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Fábio Márcio de Proença Doyle

João Carlos Vitor Garcia

GESTÃO COMPARTILHADA
E GOVERNO RETO,
EM VITÓRIA-ES
LUCIANO REZENDE - 2013-2020

1ª Edição

BRASÍLIA-DF | 2019
Copyright © 2019 Fundação Astrojildo Pereira
Todos os direitos reservados pela Fundação Astrojildo Pereira. Nenhuma parte desta
publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos,
seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

Apuração, redação e edição Fotografias do miolo


Fábio Márcio de Proença Doyle Acervo Prefeitura Municipal de Vitória
João Carlos Vitor Garcia Acervo Banco Interamericano de Desenvolvimento
Juliana Costa de Proença Doyle André Sobral
Cláudia Rezende Carlos Antolini
Diego Alves
Capa e projeto gráfico
Elizabeth Nader
Jura Camargo
Yuri Barichivich
Editoração eletrônica
Adequação ao padrão editorial FAP
Gislei Lopes Bitencourt Editorial Abaré
Revisão
Rita Lopes / Dino Gomes
Colaboração especial
Jaldecy Pereira / Henrique Gonçalves
Foto da capa
Imagens meramente ilustrativas

D754g
G216g Doyle, Fábio Márcio de Proença; Garcia, João Carlos Vitor

A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES / Fábio Márcio de


Proença Doyle, João Carlos Vitor Garcia. Fundação Astrojildo Pereira (FAP);
Brasília (DF), 2019.

172 p. ; 23cm.; 1ª Edição Ampliada.

Inclui fotos
ISBN: 978-85-89216-64-7

1. Administração pública – Vitória (ES) 2. Participação social – Vitória (ES).


3. Administração Participativa – Vitória (ES). 4. Governança democrática
– Vitória (ES). 5. Gestão Compartilhada e Governo RETO – Vitória (ES). I.
Autores. II. Título.
CDU: 350

Catalogação na publicação: Maria Angélica Ferraz Messina-Ramos. CRB-6: 2002

Fundação Astrojildo Pereira (FAP)


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SUMÁRIO

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

CAPÍTULO 1
Encontros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

CAPÍTULO 2
Disputa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

CAPÍTULO 3
Onde está o interesse público? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

CAPÍTULO 4
Primeiras medidas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

CAPÍTULO 5
Instrumentos de governança. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

CAPÍTULO 6
Governança na prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

CAPÍTULO 7
Para o futuro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143

CAPÍTULO 8
Um pouco de história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

POSFÁCIO
Governo tem que ser RETO! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
APRESENTAÇÃO

Uma cidade, todos prefeitos


Se fosse uma disputa de títulos, não teria para ninguém: melhor
sistema de Saúde municipal do Brasil, melhor Educação pública, a
capital com gestão mais transparente e também a mais eficiente na
aplicação dos recursos. E, segundo a Universidade Federal do Rio
de Janeiro, a capital brasileira com o maior índice de bem-estar
­urbano do país.

São resultados evidentes, alcançados em apenas quatro anos de


administração e preponderantes para a conquista do segundo man-
dato para Luciano Rezende como prefeito de Vitória, capital do Espí-
rito Santo. Para além da disputa eleitoral, no entanto, há uma grande
história de inovação nos bastidores dessa trajetória.

Ao eleger um prefeito, cidadãos entregam as chaves de sua cida-


de nas mãos de um único homem. Acaba aí a participação popular.
A partir da posse, o eleito fica autorizado a decidir por milhares de
pessoas. Ainda que passem pela Câmara de Vereadores, são decisões
monocráticas, personalistas e que nem sempre atendem às necessida-
des da comunidade. Em Vitória se fez diferente.

Desde os primeiros momentos na prefeitura, Luciano Rezende pôs


em prática uma nova forma de gestão, muito mais aberta, comparti-
lhada. Um convite para que toda a população participe da administra-
ção, a partir de uma frase-síntese: “Somos todos prefeitos”. Diálogos e
acordos deram origem a uma administração horizontal, com a divisão
de responsabilidades e vitórias com o cidadão.

5
Luciano Rezende ousou ultrapassar a chamada “gestão profissional”,
que propõe administrar uma cidade, com todas as suas especificidades,
como uma empresa. São parâmetros insuficientes para os tempos atuais,
impensáveis para o futuro, uma vez que não basta mais às prefeituras
o papel de provedoras de serviço ao cidadão. Desta forma, ele propôs,
e Vitória abraçou, que a cidade decidisse seu futuro.

Tudo isso foi feito num dos momentos mais difíceis da história da
cidade. Com uma drástica redução na arrecadação, o município teve
que ser refundado para buscar alternativas e vencer as dificuldades.
Um árduo trabalho de reorganização da estrutura foi iniciado, para
que se chegasse ao novo modelo de gestão.

O grande mérito do prefeito é justamente não buscar o crédito pe-


los méritos e pelos títulos que a cidade vem conquistando. Da mesma
forma que dividiu a responsabilidade na hora de decidir as políticas
públicas, ele reparte o êxito. Se há conquista, ela é de todos. E a cada
menção positiva para Vitória, ele vai a público agradecer à população
pelo objetivo alcançado.

Mas é preciso ressaltar que a política de governança participati-


va só é possível – e bem-sucedida – por causa de virtudes pessoais de
Luciano Rezende, que já havia exercido o cargo de vereador em três
mandatos. Também havia ocupado o cargo de secretário municipal
de Saúde e Educação, eleito deputado estadual e liderado a Secretaria
Estadual de Esportes.

A conduta reta e ilibada em toda a carreira política, ainda mais


em época conturbada por acusações cada vez mais graves, serviu de
fio condutor da administração. Com essa reputação, o prefeito con-

6 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


venceu a sociedade a se integrar no esforço de criar uma cidade mais
solidária, mais humana e com oportunidade para todos.

Esta publicação conta as dificuldades para a implantação de um


modelo de gestão que ainda engatinha em todo o mundo, mas que
parece irreversível em uma era de informação irrestrita e em tempo
real. A governança compartilhada é uma nova etapa da democracia,
que propõe que, além de escolher seus representantes, a sociedade es-
teja efetivamente em todas as decisões administrativas.

Os desafios que se impuseram desde a primeira hora estão sendo


vencidos graças à determinação de Luciano Rezende, que fez do mode-
lo de gestão sua principal obra, alicerce para tudo o que foi alcançado
pela capital do Espírito Santo. A implantação de escolas em tempo
integral – um modelo inédito no Estado –, a construção e a reforma
de creches e postos de saúde, a instalação de academias ao ar livre,
os postos de bicicletas compartilhadas, a criação de áreas de internet
gratuita e muitas outras ações surgiram como consequência direta da
participação popular nas decisões.

Mesmo nos momentos mais conturbados – desde tempestades in-


tensas, que deixaram centenas de desabrigados, até a paralisação das
forças policiais do Estado –, a população pode contribuir ativamente
e participar das soluções. É uma experiência cidadã sem comparação
no território brasileiro. Tudo feito, no entanto, sem que o prefeito ab-
dique de sua liderança e de suas responsabilidades.

A prefeitura ampliou seus canais de comunicação com a comu-


nidade, abrindo espaço para que toda e qualquer reivindicação seja
analisada e, assim que possível, posta em prática. Com a gestão com-

Apresentação 7
partilhada, a prefeitura vai além do modelo de representação popular
a partir de lideranças comunitárias; antenada com a nova realidade
mundial, cada cidadão é transformado em um líder.

Trata-se de uma obra em construção – e deverá manter-se assim,


pois este é o espírito da governança democrática – e que está se expan-
dindo, ampliando parcerias, buscando inovações, com a intenção de
colocar a prefeitura cada vez mais próxima do cidadão. O objetivo é a
ampliação da acessibilidade aos níveis de decisão como forma de vencer
os desafios que se apresentam, mais sofisticados e difíceis, a cada dia.

E, novamente, Vitória dá exemplo ao Brasil.

Paulo Pestana
Jornalista

8 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


INTRODUÇÃO

Governança democrática
CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA
DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Governança democrática, ou nova governança pública, é uma


prática de governo hoje em ascensão, particularmente em cidades
espanholas, onde existem experiências bem-sucedidas. Também na
Colômbia, as cidades de Bogotá e Medellín são outros casos de relati-
vo êxito dessa prática. Além disso, o tema já recebeu um consistente
tratamento teórico no campo das ciências políticas e sociais. Sua
aplicação, entretanto, pode ser considerada incipiente: seja porque
seus resultados são pouco conhecidos, seja por ser confundida com
arranjos institucionais em que os agentes econômicos têm papel de
destaque nas administrações públicas. Mas, principalmente, porque
ainda deve superar o predomínio da cultura gerencial na área pública
que, contrariamente à governança, como se verá adiante, tem na
prestação e gestão de serviços seu principal foco de atuação – o que,
sem dúvida, atrasa e dificulta a inovação pretendida.
Ao propor a Gestão Compartilhada e o diálogo com a socieda-
de de Vitória como forma de governo, e não como mero discurso,
a primeira administração Luciano Rezende 2013-2016 dava partida
à difícil superação de um modelo de gestão pública, já ultrapassa-
do, centrado exclusivamente na oferta de serviços à cidadania e sem
condições de oferecer respostas aos velhos e novos déficits sociais.
Além de comportar deficiências óbvias em duas grandes dimensões
da democracia: na qualidade da representação e na participação e
colaboração cidadã na gestão da cidade.

9
A proposta soava bastante desafiante e inovadora. Significava
colocar em prática um novo modo de governar Vitória, caracteriza-
do pelo maior protagonismo para os diferentes setores da sociedade
e pela ampliação das iniciativas de desenvolvimento de estratégias
e políticas públicas compartilhadas entre o setor público, as orga-
nizações sociais e o setor privado. Ou seja, tratava-se de uma aposta
no aumento da capacidade de organização e ação coesa da cidade
para enfrentar seus velhos e novos desafios e preparar o futuro.

o0o

Governança democrática é um modo de governar que se distin-


gue por ter como principal prioridade e eixo estruturante da ação
de governo a cooperação e a mobilização do máximo de recursos de
uma cidade ou território, sejam públicos, privados ou comunitários,
para alcançar o desenvolvimento, a sustentabilidade e o bem-es-
tar social. Nesse sentido, esta governança é um novo paradigma
de governo assentado, essencialmente, no diálogo e nos acordos
que estabelece com a sociedade, na horizontalidade de suas ações e
no gerenciamento das relações entre os atores para tomar decisões
sobre a cidade e desenvolver projetos com a colaboração interins-
titucional e público-privada e com o envolvimento da cidadania.
A qualidade dessa interação e a boa gestão das relações entre os
diferentes níveis da administração pública dão fundamento à sua
eficácia e legitimidade.

10 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Desde a publicação pela Comissão Europeia do “Livro Branco”,
sobre a governança no contexto dos países europeus, em 2001, o con-
ceito não apenas se difundiu largamente, como assumiu conotações
distintas – da sua equiparação com o termo inglês governance ou
com o conceito de governabilidade –, até sua caracterização como
uma nova arte de governar a sociedade. J. Prats1 argumenta que a go-
vernança surge como uma exigência da governabilidade contemporânea,
uma vez que a transição das sociedades industriais para as sociedades
do conhecimento provoca reajustes das economias e das relações so-
ciais, tornando insuficiente a forma tradicional de governar baseada
unicamente na ação do governo. E acrescenta:

[a governabilidade hoje se] projeta amplamente como uma


capacidade social, como um atributo coletivo de toda a socie-
dade para dotar-se de um sistema de governo que dê impul-
so aos objetivos do desenvolvimento humano. Um sistema
social é governável quando está estruturado social e politi-
camente de forma que todos os atores estratégicos intera-
jam para tomar decisões coletivas e resolver seus conflitos
conforme um sistema de regras e procedimentos formais e
informais (que podem se inscrever em diferentes níveis de
institucionalização) dentro do qual formulam as suas expec-
tativas e estratégias.

Do ponto de vista das alterações que vêm ocorrendo na eco-


nomia, diferentemente da sociedade industrial, a principal fonte
de valor agregado e de produtividade na sociedade do conhecimento
são as pessoas, as equipes profissionais e a organização em rede das

1 J. Prats i Català Gobernabilidad democrática para el desarrollo humano: Mar-


co conceptual y analítico en Instituciones y Desarrollo (2001) n. 10 p. 103 a 148.

Introdução 11
empresas. Isso não indica que as infraestruturas deixam de ser
importantes, mas, sim, que são insuficientes diante da relevância
atual do que chamamos capital cultural ou intelectual, gerado
e fortalecido a partir da qualidade e intensidade das interações
humanas e empresariais.
Enxergar a amplitude dos fatores que geram o desenvolvimento
na sociedade do conhecimento significa, em especial, compreender
que ele depende da qualidade da organização das redes de pessoas e
empresas ou que ele só é alcançado tendo por base o capital social,
entendido como a capacidade de organização e ação de uma socie-
dade. Em outras palavras, hoje é fundamental articular o potencial
humano e o capital físico para promover o desenvolvimento que,
segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(Pnud), deve ser visto como desenvolvimento humano, porque deve
compreender não somente o desenvolvimento econômico, mas tam-
bém a redução das desigualdades sociais, a sustentabilidade ambien-
tal e o fortalecimento da democracia.
Na área social, a transição atual não só trouxe a exigência de
inovar permanentemente, como impôs novas formas de relaciona-
mento. Se, por um lado, a autonomia dos indivíduos aumenta em
relação à família e às instituições sociais e políticas, por outro, suas
necessidades são cada vez mais crescentes e complexas e, para satis-
fazê-las, precisam de grande amplitude de redes sociais. Das empresas
são igualmente demandados reposicionamentos horizontais em re-
lação aos seus clientes, fornecedores e empregados, estes com maior
autonomia no processo produtivo e de formação. Sociedade e econo-
mia se configuram, portanto, de modo acentuadamente progressivo,
como uma construção coletiva assentada em redes.

12 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Do ponto de vista dos governos, como já mencionado, gerir na
sociedade-rede é gerir as relações, é desenvolver a governança, não a
que busca a colaboração esporádica de atores em um tema específico,
mas a governança como modo de governar habitual. E dela se exige
democracia, pois a livre circulação das ideias e interesses e a existên-
cia de organizações abertas e flexíveis são absolutamente necessárias
para construir consensos legítimos e visões em torno da sociedade
que se acredita possível e desejada.
Na sociedade do conhecimento, portanto, a tarefa principal do
governo é promover o desenvolvimento humano a partir da criação,
fortalecimento e coordenação das redes econômicas, sociais e cultu-
rais. Da capacidade de gestão das interdependências entre os atores
sociais e institucionais depende o aproveitamento das potencialida-
des e oportunidades de desenvolvimento da sociedade. É esta gestão
das interdependências que precisamente caracteriza a nova arte de
governar: a governança democrática ou governo-rede, que se confi-
gura pelo envolvimento da cidadania na solução dos desafios sociais,
pelo fortalecimento dos valores cívicos e públicos, pela revalorização
da política democrática e do papel do governo representativo e, final-
mente, pela construção compartilhada do fortalecimento do interes-
se geral. O governo já não deve imitar as empresas para gerenciar e
prestar serviços à comunidade, mas concentrar esforços em inovar
na sua relação com a cidadania.
Neste novo contexto, o papel da política passa a ser crucial e
sua valorização fundamental para que o líder de governo eleito
possa influir na coordenação e na mediação das relações entre
os distintos atores e tenha legitimidade para promover a elabo-
ração e a gestão das estratégias e políticas da cidade. A opção

Introdução 13
ideológica dessa liderança eleita ganha igualmente relevância
ao indicar a partir de que valores e prioridades sociais será or-
ganizada a articulação do interesse geral. Uma das dimensões
da qualidade democrática de sua atuação será o seu esforço para
que as necessidades e os interesses dos setores socialmente ex-
cluídos sejam levados em conta.
A governança democrática, portanto, implica de forma concreta
na reestruturação global do modo de governar. Continuam existin-
do as demais dimensões: a função legal ou normativa para regular
a atividade da sociedade civil, mas também política e a função pro-
vedora e gestora de serviços à comunidade com algum recurso eco-
nômico. Mas estas se reestruturam a partir da priorização da função
relacional do governo, isto é, da participação cidadã, da cooperação
com a sociedade civil e da colaboração intergovernamental. Por ter
esta prioridade, que resulta numa nova forma de compreensão da
política e do papel do político, a governança democrática é o modo
de governar próprio da sociedade do conhecimento.

o0o

O presente trabalho apresenta os esforços realizados sob a lide-


rança do prefeito Luciano Rezende para implantar a Gestão Com-
partilhada na cidade de Vitória. No seu perfil político e nas ações
e políticas setoriais concretas desenvolvidas nos primeiros quatro
anos do seus dois mandatos (Luciano foi reeleito em 2016 para um
segundo mandato 2017-2020), foram identificados os elementos que
melhor descrevem o trabalho inédito e apaixonado que tem reali-

14 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


zado para inovar na administração da capital e, por decorrência, na
administração municipal brasileira.
Os governos locais, os governos de proximidade, podem ser decisi-
vos para a superação da crise atual e deles depende o futuro das cida-
des. Para isso, é preciso, além de superar a perspectiva de administrar
os recursos públicos imitando critérios e modos de gestão das empre-
sas privadas, deixar de considerar a prefeitura como mera provedora
de serviços aos cidadãos. Por sua vez, estes não devem ser tratados
como clientes ou usuários desses serviços, evitando fomentar, assim,
uma cidadania descomprometida com a cidade e o seu futuro e per-
manentemente insatisfeita com a administração, já que apenas faz
demandas e delega suas soluções à esfera pública.
Simplesmente, os fundos públicos não são mais suficientes para,
isoladamente, fazer frente às amplas e complexas necessidades. Por
outro lado, o uso apenas de recursos públicos para a superação das
novas desigualdades relativas ao capital cultural e social e à dTuali-
zação digital será sempre insuficiente e ineficaz. Em outras palavras,
estamos diante de novas formas de desigualdade e pobreza, distin-
tas daquelas que eram resolvidas com acesso a recursos econômi-
cos e à prestação de serviços e que justificaram o aparecimento do
governo provedor.

Introdução 15
[...] a liderança representativa necessária à governança
é relacional; ela busca fortalecer as densidades de interação
entre os distintos atores. Não procura substituir a sociedade
com a sua liderança e torná-la dependente de suas propostas
e planos de ação.

O interesse do líder relacional será influir nas pessoas para


que estas enfrentem seus problemas. Em lugar de oferecer
soluções, levantam questões e, mais que solucionar conflitos,
sua principal missão é propor desafios coletivos.

[...] a liderança relacional constrói propostas compartilhadas


a partir da identificação de interesses, e não aspira proporcionar
programas eleitorais para agradar a um eleitorado passivo, que
elege entre produtos em um mercado, no qual não intervém
16 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
como produtor. J. M. Pascual Esteve.
O papel das prefeituras consiste precisamente em ir além
de suas competências, sejam elas quais forem, para assumir
os desafios das suas cidades. Nada que aconteça, ou os seus
cidadãos necessitem, é alheio a uma prefeitura que tenha
adotado a governança como modo de governar. Sua tarefa não
se resume em tentar achar solução para os recursos que não
tem, nem qualquer administração terá, mas em desenvolver
uma ampla ação multidimensional que implique recursos,
geração de uma cultura de ação, organização comunitária,
colaboração interinstitucional e público-privada para dar uma
resposta coletiva (no sentido de que envolve toda a sociedade)
aos seus desafios. J. M. Pascual Esteve.
Introdução 17
18 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
1
CAPÍTULO I
Encontros
No final da tarde daquele 1º de janeiro de 2013, aos 51 anos de
idade, Luciano Rezende chegou ao plenário da Câmara de Verea-
dores de Vitória acompanhado de sua mulher, Marina, e dos filhos,
Davi e Artur, como se estivesse acordando de um sonho. Terminava
ali sua longa e nada fácil jornada para assumir a cadeira de prefeito
da cidade. Atingia naquele instante uma grande conquista política
ao ser recebido por quantos lotavam o plenário, para tomar posse
como primeiro mandatário da capital do Espírito Santo.
Nos minutos que antecederam sua chegada à tribuna para o dis-
curso, relembrou, emocionado, sua trajetória de vida. O nascimento
em Cachoeiro do Itapemirim, a infância em Colatina, a mudança
para Vitória, a luta dos pais para educar cinco filhos, as escolas por
onde passou, a paixão pelo esporte, as partidas de futebol de várzea,
as primeiras remadas, a Faculdade de Medicina, o encontro com a
política, os 12 anos como vereador, o mandato de deputado estadual,
a atuação como secretário municipal de Educação, depois de Saúde
e, em seguida, como secretário estadual de Esportes.

Luciano Rezende discursa após a posse como prefeito de Vitória

20 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Na cerimônia de posse, o prefeito eleito apresenta suas ideias de
gestão compartilhada para administrar a cidade

Não estava, entretanto, invadido por um sentimento triunfalis-


ta, de uma carreira de sucesso. Se aquele instante representava o
coroamento de uma longa caminhada, no seu íntimo ele trazia a
sensação de que iniciava uma nova etapa com perspectivas de gran-
des desafios. Vitória não era mais aquela cidade financeiramente
saudável de anos atrás. A redução da receita municipal em decor-
rência de fatores como o fim do Fundo para o Desenvolvimento
das Atividades Portuárias (Fundap), o impacto da queda no pre-
ço internacional do minério no Índice de Participação de Vitória
(IPM) na parcela do ICMS e a conjuntura econômica desfavorável
iriam tornar sua gestão como prefeito uma missão árdua. Todavia,
sentia-se preparado e disposto a enfrentá-la, com o entusiasmo e a
disciplina de um atleta experiente e de um político que aprendera
na prática que sua prioridade seria liderar a reorganização integral
da cidade, para que ela não perdesse a sintonia com a grande mu-
dança de época representada pela atual crise.

Capítulo I – Encontros 21
o0o

Iniciaria o mandato com a convicção de que era essencial desen-


volver uma gestão compartilhada, um governo horizontal. Nos seus
vários campos de atividades ao longo da vida, compreendera que o
enfrentamento dos desafios presentes nas sociedades mais complexas
e desiguais exige valores e atitudes compartilhadas, capazes de favo-
recer a interação e a densidade de relações como fator-chave para o
progresso humano.
Nesse sentido, o esforço maior seria para que toda a sua com-
petência e sua experiência de trajetória pública ultrapassassem as
funções de gerente ou mero administrador. Ao contrário, sabia que,
para transformar a cidade, a tarefa política também era crucial e que,
como político democraticamente eleito para o cargo que assumia,
sua função seria liderar a organização dos interesses legítimos dos
distintos setores da cidadania de Vitória e ser o promotor de seus
programas e projetos.
A construção do interesse coletivo da cidade, por certo, deveria
estar fundamentada na redução das desigualdades sociais, na soli-
dariedade, no empenho para que as necessidades dos setores social-
mente excluídos fossem levados em conta. Enfim, para que todo o seu
esforço convergisse para a construção do desenvolvimento humano.
Esta opção ideológica, estes valores e prioridades sociais deveriam ser
o eixo da articulação do interesse geral e a dimensão da qualidade
democrática do novo modelo que pretendia implantar em Vitória.
Para realizar esta transformação e instalar uma nova governança, o
papel da prefeitura deveria ser repensado. Sua principal tarefa, acredi-

22 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


tava, seria fortalecer a capacidade de organização e ação do conjunto
da cidade, para que ela pudesse tanto responder ao incremento e à
maior complexidade dos desafios sociais e econômicos, como conduzí
-la, diante das mudanças estruturais que a crise representava, na dire-
ção dos objetivos de progresso, coesão social e competitividade.
Na sua concepção, como instituição pública e democrática, cabe-
ria à prefeitura garantir os direitos da cidadania e, especificamente,
conquistar o comprometimento da sociedade civil com a organização
e o desenvolvimento da cidade, assegurando a acessibilidade univer-
sal aos bens e aos serviços urbanos. Além disso, garantir a equidade,
a transparência e a prestação de contas dos processos administrativos
e o bom uso dos fundos públicos, assim como a eficácia e a qualidade
de todos os serviços, mesmo daqueles que não são diretamente da ad-
ministração municipal. Capacidade e competência não lhe faltariam
para que isso acontecesse na sua gestão.

o0o

Neto por parte de pai de tropeiro do distrito de Limoeiro, no mu-


nicípio de Bom Jesus do Norte, no sul do Espírito Santo, Luciano
Rezende descende de uma família que, como tantas outras, chegou
a Vitória devido ao êxodo rural em meados do século XX. A erra-
dicação dos cafezais na década de 1960 fez com que o avô Anísio
Chaves de Rezende, a avó Maria Madalena de Rezende e os cinco
filhos do casal migrassem para Cachoeiro do Itapemirim, a maior e
mais próspera cidade do sul do estado.

