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1º Capítulo: O que é o mental? O que é a mente?

– Nem todas as culturas têm a categoria “mente”, que aparece no ocidente, com Platão.
É algo que aparece tardiamente nas culturas.
– O que é universal é a noção de alma. Existe em todas as culturas.
– A experiência do mental – 2 maneiras de ver a mente:

Em nós: Nos outros:

Consciência permanente de nós como agentes/reagentes (ou seja, de estarmos vivos); Nós não vemos corpos,
vemos mentes através da
Centros do mundo – o centro do nosso mundo somos nós; interacção social –
O que define a consciência de existir são as acções por desejo, as intenções, os interagimos com a mente dos
conhecimentos, as conotações (sempre que olhamos para alguma coisa, valorizamos a outros. O que é necessário
mente – qualificamos sempre tudo o que vemos), os desejos, os estados de carência, para observarmos a
etc.; existência de uma mente?
Um corpo a movimentar-se
Abstracção da subjectividade: o EU fenomenal – existência de um eu que experiência de forma autónoma e
fenómenos. Ou seja, o EU está em interacção constantemente, não está em nós. orientada.

Critério para sabermos que temos mente: Eu penso, Critério para sabermos que os outros têm mente: Os outros
logo existo. são corpos animados – têm vida, nós inferimos intenções
nos outros.

– Reino do mental

Nós pensamos sempre que os outros estão a ver ou a ler o que nós estamos a ver ou a ler.

Almas imortais: não conseguimos imaginar o nosso corpo imortal – é impossível imaginarmo-
nos só como corpo, mas sim como mente!

– A mente primitiva

Alma – ânimo. Psyche – sopro (representa estarmos vivos).

– Dificuldades de teorizar a mente

Não conseguimos lembrar-nos das emoções, só daquilo que provocou essa emoção.

– Podemos ver que a mente é algo concreto. O facto de conseguirmos apontar para algo
concreto, já estamos a mostrar que a nossa mente é algo concreto. A mente é aquilo
que nos ajuda a apontar algo como concreto.
– Mente é o reflexo das minhas relações no ambiente.”
A mente é concreta e invisível

A mente, ao não constituir matéria palpável, é, naturalmente, tida como invisível,


tornando-se, por isso mesmo, por tantas vezes difícil a sua caracterização universal.
Porém, somos facilmente levados a acreditar que tudo o que é invisível é
inevitavelmente abstracto, o que não sucede na temática em questão. A mente
constitui algo intrínseco ao nosso “eu” e a todo o nosso mundo envolvente: será aquilo
que nos dota de uma automática consciência relativa à nossa existência, desejos,
sentimentos e próprios pensamentos, fazendo de nós os verdadeiros agentes das
nossas próprias condutas; A natureza concreta da mente não se reduz, por outro lado,
apenas ao indivíduo e à consciência que desta ele tem, encontrando-se também
reflectida nos comportamentos observados de terceiros e em tudo aquilo com que os
mesmos interagem.

Todos nós podemos pensar que tudo o que é concreto é visível, e que tudo o que é abstracto é
invisível (por exemplo, ouvimos os passarinhos a cantar e conseguimos imaginar a imagem dos
mesmos a cantarem). Porém, o que é concreto também pode ser invisível. Por exemplo, o
sentimento que transferimos para os objectos: o anel da minha avó tem alguma coisa dela. É
uma presença invisível mas concreta: se eu perder esse anel não posso atribuir esse mesmo
sentimento a um outro anel igual. Há aqui uma transmissão concreta mas invisível do
sentimento da minha mente para uma “coisa” com a qual eu interajo. Tal como o anel, a
mente também é invisível e concreta. O que me diz que ela é concreta? Ela é sentida, vivida. A
consciência que eu tenho que existo é tão forte quanto a consciência que eu tenho dos
passarinhos que cantam lá fora.

Atribuição de estados mentais a corpos animados e orientados

O ser humano tende facilmente a atribuir estados mentais a tudo o que demonstre ser
animado e como tendo um movimento autónomo orientado. Deste modo, se
partirmos da premissa de que estes corpos são agentes, que tal como nós têm
determinadas intenções, objectivos, teremos então de assumir que essas mesmas se
devem à mente, pois tudo aquilo que é apenas “corpo” (sem mente) não privilegia
estados autónomos activos.

Nós atribuímos estados mentais a corpos animados e orientados graças ao seu movimento
autónomo, independente de factores externos e relacionado com o ambiente em que ele se
insere, nós conseguimos lê-lo como intencional e faz-nos pensar que parece ter mente.

Porque é que o oculto se chama parapsicologia?

À parapsicologia encontra-se reservada o estudo de fenómenos tidos como


inexplicáveis, inerentes à mente humana, indo, tal como sugerido pelo próprio nome
da disciplina, “para além da psicologia”. Posto isto, é seguro afirmar que o ocultismo
poderá ser interpretado de igual maneira: do mesmo modo como ocorre na
parapsicologia, também no ocultismo se regista uma tentativa de atribuir uma
explicação ou intenção a tudo aquilo que ultrapasse os limites da nossa própria
existência e imaginação, podendo para isso tais justificações acabarem baseadas em
argumentos que nos deixem aquém de qualquer carácter científico e,
consequentemente, de qualquer veracidade.
Assim sucede com o exemplo da crença na existência de espíritos, ou almas
que vagueiam a terra após a sua morte corporal. Ora, ao ocorrerem acontecimentos
para a qual a formulação de explicação dificulta-se, tentaremos corresponder a esse
fenómeno um agente responsável de natureza invisível, caindo na tendência de
considerar que no domínio do mental tudo é possível.

Capítulo 3: A mente nos gregos

Porque é que se afirma que a evolução do pensamento pré-socrático chega,


paradoxalmente, à descoberta da subjectividade?

Os pré-socráticos (os físicos) quando tentaram explicar a natureza (queriam saber do que era
feito o mundo) centraram-se no visível, externo, material e concreto. E, por terem sido criadas
diferentes teorias e diferentes visões sobre o mundo físico, chegou-se à conclusão que a natureza podia
ser interpretada de várias formas e acaba por ser subjectiva: a falibilidade dos sentidos leva ao
relativismo subjectivo. Ou seja, a verdade não está nos sentidos… Então há verdade? E como podemos
chegar à mesma? Foi isto que originou o SOFISMO.

A criação de conceitos sobre a mente em Platão e em Aristóteles difere pelo menos num
ponto essencial: as ideias inatas. Explique a diferença e integre na resposta os conceitos de
«processo» e «resultado». 

– Ideias inatas em Platão: Aquilo que era inato eram as reminiscências de verdades que
correspondiam às recordações da essência do real e que nos permitiam, através da razão,
desligarmo-nos dos dados fornecidos pelos sentidos, que apenas eram aparências, e ligar-nos à
verdade do real. Para Platão, não é através da contemplação do exterior que se descobre a
verdade (ou seja, com os sentidos), mas sim do interior. A verdade era intrínseca e não
extrínseca.
– Ideias inatas em Aristóteles: Aquilo que era inato eram as estruturas mentais, que possuímos à
priori, que nos permitem ter a capacidade de desencadear os processos para chegar ao
resultado (“resultado” = “essência”). O resultado (ou a verdade) não nos é inato, mas sim os
processos que nos fazem chegar a ele. Ou seja, a alma possui uma “máquina” inata que nos
ajuda a chegar à essência (ou verdade). As ideias inatas aparecem apenas como potências para
serem trabalhadas por essa “máquina”.

Tanto Platão, quanto Aristóteles apresentaram almas tripartidas. Relacione, se for possível,
cada uma das três partes de cada autor entre si e com a noção primitiva de alma.

Noção Primitiva Noção de Platão Noção de Aristóteles

• Psyche era o hálito, o • Epithumetikan são os • Alma Vegetativa


princípio de animação do apetites corporais, que se
corpo. situam no ventre.
Flora

Fauna

Homem

Pergunta 4

Diferença entre a alma imortal entre Platão e Aristóteles e relação da perspectiva de


cada um dos autores com a «alma primitiva» imortal/invisível.

Ideia de alma primitiva: Imortal, eterna, independente do corpo.


― Platão: A alma imortal residira no mundo das ideias e é nessa recordação que possui
as ideias da verdade. Esta só descobre a verdade e a essência através da libertação do
corpo.
― Aristóteles: A alma já era diferente de mente, e essa mente implicava um espaço
virtual (que nos permite pensar sobre o mundo e sobre nós próprios) e uma mente
activa (o “motor” que provoca a actividade mental). A mente activa sim seria imortal
(e inata) e exterior ao homem. Quando o “eu” morre, morrem também os
pensamentos e as recordações (ou reminiscências), mas não aquilo que as tornou
possível independentemente de mim.

Ideia de função em Aristóteles e relacione-a com as causas que ele identifica

Segundo Aristóteles, toda a vida tinha de ter adjacente uma coisa (ou seja, um agente) e uma
finalidade (ou intencionalidade) que esse agente possuía. Logo, em Aristóteles, “função” e “finalidade”
confundem-se visto que a alma tem tanta função como finalidade de entender o mundo através de
estruturas inatas do pensamento.

Síntese:

Noção de “alma” se transferia para “mente” na Grécia. Porquê só na Grécia arcaica?


Começaram a estudar a natureza da física.

2 tradições: Pitagonismo e “Physis” (ou física).

Physis/física: O mundo é feito de matéria. Os físicos queriam saber do que era feito
o mundo. Mas cada físico teve a sua ideia do mundo. Portanto, isto levou Tales a dizer que
o mundo não é como se vê (a verdade não está atrás dos sentidos). Então existe alguma
verdade? SOFISMO → RACIOCÍNIO

SÓCRATES

Caracterizar-se-ia principalmente por um método de interrogar sobre o que era socialmente


estabelecido como verdade ética, e assim chegar à “verdadeira verdade” sobre os motivos do nosso
comportamento e, provavelmente, pela crença da imortalidade da alma.

Contrariamente aos sofistas, Sócrates acreditava que o conhecimento era possível e necessário,
dado que estava em cada um de nós. E esse conhecimento chegava-se-lhe por meio de uma disciplina
retórica e filosófica adequada: ir argumentando e contra-argumentando, até que a verdade verdadeira
surgisse – ou seja, é pelo raciocínio se chega à verdade.

Declarava que a verdade não se atingia através dos sentidos enganadores: uma criança ou um
animal também os possuem e são, contudo, incapazes de chegar à verdade; e mesmo depois de
desaparecida uma sensação, o seu conhecimento perdura, o que mostra que a verdade não está nos
sentidos.

Essa compreensão das verdades verdadeiras era possibilitada pela alma que conhecia
directamente as essências e não as aparências (únicas representações dos sentidos). Essas verdades têm
de ser procuradas no próprio sujeito. A famosa alegoria da caverna explica esta ideia: os homens
passam pelo mundo sem saber o que é a verdade, e apenas os mais sábios, os que praticam a
contemplação na mente, conseguem compreender as essências puras.

PLATÃO

Fundou a nossa maneira de pensar: Os gregos tinham primeiro separado o mundo físico do
sujeito, concentrando-se apenas no primeiro (mundo físico). Platão muda completamente o referencial
– temos de nos focar no sujeito, não no mundo físico, para compreender a verdade.

Há verdades, mas como é que as alcançamos? Onde está a verdade? Se os sentidos


não me dão a verdade, onde a posso ir buscar? Ele diz que a mente vê mal a verdade porque a
alma raciona existiu previamente sem corpo e, quando ligada ao corpo, é alterada . A verdade é,
portanto, exterior e não intrínseca, que as almas eternas é que tinham a verdade absoluta! Isto
é uma PERSPECTIVA IDEALISTA (a verdade veio de almas eternas do além/de fora – contrária à
perspectiva psicológica, que diz que a verdade é intrínseca da nossa mente, ou seja, está
dentro da nossa mente.

Segue um racionalismo idealista: não é na própria mente que a verdade está. Ela está
lá “fora”. A alma é passiva e já possui as ideias inatas.
Para Platão,
a verdade
A alma racional é incorpórea/imaterial/incorporal e é apenas nesse
está aqui.
Utiliza a
estado que tem consciência das ideias puras. Sendo assim, o exercício de Afecta a
encontrar a verdade está em conseguir negar o corpo para existir apenas como
razão. Para isso, é necessário que seja a razão a conduzir o processo, virando a
Para
paião contra os apetites de maneira a garantir o dominínio da parte mais nobre
controlar
os
da alma (essa parte, que corresponde ao eu-sujeito, seria imortal). Assim, mostrou-nos que o sujeito
mental é um palco de um drama – uma luta entre:

A razão (“o racional” nas palavras de Platão: logistikon), localizada na cabeça;

A paixão (thumos), localizada abaixo da garganta;

E os desejos mais básicos provenientes dos apetites (epithumetikon) corporais, localizados no


ventre.

ARISTÓTELES disse:

Que a mente é um conjunto de processos psicológicos que transformam sensações em


mente/verdades – MENTE ACTIVA! A verdade pura está nas nossas mentes activas (apriorismo
inatista).

Se a alma é a forma do corpo então eu tenho de perceber qual a função do corpo:

Só vida: Alma vegetativa (plantas)


Só vida e agência: Alma perceptiva, que deseja (animais)
Vida, agência e pensamento: Alma racional (pessoas)

Nota: As duas primeiras são almas puramente corporais.

Não há ideias inatas, então é tudo aprendido. A mente é uma tábula


rasa, uma folha em branco.

Se fosse tudo aprendido, como é que a mente poderia aprender e


evoluir? A mente aprende e organiza-se.

Todas as coisas são feitas de forma e matéria. A alma é a forma do


organismo. Para percebermos algo precisamos de perceber a sua
forma.

É a mente que possui as verdades! Não existem verdades fora da


mente. A alma é activa e possui uma “máquina” inata que nos ajuda a chegar à
essência/verdade/ideias inatas, que aparecem como potências para serem trabalhadas por
essa máquina. Para exemplificar esta ideia de Aristóteles: O corpo não é o resultado de um
conjunto de células, mas sim da cooperação entre as células.”

Psicologia aristotélica

A alma é a forma primordial de um corpo que possui vida/potência/acto, sendo a essência do


corpo. O intelecto, por sua vez, não se restringe a uma relação específica com o corpo – a sua actividade
vai para além dele.
O organismo, uma vez desenvolvido, recebe a forma que lhe possibilitará a perfeição. Essa
forma é a alma. Ela faz com que os animais cresçam, se reproduzem e se alimentem (alma vegetativa) e
também faz com que eles sintam e se movam (alma sensitiva).

No Homem, a alma, além das suas características vegetativas e sensitivas, possui também a
característica da inteligência, que é capaz de apreender as essências de modo independente da
condição orgânica (alma racional).

Processo de Conhecimento: Aristóteles acreditava que o processo de conhecimento é


conquistado através dos 5 sentidos (já Platão dizia ao contrário: não acreditava que os sentidos nos
podiam levar ao conhecimento pois o ser humano distorce a realidade/aquilo que vê). E aquilo que
captamos através desses 5 sentidos é transformado em imagens mentais (percepções?).

Processo de Aprendizagem: Aristóteles defendia que nós vínhamos ao mundo sem qualquer
conhecimento inato e com uma consciência pronta para adquirir o conhecimento através dos sentidos –
tal como uma folha de papel em branco à espera de ser preenchida.

Capítulo 4: 1ª parte

Onde se situa o “eu”?

Platão: Nós vemos bem as verdades eternas, mas quando a nossa alma está num
corpo, esta vê mal as verdades. A teoria platónica aproxima-se do cristianismo. Porém, o
cristianismo diz que o “eu” integral (alma + corpo) é imortal. Platão diz que apenas a alma o é.

E em Aristóteles? Não se sabe… E para serem


formadas ideias
complexas é
Senso Comum Os 5 sentidos 5 Sentidos Produzem Imagens mentais
necessária a
recebem a e memórias
informação do
senso comum.

Mente
Tem dois estados:

Nous Pathetiko (Acção)

Nous Poetikus (Potência)

Plotino (seguidor de Platão):

Só no final da idade média (séc. XIII) é que a influência de Aristóteles foi mais forte.
Mas porquê? Na idade média o acesso à literatura era raro. Então, como é que foi feita a
grande influência de Platão? Graças ao seguidor de Platão: Plotino.

Pensamento de Plotino:

Existe uma unidade de consciência que possui uma inteligência das formas puras que
origina uma alma que contempla essas formas. Essa alma é una, mas em contacto com a
matéria divide-se em partes e CORROMPE-SE. Então, para o homem se “salvar” deve tentar
superar a sua alma corrompida pelo corpo e atingir a alma una. Isto faz-se através da
contemplação das formas puras, que leva ao abandono do desejo das coisas materiais –
ARGUMENTO PLATÓNICO.

Realmente, podemos ver que Plotino e Platão são muito semelhantes. Porém, diferem
na posição sobre a linguagem. Plotino defendia que a linguagem era um meio imperfeito de
conhecer a verdade.

Santo Agostinho (seguidor de Platão – alma una): Primeiro autor do ocidente a perceber o
que é a mente.

Cepticismo: os cépticos afirmavam que não se pode ver a mente, tal como os olhos
não se vêm a si próprios. Ou seja, não podemos ser sujeito e objecto ao mesmo tempo – não
poderíamos nunca conhecer a nossa mente por observação.

Santo Agostinho refuta essa ideia: a alma está presente a ela própria. Não deve
procurar-se como se estivesse fora de si nem na mente dos outros, que são vistos pelos olhos,
mas dentro de si. Ou seja, temos consciência intrínseca do que é a mente.

A mente, ao estar feita para representar o que lhe é exterior, quando procura
perceber-se a si tem a tentação de se procurar conhecer da mesma maneira que conhece as
coisas exteriores, i.e., através de imagens mentais. Agostinho diz que a mente afasta-se de si
própria quando se fixa nas imagens das coisas exteriores. Então, a mente deve, então,
procurar-se não nas representações das coisas mas em outro lado – a solução de Agostinho é a
seguinte: se a alma se torna consciente de si própria compreenderá que esteve sempre
presente, apesar de afastada de si pela concentração nas coisas exteriores. Isto é, a
alma/mente é a consciência de estar vivo que nos acompanha constantemente em todas as
actividades conscientes. A alma não se consegue pensar como coisa, mas pode compreender
que não é coisa – nem fogo, nem ar, nem este ou aquele corpo. A alma sente a sua própria
presença, que vive, recorda, compreende e quer. Essas funções são imateriais e internas, não
externas como as coisas que vemos ou tocamos, e são a via para conhecer a alma. Isto significa
que a alma tem sempre consciência de existir, está presente em si própria.

Para Agostinho, existem dois tipos de consciência de si:

Quando eu sei que sei uma coisa, tenho consciência de mim:

Já vimos que a alma primitiva une agência, sentimento de existir e


representação. Todos os seres vivos que falam e que podem usar a primeira pessoa
(“Eu-verbo”) têm essa consciência básica de si ou não poderiam nunca dizer que
sabem, sentem, querem alguma coisa.

Pensar sem recurso às coisas que estão à minha volta – fechar os sentidos à
experiência.

Num plano mais elevado, a consciência da mente, de implícita, como no caso


anterior, torna-se explícita. Não só digo “Eu-verbo” como posso saber que existe um
mundo mental, mundo esse que sinto mesmo na ausência de qualquer estimulação
exterior.

Santo Agostinho apresentou, antes de Descartes, o argumento do Cogito (Penso/Sinto,


logo existo). Contra os cépticos, afirmou que a dúvida sobre a existência é impossível porque,
no momento em que duvido, estou vivo, estou a pensar, a compreender, a avaliar, a tentar
resolver a dúvida e sei que estou a duvidar. Assim, não posso duvidar da existência de mim
como sujeito dessas operações mentais. Essas “coisas sem as quais a dúvida não seria possível”
são a MENTE, o EU, o PENSAMENTO que me permite duvidar – ou seja, se duvido, existe um
sujeito, logo existo. A ALMA É, pois, O EU.

Característica da Mente

Segundo Agostinho, como em Platão, existem várias naturezas presentes em nós e que
entram em conflito: estas naturezas diferentes são a RAZÃO e os DESEJOS MATERIAIS, que
entram em conflito uma com os outros – uma teoria do conflito psicológico, muito importante
no cristianismo porque permite compreender o pecado e a salvação (pecado é ceder aos
desejos materiais, salvação é conseguir controlá-los pela razão).

Não distingue almas sensitiva e racional. Os sentidos são a maneira pela qual a alma se
apropria do corpo, a maneira pela qual o corpo é usado como instrumento pela alma. De facto,
os sentidos, considerados do ponto de vista do sujeito, parecem determinados pela nossa
vontade: não é o mundo que chega à mente através dos sentidos, é a mente que vai, pelos
sentidos, buscar o que está no mundo. Para Agostinho, o Homem deve deixar de dirigir o
interesse para fora e passar a dirigi-lo para dentro; ao sentir a mente, sentiria Deus porque
pela alma podemos conceber as ideias eternas de Deus (a verdade). Esta posição, claramente
platónica, é famosa e marcou o cristianismo.

Torna clara a ideia de que eu sou um sujeito de consciência e que sei que existo
porque me sinto. Esta consciência de que eu existo (consciência da mente) é diferente da
mente de Platão (a alma teria partes) porque a consciência da mente não permite detectar-lhe
partes. Há conflito entre várias coisas que queremos, mas a consciência é sempre a mesma e a
mente é UNA. Ele defende, portanto, que o “EU” é sempre o mesmo. Os diferentes estados
mentais é que entram em conflito – é este conflito a natureza da nossa mente. É o mesmo
“eu” que reagiu a um estímulo de diferentes maneiras.

Temístio:

Faz a distinção do “eu” sujeito e o “eu” objecto. Existe dois “eus”: o EU (eu quero, eu
odeio… - “eu” sujeito), e o MIM (aquilo que eu penso que sou – “eu” objecto).

Avicena (alma una ou “partida”?):

O núcleo do ser sou eu. Todo o resto (sentidos) é irrelevante para eu ser/existir.
Psicologia das faculdades do Avicena

Intelecto
Platónica contemplativo e
conhecer os
universais
Alma Racional
Intelecto prático -
maneja/lida com
assuntos quotidianos

Apetites • Evocação (ir buscar ao armazém –


MEMÓRIA): recorda as intuições da
memória;

Alma Sensitiva Sentidos internos ou • Memória: Armazena as intuições das


faculdades estimações.

Aristotélica • Estimação: intuição acerca do


benefício e prejudicial.
Sentidos
• Imaginação humana compositiva –
externos/corporais
imaginação criativa

• Imaginação animal compositiva –


combinação de imagens
Visão, olfacto,
• Imaginação retentiva de imagens –
audição, tacto,
cópia de objectos
Aristotélica paladar
Reprodução • Sentido do comum

Alma Vegetativa Crescimento

Alimentação

Avicena era um filósofo árabe – foram os árabes que mantiveram, durante os períodos
mais sombrios da Idade Média, as tradições de conhecimento herdadas do pensamento grego,
embora com várias modificações.

