĐĂƐŽ ĚŽ ŵĂŝŽƌ ŝŶƚĞƌĞƐƐĞ͕ ƋƵĂŶĚŽ ĨĂůĂŵŽƐ ĚĞ ƟƌĂŶĞƚĞƐ ƋƵĞ
de qualquer modo sujaram suas mãos de sangue no período de tran-
ƐŝĕĆŽĞŶƚƌĞŽĮŶĂůĚĂ/ĚĂĚĞDĠĚŝĂĞĂƉŽĐĂDŽĚĞƌŶĂĠŽĚĞDĂƌƟ-
nho Lutero, cujo nome está associado à Reforma religiosa, iniciada na
Alemanha. Se durante as guerras de religião, que infelicitaram aqueles
tempos, houve violência de ambos os lados, o católico e o protestan-
te, haja vista a famosa noite de São Bartolomeu, o massacre dos pro-
testantes franceses sob o reinado de Catarina de Médicis, a chamada
guerra camponesa, que ocorreu na Alemanha, adquire um caráter ver-
ĚĂĚĞŝƌĂŵĞŶƚĞĂƐƐƵƐƚĂĚŽƌƉĞůŽŶƷŵĞƌŽĚĞǀşƟŵĂƐƋƵĞĐĂƵƐŽƵ͖ĞƐĞ>Ƶ-
tero não foi diretamente responsável pela matança, sua aliança com os
ŶŽďƌĞƐƐĞƌǀŝƵĚĞĞƐơŵƵůŽƉĂƌĂƚĞƌƌşǀĞůŵĂƐƐĂĐƌĞĚŽƐĐĂŵƉŽŶĞƐĞƐ͘Ğ
ƋƵĂůƋƵĞƌŵŽĚŽĂĚŝƐƐŽůƵĕĆŽĚĂĂƵƚŽƌŝĚĂĚĞĞĐůĞƐŝĄƐƟĐĂƉĞůĂZĞĨŽƌŵĂ
e o clima de dúvida em relação aos valores estabelecidos, assim como
ƐĞƵĞƐƉşƌŝƚŽĐƌşƟĐŽĐŽŶƚƌŝďƵşƌĂŵĚĞƋƵĂůƋƵĞƌŵŽĚŽƉĂƌĂŽƐƵƌŐŝŵĞŶƚŽ

43
Tiranetes

de líderes cujos bandos espalhavam o medo e o terror entre as classes


dominantes; em consequência disso, a repressão não se fez esperar.
“A guerra camponesa não surgiu de uma relação imediata com os mo-
vimentos religiosos do século XVI”, diz Roland Bainton, “porque agita-
Entreções
emcamponesas
nosso Canal já fermentavam havia cem
no Telegram: anos. Havia rebeliões em
t.me/BRASILREVISTAS
toda a Europa, mas especialmente no sul da Alemanha.”

Lutero e a
guerra camponesa
O mesmo Bainton, entretanto, reconhece que a personalidade de Lutero
atraiu um olhar de atenção dos camponeses; eles teriam visto em Lutero
um líder natural que poderia guiá-los na luta contra seus senhores; o refor-
ŵĂĚŽƌ͕ƉŽƌĠŵ͕ŶĆŽƐĞĚŝƐƉƀƐĂĂƐƐƵŵŝƌŽƉĂƉĞůĚĞƵŵƌŽŵǁĞůů͕ĞĐŚĞĮĂƌ
a revolta. Esses camponeses eram servos em sua maioria, ainda ligados à
terra e aos senhores feudais; assim, ao ouvir a intensa pregação de Thomas
Müntzer, que lhes falava de liberdade e igualdade de direitos por meio da
abolição dos privilégios feudais, os camponeses se levantaram em massa,
dando início à guerra. “Eles gritavam que madeira, água e pastagem de-
ǀĞƌŝĂŵƐĞƌůŝǀƌĞƐĐŽŵŽŽƵƚƌŽƌĂ͕ŽƐƚƌŝďƵƚŽƐŵŽĚĞƌĂĚŽƐĞŽĂŶƟŐŽĚŝƌĞŝƚŽ
alemão e os costumes locais restaurados”, de acordo com Bainton; mas es-
sas reivindicações puramente sociais logo assumiram um aspecto religioso:
mosteiros e igrejas passaram a ser saqueados e incendiados, assim como
grandes propriedades feudais ricas em produção agrícola e vinícola.
ŽƉĞƌĐĞďĞƌƋƵĞƐĞƵƐĞŶƐŝŶĂŵĞŶƚŽƐĞƌĂŵƵƟůŝnjĂĚŽƐƉĞůŽƐůşĚĞƌĞƐĐĂŵ-
poneses numa associação entre liberdade religiosa e liberdade civil, Lute-

44
Os Senhores da Guerra

ƌŽ͞ŽƉƚŽƵƉĞůĂŽƌĚĞŵ͖͟ĞůĞƉƵďůŝĐŽƵŽƐƚƌŝƐƚĞŵĞŶƚĞĐĠůĞďƌĞƐĚŽnjĞĂƌƟŐŽƐ͕
ƐŽďŽơƚƵůŽŐĞƌĂůĚĞ͞ŽŶƚƌĂŽƐďĂŶĚŽƐĂƐƐĂƐƐŝŶŽƐĞƐĂƋƵĞĂĚŽƌĞƐĚŽƐĐĂŵ-
poneses”, uma condenação de toda e qualquer reivindicação que “não
concordasse com a palavra de Deus”, num tom bastante conservador, ins-
pirado no capítulo XIII da Epístola aos Romanos, que favorecia o governo
ĞƐƚĂďĞůĞĐŝĚŽ͘WŽƌƐƵĂǀĞnj͕ŽƐĐĂŵƉŽŶĞƐĞƐĚĞŵŽŶƐƚƌĂƌĂŵĨƌĂƋƵĞnjĂƉŽůşƟĐĂ
ao hesitar entre uma ditadura deles mesmos e um anarquismo que abolia
toda forma de governo; aliás, nem mesmo do ponto de vista religioso eles
eram unânimes: alguns optavam pelo catolicismo, outros eram decidida-
ŵĞŶƚĞĂĨĂǀŽƌĚŽƉƌŽƚĞƐƚĂŶƟƐŵŽ͘&ŽŝĞŶƚĆŽƋƵĞǀĞƌĚĂĚĞŝƌĂƐŚŽƌĚĂƐĐĂŵ-
ponesas estenderam o saque sobre castelos e mosteiros, além de matar
a caça e até mesmo “esvaziar os tanques de peixes”. E Lutero, assustado e
enfurecido ao mesmo tempo contra Thomas Müntzer, o arquidiabo, lan-
çou seu apelo às tropas governamentais numa das páginas mais sangren-
tas da história: “Agora vamos, vamos, vamos! Não vos deixeis amolecer,
não considereis a miséria dos ímpios. Não vos compadeçais; como Deus
ordenou por meio de Moisés; e a nós Ele nos revela o mesmo!” Para Lute-
ro, aqueles camponeses que saqueavam e matavam não mereciam qual-
EntreƋƵĞƌĐŽŶĚĞƐĐĞŶĚġŶĐŝĂ͗͞hŵŚŽŵĞŵƌĞďĞůĚĞũĄĞƐƚĄƉƌŽƐĐƌŝƚŽƉŽƌĞƵƐ
em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
e pelo Imperador. Pois rebelião não é um simples assassinato, mas como
um fogo imenso, que incendeia e devasta um país; a rebelião, portanto,
traz consigo um país cheio de assassínio, derramamento de sangue, e faz
viúvas e órfãos e destrói tudo como a maior das desgraças. Por isso quem
o puder deve dilacerar, estrangular e apunhalar secreta e abertamente,
quando se pensa que não existe nada mais venenoso, prejudicial, diabóli-
co do que um homem rebelde; como um cão raivoso que se deve matar,
ƐĞƚƵŶĆŽŽŵĂƚĂƐĞůĞƚĞŵĂƚĂƌĄĞƵŵƉĂşƐŝŶƚĞŝƌŽĐŽŶƟŐŽ͘͟
Pouco tempo depois dessa proclamação de Lutero os camponeses
de Thomas Müntzer se encontraram com as tropas governamentais na
ŐƌĂŶĚĞ ďĂƚĂůŚĂ ĚĞ &ƌĂŶŬĞŶŚĂƵƐĞŶ͖ ƚĞŶƚĂƟǀĂƐ ĚĞ ŶĞŐŽĐŝĂĕĆŽ ĞƐƚĂďĞ-
lecidas antes do combate fracassaram por completo; Bainton diz que
foram feitos apenas seiscentos prisioneiros, cerca de cinco mil cam-
poneses foram mortos, Thomas Müntzer foi aprisionado, torturado
ĞĚĞĐĂƉŝƚĂĚŽ͖͞KƐƉƌşŶĐŝƉĞƐƉƵƌŝĮĐĂƌĂŵĞŵƐĞŐƵŝĚĂĂƚĞƌƌĂ͟Ğ>ƵƚĞƌŽ
foi completamente responsabilizado pelo massacre perante a história,
embora muitos príncipes e até prelados católicos tenham tomado par-
ƚĞŶĞůĞ͘ZŽůĂŶĚĂŝŶƚŽŶ͕ĂůŝĄƐ͕ĂĮƌŵĂƋƵĞ͞KƐŐŽǀĞƌŶĂŶƚĞƐŶĂƐƌĞŐŝƁĞƐ
ĐĂƚſůŝĐĂƐƚƵĚŽĮnjĞƌĂŵƉĂƌĂĂĨĂƐƚĂƌƉƌĞŐĂĚŽƌĞƐĞǀĂŶŐĠůŝĐŽƐ͕ĞŽĂƌƌĂŝ-

45
Tiranetes

gado catolicismo dos habitantes da Baviera e da Áustria ocidental não


data da Contrarreforma, mas da guerra camponesa.” Calcula-se que,
no total, foram mortos cem mil camponeses.

Revolta camponesa
da Polônia
KƵƚƌĂĞdžƚƌĂŽƌĚŝŶĄƌŝĂĞŚŽũĞƉƌĂƟĐĂŵĞŶƚĞĞƐƋƵĞĐŝĚĂƌĞǀŽůƚĂĐĂŵƉŽ-
nesa ocorreu na Polônia, cerca de um século depois, e foi tão cruel e
devastadora quanto a primeira, da Alemanha. Desta vez é Max Dimont
que nos conta: “Os camponeses, oprimidos pelos nobres, explorados
pelos alemães, apertados pelos judeus que serviam de coletores de im-
ƉŽƐƚŽƐĂŽƐŐƌĂŶĚĞƐƐĞŶŚŽƌĞƐƉŽůŽŶĞƐĞƐĞŵĂŶƟ-
A SELVAGERIA dos pelos padres numa verdadeira prisão feudal,
DOS COSSACOS estenderam seu ódio a todos, tanto aos nobres
NA POLÔNIA quanto aos padres, e tanto aos alemães quanto
NÃO CONHECIA aos judeus, e esperaram com impaciência ‘o dia
QUAISQUER LIMITES: ĚĂƌĞƚĂůŝĂĕĆŽ͖͛ĞƐƐĞĚŝĂǀĞŝŽŶŽĂŶŽĚĞϭϲϰϴ͘͟&Žŝ
O MASSACRE FOI então que os camponeses da Polônia, se aprovei-
Entre em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
GENERALIZADO. ƚĂŶĚŽ ĚĞ ƵŵĂ ƌĞǀŽůƚĂ ĚŽƐ ĐŽƐƐĂĐŽƐ ĚĂ hĐƌąŶŝĂ͕
católicos ortodoxos, contra seus senhores polone-
ses, católicos romanos, levantaram também eles a bandeira da revolta.
A luta foi terrível, e embora nenhuma grande líder tenha se destacado
ĞŵŶĞŶŚƵŵĚŽƐůĂĚŽƐ͕ďĞŵƉŽĚĞŵŽƐŝŶĐůƵŝƌĞƐƐĂƌĞǀŽůƚĂŶŽŶŽƐƐŽơƚƵůŽ
ƟƌĂŶĞƚĞƐ͕ƉĞůĂŐƌĂǀŝĚĂĚĞĞƉƌŽƉŽƌĕĆŽĚĂƐƉĞƌĚĂƐƋƵĞĞůĂŝŵƉůŝĐŽƵ͘

Perseguição
aos judeus
Porque “A selvageria desses cossacos não conhecia limites”, como diz
Max Dimont. E quem eram exatamente os inimigos? “Os inimigos deles
eram nobres poloneses assim como sacerdotes católicos, comerciantes
alemães assim como os judeus. E por que os judeus? E por que não? Eles
ǀŝǀŝĂŵ ŶĂ WŽůƀŶŝĂ Ğ ŶĆŽ ƉƌĂƟĐĂǀĂŵ Ă ƌĞůŝŐŝĆŽ ŽƌƚŽĚŽdžĂ͘ ƐƐĞƐ ĐŽƐƐĂĐŽƐ
despedaçavam seus prisioneiros ainda vivos, os esfolavam vivos, os assa-
vam a fogo lento. Eles cortavam crianças em duas partes com um só golpe
de sabre; eles abriam o ventre das freiras, das mulheres da nobreza, das
judias, introduziam lá gatos vivos e voltavam a costurar o ventre. Quanto
ĂŽƐĞŶĨŽƌĐĂŵĞŶƚŽƐ͕ĞůĞƐŽƐƌĞĂůŝnjĂǀĂŵĚĞĚŽŝƐŵŽĚŽƐ͘KƉƌŝŵĞŝƌŽĐŽŶƐŝƐƟĂ
num grupo de quatro, formado por um senhor polonês, um comerciante

46
Os Senhores da Guerra

alemão, um padre católico romano e um judeu. O segundo era um trio for-


mado por um judeu, um padre e um cão. Se eles não dispusessem de um
cão no momento, um porco era empregado; eles dependuravam o animal
em seguida, e se regalavam com ele após uma bela jornada no decorrer
ĚĂƋƵĂůƟŶŚĂŵĨĞŝƚŽƉĞƐƐŽĂƐĞŵƉĞĚĂĐŝŶŚŽƐ͘͟KŵĂƐƐĂĐƌĞƐĞĞƐƚĞŶĚĞƵ
por vastas extensões da infeliz Polônia; a descrição de horror feita por Max
Dimont termina dizendo que os campos do país “juncados de membros
ĂƉŽĚƌĞĐŝĚŽƐ ĚĂƋƵĞůĞƐ ƉŽďƌĞƐ ŚŽŵĞŶƐ͕ ƉƌŝŵĞŝƌŽ ƐƵďŵĞƟĚŽƐ ă ƚŽƌƚƵƌĂ͕
depois despedaçados, estavam transformados num imenso abatedouro.
^ŽŵĞŶƚĞĂŽĮŶĂůĚĞĚĞnjĂŶŽƐ͕ĞƐƚĂŶĚŽŽƐĐŽƐƐĂĐŽƐĞŶĮŵƐĂĐŝĂĚŽƐ͕ĐĞƌ-
ta paz foi restabelecida”. Somente entre os judeus foram contadas cerca
ĚĞĐĞŵŵŝůǀşƟŵĂƐ͖ĞƐƐĞĨŽŝ͕ƉŽƌƚĂŶƚŽ͕ƵŵĚŝƐƚĂŶƚĞƉƌĞůƷĚŝŽĚŽƐƐŽŵďƌŝŽƐ
campos de concentração de Auschwitz e Buchenwald, construídos quase
trezentos anos mais tarde na mesma Polônia!

