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■ Capa: Danilo Oliveira

■ Produção digital: Ozone

■ Fechamento desta edição: 17.07.2017

■ CIP – Brasil. Catalogação na fonte.


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

M491i

Mendes, Aluisio Gonçalves de Castro


Incidente de resolução de demandas repetitivas : sistematização, análise e interpretação do
novo instituto processual / Aluisio Gonçalves de Castro Mendes. – Rio de Janeiro : Forense,
2017.

Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-309-7656-9

1. Processo civil - Brasil. I. Título.

17-43303
CDU: 347.91./95(44)
Aos professores e amigos
JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA,
LUIZ FUX,
PAULO CEZAR PINHEIRO CARNEIRO,
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO,
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR,
JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE,
JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI e
LEONARDO GRECO,
expoentes maiores do Direito Processual
no Brasil e no Mundo, eternamente grato
pelo exemplo e pelos valiosos ensinamentos.

Para a minha amada esposa, MARJORIE,


e meus adoráveis filhos, CHRISTIAN e CAROLINA,
fontes inesgotáveis de felicidade,
que são a minha razão de viver.

Aos meus queridos pais, OLIVIA (in memoriam) e ALUIZIO,


e irmão, MARCELO, pela formação e carinho.
Este texto decorre da tese apresentada como requisito parcial para a
obtenção da Cátedra em Direito Processual Civil na conceituada Faculdade de
Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A renomada
Comissão Examinadora do concurso de promoção foi composta por uma
constelação do Direito Processual: Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Luiz Fux,
Humberto Theodoro Júnior, Cândido Rangel Dinamarco, Leonardo Greco, José
Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque. Extremamente
honrado, houve a aprovação por unanimidade, após longo e rigoroso exame,
realizado diante de um Salão Nobre repleto de colegas e amigos professores,
magistrados, promotores, advogados, doutorandos, mestrandos, profissionais e
estudiosos do Direito, a quem agradeço pelo apoio e pelo carinho. Em especial,
destaco a presença de Rodrigo Fux e de Carlos Roberto Barbosa Moreira, que
representava a família do querido mestre e referência eterna, Professor José
Carlos Barbosa Moreira.
A trajetória da titularidade na UERJ foi trilhada e alcançada em conjunto
com o Professor Humberto Dalla Bernardina de Pinho. Por certo, será uma
grande responsabilidade, da nossa parte, a incumbência de manter a tradição, o
renome e a qualidade do ensino do Direito Processual, considerando a excelência
dos juristas que fizeram a história da nossa Congregação. É com muita honra que
passamos a integrar a seleta categoria de Professor Titular da Faculdade de
Direito da UERJ, composta atualmente pelos docentes Alexandre Aragão, Ana
Paula de Barcellos, Carmen Tibúrcio, Daniel Sarmento, Gustavo Binenbojm,
Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux,
Maria Celina Moraes, Maria Teresa Lima, Nelson Massini e Paulo Cezar
Pinheiro Carneiro. Na UERJ, todo o procedimento ocorreu durante a gestão e
contou com o apoio dos magníficos Reitor, Vice-Reitora e Sub-Reitor,
respectivamente, Professores Ruy Garcia Marques, Georgina Washington e
Egberto Moura, e do Diretor e Vice-Diretor da Faculdade de Direito, Professores
Ricardo Lodi e Ivan Garcia.
Registre-se que a posição de Professor Titular, agora obtida na UERJ, após
dezessete anos de docência na instituição, tive o prazer de alcançar, também,
alguns anos atrás, na Universidade Estácio de Sá (Unesa), cujo Programa de Pós-
Graduação em Direito (PPGD) tenho a satisfação de integrar desde o ano de
2002, sendo atualmente coordenado pelo Professor Carlos Eduardo Japiassu e
supervisionado pelo Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa, Professor Rafael
Mario Iorio Filho, a quem rendo as homenagens e os agradecimentos pelo
constante apoio.
A obra resultou de pesquisa desenvolvida com a colaboração de várias
instituições e pessoas. Ressalto, inicialmente, que me deixou extremamente
lisonjeado o convite formulado pelo Instituto Max Planck de Luxemburgo,
dirigido pelo Professor Burkhard Hess, para figurar como o primeiro professor
brasileiro a usufruir da oportunidade de estadia nesta entidade especializada no
Direito Processual, tendo desfrutado, na ocasião, do agradável convívio de
estimados colegas e amigos, dentre os quais os Professores Peter Gottwald,
Eduardo Oteiza e Marta Requejo Isidro. A permanência contou com o
fundamental apoio da Fundação Alexander von Humboldt, do Tribunal Regional
Federal da 2ª Região e do Conselho da Justiça Federal, salientando nestes
últimos o apoio de todos os eminentes pares, especialmente dos
Desembargadores Poul Erik Dyrlund e André Fontes (presidente anterior e atual,
respectivamente), Guilherme Couto de Castro (relator) e da Ministra Laurita Vaz
(no exercício da presidência do CJF).
Durante o processo de elaboração da tese, pude contar com a inestimável
colaboração da qualificada assessoria do gabinete no tribunal (Adiel de Araújo,
Ana Maria Leandro, Ana Paula Rebelo, Bruno Machado, Cinthia Leitão,
Clarissa Braga, Eduardo Cordeiro, Felipe Lazzarini, Gustavo Braga, Larissa
Pochmann, Marcela Cardoso, Marcela Nápoli, Márcia Lopes, Mário Eduardo
Serrano, Paulo Renato Martins, Rafael Gomes, Tatiane Melo, Thiago Sanches e
Victor Branco), que foi essencial para que a dedicação à atividade acadêmica
pudesse ser conciliada com a manutenção da prestação judicial em dia.
Para a consecução da escrita final, tive, mais uma vez, o imprescindível
apoio da eterna amiga Beatriz Chargel, a quem sou sempre grato e que não
poupou esforços no sentido de contribuir para a revisão e o aprimoramento do
texto.
Por fim, mas não menos importante, registro a felicidade de ter este livro,
repleto de significado para a minha vida acadêmica e profissional, publicado,
com a prestimosa colaboração do amigo Guilherme Zincone, pela conceituada
Editora Forense, referência do Direito Processual, e que integra o prestigiado
Grupo Editorial Nacional | GEN, manifestando os agradecimentos aos estimados
Editores Francisco Bilac Pinto e Henderson Fürst.
PREFÁCIO

O Professor Aluisio Mendes me honra com o convite para prefaciar o seu


novo livro Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que foi a tese
apresentada no concurso de Professor Titular de Processo Civil para a
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no qual o autor foi aprovado,
unanimemente, pelos componentes da banca examinadora: Professores Paulo
Cezar Pinheiro Carneiro, Leonardo Greco, Cândido Rangel Dinamarco,
Humberto Theodoro Júnior e José Rogério Cruz e Tucci.
O tema escolhido pelo autor – incidente de resolução de demandas
repetitivas – é, possivelmente, o mais importante, complexo e inovador instituto
contido no novo Código de Processo Civil. Adianto, desde logo, que é o melhor
e mais completo trabalho escrito sobre o tema, até os dias de hoje, que tive a
oportunidade de ler.
O autor não se limitou a desenvolver o tema, o que de fato fez com maestria,
esgotando-o em todos os seus pormenores, antes situou o IRDR no contexto
sociojurídico do mundo contemporâneo, apresentando suas fontes de inspiração:
test clains (demandas teste), pilot judgments (julgamentos--piloto),
Musterverfahren (procedimento modelo), group litigation order (decisão sobre
litígios de grupo) e outros julgamentos de questões comuns ou por amostragem.
Na sequência, fez uma vigorosa incursão no estudo dos precedentes e o papel da
jurisprudência nos sistemas do common law e do civil law para assentar as bases
do seu estudo. Mas não foi só, na abordagem do instituto, o Professor Aluisio
Mendes apresenta de forma absolutamente precisa e fidedigna a genealogia do
IRDR, desde a formulação da proposição na comissão de juristas, texto da
proposta do projeto do novo Código de Processo Civil, até as aprovações pelo
Senado, pela Câmara dos Deputados, inclusive a redação final do texto
sancionado.
Todos os detalhes relevantes sobre o tema, tais como natureza jurídica,
objeto, cabimento, legitimidade, competência, intervenientes, o papel do juiz,
das partes, do Ministério Público e da Defensoria Pública, passando pelo
procedimento desde a fase de admissibilidade, divulgação, publicidade e a
suspensão dos processos, até as fases de instrução e julgamento com a fixação da
tese jurídica, o seu âmbito de abrangência e os recursos cabíveis, foram
detidamente examinados.
Deixei conscientemente de antecipar detalhes, outras propostas e temas
versados pelo autor, porque o prefácio, como um trailer que é, não visa
dispensar a leitura do livro, muito menos resumi-lo, mas antes aguçar o desejo
daqueles que virão a lê-lo.
Tenho certeza de que o livro Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas será um marco na literatura jurídica sobre o tema, servindo a todos
aqueles que têm a sua atuação voltada para a defesa dos direitos transindividuais.

Paulo Cezar Pinheiro Carneiro


Professor Titular de Teoria Geral do Processo da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Junho de 2017
O novo Código de Processo Civil preocupou-se, sobretudo, com a
funcionalidade do processo, consagrando, entre suas normas fundamentais, a
instrumentalidade, a efetividade e a eficiência como princípios determinantes
para a implantação de uma prestação jurisdicional justa, adequada e tempestiva.
Nessa linha de orientação, um dos mais relevantes institutos introduzidos no
ordenamento jurídico instrumental pátrio pela codificação de 2015 foi,
incontestavelmente, o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). A
inspiração mais próxima foi buscada, pelo legislador, no direito alemão, sem
embargo de que elementos procedimentais de igual espírito já fossem
conhecidos do processo civil nacional, embora tímidos e pouco explorados na
vivência de nossos tribunais. É de se lembrar, v.g., dos incidentes de
uniformização de jurisprudência e de declaração de inconstitucionalidade, além
da técnica de julgamento dos recursos repetitivos nos tribunais superiores.
A simbiose da experiência estrangeira com os antecedentes históricos de
nossa prática processual gerou, no IRDR, um instituto aprimorado com
características próprias e com alto potencial de enfretamento da enorme crise da
justiça civil gerada pela moderna sociedade dominada pela litigiosidade de
massa, crescente numa progressão avassaladora, a desafiar a capacidade de
absorção pelas estruturas arcaicas da justiça estatal.
Como toda inovação jurídica de grandes dimensões, o IRDR vem
despertando intensos debates em torno dos mais variados aspectos, desafiando os
processualistas a investigar e definir, com maior precisão, as características e o
papel atribuídos ao novel incidente processual.
Nessa perspectiva, a obra que o Professor Aluisio Gonçalves de Castro
Mendes está lançando apresenta-se como um esforço vitorioso e exemplar, visto
que logra não só definir e posicionar o IRDR dentro das estruturas do processo
civil brasileiro, como correlacioná-lo, no âmbito do direito comparado, com
figuras afins já praticadas no estrangeiro.
Ciente de que o direito é um produto histórico cultural, o autor, com
propriedade, expõe os antecedentes nacionais do instituto inovador do
CPC/2015, com exploração de interessantes apanhados jurisprudenciais.
Já à luz do instituto, tal como modelado pelo direito positivo atual, o autor
cuida de precisar-lhe a natureza e de analisar seus pressupostos processuais, seu
cabimento e seus requisitos, levando em conta, ainda, a legitimação para
provocar o incidente e a competência para admiti-lo, processá-lo e julgá-lo.
A abordagem dos aspectos procedimentais é ampla e minuciosa. Apenas a
título de exemplificação, podem ser destacados títulos como os relacionados
com a técnica da fixação da tese jurídica assentada no julgamento do IRDR;
com a importância do contraditório ampliado; com o sistema recursal a
observar.
É notável a demonstração da constitucionalidade dos mecanismos de
julgamento por amostragem e da força vinculante das teses assim enunciadas
pelos tribunais superiores. Objeções como “violação da separação entre os
Poderes”, “ofensa aos princípios do acesso à justiça e ao contraditório”, violação
à liberdade do “exercício do direito de ação”, são todas convincentemente
rebatidas.
Nesse terreno, merece ser registrada a existência de objeção que condiciona
o cabimento do IRDR à existência de processos em curso no tribunal, ao
argumento de que sua suscitação com base em procedimentos ainda no 1º grau
de jurisdição ofenderia a definição de competência dos tribunais feita pela
Constituição.
A rejeição desse entendimento foi adequadamente formulada pela tese ora
editada, diante da demonstração de que a Constituição não trata da matéria como
objeto de reserva exclusiva da ordem constitucional. A própria Constituição
deixa o tema a cargo de legislação infraconstitucional. Ademais, quando a
evolução da ordem jurídica teve de inovar ou acrescer competências para os
tribunais superiores, o STF não viu nisso ofensa à Constituição, como bem
demonstrado pelo Professor Castro Mendes.
A nosso ver, uma conclusão geral sobre o tema, pode ser estabelecida
levando em conta a posição histórica e sistemática adotada pela Suprema Corte:
as atribuições de competência formuladas pela Constituição, sem dúvida,
representam um mínimo que o legislador ordinário não pode ignorar e, muito
menos, reduzir. Não há, porém, vedação na Constituição a que o legislador
comum adicione novas atribuições às Cortes Judiciárias.
É emblemática a posição do STF, por exemplo, adotada em relação às
modernas leis que sucessivamente foram incluindo a competência para decidir
com força vinculante erga omnes. Quando, pela primeira vez, o tema foi tratado
em emenda constitucional, apenas para a ação declaratória de
constitucionalidade, o STF validou igual previsão feita em lei infraconstitucional
para a ação direta de inconstitucionalidade. E o argumento decisivo foi o de que
o fato de a regra ter sido tratada pela Constituição para uma causa, não é
empecilho para que o legislador comum a estenda a outra causa, de igual
natureza.
Idêntica foi a posição do STF em face da reclamação constitucional, que a
CF inclui apenas na competência dos Tribunais Superiores, o que, entretanto,
não deveria impedir que o legislador estadual também o ingerisse na
competência dos tribunais de justiça.
Enfim, pensamos que a linha de orientação histórica do STF permite a
conclusão de que as competências judiciais traçadas pela Constituição são um
mínimo e não um máximo, intransponível pela legislação infraconstitucional. O
dinamismo dos tempos modernos e a concorrência das múltiplas garantias
fundamentais que hão de ser implementadas pelo processo judicial impedem que
se avaliem as regras constitucionais sobre competência de maneira estática e
inflexível.
Sobre o acesso aos tribunais superiores, para expandir os efeitos do IRDR
além da circunscrição territorial do tribunal de segundo grau em que o incidente
se instaurou, houve expressa e convincente explanação do autor.
A tese do Professor Castro Mendes, a propósito, reconhece que, sem o
concurso dos Recursos Especial e Extraordinário, o IRDR não cumpriria seu
objetivo institucional de eliminar a divergência em torno de norma federal, em
todo o território nacional. Daí a previsão de medida cautelar de suspensão de
processos em todo o País, deferível pelo STF ou pelo STJ, enquanto se aguarda o
julgamento do tribunal local (art. 982, §§ 3º e 4º).
Mas a simples medida cautelar não vai além da suspensão temporária dos
processos em curso fora da jurisdição do tribunal por onde corre o IRDR. É
preciso, após a fixação da tese pelo tribunal local, que haja um julgamento de
mérito do Tribunal Superior sobre o tema objeto do IRDR.
O interesse nesse recurso especial ou extraordinário nem sempre se baseia
na sucumbência ou na insurreição contra o decidido pelo tribunal local. Aqueles
que se acham sob a jurisdição do órgão que julgar o IRDR só têm interesse em
recorrer para o STF ou STJ se foram imediatamente prejudicados pelo
julgamento do incidente.
Diversa, porém, é a situação dos promoventes da medida cautelar deferida
pelo STF ou pelo STJ, em caráter preparatório da possível extensão da eficácia
do julgamento do IRDR para todo o território nacional.
Esse desiderato, provisoriamente assegurado em sede cautelar, ficará
frustrado se contra o julgado do tribunal local, não se interpuser, em tempo hábil,
o recurso para o STF ou STJ. É que a suspensão cautelar cessará, ex lege, “se
não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão
proferida no incidente” (art. 982, § 5º).
Dir-se-á que, em semelhante conjuntura, o RE e o REsp estariam sendo
manejados sem que se atendesse aos requisitos constitucionais da ofensa à
Constituição ou à Lei Federal. Mas não é bem isso o que acontece. Se se tem em
mira a garantia de obter-se a solução da questão federal com eficácia nacional, a
persistência do efeito do IRDR apenas na área de jurisdição do tribunal, em
detrimento daqueles que obtiveram a medida cautelar do art. 982, §§ 3º e 4º,
estaria, sem dúvida, acarretando-lhes violação da garantia constitucional da
isonomia e segurança jurídica, ou de ter a lei federal aplicada a todos de maneira
uniforme.
Mesmo, portanto, quando o terceiro interessado recorre ao STF ou ao STJ,
apenas para ampliar o efeito do IRDR para todo o território nacional, o faz
dentro dos requisitos constitucionais dos recursos extraordinário e especial.
É esse detalhe da recorribilidade prevista para o julgamento do IRDR que, a
meu ver, merece ponderação e realce. Na verdade, o que visou o novo CPC foi
incluir o STF e o STJ como sujeitos que também participem da função atribuída
ao IRDR, tendo em conta a necessidade inegável de que a uniformização da
interpretação e aplicação da Constituição e da lei federal nunca devem
permanecer restritas ao âmbito dos Tribunais locais. É algo semelhante ao que
levou o legislador a criar ou ampliar remédios processuais para, por exemplo,
solucionar no STJ conflitos jurisprudenciais entre os Juizados Especiais e aquela
Corte Superior, bem como a estender a reclamação constitucional, por
jurisprudência do STF e por disposição de lei comum, para defesa da autoridade
dos julgados dos tribunais locais.
Registra o estudo, a respeito dos recursos especial e extraordinário no
campo do IRDR, lições doutrinárias no sentido de que a competência definida
constitucionalmente se mostra inalterável pelo legislador ordinário.
É muito importante, todavia, advertir que os conceitos em que se apoia a
regra constitucional muitas vezes são fixados pela lei ordinária.
Por exemplo, a coisa julgada é protegida constitucionalmente contra a
retroatividade da lei. Mas a Constituição não define o que é a coisa julgada.
Assim, o legislador ordinário pode ora ampliar, ora reduzir o conceito e extensão
da incidência da coisa julgada, como por exemplo, se passa entre as ações
singulares e as ações coletivas.
Da mesma maneira, muitos institutos previstos na Constituição têm sido
ampliados não só por lei, mas até por interpretação jurisprudencial evolutiva,
como, por exemplo, no caso da reclamação e da força vinculante da decisão da
ação direta de inconstitucionalidade.
Por isso, tenho como ultrapassada pela vivência pretoriana a antiga tese da
absoluta intocabilidade das competências constitucionais.
Se, porém, esta inflexibilidade ainda pode prevalecer para as competências
políticas delineadas pela Constituição, não vale, entretanto, em caso de
competência processual, que põe em jogo as garantias dos direitos fundamentais,
cuja tutela reclama cada vez mais regras maleáveis e dinâmicas, e não rígidas,
estáticas e intocáveis.
Muitas vezes, alargar competência jurisdicional, para abranger hipóteses
novas, em vez de atritar com o sistema constitucional, o reforça e incrementa,
sem, reduzir qualquer outra competência anteriormente atribuída pela
Constituição a órgão diverso. Por exemplo: o incidente de resolução de
demandas repetitivas não existia ao tempo em que a CF definiu a competência
do STF e do STJ para os recursos extraordinário e especial. Não há, a meu ver,
ofensa à Lei Maior em ampliar o terreno de admissibilidade daqueles recursos
extremos, para neles incluir o acórdão do tribunal local em IRDR.
Na sequência, abordagens inteligentes foram feitas no ensaio ora divulgado,
sobre cognição e fundamentação na aplicação da tese assentada no IRDR ao
caso concreto, assim como seu afastamento por distinção ou superação.
Importante, ainda, foi o tratamento do tema relacionado à revisão da tese
pelo próprio tribunal que a fixou.
No fecho do riquíssimo estudo, quase uma centena de conclusões resumem
os resultados do notável esforço doutrinário desenvolvido e levado a cabo com
sucesso pelo autor. Ali, mais do que um simples rol de títulos, o leitor encontrará
um catálogo completo do pensamento exposto ao longo da obra, facilitando, a
um só tempo, uma visão de conjunto e o acesso particular a cada tema e
respectivos fundamentos.
A obra é densa, profunda, pelo rigor científico com que foi construída. É,
por outro lado, didática porque redigida em linguagem precisa e de fácil
compreensão, associando sempre a teoria aos exemplos práticos. Sua larga
utilidade, pois, dar-se-á tanto no mundo acadêmico como na atividade forense.
Pela importância e novidade do tema explorado, não poderia ser mais atual
sua publicação, de cujo sucesso estou plenamente seguro, principalmente pela
matéria com que se houve o autor na respectiva exposição.

