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Sebenta HIP 2
Sebenta HIP 2
– Nem todas as culturas têm a categoria “mente”, que aparece no ocidente, com Platão.
É algo que aparece tardiamente nas culturas.
– O que é universal é a noção de alma. Existe em todas as culturas.
– A experiência do mental – 2 maneiras de ver a mente:
Consciência permanente de nós como agentes/reagentes (ou seja, de estarmos vivos); Nós não vemos corpos,
vemos mentes através da
Centros do mundo – o centro do nosso mundo somos nós; interacção social –
O que define a consciência de existir são as acções por desejo, as intenções, os interagimos com a mente dos
conhecimentos, as conotações (sempre que olhamos para alguma coisa, valorizamos a outros. O que é necessário
mente – qualificamos sempre tudo o que vemos), os desejos, os estados de carência, para observarmos a
etc.; existência de uma mente?
Um corpo a movimentar-se
Abstracção da subjectividade: o EU fenomenal – existência de um eu que experiência de forma autónoma e
fenómenos. Ou seja, o EU está em interacção constantemente, não está em nós. orientada.
Critério para sabermos que temos mente: Eu penso, Critério para sabermos que os outros têm mente: Os outros
logo existo. são corpos animados – têm vida, nós inferimos intenções
nos outros.
– Reino do mental
Nós pensamos sempre que os outros estão a ver ou a ler o que nós estamos a ver ou a ler.
Almas imortais: não conseguimos imaginar o nosso corpo imortal – é impossível imaginarmo-
nos só como corpo, mas sim como mente!
– A mente primitiva
Não conseguimos lembrar-nos das emoções, só daquilo que provocou essa emoção.
– Podemos ver que a mente é algo concreto. O facto de conseguirmos apontar para algo
concreto, já estamos a mostrar que a nossa mente é algo concreto. A mente é aquilo
que nos ajuda a apontar algo como concreto.
– Mente é o reflexo das minhas relações no ambiente.”
A mente é concreta e invisível
Todos nós podemos pensar que tudo o que é concreto é visível, e que tudo o que é abstracto é
invisível (por exemplo, ouvimos os passarinhos a cantar e conseguimos imaginar a imagem dos
mesmos a cantarem). Porém, o que é concreto também pode ser invisível. Por exemplo, o
sentimento que transferimos para os objectos: o anel da minha avó tem alguma coisa dela. É
uma presença invisível mas concreta: se eu perder esse anel não posso atribuir esse mesmo
sentimento a um outro anel igual. Há aqui uma transmissão concreta mas invisível do
sentimento da minha mente para uma “coisa” com a qual eu interajo. Tal como o anel, a
mente também é invisível e concreta. O que me diz que ela é concreta? Ela é sentida, vivida. A
consciência que eu tenho que existo é tão forte quanto a consciência que eu tenho dos
passarinhos que cantam lá fora.
O ser humano tende facilmente a atribuir estados mentais a tudo o que demonstre ser
animado e como tendo um movimento autónomo orientado. Deste modo, se
partirmos da premissa de que estes corpos são agentes, que tal como nós têm
determinadas intenções, objectivos, teremos então de assumir que essas mesmas se
devem à mente, pois tudo aquilo que é apenas “corpo” (sem mente) não privilegia
estados autónomos activos.
Nós atribuímos estados mentais a corpos animados e orientados graças ao seu movimento
autónomo, independente de factores externos e relacionado com o ambiente em que ele se
insere, nós conseguimos lê-lo como intencional e faz-nos pensar que parece ter mente.
Os pré-socráticos (os físicos) quando tentaram explicar a natureza (queriam saber do que era
feito o mundo) centraram-se no visível, externo, material e concreto. E, por terem sido criadas
diferentes teorias e diferentes visões sobre o mundo físico, chegou-se à conclusão que a natureza podia
ser interpretada de várias formas e acaba por ser subjectiva: a falibilidade dos sentidos leva ao
relativismo subjectivo. Ou seja, a verdade não está nos sentidos… Então há verdade? E como podemos
chegar à mesma? Foi isto que originou o SOFISMO.
A criação de conceitos sobre a mente em Platão e em Aristóteles difere pelo menos num
ponto essencial: as ideias inatas. Explique a diferença e integre na resposta os conceitos de
«processo» e «resultado».
– Ideias inatas em Platão: Aquilo que era inato eram as reminiscências de verdades que
correspondiam às recordações da essência do real e que nos permitiam, através da razão,
desligarmo-nos dos dados fornecidos pelos sentidos, que apenas eram aparências, e ligar-nos à
verdade do real. Para Platão, não é através da contemplação do exterior que se descobre a
verdade (ou seja, com os sentidos), mas sim do interior. A verdade era intrínseca e não
extrínseca.
– Ideias inatas em Aristóteles: Aquilo que era inato eram as estruturas mentais, que possuímos à
priori, que nos permitem ter a capacidade de desencadear os processos para chegar ao
resultado (“resultado” = “essência”). O resultado (ou a verdade) não nos é inato, mas sim os
processos que nos fazem chegar a ele. Ou seja, a alma possui uma “máquina” inata que nos
ajuda a chegar à essência (ou verdade). As ideias inatas aparecem apenas como potências para
serem trabalhadas por essa “máquina”.
Tanto Platão, quanto Aristóteles apresentaram almas tripartidas. Relacione, se for possível,
cada uma das três partes de cada autor entre si e com a noção primitiva de alma.
Fauna
Homem
Pergunta 4
Segundo Aristóteles, toda a vida tinha de ter adjacente uma coisa (ou seja, um agente) e uma
finalidade (ou intencionalidade) que esse agente possuía. Logo, em Aristóteles, “função” e “finalidade”
confundem-se visto que a alma tem tanta função como finalidade de entender o mundo através de
estruturas inatas do pensamento.
Síntese:
Physis/física: O mundo é feito de matéria. Os físicos queriam saber do que era feito
o mundo. Mas cada físico teve a sua ideia do mundo. Portanto, isto levou Tales a dizer que
o mundo não é como se vê (a verdade não está atrás dos sentidos). Então existe alguma
verdade? SOFISMO → RACIOCÍNIO
SÓCRATES
Contrariamente aos sofistas, Sócrates acreditava que o conhecimento era possível e necessário,
dado que estava em cada um de nós. E esse conhecimento chegava-se-lhe por meio de uma disciplina
retórica e filosófica adequada: ir argumentando e contra-argumentando, até que a verdade verdadeira
surgisse – ou seja, é pelo raciocínio se chega à verdade.
Declarava que a verdade não se atingia através dos sentidos enganadores: uma criança ou um
animal também os possuem e são, contudo, incapazes de chegar à verdade; e mesmo depois de
desaparecida uma sensação, o seu conhecimento perdura, o que mostra que a verdade não está nos
sentidos.
Essa compreensão das verdades verdadeiras era possibilitada pela alma que conhecia
directamente as essências e não as aparências (únicas representações dos sentidos). Essas verdades têm
de ser procuradas no próprio sujeito. A famosa alegoria da caverna explica esta ideia: os homens
passam pelo mundo sem saber o que é a verdade, e apenas os mais sábios, os que praticam a
contemplação na mente, conseguem compreender as essências puras.
PLATÃO
Fundou a nossa maneira de pensar: Os gregos tinham primeiro separado o mundo físico do
sujeito, concentrando-se apenas no primeiro (mundo físico). Platão muda completamente o referencial
– temos de nos focar no sujeito, não no mundo físico, para compreender a verdade.
Segue um racionalismo idealista: não é na própria mente que a verdade está. Ela está
lá “fora”. A alma é passiva e já possui as ideias inatas.
Para Platão,
a verdade
A alma racional é incorpórea/imaterial/incorporal e é apenas nesse
está aqui.
Utiliza a
estado que tem consciência das ideias puras. Sendo assim, o exercício de Afecta a
encontrar a verdade está em conseguir negar o corpo para existir apenas como
razão. Para isso, é necessário que seja a razão a conduzir o processo, virando a
Para
paião contra os apetites de maneira a garantir o dominínio da parte mais nobre
controlar
os
da alma (essa parte, que corresponde ao eu-sujeito, seria imortal). Assim, mostrou-nos que o sujeito
mental é um palco de um drama – uma luta entre:
ARISTÓTELES disse:
Psicologia aristotélica
No Homem, a alma, além das suas características vegetativas e sensitivas, possui também a
característica da inteligência, que é capaz de apreender as essências de modo independente da
condição orgânica (alma racional).
Processo de Aprendizagem: Aristóteles defendia que nós vínhamos ao mundo sem qualquer
conhecimento inato e com uma consciência pronta para adquirir o conhecimento através dos sentidos –
tal como uma folha de papel em branco à espera de ser preenchida.
Capítulo 4: 1ª parte
Platão: Nós vemos bem as verdades eternas, mas quando a nossa alma está num
corpo, esta vê mal as verdades. A teoria platónica aproxima-se do cristianismo. Porém, o
cristianismo diz que o “eu” integral (alma + corpo) é imortal. Platão diz que apenas a alma o é.
Mente
Tem dois estados:
Só no final da idade média (séc. XIII) é que a influência de Aristóteles foi mais forte.
Mas porquê? Na idade média o acesso à literatura era raro. Então, como é que foi feita a
grande influência de Platão? Graças ao seguidor de Platão: Plotino.
Pensamento de Plotino:
Existe uma unidade de consciência que possui uma inteligência das formas puras que
origina uma alma que contempla essas formas. Essa alma é una, mas em contacto com a
matéria divide-se em partes e CORROMPE-SE. Então, para o homem se “salvar” deve tentar
superar a sua alma corrompida pelo corpo e atingir a alma una. Isto faz-se através da
contemplação das formas puras, que leva ao abandono do desejo das coisas materiais –
ARGUMENTO PLATÓNICO.
Realmente, podemos ver que Plotino e Platão são muito semelhantes. Porém, diferem
na posição sobre a linguagem. Plotino defendia que a linguagem era um meio imperfeito de
conhecer a verdade.
Santo Agostinho (seguidor de Platão – alma una): Primeiro autor do ocidente a perceber o
que é a mente.
Cepticismo: os cépticos afirmavam que não se pode ver a mente, tal como os olhos
não se vêm a si próprios. Ou seja, não podemos ser sujeito e objecto ao mesmo tempo – não
poderíamos nunca conhecer a nossa mente por observação.
Santo Agostinho refuta essa ideia: a alma está presente a ela própria. Não deve
procurar-se como se estivesse fora de si nem na mente dos outros, que são vistos pelos olhos,
mas dentro de si. Ou seja, temos consciência intrínseca do que é a mente.
A mente, ao estar feita para representar o que lhe é exterior, quando procura
perceber-se a si tem a tentação de se procurar conhecer da mesma maneira que conhece as
coisas exteriores, i.e., através de imagens mentais. Agostinho diz que a mente afasta-se de si
própria quando se fixa nas imagens das coisas exteriores. Então, a mente deve, então,
procurar-se não nas representações das coisas mas em outro lado – a solução de Agostinho é a
seguinte: se a alma se torna consciente de si própria compreenderá que esteve sempre
presente, apesar de afastada de si pela concentração nas coisas exteriores. Isto é, a
alma/mente é a consciência de estar vivo que nos acompanha constantemente em todas as
actividades conscientes. A alma não se consegue pensar como coisa, mas pode compreender
que não é coisa – nem fogo, nem ar, nem este ou aquele corpo. A alma sente a sua própria
presença, que vive, recorda, compreende e quer. Essas funções são imateriais e internas, não
externas como as coisas que vemos ou tocamos, e são a via para conhecer a alma. Isto significa
que a alma tem sempre consciência de existir, está presente em si própria.
Pensar sem recurso às coisas que estão à minha volta – fechar os sentidos à
experiência.
Característica da Mente
Segundo Agostinho, como em Platão, existem várias naturezas presentes em nós e que
entram em conflito: estas naturezas diferentes são a RAZÃO e os DESEJOS MATERIAIS, que
entram em conflito uma com os outros – uma teoria do conflito psicológico, muito importante
no cristianismo porque permite compreender o pecado e a salvação (pecado é ceder aos
desejos materiais, salvação é conseguir controlá-los pela razão).
Não distingue almas sensitiva e racional. Os sentidos são a maneira pela qual a alma se
apropria do corpo, a maneira pela qual o corpo é usado como instrumento pela alma. De facto,
os sentidos, considerados do ponto de vista do sujeito, parecem determinados pela nossa
vontade: não é o mundo que chega à mente através dos sentidos, é a mente que vai, pelos
sentidos, buscar o que está no mundo. Para Agostinho, o Homem deve deixar de dirigir o
interesse para fora e passar a dirigi-lo para dentro; ao sentir a mente, sentiria Deus porque
pela alma podemos conceber as ideias eternas de Deus (a verdade). Esta posição, claramente
platónica, é famosa e marcou o cristianismo.
Torna clara a ideia de que eu sou um sujeito de consciência e que sei que existo
porque me sinto. Esta consciência de que eu existo (consciência da mente) é diferente da
mente de Platão (a alma teria partes) porque a consciência da mente não permite detectar-lhe
partes. Há conflito entre várias coisas que queremos, mas a consciência é sempre a mesma e a
mente é UNA. Ele defende, portanto, que o “EU” é sempre o mesmo. Os diferentes estados
mentais é que entram em conflito – é este conflito a natureza da nossa mente. É o mesmo
“eu” que reagiu a um estímulo de diferentes maneiras.