Capítulo I – Encontros 23
O pai de Luciano, Altayr Chaves de Rezende, cursou até o ensi-
no fundamental e passou a exercer o ofício de sapateiro e marcenei-
ro. Aos 27 anos, casou-se com Luzia dos Santos Rezende, professora
da rede pública.
Luciano nasceu em 22 de março de 1962, em casa, com parteira,
no município de Cachoeiro de Itapemirim. Quando estava com um
mês, o pai mudou-se para o norte do Espírito Santo para trabalhar
na construção de estradas que, naquele tempo, paravam em Cola-
tina – cidade referência daquela região. “Lembro de fotos do meu
pai em cima de trator”. Primogênito dentre os cinco filhos do casal
– quatro homens e uma mulher Fundap –, Luciano foi o único que
nasceu em Cachoeiro. Os outros nasceram em Colatina, e o caçula,
temporão, em Vitória.
Vitória passou a fazer parte da vida de Luciano Rezende em 1973,
quando a mãe, então professora da rede estadual, foi transferida para
a capital do estado, no bairro Bento Ferreira. Contava ele, então, 11
anos de idade.
“Meu pai atuou com pequenos negócios e depois em construção
de estradas. Nós fomos criados com bastante dificuldade aqui em Vi-
tória”, acrescenta. Em Colatina, estudou na Escola Estadual Carolina
Pickler, e, em Vitória, passou por escolas públicas e privadas, dentre
elas o Polivalente de Maruípe; o Maria Ortiz, no centro da cidade; o
Fernando Duarte Rabelo, em Santa Helena; e o Colégio Salesiano
Nossa Senhora da Vitória, no Forte São João. Para este, ele foi quan-
do estava na sétima série, ficando lá até o segundo ano do ensino mé-
dio. O último ano foi cursado nos Estados Unidos, em uma pequena
cidade, Fayette, no estado de Missouri, por meio de uma bolsa ganha
em concurso, concedida pelo American Field Service (AFS).

24 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


o0o

Quando a família Rezende chegou a Vitória, era o fim do “milagre


econômico” dos governos militares. Até então, a economia do café
tinha sido a principal fonte de renda do Espírito Santo e também a
maior empregadora de mão de obra local. A alternativa que se apre-
sentou naquele momento contemplava grandes projetos destinados
à exportação, como os da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD),
Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), Aracruz Celulose e Sa-
marco Mineração.
A perspectiva de emprego na capital tornou Vitória e sua região
metropolitana destino natural para os trabalhadores expulsos do cam-
po, na sua maioria com baixa qualificação, o que provocou grande
concentração populacional, urbanização descontrolada, desigualdade
social e espacial e bolsões de miséria. Grande parte dos migrantes aca-
bou se instalando nas periferias da cidade, sem qualquer estrutura e
saneamento básico, empregando-se em atividades informais.
Um documentário daquela época para a televisão local ganhou
grande repercussão. Tinha como foco o bairro São Pedro e procurou
mostrar a realidade calamitosa em que se encontrava Vitória. “Lugar
de toda pobreza – São Pedro”, do cineasta Amylton de Almeida, co-
moveu e mobilizou ao expor centenas de adultos e crianças sobrevi-
vendo dos detritos e restos alimentares catados em São Pedro.

Bairro São Pedro, na baia noroeste, mereceu atenção especial


na gestão 2013-2016 da prefeitura de Vitória

Capítulo I – Encontros 25
Os irmãos Luciano e Lúcio Rezende
em campeonato de remo em
26 Amsterdam no Afinal
Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
do século
passado, modalidade esportiva em
que conquistaram vários prêmios
o0o

Ao voltar dos Estados Unidos em 1980, Luciano passou no ves-


tibular da Universidade Federal do Espírito Santo (UFes) como es-
tudante de Medicina. Logo no início da faculdade, começou a dar
aulas de inglês para custear os estudos. Paralelamente, desenvolveu
carreira como atleta. “Sempre pratiquei muito esporte. Em Colatina,
jogava futebol, pelada nas ruas e, quando cheguei a Vitória, fiz nata-
ção e judô. Me encontrei no remo aos 17 anos de idade e nele fiz uma
carreira de dez anos”. Remador de nível nacional e internacional: foi
dez vezes campeão estadual, foi campeão brasileiro, sul-americano e
finalista no mundial masculino, na Holanda, em 1986. “Isso me em-
purrou para o meu Curso de Medicina Esportiva. Quando eu termi-
nei a faculdade, passei pela Pediatria e fui fazer Medicina Esportiva,
em Porto Alegre”.
Trabalhou como médico antidoping nos Jogos Olímpicos de Bar-
celona (Espanha), em 1992, em três pan-americanos: Winnipeg, no
Canadá, em 1999; Santo Domingo, na República Dominicana, em
2003; e, no Rio de Janeiro, em 2007. Manteve também um consul-
tório, trabalhou em clubes como o Rio Branco, o Álvares Cabral e o
Praia Tênis Clube e deu aula de fisiologia do exercício em um curso
de extensão na UFes, de 1989 a 2004.
“No final da minha vida, como remador, eu remei, com o meu
irmão Lúcio, um Double Skiff, e fomos ao mundial universitário em
86, em Amsterdã, com o patrocínio da Chocolates Garoto."

Capítulo I – Encontros 27
o0o

Dr. Eduardo De Rose, da Comissão Médica do Comitê Olímpico Internacional (COI),


entrega a Luciano Rezende o prêmio pelo Serviço de Orientação ao Exercício Físico (SOE),
criado em 20 de janeiro de 1990 nos parques e praias de Vitória-ES
Encontro com a política (Luciano Médico, 1991)

A opção pela Medicina Esportiva levou Luciano a se familiarizar


com a Medicina Coletiva e com a temática das políticas públicas.
Prestou concurso público e passou a trabalhar como médico da pre-
feitura em 1989. Foi assim que iniciou sua militância política. “Na
época, implantei o Serviço de Orientação ao Exercício Físico nas
praças e praias de Vitória”, lembra o prefeito.
Até junho de 1997, foi filiado ao Partido dos Trabalhadores.
Lembra com exatidão do número de votos obtidos em cada eleição
para vereador. Na primeira, em 1992, foram 912 votos, ficando como
segundo suplente. Na segunda, em 1996, conquistou 2.345 e foi o
candidato do PT mais votado no estado. Em 2000, já pelo PPS, seu
atual partido foi o vereador mais votado no Espírito Santo: obteve
4.333 votos. Em 2004, na última eleição que disputou para vereador,
alcançou 5.676 votos.

28 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Foi como secretário municipal de Educação em 2001 e 2002, du-
rante o mandato do prefeito Luiz Paulo Vellozo Lucas, que Luciano
iniciou as atividades como executivo da área pública. “A experiência
foi muito válida, porque a Secretaria de Educação é a maior de Vitória,
e ali eu comecei a aprofundar minha visão a respeito da gestão da cida-
de”, acrescenta. Em 2003 assumiu o comando da Secretaria de Saúde.
Em 2006, disputou nova eleição, dessa vez para deputado federal,
ficando na terceira suplência, com quase 30 mil votos. Em 2008, foi
candidato a prefeito. Teve como adversário o petista João Carlos Co-
ser. “Alcancei 62 mil votos, concorrendo com o prefeito Coser, do
PT, que estava no melhor momento de seus oito anos de mandato”,
lembra. “Quase fui para o segundo turno. Sofremos uma fraude elei-
toral de pesquisa. Foi publicada uma pesquisa, em jornal de grande
circulação, me dando 20% dos votos e no sábado, no dia das eleições,
eu tive 32% dos votos”, acrescenta.
Filiado ao PT entre 1989 e 1997, Luciano decidiu migrar para
o PPS por motivos éticos, partido que passou a integrar em 21 de
julho de 1997. “Em 96 eu percebi que não estava confortável no Par-
tido dos Trabalhadores. A luta política interna era muito intensa
e desvios de conduta de alguns de seus membros aqui no Espírito
Santo me assustaram muito”, conta. Além disso, a saída de Aloí-
sio Krohling e Hélio Gualberto do PT, dois políticos pelos quais ti-
nha enorme respeito, pesou na decisão de mudança. Optou então
pelo Partido Popular Socialista (PPS). “Luiz Carlos Azedo, quadro
histórico do partido, trabalhava em Vitória na época. Começou a
me apresentar a dinâmica da legenda e nos trouxe a Vitória o Ro-
berto Freire, presidente nacional do PPS e senador na época, para
nos conhecermos. O PPS era um partido em processo de reorga-

Capítulo I – Encontros 29
nização e tinha no Espírito Santo líderes históricos, como Antô-
nio Ribeiro Granja (hoje com 104 anos) e Dino Oliveira Gomes”.
Tendo sido parlamentar por quatro mandatos, Luciano vivenciou
o mecanismo de audiências públicas. “Descobri nelas que, quando
você abre um debate franco e media esse debate sem influenciar, os
dois extremos se anulam e quem está mediando constrói o equilí-
brio”, explica. Passou então a utilizar bastante as audiências públicas,
que invariavelmente levavam a um projeto de lei, a uma ação, a um
requerimento, a uma indicação. “Comecei ali a construir a noção de
que você precisa governar com diálogo, ouvindo as pessoas”. Quando
concorreu à prefeitura de Vitória, em 2012, lançou a ideia do “gabi-
nete itinerante”, que se tornaria uma marca de sua administração na
cidade. “O prefeito deveria ir às comunidades com os seus secretários
para interagir com a população. Até agora, mais de 6 mil pessoas
foram ouvidas diretamente. O mais interessante é que, quando vol-
távamos àquela comunidade para uma segunda reunião com a popu-
lação, as reivindicações mudavam, sinal de que as anteriores haviam
sido superadas”, comemora.

o0o

Luciano Rezende explica seu encontro com a concepção da


governança democrática, particularmente com as ideias ex-
postas no livro Governança democrática: construção coletiva
do desenvolvimento das cidades, editado pela Fundação As-
trojildo Pereira (FAP), do PPS, de autoria do economista e
sociólogo catalão Josep Maria Pascual Esteve, especialista em
gestão estratégica de territórios e políticas públicas. “Quan-
do fui vereador, por quatro mandatos, comecei legislando,

30 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


fazendo muitos projetos de lei. Depois de um tempo, percebi
que eles eram feitos de uma forma melhor quando eu orga-
nizava uma audiência pública antes. A partir daí, para cada
nova sugestão de projeto, eu fazia uma audiência e, no final
do debate e da troca de ideias com os cidadãos participan-
tes, o projeto de lei era produzido. Foi como descobri que
nas audiências públicas os extremos se anulavam. Foi assim,
como legislador, que comecei a desenvolver o trabalho de go-
vernança horizontal. Quando fui apresentado aos conceitos
expostos pelo Pascual como modelo de gestão das cidades,
descobri que o que ele apresenta é o mais próximo daquilo
que eu procurava implementar”.

“Quando disputei a campanha eleitoral, minha cam-


panha bateu forte na tecla de sempre ouvir a po-
pulação, de fazer gabinetes itinerantes. Ali surgiu a
Gestão Participativa que, depois da eleição, o José Armando
Figueiredo Campos, empresário e amigo que apoiava a nossa
campanha, sugeriu chamar de Gestão Compartilhada”, con-
ta o prefeito.

Capítulo I – Encontros 31
EXEMPLO DE CIDADANIA

Quando o time japonês de futebol jogava na Copa do Mundo do


Brasil, em 2014, as atenções não se voltavam apenas aos jogadores
no gramado.
Ao final do jogo, independentemente do resultado, o foco das
câmeras e dos espectadores fixava-se na movimentação da torcida
japonesa nas arquibancadas. Ela não saía imediatamente, come-
morando vitória ou chorando derrota. Não importava o resultado:
os torcedores não abandonavam seus lugares sem antes recolher
latinhas, restos de comida e objetos jogados durante a partida. Para
a admiração geral, antes de deixarem o estádio, eles literalmente
limpavam o espaço que ocupavam. Por sua vez, não entendiam o
porquê de causarem tanta surpresa. Aquela atitude, para eles, era
natural, uma questão de comprometimento e civilidade, uma ques-
tão de cidadania.

Torcedores japoneses limpam a arquibancada após jogo na Copa do Mundo

32 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


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Capítulo I – Encontros aT 33
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34 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
2
CAPÍTULO II
DISPUTA
Processo eleitoral
Luciano Rezende tornou-se prefeito de Vitória em uma disputa
apertada. Após pesquisas e boca de urna apontarem a eleição do
opositor, do PSDB, o candidato do PPS venceu com quase 100 mil
votos, conquistando perto de 53% dos votos, contra 47% do adversá-
rio, que não chegou a 89 mil. Foram mais de 10 mil votos na frente.

RESULTADO PREFEITO – VITÓRIA (ES) – 2º TURNO 2012

Candidato Votos % Candidato Votos % Diferença %

Luciano Luiz
98.937 52,73 88.687 47,27 10,36
Rezende Paulo

Fonte: Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES).

Luciano havia disputado o pleito anterior, de 2008, concorrendo


com o então prefeito, João Coser, do PT, demonstrando coragem po-
lítica e determinação, pois, naquele ano, o Partido dos Trabalhadores
desfrutava de prestígio, o presidente Lula registrava alta popularida-
de, a economia do país ia bem e a crise econômica que atingia o pla-
neta era apresentada aos brasileiros como “marolinha”, termo usado
por Lula na ocasião. Diante desse quadro, ninguém queria enfrentar,
em Vitória, o candidato do PT, que tinha total e irrestrito apoio do
governo federal. Coser era tido como imbatível.
Foi nessa conjuntura política adversa que Luciano decidiu dar mais
um passo e se posicionar pela implementação de um novo modo de
governar a cidade. Sabia que entrava na disputa de maneira ousada,
pois contava com poucos recursos, mas sabia também tratar-se de uma
oportunidade que não podia ser desprezada, especialmente para deixar
claros seus propósitos políticos e aumentar sua visibilidade na capital.

36 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Em 2008, o PPS de Luciano Rezende fez aliança com o PSDB,
que indicou Elizeu Moreira para compor a chapa como vice-prefeito.
A campanha teve pouco apoio. Só com muita dificuldade e já no li-
mite de tempo para entrar no ar é que a equipe de Luciano conseguiu
viabilizar a gravação do programa eleitoral para a TV.
O embate de 2008 terminou com a reeleição de Coser no primei-
ro turno. Luciano terminou em segundo lugar, com 32% dos votos, e
saiu da campanha com a consolidação da imagem de real alternativa
para o governo de Vitória.
Em 2009, assumiu a Secretaria de Estado de Esportes, no manda-
to de Paulo Hartung, do PMDB e, em 2012, lançou sua candidatura
para a prefeitura.

o0o

Na campanha de 2012, o quadro era outro. O PT estava desgasta-


do, a popularidade do prefeito Coser era muito baixa. Luciano apre-
sentou-se como a alternativa de mudança. Dessa vez, o enfrentamen-
to foi com o ex-prefeito, Luiz Paulo Vellozo Lucas, do PSDB, de quem
foi secretário municipal de Educação e de Saúde. Luiz Paulo chegou
ao pleito como favorito e parecia invencível. Iniciava a campanha
com pesquisas favoráveis, que o colocavam com cerca de 50% da
preferência entre os eleitores.

Capítulo II – Disputa 37
Luiz Paulo trazia em torno de sua candidatura o apoio das princi-
pais lideranças políticas do Espírito Santo: Paulo Hartung (PMDB),
que já havia sido governador do estado (2007-2011), Ricardo Ferraço
(PMDB), Gerson Camata (PMDB), Rita Camata (PMDB), César Col-
nago (PSDB), que hoje é vice-governador, e Lelo Coimbra (PMDB).
Luiz Paulo nunca acreditou que teria Luciano como concorrente.
Apostava em Iriny Lopes, do PT, que tinha o apoio do governo fede-
ral, do então governador Renato Casagrande (PSB) e do prefeito Co-
ser. Iriny tinha sido secretária especial de Políticas para as Mulheres
(2011-2012) do governo Dilma Rousseff.
Com exceção do governador Casagrande, com quem Luciano
mantinha relação de respeito e simpatia, os aliados do adversário
tentaram descaracterizar a candidatura do PPS, como progressista e
inovadora. Diziam que, por ter o apoio dos evangélicos – o candidato
a vice na chapa, Waguinho Ito (PR), é evangélico –, se Luciano ga-
nhasse, faria um governo conservador, “de direita”.

o0o
O candidato Luciano vai às ruas em campanha com o gesto de Muda Vitória

Foto: _DSC0086

38 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Luciano Rezende nas andanças da campanha eleitoral
Foi somente na véspera da votação do primeiro turno que a can-
didatura de Luciano deslanchou. A campanha chegou às ruas, o
discurso se consolidou, a marca virou um símbolo forte na cidade
e o gesto de mudança, com as mãos, passou a ser feito e repetido
pela população. Ele conta que, por onde andava naquela época,
as pessoas faziam uma saudação com o gesto da mudança quando
o viam, movimentando em círculo os indicadores das duas mãos,
estendidos um próximo do outro, simbolizando a mudança que a
campanha propunha e representava.
Do lado de Luciano, a equipe havia conseguido acertar o eixo
da campanha desde o começo. A estratégia foi consolidar progra-
maticamente a candidatura, tendo como foco três prioridades: a ci-
dade organizada, o combate à violência e a promoção da segurança
pública e a humanização da relação da administração com a cidade.
Vitória estava um caos, com volume crescente de moradores de
rua, de viciados em crack. O plano apresentado previa a realização
de uma gestão mais participativa, na qual os cidadãos se aproprias-
sem dos espaços públicos e equipamentos urbanos, fator funda-
mental para a redução da violência, verificada depois que Luciano
assumiu a prefeitura.

PILARES DO PROGRAMA DE GOVERNO DE LUCIANO REZENDE

Cidade mais organizada

Cidade mais segura

Cidade mais humana

40 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Ele reconhecia, dessa forma, que o direito à cidade é uma reivindi-
cação também dos setores mais vulneráveis da população.
Neste mesmo sentido, a ideia de participação cidadã vinha fun-
damentada na proposta de superação do entendimento usual e ultra-
passado de canalização de demandas.
Como um estudioso dedicado, Luciano se preparou bem para
chegar à prefeitura de Vitória. Estudou para conhecer a fundo a
cidade e seus problemas, particularmente, a crise que se instalava
nas finanças públicas. O bom desempenho do candidato do PPS
deveu-se também ao fato de ele conhecer bem o que o oponente
pensava sobre a cidade.
Para Luciano era preciso promover uma mudança radical na ma-
neira de governar as cidades. Isso significava uma gestão participativa.

Na perspectiva meramente gerencial, ante a situação de in-


capacidade de fazer frente às demandas sociais, a prefeitura
acaba priorizando tão somente a gestão dos recursos pró-
prios para diminuir os gastos e incrementar a arrecadação.
O diálogo com os setores da cidadania e a participação cidadã
são deixados para tempos melhores, quando se pode gastar.
A prefeitura, desse modo, afasta-se ainda mais da cidadania,
na esperança de que a situação melhore para que, no melhor
dos casos, nos meses finais de mandato, possa voltar a ofere-
cer serviços. Assim orientadas, as prefeituras procuram fazer
somente o que consideram ser de suas próprias competências,
de cumprimento obrigatório, e classificam como impróprias
as atribuições tidas como voluntárias. O resultado é a con-
tração do papel da prefeitura e um declínio da política local
e da liderança municipal.

Capítulo II – Disputa 41
Outro fator positivo para Luciano, além das concepções que o
faziam portador de um novo modelo de gestão, foi o confronto de
imagem entre os dois candidatos. Luciano era e é visto como uma
pessoa honesta, trabalhadora e competente, inteiramente dedicado e
comprometido com a ideia de se tornar prefeito de uma cidade com a
qual tinha profunda relação de amor. A isso somou-se o desempenho
dele nos debates entre os candidatos, quando falava de seus planos e
ideias sobre a gestão compartilhada.

o0o

A estratégia para o segundo turno era aproveitar a inércia da


campanha adversária e a perplexidade de Luiz Paulo com o resultado
da primeira votação. As pesquisas iniciais da segunda fase do pleito
já apontavam Luciano na liderança, com o placar de 39% a 36%. Era
preciso ampliar essa vantagem, não sair das ruas. E assim Luciano
abriu 26 pontos de frente sobre o concorrente, entre o fim do primei-
ro turno e o início do horário eleitoral na TV.

42 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Luciano Rezende, ao lado de Roberto Freire, presidente nacional do PPS,
e rodeado por eleitores, em caminhada durante campanha eleitoral
Apanhar
até
vencer

Muhammad-Ali

A luta
Para entender como foi o segundo turno daquela eleição mu-
nicipal, há uma história interessante que o jornalista Luiz
Carlos Azedo conta. Dois dias após o resultado do primeiro
turno, ele desembarcou em Vitória, trazendo na mala o vídeo
“A luta”, que mostra o enfrentamento de Muhammad Ali e
George Foreman, em 1974, no Zaire. Para ele, esse embate
foi um caso clássico de gerenciamento de crise. Ali entrou
no ringue preparado para apanhar. E é o que acontece. Ele
apanhou de Foreman até que este se cansou de bater. No
oitavo assalto surge, então, uma chance, e Ali dá um direto
em Foreman, que cai nocauteado. O vídeo foi assistido por

44 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


toda a equipe da campanha de Luciano Rezende. Ao final
da sessão, Azedo defendeu a ideia de que o segundo turno
seria exatamente aquilo: “precisávamos estar preparados para
apanhar muito”.

o0o

Na primeira reunião com a equipe pós-primeiro turno, foi anun-


ciado que os recursos continuariam escassos. Só se podia contar com
o PPS para mobilizar apoio financeiro na reta final da campanha.
A reação entre os presentes foi de muita preocupação, já que a expec-
tativa de vitória eleitoral era grande e não poderia ser frustrada pela
falta de recursos. Nem bem havia acabado aquela reunião, chegou
à equipe a notícia de que uma primeira doação para a campanha
acabara de acontecer.
Líderes políticos sabem que os recursos concretos (carro, papel,
gente na rua etc.) são movidos pelos recursos abstratos (carisma,
expectativa de poder, projetos, ideias, ideologia). Nada mais verda-
deiro. Quando acabou a eleição em segundo turno, vitorioso, Lu-
ciano foi muito procurado por pessoas que queriam contribuir para
o pagamento das dívidas de campanha. Logo ficavam desaponta-
das, ao ouvirem dele que não havia o que pagar: o segundo turno
fora encerrado sem dívida.
Na primeira entrevista concedida após eleito prefeito de Vitória,
o candidato do PPS agradeceu os votos conquistados e disse que pre-
tendia unir a cidade em seu mandato. Acompanhado do vice, Wa-
guinho Ito, e de lideranças partidárias, o novo prefeito também fez
questão de agradecer ao governador Renato Casagrande.