Apesar de muito influenciado por Aristóteles (a filosofia árabe é aristotélica) há uma


característica diferente em Avicena que usa o argumento cartesiano para defender a
imortalidade da alma. Imagina ele um homem criado no vazio sem nenhuma experiência dos
sentidos externos (sendo fiel a Avicena, criado no ar, caindo no ar sem sentir a resistência do
vento e, presume- -se, a aceleração da queda). Sentirá “a sua essência”? Avicena afirma que
esse homem não terá nenhuma dúvida em afirmá-la, embora não esteja consciente de que
tem corpo (porque não o sente e não o vê). E a sua essência não terá comprimento nem
profundidade nem largura; e se conseguisse imaginar uma mão ou qualquer outra parte do
corpo, não a consideraria parte da sua essência ou de si próprio. Portanto, Avicena conclui que
a alma é imaterial, independente do corpo ou das sensações. Este argumento é próximo do
de Santo Agostinho e igual ao que mais tarde celebraria Descartes – chega até à mesma
conclusão de que a mente não tem «dimensão», uma das conclusões principais de Descartes
(e já para Santo Agostinho a mente era imaterial por razões parecidas). Este traço parece
platónico e não aristotélico. A psicologia de Avicena = desenvolvimento da de Aristóteles +
uma teoria geral fortemente platónica.

A psicologia de Avicena: Avicena tem uma teoria muito complexa das almas/ das
inteligências. Para ele, é o sábio que se salva por conseguir chegar mais perto da inteligência
de Deus (elemento platónico). O conhecimento é, assim, o dever central do homem. Todo o
conhecimento humano tem início nos sentidos, mas é através da capacidade de abstrair, por
imaginação, as formas que se consegue chegar ao conhecimento das coisas (afirmação
puramente aristotélica). É apenas então que se chega a Deus – purificando a alma de maneira
a poder encontrar as formas puras na Inteligência Activa (ou intelecto agente, ou mente
agente – ideia que vem de Aristóteles por intermédio de filósofos helenistas conhecidos pelos
árabes). A maneira de chegar às ideias puras seria a lógica (a lógica de Avicena é um ponto
importantíssimo na sua filosofia: é a linguagem da verdade). A linguagem falada e escrita seria
uma espécie de tradução deformada da lógica; e Avicena defende que as línguas são inter-
redutíveis dado que se baseiam na lógica.

Na tradição árabe, Avicena retoma as distinções aristotélicas da alma. Há uma alma


vegetativa (reprodução, crescimento e nutrição) uma alma sensitiva (com os cinco sentidos
que se reúnem num sentido comum, faculdades mentais e motivações, de que falarei a seguir)
e uma alma racional, dividida em intelecto contemplativo (permite o conhecimento dos
universais) e prático (trata dos problemas do quotidiano). É a elaboração que faz da alma
sensitiva que é mais interessante. Além da combinação dos cinco sentidos (o senso comum) há
a retenção e composição de imagens. A composição de imagens difere nos animais e em nós,
na medida em que na nossa espécie é criativa – podemos imaginar coisas que não existem.
Além disso, há avaliação dessas imagens em termos do benefício ou perigo que têm; esta
faculdade é humana e animal (os lobo procura o carneiro para o caçar e o carneiro foge do
lobo para se manter vivo). Há, na alma sensitiva humana, duas faculdades superiores:
A memória, que armazena essas avaliações sem ser como formas sensíveis (isto é, sem
ser como cópias da percepção, que ocorrem na retenção de imagens descrita acima);
A evocação que permite recuperar essas avaliações despidas de conteúdo sensorial.
Estas faculdades preparam os dados para o exercício da mente racional.

A alma racional é imortal; o argumento do «homem voador» é uma ilustração disso,


mas a discussão inclui a ideia de que a alma não é feita de partes – é una, como um
pensamento é uno no sentido de não ser pensado por várias almas diferentes– e aquilo que é
feito de partes é a matéria, que é perecível.

A alma tem livre arbítrio e é julgada depois da morte. É imortal porque faz parte da luz
de Deus. Dado ser Deus imortal e dado a alma humana ter Deus na sua natureza ( o intelecto
agente é parte da alma, não lhe é exterior como em Aristóteles e trabalha sobre o intelecto
passivo), a sensação de subjectividade, o Eu consciente e conhecedor é imortal. De resto,
Avicena acha que o conhecimento é um dever, porque é do aprimoramento da alma que
depende a nossa imortalidade, porque uma alma que não se cultive deixa de participar de
Deus.

Avicena defendia que a mente consciente, desenvolvida e activa, capaz de


pensamento abstracto, seria imortal. Difere de Aristóteles, que defendia que a mente activa
era um princípio exterior à mente e que todas as experiências do eu desapareciam com a
morte.

Avicena pode ser apresentado como um autor aristotélico-platónico. Veremos que


essa mistura desaparecerá com São Tomás de Aquino.

Averróis (alma una): Defende a unidade do intelecto e mono-psiquismo (a mente é apenas


uma, é uma inteligência separada comum a todas as pessoas).

S. Tomás (seguidor de Aristóteles – alma tripartida):

O seu pensamento (o tomismo) segue Aristóteles de perto mas é mais claro.

O trabalho de S. Tomás é enquadrar Aristóteles na doutrina cristã (tentou conciliar o


ponto de vista aristotélico e cristão). Para isso tenta harmonizá-lo com Santo Agostinho –
tarefa difícil, visto que o pensamento augustiniano é platónico.

Parte de uma ontologia cristã-aristotéluca para deduzir, segundo Aristóteles, as


operações que a mente tem de conseguir fazer.

As ideias de S. Tomás (Pensamento tomista sobre a alma)

Como Aristóteles, S. Tomás defende que a alma e corpo formam uma só substância,
sendo a alma a forma do corpo – o chamado hilemorfismo (tudo é composto de matéria e de
forma, uma das posições centrais de Aristóteles). A matéria pode não ter forma mas não pode
haver forma sem matéria. Aristóteles usou esta ideia para explicar as relações alma-corpo nos
seres vivos e foi seguido por S. Tomás.

O conceito de forma-matéria foi usado para explicar, nos seres vivos, a diferença entre
mente e corpo:

A forma seria aquilo que organiza a matéria do corpo. Aristóteles usa a forma
como equivalente à função: a alma permite que o corpo aja da mesma maneira que o
olho permite a visão. O ser verdadeiro é a combinação alma + corpo; o corpo, por si,
não é nada, mas a alma sem corpo é incompleta. Como já vimos, a alma no sentido de
mente consciente não sobrevive ao corpo (a alma passiva morre com o corpo): o que
sobrevive é a mente ACTIVA (a capacidade de inferir conceitos abstractos).

S. Tomás retoma a ideia aristotélica da alma tripartida. Se as almas são três, como se
pode falar de uma alma? S. Tomás defende que a alma superior, intelectiva, passa a incluir as
funções anteriores, vegetativa e sensitiva. Na verdade, defende mesmo que nos embriões há,
inicialmente, uma alma semelhante à dos animais que é depois substituída pela alma humana.
Mas esta posição levanta um problema – a impossibilidade lógica da imortalidade da alma.

Alma vegetativa: responsável pela alimentação, crescimento e reprodução;


Alma sensitiva: tem as mesmas funções da vegetativa mais as de percepção, acção e
movimento;
Alma intelectiva: tem as funções da vegetativa, da sensitiva e os sentidos internos (as 4
operações ou faculdades) – específica ao Homem.
Como em Aristóteles, os sentidos formam, através do senso comum, imagens –
fantasmas – que podem ser relacionados uns com os outros. A partir daqui S. Tomás recorre às
ideias de Avicena e de Averróis para completar a de Aristóteles. Além dos 5 sentidos externos
que se reúnem no sentido ou senso comum, há sentidos internos. Estes sentidos internos são
bem descritos pelos filósofos árabes – S. Tomás chama a estes sentidos internos de faculdades.

Concepção da mente em S. Tomás de Aquino

• Cognição: Conhecimento dos universais


Alma Racional
• Apetite intelectual: procura de universais

• Concupiscível (que produz ou pode despertar concupiscência - inclinação a


gozar os bens terrestres, particularmente os prazeres sensuais) – procura dos
objectos sensíveis.
• Apetite sensitivo
• Irascível (enraivece com facilidade): afronta obstáculos interpostas para o
objectivo desejado.

• Imaginação: Aprende objectos ausentes.


Alma Sensitiva
• Sentidos internos ou • Memória: conserva a imagem de um objecto.
faculdades • Estimação: Intui o dano e o benefício, ou seja, compreensão da função boa
ou má das coisas.
• Senso comum: integra os sentidos específicos.

• Sentidos exteriores • 5 sentidos

• Alimentação: sustenta o corpo


Alma Vegetativa • Crescimento: procura o tamanho apropriado ao corpo de cada ser.
• Generação: reprodução do corpo.

Podemos observar que existem 4 faculdades ao todo: Imaginação/fantasia, Memória,


Estimação e Senso Comum. E são estas faculdades que trabalho o que nos vem dos 5 sentidos.

E com base neste trabalho dos sentidos interiores (ou faculdades), é possível chegar à
verdade – os universais, ou conceitos que capturam a essência das coisas. É a MENTE
(intelecto, o nous de Aristóteles) mais estas 4 operações que formam a ALMA INTELECTIVA.

A alma intelectiva não é material, mas depende dos 5 sentidos (que são corporais –
dizem respeito à alma sensitiva) para funcionar. É, portanto, a parte imaterial da pessoa
(captura ideias abstractas através dos 5 sentidos).
Dentro desta alma temos:

– Intelecto passivo: reservatório de tudo aquilo que pode ser pensado, nomeadamente
as essências (formas puras) – por exemplo, uma mulher;
– Intelecto agente: elemento activo da inteligência, que analisa, pensa e abstrai, a partir
dos sentidos, as formas puras – por exemplo, uma mulher feia e gorda.

PORÉM, em oposição aos movimentos platónicos, esta alma intelectiva não é a pessoa,
mas sim parte da pessoa/Humano: “A alma não sou eu!” – esta alma morre com o corpo,
porque faz parte deste (como a alma passiva em Aristóteles).

Porque é que a psicologia das faculdades se desenvolveu na tradição aristotélica?

Avicena, apesar das suas diversas nuances (variações ligeiras) platónicas, retoma as
distinções aristotélicas relativas à alma: alma vegetativa, sensitiva e racional, sendo a
penúltima dotada de, para além dos cinco sentidos, “faculdades” auxiliadoras da
preparação dos dados recolhidos para o exercício da mente racional. Porém, distingue-
se claramente de Aristóteles, aproxiamando-se de Platão relativamente a múltiplios
aspectos, como os relativos à morte do “eu”, que Avicena considera imortal, e que
Aristóteles defende claramente o seu carácter fatal.

Distinção fundamental entre a alma platónica (Plotino, Agostinho) e aristotélica (Averróis, S.


Tomás) e concentre-se nos pontos principais da diferença.

A alma platónica e aristotélica começam por diferir pela perspectiva através da qual
foram estudadas:

Platão:

Tomou um rumo de natureza mais empírica, baseando-se na sua experiência pessoal


de “eu”, isto é, centrada na sua vida interior, enquanto que sicológico tendeu a uma
descentralização pessoal e a uma tentativa de divisão categórica do objecto em estudo, no
sentido de analisar as funções do mesmo.

Considera a alma como una, racional, imortal e imaterial, dissociada, portanto, do


corpo, reencarnando após a sua morte; A alma está no sujeito e traduz-se na consciência que
tem de si mesmo, “a mente está presente em mim mesmo”. A alma constitui, assim, o “eu” e é
nesta que reside a verdade: para os platónicos, a alma que anima o corpo é a mesma que a
que pensa e o transcende, e essa é ainda advinda de Deus.

Aristóteles

Torna independentes os conceitos de “consciência” e “alma” e “eu”, sendo que a alma


não sou “eu”, mas sim o princípio agente do qual resulta tudo o que é esse “eu” e que permite
a consciência.
Considera também que a alma não é una mas dividida, sendo, por outro lado,
dependente do corpo ao ser o mesmo que lhe permite agir, pensar, sentir, e, portanto, existir
– a alma é a forma do corpo e com ele morre.

Segundo a tradição aristotélica, a consciência da existência e de que se pensa não


advém da alma imortal, mas sim do que resulta dela. Assim, e contrariamente a Platão, a alma
imortal não é interior mas sim o que torna esse interior possível. Não conheço a alma, conheço
sim, os seus resultados.

Tema do Eu: em que instância poderia estar o eu nas psicologias aristélicas? (em que
conceito: sentidos, sentido comum e faculdades, mente passiva e activa).

Segundo a perspectiva Aristotélica, o “eu” encontrar-se-ia presente na mente passiva,


o “motor” de relacionamento e de recordação de ideias advindas da mente activa. A alma
estaria incorporada em tal instância pela constatação que sem a mesma, que devido à sua
dependência corporal com a morte é conduzida à sua fatalidade, apenas a mente activa
permaneceria, sendo a última desprovida de qualquer recordação de anteriores estados –
morre o “eu”, permanecendo, apenas, as capacidades que o tornaram possível.

Imaginando que as diferenças apresentadas entre platónicos e aristotélicos correspondem a


diferenças de funcionamento mental, como se classificaria a si próprio/a?

Parece-nos mais credível um funcionamento mental através do qual não detenho a


verdade “a priori”, sendo que tudo o que apreendo, sinto, etc., é-me permitido por uma série
de processos inatos, mas que são resultados desses mesmos; Isto é, acreditamos que nos é
possível “ser” em tudo o que isso implica, não por contermos em nós a verdade e a consciência
da existência, mas por lá chegarmos através de processos e mecanismos que o permitem.
Neste sentido, sou levada a colocar-me do lado dos Aristotélicos. Porém, é de referir que não
consideramos que aquilo que desencadeia todos esses processos, seja inevitavelmente outro
agente externo que não nós próprios.

Em qual das duas tradições lhe parece que uma teoria da psicoterapia se deveria basear
(justifique). 

Apesar de toda a componente de carácter um pouco mais prático do qual é dotada a


teoria de Aristóteles, ao se inclinar maioritariamente e quase exclusivamente para o exterior,
podemos considerar que o pensamento platónico seja bastante adequado à psicoterapia, pela
incidência e importância dada ao mundo interior do indivíduo e não apenas aos
comportamentos por si visivelmente manifestados.
Capítulo 5: Do Renascimento ao Racionalismo

Idade Média (Séc. XIII): Renascimento (Séc. XV): Explosão


Introversão racional do da liberdade racional do
pensamento (havia uma pensamento.
tendência para obscurecer o
pensamento).

Séc. XVII: Época das máquinas/realismo. Nesta época


deixou-se de se acreditar/seguir pela abstracção da
idade média (filosofia + fé) e passa-se a dar mais
importância ao real/natural. Viam o ser Humano de
uma forma mais verdadeira/real. Os renascentistas
eram mais “rebeldes” do que o povo da idade média.

A redescoberta de Platão (ao serem trazidos no séc. XV os textos do próprio Platão


[juntamente com as cópias fieis dos originais de Aristóteles que, durante a idade média, eram
apenas acedidos por meio do S. Tomás e entre outros] pelos bizantinos que procuravam
refúgio em Itália após a queda de Constantinopla) veio dar uma nova base de pensamento a
todos os que estavam descontentes com o aristotelismo. Frustrados pela complicação do
aristotelismo escolástico passaram ao platonismo.

Além disso, descobriram uma nova forma de se ser pessoa – a esse movimento que
propunha a criação de um homem novo, de um mundo novo, de uma nova arte, de uma nova
educação chamou-se HUMANISMO. Os humanistas estavam preocupados com a expressão da
linguagem na retórica e não com a procura da verdade – INTERRUPÇÃO BRUTAL DA
TRADIÇÃO ESCOLÁSTICA, onde há uma recusa de uma tradição considerada difícil de
compreender e afastada das necessidades de viver – uma expressão cultural atinge um nível
de complexidade muito grande e é recusado pela geração futura que procura a expressão de si
mais directa.

Parte do séc. XV e o séc. XVI é uma época de expansão (do mundo, do eu, das
economias). Foi a época dos descobrimentos que revelaram “mundos novos ao mundo” e
trouxeram relatos do contacto com outras civilizações. UM NOVO MUNDO, MAIS
EXTROVERTIDO, em que os intelectuais vivem em cidades e não em mosteiros.

Posição de Ficino (humanista e neo-platónico [traduziu as obras de Platão e difundiu-


as]. O aristotelismo parecia-lhe estéril): defendia que a alma humana (alma platónica, una,
plena, que contempla os universais e Deus) está no centro do mundo; acima estão Deus e os
anjos; abaixo a alma corporal (parte da alma intelectiva. O estado final da alma seria a união
com o Uno (ideia platónica e plotínica). Essa união corresponde ao estado místico de todas as
religiões extácticas (meditação budista, oração católica, etc.). Ficino sabia que esse estado era
muito difícil de atingir e esperava que a morte do corpo facilitasse o acesso a ele (tal como
Platão). Ficino é o autor da ideia e do próprio termo “amor platónico”. Dizia ele que quando
duas pessoas se unem na contemplação de Deus são ambas percorridas pelo amor de Deus. A
ideia platónica original é bastante diferente, porque o conceito de amor que Platão defende é
Eros e não tem estes contornos. A ideia de Ficino é interessante na medida em que a
meditação, normalmente individual, se torna social e dá origem À amizade, à união das almas.
Esta posição neo-platónica contrasta muito com o intelectualismo de S. Tomás e dos
aristotélicos.

O neo-platonismo dos primeiros renascentistas defendia que o homem estava no


centro do mundo. CONTUDO, depressa isso se alterou. Giordano Bruno afasta-se da
preocupação com o homem e com a psicologia. Nem a Terra e nem o Homem são o centro do
Mundo. As pessoas são acidentes ou modos. Assim, a preocupação centrou-se no mundo e
não no ser Humano, como aconteceu meritoriamente na idade média.

FÍSICA: Na idade média a ciência/física não tinha lugar no pensamento medieval pois a
ideia do mundo físico era baseada na vontade/criação de Deus.

Francis Bacon (contribuiu para o empirismo britânico [tal como Occam] – valorizava a
experiência): Autor de uma filosofia que diz respeito exclusivamente ao mundo físico. Opôs-se
a Aristóteles. Diz Bacon que as palavras são meras etiquetas das coisas e que a filosofia até
aqui só se em ocupado em perceber as relações entre palavras, sem compreender as próprias
coisas (noção que já se encontra em Occam). Dizia que o sujeito cria obstáculos ao
conhecimento por causa da incapacidade de compreender o mundo exterior e da nossa
tendência para nos perdermos nas palavras que já não têm referência àquilo que designavam
originalmente. Assim, Bacon sugere um apagamento do sujeito de pensamento quando encara
a natureza – o conhecimento não deve inferior as leis gerais, mas captar a natureza tal como
ela é, sem interferência da nossa razão. Muito semelhante ao atomismo (toda a nossa mente é
composta por fontes de conhecimento [ver em Locke]) e ao nominalismo de Occam (só
existem exemplares) e muito distante dos racionalismos.

Galileu (Séc. XVI – neo-platónico): Tem uma posição muito diferente de Francis Bacon:
queria interpretar a natureza em termos de leis como a matemática e a geometria. Foi o
primeiro a afirmar isto. MAS para isso temos de compreender aquilo que vemos e aquilo que
existe não são a mesma coisa. Galileu distingue as qualidades primárias (qualidades que são do
próprio objecto, como o peso, forma, massa) e as secundárias (qualidades que derivam da
actividade subjectiva do sujeito que as percepciona, como a cor). A matemática e a geometria
podiam explicar as primárias!

Com esta posição, estabelece-se assim uma distinção entre:

– Mundo da física que se ocupa da interpretação do mundo com base na matemática –


CIÊNCIAS NATURAIS;
– O resto das coisas (o mundo psicológico) – CIÊNCIAS DO ESPÍRITO/SOCIAIS

É, portanto, Galileu quem diferenciam formalmente as ciências ditas naturais e as do


espírito/sociais.
O séc. XVII desenvolveu uma visão do mundo oposta à do platonismo do séc. XVI: o
mundo seria uma máquina e todos os acontecimentos e factos da natureza seriam
compreensíveis como os resultados dessa máquina. A combinação da observação/experiência
e a formalização matemática criou uma necessidade de haver uma adopção de uma
perspectiva empírica/observação e racional/formalização matemática para se chegar ao
conhecimento.

Racionalismo: ideia de que se pode compreender o mundo através do raciocínio. Ideia


de que há uma ordem por detrás das coisas e que essa ordem é racional (compreensível pela
razão). Defende que existem capacidades inatas próprias da mente, para assim a ordem das
coisas ser compreendida (esta capacidade é-nos dada por Deus). O racionalismo costuma estar
ligado ao inatismo e nisso opõe-se ao empirismo, que defende que se pode empreender o
mundo através da observação.

Descartes (autor racionalista): Aparece no seio de um movimento de cepticismo (séc.


XVII havia a ideia de que o conhecimento não existia [não se acreditava em nada, nem em
Aristóteles, bíblia, nada!]) e é através deste movimento que se instala o pensamento racional
que herdámos!

Era racionalista pois acreditava que se podia admitir a existência de uma coisa que
fosse racionalmente óbvia e não acreditava na possibilidade de chegar à verdade pela
experiência, mas apenas pela razão.

Descartes defende que os sentidos nos enganam e a realidade não é o Estas ideias claras e
que parece: como é que eu sei que o que eu vejo à minha frente não distintas (ideias que não
é minha ilusão? Devemos sempre duvidar dos nossos sentidos e de se podem decompor
todas as experiências que são adquiridas através dos mesmos (tal mais – os universais) são
como Platão dizia [e mais tarde São Agostinho] de que para inatas mas, como todos
chegarmos à verdade devemos nos abstrair/afastar dos apetites [os os inatistas, Descartes
sentidos] e focarmos a realidade com a nossa razão). Descartes diz, defende que o meio é
necessário para o
então, que eu não posso é duvidar que eu existo – o EU possui as
desenvolvimento do
ideias inatas postas por Deus (as ideias inatas para ele funcionam
potencial inato. As ideias
como uma espécie de potência e precisam de ser trabalhadas e inatas existem
exploradas). Então e se Deus nos engana? Descartes disse: “se eu potencionalmente e
consigo imaginar o perfeito e absoluto, foi Deus que me pôs essa ideia desenvolvem-se dadas as
inata, pois Deus é perfeito e absoluto, e nunca me enganaria (por ser condições de meio
perfeito)”. Então, se ele acreditava em Deus, foi este suposto Deus adequadas.
que nos criou, juntamente com os nossos sentidos ENGANADORES?
Ele mais tarde vem dizer que os sentidos não nos enganam… Deus criou o nosso corpo para
conseguirmos lidar com as coisas normais e quando aparece uma situação anormal, o corpo
falha (por exemplo, as ilusões).

Continuando, Descartes, tal como Avicena e Santo Agostinho, defende que nós somos
a nossa consciência, e possuímos uma experiência mental (alma, segundo a filosofia; mente,
segundo a psicologia), sendo a única coisa que temos a certeza – eu penso, logo existo.
Este pensamento é circular, mas historicamente foi importante por permitir a
Descartes aceitar a possibilidade de chegar por via racional, à inteligência do mundo.

Natureza da mente: A mente também não era apenas consciência, mas sim
consciência do que se passa na mente, i.e., era CONSCIÊNCIA DE IDEIAS. Essas ideias poderiam
ser provenientes de várias fontes. Podiam ser provenientes da abstracção da experiência ou
provenientes/dadas por Deus (as ideias inatas que explicam a verdade). Estas ideias inatas
dadas por Deus são: noção do Eu, Deus, espaço, tempo, movimento, ideias geométricas e
conceitos matemáticos. São estas ideias que nos permitem pensar o mundo. Por serem
provenientes de Deus, são verdadeiras.