Humberto Theodoro Júnior


Belo Horizonte, junho de 2017
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INTRODUÇÃO

Capítulo 1 – Posição propedêutica do Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas (rectius de questão comum) (IRDR ou IRQC)

Capítulo 2 – As funções do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas


no contexto sociojurídico do mundo contemporâneo
2.1. Acesso à Justiça e a economia judicial e processual
2.2. Os instrumentos processuais coletivos e o acesso à Justiça
2.3. O IRDR como instrumento de economia judicial e processual
2.4. O princípio da igualdade diante da lei e a segurança jurídica
2.5. Os meios processuais coletivos como instrumento para o equilíbrio das
partes no processo
2.6. Os mecanismos coletivos como instrumento para o cumprimento do
direito material
2.7. O papel e os limites do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas

Capítulo 3 – As fontes de inspiração do Incidente de Resolução de


Demandas Repetitivas no direito estrangeiro
3.1. Test claims (demandas teste), pilot judgments (julgamentos piloto),
Musterverfahren (procedimento modelo), Group Litigation Order
(decisão sobre litígios de grupo) e outros julgamentos de questões
comuns ou por amostragem
3.2. O surgimento do Musterverfahren (procedimento-padrão) na
>Alemanha: a experiência prática sem previsão legal
3.3. A introdução do Musterverfahren no ordenamento jurídico alemão

Capítulo 4 – O Musterverfahren (processo-modelo) da Jurisdição


Administrativa e da Previdência e Assistência Social
4.1. Considerações iniciais. O regramento sucinto e unificado para o
Musterverfaren no direito público
4.2. Cabimento e admissibilidade. Escolha dos procedimentos-modelo
4.3. Processamento e julgamento do Musterverfahren e dos Nachverfahren

Capítulo 5 – O Musterverfahren (procedimento-padrão) dos litígios


relacionados ao mercado de capitais (KapMuG)
5.1. A fase de admissibilidade da instauração do procedimento-padrão
(Musterverfahren)
5.2. Processamento do procedimento-padrão (Durchführung des
Musterverfahrens)
5.3. Vinculação da decisão-padrão (Wirkung des Musterentscheids)

Capítulo 6 – A Group Litigation Order do direito britânico

Capítulo 7 – Resgatando a genealogia do Incidente de Resolução de


Demandas Repetitivas no direito nacional
7.1. A formulação da proposição na Comissão de Juristas, o (ante) projeto
de novo Código de Processo Civil e o texto aprovado no Senado
Federal
7.2. A versão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no texto
aprovado na Câmara dos Deputados
7.3. O IRDR na redação final aprovada no Senado Federal e no texto
sancionado

Capítulo 8 – Considerações prévias sobre precedentes e jurisprudência:


papel, fatores e perspectivas no direito brasileiro contemporâneo. O
caráter vinculativo no art. 927 do novo Código de Processo Civil
8.1. Introdução (ou breve retrospecto sobre o tema nos últimos 25 anos) a
partir da vivência e do olhar do autor
8.2. Common law e civil law
8.3. A importância dos precedentes e da jurisprudência
8.4. O stare decisis e as qualidades dos precedentes e da jurisprudência
8.5. Principais fatores que influenciam em termos de precedentes no
contexto brasileiro
8.5.1. Fatores culturais
8.5.2. Educação jurídica
8.5.3. Estrutura e organização do Poder Judiciário
8.5.4. O papel dos profissionais do direito
8.6. As fontes formais do direito no Brasil
8.7. A ideia de independência funcional dos magistrados
8.8. Os precedentes e o contexto atual do Poder Judiciário brasileiro
8.9. A jurisprudência e os precedentes em países de common e civil law
8.10. O sistema de pronunciamentos vinculativos no contexto do novo
Código de Processo Civil
8.11. A ruptura necessária de paradigmas e os seus desdobramentos

Capítulo 9 – A natureza do Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas
9.1. Considerações iniciais sobre a jurisdição. A ampliação da acep- ção de
jurisdição
9.2. A análise formal do IRDR
9.3. O objeto do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

Capítulo 10 – Cabimento e requisitos para o incidente de resolução de


demandas repetitivas
10.1. Efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre
questão comum de direito
10.1.1. A efetiva repetição de processos
10.1.2. A questão unicamente (rectius comum) de direito
10.2. Risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica
10.3. Requisito negativo: que a questão jurídica não esteja afetada em
recurso especial ou extraordinário repetitivo
10.4. A controvérsia em torno da exigência de que o incidente tenha como
base apenas processos já em tramitação no tribunal
10.4.1. A posição de que o incidente somente pode ser suscitado na
pendência de causa no tribunal
10.4.2. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pode ser
suscitado a partir de causas em tramitação perante juízes ou
tribunais de segundo grau

Capítulo 11 – Legitimidade e sujeitos processuais no incidente


11.1. Legitimidade para o IRDR
11.2. Os sujeitos processuais no Musterverfahren alemão
11.3. Os intervenientes no IRDR: a influência na formação da tese jurídica
11.4. As medidas fundamentais para a preservação dos direitos subjacentes
ao IRDR sob o aspecto subjetivo
11.5. Considerações em torno dos legitimados para suscitar o IRDR
11.5.1. O juiz, o relator e os órgãos judiciais colegiados
11.5.2. As partes
11.5.3. Ministério Público
11.5.4. Defensoria Pública
11.6. Despesas e honorários advocatícios no IRDR

Capítulo 12 – Competência para a admissibilidade, processamento e


julgamento do IRDR e dos processos pendentes
12.1. Competência dos tribunais de segundo grau
12.2. Competência funcional do órgão definido pelo Regimento Interno,
com atribuição para a uniformização da jurisprudência
12.3. A importância da organização e da especialização para a
uniformização da jurisprudência e a fixação de precedentes
vinculativos
12.4. Cabimento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nos
Tribunais Superiores
12.5. Juizados Especiais
12.5.1. Breve digressão histórica em torno da criação dos juizados
especiais no Brasil
12.5.2. O art. 98, I, da Constituição da República
12.5.3. O modelo de uniformização de jurisprudência nos Juizados
Especiais e suas deficiências
12.5.4. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nos
Juizados Especiais
12.5.5. Conclusões sobre o tema Juizados Especiais e IRDR

Capítulo 13 – Divulgação e publicidade do Incidente de Resolução de


Demandas Repetitivas. Cadastro nos Tribunais e no Conselho Nacional
de Justiça. A resolução nº 235/2016 do Conselho Nacional de Justiça. As
dificuldades práticas para a implementação do Cadastro Nacional de
Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas
13.1. A importância da comunicação nos julgamentos de questões comuns.
O surgimento de cadastros no direito estrangeiro e a evolução no
direito nacional
13.2. O banco eletrônico de dados dos tribunais e no Conselho Nacional de
Justiça. A Resolução nº 235/2016 do CNJ. Momento do lançamento do
registro. Dados essenciais
13.3. As dificuldades práticas para a implementação do Cadastro Nacional
de Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas.

Capítulo 14 – O procedimento inicial do Incidente de Resolução de


Demandas Repetitivas. Distribuição e juízo de admissibilidade; a
definição da questão jurídica objeto do incidente
14.1. O procedimento inicial do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas. Distribuição. Juízo de admissibilidade
14.2. Definição do objeto do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas: a questão de direito

Capítulo 15 – A suspensão dos processos pendentes. Competência para o


estabelecimento da suspensão. Suspensão cogente ou facultativa.
Possibilidade de suspensão parcial. Tempo de suspensão. Prorrogação da
suspensão. Comunicação da suspensão. Requerimento de suspensão ou
de sustação da suspensão. Recursos contra a decisão sobre a suspensão.
Revogação da suspensão. Atos processuais que podem ser realizados
durante a suspensão
15.1. A suspensão dos processos pendentes
15.2. Competência para o estabelecimento da suspensão
15.3. Suspensão cogente ou facultativa
15.4. Possibilidade de suspensão parcial
15.5. Suspensão em todo o território nacional
15.6. Tempo de suspensão
15.7. Prorrogação da suspensão
15.8. Comunicação da suspensão (ou a suspensão efetiva dos processos que
versem sobre a questão do IRDR). Devido processo legal e
contraditório
15.9. Requerimento de suspensão ou de sustação da suspensão
15.10.Recursos contra a decisão sobre a suspensão
15.11. Cessação da suspensão
15.12.Atos processuais que podem ser realizados durante a suspensão

Capítulo 16 – Procedimento preparatório do julgamento. Informações. O


papel do relator e dos sujeitos do incidente. Contraditório. Amicus
curiae
16.1. Procedimento preparatório do julgamento
16.2. Informações. Fundamentos em torno da questão objeto do IRDR
16.3. O papel do relator e dos sujeitos do incidente na preparação do
julgamento do IRDR. A legitimação do procedimento modelo e do
sistema de processos paralelos
16.4. Definição final da questão do IRDR. Contraditório pleno e
aprofundado em torno dos fundamentos pertinentes ao objeto do
IRDR. Providências que podem ser tomadas pelo relator
Capítulo 17 – Julgamento do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas
17.1. O órgão competente e o objeto do julgamento
17.2. De novo, a importância do contraditório ampliado
17.3. O procedimento para o julgamento do IRDR
17.4. A fixação da tese jurídica

Capítulo 18 – Recursos contra a decisão proferida no Incidente de


Resolução de Demandas Repetitivas
18.1. Recursos cabíveis: considerações gerais
18.2. Breve histórico sobre as origens, influências e escopos dos recursos
extraordinário e especial no Brasil
18.3. Os recursos extraordinários e especiais e as “causas decididas em
única ou última instância”. A visão tradicional diante de institutos
como o incidente de arguição de inconstitucionalidade e de
uniformização de jurisprudência
18.4. Do individual para o coletivo: o estudo do desenvolvimento dos
instrumentos processuais voltados para a solução de questões comuns,
repetitivas e coletivas no Brasil, como premissa para a interpretação da
expressão “causas decididas em única ou última instância”
18.5. Os julgados do Supremo Tribunal Federal e o Enunciado nº 513 da sua
Súmula
18.6. Fundamentos para a constitucionalidade do art. 987 do Código de
Processo Civil
18.6.1. A previsão de causa decidida em única ou última instância é
constitucional, mas a sua definição não é constitucional,
podendo ser fixada legalmente
18.6.2. O novo conceito de jurisdição e os respectivos mecanismos
processuais
18.6.3. Acesso à Justiça e contraditório – o direito dos interessados de
intervir no IRDR e de recorrer da decisão de mérito .
18.6.4. Interpretação sistemática do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas (I) (possibilidade de suspensão
nacional cautelar e o cabimento do recurso extraordinário e
especial diante do julgamento de mérito do IRDR – art. 982,
§§ 4º e 5º do CPC)
18.6.5. Interpretação sistemática do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas (II) (desistência do processo do qual se
originou o IRDR)
18.6.6. Coisa julgada da questão prejudicial e das decisões parciais de
mérito. Recursos excepcionais contra o julgamento em agravo
de instrumento
18.6.7. O enunciado nº 513 da Súmula do Supremo Tribunal Federal e
o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
18.7. Legitimados para a interposição dos recursos
18.8. Efeitos devolutivo e suspensivo nos recursos extraordinário e especial
contra a decisão de mérito no Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas. Presunção da repercussão no recurso extraordinário

Capítulo 19 – Efeito vinculativo da decisão proferida no Incidente de


Resolução de Demandas Repetitivas
19.1. Delimitação do tratamento do tema. O tratamento normativo geral do
efeito vinculativo no novo Código de Processo Civil
19.2. Levantamento e análise das principais críticas formuladas por parte da
doutrina ao sistema de julgamento de demandas repetitivas no novo
Código de Processo Civil, especialmente no que se refere ao efeito
vinculativo
19.3. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (ou sistema de
resolução de demandas repetitivas ou de questões comuns) versus ou
plus ações coletivas
19.4. Violação da separação ou colaboração entre os Poderes
19.5. A alegada ausência de legitimação adequada para a defesa dos
interesses coletivos e a ofensa aos princípios do acesso à justiça e ao
contraditório, na medida em que pessoas que não tiveram participação
no processo, ou seja, o seu dia na corte, estariam sendo atingidas no
seu direito
19.6. A invocação da violação ao direito de ação, em razão da ausência da
garantia do direito de autoexclusão (opt-out right)

Capítulo 20 – Aplicação da tese jurídica. Cognição, fundamentação, vícios e


meios de correção. Distinção e superação da tese jurídica firmada.
Efeitos e consequências processuais decorrentes do julgamento
repetitivo: a construção de um sistema. Revisão da tese
20.1. O âmbito de aplicação da tese jurídica
20.2. Cognição e fundamentação na aplicação da tese ao caso concreto.
Vícios decorrentes da falta de motivação e meios de correção.
Distinção e superação em relação à tese firmada
20.3. Efeitos e consequências processuais decorrentes do julgamento
repetitivo: a construção de um sistema
20.4. Revisão da tese

Capítulo 21 – Solução consensual e Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas

PRINCIPAIS CONCLUSÕES

REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO

Procurou-se escolher um tema atual, importante e instigante no âmbito do


Direito Processual Civil. O incidente de resolução de demandas repetitivas
(IRDR) é um dos principais instrumentos trazidos a lume pelo Código de
Processo Civil (CPC) brasileiro de 2015. A criação do novo procedimento foi
obra de sofisticada engenharia realizada pela Comissão de Juristas, presidida
pelo Professor e Ministro Luiz Fux, integrada, dentre outros, pelos eminentes
Professores Teresa Arruda Alvim, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Humberto
Theodoro Júnior e José Roberto dos Santos Bedaque, que elaborou o anteprojeto
do novo estatuto processual. Por um lado, foi concebido sob a inspiração do
direito estrangeiro, especialmente o germânico, a partir do Musterverfahren
(procedimento-padrão). Por outro, engendrou elementos já conhecidos e
consagrados no direito nacional, provenientes de institutos como os incidentes
de uniformização de jurisprudência e de declaração de inconstitucionalidade nos
tribunais, bem como os recursos repetitivos.
A simbiose propiciou a inventiva de um instituto processual com
características próprias, que precisam ser devidamente investigadas, debatidas e
testadas à luz dos debates teóricos e dos resultados práticos. Naturalmente, esta
tese estará mais voltada para o primeiro aspecto, considerando ainda a
incipiência da sua prática pelos tribunais.
O incidente de resolução de demandas repetitivas vem despertando, desde
os tenros momentos da sua concepção, acalorados debates em torno de variados
aspectos, sobre os quais este trabalho tentará se desenvolver, de modo a oferecer
subsídios para o estudo, o conhecimento, a interpretação e a aplicação do novel
instituto.
Na primeira parte, o autor buscará uma definição em torno da identificação
e posicionamento do incidente de resolução de demandas repetitivas no cenário
jurídico e das suas principais funções no contexto sociojurídico contemporâneo.
Em seguida, fará uma breve incursão no direito estrangeiro, com ênfase no
direito alemão. Desde logo, constata-se a necessidade de maiores
esclarecimentos quanto ao Musterverfahren, surgido a partir de ousadas práticas
judiciais realizadas no final do século passado, quando ainda inexistente
qualquer previsão legal expressa, mas que foram chanceladas pela Corte Federal
Constitucional alemã e depois incorporadas na legislação. Os dois sistemas
existentes na Alemanha, do direito público e do direito privado, serão analisados
em separado.
A genealogia do incidente no direito nacional será resgatada e analisada na
sequência, bem como tecidas considerações correlatas em torno do arcabouço da
jurisprudência e dos precedentes, tendo em vista o aspecto vinculativo das teses
firmadas no procedimento padrão. Esta parte será canalizada para o capítulo
seguinte, sobre a natureza jurídica do incidente de resolução de demandas
repetitivas.
A análise dos aspectos fundamentais supramencionados será
complementada com a abordagem dos seus pressupostos processuais, do
cabimento do incidente e dos seus requisitos, levando-se em conta a legitimidade
para a provocação do instituto e a competência para a sua admissibilidade e
julgamento.
As normas e questões pertinentes ao procedimento e ao sistema do IRDR
serão sopesadas depois em capítulos destinados à necessária e diferenciada
publicidade, à suspensão dos processos e às respectivas garantias a serem
observadas, à fase preparatória e ao julgamento do incidente.
Por fim, serão enfrentados os assuntos pertinentes aos recursos, à aplicação
da tese jurídica aos casos concretos e da possibilidade de soluções consensuais
no bojo do incidente de resolução de demandas repetitivas.
As indagações em torno da denominação, da constitucionalidade, das
funções, da natureza, da eficiência, dos requisitos de admissibilidade, da
competência, da legitimidade, dos mecanismos relacionados ao funcionamento
do instituto, do julgamento, da tese firmada, da sua aplicação vinculativa, do
cabimento direto dos recursos especial e extraordinário contra a decisão de
mérito proferida e da possibilidade de soluções consensuais no curso do
incidente de resolução de demandas repetitivas serão ponderadas dentro da
hipótese de investigação se o instituto processual analisado pode ser considerado
um efetivo meio para propiciar ou colaborar para a consecução da economia
processual, da duração razoável dos processos, da isonomia e da segurança
jurídica.
O Direito Processual não representa a panaceia para todos os problemas da
humanidade. Por certo, não pode e não deve se encantar com devaneios, ainda
que teóricos, ou falsas promessas. Contudo, tem a missão de perseguir, estudar e
construir os meios mais adequados para a preservação dos direitos. A tese aqui
esposada e que se tentará demonstrar é a de que o incidente de resolução de
demandas repetitivas encontra-se em sintonia com as normas e os propósitos
constitucionais relacionados à prestação jurisdicional. Para tanto, o instituto deve
ser concebido, interpretado e aplicado em sintonia com estes valores, como se
tentará sistematizar e apontar a seguir.
O atual Código de Processo Civil (CPC)1 brasileiro, Lei nº 13.105, de
16.03.2015, representa, por certo, um marco para o estudo do Direito Processual
não apenas no âmbito nacional, mas também no cenário internacional, em razão,
principalmente, das inovações contidas na sua nova redação. Dentre estas, uma
das suas grandes apostas, se não a maior, é o novel Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas (IRDR), inserido no Capítulo VIII, com a denominação e
conteúdo destinado exclusivamente ao instituto, do Título I (Da Ordem dos
Processos e dos Processos de Competência Originária dos Tribunais), no Livro
III (Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões
Judiciais), da Parte Especial.
A gênese do instituto ocorreu no seio da Comissão do Senado, quando a
Comissão, presidida por Luiz Fux, estabeleceu, como metodologia inicial, que
cada um dos seus membros apresentasse um rol de sugestões a serem
incorporadas no estatuto que se pretendia elaborar. Na sequência, Paulo Cezar
Pinheiro Carneiro encaminhou a ideia da criação do instituto inicialmente
denominado de Incidente de Coletivização. A proposta levava em consideração o
desejo de fortalecimento dos precedentes, mas pretendia também ter um caráter
preventivo a partir da própria potencialidade aferida na primeira instância,
diferenciando-se, assim, do então vigente incidente de uniformização da
jurisprudência. Por sua vez, não se desejava concorrer com os trabalhos que
estavam sendo empreendidos pela Comissão de Juristas, nomeada pelo Ministro
da Justiça, para a elaboração de um anteprojeto de nova Lei da Ação Civil
Pública, que resultou no Projeto de Lei nº 5.139/2009.
Em janeiro de 2010, em documento2 subscrito por seu presidente, Luiz Fux,
a Comissão de Juristas torna público as linhas mestras do que seria o novo
Estatuto Processual, exteriorizando, logo no seu limiar, que se construiu “a
proposta de instituição de um incidente de coletivização dos denominados
litígios de massa, o qual evitará a multiplicação das demandas, na medida em
que o seu reconhecimento numa causa representativa de milhares de outras
idênticas, imporá a suspensão de todas, habilitando o magistrado na ação
primeira, dotada de amplíssima defesa, com todos os recursos previstos nas leis
processuais, proferir uma decisão com largo espectro, definindo o direito
controvertido de tantos quantos se encontram na mesma situação jurídica,
trazendo uma solução de mérito consagradora do princípio da isonomia
constitucional”. No próprio documento, se indicava que se tratava de
denominação provisória, tendo contribuído, por certo, para a sua modificação, as
dificuldades com que se deparou, naquele momento, o referido Projeto de nova
Lei da Ação Civil Pública.
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas encontra-se regulado
em doze artigos (976 a 987), no novo CPC. Embora tenha sido objeto de
discussões ao longo da tramitação legislativa, é um instrumento novo no
ordenamento brasileiro e que também não seguiu um padrão completamente
coincidente com os meios similares existentes no direito estrangeiro,
notadamente a sua principal fonte externa, ou seja, o Musterverfahren
(Procedimento Modelo) alemão.
A realidade do século XXI vem apontando para a conjugação de elementos
que confluem para o incremento progressivo de conflitos em massa e da procura
de mecanismos de solução dos litígios em escala. O aumento da população,
especialmente sentido em países continentais, como o Brasil, é um dos fatores.
Por outro lado, a melhoria gradativa das condições de vida, do acesso às
informações e à educação impulsiona o esclarecimento, propiciando o que
Norberto Bobbio denominou de “era dos direitos”, com efeitos multiplicadores
nos Estados Democráticos de Direito.
O desaguadouro natural das esperanças, desilusões e pretensões passa a ser
o Poder Judiciário, que, por sua vez, também sofre com as limitações de recursos
materiais e humanos para fazer diante do desabrochar desta procura incessante e
crescente.
Busca-se, assim, a racionalização e eficiência dos meios processuais, que
precisam se reinventar para fazer frente às novas demandas. Neste cenário, é que
se inserem os mecanismos que possam tentar realizar a árdua tarefa de julgar os
litígios envolvendo direitos individuais homogêneos de centenas, milhares ou
milhões de pessoas, mediante uma ou poucas ações coletivas ou outros meios de
resolução coletiva de demandas repetitivas, de massa ou plúrimas. E também os
instrumentos voltados para a solução de questões comuns enfrentadas pelos
órgãos judiciários, ainda que em demandas heterogêneas, com o escopo de se
garantir, ao mesmo tempo, a economia processual e o princípio da isonomia3.
O fenômeno acima vem ocorrendo não apenas na realidade nacional, mas
ainda que com graus diferenciados, considerando fatores variados, como a
dimensão do país, o quantitativo populacional e a sua maior ou menor
concentração, aspectos culturais, econômicos e políticos, praticamente, em todo
o cenário mundial e de modo crescente.
Neste contexto, a primeira afirmação que se procura desenvolver neste
trabalho é no sentido de que o novo Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas está inserido no âmbito do Direito Processual Coletivo. Este ramo,
por sua vez, pode ser subdividido em três subáreas: a) as ações coletivas ou
representativas propriamente ditas, incluindo as suas várias subespécies, como as
class actions, as ações associativas (Verbandsklagen), ação civil pública, ação
popular, ações de grupo etc.; b) os meios consensuais de resolução de conflitos
coletivos, como os termos de ajustamento de conduta; c) os instrumentos de
solução de questões comuns ou de julgamentos a partir de procedimentos ou
casos-modelo, como as test-claims (ações ou demandas teste), o
Musterverfahren (procedimento-modelo), o Group Litigation Order (GLO)
(Decisão sobre o litígio de grupo), os recursos repetitivos e o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR)4-5.
Embora o IRDR esteja previsto no Código de Processo Civil, a sua
aplicação não se encontra limitada ao âmbito do Processo Civil, tendo em vista
que, em princípio, não se mostra incompatível com outros ramos específicos,
como o Processo Penal, do Trabalho ou Eleitoral.
O art. 15 do novo Código de Processo Civil estabelece que as suas
disposições se aplicam, supletiva e subsidiariamente, na ausência de normas que
regulem os processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos.
Por sua vez, o art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro já
aponta, de longa data, que, quando a lei for omissa, o juiz decidirá com base na
analogia, costumes e nos princípios gerais do direito. No âmbito do Direito
Processual, há normas gerais previstas na Constituição da República, em tratados
e em leis ordinárias, ao lado de regras específicas aplicáveis apenas ao processo
civil, trabalhista, penal ou eleitoral. Em outra obra6, o autor pode assinalar que o
“direito processual civil é o que possui uma maior abrangência, porque não
cuida propriamente apenas da matéria civil, mas, sim, por exclusão, o que não se
encontra abrangido pelo processo penal ou do trabalho. Por conseguinte, as
normas processuais civis, na verdade, estarão sendo aplicadas nos processos
envolvendo, por exemplo, matéria constitucional, civil, administrativa, tributária,
ambiental e empresarial”. Exatamente em razão desta maior amplitude, é que as
suas normas acabam regulando mais institutos gerais, a ponto de ser denominado
de direito processual comum pela Consolidação das Leis do Trabalho, e,
portanto, servindo como fonte, supletiva e subsidiária, para os demais ramos
processuais.
O art. 15 alcança os processos judiciais e administrativos. É de se registrar a
ausência de referência expressa em relação ao processo penal. Contudo, a
omissão não deve ser interpretada como exclusiva. Isso porque, diante da
omissão de norma específica, aplicar-se-á, à luz do art. 4º da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro e do próprio art. 3º do Código de Processo
Penal, a analogia e os princípios gerais do direito.
O novel art. 15 reforça o que já se encontrava disposto no art. 769 da
Consolidação das Leis do Trabalho, em relação aos processos trabalhistas. E
supre omissão existente no Código Eleitoral, que fazia remissão, no art. 364, tão
somente ao Código de Processo Penal, para os processos e julgamentos dos
crimes eleitorais.
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas integra o objeto de
estudo mais específico do Direito Processual Coletivo7, considerando que este
congrega (a) as ações coletivas; (b) as soluções consensuais para conflitos
coletivos; e (c) outros meios de resolução coletiva de questões comuns e litígios
coletivos.
O Direito Processual Coletivo pode ser concebido como o ramo do Direito
que se ocupa do conjunto de princípios, normas e institutos jurídicos vinculados
aos meios de resolução de questões comuns e conflitos coletivos, no âmbito
jurisdicional ou extrajudicial.
O Direito Processual Coletivo possui ampla ligação com outros ramos do
Direito. Em primeiro lugar, com a Teoria Geral do Processo e os respectivos
ramos do Direito Processual Civil, do Direito Processual do Trabalho e mesmo
do Direito Processual Penal.
Está relacionado também intrinsecamente com o Direito Constitucional,
considerando que a Carta Magna prevê inúmeros princípios e garantias
constitucionais relacionados com o Direito Processual e, em especial, no que diz
respeito aos conflitos e incidentes de natureza ou efeitos coletivos. Nesse
sentido, a inafastabilidade da prestação jurisdicional no âmbito coletivo, como
inscrito atualmente em diversas Constituições, como a brasileira, a portuguesa e
a argentina, e também como um dever do Estado, conforme decidido pela
Suprema Corte Canadense no caso Western Canadian Shopping Centres Inc. V.
Dutton8. Do mesmo modo, os princípios do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa, da publicidade e da celeridade possuem
importância e aplicação especial na esfera do Direito Processual Coletivo, tendo
em vista a irradiação dos pronunciamentos proferidos e a possibilidade de serem
atingidas as denominadas “partes ausentes” ou interessados.
Naturalmente, os instrumentos do Direito Processual Coletivo possuem uma
aplicabilidade maior no âmbito do Direito Processual Civil9, mas também são
muito importantes na esfera do Direito Processual do Trabalho e podem ser
aplicados eventualmente na seara do Direito Processual Penal e Eleitoral.

1
A elaboração do novo Estatuto Processual Civil iniciou-se formalmente, no
Senado Federal, com a nomeação, pelo Ato nº 379, de 30.09.2009, de
Comissão de Juristas, presidida pelo Professor e Ministro do Supremo
Tribunal Federal Luiz Fux, tendo como Relatora a Professora Teresa Arruda
Alvim, composta pelos professores Adroaldo Furtado Fabrício, Benedito
Cerezzo Pereira Filho, Bruno Dantas, Elpídio Donizetti Nunes, Humberto
Theodoro Júnior, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina,
José Roberto dos Santos Bedaque, Marcus Vinicius Furtado Coelho e Paulo
Cesar Pinheiro Carneiro. Em 08.06.2010, a Comissão encaminha o
Anteprojeto ao Senador José Sarney, que, na mesma data, o apresenta como
Projeto de Lei do Senado nº 166. No dia 15.12.2010, é aprovado, no
Senado, Substitutivo apresentado, sendo remetido à Câmara dos Deputados.
Na Câmara dos Deputados, é recebido, em 22.12.2010, Projeto de Lei nº
8.046/2010. Depois de longo período em que houve amplo debate nacional,
é chancelado na Câmara novo Substitutivo, no dia 26.03.2014. Em razão
das modificações realizadas na Câmara, retorna ao Senado, onde é
aprovado, no dia 17.12.2014, novo Substitutivo oferecido no Senado, com
modificações. Em seguida, é realizada revisão final de redação e
encaminhado à sanção presidencial, ocorrida no dia 16.03.2015, com a
publicação da Lei nº 13.105 no dia 17.03.2015 e entrada em vigor no dia
18.03.2016. Em relação ao IRDR, é de se notar as variações em torno das
concepções e do texto em cada uma das fases do processo legislativo, o que
será oportunamente destacado, em diversos momentos do presente trabalho,
especialmente quando se mostrar relevante para a interpretação e aplicação
do instituto em muitos aspectos.
2
A íntegra do documento pode ser encontrada em:
<https://www.senado.gov.br/se-
nado/novocpc/pdf/1a_e_2a_Reuniao_PARA_grafica.pdf>. Acessado em
03.11.2016.
3
Nesse sentido, a lição de Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos
Carrilho Lopes: “A implantação dessa técnica insere-se no contexto de um
movimento voltado a superar os inconvenientes dos microprocessos que se
multiplicam às dezenas, centenas ou quiçá milhares, todos portadores da
mesma questão jurídica a ser decidida tantas vezes quantos forem esses
microprocessos. Quando tantos casos tramitam isoladamente pelo Poder
Judiciário, sua dispersão e a repetição do julgamento da mesma quaestio
juris constituem fatores perversos de contrariedade à promessa
constitucional de tutela jurisdicional em tempo razoável (Const., art. 5º, inc.
LXXVIII), além de atentarem contra o desiderato de harmonia entre
julgados”, em Teoria Geral do novo Processo Civil: de acordo com a Lei
13.256, de 4.2.2016, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 216, no item 154. O
recurso especial e o recurso extraordinário repetitivos e o incidente de
resolução de demandas repetitivas.
4
A correlação é feita por Luiz Fux: “Esse quantitativo de demandas estava
intimamente vinculado ao denominado “contencioso de massas”, no qual
milhares de ações em trâmite no território nacional versavam a mesma
questão jurídica, revelando ações homogêneas que não deviam ser
reguladas processualmente como aquelas que compõem a litigiosidade de
varejo. Erigiu-se, então, o denominado incidente de resolução de demandas
repetitivas instaurado em cada unidade da federação, perante o primeiro
grau de jurisdição para o tribunal, possibilitando ao juiz, às partes, à
Defensoria Pública ou ao Ministério Público provocarem uma manifestação
dos tribunais locais sobre as ações com identidade de questões jurídicas”,
em Teoria Geral do Processo, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 37.
5
Humberto Theodoro Júnior, na mesma direção, aponta que: “A sociedade
contemporânea sofreu profunda modificação no que toca aos conflitos
jurídicos e aos meios de sua resolução em juízo. As crises de direito
deixaram de se instalar apenas sobre as relações entre um e outro indivíduo
e se expandiram para compreender outras numerosas relações plurilaterais,
ensejadoras de conflitos que envolvam toda a coletividade ou um grande
número de seus membros. Surgiram, assim, os conflitos coletivos, a par dos
sempre existentes conflitos individuais. É que o relacionamento social
passou, cada vez mais, a girar em torno de interesses massificados,
interesses homogêneos, cuja tutela não pode correr o risco de ser
dispensada pela Justiça de maneira individual e distinta, isto é, com a
possibilidade de soluções não idênticas, caso a caso. Esse risco põe em
xeque a garantia basilar da democracia, qual seja, a de que, perante a lei,
todos são necessariamente iguais. Se assim é, no plano dos direitos
materiais, também assim haverá de ser no plano do acesso à justiça e da
tutela jurisdicional proporcionada a cada um e a todos que demandam. A
igualdade em direitos seria quimérica, se na solução das crises fossem
desiguais as sentenças e os provimentos judiciais. Os tribunais modernos,
portanto, têm de se aparelhar de instrumentos processuais capazes de
enfrentar e solucionar, com adequação e efetividade, os novos litígios
coletivos, ou de massa. Dessa constatação da realidade, nasceram diversos
tipos de tutela judicial coletiva, ora como modalidade de ações coletivas
(em que num só processo se define solução uniforme e geral para um grupo
de titulares de direitos individuais, semelhantes), ora como incidente
aglutinador de ações originariamente singulares (por meio do qual uma só
decisão se estende às diversas causas individuais de objeto igual). Exemplo
típico de ação coletiva é a ação civil pública manejada por um só autor, mas
em defesa de um grupo de titulares de direitos subjetivos iguais,
qualificados como direitos individuais homogêneos. Exemplo típico de
incidente de potencial efeito expansivo a mais de uma causa é o de
uniformização de jurisprudência do CPC/1973, assim como o do sistema
instituído pelo CPC/2015 de julgamento de recursos repetitivos, no âmbito
do STF e do STJ, e o de assunção de competência. O Novo Código de
Processo Civil deu um grande passo no terreno da coletivização da
prestação jurisdicional instituindo um novo incidente processual, a que
atribuiu o nome de incidente de resolução de demandas repetitivas (arts.
976 a 987), e cuja aplicação é ampla, já que pode acontecer perante
qualquer tribunal, seja da Justiça dos Estados, seja da Justiça Federal”, no
Curso de Direito Processual Civil – v. III, 49. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016, p. 906.
6
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Teoria Geral do Processo. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 5.
7
O autor procurou desenvolver mais a ideia de perspectiva multiportas para a
resolução coletiva de conflitos e de questões comuns no trabalho O direito
processual coletivo e o novo código de processo civil: Estudos em
homenagem ao Professor e Jurista Luiz Fux, in: ALVIM, Teresa Arruda;
BEDAQUE, José Roberto dos Santos; CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro;
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; O novo processo civil brasileiro:
temas relevantes – Estudos em homenagem ao Professor, Jurista e Ministro
Luiz Fux. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017 (no prelo).
8
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de
resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 4. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 149 e 399-416.
9
É de se registrar que o campo do Direito Processual Civil pode ser mais ou
menos amplo, de acordo com o ordenamento nacional, pois podem existir
subdivisões internas variadas no Direito Processual. Por exemplo, na
Alemanha, há o Direito Processual Administrativo, que é aplicado aos
litígios judiciais relacionados às causas envolvendo a Administração
Pública.
Capítulo 2

AS FUNÇÕES DO INCIDENTE DE
RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
NO CONTEXTO SOCIOJURÍDICO DO MUNDO
CONTEMPORÂNEO

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas não pode ser visto como


uma solução mágica1 e única para os problemas que afligem o tratamento dos
litígios no Brasil. É preciso compreendê-lo, em primeiro lugar, dentro de um
conjunto de instrumentos no seio do Direito Processual Coletivo, ao lado das
ações coletivas e dos meios adequados e consensuais de resolução coletiva das
lides. E que dialoga com soluções dentro de todo o Direito Processual, bem
como com modificações estruturais, de gestão e culturais. Contudo, é, sem
dúvida, um dos principais instrumentos para a consecução das funções almejadas
pelo novo Código de Processo Civil2.
Naturalmente, por razões metodológicas, este texto não pretende avançar
sobre as questões que extrapolam o objetivo do trabalho. Mas, como se poderá
perceber com facilidade, os três aspectos acima mencionados (estrutura, gestão e
cultura) possuem importância capital para o próprio sucesso do novo
instrumento.
Como se verá adiante, o IRDR está voltado, precipuamente, para a
racionalização dos julgamentos, a partir da solução de questões jurídicas comuns
que se repetem em inúmeros processos e que são apreciadas exaustivamente por
inúmeros magistrados, que acabam chegando, muitas vezes, a conclusões
diversas. A demanda em relação à prestação jurisdicional é extraordinária e
supera a capacidade de oferta de uma prestação jurisdicional qualitativa e
tempestivamente satisfatória. A falta de uniformidade nos julgamentos propicia,
por outro lado, a sensação de incerteza e de insegurança.
Para que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas funcione e
produza os resultados esperados, há que encontrar tribunais e magistrados
preparados para a nova sistemática. Os juízes terão que se desprender de uma
cultura que acabou se consolidando de automatização na função de julgar as
questões e causas seriais. O mecanicismo diante das demandas repetitivas terá
que ceder à lógica da gestão, na qual o julgamento reiterado e desenfreado terá
que dar lugar à lógica da racionalização, em que, como se diz atualmente, o
“menos pode ser mais”. O juiz ou o tribunal não irá julgar logo várias demandas,
mas o próprio órgão julgador, as partes, o Ministério Público ou a Defensoria
Pública poderá suscitar o incidente, sempre que se deparar com uma questão
jurídica comum relevante para inúmeros processos em tramitação. Portanto, se
buscará a discussão concentrada sobre a questão jurídica comum, de modo a se
obter a uniformização. O resultado estatístico inicial e aparente pode ser até
inverso, pois a tendência imediata será o aumento dos acervos, em razão da
suspensão dos processos. Porém, em uma perspectiva mais prolongada e
duradoura, a economia e a racionalização poderão apresentar resultados
profícuos, em termos de qualidade e quantidade3.
Em seguida, serão analisados, de modo mais detalhado, o contexto
sociojurídico relacionado à solução dos litígios e o papel dos meios de resolução
de questões coletivas4 e comuns, especialmente o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas.