Capítulo II – Disputa 45
Na análise do próprio Luciano, a eleição de 2012 foi consequência
do bom desempenho obtido nas eleições de 2008 e do sentimento já
forte em todo o país e que, na época, ele acreditava ser apenas local:
o desejo de mudança. Essa vontade do novo em Vitória foi identifica-
da por meio de uma grande pesquisa encomendada pelo candidato.
“O povo já estava cansado do discurso petista e das promessas não
cumpridas do prefeito Coser, que fechava o segundo mandato com
baixíssima popularidade”, relembra o prefeito.
Na verdade, Vitória estava sem liderança política. Por trás da
demanda pelo novo, estava o desejo de ter como representante
uma figura identificada com proteção, com cuidado, assemelhada
à ideia de um “pai”. Foi quando a equipe, ainda durante a campa-
nha, começou a trabalhar a proposta de oferecer à população a
alternativa real de eleger um novo líder. Firmou-se o conceito da
mudança e surgiu “Muda Vitória”: o gesto com as mãos, inspira-
do no futebol, quando é pedida a substituição de um jogador em
campo. “Foi a sensação da campanha”, lembra o prefeito. “Virou
uma febre. Eu nem conversava mais. Quando passava de carro,
todo mundo ia à janela fazendo o gesto. Junto da música da cam-
panha, inspirada na marcha ‘Mudança’, de Gilberto Gil, o entu-
siasmo emocionava”, recorda.
Vistos com a distância do tempo, os acontecimentos da disputa
eleitoral de 2012 deixam bastante claro que a qualificação e o poten-
cial do candidato vitorioso haviam sido subestimados pelos adversá-
rios. Por ele ter ocupado postos de secretário, os correligionários do
ex-prefeito Luiz Paulo chamavam Luciano de “o estagiário”, expressão
tão maliciosa e mentirosa quanto politicamente incorreta. “Eu achei
ótimo. Sabia que eles estavam atirando no próprio pé. No esporte,

46 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


eu aprendi que a soberba é a antessala da derrota”, revela Luciano.
E conclui: “no primeiro turno da eleição, eu disputei contra a soberba
e, no segundo turno, eu disputei contra a catimba, a apelação, o jogo
pesado, para não dizer sujo, da política”.
Luciano conta que, na pré-campanha, estudou com profundidade
a cidade e, especialmente, a questão dos problemas financeiros da
prefeitura. “Foi o pulo do gato”, diz. Tal conhecimento fez com que
se saísse bem em todos os debates. Ao lado de Alberto Jorge Mendes
Borges, mais tarde seu primeiro secretário de Fazenda – atualmen-
te, editor da revista Finanças dos Municípios Brasileiros –, Luciano
dedicou-se a analisar quais seriam as repercussões da eliminação do
Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap) para
a economia e as finanças de Vitória. O Fundo foi extinto no Espírito
Santo, em 2012, o que levou à queda na arrecadação estadual.
Relativamente recente nos quadros do PPS, Luciano Rezende
foge das tradicionais características dos antigos militantes da si-
gla. Especialmente, tem uma visão da disputa eleitoral muito pró-
pria, formada com o auxílio de quadros do partido que estão com
ele há algum tempo. Fabrício Gandini, eleito vereador com 9 mil
votos; Lenise Loureiro, secretária municipal de Desenvolvimento;
e Elisabeth Ângela Endlich, com vasta experiência administra-
tiva e política são alguns deles, conforme enumera o dirigente
nacional do PPS, Luiz Carlos Azedo. “Luciano tem um talento
que os quadros formados no aparelho do partido não têm. É a
convicção de que a disputa política eleitoral é fundamental e que
a pessoa tem que dela participar. E ele faz isso como ninguém. Ele
não tem vergonha de chegar junto ao eleitor e dizer o seguinte: a
melhor coisa que você pode fazer por você é votar em mim. Ele é

Capítulo II – Disputa 47
convicto disso. Ele tem certeza que ele é o melhor e não se acanha
ao demonstrar isso”, conclui Azedo.

o0o

Em seus agradecimentos no discurso de posse, Luciano externou


a emoção daquele momento “que habitou os meus sonhos e acalen-
tou a minha alma durante 20 anos”. Referiu-se também ao clima
de confronto que marcou a campanha, principalmente no segun-
do turno: “foi duríssimo... Momentos terríveis... Horas de solidão,
de incertezas e de ataques absolutos, que extrapolaram e muito a
discussão política”. E, já ao final da fala, enfatizou: “aprendi desde
cedo que o sucesso vem de um trabalho duro, árduo. Já na adoles-
cência, através do remo, madrugando na baía de Vitória, aprendi
que não há resultado sem muito sacrifício. Essa campanha demons-
trou isso. Pessoas que nos elogiaram a vida inteira, no momento em
que tínhamos a possibilidade de vencer as eleições, passaram a nos
atacar muito além do debate político. Resistimos, mantivemos o ní-
vel da campanha.... Foi muito difícil, mas mantivemos a qualidade
da nossa campanha e o discurso humano. Humano, de um médico
de formação, de uma pessoa que se dedica à política por paixão e
que acredita na política”.
Não sendo de família tradicional ou rica, Luciano declara que
“não fosse pela força da democracia”, não estaria ali, naquela noite,
falando para a cidade. “A democracia respira pela renovação, pela
mudança. Ela, por intermédio da renovação, modifica o processo de
acomodação, permanência e cristalização de grupos que se revezam

48 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


no poder, como a cidade de Vitória experimentou nos últimos anos,
um grande revezamento de dois grupos.”
O sentimento de que a capital queria mudança aparecera de vá-
rias formas desde as pesquisas realizadas na pré-campanha. Até que
o responsável pelo marketing, o jornalista Jorge Oliveira, um dia,
disse para o candidato do PPS: “Luciano, eu tenho o posicionamen-
to da campanha, é uma frase muito pequenininha e que condensa
tudo isso. 'Muda Vitória'”. E esse lema refletia o sentimento que se
percebia nas caminhadas da campanha. “O voto mostrou isso, de-
sejo de mudança. Mudança das práticas e dos costumes políticos”,
observa Luciano.
Para ele, superado o período eleitoral, caberia representar to-
dos os moradores de Vitória e liderar a cidade: “com melhor ges-
tão, nós vamos chegar à cidade mais organizada, de que tanto
falamos na campanha. Vamos chegar à cidade mais segura, o que
também dizíamos na campanha. E, por meio disso, faremos uma
cidade melhor, uma cidade mais humana, que também era com-
promisso de campanha. Uma cidade mais organizada, mais segura
e mais humana”, lembra.

Uma cidade mais organizada, mais segura, mais humana


Quando assumiu a prefeitura, Luciano estava plenamente cons-
ciente de que Vitória não era mais aquela cidade rica. A capital do
Espírito Santo chegou a ter, até 2014, o maior PIB per capita entre as
capitais brasileiras, mas não era mais assim.
Diante dessa realidade, ficou claro que o plano de governo do
novo prefeito não poderia conter a previsão de investimentos gran-
diosos. O que ele fez foi ler e analisar as pesquisas sobre o que era

Capítulo II – Disputa 49
vital para o munícipio e, assim, planejar ações de baixo custo e alto
impacto, focadas nas demandas que poderiam ser atendidas. Sua
gestão teria de aprender a viver com austeridade, criatividade e foco
nas prioridades.
Seu plano de governo teve como eixo central o mote “governar
com diálogo”, ouvindo sempre o maior número de pessoas. A pri-
meira atitude dele foi operacionalizar a ideia do Gabinete Itinerante,
com visitas periódicas, em companhia do secretariado, às comunida-
des, para ouvir o que a população tinha a dizer.
A cidade mais organizada, mais segura e mais humana: esses são
os principais eixos do mandato 2013-2016 de Luciano Rezende como
prefeito de Vitória.

50 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Com esse foco, a nova gestão da prefeitura elaborou o planeja-
mento estratégico e, para vencer o desafio da distância entre propos-
ta e realização, Luciano implantou o Escritório de Projetos, uma es-
trutura de gestão que atua como elo entre o planeamento estratégico
e a implementação dos programas e projetos.
Neste contexto, foram criados programas para as áreas de seguran-
ça pública, saúde, educação e mobilidade, considerados prioritários.

Baía de Vitória com Terceira Ponte – Foto: André Sobral

Capítulo II – Disputa 51
52 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
3
CAPÍTULO III
ONDE ESTÁ
O INTERESSE
PÚBLICO?
Montagem do governo

LEAD / Foto: 18 – JP – POSSE LUCIANO (37 de 38)

Prefeito eleito, Luciano Rezende, dá sua primeira entrevista à imprensa após a posse

Fim de campanha, liderança confirmada, oficializada e comemo-


rada, chegava a hora de o prefeito eleito se preparar para assumir
a cadeira de chefe do Executivo municipal e governar a capital do
Espírito Santo. A posse estava marcada para 1º de janeiro de 2013.
Luciano tinha dois meses para montar a equipe, detalhar o plano de
governo e definir a linha de ação.
Já no dia seguinte ao anúncio do resultado, em declaração à im-
prensa ele disse o seguinte: “vamos trabalhar evitando qualquer in-
terferência político-partidária na montagem da equipe. Acabou esse
negócio de carteirinha partidária determinar o que uma pessoa vai
fazer na administração. Vamos, inclusive, ter ajuda dos cargos efetivos
e concursados da prefeitura. Tem muita gente na prefeitura que amar-
ga a vida inteira sem oportunidade, com grande capacidade técnica
e política nos seus cargos, que nunca é utilizada porque não tem pre-
ferência partidária. Vamos buscar os melhores quadros estejam onde
estiverem, quer seja no partido A ou partido B. Vamos trabalhar com

54 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


pessoas qualificadas”. Claro, compor equipe de trabalho, com secre-
tários, assessores, demanda flexibilidade e consistência de propósitos.
É preciso perspicácia para buscar, nos variados quadros partidários,
gente competente também nos aspectos técnicos.

“Liderar não é forçar, é não usar nenhum outro tipo de ar-


gumentação que não seja motivação, é tocar o coração das
pessoas. Nós vamos agora nos juntar, juntar todas as forças
para estabelecer o detalhamento do plano de governo, neste
momento de transição que começa nos próximos dias”.
Foi essa a primeira declaração de Luciano Rezende à impren-
sa, ainda na noite de 28 de outubro de 2012, logo após co-
nhecer o resultado oficial das urnas e tomar conhecimento
de que havia conquistado a vitória.

o0o

No discurso de posse, Luciano voltaria a esse tema, afirmando que


a mudança desejada pelas urnas apontava para uma gestão moderna,
eficiente e inovadora. “E nós começamos mostrando a mudança na
montagem de nossa equipe. Quem observou a formação do nosso
secretariado percebeu que a quase totalidade tem especialização
nas suas áreas, curso superior, pós-graduação. É um secretariado
extremamente técnico, com capacidade política”. E completou a
fala realçando a participação feminina no novo governo, com a no-
meação de oito mulheres para compor o secretariado.
Insistiu, no pronunciamento inaugural, que prefeito e secretariado
reagiriam de forma rápida e exemplar contra desvios e corrupções que
pudessem acontecer durante a gestão que estava por iniciar, e repi-

Capítulo III – Onde está o interesse público? 55


sou os princípios e valores éticos que serviriam de guia à sua própria
atuação e à do secretariado: imparcialidade, gestão compartilhada,
transparência, espírito de equipe, compromisso com a cidade e com
a inovação e sustentabilidade. Perguntar sempre onde está o interesse
público e, principalmente, quando surgirem dúvidas sobre que decisão
tomar no exercício do poder. Era, portanto, tarefa da equipe de gover-
no trabalhar para garantir objetividade, equidade e transparência aos
processos administrativos, o bom uso dos fundos públicos, assim como
a eficácia de todas as prestações de serviços, mesmo daquelas que não
são realizadas pelos órgãos municipais. E assegurar serviços de qualida-
de para a população, especialmente para as camadas mais vulneráveis,
que só têm o poder público ao qual recorrer.

Zona de conforto
Uma das ações visionárias de Luciano foi a instalação do Comitê
de Gestão e Inovação. A ideia era que esse colegiado funcionasse em
ligação com o gabinete da prefeitura, para tirar a administração da
“zona de conforto”.
Esse foi o primeiro projeto enviado para a Câmara de Vitória pelo
prefeito após tomar posse do cargo, ainda nos dias iniciais do manda-
to. O Comitê, de caráter consultivo, foi instituído pela Lei Municipal
no 8.417/2013, sendo composto por dez representantes da sociedade
civil com liderança reconhecida. Com mandato de dois anos, sem
remuneração e com a finalidade de impulsionar o governo, o grupo
se reúne periodicamente para propor recomendações, intervenções e
soluções para o prefeito colocar em prática.
“A função do Comitê é nos pressionar para que a gente possa
avançar, inovar e buscar mecanismos em que a gente não esteja pen-

56 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


sando. Na verdade, o Comitê tem a função de nos incomodar, nos
tirar da zona de conforto. Essa é a função dele. Ele é composto por
pessoas ilustres, reconhecidas no mundo inteiro, como José Arman-
do de Figueiredo Campos, engenheiro e gestor (ES); Jorge Oliveira,
jornalista (DF); José Antônio Pignaton, professor (ES); Jorge Wer-
thein, diretor e consultor da Unesco no Brasil; Ligia Bahia, médica
e professora (UFRJ); Bruno Fernandes, arquiteto urbanista (RJ); Luiz
Fernando Schettino, engenheiro florestal, professor e gestor (ES);
Robson Leite, secretário de Estado de Planejamento (ES); José Ro-
berto Santoro, advogado (DF); Fábio Coelho, presidente do Google
do Brasil (SP). Alguns desses já saíram e deram lugar a outros, tam-
bém ilustres. E o José Armando Figueiredo Campos preside o Comitê
desde sua criação”, disse Luciano Rezende.
Passados três anos, a inauguração das três Escolas de Tempo
Integral de Vitória é um dos resultados práticos do Comitê de Ges-
tão e Inovação, no qual surgiu a ideia e nasceu o projeto, informou
o prefeito.
Quando assumiu a prefeitura, Luciano já tinha plena consciência
de que Vitória não era mais aquela cidade rica, com sobra de recursos
públicos. Ele sabia que teria a dificuldade dessas limitações e que, por
isso, seria necessário aprender a “viver” com austeridade e criativida-

Reunião do Comitê de Gestão e Inovação criado pela prefeitura de Vitória

Capítulo III – Onde está o interesse público? 57


de. Para fazer uma boa gestão, o “foco nas prioridades” deveria ser seu
lema. “Nós vamos enfrentar o desafio de perda de receita, perdemos
receita com o Fundap, continuamos perdendo indiretamente, com os
royalties de petróleo. ”
Cortar e reduzir despesas eram desde o começo, e continuaram sen-
do nos anos seguintes, as palavras de ordem. Dentre as várias medidas
que anunciou no primeiro momento do governo, Luciano diminuiu o
número de secretarias de 23 para 21. E 20% dos cargos de confiança.
Além dos cortes, outro e talvez mais complexo desafio foi escolher
o time do primeiro escalão e adequá-lo ao projeto de governo hori-
zontal e gestão compartilhada implantado por Luciano.

“A gestão compartilhada já começou. Cada um de vocês


será cogestor do prefeito e da prefeitura de Vitória. Nós va-
mos governar juntos. O gabinete itinerante, que começou
na transição, vai permanecer durante quatro anos. Nós, a
equipe da prefeitura, os secretários, nós vamos andar por esta
cidade junto da população. Vamos acertar e corrigir os rumos
juntos, fazendo isso de forma generosa, solidária, porque é a
única forma de garantir que a mudança irá ocorrer.
Desde o momento em que vencemos as eleições, eu me
preocupo em poder fazer as mudanças que todos esperam.
Não tenham dúvida, nós vamos fazê-las, mas vamos fazê-las
numa gestão compartilhada, junto a cada um de vocês, fa-
zendo a cogestão da prefeitura de Vitória.”
Trecho do discurso de posse de Luciano Rezende como pre-
feito de Vitória, em 1º de janeiro de 2013.

Luciano propunha dar início a um novo modo de governar


Vitória, tendo por base as principais características da governan-
ça democrática.

58 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Como já mencionado, Luciano tinha claro, desde então, que o
papel do prefeito não era o de um gerente: “entendo que o papel de
um prefeito é muito mais que administrar uma cidade. O prefeito
pode algumas coisas. Mas tem uma coisa que o prefeito pode ime-
diatamente após aquele carimbinho verde aparecer no site do TRE,
dizendo “eleito”, que é liderar a cidade. Liderar não é mandar, liderar
não é obrigar, liderar não é forçar ninguém; liderar é tocar o coração
e a mente dos moradores da cidade, todos os 327 mil moradores”.
Nos moldes tradicionais e ultrapassados da gestão pública das ci-
dades, o planejamento é feito de cima para baixo. O grupo de gestores
mais envolvidos na área de um projeto específico se reúne, desenha
e desenvolve a ideia, tendo em mente os principais propósitos do go-
verno, as prioridades, os compromissos assumidos, os pactos. A ges-
tão de Luciano faz diferente, observa Bianca Assis Ribeiro de Sousa
Loureiro, secretária municipal de Gestão Estratégica. “Nós descons-
truímos o modelo de uma prefeitura de secretarias e trabalhamos na
lógica de uma prefeitura de programas de governo, com a participação
ativa de todos e sem um responsável imediato, um “dono” do pro-
jeto”, conta. Segundo ela, o processo ocorre da seguinte forma: as
ações são definidas, cada um faz a sua parte e o controle do anda-
mento, do acompanhamento do cronograma de ações, é feito pelo
Escritório de Projetos, também criado pela atual gestão, para este fim
específico. “Esta forma horizontal de gerir criou um grande desafio,
o da mudança cultural. Acostumadas ao modelo vertical tradicional
(de cima para baixo), as pessoas sempre reagem e têm dificuldades em
aceitar essas mudanças, em que uma área acaba interferindo na ou-
tra, e que representam, inclusive, mudança de rotina, sempre difícil
de ser aceita. A grande riqueza deste trabalho, desta forma de fazer as
coisas, resume-se em uma palavra: integração”, conclui Bianca.

Capítulo III – Onde está o interesse público? 59


60 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
4
CAPÍTULO IV
PRIMEIRAS
MEDIDAS
Ao assumir a prefeitura, em janeiro de 2013, Luciano Rezende foi
enfático: queria que a prefeitura prestasse serviço à população com
excelência e vencesse a lentidão da burocracia. Transformar Vitória
em uma cidade cada vez melhor era um objetivo que desejava con-
cretizar juntamente com a população, por meio da gestão comparti-
lhada. Estava convicto desde o começo de que, para muitas famílias,
a prefeitura é a única esperança de obter a prestação de serviços e,
para isso, a máquina pública teria que ser mais eficiente, com menor
custo para o cidadão.
Mais desafiadora, contudo, era a proposta que apresentava de im-
plantar em Vitória uma administração inovadora, de estimular deci-
sões coletivas e de instituir a lógica do governo horizontal. “'Todos
nós somos prefeitos e prefeitas da cidade' é uma frase que ele coloca
com muita propriedade para resumir e explicar a gestão comparti-
lhada”, ressalta Bianca Assis Ribeiro de Sousa Loureiro, secretária
municipal de Gestão Estratégica de Vitória.
De fato, a proposta representava naquele instante uma ousadia,
uma iniciativa inédita no país, no sentido de desenvolver um novo
modelo de administrar, uma governança, que busca melhorar a ca-
pacidade de organização e ação da cidade, e não aquela que procura
a colaboração esporádica de atores urbanos em um ou outro tema
concreto. Dela, exigem-se a livre circulação das ideias e interesses
e a existência de organizações abertas, condições necessárias para
construir consensos sobre objetivos legítimos e visões em torno da
cidade que se acredita possível e desejada.

62 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


População participa de reunião
Gabinete do Gabinete Itinerante
Itinerante

Com a liderança legitimada pelo voto, o prefeito Luciano Rezende


sentia-se politicamente fortalecido e capaz de desenvolver ações para
aglutinar e representar a maioria dos interesses, pactuar e respeitar
as decisões que seriam tomadas pela administração, enfim, envolver
a maioria da sociedade na construção de um projeto de futuro com-
partilhado para Vitória. Para tornar realidade essa proposta, passou
a utilizar todos os canais possíveis: desde as redes sociais (o telefone
celular e o aplicativo WhatsApp pessoal do prefeito é disponibilizado
nas redes sociais para toda a população de Vitória) até os gabinetes
itinerantes, que são fóruns feitos em todas as regiões da cidade, e o
próprio processo de planejamento.
Buscou a concentração de esforços da prefeitura para garantir o
bom desempenho das atividades essenciais, valorizando a coopera-
ção e a responsabilidade individual dos integrantes dos quadros ad-
ministrativos, agrupando recursos humanos e financeiros em torno

Capítulo IV – Primeiras medidas 63


de programas e projetos e estabelecendo métodos de avaliação de
desempenho das equipes e dos seus membros.
Iniciou-se, assim, o empenho para romper os arranjos estruturais
e organizacionais do passado, objetivando a gestão integrada dos pro-
cessos essenciais e de colher os resultados dessa integração.
Tratou-se, na verdade, de uma mudança cultural, pois na forma
apresentada por Luciano, as diferentes áreas da administração são
forçadas a interagir fortemente, superando as estruturas em geral
fragmentadas e verticalizadas,
O primeiro passo foi identificar sobreposição de ações. A equi-
pe responsável elaborou uma matriz, um inventário, com tudo o
que estava em andamento, o que havia sido iniciado e o que esta-
va parado. Procurou-se conhecer o que a prefeitura produzia com
o seu quadro técnico. Foi feito um mapa estratégico pela primeira
vez na prefeitura.
Mudar um modelo de gestão por outro, seja na esfera privada, seja
na pública, traz sempre dificuldades e resistências. A alteração pode
gerar a sensação de perda de domínio, forte pressão interna contra
a integração dos processos por parte dos centros de poder da buro-
cracia, resistência da alta direção em dar autonomia ao corpo técni-
co, por receio de ter menos controle da situação e, mesmo, impasses
inerentes à forma de gerenciar mais flexível, muitas vezes tida como
risco para a administração. Lideranças centralizadoras representam
igualmente outro obstáculo.
“Para o gerenciamento e o acompanhamento dos programas e
projetos, a prefeitura de Vitória implantou o Escritório de Projetos,
uma ferramenta de gestão moderna, eficiente e internacionalmente
reconhecida”, ressalta Bianca.

64 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Isso significou abrir espaço para gerentes de projetos com forma-
ção específica e especialização. Representou também investir na ca-
pacitação da força de trabalho já existente na equipe da prefeitura.
Para cada projeto, foi escolhido um gerente e foram editados decre-
tos, inclusive instituindo procedimentos operacionais, com reuniões
sistemáticas e acompanhamento integrado.
Os debates, as reuniões e a criação de pautas pelos gerentes, se-
cretários e prefeito criaram a dinâmica do processo, que permite a
participação e o rápido conhecimento dos fatos por parte de todos
os envolvidos, em todos os níveis, do gerente ao prefeito. Reuniões
gerais do secretariado ampliadas (1 x por semana).