Descartes criou um método para chegar à verdade: aceitar as ideias claras e distintas e
reduzir problemas complexos até à ideia mais geral e que não pode ser mais reduzida a outras
ideias.

A questão do eu: O eu é toda a actividade psicológica consciente: “Eu sou uma coisa
que PENSA, isto é, que DUVIDA, que AFIRMA, que NEGA, que SABE poucas coisa e que IGNORA
muitas mais, que AMA, que ODEIA, que QUER, que NÃO QUER, que IMAGINA e ainda que
SENTE.”

Dualismo alma/eu e corpo OU dualismo cartesiano (também defendido por Sto.


Agostinho e Avicena, seguidores do platonismo): Descartes acrescenta que eu sou apenas uma
coisa que pensa e que tem uma ideia clara e distinta do seu corpo que nada pensa.

Alma pode existir sem o corpo. Ela pode funcionar sem o corpo (os sentidos) (tal como
no platonismo), mas o corpo não pensa, é apenas uma matéria: a alma é autónoma do
corpo.
Ele, na sua obra “Tratado do Mundo”, defendia que o mundo era feito de pequenas
partículas infinitivamente indivisíveis que são mensuráveis – o mundo é feito de
MATÉRIA (tal como o corpo). Já a mente é uma substância diferente da matéria. A
mente não tem partes divisíveis – não é mensurável. Assim, Descartes teve de
admitirar que havia duas ordens de realidades:

Res cogitans ou Res extensa ou “coisa extensa”:


“coisa pensante”: CORPO/MATÉRIA/ALGO
MENTE, ALMA, EU. MENSURÁVEL.

Estas duas realidades seriam separadas mas teriam relações, dado que nós PENSAMOS
nas coisas materiais. Tinha de haver, assim, uma LIGAÇÃO qualquer entre os dois planos. Então
como é feita esta ligação? Como é que “EU” conheço a “MATÉRIA”? Descartes dizia que era na
“glândula pineal”, estrutura que se situa no “centro” do cérebro e que naquela altura não se
conhecia a função. MAS, não se compreende como pode haver ligação… Como pode uma
estrutura puramente material estabelecer uma ligação entre algo material e algo imaterial? A
glândula é parte material – e o que está na parte imaterial? O próprio Descartes reconhecia
esta limitação e dizia simplesmente não saber como se fazia a ligação entre os dois planos.
Mesmo que não tenhamos uma explicação de como é feita essa ligação, a verdade é que todos
nós podemos confirmar que o mundo MENTAL e FÍSICO nos parecem diferentes.

Fisiologia, Psicologia, Conhecimento

A mente autónoma pode pensar em ideias puras independentemente das imagens dos
sentidos.

A máquina dos sentidos é corpo, puramente mecânico como, segundo Descartes, os


animais: ele dizia que os animais não tinham consciência de si e agem como uma máquina sem
alma.

A mente teria dois modos principais: o intelecto puro (quando se pensa nas ideias
inatas), a imaginação (imagens mentais) e os sentidos. A imaginação e os sentidos dependem
da ligação entre o corpo e mente, mas o intelecto puro é independente do corpo.

Influência da ideia do corpo como máquina

Descartes estudou o homem-corpo como se fosse uma máquina.


A mente é sentida na 1ª
Pensava ele que as reacções fisiológicas se explicavam por princípios
pessoa. O corpo/matéria é
inteiramente semelhantes aos que explicam as máquinas complexas (O
sentida na 3ª pessoa.
que era da ALMA? Sensação da emoção que eu tenho; E o que é do
CORPO? A reacção física da emoção, que acontece a partir do objecto O nosso corpo é uma
até à glândula penial). máquina, mas não tem
consciência de si. A mente
Nisto foi fiel ao seu tempo: o Renascimento é o tempo das máquinas
é a consciência que tenho
mecânicas complexas (relembrar os desenhos fascinantes de Leonardo
consciência (ou seja,
da Vinci).
consciência que eu
O nosso corpo seria como esses bonecos mecânicos mas possuiria penso). Esta máquina (o
decisão e LIVRE-ARBÍTRIO, quer dizer, possibilidade de escolha; o corpo) é controlado pela
decisor da máquina seria a alma. mente (decisor).

Conclusões:

Este dualismo cartesiano tem a principal virtude de chamar a atenção para a mente
como objecto de estudo. O que Descartes disse de fundamental foi que a mente não se
consegue estudar usando a inteligência que aplicamos ao conhecimento do mundo exterior.
Não há na mente nem objectos nem distâncias que se possam observar e medir. A
matemática, que consegue formular a nossa maneira de pensar não explica, ela própria, a
mente (é por isto que ele seguiu o movimento RACIONALISTA que se opunha ao EMPIRISMO).

Descartes é um marco importante na Psicologia e a sua mensagem é hoje mais


importante do que nunca. Agora que há possibilidade de chegar a compreender o sistema
nervoso e o seu funcionamento, não devemos esquecer que a realidade da explicação na 3ª
pessoa nunca é sobreponível à realidade da sensação da 1ª pessoa: o sicológico (RES
COGITANS) não é secundário nem menos importante do que o físico (RES EXTENSA) e não
devemos resumir-nos ao físico.

Espinosa (autor também racionalista):

A irmã (…) pô-lo em tribunal para ficar com herança, mas Espinosa ganhou o caso (…)
fê-lo apenas para recusar todos os bens (que ficaram para a irmã) excepto uma cama de dossel
que lhe dava sensação de privacidade. (…) Ele chegava a não sair do quarto durante três meses
(…)

Ele isolava-se do Mundo tal como Descartes fazia… Isolava-se para pensar sobre as
coisas (Ao contrário de Hobbes).

(…) apaixonou-se (…). Não foi reciprocado e isso (…) levou-o a procurar o amor nas ideias.

As ideias de Espinosa: Espinosa foi muito influenciado por Descartes (era cartesiano).
A sua primeira obra é uma apresentação das ideias de Descartes. Mas existem diferenças entre
este dois pensadores, quer de ideias quer de objectivos.

Descartes era dualista: estabeleceu um dualismo entre pensamento e matéria.

Espinosa era monista: tudo é forma de uma realidade una, e essa realidade una é
DEUS, que é tudo quanto existe. Ou seja, mente e matéria são a mesma coisa – Deus e a
Naturza são a mesma coisa. Deus seria uma força que existe, não uma pessoa todo-poderosa;
não nos amaria com sentimentos humanos, apenas existiria como poder infinito. Deus é a
existência e as leis dessa existência. Corpo e mente, para Espinosa, são apenas dois modos de
conhecer o mundo: na 3ª pessoa e na 1ª pessoa.

Para ele o pensamento e a realidade são a mesma coisa e nós podemos chegar a
compreender Deus. Para isso, temos de adoptar 3 géneros de pensamento:

1º Modo empírico: sabemos fazer as coisas, mas não sabemos o porquê e como essas
coisas funcionam (por exemplo, quando eu ligo o meu computador, eu não sei como
isso funciona… Eu não sei/conheço o mecanismo que está por detrás disso… Isto
acompanha-nos muitas vezes no nosso quotidiano, mas não interessa na ciência.
2º Conhecimento racional: Saber o porquê das coisas/leis de modo a prevê-las (“a
ideia é que a ciência deve chegar a leis que permitam a previsão do que vai suceder”).
3º Pensamento Intuitivo sobre as verdades, sendo que estas, ao serem pensadas,
possuem apenas uma solução. Estas verdades, para Descartes, são as ideias inatas.
Exemplos destas verdades que só possuem uma solução e que são inatas ao ser
humano: A = B, B = C, então, A = C; O todo é maior do que as partes. Nestes casos, não
é preciso quase pensar: estamos perante afirmações cuja a verdade é evidente e
imediata na ausência de pensamento e demonstração -> A ISTO CHAM-SE INTUIÇÃO. A
partir deste tipo de pensamento consegue-se alcançar as verdades eternas, a
perfeição, o infinito e o uno (ou seja, compreender DEUS). E é através da
contemplação destas verdades, como em Platão, que nasce uma alegria tranquila – a
beatitude.
Esta separação entre os 3 géneros de pensamento (empírico, racional e necessário)
encontra-se em mais filósofos (Platão, Espinosa e Kant).

O primeiro género de pensamento (o modo empírico) é rejeitado pois não basta


conhecer as aparências e as propriedades das coisas, mas sim conhecer o nível verdadeiro dos
mesmos, permitindo, assim, o alcance da essência pura das coisas.

O pensamento e as paixões (Teoria das Paixões)

As paixões estão inseridas no 1º género/modo de pensamento, pois só assim é que


se pode compreender DEUS.

Teoria das paixões: A motivação básica de todo os seres (sejam animais ou humanos)
é aumentarem a sua essência/serem mais aquilo do que são; há uma procura de aumentar o
próprio ser. Mas nós vivemos num ambiente que possui condições que propiciam esse
aumento de “poder”, e outras que o contrariam. Por isso são “criadas” 2 paixões fundamentais
à preservação do nosso poder: positiva peranteum ambiente que me dá poder, e negativa caso
me faça perdê-lo (alegria e tristeza). Por exemplo, a pessoa A gosta de mim e a pessoa B não
gosta de mim De A eu vou gostar porque me dá poder, e vou sentir ódio de B, pos ela me retira
o poder. E o mesmo se passa com A e B. Talvez A goste de mim porque eu lhe dou poder, e B
não gosta de mim porque eu não lhe ofereço poder… E daí são criadas emoções/paixões
secundárias:

alegria + incerteza = esperança;


alegria + certeza = segurança;
tristeza + incerteza = receio;
tristeza + certeza = desespero.

Destas emoções secundárias formam-se ainda outras:

A inveja vem do ódio e é por isso que nos alegramos com a tristeza dos outros e nos
entristecemos com a alegria de alguém que odiamos;
O ciúme é a mistura de amor e ódio pelo objecto do nosso amor e a inveja pelo nosso
rival;
A emulação, o querer ter o mesmo ou mais do que os outros têm, é o desejo de uma
coisa produzida pela ideia de que os outros desejam a mesma coisa;
A saudade é uma espécie de tristeza proveniente da ausêndia do objecto amado.
A humildade é a tristza proveniente da nossa impotência.
A aquiescência é a alegria que sentimos quando verificamos e confirmamos a nossa
capacidadade/potencial mental de agir.

Espinosa refere ainda que, para aumentar o nosso poder, queremos impor aos outros o que
pensamos. E que, também por poder, distinguimos entre “nós” aliados, e “eles” inimigos.

Todas estas paixões/emoções são passivas, na medida em que são causadas por efeitos
externos e não são determinadas de dentro: são reactivas, determinadas de fora. Assim,
podemos concluir que o Homem é dominado por essas paixões/emoções, mas pensa que não
(não tem noção disso porque não são determinadas por ele). Por exemplo, a pessoa A mata B
porque a odeia. Mas na realidade não é por odiá-la, mas sim porque ela lhe tirava o poder. O
mesmo acontecer com o amar/gostar. Os Homens não são, portanto, livres porque não
conhecer a verdadeira causa do próprio comportamento, e enquanto vivermos assim, nunca
seremos livres e nunca nos vamos conhecer e nem o Mundo (é por isto que as
paixões/emoções pertencem apenas ao 1º modo de pensar).

Então como é que o Homem consegue ter liberdade, visto que tudo é determinado?
Há alguma possibilidade de escapar a essa escravatura? Recordemos que o pensamento tem 3
géneros: o mais baixo (o 1º) – de ver e ouvir dizer (que corresponde às paixões); o 2º - o
raciocínio, que vai entre os dados empíricos e o ouvir dizer e as verdades eternas; e o 3º -
contemplação das verdades eternas (a ordem do mundo e das nossas reacções perante as
paixões).

Assim, devemos adoptar o 3º género de conhecimento para ganharmos a


liberdade. Assim, vamos conseguir distinguir entre o que sentimos eo que pensamos – ser
espectador das nossas emoções. E é desta maneira que vamos conseguir sentir uma alegria
mais calma: a beatitude. A beatitude é a chave para abandonarmos/desviarmo-nos dos
prazeres e das dores das emoções que nos controlam. Só assim é que o ser humano consegue
alcançar a sua liberdade – através da compreensão do nosso comportamento (saber que eu
amo a pessoa A porque ela me dá poder; saber que eu matei B porque ela me tirava o poder).
Para espinosa, esta era a maneira que o Homem tinha para experienciar um maior prazer – ao
entrar no mundo das ideias e ao sentir o amor intelectual de Deus, conseguimos alcançar a
verdadeira liberdade, e não a procura de prazeres passageiros que nos escravizam.

Nota: Mas este tipo de pensamento faz-nos perder a espontaneadade, pois


acabamos por ser muito calculistas e compreender demasiado sobre o porquê que gostamos
do outro: por um puro egoísmo da nossa procura de poder…

A política de Espinosa

Espinosa segue Hobbes neste aspecto: Se todas as pessoas possuírem liberdade


total, claro que não vai dar bom resultado: os mais fracos não se vão poder defender dos mais
forts, e estes podem abusar dos mais fracos. ENTÃO, as pessoas acabam por compreender que
têm mais a ganhar em apoiar e seguir uma autoridade num governo que pune quem possui
poder a mais e não cumpra as regras corporativas de apoio à comunidade impostas pelo
governo. É através desta ideia que há a necessidade de um governo que mantenha a ordem
(Este é o principio de Hobbes). MAS, Espinosa tem uma diferença: diz que o governo só é
legítimo caso servir os interesses de todos e que não abuse do poder (claramente, há aqui uma
defesa da democracia por parte de Espinosa). Mas esta ideia era perfeita na teoria – Espinosa
subestimou o poder do Homem: podemos observar o perfeito abuso de poder quando
estudamos os ditadores da história humana: Stalin, Hitler, Mao-Tse-Tung, etc., e até a nossa
situação actual.
Importância de Espinosa: Pensador muito importante para quem se interesse por
Psicologia e procure uma vida equilibrada e um pouco mais liberdade do mundo em que
vivemos cheio de pessoas que se ficam pelo 1º modo de pensamento: o facto de não se
interessarem sobre o porquê das coisas/das nossas acções e sobre eles próprios faz com que a
sociedade caia numa ignorância imensa e numa violenta falta de liberdade. Por isso é
necessário haver uma posição activa pela parte do cidadão e uma abertura ao conhecimento.
Aprender nunca é demais…

Capítulo 6: Do empirismo a Kant

Empirismo:

Significa estudar as coisas objectivamente com um método experimental. Significa


guiarmo-nos pela experiência e não pela razão (ao contrário do racionalismo). Vamos ver o
que a experiência mental diz.

Uma ciência é empírica quando descreve e tenta explicar fenómenos observáveis


em termos de leis cujo efeito pode ser também observado. Assim, a física (Galileu baseou a
sua física com a experiência e descobriu coisas fascinantes) e a história são ciências empíricas,
e a matemática e a filosofia (pelo menos a metafísica) não o são.

Inícios do Empirismo: ….

O séc. XVII e a influência de Galileu (“se nós não podemos quantificar uma coisa,
conhecemo-la melhor” – quantificação)

No séc. XVII aparece um movimento baseado na razão (racionalismo), mas razão já


não apelas silogística mas matemática. Galileu foi quem mostrou a capacidade da união entre
a matemática (racionalismo) e observação (empirismo). Retomou as ideias do heliocentrismo,
mas de uma forma mais baseada na observação. Conseguiu explicar uma série de fenómenos
importantes da física, através da observação, da hipótese e do teste experimental.

Este prestígio de Galileu e do seu método baseado na observação de fenómenos


exteriores, sua descrição, teorização matemática e teste da teorização (empirismo), foi muito
influente. Poucos autores acharam que esta forma de conhecimento fosse adequada para
estudar a mente, pois a mente não é exterior e é dificilmente observável! Mas surgiu daqui a
ideia de descobrir a totalidade da mente através do cérebro e do seu funcionamento.

O empirismo encontra-se directamente ligado à ideia de que tudo quanto há para


explicar deve ser analisado em termos do que se vê ou do que se pode medir. Podemos dizer
que esta atitude, anunciada por Occam e fundada por Galileu, determinou o pensamento
ocidental nos últimos 4 séculos. A sua adaptação à psicologia é difícil e que vários autores
chegaram a afirmar que se não vê não existe (o que não é empirismo mas sim concretismo ou
“realismo ingénuo”: a crença de que o que os sentidos revelam é a verdade e toda a verdade).
O empirismo pode tornar-se anti-inatista apenas por não admitir que haja, sem se
conseguir ver qual é, uma origem para as capacidades aboriginais da espécie.

Os principais representantes do empirismo na filosofia são os anglo-saxónicos.


Occam e Bacon tiveram sucessores importantes. Veremos os principais filósofos
conhecimentos como os “empiristas britânicos”.

Thomas Hobbes: É um nominalista. Para Hobbes as classes do nosso pensamento


são apenas nomes convencionais que se aplicam ao real, agrupamentos de coisas que depende
da definição que se dá das palavras.

Opõe-se a Descartes dizendo que o facto de se poder pensar na mente como


independente do corpo não significa que ela o seja: é um puro erro no uso de palavras e
conceitos.

Hobbes é um empirista. Embora acredite que o conhecimento vem dos sentidos,


está longe de ser anti-inatista (a seguir).

O conhecimento mental vem dos sentidos:

As coisas são movimento que entra em contacto com os órgãos dos sentidos. Esse
movimento transforma-se em sensações quando entra em contacto com o cérebro e o
coração que reagem à pressão do movimento com uma contra-pressão “para fora”,
que dá origem às sensações. As sensações PERSISTEM NA MEMÓRIA, mas
enfraquecidas: são as ideias. Essas ideias podem ser combinadas de acordo com a
imaginação (por exemplo, um centauro é a combinação da ideia de cavalo e de
homem). A imaginação é a manipulação de ideias provenientes dos sentidos e é a
natureza, o fundamento, do pensamento. Contudo, apenas se consegue pensar
havendo palavras que funcionam como sinais de coisas que remetem para outras
palavras quando estão numa frase (“o centauro é meio homem meio cavalo” – cada
palavra remete para as outras). A LINGUAGEM permite-nos pensar mas também
comunicar, formando-se assim o entendimento. Esse entendimento ocorre também
em animais porque eles entendem as ordens dos donos.

Neste sentido, Hobbes é empirista da mesma maneira que Locke, Berkeley e Hume, que se lhe
seguiram. MAS Hobbes é inatista noutro aspecto – o da sua teoria das paixões. Já vimos que
Descartes inaugurou o tema, mas Hobbes dá-lhe uma perspectiva muito diferente:

Descartes examinou, por introspecção, as emoções de um solitário (tal como


Espinosa);
Hobbes complementou-o com a observação do comportamento em sociedade.

O resultado é, portanto, uma muito maior ênfase, por parte de Hobbes, no papel
desempenhado pelas emoções na relação social.

As emoções também seriam provenientes do movimento do corpo, que geraria uma paixão,
seguida de deliberação (a forma de atingir o objectivo); a deliberação é assegurada pela
imaginação. Ocorreria também em animais, já que eles agem sobre o ambiente de acordo com
as suas paixões (=motivações/emoções).

A chave para compreender as paixões é o conatus, que se pode traduzir como esforço ou
vontade de tentar. É este impulso primordial que está na origem da acção e de toda a vida
animal e humana. Sendo que em sociedade todos os indivíduos têm necessidades e
características mais ou menos equivalentes, segue-se uma competição entre eles. O problema
mais central que os indivíduos em sociedade têm de resolver é o do poder, que corresponde à
paixão da glória; o poder assegura os recursos necessários à sobrevivência. A procura de poder
é semelhante à procura da liberdade: é a tendência para seguir o movimento natural de
satisfação das nossas necessidades.

Hobbes diz que, além dessa necessidade, nós gostamos intrinsecamente de poder:

A glória corresponde a comparar a nossa posição e o nosso poder com outros com
menos poder e é a fonte de prazer, de alegria e de felicidade;
Verificar que fomos vencidos é a desgraça (“misery”).

Hobbes também diz que nem todas as pessoas têm o mesmo apetite de poder, mas isso não
significa que haja pessoas que não o desejam: afinal o poder é a única forma de assegurar a
sobrevivência e é a própria natureza da vida.

Dado que todos nós procuramos poder e que competimos por ele, Hobbes conclui que o
estado “natural” do Homem é de guerra contínua, perigo constante, desgraça e sofrimento.

Mas, além da vontade de poder, o Homem tem capacidades racionais e compreende que a
situação em que se encontra pode ser melhorada se houver um contrato em que os indivíduos
prescindam da sua liberdade (=do seu poder) para o entregar a alguém superior que os
defenda em conjunto – trata-se do rei, senhor do poder absoluto.

Hobbes defende que um estado forte é a única alternativa ao estado de caos social. Este
estado forte funcionaria porque uma das motivações essenciais do ser humano é o medo, que
é a tendência para preservar a própria vida. Assim, o estado, ao ameaçar quem quer expandir
demasiado o seu poder, garante a paz comum – Steven Pinker, na sua obra The Better Angels
of Our Nature, mostra que é nos estados quem que o governo tem a exclusividade do uso da
força que há mais paz e mais prosperidade.

A Psicologia de Hobbes

Hobbes é um autor importante na psicologia por causa do seu estudo introspectivo da mente e
das tendências para a acção (motivação e emoções).

Akém da tendência para procurar o poder, Hobbes analisa as emoções de maneira muito
subtil: diz ele que existe um número limitado de paixões (=emoções) simples, e que a sua
combinação dá origem a outras mais complexas. Assim, partido do apetite, desejo, amor,
aversão, ódio, alegria, e tristeza, podem-se obter várias combinações. A esperança é um
apetite com expectativa de sucesso, o desespero é o mesmo mas sem essa expectativa: O
medo e a coragem são ambas uma aversão, mas com expectativa de ser magoado ou de
ganhar.

De acordo com Hobbes, o desejo de riqueza é geralmente mal visto porque todos a queremos,
de modo que não gostamos que os outros a procurem também; a ambição é uma palavra
também usada no pior sentido pelas mesmas razões.

Recordemos da teoria das emoções de Espinosa; é posterior à de Hobbes e influenciada por


ela. Poucas diferenças existem entre estas. E ainda hoje há análises em que se apresentam as
várias emoções complexas como resultado de uma combinação das poucas simples/primitivas.

Hobbes, como podemos verificar, faz uma análise mais fria e desapaixonada das emoções e
das motivações humanas: desejamos o que nos traz benefício, amamos o que nos dá poder ou
satisfação, e detestamos o que nos impede de obter aquilo que queremos e aquilo que nos
magoa.

O método de Hobbes baseia-se na introspecção e na inferência do comportamento que ele


observou nos outros (ao contrário de Espinosa [e de Descartes], que se isolava do mundo).

Nota: É importante de notar que para compreendermos melhor a nossa espécie


devemos nos inspirar em Hobbes, sendo que ele não realizou a absurda separação de
conhecimentos do nosso tempo. Se a psicologia quiser ter alguma relevância social na
compreensão do ser humano terá de abandonar a tendência para a especialização que a tem
tornado irrelevante quer para a vida quotidiana quer para os problemas com que a nossa
espécie se defronta neste momento.

John Locke: Fundador do “empirismo britânico” (além dele, Berkeley e Hume); de uma
verdadeira psicologia empírica, baseada na experiência.