Lutero e
Thomas Müntzer
Quanto a Lutero e a revolta camponesa, as intenções reformadoras dele
Entreseem nossocontra
chocaram Canal no Telegram:
o conjunto t.me/BRASILREVISTAS
das forças sociais e espirituais despertadas
ou pelo menos aguçadas pela Reforma. Bainton nos mostra um Lutero algo
assustado e decepcionado após os terríveis massacres decorrentes da guer-
ra; o que parecia mais chocante aos olhos do reformador, era exatamente
ĂĞǀŽĐĂĕĆŽĚŽǀĂŶŐĞůŚŽĐŽŵŽƉƌĞƚĞdžƚŽƉĂƌĂƚŽĚŽƟƉŽĚĞǀŝŽůġŶĐŝĂĚĞƵŵ
ůĂĚŽĞĚĞŽƵƚƌŽ͕ĞŽƵƐŽƋƵĞdŚŽŵĂƐDƺŶƚnjĞƌĞŽƵƚƌŽƐƉƌĞŐĂĚŽƌĞƐƟŶŚĂŵ
ĨĞŝƚŽĚĂƉĂůĂǀƌĂĚŝǀŝŶĂĂĮŵĚĞƐĞƌǀŝƌ͕ŽƋƵĞƉĂƌĞĐŝĂƐĞƌ͕ƐĞƵƐƉƌŽƉſƐŝƚŽƐ
ƉĂƌƟĐƵůĂƌĞƐĚĞĚŽŵŝŶĂĕĆŽ͘ƐƐĞŐƌĂŶĚĞĂĐŽŶƚĞĐŝŵĞŶƚŽĞƐƚĞŶĚĞƵƐƵĂƐŽŵ-
bra sobre séculos inteiros da história alemã; Bainton acredita que a terrível
ƌĞƉƌĞƐƐĆŽĞdžƟŶŐƵŝƵƉŽƌĐŽŵƉůĞƚŽĂǀŝĚĂƉŽůşƟĐĂĞŶƚƌĞĂƐĐůĂƐƐĞƐƉŽƉƵůĂƌĞƐ
do país; podemos dizer que isso abriu caminho para o militarismo prussia-
ŶŽĞƋƵĞŵƐĂďĞĂƚĠŵĞƐŵŽƉĂƌĂƵŵĂĚĂƐŵĂŝƐƐŽŵďƌŝĂƐĮŐƵƌĂƐĚĞƚŽĚĂ
ĂŚŝƐƚſƌŝĂ͗ĚŽůĨ,ŝƚůĞƌ͘WŽƌĮŵ͕ƐĞŽĞƐĐƌŝƚŽĚĞ>ƵƚĞƌŽĐŽŶƚƌĂŽƐĐĂŵƉŽŶĞ-
ses foi maliciosamente interpretado pelos nobres e pela história posterior,
o mesmo se pode dizer do seu escrito contra os judeus, que ele a princípio
ƟŶŚĂƚĞŶƚĂĚŽĐŽŶǀĞƌƚĞƌ͖ĂŝŶƚŽŶ͕ĂůŝĄƐ͕ĚŝnjƋƵĞĞƐƐĞĞƐĐƌŝƚŽĨŽŝĂŝŶĚĂŵĂŝƐ
ĨĂƚĂůĞ͞^ĞƉŽĚĞƌŝĂĚĞƐĞũĂƌƋƵĞ>ƵƚĞƌŽƟǀĞƐƐĞŵŽƌƌŝĚŽĂŶƚĞƐƋƵĞĞůĞĨŽƐƐĞ
composto”, visto que nele o reformador aconselhava a expulsão completa
ĚŽƐũƵĚĞƵƐ͕ŽƌĞƚŽƌŶŽĚĞůĞƐăƐĂƟǀŝĚĂĚĞƐƉƵƌĂŵĞŶƚĞĂŐƌşĐŽůĂƐ͕ŽŝŶĐġŶĚŝŽ
ĚĂƐƐŝŶĂŐŽŐĂƐĞŽĐŽŶĮƐĐŽĚŽƐůŝǀƌŽƐƐĂŐƌĂĚŽƐĚŽƐũƵĚĞƵƐ͘

47
Tiranetes

A Noite de
São Bartolomeu
Entretanto, voltando às guerras de religião, nenhum cronista descreveu
melhor a já mencionada Noite de São Bartolomeu, o massacre dos protes-
tantes franceses sob Catarina de Médicis, que o célebre Agrippa D’Aubigné,
magistralmente retratado por Paul de Saint Victor. Poeta, soldado e diplo-
mata ao mesmo tempo, Agrippa nos deixou em versos de gosto algo du-
vidoso, aliás, “amontoado inaudito de trivialidades e de espanto, onde as
ĐĂƌŝĐĂƚƵƌĂƐŽďƐĐĞŶĂƐĚĂƐĄƟƌĂůĂƟŶĂƐĞĐŚŽĐĂŵĐŽŵŽƐĨĂŶƚĂƐŵĂƐŐŝŐĂŶ-
ƚĞƐĐŽƐĚŽƉŽĐĂůŝƉƐĞ͕͟ĂĚƌĂŵĄƟĐĂĚĞƐĐƌŝĕĆŽĚĂƋƵĞůĞƐƚĞŵƉŽƐ͘^ĂŝŶƚsŝĐƚŽƌ
diz que ele se parece com os profetas bíblicos, com Ezequiel, por exemplo:
͛͞ƵďŝŐŶĠĠĚĂƌĂĕĂĚĞƐƐĞƐĂƐĐĞƚĂƐĚĂ:ƵĚĞŝĂ͕ƚƌŽŐůŽĚŝƚĂƐĞĐŽŵĞĚŽƌĞƐĚĞ
gafanhotos, que saíam às vezes de seus buracos nos rochedos, e apareciam
no meio das orgias da Ásia, tendo cinza sobre a testa e maldição na boca.”
Esse é o homem que investe contra os papistas católicos cheio de entusias-
ŵŽĞſĚŝŽ͗͞,ƵƐƐ͕:ĞƌƀŶŝŵŽĚĞWƌĂŐĂ͕ŝŵĂŐĞŶƐďĞŵĐŽŶŚĞĐŝĚĂƐͬdĞƐƚĞŵƵ-
nhas que Sodoma arrastou pelas ruas / Coroadas de papel, de glória coro-
Entreadas
em/ nosso
Pela Sé que de ouro coroou e enfeitou / Aqueles que eram pastores
Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
ĂƉĞŶĂƐŶŽƉĂƉĞůĞŶŽơƚƵůŽͬƉĂƌĂŽƐďŝƐƉŽƐĚĞŽƵƌŽĨĞnjŵŝƚƌĂƐĚĞƉĂƉĞů͘͟
Imbuído de cultura teológica, chegando mesmo ao requinte de ler a Bíblia
no original hebraico, Agrippa fez um retrato impressionante do massacre co-
ŶŚĞĐŝĚŽĐŽŵŽEŽŝƚĞĚĞ^ĆŽĂƌƚŽůŽŵĞƵ͖ĞƐƵĂŝŶǀĞƐƟĚĂĐŽŶƚƌĂŽƐĐĂƚſůŝĐŽƐ
foi também terrível; para ele todas as grandiosas imagens bíblicas advindas
ĚŽŶƟŐŽdĞƐƚĂŵĞŶƚŽƐĞƌǀŝĂŵŝŐƵĂůŵĞŶƚĞĂŽŽďũĞƟǀŽĚĞĂƚĂĐĂƌĂĨĠĐĂƚſůŝ-
ĐĂ͗͞ĐĂďĞ,ĞŶƌŝƋƵĞ///͕:ĞnjĂďĞůĞĂƚĂƌŝŶĂĚĞDĠĚŝĐŝƐ͕ŽWĂƉĂĞŽŶƟĐƌŝƐƚŽ͕
os sacerdotes de Baal e os monges, os amores do Palácio do Louvre e as
fornicações de Israel, tudo se mistura aos seus olhos numa visão confusa,
ŝŶĚĞĮŶŝĚĂ͕ŚŽƌƌşǀĞů͕ƋƵĞĞŶĐŚĞŽĞƐƉĂĕŽĞŽƚĞŵƉŽ͕ƐĞŵĚŝƐƟŶĕĆŽĚĞƉůĂŶŽƐ
ŶĞŵĚĞƐĠĐƵůŽƐ͕͟ůĞŵďƌĂ^ĂŝŶƚsŝĐƚŽƌ͘ĞĨĂƚŽ͕ĂĮŵĚĞĚĞƐĐƌĞǀĞƌĂŵŽƌƚĞ
de vinte ou trinta mil protestantes na famosa jornada, Agrippa D’Aubigné
recorre até mesmo ao conjunto da natureza, e faz as árvores, a água, o fogo
e as montanhas deporem contra os algozes no tribunal divino: “Por que, dirá
ŽĨŽŐŽ͕ĮnjĞƐƚĞƐĚĞŵŝŶŚĂƐĐŚĂŵĂƐͬYƵĞĨŽƌĂŵĚŝƐƉŽƐƚĂƐĂƉĞŶĂƐƉĂƌĂĂǀŝĚĂ
ͬĂƌƌĂƐĐŽƐĂƐĞƌǀŝĕŽĚĞǀŽƐƐĂƟƌĂŶŝĂ͍ͬŽĂƌƚĂŵďĠŵƐĞůĞǀĂŶƚĂƌĄĐŽŶƚƌĂ
ĞůĞƐ͗ͬ:ƵƐƟĕĂĂŽ:ƵŝnjƐĂŶƚŽĐŽŶƚƌĂĞůĞƐƉĞĚŝŶĚŽͬĚŝnjĞŶĚŽ͗ƉŽƌƋƵĞǀſƐ
ƟƌĂŶŽƐĞďĞƐƚĂƐĨƵƌŝŽƐĂƐ͕ͬDĞĞŶǀĞŶĞŶĂƐƚĞƐĐŽŵĐĂƌŶŝĕĂĞƉĞƐƚĞͬŽƐĐŽƌ-
pos dos que vós assassinastes?” Perseguido na França, Agrippa fugiu para
Ă^ƵşĕĂĚĞŽŶĚĞƚĞŶƚŽƵĂŝŶĚĂ͕ŝŶƵƟůŵĞŶƚĞ͕ƌĞƐƚĂƵƌĂƌŽƉĂƌƟĚŽƉƌŽƚĞƐƚĂŶƚĞ͘

48
Os Senhores da Guerra

O Japão
dos samurais
Encerrando este capítulo, se quisermos encontrar uma grande perse-
guição religiosa, para não falar numa guerra de religião, temos que nos
ĚŝƌŝŐŝƌĂŽĞdžƚƌĞŵŽKƌŝĞŶƚĞ͕ĂŽ:ĂƉĆŽ͕ŽŶĚĞŽƐƐĞŶŚŽƌĞƐĚĂŐƵĞƌƌĂʹŽƐƐĂŵƵ-
ƌĂŝƐʹƚĂŵďĠŵƟǀĞƌĂŵƐƵĂƐĞƐƉĂĚĂƐŵĂŶĐŚĂĚĂƐĐŽŵƐĂŶŐƵĞŝŶŽĐĞŶƚĞĚĞ
ǀşƟŵĂƐŝŶĚĞĨĞƐĂƐ͕ƉĞƌƐĞŐƵŝĚĂƐĞdžĐůƵƐŝǀĂŵĞŶƚĞƉŽƌƐƵĂĨĠ͘EŽĮŶĂůĚŽƐĠĐƵůŽ
XVI, ao saber que o rei de Espanha costumava enviar missionários às regi-
ões que deviam ser colonizadas, o japonês Hideyoshi, então o maior dos
ƐĞŶŚŽƌĞƐĚĂŐƵĞƌƌĂ͕ŽƌĚĞŶŽƵƋƵĞǀŝŶƚĞĞƐĞŝƐĐƌŝƐƚĆŽƐĨŽƐƐĞŵĐƌƵĐŝĮĐĂĚŽƐ͕
abrindo caminho para uma terrível perseguição
ƋƵĞĂƟŶŐŝƵƐĞƵĂƵŐĞƐŽďŽŐŽǀĞƌŶŽĚŽdŽŬƵŐĂǁĂ OS SENHORES DA
Ieyasu. O autor David Landes diz que “Os japoneses GUERRA JAPONESES
ĚĞĚŝĐĂƌĂŵͲƐĞĂĞƌƌĂĚŝĐĂƌŽĐƌŝƐƟĂŶŝƐŵŽĐŽŵƉĞĐƵ- ERAM DOTADOS
ůŝĂƌĨĞƌŽĐŝĚĂĚĞ͖;ĚŝĂŶƚĞĚĞůĞƐͿEĞƌŽƚĞƌŝĂƐĞƐĞŶƟĚŽ DE UM CARÁTER
envergonhado com sua brandura. Os cristãos foram FEROCÍSSIMO, QUE
compelidos a abjurar em público. Os que se recusa- NÃO LHES PERMITIA
Entreram
emounosso
reincidiram foram torturados e queimados HESITAR DIANTE DA
Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
ŽƵĚĞĐĂƉŝƚĂĚŽƐ͘KƐƋƵĞĂũƵĚĂƌĂŵŵŝƐƐŝŽŶĄƌŝŽƐƟǀĞ-
PERSPECTIVA DE UM
ƌĂŵŽŵĞƐŵŽĚĞƐƟŶŽ͘KƚĞƌĐĞŝƌŽdžŽŐƵŵ;ĐŚĞĨĞĚŽ
ĞdžĠƌĐŝƚŽͿdŽŬƵŐĂǁĂ/ĞŵŝƚƐƵ͕ĚĂŶĚŽĐŽŶƟŶƵŝĚĂĚĞă
MASSACRE.
ƉŽůşƟĐĂĚĞƐĞƵĂǀƀĞƐĞƵƉĂŝ͕ĂƐƐŝƐƟƵƉĞƐƐŽĂůŵĞŶƚĞ͕ĐŽŵĨƌĞƋƵġŶĐŝĂ͕ĂƐĞƐ-
ƐƁĞƐĚĞƚŽƌƚƵƌĂ͘KƐƋƵĞƌĞƐŝƐƟƌĂŵĨŽƌĂŵŵŽƌƚŽƐĂƚĠŽƷůƟŵŽďĞďġĚĞĐŽůŽ͘
Ğŵ ŵŝů ŐƵĞƌƌĞŝƌŽƐ ŝŶǀĞƐƟƌĂŵ ĐŽŶƚƌĂ ƚƌŝŶƚĂ Ğ ƐĞƚĞ ŵŝů ĐƌŝƐƚĆŽƐ͕ ŚŽŵĞŶƐ͕
ŵƵůŚĞƌĞƐĞĐƌŝĂŶĕĂƐĞŵ^ŚŝŵĂďĂƌĂ͕ĞŵϭϲϯϳͲϯϴ͘dƌĞnjĞŵŝůĚĞƐƐĞƐƐĂŵƵƌĂŝƐ
morreram na feroz batalha, durante a qual ninguém pediu nem deu quar-
tel.”
K:ĂƉĆŽƉĞƌŵĂŶĞĐĞƵƋƵĂƐĞŵĞĚŝĞǀĂůĂƚĠĂƉƌŝŵĞŝƌĂŵĞƚĂĚĞĚŽƐĠĐƵůŽ
XIX; e muitas lutas fratricidas ocorreram nesse período, mostrando bem
o caráter feroz dos “senhores da guerra”. Todas as vezes que um xogum
triunfava sobre o outro, todo o clã derrotado era votado ao extermínio
puro e simples, sem quaisquer considerações de ordem moral; falando so-
ďƌĞƵŵĚĞƐƐĞƐĞƉŝƐſĚŝŽƐƐĂŶŐƌĞŶƚŽƐƋƵĞĞŶǀŽůǀŝĂŵĂƐĚŝƐƉƵƚĂƐĚŝŶĄƐƟĐĂƐ
ŶŽƉĂşƐ͕>ĂŶĚĞƐĂĮƌŵĂƋƵĞ͞ĨĂŵşůŝĂdŽLJŽƚŽŵŝĨŽŝĐŚĂĐŝŶĂĚĂĂƚĠŽƷůƟŵŽ
ĚĂĞƐƟƌƉĞ͕ƐĂůǀĂŶĚŽͲƐĞĂƉĞŶĂƐĚƵĂƐĐƌŝĂŶĕĂƐƉĞƋƵĞŶĂƐ͘DŝůŚĂƌĞƐĚĞƐĞƵƐ
aliados foram caçados e executados, e suas cabeças, espetadas em lanças,
expostas como lição para outros.” Incorporados ao código de honra japo-
nês, o Bushido, que incluía o suicídio ritual, alguns desses hábitos deverão
ƐŽďƌĞǀŝǀĞƌĂƚĠĂĚĞƌƌŽƚĂĚŽ:ĂƉĆŽŶĂ^ĞŐƵŶĚĂ'ƵĞƌƌĂDƵŶĚŝĂů͘
49
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50
5
CAPÍTULO
A
MODERNIDADE
DE NAPOLEÃO
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N apoleão marca o início da modernidade entre os senhores da guerra, não


apenas por ter empregado em larga escala recursos táticos até então co-
nhecidos apenas em teoria, mas também por sua capacidade de movimentar
grandes exércitos num vasto território e com rapidez notável para sua época.
Além disso, ao proclamar os ideais da Revolução Francesa, ele se apresenta
como verdadeiramente moderno; a partir dele as guerras assumem um as-
pecto cada vez mais ideológico: trata-se menos de um conflito entre dois ou
mais países do que entre dois sistemas políticos diferentes; a modernidade de
Napoleão ainda pode ser avaliada pelas imensas perdas que suas guerras cau-
saram, num sombrio prelúdio do que viria depois.