Temístio:
Faz a distinção do “eu” sujeito e o “eu” objecto. Existe dois “eus”: o EU (eu quero, eu
odeio… - “eu” sujeito), e o MIM (aquilo que eu penso que sou – “eu” objecto).
O núcleo do ser sou eu. Todo o resto (sentidos) é irrelevante para eu ser/existir.
Psicologia das faculdades do Avicena
Intelecto
Platónica contemplativo e
conhecer os
universais
Alma Racional
Intelecto prático -
maneja/lida com
assuntos quotidianos
Alimentação
Avicena era um filósofo árabe – foram os árabes que mantiveram, durante os períodos
mais sombrios da Idade Média, as tradições de conhecimento herdadas do pensamento grego,
embora com várias modificações.
A psicologia de Avicena: Avicena tem uma teoria muito complexa das almas/ das
inteligências. Para ele, é o sábio que se salva por conseguir chegar mais perto da inteligência
de Deus (elemento platónico). O conhecimento é, assim, o dever central do homem. Todo o
conhecimento humano tem início nos sentidos, mas é através da capacidade de abstrair, por
imaginação, as formas que se consegue chegar ao conhecimento das coisas (afirmação
puramente aristotélica). É apenas então que se chega a Deus – purificando a alma de maneira
a poder encontrar as formas puras na Inteligência Activa (ou intelecto agente, ou mente
agente – ideia que vem de Aristóteles por intermédio de filósofos helenistas conhecidos pelos
árabes). A maneira de chegar às ideias puras seria a lógica (a lógica de Avicena é um ponto
importantíssimo na sua filosofia: é a linguagem da verdade). A linguagem falada e escrita seria
uma espécie de tradução deformada da lógica; e Avicena defende que as línguas são inter-
redutíveis dado que se baseiam na lógica.
A alma tem livre arbítrio e é julgada depois da morte. É imortal porque faz parte da luz
de Deus. Dado ser Deus imortal e dado a alma humana ter Deus na sua natureza ( o intelecto
agente é parte da alma, não lhe é exterior como em Aristóteles e trabalha sobre o intelecto
passivo), a sensação de subjectividade, o Eu consciente e conhecedor é imortal. De resto,
Avicena acha que o conhecimento é um dever, porque é do aprimoramento da alma que
depende a nossa imortalidade, porque uma alma que não se cultive deixa de participar de
Deus.
Como Aristóteles, S. Tomás defende que a alma e corpo formam uma só substância,
sendo a alma a forma do corpo – o chamado hilemorfismo (tudo é composto de matéria e de
forma, uma das posições centrais de Aristóteles). A matéria pode não ter forma mas não pode
haver forma sem matéria. Aristóteles usou esta ideia para explicar as relações alma-corpo nos
seres vivos e foi seguido por S. Tomás.
O conceito de forma-matéria foi usado para explicar, nos seres vivos, a diferença entre
mente e corpo:
A forma seria aquilo que organiza a matéria do corpo. Aristóteles usa a forma
como equivalente à função: a alma permite que o corpo aja da mesma maneira que o
olho permite a visão. O ser verdadeiro é a combinação alma + corpo; o corpo, por si,
não é nada, mas a alma sem corpo é incompleta. Como já vimos, a alma no sentido de
mente consciente não sobrevive ao corpo (a alma passiva morre com o corpo): o que
sobrevive é a mente ACTIVA (a capacidade de inferir conceitos abstractos).
S. Tomás retoma a ideia aristotélica da alma tripartida. Se as almas são três, como se
pode falar de uma alma? S. Tomás defende que a alma superior, intelectiva, passa a incluir as
funções anteriores, vegetativa e sensitiva. Na verdade, defende mesmo que nos embriões há,
inicialmente, uma alma semelhante à dos animais que é depois substituída pela alma humana.
Mas esta posição levanta um problema – a impossibilidade lógica da imortalidade da alma.
E com base neste trabalho dos sentidos interiores (ou faculdades), é possível chegar à
verdade – os universais, ou conceitos que capturam a essência das coisas. É a MENTE
(intelecto, o nous de Aristóteles) mais estas 4 operações que formam a ALMA INTELECTIVA.
A alma intelectiva não é material, mas depende dos 5 sentidos (que são corporais –
dizem respeito à alma sensitiva) para funcionar. É, portanto, a parte imaterial da pessoa
(captura ideias abstractas através dos 5 sentidos).
Dentro desta alma temos:
– Intelecto passivo: reservatório de tudo aquilo que pode ser pensado, nomeadamente
as essências (formas puras) – por exemplo, uma mulher;
– Intelecto agente: elemento activo da inteligência, que analisa, pensa e abstrai, a partir
dos sentidos, as formas puras – por exemplo, uma mulher feia e gorda.
PORÉM, em oposição aos movimentos platónicos, esta alma intelectiva não é a pessoa,
mas sim parte da pessoa/Humano: “A alma não sou eu!” – esta alma morre com o corpo,
porque faz parte deste (como a alma passiva em Aristóteles).
Avicena, apesar das suas diversas nuances (variações ligeiras) platónicas, retoma as
distinções aristotélicas relativas à alma: alma vegetativa, sensitiva e racional, sendo a
penúltima dotada de, para além dos cinco sentidos, “faculdades” auxiliadoras da
preparação dos dados recolhidos para o exercício da mente racional. Porém, distingue-
se claramente de Aristóteles, aproxiamando-se de Platão relativamente a múltiplios
aspectos, como os relativos à morte do “eu”, que Avicena considera imortal, e que
Aristóteles defende claramente o seu carácter fatal.
A alma platónica e aristotélica começam por diferir pela perspectiva através da qual
foram estudadas:
Platão:
Aristóteles
Tema do Eu: em que instância poderia estar o eu nas psicologias aristélicas? (em que
conceito: sentidos, sentido comum e faculdades, mente passiva e activa).
Em qual das duas tradições lhe parece que uma teoria da psicoterapia se deveria basear
(justifique).
Além disso, descobriram uma nova forma de se ser pessoa – a esse movimento que
propunha a criação de um homem novo, de um mundo novo, de uma nova arte, de uma nova
educação chamou-se HUMANISMO. Os humanistas estavam preocupados com a expressão da
linguagem na retórica e não com a procura da verdade – INTERRUPÇÃO BRUTAL DA
TRADIÇÃO ESCOLÁSTICA, onde há uma recusa de uma tradição considerada difícil de
compreender e afastada das necessidades de viver – uma expressão cultural atinge um nível
de complexidade muito grande e é recusado pela geração futura que procura a expressão de si
mais directa.
Parte do séc. XV e o séc. XVI é uma época de expansão (do mundo, do eu, das
economias). Foi a época dos descobrimentos que revelaram “mundos novos ao mundo” e
trouxeram relatos do contacto com outras civilizações. UM NOVO MUNDO, MAIS
EXTROVERTIDO, em que os intelectuais vivem em cidades e não em mosteiros.
FÍSICA: Na idade média a ciência/física não tinha lugar no pensamento medieval pois a
ideia do mundo físico era baseada na vontade/criação de Deus.
Francis Bacon (contribuiu para o empirismo britânico [tal como Occam] – valorizava a
experiência): Autor de uma filosofia que diz respeito exclusivamente ao mundo físico. Opôs-se
a Aristóteles. Diz Bacon que as palavras são meras etiquetas das coisas e que a filosofia até
aqui só se em ocupado em perceber as relações entre palavras, sem compreender as próprias
coisas (noção que já se encontra em Occam). Dizia que o sujeito cria obstáculos ao
conhecimento por causa da incapacidade de compreender o mundo exterior e da nossa
tendência para nos perdermos nas palavras que já não têm referência àquilo que designavam
originalmente. Assim, Bacon sugere um apagamento do sujeito de pensamento quando encara
a natureza – o conhecimento não deve inferior as leis gerais, mas captar a natureza tal como
ela é, sem interferência da nossa razão. Muito semelhante ao atomismo (toda a nossa mente é
composta por fontes de conhecimento [ver em Locke]) e ao nominalismo de Occam (só
existem exemplares) e muito distante dos racionalismos.
Galileu (Séc. XVI – neo-platónico): Tem uma posição muito diferente de Francis Bacon:
queria interpretar a natureza em termos de leis como a matemática e a geometria. Foi o
primeiro a afirmar isto. MAS para isso temos de compreender aquilo que vemos e aquilo que
existe não são a mesma coisa. Galileu distingue as qualidades primárias (qualidades que são do
próprio objecto, como o peso, forma, massa) e as secundárias (qualidades que derivam da
actividade subjectiva do sujeito que as percepciona, como a cor). A matemática e a geometria
podiam explicar as primárias!
Era racionalista pois acreditava que se podia admitir a existência de uma coisa que
fosse racionalmente óbvia e não acreditava na possibilidade de chegar à verdade pela
experiência, mas apenas pela razão.
Descartes defende que os sentidos nos enganam e a realidade não é o Estas ideias claras e
que parece: como é que eu sei que o que eu vejo à minha frente não distintas (ideias que não
é minha ilusão? Devemos sempre duvidar dos nossos sentidos e de se podem decompor
todas as experiências que são adquiridas através dos mesmos (tal mais – os universais) são
como Platão dizia [e mais tarde São Agostinho] de que para inatas mas, como todos
chegarmos à verdade devemos nos abstrair/afastar dos apetites [os os inatistas, Descartes
sentidos] e focarmos a realidade com a nossa razão). Descartes diz, defende que o meio é
necessário para o
então, que eu não posso é duvidar que eu existo – o EU possui as
desenvolvimento do
ideias inatas postas por Deus (as ideias inatas para ele funcionam
potencial inato. As ideias
como uma espécie de potência e precisam de ser trabalhadas e inatas existem
exploradas). Então e se Deus nos engana? Descartes disse: “se eu potencionalmente e
consigo imaginar o perfeito e absoluto, foi Deus que me pôs essa ideia desenvolvem-se dadas as
inata, pois Deus é perfeito e absoluto, e nunca me enganaria (por ser condições de meio
perfeito)”. Então, se ele acreditava em Deus, foi este suposto Deus adequadas.
que nos criou, juntamente com os nossos sentidos ENGANADORES?
Ele mais tarde vem dizer que os sentidos não nos enganam… Deus criou o nosso corpo para
conseguirmos lidar com as coisas normais e quando aparece uma situação anormal, o corpo
falha (por exemplo, as ilusões).
Continuando, Descartes, tal como Avicena e Santo Agostinho, defende que nós somos
a nossa consciência, e possuímos uma experiência mental (alma, segundo a filosofia; mente,
segundo a psicologia), sendo a única coisa que temos a certeza – eu penso, logo existo.
Este pensamento é circular, mas historicamente foi importante por permitir a
Descartes aceitar a possibilidade de chegar por via racional, à inteligência do mundo.
Natureza da mente: A mente também não era apenas consciência, mas sim
consciência do que se passa na mente, i.e., era CONSCIÊNCIA DE IDEIAS. Essas ideias poderiam
ser provenientes de várias fontes. Podiam ser provenientes da abstracção da experiência ou
provenientes/dadas por Deus (as ideias inatas que explicam a verdade). Estas ideias inatas
dadas por Deus são: noção do Eu, Deus, espaço, tempo, movimento, ideias geométricas e
conceitos matemáticos. São estas ideias que nos permitem pensar o mundo. Por serem
provenientes de Deus, são verdadeiras.
Descartes criou um método para chegar à verdade: aceitar as ideias claras e distintas e
reduzir problemas complexos até à ideia mais geral e que não pode ser mais reduzida a outras
ideias.
A questão do eu: O eu é toda a actividade psicológica consciente: “Eu sou uma coisa
que PENSA, isto é, que DUVIDA, que AFIRMA, que NEGA, que SABE poucas coisa e que IGNORA
muitas mais, que AMA, que ODEIA, que QUER, que NÃO QUER, que IMAGINA e ainda que
SENTE.”
Alma pode existir sem o corpo. Ela pode funcionar sem o corpo (os sentidos) (tal como
no platonismo), mas o corpo não pensa, é apenas uma matéria: a alma é autónoma do
corpo.
Ele, na sua obra “Tratado do Mundo”, defendia que o mundo era feito de pequenas
partículas infinitivamente indivisíveis que são mensuráveis – o mundo é feito de
MATÉRIA (tal como o corpo). Já a mente é uma substância diferente da matéria. A
mente não tem partes divisíveis – não é mensurável. Assim, Descartes teve de
admitirar que havia duas ordens de realidades:
Estas duas realidades seriam separadas mas teriam relações, dado que nós PENSAMOS
nas coisas materiais. Tinha de haver, assim, uma LIGAÇÃO qualquer entre os dois planos. Então
como é feita esta ligação? Como é que “EU” conheço a “MATÉRIA”? Descartes dizia que era na
“glândula pineal”, estrutura que se situa no “centro” do cérebro e que naquela altura não se
conhecia a função. MAS, não se compreende como pode haver ligação… Como pode uma
estrutura puramente material estabelecer uma ligação entre algo material e algo imaterial? A
glândula é parte material – e o que está na parte imaterial? O próprio Descartes reconhecia
esta limitação e dizia simplesmente não saber como se fazia a ligação entre os dois planos.
Mesmo que não tenhamos uma explicação de como é feita essa ligação, a verdade é que todos
nós podemos confirmar que o mundo MENTAL e FÍSICO nos parecem diferentes.
A mente autónoma pode pensar em ideias puras independentemente das imagens dos
sentidos.
A mente teria dois modos principais: o intelecto puro (quando se pensa nas ideias
inatas), a imaginação (imagens mentais) e os sentidos. A imaginação e os sentidos dependem
da ligação entre o corpo e mente, mas o intelecto puro é independente do corpo.