Articulação das ideias de Locke

– Experiência Mental como fonte de teoria de Locke:

Locke parte da experiência (distingue-se dos aristotélicos Vamos tentar estudar


[procuravam identificar as funções/faculdades da alma] e dos
não a lógica do
cartesianos [procuravam definir o conhecimento como um conhecimento, mas
processo rigoroso de chegar à verdade]).
sim através da
Locke defende algo diferente: em vez de ter o objectivo de chegar à experiência do
verdade sobre as coisas, pretende saber como é que conseguimos conhecimento. Vamos
pensar sobre elas. O seu foco sai dos problemas de saber o que é o chegar ao
espaço, o tempo, etc., e centra-se no como, psicologicamente, se conhecimento através
geram essas ideias em nós. Ele não se interessa pela realidade das da experiência.
coisas mas pela representação que delas temos. Ele não se
interessa pela ontologia (o que é uma coisa) mas pela epistemologia (como sabemos sobre
essa coisa) psicológica.

Esta representação das coisas é estudada por observação directa da mente, na 1ª pessoa (e
não em termos de funções ou faculdades hipotetizadas na 3ª pessoa, como é feito no
aristotelismo). Esta observação de si próprio pretende ilustrar o processo que permite a
formação de conceitos que possibilitam pensar a realidade.

Para ele, mais vale, em vez de inventar as faculdades, analisar a nossa própria mente para ver
o que se lá encontra.

Esta recusa de reificar a mente em faculdades é particularmente evidente na análise que Locke
apresenta do Eu (ver à frente “O EU em Locke”).

– Preconceito Atomista

Atomismo – Toda a nossa mente é composta por fontes de conhecimento:

A sensação: todas as coisas que eu vejo lá A reflexão: a consciência


fora que me impressionam (que me da nossa própria
chamam a atenção). actividade mental.

 Primárias: As intrínsecas Às coisas – Recordação


(solidez, extensão, figura e – Dor
movimento); – Pensamento
 Secundárias: As extrínsecas (cor,
som, paladar) que a mente lá as
põe.
IDEIAS COMPLEXAS

E são estas fontes que constituem a integralidade da mente humana.

Aquilo que Locke vai procurar é determinado por um preconceito teórico seu: o atomismo.
Este atomismo das coisas teria um paralelo na mente: primeiro percepcionaríamos os
elementos mais simples e depois formaríamos sínteses entre esses elementos mínimos: IDEIAS
SIMPLES.

– Ideias Simples

As ideias simples têm duas fontes:

O mundo exterior (daqui vêm as sensações – branco, quente, frio, mole);


O mundo interior/própria mente (daqui vêm as reflexões – a consciência da nossa
própria actividade mental).
Para Locke, tudo o
É desta “percepção interna” (reflexões) que vêm as noções de
que conhecemos vem
percepção, pensar, duvidar, acreditar, raciocinar, conhecer, querer,
de fora, menos a dor
etc. Além destas reflexões, há ainda o prazer e a dor, que são,
e o prazer (são inatos
segundo Locke, as únicas capacidades inatas do homem.
a nós). O termo “vem
As ideias simples de sensação não correspondem à realidade. de fora” quer dizer
que vem da
Locke distingue entre sensações primárias – solidez, extensão, figura experiência, do
e movimento – e secundárias – cor, som, paladar. As sensações conhecimento.
primárias podem reflectir propriedades do mundo real, mas não as
secundárias: de facto, uma cor, um som ou um sabor, são apenas construções da nossa mente.
A cor não está na coisa, mas é uma consequência da reflexão da luz (sem luz não há cor – é por
isso que o preto é ausência de luz [=ausência de cor]).

– Ideias Complexas: É a partir de ambas as fontes, sensações e reflexões, que estas vão
ser construídas.

A nossa mente é passivamente determinada pelas sensações e reflexões. Já as ideias


complexas dependem mais da actividade da mente.

As ideias complexas formam-se de ideias simples. O agrupamento destas ideias simples é


atribuído à comparação. A memória é importante para a formação das ideias complexas
porque não conseguimos ter muitas coisas em mente ao mesmo tempo: temos então de ir
buscar as recordações das ideias simples. Comparando-as vemos se são iguais ou diferentes e
em que grau são diferentes – e é daqui que se formam as ideias complexas.

As ideias complexas são de vários tipos: substâncias, relações e modos.

As relações não são os processos de relacionar as coisas na mente, mas sim as ideias
que conseguimos ter da relação entre duas coisas (comparação entre duas ideias
simples = ideia complexa).

Análise de Locke sobre os modos da mente: os modos mentais são o pensamento, a memória,
a reminiscência (o esforço para trazer à mente uma recordação) a contemplação, a “rêverie”
(sonhar acordado), a atenção, o estudo (intenção) e o êxtase. Ele explica, apartir do prazer e da
dor, vários conceitos que usamos para descrever as emoções. Assim, o amor/ódio é o que se
sente relativamente ao que causa prazer/dor; o desejo ocorre quando não se tem uma coisa
que nos dá prazer; a alegria é a posse de um prazer e a tristeza a sua perda; esperança é o
prazer pelo deleite futuro e terror o mesmo pela dor futura; desespero é a impossibilidade de
alcançar um prazer; a cólera é uma dor com desejo de vingança e a inveja é um bem possuído
por outro que não nós.

Temos ainda o modo do poder, que vem de duas fontes: a noção de que há coisas que podem
alterar outras e da nossa própria experiência de poder mover o corpo – trata-se da vontade,
outro modo mental. A própria noção de liberdade viria da experiência da vontade.

– O EU em Locke

Diferença entre as ideias de substância corporal e mental: A ideia quer de espírito quer de
corpo são agregados de ideias simples. Assim:

– Do corpo – “a coesão das componentes sólidas e separáveis e um poder de


comunicação do impulso”
– Do espírito – “o pensamento, a vontade, ou um poder de pôr um corpo em movimento
e da liberdade”.

Comum a ambos são as “ideias de existência, de duração, de mobilidade”.


Ou seja, há agentes e pacientes. Os corpos são pacientes, passivos, os espíritos são agentes.
Com esta separação podemos passar para a análise do EU.

O “Homem” pode ser percepcionado como uma máquina, como os animais, mas com a
diferença de ser concebido como uma máquina RACIONAL. Mas a representação do “Homem”
é diferente da representação que faço de uma “Pessoa”.

O que eu vejo em mim (capacidade de pensar em si próprio) é uma “pessoa” (o eu –


ser existente – esta sensação do EU é independente da substância que o forma [o
corpo])
O que eu vejo nos outros é um “Homem” (objecto animado). Esta sensação dos outros
depende da substância que os forma (o corpo).

O que vemos nos outros são corpos animados. E em nós próprios? Vemos mente, a nossa
experiência mente. Nós vemos os outros como corpos animados porque não conseguimos
“ver” a experiência mental dos outros, apenas as acções. A sensação que eu tenho de ser é
independente do corpo:

“Como é por dentro outra pessoa


Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento. 

Nada sabemos da alma


Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.”

Fernando Pessoa

Assim, o EU é a consciência, e os seus limites não são os do corpo mas as das suas recordações.

Resumo:

- Locke concentra-se nos produtos da mente, nos conceitos a que a mente chega e não nos
processos dinâmciso de produção de conceitos, a que não tem acesso empírico fácil;

- Esses conteúdos da mente são os objectos (coisas que consigo trazer à memória) e algumas
emoções, nomeadamente prazer e dor

- Os objectos conscientes da mente são composições de dados que obtivemos do exterior;


- Locke não dá atenção aos processos transitórios, testemunhos da lógica intrínseca da mente;

- Locke recusa-se a hipotetizar para além da experiência desses conteúdos da mente;

Assim, a conclusão só pode ser o empirismo, isto é, que o conhecimento nos vem dos sentidos.
O empirismo está, então, implícito na sua própria metodologia.

– Apreciação de Locke

Locke é epistemólogo, isto é, quer investigar a origem do conhecimento. Mas como o faz da
perspectiva da experiência e por pura introspecção é, ao mesmo tempo, o fundador da
primeira verdadeira psicologia na primeira pessoa.

Limitações em Locke:

O atomismo: O atomismo é um princípio muito antigo (data da Grécia) e que foi


retomado por Descartes. Dada a ênfase do uso da matemática não podia deixar de ter
influência: a quantificação baseia-se na unidade e a unidade liga-se bem com a noção
de atomismo. Na verdade, segundo Locke, ao pensarmos sobre uma coisa analisamo-la
em partes, elas próprias analisáveis em partes mais pequenas. O mesmo como uma
árvore – parto da forma e cor gerais para a análise das partes, tronco, ramos, folhas
em separado. Mas isto não significa que ao olhar para uma folha a veja em termos de
ideias simples. Não vejo separadamente o verde, a forma, as nervuras, as texturas,
mas sim a percepção sintética, global, de uma forma complexa. A experiência
perceptiva NÃO É ANALÍTICA MAS GLOBAL, de conjuntos, e a análise é posterior à
experiência. Porém, esta crítica só poderá ser apontada a Locke antes das
investigações da Psicologia da Forma (Psicologia de Gestalt), que ocorreram no séc. XX.
Antes disso, podemos defender/afirmar realmente que a mente se povoa de ideias
concretas, de imagens mentais que são os elementos que permitirão construir
imagens progressivamente mais complexas.

A recusa em hipotetizar processos anteriores à experiência e que a tornam possível


(ou seja, processos não directamente observáveis: Esta recusa tem a consequência de
se ter de concluir que o conhecimento é todo aprendido; já vimos que o problema da
formulação puramente empírica do Eu é precisamente essa: não explica o seu ponto
de partida, que é a origem da subjectividade, só explicável em termos da hipótese das
condições necessárias a que a consciência de si possa ocorrer.
Mas tem de se entender na continuação do espírito britânico – Occam referia a
necessidade de nos abrirmos À experiência e Francis Bancon defendia que o
conhecimento era todo retirado da experiência e que os conceitos não observáveis
eram enganadores).
Por outro lado, os pensadores pós-medievais evitavam cair na formulação puramente
intelectual, sem referência à experiência, de conceitos.
Na verdade, a dicotomia entre empirismo e racionalismo só foi resolvida mais tarde,
com Kant, já no séc. XVIIII: o conhecimento vem da experiência, mas essa experiência
só é possível se houver condições que a possibilitem; essas condições devem ser
inferidas da análise da maneira como o conhecimento se constitui.
Ou seja, na psicologia são necessários dois movimentos: observar e hipotetizar as
estruturas mentais que precedem a consciência e que permitem que haja consciência
de uma coisa. Locke não o fez, e Hume esboçou o início dessa perspectiva. Kant tentou
o seu estudo, mas só se desenvolveu muito mais tarde.

David Hume:

Deu primazia, tal como Locke e Berkeley, à sensação. Para ele, para explicar os problemas da
filosofia da mente seria suficiente usar o método de observação, da descrição da experiência
mental.

Assim, Hume substitui à metafísica e “psicologia” (embora não lhe chame assim): em vez de
especular em torno do que é saber ou conhecer (metafísica), tentou directamente observar o
processo de conhecimento como ele ocorre, por introspecção (semelhante ao que Locke fez).
Chama por isso ao seu trabalho a “geografia mental” ou “anatomia da mente”.

Neste seu trabalho, Hume parte da posição estabelecida por Locke – temos acesso a duas
coisas:

As percepções, do mundo exterior;


As reflexões, do mundo interior.
Diferença: ao ver uma coisa tem-se uma percepção; ao recordar essa coisa
tem-se uma reflexão.

As percepções seriam de dois tipos: as ideias e as impressões; as ideias e impressões diferem


em intensidade: uma ideia é uma forma atenuada de impressão, que tem um carácter mais
intenso, mais nítido (por ex., se eu olhar para esta folha à minha frente terei uma impressão,
nítida e forte, dessa folha; na memória fica-me a ideia que é uma cópia dessa impressão,
menos forte, menos nítida, mas, segundo Hume, igual ou parecida com a impressão.

As ideias são apenas registos de percepções: ideias simples, que se podem combinar umas
com as outras formando ideias complexas.

A maneira como as ideias são guardadas difere consoante a recordação seja quase tão viva
quanto a impressão ou se perdeu completamente a vivacidade. Hume considera dois
processos: memória e imaginação. A memória seria sempre viva e a imaginação seria
atenuada. A memória recorda a sequência das várias impressões originais, é mais uma cópia
de uma situação realmente experienciada. Na imaginação podemos alterar essa ordem e
formar sequências novas a nosso bel-prazer, mas o resultado tem menos vivacidade, menos
realidade aparente, do que uma recordação da memória.

Para Hume, o mundo mental não é apenas povoado de imagens mentais. Há na mente
maneiras de relacionar essas imagens umas com as outras. E essas relações/combinações
entre duas ideias acontecem graças a 7 condições (falarei apenas de 3)

A semelhança/similaridade: se A e B forem em tudo diferentes, não há


comparação/relação/combinação possível (por exemplo, azul claro e azul escuro);
A contiguidade: A e B estão muitas vezes juntos, por isso possuem alguma relação (por
exemplo, uma cadeira e uma mesa);
A causa-efeito: Há acção de uma ideia na outra. Essa acção é como que um poder de
uma das ideias sobre a outra (por exemplo, a ideia de pai e filho estão ligadas porque o
pai gerou o filho).

A primeira e a segunda (semelhança e contiguidade) são importantes na percepção ou na


imaginação de ideias. A causalidade permite-nos compreender as relações dinâmicas e
hipotetizar causas que não vemos.

Hume achava que estas regras de associação entre ideias simples era a chave para a
compreensão do funcionamento mental.

Ilusão do “Eu”: Hume analisa também a questão do Eu. Como vimos, a mente é um recipiente
de sensações e temos memórias dessas sensações. Embora as sensações sejam sempre
diferentes, temos consciência das recordações das sensações passadas. Assim, tal como um
sobreiro jovem é considerado, depois de crescer, o mesmo sobreiro embora nenhum dos seus
componentes seja igual, também nós moldamos uma identidade própria que não existe: não
somos a pessoa que fomos, mas associamos os estados sucessivos que sentimos através da
memória e postulamos/supomos um Eu a partir dessa sucessão de impressões (percepções
fortes e nítidas). De resto, a própria noção abstracta de identidade é uma pura ilusão: apenas
associamos os vários estados anteriores e o actual e afirmamos que o EU que agora experencia
esses pensamentos foi o mesmo que nos lembramos que pensou outras ideias completamente
diferentes e talvez contraditórias.

OU SEJA, o EU seria consequência da associação. O EU é uma ilusão no sentido de que não é


uma coisa. O EU seria apenas uma consequência de um espaço de subjectividade que todos
temos. O mesmo se pode dizer, de resto, de quase tudo, segundo Hume.

A NATUREZA HUMANA EM HUME: Teoria das paixões: Embora Hume fale de muitas emoções
diferentes (orgulho/humildade, amor/ódio, benevolência/cólera, compaixão, maldade/inveja,
respeito/desprezo, etc.) todas essas paixões são consideradas em termos do prazer/dor que
dão ao sujeito. Esse prazer pode ser:

Directo, sentido por mim quando sinto amor a um irmão;


Ou indirecto, por influência das paixões dos outros (por simpatia, a que chamaríamos
actualmente “empatia”, isto é, por nos colocarmos no lugar dos outros e nos
deixarmos contagiar pelos seus estados psicológicos).

Pegando em apenas os dois primeiros pares de paixões de que ele trata: o orgulho/humildade
e o amor/ódio. Todas as paixões têm uma causa – uma impressão ou uma ideia, aquilo que
causa prazer ou dor. No orgulho há, contudo, dois elementos: a causa do prazer ou da dor e o
objecto desse prazer ou dor, que é o EU. Assim, uma casa magnífica causam-nos prazer e esse
prazer é como que colocado no EU. Da mesma maneira, se me considerar inteligente terei
prazer com isso e sentirei orgulho. Se não tiver poder sofrerei dor com isso: há prazer e dor
que são associados a mim, àquilo que eu chamaria o EU OBJECTO. Hume não o diz, mas é
como se o prazer fosse sentido no EU SUJEITO como puro prazer e que fosse depois associado
ao EU OBJECTO: EU SUJEITO sinto prazer, esse prazer passa a ser associado ao MIM-OBJECTO e
EU-SUJEITO orgulho-me de MIM-OBJECTO.

O mesmo processo ocorre com o amor e o ódio, mas neste caso o objecto é outra pessoa. Se
sentir prazer e o associar a outra pessoa, sentirei amor; se sentir dor, sentirei ódio.

Prazer

Amor Orgulho
Objecto Objecto
Outro Eu
Ódio Humildade

Dor

A moralidade vem das paixões porque queremos que gostem de nós. Somos, portanto,
influenciados e influenciamos as mentes uns dos outros. Esta é a base da socialidade, mas há
ainda outra: queremos ser amados e não odiados, sobretudo pelas pessoas que achamos mais
importantes Por isso tentamos fazer o bem aos outros e não o mal. Hume acha até que
gostamos naturalmente de gostar dos outros e que é isso que nos faz procurar que os outros
gostem de nós. Como queremos gostar dos outros e que os outros gostem de nós, estaríamos
prontos para a vida social; mas além disso temos vantagem egoísta em sermos cooperativos, já
que ganhamos com isso.

Esta visão da ética é minimalista (detalhista?): os grandes princípios do bem e do mal são
vistos como consequência do desejo de afecto.

É importante também compreender que o naturalismo de Hume, por mais empirista que seja
(tudo vem das sensações) não exclui o inatismo: é o conhecimento (sobre as coisas) que é
adquirido, não propriamente a razão. E quer a causalidade quer a tendência para agrupar uma
colecção de sensações associadas na ideia de uma coisa (como no EU) quer ainda as emoções,
seriam actualmente classificados como tendo base inata.

Se a natureza humana não tivesse qualidades originais ao espírito, ele jamais


conseguiria ter qualidades secundárias; com efeito, neste caso ele não teria base para
agir e jamais poderia começar a esforçar-se.
Hume – Tratado, 333.

De modo que Hume é empirista mas, ao mesmo tempo, inatista. É uma posição muito próxima
de Kant. A diferença, como veremos, é que Hume pensa que a natureza humana se deve
compreender a partir da observação e Kant acha que isso é insuficiente, como veremos mais à
frente.

A partir daqui vamos ver como é que a Psicologia se tornou ciência.

Kant: Kant aparece como reacção a Hume. Hume afirma, como já vimos, o empirismo: o
conhecimento vem-nos dos sentidos (da experiência) e é explicável a partir da “psicologia”.
Assim, o problema o problema do conhecimento seria psicológico e poder-se-ia estudá-lo
empiricamente.
Kant NÃO PODE CONCORDAR TOTALMENTE COM ESTA IDEIA. O conhecimento vem dos
sentidos, sim, mas ANTES de chegar aos sentidos existem estruturas que determinam que tipo
de conhecimento é possível (é como se perguntasse: “O que é isso de ‘haver experiência’??”).

Kant não tinha palavra para a ideia de “estrutura psicológica anterior ao conhecimento” por
isso chama-lhe sempre “metafísica”. Este conhecimento da estrutura psicológica chamamos
actualmente “psicologia”, mas no tempo de Kant, “psicologia” queria dizer “estudo da
consciência”, isto é, o resultado dos processos que Kant dizia serem PRÉVIOS à consciência.

Este processos “PRÉVIOS ao conhecimento” seriam os a priori (que significa “antes”), a que
actualmente chamaríamos estrutura cognitiva da mente. Estes a priori são condições da
experiência e não determinados por ela (INATAS). Determinam a sensibilidade (parte da mente
que lida com o mundo sensível/dos sentidos) e a razão (o pensamento puro).

Esta ideia do conhecimento a priori vai contra a noção ingénua de que os conteúdos da mente
são cópias, ou reflexos, da realidade e sugere que o processo de conhecimento é uma
construção complexa, feita segundo regras universais. Para ele, a metafísica é imprescindível
porque permite explicar os a priori que são condição de qualquer forma de conhecimento.

A proposta de Kant:

Hume diz que todo o conhecimento nos vem dos sentidos e não há qualquer metafísica
possível; é suficiente conhecer as leis pelas quais se rege a formação de ideias (a associação).

Kant defende que não é assim: quer a razão quer a sensibilidade têm regras a priori que não
são apenas a associação: a associação é um processo mental, logo estudável pela física da
mente (a descrição da consciência) e Katn defende que não se compreende essa física da
mente sem uma metafísica que explique a sua ORIGEM. Para fundar esta opinião, Kant
investiga se existe a priori sintéticos. Vejamos o que isso significa.

Kant pretende saber se a razão gera conhecimento novo ou se o conhecimento nos vem da
experiência (Distinção entre sintético [gera conhecimento novo] e analítico [não gera
conhecimento novo]: se eu disser “esta mesa é de madeira” estou a fazer uma afirmação
sintética: sintetizo duas coisas diferentes, mesa e madeira; como há mesas que não são de
madeira e há coisas que são de madeira e que não são mesas, a afirmação contém
conhecimento novo. Se eu disser “há mesas que são secretárias” estou a fazer uma afirmação
analítica: do grupo de todos os tipos de mesa possíveis, algumas são secretárias; mas como, no
grupo das mesas, já está incluído o subgrupo das secretárias e não há ecretárias que não
sejam mesas, a proposição é analítica, dado que a afirmação de que algumas mesas são
scretárias pode ser deduzida da própria constituição do grupo das mesas.)

Se for verdade o segundo caso (da experiência), a metafísica deixa de ter sentido, como Hume
pretendia. Metafísica é a disciplina que se ocupa das coisas que não são físicas, que não são
naturais (físico = tudo o que podemos compreender a partir dos sentidos, incluindo os nossos
conteúdos mentais).

Kant procurou descobrir provas da geração de conhecimento na própria razão e


independentemente dos sentidos.
Segundo Kant, a Matemática e a Física conseguem chegar a conhecimento novo
independentemente da observação: apenas por exercício racional é possível gerar certezas
novas que não estavam contidas nas premissas do problema inicial. Se eu disser “o todo é
maior do que a parte” estarei apenas a usar a razão: não preciso de qualquer observação
empírica para saber que isto é verdade. Porém, esta afirmação não gera nenhum
conhecimento novo, porque na definição de “todo” e de “parte” já está presente a conclusão,
porque qualquer todo é maior do que qualquer parte desse todo. NÃO HOUVE NENHUM
AUMENTO DE CONHECIMENTO. Ao uso da razão pura que não gera conhecimento novo (o que
aconteceu neste exemplo dado) Kant chama de juízo a priori analítico: juízo porque é uma
faculdade da razão; a priori porque é feito dentro da razão, seguindo regras universais; e
analítico porque apenas se julga a correcção da proposição sem gerar conhecimento novo.

Será possível que a razão pura a priori consiga fazer juízos sintéticos, os que geram
conhecimento novo? SIM. Na matemática o juízo de que (4+1)=(3+2) é verdadeiro ou falso
geraria conhecimento novo independentemente da experiência. Que isto é verdade pode-se
compreender recordando a fórmula (a+b)=(c+d) é válida para quaisquer números naturais que
se possam pensar, mesmo aqueles que nunca foram concretamente considerados por
nenhuma mente. A matemática assentaria, assim, em juízos a priori sintéticos: o que
demonstra que a razão pura pode gerar conhecimento novo!

Esta discussão sobre se existem ou não juízos a priori sintéticos não tem importância para a
história da psicologia. O que é relevante é a afirmação de que a física e a matemática são
obtidas a partir da razão pura e que todas as outras ciências são provenientes do exercício da
razão pura sobre os dados empíricos (adquiridos da experiência). Esta conclusão foi inovadora
no sentido de vincar a necessidade de compreender em que é que a mente influencia a
apreensão da realidade exterior. Veremos porquê.