2.1. ACESSO À JUSTIÇA E A ECONOMIA JUDICIAL E


PROCESSUAL

O Poder Judiciário possui a função precípua de resolver as lides existentes


na sociedade. Essa tarefa, por vezes, não é das mais fáceis, tendo em vista não
apenas a complexidade das causas, mas, principalmente, nos dias de hoje, a
quantidade de processos5 e a limitação dos recursos humanos e materiais
disponíveis6 para a pretendida tarefa judicante. O resultado é a piora da prestação
jurisdicional, tanto sob o aspecto do tempo como da qualidade.
A simples enumeração de alguns dados é suficiente para atestar o problema
no Brasil. O Supremo Tribunal Federal7 recebeu, no ano de 1940, 2.419
processos; em 1970, 6.367 processos; em 1980, foram 9.555; dez anos depois,
18.564; no ano de 2000 o número atingiu o montante de 105.307 processos
protocolados; e em 2006 foram 127.535. Com a adoção da exigência da
repercussão geral e da sistemática dos recursos repetitivos8, nos termos dos arts.
543-A e 543-B, introduzidos no CPC-1973, pela Lei nº 11.418, de 19.12.2006,
houve considerável redução nos números, embora a curva decrescente tenha
cessado em 2011, retomando-se a escalada de aumento novamente em 2012.
Portanto, em 2007, o número caiu para 119.324. E, em 2011, chegou ao patamar
mínimo de 64.018 protocolados. Mas, em 2012, subiu para 72.148 e, em 2015,
atingiu o montante de 93.503 processos protocolados, dos quais 65.108 foram
distribuídos. No ano de 2015, as estatísticas do Supremo Tribunal Federal
indicam que foram proferidas 93.713 decisões monocráticas e 10.869
julgamentos colegiados. Tomando-se por base apenas os pronunciamentos
colegiados, foram mais de mil julgamentos colegiados por mês, representando
cerca de 250 por semana. Se considerados todos os pronunciamentos proferidos
pela Corte Suprema, houve a média anual de 9.500 processos por Ministro, cerca
de 1.000 processos por mês, 250 por semana e 50 por dia.
Cabe lembrar que o STF, na essência, é a Corte Constitucional brasileira
composta de apenas 11 Ministros. Órgãos semelhantes, no cenário internacional,
apresentam realidade completamente diversa. A Suprema Corte americana
recebeu, em 1945, 1.460 casos, em 1960 foram 2.313 e nos últimos anos,
aproximadamente, 9.200 petições por ano, das quais cerca de apenas 100 são
julgadas em plenário com sustentação oral. Em Portugal, entraram no Tribunal
Constitucional 571 processos em 1994, 778 no ano 2000 e 1.133 em 2006.
No Superior Tribunal de Justiça brasileiro9, nos anos de 1989 e 1990, foram
distribuídos, respectivamente, 6.103 e 14.087 processos. Em 2000, o número
subiu para 150.738 e, em 2007, para 313.364. No ano de 2008, os recursos
especiais repetitivos foram introduzidos no ordenamento nacional, com o art.
543-C, inserido no CPC-1973, pela Lei nº 11.672, de 08.05.2008, regulamentado
pela Resolução nº 8, de 07.08.2008. No ano de 2010, o número de processos
distribuídos caiu para 228.981. Entretanto, voltaram a subir já no ano seguinte,
2011, para 290.901, e em 2015 alcançaram o montante de 332.905 processos
distribuídos, o maior patamar de todos os tempos no STJ. Tomando por base
estes últimos números e o fato de que três Ministros ficam praticamente
afastados da atuação nas Turmas e Seções, cada Ministro recebeu uma média
anual de 11.000 processos, ou seja, 1.109 processos novos por mês, 277 por
semana, 55 por dia.
No Tribunal Superior do Trabalho10, por sua vez, o crescimento foi, do
mesmo modo, vertiginoso. Entre os anos de 1941 e 1945, foram recebidos 3.192
processos, ou seja, uma média de 638 processos por ano. O número praticamente
triplica no quinquênio seguinte, passando a 12.935 entre 1946 e 1950, seguindo
uma trajetória de aumento constante, que somente foi interrompido do lustro de
1961-1965 para o de 1966-1970, com os quantitativos de 45.551 e 40.554, fruto
do período de fechamento político. Nos períodos posteriores à Constituição de
1988, os números foram crescendo em progressão geométrica: 92.063 (entre
1986 e 1990), 240.481 (1991-1995), 571.352 (1996-2000), 602.540 (2001-
2005), 904.201 (2006-2010) e 1.350.831 (2011-2015). A quantidade de
processos recebidos em 2011-2015 foi, portanto, em setenta anos, 423 vezes
maior do que o que ingressou em 1941-1945. Considerando a composição atual
de 27 Ministros, com 24 compondo as Turmas, cada Ministro, com exercício da
jurisdição plena, julgou em média 11.256 processos por ano, 1.125 por mês, 281
por semana, 56 por dia útil.
No primeiro grau11 da Justiça Estadual, Federal e do Trabalho, entraram, nos
anos de 1990, 1994, 1998, 2007, 2011 e 2015, ao todo, 5.117.059, 5.147.652
10.201.289, 19.274.760, 24.227.727 e 23.281.308 processos, respectivamente.
No ano de 2015, eram 69.988.968 processos pendentes, totalizando 93.270.276
processos em tramitação somente no primeiro grau. Considerando que se
encontravam providos 14.882 cargos de juiz de primeiro grau, havia uma média
de 6.267 processos por magistrado, tendo em vista os casos novos e pendentes.
Se contabilizados apenas os novos processos recebidos, cada juiz recebeu, no
ano de 2015, 1.564 casos novos, ou seja, contabilizados os períodos de férias,
156 processos novos por mês, 39 por semana, quase oito processos novos por
dia. Portanto, cada juiz teria, basicamente, uma hora para cada processo,
levando-se em conta que os 60 minutos seriam destinados para a realização de
todos os atos processuais, dentre os quais a leitura da petição inicial e da
contestação, elaboração de despachos e decisões interlocutórias, realização de
audiências, eventual recebimento de advogados, prolação da sentença e todos os
atos praticados em termos de cumprimento ou execução da sentença.
Por fim, o quadro geral do Poder Judiciário reflete este número
extraordinário de demandas. Foram 101.216.596 (cento e um milhões, duzentos
e dezesseis mil, quinhentos e noventa e seis) processos recebidos em todos os
órgãos jurisdicionais no ano de 2015, perfazendo uma média global de 5.837
novos processos por magistrado, representando 583 processos por mês, 145 por
semana, 29 por dia. Portanto, cada juiz recebe, em média, 3,65 processos por
hora. Sendo assim, cada magistrado pode dispor de 16 minutos para cada
processo, considerando uma jornada ininterrupta de 8 horas por dia, durante
cinco dias por semana, descontando neste cálculo os feriados e o recesso forense
do final do ano, mas computando as férias legais.
Deve-se levar em conta também o próprio custo financeiro com o Poder
Judiciário e com o número elevado de processos. Os dados oficiais apontam12
que o custo total do Poder Judiciário no Brasil, em 2015, foi de R$
79.227.335.015. O número de processos existentes, considerando os pendentes
(73.936.309) mais os casos novos (27.280.287), totaliza 101.216.596. Portanto,
cada processo custou em 2015, em média, R$ 782,75.
A perspectiva de incremento do acesso à Justiça13 e da existência de
processos menos formalistas, mais simples, céleres e eficazes, pode-se dizer, está
presente em todo o mundo, seja nas discussões relacionadas com os projetos de
reforma do Poder Judiciário, como ocorreu na Argentina14 e no Brasil15, seja nos
debates acerca de modificações propostas para o direito processual, como, v.g.,
na Alemanha.16
Para o pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito, a
possibilidade de solução dos conflitos mediante o devido processo legal deve ser
efetiva e não apenas formal. Para tanto, devem ser equacionadas as modificações
sociais, econômicas, políticas e culturais existentes.
O direito processual, assim, deve estar preparado para enfrentar uma
realidade, em que o contingente populacional mundial ultrapassa o patamar de
sete bilhões de pessoas17, no qual a revolução industrial transforma-se em
tecnológica, diminuindo as distâncias no espaço e no tempo, propiciando a
massificação e globalização das relações humanas e comerciais18.
Na verdade, a necessidade de instrumentos supraindividuais não é nova,
pois há muito tempo ocorrem lesões a direitos, que atingem coletividades,
grupos ou certa quantidade de indivíduos, que poderiam fazer valer os seus
direitos de modo coletivo. A diferença é que, na atualidade, tanto na esfera da
vida pública como privada, as relações de massa expandem-se continuamente,
bem como o alcance dos problemas correlatos, fruto do crescimento da
produção, dos meios de comunicação e do consumo, bem como do número de
funcionários públicos e de trabalhadores, de aposentados e pensionistas, da
abertura de capital das pessoas jurídicas e consequente aumento do número de
acionistas e dos danos ambientais causados. Multiplicam-se, portanto, as lesões
sofridas pelas pessoas, seja na qualidade de consumidores19, contribuintes,
aposentados, servidores públicos, trabalhadores, moradores etc., decorrentes de
circunstâncias de fato ou relações jurídicas comuns.

2.2. OS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS COLETIVOS E O ACESSO


À JUSTIÇA

Os danos resultantes das lesões supramencionadas são, frequentemente, se


considerados separadamente, em termos econômicos, de pequena monta,
fazendo com que, na relação custo-benefício, o ajuizamento de ações individuais
seja desestimulante e, na prática, quase que inexistente, demonstrando, assim, a
fragilidade e as deficiências em relação ao acesso à Justiça. A eventual falta ou
deficiência dos instrumentos processuais adequados para os chamados danos de
“bagatela”,20 que, considerados globalmente, possuem geralmente enorme
relevância social e econômica, estimula a repetição e perpetuação de práticas
ilegais e lesivas. Por conseguinte, tendem a se beneficiar, em vez de serem
devidamente sancionados, os fabricantes de produtos defeituosos de reduzido
valor, os entes públicos que cobram tributos indevidos ou não concedem os
direitos funcionais cabíveis e os fornecedores que realizam negócios
abusivamente, apenas para citar alguns exemplos. De pouca ou nenhuma valia
passam a ser as normas de direito material, que estabelecem direitos para os
lesados, se a referida proteção não encontra também amparo efetivo nos meios
processuais disponíveis.
Dentro da ideia custo-benefício, a questão pode ser enfrentada sob duas
vertentes. Em primeiro lugar, estão os lesados que dispõem de recursos para o
pagamento das despesas processuais, mas estas representariam valor
aproximadamente igual ou superior ao próprio benefício pretendido. Junte-se a
isso que a pretensão, sob o prisma da renda e do padrão de vida da pessoa
atingida, terá um valor patrimonial irrisório, não compensando sequer a
utilização de tempo e esforços, que, se quantificados, significariam montante
acima da pretensão almejada. Sob prisma relativamente diverso, encontram-se as
pessoas desprovidas dos meios necessários para o pagamento de custas e
despesas processuais, além dos honorários advocatícios. Embora gozem de
isenção legal no que diz respeito a essas verbas, os gastos com tempo e dinheiro,
necessários para o encaminhamento do problema, seriam excessivos, na medida
em que os dias e as horas são absorvidos na labuta, indispensável para a
subsistência própria e/ou da família.
O desequilíbrio entre as partes pode ser também, por outro lado, um fator
decisivo para que a pessoa lesada deixe de buscar individualmente a proteção
judicial ou, então, para a própria correlação de forças na relação processual. A
tendência é que o causador da lesão disponha de mais recursos materiais e
humanos e, portanto, em tese, se apresente mais bem preparado para o embate,
provido que estará para a contratação de profissionais de qualidade e para a
produção de provas que lhe sejam favoráveis – desigualdade que se mostra ainda
mais gritante quando o lesado não dispõe de recursos próprios para custear a sua
defesa, tendo em vista as limitações materiais dos órgãos encarregados da
assistência judiciária gratuita.
Com a cumulação de demandas, a situação tende a ser alterada, tendo em
vista que o próprio valor patrimonial da causa, que individualmente seria
mínimo, passa a ser de grande relevância, chegando, por vezes, a importâncias
astronômicas, o que, per se, já pode ser suficiente para ensejar o interesse de
bons profissionais para a causa, além de recursos necessários para a propositura
e colheita de provas. As ações coletivas, se bem estruturadas, podem ser,
portanto, um efetivo instrumento para o aperfeiçoamento do acesso à Justiça,
eliminando os entraves relacionados com os custos processuais e o desequilíbrio
entre as partes. Assim, por exemplo, são investidas nas causas coletivas vultosas
somas de dinheiro nos escritórios de advocacia norte-americanos; na Alemanha,
há partidos, sindicatos21 e associações que dispõem de forte estrutura, inclusive
econômica, para prover a contratação de profissionais e os meios de prova
necessários, situação essa que não se encontra ainda devidamente resolvida no
sistema brasileiro.
O processo coletivo pode servir, igualmente, para garantir a importância
política de determinadas causas, relacionadas, dentre outras, com os direitos
civis, minorias e meio ambiente. Foi o que ocorreu, por exemplo, nas class
actions, ajuizadas nos Estados Unidos, visando ao pagamento de indenizações
para os judeus que realizaram trabalhos forçados durante o regime nazista ou nas
que visaram à invalidação de regras discriminatórias contra negros.
Por fim, o problema da falta de formação e informação jurídica ainda
representa sério entrave para o acesso à Justiça22. O processo coletivo pode, no
entanto, superar ou atenuar o problema, na medida em que o direito das pessoas
menos esclarecidas juridicamente não ficará relegado ao abandono, porque
poderá ser defendido por terceiro, legitimado extraordinariamente para a tutela
transindividual. A iniciativa quanto à propositura da ação, bem como da eventual
necessidade de comunicação aos lesados, informando sobre o litígio, proposta de
acordo etc., ficará sob a responsabilidade do demandante coletivo, também
chamado de autor ideológico ou parte representativa.
2.3. O IRDR COMO INSTRUMENTO DE ECONOMIA JUDICIAL E
PROCESSUAL

O direito processual é um direito eminentemente instrumental e, como tal,


serve para a realização do direito material. Consequentemente, o processo, como
um todo, bem como os respectivos atos e procedimentos devem estar inspirados
na economia processual. Esse princípio, por sua vez, precisa ser entendido de
modo mais amplo, sob o ponto de vista subjetivo, como orientação geral para o
legislador e para o aplicador do direito processual e, objetivamente, como sede
para a escolha das opções mais céleres e menos dispendiosas para a solução das
lides.
Sobre o assunto, escreveu Andrea Giussani:23 “La maggioranza della più
recente dottrina statunitense converge nell’individuare una delle finalità primarie
delle class actions nella realizzazione di obiettivi di economia processuale. In
proposito si deve mettere in evidenza che il principio di pragmatici fondamentali
della disciplina positiva del processo civile nordamericano, almeno presso le
corti federali: si è trattato infatti di uno dei principali elementi ispiratori della
riforma del 1938, e in tale occasione è stato recepito dalla Rule 1 delle Federal
Rules of Civil Procedure. (…) Va sottolineato immediatamente che si tratta di
una finalità intensa in modo affatto conforme alla prevalenza degli obiettivi di
risoluzione dei conflitti. L’economia processuale, secondo la concezione
prevalente negli Stati Uniti, consiste infatti nel risolvere la liti al minor costo
possibile”.
A questão24 não deixa de ser também lógica, pois, a priori, os conflitos
eminentemente singulares devem ser resolvidos individualmente, enquanto os
litígios de natureza essencial ou acidentalmente coletiva precisam contar com a
possibilidade de solução metaindividual. A inexistência ou o funcionamento
deficiente de mecanismos coletivos dentro do ordenamento jurídico processual,
nos dias de hoje, dá causa à multiplicação desnecessária do número de ações
distribuídas, de decisões proferidas e de recursos interpostos, agravando ainda
mais a sobrecarga do Poder Judiciário. Na verdade, são lides com enorme
semelhança, pois decorrem de questão comum de fato ou de direito, passando a
ser decididas de modo mecânico pelos juízes, através do que se convencionou
chamar de sentenças-padrão ou repetitivas, vulgarizando-se a nobre função de
julgar. É o que vem ocorrendo, v.g., na Justiça Federal brasileira. Nas
circunscrições do Rio de Janeiro e de Niterói25, por exemplo, as sentenças-
padrão representaram, no cômputo do total de sentenças cíveis de mérito, entre
os anos de 1998 e 2001, respectivamente, 62,5% e 73%. A atividade judicial
descaracteriza-se, com essa prática, por completo, passando a ser exercida e vista
como mera repetição burocrática, desprovida de significado e importância.
Com a pulverização de ações, a causa também é fracionada e acaba não
sendo, de fato, decidida por nenhum dos juízes de primeiro ou de segundo grau,
na medida em que a lide estará sendo apreciada, simultaneamente, por centenas
ou milhares de julgadores. Consequentemente, apenas o pronunciamento final ou
dos tribunais superiores passa a ter relevância, sob o ponto de vista da solução
do conflito.
A falta de solução adequada para os conflitos coletivos, em sentido lato, é
responsável, portanto, em grande parte, pelo problema crônico do número
excessivo de processos em todas as instâncias, não podendo, por conseguinte, ser
tratado como situação que diga respeito apenas ao Supremo Tribunal Federal ou
aos tribunais superiores26. Por outro lado, costuma-se enfatizar, diante do
problema, a necessidade de mais juízes. Não obstante a carência de julgadores
ser realidade que demande solução, a comparação do número de processos com
o de juízes não deve ser analisada apenas sob o prisma deste último. O aumento
do número de juízes pode e deve ser acompanhado da diminuição do número de
processos, mediante o aperfeiçoamento do sistema processual, como pretende
demonstrar o presente trabalho. Junte-se a isso que a confrontação numérica
entre países não vem, por vezes, sendo feita com o rigor científico recomendado
pelo direito comparado, pois não tem sido acompanhada do estudo dos
sistemas27.
O aumento do número de juízes depara-se também com dificuldades
conjunturais e locais. Sob o ponto de vista conjuntural, trabalha-se, no contexto
mundial, atualmente, com a redução do tamanho do Estado, tendo em vista os
problemas de déficit público e do endividamento estatal. No âmbito regional e
local, por outro lado, não se pode pretender equiparar, em termos proporcionais,
o número de juízes em Estados não desenvolvidos ou em desenvolvimento com
o contingente existente nos países ricos. As modificações e proposições levadas
a cabo nos países do chamado terceiro mundo devem ser consentâneas com as
suas limitações financeiras, o que reforça, ainda mais, a importância e o papel
central de um eficiente sistema processual civil coletivo, como solução para a
sobrecarga do Poder Judiciário e melhoria dos serviços judiciais.
A perspectiva de soluções não dispendiosas, no entanto, se faz presente
mesmo nos países mais desenvolvidos e ricos, como ressalta Giussani: “La
rilevanza applicativa del principio di economia processuale ha però compiuto un
vero e proprio ‘salto di qualità’ a partire degli anni ’60, allorché nella cultura
giuridica nordamericana si è ravvisata la necessità di rispondere a una tendenza
all’esplosione’ del contenzioso civile”.28 De fato, a explosão do contencioso civil
deixou de ser uma tendência, para se consubstanciar em realidade mundial,
embora com peculiaridades nacionais. No Brasil e nos países da América Latina,
o incremento do número de ações ajuizadas passou a ser extremamente
significativo a partir do final da década de 80, com a democratização dos
regimes políticos e o fortalecimento dos órgãos judiciários. No âmbito global, o
aumento do número de processos judiciais cíveis pode ser considerado como
resultado da chamada onda renovatória do acesso à Justiça,29 tendo em vista que
várias medidas foram adotadas para facilitar o exercício do direito de ação,
removendo ou atenuando várias barreiras existentes.
Diante da explosão de litígios, outras soluções foram ensaiadas ou
incrementadas, algumas de cunho restritivo, no âmbito material ou processual,
com o não reconhecimento de novos direitos ou a limitação do direito de ação,
como formulado pela teoria norte-americana da judicial restraint;30 ou, então,
buscando-se a criação e/ou fortalecimento de mecanismos extrajudiciais ou não
contenciosos para a resolução dos conflitos, como, v.g., a arbitragem e a
conciliação.
Porém, como assinalado por Giussani, a “judicial economy, per converso,
indipendentemente dal sistema giurisdizionale in cui venga adottata come
finalità, si traduce in un’ampliamento della capacità del sistema di risolvere
conflitti a parità di ricorse disponibili, e può addirittura favorire l’attuazione del
diritto sostanziale promovendo l’eguaglianza delle opportunità di risorse
finanziarie tra le parti (sebbene non la elimini del tutto ed in alcune ipotesi, come
si vedrà fra breve, l’accentui). L’economia processuale, infatti, può giustificare la
compressione delle garanzie processuali individuali anche in un ordinamento
non particolarmente interessato all’attuazione del diritto sostanziale in senso
stretto: per insistere sulla ormai consueta metafora, essa può ridurre il potere
delle parti di giocare quelle carte che limitino la possibilità degli altri consociati
di giocare a loro volta (compatibilmente, come si è osservato, con il rispetto
delle garanzie costituzionali e con l’esigenza di non sopprimere surrettiziamente
i loro diritti soggettivi sostanziali)”31.