Conclusões:
Este dualismo cartesiano tem a principal virtude de chamar a atenção para a mente
como objecto de estudo. O que Descartes disse de fundamental foi que a mente não se
consegue estudar usando a inteligência que aplicamos ao conhecimento do mundo exterior.
Não há na mente nem objectos nem distâncias que se possam observar e medir. A
matemática, que consegue formular a nossa maneira de pensar não explica, ela própria, a
mente (é por isto que ele seguiu o movimento RACIONALISTA que se opunha ao EMPIRISMO).
A irmã (…) pô-lo em tribunal para ficar com herança, mas Espinosa ganhou o caso (…)
fê-lo apenas para recusar todos os bens (que ficaram para a irmã) excepto uma cama de dossel
que lhe dava sensação de privacidade. (…) Ele chegava a não sair do quarto durante três meses
(…)
Ele isolava-se do Mundo tal como Descartes fazia… Isolava-se para pensar sobre as
coisas (Ao contrário de Hobbes).
(…) apaixonou-se (…). Não foi reciprocado e isso (…) levou-o a procurar o amor nas ideias.
As ideias de Espinosa: Espinosa foi muito influenciado por Descartes (era cartesiano).
A sua primeira obra é uma apresentação das ideias de Descartes. Mas existem diferenças entre
este dois pensadores, quer de ideias quer de objectivos.
Espinosa era monista: tudo é forma de uma realidade una, e essa realidade una é
DEUS, que é tudo quanto existe. Ou seja, mente e matéria são a mesma coisa – Deus e a
Naturza são a mesma coisa. Deus seria uma força que existe, não uma pessoa todo-poderosa;
não nos amaria com sentimentos humanos, apenas existiria como poder infinito. Deus é a
existência e as leis dessa existência. Corpo e mente, para Espinosa, são apenas dois modos de
conhecer o mundo: na 3ª pessoa e na 1ª pessoa.
Para ele o pensamento e a realidade são a mesma coisa e nós podemos chegar a
compreender Deus. Para isso, temos de adoptar 3 géneros de pensamento:
1º Modo empírico: sabemos fazer as coisas, mas não sabemos o porquê e como essas
coisas funcionam (por exemplo, quando eu ligo o meu computador, eu não sei como
isso funciona… Eu não sei/conheço o mecanismo que está por detrás disso… Isto
acompanha-nos muitas vezes no nosso quotidiano, mas não interessa na ciência.
2º Conhecimento racional: Saber o porquê das coisas/leis de modo a prevê-las (“a
ideia é que a ciência deve chegar a leis que permitam a previsão do que vai suceder”).
3º Pensamento Intuitivo sobre as verdades, sendo que estas, ao serem pensadas,
possuem apenas uma solução. Estas verdades, para Descartes, são as ideias inatas.
Exemplos destas verdades que só possuem uma solução e que são inatas ao ser
humano: A = B, B = C, então, A = C; O todo é maior do que as partes. Nestes casos, não
é preciso quase pensar: estamos perante afirmações cuja a verdade é evidente e
imediata na ausência de pensamento e demonstração -> A ISTO CHAM-SE INTUIÇÃO. A
partir deste tipo de pensamento consegue-se alcançar as verdades eternas, a
perfeição, o infinito e o uno (ou seja, compreender DEUS). E é através da
contemplação destas verdades, como em Platão, que nasce uma alegria tranquila – a
beatitude.
Esta separação entre os 3 géneros de pensamento (empírico, racional e necessário)
encontra-se em mais filósofos (Platão, Espinosa e Kant).
Teoria das paixões: A motivação básica de todo os seres (sejam animais ou humanos)
é aumentarem a sua essência/serem mais aquilo do que são; há uma procura de aumentar o
próprio ser. Mas nós vivemos num ambiente que possui condições que propiciam esse
aumento de “poder”, e outras que o contrariam. Por isso são “criadas” 2 paixões fundamentais
à preservação do nosso poder: positiva peranteum ambiente que me dá poder, e negativa caso
me faça perdê-lo (alegria e tristeza). Por exemplo, a pessoa A gosta de mim e a pessoa B não
gosta de mim De A eu vou gostar porque me dá poder, e vou sentir ódio de B, pos ela me retira
o poder. E o mesmo se passa com A e B. Talvez A goste de mim porque eu lhe dou poder, e B
não gosta de mim porque eu não lhe ofereço poder… E daí são criadas emoções/paixões
secundárias:
A inveja vem do ódio e é por isso que nos alegramos com a tristeza dos outros e nos
entristecemos com a alegria de alguém que odiamos;
O ciúme é a mistura de amor e ódio pelo objecto do nosso amor e a inveja pelo nosso
rival;
A emulação, o querer ter o mesmo ou mais do que os outros têm, é o desejo de uma
coisa produzida pela ideia de que os outros desejam a mesma coisa;
A saudade é uma espécie de tristeza proveniente da ausêndia do objecto amado.
A humildade é a tristza proveniente da nossa impotência.
A aquiescência é a alegria que sentimos quando verificamos e confirmamos a nossa
capacidadade/potencial mental de agir.
Espinosa refere ainda que, para aumentar o nosso poder, queremos impor aos outros o que
pensamos. E que, também por poder, distinguimos entre “nós” aliados, e “eles” inimigos.
Todas estas paixões/emoções são passivas, na medida em que são causadas por efeitos
externos e não são determinadas de dentro: são reactivas, determinadas de fora. Assim,
podemos concluir que o Homem é dominado por essas paixões/emoções, mas pensa que não
(não tem noção disso porque não são determinadas por ele). Por exemplo, a pessoa A mata B
porque a odeia. Mas na realidade não é por odiá-la, mas sim porque ela lhe tirava o poder. O
mesmo acontecer com o amar/gostar. Os Homens não são, portanto, livres porque não
conhecer a verdadeira causa do próprio comportamento, e enquanto vivermos assim, nunca
seremos livres e nunca nos vamos conhecer e nem o Mundo (é por isto que as
paixões/emoções pertencem apenas ao 1º modo de pensar).
Então como é que o Homem consegue ter liberdade, visto que tudo é determinado?
Há alguma possibilidade de escapar a essa escravatura? Recordemos que o pensamento tem 3
géneros: o mais baixo (o 1º) – de ver e ouvir dizer (que corresponde às paixões); o 2º - o
raciocínio, que vai entre os dados empíricos e o ouvir dizer e as verdades eternas; e o 3º -
contemplação das verdades eternas (a ordem do mundo e das nossas reacções perante as
paixões).
A política de Espinosa
Empirismo:
Inícios do Empirismo: ….
O séc. XVII e a influência de Galileu (“se nós não podemos quantificar uma coisa,
conhecemo-la melhor” – quantificação)
As coisas são movimento que entra em contacto com os órgãos dos sentidos. Esse
movimento transforma-se em sensações quando entra em contacto com o cérebro e o
coração que reagem à pressão do movimento com uma contra-pressão “para fora”,
que dá origem às sensações. As sensações PERSISTEM NA MEMÓRIA, mas
enfraquecidas: são as ideias. Essas ideias podem ser combinadas de acordo com a
imaginação (por exemplo, um centauro é a combinação da ideia de cavalo e de
homem). A imaginação é a manipulação de ideias provenientes dos sentidos e é a
natureza, o fundamento, do pensamento. Contudo, apenas se consegue pensar
havendo palavras que funcionam como sinais de coisas que remetem para outras
palavras quando estão numa frase (“o centauro é meio homem meio cavalo” – cada
palavra remete para as outras). A LINGUAGEM permite-nos pensar mas também
comunicar, formando-se assim o entendimento. Esse entendimento ocorre também
em animais porque eles entendem as ordens dos donos.
Neste sentido, Hobbes é empirista da mesma maneira que Locke, Berkeley e Hume, que se lhe
seguiram. MAS Hobbes é inatista noutro aspecto – o da sua teoria das paixões. Já vimos que
Descartes inaugurou o tema, mas Hobbes dá-lhe uma perspectiva muito diferente:
O resultado é, portanto, uma muito maior ênfase, por parte de Hobbes, no papel
desempenhado pelas emoções na relação social.
As emoções também seriam provenientes do movimento do corpo, que geraria uma paixão,
seguida de deliberação (a forma de atingir o objectivo); a deliberação é assegurada pela
imaginação. Ocorreria também em animais, já que eles agem sobre o ambiente de acordo com
as suas paixões (=motivações/emoções).
A chave para compreender as paixões é o conatus, que se pode traduzir como esforço ou
vontade de tentar. É este impulso primordial que está na origem da acção e de toda a vida
animal e humana. Sendo que em sociedade todos os indivíduos têm necessidades e
características mais ou menos equivalentes, segue-se uma competição entre eles. O problema
mais central que os indivíduos em sociedade têm de resolver é o do poder, que corresponde à
paixão da glória; o poder assegura os recursos necessários à sobrevivência. A procura de poder
é semelhante à procura da liberdade: é a tendência para seguir o movimento natural de
satisfação das nossas necessidades.
Hobbes diz que, além dessa necessidade, nós gostamos intrinsecamente de poder:
A glória corresponde a comparar a nossa posição e o nosso poder com outros com
menos poder e é a fonte de prazer, de alegria e de felicidade;
Verificar que fomos vencidos é a desgraça (“misery”).
Hobbes também diz que nem todas as pessoas têm o mesmo apetite de poder, mas isso não
significa que haja pessoas que não o desejam: afinal o poder é a única forma de assegurar a
sobrevivência e é a própria natureza da vida.
Dado que todos nós procuramos poder e que competimos por ele, Hobbes conclui que o
estado “natural” do Homem é de guerra contínua, perigo constante, desgraça e sofrimento.
Mas, além da vontade de poder, o Homem tem capacidades racionais e compreende que a
situação em que se encontra pode ser melhorada se houver um contrato em que os indivíduos
prescindam da sua liberdade (=do seu poder) para o entregar a alguém superior que os
defenda em conjunto – trata-se do rei, senhor do poder absoluto.
Hobbes defende que um estado forte é a única alternativa ao estado de caos social. Este
estado forte funcionaria porque uma das motivações essenciais do ser humano é o medo, que
é a tendência para preservar a própria vida. Assim, o estado, ao ameaçar quem quer expandir
demasiado o seu poder, garante a paz comum – Steven Pinker, na sua obra The Better Angels
of Our Nature, mostra que é nos estados quem que o governo tem a exclusividade do uso da
força que há mais paz e mais prosperidade.
A Psicologia de Hobbes
Hobbes é um autor importante na psicologia por causa do seu estudo introspectivo da mente e
das tendências para a acção (motivação e emoções).
Akém da tendência para procurar o poder, Hobbes analisa as emoções de maneira muito
subtil: diz ele que existe um número limitado de paixões (=emoções) simples, e que a sua
combinação dá origem a outras mais complexas. Assim, partido do apetite, desejo, amor,
aversão, ódio, alegria, e tristeza, podem-se obter várias combinações. A esperança é um
apetite com expectativa de sucesso, o desespero é o mesmo mas sem essa expectativa: O
medo e a coragem são ambas uma aversão, mas com expectativa de ser magoado ou de
ganhar.
De acordo com Hobbes, o desejo de riqueza é geralmente mal visto porque todos a queremos,
de modo que não gostamos que os outros a procurem também; a ambição é uma palavra
também usada no pior sentido pelas mesmas razões.
Hobbes, como podemos verificar, faz uma análise mais fria e desapaixonada das emoções e
das motivações humanas: desejamos o que nos traz benefício, amamos o que nos dá poder ou
satisfação, e detestamos o que nos impede de obter aquilo que queremos e aquilo que nos
magoa.
John Locke: Fundador do “empirismo britânico” (além dele, Berkeley e Hume); de uma
verdadeira psicologia empírica, baseada na experiência.
Esta representação das coisas é estudada por observação directa da mente, na 1ª pessoa (e
não em termos de funções ou faculdades hipotetizadas na 3ª pessoa, como é feito no
aristotelismo). Esta observação de si próprio pretende ilustrar o processo que permite a
formação de conceitos que possibilitam pensar a realidade.
Para ele, mais vale, em vez de inventar as faculdades, analisar a nossa própria mente para ver
o que se lá encontra.
Esta recusa de reificar a mente em faculdades é particularmente evidente na análise que Locke
apresenta do Eu (ver à frente “O EU em Locke”).
– Preconceito Atomista
Aquilo que Locke vai procurar é determinado por um preconceito teórico seu: o atomismo.
Este atomismo das coisas teria um paralelo na mente: primeiro percepcionaríamos os
elementos mais simples e depois formaríamos sínteses entre esses elementos mínimos: IDEIAS
SIMPLES.
– Ideias Simples
– Ideias Complexas: É a partir de ambas as fontes, sensações e reflexões, que estas vão
ser construídas.
As relações não são os processos de relacionar as coisas na mente, mas sim as ideias
que conseguimos ter da relação entre duas coisas (comparação entre duas ideias
simples = ideia complexa).
Análise de Locke sobre os modos da mente: os modos mentais são o pensamento, a memória,
a reminiscência (o esforço para trazer à mente uma recordação) a contemplação, a “rêverie”
(sonhar acordado), a atenção, o estudo (intenção) e o êxtase. Ele explica, apartir do prazer e da
dor, vários conceitos que usamos para descrever as emoções. Assim, o amor/ódio é o que se
sente relativamente ao que causa prazer/dor; o desejo ocorre quando não se tem uma coisa
que nos dá prazer; a alegria é a posse de um prazer e a tristeza a sua perda; esperança é o
prazer pelo deleite futuro e terror o mesmo pela dor futura; desespero é a impossibilidade de
alcançar um prazer; a cólera é uma dor com desejo de vingança e a inveja é um bem possuído
por outro que não nós.