51
A Modernidade de Napoleão

Napoleão
e outros senhores da guerra
EĂƉŽůĞĆŽŽŶĂƉĂƌƚĞĐĞƌƚĂǀĞnjĮĐŽƵŝƌƌŝƚĂĚŽƋƵĂŶĚŽĂƉĂƌĞĐĞƵĞŵ
WĂƌŝƐƵŵĂďƌŽĐŚƵƌĂĂŶƀŶŝŵĂŝŶƟƚƵůĂĚĂ͗ĠƐĂƌ͕ƌŽŵǁĞůůĞŽŶĂƉĂƌ-
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ƚĞ͕ŵĂƐƉŽƌƋƵġ͍EĆŽƟŶŚĂĞůĞĚŝƚŽƋƵĞ͞KƐĞůǀĂŐĞŵ͕ĂƐƐŝŵĐŽŵŽŽ
homem civilizado, precisa de um senhor e mestre, um encantador,
que mantenha em xeque a sua fantasia, que o submeta a uma severa
disciplina, o encadeie, o impeça de morder no momento indevido, o
ĞƐƉĂŶƋƵĞĞĐŽŶĚƵnjĂăĐĂĕĂ͗ŽďĞĚĞĐĞƌĠƐĞƵĚĞƐƟŶŽ͕ĞůĞŶĆŽŵĞƌĞĐĞ
nada melhor e não tem nenhum direito!”? Por isso Napoleão cons-
ƟƚƵŝ Ƶŵ ĐĂƐŽ ĞƐƉĞĐŝĂů Ğŵ ŵĞŝŽ ĂŽƐ ƐĞŶŚŽƌĞƐ ĚĂ ŐƵĞƌƌĂ͘ ůĞ ŝŵƉƁĞ
ƐƵĂƟƌĂŶŝĂĂƚĠăŐƌĂŶĚĞĚĞƌƌŽƚĂĚĂĂƚĂůŚĂĚĂƐEĂĕƁĞƐ͕ƋƵĂŶĚŽƐĞ
ĂƉƌĞƐĞŶƚĂ ĐŽŵŽ ĐĂŵƉĞĆŽ ĚĂ ĚĞŵŽĐƌĂĐŝĂ͖ ĞůĞ ƐĂĐƌŝĮĐĂ ŵŝůŚĂƌĞƐ ĚĞ
homens nos altares do deus da guerra e ao mesmo tempo se preocu-
pa com a realização dos ideais de liberdade da Revolução Francesa;
ele persegue com uma censura implacável todos os órgãos de comu-
ŶŝĐĂĕĆŽĞŝŶĐĞŶƟǀĂĚĞŵŝůŵŽĚŽƐĂĐƵůƚƵƌĂŝŶƚĞůĞĐƚƵĂůĚĞƐĞƵƚĞŵƉŽ͖
ĮŶĂůŵĞŶƚĞĞůĞƵŵŐĞŶĞƌĂůŝŶĂƚŽƋƵĞĚĞĨĞŶĚĞĂƉŽůşƟĐĂĚĂƉĂnj͊
ƐƐĂƐĐŽŶƚƌĂĚŝĕƁĞƐĚŝĮĐƵůƚĂŵƵŵĂĂŶĄůŝƐĞĚĞEĂƉŽůĞĆŽĐŽŵŽƵŵ
dos “senhores da guerra”; sabemos, entretanto, que ele jamais hesi-
tou em convocar e enviar para o campo de batalha quantos homens
lhe parecesse necessário; isso é o que o grande biógrafo Emil Ludwig
ĐůĂƐƐŝĮĐŽƵĐŽŵŽĚĞƐƉƌĞnjŽĚŽŚŽŵĞŵĐĂƌĂĐƚĞƌşƐƟĐŽĚĂƉĞƌƐŽŶĂůŝĚĂĚĞ
de Napoleão. O imperador dos franceses considerava que o soldado

52
Os Senhores da Guerra

representa somente uma peça no imenso tabuleiro de xadrez do exér-


ĐŝƚŽ͕ĞŵĞƐŵŽĞƐƐĞĞdžĠƌĐŝƚŽĚĞǀĞƐĞƌǀŝƌƐŽŵĞŶƚĞĂŽũŽŐŽƉŽůşƟĐŽ͕ĂŽƐ
ŝŶƚĞƌĞƐƐĞƐĞƐƚƌĂƚĠŐŝĐŽƐĚĂŶĂĕĆŽĨƌĂŶĐĞƐĂ͗͞hŵƐŽůĚĂĚŽƉƌĞĐŝƐĂƐĂďĞƌ
morrer. Não temos que morrer todos nós?”, perguntou Napoleão a um
ĚĞƐĞƵƐŐĞŶĞƌĂŝƐƋƵĞƟŶŚĂĐŽŵĞƟĚŽ͞ĂĚĞƐŽŶƌĂ͟ĚĂĐĂƉŝƚƵůĂĕĆŽ͘

Napoleão
e Robespierre
ƐƐŝŵ͕EĂƉŽůĞĆŽƐĂĐƌŝĮĐĂƐĞŵĞƐĐƌƷƉƵůŽƐĂĨĞůŝĐŝĚĂĚĞĚŽŝŶĚŝǀşĚƵŽ
ĂŽƋƵĞĞůĞĐŽŶƐŝĚĞƌĂĐŽŵŽŽĂĨĞůŝĐŝĚĂĚĞĐŽůĞƟǀĂ͕ŽďĞŵͲĞƐƚĂƌĚĞƚŽĚĂ
ĂŶĂĕĆŽ͖ŝƐƐŽ ĠŽ ƋƵĞ ĞůĞƟŶŚĂ ĂƉƌĞŶĚŝĚŽ ĚĞƐĚĞŽƐ ĐŽŵĞĕŽƐ ĚĞƐƵĂ
carreira militar, quando foi encarregado pelo governo do Diretório de
ĚŝƐƉĞƌƐĂƌƵŵĂŵƵůƟĚĆŽĚĞŵĂŶŝĨĞƐƚĂŶƚĞƐŶĂƐƌƵĂƐĚĞWĂƌŝƐ͘ĞŵƚƌĞŝ-
nado na escola de Robespierre, o famoso chefe do Terror durante a Re-
ǀŽůƵĕĆŽ͕ŽũŽǀĞŵŽĮĐŝĂůŽŶĂƉĂƌƚĞƐĞƉƌĞƉĂƌŽƵƉĂƌĂĞŶĨƌĞŶƚĂƌŽƉŽǀŽ
como se prepararia mais tarde para a luta contra seus grandes inimigos
externos; a ordem do governo era bem clara: a de proteger os deputa-
dos da Assembleia contra o populacho que se sublevava ansiando pelo
Entreretorno
em nosso Canaldeno
dos radicais Telegram:
Robespierre. t.me/BRASILREVISTAS
Napoleão cumpriu essa ordem
ĐŽŵĂĞĮĐŝġŶĐŝĂĞĂĨƌŝĞnjĂƋƵĞũĄŽĨĂnjŝĂŵĂƐƐŝŶĂůĂƌ͖ĞůĞƚƌĂŶƐĨŽƌŵŽƵ
um convento numa fortaleza, armou os próprios deputados, traçou
uma estratégia de combate e mandou buscar quarenta canhões; “seus
velhos ‘amigos’, os canhões”! Como observa Emil Ludwig. No momen-
ƚŽĚƌĂŵĄƟĐŽĞŵƋƵĞĂŵƵůƟĚĆŽĂƌŵĂĚĂƐĞĂƉƌŽdžŝŵĂǀĂĚŽWĂƌůĂŵĞŶƚŽ
os deputados tremiam, mas não o comandante militar, Bonaparte, que
sempre censurou e zombou do que ele chamava “a fraqueza de Luís XVI”,
que deixou o espírito revolucionário alastrar-se mesmo quando ainda dis-
punha da lealdade do exército; portanto, em apenas duas horas Napoleão
ƉƀƐĮŵĂŽƚƵŵƵůƚŽ͕ĚĞƉŽŝƐĚĞĂƟƌĂƌĐŽŵŽƐĐĂŶŚƁĞƐƐŽďƌĞŽƐƐĞĚŝĐŝŽƐŽƐ͖
“as calçadas se tornaram vermelhas”, mas o governo do Diretório foi con-
ƐŽůŝĚĂĚŽ͘͞KŝŶŝŵŝŐŽŶŽƐĂƚĂĐŽƵŶĂƐdƵůŚĞƌŝĂƐ͕ŶſƐŵĂƚĂŵŽƐŵƵůƟĚƁĞƐ͖
isso nos custou trinta mortos e sessenta feridos. Nós desarmamos a mul-
ƟĚĆŽ͕ƚƵĚŽĞƐƚĄƚƌĂŶƋƵŝůŽ͘ŽŵŽƐĞŵƉƌĞ͕ŶĆŽƐŽĨƌŝƵŵƐſĨĞƌŝŵĞŶƚŽ͘KŐĞ-
ŶĞƌĂůĚĞďƌŝŐĂĚĂŽŶĂƉĂƌƚĞ͘DĞƵƐĐƵŵƉƌŝŵĞŶƚŽƐĂĞƐŝƌĠĞĞ:ƷůŝĂ͘͟ŵŝů
>ƵĚǁŝŐ ŽďƐĞƌǀĂ ƋƵĞ ŶĞƐƐĞ ƐĞƵ ƉƌŝŵĞŝƌŽ ďŽůĞƟŵ ĚĞ ǀŝƚſƌŝĂ ĞŵŝƟĚŽƉŽƌ
Napoleão, “Os inimigos são franceses, o campo de batalha Paris, os crimi-
nosos são radicais, a maioria dos mortos está do lado adversário”; talvez
ƵŵĂĚĞĐůĂƌĂĕĆŽĚŽŐĞŶĞƌĂůũƵƐƟĮƋƵĞƐĞƵƚŽŵďƵƌŽĐƌĄƟĐŽĞŝŶĚŝĨĞƌĞŶƚĞ

53
A Modernidade de Napoleão

quando fala dos mortos e feridos, e o afeto demonstrado para com seus
familiares: “Eu carrego dois homens dentro de mim: o homem do cérebro
e o homem do coração.” Muito da história francesa e europeia, deverá
depender da proporção entre esses dois homens.

O desastre de
Napoleão na Rússia
Ainda mais impressionante que a guerrilha espanhola foi o desastre so-
ĨƌŝĚŽƉŽƌEĂƉŽůĞĆŽŶĂZƷƐƐŝĂ͕ĞŵϭϴϭϮ͘ŽŶƚƌĂƌŝĂŶĚŽƚŽĚŽƐŽƐĐŽŶƐĞůŚŽƐĚĂ
ƉƌƵĚġŶĐŝĂ͕ĞĂĮƌŵĂŶĚŽƋƵĞũĂŵĂŝƐĐŽŵĞƚĞƌŝĂŽƐŵĞƐŵŽƐĞƌƌŽƐĚĞĂƌůŽƐ
y//ʹZĞŝĚŽƐƐƵĞĐŽƐʹƋƵĞƟŶŚĂƐĞƉĞƌĚŝĚŽŶŽƐŝŵĞŶƐŽƐƉĂŶƚĂŶĂŝƐĚĞWƵů-
ƚĂǁĂ͕EĂƉŽůĞĆŽŝŶǀĂĚŝƵĂƋƵĞůĞƉĂşƐĂĮŵĚĞĐĂƐƟŐĂƌŽnjĂƌůĞdžĂŶĚƌĞ͕ƋƵĞ
ŶĆŽŽďĞĚĞĐŝĂĂŽƐĚŝƚĂŵĞƐĚŽůŽƋƵĞŝŽŽŶƟŶĞŶƚĂůĞƚĞŝŵĂǀĂĞŵĐŽŵĞƌĐŝĂƌ
com a Inglaterra. O grande exército de Napoleão era formado por soldados
ĚĞĚŝǀĞƌƐĂƐŶĂĕƁĞƐ͕ƐŽďƌĞƚƵĚŽĂůĞŵĆĞƐ͖ĐŽŵĞůĞƐ͕ĞŵŶƷŵĞƌŽĞƐƟŵĂĚŽĚĞ
seiscentos mil, o imperador dos franceses avançou na direção da estepe,
ĞƐƋƵĞĐŝĚŽĚĞƋƵĞĞƌĂƉƌĞĐŝƐŽƉƌŝŵĞŝƌŽŐĂƌĂŶƟƌŽƐĂďĂƐƚĞĐŝŵĞŶƚŽƐ͖ĞůĞďƵƐ-
cou em vão uma batalha decisiva, pois os russos evitavam-na a todo custo,
EntreƌĞƟƌĂŶĚŽͲƐĞĐŽŶƟŶƵĂŵĞŶƚĞƉĂƌĂŽŝŶƚĞƌŝŽƌ͕ĞƋƵĂŶĚŽĮŶĂůŵĞŶƚĞĂĐĞŝƚĂƌĂŵ
em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
combater, Napoleão alcançou uma “vitória de Pirro”, ou seja, uma daquelas
vitórias tão caras que mais parecem derrotas.
Perdido no interior da imensa planície russa, sem uma linha segura
de comunicações com o restante da Europa, sem contar nem mesmo
com feno para a cavalaria e trigo para
EM SEU PRIMEIRO os soldados, Napoleão acreditou que
BOLETIM MILITAR, tomar Moscou, a capital do império
NAPOLEÃO AFIRMOU ƌƵƐƐŽ͕ƐŝŐŶŝĮĐĂƌŝĂǀĞŶĐĞƌŽŝŶŝŵŝŐŽ͖ƉĂƌĂ
QUE SEUS INIMIGOS ERAM lá ele se dirigiu, portanto, encontrou a
FRANCESES, E O CAMPO cidade vazia, tomou posse dela imedia-
DE BATALHA ERA PARIS. tamente, mas isso serviu apenas para
aumentar sua confusão quando, pouco
tempo depois, a cidade foi incendiada pelos próprios russos. Tendo
ĞƐĐĂƉĂĚŽăŵŽƌƚĞĐŽŵĚŝĮĐƵůĚĂĚĞ͕EĂƉŽůĞĆŽĚĞƵŝŶşĐŝŽăƚƌŝƐƚĞŵĞŶƚĞ
ĨĂŵŽƐĂƌĞƟƌĂĚĂĚĂZƷƐƐŝĂ͕ǀĞŶĚŽƐĞƵƐƐŽůĚĂĚŽƐŵŽƌƌĞƌĞŵĞŵŐƌĂŶĚĞ
ƋƵĂŶƟĚĂĚĞ͕ ƉŽƌƋƵĞ Ž ŝŶǀĞƌŶŽ ĐŚĞŐŽƵ ůŽŐŽ͕ Ğ ĐŽŵ Ž ĨƌŝŽ ƚĞƌƌşǀĞů͕ ͞Ž
general inverno” dos russos, veio também a fome e as doenças, num
cortejo fatal. A isso veio ajuntar-se os ataques incessantes dos cossa-
cos, a temível cavalaria russa, que dizimava os soldados de Napoleão