2.4. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DIANTE DA LEI E A


SEGURANÇA JURÍDICA

Com a multiplicação de ações individuais, que tramitam perante diversos


órgãos judiciais, por vezes espalhados por todo o território nacional, os juízes
chegam, com frequência, a conclusões e decisões variadas e até mesmo
antagônicas. Não raramente essas decisões de variado teor acabam por transitar
em julgado, diante da não interposição tempestiva de recurso cabível ou pelo não
conhecimento deste em razão de outra causa de inadmissibilidade.
Por conseguinte, pessoas em situações fáticas absolutamente idênticas, sob o
ponto de vista do direito material, recebem tratamento diferenciado diante da lei,
decorrente tão somente da relação processual. O direito processual passa a ter,
assim, caráter determinante e não apenas instrumental. E, sob o prisma do direito
substancial, a desigualdade diante da lei torna-se fato rotineiro e não apenas
esporádico, consubstanciando, portanto, ameaça ao princípio da isonomia.
A miscelânea de pronunciamentos, liminares e definitivos, diferenciados e
antagônicos, do Poder Judiciário passa a ser fonte de descrédito para a própria
função judicante, ensejando enorme insegurança jurídica para a sociedade.
Consequentemente, quando ocorre tal anomalia, a função jurisdicional deixa de
cumprir a sua missão de pacificar as relações sociais.
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pode, entretanto,
cumprir um grande papel, no sentido de serem eliminadas as disfunções
supramencionadas, na medida em que concentra a resolução de questões
comuns, eliminando ou reduzindo drasticamente a possibilidade de soluções
singulares e contraditórias, para questões jurídicas, no âmbito do direito material
e processual.

2.5. OS MEIOS PROCESSUAIS COLETIVOS COMO


INSTRUMENTO PARA O EQUILÍBRIO DAS PARTES NO
PROCESSO

Embora haja formalmente a igualdade das partes no processo, no plano


material e prático acabam os litigantes, por vezes, dispondo de gritante diferença
se comparados os meios disponíveis para o embate judicial. É o que ocorre com
frequência nas causas potencialmente coletivas, quando consumidores,
aposentados, funcionários públicos, contribuintes e moradores, dentre outros,
isoladamente, encontram-se em posição de fraqueza diante do porte de
adversários como grandes comerciantes ou produtores, de empreendedores
imobiliários ou do próprio Estado.
Na verdade, a parte contrária aos interesses coletivos possui sempre a
dimensão global dos atos por ela praticados, tendo, portanto, uma ideia exata do
alcance de outras eventuais ações ajuizadas, bem como das possibilidades das
perdas delas decorrentes.
A possibilidade de os interesses e direitos lesados serem defendidos
concomitantemente faz que a correlação de forças entre os litigantes seja
redimensionada em benefício da parte individualmente fraca, mas razoavelmente
forte quando agrupada, levando por terra, assim, a política maquiavélica da
divisão para reinar.

2.6. OS MECANISMOS COLETIVOS COMO INSTRUMENTO PARA


O CUMPRIMENTO DO DIREITO MATERIAL

O cometimento de atos ilícitos pode representar, pelo menos sob a ótica


limitada e imediatista, um proveito para o autor da conduta contrária ao
ordenamento. Isso pode ocorrer especialmente quando o malfeito provoca
prejuízos em maior escala e apenas um percentual não significativo busca o
ressarcimento dos danos causados.
Não por outra razão se desenvolveu a denominada teoria da punitive
damages, ou seja, a cominação de condenações com o intuito de provocar uma
punição, suscetível, por sua vez, de incitar e coagir o responsável pelo dano a
não mais prosseguir no cometimento dos atos ilícitos praticados.
Entretanto, se apenas um número reduzido de pessoas afetadas procura a
satisfação dos seus direitos e isso pode ocorrer, como visto nos itens anteriores,
tendo em vista uma série de fatores, como a falta de informação, de tempo e de
recursos do lesado, a relação custo-benefício sob o prisma individual, as
dificuldades de acesso à justiça etc., as condenações impostas, ainda que
acrescidas de multas punitivas, poderão ser insuficientes para a coibição da
prática do ato ilícito. Junte-se a isso que, quanto menor a quantidade de pessoas
que buscar o ressarcimento, maior teria que ser a condenação a título de punitive
damages, o que, em regra, enseja questionamentos, por parte dos tribunais, em
termos de desproporcionalidade entre o prejuízo sofrido e a compensação
advinda, ensejando o que se chama normalmente de “enriquecimento sem
causa”.
As ações coletivas, portanto, cumprem mais esta função, ou seja, a de
propiciar que a totalidade, ou pelo menos uma quantidade mais significativa,
alcance os seus direitos, fazendo com que não haja, por parte do cometedor do
ato ilícito, uma apropriação indevida, dimensionada pelas dificuldades de acesso
à justiça. Pois, deste modo, não haveria punição real, mas, sim, locupletamento e
estímulo para a continuidade da prática de atos em desconformidade com a lei.
A Suprema Corte Canadense32 foi precisa, ao apontar, este importante
escopo para as ações coletivas: “class actions serve efficiency and justice by
ensuring that actual and potential wrongdoers do not ignore their obligations to
the public. Without class actions, those who cause widespread but individually
minimal harm might not take into account the full costs of their conduct, because
for any one plaintiff the expense of bringing suit would far exceed the likely
recovery. Cost-sharing decreases the expense of pursuing legal recourse and
accordingly deters potential defendants who might otherwise assume that minor
wrongs would not result in litigation”33.

2.7. O PAPEL E OS LIMITES DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE


DEMANDAS REPETITIVAS

O Direito Processual deve oferecer possibilidades, dentro de uma


perspectiva de eficiência e adequação, para a resolução dos litígios, dentro de
uma perspectiva multiportas. Desse modo, o princípio inscrito no art. 5º, inciso
XXXV, da Constituição da República, da inafastabilidade da jurisdição34, é
essencial, pois os meios oferecidos não podem, naturalmente, vulnerar a garantia
inscrita constitucionalmente. Esta primeira afirmação é importante no sentido de
se indicar que, não obstante sejam muito importantes as soluções consensuais e
os instrumentos tipicamente coletivos, estes não podem impedir, sempre que
ameaçado ou violado um direito individual, que os seus titulares busquem a
proteção jurisdicional. Podem e devem ser introduzidos mecanismos de estímulo
ou de facilitação para que estes meios, consensuais ou coletivos, sejam
efetivamente utilizados.
O próprio CPC-2015 inseriu, no rol do art. 139, o inciso X, como poder-
dever dirigido ao juiz, no sentido de oficiar o Ministério Público, a Defensoria
Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5º da
Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de
setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva
respectiva, quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas.
Entretanto, o magistrado não poderá, obviamente, obstaculizar as demandas
repetitivas individuais até então ajuizadas ou que venham a ser propostas no
futuro.
Do mesmo modo, a regra do art. 139, inciso X, se, por um lado, representa
claro estímulo ao processo coletivo, por outro, não pode significar sequer uma
imposição aos legitimados para a propositura da ação coletiva, na medida em
que estes últimos devem aferir a presença dos requisitos necessários para, como
indicado na lei (se for o caso), a proposição.
É de se salientar também que, em relação às ações coletivas, há no
ordenamento brasileiro restrições legais, especialmente no art. 1º, parágrafo
único, da Lei nº 7.347/1985, incluído por força da Medida Provisória nº 2.180,
ainda que se possa questionar a sua constitucionalidade, afastando o cabimento
de ação civil pública para a veiculação de pretensões que envolvam tributos,
contribuições previdenciárias e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –
FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser
individualmente determinados. Nestes casos, a inevitabilidade das demandas
individuais estaria patente. Portanto, o IRDR e os recursos repetitivos seriam
praticamente os únicos meios para se lograr a economia processual e a
preservação do princípio da isonomia.
Entretanto, mesmo nas demais hipóteses, em que não há restrição legal, o
sistema não poderia permanecer passivo diante da multiplicação de processos
individuais, congestionando o Poder Judiciário e ensejando decisões de teor
diverso, diante de questões jurídicas comuns, comprometendo a celeridade e a
credibilidade da prestação jurisdicional.
Embora a própria denominação do IRDR indique o escopo voltado para a
uniformização do entendimento nas demandas repetitivas, o seu regramento
legal acabou propiciando ao instituto uma abrangência ainda mais ampla,
porque, em tese, cabível a sua aplicação mesmo para casos heterogêneos, se
houver, em termos de direito material ou processual, controvérsia sobre uma
questão comum de direito que seja relevante para o processamento ou
julgamento do pedido formulado. É o que se pode deduzir do contido no inciso I
do art. 976 do CPC-2015.
A hipótese acima, ou seja, de aplicação do IRDR em demandas relacionadas
a direitos individuais heterogêneos não pode ser desprezada quanto ao seu
alcance e importância para o sistema, na medida em que a questão comum35
pode se fazer presente em diversos processos, ainda que fundados em fatos
diversos. A questão comum pode se fazer presente na própria alegação de defesa,
não sendo, portanto, a base para a demanda repetitiva.
Muitos exemplos podem ser oferecidos, em sede de direito material ou
processual: a) o alcance da ressalva contida no § 5º do art. 37 da Constituição da
República36, em termos de imprescritibilidade, para as ações de ressarcimento,
fundadas em ato ilícito que causem prejuízo ao erário; b) a invocação, em
controle concreto, de inconstitucionalidade formal de uma lei, na qual haja a
regulamentação de situações diversas; c) necessidade de prévio requerimento
administrativo37, para se postular judicialmente pretensões administrativas ou
previdenciárias; d) a constitucionalidade, em controle difuso, de critério
estabelecido para a concessão de assistência jurídica.
Naturalmente, nestas hipóteses não seria possível o ajuizamento de
demandas coletivas e, portanto, o IRDR seria o meio de coletivização possível
para que a questão comum pudesse ser, de modo concentrado e mais célere,
definida, possibilitando o acesso à justiça, a economia processual e a isonomia.
Portanto, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas insere-se
dentro de uma perspectiva instrumentalista38 do processo, que precisa oferecer os
meios tecnicamente adequados para a consecução do direito material em tempo
razoável, de modo isonômico e econômico, ensejando a devida segurança
jurídica.

1
Sobre este fenômeno, dentre outros que devem ser criticamente analisados,
José Carlos Barbosa Moreira escreveu: “Não poucos críticos da situação
atual deixam entusiasmar-se por um determinado remédio que lhes parece
capaz de debelar todos os males. Só têm olhos para suposta panaceia.
Desdobram-se, a propósito de tudo e até sem propósito algum, em
exortações ao uso da receita. Há casos de autêntica obsessão. (...) A verdade
é que simplesmente não existe fórmula de validade universal para resolver
por inteiro a equação. Temos de combinar estratégias e táticas, pondo de
lado o receio de parecermos incoerentes se, para enfermidades de diferente
diagnóstico, experimentarmos remédios também diferenciados. O
simplismo das palavras de ordem, já indesejável na política, revela-se aqui
funesto.” O futuro da Justiça: alguns mitos. Temas de Direito Processual –
Oitava Série, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 6-7.
2
Nesse sentido, CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro; PINHO, Humberto
Dalla Bernardina de (coords.), Novo Código de Processo Civil: Lei 13.105,
de 16 de março de 2015 – anotado e comparado, Rio de Janeiro: Forense,
2015, p. 569: “Uma das mais importantes inovações do Código é o
incidente de resolução de demandas repetitivas, que tem por escopo
promover uma superior concretização dos princípios da isonomia e da
segurança jurídica”.
3
Como indica Luiz Fux: “O excesso de demandas mercê de pertencer ao
campo interdisciplinar da sociologia jurídica encontra amparo na cláusula
do acesso à justiça, garantido pelo princípio constitucional de que nenhum
direito ou ameaça a direito deve escapar à apreciação do Poder Judiciário.
(...) O incidente revela-se vantajoso ao permitir a solução de milhares de
demandas com idêntica questão jurídica, por meio de solução única, mercê
de tornar obrigatória a normação adotada que irá influir, inclusive na
admissibilidade de eventuais recursos para os tribunais locais ou superiores,
porquanto fixada a tese, a sua adoção será obrigatória”, em Teoria Geral do
Processo, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016.
4
O tema foi inicialmente tratado pelo autor no livro Ações coletivas e meios
de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional, 4. ed.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
5
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro, Problemas e reforma do Poder
Judiciário no Brasil, Revista da Escola da Magistratura Regional Federal,
v. 2. Rio de Janeiro: Escola da Magistratura Regional Federal, 2000.
6
A Alemanha é considerada o país com melhor relação entre número de
juízes por habitante (um para cada 4.100 habitantes, levando-se em conta a
existência de uma população de 82 milhões de pessoas e 20 mil juízes,
segundo Perfil da Alemanha, p. 15 e 198). Todavia, vários aspectos do
direito processual alemão foram objeto de discussão, tendo em vista a
proposta governamental de reforma do Código de Processo Civil (ZPO),
convertida em lei no mês de junho de 2001. A Zivilprozessordnung (ZPO)
alemã data de 1877 e tem passado por constantes atualizações e alterações.
7
Os dados foram extraídos diretamente do site do STF:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?
servico=estatistica&pagina=movimentoProcessual>. Acesso em: 2 nov.
2015.
8
A nova sistemática foi regulamentada apenas na Emenda Regimental nº 21,
de 30.04.2007, que foi publicada e entrou em vigor em 03.05.2007.
9
Dados retirados do site do STJ, disponível em:
<http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Boletim/verpagina.asp?
vPag=0&vSeq=263.
10
Os números foram obtidos diretamente do site do TST:
<http://www.tst.jus.br/documents/10157/054875ad-31ea-48df-83be-
c7166151f7b4>, em 02.11.2016.
11
Segundo o relatório Justiça em Números de 2016, disponível no site do
CNJ: <http://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?
document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sh
Acesso em 2 nov. 2016.
12
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, em Justiça em Números de 2016,
com dados referentes ao ano de 2015.
13
Veja, CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Ellen
Gracie Northfleet (trad.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988
(reimpresso em 2002); CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à
justiça: Juizados Especiais Cíveis e ação civil pública. Rio de Janeiro:
Forense, 1999; NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São
Paulo: RT, 1994; e FARIA, José Eduardo (org.). Direito e justiça: a função
social do Judiciário. 2. ed. São Paulo: Ática, 1994.
14
Vide ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Poder Judiciário: crise, acertos e
desacertos. Juarez Tavares (trad.). São Paulo: RT, 1995.
15
Nesse sentido a Emenda Constitucional 45/2004. A principal medida
apresentada na primeira etapa de reforma do Poder Judiciário brasileiro foi
a criação da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, que, embora
possa produzir a uniformização de julgados, não possui a capacidade de
propiciar uma drástica redução do número de processos, pois, normalmente,
os feitos demoram certo tempo até serem apreciados pela Corte Suprema.
Assim sendo, em casos de elevado número de ações propostas, quando
editada a súmula, as instâncias inferiores já terão recebido, processado e
julgado uma grande quantidade de processos, sendo o resultado, portanto,
apenas paliativo em termos de redução do contingente de feitos, como a
realidade vem demonstrando.
16
Como constou da proposta do Bundesministerium der Justiz (Ministério da
Justiça) para a reforma da Zivilprozeßordnung alemã.
17
Segundo o site: <http://www.worldometers.info/licensing/>. Acesso em: 3
nov. 2016, eram estimados nesta data 7.461.819.961 de pessoas.
18
Vide MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 2. ed.
São Paulo: Malheiros, 1996, p. 53 e ss.
19
A perspectiva de um processo civil para o direito do consumidor foi
reclamada e abordada por Harald Koch, no seu livro
Verbraucherprozeßrecht: verfahrensrechtliche Gewährleistung des
Verbraucherschutzes. Heidelberg: C. F. Müller Jur. Verlag, 1990. (Direito
processual do consumidor: a garantia processual da proteção do
consumidor). Vide, também, a oportuna observação feita pelo National
Consumer Council, ao ser inquirido sobre novos procedimentos para
demandas coletivas, que acabou sendo consignada no relatório final do
Lorde Woolf sobre acesso à Justiça: “As we become an increasingly mass
producing and mass consuming society, one product or service with a flaw
has the potential to injure or cause other loss to more and more people. Yet
our civil justice system has not adapted to mass legal actions. We still
largely treat them as a collection of individual cases, with the findings in
one case having only limited relevance in law to all of the others” (Como
nos tornamos, de modo crescente, uma sociedade de produção e consumo
em massa, um produto ou serviço defeituoso tem o potencial de prejudicar
ou causar dano para mais e mais pessoas. O nosso sistema judicial ainda
não está adaptado para as ações judiciais de massa. Nós ainda as tratamos,
em grande parte, como uma coleção de casos individuais, possuindo
relevância limitada o julgamento de um caso sobre todos os demais)
(Woolf, Lord M. R. Final report on access to justice. jul. 1996).
20
Vide SCHÄFER, Hans-Bernd, Anreizwirkungen bei der Class Action und
der Verbandsklage In: BASEDOW, Jürgen (org.). Die Bündelung
gleichgerichteter Interessen im Prozeß. Tübingen: Mohr Siebeck, 1999; e
ALEXANDER, Janet Cooper, An introduction to class action procedure in
the United States, que pode ser acessado em:
<https://law.duke.edu/grouplit/papers/classactionalexander.pdf>.
21
Só para se ter uma ideia, uma das maiores preocupações dos sindicatos
alemães é com o aspecto financeiro. As entidades procuram manter, sob
sigilo absoluto, vultosas economias, pois representam poder de pressão nas
negociações, tendo em vista que os sindicatos se preparam para custear os
salários da categoria durante a greve. Assim sendo, quanto mais dinheiro
em caixa, por mais tempo poderá ser mantida a greve, o que, por
conseguinte, irá influenciar no poder de barganha e na fixação do acordo.
22
O tema foi especificamente abordado por Luiz Guilherme Marinoni, Novas
linhas do processo civil, cit., p. 32-34, 53-54.
23
Studi sulle “class actions”, Milão: Cedam, 1996, p. 195 e ss.
24
Como será visto na seção seguinte.
25
Segundo boletim estatístico fornecido pelo Setor de Organização e
Informática da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro.
26
Nesse sentido, a introdução dos recursos repetitivos, nos anos de 2006 e
2008, é complementada no CPC/2015 com a criação do IRDR, fazendo
com que a sistemática seja adotada para todo o Poder Judiciário.
27
É o que ocorre, por exemplo, nas comparações com a Alemanha, que
possui, de fato, um número elevado de juízes (exatos 20.300, em janeiro de
2016; número, aliás, menor do que os 20.999 que funcionavam em
dezembro de 1999), mas esse fato também ocorre porque os
Landesgerichte, que exercem ora a função de primeiro grau de jurisdição,
ora a de revisor dos pronunciamentos dos Amtsgerichte, são órgãos
colegiados, fazendo com que haja o incremento do número de juízes em
proporção não coincidente com a de órgãos julgadores.
28
GIUSSANI, Andrea, Studi sulle “class actions”, cit., p. 197.
29
CAPPELLETTI Mauro; GARTH, Bryant, Acesso à justiça, cit.
30
GIUSSANI, Andrea, Studi sulle “class actions”, cit., p. 199.
31
Idem, p. 200.
32
No julgado Western Canadian Shopping Centres Inc. v. Dutton, 2001 SCC
46, [2001] 2 S.C.R. 534.
33
Em livre tradução: “as ações de classe propiciam eficiência e justiça,
assegurando que os malfeitores de fato e em potencial não ignorem suas
obrigações para com o público. Sem ações coletivas, aqueles que causam
danos generalizados, mas mínimos individualmente, poderão não ter que
arcar integralmente com os custos provenientes de suas condutas, porque
para cada demandante a despesa com o ajuizamento de uma ação individual
poderá exceder em muito a recompensa. A repartição de despesas (em uma
ação coletiva) reduz os custos com o ajuizamento de medidas processuais e,
assim, sendo poderá deter potenciais demandados que assumiriam, de outro
modo, que os danos de bagatela produzidos não resultariam em litígios”.
34 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Princípio da Inafastabilidade da
Prestação Jurisdicional à Luz do Acesso à Justiça. In: TORRES, Ricardo
Lobo; KATAOKA, Eduardo Takemi; GALDINO, Flavio. Dicionário de
princípios jurídicos. São Paulo: Elsevier & Campus, 2011.
35
A análise deste aspecto somente é realizada neste tópico, sob o prisma da
função, mas será retomada em outros momentos, como no capítulo sobre o
cabimento, a suspensão dos processos individuais etc.
36
Como se sabe, a questão foi apreciada pelo Plenário do STF, no Recurso
Extraordinário nº 669.069, Rel. Min. Teori Zavascki, com trânsito em
julgado em 31.08.2016.
37
A questão foi decidida pelo Plenário do STF, no Recurso Extraordinário nº
631.240, Rel. Min. Roberto Barroso, em 03.09.2014, com a fixação de teses
e regras de transição para variados benefícios e situações diversas.
38
Vide especialmente: DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade
do processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993; Instituições de Direito
Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001; Fundamentos do Processo
Civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002; BEDAQUE, José
Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre
o processo. 2. ed. São Paulo: Maheiros, 2001; Efetividade do processo e
técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2006; Instrumentalismo e
garantismo: visões opostas do fenômeno processual? In: BEDAQUE, José
Roberto dos Santos; CINTRA, Lia Carolina Batista; EID, Elie Pierre.
Garantismo processual: Garantias processuais aplicadas ao processo.
Brasília: Gazeta Jurídica, 2016.
3.1. TEST CLAIMS (DEMANDAS TESTE), PILOT JUDGMENTS
(JULGAMENTOS PILOTO), MUSTERVERFAHREN
(PROCEDIMENTO MODELO), GROUP LITIGATION ORDER
(DECISÃO SOBRE LITÍGIOS DE GRUPO) E OUTROS
JULGAMENTOS DE QUESTÕES COMUNS OU POR
AMOSTRAGEM