Temos ainda o modo do poder, que vem de duas fontes: a noção de que há coisas que podem
alterar outras e da nossa própria experiência de poder mover o corpo – trata-se da vontade,
outro modo mental. A própria noção de liberdade viria da experiência da vontade.
– O EU em Locke
Diferença entre as ideias de substância corporal e mental: A ideia quer de espírito quer de
corpo são agregados de ideias simples. Assim:
O “Homem” pode ser percepcionado como uma máquina, como os animais, mas com a
diferença de ser concebido como uma máquina RACIONAL. Mas a representação do “Homem”
é diferente da representação que faço de uma “Pessoa”.
O que vemos nos outros são corpos animados. E em nós próprios? Vemos mente, a nossa
experiência mente. Nós vemos os outros como corpos animados porque não conseguimos
“ver” a experiência mental dos outros, apenas as acções. A sensação que eu tenho de ser é
independente do corpo:
Fernando Pessoa
Assim, o EU é a consciência, e os seus limites não são os do corpo mas as das suas recordações.
Resumo:
- Locke concentra-se nos produtos da mente, nos conceitos a que a mente chega e não nos
processos dinâmciso de produção de conceitos, a que não tem acesso empírico fácil;
- Esses conteúdos da mente são os objectos (coisas que consigo trazer à memória) e algumas
emoções, nomeadamente prazer e dor
Assim, a conclusão só pode ser o empirismo, isto é, que o conhecimento nos vem dos sentidos.
O empirismo está, então, implícito na sua própria metodologia.
– Apreciação de Locke
Locke é epistemólogo, isto é, quer investigar a origem do conhecimento. Mas como o faz da
perspectiva da experiência e por pura introspecção é, ao mesmo tempo, o fundador da
primeira verdadeira psicologia na primeira pessoa.
Limitações em Locke:
David Hume:
Deu primazia, tal como Locke e Berkeley, à sensação. Para ele, para explicar os problemas da
filosofia da mente seria suficiente usar o método de observação, da descrição da experiência
mental.
Assim, Hume substitui à metafísica e “psicologia” (embora não lhe chame assim): em vez de
especular em torno do que é saber ou conhecer (metafísica), tentou directamente observar o
processo de conhecimento como ele ocorre, por introspecção (semelhante ao que Locke fez).
Chama por isso ao seu trabalho a “geografia mental” ou “anatomia da mente”.
Neste seu trabalho, Hume parte da posição estabelecida por Locke – temos acesso a duas
coisas:
As ideias são apenas registos de percepções: ideias simples, que se podem combinar umas
com as outras formando ideias complexas.
A maneira como as ideias são guardadas difere consoante a recordação seja quase tão viva
quanto a impressão ou se perdeu completamente a vivacidade. Hume considera dois
processos: memória e imaginação. A memória seria sempre viva e a imaginação seria
atenuada. A memória recorda a sequência das várias impressões originais, é mais uma cópia
de uma situação realmente experienciada. Na imaginação podemos alterar essa ordem e
formar sequências novas a nosso bel-prazer, mas o resultado tem menos vivacidade, menos
realidade aparente, do que uma recordação da memória.
Para Hume, o mundo mental não é apenas povoado de imagens mentais. Há na mente
maneiras de relacionar essas imagens umas com as outras. E essas relações/combinações
entre duas ideias acontecem graças a 7 condições (falarei apenas de 3)
Hume achava que estas regras de associação entre ideias simples era a chave para a
compreensão do funcionamento mental.
Ilusão do “Eu”: Hume analisa também a questão do Eu. Como vimos, a mente é um recipiente
de sensações e temos memórias dessas sensações. Embora as sensações sejam sempre
diferentes, temos consciência das recordações das sensações passadas. Assim, tal como um
sobreiro jovem é considerado, depois de crescer, o mesmo sobreiro embora nenhum dos seus
componentes seja igual, também nós moldamos uma identidade própria que não existe: não
somos a pessoa que fomos, mas associamos os estados sucessivos que sentimos através da
memória e postulamos/supomos um Eu a partir dessa sucessão de impressões (percepções
fortes e nítidas). De resto, a própria noção abstracta de identidade é uma pura ilusão: apenas
associamos os vários estados anteriores e o actual e afirmamos que o EU que agora experencia
esses pensamentos foi o mesmo que nos lembramos que pensou outras ideias completamente
diferentes e talvez contraditórias.
A NATUREZA HUMANA EM HUME: Teoria das paixões: Embora Hume fale de muitas emoções
diferentes (orgulho/humildade, amor/ódio, benevolência/cólera, compaixão, maldade/inveja,
respeito/desprezo, etc.) todas essas paixões são consideradas em termos do prazer/dor que
dão ao sujeito. Esse prazer pode ser:
Pegando em apenas os dois primeiros pares de paixões de que ele trata: o orgulho/humildade
e o amor/ódio. Todas as paixões têm uma causa – uma impressão ou uma ideia, aquilo que
causa prazer ou dor. No orgulho há, contudo, dois elementos: a causa do prazer ou da dor e o
objecto desse prazer ou dor, que é o EU. Assim, uma casa magnífica causam-nos prazer e esse
prazer é como que colocado no EU. Da mesma maneira, se me considerar inteligente terei
prazer com isso e sentirei orgulho. Se não tiver poder sofrerei dor com isso: há prazer e dor
que são associados a mim, àquilo que eu chamaria o EU OBJECTO. Hume não o diz, mas é
como se o prazer fosse sentido no EU SUJEITO como puro prazer e que fosse depois associado
ao EU OBJECTO: EU SUJEITO sinto prazer, esse prazer passa a ser associado ao MIM-OBJECTO e
EU-SUJEITO orgulho-me de MIM-OBJECTO.
O mesmo processo ocorre com o amor e o ódio, mas neste caso o objecto é outra pessoa. Se
sentir prazer e o associar a outra pessoa, sentirei amor; se sentir dor, sentirei ódio.
Prazer
Amor Orgulho
Objecto Objecto
Outro Eu
Ódio Humildade
Dor
A moralidade vem das paixões porque queremos que gostem de nós. Somos, portanto,
influenciados e influenciamos as mentes uns dos outros. Esta é a base da socialidade, mas há
ainda outra: queremos ser amados e não odiados, sobretudo pelas pessoas que achamos mais
importantes Por isso tentamos fazer o bem aos outros e não o mal. Hume acha até que
gostamos naturalmente de gostar dos outros e que é isso que nos faz procurar que os outros
gostem de nós. Como queremos gostar dos outros e que os outros gostem de nós, estaríamos
prontos para a vida social; mas além disso temos vantagem egoísta em sermos cooperativos, já
que ganhamos com isso.
Esta visão da ética é minimalista (detalhista?): os grandes princípios do bem e do mal são
vistos como consequência do desejo de afecto.
É importante também compreender que o naturalismo de Hume, por mais empirista que seja
(tudo vem das sensações) não exclui o inatismo: é o conhecimento (sobre as coisas) que é
adquirido, não propriamente a razão. E quer a causalidade quer a tendência para agrupar uma
colecção de sensações associadas na ideia de uma coisa (como no EU) quer ainda as emoções,
seriam actualmente classificados como tendo base inata.
De modo que Hume é empirista mas, ao mesmo tempo, inatista. É uma posição muito próxima
de Kant. A diferença, como veremos, é que Hume pensa que a natureza humana se deve
compreender a partir da observação e Kant acha que isso é insuficiente, como veremos mais à
frente.
Kant: Kant aparece como reacção a Hume. Hume afirma, como já vimos, o empirismo: o
conhecimento vem-nos dos sentidos (da experiência) e é explicável a partir da “psicologia”.
Assim, o problema o problema do conhecimento seria psicológico e poder-se-ia estudá-lo
empiricamente.
Kant NÃO PODE CONCORDAR TOTALMENTE COM ESTA IDEIA. O conhecimento vem dos
sentidos, sim, mas ANTES de chegar aos sentidos existem estruturas que determinam que tipo
de conhecimento é possível (é como se perguntasse: “O que é isso de ‘haver experiência’??”).
Kant não tinha palavra para a ideia de “estrutura psicológica anterior ao conhecimento” por
isso chama-lhe sempre “metafísica”. Este conhecimento da estrutura psicológica chamamos
actualmente “psicologia”, mas no tempo de Kant, “psicologia” queria dizer “estudo da
consciência”, isto é, o resultado dos processos que Kant dizia serem PRÉVIOS à consciência.
Este processos “PRÉVIOS ao conhecimento” seriam os a priori (que significa “antes”), a que
actualmente chamaríamos estrutura cognitiva da mente. Estes a priori são condições da
experiência e não determinados por ela (INATAS). Determinam a sensibilidade (parte da mente
que lida com o mundo sensível/dos sentidos) e a razão (o pensamento puro).
Esta ideia do conhecimento a priori vai contra a noção ingénua de que os conteúdos da mente
são cópias, ou reflexos, da realidade e sugere que o processo de conhecimento é uma
construção complexa, feita segundo regras universais. Para ele, a metafísica é imprescindível
porque permite explicar os a priori que são condição de qualquer forma de conhecimento.
A proposta de Kant:
Hume diz que todo o conhecimento nos vem dos sentidos e não há qualquer metafísica
possível; é suficiente conhecer as leis pelas quais se rege a formação de ideias (a associação).
Kant defende que não é assim: quer a razão quer a sensibilidade têm regras a priori que não
são apenas a associação: a associação é um processo mental, logo estudável pela física da
mente (a descrição da consciência) e Katn defende que não se compreende essa física da
mente sem uma metafísica que explique a sua ORIGEM. Para fundar esta opinião, Kant
investiga se existe a priori sintéticos. Vejamos o que isso significa.
Kant pretende saber se a razão gera conhecimento novo ou se o conhecimento nos vem da
experiência (Distinção entre sintético [gera conhecimento novo] e analítico [não gera
conhecimento novo]: se eu disser “esta mesa é de madeira” estou a fazer uma afirmação
sintética: sintetizo duas coisas diferentes, mesa e madeira; como há mesas que não são de
madeira e há coisas que são de madeira e que não são mesas, a afirmação contém
conhecimento novo. Se eu disser “há mesas que são secretárias” estou a fazer uma afirmação
analítica: do grupo de todos os tipos de mesa possíveis, algumas são secretárias; mas como, no
grupo das mesas, já está incluído o subgrupo das secretárias e não há ecretárias que não
sejam mesas, a proposição é analítica, dado que a afirmação de que algumas mesas são
scretárias pode ser deduzida da própria constituição do grupo das mesas.)
Se for verdade o segundo caso (da experiência), a metafísica deixa de ter sentido, como Hume
pretendia. Metafísica é a disciplina que se ocupa das coisas que não são físicas, que não são
naturais (físico = tudo o que podemos compreender a partir dos sentidos, incluindo os nossos
conteúdos mentais).
Será possível que a razão pura a priori consiga fazer juízos sintéticos, os que geram
conhecimento novo? SIM. Na matemática o juízo de que (4+1)=(3+2) é verdadeiro ou falso
geraria conhecimento novo independentemente da experiência. Que isto é verdade pode-se
compreender recordando a fórmula (a+b)=(c+d) é válida para quaisquer números naturais que
se possam pensar, mesmo aqueles que nunca foram concretamente considerados por
nenhuma mente. A matemática assentaria, assim, em juízos a priori sintéticos: o que
demonstra que a razão pura pode gerar conhecimento novo!
Esta discussão sobre se existem ou não juízos a priori sintéticos não tem importância para a
história da psicologia. O que é relevante é a afirmação de que a física e a matemática são
obtidas a partir da razão pura e que todas as outras ciências são provenientes do exercício da
razão pura sobre os dados empíricos (adquiridos da experiência). Esta conclusão foi inovadora
no sentido de vincar a necessidade de compreender em que é que a mente influencia a
apreensão da realidade exterior. Veremos porquê.
Kant defende que os nossos sentidos só são possíveis porque toda a experiência consiste na
imposição de dois a priori aos dados provenientes do exterior: o tempo e o espaço (o tempo
integra os acontecimentos e o espaço permite que consideremos objectos, substâncias, etc.).
Assim se formam conceitos que a razão vai depois analisar e relacionar de acordo com os a
priori da razão pura – ou seja, toda a realidade conhecida, seja pela percepção seja pela razão
que trabalha os dados da percepção, é um produto combinado das operações da mente e da
realidade exterior. Segundo Kant, nós interpretamos a nossa experiência com base nos a priori
dos sentidos e do entendimento e nenhuma actividade humana escapa a essa regra.
A conclusão mais importante de Kant para a psic. Moderna é que para sabermos como o
conhecimento tem lugar temos de compreender que a mente impõe as suas regras Àquilo que
é conhecido. Seria, então, esta a função da metafísica: não especular sobre as coisas mas
compreender, pela razão, como o entendimento é determinado por regras. Essas regras são
quer da razão pura quer da sensibilidade (espaço e tempo).