54
Os Senhores da Guerra

ƚŽĚŽƐŽƐĚŝĂƐ͕ŶƵŵĂƐĂŶŐƌŝĂŝŶĐĞƐƐĂŶƚĞ͖ĞŽƌĞƐƵůƚĂĚŽĮŶĂůĨŽŝĞƐƚĞ͗ĚŽƐ
ƐĞŝƐĐĞŶƚŽƐ ŵŝů ŚŽŵĞŶƐ ƋƵĞ ƟŶŚĂŵ ĞŶƚƌĂĚŽ ŶĂ ZƷƐƐŝĂ͕ ĐŚĞŐĂƌĂŵ ĚĞ
volta à fronteira com a Polônia apenas cinquenta mil, ou seja, menos
de um décimo!
ŵĞƐŵŽŶĞƐƐĂƐƚĞƌƌşǀĞŝƐĐŝƌĐƵŶƐƚąŶĐŝĂƐ͕EĂƉŽůĞĆŽŝŶƐŝƐƟĂĞŵƌĞŶŽǀĂƌ
o recrutamento, convocar o que ele chamava de nova classe, isto é, os
ũŽǀĞŶƐƋƵĞĂĐĂďĂǀĂŵĚĞĂƟŶŐŝƌĂŝĚĂĚĞŵŝůŝƚĂƌ͕ŽďƚĞŶĚŽĂƐƐŝŵĂƐƌĞƐĞƌ-
vas necessárias à formação de novos exércitos que sustentariam novas
guerras. “Quem poderia contar com o incêndio de Moscou?” perguntava
Napoleão após o fracasso da campanha contra a Rússia; “Será a Inglater-
ra de fato invencível?” E na esteira dessas perguntas, que serviam para
desculpar seus erros, Napoleão simplesmente fazia cálculos, imaginando
em quanto tempo poderia reunir outros cento e vinte mil homens, pelo
ŵĞŶŽƐ͕ĂĮŵĚĞĚĂƌŝŶşĐŝŽƋƵŝĕĄĂƵŵĂŶŽǀĂĐĂŵƉĂŶŚĂ͘ŵƚŽĚŽĐĂƐŽĞůĞ
poderia contar com a Guarda Nacional, o exército republicano formado
pela Revolução, pensava, “e assim se poderia em três meses ter um mi-
lhão de cidadãos armados...”; a conclusão de Emil Ludwig é assustadora.

EntreAem
derrota de no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
nosso Canal
Napoleão
ƐĚƵĂƐƷůƟŵĂƐďĂƚĂůŚĂƐĚĞEĂƉŽůĞĆŽĨŽƌĂŵĂĐŚĂŵĂĚĂĂƚĂůŚĂĚĂƐ
Nações e a célebre Batalha de Waterloo, ambas perdidas por ele para
ĐŽĂůŝnjƁĞƐĐŚĞĮĂĚĂƐƉĞůŽƐŝŶŐůĞƐĞƐ͘ĞŵĂŵďŽƐŽƐĐĂƐŽƐĂƐƉĞƌĚĂƐĚĞƵŵ
ůĂĚŽĞĚŽŽƵƚƌŽĨŽƌĂŵƌĞůĂƟǀĂŵĞŶƚĞƉĞƋƵĞŶĂƐ͕ƉŽƌƋƵĞŶĆŽŚŽƵǀĞƚĞŵ-
ƉŽƉĂƌĂĂůƵƚĂĚĞĚĞƐŐĂƐƚĞĐĂƌĂĐƚĞƌşƐƟĐĂĚĂƐƉĂŶŚĂĞĚĂZƷƐƐŝĂ͖ŵĂƐ͕
ĐŽŵŽƋƵĞƌƋƵĞƐĞũĂ͕ĠŝŵƉƌĞƐƐŝŽŶĂŶƚĞĂƋƵĂŶƟ-
ĚĂĚĞĚĞǀŝĚĂƐŚƵŵĂŶĂƐƐĂĐƌŝĮĐĂĚĂƐƉĞůŽ͞ƐĞŶŚŽƌ DOS SEISCENTOS
da guerra” na realização de seus desígnios; foram MIL HOMENS QUE
milhares de mortos desde as primeiras campa- TINHAM ENTRADO
nhas até a queda do imperador; por isso falamos NA RÚSSIA, APENAS
da “modernidade de Napoleão”, o grande estra- UM DÉCIMO
ƚĞŐŝƐƚĂƋƵĞŝŶƚƌŽĚƵnjŝƵŽƵƐŽĚĂĂƌƟůŚĂƌŝĂĐŽŵŽĠ
SOBREVIVEU.
conhecido até hoje, inventou ou aperfeiçoou ma-
ŶŽďƌĂƐĞĞŶǀŽůǀŝŵĞŶƚŽĞƐşƟŽ͕ŽƌŐĂŶŝnjŽƵƵŵĂǀĂŶĕĂĚŽƐŝƐƚĞŵĂĚĞĐŽŵƵŶŝ-
cações, e aproveitou ao máximo todas as vantagens que o terreno da batalha
ůŚĞŽĨĞƌĞĐŝĂ͘^ĞƵŐƌĂŶĚĞĞƌƌŽĞƐƚƌĂƚĠŐŝĐŽĨŽŝ͕ĞŶƚƌĞƚĂŶƚŽ͕ĐŽŵĞƟĚŽƉŽƌĨĂůƚĂĚĞ
ĐŽŶŚĞĐŝŵĞŶƚŽĚĂŚŝƐƚſƌŝĂĞĚĂŐĞŽŐƌĂĮĂĚĞĚŽŝƐƉĂşƐĞƐĞƵƌŽƉĞƵƐ͖ƵŵƉĞƋƵĞ-
no e vizinho da França, o outro gigantesco e distante: a Espanha e a Rússia.

55
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56
6
CAPÍTULO
UM NOVO
GÊNGIS-CÃ
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C om a Revolução Russa de 1917, chegou ao poder um novo tipo de líder,


de “senhor da guerra”, completamente moderno, falando em nome do
futuro, dispondo de eficiente máquina administrativa, dos recursos quase
infinitos da propaganda, e armado de uma poderosa ideologia que procla-
mava o progresso social, o fim das desigualdades. O primeiro desses senho-
res foi Lênin, o segundo foi Stálin – aquele abriu o caminho do poder – este
se estabeleceu no poder com mão de ferro, dando início ao primeiro sistema
totalitário de toda a história.

57
Um Novo Gêngis-Cã

A ideologia
totalitária
Falando sobre o totalitarismo, a eminente pensadora alemã
Hannah Arendt, lembra que “o governo totalitário é diferente das
tiranias e das ditaduras; a distinção entre eles não é de modo algum
uma questão acadêmica que possa ser deixada, sem riscos, aos cui-
dados dos ‘teóricos’, porque o domínio total é a única forma de go-
verno com a qual não é possível coexistir”. Ao falarmos dos grandes
senhores da guerra do século XX, portanto, temos que manter sem-
pre a lembrança desse pensamento; enquanto os antigos tiranos,
quaisquer que fossem suas convicções políticas, visavam dominar
algumas esferas da vida humana, a social ou a religiosa, por exem-
plo, ou simplesmente a política, o sistema totalitário adotado pelo
nazismo e o comunismo deseja dominar o ser humano totalmente,
integralmente, em todas as suas aspirações e desejos; o líder tota-
litário é o grande guia, o chefe enviado por Deus – ou pelo Desti-
no a fim de livrar toda a nação dos seus problemas do presente, e
Entreconduzi-la
em nosso rumo a um futuro de liberdade e grandeza; sob a direção
Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
segura do líder, do grande guia, não é preciso sequer dar-se o tra-
balho de pensar: ele pensa por todos, e pensa da melhor maneira,
a fim de favorecer o bem coletivo.

Crimes do
totalitarismo
ŽŶƐŝĚĞƌĂŶĚŽͲƐĞƋƵĞĂŵĞŶƟƌĂĠŝŶĞƌĞŶƚĞĂŽƚŽƚĂůŝƚĂƌŝƐŵŽ͕ƉŽĚĞŵŽƐ
ĚŝnjĞƌƋƵĞĞƐƐĂĠĂƉƌŝŵĞŝƌĂŐƌĂŶĚĞŵĞŶƟƌĂ͗ĂĚĞƋƵĞŽůşĚĞƌƚŽƚĂůŝƚĄƌŝŽ
ďƵƐĐĂƐŽŵĞŶƚĞŽďĞŵĐŽůĞƟǀŽ͖ĨŽŝĞŵŶŽŵĞĚĞƐƐĞďĞŵ͕ĂůŝĄƐ͕ƋƵĞŽƐ
líderes totalitários cometeram crimes jamais registrados nos anais da
história humana. Hannah Arendt foi corajosa o bastante para reco-
nhecer que, em linhas gerais, apesar de todos os esforços dos comu-
ŶŝƐƚĂƐŽƵĚĞƐĞƵƐƐŝŵƉĂƟnjĂŶƚĞƐ͕ŶĆŽĨŽŝƉŽƐƐşǀĞůĞƐĐŽŶĚĞƌĂĚŝŵĞŶ-
ƐĆŽĚŽƐĐƌŝŵĞƐĚĞ^ƚĄůŝŶ͗͞ƐǀşƟŵĂƐĚŽWƌŝŵĞŝƌŽWůĂŶŽYƵŝŶƋƵĞŶĂů͕
ĞƐƟŵĂĚĂƐĞŵŶŽǀĞĂĚŽnjĞŵŝůŚƁĞƐĚĞƉĞƐƐŽĂƐ͕ĠƉƌĞĐŝƐŽĂĚŝĐŝŽŶĂƌ
aproximadamente três milhões de executados durante os Grandes
Expurgos e de cinco a nove milhões de deportados. Mas todas essas
ĞƐƟŵĂƟǀĂƐƉĂƌĞĐĞŵƐŝƚƵĂƌͲƐĞĂƋƵĠŵĚĂƌĞĂůŝĚĂĚĞĨĂĐƚƵĂů͘WƌŽǀĂĚŝƐ-
so são diversas execuções maciças (como a de milhares de pessoas,
ĚĞƐĐŽďĞƌƚĂƐƉĞůŽƐĂůĞŵĆĞƐĞŵsŝŶŝƚƐĂ͕ƋƵĞĚĂƚĂĚĞϭϵϯϳŽƵϭϵϯϴͿĞ

58
Os Senhores da Guerra

das quais nada se sabia no Ocidente.” Nunca devemos nos esquecer,


portanto, de que os novos senhores da guerra, geradores do sistema
ƚŽƚĂůŝƚĄƌŝŽ͕ŶĆŽŵĞĚĞŵŽŶƷŵĞƌŽĚĞƐƵĂƐǀşƟŵĂƐƉŽƌŵŝůŚĂƌĞƐ͕ĐŽŵŽ
ainda o fazia Napoleão, mas por dezenas de milhares, por milhões
ŵĞƐŵŽ͘ƐĞŽƌĞŐŝŵĞĚŽdĞƌƌŽƌƟŶŚĂƐŝĚŽĚĞĐƵƌƚĂĚƵƌĂĕĆŽŶŽƉĞƌşŽ-
do da Revolução Francesa, no totalitarismo o Terror se transforma no
sistema de governar; não se comete nenhum exagero quando se diz
que Lênin era na realidade uma espécie de Lênin-Robespierre, o foco
ĂƉĂƌƟƌĚŽƋƵĂůĨŽŝƉŽƐƐşǀĞůŽƐƵƌŐŝŵĞŶƚŽĚĞ^ƚĄůŝŶ͘

Lênin
Ironicamente nascido como membro da baixa nobreza russa, na
ǀĞƌĚĂĚĞ>ġŶŝŶƟŶŚĂƐŝĚŽĞĚƵĐĂĚŽŶĂƚĞƌƌşǀĞůĞƐĐŽůĂĚĂŐƵĞƌƌĂ͗ƋƵĂŶĚŽ
ainda jovem estudante universitário ele viu seu irmão condenado à
morte por envolvimento num atentado contra o Czar Alexandre III, o
que causou, aliás, a morte por desgosto do velho pai. Depois, envol-
ǀŝĚŽ Ğŵ ĂƟǀŝĚĂĚĞƐ ƌĞǀŽůƵĐŝŽŶĄƌŝĂƐ͕ >ġŶŝŶ ĨŽŝ ƉĞƌƐĞŐƵŝĚŽ ƉĞůĂ ƉŽůşĐŝĂ
czarista, exilado na Sibéria e se tornou refugiado na Europa ocidental;
Entredeem nosso
lá, da Suíça,Canal no Telegram:
ele retornou à Rússia sob at.me/BRASILREVISTAS
proteção dos alemães, em
ϭϵϭϳ͕ĐŽŵĂƉƌŽŵĞƐƐĂĚĞĨĂnjĞƌĂƉĂnjĐŽŵĂůĞŵĂŶŚĂ͕ůŝǀƌĂŶĚŽĞƐƚĂ
do peso que representava a frente oriental durante a Primeira Guerra
DƵŶĚŝĂů;ϭϵϭϰͲϭϵϭϴͿ͘ƉſƐĂƋƵĞĚĂĚŽĐnjĂƌŝƐŵŽĞĚŽŐŽǀĞƌŶŽŵŽĚĞ-
ƌĂĚŽ ĚĞ <ĞƌĞŶƐŬŝ͕ Ğŵ ŽƵƚƵďƌŽ ĚĞ ϭϵϭϳ͕ >ġŶŝŶ Ğ dƌŽƚƐŬŝ ŽƌŐĂŶŝnjĂƌĂŵ
Ž džĠƌĐŝƚŽ sĞƌŵĞůŚŽ ĐŽŵ Ž ŽďũĞƟǀŽ ĚĞ ĐŽŵďĂƚĞƌ ŽƐ ƌƵƐƐŽƐ ďƌĂŶĐŽƐ
contrarrevolucionários, apoiados pelas potências ocidentais como a
França e a Inglaterra; essa foi a prolongada e terrível guerra civil que
ƚĞƌŵŝŶŽƵ ĐŽŵ Ă ǀŝƚſƌŝĂ ĚĞĐŝƐŝǀĂ ĚŽ ƉĂƌƟĚŽ ĚĂ ŵĂŝŽƌŝĂ͕ ŽƐ ďŽůĐŚĞǀŝ-
ƋƵĞƐĚĞ>ġŶŝŶ͘ŽŵŽŶĆŽƐĞƌŝĂĚƵƌŽƵŵŚŽŵĞŵƋƵĞƟŶŚĂǀŝƐƚŽƚŽĚŽƐ
os horrores da guerra? Daquela guerra onde os cadáveres insepultos
eram, muitas vezes, dilacerados não pelas aves de rapina, mas por
ŵƵůƟĚƁĞƐĨĂŵŝŶƚĂƐ͕ĚĞƐĞƐƉĞƌĂĚĂƐĞŵďƵƐĐĂĚĞĂůŝŵĞŶƚŽ͍YƵĞƌĞƐƋƵş-
cio de compaixão ainda poderia ser encontrado num coração que vira
o povo massacrado na famosa jornada do Domingo Sangrento de São
WĞƚĞƌƐďƵƌŐŽ͕ĞŵϭϵϬϱ͕ƋƵĂŶĚŽĂƉŽůşĐŝĂĐnjĂƌŝƐƚĂŵĞƚƌĂůŚŽƵŽƉŽǀŽŝŶ-
defeso? Como poderia apiedar-se diante da morte de seus inimigos ou
de seus subalternos um homem que conheceu a fundo os esquemas
abstratos de Marx, segundo os quais a razão deve modelar a realida-
de, e a “construção da História” é o que importa acima de tudo?