No direito estrangeiro, as ações coletivas vêm se fortalecendo de modo


progressivo. Mas também outros institutos vêm se desenvolvendo. Em especial,
o sistema de procedimento-modelo, test claim ou julgamento piloto, nas suas
variadas configurações, vem assumindo um papel destacado. Nesse contexto, é
que se faz importante a análise dos equivalentes históricos do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas no direito estrangeiro. Várias experiências
podem ser mencionadas: as antigas ações de ensaio (test claims) norte-
americanas e inglesas; os dois sistemas de Musterverfahren na Alemanha; a
previsão contida na legislação de fundos de investimento da Suíça; o
mecanismo, não mais vigente, da agregação de ações no Regime Processual
Experimental português; a extensão de efeitos na jurisdição contenciosa
administrativa da Espanha; a Group Litigation Order (GLO)1 da Inglaterra e do
País de Gales; e até mesmo em tribunais internacionais, como o Pilot-judgment
procedure da Corte Europeia de Direitos Humanos2. É de se ressaltar que os
novos instrumentos foram estabelecidos sem prejuízo das respectivas ações
coletivas, ou seja, das Verbandsklagen (ações associativas) na Alemanha3 e das
representatives actions (ações representativas) na Inglaterra e País de Gales,
ocorrendo do mesmo modo nos demais países.
O estudo das experiências supramencionadas é de grande relevância,
especialmente para a realização efetiva da comparação entre os respectivos
mecanismos, sob o ponto de vista das pertinentes características, em termos de
finalidades, concepção, regramento, efeitos e resultados práticos.
Para que se possa realizar uma análise minimamente aprofundada e
considerando que o presente texto não se resume a um trabalho de direito
comparado, optou-se pelo recorte principalmente da experiência alemã em torno
do Musterverfaren. Naturalmente, um ou outro aspecto do sistema adotado em
outros países poderá ser referido. Esta escolha não foi aleatória, naturalmente.
Ela se deu com base em algumas razões.
Em primeiro lugar, deve ser ressaltado o caráter preponderante que a
experiência alemã vem tendo em torno do denominado procedimento modelo.
Como se verá adiante, a vivência em torno do instituto remonta ao final da
década de 1970, quando se iniciou, ainda sem regulamentação legal, o seu uso
pelos órgãos judiciais com competência para as causas administrativas.
O debate em torno da sua utilização, e constitucionalidade, chegou em 1980
à Corte Constitucional. Em seguida, discutiu-se a sua regulamentação, que
entrou em vigor em 1991, na Verwaltungsgerichtsordnung (VwGO)4 – Estatuto
alemão da Jurisdição Administrativa.
Em 2005, é introduzido, em caráter experimental, um novo sistema de
Musterverfahren no âmbito das ações relacionadas ao mercado de capitais, com
a aprovação da KapMuG (Gesetz über Musterverfahren in
kapitalmarktrechtlichen Streitigkeiten – Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz
ou Lei sobre o Procedimento-Modelo nos conflitos jurídicos do mercado de
capital), tendo a sua vigência renovada em 2010 e, depois, bastante reformado
em 2012, com derrogação prevista para 2020, caso não seja incorporado em
definitivo até lá. Neste interregno, houve, ainda em 2008, a introdução do
modelo público de Musterverfahren, adotado pela Justiça Administrativa,
também no ordenamento legal do ramo jurisdicional alemão que cuida da
Assistência e Previdência Social (Sozialgerichtsgesetz). Portanto, sob o prisma
desta espécie de mecanismo, o procedimento-modelo alemão é o mais regulado e
o mais analisado e comentado no âmbito nacional e internacional.
Há ainda mais dois motivos que justificam a escolha. A Alemanha é uma
referência fundamental no âmbito do Direito Processual Civil, dentro da família
do Civil Law. A influência da escola processual alemã no cenário mundial é
notória, tendo direta e indiretamente significativa repercussão no Direito
Processual Civil brasileiro. E, de modo publicamente assumido, o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas inspirou-se, em termos de experiência
estrangeira, principalmente no instrumento alemão5. Esta influência, contudo,
não foi absoluta. Muito pelo contrário, o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas também buscou inspiração no próprio Direito Processual brasileiro6
e, por outro lado, ousou inovar em vários aspectos, o que torna o estudo
comparado, no caso, entre os dois institutos (o Musterverfahren e o IRDR), um
exercício complexo e desafiador.
Esta comparação com as principais fontes de inspiração do direito
estrangeiro se iniciará com a exposição do desenvolvimento do procedimento-
modelo na Alemanha, neste capítulo, mas se prolongará ao longo dos demais,
sempre que a comparação puder fornecer subsídios para a análise do instituto
nacional.

3.2. O SURGIMENTO DO MUSTERVERFAHREN (PROCEDIMENTO-


PADRÃO) NA ALEMANHA: A EXPERIÊNCIA PRÁTICA SEM
PREVISÃO LEGAL

Nas décadas de 1960 a 1980, a Administração Pública da Alemanha


enfrentou uma grande quantidade de objeções a projetos relacionados com a
construção de usinas nucleares. Os números foram expressivos: 16 mil diante do
centro de Breisig; 25 mil quanto a Lingen II; 55 mil no que diz respeito a Biblis;
64 mil para com Breisach; 75 impugnações dirigidas a Brokdorf; e 100 mil
diante do centro nuclear de Wyhl7. Houve também um significativo número de
questionamentos contrários a projetos de aeroportos em solo germânico: 14 mil
ao de Bielefeld Nagelholz; 15 mil objeções ao de Hamburg--Kaltenkirchen; e 30
mil ao de Düsseldorf.
A legislação alemã prevê a possibilidade de um controle administrativo dos
projetos públicos, com a possibilidade de se acessar a Justiça Administrativa
contra a decisão proferida no procedimento de controle perante a Administração
Pública. Este controle massivo administrativo deslocou-se, no momento
seguinte, para o ramo especializado do Poder Judiciário.
A quantidade elevada de procedimentos administrativos e judiciais começou
a ser percebido pelo governo alemão e pela academia. No ano de 1975, o então
professor da Universidade de Speyer, Hans-Werner Laubinger, elabora,
atendendo solicitação do Ministério da Justiça, um parecer sobre um possível
regramento legal futuro para procedimentos de massa no Direito Processual
Administrativo e no Direito Processual para as Cortes Administrativas
(Gutachten über eine künftige gesetzliche Regelung für Massenverfahren im
Verwaltungsverfahrensrecht und im Verfahrensrecht für die
Verwaltungsgerichte).
Em 1979, diante do projeto de construção do aeroporto internacional de
Munique, foram ajuizadas 5.724 demandas perante o Tribunal Administrativo de
Munique. Considerando a avalanche de demandas, as dificuldades para o
andamento concomitante destes processos e verificando que havia uma
identidade muito significativa, em termos de fatos e alegações, o órgão judicial
de primeiro grau (Verwaltungsgericht München) resolve inovar, efetuando uma
triagem inicial de 40 procedimentos, que teriam seguimento para processamento,
produção de provas e julgamento. Os demais permaneceriam suspensos, por
tempo indeterminado, aguardando o julgamento paradigmático dos
procedimentos-modelo (Musterverfahren).
É de se ressaltar que, na época, 1979-1980, a legislação alemã não previa
expressamente o referido procedimento adotado (Musterverfahren). A decisão
adotada pelo órgão de primeiro grau de Munique foi questionada perante a Corte
Constitucional (Bundesverfassungsgericht) da República Federativa da
Alemanha que, no mesmo ano, decidiu pela constitucionalidade da medida
adotada pelo tribunal de primeira instância, entendendo ainda que a queixa
constitucional havia sido abusivamente utilizada, razão pela qual fixou multa por
litigância de má fé contra os queixosos8.
Na ocasião, a Corte Suprema alemã considerou que o tribunal de primeiro
grau estava diante de um problema processual e que se deveria analisar o que
poderia o órgão judicial efetuar. Em especial, afastou as alegações de afronta ao
art. 19, (4), 1; e art. 3, (1), ambos da Lei Fundamental. Os dispositivos tratam,
respectivamente, dos princípios da inafastabilidade da prestação jurisdicional e
da igualdade perante a lei.
Na motivação, mencionou-se que o primeiro dispositivo constitucional
garante a mais completa proteção judicial possível contra a alegada lesão à
esfera jurídica dos cidadãos praticada pelo Poder Público. Entendeu-se que isso
garantia também um procedimento judicial dentro de tempo razoável, o que
estaria sendo viabilizado mediante a inovação experimentada.
No mais, afirmou a Suprema Corte que o procedimento adotado não
afastaria a proteção judicial daqueles que tiveram os processos suspensos, após o
julgamento padrão, com a formulação de sentenças padrão (Musterurteile),
porque teriam os seus direitos processuais preservados e, em caso de premência,
poderiam, mesmo antes, requerer medidas de urgência.
Por fim e em síntese, afastou a alegação de abuso de autoridade, por
entender que a escolha feita pelo órgão judicial foi realizada a partir de
fundamentos plausíveis, em razão da economia propiciada pela escolha de
alguns dos 5.724 procedimentos para a realização das provas e o prosseguimento
do processo9.
Dos 40 procedimentos-modelo inicialmente selecionados, 34 chegaram, em
27.05.1981, a decisões finais de improcedência, contra as quais foram
interpostas apelações em 31 processos. Em 1991, encerraram-se todos os
processos, após os julgamentos dos recursos perante os tribunais de 2º grau e
superior (Verwaltungsgerichtshof e Bundesverwaltungsgericht).
Estima-se10 que a economia obtida com a suspensão dos processos, no caso
do aeroporto de Munique, foi de 89 milhões de marcos alemães (moeda da
época), equivalentes a cerca de 45,5 milhões de euros ou 160 milhões de reais11.
A criação e a utilização do procedimento-modelo na Alemanha suscitam
uma primeira reflexão quanto à prescindibilidade de previsão legal para a
aplicação da técnica. A resposta da Corte Constitucional foi clara no sentido de
que a técnica de processamento e de julgamento foi uma solução prática e
consentânea com os princípios constitucionais, especialmente o do acesso à
justiça e da inafastabilidade da prestação jurisdicional, cuja garantia deve
abranger a ideia de efetividade do processo dentro de uma duração razoável.
Portanto, os órgãos judiciais, ao elaborarem o procedimento-modelo, agiram
em conformidade com a previsão maior da Carta Magna, não se verificando, em
tese, qualquer mácula para as partes que tiveram os seus processos suspensos, na
medida em que não se obstaculizariam os direitos processuais a serem exercidos
quando da aplicação do entendimento firmado nos processos que ficaram
aguardando, bem como da possibilidade de serem requeridas eventuais medidas
urgentes. Contudo, a Corte Constitucional alemã ficou adstrita aos
questionamentos firmados naquele julgamento, sem se pronunciar sobre outras
questões, como a própria sistemática de aplicação do entendimento firmado nos
julgamentos modelo nos processos pendentes, tendo em vista que ainda não
havia uma clara regulamentação da questão.
É de se concluir, portanto, sobre a possibilidade dos próprios tribunais
estabelecerem mecanismos de gestão, como o do procedimento modelo, com o
escopo de garantir a economia processual e, consequentemente, do princípio do
acesso à justiça e da efetividade do processo dentro de um tempo razoável.
Nesse sentido, pode-se apontar, no Brasil, que o regramento das ações coletivas
e dos recursos repetitivos, inicialmente, à luz do CPC revogado e da legislação
especial, não previa, por exemplo, a suspensão de ofício dos processos, mas, tão
somente, a suspensão requerida, no caso das ações coletivas, e o sobrestamento
dos recursos, na hipótese dos repetitivos. Entretanto, a suspensão dos processos
incorporou-se na prática forense, inclusive do Supremo Tribunal Federal e dos
Tribunais Superiores12, a partir de razões de ordem prática. Por fim, esta
sistemática foi sedimentada no Código de Processo Civil de 2015.

3.3. A INTRODUÇÃO DO MUSTERVERFAHREN NO


ORDENAMENTO JURÍDICO ALEMÃO

Com a experiência prática do procedimento-modelo na Justiça


Administrativa de Munique e a sua chancela pela Corte Constitucional, houve o
encaminhamento, em 27.04.1990, da proposta de inserção de um novo parágrafo
(93a) no Estatuto da Justiça Administrativa (Verwaltungsgerichtsordnung –
VwGO), de 1960, prevendo expressamente, no ordenamento legal, o
Musterverfahren. O parlamento alemão aprovou em 17.12.1990, o projeto de lei,
entrando em vigor o novel § 93a, com a regulamentação do procedimento
modelo no âmbito da jurisdição administrativa, em 01.01.1991.
Em seguida, o julgamento-padrão foi introduzido no âmbito do mercado
mobiliário mediante a edição da Lei sobre procedimento-modelo nos conflitos
jurídicos do mercado de capitais (Gesetz über Musterverfahren in
kapitalmarktrechtlichen Streitigkeiten – KapMuG), de 16.08.2005, que entrou
em vigor em 01.11.2005. A referida lei foi concebida como uma experiência
temporária, com término de vigência inicialmente previsto para 01.11.2010.
Mas, o período de vigência acabou sendo prorrogado13 até 31.10.2012. Por fim,
uma nova versão da lei entrou em vigor no dia 01.11.2012, sofrendo pequena
alteração em 04.07.2013. O texto atual14 manteve o caráter temporário da
KapMuG, prevendo expressamente, no seu § 28, a sua derrogação a partir de
01.11.2020.
A edição da KapMuG decorreu da grande quantidade de demandas
individuais que foram ajuizadas na Alemanha, especialmente em Frankfurt, em
face da empresa Deutsche Telekom, que possui cerca de três milhões de
acionistas, sob o fundamento de que a demandada teria produzido, nos anos de
1999 e 2000, prospectos com informações incorretas, gerando prejuízos aos
investidores. O número elevado de processos, aproximadamente doze mil apenas
no Landesgericht de Frankfurt, ensejou demora nos julgamentos e reclamações
que chegaram até a Corte Constitucional alemã, sob a alegação de denegação de
justiça, tendo a Corte Suprema, já em 2004, apontado para os órgãos judiciais
envolvidos que deveriam adotar outros procedimentos como o julgamento de
casos-modelo para a prestação jurisdicional.15
Por fim, no ano de 2008, o legislador alemão insere16 o instrumento do
procedimento-modelo também no âmbito do ramo do Poder Judiciário que cuida
dos conflitos envolvendo a previdência e assistência social, com a introdução do
parágrafo 114a na Sozialgerichtsgesetz, contendo praticamente o mesmo texto do
parágrafo 93a do Estatuto da Justiça Administrativa.
É de se notar que os procedimentos adotados nos ramos administrativo e da
previdência e assistência social são idênticos, mas diferem do que foi
estabelecido para o mercado de capitais, razão pela qual serão expostos, objetiva
e separadamente, nos capítulos seguintes. Em termos metodológicos, ao longo
dos dois capítulos se fará não apenas uma descrição dos dois sistemas existentes
na Alemanha, mas se tentará realizar a comparação interna. Embora tida como
fonte secundária, a experiência inglesa também será detalhada em outro capítulo.
Por fim, os elementos colhidos do direito estrangeiro servirão também para a
realização do cotejo com as soluções adotadas para o IRDR no direito brasileiro.