Kant perguntava-se como pode o mundo físico ser conhecido, isto é, quais são as condições
necessárias para que haja experiência de representação – experiência mental. Ele raciocina
então como um engenheiro que pretende replicar as funções de um mecanismo que não pode
examinar de perto, ou como um relojoeiro que tenta replicar o movimento dos ponteiros sem
poder ver o maquinismo do relógio; é a isto que se chama “método transcendental”, e
corresponde exactamente ao que se chama, actualmente, “funcionalismo” e que está na base
da maior parte das ciências modernas (há uma replicação da função e não se estuda a
estrutura; é por isso que os psicólogos cognitivistas se separam dos neuropsicólogos: os
cognitivistas estudam processos, os neuropsicólogos estudam os mecanismos que
implementam esses processos).
NÃO É POR INTROSPECÇÃO que Kant procura o esclarecimento das regras que possibilitam o
conhecimento, pois acha que não se consegue descrever com rigor a mente porque não se
pode medir, porque não se podem distinguir bem os conteúdos de representação mental e
porque a simples observação afecta o objecto de estudo. Assim, Kant não descreve a mente:
trata de encontrar, por raciocínio funcional, que operações da mente são necessárias para que
haja conhecimento. Isto é exactamente igual ao que faz actualmente a Psicologia cognitiva.
Faculdades Cognitivas
IGUAL
(retirado da aula) Entre o “EU SUJEITO” e o objecto que o mesmo observa, existem conotações
(desejo, apreciação, etc.). Se o sujeito eu não olhar para o objecto, deixa de existir estas
conotações, mas o eu não deixa de existir!
A psicologia funda-se, no final do séc. XIX e inícios do séc. XX, na Alemanha, em pelo menos
três versões diferentes:
– A de Wundt, que apresenta ele próprio duas versões
– A de Freud
– E a da Psicologia Gestalt.
Pouco depois desta fundação da psicologia na Alemanha, funda-se nos Estados Unidos outra
psicologia dita “da adaptação” que vai cedo dar ao condutismo (behaviorismo?).
Na Alemanha, durante o “século das universidades” (=séc. XIX), que era o principal centro de
irradiação da psicologia académica, as universidades pretendiam produzir ciência. A ciência
podia fundar-se em dois modelos/correntes: o das ciências naturais (lidam com a matéria) e o
das ciências do espírito (lidam com a actividade mental).
Capítulo 8:
Mueller: nós vemos as coisas não porque elas são visuais, mas porque são transformações
visuais. A realidade verdadeira não tem nada a ver com a nossa experiência menta, porque
nós a transformamos. O mundo não tem qualquer característica que nós pomos nele, mas
podemos estudar a transdução -> que explica essa transformação! Mueller apoia as ideias
de Kant.
Intensidade
Fechner compreendeu a sua relevância para o estudo da mente. Propôs algumas outras
formas de medir a sensação que conseguiram convencer a comunidade científica de que a
relação entre o corpo e a alma era mensurável.
Esta demonstração era crucial, dado que Kant declarara que a mente era impossível de medir.
Fechner mostrou que essa afirmação era errada. A disciplina criada por Fechner chamou-se
Psicofísica, isto é, a disciplina que estuda as relações entre as medidas físicas e as medidas
psicológicas. Ainda hoje os seus métodos têm uma grande importância na psicologia dos
sentidos. Segundo Boring, Fechner formulou uma lei matemática que relaciona os mundos
físico e psicológico e, assim, fundou a psicologia experimental.
Wundt
As psicologias de Wundt: Contudo, esse mérito dado a Fechner pela parte de Boring é
geralmente atribuído a Wundt. Foi dele que veio o principal impulso para estudar
experimentalmente a mente e a consciência. Wundt fundou, portanto, a Psicologia
Experimental, mas foi claro ao afirmar que o método experimental era insuficiente, pois as
actividades humanas superiores eram condicionadas por características da cultura em que o
indivíduo se encontrava. Esta separação, que domina toda a vida intelectual alemã (a distinção
entre as Ciências da Natureza [lidam com a matéria] e as Ciências do Espírito [lidam com a
actividade mental]).
As bases intelectuais de Wundt: As suas ideias evoluíram ao longo do tempo mas podem ser
apresentadas com alguma clareza. Houve uma passagem progressiva da crença de que a
Fisiologia poderia explicar os processos mentais para guardar da Fisiologia apenas a
metodologia (relembrar que ele mais tarde admitiu que o método experimental era
insuficiente para o estudo da mente, sendo que esta era condicionada não apenas por
características fisiológicas, mas também culturais/ambientais).
Wundt desde o início que não aceitou totalmente a versão naturalista (das ciências naturais).
Mesmo nos seus primeiros textos, onde está ainda bastante próximo das formulações
fisiológicas, mostra o seu desejo de compreender os processos mentais na origem da vida
mental superior (religião, mito, linguagem, etc.). Assim, podemos dizer que a Psicologia de
Wundt assentava nos dois campos, da natureza e do espírito, onde o mesmo esperava
desenvolver conceitos e explicar o próprio Homem.
Posição Filosófica de Wundt: Wundt era um filósofo que privilegiou a psicologia, mas fê-lo por
razões filosóficas, não apenas porque se interessou pela questão da mente. Wundt posiciona-
se no debate entre as ciências naturais e as do espírito.
Para Wundt, não haveria distinção entre os fenómenos do mundo físico e os fenómenos
mentais. A influência de Fechner é crucial neste ponto, dado que ele mostrou precisamente
que a física e a psicologia são duas linguagens, diferentes mas relacionadas, para descrever o
mesmo fenómeno (esta ideia é mais antiga: vem de Espinosa). Este monismo (monismo
porque a realidade é a mesma e diferem apenas as linguagens) é diferente do dos
materialistas (Helmholtz, por ex.): a redução ao fisiológico não é a explicação porque os
fenómenos mentais e os fenómenos físicos são duas maneiras de representar a mesma coisa,
de modo que não basta explicar tudo na linguagem dos fenómenos físicos, como pretendem
os materialistas.
– Paralelismo psico-físico
Já vimos que Wundt defende a ideia de que as ciências naturais fazem abstracção das
propriedades subjectivas das nossas representações (como ocorre desde Galileu). Porém,
pode-se fazer o processo de abstracção contrário e estudar apenas essas propriedades
subjectivas. Assim, a física e a psicologia partiriam do mesmo fenómeno (da representação
mental das coisas). A física faria abstracção da parte psicológica, e a psicologia concentrar-se-ia
nessa parte. Esta ideia é importante porque demarca a psicologia da posição do materialismo
reducionista: é possível explicar fisicamente a mente. Há, assim, uma causalidade física e uma
causalidade psicológica, ambas abstracções a partir dos mesmos fenómenos mas
independentes.
– Elementos da consciência
Wundt costumava defender que o estudo da mente implica o estudo das suas partes mais
pequenas e indivisíveis. Mas não acreditava que a nossa experiência das coisas e de nós fosse
elementar/decomponível. Ele afirma claramente que a experiência é UNA mas acredita que a
explicação é analítica: tal como as ciências físicas decompõem a matéria em princípios mais
básicos, a psicologia deve procurar os elementos que estão por detrás da consciência.
Ao tomar esta decisão, Wundt segue a posição de Hume: existem sensações elementares que
se combinam e seria necessário, através da análise psicológica, pôr em evidência que
sensações elementares são essas. Estes elementos base, para Wundt, não são apenas as
sensações mas também aquilo que ele chama “os sentimentos” (tensão-distensão, prazer-
desprazer, excitação-calma) e a ideia de vontade, isto é, a polarização da vida consciente como
esforço de análise e síntese mentais. Estes elementos mentais combinam-se por associação,
tal como em Hume, mas essa associação é inconsciente: não teríamos consciência dos
elementos mas apenas dos resultados da combinação entre eles. E como Wundt propôs
chegar a esses elementos? (em baixo).
A combinação dos elementos seria de dois tipos:
Combinação passiva: associação não dirigida (por ex., a associação de palavras sem um
pensamento dirigente) e tão pouco típica que representava o pensamento dos
doentes mentais (aluno de Wundt identificou a doença a que chamou esquizofrenia e
caracterizou-a precisamente em termos de inexistência de combinação activa);
Combinação activa: há uma análise e síntese das várias partes daquilo que está na
nossa consciência (+ típica).
Haveria um foco e uma periferia da consciência, e para que pudesse haver esta
Percepção: aquilo que eu
análise e síntese era necessário que as coisas fossem trazidas para o foco. Aquilo vejo inconscientemente;
que está no foco da consciência seria apercepcionado (termo utilizado também
por Kant), ou seja, haveria consciência clara e nítida do que é conhecido; aquilo Apercepção: Aquilo que
eu vejo com atenção
que está na periferia é apreendido e não haveria consciência nítida (por exemplo,
(conscientemente). Há um
uma pessoa que esteja a ler um livro com atenção, ela está a apercepcionar as centro de atenção.
frases que está a ler e, ao mesmo tempo, a apreender o tipo de letra e a textura
do papel: tem consciência das frases mas não da letra e do papel). É, portanto, a apercepção, a
actividade de análise e síntese que ocorre no foco da consciência.
A apercepção é sempre orientada por um esforço (não é passiva, mas activa), mas não há um
agente invisível que dirige a atenção, mas sim sensações subjectivas que acompanham a
apercepção: o esforço, a orientação e a concentração de nós perante o problema a resolver e
está na origem da ideia do EU (próximo tópico). Assim, as actividades que definem a
apercepção (uma associação activa) são a análise, a síntese e a orientação para uma finalidade.
Declínio das grandes teorias: A etologia e a psicologia genética são as últimas grandes teorias
europeias sobre a Psicologia; ambas são de raiz biológica, mas uma para a identificação de
estruturas matemáticas compatíveis com o comportamento e a outra aponta para o
significado evolutivo e para as funções do comportamento. Ambas começaram a influenciar
cada vez menos a investigação, pois, por um lado, a Europa foi progressivamente perdendo
terreno na investigação, e, por outro, as universidades americanas começaram a ganhar poder
financeiro.
Trabalhar nos EUA era fundamentalmente diferente de trabalhar na Europa. Na Europa, um
investigador deveria ser um pensador. Nos EUA acreditava-se na produção e nos resultados de
investigação.
Nos EUA os resultados são medidos pelo número de publicações que se tem e pelo prestígio
das revistas em que se publica. E para se publicar numa revista prestigiada é necessário que o
trabalho não vá contra as expectativas dos editores e revisores que são produto da mesma
escola de investigação. Assim, acaba por haver uma tendência para a uniformização dos
trabalhos.
Assim, assistimos a uma transformação dos professores universitários: passam de autores
críticos a operários de uma linha de produção em que vale quem mais produz.
A Europa ao ficar fragilizada e destruída após a 2ª Guerra Mundial, a Psicologia moderna
passou a ser liderada por aquilo que se fazia nos Estados Unidos, até aos dias de hoje. A
psicologia que é feita actualmente nas nossas universidades segue modelos americanos: as
revistas lidas e onde interessa publicar são as americanas, as teorias e os autores referidos são
americanos, os problemas são americanos e até a terminologia que os psicólogos usam é
americana.
A Tradição Teórica vinda da Europa foi abandonada, e foi aplicada uma Mudança Prática ->
Psic. Aplicada -> Psicologia da 3ª pessoa (afasta-se do valor introspectivo da 1ª pessoa).
Era um pensador profundo e analisou criticamente as várias posições do seu ponto. A sua
psicologia justapõe/une fisiologia e introspecção, como no wundtismo, mas com resultados
muitos diferentes.
A sua ideia metodológica central era de que os métodos da Física não podem ser usados para
estudar a mente. De facto, a Física interessa-se por coisas que estão foras de nós e
observáveis; enquanto que a mente é evanescente, sempre em transformação, e impossível de
observar independentemente do observador.
Metodologia: O método de James é empírico: tenta analisar e descrever o que sentiu da
maneira mais clara possível. A sua obra tem um carácter muito empírico, mas grande parte
baseia-se na introspecção e descreve sensações mentais. A apresentação das observações não
obedece a critérios teóricos precisos, mas apenas aos temas que James encontrou serem
importantes. É verdade que a elaboração teórica de conjunto não existe, mas James queria
que a sua contribuição fosse puramente fenomenológica. Neste sentido, a sua obra é a única
da Psicologia moderna a tentar realmente descrever o que se sente na mente. Os temas
relevantes são: os sentidos, o hábito, o fluxo de consciência, o Eu, a atenção, a concepção
mental, a discriminação, a associação, a percepção do tempo, a memória, a imaginação, a
percepção do espaço, o pensamento, a emoção, a vontade. Há, ainda capítulos mais teóricos
sobre o sistema nervoso, sobre a origem da consciência (na qual James considera o
movimento), o instinto, a percepção e outros temas importantes no tempo de James.
Anti-elementarismo: James defendia que a mente devia ser estudada não em termos de
elementos, que ele pensava serem apenas conceitos derivados teoricamente e não entidades
reais. À ideia de que os elementos da mente existiam e podiam ser descritos chamava-lhe a
falácia dos psicólogos.
Segundo James havia não elementos (sensações) mas um fluxo de consciência que deveria ser
estudado introspectivamente para se lhe compreender a razão de ser (a mente é composta
por este fluxo). Esse fluxo de consciência tinha de ser explicado por referência à função: não
faria sentido a evolução de uma coisa tão complexa como a consciência se não tivesse
utilidade (argumento muito importante de James, que os psicólogos condutistas subsequentes
ele se esqueceram!). A função da consciência seria poder escolher os vários aspectos a que se
dá atenção (aquilo a que se dá atenção é, quase por definição, consciente); estaria, portanto, a
relacionada com o livre-arbítrio e a vontade. Por exemplo, uma pessoa que esteja a ler um
livro, há muitos mais conteúdos de consciência que lhe vêem à mente, e pode ser necessário
um esforço de vontade da sua parte para continuar concentrado no que está a ler e não na dor
que sente nas costas, nas comichões no cabelo ou nos passarinhos a cantar. As escolhas são
importantes porque o pensamento depende da selecção e valorização de certos aspectos da
consciência. Quer dizer, a consciência serviria para escolher entre várias coisas que nos
ocorrem à mente: a escolha tem de se fazer entre conteúdos da consciência, e essa escolha
implica um Eu.