Kant defende que os nossos sentidos só são possíveis porque toda a experiência consiste na
imposição de dois a priori aos dados provenientes do exterior: o tempo e o espaço (o tempo
integra os acontecimentos e o espaço permite que consideremos objectos, substâncias, etc.).
Assim se formam conceitos que a razão vai depois analisar e relacionar de acordo com os a
priori da razão pura – ou seja, toda a realidade conhecida, seja pela percepção seja pela razão
que trabalha os dados da percepção, é um produto combinado das operações da mente e da
realidade exterior. Segundo Kant, nós interpretamos a nossa experiência com base nos a priori
dos sentidos e do entendimento e nenhuma actividade humana escapa a essa regra.

A conclusão mais importante de Kant para a psic. Moderna é que para sabermos como o
conhecimento tem lugar temos de compreender que a mente impõe as suas regras Àquilo que
é conhecido. Seria, então, esta a função da metafísica: não especular sobre as coisas mas
compreender, pela razão, como o entendimento é determinado por regras. Essas regras são
quer da razão pura quer da sensibilidade (espaço e tempo).

Nota sobre o EU Transcendental e o EU Empírico

Um tema potencialmente psicológico é o do EU. Diferença: o EU empírico são os conteúdos da


minha mente, os meus sentimentos, pensamentos, percepções, etc.; o EU transcendental são
as condições necessárias para que haja unidade de consciência (as condições que determinam
que os vários estados mentais sejam MEUS). Kant não se explica claramente sobre essas
condições além de afirmar a unidade da consciência. A razão parece-me ser a de ele procurar
afastar-se da explicação dita psicológica das condições de conhecimento. Assim, ao procurar
caracterizar o sujeito do conhecimento, evita qualquer referência à experiência de se ser
sujeito de conhecimento para se centrar nas condições formais de conhecimento. A tarefa é
semelhante à que se procuram impor, actualmente, os cognitivistas, que não invocam como
explicação a experiência de conhecimento mas apenas as condições de conhecimento.

Kant perguntava-se como pode o mundo físico ser conhecido, isto é, quais são as condições
necessárias para que haja experiência de representação – experiência mental. Ele raciocina
então como um engenheiro que pretende replicar as funções de um mecanismo que não pode
examinar de perto, ou como um relojoeiro que tenta replicar o movimento dos ponteiros sem
poder ver o maquinismo do relógio; é a isto que se chama “método transcendental”, e
corresponde exactamente ao que se chama, actualmente, “funcionalismo” e que está na base
da maior parte das ciências modernas (há uma replicação da função e não se estuda a
estrutura; é por isso que os psicólogos cognitivistas se separam dos neuropsicólogos: os
cognitivistas estudam processos, os neuropsicólogos estudam os mecanismos que
implementam esses processos).

NÃO É POR INTROSPECÇÃO que Kant procura o esclarecimento das regras que possibilitam o
conhecimento, pois acha que não se consegue descrever com rigor a mente porque não se
pode medir, porque não se podem distinguir bem os conteúdos de representação mental e
porque a simples observação afecta o objecto de estudo. Assim, Kant não descreve a mente:
trata de encontrar, por raciocínio funcional, que operações da mente são necessárias para que
haja conhecimento. Isto é exactamente igual ao que faz actualmente a Psicologia cognitiva.

Síntese da formulação Kanteana (retirada da aula teórica)


Psicologia Cognitiva
Existe o MUNDO (coisas)
Há uma transformação (aqui haveria categorias à priori
Informação
Informação inacessíveis à ciência porque não eram observáveis… Ela
postuladas, hipóteses… (Mueller diz que existem na mente e
podem ser estudadas).

Faculdades Cognitivas

Dá origem à experiência mental (i.e.,


o conhecimento).

IGUAL
(retirado da aula) Entre o “EU SUJEITO” e o objecto que o mesmo observa, existem conotações
(desejo, apreciação, etc.). Se o sujeito eu não olhar para o objecto, deixa de existir estas
conotações, mas o eu não deixa de existir!

Capítulo 7: Contexto Cultural dos inícios da Psicologia Científica

Comparação dos modelos da física e dos modelos do significado

A psicologia funda-se, no final do séc. XIX e inícios do séc. XX, na Alemanha, em pelo menos
três versões diferentes:
– A de Wundt, que apresenta ele próprio duas versões
– A de Freud
– E a da Psicologia Gestalt.
Pouco depois desta fundação da psicologia na Alemanha, funda-se nos Estados Unidos outra
psicologia dita “da adaptação” que vai cedo dar ao condutismo (behaviorismo?).

Na Alemanha, durante o “século das universidades” (=séc. XIX), que era o principal centro de
irradiação da psicologia académica, as universidades pretendiam produzir ciência. A ciência
podia fundar-se em dois modelos/correntes: o das ciências naturais (lidam com a matéria) e o
das ciências do espírito (lidam com a actividade mental).

Capítulo 8:

Mueller: nós vemos as coisas não porque elas são visuais, mas porque são transformações
visuais. A realidade verdadeira não tem nada a ver com a nossa experiência menta, porque
nós a transformamos. O mundo não tem qualquer característica que nós pomos nele, mas
podemos estudar a transdução -> que explica essa transformação! Mueller apoia as ideias
de Kant.

Capítulo 9: Fundação da Psicologia Experimental

A fundação da Psicologia experimental tem dois candidatos. Fechner e Wundt. Ambos


trabalharam na tradição da fisiologia, mas ambos recusavam o materialismo da posição. As
contribuições de cada um são muito diferentes: Wundt contribuiu muito mais para a fundação
da Psicologia experimental do que Fechner.
Gustav Fechner

Relacionamento quantitativo entre o mundo físico e o mundo mental: Medir a intensidade de


estímulos físicos era simples; mas como medir a sensação mental que eles produziam?
Fechner criou uma metodologia, ainda hoje conhecida pelo nome de limiares diferenciais. Este
método pode ilustrar-se com um exemplo: imaginemos que nos colocam na mão um caderno;
se se colocar mais um caderno, na mesma mão, nós vamos notar a diferença quando se nos
juntar o vigésimo-primeiro? Não. Utilizando este princípio, Fechner detectou quais eram as
menores diferenças necessárias para que se sentisse uma mudança de estimulação (mínima
diferença perceptível), e notou que, em geral, a relação entre a magnitude do estímulo inicial e
a magnitude de diferença necessária para ser detectada uma diferença era dada por uma
função.

Lei de Fechner – há uma relação entre a intensidade física e a percebida do estímulo.


Sensação Psic.

Intensidade

Fechner compreendeu a sua relevância para o estudo da mente. Propôs algumas outras
formas de medir a sensação que conseguiram convencer a comunidade científica de que a
relação entre o corpo e a alma era mensurável.
Esta demonstração era crucial, dado que Kant declarara que a mente era impossível de medir.
Fechner mostrou que essa afirmação era errada. A disciplina criada por Fechner chamou-se
Psicofísica, isto é, a disciplina que estuda as relações entre as medidas físicas e as medidas
psicológicas. Ainda hoje os seus métodos têm uma grande importância na psicologia dos
sentidos. Segundo Boring, Fechner formulou uma lei matemática que relaciona os mundos
físico e psicológico e, assim, fundou a psicologia experimental.

Wundt

As psicologias de Wundt: Contudo, esse mérito dado a Fechner pela parte de Boring é
geralmente atribuído a Wundt. Foi dele que veio o principal impulso para estudar
experimentalmente a mente e a consciência. Wundt fundou, portanto, a Psicologia
Experimental, mas foi claro ao afirmar que o método experimental era insuficiente, pois as
actividades humanas superiores eram condicionadas por características da cultura em que o
indivíduo se encontrava. Esta separação, que domina toda a vida intelectual alemã (a distinção
entre as Ciências da Natureza [lidam com a matéria] e as Ciências do Espírito [lidam com a
actividade mental]).

As bases intelectuais de Wundt: As suas ideias evoluíram ao longo do tempo mas podem ser
apresentadas com alguma clareza. Houve uma passagem progressiva da crença de que a
Fisiologia poderia explicar os processos mentais para guardar da Fisiologia apenas a
metodologia (relembrar que ele mais tarde admitiu que o método experimental era
insuficiente para o estudo da mente, sendo que esta era condicionada não apenas por
características fisiológicas, mas também culturais/ambientais).

Para compreendermos bem a oposição entre a fisiologia e a psicologia há que recordar a


distinção entre Ciências da Natureza e Ciências do Espírito:
As Ciências da Natureza tinham como lema a redução de todos os fenómenos às
propriedades da matéria. E, segundo a posição de Helmholtz, de quem Wundt foi
assistente, a psicologia seria explicável a partir da fisiologia.
A posição das Ciências do Espírito era diferente: os fenómenos da cultura (e a mente)
eram irredutíveis às formulações materiais e tinham de ser descritas e apreendidas no
nível em que ocorriam, sem redução ao material.

Wundt desde o início que não aceitou totalmente a versão naturalista (das ciências naturais).
Mesmo nos seus primeiros textos, onde está ainda bastante próximo das formulações
fisiológicas, mostra o seu desejo de compreender os processos mentais na origem da vida
mental superior (religião, mito, linguagem, etc.). Assim, podemos dizer que a Psicologia de
Wundt assentava nos dois campos, da natureza e do espírito, onde o mesmo esperava
desenvolver conceitos e explicar o próprio Homem.

Posição Filosófica de Wundt: Wundt era um filósofo que privilegiou a psicologia, mas fê-lo por
razões filosóficas, não apenas porque se interessou pela questão da mente. Wundt posiciona-
se no debate entre as ciências naturais e as do espírito.
Para Wundt, não haveria distinção entre os fenómenos do mundo físico e os fenómenos
mentais. A influência de Fechner é crucial neste ponto, dado que ele mostrou precisamente
que a física e a psicologia são duas linguagens, diferentes mas relacionadas, para descrever o
mesmo fenómeno (esta ideia é mais antiga: vem de Espinosa). Este monismo (monismo
porque a realidade é a mesma e diferem apenas as linguagens) é diferente do dos
materialistas (Helmholtz, por ex.): a redução ao fisiológico não é a explicação porque os
fenómenos mentais e os fenómenos físicos são duas maneiras de representar a mesma coisa,
de modo que não basta explicar tudo na linguagem dos fenómenos físicos, como pretendem
os materialistas.

PARALELISMO PSICO-FÍSICO: É a posição na qual Wundt declara que fenómenos mentais e


físicos seriam exactamente os mesmos, mas, nas ciências da natureza, deveria ser feita uma
abstracção do aspecto subjectivo desses mesmos fenómenos (recordar
Ontologia: o que é
a ideia de Galileu: devemos tentar ser objectivos e estudar apenas
uma coisa
aquilo que, nos fenómenos, pertence aos objectos e não ao (psicológica);
observador). Epistemologia: como
Mas esta abstracção feita pelas ciências da natureza não implica que a sabemos sobre essa
coisa (psicológica).
subjectividade não seja importante: os fenómenos aparecem-nos
sempre como compostos de objectividade e subjectividade. A
subjectividade é estudada pelas ciências do espírito, nomeadamente os resultados da acção e
da imaginação humana. A psicologia deveria estudar a subjectividade dos fenómenos e as
consequências, mais objectivas, dessa subjectividade (a história, a filosofia, os mitos, a religião,
a própria organização cultural). Assim, a psicologia encontrar-se-ia no centro das ciências
naturais e das do espírito, e esta sua posição dar-lhe-ia o objectivo de unificar todo o
conhecimento. Portanto, filosoficamente, a psicologia passa a desempenhar um papel
importante: o da definição da epistemologia.

Vista com olhos Vista com olhos


subjectivos. objectivos.

Esta preocupação filosófica de tentar “interligar” as ciências naturais e as do espírito


no estudo da psicologia é fundamental para compreendermos as suas investigações, e traduz-
se em termos de processos psicológicos (a seguir).

As Ideias Psicológicas de Wundt: Apresentação analítica dos conceitos de Wundt:

– Paralelismo psico-físico
Já vimos que Wundt defende a ideia de que as ciências naturais fazem abstracção das
propriedades subjectivas das nossas representações (como ocorre desde Galileu). Porém,
pode-se fazer o processo de abstracção contrário e estudar apenas essas propriedades
subjectivas. Assim, a física e a psicologia partiriam do mesmo fenómeno (da representação
mental das coisas). A física faria abstracção da parte psicológica, e a psicologia concentrar-se-ia
nessa parte. Esta ideia é importante porque demarca a psicologia da posição do materialismo
reducionista: é possível explicar fisicamente a mente. Há, assim, uma causalidade física e uma
causalidade psicológica, ambas abstracções a partir dos mesmos fenómenos mas
independentes.
– Elementos da consciência
Wundt costumava defender que o estudo da mente implica o estudo das suas partes mais
pequenas e indivisíveis. Mas não acreditava que a nossa experiência das coisas e de nós fosse
elementar/decomponível. Ele afirma claramente que a experiência é UNA mas acredita que a
explicação é analítica: tal como as ciências físicas decompõem a matéria em princípios mais
básicos, a psicologia deve procurar os elementos que estão por detrás da consciência.
Ao tomar esta decisão, Wundt segue a posição de Hume: existem sensações elementares que
se combinam e seria necessário, através da análise psicológica, pôr em evidência que
sensações elementares são essas. Estes elementos base, para Wundt, não são apenas as
sensações mas também aquilo que ele chama “os sentimentos” (tensão-distensão, prazer-
desprazer, excitação-calma) e a ideia de vontade, isto é, a polarização da vida consciente como
esforço de análise e síntese mentais. Estes elementos mentais combinam-se por associação,
tal como em Hume, mas essa associação é inconsciente: não teríamos consciência dos
elementos mas apenas dos resultados da combinação entre eles. E como Wundt propôs
chegar a esses elementos? (em baixo).
A combinação dos elementos seria de dois tipos:
Combinação passiva: associação não dirigida (por ex., a associação de palavras sem um
pensamento dirigente) e tão pouco típica que representava o pensamento dos
doentes mentais (aluno de Wundt identificou a doença a que chamou esquizofrenia e
caracterizou-a precisamente em termos de inexistência de combinação activa);

Combinação activa: há uma análise e síntese das várias partes daquilo que está na
nossa consciência (+ típica).
Haveria um foco e uma periferia da consciência, e para que pudesse haver esta
Percepção: aquilo que eu
análise e síntese era necessário que as coisas fossem trazidas para o foco. Aquilo vejo inconscientemente;
que está no foco da consciência seria apercepcionado (termo utilizado também
por Kant), ou seja, haveria consciência clara e nítida do que é conhecido; aquilo Apercepção: Aquilo que
eu vejo com atenção
que está na periferia é apreendido e não haveria consciência nítida (por exemplo,
(conscientemente). Há um
uma pessoa que esteja a ler um livro com atenção, ela está a apercepcionar as centro de atenção.
frases que está a ler e, ao mesmo tempo, a apreender o tipo de letra e a textura
do papel: tem consciência das frases mas não da letra e do papel). É, portanto, a apercepção, a
actividade de análise e síntese que ocorre no foco da consciência.
A apercepção é sempre orientada por um esforço (não é passiva, mas activa), mas não há um
agente invisível que dirige a atenção, mas sim sensações subjectivas que acompanham a
apercepção: o esforço, a orientação e a concentração de nós perante o problema a resolver e
está na origem da ideia do EU (próximo tópico). Assim, as actividades que definem a
apercepção (uma associação activa) são a análise, a síntese e a orientação para uma finalidade.

Síntese deste ponto (retirada da aula teórica):


- Como podemos observar a mente? (Ponto questionável de Wundt): Embora a
experiência mental fosse um todo, ele disse que podia ser decomposta por partes que
compõem a realidade. Para ele, a experiência mental é una, mas é decomponível em
elementos (IMPORTANTE!). Ele diz que eu percepciono as coisas por elementos, e faço
uma síntese através de uma associação. Para Wundt, aquilo que dirige a associação na
mente é a vontade (o esforço de apercepção).
- Diz Wundt que as pessoas têm um centro de atenção (quando uma pessoa está a ler
um livro, vai atender ao sentido do texto – apercepção) e uma periferia (no mesmo
exemplo, a pessoa vai atender à ordenação das palavras – percepção). A apercepção é
uma síntese de elementos. A mente pega em vários elementos e analisa, sintetiza e
recombina-os. Há uma ideia de conjunto que vem de fora, que eu analiso os
elementos e volto a juntá-los. Como é que eu adquiro estas associações/sínteses?
Através da aprendizagem? Segundo Wundt, estas são inatas e não adquiridas!
- Sensações simples: Atenção/distenção, prazer/desprazer e excitação/calma. A partir
de associações destas simples, chega-se às emoções (sensações complexas) <- ?
- É através das apercepções que eu construo os meus conteúdos mentais (para Wundt,
cada sociedade tinha o seu conteúdo mental).
– O Eu
Se o estado mental é a vontade, a mente está sempre em “tensão” perante uma tarefa
(resolver um problema, querer algo, preparar uma acção). Há, então, como que um polo
organizador/uma direcção/uma sensação de unidade na actividade dirigida para a resolução
de um problema. O esforço da vontade une os elementos da consciência e é sentido como
diferente desses elementos. É esse sentimento da vontade que une o campo da consciência a
que Wundt chama EU.
Esse sentimento do EU pode sentir-se como parte ou como separado do corpo. Se for
separado, há duas hipóteses: o EU pode ser confundido com os conteúdos da mente (aquilo
que se acredita, por exemplo); ou pode existir como abstracção o EU-COISA dos filósofos
idealistas. A forma mais habitual do EU é uma experiência de vontade dirigida para um
problema que inclui corpo e mente. O EU não é uma ideia, é um sentimento que resulta da
interconexão de todas as experiências psicológicas.

– Elementarismo e inatismo de Wundt


Wundt era elementarista: acreditava que a mente se explicava pela análise das suas
partes/elementos/componentes. A psicologia Gestalt criticou Wundt por ser um
associacionista que acreditava que todos os conteúdos psicológicos eram obtidos por
aprendizagem, por associação.
Contudo, há muitas afirmações que revelam que Wundt era bastante inatista: acreditava na
herança do adquirido e na progressiva complexificação mental herdada, defendia que a
aprendizagem da linguagem era indicadora de preparações inatas e as emoções exprimiam-se
através de coordenações motoras inatas.
Parece, assim, haver uma contradição porque o Elementarismo, normalmente, combina-se
com o ambientalismo (como nos empiristas britânicos): de facto, se é a associação entre
elementos que está na origem da experiência, a aprendizagem torna-se um elemento
importante para a explicação da consciência unitária. Contudo, esta posição não é a de Wundt.
Para compreendermos a sua posição vejamos o exemplo da anatomia. Ninguém alguma vez
pretende que a análise anatómica (decomposição do corpo em PARTES) implicasse que o
corpo seja produto do ambiente: segue um plano biológico bastante rígido. O Elementarismo
de Wundt deve ser compreendido precisamente nessa perspectiva:
Há elementos e combinações de elementos, mas essas combinações levam a
processos mentais típicos da espécie.

Livro 3: A Psicologia na América

Declínio das grandes teorias: A etologia e a psicologia genética são as últimas grandes teorias
europeias sobre a Psicologia; ambas são de raiz biológica, mas uma para a identificação de
estruturas matemáticas compatíveis com o comportamento e a outra aponta para o
significado evolutivo e para as funções do comportamento. Ambas começaram a influenciar
cada vez menos a investigação, pois, por um lado, a Europa foi progressivamente perdendo
terreno na investigação, e, por outro, as universidades americanas começaram a ganhar poder
financeiro.
Trabalhar nos EUA era fundamentalmente diferente de trabalhar na Europa. Na Europa, um
investigador deveria ser um pensador. Nos EUA acreditava-se na produção e nos resultados de
investigação.
Nos EUA os resultados são medidos pelo número de publicações que se tem e pelo prestígio
das revistas em que se publica. E para se publicar numa revista prestigiada é necessário que o
trabalho não vá contra as expectativas dos editores e revisores que são produto da mesma
escola de investigação. Assim, acaba por haver uma tendência para a uniformização dos
trabalhos.
Assim, assistimos a uma transformação dos professores universitários: passam de autores
críticos a operários de uma linha de produção em que vale quem mais produz.
A Europa ao ficar fragilizada e destruída após a 2ª Guerra Mundial, a Psicologia moderna
passou a ser liderada por aquilo que se fazia nos Estados Unidos, até aos dias de hoje. A
psicologia que é feita actualmente nas nossas universidades segue modelos americanos: as
revistas lidas e onde interessa publicar são as americanas, as teorias e os autores referidos são
americanos, os problemas são americanos e até a terminologia que os psicólogos usam é
americana.

Na América, procuraram os especialistas (psicólogos) para alterar o Homem, e não para


estudá-lo.

A Tradição Teórica vinda da Europa foi abandonada, e foi aplicada uma Mudança Prática ->
Psic. Aplicada -> Psicologia da 3ª pessoa (afasta-se do valor introspectivo da 1ª pessoa).

Elementos do Pensamento Europeu na Fundação da Psicologia Americana

Os primeiros psicólogos americanos fizeram sistemas que são um prolongamento do


pensamento europeu. O primeiro psicólogo importante nos EUA foi Tichener, que dá
seguimento às ideias de Wundt (embora modificando-as e simplificando-as). Segui-se-lhe
William James, um dos pensadores mais originais na Psicologia, mas que não defende ideias
tipicamente americanas: a Psicologia americana seguirá rumos muito diferentes dos dele.

William James: O início da Psicologia norte-americana é anterior a James.


Interessavam-no os autores não americanos. Nunca se sentiu muito bem no ambiente da
Psicologia americana, e contudo é considerado o primeiro psicólogo americano.
Ideias de James: James suspeitava da viabilidade de Psicologia científica e era contra a ideia de
que o método tinha de sempre de ser experimental e de que psicologia tinha de se debruçar
sobre conteúdos objectivos.

Era um pensador profundo e analisou criticamente as várias posições do seu ponto. A sua
psicologia justapõe/une fisiologia e introspecção, como no wundtismo, mas com resultados
muitos diferentes.

A sua ideia metodológica central era de que os métodos da Física não podem ser usados para
estudar a mente. De facto, a Física interessa-se por coisas que estão foras de nós e
observáveis; enquanto que a mente é evanescente, sempre em transformação, e impossível de
observar independentemente do observador.
Metodologia: O método de James é empírico: tenta analisar e descrever o que sentiu da
maneira mais clara possível. A sua obra tem um carácter muito empírico, mas grande parte
baseia-se na introspecção e descreve sensações mentais. A apresentação das observações não
obedece a critérios teóricos precisos, mas apenas aos temas que James encontrou serem
importantes. É verdade que a elaboração teórica de conjunto não existe, mas James queria
que a sua contribuição fosse puramente fenomenológica. Neste sentido, a sua obra é a única
da Psicologia moderna a tentar realmente descrever o que se sente na mente. Os temas
relevantes são: os sentidos, o hábito, o fluxo de consciência, o Eu, a atenção, a concepção
mental, a discriminação, a associação, a percepção do tempo, a memória, a imaginação, a
percepção do espaço, o pensamento, a emoção, a vontade. Há, ainda capítulos mais teóricos
sobre o sistema nervoso, sobre a origem da consciência (na qual James considera o
movimento), o instinto, a percepção e outros temas importantes no tempo de James.