1
A Inglaterra e o País de Gales editam, em 2000, o seu primeiro Código de
Processo Civil, com a previsão das decisões de litígios de grupo (Group
Litigation Order), ao lado da própria demanda-teste (test claim).
2
Vide ESCHMENT, Jörn. Musterprozesse vor dem Europäischen
Gerichtshof für Menschenrechte. Frankfurt: Peter Lang, 2010.
3
Para um estudo mais geral sobre a tutela coletiva na Alemanha, podem ser
indicadas, dentre outras que serão mencionadas, as seguintes obras:
BASEDOW, Jürgen; HOPT, Klaus J.; KÖTZ, Hein; BETGE, Dietmar. Die
Bündelung gleichgerichteter Interessen im Prozeß. Tübingen: Mohr
Siebeck, 1999; BRÖNNEKE, Tobias (Hrsg.) Kollektiver Rechtsschutz im
Zivilprozeßrecht. Baden-Baden: Nomos, 2001; BURCKHARDT, Markus.
Auf em Weg zu einer class action in Deutschland? Baden-Baden: Nomos,
2005; EINHAUS, Stefan. Kollektiver Rechtsschutz im englischen und
deutschen Zivilprozessrecht. Berlin: Duncker & Dumblot, 2008;
HALFMEIER, Axel. Popularklagen im Privatrecht. Tübingen: Mohr
Siebeck, 2006; KESKE, Sonja E. Group Litigation in European
Competition Law: A Law and Economics Perspective. Intersentia, 2010;
KOHLER, Kristin. Die grenzüberschreitende Verbraucherberbandsklage
nach dem Unterlassungsklagengesetz im Binnenmarkt. Frankfurt am Main:
Peter Lang, 2008; LANGE, Sonja. Das begrenzte Gruppenverfahren.
Tübingen: Mohr Siebeck, 2011; OR-GEL, Marc. Class arbitration: Von der
Gruppenklage zum Gruppenschiedsverfahren und zurück? Eine
Untersuchung zum U.S.-amerikanischen Schiedsverfahrensrecht. Tübingen:
Mohr Siebeck, 2013; SÄCKER, Franz Jürgen. Die Einordnung der
Verbandsklage in das Szstem des Privatrechts. München: C. H. Beck, 2006.
4
§ 93a.
5
Na exposição de motivos redigida pela comissão que elaborou o anteprojeto
do novo Código de Processo Civil brasileiro, indica-se expressamente a
inspiração no direito alemão.
6
Não obstante a fonte estrangeira, pode-se apontar que o novo instituto,
encontra raízes também nos denominados incidentes de recursos
repetitivos, previstos nos artigos 543-B e 543-C do CPC/1973,
respectivamente para os recursos extraordinário e especial, a partir dos anos
de 2006 e 2008. Estes mecanismos propiciaram razoável redução no
número de processos em tramitação no Supremo Tribunal Federal e no
Superior Tribunal de Justiça. O incidente agora proposto terá como objetivo
a redução do número de processos nos tribunais de segundo grau e a
suspensão dos processos em primeiro grau, propiciando economia, mas
também uniformidade e segurança na prestação jurisdicional.
7
Os dados são mencionados na obra de Walter Christian Schmel,
Massenverfahren vor den Verwaltungsbehörden und den
Verwaltungsgerichten: Darstellung des Problems und Überprüfung der
besonderen Regelungen zur Behandlung und Bewältigung, Berlin: Duncker
& Humblot, de 1982.
8
BVerfG, decisão de 27.03.1980, Az. 2 BvR 316/80, assim ementada:
Verfassungsrechtliche Unbedenklichkeit bei Auswahl von Musterverfahren
– Flughafen München. Es ist von Verfassungs wegen nicht zu beanstanden,
wenn ein Verwaltungsgericht für die mündliche Verhandlung von den bei
ihm anhängigen 5.724 Verfahren gegen den Planfeststellungsbeschluß für
einen Flughafen einige auswählte und die Verhandlung der anderen
einstweilen zurückstellt.
9
“Gründe: Das Verwaltungsgericht verstößt nicht gegen Verfassungsrecht,
wenn es für die mündliche Verhandlung im April, Mai, Juni und Juli 1980
von den bei ihm anhängigen 5.724 Verfahren gegen den
Planfeststellungsbeschluß für den Flughafen M. einige auswählte und die
Verhandlung der anderen einstweilen zurückstellt.
Es liegt auf der Hand, daß das vorliegende Großverfahren, an dem eine
Vielzahl von Klägern beteiligt ist und das eine komplexe
Behördenentscheidung zum Gegenstand hat, das Verwaltungsgericht vor
ungewöhnliche verfahrensrechtliche Probleme stellt. Die Frage, welche
prozessualen Maßnahmen das Gericht zur Durchführung, Vereinfachung
und Beschleunigung dieses Großverfahrens im einzelnen treffen kann,
bestimmt sich in erster Linie nach einfachem Prozeßrecht, dessen
Anwendung und Auslegung vom Bundesverfassungsgericht grundsätzlich
nicht nachgeprüft wird. Es mag dahinstehen, ob die Durchführung einer
einzigen mündlichen Verhandlung für alle 5.724 anhängigen Verfahren
überhaupt möglich wäre, was mit guten Gründen bezweifelt werden kann.
Mit seinem Vorgehen verkennt das Verwaltungsgericht jedenfalls nicht die
Tragweite der Grundrechte der Beschwerdeführer.
1. Art. 19 Abs. 4 Satz 1 GG ist nicht verletzt. Diese Vorschrift gewährleistet
einen möglichst lückenlosen gerichtlichen Schutz gegen die behauptete
Verletzung der Rechtssphäre des Einzelnen durch Eingriffe der öffentlichen
Gewalt (BVerfGE 8, 274 [326], stRspr). Sie garantiert auch die
Wirksamkeit des Rechtsschutzes; der Bürger hat einen substantiellen
Anspruch auf eine möglichst wirksame gerichtliche Kontrolle (BVerfGE
40, 272 [275], stRspr). Dies erfordert die Durchführung eines gerichtlichen
Verfahrens innerhalb angemessener Zeit. Die Bemessung der
Verfahrenskosten darf nicht in einer Weise erfolgen, die es dem Betroffenen
praktisch unmöglich macht, das Gericht anzurufen (vgl. BVerfGE 11, 139
[143]).
a) Für die Beschwerdeführer, über deren Verfahren das Verwaltungsgericht
demnächst verhandeln will, wird der Rechtsschutz nicht in
verfassungsrechtlich unzulässiger Weise erschwert. Zwar mag sich das
Prozeßkostenrisiko für sie erhöhen, wenngleich sich auch nicht ohne
weiteres mit einer Steigerung der Gerichtskosten und der Anwaltsgebühren
rechnen müssen, weil sich der Gegenstandswert bei Anfechtungsklagen
gegen Planfeststellungsbeschlüsse nach der herrschenden Meinung aus der
Beeinträchtigung des einzelnen Klägers errechnet. Die Beschwerdeführer
können im Hinblick auf Art. 19 Abs. 4 Satz 1 GG aber nicht verlangen, daß
das Prozeßkostenrisiko durch gleichzeitige Verhandlung aller beim
Verwaltungsgericht anhängiger Verfahren möglichst niedrig gehalten wird.
Das Kostenrisiko ist für sie im Rahmen des bei einem Großverfahren
Möglichen abschätzbar. Sie mußten ohnedies von vornherein damit
rechnen, daß das Verwaltungsgericht zunächst nur über einige Verfahren
verhandeln würde. Im übrigen hat keiner der Beschwerdeführer
vorgetragen, daß er zur Rechtsverfolgung außerstande sei und die für diesen
Fall vorgesehene Möglichkeit der Beantragung des Armenrechts (vgl. § 166
VwGO iVm §§ 114 ff. ZPO ) bereits vergeblich ausgeschöpft hätte.
b) Auch für die Beschwerdeführer, deren Verfahren das Verwaltungsgericht
vorerst zurückgestellt hat, wird der Rechtsschutz nicht in
verfassungsrechtlich unzulässiger Weise erschwert. Ihnen werden nach dem
Ergehen der ‚Musterurteile‘ noch alle prozessualen Möglichkeiten
offenstehen, umfassenden gerichtlichen Schutz zu erlangen. Unbeschadet
der bereits ergangenen Entscheidungen werden sie ihre besonderen
Anliegen vorbringen und eine umfassende Nachprüfung des
Planfeststellungsbeschlusses herbeiführen können. Bei einem etwaigen
Baubeginn steht ihnen die Möglichkeit offen, vorläufigen Rechtsschutz zu
begehren. Angesichts des außerordentlichen Umfangs des gesamten
Verfahrens kann derzeit auch nicht davon ausgegangen werden, daß die
zurückgestellten Verfahren unangemessen verzögert werden, wenn das
Verwaltungsgericht für sie vorerst einen Termin zur mündlichen
Verhandlung nicht anberaumt.
2. Das Vorgehen des Verwaltungsgerichts verstößt nicht gegen Art. 3 Abs. 1
GG. Das Verwaltungsgericht handelte nicht willkürlich. Es gibt sachliche
Gründe dafür, zunächst nur für einige der 5.724 Verfahren eine mündliche
Verhandlung anzuberaumen. Diese Gründe bedürfen keiner weiteren
Darlegung. Das Verwaltungsgericht ist auch bemüht, die Auswahl der zu
verhandelnden Verfahren nach sachlichen Gesichtspunkten zu treffen. Daß
für dieses Vorgehen eine besondere gesetzliche Ermächtigung in der
Verwaltungsgerichtsordnung fehlt, stößt nicht auf verfassungsrechtliche
Bedenken.
Da die Verfassungsbeschwerde offensichtlich der Verzögerung des
verwaltungsgerichtlichen Verfahrens dienen soll, ist sie mißbräuchlich im
Sinne des § 34 Abs. 5 BVerfGG. Den Beschwerdeführern wird daher
jeweils eine Gebühr in Höhe von einhundert Deutsche Mark auferlegt.
Diese Entscheidung ist unanfechtbar.” BVerfG, Beschluß vom 27.03.1980 –
Aktenzeichen 2 BvR 316/80.
10
Os dados foram indicados por Jan J. Kruppa, na obra Kapitalanleger-
Musterverfahrensgesetz (KapMuG) – Bestandsaufnahme und Perspektiven,
Hamburg: Kovac, 2011, p. 82.
11
As conversões foram feitas, respectivamente, levando em consideração os
valores de câmbio indicados pelo site https://coinmill.com e pelo jornal O
Globo (http://oglobo.globo.com/), acessados em 10.11.2016.
12
No Superior Tribunal de Justiça, a questão foi debatida especialmente no
REsp nº 1.110.549 – RS, que pode ser considerado um marco sobre o
assunto, tendo se originado de situação que guarda certa similitude com o
contexto alemão. A situação surgiu por ocasião do lapso final para o
ajuizamento de demandas relacionadas aos expurgos inflacionários em
cadernetas de poupança, quando houve um número muito elevado de novos
processos, especiamente no Rio Grande do Sul. Houve varas que receberam
milhares de processos em apenas alguns dias, tendo se tornado inviável o
processamento destas demandas, diante da falta de recursos materiais e
humanos disponíveis. Como solução para o problema, os juízes de primeiro
grau começaram a entender que deveriam priorizar as ações coletivas,
separando-as por instituição financeira, suspendendo os respectivos
processos individuais até a decisão final coletiva. Com o trânsito em
julgado da decisão coletiva, haveria, conforme o caso de procedência ou
não dos pedidos formulados coletivamente, a aplicação do resultado nos
respectivos processos individuais suspensos.
13
Por força do art. 5.º da Lei de 24.07.2010.
14
Vide o texto vigente, na íntegra, nas versões em alemão e em inglês, em
<https://www.gesetze-im-internet.de/kapmug_2012/ e https://www.gesetze-
im-internet.de/englisch_kapmug/index.html>
15
Vide BverfG (2004) 3321.
16
Mediante a Lei para a modificação do Estatuto da Justiça Social e do
Estatuto da Justiça do Trabalho (Gesetz zur Änderung des
Sozialgerichtsgesetzes und des Arbeitsgerichtsgesetzes (SGGuaÄndG), de
26.03.2008, que entrou em vigor no dia 01.04.2008, nos termos do art. 5º.
Capítulo 4

O MUSTERVERFAHREN (PROCESSO-
MODELO) DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
E DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL

4.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. O REGRAMENTO SUCINTO E


UNIFICADO PARA O MUSTERVERFAREN NO DIREITO
PÚBLICO

Os Estatutos da Jurisdição Administrativa (Verwaltungsprozessordnung), no


§ 93a1, e da Previdência e Assistência Social (Sozialgerichtsgesetz), no § 114a2,
possuem praticamente a mesma previsão no que diz respeito ao
Musterverfahren.3
As respectivas normas estão dispostas em um único dispositivo4, como se
indicou acima, subdividido em duas partes (1) e (2), contendo a primeira três
orações, enquanto a segunda parte, seis. É de se notar, portanto, que se trata de
um regramento extremamente sucinto. Esta característica poderia ser atribuída
ao caráter incipiente do instituto, quando da sua aprovação, em 1990. Mas, como
supramencionado, foi praticamente mantido in totum o texto, quando transposto
para o Estatuto da Justiça Social (Previdenciária), no ano de 2008, denotando,
assim, o propósito de manter um regramento objetivo e unificado no âmbito do
direito público.
O regramento mínimo indica o comando no sentido de manutenção do
“devido processo legal” a partir das normas comuns, preservando, assim, não
apenas o “juiz natural”, mas o próprio procedimento e julgamento que os casos-
piloto teriam, se desprovidos da qualidade paradigmática5.
No Musterverfahren há o julgamento completo do(s) pedido(s)
formulado(s), havendo, portanto, cognição ampla e exauriente, com a apreciação
das questões de fato e de direito. Por esta razão, a produção de prova é ampla.

4.2. CABIMENTO E ADMISSIBILIDADE. ESCOLHA DOS


PROCEDIMENTOS-MODELO

O legislador estabeleceu, na primeira parte de cada um dos respectivos


dispositivos6, que se a conformidade jurídica de uma medida, nas respectivas
áreas administrativa ou social, for questionada em mais de vinte7 processos, o
órgão judicial poderá prosseguir com um ou mais processos adequados, que se
tornarão os processos-modelo (padrão, piloto, test claims) ou paradigmáticos
para o julgamento dos demais, que ficarão suspensos. A norma estabelece mais
de vinte, portanto exige-se a existência de, no mínimo, 21 (vinte e um) processos
nos quais se impugna a conformidade jurídica da medida praticada pela
repartição pública. No estatuto da Jurisdição Social, especificou-se ainda que a
multiplicidade de processos seria perante o mesmo órgão judicial.
A utilização do verbo können (poder) indica que caberá ao órgão judicial a
análise da conveniência a partir do número, mas também de outros fatores, como
a maior ou menor homogeneidade das situações individuais ou das alegações
formuladas. Cabe aqui mencionar que a própria questão da divisibilidade parece
ser de grande importância para a decisão, pois, em caso de indivisibilidade, a
concentração do julgamento será fundamental diante do caráter unitário.
A norma se utiliza da denominação procedimento-modelo
(Musterverfahren) para os processos escolhidos para o processamento e para o
julgamento, mencionando que os demais ficarão suspensos. Na doutrina e nos
tribunais, estes processos sobrestados são denominados de Nachverfahren
(procedimentos posteriores).
A norma prevê expressamente que as partes deverão ser ouvidas
previamente em relação à adoção do procedimento, em observância ao princípio
do contraditório. Mas, a decisão judicial tomada em relação ao estabelecimento
do procedimento-padrão é irrecorrível. As duas regras, embora voltadas para
objetivos opostos, são muito importantes e, de certo modo, se complementam.
A primeira é a expressão da concepção mais ampla e tradicional do princípio
do contraditório no direito germânico, inscrito como regra geral no § 139 da
Zivilprozessordnung (ZPO), o Estatuto do Processo Civil alemão, que serviu de
inspiração para o art. 10 do Código de Processo Civil brasileiro de 2015. No
caso do procedimento-modelo (Musterverfahren) do direito público, a
determinação da condução, mediante a técnica do julgamento piloto, não precisa
ser requerida, podendo e devendo, quando for o caso da sua aplicabilidade, ser
estabelecida de ofício pelo órgão judicial. Entretanto, a oitiva prévia das partes é
fundamental, não apenas para que possam se manifestar sobre a adoção do
procedimento-modelo, oferecendo argumentos e dados a favor ou contra, mas
para que possam, também e desde já, contribuir para, em caso de
admissibilidade, o esclarecimento em relação aos fundamentos das demandas e a
escolha das causas para o processamento e o julgamento paradigmático.
A primeira parte da norma estabelece que a triagem, para o processamento e
julgamento piloto, poderá recair em um ou mais processos adequados. O
legislador não estabeleceu parâmetros para a seleção. No entanto, alguns
julgados fizeram expressa menção aos critérios que foram sopesados.
Por exemplo, já no primeiro caso, do aeroporto de Munique, em 1980, a
decisão adotou um parâmetro mais subjetivo, indicando que os maiores
interessados foram escolhidos a partir de dados como o de autores que possuíam
propriedades dentro da área do planejado aeroporto e propriedades no âmbito
limítrofe da planejada zona de proteção8.
Em julgado proferido em 2008, o Tribunal Federal Administrativo
(Bundesverwaltungsgericht – BVerwG)9 foi taxativo no sentido de que os
procedimentos-modelo precisam preencher duas exigências, sobre as quais os
órgãos judiciais possuem responsabilidade na seleção: (a) deve-se garantir que
todos os pontos de vista sejam examinados, de modo a serem aferidas as
pretensões formuladas nas demandas propostas; (b) deve-se estar seguro de que
os processos escolhidos como Musterverfahren não estejam sobrecarregados
com outros problemas específicos, que não sejam representativos para a maioria
dos interessados.
Em síntese, se procurou fixar que a escolha deve ser norteada por critérios
objetivos, a partir das questões suscitadas nos processos, de modo que os
processos escolhidos para o julgamento piloto sejam representativos, de modo a
concentrar, nos que servirão de modelo, o espectro de questões a serem
resolvidas em todos os demais processos e, além disso, que não contenham
também outras peculiaridades. Este segundo aspecto serve, na verdade, para que
o órgão judicial possa se concentrar, com exclusividade ou predominância, em
questões comuns, não perdendo tempo e energia com outras questões peculiares.
A orientação acima se justifica não apenas para a celeridade no julgamento dos
procedimentos-modelo. Mas, também, por razões lógicas, em relação aos demais
processos. Em primeiro lugar, porque as questões peculiares provavelmente
dependerão do julgamento das questões comuns, que poderão ser preliminares
ou prejudiciais em relação à apreciação das particularidades. Pode-se pensar, por
exemplo, que a questão comum diga respeito à necessidade de requerimento
administrativo, como condição da ação (interesse) para a postulação judicial,
sendo, portanto, preliminar. A questão comum pode ser também a alegação, por
parte da administração demandada, da existência de prescrição, ou mesmo se
houve uma falha no serviço público. Portanto, a análise prévia apenas destas
questões comuns pode representar grande economia, isonomia e segurança
jurídica.
Do mesmo modo, o Tribunal de Apelação de Kassel10, em julgado proferido
em 2008, esclareceu, em síntese, que os procedimentos-modelo devem ter a
capacidade de responder às muitas questões levantadas, cuidando do grande
número de típicas perplexidades comuns existentes. Por sua vez, o exame da
constelação de questões atípicas deve ser conferido aos Nachverfahren, ou seja,
aos processos que serão apreciados posteriormente.
Na escolha dos processos-modelo, três critérios podem ser extraídos da
norma legal e das decisões supramencionadas: a) objetivo, sob o prisma das
questões fáticas e jurídicas levantadas no conjunto de processos; b) subjetivo,
decorrente da aferição das partes que possuem um interesse mais significativo
em relação ao objeto da(s) causa(s)-piloto; c) eletivo, decorrente da necessidade
de se estabelecer o contraditório prévio, possibilitando, assim, que haja pelas
próprias partes a escolha dos processos-modelo, levando-se em conta a
necessária abrangência das matérias fáticas e jurídicas pelo processo, ou
processos, representativo(s) da controvérsia, mas também a escolha consensual
não apenas dos processos-piloto, mas dos representantes adequados.
A irrecorribilidade, quanto à admissibilidade, por outro lado, procura evitar
que este debate preliminar, sobre a adoção do procedimento-modelo, acabe se
prolongando e atrasando o processamento e o julgamento dos Musterverfahren e,
consequentemente, também dos processos sobrestados. Por outro lado, as partes,
tanto dos procedimentos-modelo quanto dos processos suspensos, não ficarão,
naturalmente, desprovidas da possibilidade, em cada momento oportuno, de
impugnação em relação ao mérito, invocando inclusive a inaplicabilidade da
decisão-modelo aos seus respectivos casos.
No sistema de procedimento-modelo para o julgamento dos casos
administrativos e previdenciários, a decisão de admissibilidade, bem como o
processamento e julgamento dos processos escolhidos, ocorre perante o órgão
judicial de primeiro grau.
Deve-se consignar, todavia, que a primeira instância é composta de tribunais
colegiados, permitindo-se, entretanto, em determinados casos, que o
processamento e o julgamento possam ocorrer monocraticamente.
Embora a norma não impeça expressamente a possibilidade do
procedimento-modelo ser delegado ao juiz presidente ou relator11, a hipótese de
transferência para o processamento e decisão por juiz singular não parece ser a
mais conveniente, em razão de alguns motivos. O primeiro é que, no § 93a (2),
1, se estabelece que, após o julgamento definitivo transitado em julgado no(s)
procedimento(s)-modelo (Musterverfahren), poderá haver uma decisão extensiva
aos processos que estavam suspensos, desde que por unanimidade. Portanto,
não faria sentido se exigir um julgamento colegiado, nas decisões subsequentes,
sem que o mesmo ocorra no processo paradigmático a ser seguido. Em segundo
lugar, o estatuto (VwGO, § 6, (1), 1 e 2) prevê que, como regra, haja a
transferência do processamento e do julgamento ao juiz singular integrante da
câmara, quando (1) a questão não apresentar complexidade, de fato ou de direito;
(2) a questão não requerer aplicação de princípio, hipóteses que poderão ocorrer
no Musterverfahren. Entretanto, ainda que improvável e em caráter excepcional,
a delegação poderá existir, com base no § 87a, (2) e (3), para o presidente ou
para o relator, se houver concordância das partes12.
É importante registrar que não se prevê, pelo menos no formato do
procedimento-padrão perante a Jurisdição Administrativa, bem como no da
Previdência e Assistência Social, qualquer regra especial de competência ou
mesmo quanto ao seguimento e julgamento do procedimento-padrão. Portanto, o
tribunal de primeiro grau é quem realizará o juízo de admissibilidade, bem como
o processamento, instrução e julgamento do Musterverfahren. Do mesmo modo,
prevalecerão as regras gerais para o procedimento-modelo no âmbito recursal.