James expõe, com muita precisão, aquilo que se sente durante o processo. Quando pensamos,
temos um tema, um objecto de pensamento – por ex., queremos recordar um nome que não
nos ocorre – e tentamos dar soluções várias. O que ocorre, segundo James, é que o problema
gera uma espécie de halo (círculo luminoso) que ilumina as várias soluções em que pensamos.
Essas várias soluções são rejeitadas ou aceites consoante são congruentes/coerentes com o
problema ou não. Esse halo seria um princípio de congruência (=coerência) na mente. Assim,
admitindo que falamos duas línguas, quando estamos a falar numa delas não nos ocorrem
palavras de uma outra: é como se a actividade gerasse o seu campo de congruências, e
ninguém dirá que “the garrafa de água está on top of the mesa”; da mesma maneira, se
estivermos a pensar num determinado tema (por exemplo, gelados), os pensamentos
congruentes asseguram que a nossa concentração se mantenha no tema: não passamos de
gelados para canetas ou camas.
O Eu e o Mim/Meu: O centro de toda esta actividade consciente seria o Eu, um dos principais
conceitos de James. Esse Eu é o ponto central de mim próprio. James chega à distinção de Eu-
sujeito e Eu-objecto, a que ele chama a distinção entre o Eu e o Mim (I & Me). Segundo James:
Exemplo: Vemos um leão a correr para nós; fugimos porque temos medo, ou temos medo
porque fugimos?
James achava que a consciência, ao tomar nota das nossas reacções comportamentais e
vegetativas, compreendia o que estava a ocorrer, e tinha então medo, ou seja, temos medo
porque fugimos; a consciência seria informada das reacções do corpo que determinam o
comportamento, e não são, elas próprias, determinantes do comportamento. A experiência
subjectiva corrente é a contrária. A ideia de que a consciência é determinada pelos estados do
corpo e que não é determinante desses estados, foi muito influente nos EUA. Pode-se lhe
chamar “periferismo” – determinação da experiência central pelos processos que lhe são
periféricos. A ideia não é verdadeira nem falsa, na medida em que ocorrem influências nos
dois sentidos, mas a Psicologia norte-americana enfatizou sempre a determinação externa da
mente (behaviorismo?), e nesse sentido a ideia foi influente.
O Hábito: Era uma forma de a cultura nos dominar e enformar, determinando os nossos juízos
de bem e de mal, de correcto e incorrecto e de maneiras de fazer as coisas. Ou seja, a
aprendizagem era vista como raiz da fixidez comportamental.
Impacto de James: Em vários aspectos, a influência de James foi muito menor do que
geralmente se pretende.
De onde vem então a importância de William James? As suas ideias pouco foram seguidas, mas
não deixa de ser verdade que afirmou a importância da Psicologia americana e deu aos
psicólogos confiança para seguir caminho.
Notas tiradas na aula teórica:
― Thorndike (lei do efeito): A noção de mente para estudar as crianças e os
animais não serve para nada. Basta estudar o efeito que o ambiente tem no
animal e vice-versa, de modo a prever a mudança comportamental.
Gestalt: ideia de uma coisa qualquer tem, no seu todo, propriedades impossívels de identificar
nas partes. Neste sentido “Gestalt” significa “propriedades de conjunto”.
Percursores:
Wundt foi um filósofo muito influente, quer na filosofia, quer na Gestalt opõe-se à
psicologia. A sua psicologia parecia viável e era, em geral, aceite. transformação e
Contudo, como já vimos, houve críticas e é delas que emerge,
que o mundo é
progressivamente, o movimento Gestalt.
elementar e pode
Ehrenfels: A primeira crítica do elementarismo wundtiano vem de ser sintetizado
Ehrenfels. O argumento de Ehrenfels era o seguinte: (posição de Wundt).
Independentemente dos elementos, há qualidades de conjunto que Há leis de conjunto.
são sentidas na apreciação desses conjuntos. Essas qualidades são de Gestaltistas: Como é
vários tipos. Imaginemos a qualidade de aspereza: encontra-se em que são os
superfícies, em sons (aquilo a que chamamos sons rascantes) e nos
elementos que
caracteres das pessoas. Uma outra característica seria «nítido».
Podemos dizer isso de uma percepção, do discurso de uma pessoa, de fazem o todo, sendo
um som, de uma pintura, de uma ideia. Da mesma maneira, há que os elementos
pessoas, melodias, quadros e até estilos «angulosos» ou «macios». são todos
diferentes? Não há
síntese de
Köhler dá um exemplo interessante destas qualidades. Considerem-se elementos, mas sim
duas palavras, Maluma e Takete. Das figuras em baixo, qual nome
uma experiência
corresponde a qual figura?
total.
Curiosidade: E porque acontece
isto? Para desenharmos a figura 1
precisamos de mais energia do que
para desenharmos a figura 2
(desenhar cantos gasta mais energia
do que desenhar curvas). O mesmo
acontece com as sílabas “ta” e “ma”:
gastamos mais energia a dizer a
primeira.
A maioria das pessoas respondem que Takete é a 1ª figura (angulosa) e Maluma é a 2ª figura
(curvilínea). Haveria então uma qualidade de «angularidade», de «pico» na palavra takete e de
«macieza» em maluma. É a isto que Ehrenfels chamou as qualidades de conjunto (o exemplo,
e as imagens, são da autoria de W. Köhler).
Assim haveria, além dos elementos, uma qualidade da forma total. Ehrenfels dizia que uma
melodia soa como a mesma melodia ainda que seja transposta. Imaginemos a mesma melodia
cantada por uma rapariga e por um homem, a rapariga mais depressa e o homem mais
devagar: os sons serão todos diferentes, mas a melodia é a mesma. Assim, não reconhecemos
um todo a partir da síntese dos elementos, mas a partir de propriedades do próprio todo .
Carl Stumpf: Wundt se opôs Carl Stumpf, pois este mostrou, a partir de uma formação
musical completa, a insustentabilidade da posição de Wundt. A nossa percepção de uma
melodia não depende da percepção dos elementos mas da sua disposição geral, a que se
poderia chamar forma de conjunto.
Também defendia o estudo da consciência tal como se nos apresenta, isto é, seria inútil e
enganador procurar elementos. A esta posição chamou-se fenomenologia.
Stumpf influenciou directamente o movimento da Gestalt ao enfatizar a artificialidade de
procurar elementos na consciência, consciência essa que se nos apresenta como sintética e
não composta de partes. De resto, um dos mais influentes autores gestaltistas, Köhler,
sucedeu a Stumpf como Professor de Psicologia na Universidade de Berlim.
O primeiro autor que se pode considerar gestaltista é Max Wertheimer. Foi o mais influente
dos gestaltistas, embora tenha sido Wolfgang Köhler a ocupar o cargo mais importante –
como já disse, foi o de sucessor de Stumpf na Universidade de Berlin. Kurt Kofka e, em menor
grau, Kurt Lewin são os outros dois gestaltistas mais conhecidos.
Vários gestaltistas eram judeus, e durante o regime nazista, emigraram para os Estados
Unidos. Köhler chegou à posição eminente de presidente da associação americana de
psicologia (a famosa APA). Nem a cultura americana podia aceitar a complexidade da teoria
Gestalt nem o modo de relacionamento americano aceitou facilmente o estilo teutónico de
Köhler (demasiado marcial e quase abertamente desprezador da cultura intelectual
americana). Nesse meio, a teoria Gestalt desapareceu.
Quando vemos uma forma achamos que há, fora do organismo, uma fonte de energia
(luz) que activa as células nervosas do olho. Essas células nervosas respondem e
transmitem a informação para o sistema nervoso central. Assim que chega ao órgão
periférico receptor (o olho) a luz é transformada, e a transformação continua depois
no cérebro. Essas transformações dão lugar a um processo fisiológico que geram a
experiência consciente de uma forma que se localiza no espaço.
Partimos do objecto (o que está «fora do sujeito») para chegar ao sujeito da experiência; no
processo há transformação. A maneira como essa transformação se faz seria o objecto de
estudo da Psicologia:
Podemos formular essas regras de transformação em termos de a priori, como fazia
Kant;
Como associação, como fazia Hume;
Como estrutura do sistema nervoso, como faziam os fisiologistas;
Como modelo hipotético de organização interna, como fazem os psicólogos e os
etólogos.
Mas, em todos estes casos, o modelo de pensamento é o mesmo. Acredita-se que a potencial
informação do ambiente é constrangida e modificada pelos mecanismos neurais e processos
psicológicos que dão lugar à consciência e ao comportamento. O processo seria, então,
semelhante ao de uma máquina que transforma a informação presente no mundo e a torna
consciente ou gera comportamento.
A posição da teoria Gestalt é completamente diferente. Recordo que o virar do séc. XIX para o
XX foi a época em que houve uma maior resistência à aplicação do modelo da máquina - os
críticos do mecanicismo defendiam que a analogia da máquina não se aplicava ao
comportamento e à mente. Para compreender esta recusa das máquinas temos de
compreender que as máquinas do final do séc. XIX eram diferentes das máquinas do nosso
tempo. Acreditava-se nessa altura que a natureza, deixada a si própria, produzia o caos porque
as forças, sem serem limitadas, entrariam em destruição e perderiam a organização. A ideia
era que as forças, se não fossem cuidadosamente canalizadas para um objectivo específico,
levariam à destruição de qualquer função existente. Em todos estes casos a ideia é a da
transformação das forças livres num resultado especificado pela estrutura da máquina. É
também esta a ideia que todos partilhamos sobre a psicologia: o estudo das regras de
transformação. Mas não é esta a posição da teoria Gestalt . Na verdade é precisamente contra
esta concepção que ela se levanta.
O movimento Gestalt critica a ideia de que a mente deve ser explicada em termos das
construções que o sistema nervoso coloca à informação proveniente do ambiente. Em vez de
se considerar que a energia, quando libertada, se traduz em caos e destruição (aquilo a que se
chama, na Física, entropia), os gestaltistas sugerem que as próprias forças da natureza são
organizadas – tratava-se da teoria dos Campos de Forças de Max Planck. Esta ideia pode ser
explicada com um exemplo que todos compreenderemos: se se colocar limalha de ferro sobre
um papel e se magnetizar, por meio de um íman, essa limalha, veremos que ela se estrutura de
maneira a formar um conjunto organizado: faz uma espécie de múltipla ferradura em torno
dos dois pólos do íman.
De modo que a Gestalt afirma que se deve compreender a mente e o comportamento não
em termos da metáfora da máquina que transforma a informação do meio em consciência e
em comportamento, mas em termos da relação auto-organizada que a mente estabelece
directamente com o ambiente. Para compreender esta ideia é observar que desde o
condutismo, a psicologia foi profundamente marcada pela ideia de que devemos estudar o
comportamento e não a mente. Por isso, quando um psicólogo define o objecto da Psicologia,
tem tendência a dizer que é o comportamento. Mas a quase ninguém ocorreria, antes do
condutismo, reduzir a mente humana ao comportamento. De modo que os gestaltistas, como
todos os psicólogos anteriores à revolução condutista, queriam estudar a mente (recordemos:
psique=alma=mente).
Para Wundt, a única maneira segura de estudar os elementos de consciência seria utilizar o
método fisiológico que consiste em isolar partes do mundo e verificar quais são os elementos
da consciência (cores, cheiros, sentimentos). A Gestalt vem opor-se a esta posição. Era contra
a ideia de que a realidade psicológica fosse composta de elementos; contra a ideia de
associação mental como origem do significado das coisas; contra a ideia de que todo o
processo neural implicaria uma modificação profunda dos dados do mundo real; contra a
utilização dos métodos da fisiologia; e contra a ideia da auto-observação provocada à maneira
da fisiologia.
Os exemplos originais de Wertheimer são do tipo que apresento na linha que segue:
... ... ... ... ... ... serão vistos como: (...) (...) (...) (...), e não como (..)(. )(..)(. ). Ou seja, nunca se
vêem os elementos mas apenas os conjuntos definidos por esses elementos. Contudo, é
sempre possível, com esforço, ver os agrupamentos inabituais.
As regras de organização da psicologia Gestalt são várias. Todas elas implicam que a mente
impõe ao mundo físico uma estrutura que os elementos não têm intrinsecamente . Já disse que
tendemos a percepcionar figuras sobre um fundo. Por exemplo, se, de noite, olharmos para o
céu, veremos estrelas sobre um fundo escuro, e não uma tela escura furada em vários pontos
e muito menos pontos de luz isolados. As figuras que se vêm são compostas de vários
elementos que são percepcionados como grupos de estrelas – constelações. Da mesma
maneira as linhas de diferentes cores, brilhos ou texturas que compõem um tecido sãos vistas
como «padrões». Em todos os casos há formação de padrões, não apenas elementos isolados.
Esses grupos, ou padrões, são formados de acordo com três princípios:
A proximidade, que significa que os elementos próximos tendem a ser agrupados (é
por isso que, quando se escreve, se deixa espaços entre as palavras emve zd es
eescrev eras sim, ousimplesmenteassim).