Anti-elementarismo: James defendia que a mente devia ser estudada não em termos de
elementos, que ele pensava serem apenas conceitos derivados teoricamente e não entidades
reais. À ideia de que os elementos da mente existiam e podiam ser descritos chamava-lhe a
falácia dos psicólogos.

Segundo James havia não elementos (sensações) mas um fluxo de consciência que deveria ser
estudado introspectivamente para se lhe compreender a razão de ser (a mente é composta
por este fluxo). Esse fluxo de consciência tinha de ser explicado por referência à função: não
faria sentido a evolução de uma coisa tão complexa como a consciência se não tivesse
utilidade (argumento muito importante de James, que os psicólogos condutistas subsequentes
ele se esqueceram!). A função da consciência seria poder escolher os vários aspectos a que se
dá atenção (aquilo a que se dá atenção é, quase por definição, consciente); estaria, portanto, a
relacionada com o livre-arbítrio e a vontade. Por exemplo, uma pessoa que esteja a ler um
livro, há muitos mais conteúdos de consciência que lhe vêem à mente, e pode ser necessário
um esforço de vontade da sua parte para continuar concentrado no que está a ler e não na dor
que sente nas costas, nas comichões no cabelo ou nos passarinhos a cantar. As escolhas são
importantes porque o pensamento depende da selecção e valorização de certos aspectos da
consciência. Quer dizer, a consciência serviria para escolher entre várias coisas que nos
ocorrem à mente: a escolha tem de se fazer entre conteúdos da consciência, e essa escolha
implica um Eu.

Neste fluxo de consciência distinguem-se dois tipos de experiências:

– As experiências substantivas: aquelas que conseguimos representar como objecto da


nossa atenção (por exemplo, o que está à minha frente, ou em que partido vamos
votar e porquê);
– As experiências transitivas: muito mais difíceis de capturar, porque não se conseguem
imobilizar e quando se capturam passam de transitivas a substantivas (James diz que é
como acender a luz para ver o escuro: no momento que se acende a luz deixa de haver
escuro).
A noção é bastante interessante porque é muito fácil recordar uma conclusão mas muito
difícil, impossível, quase, recordar o modo que nos levou a ela – isto é, recordamos os
resultados do nosso pensamento, mas não os processos de pensamento em si. Por exemplo,
se estivermos a resulver um problema, recordaremos muito bem a decisão e os argumentos
que levam a essa decisão. Mas não nos recordamos dos passos que nos levaram a essa
decisão, pelo menos não da maior parte.

James expõe, com muita precisão, aquilo que se sente durante o processo. Quando pensamos,
temos um tema, um objecto de pensamento – por ex., queremos recordar um nome que não
nos ocorre – e tentamos dar soluções várias. O que ocorre, segundo James, é que o problema
gera uma espécie de halo (círculo luminoso) que ilumina as várias soluções em que pensamos.
Essas várias soluções são rejeitadas ou aceites consoante são congruentes/coerentes com o
problema ou não. Esse halo seria um princípio de congruência (=coerência) na mente. Assim,
admitindo que falamos duas línguas, quando estamos a falar numa delas não nos ocorrem
palavras de uma outra: é como se a actividade gerasse o seu campo de congruências, e
ninguém dirá que “the garrafa de água está on top of the mesa”; da mesma maneira, se
estivermos a pensar num determinado tema (por exemplo, gelados), os pensamentos
congruentes asseguram que a nossa concentração se mantenha no tema: não passamos de
gelados para canetas ou camas.

O Eu e o Mim/Meu: O centro de toda esta actividade consciente seria o Eu, um dos principais
conceitos de James. Esse Eu é o ponto central de mim próprio. James chega à distinção de Eu-
sujeito e Eu-objecto, a que ele chama a distinção entre o Eu e o Mim (I & Me). Segundo James:

O Eu é apenas a consciência de existir, consciência essa que se nota particularmente


bem quando queremos fazer alguma coisa: sentimos um movimento de dentro de nós
para fora de nós. O “dentro de nós” é aquilo que é recordado com experienciado;
assim, eu sinto que sou o mesmo de ontem porque essa qualidade de sentir é
constante, independentemente das circunstâncias (o sentir-me é diferente de ver uma
coisa exterior e é diferente dos sentires dos outros, sentires esses que eu não vivo mas
apenas sei que existe (recordar o que foi dito no cap.1) – Eu-sujeito.
O Mim é a imagem que eu vejo de mim próprio, quer dizer, aquilo que eu veria se me
visse de fora, comportamentalmente. Existem três domínios do mim:
― O Mim material, corresponde a todas as coisas que achamos nossas: os nossos
livros, móveis, casa, roupas. Esta ideia revela a importância da nossa ligação
com o meio: somos o centro do nosso mundo, e aquilo que nos pertence é
nosso e faz parte de nós.
― O Mim social são as nossas relações com os outros, nomeadamente os papéis
que desempenhamos perante cada pessoa que nos conhece: o papel que
desempenho quando estou nas aulas não é o mesmo daquele que tenho
quando estou com a minha família, que é, por seu turno, diferente do que
desempenho quando estou sozinho.
― O Mim espiritual (ou mental) é o conjunto das nossas actividades mentais. Este
Mim é mais Eu do que os outros, que são mais “Meu”. As coisas que eu penso
e em que eu acredito e aquilo que eu sinto – as minhas teorias, convicções e
valores – são centrais neste Mim.
Perifericismo: Teoria das emoções.

Exemplo: Vemos um leão a correr para nós; fugimos porque temos medo, ou temos medo
porque fugimos?

James achava que a consciência, ao tomar nota das nossas reacções comportamentais e
vegetativas, compreendia o que estava a ocorrer, e tinha então medo, ou seja, temos medo
porque fugimos; a consciência seria informada das reacções do corpo que determinam o
comportamento, e não são, elas próprias, determinantes do comportamento. A experiência
subjectiva corrente é a contrária. A ideia de que a consciência é determinada pelos estados do
corpo e que não é determinante desses estados, foi muito influente nos EUA. Pode-se lhe
chamar “periferismo” – determinação da experiência central pelos processos que lhe são
periféricos. A ideia não é verdadeira nem falsa, na medida em que ocorrem influências nos
dois sentidos, mas a Psicologia norte-americana enfatizou sempre a determinação externa da
mente (behaviorismo?), e nesse sentido a ideia foi influente.

O perifericismo é a ideia norteadora da fisiologia experimental de 1900, baseado na fórmula


estímulo->corpo->mente, isto é, a ideia de que as sensações tinham de ser determinadas de
fora, como os cinco sentidos. Contudo, esta ideia é contrária à de liberdade de escolha, de
livre-arbítrio e James modificou-a mais tarde.

O Hábito: Era uma forma de a cultura nos dominar e enformar, determinando os nossos juízos
de bem e de mal, de correcto e incorrecto e de maneiras de fazer as coisas. Ou seja, a
aprendizagem era vista como raiz da fixidez comportamental.

Impacto de James: Em vários aspectos, a influência de James foi muito menor do que
geralmente se pretende.

- Enfatizou os elementos de consciência, e a Psicologia americana afastou-se do seu


estudo;
- Desenvolveu uma distinção fundamental entre o Eu e o Mim, que foi retomada
apenas fora da Psicologia (por George H. Mead,6 por exemplo);
- Enfatizou o aspecto imobilista da aprendizagem social, enquanto que foi a corrente
que apresentava a aprendizagem como fonte de libertação social que triunfou;
- Defendeu o estudo da mente em termos funcionais (influência do darwinismo);
Afirmou que a tomada de consciência é posterior aos processos comportamentais e
fisiológicos. Essa opinião, que forma o tronco da ideia de periferalismo, isto é, que o
comportamento e a mente são determinados a partir da periferia para o centro, foi
muito influente na Psicologia americana, mas, como vimos, é difícil saber se foi a teoria
de James ou o prestígio da fisiologia, o determinante dessa influência.

De onde vem então a importância de William James? As suas ideias pouco foram seguidas, mas
não deixa de ser verdade que afirmou a importância da Psicologia americana e deu aos
psicólogos confiança para seguir caminho.
Notas tiradas na aula teórica:
― Thorndike (lei do efeito): A noção de mente para estudar as crianças e os
animais não serve para nada. Basta estudar o efeito que o ambiente tem no
animal e vice-versa, de modo a prever a mudança comportamental.

1 relação organismo-ambiente é comportamental (Behaviorismo:


estudo da mudança, não do comportamento!).

― Posições funcionalistas -> relação organismo-ambiente


― Elementarismo: organismo estudado parte a parte
― Externalismo: nada disto é interno; tudo é visto pelo exterior (3ª pessoa)
― Ambientalismo/anti-inatismo: não há nada interno.
― Americanos queriam parecer físicos e químicos, não queriam, na realidade,
estudar a psicologia.

Cap. 11: A “Teoria Gestalt”

Gestalt: ideia de uma coisa qualquer tem, no seu todo, propriedades impossívels de identificar
nas partes. Neste sentido “Gestalt” significa “propriedades de conjunto”.

Percursores:
Wundt foi um filósofo muito influente, quer na filosofia, quer na Gestalt opõe-se à
psicologia. A sua psicologia parecia viável e era, em geral, aceite. transformação e
Contudo, como já vimos, houve críticas e é delas que emerge,
que o mundo é
progressivamente, o movimento Gestalt.
elementar e pode
Ehrenfels: A primeira crítica do elementarismo wundtiano vem de ser sintetizado
Ehrenfels. O argumento de Ehrenfels era o seguinte: (posição de Wundt).
Independentemente dos elementos, há qualidades de conjunto que Há leis de conjunto.
são sentidas na apreciação desses conjuntos. Essas qualidades são de Gestaltistas: Como é
vários tipos. Imaginemos a qualidade de aspereza: encontra-se em que são os
superfícies, em sons (aquilo a que chamamos sons rascantes) e nos
elementos que
caracteres das pessoas. Uma outra característica seria «nítido».
Podemos dizer isso de uma percepção, do discurso de uma pessoa, de fazem o todo, sendo
um som, de uma pintura, de uma ideia. Da mesma maneira, há que os elementos
pessoas, melodias, quadros e até estilos «angulosos» ou «macios». são todos
diferentes? Não há
síntese de
Köhler dá um exemplo interessante destas qualidades. Considerem-se elementos, mas sim
duas palavras, Maluma e Takete. Das figuras em baixo, qual nome
uma experiência
corresponde a qual figura?
total.
Curiosidade: E porque acontece
isto? Para desenharmos a figura 1
precisamos de mais energia do que
para desenharmos a figura 2
(desenhar cantos gasta mais energia
do que desenhar curvas). O mesmo
acontece com as sílabas “ta” e “ma”:
gastamos mais energia a dizer a
primeira.

A maioria das pessoas respondem que Takete é a 1ª figura (angulosa) e Maluma é a 2ª figura
(curvilínea). Haveria então uma qualidade de «angularidade», de «pico» na palavra takete e de
«macieza» em maluma. É a isto que Ehrenfels chamou as qualidades de conjunto (o exemplo,
e as imagens, são da autoria de W. Köhler).

Assim haveria, além dos elementos, uma qualidade da forma total. Ehrenfels dizia que uma
melodia soa como a mesma melodia ainda que seja transposta. Imaginemos a mesma melodia
cantada por uma rapariga e por um homem, a rapariga mais depressa e o homem mais
devagar: os sons serão todos diferentes, mas a melodia é a mesma. Assim, não reconhecemos
um todo a partir da síntese dos elementos, mas a partir de propriedades do próprio todo .

Carl Stumpf: Wundt se opôs Carl Stumpf, pois este mostrou, a partir de uma formação
musical completa, a insustentabilidade da posição de Wundt. A nossa percepção de uma
melodia não depende da percepção dos elementos mas da sua disposição geral, a que se
poderia chamar forma de conjunto.
Também defendia o estudo da consciência tal como se nos apresenta, isto é, seria inútil e
enganador procurar elementos. A esta posição chamou-se fenomenologia.
Stumpf influenciou directamente o movimento da Gestalt ao enfatizar a artificialidade de
procurar elementos na consciência, consciência essa que se nos apresenta como sintética e
não composta de partes. De resto, um dos mais influentes autores gestaltistas, Köhler,
sucedeu a Stumpf como Professor de Psicologia na Universidade de Berlim.

O primeiro autor que se pode considerar gestaltista é Max Wertheimer. Foi o mais influente
dos gestaltistas, embora tenha sido Wolfgang Köhler a ocupar o cargo mais importante –
como já disse, foi o de sucessor de Stumpf na Universidade de Berlin. Kurt Kofka e, em menor
grau, Kurt Lewin são os outros dois gestaltistas mais conhecidos.

Vários gestaltistas eram judeus, e durante o regime nazista, emigraram para os Estados
Unidos. Köhler chegou à posição eminente de presidente da associação americana de
psicologia (a famosa APA). Nem a cultura americana podia aceitar a complexidade da teoria
Gestalt nem o modo de relacionamento americano aceitou facilmente o estilo teutónico de
Köhler (demasiado marcial e quase abertamente desprezador da cultura intelectual
americana). Nesse meio, a teoria Gestalt desapareceu.

As ideias da Psicologia Gestalt

Independentemente de sermos mais inatistas ou ambientalistas, o nosso modelo da


compreensão da mente e do comportamento é fisiológico. Pensamos que existe um organismo
que filtra a potencial informação que se encontra «lá fora» e que a estrutura com base na
organização do sistema nervoso central e periférico.

Quando vemos uma forma achamos que há, fora do organismo, uma fonte de energia
(luz) que activa as células nervosas do olho. Essas células nervosas respondem e
transmitem a informação para o sistema nervoso central. Assim que chega ao órgão
periférico receptor (o olho) a luz é transformada, e a transformação continua depois
no cérebro. Essas transformações dão lugar a um processo fisiológico que geram a
experiência consciente de uma forma que se localiza no espaço.

Assim, o processo começa fora do organismo, é transformado no organismo e chega ao nosso


conhecimento como experiência consciente ou como comportamento (reflexos e reacções
automáticas).

Há, pois, três grandes fases:


1) A informação não transformada, fora do organismo;
2) A informação é transformada no organismo;
3) A experiência consciente e o comportamento.
Temos, assim: informação→transformação→consciência

Partimos do objecto (o que está «fora do sujeito») para chegar ao sujeito da experiência; no
processo há transformação. A maneira como essa transformação se faz seria o objecto de
estudo da Psicologia:
Podemos formular essas regras de transformação em termos de a priori, como fazia
Kant;
Como associação, como fazia Hume;
Como estrutura do sistema nervoso, como faziam os fisiologistas;
Como modelo hipotético de organização interna, como fazem os psicólogos e os
etólogos.

Mas, em todos estes casos, o modelo de pensamento é o mesmo. Acredita-se que a potencial
informação do ambiente é constrangida e modificada pelos mecanismos neurais e processos
psicológicos que dão lugar à consciência e ao comportamento. O processo seria, então,
semelhante ao de uma máquina que transforma a informação presente no mundo e a torna
consciente ou gera comportamento.

A posição da teoria Gestalt é completamente diferente. Recordo que o virar do séc. XIX para o
XX foi a época em que houve uma maior resistência à aplicação do modelo da máquina - os
críticos do mecanicismo defendiam que a analogia da máquina não se aplicava ao
comportamento e à mente. Para compreender esta recusa das máquinas temos de
compreender que as máquinas do final do séc. XIX eram diferentes das máquinas do nosso
tempo. Acreditava-se nessa altura que a natureza, deixada a si própria, produzia o caos porque
as forças, sem serem limitadas, entrariam em destruição e perderiam a organização. A ideia
era que as forças, se não fossem cuidadosamente canalizadas para um objectivo específico,
levariam à destruição de qualquer função existente. Em todos estes casos a ideia é a da
transformação das forças livres num resultado especificado pela estrutura da máquina. É
também esta a ideia que todos partilhamos sobre a psicologia: o estudo das regras de
transformação. Mas não é esta a posição da teoria Gestalt . Na verdade é precisamente contra
esta concepção que ela se levanta.
O movimento Gestalt critica a ideia de que a mente deve ser explicada em termos das
construções que o sistema nervoso coloca à informação proveniente do ambiente. Em vez de
se considerar que a energia, quando libertada, se traduz em caos e destruição (aquilo a que se
chama, na Física, entropia), os gestaltistas sugerem que as próprias forças da natureza são
organizadas – tratava-se da teoria dos Campos de Forças de Max Planck. Esta ideia pode ser
explicada com um exemplo que todos compreenderemos: se se colocar limalha de ferro sobre
um papel e se magnetizar, por meio de um íman, essa limalha, veremos que ela se estrutura de
maneira a formar um conjunto organizado: faz uma espécie de múltipla ferradura em torno
dos dois pólos do íman.

De modo que a Gestalt afirma que se deve compreender a mente e o comportamento não
em termos da metáfora da máquina que transforma a informação do meio em consciência e
em comportamento, mas em termos da relação auto-organizada que a mente estabelece
directamente com o ambiente. Para compreender esta ideia é observar que desde o
condutismo, a psicologia foi profundamente marcada pela ideia de que devemos estudar o
comportamento e não a mente. Por isso, quando um psicólogo define o objecto da Psicologia,
tem tendência a dizer que é o comportamento. Mas a quase ninguém ocorreria, antes do
condutismo, reduzir a mente humana ao comportamento. De modo que os gestaltistas, como
todos os psicólogos anteriores à revolução condutista, queriam estudar a mente (recordemos:
psique=alma=mente).

Para Wundt, a única maneira segura de estudar os elementos de consciência seria utilizar o
método fisiológico que consiste em isolar partes do mundo e verificar quais são os elementos
da consciência (cores, cheiros, sentimentos). A Gestalt vem opor-se a esta posição. Era contra
a ideia de que a realidade psicológica fosse composta de elementos; contra a ideia de
associação mental como origem do significado das coisas; contra a ideia de que todo o
processo neural implicaria uma modificação profunda dos dados do mundo real; contra a
utilização dos métodos da fisiologia; e contra a ideia da auto-observação provocada à maneira
da fisiologia.

O que pretendiam então os gestaltistas? O objectivo da Gestalt é a consciência,


concebida não como resultado de uma restrição pelo sistema nervoso mas como processo de
detecção de forças no ambiente. Para isso centram-se na experiência tal como nos é dada, na
experiência comum, quotidiana, de olhar para um objecto sobre um fundo (uma caneta sobre
uma mesa ou uma árvore num prado). Esta experiência implica não a detecção de elementos,
mas a apreensão de conjuntos. Tomemos o exemplo de vermos um gato, imóvel, na rua. Não
nos será quase possível imaginar que as patas não façam parte do corpo do gato mas do chão
(e se o animal se mover nem conseguiremos pensar nessa possibilidade).

Os exemplos originais de Wertheimer são do tipo que apresento na linha que segue:
... ... ... ... ... ... serão vistos como: (...) (...) (...) (...), e não como (..)(. )(..)(. ). Ou seja, nunca se
vêem os elementos mas apenas os conjuntos definidos por esses elementos. Contudo, é
sempre possível, com esforço, ver os agrupamentos inabituais.

As regras de organização da psicologia Gestalt são várias. Todas elas implicam que a mente
impõe ao mundo físico uma estrutura que os elementos não têm intrinsecamente . Já disse que
tendemos a percepcionar figuras sobre um fundo. Por exemplo, se, de noite, olharmos para o
céu, veremos estrelas sobre um fundo escuro, e não uma tela escura furada em vários pontos
e muito menos pontos de luz isolados. As figuras que se vêm são compostas de vários
elementos que são percepcionados como grupos de estrelas – constelações. Da mesma
maneira as linhas de diferentes cores, brilhos ou texturas que compõem um tecido sãos vistas
como «padrões». Em todos os casos há formação de padrões, não apenas elementos isolados.
Esses grupos, ou padrões, são formados de acordo com três princípios:
A proximidade, que significa que os elementos próximos tendem a ser agrupados (é
por isso que, quando se escreve, se deixa espaços entre as palavras emve zd es
eescrev eras sim, ousimplesmenteassim).
A semelhança, que faz que elementos semelhantes tendam a ser agrupados (por
exemplo, se salpicarmos um tecido de padrão com gotas de água, veremos o padrão
formado pelas gotas de água como diferente do padrão formado pelas fibras do
tecido);
A continuidade, que faz que vários pontos dispostos segundo uma recta, uma curva,
uma parábola, etc., sejam vistos como representando não apenas pontos mas como
uma recta, uma curva ou uma parábola; é também por isso que este texto aparece
como organizado em linhas.

Além disto, a teoria Gestalt demonstrou um fenómeno muito


interessante. Se uma imagem for reversível quando vemos uma
das combinações não podemos vemos a alternativa; sucede
que, à medida que olhamos, vamos alternando entre as duas
figuras, mas não as conseguimos ver simultaneamente: aquilo
que é figura momentos atrás passou a ser fundo, o que é fundo
passa a figura, e podemos ver sucessivamente as duas figuras,
mas nunca simultaneamente (não conseguimos ver
simultaneamente a senhora jovem e a senhora velha). Isto
significa que se vêem sempre padrões de estímulos e não
elementos que podem ser coordenados como quisermos. O
efeito funciona quer com figuras e fundos que definem imagens
de coisas que conhecemos quer com imagens abstractas. Ou
seja, há uma actividade a que chamaríamos actualmente «atenção» mas a que a Gestalt
chama «intuição» (aparece, por vezes, em inglês, como «insight») que estrutura qualquer
campo perceptivo que seja experienciado. (Parenteticamente vale dizer que o conceito de
insigth é normalmente usado entre os psicólogos com o sentido de «descoberta»; a origem
deste significado é a que foi acabada de descrever – dá-se sentido a uma configuração).

O gestaltistas (Köhler principalmente) mostraram, em experiências, que a tendência perceptiva


para o agrupamento era geral, mesmo com conjuntos que nunca tinham sido vistos (e
portanto sem que houvesse aprendizagem). Mas a teoria Gestalt não seguiu na direcção de
admitir que, ainda que mais complexa, o mundo psicológico era sempre resultado de uma
máquina. A ideia mestra da teoria Gestalt era sublinhar não que a mente impusesse ordem à
realidade exterior, por restrição e agrupamento (o que constituiria a posição kantiana ue todos
defendemos actualmente), mas de que a mente detectasse ordem, que existe também no
mundo exterior.

(não queria perder muito tempo aqui, por isso parti logo para o resumo das ideias de
Gestalt. Caso não entenda algum dos pontos ditos em baixo, retomo a leitura)

Resumo das ideias:

― A ideia de mente e de fisiologia – Rejeita-se a ideia de que há transformação da coisa


em si para uma realidade mental e procura-se a identificação de estruturas de
conjunto que existem quer no mundo quer na mente. É essa a ideia de psicologia
proposta pela Gestalt. A fisiologia não é a maneira científica (ciências naturais) melhor
para explicar a mente porque impõe uma ideia de máquina que gera, elemento a
elemento, a consciência e os processos mentais; em vez disso, a fisiologia tem,
necessariamente, de ser estudada a partir do que se conhece dos próprios processos
mentais que são, por seu turno, semelhantes às leis do todo do próprio mundo físico.
Esses processos mentais são teoricamente inferidos da observação da própria mente.