59
Um Novo Gêngis-Cã

Entre em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS

Lênin impressionou os seus biógrafos e historiadores por sua frie-


njĂ͕ƉŽƌƐƵĂŝŵƉĂƐƐŝďŝůŝĚĂĚĞ͕ƉĞůŽĨĂƚŽĚĞƋƵĞ͕ĂŽƌĞĐĞďĞƌĂŶŽơĐŝĂĚĂ
morte da família de Nicolau II, ordenada por ele mesmo, durante um
discurso sobre as fábricas, ele
NÃO HÁ PRAZER MAIOR QUE simplesmente retornou à tribuna
DESCOBRIR UM INIMIGO, e disse: “voltemos às fábricas”.
PREPARAR A VINGANÇA, ƐƐĂ ĮŐƵƌĂ ĞŶŝŐŵĄƟĐĂ͕ ĞŶƚƌĞƚĂŶ-
VER TUDO FEITO E, DEPOIS, to, era fruto de um contato pre-
DORMIR SOSSEGADO. maturo com a crueldade humana,
Josef Stálin com um sistema de impiedosa
repressão, e de uma educação
baseada nos princípios marxistas mais ortodoxos; inteligente, dotado
ĚĞŝŶǀĞũĄǀĞůĐƵůƚƵƌĂĮůŽƐſĮĐĂ͕>ġŶŝŶƌĞƵŶŝĂĞŵƐŝƵŵĨŽƌŵŝĚĄǀĞůƚĂůĞŶ-
to organizador, uma capacidade de trabalho incrível, semelhante à de
Napoleão, e um coração de pedra sob o rosto impassível; a múmia que
durante décadas habitou a muralha exterior do Krêmlin, o centro do
poder totalitário, era um retrato perfeito da personalidade de Lênin.

60
Os Senhores da Guerra

Stálin
Lênin, entretanto, foi apenas o começo; ele representa a fase inicial
ĚĂZĞǀŽůƵĕĆŽƌƵƐƐĂĚĞϭϵϭϳ͖ĐĂďĞƌŝĂĂ^ƚĄůŝŶĞŶĆŽĂĞůĞĂŝŵƉůĂŶƚĂ-
ção dos ideais revolucionários e do totalitarismo; e a terrível guerra
ĐŝǀŝůĞŶƚƌĞƌƵƐƐŽƐďƌĂŶĐŽƐĞǀĞƌŵĞůŚŽƐ͕ǀĞŶĐŝĚĂƉŽƌĞƐƚĞƐƷůƟŵŽƐ͕ĨŽŝ
ĂƉĞŶĂƐŽƉƌĞůƷĚŝŽĚĞƵŵĂŐƵĞƌƌĂŝŶƚĞƌŶĂŵƵŝƚŽŵĂŝƐƐŽŵďƌŝĂ͕ĞƐƚĂƟƐ-
ƟĐĂŵĞŶƚĞĂƚĞƌƌĂĚŽƌĂ͕ĞŵƉƌĞĞŶĚŝĚĂƉŽƌ^ƚĄůŝŶĐŽŶƚƌĂŽƐĐŚĂŵĂĚŽƐŝŶŝ-
migos do povo, que podiam ser indivíduos ou uma classe inteira, a dos
camponeses proprietários, por exemplo. Porque esses novos senhores
da guerra combatem seus inimigos internos, ou seja, grupos rivais na
disputa pelo poder, ou simplesmente aqueles que lutam pela liberda-
de, com a mesma ferocidade com que lutam contra o inimigo externo;
ou talvez ainda mais. Nenhum escrúpulo os detém quando se trata de
ĐŽůŽĐĂƌ ĂƋƵĞůĞƐ ŝŶŝŵŝŐŽƐ ĨŽƌĂ ĚŽ ƐĞƵ ĐĂŵŝŶŚŽ͕ ĨŽƌĂ ĚŽ ũŽŐŽ ƉŽůşƟĐŽ͖
daí as armas que empregam, desde o campo de concentração até à
polícia secreta; daí os “talentos especiais” que os marcam, e que não
são certamente os mesmos dos mais famosos generais do passado;
EntreŶĞŵ,ŝƚůĞƌŶĞŵ^ƚĄůŝŶƉŽĚĞŵƐĞƌĐůĂƐƐŝĮĐĂĚŽƐĐŽŵŽĞƐƚƌĂƚĞŐŝƐƚĂƐďƌŝ-
em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
lhantes, mas foram ambos exterminadores de primeira categoria. Eles
ƐŽƵďĞƌĂŵŚĂďŝůŵĞŶƚĞƵƐĂƌĂĐůĂƐƐĞĐŽŵŽũƵƐƟĮĐĂƟǀĂƉĂƌĂƐƵĂƉŽůşƟĐĂ
de extermínio; Hannah Arendt diz que “Para a máquina impiedosa do
domínio e do extermínio, as massas coordenadas da burguesia cons-
ƟƚƵşĂŵŵĂƚĞƌŝĂůĐĂƉĂnjĚĞĐƌŝŵĞƐĂŝŶĚĂƉŝŽƌĞƐƋƵĞŽƐĐŽŵĞƟĚŽƐƉĞůŽƐ
ĐŚĂŵĂĚŽƐĐƌŝŵŝŶŽƐŽƐƉƌŽĮƐƐŝŽŶĂŝƐ͕ĐŽŶƚĂŶƚŽƋƵĞĞƐƐĞƐĐƌŝŵĞƐĨŽƐƐĞŵ
ďĞŵŽƌŐĂŶŝnjĂĚŽƐĞĂƐƐƵŵŝƐƐĞŵĂĂƉĂƌġŶĐŝĂĚĞƚĂƌĞĨĂƐƌŽƟŶĞŝƌĂƐ͘͟KƐ
burgueses eram os inimigos que não mereciam viver, por sua oposição
ĂŽƐŝĚĞĂŝƐƌĞǀŽůƵĐŝŽŶĄƌŝŽƐ͘ďĞŵĐĂƌĂĐƚĞƌşƐƟĐŽĚĞƐƐĞƉĞŶƐĂŵĞŶƚŽŽ
ĚŝƐĐƵƌƐŽ ĚĂ /ŶƚĞƌŶĂĐŝŽŶĂů ŽŵƵŶŝƐƚĂ ĚĞ ϭϵϮϮ͗ ͞dŽĚŽ Ğ ƋƵĂůƋƵĞƌ ĐŽ-
ŵƵŶŝƐƚĂ ŚŽŶĞƐƚŽ ĚĞǀĞ ĐŽŵďĂƚĞƌ Ă ƐŽĐŝĞĚĂĚĞ ďƵƌŐƵĞƐĂ ĂƚĠ Ž ƷůƟŵŽ
alento, com palavras e ações, de armas em punho, se necessário for.
A propaganda da Internacional Comunista há de acabar com o poder
ĚŽƐŝŵƉĞƌŝĂůŝƐƚĂƐ͊͟ƐƐŝŵ͕ƐĞŵŵĞĚŝƌĂƐƷůƟŵĂƐĐŽŶƐĞƋƵġŶĐŝĂƐĚĞƐƐĞ
ĚŝƐĐƵƌƐŽ͕Ă/ŶƚĞƌŶĂĐŝŽŶĂůŽŵƵŶŝƐƚĂĐŽŶƐŝĚĞƌĂǀĂƋƵĞ͞ŽĞŶƚĞƌƌŽĚĞĮ-
ŶŝƟǀŽĚĂƐŽĐŝĞĚĂĚĞďƵƌŐƵĞƐĂ͟ĚĞǀĞƌŝĂƐĞƌƐƵĂŵŝƐƐĆŽŚŝƐƚſƌŝĐĂ͖ŵĂŝƐ
ƚĂƌĚĞ^ƚĄůŝŶĨĞnjƋƵĞƐƚĆŽĚĞĞǀŽĐĂƌĞƐƐĞƉĞŶƐĂŵĞŶƚŽĂĮŵĚĞũƵƐƟĮĐĂƌ
o massacre de seus opositores: sem dúvida alguma eles eram todos
inimigos da revolução.

61
Um Novo Gêngis-Cã

O inimigo
é a burguesia
hŵĂ ĐĂƌĂĐƚĞƌşƐƚŝĐĂ ŵƵŝƚŽ ŝŶƚĞƌĞƐƐĂŶƚĞ ĚŽƐ ŶŽǀŽƐ ƐĞŶŚŽƌĞƐ ĚĂ
guerra é sua aparente normalidade. Enquanto os antigos reis se as-
sentavam sobre tronos imponentes, se coroavam de ouro e prata,
e vestiam mantos de púrpura; enquanto os generais romanos eram
acompanhados por um cortejo solene de guardas e oficiais, pelas
muitas insígnias do poder, homens como Stálin ou Hitler se esfor-
çavam por parecer normais, envergavam geralmente trajes simples,
burgueses, e se dirigiam aos mais próximos em termos até corteses
ĞĨĂŵŝůŝĂƌĞƐ͗ŶĆŽơŶŚĂŵŽƐŽĐĂŵĂƌĂĚĂ^ƚĄůŝŶ͍ŽŵĂŝƐĐƌƵĞů͕ŵĂŝƐ
frio e indiferente dos chefes nazistas,
‘TALVEZ NADA MELHOR aquele que se responsabilizou direta-
DO QUE A PERDA DE mente pela organização dos campos
FÉ NUM JULGAMENTO ĚĞĐŽŶĐĞŶƚƌĂĕĆŽ͕,ŝŵŵůĞƌ͕ƟŶŚĂƵŵĂ
FINAL DISTINGA TÃO aparência vulgar, como a de qualquer
transeunte das ruas, e até mesmo
RADICALMENTE
Entre em nossoASCanal MASSASno Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
ĂůŐŽ ơŵŝĚĂ͊ ^ĂďĞŵŽƐ ƋƵĞ EĞƌŽ ĮĐĂ-
MODERNAS DAQUELAS
va profundamente ofendido quando
DOS SÉCULOS PASSADOS.’ alguém menosprezava suas “qualida-
Hannah Arendt
ĚĞƐĂƌơƐƟĐĂƐ͟ĚĞĐĂŶƚŽƌ͕ĂƚůĞƚĂĞĂƚŽƌ͖
assim também é provável que nada irritasse tanto Himmler quan-
to considerá-lo grosseiro e inadaptado ao convívio social, isto é, o
“anormal” que ele de fato era.
Hannah Arendt lembra que um observador inglês de antes da
guerra ficou deveras impressionado com essa normalidade de
Himmler. Ele descreveu o líder nazista como “um homem de fina
cortesia e ainda interessado nas coisas simples da vida; não tem
aquela pose dos nazistas que agem como se fossem semideuses...
Nenhum homem aparenta menos o cargo que exerce do que esse
ditador da polícia alemã, e estou convencido de que ninguém que
eu tenha encontrado na Alemanha é mais normal...” É curioso lem-
ďƌĂƌ ƋƵĞ ƚĂŵďĠŵ Ă ŵĆĞ ĚĞ ^ƚĄůŝŶ͕ ŬĂƚĞƌŝŶĂ͕ Ž ĐŽŶƐŝĚĞƌĂǀĂ ͞hŵ
filho exemplar”; ela dizia sempre: “Quisera que todos fossem como
ele”; e mesmo mais tarde, quando Stálin já era o senhor de toda a
Rússia, ela insistia em lamentar o fato de que o filho tinha deixado
o seminário teológico e não se formara padre.

62
Os Senhores da Guerra

O novo
Gêngis-Cã
Por outro lado, era natural que Stálin admirasse Lênin e o con-
siderasse como o verdadeiro líder revolucionário, embora a princí-
pio tenha se decepcionado um pouco ao encontrar “aquele homem
baixinho” e de aparência insignificante. Lênin também decepcionou
Stálin quando não o mencionou no seu famoso testamento políti-
co; aliás, ele talvez já se sentisse um pouco alarmado ao perceber
que Stálin fora um bom “aprendiz de feiticeiro”, empregando com
desenvoltura os mesmos métodos de Lênin na repressão aos adver-
sários políticos. Até hoje, os historiadores estudam com interesse o
complicado jogo de relações entre os dois líderes no período entre
a doença final de Lênin e a subida de Stálin ao poder. Este constitui
de fato um capítulo instrutivo na história dos grandes “senhores da
guerra” modernos, porque Stálin assimilou rapidamente os ensina-
mentos do mestre, mostrando que lhe sobrava astúcia e persistên-
cia, embora fosse intelectualmente inferior a Lênin. Foram essas
Entrequalidades
em nosso queCanal
levaramnoStálin
Telegram:
ao poder, t.me/BRASILREVISTAS
quando Lênin morreu nin-
guém poderia imaginar que seu sucessor seria exatamente aquele
que Trotsky considerava “a mais eminente mediocridade do nosso
partido”. De qualquer modo Stálin logo mereceu reivindicar para si
mesmo o título de Novo Gêngis-Cã, que lhe foi dado não por algum
inimigo ou observador estrangeiro, mas ironicamente por um bol-
chevista do primeiro momento, um de seus camaradas, enfim.