A semelhança, que faz que elementos semelhantes tendam a ser agrupados (por
exemplo, se salpicarmos um tecido de padrão com gotas de água, veremos o padrão
formado pelas gotas de água como diferente do padrão formado pelas fibras do
tecido);
A continuidade, que faz que vários pontos dispostos segundo uma recta, uma curva,
uma parábola, etc., sejam vistos como representando não apenas pontos mas como
uma recta, uma curva ou uma parábola; é também por isso que este texto aparece
como organizado em linhas.
(não queria perder muito tempo aqui, por isso parti logo para o resumo das ideias de
Gestalt. Caso não entenda algum dos pontos ditos em baixo, retomo a leitura)
― O eu como pólo de um campo de forças – O Eu, para a teoria Gestalt, é um dos pólos
do campo de forças – o pólo do sujeito. Contudo, o Eu nunca é teorizado como um
mecanismo director do processo mental (como sucede em Freud e, em certa medida,
com o sujeito – autor do esforço de apercepção – em Wundt). A teoria Gestalt, em si,
parece não ter lugar para o Eu. Como o que se pretende é compreender como a mente
detecta os campos de forças, os conjuntos, existentes fora dela, e como a explicação
são as estruturas de conjunto que existem quer na mente quer no ambiente, a teoria
Gestalt é, de todas as teorias da mente, a menos dependente do Eu e do
«homúnculo»: a experiência subjectiva é sempre explicada na terceira pessoa apesar
de haver descrição introspectiva. Tinha de ser assim, porque uma das principais
analogias da Gestalt é a física do campo que, naturalmente, não tem sujeito de
conhecimento, homúnculo, ou actor.
O Eu passa, portanto, a ser apenas o pólo sujeito de um campo de forças,
como na teoria de Lewin: há vectores entre o ambiente e o organismo que convergem
num ponto de decisão e a esse ponto chama-se Eu - é apenas isto. É uma teoria da
mente feita em termos dos processos de pensamento que os físicos como Max Plank
usam para descrever a relação entre coisas.
Os verdadeiros fundadores foram o biólogo estoniano Jakob von Uexküll e o ornitólogo Oskar
Heinroth. As ideias destes dois autores convergiram no trabalho de Konrad Lorenz, que, num
artigo muito célebre desenvolveu uma teoria fascinante do comportamento, com ênfase na
parte instintiva, mas com a possibilidade de ser desenvolvido no sentido humano. A Lorenz
juntou-se depois Nikolaas Tinbergen e os dois formaram um campo teórico e empírico coeso e
convincente.
Origem da Etologia: Em biologia, cada espécie tem uma anatomia única. Porém, Heinroth, um
ornitólogo de campo, notou que o comportamento também permitia que se identificassem
espécies: em condições naturais, com pouca visibilidade (sobretudo nos dias sombrios, em que
não se percebem as cores), é por vezes mais fácil identificar uma espécie pelos seus
movimentos do que pela sua aparência morfológica. Heinroth decidiu então fundar uma
disciplina, a que chamou Etologia (Ethologia, se se escrevesse etimologicamente) em que
pretendia listar/catalogar os vários elementos comportamentais de algumas espécies,
nomeadamente, dos anatídeos (patos e gansos). Nesses trabalhos, identificavam-se os
comportamentos, a sua função e a sua integração na sequência geral de comportamento . Por
exemplo, identificavam-se os comportamentos de acasalamento em termos daquilo que cada
sexo fazia e como o outro sexo respondia. Este procedimento tem, evidentemente,
semelhança com a anátomo-fisiologia: grupos de elementos que se integram num todo
funcional. É esta afirmação de que os padrões motores de uma espécie são fixos, da mesma
maneira que a sua anatomia, que funda o «estudo do comportamento instintivo».
O seu argumento principal era de que os animais não são máquinas passivas e cegas, mas
sujeitos de acção:
O ciclo funcional
Uexküll não concordou com a Teoria dos reflexos, que dizia que todo o nosso comportamento
consiste em reflexos. Mas esta ideia está errada… Eu estou neste momento a escrever no meu
portátil por reflexo? NÃO! Uexküll não nega que existem reflexos, mas defende a existência de
uma ligação entre o ambiente e o organismo. Essa ligação é feita através da percepção e
comportamento (ciclo funcional). Para caracterizar um organismo é necessário ver a ligação
que ele tem com o ambiente através do tal ciclo funcional. Assim, um organismo é composto,
em vez de um reflexo, por vários ciclos funcionais entre o ambiente e o organismo.
O que isto significa, na linguagem de Uexküll, é que, na vida da carraça, aquilo a que se chama
reflexos tem de se compreender como elementos de um plano que pode ser descrito em
termos de pontos e de contrapontos. Um ponto é um receptor de significado, localizado no
animal que estamos a estudar; e um contraponto é o emissor de significado, localizado no
ambiente. Assim, o animal seria um sujeito que interpretaria o organismo de acordo com os
ciclos de pontos e contrapontos inscritos na sua fisiologia e no ambiente em que esse animal
vive.
Haveria assim, uma série de ciclos de percepção-acção, em que um ponto corresponde a uma
percepção, o contraponto corresponde àquilo que estimula essa percepção. É necessário
compreender que o sujeito animal, tal como o sujeito humano, não recolhe do ambiente toda
a informação disponível: faz uma interpretação desse ambiente: filtra certos aspectos e reage-
lhes
com comportamentos específicos que lidam com determinado sector do ambiente (o ácido
butírico faz a carraça cair e aterrar talvez num mamífero). Este sistema é compreensível se
aceitarmos que cada par de pontos-contrapontos é descritível como um ciclo funcional
consistindo:
No isolamento perceptivo de uma parte do ambiente;
E numa resposta motora dirigida a esse ambiente: não um arco reflexo mas uma
unidade funcional que permite atribuir significado (quer dizer, executar uma função)
sobre o ambiente.
Cada organismo tem vários ciclos funcionais, e cada um desses ciclos funcionais encontra-se
relacionado com os outros de maneira a dar a cada animal um programa de adaptação ao
ambiente que o faz sobreviver. Só nesse contexto cada reflexo pode ser compreendido. A
investigação «biológica», em oposição à «fisiológica», deveria, segundo Uexküll, descrever os
ciclos funcionais e a forma como eles se integram num plano comportamental de interacção
entre o organismo e o meio e, depois disso e com menor importância, proceder ao estudo da
fisiologia subjacente aos ciclos funcionais e à sua organização.
ETOLOGIA E PSICOLOGIA
A Etologia não é uma psicologia, pelo menos não o é no sentido mentalista do termo. Contudo,
permite acesso às representações do mundo possuídas pelos animais. Como vimos, Uexküll:
― Defendia a necessidade de explicar quais os mundos próprios, quer dizer, quais os
estímulos a que o animal era sensível e como reagia a esses estímulos. Esta forma é,
parece-me, a única maneira não antropomórfica de tratar da questão da psicologia
animal.
― Compreendeu também que a teoria dos mundos próprios se poderia aplicar à nossa
espécie. Assim, cada um de nós vê as coisas de um prisma diferente: num exemplo
simples, a cara da nossa mãe tem significados diferentes para nós e para todos os
outros. Provavelmente, o mesmo se pode dizer de qualquer representação que
façamos.
O paradigma etológico permitia, pois, sem grande dificuldade, progredir para uma
psicologia das representações, em que se tentaria compreender a contribuição de a
priori em sentido kantiano (quais os determinantes da qualidade da nossa
experiência), da influência cultural (cada cultura vê o mundo de maneira diferente) e
de uma psicologia da experiência (como é que cada um vê o mundo).
Actualmente fica mal dizer-se bem da Psicanálise. Passou-se de um período em que era
proibido dizer mal para outro em que quase apenas se pode dizer pior. Em nenhum caso se
pode, contudo, ignorar a importância da teoria freudiana. Mais do que qualquer outro
pensador no campo das ciências humanas, Freud influenciou a visão do homem que se
desenvolveu no séc. XX, tendo uma extraordinária coragem: escreveu, sem medo, o que
pensava e afirmou o inafirmável no seu tempo. É, sem qualquer dúvida, uma personagem
absolutamente excepcional.
Sigmund Freud
Relações Objectais:
Freud baseou todo o mecanismo da vida mental em relações objectais: as minhas emoções em
relação a outras pessoas. Para ele, uma perturbação emocional tinha sempre que ver com o
que o paciente sentia por outras pessoas ou pensava que essas pessoas sentiam.
Assim, as motivações na teoria freudiana são todas objectais e a interpretação de todos os
conteúdos da vida mental são representados em termos relacionais – este ponto é importante
mas redutor, pois existem emoções e motivações que não têm que ver com aquilo que se
sente pelos outros.
Esta interpretação de tudo em termos de sentimentos INTERpessoais parece ter sido uma
característica única de Freud: um pesadelo implicava medo de alguém e não apenas medo.
Inconsciente e Repressão:
Mais tarde, desenvolveu a interpretação dos sonhos que eram directamente provenientes de
processos não-conscientes. Contudo, mesmo nesses casos, a censura não se encontraria
ausente, de modo que seria necessária uma hermenêutica/interpretação do sonho que
traduzisse os seus símbolos e significados ocultos. O Sonho, tal como o sintoma neurótico, é a
consequência da repressão sexual e funcionaria como um escape aos processos de censura
que o EU introduz.
Mais tarde foi mostrado que o Ego era influenciado por modelos exteriores que não se
compreendiam nem em termos de Eros nem de Thanatos. Esta reflexão levou Freud a elaborar
uma segunda tópica, isto é, um esquema das instâncias psíquicas/das entidades que
participam no dinamismo psíquico, que se sobrepõe à tópica anterior (inconsciente, pré-
consciente, consciente) e muito diferente da oposição entre princípios do prazer e da
realidade.
As instâncias do psiquismo seriam três:
― O Ego: É a parte mais consciente do Id. É o campo de acção dos elementos
conscientes e pré-conscientes (i.e., que podem facilmente voltar ao campo da
consciência) e que atingem o comportamento de forma mais ou menos
acessível ao sujeito. É no Ego que se faz a gestão dos outros determinantes da
vida psíquica e do comportamento.
― O Superego: Corresponde à cristalização dos interditos e obrigações sociais
impostos pelos pais e que determinam o que é permitido, proibido e
desejável;
― O Id: Constituído pelos impulsos profundos, de Eros e Thanatos. Seria esta
zona mais profunda do inconsciente, e cujos ecos chegariam mais alterados à
consciência. Estes impulsos poderiam ser sublimados, isto é, transformados de
forma socialmente aceite e útil: por ex., um indivíduo com pulsões de
destruição poderia sublimar essas pulsões tornando-se cirurgião e Eros
poderia sublimar-se na criatividade intelectual ou artística.
Freud e a Civilização:
Freud acreditava que Eros e Thanatos poderiam ser sublimados. Freud defendia que a
abstinência sexual poderia canalizar a energia para, por ex., a criatividade intelectual. Tal como
o sexo, o instinto de morte poderia ser canalizado para uma actividade construtiva (por
exemplo, o cirurgião sublimaria os seus instintos destruidores na mesa de operações). MAS,
esse processo pagar-se-ia caro: o desejo profundo dos indivíduos seria a obtenção do prazer
imediato e não a sua sublimação, que se acompanharia de sintomas neuróticos ou de
sofrimento. Como a civilização só é possível pela repressão desses instintos primários, andaria
de mãos dadas com a neurose. Este tema foi muito importante, pois há aqui uma reflexão
fundamental em torno do mais grave dos problemas humanos: a oposição entre egocentrismo
primário e o espírito de cooperação requerido pelas culturas humanas.
Apesar da moda actual ser desacreditar Freud de todas as maneiras, ele deve ser avaliado
como um autor do seu tempo, independentemente do seu carácter, e apenas pelo que
escreveu. São essas as críticas que o professor lhe dirige: pensa que foi um pensador pouco
rigoroso, pouco lógico, indisciplinado e sem capacidade de compreender que os outros têm
mentes diferentes das dele. As críticas feitas em termos de questões pessoais são “pequenices
e ruído”.
“como Jung compreendeu, estava muito longe de ser o intelectual racional que pretendia ser:
era um emotivo, obcecado em impor (…) a sua opinião e promover a sua própria glória: na
correspondência privada descreve-se como um «conquistador».”
“(…) sempre que Freud se sentia desapossado do que achava ser da sua autoria reagia com
extrema intensidade: zangado com as críticas de Breuer depois do livro que publicaram em
conjunto, Freud cortou relações com ele. Ora Breuer foi um pai para Freud, protegendo-o,
estimulando-o e apoiando-o financeiramente. Quando, muito mais tarde, o velho Breuer, que
se arrastava por Viena ao braço da filha, encontrou, por acaso, Freud numa rua, abriu os
braços para o abraçar perdoando tudo. Freud fingiu que não o viu e afastou-se sem dizer
palavra. Só depois da morte de Breuer Freud se mostrou apaziguado: escreveu um obituário
amável. Foi igualmente vingativo e mal-intencionado com Adler, Jung, Rank e Ferenczi e com
outros antigos amigos assim que discordavam da ortodoxia psicanalítica (Freud sentia as
discórdias como ataques pessoais).”
“Sempre que alguém discordava dele, Freud diagnosticava doença mental no seu opositor
(ocorreu com todos os seus antigos discípulos que vieram a discordar: todos sofreriam de
paranóia). Viveu para si e para a sua glória. O facto é que o conseguiu.”