Planejamento Estratégico
O processo de elaboração do planejamento estratégico para a ges-
tão de Luciano Rezende, cobrindo os anos de 2013 a 2016, não ape-
nas estabeleceu as metas da sua administração na prefeitura de Vi-
tória – 33 programas e 220 projetos e mais de 500 horas de trabalho
contínuo –, mas implantou a gestão compartilhada como a marca do
governo que se iniciava. O diálogo com a população, destacando-se
o Gabinete Itinerante em todas as regionais da cidade, o Gabine-
te Online e a adoção de metodologia avançada para a montagem e
o gerenciamento de programas tornaram possível a elaboração do
Mapa Estratégico de Vitória.
Resultado de oficinas de trabalho e amplas discussões com a
sociedade, o corpo técnico da prefeitura e as lideranças políticas,
o processo alinhou os rumos que a cidade deveria trilhar para
alcançar o desenvolvimento sustentável e reafirmou a orientação
de que a gestão pública em Vitória deveria ser desenvolvida de

Capítulo IV – Primeiras medidas 65


maneira transparente e com participação democrática. Textual-
mente, o plano definia a missão do governo como a de administrar
Vitória de forma compartilhada, liderando a busca de soluções para
os desafios locais e a melhoria da qualidade de vida, em que cada
munícipe participe da gestão da cidade. Essa posição de privilegiar
o diálogo, longe de representar mero discurso, era o embrião de
um novo modo de governo, na visão de Luciano.
As bases de atuação do governo foram organizadas em quatro
diretrizes estratégicas: Gestão Compartilhada, Transparente e Efi-
ciente; Desenvolvimento com Sustentabilidade; Equidade e Justi-
ça Social; e Ambiente Social de Paz. E, nas palavras de Lenise
Loureiro, secretária de Gestão Estratégica no início do governo,
os programas definidos como estruturantes e estratégicos “convi-
dam permanentemente os moradores para a cogestão responsável
e solidária da cidade”. “Para tanto, ampliamos a participação da
população nas decisões de governo, com transparência, baseada em
diversos canais de consulta, garantindo o aperfeiçoamento cons-
tante da democracia”, completa.

66 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


DIRECIONAMENTO ESTRATÉGICO
O direcionamento estratégico da prefeitura foi construído a par-
tir da definição de quatro diretrizes que organizam as estratégias de
forma articulada e dinâmica, oferecendo, ao mesmo tempo, a cons-
tância de propósitos – estabilidade de rumo durante períodos de in-
certeza – e a flexibilidade para se antecipar e responder às mudanças
e aos diferentes cenários.

Ambiente Social de Paz


Promover a cultura de paz ancorada em um “conjunto de valores,
atitudes, comportamentos e modos de vida que rejeitam a violência
e previnem os conflitos, atacando suas causas para resolver os pro-
blemas através do diálogo e negociação entre indivíduos, grupos e
nações”. (ONU, 2000).

Desenvolvimento com Sustentabilidade


Promover o desenvolvimento sob os pontos de vista ambiental,
cultural, social e econômico, voltado ao bem-estar coletivo, à gera-
ção de oportunidades, ao dinamismo e à sustentabilidade da cidade,
compromissado com o equilíbrio planetário e com a qualidade de
vida das futuras gerações.

Equidade e Justiça Social


Priorizar a redução das desigualdades, com garantia de direitos e
ampliação do acesso aos bens e serviços, oferecendo apoio e oportu-
nidade às pessoas e aos grupos em situação de vulnerabilidade.

Gestão Compartilhada, Transparente e Eficiente


Garantir uma gestão baseada em valores éticos, com planeja-
mento e políticas integradas e articuladas, métodos e instrumentos
eficazes e foco em resultados, assegurando uma efetiva participação
da sociedade na construção, na execução, no monitoramento e na
avaliação das ações e dos projetos de governo.
Fonte: Plano Estratégico

Capítulo IV – Primeiras medidas 67


GESTÃO COMPARTILHADA E INTEGRADA
Fortalece o diálogo e a participação da sociedade no debate
sobre a gestão da cidade e desenvolve políticas públicas integradas
e articuladas.

Gabinete Online
Ampliar os instrumentos da Gestão Compartilhada.

Gabinete Itinerante
Criar um ambiente de proximidade com a população, fazendo
dela uma cogestora da cidade.

Portal da Transparência
Desenvolver mudanças no leiaute do Portal da Transparência do
município.

Vitória em Dados
Modernizar o sistema e atualizar as informações do Vitória em Dados.

Orçamento Participativo
Democratizar e controlar socialmente a gestão e o orçamento público.

Fala Vitória 156


Reestruturar o Fala Vitória 156.

Portal Vitória Online


Reestruturar o Portal Vitória Online.

Transparência e prevenção à corrupção


Aperfeiçoar métodos e sistemas de controle e transparência na
gestão e estratégias de prevenção à fraude e à corrupção.

Vitória nas redes sociais


Ampliar e integrar os canais de comunicação da prefeitura com
os munícipes.
Fonte: Plano Estratégico

68 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Ajuste nas finanças
Quando assumiu a prefeitura de Vitória, Luciano Rezende encon-
trou um cenário de receita em declínio e despesa crescente, princi-
palmente dos gastos com aluguel de imóveis, veículos, ligações tele-
fônicas, diárias de viagens e pagamento de pessoal.
Uma das primeiras medidas que adotou foi anunciar o corte de
20% dos cargos comissionados. Outra medida foi desocupar os imó-
veis alugados e ocupar os da própria administração. Vários progra-
mas foram criados, visando diminuir o impacto da perda de receita,
como, por exemplo, o Refis e o Nota Vitória.
Em 13 de março de 2013, ou seja, com apenas dois meses e meio de
trabalho na prefeitura, Luciano estabeleceu as diretrizes para o corte
de despesas por meio do Decreto nº 15.640. Várias medidas foram
adotadas, visando à contenção de gastos com custeio. O resultado da
iniciativa foi o registro de recuo em três anos consecutivos: 7,4% em
2013, 4,0% em 2014 e 16,3% em 2015, segundo a Secretaria da Fa-
zenda de Vitória. Já em 2013, houve renegociação de contratos e um
deles, o de iluminação pública, teve deságio de 48%.
Após anos de crescimento continuado, a receita de Vitória enco-
lheu sistematicamente a partir de 2013. O motivo para as sucessivas
retrações foi a Resolução nº 13 do Senado, que contou com o apoio
do governo federal e representou um duro golpe no Fundo para De-
senvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap), cuja consequên-
cia imediata foi a perda anual de R$ 85 milhões na receita da cidade.
O Fundap é um incentivo financeiro para apoio a empresas com
sede no Espírito Santo e que realizem operações de comércio exterior
tributadas com ICMS no estado.
Desestimuladas, muitas empresas “fundapianas” estabelecidas
em Vitória encolheram seus negócios ou saíram do Espírito Santo.

Capítulo IV – Primeiras medidas 69


Cerca de 200 delas encerraram operações na cidade com o fim do
incentivo. Esse fato, aliado à queda do preço internacional do mi-
nério, fez com que o Índice de Participação dos Municípios (IPM)
de Vitória na parcela do ICMS despencasse de 21% (2013) para
15,2% (2015). Em apenas dois anos, a capital perdeu quase cinco
pontos percentuais de ICMS, o que equivale a R$ 120 milhões
a menos.
Além disso, a estimativa para 2015 era de que a capital capixaba
amargasse uma frustração de receita de R$ 85 milhões, em razão da
retração econômica provocada pela grave crise que o país atravessa.
Somados todos os itens (Fundap + IPM + frustração de receita), Vi-
tória acumulou perdas no orçamento de R$ 290 milhões em 2015.
Em março de 2015, foram tomadas outras medidas para economi-
zar mais R$ 50 milhões. O Decreto nº 16.372 apertou ainda mais o
cinto, e o custeio recuou por mais um ano.
Mas as medidas também contemplaram o aumento de receita. No
Refis, foram negociados R$ 122,7 milhões. O protesto de dívida pro-
piciou outros R$ 15,3 milhões.
O Refis é o Programa de Incentivo à Regularização Fiscal com a
Fazenda Pública do Município de Vitória, instituído pela Lei nº 8.592
de 12/12/2013. É destinado a promover a quitação de débitos tribu-
tários e não tributários, inscritos ou não em dívida ativa, originários
de tributos e multas.
O programa Nota Vitória, que devolve 30% do Imposto Sobre
Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) a quem pedir a nota fiscal
(válido apenas para pessoas físicas), gera um incremento anual de
receita com ISSQN de R$ 5 milhões. Ao exigirem a nota fiscal e
informarem o CPF, as pessoas recebem um crédito em desconto no

70 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


IPTU ou em depósito em conta corrente. Vitória arrecada por ano
cerca de R$ 350 milhões de ISSQN.
No início do mês de outubro de 2015, a prefeitura de Vitória enca-
minhou à Câmara de Vereadores a proposta de orçamento para 2016.
A administração municipal deverá sofrer redução de R$ 300 milhões
nas receitas, o que significa uma queda de 15,8%, na comparação
com 2015. O valor em 2016 foi de R$ 1,2 bilhão.
Com a quebra de contratos por parte do governo federal, o muni-
cípio de Vitória perdeu R$ 294 milhões. A estimativa de prejuízo diz
respeito a valores sinalizados pela União em convênios e investimen-
tos que foram cancelados.
Corre na justiça ação do município contra a União, alegando que,
ao não repassar recursos prometidos e ao extinguir o Fundap, o go-
verno federal quebrou unilateralmente contratos.

Vitória em primeiro lugar

Mesmo num cenário pós-Fundap, com perdas de receita


sem precedentes, Vitória venceu prêmios nacionais e in-
ternacionais, ocupando o 1º lugar em saúde e 3º em educa-
ção, dentre mais de 700 cidades mapeadas pela consultoria
Urban Systems, a pedido da revista Exame, sobre cidades
inteligentes e humanas.
O Financial Times divulgou ranking em que Vitória aparece
como a 7ª melhor cidade das três Américas para se viver,
atrás apenas de quatro norte-americanas e duas canadenses.

Capítulo IV – Primeiras medidas 71


Série histórica do ICMS Normal e Fundap
Vitória (R$ milhões)

EVOLUÇÃO DO ICMS
Em R$ milhões – Preços constantes - IPCA médio de 2016

ICMS Normal x ICMS Fundap

470,5 481,4 482,4


452,4
437,0
421,4 413,8
402,2
353,2
321,6 329,9
288,0

218,0
194,0
176,8
140,2 150,5 150,0 138,9 139,6

54,6
39,4 28,7 18,9

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

ICMS ICMS FUNDAP

O ICMS Fundap começou a perder força a partir de 2012, com a


Resolução nº 13, editada em 25 de abril de 2012, que entrou em vigor
a partir de 1º de janeiro de 2013, ano em que Vitória sofreu uma das
maiores quedas de receita já registradas em sua história.
A perda nos quatro últimos anos é estimada em aproximadamen-
te um bilhão de reais, o equivalente a quase o orçamento de um ano
da prefeitura da cidade.
A queda no preço internacional do minério também repercutiu
no Índice de Participação dos Municípios (IPM) de Vitória na parce-
la do ICMS. No entanto, os maiores impactos são referentes ao fim
do incentivo do Fundap e ao crescimento das empresas de petróleo
instaladas em outros municípios.

72 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


EVOLUÇÃO DO ICMS
Em R$ milhões – Preços constantes - IPCA médio de 2016

ICMS Normal x ICMS Fundap

470,5 481,4 482,4


452,4
437,0
421,4 413,8
402,2
353,2
321,6 329,9
288,0

218,0
194,0
176,8
140,2 150,5 150,0 138,9 139,6

54,6
39,4 28,7 18,9

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

ICMS ICMS FUNDAP

PREÇO DO MINÉRIO DE FERRO


Dólares americanos por tonelada métrica seca

200,00
187,18

160,00

120,00

dez/16
79,43
80,00

40,00
40,88
dez/15

0,00
mai/11

nov/11

nov/12

nov/13

nov/14

nov/16
jul/11
set/11

mai/12

set/12

mai/13

set/13

mai/14

set/14

mai/15

set/15
nov/15

mai/16

set/16
jul/12

jul/13

jul/14

jul/15

jul/16
mar/11

mar/12

mar/13

mar/14

mar/15

mar/16
jan/11

jan/12

jan/13

jan/14

jan/15

jan/16

Capítulo IV – Primeiras medidas 73


74 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
5
CAPÍTULO V
INSTRUMENTOS
DE GOVERNANÇA
A definição das diretrizes estratégicas de Vitória para o período de
2013 a 2016 não tiveram apenas como objetivo a transformação da
administração em uma nova governança pública, ou seja, na gestão
compartilhada. Na realidade, buscou-se fazer com que esse mesmo
processo social de elaboração, gestão, avaliação e reprogramação da
estratégia da cidade – o planejamento estratégico – fosse, ele próprio,
concebido como início dessa nova governança.
Não há outro sentido quando, já nos primeiros dias de governo,
Luciano Rezende esforça-se para envolver o conjunto dos funcio-
nários da prefeitura na elaboração do planejamento estratégico ou
quando declara que o diálogo seria a forma habitual, e não episódica,
de seu governo. Seguem nessa mesma direção as diferentes iniciati-
vas para atrair a grande maioria dos setores da cidadania na definição
de conteúdos concretos das políticas do governo, para identificar as
necessidades e os interesses legítimos de todos os setores relacionados
a um tema, receber conselhos e sugestões para a elaboração/melhoria
das políticas, visualizar o apoio cidadão aos projetos e programas e
promover a cooperação e o compromisso da cidadania. São movi-
mentos nesse sentido que dão base à construção da nova governança
pública que, em Vitória, por sugestão de José Armando Figueiredo
Campos, Luciano chamou de Gestão Compartilhada.
A pedra angular dessa orientação de governo foi a criação do Ga-
binete Itinerante, com foco nas diretrizes definidas no plano estra-
tégico e concebido para funcionar durante todo o período do man-
dato. Composto pela equipe de secretários e assessores, o Gabinete
Itinerante, sob a liderança do prefeito, reúne-se nas diversas regiões
da cidade para debater os problemas da comunidade, escutar as rei-
vindicações e, na medida do possível, ali mesmo, tomar decisões e
determinar soluções para as questões levantadas.

76 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Com uma população de aproximadamente 400 mil pessoas, Vitó-
ria está dividida em nove regiões, cada uma com administração re-
gional própria, o que facilita territorialmente a articulação tanto dos
recursos públicos como dos recursos privados em torno de objetivos
específicos e, em especial, promove o desenvolvimento de uma ci-
dadania ativa e comprometida com o enfrentamento dos problemas
urbanos e com as conquistas de avanços de bem-estar social.

Com a mesma finalidade, os recursos proporcionados pela in-


ternet passaram a ser utilizados com intensidade inédita na
gestão pública municipal. Adepto e familiarizado com as so-
luções tecnológicas da rede global, Luciano participa direta-
mente de vários grupos de WhatsApp voltados à gestão com-
partilhada do munícipio. Além disso, o número de celular do
prefeito é amplamente divulgado para que a população tenha
acesso direto a ele. As primeiras horas da jornada diária de
trabalho de Luciano são dedicadas a colocar em dia as men-
sagens recebidas por meio de SMS e de grupos de WhatsApp.

Prefeito conversa com moradores em reunião do Gabinete Itinerante

Capítulo V – Instrumentos de Governança 77


Aplicativo Vitória Online, disponivel para telefones celulares gratuitamente, canal de comunicação direto
para informar e dar voz aos moradores da cidade junto ao poder público municipal

Essa comunicação é facilitada pelo aplicativo Vitória Onli-


ne, desenvolvido pela administração para os moradores e visi-
tantes da cidade, como canal direto com a prefeitura. Por meio
dele, as pessoas podem enviar sugestões e denúncias, também ser-
vindo como janela de orientação sobre a cidade, portal de notí-
cias, guia de serviços e informativo sobre o transporte municipal.
Portanto, uma das prioridades da gestão de Luciano Rezende foi fa-
cilitar o acesso da população à informação sobre o que está aconte-
cendo na capital e na administração. E não só isso. A proposta do

78 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


prefeito é de incentivar as pessoas a participarem desse fluxo infor-
mativo, colaborarem e interagirem. Além dos meios de informação
oferecidos pelas novas tecnologias, Vitória mantém os tradicionais
canais de comunicação com o público, como boletins institucionais,
contato com a imprensa, rádio e televisão local. Demais suportes
utilizados são os anúncios, os folhetos, dentre outros. Para Luciano
Rezende, essa é mais uma forma de garantir a transparência da admi-
nistração e ampliar o diálogo com a cidade.

Outra ferramenta que vem sendo bem aproveitada pela pre-


feitura de Vitória é o SMS, para vários fins. Dentre estes,
destaca-se seu uso na área de saúde, eliminando a burocracia
na avaliação do usuário sobre o atendimento recebido nos
postos médicos municipais.

Uma das metas de Luciano Rezende foi implantar a rede Wi-Fi


Livre, com o objetivo de “tornar Vitória a cidade mais avançada do
Brasil no tema acesso à internet”. São 100 pontos de rede sem fio,
abrangendo várias regiões. A meta da atual gestão é ter toda a capital
conectada gratuitamente. Os pontos são fixados nos postes instalados
em locais estratégicos. Existe, ainda, a intenção de otimizar essa pro-
posta por meio de Parceria Público-Privada (PPP).
Esse projeto correu em paralelo ao objetivo de dar a Vitória uma
nova e mais eficiente iluminação, com a troca das lâmpadas ama-
relas pelas brancas, de LED, que iluminam mais, são econômicas e
oferecem maior segurança. A melhoria da iluminação dos espaços
públicos (praças, parques e vias litorâneas, principalmente) inibe a
criminalidade e motiva a utilização desses locais pelos cidadãos para
atividades de lazer e esporte.

Capítulo V – Instrumentos de Governança 79


80 A Gestão
Parque Municipal da Compartilhada
Fonte Grande e Governo RETO, em Vitória-ES
Foto: Yuri Barichivich
WI-FI LIVRE

A gestão de Luciano Rezende inovou ao implantar a rede de


internet sem fio para a população

• Já são 100 pontos instalados em diferentes regiões


• Toda a cidade deverá ser conectada

Capítulo V – Instrumentos de Governança 81


Com relação ao aspecto da comunicação, um dos pontos que Lu-
ciano Rezende defende é a relação direta com os cidadãos, a qual,
no entanto, não pode ocorrer apenas nos períodos eleitorais. Prin-
cipalmente, esse contato deve acontecer e ser fortalecido nos mo-
mentos entre as eleições. Na concepção dele, é importante dispor de
múltiplos mecanismos de informação, comunicação e deliberação,
a fim de conhecer diretamente as opiniões, desafios e necessidades
da população. Só assim, efetivamente, torna-se possível às políticas
responderem aos anseios do conjunto dos cidadãos, fortalecendo a
cidadania ativa.
Essa comunicação eficaz deve ser desenvolvida com base nos va-
lores do humanismo ou do republicanismo cívico. Ela deve se fun-
damentar na realidade dos projetos e de suas circunstâncias. Não
tenta substituir a realidade, mas tomá-la como ponto de partida para
a elaboração das mensagens e dos significados que a administração
deseja transmitir a partir de uma situação objetiva. Acima de tudo,
a comunicação precisa se apoiar em uma informação clara, transpa-
rente, documentada e crível.

De fato, para exercer a liderança necessária à gestão


compartilhada, são exigidas habilidades e competências muito dis-
tintas das pedidas no já ultrapassado modelo gerencial ou modelo
provedor e gestor, centrado tão apenas na oferta de serviços. Dessa
liderança são cobrados, dentre outros elementos, recursos mais in-
tensos para usar as técnicas de planejamento estratégico, participa-
ção, gestão de redes, negociação relacional etc. Além disso, esse lí-
der deve dispor de informação sobre o conjunto de atores públicos,
voluntários, organizações sociais sem fins lucrativos, associações de

82 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


moradores e comunitárias, e conhecer os principais projetos desses
grupos, para que, assim, existam fortes vínculos entre ele e os seg-
mentos representados, criando ou desenvolvendo então mecanis-
mos de enlace entre atividades e projetos.
Por outro lado, também ganha mais relevância na gestão com-
partilhada a manutenção de um sistema de informação sobre as
variáveis que podem incidir na quebra da convivência entre setores
comunitários. Por exemplo, evolução do desemprego e dos índices
de delinquência e de vítimas, deficit de serviços básicos e moradias,
programação de serviços e equipamentos que possam ser objeto de
rejeição por grupos de moradores, registro atualizado dos novos as-
sentamentos nos bairros e zonas da cidade. Isso significa que o enten-
dimento da gestão compartilhada não é somente ter a informação.
O mais importante é ter a informação correta e saber utilizá-la, qua-
lificá-la, transformá-la em um dado que pode ser revertido em bem
comum, em ferramenta estratégica de promoção de melhorias para
as comunidades.

Gabinete Itinerante
Foram 321 edições do Gabinete Itinerante até dezembro de 2016.
Tipo de reunião in loco, em formato de audiência pública, eles ocor-
rem desde o período da transição de governo, a partir de novembro
de 2012, ou seja, logo após a eleição em 2º turno. Nos primeiros
encontros, muitos moradores diziam que essas sessões não dariam em
nada, que estavam cansados de tantas promessas, que o Orçamento
Participativo não resolvia todos os pedidos, mas que, mesmo assim,

1 Inclui nove gabinetes itinerantes realizados de outubro a dezembro de 2012,


ainda na transição.

Capítulo V – Instrumentos de Governança 83


Moradores atendem ao convite de encontro do Gabinete Itinerante

fariam um teste desse novo formato de audiência implantado pelo


governo de Luciano Rezende.
Muitos políticos (aliados ou não) falavam que o prefeito estava
arrumando problema, abrindo o microfone para as comunidades rei-
vindicarem. Também diziam que ele estava expondo o secretariado,
pois muitas demandas dos moradores teriam que ser atendidas no
local (na hora), tête-à-tête, com todos juntos.
Nos primeiros encontros, o resultado foi o recebimento de um nú-
mero absurdo de pedidos, dos mais variados. Porém, esse excesso de
demandas foi diminuindo nas audiências seguintes. Outro fator im-
portante foi que as solicitações dos encontros não se repetiam, uma
vez que, ao revisitar determinada região, o prefeito fazia um balanço
dos pedidos atendidos, mostrava os resultados alcançados e abria a
palavra para novas reivindicações.

84 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


O que se observou nos encontros do Gabinete Itinerante é que as
demandas são, na maioria, simples, pois não dependem de recursos
ou projetos especiais, possibilitando a solução quase imediata.
Como era esperado, não faltaram pedidos inusitados. Nesses ca-
sos, Luciano perguntava ao morador solicitante o que ele faria se
fosse o prefeito da cidade, se estivesse no lugar dele. Isso faz com que
o solicitante reflita sobre a demanda apresentada. Muitas vezes, a
reflexão até o fazia mudar de ideia, trazendo-o de volta à realidade.

Vitória, campeã em transparência


Em pesquisa realizada pelo Instituto Ethos e divulgada em 28 de
setembro de 2015, Vitória foi apontada como a cidade mais trans-
parente do Brasil.
A nota do município capixaba foi 74,88, em levantamento feito
por 14 entidades da sociedade civil. A segunda capital mais bem co-
locada foi Curitiba, com 74,17 pontos. A última obteve 20,38.
A análise das políticas de transparência dos governos das 26 capi-
tais estaduais e do Distrito Federal apurou que 17 delas foram classifi-
cadas com nível “baixo” e nenhuma conseguiu entrar na faixa de nível
“muito alto”. Seis ficaram no nível “médio”. Apenas Vitória, Curitiba,
São Paulo e Porto Alegre foram classificadas com nível “alto”.
Para a pesquisa, foram coletados dados para responder a 129 ques-
tões-chave sobre os itens disponibilizados, a qualidade dos canais
de informação e o funcionamento dos mecanismos de participação
social, como audiências públicas e conselhos de saúde e educação.
Com base nas respostas, foi atribuída nota de 0 a 100. Essa avaliação
é a primeira ação do projeto Cidade Transparente, iniciativa do Ins-
tituto Ethos e da Amarribo Brasil, em conjunto com outras 12 enti-

Capítulo V – Instrumentos de Governança 85


dades, conforme informações publicadas no portal Gazeta Online de
29 de setembro de 2015.