― O eu como pólo de um campo de forças – O Eu, para a teoria Gestalt, é um dos pólos
do campo de forças – o pólo do sujeito. Contudo, o Eu nunca é teorizado como um
mecanismo director do processo mental (como sucede em Freud e, em certa medida,
com o sujeito – autor do esforço de apercepção – em Wundt). A teoria Gestalt, em si,
parece não ter lugar para o Eu. Como o que se pretende é compreender como a mente
detecta os campos de forças, os conjuntos, existentes fora dela, e como a explicação
são as estruturas de conjunto que existem quer na mente quer no ambiente, a teoria
Gestalt é, de todas as teorias da mente, a menos dependente do Eu e do
«homúnculo»: a experiência subjectiva é sempre explicada na terceira pessoa apesar
de haver descrição introspectiva. Tinha de ser assim, porque uma das principais
analogias da Gestalt é a física do campo que, naturalmente, não tem sujeito de
conhecimento, homúnculo, ou actor.
O Eu passa, portanto, a ser apenas o pólo sujeito de um campo de forças,
como na teoria de Lewin: há vectores entre o ambiente e o organismo que convergem
num ponto de decisão e a esse ponto chama-se Eu - é apenas isto. É uma teoria da
mente feita em termos dos processos de pensamento que os físicos como Max Plank
usam para descrever a relação entre coisas.

― O inato e o aprendido – A Gestalt contesta o associacionismo. Ora o associacionismo


elementarista, como se viu em Wundt, é necessariamente dependente da
aprendizagem. Da mesma maneira, o condutismo assenta na ideia de que tudo é
aprendido. A psicologia Gestalt, embora não negue fenómenos de aprendizagem,
pressupõe a existência de formas de apreensão da realidade que são independentes
da aprendizagem. A crítica do «inatismo» que foi atirada à Gestalt, nos Estados Unidos
(onde, durante o condutismo, se declarava que tudo era aprendido) foi refutada pelos
Gestaltistas que nunca negaram a aprendizagem (nenhum inatista alguma vez o fez).
Mas isso não foi suficiente: a menção de qualquer forma de inatismo era censura nos
Estados Unidos.

Avaliação: A proposta da psicologia Gestalt é muito interessante pelo facto de restabelecer a


teoria da conhecimento e a psicologia, abandonando a ideia de uma mente dirigida por uma
vontade e explicar tudo a partir da coexistência de estruturas de conjunto que se encontrariam
quer no mundo físico quer no mundo mental.

Cap. 10: A Etologia

Os verdadeiros fundadores foram o biólogo estoniano Jakob von Uexküll e o ornitólogo Oskar
Heinroth. As ideias destes dois autores convergiram no trabalho de Konrad Lorenz, que, num
artigo muito célebre desenvolveu uma teoria fascinante do comportamento, com ênfase na
parte instintiva, mas com a possibilidade de ser desenvolvido no sentido humano. A Lorenz
juntou-se depois Nikolaas Tinbergen e os dois formaram um campo teórico e empírico coeso e
convincente.
Origem da Etologia: Em biologia, cada espécie tem uma anatomia única. Porém, Heinroth, um
ornitólogo de campo, notou que o comportamento também permitia que se identificassem
espécies: em condições naturais, com pouca visibilidade (sobretudo nos dias sombrios, em que
não se percebem as cores), é por vezes mais fácil identificar uma espécie pelos seus
movimentos do que pela sua aparência morfológica. Heinroth decidiu então fundar uma
disciplina, a que chamou Etologia (Ethologia, se se escrevesse etimologicamente) em que
pretendia listar/catalogar os vários elementos comportamentais de algumas espécies,
nomeadamente, dos anatídeos (patos e gansos). Nesses trabalhos, identificavam-se os
comportamentos, a sua função e a sua integração na sequência geral de comportamento . Por
exemplo, identificavam-se os comportamentos de acasalamento em termos daquilo que cada
sexo fazia e como o outro sexo respondia. Este procedimento tem, evidentemente,
semelhança com a anátomo-fisiologia: grupos de elementos que se integram num todo
funcional. É esta afirmação de que os padrões motores de uma espécie são fixos, da mesma
maneira que a sua anatomia, que funda o «estudo do comportamento instintivo».

Uexküll: Era um fisiologista do comportamento: estudava a função e como a


organização anatómica resultava em funções comportamentais integradas. No seu tempo o
modelo dominante era atomista: estudavam-se preparações experimentais (por exemplo, a
perna de uma rã ligada a um fragmento de medula espinal) para identificar o mecanismo (no
caso, os reflexos que se integravam depois em movimentos) e supunha-se que os vários
detalhes se integravam numa máquina geral, que era o animal. Os organismos eram então
vistos como máquinas puras, sem intenções, sem alma, sem significado: meros autómatos sem
vontade e sem mente. Mas Uexküll estava descontente com esta ideia.

O seu argumento principal era de que os animais não são máquinas passivas e cegas, mas
sujeitos de acção:

O ciclo funcional

Uexküll não concordou com a Teoria dos reflexos, que dizia que todo o nosso comportamento
consiste em reflexos. Mas esta ideia está errada… Eu estou neste momento a escrever no meu
portátil por reflexo? NÃO! Uexküll não nega que existem reflexos, mas defende a existência de
uma ligação entre o ambiente e o organismo. Essa ligação é feita através da percepção e
comportamento (ciclo funcional). Para caracterizar um organismo é necessário ver a ligação
que ele tem com o ambiente através do tal ciclo funcional. Assim, um organismo é composto,
em vez de um reflexo, por vários ciclos funcionais entre o ambiente e o organismo.

ESTÍMULO VEM DO AMBIENTE  Faz o organismo agir de uma determinada forma.


Plano funcional: O organismo é então composto por ciclos funcionais que interagem entre o
organismo e o ambiente.

Exemplo que Uexküll dá é o da carraça. Uma carraça, depois do acasalamento, locomove-se


até encontrar uma superfície vertical. Aí chegado, a única reacção que o animal tem é trepar.
Normalmente chega a uma altura em que não pode subir mais (fica pendurado num ramo);
encontrando-se nessa situação, a resposta locomotora é inibida: o animal pára e fica reactivo
apenas a um sinal: o ácido butírico. O ácido butírico é comum a todos os mamíferos,
funcionando como sinal de mamífero. Se a carraça for estimulada por ácido butírico deixa-se
cair. No ambiente natural, isto significa que passou um mamífero perto ou debaixo do local
onde a carraça se encontra; ao deixar-se cair, a carraça tem boa probabilidade de tombar em
cima do mamífero; se cair no chão, o programa passa para trás: o animal volta a locomover-se
até encontrar uma superfície vertical, que subirá até certa altura e torna-se de novo receptivo
ao ácido butírico. Se cair sobre o pêlo, a carraça locomover-se-á até encontrar uma zona a
≈38º e sem pelo; aí chegada (mas não antes) aplica o seu aparelho bucal à pele (onde fica
profundamente cravado) e começa a sugar sangue. Vai crescendo até se deixar cair e
reproduz-se então.

O que isto significa, na linguagem de Uexküll, é que, na vida da carraça, aquilo a que se chama
reflexos tem de se compreender como elementos de um plano que pode ser descrito em
termos de pontos e de contrapontos. Um ponto é um receptor de significado, localizado no
animal que estamos a estudar; e um contraponto é o emissor de significado, localizado no
ambiente. Assim, o animal seria um sujeito que interpretaria o organismo de acordo com os
ciclos de pontos e contrapontos inscritos na sua fisiologia e no ambiente em que esse animal
vive.

Haveria assim, uma série de ciclos de percepção-acção, em que um ponto corresponde a uma
percepção, o contraponto corresponde àquilo que estimula essa percepção. É necessário
compreender que o sujeito animal, tal como o sujeito humano, não recolhe do ambiente toda
a informação disponível: faz uma interpretação desse ambiente: filtra certos aspectos e reage-
lhes
com comportamentos específicos que lidam com determinado sector do ambiente (o ácido
butírico faz a carraça cair e aterrar talvez num mamífero). Este sistema é compreensível se
aceitarmos que cada par de pontos-contrapontos é descritível como um ciclo funcional
consistindo:
No isolamento perceptivo de uma parte do ambiente;
E numa resposta motora dirigida a esse ambiente: não um arco reflexo mas uma
unidade funcional que permite atribuir significado (quer dizer, executar uma função)
sobre o ambiente.
Cada organismo tem vários ciclos funcionais, e cada um desses ciclos funcionais encontra-se
relacionado com os outros de maneira a dar a cada animal um programa de adaptação ao
ambiente que o faz sobreviver. Só nesse contexto cada reflexo pode ser compreendido. A
investigação «biológica», em oposição à «fisiológica», deveria, segundo Uexküll, descrever os
ciclos funcionais e a forma como eles se integram num plano comportamental de interacção
entre o organismo e o meio e, depois disso e com menor importância, proceder ao estudo da
fisiologia subjacente aos ciclos funcionais e à sua organização.

Significa isto que Uexküll redefine o estudo do comportamento O significado (=função;


como uma interpretação, pelo animal-sujeito, de um ambiente- como o animal reage
objecto, ambiente esse a que o animal responde. Ou seja, o ao ambiente) é 1
comportamento, tal como a nossa mente, seria uma forma de relação específica
interpretar o ambiente. O ambiente definido por cada ciclo entre o ambiente e o
funcional é diferente, de tal forma que os animais transitam de organismo. Isso diz-nos
ambiente em ambiente e cada espécie pode ser caracterizada que cada ser vivo tem
pelos seus ciclos funcionais. Ao fazer isto, Uexküll delimita a parte o seu Mundo próprio
do ambiente a que o animal responde e como, isto é, define o (uma mesa para um
mundo de cada animal. A isto se chamou a doutrina dos mundos ser humano é
próprios, quer dizer, a ideia de que cada animal define um mundo diferente para um
em que vive; esse mundo é construído pela acção e pela cão).
percepção. Esta ideia é, explicitamente, kantiana.

ETOLOGIA E PSICOLOGIA
A Etologia não é uma psicologia, pelo menos não o é no sentido mentalista do termo. Contudo,
permite acesso às representações do mundo possuídas pelos animais. Como vimos, Uexküll:
― Defendia a necessidade de explicar quais os mundos próprios, quer dizer, quais os
estímulos a que o animal era sensível e como reagia a esses estímulos. Esta forma é,
parece-me, a única maneira não antropomórfica de tratar da questão da psicologia
animal.
― Compreendeu também que a teoria dos mundos próprios se poderia aplicar à nossa
espécie. Assim, cada um de nós vê as coisas de um prisma diferente: num exemplo
simples, a cara da nossa mãe tem significados diferentes para nós e para todos os
outros. Provavelmente, o mesmo se pode dizer de qualquer representação que
façamos.
O paradigma etológico permitia, pois, sem grande dificuldade, progredir para uma
psicologia das representações, em que se tentaria compreender a contribuição de a
priori em sentido kantiano (quais os determinantes da qualidade da nossa
experiência), da influência cultural (cada cultura vê o mundo de maneira diferente) e
de uma psicologia da experiência (como é que cada um vê o mundo).

Cap. 12: A Psicanálise (Freud)

Actualmente fica mal dizer-se bem da Psicanálise. Passou-se de um período em que era
proibido dizer mal para outro em que quase apenas se pode dizer pior. Em nenhum caso se
pode, contudo, ignorar a importância da teoria freudiana. Mais do que qualquer outro
pensador no campo das ciências humanas, Freud influenciou a visão do homem que se
desenvolveu no séc. XX, tendo uma extraordinária coragem: escreveu, sem medo, o que
pensava e afirmou o inafirmável no seu tempo. É, sem qualquer dúvida, uma personagem
absolutamente excepcional.

Sigmund Freud

Relações Objectais:

Freud baseou todo o mecanismo da vida mental em relações objectais: as minhas emoções em
relação a outras pessoas. Para ele, uma perturbação emocional tinha sempre que ver com o
que o paciente sentia por outras pessoas ou pensava que essas pessoas sentiam.
Assim, as motivações na teoria freudiana são todas objectais e a interpretação de todos os
conteúdos da vida mental são representados em termos relacionais – este ponto é importante
mas redutor, pois existem emoções e motivações que não têm que ver com aquilo que se
sente pelos outros.

Esta interpretação de tudo em termos de sentimentos INTERpessoais parece ter sido uma
característica única de Freud: um pesadelo implicava medo de alguém e não apenas medo.

Inconsciente e Repressão:

Defendeu que haviam poderosas motivações inconscientes, frequentemente sexuais que


influenciavam o comportamento das pessoas, e que esses comportamentos tendiam a ser
interpretados em termos de razões (falsas) conscientes.

Interpretou as dificuldades de acesso às verdadeiras causas como uma resistência inconsciente


em aceitar a verdade, que seria censurada. Para atingir as verdadeiras causas, Freud encontrou
um método mais seguro do que a hipnose: a associação livre, que lhe foi sugerida quando um
paciente que não foi completamente hipnotizado começou a fazer associações de palavras que
Freud conseguiu interpretar.

Mais tarde, desenvolveu a interpretação dos sonhos que eram directamente provenientes de
processos não-conscientes. Contudo, mesmo nesses casos, a censura não se encontraria
ausente, de modo que seria necessária uma hermenêutica/interpretação do sonho que
traduzisse os seus símbolos e significados ocultos. O Sonho, tal como o sintoma neurótico, é a
consequência da repressão sexual e funcionaria como um escape aos processos de censura
que o EU introduz.

A teoria de Freud é complexa e evoluiu no tempo: 2 tópicas que se referem à arquitectura


mental (1ª tópica: inconsciente, pré-consciente, consciente; 2ª tópica: ego, id e superego).

― Primeira Tópica e Sexualidade Infantil


Seguindo a técnica da associação livre e da interpretação dos resultados dessa associação,
Freud concluiu que o inconsciente não era apenas um repositório de conteúdos censurado,
mas também uma luta pela expressão desses conteúdos contra os mecanismos da censura.
Haveria, assim, duas forças diferentes em oposição:
― Os processos sexuais, que constituíram o chamado princípio do prazer,
inconscientes e que procuram exprimir-se;
― E o princípio da realidade, determinado pelo comportamento que o sujeito
TEM de assumir.
Nesta fase, a vida psíquica é criada como polarizada entre as motivações de auto-preservação,
conscientes (princípio da realidade) e as pulsões sexuais (princípio do prazer) egoístas e
passíveis de punição social.

Na inter-relação entre estes dois princípios (o da realidade e o do prazer) forma-se a


sexualidade infantil, fundamentalmente egocêntrica, em que o prazer seria sucessivamente
sentido em 3 zonas erógenas do corpo: boca, ânus e pénis. A origem destas três localizações
liga-se ao facto de haver actos sexuais que as implicam.
Mas além disto, Freud baseia-se no trabalho de Bölsche sobre a filogenia do sexo: ele defendia
a ideia de que a ontogénese recapitula a filogénese (a ideia é de que todos passaríamos pelo
estádio de peixe, de réptil e de mamífero inferior durante a vida fetal). E isto também se
passaria com a sexualidade e Bölsche propõe a ideia de que a filogénese do sexo tem fases
orais (reprodução pelo aparelho bucal), anal (união das cloacas) e finalmente genital.
A teoria é incorrecta, mas a ideia de Freud é de a sexualidade humana recapitularia cada uma
dessas fases e, para passar à seguinte, haveria repressão da anterior.
A sexualidade infantil segue estes vários estádios, e a criança vai assegurando o triunfo do
princípio da realidade sobre o princípio do prazer, culminando o complexo de Édipo: a criança
deseja sexualmente a mãe mas sente-se impedida pela posse efectiva que o pai tem do
objecto dos seus desejos. Na teoria freudiana, a mãe, associada com a satisfação dos desejos,
é o primeiro objecto sexual. Mas a criança tem de rivalizar com o seu próprio pai, que pode,
em vingança, castrá-la; em consequência tem de se tornar igual ao pai e transferir o seu
investimento sexual para outras figuras; se o processo não for adequadamente resolvido
haverá neurose.
Como podemos reparar até aqui, a teoria é apenas centrada no rapaz. Também existem
teorizações sobre a rapariga, mas parecem modificações da proposta feita para os rapazes; o
desenvolvimento da rapariga seria o mesmo do do rapaz mas ela dar-se-ia conta de que lhe
falta o pénis. Assim, desenvolveria uma “inveja do pénis”, uma espécie de consciência da sua
inferioridade relativamente ao rapaz (pois o pénis simboliza “dominância” e “poder”), que
seria o traço distintivo do sexo feminino. A inveja do pénis explicaria também a vontade de ter
filhos, tendência para a masturbação clitoridiana (o clítoris é o equivalente feminino do pénis),
a atracção pelo pai (identificação com o pénis que lhe falta) e a menosprezo/ódio sobre a mãe
(pessoa castrada porque não tem pénis e que lhe deu passou a mesma característica).

― Segunda Tópica e Instinto de Morte


Na sequência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Freud modificou a sua teoria,
principalmente por ter sido impressionado pelo facto de os traumatizados de guerra tenderem
a sonhar, repetidamente, com as situações traumáticas. Freud e os seus discípulos nunca
aceitaram que os traumatismos de guerra fossem devidos à própria guerra. Karl Abraham, um
dos discípulos mais fiéis, chegou a propor que os traumatismos de guerra eram provenientes
da censura da homossexualidade provocada pelo contacto prolongado com outros homens.
Esta “resistência” à causa óbvia das neuroses de guerra foi causada pela ideia freudiana de que
todas as neuroses têm origem sexual.
De modo a explicar as repetições dos sonhos traumáticos sem alterar essa afirmação, Freud
criou uma pulsão de repetição consciente que não se conformava com o princípio do prazer.
Assim, distinguiu entre:
― Pulsões de vida (ou Eros, da mesma raiz etimológica de “erotismo”): eram
pulsões sexuais de reprodução;
― Pulsões de morte (ou Thanatos, personificação da morte): tendiam para a
dissolução e para a quebra de todos os laços, e eram reponsáveis pela
agressividade.
Estas duas pulsões(=tendências) estariam sempre em conflito. Assim, em vez de haver
oposição entre o princípio da realidade (a auto-preservação) e o princípio do prazer (as pulsões
sexuais), Freud agrupa:
― De um lado, princípios de auto-preservação do Eu e de auto-preservação da espécie,
que reúne sob Eros;
― E do outro, a pulsão de morte, Thanatos.

Mais tarde foi mostrado que o Ego era influenciado por modelos exteriores que não se
compreendiam nem em termos de Eros nem de Thanatos. Esta reflexão levou Freud a elaborar
uma segunda tópica, isto é, um esquema das instâncias psíquicas/das entidades que
participam no dinamismo psíquico, que se sobrepõe à tópica anterior (inconsciente, pré-
consciente, consciente) e muito diferente da oposição entre princípios do prazer e da
realidade.
As instâncias do psiquismo seriam três:
― O Ego: É a parte mais consciente do Id. É o campo de acção dos elementos
conscientes e pré-conscientes (i.e., que podem facilmente voltar ao campo da
consciência) e que atingem o comportamento de forma mais ou menos
acessível ao sujeito. É no Ego que se faz a gestão dos outros determinantes da
vida psíquica e do comportamento.
― O Superego: Corresponde à cristalização dos interditos e obrigações sociais
impostos pelos pais e que determinam o que é permitido, proibido e
desejável;
― O Id: Constituído pelos impulsos profundos, de Eros e Thanatos. Seria esta
zona mais profunda do inconsciente, e cujos ecos chegariam mais alterados à
consciência. Estes impulsos poderiam ser sublimados, isto é, transformados de
forma socialmente aceite e útil: por ex., um indivíduo com pulsões de
destruição poderia sublimar essas pulsões tornando-se cirurgião e Eros
poderia sublimar-se na criatividade intelectual ou artística.

Freud e a Civilização:
Freud acreditava que Eros e Thanatos poderiam ser sublimados. Freud defendia que a
abstinência sexual poderia canalizar a energia para, por ex., a criatividade intelectual. Tal como
o sexo, o instinto de morte poderia ser canalizado para uma actividade construtiva (por
exemplo, o cirurgião sublimaria os seus instintos destruidores na mesa de operações). MAS,
esse processo pagar-se-ia caro: o desejo profundo dos indivíduos seria a obtenção do prazer
imediato e não a sua sublimação, que se acompanharia de sintomas neuróticos ou de
sofrimento. Como a civilização só é possível pela repressão desses instintos primários, andaria
de mãos dadas com a neurose. Este tema foi muito importante, pois há aqui uma reflexão
fundamental em torno do mais grave dos problemas humanos: a oposição entre egocentrismo
primário e o espírito de cooperação requerido pelas culturas humanas.

Avaliação da Psicanálise Freudiana


― Importância de um modelo bio-psico-social
De todas as teorias clássicas sobre a psicologia da nossa espécie, a freudiana é a única que
considera a pessoa de um ponto de vista realmente integrativo. A inovação principal, na
opinião do professor Saraiva, ocorre na sua “Segunda Tópica” (fase mais tardia da sua teoria).
Como já vimos em cima, Freud descreve o ser humano como um ser em conflito permanente:
determinado por motivações obscuras, animais (o id) e por regras interiorizadas de conduta e
mesmo de pensamento (o superego), há uma zona de consciência (o ego) onde esse conflito é
extinguido e controlado.
Pode-se dizer que as pressões culturais interiorizadas não são só provenientes dos pais, mas
também das pressões do grupo. A nossa espécie funciona precisamente na base de um
conflito entre pulsões biológicas e instruções sociais que se tornaram tão fortes que as
sentimos como parte inata de nós próprios e que a única possibilidade de compreender o
conflito e de o resolver está na capacidade que temos em nos compreender e nos sentir – de
sermos psicólogos de nós próprios.
Na opinião do professor, esta é a grandeza da Psicanálise, que ao ter um quadro teórico rico,
nunca se soube renovar. Porém, a Psicanálise funcionou não como uma ciência, mas sim como
uma religião, e foi essa a causa da sua queda recente.