Conclusão:
A psicanálise era uma teoria do homem integral (bio-psico-social). Solicitava motivações
biológicas e regras sociais, onde a pessoa estava dividida pela luta constante entre pressões
biológicas e papéis sociais interiorizados. O professor concorda com esta visão, acha-a
profunda e verdadeira. Parece-lhe que esse conflito originou a maior parte dos problemas de
adaptação das pessoas “não doentes” ao seu ambiente e tem de ser. Este conflito, segundo o
professor, é fundamental para fazer compreender às pessoas o que elas são: o objectivo de
qualquer psicologia. MAS a psicanálise baseou-se num método imperfeito e em pressupostos
teóricos impossíveis de avaliar e tornou-se, desse modo, invulnerável a qualquer
reformulação. A psicanálise, como teoria, está, talvez, quase toda errada. Mas tinha um
objecto de estudo importante, o de explicar o porquê do comportamento e dos conflitos
mentais. Ao ser abandonada a teoria foi abandonado também esse objecto de estudo e criou-
se um vazio. A especialização, a desconfiança das teorias, a própria dúvida sobre o conceito de
mente invisível têm bloqueado o preenchimento desse vazio. Assim, os métodos e os
conceitos explicativos da psicanálise devam ser evitados. Mas devemos compreender que para
nós sabermos de nós próprios (objecto de estudo) devemos ter uma teoria nova e mais sólida.
Esta concepção do comportamento vem da fisiologia dos reflexos. Nessa teoria, defende-se a
ideia de que o comportamento é decomponível em pequenas reacções independentes cada
uma das quais desencadeada por um estímulo específico do ambiente. Relembrar o que foi
dito em cima na Etologia - Uexküll disse que esta afirmação não é verdadeira pois o
comportamento co-varia, i.e., há conjuntos de estímulos ligados a conjuntos de respostas
(grupos motivacionais), e, para além disso, também diz que os animais estão longe de ser
passivos (seres cegos) e procuram activamente a estimulação congruente com o seu estado
motivacional.
Na P.A., que foi muito influenciada pela teoria dos reflexos e muito pouco pela Etologia,
pretende-se também isolar o processo (as unidades comportamentais) que se quer estudar: a
modificação adaptativa do comportamento ou, no termo mais usado, a aprendizagem. Para
isso isolou tarefas que achava que colocariam em evidência o processo de aprendizagem –
labirintos, condicionamentos clássico e instrumental e a caixa de Skinner. Assim, há definição
de uma tarefa que se presume evidenciar um processo mas não há a garantia de que essa
tarefa seja válida, i.e., que evidencie o processo que se quer estudar. Uma consequência deste
tipo de procedimento é que nunca se estuda o “animal natural”, mas apenas partes do seu
comportamento.
Assim, embora todas as escolas condutistas mais influentes não fossem elementaristas, i.e.,
consideram o comportamento global e não respostas isoladas como factor da adaptação, a
aprendizagem é ainda estudada em termos de S-R, de tal forma que determinado estímulo
passa a desencadear determinada resposta, pressupondo-se que houve uma associação S-R
(Watson) ou pressupondo-se essa ideia (Skinner) sem a afirmar por não se observar a relação
interna. Esta formulação S-R não influenciou o cognitivismo. Mas deu origem a uma outra
formulação, ainda dentro do condutismo, que tem quase todas as características do
cognitivismo e que se pode considerar antepassada dele.
Há áreas da P.A. que definiram o processo S-R de maneira menos rigorosa do que o
condutismo radical. Nomeadamente, Hull e Tolman defenderam uma posição em que o
organismo tem algumas propriedades:
Hull disse que o organismo faria associações não tradutíveis no comportamento,
ligações entre estímulos internos e respostas internas. Assim, quando se apresentasse
ao animal um estímulo, esse estímulo activaria um processo interno, concebido como
associações S-R encobertas. O comportamento de um animal seria então formulável
como S-(r-s-r-...-s)-R.
Tolman defendeu que os animais faziam mapas cognitivos internos, aprendizagens de
locais que eram definidas como mapas do ambiente.
Estes dois autores são teóricos S-O-R, em que O está por organismo interno (Estímulo –
Organismo – Resposta). Nesse organismo interno existem mapas de associações inferidas da
conduta exibida pelo animal na tarefa que lhe foi imposta.
Neste modelo (S-O-R-) continua-se a pensar que é o estímulo inicial que determina todo o
processo de comportamento, MAS admite-se que há, dentro do organismo, processos que
medeiam a relação S-R (Hull) e a estruturação do conhecimento sobre o meio (Tolman).
Este modelo é igual aos cognitivistas. Não é expresso em termos cognitivos mas usa variáveis
internas exactamente da mesma maneira que o cognitivismo actual.
O modelo S-O-R é até hoje uma das bases conceptuais do cognitivismo, podendo-se, assim,
afirmar que há uma continuidade evidente entre os dois movimentos: o cognitivismo nasceu
do condutismo quando se abandonou a proibição do uso de variáveis com nomes mentalistas
(termos cognitivos). O método de pensamento é exactamente o mesmo: uma tarefa implica a
apresentação de um problema (situação de estímulo) e inferem-se os processos (variáveis
internas) responsáveis pela resposta.
O estudo da mente
A palavra “cognição” é muito antiga, mas o seu uso na psicologia experimental é mais recente.
Década de 50 do séc. XX: Existia um descontentamento com o condutismo cada vez maior.
Afinal, “psicologia” significa “conhecimento da mente” e o condutismo mais ou menos proibia
a referência a conceitos mentais (por isso é que se considera que o condutismo é anti-
mentalista).
1960: George Miller e Jerome Bruner, formaram nos EUA um centro de investigação que
queria romper com as barreiras conceptuais do condutismo. Para caracterizar a actividade do
centro, os seus fundadores pensaram em “psicologia mental”, mas o termo parecia
completamente redundante; para o evitar ocorreu-lhes os termos “psicologia no sentido
habitual” e “psicologia popular” (“commonsense psychology” e “folk psychology”) mas ambas
pareciam remeter para áreas já existentes (etnologia, psicologia wundtiana). Ficou então
cognição. É essa a origem do uso da palavra que veio a gerar o movimento cognitivista.
No início apenas havia a ideia de que se queria estudar “coisas mentais”. Esse centro fez muita
investigação sobre memória, atenção, percepção – as categorias psicológicas do senso comum.
George Miller foi, em 1969, nomeado presidente da Associação Americana de Psicologia (APA)
e foi-lhe dado um título importante pela sua contribuição para a Psicologia – o cognitivismo
estava aceite.
Outro contributo muito importante é o de Ulrich Neisser que estudou com Miller e com
Wolfgang Köhler e foi influenciado pela psicologia Gestalt.
Em Cognitive Psychology (em 1967), Neisser defendeu que a psicologia voltasse a
considerar os processos de transformação que dão origem à experiência sensorial e
permitem pensar. O título do livro confirmou definitivamente a perspectiva
experimental não condutista: “psicologia cognitiva”, como ainda hoje é conhecida a
área.
Nove anos mais tarde Neisser, em Reality and Cognition (1976), acusou a prática da
psicologia cognitiva como redutora, demasiado centrada na experimentação e
criticava a ausência de descrição de situações reais.
O autor que deu nome à psicologia cognitiva foi um dos primeiros críticos não condutistas da
orientação que ela tomou.
O cognitivismo pretendia uma libertação das restrições do condutismo embora fosse levado a
cabo em contextos experimentais muito semelhantes aos dos dos condutistas (mas com
sujeitos humanos e não predominantemente ratos e pombos). Não era um movimento teórico
mas uma manifestação da curiosidade sobre a mente.
A teoria cognitivista
Por mais implícita que seja uma teoria, sem ela existir não se podem fazer perguntas e
portanto não há investigação. O cognitivismo, apesar de ter inícios predominantemente
ateóricos, assenta numa convenção sobre o que são processos mentais e sobre como fazer as
perguntas sobre processos mentais. É sobre essas convenções que tratarei a seguir.
Teoria das faculdades
O primeiro elemento teórico do cognitivismo é uma espécie de um mapa da mente: a ideia (de
Miller) da mente do senso comum: trata-se de considerar que a mente tem faculdades
(recordo que o conceito de faculdades da mente tem origem em Aristóteles e foi muito
explorado pelos autores medievais).
Como vimos, a ideia dos condutistas era explicar o comportamento sem qualquer referência à
mente, conceito suspeito de metafísica. Já o cognitivismo é diferente: quer estudar a mente e
não o comportamento.
Não há uma teoria explícita da mente no cognitivismo. Parte-se de uma teoria geral, de senso
comum, das faculdades psicológicas. Esta teoria de senso comum é a que se traduz na
linguagem quotidiana e que revela que todos partilhamos uma concepção da mente. Nessa
concepção a actividade mental pode ser descrita em termos de funções parcialmente
independentes: atenção (“dá atenção!”); percepção (“viste/ouviste/ sentiste isto?”); memória
(“tens boa memória?”); pensamento (“tenho de pensar nisso»); linguagem (“tem dezoito
meses mas fala já bastante bem”).
A definição destas faculdades foi sempre bastante vaga, mas a psicologia cognitiva parte delas
como base teórica dos processos mentais que vai investigar.
Estas encontram-se nas tarefas experimentais que põem os sujeitos em situações que parecem
implicar uma dessas funções (por exemplo, recordar palavras implica memória, escolher um
estímulo entre vários parece implicar atenção, discriminar entre dois estímulos implica
percepção, etc.). Interpreta-se, finalmente, os resultados sem fugir ao uso de conceitos
mentalistas e procura-se caracterizar a faculdade que procurámos estudar (no exemplo, a
memória, que pode ser formulada em subconceitos como memória a curto e longo prazo,
memórias semânticas, auto-biográficas, implícitas, e entre outras).
Metáfora do computador
Miller interessava-se pelas semelhanças entre o processamento mental e o dos computadores.
A ideia é de que se deve considerar os processos de ganho de informação independentemente
do suporte: um computador ou uma pessoa seriam objectos de estudo igualmente válidos.
Em ambos os casos há input de informação, compute (processamento) do programa e output
de um resultado. A semelhança, ainda que superficial, permitia utilizar uma linguagem formal
como metáfora dos processos mentais. O programa de investigação baseava-se, então, na
ideia de que os programas informáticos e os programas mentais podiam ter semelhanças.
Cognição e emoção?
Uma pergunta que se pode fazer é se uma variável interna (como já vimos em cima, = variável
cognitiva) pode incluir a emoção?
Podemos observar que na lista das faculdades cognitivas, apresentada em cima, não se conta
as emoções e isso só mostra tarefas emocionais não têm sido examinadas.
A psicologia cognitiva seria apenas o estudo das variáveis internas (psicológicas, não
fisiológicas) que influenciam uma tarefa. Contudo, é verdade que o cognitivismo tem estudado
apenas tarefas “cognitivas” – as faculdades – e tem posto de lado os factores emocionais. Só
actualmente é que a psicologia cognitiva começou a compreender que a separação não é
justificada.
E qual a razão desta separação “razão/emoção”? No início desta cadeira, pudemos concluir
que, desde Platão, há uma tentativa de se conseguir pensar as coisas racionalmente sem
influência dos apetites e paixões, porque só assim é que se conheceria o verdadeiro
conhecimento. A razão é o instrumento dos filósofos que, por isso, evitam cair na emoção.
Mas se é verdade que para pensarmos de forma objectiva é necessário o afastamento da
emoção, não há nenhuma justificação para que não se estude, racional e objectivamente, os
processos emocionais como geradores de significado e explicadores do comportamento
humano.
Já vimos que não existe uma teoria formal da psicologia cognitiva, mas apenas uma tendência
para se estudar faculdades “racionais” (e não “emocionais”) e para se formularem as hipóteses
em termos de processamento de informação. Contudo, esta formulação é tão geral que não
pode definir uma disciplina.
Assim, é necessário ir um pouco mais longe e compreender a maneira como os problemas são
colocados, maneira essa que traz consigo uma afirmação teórica muito forte mas também não
explicitada: a afirmação de que o modelo SOR permite compreender a cognição.
Já vimos que os condutistas Hull e Tolman consideravam que o modelo S-R não era suficiente
para explicar o comportamento de ratos em labirintos. Era necessário considerar as operações
internas que não se viam (“O”). Essas operações eram, todas elas, formuladas como
associações. Conhece-se estes teóricos pela sigla S-O-R. Os cognitivistas usam esse mesmo
modelo teórico.
Em parte, o modelo SOR foi assumido por causa da necessidade de rigor imposta pelos
condutistas: os cognitivistas lutaram, experiência a experiência, com os condutistas para
justificar a necessidade de variáveis mentais para explicar o comportamento. Foram, portanto,
necessariamente adversários do rigor condutista. Mas por outro lado há um elemento de
continuidade entre o condutismo e o cognitivismo. Trata-se da mesma formulação S-R básica,
mas sem a proibição de referir as variáveis intermédias como mentais.
Nesse sentido, o autor histórico de que a Psicologia cognitiva é mais próxima é Kant: tal como
os cognitivistas, também ele queria estabelecer, na terceira pessoa, as condições necessárias
ao conhecimento; tal como os cognitivistas, também ele propunha uma resposta em termos
de regras predominantemente formais (os a priori). A semelhança não deve, contudo, ser
valorizada demais, porque os cognitivistas não se costumam interessar por categorias a priori
que enformam o que é possível pensar. Mas Steven Pinker, em The Stuff of Thought, chega a
uma formulação explicitamente próxima da kantiana. Trata-se, pois, de perspectivas com
alguma semelhança formal.