Indicadores da Cidade Transparente

• Pesquisa do Instituto Ethos e da Amarribo Brasil nas 26 capi-


tais estaduais e no Distrito Federal

•R
 esultado do grupo de prefeituras com nível de transparência
“alto”:

Vitória 74,88 pontos

Curitiba 74,17 pontos

São Paulo 72,53 pontos

Porto Alegre 69,19 pontos

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Com base nessas respostas, foi atribuída uma nota, que varia de 0
a 100. As notas foram então divididas em cinco faixas iguais: de 0 a
20, de 20,01 a 40, e assim por diante.
Fonte: ESHoje e Instituto Ethos

86 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Capítulo V – Instrumentos de Governança 87
88 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
Capítulo V – Instrumentos
Baíadede
Governança
Vitória com Terceira Ponte 89
Foto: André Sobral
90 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
6
CAPÍTULO VI
GOVERNANÇA
NA PRÁTICA
Governança democrática é uma aposta dos governos na descen-
tralização, colaboração e corresponsabilidade da sociedade civil.
Neste sentido, o principal papel da prefeitura é organizar e gerir
os processos das interdependências entre os distintos atores e setores
da cidadania.
É fundamental que a atuação do conjunto do governo se orien-
te por objetivos sociais e que toda a estrutura tenha por referência
os mesmos interesses de coesão social, redução das desigualdades e
dos desequilíbrios territoriais. Assim, para garantir as necessidades
básicas de uma população ou reduzir a pobreza em uma cidade – em-
bora a responsabilidade para alcançar esta meta costume ser da Se-
cretaria de Assistência Social, por ter mais competências e recursos
específicos –, devem ser envolvidas as áreas de saúde, obras públicas
(saneamento básico, espaços públicos, iluminação etc.), transporte,
moradia, educação e esporte, que hoje se converteu em necessidade
básica de saúde, pois as demandas são mais amplas que o acesso a
equipamentos e prestação dos serviços sociais.
Por outro lado, em cada política setorial, em cada projeto, é preci-
so compreender os espaços de participação e de deliberação cidadã de
maneira ampla e flexível, de modo que, efetivamente, sejam visíveis
os acordos sociais. Também para que se visualizem de forma clara os
setores beneficiados por esses acordos e, muito especialmente, aque-
les segmentos vulneráveis, que podem ter sua situação melhorada.
Ressalta-se ainda que o bom desenvolvimento da governança
é condicionado pelos conteúdos concretos das políticas públicas.
Sem dúvida, a opção por uma cidade compacta, não segregada,
baseada na complexidade e na diversidade das relações huma-
nas no espaço público, favorece a gestão relacional de qualidade.

92 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


O envolvimento dos usuários e familiares nos programas volta-
dos ao bem-estar social e à educação, a difusão dos valores rela-
cionados ao sentimento de “pertencer”, o comprometimento e a
atribuição de um valor simbólico aos espaços coletivos, para con-
vertê-los em lugares de encontro e convivência, são também con-
dicionantes para o desenvolvimento da governança como modo
de governar as cidades.

o0o

AS CONQUISTAS RECONHECIDAS
Educação – Fim dos sorteios de vagas
Quando Luciano Rezende assumiu a prefeitura de Vitória, estava
certo de que uma de suas metas prioritárias era a educação, que de-
veria alcançar patamares cada vez melhores.
O resultado tem chegado aos poucos, cada dia com uma nova
etapa, tijolo a tijolo, com os quais são feitas as grandes conquistas.
Ainda há um longo caminho pela frente, mas já se pode dizer que a
cidade conseguiu até mais do que havia se imaginado. Por exemplo,
é citada constantemente nos meios de comunicação, regionais e na-
cionais, como a detentora da melhor cobertura educacional do país.
Uma das maiores demonstrações de que a capital capixaba tem
trilhado o caminho certo veio com a pesquisa do Tribunal de Con-
tas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS), divulgada em 2015,
mostrando que Vitória tem o melhor índice do país no ranking de
atendimento a crianças de 0 a 5 anos, em escolas da rede municipal
(ver tabela).

Capítulo VI – Governança na Prática 93


ATENDIMENTO A CRIANÇAS DE 0 A 5 ANOS

CIDADE %

Vitória 79,5

São Paulo 46,3

Florianópolis 46,1

Cuiabá 38,7

Campo Grande 37,4

Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul

“Nós temos o maior percentual de cobertura da educação infan-


til, uma das melhores experiências do Brasil, de seis meses a cinco
anos, que é a creche e a pré-escola”, reforça a secretária municipal de
Educação, Adriana Sperandio. Segundo ela, este resultado foi obtido
ao longo do tempo, já que a cidade tem uma história de continuidade
de ações na área da educação nos últimos 30 anos. Como o índice já
era bom, ao assumir a prefeitura, Luciano Rezende estipulou a meta
de universalizar o atendimento até o final de 2016, sendo que, em
2015, a capital estava com praticamente 80% de cobertura.
Ainda na área da educação infantil, Vitória também implantou
uma nova metodologia de sorteio para definir vagas. No modelo
anterior, o sistema era georreferenciado, ou seja, as famílias se ins-
creviam para o sorteio na escola mais próxima de casa, porque se
acreditava que esse era um critério mais justo. No entanto, acontecia
de, no final, o cadastro mostrar que um grande número de crianças

94 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


ficava de fora, por não conseguir vaga. O que a Secretaria fez, lem-
bra Adriana, foi literalmente reunir-se com a equipe de tecnologia
e pedir a criação de um cadastro eletrônico unificado e, ao mesmo
tempo, um “minicenso” educacional, georreferenciado. “Na hora em
que a família dizia ‘eu moro no endereço tal’, o sistema já informava a
primeira e a segunda opções de matrícula. O sistema organizou tudo.
E o que se viu foi que a deficiência de matrícula de Vitória caiu de 16
mil para 3.800”.
Esta experiência da capital capixaba mostrou que, às vezes, o pro-
blema não está na estrutura física, mas na forma de organização. De
fato, as infraestruturas são importantes e necessárias, mas não são
em absoluto suficientes. Na governança democrática, o essencial é
potencializar a capacidade de organização e ação da sociedade e ar-
ticular seu potencial humano e capital físico para promover avanços
de modo amplamente compartilhado. Assim, do mesmo jeito que foi
identificada uma capacidade de organização mais adequada à neces-
sidade de vagas para o ensino infantil da cidade, também foi possível
identificar com mais precisão os investimentos para ampliação da
rede física. Existiam muito mais vagas, mas elas não eram vistas por-
que as famílias ficavam limitadas a uma única opção de matrícula.
Quando se colocou mais de uma possibilidade, esse excedente se re-
velou muito menor do que realmente era.
A partir desse dado, a Secretaria montou um programa para criar
4 mil vagas na educação infantil, cobrir o déficit identificado e atingir
a meta de universalização. “Se considerarmos os dados estatísticos
verificados no cadastro e na população, a gente percebe que a nossa
estratégia de gerar quase 4 mil vagas assegura a universalização do
atendimento”, afirma Adriana. Para chegar a este número até o final

Capítulo VI – Governança na Prática 95


de 2016, já são cinco novos prédios (onde já existe escola) e três no-
vas unidades criadas (onde não havia escola), além do indicativo de
entrega de mais uma unidade de educação infantil.
A ideia deu tão certo que outras cidades se interessaram no
sistema desenvolvido pelos técnicos municipais. “Como ele é uma
produção nossa, pública, nós podemos doá-lo para as outras prefei-
turas”, destaca a secretária. Segundo ela, já existem cinco muni-
cípios do Espírito Santo com convênio para adquirir a tecnologia
desenvolvida em Vitória: Santa Maria de Jetibá, São Mateus, Vila
Velha, Serra e Cariacica.

Escolas em tempo integral – Aprendendo o tempo todo


O modelo de Escola em Tempo Integral, que tem por referência
a experiência de Pernambuco, ganhou novos contornos em Vitória.
Hoje, a cidade possui três unidades nas quais os alunos, moradores
das comunidades do entorno, ficam o dia inteiro. Mas o que existe
de diferente das outras pelo país afora? A questão é que não só os
estudantes ficam na escola: os professores também.
Na maioria das demais experiências, os alunos ficam um período
em aula, com os professores, e o outro período com os monitores.
Na capital capixaba, não. Foi feito um contrato com os docentes
para que eles ficassem em tempo integral na escola, com dedicação
exclusiva. É bom para o aluno, que não fica trocando de professor, e
bom para este último, que amplia os conhecimentos e se familiariza
mais com o grupo, além de obter ganho salarial por trabalhar em
dois períodos.

96 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


CMei Carlos
Alunos Albertoem
da Escola Martinelli Sousa – em
Tempo Integral Fotosala
Elizabeth
de aulaNader

Adriana observa que a escola integral de Vitória se diferencia


também no conteúdo. “Tem uma matriz curricular riquíssima, tem
protagonismo jovem, elaboração do projeto de vida”, diz. As salas são
temáticas, quer dizer, são aquelas em que o professor permanece no
ambiente, quem muda é o aluno. O sistema vai do primeiro ao nono
ano do ensino fundamental, para a idade de seis a 14. Atualmente,
são atendidos entre 1.200 e 1.500 estudantes.
O ano de 2015 foi o primeiro da Escola em Tempo Integral em
Vitória. O sistema terá crescimento gradativo, conforme a secretária.
Ainda incipiente, ele já tem chamado a atenção. Segundo Adriana,
há pedidos de transferência de alunos para as unidades do sistema.
Aliás, não só para elas. Este é um bom “problema” da prefeitura,
porque inclusive alunos das instituições particulares têm se interes-
sado em migrar para a rede municipal. “Já tem pedido de transferên-

Capítulo VI – Governança na Prática 97


cia, da privada para a pública. Aqui, o nosso percentual é altíssimo.
Vitória atende às classes média e alta”, ressalta. Em 2015, houve mais
de 500 matrículas na rede de alunos que vieram de instituições par-
ticulares. “Os nossos professores, os que moram em Vitória, colocam
os filhos na nossa escola para estudar. Vereadores têm os filhos estu-
dando na escola municipal”.

PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS ALUNOS DA REDE PÚBLICA


MUNICIPAL DE ENSINO DE VITÓRIA

Renda Mensal Familiar Percentual


Não respondeu ao questionário 3,6%
Até R$ 260,00 4,60%
De R$ 261,00 a R$ 780,00 18,8%
De R$ 781,00 a R$ 1.300,00 31,4%
De R$ 1.301,00 a R$ 1.820,00 15,0%
De R$ 1.821,00 a R$ 2.600,00 11,0%
De R$ 2.601,00 a R$ 3.900,00 7,4%
De R$ 3.901,00 a R$ 5.200,00 4,0%
De R$ 5.201,00 a R$ 6.500,00 1,7%
De R$ 6.501,00 a R$ 7.800,00 1,0%
Acima de R$ 7.800,00 1,4%

TOTAL 100,00%

Fonte: Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Vitória

Ações como a escola integral ou a universalização da educação


infantil nascem para ficar. A proposta é que não sejam apenas pro-
jetos isolados, mas políticas públicas que vão se perpetuar, indepen-
dentemente de quem estiver à frente da administração.

98 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


As três unidades que hoje funcionam em tempo integral em Vi-
tória são as Escolas Municipais de Educação Fundamental (Emefs)
Eunice Pereira Silveira, em Tabuazeiro, Anacleta Schneider Lucas,
em Fonte Grande, e Moacyr Ávidos, na Ilha do Príncipe. Elas ini-
ciaram o ano letivo de 2015 com a mudança, atendendo cerca de
1.200 alunos e com o objetivo muito claro de ampliar as oportuni-
dades de aprendizagem para eles, que passaram a ficar mais tempo
nas instituições.
Professora da rede municipal há 20 anos e lecionando na Esco-
la Municipal Adevalni Segismundo Ferreira de Azevedo há quatro,
Jackeline Gusman elogia a implementação do regime integral em al-
gumas instituições. “A escola em tempo integral desta gestão muni-
cipal foi realizada de maneira planejada, com a devida infraestrutura.
Antes as escolas integrais eram improvisadas e não contavam com
um cronograma de atividades coerente nem com espaços adequa-
dos”. A docente ressalta que a escolha dos locais foi estratégica, pois
possibilitou o acolhimento de crianças em situação de vulnerabili-
dade social. “Além disso, o regime de 40 horas favorece um melhor
planejamento por parte do professor, menos correria, mais dedicação
e organização da vida pessoal de todos”, acrescenta.

Vitória alfabetizada – Para todo mundo ler


Público diferenciado, atendimento diferenciado. Um dos orgu-
lhos de quem está à frente da educação é ver a inclusão social. Ensi-
nar alguém a ler e a escrever o próprio nome são atitudes guardadas
por toda a vida. Uma das metas de Luciano Rezende é dar esse direito
a quem ainda não o teve. O nome do programa que tem buscado a
inclusão dessas pessoas é Vitória Alfabetizada, desenvolvido em par-

Capítulo VI – Governança na Prática 99


ceria com o governo federal, que tem o Brasil Alfabetizado, e com o
governo estadual, que implantou o Vivendo e Aprendendo.
Assim como a universalização da educação infantil, o objetivo
do Programa Vitória Alfabetizada, no período de 2013 a 2016, era
fazer o enfrentamento radical do analfabetismo na capital. De acor-
do com Adriana Sperandio, a administração identificou a existência
de cerca de 4 mil analfabetos na cidade, jovens e adultos ainda em
idade produtiva, na faixa etária de 15 a 59 anos, que não haviam
se apropriado da leitura e da escrita. Vale ressaltar que, no final de
2015, o FNDE orientou os municípios a não abrirem mais turmas e o
governo estadual também não deu continuidade ao projeto. Assim,
o município passou a abrir turmas de forma autônoma e arcar com
as despesas com recursos humanos e outras. Desta forma, Vitória
decidiu continuar com esta ação alfabetizadora, independente dos
recursos do FNDE e do governo estadual.
O grande diferencial do Vitória Alfabetizada é a flexibilidade do
programa, já que ele atende a um público formado por indivíduos que,
na maioria das vezes, trabalham ou têm outras atividades e que, por-
tanto, possuem menos disponibilidade para frequentar regularmente
uma escola. “O projeto permite que a turma funcione em qualquer am-
biente da comunidade. Vai aonde as pessoas estão”, conta a secretária.
Funcionando dessa forma, complementa Adriana, a ação dialoga
mais com o público. Inclusive, o horário é estabelecido por meio de
acordo entre os alunos. “Então, há turmas que têm aula três vezes na
semana, que têm aula no sábado, que têm aula duas vezes à noite e
uma vez de manhã. É completamente flexível. São características ex-
tremamente facilitadoras para a gente, de fato, alfabetizar as pessoas”,
descreve. Nos primeiros quatro anos, apesar de todas as dificuldades

100 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


financeiras da Prefeitura e dos cidadãos, Vitória matriculou 2.022 jo-
vens e adultos e alfabetizou 1.055, equivalendo a 26% da meta. Em
2017, há demanda de 135 munícipes a serem atendidos em sete bair-
ros da capital.
Interessante é que o programa se articula com outras instituições,
como o Sebrae, para que, além da alfabetização, os alunos tenham tam-
bém formação em empreendedorismo e associativismo, por exemplo,
ampliando as oportunidades no mercado de trabalho, para que possam
se emancipar e, com isso, elevar a autoestima. Segundo a secretária, o
público do programa é formado por pessoas extremamente carentes,
algumas até na faixa abaixo da linha de pobreza, gente que não possui
renda, produção e trabalho. Ou seja, que precisa muito de oportunida-
de e formação para conseguir, no futuro, um trabalho formal.
Outra função deste tipo de parceria é auxiliar os alunos que têm
o próprio negócio a se organizarem. “Pessoa que tinha uma oficinazi-
nha apresentava o maior problema de fazer a gestão da empresa. Era
uma gestão completamente comprometida”, exemplifica Adriana.
E são muitos os casos, como donas de casa que se alfabetizaram e pu-
deram procurar emprego fora, pessoas que conseguiram uma forma de
promoção social e que se descobriram verdadeiras empreendedoras.
O programa começou em agosto de 2013 já com essa veia da pro-
moção social, da mobilização. Quem monta as turmas, por exemplo,
são as próprias comunidades, por meio de líderes comunitários, igre-
jas, associações de moradores etc., com a colaboração da Secretaria
na articulação e na formação das parcerias. É uma forma de colo-
car o cidadão como protagonista, de inseri-lo em uma ação que ele
mesmo irá construir. É uma característica da gestão compartilhada
e da governança democrática, na qual o cidadão deixa de aguardar

Capítulo VI – Governança na Prática 101


passivamente que façam por ele e passa a fazer por si. Este modelo é
chamado Busca Ativa, lembra a secretária.
Outro espaço de destaque no sistema de Vitória são as Escolas
da Ciência, que fazem a conexão entre conteúdo e prática. Nelas
são vivenciadas experiências pedagógicas nas áreas da Matemáti-
ca e da Física. Alunos e professores dos estabelecimentos de ensi-
no de Vitória vão até esses lugares para fazer visitas e ampliar os
conhecimentos. O modelo existe há cerca de 15 anos na cidade.
No entanto, a partir de 2013 ele vem sendo aprimorado. Hoje, por
exemplo, possui toda a adequação, roteiros e instrumentos, para
crianças com deficiência visual.

Nada é por acaso


A educação bem-sucedida de Vitória tem uma longa história e
o empenho contínuo de diferentes setores sociais e públicos. Ela se
apoia, pode-se dizer, em três eixos, que são a ampla cobertura de

Hora do almoço para os alunos da Escola em Tempo Integral

102 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


atendimento, a estrutura completa e a qualidade dos professores.
A Secretaria realiza investimentos constantes, por exemplo, na for-
mação dos docentes. “Nossos programas de qualificação são intensos
e considerados referência nacional”, assinala Adriana. Segundo ela,
100% dos professores têm pelo menos pós-graduação, sendo oferecida
licença remunerada para que eles façam mestrado e/ou doutorado.
Outro dado que conta a favor é que 94% do grupo é de profissionais
efetivos da rede, ou seja, não há troca excessiva de professores. Existe
investimento na carreira.
As ações em Vitória na área de educação têm despertado a aten-
ção de outras entidades. Em 2015, uma comissão integrada por pro-
fissionais do Mato Grosso do Sul e do México passou duas semanas
na cidade para conhecer as experiências desenvolvidas em educação
especial. Eles integravam o projeto de pesquisa Políticas de acesso e de
permanência de pessoas com deficiência no ensino comum: um estudo
comparado de sistemas educativos brasileiros e mexicanos. “A educação
especial em Vitória é muito boa, e as unidades de ensino contam
com uma prática inclusiva, com estratégias e atividades de inclu-
são”, destacou a diretora da Educação Especial de Veracruz (México),
Delfina Cuevas.
Esta educação inclusiva já faz parte da política de Vitória desde
2008, atendendo a uma diretriz nacional. A cidade, desde então, im-
plantou a educação bilíngue para alunos surdos – eles aprendem a
Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua e a Língua
Portuguesa escrita, como segunda língua. São sete escolas da rede
municipal com 16 professores bilíngues, 21 tradutores, 12 professores
de Libras e cinco instrutores de Libras para 45 estudantes.

Capítulo VI – Governança na Prática 103


ESTRUTURA DA EDUCAÇÃO EM VITÓRIA

52 mil alunos em toda a rede


3.900 professores
16.900 crianças de 6 meses a 5 anos em 49 CMeis
2.267 crianças atendidas em período integral
Dois ônibus escolares acessíveis
Programa Escola Aberta
Programa Vitória Alfabetizada
R$ 12 milhões repassados para as escolas
Política inclusiva para alunos com deficiências
Fonte: Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Vitória

SEGURANÇA
Dentre os principais desafios sociais que as cidades devem priorizar,
por serem os mais comuns, estão a política de moradia e, em especial,
a reabilitação e a revitalização dos bairros, a geração de oportunidades
de emprego e a segurança cidadã. Especificamente com relação a este
último, é importante que os governos locais contribuam para reduzir
e superar o “apartheid urbano”, a polarização social e a segregação do
espaço urbano. Esta é, muitas vezes, responsável pelo aparecimento de
“enclaves privados” protegidos por segurança própria. Como esses en-
claves são social e culturalmente homogêneos, também o são os subúr-
bios pobres. A ampliação de uns e outros significa o desaparecimento
dos espaços públicos, que são a base da cidadania.
Superar esses enclaves de exclusão representa proporcionar se-
gurança cidadã, entendida como proteção em sentido amplo, ou

104 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


seja, ante o delito e a violência, mas também frente a catástrofes,
enfermidades, envelhecimento etc. Prevenção, no sentido da ante-
cipação, e promoção dos socialmente segregados. Tudo isso com-
pleta o conjunto de ações necessárias. Afinal, são os processos de
marginalização e exclusão social que explicam em grande medida a
delinquência urbana.
Quando o tema é segurança pública, Vitória está sempre em evi-
dência nas estatísticas nacionais. E não é por outra razão que essa
questão foi a primeira das quatro diretrizes estratégicas do governo
de Luciano Rezende como prefeito da cidade: “Ambiente Social de
Paz – promover uma cultura de paz ancorada em um ‘conjunto de
valores, atitudes, comportamentos e modos de vida que rejeitam a
violência e previnem os conflitos, atacando suas causas para resolver
os problemas através do diálogo e da negociação entre indivíduos,
grupos e nações’”. (ONU, 2000).
Foi esse um grande desafio, e Luciano relata que, em seu governo,
Vitória registrou o menor índice de homicídios nos últimos 15 anos.

Plano Municipal de Segurança Cidadã


Em pesquisa realizada pela empresa Enquet na cidade, apresenta-
da no estudo Marco Zero da Administração do Município de Vitória
(2013-2016), a área de segurança pública aparece como a principal
demanda da sociedade quanto à expectativa de ação do município,
com 73% das menções citadas. Na mesma pesquisa, na citação es-
pontânea, 42,6% dos munícipes ouvidos disseram esperar que a ad-
ministração municipal aumente a quantidade de policiais nas ruas.
Os dados constam do Plano Municipal de Segurança de Vitória, pu-
blicado em 2015.

Capítulo VI – Governança na Prática 105


Com base nessa evidência e conforme princípios preconizados
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud),
foi tomada a decisão em 2015 de se elaborar um Plano Municipal de
Segurança, com o desenvolvimento de Diagnóstico Institucional e
Situacional junto a todas as regiões da capital e instituições de segu-
rança pública que atuam em Vitória.
A partir desse diagnóstico situacional, elaborado e detalhado em
cada uma das nove regiões administrativas da cidade, e por meio de
um trabalho intersetorial com secretarias e órgãos afins à segurança
pública, foram definidas as ações estratégicas nessa área, com dura-
ção e metas de cada uma delas, “em prol da paz que se busca em Vi-
tória”. Para maior eficácia e otimização de resultados, essas atividades
foram, em grande parte, divididas e organizadas com base nas espe-
cificidades de cada uma das nove regiões administrativas da cidade.
Ainda seguindo a metodologia do Pnud, as ações foram estrutu-
radas em seis eixos:
• prevenção e controle de delitos;
• fortalecimento da relação polícia/comunidade/justiça;
• contextos sociourbanos seguros;
• prevenção da violência contra a mulher e a criança;
• redução dos valores de risco;
• fortalecimento da coesão social.