Stálin: sucessor
de Lênin
Muito mais que Lênin, Stálin chama nossa atenção por sua ca-
pacidade de sobreviver num meio hostil e cheio de rivais, e de
impor-se a eles, inclusive o próprio Trotsky, provando assim que era
ŵƵŝƚŽŵĂŝƐƋƵĞ͞ĂŵĂŝƐĞŵŝŶĞŶƚĞŵĞĚŝŽĐƌŝĚĂĚĞ͟ĚŽƉĂƌƟĚŽĐŽŵƵ-
ŶŝƐƚĂ͘hŵĚŽƐŵĂŝƐŵĂƌĐĂŶƚĞƐƌĞƐƵŵŽƐďŝŽŐƌĄĮĐŽƐĚĞ^ƚĄůŝŶĨŽŝĨĞŝƚŽ
por François Furet em sua famosa análise do comunismo: “O historia-
dor se pergunta, nesta ocasião (do encanto que Stálin exercia sobre
ŽƐŝŶƚĞůĞĐƚƵĂŝƐŽĐŝĚĞŶƚĂŝƐͿĐŽŵŽĞŵŵƵŝƚĂƐŽƵƚƌĂƐ͕ŽŶĚĞŽƌƷƐƟĐŽŐĞ-
orgiano adquiriu essa penetração psicológica que lhe permite ante-
ĐŝƉĂƌĂƐƌĞĂĕƁĞƐĞŽƐƐĞŶƟŵĞŶƚŽƐĚĞƵŵĂĞƐƚƌĞůĂĚĂůŝƚĞƌĂƚƵƌĂĞƵƌŽ-

63
Um Novo Gêngis-Cã

peia. Stálin recebeu apenas uma pobre educação, ele nunca saiu da
Rússia, ele não conhece nenhuma língua estrangeira, ele passou sua
ǀŝĚĂĞŵŵĞŝŽăƐŝŶƚƌŝŐĂƐĚŽƉĂƌƟĚŽďŽůĐŚĞǀŝƐƚĂ͕ƚŽĚĂǀŝĂƉĂƌĞĐĞƋƵĞ
ĞůĞĐŽŶŚĞĐĞŽKĐŝĚĞŶƚĞ͕ƐĞƵƐŚŽŵĞŶƐĚĞůĞƚƌĂƐ͕ƐĞƵƐƉŽůşƟĐŽƐ͕ƐĞƵƐ
modos e suas manhas. Poucos são os homens do século XX cujo gê-
ŶŝŽƉŽůşƟĐŽ͕ĞŵƐƵĂƉŝŽƌǀĞƌƐĆŽ͕ĠĐůĂƌŽ͕ƐĞũĂƵŵĚŽŵƚĆŽĞǀŝĚĞŶƚĞ͘͟

Holocausto
da fome
Stálin se valeu desse dom a fim de alcançar o poder absoluto e
se consagrar como um dos grandes senhores da guerra que a histó-
ria conhece. Para ele, numa escala muito maior que para Lênin, o
que importava era a realização do ideal comunista, “do bem” abs-
trato, custasse o que custasse; se Lênin fez da violência um verda-
deiro sistema de governo, foi Stálin quem levou esse sistema até às
suas últimas consequências; isso explica sua indiferença perante o
sacrifício de milhares ou mesmo de milhões de vidas. François Furet
afirma que a história da coletivização forçada das terras na Rússia
Entrestalinista
em nosso Canal
constitui umno Telegram:
capítulo especial,t.me/BRASILREVISTAS
impregnado de tamanho
horror, que “ela ainda está por ser feita”, seja pela imperfeição dos
dados estatísticos de que dispomos seja pela dificuldade de recons-
truir aquela atmosfera de destruição. Essa história, segundo Furet,
͞&Ğnj Ă hŶŝĆŽ ^ŽǀŝĠƚŝĐĂ ĞŶƚƌĂƌ ŶƵŵ ƚĞƌƌŽƌ ĚĞ ŵĂƐƐĂ ƋƵĞ ŶĆŽ ƚŝŶŚĂ
precedentes até aquela época, exceto talvez pelo massacre dos ar-
mênios na Turquia, mas este de natureza diferente.” Esse sombrio
episódio inspirou títulos não menos sombrios, tais como Execução
pela Fome: O Holocausto Oculto, de Miron Dolot; O Holocausto
hĐƌĂŶŝĂŶŽĚĞϭϵϯϯ͕ĚĞt͘,ƌLJƐŚŬŽ͖ĞŽůŚĞŝƚĂĚĞŽƌ͗ŽůĞƚŝǀŝnjĂ-
ção Soviética e o Terror da Fome, de Robert Conquest.

O encanto
da ideologia
Envolvidos, entretanto, naquilo que o mesmo François Furet de-
nomina “o encanto universal de outubro”, a maioria dos intelectu-
ais do Ocidente aprovou o desenvolvimento tecnológico promovido
por Stálin, e desculpou os crimes do senhor da guerra como justi-
ficados por seus objetivos políticos. A revolução e o socialismo são
demasiado grandes para que possam ser detidos por escrúpulos de

64
Os Senhores da Guerra

consciência; Stálin teve a coragem, diziam os intelectuais, de “dar


o grande salto”, de tornar realidade aquilo que Lênin tinha apenas
idealizado. E quaisquer dificuldades que esse salto pudesse encon-
trar, quaisquer falhas ocorridas no programa de coletivização das
terras ou de modernização da indústria, deveriam ser atribuídas
aos inimigos internos da revolução, às forças reacionárias que so-
nhavam com a restauração do czarismo e dos antigos privilégios de
classe, assim como, na Revolução Francesa, os realistas sonhavam
com o retorno dos Bourbon a um trono restaurado.

Guerra contra
os camponeses
Não tendo mais nobreza para combater, no período que se se-
gue imediatamente à morte de Lênin, não tendo mesmo burguesia,
ĚŽnjĞĂŶŽƐĂƉſƐĂƌĞǀŽůƵĕĆŽĚĞϭϵϭϳ͕^ƚĄůŝŶǀŽůƚŽƵƚŽĚĂĂƐƵĂǀŝŽ-
lência contra o novo inimigo: os camponeses médios e pequenos
proprietários. François Furet estremece ao reconhecer que “Nunca,
antes, nenhum regime no mundo se tinha lançado numa empresa
Entretão
emmonstruosa,
nosso Canal no Telegram:
de dimensão t.me/BRASILREVISTAS
tão gigantesca e de tão vastas con-
sequências: eliminar milhões de camponeses, destruir a vida rural
até às suas raízes.” Essa empresa, porém, embora levada a cabo
com uma eficiência estarrecedora, deveria ser apenas a primeira de
outras; Stálin não se deu por contente nem mesmo quando comple-
tou o extermínio pela fome de cerca de treze milhões de ucrania-
nos: faltavam ainda o Gulag e os expurgos.

Ideologia
e Mitologia
Se os antigos senhores da guerra eram apoiados pelo mito da
sua ascendência divina ou da sua invencibilidade no campo de ba-
talha, se sua espada era “o sustentáculo do seu trono”, os moder-
nos senhores dependem da ideologia, ou seja, da mitologia política;
daí a importância fundamental da propaganda e da mentira oficial
nos sistemas totalitários; daí a importância do partido, essa entida-
de abstrata que representa as aspirações mais altas de todos que
se identificam com a ideologia. A obsessão ideológica, a fidelidade
partidária como resultado da doutrinação totalitária, explicam a fa-
cilidade com que o extermínio foi realizado quando se tratava dos

65
Um Novo Gêngis-Cã

próprios russos; essa é outra diferença fundamental entre antigos e


modernos senhores da guerra: quando os antigos perseguiam seus
próprios súditos, causavam violentas revoltas movidas pelo instin-
to de defesa; mas quando os modernos senhores fazem isso, são
acolhidos pela cumplicidade e o silêncio
STÁLIN ERA INCAPAZ DE das vítimas, por uma incompreensível
VER O MUNDO SENÃO aceitação do jugo, nunca houve revol-
PELO PRISMA DE SEUS ta no sistema totalitário, quer o nazis-
PRÓPRIOS MEDOS E ta quer o comunista, e se Hitler ainda
AMBIÇÕES. sofreu alguns atentados isolados, Stálin
George Kennan não conheceu nem mesmo isso, e pode
contar sempre com a lealdade e a sub-
serviência das massas e da burocracia do partido. Ele podia por
isso dar-se o luxo de culpar seus subalternos, seus delegados, pelos
crimes que sua própria crueldade tinha ditado, e chegou mesmo
ao requinte de fazer executar muitos chefes de polícia após algum
expurgo, pelos excessos que eles tinham cometido – excessos estes
que naturalmente remontavam a ele mesmo.
Entre em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
A obsessão
partidária
&ĂůĂŶĚŽ ƐŽďƌĞ Ă ƐƵďƐĞƌǀŝġŶĐŝĂ ƉĂƌƟĚĄƌŝĂ͕ ,ĂŶŶĂŚ ƌĞŶĚƚ ĂĮƌŵĂ
que “O que é desconcertante, no sucesso do totalitarismo, é o verda-
deiro altruísmo dos seus adeptos. É compreensível que as convicções de
ƵŵŶĂnjŝƐƚĂŽƵĚĞƵŵďŽůĐŚĞǀŝƐƚĂŶĆŽƐĞũĂŵĂďĂůĂĚĂƐƉŽƌĐƌŝŵĞƐĐŽŵĞƟ-
dos contra os inimigos do movimento; mas o fato espantoso é que ele não
ǀĂĐŝůĂƋƵĂŶĚŽŽŵŽŶƐƚƌŽĐŽŵĞĕĂĂĚĞǀŽƌĂƌŽƐƉƌſƉƌŝŽƐĮůŚŽƐ͕ŶĞŵŵĞƐ-
ŵŽƋƵĂŶĚŽĞůĞƉƌſƉƌŝŽƐĞƚŽƌŶĂǀşƟŵĂĚĂŽƉƌĞƐƐĆŽ͕ƋƵĂŶĚŽĠŝŶĐƌŝŵŝŶĂĚŽ
ĞĐŽŶĚĞŶĂĚŽ͕ƋƵĂŶĚŽĠĞdžƉƵůƐŽĚŽƉĂƌƟĚŽĞĞŶǀŝĂĚŽƉĂƌĂƵŵĐĂŵƉŽĚĞ
concentração ou de trabalhos forçados. Pelo contrário, para o assombro
de todo o mundo civilizado, estará até disposto a colaborar com a própria
condenação e tramar a própria sentença de morte, contanto o seu status
como membro do movimento permaneça intacto.” Nesse contexto não
surpreende que Trotsky tenha dito que “Só podemos ter razão com o par-
ƟĚŽĞĂƚƌĂǀĠƐĚĞůĞ͕ƉŽŝƐĂŚŝƐƚſƌŝĂŶĆŽŶŽƐĐŽŶĐĞĚĞŽƵƚƌĂĨŽƌŵĂĚĞĐĞƌƚĞ-
za. Os ingleses têm um ditado: ‘minha pátria, certa ou errada’; Temos um
ŵŽƟǀŽŚŝƐƚſƌŝĐŽŵƵŝƚŽŵĞůŚŽƌƉĂƌĂĚŝnjĞƌƋƵĞŽƉĂƌƟĚŽ͕ĐĞƌƚŽŽƵĞƌƌĂĚŽ
ĞŵĐĞƌƚŽƐĐĂƐŽƐŝŶĚŝǀŝĚƵĂŝƐ͕ĠŽŵĞƵƉĂƌƟĚŽ͘͟

66
Os Senhores da Guerra

O terror
Entre em nossodos expurgos
Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
O assassinato de um secretário-geral do partido comunista, Ki-
ƌŽǀ͕ Ğŵ ϭϵϯϰ͕ ƐĞƌǀŝƵ ĚĞ ƉƌĞƚĞdžƚŽ ƉĂƌĂ ^ƚĄůŝŶ ĚĞƐĞŶĐĂĚĞĂƌ Ž ĐŚĂ-
mado Grande Terror, a repressão impiedosa dos que ele conside-
rava como seus rivais; e a proporção foi alta, chegando a possíveis
três ou quatro milhões entre deportados e assassinados. Foi nessa
época que ocorreram os famosos julgamentos de Moscou, quando
centenas de oficiais e generais do Exército Vermelho, assim como
bolchevistas “da velha guarda”, que tinham participado diretamen-
ƚĞĚĂZĞǀŽůƵĕĆŽĚĞϭϵϭϳ͕ĞŶĐŽŶƚƌĂƌĂŵĂŵŽƌƚĞ͘dƌŽƚƐŬLJ͕ĨŽŝǀĞŶĐŝĚŽ
nas disputas partidárias por Stálin, expulso da Rússia e proscrito,
tinha se refugiado no México, mas lá foi assassinado por um agente
de Stálin. A repressão teve consequências quase fatais para a Rússia
ĞŽƉƌſƉƌŝŽ^ƚĄůŝŶ͕ũĄƋƵĞ͕Ğŵϭϵϰϭ͕ƋƵĂŶĚŽ,ŝƚůĞƌŝŶǀĂĚŝƵŽƉĂşƐ͕ŽƐ
quadros de oficiais do exército estavam desfalcados, o que indire-
tamente facilitou o sucesso inicial dos alemães. Porém, foi somente
mais tarde, no período pós-guerra, imediatamente após a morte de
Stálin, que o novo líder soviético, Nikita Khrouchtchev, revelou ao
mundo aterrorizado o grosso dos crimes do ditador; a história ainda
não fez um julgamento definitivo do “grande senhor da guerra”.

67
Entre em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS

68
7
CAPÍTULO
ADOLF
HITLER
Entre em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS

N os últimos tempos tem surgido toda uma literatura a respeito do famoso


líder nazista Adolf Hitler; isso representa muito mais que o cultivo sensa-
cionalista de uma memória extravagante; não se trata de mera curiosidade
ditada por um gosto duvidoso, trata-se, bem ao contrário, de uma justa pre-
ocupação com a existência do grande criminoso. A pergunta que fazemos é a
seguinte: se o fenômeno desse monstro se mostrou possível uma vez, então
poderá ocorrer outra vez? Como um homem é capaz de exterminar milhões fria
e calculadamente, e mandar outros milhões para o que ele mesmo chamava de
“inferno da guerra”, e ainda ser considerado “humano”? Estudar a história de
Hitler é necessário a fim de evitar a repetição de algo parecido; não podemos
permitir que o ovo da serpente possa ser de novo encubado. Por outro lado,
também é importante reconhecer as afinidades entre os dois grandes sistemas
totalitários: o nazismo e o comunismo.

69
Adolf Hitler
A

EntreNazismo
em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
e Comunismo
hŵ ĚŽƐ ŵĂŝŽƌĞƐ ƉƌŽŐƌĞƐƐŽƐ ĨĞŝƚŽƐ ƉĞůĂ ŚŝƐƚŽƌŝŽŐƌĂĨŝĂ ĂƚƵĂů͕ Ă
partir de alguns intelectuais corajosos como o francês Raymond
Aron e a alemã Hannah Arendt é representado pela comparação
entre nazismo e comunismo, até bem pouco tempo proibida. Dizia-
-se que não era politicamente correto comparar os dois regimes,
visto que o primeiro era “reacionário, de direita”, enquanto o se-
gundo, quaisquer que fossem suas falhas, “era progressista, de es-
querda”. Hannah Arendt provou o quanto esse argumento é falso,
em sua obra-prima Origens do Totalitarismo; graças a ela descobri-
mos muitas das afinidades entre os dois sistemas totalitários, muito
do horror comum aos dois.
Num estudo sobre “os senhores da guerra”, entretanto, é pre-
ciso deixar Hitler “brilhar com luz própria”, isto é, mostrar o seu
horror particular sem referências externas ou pelo menos fazendo
um uso mínimo delas. Hitler representa aquilo que Hannah Arendt
denomina com acerto a banalidade do mal, ou seja, a capacidade
que o ser humano tem de praticar o mal como se fora um ato qual-
quer do cotidiano, algo de banal e comum, que não se destaca das
nossas demais atividades.

70
Os Senhores da Guerra

Origens
de Hitler
A origem desse “senhor da guerra” também foi banal, não possui
nada de extraordinário, desde seus começos como estudante na Viena
do início do século XX, até seus primeiros pronunciamentos públicos
ĞŵDƵŶŝƋƵĞ͕ƋƵĂŶĚŽŽƉĂƌƟĚŽŶĂnjŝƐƚĂĐŽŵĞĕĂĂƉƌŽũĞƚĂƌͲƐĞŶŽĐĞŶĄ-
ƌŝŽƉŽůşƟĐŽĂůĞŵĆŽ͘ƐƐĞĐĂƌĄƚĞƌďĂŶĂů͕ƉĂƌĂŶĆŽĚŝnjĞƌǀƵůŐĂƌĚĞ,ŝƚůĞƌ͕
ainda hoje intriga os historiadores, psicólogos e estudiosos em geral:
como se explica que “aquele homenzinho” do guarda-chuva, que pe-
rambulava melancólico pelas ruas da capital da Baviera, tenha chegado
a ser um dos maiores, senão o maior ditador de todos os tempos? Te-
ŶŚĂƐƵďŵĞƟĚŽăƐƵĂǀŽŶƚĂĚĞĚĞĨĞƌƌŽƵŵƉĂşƐŝŶƚĞŝƌŽ͕ĞƵŵƉĂşƐĂůƚĂ-
mente civilizado, na vanguarda mesmo de todo progresso espiritual e
ƚĞĐŶŽůſŐŝĐŽ͍dĞŶŚĂĮŶĂůŵĞŶƚĞĐŽŵĞƟĚŽƵŵŐĞŶŽĐşĚŝŽĚĞƉƌŽƉŽƌĕƁĞƐ
assustadoras, e levado aquele mesmo país à destruição completa?
Esse é um dos maiores enigmas da história, e serve para demonstrar
exatamente o caráter vulgar dos grandes assassinos modernos, que
Entrenão
empossuem
nossonemCanal
mesmono aTelegram:
majestade dost.me/BRASILREVISTAS
grandes capitães de Roma
ou a grandeza de um Napoleão.