Críticas ao método de Freud (feitas pelo professor)

― Ausência de distanciamento entre o eu e as ideias desse eu:


Freud baseia a afirmação de uma semelhança processual numa semelhança de detalhe. Por
ex., já vimos que Freud achava que toda a actividade teria base no prazer (e + tarde em Eros e
Thanatos). Uma pessoa que goste de escrever por sentir a caneta a “penetrar” o papel. A
caneta tem forma fálica e o que aquela pessoa escreve poder ser a semente que dá origem a
um novo pensamento. Escrever será então equivalente ao sexo? É este tipo de lógica a
freudiana. Se seguirmos essa linha de pensamento, abrir uma porta com uma chave, inserir
uma palavra-passe num computador, simplesmente ingerir comida (introdução de carne numa
mucosa) seriam actos sexuais. Todos estes exemplos se baseiam em processos mentais
encontrados no próprio Freud. Freud carece da distância entre si e o seu pensamento. Não é
sinal de grande intelectualidade ser incapaz de se afastar das próprias ideias: é sinal de uma
imaginação deficiente. Freud imagina que a rapariga se masturbava porque a via pôr os dedos
dentro de uma bolsa; um caso de ferida nos lábios sugeriu a Freud que a paciente tinha sido
forçada a sexo oral com o pai em criança. Freud ligava a sexualidade genital à anal, porque há
um objecto que entra/sai de uma mucosa (o pénis entra na vagina, o “bastão fecal” sai do
ânus). Nas raparigas, a inveja do pénis seria anulada por ter um bebé pela mesma razão: o
pénis entra na mucosa, o bebé sai da mucosa, logo bebé=pénis. Todos estes casos sugerem
uma imaginação delirante e muito obcecada e traduzem a incapacidade de afastamento do
que é visto na imaginação.
― O abuso do erro polissémico (“Polissemia” significa ter mais do que um significado):
Outro erro frequente de Freud é o facto de todas as instâncias psíquicas (id, ego e superego)
quererem, desejarem, pensarem. Assim, o id quer manifestar-se, o superego quer impor
ordem, o ego quer ser amado mais do que o superego. O que Freud revela é a sua
incapacidade de pensar em estruturas mentais sem as dotar de intencionalidade – uma forma
de primitivismo mental que se encontra nos povos ágrafos.
A palavra “secretária” tem, pelo menos, dois significados: um móvel e uma pessoa. Mas o facto
de terem o mesmo nome não implica a menor semelhança entre a mulher e o móvel. Ora
Freud sistematicamente analisa palavras que ocorrem em sonhos de maneira a inferir
significados baseados na semelhança da PALAVRA com outra palavra qualquer conotação
sexual. Há numerosos exemplos disto em A interpretação dos sonhos. Trata-se do mesmo
processo que faz com que Freud assimile o pénis às fezes: a entrada/saída pelas mucosas de
um objecto comprido.
― Retirar partes do contexto e referir essas partes a motivações que, à 1ª vista, nada
teriam com as motivações que Freud refere.
Um exemplo disto é a dificuldade que Freud sentiu em compreender as neuroses de guerra e a
maneira como as explicou – a motivação de repetição que seria masoquista e portanto sexual.
Afirmar que os conflitos são de carácter sexual, mesmo quando os conteúdos de consciência
nada o indiquem, corresponde a praticar uma sucessiva distorção de forma a reinterpretar os
dados de que se dispõe em termos de teoria.
― Afirmar que há processos inconscientes a que não temos acesso porque há repressão
e censura.
Se dissermos a pessoa A que a sua principal motivação ao desenhar é conseguir uma máquina
do tempo, ela pode afirmar que estamos enganados: exceptuando agora, ela nunca pensou na
relação. Mas se lhe dissermos que esse desejo é inconsciente e que ela o recalca de uma certa
maneira que apenas teve consciência disso quando tinha um ano, a pessoa A não tem
nenhuma forma de provar que a afirmação não é verdadeira porque ela é inverificável.

― Diz que o inconsciente consegue pensar de maneira equivalente ao consciente, em O


Ego e o Id.
Freud distingue entre a lógica do consciente e do inconsciente: processo secundário e
primário. O processo secundário é lógico, discursivo, verbal, e o primário é impulsivo,
imagético. Até aqui tudo bem. Mas Freud viola esta ideia quando afirma que o
inconsciente consegue pensar de maneira equivalente ao consciente. Através desse meio
Freud consegue atribuir ao inconsciente todos os raciocínios que ele faz. Mas se a noção
de inconsciente tem algum significado, os processos mentais conscientes e inconscientes
devem ser diferentes….

Apesar da moda actual ser desacreditar Freud de todas as maneiras, ele deve ser avaliado
como um autor do seu tempo, independentemente do seu carácter, e apenas pelo que
escreveu. São essas as críticas que o professor lhe dirige: pensa que foi um pensador pouco
rigoroso, pouco lógico, indisciplinado e sem capacidade de compreender que os outros têm
mentes diferentes das dele. As críticas feitas em termos de questões pessoais são “pequenices
e ruído”.

“como Jung compreendeu, estava muito longe de ser o intelectual racional que pretendia ser:
era um emotivo, obcecado em impor (…) a sua opinião e promover a sua própria glória: na
correspondência privada descreve-se como um «conquistador».”

“Não é desonestidade, é incapacidade de se afastar das suas próprias representações a ponto


de não ver a realidade.”

“(…) sempre que Freud se sentia desapossado do que achava ser da sua autoria reagia com
extrema intensidade: zangado com as críticas de Breuer depois do livro que publicaram em
conjunto, Freud cortou relações com ele. Ora Breuer foi um pai para Freud, protegendo-o,
estimulando-o e apoiando-o financeiramente. Quando, muito mais tarde, o velho Breuer, que
se arrastava por Viena ao braço da filha, encontrou, por acaso, Freud numa rua, abriu os
braços para o abraçar perdoando tudo. Freud fingiu que não o viu e afastou-se sem dizer
palavra. Só depois da morte de Breuer Freud se mostrou apaziguado: escreveu um obituário
amável. Foi igualmente vingativo e mal-intencionado com Adler, Jung, Rank e Ferenczi e com
outros antigos amigos assim que discordavam da ortodoxia psicanalítica (Freud sentia as
discórdias como ataques pessoais).”

“Sempre que alguém discordava dele, Freud diagnosticava doença mental no seu opositor
(ocorreu com todos os seus antigos discípulos que vieram a discordar: todos sofreriam de
paranóia). Viveu para si e para a sua glória. O facto é que o conseguiu.”

Conclusão:
A psicanálise era uma teoria do homem integral (bio-psico-social). Solicitava motivações
biológicas e regras sociais, onde a pessoa estava dividida pela luta constante entre pressões
biológicas e papéis sociais interiorizados. O professor concorda com esta visão, acha-a
profunda e verdadeira. Parece-lhe que esse conflito originou a maior parte dos problemas de
adaptação das pessoas “não doentes” ao seu ambiente e tem de ser. Este conflito, segundo o
professor, é fundamental para fazer compreender às pessoas o que elas são: o objectivo de
qualquer psicologia. MAS a psicanálise baseou-se num método imperfeito e em pressupostos
teóricos impossíveis de avaliar e tornou-se, desse modo, invulnerável a qualquer
reformulação. A psicanálise, como teoria, está, talvez, quase toda errada. Mas tinha um
objecto de estudo importante, o de explicar o porquê do comportamento e dos conflitos
mentais. Ao ser abandonada a teoria foi abandonado também esse objecto de estudo e criou-
se um vazio. A especialização, a desconfiança das teorias, a própria dúvida sobre o conceito de
mente invisível têm bloqueado o preenchimento desse vazio. Assim, os métodos e os
conceitos explicativos da psicanálise devam ser evitados. Mas devemos compreender que para
nós sabermos de nós próprios (objecto de estudo) devemos ter uma teoria nova e mais sólida.

L3: Psicologia Cognitiva e o esquema SOR (estímulo – organismo – resposta)

Cognitivismo: O cognitivismo é a orientação teórica dominante na psicologia actual.

Origens - Reacção anti-condutismo (condutismo=behaviorismo):


A história do movimento cognitivista é controversa:
Há quem defenda que houve uma revolução cognitivistas;
Há quem defenda que tal não ocorreu e que o cognitivismo é uma forma evoluída de
condutismo.
Ambas as posições são, parcialmente, verdadeiras.

Origens condutistas do cognitivismo:


O condutismo, que dominou a psicologia americana durante aprox. meio século, não foi
sempre radical, pois nem todos os condutistas tinham a mesma opinião (como Watson, que
defendia que nunca se usassem termos mentalistas, e Skinner, que condenava todas as
formulações da psicologia que usassem conceitos introspectivos, nem todos os condutistas
tinham a mesma opinião).

O condutismo é externalista: um organismo reage a estímulos externos com comportamentos


que são, eles próprios, determinados pela interacção passada entre o organismo e o ambiente
(as associações de estímulo e resposta ou as contingências de reforço, segundo as escolas). É
por isso que se lhes chama “teorias S-R”, i.e., “teorias de estímulo-resposta”. Mesmo em
Skinner, que se afirma como não sendo um teórico S-R (não pretendia ser um teórico S-R
porque o estímulo discriminativo não desendadeia o comportamento operante: apenas marca
o início da disponibilidade do reforço, ou seja, podemos afirmar que é um teórico R-S), o
organismo é determinado pelo ambiente. Assim, a ideia é que o ambiente, na forma de
estímulos e reforços, determina a resposta.

Esta concepção do comportamento vem da fisiologia dos reflexos. Nessa teoria, defende-se a
ideia de que o comportamento é decomponível em pequenas reacções independentes cada
uma das quais desencadeada por um estímulo específico do ambiente. Relembrar o que foi
dito em cima na Etologia - Uexküll disse que esta afirmação não é verdadeira pois o
comportamento co-varia, i.e., há conjuntos de estímulos ligados a conjuntos de respostas
(grupos motivacionais), e, para além disso, também diz que os animais estão longe de ser
passivos (seres cegos) e procuram activamente a estimulação congruente com o seu estado
motivacional.

Mas acompanhemos o pensamento da teoria dos reflexos:


Se o comportamento estiver organizado em pequenas unidades, a melhor forma de o
estudar será encontrar preparações experimentais que permitam isolar cada uma
dessas unidades. Para isso o animal é colocado numa situação totalmente passiva em
que pode apenas reagir ao estímulo que lhe é apresentado. Desta forma, não se
estuda o comportamento do animal inteiro mas apenas uma resposta muito específica
que se isolou de todo o resto do comportamento.

Na P.A., que foi muito influenciada pela teoria dos reflexos e muito pouco pela Etologia,
pretende-se também isolar o processo (as unidades comportamentais) que se quer estudar: a
modificação adaptativa do comportamento ou, no termo mais usado, a aprendizagem. Para
isso isolou tarefas que achava que colocariam em evidência o processo de aprendizagem –
labirintos, condicionamentos clássico e instrumental e a caixa de Skinner. Assim, há definição
de uma tarefa que se presume evidenciar um processo mas não há a garantia de que essa
tarefa seja válida, i.e., que evidencie o processo que se quer estudar. Uma consequência deste
tipo de procedimento é que nunca se estuda o “animal natural”, mas apenas partes do seu
comportamento.

Assim, embora todas as escolas condutistas mais influentes não fossem elementaristas, i.e.,
consideram o comportamento global e não respostas isoladas como factor da adaptação, a
aprendizagem é ainda estudada em termos de S-R, de tal forma que determinado estímulo
passa a desencadear determinada resposta, pressupondo-se que houve uma associação S-R
(Watson) ou pressupondo-se essa ideia (Skinner) sem a afirmar por não se observar a relação
interna. Esta formulação S-R não influenciou o cognitivismo. Mas deu origem a uma outra
formulação, ainda dentro do condutismo, que tem quase todas as características do
cognitivismo e que se pode considerar antepassada dele.

Há áreas da P.A. que definiram o processo S-R de maneira menos rigorosa do que o
condutismo radical. Nomeadamente, Hull e Tolman defenderam uma posição em que o
organismo tem algumas propriedades:
Hull disse que o organismo faria associações não tradutíveis no comportamento,
ligações entre estímulos internos e respostas internas. Assim, quando se apresentasse
ao animal um estímulo, esse estímulo activaria um processo interno, concebido como
associações S-R encobertas. O comportamento de um animal seria então formulável
como S-(r-s-r-...-s)-R.
Tolman defendeu que os animais faziam mapas cognitivos internos, aprendizagens de
locais que eram definidas como mapas do ambiente.

Estes dois autores são teóricos S-O-R, em que O está por organismo interno (Estímulo –
Organismo – Resposta). Nesse organismo interno existem mapas de associações inferidas da
conduta exibida pelo animal na tarefa que lhe foi imposta.

Neste modelo (S-O-R-) continua-se a pensar que é o estímulo inicial que determina todo o
processo de comportamento, MAS admite-se que há, dentro do organismo, processos que
medeiam a relação S-R (Hull) e a estruturação do conhecimento sobre o meio (Tolman).

Este modelo é igual aos cognitivistas. Não é expresso em termos cognitivos mas usa variáveis
internas exactamente da mesma maneira que o cognitivismo actual.

O modelo S-O-R é até hoje uma das bases conceptuais do cognitivismo, podendo-se, assim,
afirmar que há uma continuidade evidente entre os dois movimentos: o cognitivismo nasceu
do condutismo quando se abandonou a proibição do uso de variáveis com nomes mentalistas
(termos cognitivos). O método de pensamento é exactamente o mesmo: uma tarefa implica a
apresentação de um problema (situação de estímulo) e inferem-se os processos (variáveis
internas) responsáveis pela resposta.

O estudo da mente

O cognitivismo aparece em reacção ao condutismo. Trata-se de um movimento do qual


nenhum dos vários actores principais quis ser o proclamador oficial. Ainda assim, costuma-se
apresentar uma série de acontecimentos e trabalhos que marcam o aparecimento do
cognitivismo.

A palavra “cognição” é muito antiga, mas o seu uso na psicologia experimental é mais recente.
Década de 50 do séc. XX: Existia um descontentamento com o condutismo cada vez maior.
Afinal, “psicologia” significa “conhecimento da mente” e o condutismo mais ou menos proibia
a referência a conceitos mentais (por isso é que se considera que o condutismo é anti-
mentalista).

1960: George Miller e Jerome Bruner, formaram nos EUA um centro de investigação que
queria romper com as barreiras conceptuais do condutismo. Para caracterizar a actividade do
centro, os seus fundadores pensaram em “psicologia mental”, mas o termo parecia
completamente redundante; para o evitar ocorreu-lhes os termos “psicologia no sentido
habitual” e “psicologia popular” (“commonsense psychology” e “folk psychology”) mas ambas
pareciam remeter para áreas já existentes (etnologia, psicologia wundtiana). Ficou então
cognição. É essa a origem do uso da palavra que veio a gerar o movimento cognitivista.

No início apenas havia a ideia de que se queria estudar “coisas mentais”. Esse centro fez muita
investigação sobre memória, atenção, percepção – as categorias psicológicas do senso comum.
George Miller foi, em 1969, nomeado presidente da Associação Americana de Psicologia (APA)
e foi-lhe dado um título importante pela sua contribuição para a Psicologia – o cognitivismo
estava aceite.

Outro contributo muito importante é o de Ulrich Neisser que estudou com Miller e com
Wolfgang Köhler e foi influenciado pela psicologia Gestalt.
Em Cognitive Psychology (em 1967), Neisser defendeu que a psicologia voltasse a
considerar os processos de transformação que dão origem à experiência sensorial e
permitem pensar. O título do livro confirmou definitivamente a perspectiva
experimental não condutista: “psicologia cognitiva”, como ainda hoje é conhecida a
área.
Nove anos mais tarde Neisser, em Reality and Cognition (1976), acusou a prática da
psicologia cognitiva como redutora, demasiado centrada na experimentação e
criticava a ausência de descrição de situações reais.

O autor que deu nome à psicologia cognitiva foi um dos primeiros críticos não condutistas da
orientação que ela tomou.

O cognitivismo pretendia uma libertação das restrições do condutismo embora fosse levado a
cabo em contextos experimentais muito semelhantes aos dos dos condutistas (mas com
sujeitos humanos e não predominantemente ratos e pombos). Não era um movimento teórico
mas uma manifestação da curiosidade sobre a mente.

A teoria cognitivista
Por mais implícita que seja uma teoria, sem ela existir não se podem fazer perguntas e
portanto não há investigação. O cognitivismo, apesar de ter inícios predominantemente
ateóricos, assenta numa convenção sobre o que são processos mentais e sobre como fazer as
perguntas sobre processos mentais. É sobre essas convenções que tratarei a seguir.
Teoria das faculdades

O primeiro elemento teórico do cognitivismo é uma espécie de um mapa da mente: a ideia (de
Miller) da mente do senso comum: trata-se de considerar que a mente tem faculdades
(recordo que o conceito de faculdades da mente tem origem em Aristóteles e foi muito
explorado pelos autores medievais).

Como vimos, a ideia dos condutistas era explicar o comportamento sem qualquer referência à
mente, conceito suspeito de metafísica. Já o cognitivismo é diferente: quer estudar a mente e
não o comportamento.

Não há uma teoria explícita da mente no cognitivismo. Parte-se de uma teoria geral, de senso
comum, das faculdades psicológicas. Esta teoria de senso comum é a que se traduz na
linguagem quotidiana e que revela que todos partilhamos uma concepção da mente. Nessa
concepção a actividade mental pode ser descrita em termos de funções parcialmente
independentes: atenção (“dá atenção!”); percepção (“viste/ouviste/ sentiste isto?”); memória
(“tens boa memória?”); pensamento (“tenho de pensar nisso»); linguagem (“tem dezoito
meses mas fala já bastante bem”).

A definição destas faculdades foi sempre bastante vaga, mas a psicologia cognitiva parte delas
como base teórica dos processos mentais que vai investigar.
Estas encontram-se nas tarefas experimentais que põem os sujeitos em situações que parecem
implicar uma dessas funções (por exemplo, recordar palavras implica memória, escolher um
estímulo entre vários parece implicar atenção, discriminar entre dois estímulos implica
percepção, etc.). Interpreta-se, finalmente, os resultados sem fugir ao uso de conceitos
mentalistas e procura-se caracterizar a faculdade que procurámos estudar (no exemplo, a
memória, que pode ser formulada em subconceitos como memória a curto e longo prazo,
memórias semânticas, auto-biográficas, implícitas, e entre outras).

Metáfora do computador
Miller interessava-se pelas semelhanças entre o processamento mental e o dos computadores.
A ideia é de que se deve considerar os processos de ganho de informação independentemente
do suporte: um computador ou uma pessoa seriam objectos de estudo igualmente válidos.
Em ambos os casos há input de informação, compute (processamento) do programa e output
de um resultado. A semelhança, ainda que superficial, permitia utilizar uma linguagem formal
como metáfora dos processos mentais. O programa de investigação baseava-se, então, na
ideia de que os programas informáticos e os programas mentais podiam ter semelhanças.

O que é uma variável cognitiva?


Uma variável cognitiva é uma variável interna formulada em termos de processamento de
informação; essa variável é invocada na explicação do desempenho do sujeito numa tarefa que
se presume implicar uma determinada faculdade psicológica. Essas faculdades psicológicas
são, como já foi dito, formuláveis como percepção, atenção, memória, pensamento,
linguagem, etc.. Ou seja, chama-se às variáveis intermédias “variáveis cognitivas” porque se
pensa que as tarefas propostas aos sujeitos implicam actividade cognitiva (por exemplo, se nos
pedirem para reproduzir nomes parece razoável pensar que se trata de uma tarefa de
memória). É a isto que Miller chamava a psicologia no senso comum: todos presumimos ter
faculdades internas; os condutistas achavam que essa actividade interna era impossível de
estudar e recusavam toda a forma de mentalismo; os cognitivistas não o fazem e aceitam que
se uma tarefa parece implicar actividade mental essa actividade mental está mesmo presente.

Cognição e emoção?
Uma pergunta que se pode fazer é se uma variável interna (como já vimos em cima, = variável
cognitiva) pode incluir a emoção?

Podemos observar que na lista das faculdades cognitivas, apresentada em cima, não se conta
as emoções e isso só mostra tarefas emocionais não têm sido examinadas.

A separação emoção/cognição é, também, do senso comum – razão e emoção. O conteúdo


semântico da palavra “cognição” está mais próximo da “razão” do que da “emoção”. Mas não
há nenhum motivo teórico forte para que esta separação seja feita e é perfeitamente possível
que a psicologia cognitiva estude tais variáveis.

A psicologia cognitiva seria apenas o estudo das variáveis internas (psicológicas, não
fisiológicas) que influenciam uma tarefa. Contudo, é verdade que o cognitivismo tem estudado
apenas tarefas “cognitivas” – as faculdades – e tem posto de lado os factores emocionais. Só
actualmente é que a psicologia cognitiva começou a compreender que a separação não é
justificada.

E qual a razão desta separação “razão/emoção”? No início desta cadeira, pudemos concluir
que, desde Platão, há uma tentativa de se conseguir pensar as coisas racionalmente sem
influência dos apetites e paixões, porque só assim é que se conheceria o verdadeiro
conhecimento. A razão é o instrumento dos filósofos que, por isso, evitam cair na emoção.
Mas se é verdade que para pensarmos de forma objectiva é necessário o afastamento da
emoção, não há nenhuma justificação para que não se estude, racional e objectivamente, os
processos emocionais como geradores de significado e explicadores do comportamento
humano.

O sistema conceptual SOR

Já vimos que não existe uma teoria formal da psicologia cognitiva, mas apenas uma tendência
para se estudar faculdades “racionais” (e não “emocionais”) e para se formularem as hipóteses
em termos de processamento de informação. Contudo, esta formulação é tão geral que não
pode definir uma disciplina.

Assim, é necessário ir um pouco mais longe e compreender a maneira como os problemas são
colocados, maneira essa que traz consigo uma afirmação teórica muito forte mas também não
explicitada: a afirmação de que o modelo SOR permite compreender a cognição.

Já vimos que os condutistas Hull e Tolman consideravam que o modelo S-R não era suficiente
para explicar o comportamento de ratos em labirintos. Era necessário considerar as operações
internas que não se viam (“O”). Essas operações eram, todas elas, formuladas como
associações. Conhece-se estes teóricos pela sigla S-O-R. Os cognitivistas usam esse mesmo
modelo teórico.

Devemos relembrar que os primeiros cognitivistas ao serem formados na escola condutista


(não havia outra escola de investigação prestigiada nos EUA na altura) herdaram do
condutismo vários pressupostos metodológicos. Um deles foi, precisamente, a concepção SOR
da investigação em psicologia.

No condutismo coloca-se um problema ao animal. Por exemplo aprender a discriminar entre


dois estímulos. Por meio de reforço consegue-se essa discriminação e regista-se a curva de
aprendizagem. No cognitivismo passa-se exactamente o mesmo, mas em vez de se falar em
“reforço” e “mudança de comportamento”, falar-se-ia de percepção e discriminação
perceptiva.

Há diversas diferenças entre o condutismo e o cognitivismo, MAS o processo de demonstrar a


aprendizagem ou os processos mentais é o mesmo: trata-se de identificar as variáveis
intermédias que explicam que a determinada tarefa (estímulo) seja dada determinada
resposta. Ou seja: Estímulo-Organismo-Resposta, exactamente como no condutismo SOR.

Em parte, o modelo SOR foi assumido por causa da necessidade de rigor imposta pelos
condutistas: os cognitivistas lutaram, experiência a experiência, com os condutistas para
justificar a necessidade de variáveis mentais para explicar o comportamento. Foram, portanto,
necessariamente adversários do rigor condutista. Mas por outro lado há um elemento de
continuidade entre o condutismo e o cognitivismo. Trata-se da mesma formulação S-R básica,
mas sem a proibição de referir as variáveis intermédias como mentais.

Terceira pessoa e cognição


A Psicologia cognitiva rejeita o subjectivismo. Pretende ser uma perspectiva explicativa dos
processos mentais puramente científica, na 3ª pessoa. Desta afirmação pode ocorrer a questão
de “como é possível uma teoria da mente sem recurso à experiência subjectiva?”. A resposta é
relativamente fácil de dar: o pressuposto cognitivista é que estados mentais e
comportamentos são o produto de uma série de processos internos. Esses processos internos
não são conscientes. Quando fazemos introspecção temos
consciência dos resultados e não dos próprios processos. De modo que os cognitivistas
procuram fazer modelos funcionais da mente que expliquem os resultados mentais em termos
de sequência de operações formais necessárias a esse resultado mental. Esta sequência de
processos é hipotética, mas corresponderia à estrutura necessária à obtenção dos resultados
mentais que se observam.

Nesse sentido, o autor histórico de que a Psicologia cognitiva é mais próxima é Kant: tal como
os cognitivistas, também ele queria estabelecer, na terceira pessoa, as condições necessárias
ao conhecimento; tal como os cognitivistas, também ele propunha uma resposta em termos
de regras predominantemente formais (os a priori). A semelhança não deve, contudo, ser
valorizada demais, porque os cognitivistas não se costumam interessar por categorias a priori
que enformam o que é possível pensar. Mas Steven Pinker, em The Stuff of Thought, chega a
uma formulação explicitamente próxima da kantiana. Trata-se, pois, de perspectivas com
alguma semelhança formal.

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