Dentre os objetivos ressaltados no Plano Municipal de Segurança


Cidadã de Vitória, destaca-se “a função de propiciar a participação
da comunidade na construção da cultura de paz e na redução da
violência”. Este destaque busca coerência com o foco da gestão com-
partilhada de Vitória em todas as áreas, como preconiza Luciano.

106 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Guarda 24 horas
Para o cumprimento da promessa de campanha de tornar Vitó-
ria uma cidade tranquila, Luciano Rezende começou as ações pro-
movendo a reestruturação da Guarda Municipal. A corporação da
cidade, que, até aquele momento, atuava de forma “contemplativa”,
tornou-se “ativa”. Esta mudança de atitude foi atingida por meio de
treinamento do efetivo e em parceria com a Polícia Militar estadual.
“Hoje, os guardas municipais atuam 24 horas por dia, andam ar-
mados e podem garantir a paz e a segurança dos cidadãos, com auto-
ridade para dar voz de prisão”, explica o prefeito. Antes, Vitória fica-
va sem a guarda das 2h às 6h da manhã, sendo que, a 1h da manhã,
ela começava a se desarticular e não atendia mais ocorrências.
Quando assumiu a prefeitura, Luciano encontrou um time de 280
agentes na Guarda Municipal. Nos dois primeiros anos do mandato
a prefeitura nomeou 163 novos agentes, contando agora com 470.
Desses, 95 são mulheres.
O efetivo tem idade média de 37,5 anos. Apesar de o grau de ins-
trução exigido em concurso para os agentes de proteção ser o ensino
médio, segundo o sistema RH (SIGEP) da prefeitura, 20% deles (58
agentes comunitários de segurança e 28 agentes municipais de trân-
sito) possuem ensino superior completo.
A manutenção da corporação enfrentou e enfrenta os problemas
de limitação de recursos. Como os guardas municipais ganham me-
nos que o efetivo da Polícia Militar, o índice de evasão é grande, in-
forma a subsecretária de Segurança Urbana, Luciana Fiorin e Silva.
Quando chegou à prefeitura, Luciano autorizou reajustes com base
nos índices de inflação e aumentou o percentual da gratificação, de
20% para 30% por risco de vida.

Capítulo VI – Governança na Prática 107


O que se faz na segurança pública para envolver a população é
proporcionar o contato sempre próximo e constante entre coordena-
dores da Guarda Municipal, comerciantes e associações de morado-
res de cada região, e polícias militar e civil. O objetivo dessa iniciati-
va é entender as necessidades e atender as demandas desses grupos.
A ação efetiva e eficaz da Guarda Municipal após a reformula-
ção feita por Luciano Rezende é comprovada com a participação da
corporação em todos os momentos, desde a fase de planejamento
até todos os eventos no âmbito estadual em que o foco seja o mu-
nicípio de Vitória.
Para a população, o trabalho que vem sendo desenvolvido já dá
boas mostras de evolução. Ex-presidente da Associação de Moradores
do Centro de Vitória, Amélia Pena Nunes, mais conhecida como
“dona Amelinha”, conta que não teve problemas para ser atendida
quando pediu mais segurança na região em que mora. “Solicitamos à
prefeitura a instalação de uma base da Guarda Municipal no Centro
e fomos prontamente atendidos”, lembra.
Exemplo que demonstra bem a importância da ação conjunta das
esferas de segurança é o Centro Integrado de Comando e Controle
(Cicc), projeto do governo federal que conta com o envolvimento do
estado e agora também da Guarda Municipal. Com o Cicc, a corpo-
ração participou da Copa do Mundo de futebol, desde a recepção de
seleções até o esquema de segurança e trânsito nos jogos. O mesmo
ocorreu no show de Paul McCartney e nos jogos do Brasileirão, no
Estádio Kleber Andrade, que fica em Cariacica. Também nas provas
do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a Guarda Municipal
participa de todo o planejamento, atuando em parceria com as polí-
cias Militar e Civil.

108 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Capítulo VI – Governança na Prática 109
Câmeras de vigilância monitoram a cidade 24 horas por dia

Vitória tem hoje 200 câmeras de vigilância espalhadas pela cida-


de e monitoradas 24 horas por dia por meio de uma central de vídeo
monitoramento na Secretaria de Segurança Pública. Quando Lucia-
no assumiu a prefeitura, havia somente 42.
O projeto de câmeras de vigilância é integrado com os governos
federal e estadual. Vitória conseguiu ampliar a cobertura e o número
de unidades por meio de, principalmente, dois convênios. Um inte-
gra o projeto “Crack, é possível vencer”, do governo federal, que ins-
talou cerca de 40 câmeras nos locais com maior consumo da droga.
Com isso, toda a região central de Vitória passou a ser monitorada.
Outro convênio para a instalação de novas câmeras de vigilância foi
firmado entre a gestão estadual do então governador Renato Casa-
grande (PSB), e os municípios do Espírito Santo.
Desta forma, o governo estadual ou o federal entram com a es-
trutura de postes e câmeras, e o poder público municipal monitora

110 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


as câmeras e as mantém. Assim, os 92 km² que compreendem a área
do município de Vitória são cobertos pelas 200 câmeras, de forma
que há uma delas a cada 2 km² do município, sendo que cada câmera
permite visualizar uma área com 1 km de raio. Assim, a capital está
praticamente toda monitorada. “Há pontos cegos, porque Vitória é
uma cidade com morros, o que dificulta o total monitoramento. Mas
dificilmente há um lugar em que não conseguimos capturar a ima-
gem de alguma ação”, diz Luciana Fiorin.
O próximo passo, em andamento, é a implantação do cerco ele-
trônico, com o uso de câmeras, capazes de fazer a leitura das pla-
cas dos veículos que entram e saem de Vitória, a exemplo do que já
acontece em outras cidades. Ao mesmo tempo em que lê as placas, o
sistema permite cruzar as informações obtidas com o banco de dados
de restrições, o que ajuda muito na resolução de crimes. Esses equi-
pamentos serão instalados nas principais entradas e saídas da cidade.
E como Vitória, por ser uma ilha, tem poucas entradas e saídas, o
controle será facilitado.

Botão do Pânico (Parceria – Justiça ES/Prefeitura)


Solução inédita adotada pela prefeitura de Vitória, no contexto
da Lei Maria da Penha, é o Botão do Pânico, que tem o objetivo de
reduzir a violência contra a população feminina. Mulheres vítimas
de agressões em família cadastram-se na Secretaria de Segurança e
recebem um aparelho portátil para ser utilizado quando se sentirem
em situação de risco. Quando o botão é acionado, o alerta é mostra-
do na central de monitoramento (Cicc) da Secretaria. Os monitores
conseguem não apenas saber quem é a vítima, mas também onde
ela está, e um sistema de gravação é iniciado. A Guarda Municipal

Capítulo VI – Governança na Prática 111


é imediatamente mobilizada para ir ao local em defesa da vítima. A
gravação da central é arquivada para servir de prova judicial. Atu-
almente 60 mulheres, potenciais vítimas desse tipo de agressão, pos-
suem o Botão do Pânico na cidade.

Botão do Pânico – Foto Yuri Barichivich

Equipamento do Botão do Pânico, distribuído a mulheres vítimas de violência

O sistema desenvolvido em Vitória é um exemplo de como deve


funcionar a governança democrática, ou gestão compartilhada, em
que o prefeito lidera e coordena programas e projetos, atuando em
conjunto com a população e com o poder público em suas várias
esferas e instituições, cada um participando ativamente do processo.
Neste caso específico, a ideia do Botão do Pânico foi apresentada
às instituições de segurança e representantes da sociedade civil, para
que participassem do esquema de implantação. Particularmente, a
ideia foi criada pelo Poder Judiciário, para que este pudesse validar e
reconhecer a ação como prova legal – no caso, a gravação da ocor-

112 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


rência – em defesa das mulheres agredidas. O mais importante de
todo o processo é a participação das vítimas que, de forma voluntá-
ria, usam essa ferramenta de proteção.
A subsecretária de Segurança Urbana de Vitória, Luciana Fiorin
e Silva, ressalta que houve significativa queda no número de homicí-
dios de mulheres na cidade e informa que o Botão do Pânico é a mais
bem-sucedida iniciativa do tipo existente no Brasil. “Nós recebemos
visitas de pessoas do país inteiro para conhecer o funcionamento do
programa e do dispositivo. É algo que veio para ficar e coloca Vitória
na vanguarda da proteção às mulheres. O sistema é tão eficiente que
nenhuma mulher que possui o dispositivo foi agredida após ser bene-
ficiada pelo programa”, relata.

HOMICÍDIOS GERAIS X HOMICÍDIOS DE MULHERES

2010 2011 2012 2013 2014 2015


Total de Homicídios 147 127 113 115 131 74
Homicídio de Mulheres 11 13 10 12 12 10
% 7,5 11 9 11 10 13,5
Fonte: Sesp/ Geac

L.P., 25 anos, conta que já sofreu um atentado de seu ex-compa-


nheiro. “É uma tortura ter que viver escondida, porque ele não aceita
o término. Sempre que escuto um barulho, fico com medo de ser ele
tentando invadir a minha casa. Temo por minha vida e pela vida da
minha filha, pois ele já efetuou disparos contra mim”, revela. Para a
jovem, o Botão do Pânico proporciona mais tranquilidade. “Quem
passa por isso vive com medo. Já passei um dia inteiro dando voltas
de ônibus pela cidade por achar que estava sendo seguida. Com o

Capítulo VI – Governança na Prática 113


Botão do Pânico, estou mais segura, pois, diante de qualquer senti-
mento de ameaça, poderei acionar o dispositivo e assim, uma viatura
virá até onde eu estou para me socorrer. Estou muito confiante de
que esse equipamento vai fazer com que esses agressores, de fato,
mantenham-se distantes”.
Além das medidas reparadoras ou repressivas à violência, a ges-
tão compartilhada adotada em Vitória tem a preocupação de agir
preventivamente, o que significa, por exemplo, que o espaço aberto
permite a identificação de situações de risco que demandam trata-
mento social. É importante tratar os temas com o senso de antecipa-
ção para, assim, melhorar a convivência como um todo. Um exemplo
é o tratamento dado a grupos de jovens considerados “desajustados”,
a pessoas alcoolizadas, dentre outros.
Para espaços públicos seguros, não é necessário que eles sejam pri-
vatizados ou cercados. Pelo contrário, permitir uma boa visibilidade
desse local, ou seja, deixá-lo aberto, frequentado e bem iluminado é
uma forma de promover uma situação mais segura. Além disso, é im-
portante facilitar os meios para que o cidadão possa acionar a polícia,
caso necessário.

O Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres, pro-


duzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências So-
ciais (Flacso), abrangendo o período 2003-2013, aponta que
a capital capixaba registrou uma taxa de 11,8 homicídios de
mulheres para cada 100 mil habitantes. O índice é quase seis
vezes maior que a média mundial, de 2/100 mil habitantes.

O relatório mostra que o Brasil é o quinto país mais violento


para mulheres, em um ranking de 83 nações que usam dados
da Organização Mundial de Saúde (OMS). De 2003 a 2013,

114 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


segundo o estudo, em média, 11 mulheres foram assassinadas
no Brasil todos os dias. Mais da metade delas, 55%, era negra.

Evolução Anual dos Homicídios Em Vitória


(Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória)
250

225

200 195
187 191

173 167
155
150 164 147
157
131
127
113 115

100

74
50
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Capítulo VI – Governança na Prática 115


Assistente social da prefeitura de Vitória aborda moradores de rua no projeto Onde Anda Você

ESCOLA DA VIDA – ONDE ANDA VOCÊ?


A gestão compartilhada requer não apenas o comprometimento
e a participação ativa da cidadania, mas, igualmente, a construção
de um ambiente social coeso decorrente do enfrentamento das desi-
gualdades sociais e dos desequilíbrios do espaço urbano. Nesse sen-
tido, tem especial relevância o atendimento das necessidades básicas
dos cidadãos, entre elas a moradia, a ocupação e a renda.
Quando assumiu a prefeitura da capital do Espírito Santo, Lucia-
no Rezende encontrou um quadro social complicado e preocupan-
te. A população desassistida, que vivia nas ruas, era grande. Mesmo
com recursos limitados, era necessário agir, criar meios para reduzir
a exclusão social. Daí surgiu o programa “Onde anda você? ”, com a
missão “de promover a reinserção comunitária e familiar da popula-
ção em situação de rua”.
Em um esforço conjunto e por meio de parceria entre as secreta-
rias municipais de Assistência Social (Semas), Habitação (Sehab),
Saúde (Semus) e Segurança Urbana (Semsu), o programa foi lan-

116 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


çado em fevereiro de 2013, no segundo mês do mandato de Luciano
como prefeito.
Utilizando sempre a resolução de “ruídos” por meio do diálogo, a
prefeitura de Vitória, até novembro de 2015, conseguiu reduzir de 732
para 100 o número de moradores de rua. O trabalho, que invariavel-
mente é dificultado pela própria resistência dos desabrigados, obteve
esse bom resultado graças à forma de abordagem utilizada pelos as-
sistentes sociais, que só recolhem aos abrigos aqueles que, por meio
do diálogo e da conquista da confiança, aceitam a oferta do poder
público municipal. Ninguém é tirado à força.
O objetivo, de acordo com a Secretaria da Habitação, é oferecer à
população que mora nas ruas, os sem-teto, alternativas habitacionais,
garantia de moradia digna e, sob orientação profissional da equipe
de assistentes sociais, possibilidades de reconstruir suas vidas. O pri-
meiro passo, após convencer o cidadão que ficará em melhores con-
dições nos abrigos, é prepará-los psicologicamente para reformular as
próprias rotinas. Para isso, recebem orientação, tratamento de saúde
e treinamento profissional.
Em seguida, após a certeza de que o morador de rua aceitou e está
mesmo disposto a se reinserir na comunidade, é concedido o chama-
do “Aluguel Social” para o cidadão, no valor de até um salário míni-
mo. Nesse momento, a pessoa encontra uma casa onde poderá viver
com a família e, tendo residência fixa, sair em busca de emprego.
O processo continua após a fase de estabilização da vida familiar
e da profissional. Nessa etapa, o participante do programa passa a
ter direito a uma carta de crédito para aquisição da casa própria, no
valor de até R$ 39 mil.

Capítulo VI – Governança na Prática 117


Os resultados do programa têm sido tão positivos que acabaram
gerando um novo desafio para a prefeitura. Há registro de que pessoas
carentes e sem moradia de cidades da vizinhança estão migrando
para as ruas e praças de Vitória, a fim de poderem se beneficiar do
Onde anda você?

ESCOLA DA VIDA
Espaço de atendimento às pessoas em situação de rua na capital,
a Escola da Vida atua articuladamente com os demais projetos do
programa Onde anda você? Proporciona acolhimento, tratamento de
saúde, educação básica, aluguel social, atividades esportivas e cultu-
rais e atende cerca de 30 pessoas a cada seis meses, com acompanha-
mento efetivo e afetivo. Depois, realiza mais três meses de monitora-
mento, para consolidação das ações construídas.
A Escola da Vida é o espaço de retaguarda e referência para iden-
tificar, desenvolver e fortalecer as habilidades empreendedoras das
pessoas em situação de risco social com idade mínima de 14 anos –
porque já podem trabalhar como aprendizes e devido à entrada cada
vez mais cedo dos jovens no mundo das drogas –, atendidas pela rede
de serviços da Assistência Social e da Saúde.

118 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Têm atenção prioritária os usuários de substâncias químicas, para
que possam ser reinseridos socialmente, na vida comunitária e no
mercado de trabalho, tornando-os capazes de protagonizar a própria
vida. O projeto contempla também a demanda espontânea, na qual
as pessoas são identificadas e encaminhadas para a rede de serviços
para receber o atendimento adequado ao que elas procuram.
As ações da Escola da Vida são focadas na articulação de três
eixos: Trabalho, Educação e Cultura. A ferramenta principal de in-
tervenção é o Plano Individual de Empoderamento (PIE), elaborado
pelo usuário com o apoio de um assessor de projetos. Juntos, eles
pensam e elaboram um projeto pessoal na perspectiva do trabalho e
as possibilidades de implantá-lo num período de seis meses, avalian-
do todos os caminhos que devem ser percorridos para concretizá-lo.
Na Escola da Vida, são desenvolvidas diversas atividades coletivas
e individuais, visando fortalecer a capacidade de expressão, autoco-
nhecimento, autoconfiança, autoestima, ampliação do capital cul-
tural, estímulo à leitura e à escrita, criatividade, interesse por novas
aprendizagens. Para isso, são oferecidas palestras sobre empreende-
dorismo, oficinas de projetos de vida, de criatividade, de liderança,
de leitura, de palavras, rodas de conversas, além de espaços de sarau
de poesias, rodas de rimas, exposições, cineclube, cursos e outros.
O projeto também articula com a rede, pública e privada, de serviços
da cidade, o encaminhamento dessas pessoas ao mercado de traba-
lho, como autônomos ou empregados.
A formulação do Escola da Vida teve início, em 2013, com a cons-
tituição de um grupo formado pelas Secretarias Municipais de Turis-
mo, Trabalho e Renda (Semttre), Assistência Social (Semas), Saúde
(Semus), Educação (Seme), Cidadania e Direitos Humanos (Semcid),

Capítulo VI – Governança na Prática 119


Comunicação (Secom), Obras (Semob) e Gestão Estratégica (Seges).
O projeto faz parte do Planejamento Estratégico 2013-2016, dentro
da diretriz Equidade e Justiça Social.

o0o

Guiomédice Paixão, depois de três anos morando nas ruas, foi


acolhido pelo programa “Onde Anda Você? Escola da Vida”.
Fotógrafo, ele é um dos moradores de rua que foram reinseridos
na sociedade produtiva de Vitória

Uma das histórias mais bem-sucedidas desses programas é a do fo-


tógrafo Guiomédice Gomes Paixão, 44 anos, que chegou a aparecer
em veículos de comunicação de abrangência nacional como o portal
G1, do Sistema Globo. Devido a uma crise no casamento, ele acabou
se rendendo ao crack e se tornou viciado, chegando ao “fundo do
poço”. “A primeira sensação ao se utilizar o crack é boa, de fuga, de
prazer. Mas, com o tempo, me vi preso em uma armadilha da qual
não conseguia me desvencilhar”, contou ao portal de notícias. Quan-

120 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


do ele se viu só e isolado de amigos e família, Guiomédice quis sair
daquela situação. “Por incrível que pareça, não foram os amigos ou a
família que me socorreram, mas, sim, o poder público, instituição na
qual eu não acreditava mais”, relatou ao portal G1-Globo.
“Eu era uma das pessoas que não acreditavam em política social,
tampouco em assistência social. E fui encontrado pela equipe da pre-
feitura com a autoestima baixa, sem perspectiva de vida, nenhum
projeto, nada pela frente. Eu não acreditava no que estava aconte-
cendo com a minha vida e com a vida dos meus colegas moradores
de rua. De uma hora para outra, pude acreditar novamente. Este pro-
jeto está proporcionando toda a esperança da nossa vida. A gente
tem começado a sonhar, em querer ser novamente alguém. E isso
me emociona. Nós somos gente, somos capazes de gerir e trabalhar.
Acreditamos no projeto e estamos cheios de expectativa”, completa.
Guiomédice está há dois anos livre das drogas. Ele contou com o
apoio do programa Moradias Assistidas e integrou o projeto Escola
da Vida. Com ajuda e acompanhamento, ele luta agora para voltar a
trabalhar como fotógrafo ainda.
Segundo a secretária de Gestão Estratégica de Vitória, Bianca As-
sis, ainda existem entre 100 e 200 dependentes químicos nas ruas da
capital. “Dentro das casas, sabemos que existem usuários não só de
crack, mas também de outras drogas. Essas pessoas ainda não foram
contabilizadas”, observa. Ela conta, ainda, que ao promover a reinser-
ção social das pessoas que estão nas ruas, inclusive dos usuários de
drogas, a prefeitura oferece tratamento, acolhida, retorno ao município
de origem e aluguel social. Por causa dessa política ampla de atenção é
que a cidade conseguiu obter tão bom resultado na redução do número
de indivíduos em situação de rua, como foi mostrado anteriormente.

Capítulo VI – Governança na Prática 121


SAÚDE
A área da Saúde foi definida como um dos quatro eixos estra-
tégicos de ação da prefeitura de Vitória da gestão 2013-2016. Sob a
responsabilidade da secretária Daisy Koehler Behning, o trabalho
voltou-se para o aprimoramento da qualidade do atendimento, com
a implantação de novas metodologias de gestão.
Luciano Rezende prometeu durante a campanha eleitoral que
no seu plano de governo, caso fosse eleito, iria “estabelecer uma li-
nha de atendimento eficiente, desde a entrada na unidade de saúde,
passando pelas consultas e exames especializados, até o atendimen-
to hospitalar”.
Na direção oposta à seguida por outros estados brasileiros, onde
os governos estaduais trabalham para transferir aos municípios a res-
ponsabilidade da gestão na saúde, em todos os níveis de atendimento,
no Espírito Santo esse movimento ocorre no sentido inverso, explica
a secretária. Para os municípios capixabas, a responsabilidade limi-
ta-se aos atendimentos básicos, com divisão da gestão. A prefeitura
assume a atenção médica, odontológica e fisioterápica e terceiriza os
procedimentos de imagem e laboratórios de análise clínica.
São 30 as unidades de saúde em operação na capital. A adminis-
tração fica por conta de uma equipe de 3.507 colaboradores, sendo
que 90% são funcionários efetivos. As unidades, na maioria, aten-
dem das 7h às 18h, mas há outras com horário estendido, até às 22h.
Na gestão de Luciano, foram inauguradas quatro novas unidades
(Unidade de Saúde Alagoano – Ariovaldo Favalessa, Unidade de
Saúde Itararé – Da Família Dilson dos Santos Loureiro, Unidade de
Saúde Fonte Grande – Dr. Affonso Schwab) e mais uma, no Bairro
do Quadro.