O grande
assassino
Hitler não se importou com os quarenta milhões de mortos da Se-
gunda Guerra Mundial, nem se importaria mesmo com um número
ainda maior; porque, como Hannah Arendt observa, ele “Não foi for-
ĕĂĚŽƉĞůĂŐƵĞƌƌĂĂĂƟƌĂƌƉĞůŽƐĂƌĞƐƚŽĚĂƐĂƐĐŽŶƐŝĚĞƌĂĕƁĞƐĚĞŽƌĚĞŵ
ĠƟĐĂ͕ŵĂƐƐŝŵĐŽŶƐŝĚĞƌĂǀĂĂĐĂƌŶŝĮĐŝŶĂĚĂŐƵĞƌƌĂƵŵĂĞdžĐĞůĞŶƚĞŽƉŽƌ-
tunidade para dar início a um programa de assassinatos que, como
todos os pontos do seu programa, se media em termos de milênios.”
Assim, não apenas o Reich deveria durar mil anos, mas o extermínio de
“raças inferiores” também. A loucura de Hitler, aliás, não poupava nem
ŵĞƐŵŽŽƉŽǀŽĂůĞŵĆŽ͖ĞdžŝƐƚĞŵŵŽƟǀŽƐƉĂƌĂĂĐƌĞĚŝƚĂƌƋƵĞƐĞƵƉƌŽ-
ŐƌĂŵĂĚĞ͞ƉƵƌŝĮĐĂĕĆŽ͟ĞŶǀŽůǀŝĂŽĞdžƚĞƌŵşŶŝŽĚĞĚŽĞŶƚĞƐĚŽĐŽƌĂĕĆŽ͕
ĚŽĞŶƚĞƐŵĞŶƚĂŝƐ͕ĚĞĮĐŝĞŶƚĞƐĞŝŶĐĂƉĂnjĞƐĚĞƚŽĚŽƟƉŽ͖ƵŵŶĂnjŝƐƚĂĐŚĞ-
gou mesmo a dizer que, em caso de derrota, Hitler “em sua sabedo-
ria, havia preparado uma morte suave para o povo alemão, por meio
de gás”! Foi assim, por sua extraordinária capacidade de despertar a

71
Adolf Hitler
A

imaginação das massas, que Hitler conseguiu dominá-las, dirigi-las de


acordo com sua própria vontade, e conduzi-las ao abismo da destrui-
ção. É ainda Hannah Arendt que nos fala da obsessão das massas pelo
líder que as dispensa de pensar; as massas sentem necessidade de um
mito moderno no qual possam acreditar, e era exatamente isso que
,ŝƚůĞƌůŚĞƐŽĨĞƌĞĐŝĂ͗ŽŵŝƚŽĚĂůŝĚĞƌĂŶĕĂĚŝƚĂĚĂƉĞůŽĚĞƐƟŶŽ͖ŽƐĞŶŚŽƌ
da guerra era também o senhor de todos os alemães; ele era o mais
ĐĂƉĂnjĚĞĐƌŝĂƌƵŵŵƵŶĚŽĚĞĮĐĕĆŽŶŽƋƵĂůŽƐĂůĞŵĆĞƐĚĞƌƌŽƚĂĚŽƐĞ
humilhados na Primeira Guerra Mundial podiam se mostrar superiores
a todos os outros povos e com direito a escravizá-los.

Triunfos de
Hitler
Por outro lado, os primeiros grandes sucessos de Hitler na Po-
lônia e na França pareciam justificar seu papel de líder infalível e
brilhante estrategista; em poucos meses, ou seja, entre setembro
ĚĞϭϵϯϵĞŵĂŝŽĚĞϭϵϰϬ͕ŽƐŶĂnjŝƐƚĂƐƚŽŵĂƌĂŵƉŽƐƐĞĚĞǀĂƐƚŽƐƚĞƌƌŝ-
tórios na Europa depois de derrotar a França e expulsar os ingleses
Entrenaem nosso
famosa Canal
retirada de no Telegram:
Dunquerque. t.me/BRASILREVISTAS
Os tanques de Hitler pareciam
justificar bem sua reputação de “senhor da guerra”, enquanto seus
aviões dominavam os ares e começavam a cruzar o Canal da Mancha
a fim de combater a grande rival, a “ilha inacessível” de Napoleão. E
ƋƵĂŶƚŽăhŶŝĆŽ^ŽǀŝĠƚŝĐĂĚĞ^ƚĄůŝŶ͕ĂŐƌĂŶĚĞƉŽƚġŶĐŝĂĐŽŶƚŝŶĞŶƚĂů͕Ă
única que poderia deter o
‘A CRUELDADE IMPRESSIONA; avanço de Hitler, ela esta-
AS PESSOAS QUEREM TER MEDO. va ligada a Hitler pelo pac-
DESEJAM SE SUBMETER A ALGUÉM to germano-soviético de
COM TREMOR; AS MASSAS ϭϵϯϵ͕ƋƵĞĞƐƚŝƉƵůĂǀĂĂŶĆŽ
PRECISAM DISSO. PRECISAM DE agressão entre os dois pa-
ALGUMA COISA PARA TEMER.’ íses e a divisão da Polônia
entre ambos. A situação só
Adolf Hitler
começou a mudar quando
a força aérea alemã fracassou em seu intento de derrotar a Royal
Air Force, a aviação inglesa, e Hitler optou por operações de bom-
bardeio sobre áreas civis; a estratégia alemã deveria ser frustrada,
e o feitiço se voltou contra o feiticeiro quando tiveram início os
bombardeios maciços dos aliados sobre os grandes centros indus-
triais e urbanos da Alemanha.

72
Os Senhores da Guerra

A invasão
da Rússia
YƵĂŶƚŽăĨƌĞŶƚĞŽƌŝĞŶƚĂů͕ĂŝŶǀĂƐĆŽĚĂZƷƐƐŝĂĞŵũƵŶŚŽĚĞϭϵϰϭ͕ĞůĂƚĂŵ-
bém alcançou resultado no começo; os exércitos alemães avançaram rapi-
damente rumo a Moscou, Leningrado e Stalingrado, mas o triunfo durou
pouco; a reação russa não se fez esperar; um imenso exército alemão foi
completamente destruído diante de Stalingrado, outros foram cercados em
Leningrado ou no caminho de Moscou; o inverno e as intempéries causaram
aos alemães perdas ainda mais devastadoras que as sofridas por Napoleão
ĞŵϭϴϭϮ͖ƉĂƵůĂƟŶĂŵĞŶƚĞŽƐĞdžĠƌĐŝƚŽƐƌƵƐƐŽƐĞdžƉƵůƐĂƌĂŵŽƐĂůĞŵĆĞƐĚĞƐĞƵ
território e avançaram por sua vez rumo ao país dos nazistas, cruzando o ter-
ƌŝƚſƌŝŽƉŽůŽŶġƐ͘ŵĂďƌŝůĚĞϭϵϰϱ͕ĮŶĂůŵĞŶƚĞ͕ĂŐƵĞƌƌĂƚĞƌŵŝŶŽƵŶĂƵƌŽƉĂ
com a tomada de Berlim pelos russos e aliados ingleses, franceses e norte-
-americanos. O mal, entretanto, estava feito; como resume Max Dimont,
͞ĞƐĚĞŽĚŝĂĞŵƋƵĞ,ŝƚůĞƌƚŽŵŽƵŽƉŽĚĞƌ͕ĂƚĠĞƐƐĞĂďƌŝůĚĞϭϵϰϱƋƵĂŶĚŽ͕
ŶƵŵĂĞƌůŝŵĞŵĐŚĂŵĂƐ͕ĞůĞƐĞƐƵŝĐŝĚŽƵĂƟƌĂŶĚŽƵŵĂďĂůĂŶĂďŽĐĂ͕ŽƐĂůĞ-
ŵĆĞƐĞdžƚĞƌŵŝŶĂƌĂŵƐŝƐƚĞŵĂƟĐĂŵĞŶƚĞĚŽnjĞŵŝůŚƁĞƐĚĞŚŽŵĞŶƐ͕ŵƵůŚĞƌĞƐ
EntreeĞdžĞĐƵĕĆŽ͕ƋƵĞƌŶĂƐĐąŵĂƌĂƐĚĞŐĄƐ͘ĞƐƐĞƐĚŽnjĞŵŝůŚƁĞƐĚĞǀşƟŵĂƐ͕ƐĞƚĞ
crianças, quer nos campos de concentração, sob o fogo dos pelotões de
em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
ŵŝůŚƁĞƐĞƌĂŵĐƌŝƐƚĆŽƐĞĐŝŶĐŽ΀ŽƵƐĞŝƐ΁ŵŝůŚƁĞƐũƵĚĞƵƐ͘͟

A tragédia
polonesa
Max Dimont ainda ressalta que muitas foram as ironias nessa história
de extermínio; uma delas é que os poloneses entregaram aos nazistas mais
de dois milhões e oitocentos mil ju-
deus, e se recusaram a socorrer os A PRINCIPAL FUNÇÃO DA
rebeldes do célebre Gueto de Varsó- PROPAGANDA É CONVENCER
ǀŝĂ͕ Ğŵ ϭϵϰϰ͖ Ğŵ ĐŽŵƉĞŶƐĂĕĆŽ ŽƐ AS MASSAS, CUJA LENTIDÃO
nazistas “mataram como gado mais DE ENTENDIMENTO EXIGE QUE
de um milhão e quinhentos mil po- LHES SEJA DADO TEMPO PARA
loneses”, e os russos se negaram a ABSORVER A INFORMAÇÃO.’
prestar-lhes socorro no levante de
Adolf Hitler
sĂƌƐſǀŝĂ͕ ƚĂŵďĠŵ Ğŵ ϭϵϰϰ͘ KƵƚƌĂ
ironia, hoje cuidadosamente analisada pelos historiadores, é a da Floresta
de Katyn, na Polônia oriental, onde os russos ocultaram os cadáveres de
ƋƵĂƐĞĚĞnjŽŝƚŽŵŝůŽĮĐŝĂŝƐ͕ŝŶƚĞůĞĐƚƵĂŝƐ͕ĂĚǀŽŐĂĚŽƐĞƉƌŽĨĞƐƐŽƌĞƐƉŽůŽŶĞƐĞƐ
assassinados por ordem expressa de Stálin, e culparam os alemães; so-

73
Adolf Hitler
A

ŵĞŶƚĞŚĄƉŽƵĐŽƐĂŶŽƐŽŐŽǀĞƌŶŽƌƵƐƐŽĂĚŵŝƟƵĂƌĞƐƉŽŶƐĂďŝůŝĚĂĚĞ͘EĞƐƐĞ
grandioso jogo histórico, diz Hannah Arendt, cada um dos senhores da
guerra, o nazista e o comunista, buscou lançar sobre o outro a responsabi-
ůŝĚĂĚĞĞdžĐůƵƐŝǀĂƉĞůĂƉŽůşƟĐĂĚŽĞdžƚĞƌŵşŶŝŽƐŝƐƚĞŵĄƟĐŽƋƵĞĂŵďŽƐũĂŵĂŝƐ
ŚĞƐŝƚĂƌĂŵĞŵƉƌĂƟĐĂƌ͘ĚŝĨĞƌĞŶĕĂĠƋƵĞ͞ĂǀŝƚſƌŝĂŶĂŐƵĞƌƌĂůĞŐŝƟŵŽƵŽ
comunismo”, como lembra François Furet, e serviu para ocultar durante
muito tempo os crimes do comunismo.

Originalidade dos
crimes totalitários
Para nós, nem um nem outro dos ditadores totalitários pode ser jus-
ƟĮĐĂĚŽƉĞƌĂŶƚĞĂŚŝƐƚſƌŝĂ͕ǀŝƐƚŽƋƵĞĂĚŝŵĞŶƐĆŽĚĞƐĞƵƐĐƌŝŵĞƐƵůƚƌĂƉĂƐƐĂ
tudo o que antes fora visto. O que todos se perguntam é exatamente isto:
ĐŽŵŽĨŽŝƉŽƐƐşǀĞůƋƵĞ͞ƐĞƌĞƐĚŽƚĂĚŽƐĚĞƌĂnjĆŽ͕͟ŚŽŵĞŶƐƋƵĞƟŶŚĂŵĂĐĞƐƐŽ
ĂŽĐŽŶĨŽƌƚŽĚĂǀŝĚĂŵŽĚĞƌŶĂ͕ƋƵĞĐŽŶŚĞĐŝĂŵŽƐƉƌŽŐƌĞƐƐŽƐĐŝĞŶơĮĐŽƐ͕ƋƵĞ
se propunham guiar seus povos nos caminhos da paz e do bem-estar, foram
capazes de planejar e executar o extermínio de milhões de seus congêne-
res? Os campos de concentração, os abomináveis campos de Auschwitz,
EntreTreblinka,
em nosso Canal
Dachau, noe Telegram:
Sobibor Belsen-Belsen, t.me/BRASILREVISTAS
nos deixam chocados, é ver-
dade; esses cenários de horror não devem ser jamais esquecidos para que
ŶĆŽƐĞũĂŵŶƵŶĐĂƌĞƉĞƟĚŽƐ͖ŵĂŝƐĂƚĞƌƌŽƌŝnjĂŶƚĞ͕ĞŶƚƌĞƚĂŶƚŽ͕ƋƵĞŽƐƉƌſƉƌŝŽƐ
campos de concentração, é a célebre reunião de Wannsee, nos arredores
ĚĞĞƌůŝŵ͕ĞŵϭϵϰϮ͕ƋƵĂŶĚŽĐŚĞĨĞƐŶĂnjŝƐƚĂƐĚĞĐŝĚŝƌĂŵĚĂƌŝŶşĐŝŽĂŽĞdžƚĞƌ-
ŵşŶŝŽ͕ƐŽďƌĞƚƵĚŽĚŽƐũƵĚĞƵƐ͕ĚĂŵĂŶĞŝƌĂŵĂŝƐĨƌŝĂĞĞĮĐŝĞŶƚĞƋƵĞƐĞƉŽƐƐĂ
ŝŵĂŐŝŶĂƌ͖ĞůĞƐƐĞƉŽƌƚĂƌĂŵĐŽŵŽŶƵŵĂƌĞƵŶŝĆŽďƵƌŽĐƌĄƟĐĂƋƵĂůƋƵĞƌ͕ŶŽ
escritório de uma grande empresa. Isto é a banalidade do mal tão realçada
pela inteligência ímpar de Hannah Arendt; e a origem dessa banalidade está
justamente no pendor para o domínio inerente à condição humana: o que
existe de mais repugnante no comportamento dos carrascos nazistas é o
fato de que esse comportamento possa se apresentar como humano; e essa
ŚƵŵĂŶŝĚĂĚĞĐŽŵŽĐŽŶƐĞƋƵġŶĐŝĂƉƌĄƟĐĂĚŽƉĞŶƐĂŵĞŶƚŽĚĞ,ŽďďĞƐƐŝƐƚĞ-
ŵĂƟnjĂĚŽƐŽďŽơƚƵůŽĚĞƋƵĞŽŚŽŵĞŵĠůŽďŽƉĂƌĂŽŚŽŵĞŵ͘