122 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Unidade de Saúde Alagoano
Unidade – Ariovaldo
de Saúde Favalessa,
/ Alagoano – Foto:mantida pela
Elizabeth prefeitura de Vitória
Nader

Os atendimentos psicológicos, para pessoas com sofrimento men-


tal e dependência química, são cobertos pelos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPs). A estrutura é formada por duas unidades vol-
tadas para pacientes psiquiátricos (uma delas atende em esquema
24 horas), uma para crianças e outra para dependentes de álcool e
outras drogas, também operando 24 horas. As unidades de Pronto
Atendimento (PA) são duas.
As consultas especializadas são atendidas pela rede pública no
Centro Municipal de Especialidades, que possui duas unidades. So-
mam-se a toda essa rede as consultas especializadas ofertadas por
meio de contratos e convênios com a rede particular. Nesse universo,
é contabilizado o atendimento a bebês em risco, crianças que nascem
com alguma deficiência ou baixo peso. O sistema de saúde pública

Capítulo VI – Governança na Prática 123


de Vitória oferece, por meio de contratos com clínicas particulares,
assistência oftalmológica, cardiológica e em gastroenterologia, assim
como acupuntura, fisioterapia e odontologia especializada.
O atendimento de ortodontia da prefeitura de Vitória, criado na
gestão 2013-2016, prioriza a atenção a crianças, com o melhor custo
-benefício, pois cuidando da saúde bucal elas poderão chegar à adoles-
cência sem o problema, pondera Daisy Behning. No final de 2015, a
Secretaria de Saúde trabalhava na inserção da implantodontia, uma
antiga reivindicação da população. “Vitória vem avançando na qua-
lidade da atenção, não só em saúde, mas também nas áreas da educa-
ção, de saneamento, infraestrutura, segurança”, ressalta a secretária.
Ela lembra o programa Vitória Saudável, que envolve várias se-
cretarias (Saúde, Esporte, Educação, Assistência Social, Cultura) e
trabalha de forma horizontal, com o objetivo de tornar a capital ca-
pixaba uma cidade saudável, uma das promessas de campanha do
prefeito Luciano. Daisy informa que são mais de 200 ofertas, soman-
do todas as secretarias. “O que buscamos é a prevenção de doenças,
para que as pessoas possam viver mais, com boa saúde e qualidade
de vida”, diz.
A presença de farmacêuticos, psicólogos e assistentes sociais nas
unidades de saúde é outro diferencial de Vitória. Em cada unidade
há um ponto de distribuição de medicamentos, com uma cobertura
de 90% da relação de medicamentos do município, a Relação Muni-
cipal de Medicamentos (Remune). A cobertura não é total porque a
indústria farmacêutica relata problemas com o recebimento de maté-
ria-prima importada para alguns medicamentos.
“É um problema mundial, como, por exemplo, a dificuldade com a
fabricação da penicilina”, explica Daisy. Ela acrescenta que também

124 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


não deixa de ser uma questão na indústria farmacêutica nacional,
ponto que está sendo discutido por um grupo de promotores de Justi-
ça, dentre eles, a representante do Espírito Santo. “Há medicamentos
que tiveram majoração de preço extremamente elevado”, exemplifica
a secretária.
Vitória inova ao estimular a participação dos cidadãos que buscam
os serviços dos postos de saúde, solicitando que avaliem a qualidade
do atendimento. Por meio do telefone celular, com o SMS, eles são
convidados a dar nota de 1 a 10. Quando esta é baixa, a Secretaria
de Saúde entra em contato com a pessoa
para obter detalhes da avaliação e defi-
nir as providências necessárias para cor-
rigir falhas. “As respostas às solicitações
de avaliação giram em torno de 15% de
um total mensal de aproximadamente 80
mil mensagens”, explica Daisy. No início,
apenas 5% dos torpedos eram respondidos.
A metodologia utilizada em Vitória para
aprimorar a qualidade do atendimento nas unidades com desempe-
nho insatisfatório, tendo em vista também as limitações orçamentá-
rias, desloca os responsáveis pelas unidades mais bem avaliadas para
colaborar naquelas que apresentam problemas na avaliação.
A renovação da frota de veículos da Central de Transporte Sa-
nitário (CTS) foi comemorada pela Secretaria de Saúde. No final
de 2015, foram adquiridos 12 carros. A CTS é acionada para fazer
o transporte de pacientes sem condições de locomoção, inclusive
cadeirantes, para as unidades de saúde, para, então, passarem por
consulta médica, exame especializado, fisioterapia, hemodiálise,

Capítulo VI – Governança na Prática 125


quimioterapia ou radioterapia. Há também ambulâncias utilizadas
para transportar pacientes acamados.
A secretária considera que o maior desafio da pasta que coman-
da é a questão do financiamento. “É necessário que os governos
federal e estadual repensem o investimento direcionado à saúde
municipal”, destaca. Daisy explica que, no Espírito Santo, 70% do
orçamento estadual são destinados à atenção hospitalar, o que sig-
nifica que os municípios capixabas não têm recebido a verba de
cofinanciamento da atenção básica, etapa na qual, vale lembrar,
80% dos problemas são resolvidos.
Em 2015, a saúde pública municipal obteve avanços significati-
vos e de grande alcance social, com a implantação da vasectomia
e da colocação do DIU no Centro Municipal de Especialidades de
São Pedro (CMesp), que funciona como referência em direitos se-
xuais e reprodutivos.
O serviço marcou a vida do morador do bairro São Pedro, Paulo
Roberto França, 37 anos. Com cinco filhos e 19 anos de casado, ele
comemorou o sucesso da cirurgia de vasectomia ao lado da esposa,
Adriana, que teve o último filho há seis meses. “Chegou a hora de
parar, já temos os sonhos realizados”, disse Paulo, após sair da cirur-
gia, que dura apenas 40 minutos.
O serviço de vasectomia gratuito é recomendado também pelo
pedreiro Sivaldo Alves de Jesus, 40 anos, o primeiro a fazer a cirurgia
no Centro de Especialidades. Ele conta que, depois de ver o sofri-
mento da esposa com um aborto espontâneo, ficou sensibilizado e
aceitou a sugestão dela. “Meu pai teve 12 filhos, e eu não ligava para
isso antes. Agora sei da importância e achei muito bom”, disse ele,
que já é pai de quatro filhos.

126 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Prefeito de Vitória entre os agraciados pelo prêmio “Governarte: a arte do bom governo”,
organizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

PRÊMIO INTERNACIONAL PARA PRONTUÁRIO ELETRÔNICO


EM WASHINGTON-EUA
Dentre os prêmios recebidos pela gestão 2013-2016 da prefei-
tura de Vitória está o concedido pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), que, desde 2013, organiza o concurso
“Governarte: a arte do bom governo”. O propósito é identificar
e premiar experiências inovadoras em diferentes áreas da gestão
municipal, que promovam o acesso da população aos serviços
públicos. Vitória foi uma das cidades vencedoras, com o projeto
“Prontuário Eletrônico”, dentro do programa Saúde Online. Tra-
ta-se de um software de gestão desenvolvido pela Subsecretaria
de Tecnologia da Informação (Sub-TI), para a modernização da
saúde na cidade.
A ferramenta oferece uma variedade de serviços, como avaliação
do atendimento por meio de mensagens SMS (torpedo), gestão do
agendamento de retorno em especialidades e atestados médicos, que
permitem validação por meio do uso de QR Code, evitando fraudes.
Além disso, destaca-se a integração com os prestadores de servi-
ços, a exemplo dos laboratórios. Eles passaram a enviar os resulta-
dos dos exames em formato digital diretamente para o prontuário do

Capítulo VI – Governança na Prática 127


paciente, utilizando assinatura digital, tornando esse processo mais
econômico, eficiente e ágil.
Segundo Márcio Passos, subsecretário de Tecnologia da Informa-
ção, desde a implantação o novo sistema permitiu mais de 3 milhões
de registros assinados, 1.230 certificados emitidos e menos de 2 mi-
lhões de páginas impressas por ano.
O prontuário eletrônico proporcionou, ainda, aprimoramento da
gestão dos indicadores da saúde, geração de um mapa de acompa-
nhamento das famílias atendidas e melhoria da elaboração da agen-
da de pacientes e das consultas.
O concurso do BID recebeu o total de 101 trabalhos do Brasil e de
países como Colômbia, Costa Rica, Paraguai, Peru, Equador, Argen-
tina, Guatemala, Venezuela e México. Após seleção de 20 finalistas, os
vencedores foram o estado de Colima, no México, a prefeitura de Cali,
na Colômbia, o estado do Mato Grosso do Sul e a prefeitura de Vitória.

Representante do BID discursa na entrega do prêmio Governarte, em que Vitória foi


agraciada pela iniciativa Prontuário Eletrônico da Secretaria de Saúde

128 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


CIDADE SAUDÁVEL OCUPADA PELAS FAMÍLIAS
Esportes

Nos domingos e feriados as ciclofaixas de Vitória são usadas não apenas para mobilidade
como também para a prática do ciclismo esportivo

Na visão democrática da nova sociedade-rede, também denomi-


nada sociedade do conhecimento, o espaço público é considerado um
gerador de capital social. Na avaliação do impacto de um espaço pú-
blico devem ser levadas em conta, sobretudo, a intensidade e a quali-
dade das relações sociais que ele favorece. Esta é a visão que dá emba-
samento às iniciativas de constituição de equipamentos abertos para
a prática de esportes e atividades de lazer para toda a população. Mas
muito especialmente para os grupos sociais com menos possibilidades
de renda, os que mais usam os espaços públicos e deles necessitam.
Nessa perspectiva, Vitória criou incentivos para a prática de
esportes e de lazer nos espaços públicos da cidade. Com o acolhi-
mento de moradores de ruas e praças pelo programa “Onde anda
você?”, a sensação de insegurança foi sensivelmente afastada.
Praças e parques foram transformados em academias de esporte
e áreas de lazer a céu aberto, para toda a população. Os locais

Capítulo VI – Governança na Prática 129


Moradores participam dos exercícios de aeróbica noturna em praças públicas d Vitória
130 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
Capítulo VI – Governança na Prática 131
foram reformados, os sistemas de iluminação para uso noturno
desses espaços foram modernizados, assim como foram instalados
novos aparelhos de ginástica e criadas áreas de lazer para crian-
ças. A proposta é transformar Vitória em uma cidade que perma-
nentemente convida e incentiva os moradores para as práticas de
atividades físicas ao ar livre. A prefeitura promove ainda aulas de
várias modalidades nas praças e em outros espaços públicos desti-
nados a pessoas de todas as idades.
A preocupação com o bem-estar da população da terceira idade
é prioridade na gestão pública municipal de Vitória. Os projetos de
exercícios e atividades físicas procuram atender as necessidades e de-
sejos das pessoas nessa faixa etária, e os equipamentos públicos sem-
pre visam facilitar a vida desse segmento, assim como a das pessoas
com necessidades especiais.
“São mais de 15 mil pessoas por semana que praticam esporte,
lazer e atividades físicas através dos projetos da prefeitura”, lembra
Wallace Valente, secretário municipal de Esportes de Vitória.
Um dos projetos bem-sucedidos é o Aeróbica Noturna, com cer-
ca de 3 mil alunos praticando exercícios em 12 turmas espalhadas
pela cidade. Santo Antônio, Goiabeiras, Jardim Camburi, São Pedro,
Nova Palestina, Jesus de Nazareth, Centro (Praça Getúlio Vargas),
Ilha do Príncipe e São José são alguns dos bairros que promovem os
“aulões” de aeróbica.
Para contemplar as crianças, existe o projeto Brincar nos Bairros,
que oferece brinquedos como pula-pula, piscina de bolinhas e cama
elástica e promove atividades de recreação ao ar livre. Esta iniciativa
conta com atrações para todas as faixas etárias e tem o objetivo de
reunir a família em espaços da própria comunidade. A cada final de
semana, uma região recebe o projeto, que já passou por bairros como

132 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Goiabeiras, Jaburu, Ilha das Caieiras, Santo Antônio e Jesus de Na-
zareth, dentre outros. Durante a atividade, a rua fica interditada para
que pedestres possam caminhar, correr, pedalar, andar de patins, ska-
te e utilizar outros equipamentos.
Às vésperas da chegada do Brincar nos Bairros, os locais recebem
também limpeza e revitalização. A realização é uma ação conjunta
entre a Secretaria Municipal de Esportes e Lazer e o Programa Terra,
com apoio da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes).
O compartilhamento na execução dessas ações, com a participa-
ção comprometida de todos os atores, exercendo papel ativo em prol
da cidade e do bem-estar de seus moradores, ilustra o esforço da admi-
nistração Luciano Rezende para implantar um novo modelo de gestão.
O projeto é apresentado pela prefeitura, a organização é realizada
com a colaboração efetiva de instituições públicas da sociedade civil,
no caso, a Findes, e seu sucesso é garantido com a presença e a par-
ticipação espontânea dos moradores. Além de colaborar com o obje-
tivo de fazer de Vitória uma cidade saudável nas áreas de educação,
saúde e prática de exercícios físicos, é também um fator para redução
de crimes e para ampliação da segurança. Ao equipar e ocupar espa-
ços públicos com a população, cria-se um fator inibidor à presença
nesses locais de atividades antissociais.
Há, ainda, na capital, os núcleos das escolinhas de esportes insta-
lados em diversos bairros e voltados para crianças e adolescentes, de
7 a 17 anos. Tais escolinhas oferecem, gratuitamente, as modalidades
de futebol de campo, atletismo, futsal, vôlei, natação, remo, vela, ca-
noagem, ginástica artística, basquete, handebol, capoeira, ginástica
rítmica e dança. Prioritariamente, estas instituições destinam-se a
alunos da rede pública de ensino. Caso haja vagas, estudantes de
estabelecimentos particulares também podem se matricular. Há es-
colinhas que funcionam em clubes (Álvares, Praia Tênis, Náutico,

Capítulo VI – Governança na Prática 133


Clube dos Oficiais e Racing), o que indica a participação de atores da
sociedade civil nesse projeto público, como bem sugerem as práticas
da governança democrática.
A capital capixaba conta ainda com academias populares, insta-
ladas em Santo Antônio, Parque Municipal Horto de Maruípe, São
Pedro, Tabuzeiro, Itararé e Ilha de Santa Maria, que oferecem aulas
gratuitas de musculação, orientadas por profissionais e estagiários de
educação física. O objetivo é proporcionar aos moradores mais quali-
dade de vida a partir da adoção de uma política preventiva de saúde.
Para quem tem mais de 60 anos, a cidade oferece a estrutura das
Academias Populares da Pessoa Idosa (APPIs). São 40 unidades es-
palhadas pela capital, instaladas ao ar livre, equipadas cada uma com
dez aparelhos para alongar, fortalecer, desenvolver a musculatura em
geral e trabalhar a capacidade aeróbica.

Sirlene Cruz Ribeiro faz


Academia exercícios
Popular em aparelho
da Pessoa Idosa –do projeto
Foto: Aeróbica
Diego Alves Noturna,
no bairro Santo Antônio, de Vitória

Sirlene Cruz Ribeiro está, há dois anos, no projeto Aeróbica No-


turna, em Santo Antônio, e conta o que a modalidade representa
em sua vida: “Ir às aulas, para mim, é como uma higiene mental. Eu
adoro, é tudo muito maravilhoso”. Glória Alice também está desde

134 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


o início do projeto e comemora a boa forma para o verão: “Eu perdi
peso e estou satisfeita”. Dora Souza celebra os benefícios para a sua
saúde: “Eu perdi peso, mas o mais importante foi que, com os exercí-
cios, consegui controlar a minha pressão”.
O advogado Walter Luís é frequentador da APPI da praia de Cam-
buri, em frente ao Banco do Brasil. Ele aprovou os novos equipamen-
tos de ginástica: “Procuro cuidar sempre da saúde. Os aparelhos esta-
vam desgastados e, agora, melhoraram. Utilizo sempre essa estrutura”.
Marília e Cristina Antunes estrearam os novos aparelhos e apro-
varam. “Sou sedentária e gostei desses aparelhos. Moro aqui perto e
pretendo vir aqui me exercitar mais vezes”, disse Marília.

MOBILIDADE URBANA

Ciclovia Ponte
Moradores de Camburi
pedalam – Foto:
na Ciclovia Diego
Ponte Alves
de Camburi

A promessa de transformar Vitória em uma capital tranquila e


saudável, feita por Luciano durante a campanha eleitoral, teria que
incluir projetos para a mobilidade urbana. Cidade litorânea plana,

Capítulo VI – Governança na Prática 135


com ruas e avenidas largas, Vitória teve as ações na área da mobilida-
de direcionadas à melhoria e à implantação de ciclovias. O traçado
e a largura das vias, a infraestrutura viária adequada ao volume da
frota circulante na cidade e um transporte público urbano capaz de
atender sem grandes transtornos à população fizeram das ciclovias
o foco principal do programa mobilidade urbana do novo governo.
Nos três primeiros anos da gestão de Luciano como prefeito, mais
de 32 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas foram construídas e adap-
tadas, de forma a permitir que moradores deixem seus carros na ga-
ragem e se locomovam pela cidade de bicicleta, de maneira segura.
No final de seu primeiro mandato, em 2016, a infraestrutura para a
mobilidade ciclística abrangia 53,7 quilômetros de ciclovias, ciclofai-
xas, vias compartilhadas e ciclorrotas.

Detinha Son, educadora ambiental e apaixonada


Detinha por bicicleta,
– Fotos: Diego Alves não se rendeu à “carrocracia”

Detinha Son,1 56 anos, educadora ambiental e apaixonada por


bicicleta, possui carro e moto, mas prefere não se render à “carrocra-

1 In memoriam – Detinha faleceu em 2016.

136 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


cia” – neologismo criado pelos ciclistas – e pedalar para onde quer
que vá. Ela tem a companhia da “magrela” nos trajetos de casa para o
trabalho ou para as praias de Manguinhos, quando costuma encarar
os 20 quilômetros de rodovia para curtir o fim de semana. Idealiza-
dora e fundadora do coletivo Ciclistas Urbanos Capixabas (CUC), a
educadora participou de audiências com o prefeito Luciano Rezende,
quando foi solicitada a implementação de ações que melhorassem a
vida dos ciclistas de Vitória. “Pedimos a execução de uma campanha
educativa de respeito ao ciclista. Foi feita, mas não com a duração
necessária para que obtivesse eficácia”, explicou. Os demais pedidos,
como a construção das ciclovias nas Docas, a inclusão de um trecho
cicloviário, saindo da praia do Canto, e a instalação de paraciclos,
foram todos realizados. “O prefeito Luciano sabe escutar o cidadão e
atender, na medida do possível, às demandas”, acrescenta.
A ciclista destaca que a atuação do governo municipal, no que diz
respeito ao ciclismo urbano, tem sido a mais relevante dentre todas
as gestões da história de Vitória. Porém, nem tudo são rosas. “Desde
a crise econômica que afetou o país, as ações em prol dos ciclistas
foram reduzidas”, conta Detinha. Segundo ela, ainda há muito em
que avançar. “Não adianta construir ciclovias em toda a cidade. Pre-
cisamos do ‘acalmamento’ das vias, por meio da redução da veloci-
dade máxima e educação da população para que respeite o ciclista.
Isso reduziria significativamente o número de acidentes de trânsito e
amenizaria o problema da mobilidade urbana que tem afetado não só
nossa cidade, mas todo o mundo”, sugere.
Thiago da Silva Soares também adotou a bicicleta como meio de
transporte. “Todos os dias, pedalo 25 quilômetros (ida e volta) de mi-
nha casa, no bairro República, até o Tancredão. Venho pela orla de

Capítulo VI – Governança na Prática 137


Vitória, passando pela ciclovia de Camburi, rota de bicicleta na praça
dos Namorados, ciclovia da Enseada até o Hortomercado, calçadão
da avenida Beira-Mar e ciclovia do Cais do Porto”, detalha.
Gilson Bozan foi outro que aderiu à bike. Ele diz que pedalar vi-
rou um hábito diário: pedala em Camburi e, aos domingos, utiliza a
ciclofaixa para ir ao centro de Vitória. “Cada vez mais vejo ciclistas
nas ruas. E faço um apelo para que todos se respeitem, pois existem
ciclistas de todas as idades: crianças, idosos e outros”.
A coordenadora da Biblioteca Municipal, Ângela Maria Battes-
tin, é uma das usuárias do transporte público de Vitória: “Eu tenho
carro, mas, geralmente, venho de ônibus três vezes na semana, de
Bela Aurora até à Secretaria de Cultura, no Centro. No ônibus, te-
nho a oportunidade de ler um livro e rever amigos”. Além disso, para
ela, o transporte público é mais tranquilo e dá oportunidade para
que as pessoas conheçam mais da cidade e até de seus personagens,
como os artistas que recitam poesias, cantam e tocam instrumentos
musicais, por meio do projeto “Poesia no ônibus”.
Mesmo satisfeita com o serviço oferecido, a bibliotecária acredita
que é possível promover mais melhorias. “Os horários dos ônibus não
são exatos, os intervalos às vezes são longos e ainda há o risco de
assalto”, acrescenta. Ângela é defensora convicta do uso dos meios
de transporte públicos e ressalta que, em alguns pontos da cidade, os
ônibus são subutilizados. “No Centro, por exemplo, ficam vazios. Se
mais pessoas optassem pelo transporte público, o trânsito melhoraria
consideravelmente”, frisa.

138 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Outras intervenções
A partir de demandas da população nas audiências públicas do
Gabinete Itinerante e das solicitações recebidas de taxistas e mo-
radores nos grupos de WhatsApp e no aplicativo Vitória Online, a
prefeitura investiu também em outros aspectos da mobilidade urbana
da cidade. Instalou semáforos com cronômetros, implantando as on-
das verdes nas avenidas para melhorar a fluidez do trânsito, criou o
sistema binário de mão única em várias vias – solução adotada para
transformar ruas paralelas em mão única, uma rua para cada sentido.
Houve ainda investimento nos parquímetros, ou estaciona-
mentos rotativos, e criou-se a “Zona de velocidade segura”, a pas-
sagem única. As faixas exclusivas de ônibus estão nos planos e
deverão ser implantadas.

Estacionamento rotativo de Vitória é equipado com parquímetros eletrônicos


Parquímetro e Estacionamento Rotativo – Foto: Yuri Barichivich

Rotativo eletrônico
Para os que usam carros, Vitória, em parceria com a iniciativa
privada, implantou um novo sistema de estacionamento rotativo em
algumas vias públicas. Mais moderno que o utilizado em cidades bra-
sileiras mais ricas e maiores que a capital capixaba, o rotativo im-
plantado no município utiliza parquímetros eletrônicos.

Capítulo VI – Governança na Prática 139


O sistema está sendo implantado em etapas, nas diversas regiões
da cidade e com espaços especiais para deficientes e idosos. A pri-
meira fase foi concluída no primeiro ano de atividade, com 2.999
vagas nos bairros do centro, na praia do Canto e em Santa Lúcia. A
segunda fase foi iniciada em novembro de 2015, já alcançando cerca
de 4 mil vagas, e a previsão é de acréscimo de cerca de 2 mil novas
no sistema de estacionamento rotativo. Há ainda a previsão de uma
terceira etapa, na qual aproximadamente 1.000 vagas passarão a con-
tar com parquímetros.
Fazendo jus ao título de cidade mais transparente do Brasil, con-
forme pesquisa do Instituto Ethos e da Amarro Brasil, o secretário
municipal da Fazenda, David Diniz de Carvalho, informa que a mé-
dia mensal de arrecadação com os parquímetros é de aproximada-
mente R$ 325 mil. A prefeitura fica com 32,78% desse valor, confor-
me resultado da licitação. A quantia é revertida em benfeitorias para
a cidade e a educação, conforme determina o Código de Trânsito
Brasileiro, explica o secretário.

Agentes da guarda municipal de Vitória participam de treinamento de tiro

140 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Capítulo VI – Governança na Prática 141
142 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
7
CAPÍTULO VII
PARA O
FUTURO
A estratégia da governança democrática é a estreita parceria en-
tre todos os setores da sociedade. O conceito central, é o de não
ter o poder público, a prefeitura no contexto municipal, como único
responsável pelas ações e políticas públicas da cidade. Deve, sim, ser
posicionado como líder e grande articulador de atores e instituições
locais e externas. Em outras palavras, apesar de ainda ser a âncora,
inclusive financeira, a prefeitura gradativamente compartilha o pro-
tagonismo com outros atores urbanos.
O grande desafio para o êxito e a continuidade da governança
democrática encontra-se, portanto, na esfera política. Na capaci-
dade do líder eleito de articular a gestão pública, suas atribuições
e competências com os interesses dos diferentes atores sociais,
capacidade que deve ser marcada pelo caráter apartidário, leve
e desprendido.
Ao assumir a função que conquistou nas urnas de forma demo-
crática, o prefeito precisa ter a grandeza e o desprendimento de re-
conhecer e validar os programas e projetos executados pela gestão
anterior e os que ela deixou em andamento. Em primeiro lugar, e
acima de qualquer outra prioridade, o novo governante deve colocar
o bem-estar, a segurança e a qualidade de vida da população, garan-
tindo a continuidade da herança positiva que recebe.
O desempenho do gestor será medido pelo esforço que ele des-
pende para desenvolver o capital social da cidade. Ou seja, para
implantar uma nova cultura política capaz de garantir transforma-
ções duradouras.
No caso de Vitória, a fim de que o empenho da gestão de Luciano
Rezende para implantar uma nova cultura de governança tenha con-
tinuidade e se aprofunde, será necessário que dos processos eleitorais

144 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


da cidade surjam lideranças políticas adeptas a essa visão e atentas
para os impactos que as transformações provocadas pela emergência
da sociedade-rede têm na forma de governar cidades. Alguém que
tenha um novo olhar para os velhos e novos problemas, com postura
criativa, em busca de possibilidades.
Especialmente, é preciso que estejam conscientes da importância
do investimento que se faz no capital social da cidade não apenas
para a continuidade da gestão compartilhada eficaz, mas também
para a evolução e o desenvolvimento desta forma de governar.
Na definição do cientista político R. D. Putnam,1 capital social
“é o conjunto formado pela confiança social. Refere-se a práticas so-
ciais, normas e relações de confiança que existem entre cidadãos de
uma dada sociedade”. Ele ensina:

[...] que a cooperação é estimulada pelo sistema de participa-


ção. Quanto maior a capacidade de os cidadãos confiarem
uns nos outros, além de seus familiares, assim como maior e
mais rico for o número de possibilidades associativas numa
sociedade, maior o volume de capital social. Quanto mais
densas forem essas redes, mais possibilidades existirão de que
os membros de uma comunidade cooperem para obter um
benefício comum (PUTMAN, Making Democracy Work: Ci-
vic traditions in modern Italy. Priceton: Princeton University
Press, 1993. p. 73).

Para alcançar êxitos, a gestão compartilhada dependerá, antes de


mais nada, de avanços consolidados no nível de educação da popula-
ção, na ampliação do acesso aos mais variados meios de informação,

1 Robert David Putnam é cientista político e professor de Política Pública na


Universidade Harvard.

Capítulo VII – Para o Futuro 145


a oferta de serviços públicos de saúde, segurança e mobilidade. Tais
serviços devem proporcionar a cada cidadão a tranquilidade de uma
vida com oportunidades, para que ele tenha condições de se tornar
um ator urbano capaz de viver em rede e, desta forma, trabalhar para
o bem comum. Em suma, este é o caminho da evolução da cidadania,
da conquista do espírito cívico.
O capital social, por outro lado, não está limitado aos cidadãos
como indivíduos isolados. A partir do exercício e da evolução da
cidadania, surgem instituições e representantes da sociedade civil
também capazes e preparados para participar e exercer papel ativo
na sociedade em rede, na qual cada um trabalha pelo todo em busca
de um ambiente urbano de excelência.

o0o

Diante de grandes mudanças estruturais da sociedade – para al-


guns, transformação que representa o nascimento de uma nova era
histórica para a humanidade, com o surgimento da sociedade da in-
formação e das tecnologias que lhe servem de base –, a atuação dos
governos locais pode ser decisiva para garantir um futuro melhor
para as cidades. É preciso que eles se reorganizem integralmente para
se adequar às grandes mudanças e, no mesmo sentido, que as cidades
disponham de estratégias e políticas compartilhadas, com compro-
missos sociais, privados ou comunitários entre os atores urbanos, ar-
ticuladas em projetos com recursos públicos e privados.
Vale a pena aqui recorrer a J. M. Pascual, que sumariza com clareza
os principais pontos que, na sua concepção, constituem os temas sobre

146 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


os quais a atuação dos governos locais pode ser decisiva para assegurar
um futuro melhor para as cidades. O primeiro deles, já mencionado
antes, é o fortalecimento da coesão social, o esforço para diminuir toda
sorte de desigualdade social e de desequilíbrio territorial, a fim de am-
pliar a capacidade de organização e atuação da cidade.
Outra área de atuação decisiva diz respeito à ampliação do acesso
e do uso dos serviços e bens públicos e coletivos presentes no meio
urbano para gerar novas condições de bem-estar social, que ampliem
direitos por meio da cooperação de todos e, em especial, das prefei-
turas com as entidades cidadãs, estimulando o desenvolvimento de
uma cidadania ativa e comprometida. Nessa mesma direção, deve ser
compreendido o papel da educação e da cultura, chaves do conheci-
mento e da convivência. Diz Pascual:

É preciso reduzir a precariedade do acesso ao capital educa-


cional e cultural, que hoje está na origem das novas desigual-
dades na sociedade do conhecimento, assim como é preciso
aproveitar a heterogeneidade social, cultural e demográfica
para promover a criatividade e a inovação sociocultural ne-
cessárias para um desenvolvimento equilibrado da sociedade
em rede. (PASCUAL. Las ciudades ante el cambio de era. Bar-
celona: Hacer, 2016, p. 305-333).

Do ponto de vista econômico, Pascual defende a ênfase na pro-


moção de novos setores produtivos que reforcem o papel da cidade
na economia internacional, com relação tanto à geração de renda
doméstica como à atração de investimentos externos em setores eco-
nômicos que ampliem a participação da cidade no mercado. Além
disso, o autor aponta como outro grande tema para o futuro das ci-
dades – complementar ao desafio de se promoverem outros setores

Capítulo VII – Para o Futuro 147


produtivos: as iniciativas para torná-las mais eficientes e sustentáveis
do ponto de vista energético, aproveitando o potencial das novas
matrizes no âmbito urbano.
Com o mesmo objetivo de desenvolver e criar oportunidades
nas cidades com fluxos mais amplos de pessoas (turismo), empresas,
mercadorias e capitais, o espaço urbano deve ser reordenado para
acomodar novas atividades econômicas, residenciais e serviços edu-
cacionais, sociais e culturais. E acrescenta Pascual:

Isso deve ser feito da forma mais equilibrada possível no es-


paço urbano, de modo que todos os bairros compatibilizem a
função residencial com as atividades de toda a cidade e com
as exigências de qualidade ambiental, equidade e sustentabi-
lidade. (PASCUAL. Las ciudades ante el cambio de era. Bar-
celona: Hacer, 2016, p. 305-333).

Na verdade, as cidades não precisam somente de um progra-


ma de governo. Necessitam, sim, de projetos de futuro, projetos
de mudança. Adequadamente elaborados isso significará um pacto
por meio do qual sucessivos governos, a cidadania e as instituições
estarão representados.
Esta visão de futuro deverá referenciar a elaboração dos planos
estratégicos que contemplem, por meio da gestão relacional, a coope-
ração público-pública, público-privada e a participação da cidadania.
Desta forma, será possível somar recursos – econômicos, financeiros,
cognitivos, organizativos e políticos – para se ter um orçamento am-
pliado, o orçamento da governança democrática.
Nesta mesma perspectiva inovadora, o desenvolvimento da nova
governança requer uma administração profissional, com o máximo

148 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


aproveitamento do capital intelectual e do aprendizado institucional
já acumulado, promovendo, inclusive, o resgate da autoestima nas
instituições públicas.

É imperativo ampliar a economia social para assentar as bases


de uma economia do conhecimento endógena, competitiva
e anticrise – baseada em valores de cooperação e trabalho
em rede e na não lucratividade –, para que o emprego seja
mais acessível aos grupos vulneráveis. A economia social
é formada tanto por empresas e entidades prestadoras de
serviços sem fins lucrativos quanto por aquelas corporações
cujo critério de distribuição de lucro não é o capital investi-
do. São essas as que mais garantem o emprego em períodos
de crise. A ampliação e a competitividade delas são chave
para se estabelecer um desenvolvimento econômico interno
não dependente de empresas sem raiz no território. E uma
vez que elas são expressão de atitudes e valores, caso predo-
minem as consequências econômicas e sociais da crise fi-
nanceira, estas se fariam sentir de modo muito mais ameno.
(PASCUAL. Las ciudades ante el cambio de era. Barcelona:
Hacer, 2016, p. 305-333).

Capítulo VII – Para o Futuro 149


150 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
Viadutos sobre as águas facilitam o
acesso do continente à ilha onde está
Vitória – Foto: Elizabeth Nader

Capítulo VII – Para o Futuro 151


152 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
8
CAPÍTULO VIII
UM POUCO
DE HISTÓRIA
Na primeira entrevista de Luciano Rezende aos autores deste li-
vro, o prefeito de Vitória iniciou a conversa contando que entre os
obstáculos que o Espírito Santo encontrou para crescer e se desenvol-
ver, um deve-se às riquezas naturais de Minas Gerais.
Ele explica que à época do Brasil colônia, a coroa portuguesa trans-
formou a então capitania que hoje é o estado capixaba em uma espécie
de escudo geográfico de proteção ao ouro e às pedras preciosas abun-
dantes no estado vizinho. A fim de proteger de mãos alheias os tesouros
de Minas Gerais, os colonizadores mantiveram intactas e inexploradas
as matas e florestas que existiam entre o litoral capixaba e o interior
mineiro. Eles acreditavam que, com essa estratégia, iriam transformar
esta área verde em obstáculo ao acesso a Minas Gerais, garantindo,
assim, o melhor controle e a fiscalização da exploração das riquezas
naturais do estado, que tinham assim rota de saída limitada ao Rio de
Janeiro, sede da monarquia. “Essa atitude resultou na estagnação da
economia capixaba, ao impedir a exploração e o desenvolvimento de
novas culturas em nosso estado”, concluiu Luciano.
A chegada dos colonizadores portugueses ao Espírito Santo ocor-
reu no dia 23 de maio de 1535, quando a nau Glória, comandada por
Vasco Fernandes Coutinho, ancorou em uma pequena enseada ao pé
do Morro da Penha, em Vila Velha. Naquela data, a Igreja Católica
celebra a festa do Divino Espírito Santo, daí a origem do nome do
estado capixaba.
O desembarque dos navegantes portugueses foi dificultado pela re-
sistência armada de arcos e flechas dos índios Goitacazes, uma das
tribos que habitavam a região. Após o controle da situação e para a
defesa de possíveis ataques piratas, a primeira atitude do donatário foi a
construção de um forte no local onde hoje está o Quartel Piratininga.

154 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


A história de Vitória se inicia a partir das explorações da região
pelos colonizadores que chegaram com Vasco Fernandes Coutinho.
Fundada em 8 de setembro de 1551, Vitória, denominada, na
época, Vila Nova do Espírito Santo, é uma das três capitais mais
antigas do Brasil, ficando atrás de Recife (Pernambuco) e Salvador
(Bahia). No entanto, os constantes ataques franceses, holandeses
e indígenas à sede da capitania levaram os portugueses a buscar
um porto mais seguro. Seguiram pela baía e, contornando a ilha,
aportaram em Santo Antônio. Escolheram então uma ilha próxima
ao continente, chamada pelos índios de ilha de Guanaani (ilha do
Mel). O nome Vitória foi dado a essa região em memória da vitória
conquistada em batalha comandada por Vasco Fernandes Couti-
nho, contra os índios Goitacazes.
A vila foi implantada em uma elevação de forma oval, entre a
baía e o maciço central da ilha, e era circundada por braços de mar e
pequenos riachos, que propiciavam a formação de manguezais.
Por ter permanecido 250 anos contida no núcleo inicial e arre-
dores, Vitória conservou boa parte do traçado urbano original. Em
meados do século XVI, não havia terrenos ocupados junto ao canal
que levava à baía. As águas vinham até o pé da colina, com difí-
cil acesso pelo lado sul. Toda a área plana desse lado, onde hoje se
encontra a avenida Marechal Mascarenhas de Moraes (Beira-Mar),
juntamente com a zona portuária, foi fruto de sucessivos aterros.
Em meio ao pequeno núcleo urbano de feição nitidamente co-
lonial, haviam “capixabas” – palavra que significa roça, roçado, em
idioma tupi.1 A expressão acabou servindo para denominar os habi-
tantes da ilha e, posteriormente, todos os espírito-santenses.
1 Informação obtida no site do governo do Espírito Santo, disponível em:

Capítulo VIII – Um pouco de história 155


A data de emancipação política do município é 24 de fevereiro
de 1823, quando um decreto-lei imperial concedeu fórum de cidade
a Vitória. No século XX, Vitória passou a ser chamada de “Cidade
presépio do Brasil”, em função da ocupação dos morros, que refletem
as luzes das casas nas águas da baía.
Vitória passou por um período de estagnação, entre o fim do sécu-
lo XVII e meados do século XVIII. A “Planta da Vila de Vitória, Ca-
pital da Capitania do Espírito Santo”, provavelmente levantada em
1767, por José Antônio Caldas, mostra que pouco mais de 200 anos
depois da fundação, a Vila continuava, basicamente, concentrada no
sítio da colina original e encostas.

Mapa de 1767, feito pelo capitão José Antônio Caldas, mostra localização de Vitória e Vila Velha
Vitoria Antiga – Planta 4 – Capitão José Antônio Caldas

<http://www.es.gov.br/EspiritoSanto/paginas/origem_do_termo_capixaba.aspx>.
Acesso em: 15/02/2016.

156 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Ao longo do Império, a população de Vitória expandiu-se com
irregularidade. Em 1872, eram 16.200 habitantes; por volta de 1890,
eram cerca de 16.900; e, em 1900, já sob regime republicano, a popu-
lação havia diminuído para apenas 11.800 habitantes.
As primeiras grandes transformações na estrutura da cidade de
Vitória ocorreram no início da República, na primeira administração
estadual de José de Melo Carvalho Muniz Freire (1892-1896). Naque-
la época, desenvolveu-se um comércio de exportação e importação
de café, que se instalou em ruas da cidade baixa.
Durante a administração de Muniz Freire, havia a perspectiva de
que o desenvolvimento da cafeicultura permitisse um aumento signi-
ficativo da população da capital. Para atender a essa expansão popu-
lacional, a administração promoveu a abertura de um grande lotea-
mento oficial, em uma região afastada do centro, que foi denominado
“Novo Arrabalde”, onde se localiza hoje o bairro Praia do Canto, e
que dispunha de uma área seis vezes maior que todo o território ocu-
pado, até então, pelo núcleo urbano. No entanto, o novo bairro per-
maneceu praticamente desocupado durante várias décadas.
Mais significativas, nesse período, foram as obras de aterro dos
brejos existentes no Campinho, onde hoje é o parque Moscoso. En-
tre 1908 e 1912, durante a administração estadual de Jerônimo de
Sousa Monteiro, foi dado prosseguimento ao aterro dessa área e à
formação do bairro conhecido como Vila Moscoso, sendo construí-
das 28 casas para funcionários públicos, iniciando a expansão urbana
desse lado da cidade.
Durante a década de 1920, a cidade expandiu-se também em dire-
ção ao Novo Arrabalde, que passou a ser servido por linha de bonde
e serviço de abastecimento de água. As ferrovias, que vinham sendo

Capítulo VIII – Um pouco de história 157


construídas desde 1901, ligando a capital às regiões da cafeicultura,
alcançaram áreas mais afastadas, ampliando as atividades portuárias.
No governo estadual de Florentino Ávidos (1924-1928), foi inaugura-
da a primeira parte do cais do porto.
As atividades portuárias e comerciais, a partir de 1930, permi-
tiram um contínuo crescimento da cidade. Nesse contexto, Vitória
era sobretudo uma cidade de funcionários públicos e prestadores de
serviços, com algumas atividades comerciais. A população situava-se
nas faixas de renda média. Os censos de 1940 e 1950 indicavam uma
população de 45.200 e 98.000 habitantes, respectivamente.
A partir de 1950, inicia-se um novo ciclo. A cidade de Vitória
e os municípios vizinhos passaram a receber investimentos urbanos
de grande porte, acelerados nas décadas de 60 e 70, por meio da im-
plantação de grandes projetos industriais, como a Companhia Vale
do Rio Doce (CVRD) e a Companhia Siderúrgica Tubarão (CST).
Vitória é um município brasileiro, capital do estado do Espírito
Santo, na Região Sudeste do país. É uma das três ilhas-capitais do
país (as outras são Florianópolis e São Luís). Vitória limita-se ao nor-
te com o município da Serra, ao sul com Vila Velha, a leste com o
Oceano Atlântico e a oeste com Cariacica.
Com uma população de 358.875 habitantes, segundo estimativas
de 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
a cidade é a quarta mais populosa do estado (atrás dos municípios
limítrofes de sua região metropolitana: Vila Velha, Serra e Caria-
cica) e integra uma área geográfica de grande nível de urbanização
denominada Região Metropolitana da Grande Vitória, compreen-
dida pelos municípios de Vitória, Cariacica, Fundão, Guarapari,
Serra, Viana e Vila Velha.

158 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Vitória é cercada pela Baía de Vitória. É uma ilha de tipo fluvio-
marinho. Além da ilha principal, Vitória, fazem parte do município
outras 34 ilhas e uma porção continental, perfazendo um total de
93,381 km². Originalmente eram 50 ilhas, muitas das quais foram
agregadas por meio de aterro à ilha maior. Entre as capitais brasilei-
ras, Vitória possui o 2° melhor índice de desenvolvimento humano
(depois de Florianópolis), de acordo com pesquisas da Fundação Ge-
tulio Vargas, e foi considerada a 4ª melhor cidade para se viver no
Brasil pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 2013, (atrás
de São Caetano do Sul, Águas de São Pedro e Florianópolis) e o
maior produto interno bruto per capita.
Vitória possui dois grandes portos: o Porto de Vitória e o Porto
de Tubarão, que fazem parte do maior complexo portuário do Brasil.

Capítulo VIII – Um pouco de história 159


PERFIL DE VITÓRIA (ES)
• PIB per capita (2011): R$ 85.800 (1ª posição entre as capitais) [IBGE]

• Esperança de vida (em anos) ao nascer: 70,74 (4ª posição entre as capitais)

• IDHM-R Índice de renda: 0,876 (3ª posição entre as capitais)*

• IDHM-E Índice de educação: 0,805 (3ª posição entre as capitais)*

• IDHM-L Índice de longevidade: 0,855 (4ª posição entre as capitais)*

• ICH Índice de carência na oferta de serviços essenciais à habitação: 0,882

• Taxa de alfabetização de adultos: 95,48% (5ª posição entre as capitais)

• Taxa bruta de frequência escolar: 93,36% (3ª posição entre as capitais)

• Maior IDH entre as capitais do Sudeste e segundo maior entre as capitais (0,856)

• Número de eleitores: 237.554

• Taxa de crescimento populacional anual: 2,36%

• O aeroporto de Vitória é o 14º em movimentação de passageiros


do Brasil. Em 2015, a soma de embarques e desembarques totalizou
3.578.914 passageiros.

• Vitória tem o maior porto em movimentação por toneladas do Brasil

• Frota de veículos (2015): 192.287 (Denatran)

• Menor população das capitais da Região Sudeste

(*) Atlas do Desenvolvimento Humano (29 de julho de 2013). “Ranking decrescente


do IDH-M dos municípios do Brasil”. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(Pnud).

160 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


Capítulo VIII – Um pouco de história 161
162 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
Capítulo VIII – Um pouco de história 163
164 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES
Capítulo VIII – Um pouco de história 165
POSFÁCIO

Governo tem que ser RETO!


A Gestão Compartilhada e o diálogo com a sociedade de
Vitória como forma de governo apresentados na nossa primeira
administração (2013-2016) foram o início da superação de um
modelo já ultrapassado de gestão pública, como você leu nesta obra,
que chega à sua segunda edição.
No nosso segundo governo (2017-2020), apresentamos à
sociedade o Governo RETO: Rápido, Eficiente, Transparente e
Online, que são quatro valores imprescindíveis no mundo atual,
que permitem que todos possam participar ativamente de uma
gestão pública, garantindo a ela um alto índice de assertividade e de
resultados positivos.
Governar, atualmente, em todos os níveis, exige aproximação
dos cidadãos de uma forma que só a interação conectada em rede
permite. Algo que engloba a oferta de serviços públicos ao alcance
de um toque no celular, e canais de comunicação horizontais, que
permitem que o cidadão seja corresponsável pela administração.
Em Vitória, seguimos a ideia de que #SomosTodosPrefeitos, o
que permite haver uma real gestão compartilhada. O conceito de
um governo RETO, adotado na capital do Espírito Santo, serve para
outras cidades, Estados, para o Brasil e outros países. O conceito
surge como a melhor forma de oferecer ao cidadão a proteção aos
seus direitos individuais e uma vida mais resolutiva, livre e mais feliz.
Esse padrão de gestão começou a ser construído quando
assumimos o primeiro mandato frente à Prefeitura e desde então
foram muitas as mudanças de paradigmas.

 169
Na saúde, hoje o cidadão pode marcar suas consultas online,
o que acabou com as filas de espera para as consultas médicas.
O paciente também é convidado a avaliar, via SMS, o atendimento
recebido nas unidades de saúde, o que permite à Prefeitura aperfeiçoar
os serviços oferecidos em sintonia com o que as pessoas desejam.
Na educação, os pais também dão notas para a merenda das
escolas. O modelo RETO permite ainda a desburocratização. Em
Vitória, os alvarás podem ser retirados online e de forma declaratória.
Queremos sempre ouvir a voz das pessoas. Qualquer cidadão
pode fazer queixas e agendar serviços por meio de um call center e
também através de um app disponível para iPhone e Android. São
inúmeros os serviços disponíveis no nosso aplicativo, Vitória Online.
O meu telefone pessoal, do prefeito, é divulgado publicamente,
e qualquer pessoa pode acioná-lo via Whatsapp. Os contatos online,
em tempo real, nos ajudam a responder as demandas em pouquíssimo
tempo, prevenindo e evitando crises.
O modelo inovador de gestão que adotamos na Prefeitura de
Vitória tem rendido prêmios e reconhecimento, tem aproximado
os servidores municipais dos moradores, em prol de uma cidade
mais humana e com mais qualidade de vida. Por meio da inovação
e da tecnologia temos conseguido superar, juntos, os nossos
desafios coletivos.
A cidade conta, inclusive, com amplo oferecimento de
internet gratuita. São mais de 220 pontos de wi-fi, de livre acesso.
Até 2020, serão mais de 500 pontos, cobrindo praticamente toda a
cidade, espalhados por comunidades, praças, parques, praias, escolas,
unidades de saúde e prédios públicos do município.
Acreditamos que os governos verticais analógicos não
atravessaram a fronteira do século XX. Neste século XXI, o êxito

170 A Gestão Compartilhada e Governo RETO, em Vitória-ES


de uma administração pública está plenamente ligado à ideia de um
governo horizontal, que compreende o ambiente das redes sociais. São
redes que vieram para ficar e que estão revolucionando as relações.
Em pouco tempo, só teremos dois tipos de Gestores: aqueles
que entendem a lógica do mundo horizontal, das redes e do poder
compartilhado e os demais gestores que aprisionados na lógica do
século passado serão gradativamente extintos!
Foi esse modelo de Gestão Compartilhada e Governo RETO,
que nos permitiu sobreviver à maior queda de receita da história de
Vitória, devido ao fim de um importante Fundo de Desenvolvimento
das Atividades Portuárias (Fundap), somado à profunda crise
econômica atual do Brasil.
Governamos durante o nosso primeiro mandato, de 2013 a
2016, com o equivalente a apenas três orçamentos anuais! A Gestão
de Vitória teve de ser reinventada e a máquina diminuída. Reduzimos
de 25 para apenas 17 o número de secretarias, baixamos em 20% o
total de cargos comissionados, reduzimos em média 30% no custeio,
entre muitas outras medidas que nos permitiram fazer mais com
muito menos recursos.
O governo RETO foi a solução que alçou a capital do Espírito
Santo para o futuro. Portanto, adotando um modelo cada vez mais
Rápido, Eficiente, Transparente e Online, conseguimos fazer de
Vitória uma das capitais mais tecnológicas do Brasil.

Luciano Rezende
Prefeito de Vitória


Posfácio 171
Distribuição:

FUNDAÇÃO ASTROJILDO PEREIRA (FAP)


SEPN 509 – Bloco D – Lojas 27/28 – Ed. Isis
70750-504 – Brasília-DF
Fones: (61) 3224-2269/3045-6916
Fax: (61) 3226-9756
www.fundacaoastrojildo.org.br
fundacao@fundacaoastrojildo.org.br

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