A propaganda
ŽĨĂnjĞƌƐƵĂĂŶĄůŝƐĞƌĞĮŶĂĚĂĚŽƉŽĚĞƌĚĂƉƌŽƉĂŐĂŶĚĂŶŽƐƌĞŐŝŵĞƐƚŽ-
talitários, Hannah Arendt reconhece o quanto a crueldade de Hitler e Stá-
ůŝŶĚĞǀĞăĞĮĐŝġŶĐŝĂĚĂŵĄƋƵŝŶĂĚĞƉƌŽƉĂŐĂŶĚĂŵŽŶƚĂĚĂƉŽƌĞůĞƐ͘ĞĨĂƚŽ͕
ŵƵŝƚŽĚĂĐĂƌƌĞŝƌĂĚĞĂŵďŽƐŽƐĚŝƚĂĚŽƌĞƐƚĞƌŝĂƐŝĚŽĚŝĮĐƵůƚĂĚŽƐĞĂƐŵĂƐƐĂƐ

74
Os Senhores da Guerra

fossem capazes de perceber desde o início quais eram as verdadeiras in-


ƚĞŶĕƁĞƐĚĞĂŵďŽƐ͕ĞŶĆŽƟǀĞƐƐĞŵƐŝĚŽĞŶŐĂŶĂĚĂƐƉĞůĂƉƌŽƉĂŐĂŶĚĂĞƉĞůĂ
ƐƵĂ ƉƌſƉƌŝĂ ŽďƐĞƐƐĆŽ ƉĂƌƟĚĄƌŝĂ͘ ͞ ƉƌŽƉĂŐĂŶĚĂ ƚŽƚĂůŝƚĄƌŝĂ͕͟ Ěŝnj ,ĂŶŶĂŚ
ƌĞŶĚƚ͕͞ĂƉĞƌĨĞŝĕŽŽƵŽĐŝĞŶƟĮĐŝƐŵŽŝĚĞŽůſŐŝĐŽĞĂƚĠĐŶŝĐĂĚĞĂĮƌŵĂĕƁĞƐ
ƉƌŽĨĠƟĐĂƐĂƵŵƉŽŶƚŽĂŶƚĞƐŝŐŶŽƌĂĚŽĚĞĞĮĐŝġŶĐŝĂŵĞƚſĚŝĐĂĞĂďƐƵƌĚŽ
Entredeemconteúdo
nossoporque,
Canal do no
ponto de vista demagógico,
Telegram: a melhor maneira de
t.me/BRASILREVISTAS
ĞǀŝƚĂƌĂĚŝƐĐƵƐƐĆŽĠƚŽƌŶĂƌŽĂƌŐƵŵĞŶƚŽŝŶĚĞƉĞŶĚĞŶƚĞĚĞǀĞƌŝĮĐĂĕĆŽŶŽ
ƉƌĞƐĞŶƚĞĞĂĮƌŵĂƌƋƵĞƐſŽĨƵƚƵƌŽůŚĞƌĞǀĞůĂƌĄŽƐŵĠƌŝƚŽƐ͘͟ƐƐŝŵ͕ĨŽƌĂŵ
ŵƵŝƚĂƐĂƐƚĞŶƚĂƟǀĂƐĚĞĚĞŶƷŶĐŝĂĚŽƐĐƌŝŵĞƐƚŽƚĂůŝƚĄƌŝŽƐŶŽƉĞƌşŽĚŽƋƵĞƐĞ
ƐĞŐƵŝƵă^ĞŐƵŶĚĂ'ƵĞƌƌĂDƵŶĚŝĂů͖ĞƐƐĂƐƚĞŶƚĂƟǀĂƐ͕ƉŽƌĠŵ͕ĨƌĂĐĂƐƐĂƌĂŵ
quase em sua totalidade porque aqueles crimes eram acobertados pela
ĨĂůƐĂǀŝƐĆŽĚĞĨƵƚƵƌŽŽĨĞƌĞĐŝĚĂƉĞůĂƉƌŽƉĂŐĂŶĚĂŽĮĐŝĂů͘dĂŶƚŽ,ŝƚůĞƌƋƵĂŶ-
ƚŽ^ƚĄůŝŶĚĂǀĂŵĂĞŶƚĞŶĚĞƌĂŽƐƐĞƵƐƉŽǀŽƐƋƵĞŽƐƐĂĐƌŝİĐŝŽƐĚĂŐƵĞƌƌĂŽƵ
ĚĂĐŽůĞƟǀŝnjĂĕĆŽĚĂĂŐƌŝĐƵůƚƵƌĂĞƌĂŵĂƉĞŶĂƐƉƌŽǀŝƐſƌŝŽƐ͕ĚĞǀĞƌŝĂŵĚƵƌĂƌ
um mínimo de tempo para ceder lugar, logo em seguida, a um estado de
felicidade geral e duradoura: o Reich de mil anos ou o paraíso comunista.
,ĂŶŶĂŚƌĞŶĚƚĨĂnjƋƵĞƐƚĆŽĚĞĂƐƐŝŶĂůĂƌĞƐƐĂƉƌŽƉĂŐĂŶĚĂŵĞŶƟƌŽƐĂĐŽŵŽ
ĂǀŝŐĂŵĞƐƚƌĂƋƵĞŵĂŶƚĠŵĚĞƉĠŽĞĚŝİĐŝŽĚŽƚŽƚĂůŝƚĂƌŝƐŵŽ͖ƐĞŵĞůĂ͕Ž
ƐĞŶƐŽĐƌşƟĐŽĂĐĂďĂƌŝĂƉŽƌƐĞƌĚĞƐƉĞƌƚĂĚŽŵĞƐŵŽĞŶƚƌĞĂƐŵĂƐƐĂƐ͕ŽƋƵĞ
ůĞǀĂƌŝĂĂŽĮŵĚĂĐĞŐĂĐŽŶĮĂŶĕĂŶŽůşĚĞƌƚŽƚĂůŝƚĄƌŝŽ͗͞ŶƚĞƐƋƵĞŽƐůşĚĞƌĞƐ
das massas tomem o poder para fazer com que a realidade se ajuste às
ŵĞŶƟƌĂƐƋƵĞƉƌŽĐůĂŵĂŵ͕ƐƵĂƉƌŽƉĂŐĂŶĚĂĞdžŝďĞĞdžƚƌĞŵŽĚĞƐƉƌĞnjŽƉĞůŽƐ
fatos em si, pois na opinião deles os fatos dependem exclusivamente do
poder do homem que os inventa.” Assim, não é mera coincidência o fato
de que Goebbels, o chefe da propaganda nazista, tenha acompanhado Hi-
ƚůĞƌĂƚĠŽĮŶĂů͕ĞƐſƚĞŶŚĂƐĞƐƵŝĐŝĚĂĚŽĚĞƉŽŝƐĚŽƉƌſƉƌŝŽ,ŝƚůĞƌ͘

75
Entre em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS

76
8
CAPÍTULO
CAPÍTULO
FINAL?
Entre em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS

Q ueremos acreditar na possibilidade de escrever um capítulo final acerca


dos senhores da guerra; mas, por enquanto, isso não é possível: guerras
estão em curso no momento atual ou ainda espalham suas consequências pelo
mundo em que vivemos.

77
Capítulo Final?

Mao Tsé-Tung
Colocamos de propósito o ponto de interrogação porque, infe-
Entrelizmente,
em nosso a história
Canal dosno
senhores da guerra
Telegram: não pode ser encerrada
t.me/BRASILREVISTAS
de maneira definitiva. E isso por duas razões: a primeira é a escas-
sez de dados, como no caso do líder chinês Mao Tsé-Tung; somente
há pouco tempo começaram a ser publicadas biografias que apre-
sentam um panorama próximo da verdade, nem tendencioso nem
idealizador; e nesse caso a estatística é assustadora: se os japone-
ses mataram dois milhões de chineses durante a Segunda Guerra
Mundial, dos quais trezentos mil apenas no horrível massacre de
Nanquim, Mao Tsé Tung foi responsável pelo extermínio de ou-
tros setenta e cinco milhões! E que dizer do Khmer Vermelho, por
exemplo, que matou dois milhões de pessoas no Camboja? Ou dos
grupos fanáticos que estão a matar neste exato momento no Orien-
te? Que classificação podemos dar a este ou aquele líder grupal ou
chefe de Estado que promoveu na história recente, na guerra de
Biafra, por exemplo, ou na de Ruanda, o massacre de alguns milha-
res de criaturas humanas? Devemos incluir esses chefes no capítulo
Tiranetes, simplesmente? Mas nesse caso não corremos o risco de
diminuir sua responsabilidade? De fazê-los passar por “assassinos
de segunda ordem”, ou algo assim? O problema, aqui, é justamente
este: pensar que existem “assassinos de segunda ordem”, menos
merecedores de condenação por seus crimes.

78
Os Senhores da Guerra

Conclusão
É claro
Entre em nossoqueCanal
numa abordagem resumida
no Telegram: como esta que é feita
t.me/BRASILREVISTAS
aqui não podemos falar de todos aqueles que podem ser classifica-
dos sob o epíteto de “senhores da guerra”, acompanhados da de-
vida estatística, mas esperamos que o presente trabalho sirva para
promover o debate e a reflexão acerca desses “senhores da guerra”.
Da continuidade e firmeza desse debate depende a paz futura e o
tipo de mundo que vamos deixar para as novas gerações; muitos
“senhores da guerra” que existiram no passado só conseguiram re-
alizar seus intentos maléficos porque a sociedade que os viu nascer
tolerou sua arrogância, se omitiu diante de seus primeiros crimes,
e subestimou sua capacidade de crescimento. Ao abdicar de seu
senso crítico e confiar exclusivamente ao guia a responsabilidade
de pensar, uma sociedade o autoriza a prosseguir em sua carreira
de “senhor da guerra”. Por outro lado, se a paz universal for mesmo
uma utopia, como tantos acreditam, pelo menos vale a pena buscar
essa utopia; a luta pela liberdade jamais deve cessar; e essa luta
consiste, sobretudo, em evitar a banalização do mal, em vigiar com
olhar atento os senhores da guerra que podem estar em formação
ao nosso lado, muitas vezes, aliás, sob um sinal aparente de paz.

Dimas da Cruz Oliveira / Academia de Letras do Triângulo Mineiro.

79
BIBLIOGRAFIA
PARA CONSULTA:

ƌĞŶĚƚ͕,ĂŶŶĂŚʹKƌŝŐĞŶƐŽdŽƚĂůŝƚĂƌŝƐŵŽʹŽŵƉĂŶŚŝĂĚĂƐ>ĞƚƌĂƐ͕^ĆŽWĂƵůŽϭϵϵϴ͘
ŶĂŚʹKƌŝŐĞŶƐŽdŽƚĂůŝƚĂƌŝƐŵŽʹŽŵƉĂŶŚŝĂĚĂƐ>ĞƚƌĂƐ͕ ^ĆŽWĂƵůŽϭϵϵϴ͘
ĂŝŶƚŽŶ͕ZŽůĂŶĚ,͘ʹDĂƌƟŶ>ƵƚŚĞƌʹĞƵƚƐĐŚĞƵĐŚ'ĞŵĞŝŶƐĐŚĂŌ͕ĞƌůŝŶϭϵϲϳ͘
ĂŶĚ,͘ʹDĂƌƟŶ>ƵƚŚĞƌʹĞƵƚƐĐŚĞƵĐŚ'ĞŵĞŝŶƐĐŚĂŌ͕ ĞƌůŝŶϭϵϲϳ͘
ŝŵŽŶƚ͕DĂdž/͘ʹ>ĞƐ:ƵŝĨƐ͕ŝĞƵĞƚ>͛,ŝƐƚŽŝƌĞʹZŽďĞƌƚ>ĂīŽŶƚ͕WĂƌŝƐϭϵϲϰ͘
/͘ʹ>ĞƐ:ƵŝĨƐ͕ŝĞƵĞƚ>͛,ŝƐƚŽŝƌĞʹZŽďĞƌƚ>ĂīŽŶƚ͕WĂƌŝƐϭϵϲϰ͘
&ƵƌĞƚ͕&ƌĂŶĕŽŝƐʹ>ĞWĂƐƐĠĚ͛ƵŶĞ/ůůƵƐŝŽŶʹZŽďĞƌƚ>ĂīŽŶƚ͕WĂƌŝƐϭϵϵϱ͘
ŽŝƐʹ>ĞWĂƐƐĠĚ͛ƵŶĞ/ůůƵƐŝŽŶʹZŽďĞƌƚ>ĂīŽŶƚ͕WĂƌŝƐϭϵϵϱ͘
'ĂƌnjĂ͕,ĞĚĚĂʹDĂŽdƐĠͲdƵŶŐʹEŽǀĂƵůƚƵƌĂů͕^ĆŽWĂƵůŽϭϵϵϬ͘
ĂʹDĂŽdƐĠͲdƵŶŐʹEŽǀĂƵůƚƵƌĂů͕^ĆŽWĂƵůŽϭϵϵϬ͘
,ŽŽďůĞƌ͕dŚŽŵĂƐĞŽƌŽƚŚLJʹ^ƚĄůŝŶʹEŽǀĂƵůƚƵƌĂů͕^ĆŽWĂƵůŽϭϵϵϬ͘
ŵĂƐĞŽƌŽƚŚLJʹ^ƚĄůŝŶʹEŽǀĂƵůƚƵƌĂů͕^ĆŽWĂƵůŽϭϵϵϬ͘
>ĂŶĚĞƐ͕ĂǀŝĚ^͘ʹZŝƋƵĞnjĂĞĂWŽďƌĞnjĂĚĂƐEĂĕƁĞƐʹĚŝƚŽƌĂĂŵƉƵƐ͕ZŝŽĚĞ:ĂŶĞŝƌŽϭϵϵϴ͘
Ě^͘ʹZŝƋƵĞnjĂĞĂWŽďƌĞnjĂĚĂƐEĂĕƁĞƐʹĚŝƚŽƌĂĂŵƉƵƐ͕ZŝŽĚĞ:ĂŶĞŝƌŽϭϵϵϴ͘
>ƵĚǁŝŐ͕ŵŝůʹEĂƉŽůĞŽŶʹƌŶƐƚZŽǁŽŚůƚsĞƌůĂŐ͕ĞƌůŝŶϭϵϮϱ͘
ʹEĂƉŽůĞŽŶʹƌŶƐƚZŽǁŽŚůƚsĞƌůĂŐ͕ĞƌůŝŶϭϵϮϱ͘
Saint-Victor, Paul de – Hommes et Dieux – Calmann-Lévy, Paris s.d.
ϭϬͲtĞƉŵĂŶ͕ĞŶŝƐʹ,ŝƚůĞƌʹEŽǀĂƵůƚƵƌĂů͕^ĆŽWĂƵůŽϭϵϵϬ͘
ĞŶŝƐʹ,ŝƚůĞƌʹEŽǀĂƵůƚƵƌĂů͕^ĆŽWĂƵůŽϭϵϵϬ͘

Entre em nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS


A
história do homem é a história das
guerras — embora possam nos causar
repulsa, são as guerras que determinam
a mobilidade da civilização; por meio delas
que se formaram povos e nações organizadas,
também pelas guerras as nações se expandiram e
se transformaram em impérios, e também pelas
guerras os impérios foram devastados em um
mundo que vive em constante transformação.

Os Senhores da Guerra traz um estudo amplo


sobre os maiores guerreiros, desde os tempos
bíblicos até os anos mais recentes de nossa
ĞƌĂ͕ ĚĞƐƚĂĐĂŶĚŽ ůşĚĞƌĞƐ ƋƵĞ ĮĐĂƌĂŵ ŶĂ ,ŝƐƚſƌŝĂ
como responsáveis pelas maiores conquistas e
Entre em nosso Canal no derrotas também;
Telegram: autores de crimes hediondos,
t.me/BRASILREVISTAS
ƉƌĂƟĐĂŶƚĞƐĚĞŐĞŶŽĐşĚŝŽƐ͕ĚĞŵĂƐƐĂĐƌĞƐ͕ĚĞƚƵĚŽ
aquilo que as guerras têm de pior, e que não
podemos ignorar, sob o risco de que venham a
ƐĞƌĞƉĞƟƌ͘

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