4.3. PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO


MUSTERVERFAHREN E DOS NACHVERFAHREN

Na segunda parte13, preocupou-se o legislador em regular os efeitos e


desdobramentos do procedimento-padrão nos processos individuais que ficaram
suspensos.
Com o trânsito em julgado da sentença ou do acórdão proferido no
procedimento-padrão, o tribunal de primeira instância, depois de ouvir as partes,
poderá mediante simples decisão se pronunciar sobre o mérito nos processos
individuais se considerar, por unanimidade, que estes não possuem
peculiaridades essenciais, fáticas ou jurídicas, em relação ao(s) julgamento(s)--
modelo. As partes deverão ser intimadas deste pronunciamento, que poderá ser
impugnado mediante apelação.
O legislador alemão, corretamente, preocupou-se, no regramento aprovado
em 1990, com o duplo controle quanto à verificação da identidade das questões
fáticas e/ou jurídicas existentes nos processos paradigmáticos e os sobrestados.
A primeira verificação é feita quando da suspensão do processo. Em seguida,
após o julgamento do procedimento-modelo, a norma legal exige que haja nova
apreciação, determinando que se faça por decisão colegiada a verificação quanto
à existência ou não de peculiaridades essenciais, fáticas ou jurídicas, bem como
se os fatos pertinentes aos processos suspensos foram devidamente esclarecidos,
tudo considerando os processos-modelo já decididos. Esta decisão deve ser
precedida da manifestação das partes e os tribunais somente poderão considerar
os processos sobrestados em condição de julgamento imediato, ou seja,
afastando a existência de particularidades essenciais ou a necessidade de se
prosseguir com a dilação probatória, se for tomada por unanimidade.
O órgão judicial poderá também determinar a introdução de provas
produzidas no procedimento-modelo em outros processos, bem como ordenar a
realização de novas provas, dentre as quais depoimentos de testemunhas ou
mesmo perícia pelo mesmo perito ou por outro. Igualmente, o tribunal poderá
denegar a produção de novas provas acerca de fatos que tenham sido
demonstrados no(s) procedimento(s)-modelo, segundo a sua livre convicção, e
retarde a solução do litígio.

1
Verwaltungsgerichtsordnung (VwGO), § 93a:
(1) Ist die Rechtmäßigkeit einer behördlichen Maßnahme Gegenstand von
mehr als zwanzig Verfahren, kann das Gericht eines oder mehrere geeignete
Verfahren vorab durchführen (Musterverfahren) und die übrigen Verfahren
aussetzen. Die Beteiligten sind vorher zu hören. Der Beschluß ist
unanfechtbar.
(2) Ist über die durchgeführten Verfahren rechtskräftig entschieden worden,
kann das Gericht nach Anhörung der Beteiligten über die ausgesetzten
Verfahren durch Beschluß entscheiden, wenn es einstimmig der Auffassung
ist, daß die Sachen gegenüber rechtskräftig entschiedenen Musterverfahren
keine wesentlichen Besonderheiten tatsächlicher oder rechtlicher Art
aufweisen und der Sachverhalt geklärt ist. Das Gericht kann in einem
Musterverfahren erhobene Beweise einführen; es kann nach seinem
Ermessen die wiederholte Vernehmung eines Zeugen oder eine neue
Begutachtung durch denselben oder andere Sachverständige anordnen.
Beweisanträge zu Tatsachen, über die bereits im Musterverfahren Beweis
erhoben wurde, kann das Gericht ablehnen, wenn ihre Zulassung nach
seiner freien Überzeugung nicht zum Nachweis neuer
entscheidungserheblicher Tatsachen beitragen und die Erledigung des
Rechtsstreits verzögern würde. Die Ablehnung kann in der Entscheidung
nach Satz 1 erfolgen. Den Beteiligten steht gegen den Beschluß nach Satz 1
das Rechtsmittel zu, das zulässig wäre, wenn das Gericht durch Urteil
entschieden hätte. Die Beteiligten sind über dieses Rechtsmittel zu
belehren.
2
Sozialgerichtsgesetz (SGG), § 114a:
(1) Ist die Rechtmäßigkeit einer behördlichen Maßnahme Gegenstand von
mehr als 20 Verfahren an einem Gericht, kann das Gericht eines oder
mehrere geeignete Verfahren vorab durchführen (Musterverfahren) und die
übrigen Verfahren aussetzen. Die Beteiligten sind vorher zu hören. Der
Beschluss ist unanfechtbar.
(2) Ist über die durchgeführten Musterverfahren rechtskräftig entschieden
worden, kann das Gericht nach Anhörung der Beteiligten über die
ausgesetzten Verfahren durch Beschluss entscheiden, wenn es einstimmig
der Auffassung ist, dass die Sachen gegenüber dem rechtskräftig
entschiedenen Musterverfahren keine wesentlichen Besonderheiten
tatsächlicher oder rechtlicher Art aufweisen und der Sachverhalt geklärt ist.
Das Gericht kann in einem Musterverfahren erhobene Beweise einführen;
es kann nach seinem Ermessen die wiederholte Vernehmung eines Zeugen
oder eine neue Begutachtung durch denselben oder andere Sachverständige
anordnen. Beweisanträge zu Tatsachen, über die bereits im Musterverfahren
Beweis erhoben wurde, kann das Gericht ablehnen, wenn ihre Zulassung
nach seiner freien Überzeugung nicht zum Nachweis neuer
entscheidungserheblicher Tatsachen beitragen und die Erledigung des
Rechtsstreits verzögern würde. Die Ablehnung kann in der Entscheidung
nach Satz 1 erfolgen. Den Beteiligten steht gegen den Beschluss nach Satz
1 das Rechtsmittel zu, das zulässig wäre, wenn das Gericht durch Urteil
entschieden hätte. Die Beteiligten sind über das Rechtsmittel zu belehren.
3
No link <https://www.gesetze-im-internet.de/englisch_vwgo/index.html>,
encontra--se a tradução em inglês do parágrafo 93a do Estatuto da
Jurisdição Administrativa.
4
Os estatutos legais alemães se utilizam tradicionalmente de parágrafos (§),
em vez de artigos, embora a Grundgesetz (GG), ou seja, a Lei Fundamental
ou Constituição, se utilize destes últimos.
5
A tradicional denominação test claim parece, de fato, ser menos apropriada,
pois perpassa a ideia de algo experimental, dotado de provisoriedade. No
entanto, os casos escolhidos seriam processados e julgados, com caráter
definitivo, com a aplicação da ratio decidendi aos demais casos.
6
Parágrafos 93a da VwGO e 114a da SGG.
7
A norma administrativa (93a), em vigor desde 01.01.1991, previa,
inicialmente, um número maior que 50 processos. Entretanto, o parâmetro
foi modificado para mais de 20 procedimentos, com a aprovação da 6.
VwGoÄndG (BGBl. I S 1626), que entrou em vigor em 01.01.1997.
8
KRUPPA, Jan J. Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz (KapMuG) –
Bestandsaufnahme und Perspektiven, Hamburg: Kovac, 2011, p. 93-94.
9
Vide a decisão em http://www.dfld.de/Presse/LaO/2008/081103a.pdf,
acessado em 11.11.2016. Mencionada por Jan J. Kruppa, na obra
supramencionada, p. 94-95.
10
Vide: <http://www.dfld.de/Presse/LaO/2008/081103a.pdf>. Acesso em: 11
nov. 2016. Mencionada por Jan J. Kruppa, na obra mencionada, p. 94.
11
Estas são as duas possibilidades previstas no § 87a (2) e (3). A regra
atualmente, por força do § 6 da VwGO, é de que a câmara transfira o litígio
a um dos seus membros, para que processe e julgue monocraticamente, se,
nos termos da alínea (1), itens 1 e 2, a questão não apresentar
complexidade, de fato ou de direito; e a questão não requerer a aplicação de
um princípio.
12
Vide sobre a questão: Schoch/Schneider/Bier/Rudisile,
Verwaltungsgerichtsordnung: VwGO – Loseblatt-Kommentar. 31. Auf.,
Munique: C. H. Beck, 2016, § 93a Rn. 12.
13
Parágrafos 93a da VwGO e 114a da SGG.
A lei sobre procedimento-padrão para os litígios jurídicos envolvendo o
mercado de capitais (Gesetz über Musterverfahren in kapitalmarktrechtlichen
Streitigkeiten – KapMuG)1 previu, em linhas gerais, um sistema também calcado
na possibilidade de julgamento de um caso-piloto, contendo questões jurídicas
ou fáticas comuns a outros processos. Estabeleceu, assim como descrito no item
anterior, que o julgamento do caso-modelo servirá como paradigma para o
julgamento dos processos individuais, que permaneceriam suspensos durante o
processamento e julgamento do procedimento-padrão. A KapMuG fixou,
entretanto, um conjunto de regras específicas, o que acabou criando uma
razoável diferença entre este sistema e o descrito no capítulo anterior2.
Em linhas gerais, o incidente pode ser resumido em três fases, que
correspondem às três seções da lei. A primeira, perante o órgão de primeiro grau,
no qual é formulado e apreciado um requerimento de admissibilidade, havendo a
determinação de publicidade, em caso de deferimento. A segunda consiste no
processamento e julgamento do caso-piloto pelo tribunal de segundo grau. Por
fim, na terceira fase, os processos individuais serão julgados em conformidade
com o entendimento firmado no caso-modelo.

5.1. A FASE DE ADMISSIBILIDADE DA INSTAURAÇÃO DO


PROCEDIMENTO-PADRÃO (MUSTERVERFAHREN)
No regime do mercado mobiliário, não se previu, como no âmbito da
jurisdição administrativa e também no da previdência e assistência social, a
determinação de ofício do incidente de julgamento padrão. Mas, sim, o
requerimento, que poderá ser formulado tanto por autores como por
demandados, perante o próprio juízo de primeira instância. O objeto da demanda
poderá ser apenas uma pretensão de condenação em perdas e danos ou de
cumprimento de um contrato relacionado com o mercado de capitais. O
requerente da declaração padrão (Musterfestellung) deverá indicar o objetivo da
declaração e as informações públicas pertinentes ao mercado de capitais, bem
como as situações fáticas e meios de prova que pretende produzir. Deverá ainda
demonstrar que o processo possui um significado para a resolução de questões
jurídicas que se encontram na mesma situação. O órgão judicial deverá
oportunizar a manifestação da parte contrária sobre o requerimento de
instauração do procedimento-padrão.
Nos termos do inciso 1 do 3º parágrafo, o requerimento de declaração-
padrão deve ser rejeitado, em decisão irrecorrível, quando a decisão do conflito
não depender da declaração pretendida; o meio de prova indicado for
inapropriado; não se demonstrar que a decisão padrão terá significado para a
solução de outros conflitos; ou o pedido de declaração-padrão servir para
manobras protelatórias.
O requerimento de procedimento-padrão admitido deve se tornar
publicamente conhecido mediante inserção no órgão oficial federal
(Bundesanzeiger), com a indicação dos principais dados, conforme indicado no
inciso 2 do § 3º da referida lei. O processo-padrão será também objeto de
inscrição em um registro eletrônico e de acesso gratuito, segundo a Lei de
Procedimento-padrão de conflitos no mercado mobiliário. A comunicação deve
conter a descrição das partes litigantes e dos seus representantes legais, dos
investidores e acionistas interessados no procedimento-padrão, o órgão judicial,
o número do processo e a data da inserção no registro (Klageregister). Os
requerimentos que tiverem fundamento comum, envolvendo idêntico bem da
vida, deverão ser registrados na mesma sequência, não havendo a necessidade de
repetição da comunição no órgão oficial.
O Ministério da Justiça possui a incumbência de regulamentar e controlar o
cadastro3 (registro) dos procedimentos-padrão, cujo acesso será gratuito,
devendo-se zelar, contudo, pelo cumprimento das normas referentes ao
tratamento de dados e bancos de informação, bem como pela segurança do
sistema. O órgão judicial tem a responsabilidade, contudo, pela veracidade e
correção dos dados informados ao cadastro. Os dados serão apagados em caso de
inadmissibilidade ou após a conclusão do procedimento-padrão.
Com a publicação da comunicação da existência do requerimento do
procedimento-padrão, o processo, no qual se instaurou o incidente, será
suspenso. Em seguida, se forem formulados pelo menos mais nove
requerimentos4 de instauração de procedimento-padrão, com o mesmo
fundamento, em qualquer comarca, no prazo de seis meses, a contar da
publicação mencionada, o órgão judicial perante o qual foi apresentado o
primeiro requerimento de instauração de procedimento-padrão admitido
proferirá uma decisão, irrecorrível, fixando os pontos controvertidos comuns a
serem decididos pelo respectivo tribunal de segundo grau (Oberlandesgericht).
Se no referido prazo de seis meses não houver o ajuizamento de mais nove
requerimentos de procedimento-padrão em demandas homogêneas, o incidente
de julgamento padrão será revertido, dando-se continuidade ao processamento e
julgamento como simples processo individual.

5.2. PROCESSAMENTO DO PROCEDIMENTO-PADRÃO


(DURCHFÜHRUNG DES MUSTERVERFAHRENS)

A decisão de admissibilidade será publicada no Klageregister, produzindo a


suspensão de todos os processos individuais já ajuizados ou que venham a ser
instaurados até o trânsito em julgado da decisão-padrão, que dependam do
julgamento da questão-padrão, e os autos remetidos para o tribunal de segundo
grau (Oberlandesgericht).
O legislador alemão introduziu importante inovação, quanto à prescrição, na
versão vigente (2012/2013), em razão das modificações introduzidas na Lei do
Procedimento-Padrão no Mercado Mobiliário KapMuG (§ 10 Abs. 2) e no
Código Civil (Bürgerliches Gesetzbuch – BGB – § 204 Abs. 1 n. 6a). Pelas
novas regras, os titulares de pretensões, as quais dependam do julgamento do
procedimento-padrão, mas que ainda não tenham ajuizado as suas respectivas
demandas, poderão inibir o prazo prescricional mediante a notificação
(Zustellung) do seu requerimento de inscrição no registro do Musterverfahren,
desde que proponham a sua ação dentro do prazo de até três meses após o
trânsito em julgado da decisão-padrão (Musterentscheid).
Prosseguindo no procedimento-padrão, o Oberlandesgericht efetuará, em
decisão irrecorrível, a escolha das partes, dentre aqueles processos que
tramitavam perante o juízo de origem, que figurarão como autor (Musterkläger)
e réu (Musterbeglagte) no incidente, sem prejuízo da condição e participação dos
demais interessados na condição de intervenientes (Beigeladenen). Na seleção, o
tribunal levará em conta o valor da pretensão, o objeto do procedimento padrão e
o entendimento da maioria dos autores em relação a quem deverá ser o autor-
líder do procedimento padrão (Musterkläger).
Os autores e réus dos processos suspensos serão considerados intervenientes
no procedimento-padrão, nos termos do § 9, (3), da KapMuG, que estabelece
ainda que os custos proporcionais do procedimento-padrão serão incluídos nas
despesas de cada processo individual. Entretanto, a norma dispõe expressamente
que os intervenientes não precisam ser mencionados nos despachos e decisões. A
intimação dos intervenientes para os atos processuais e audiências poderá ser
feita mediante comunicação pública, servindo para tal finalidade a realizada pela
divulgação no Klageregister. Para tanto, entre a comunicação e o dia da
audiência, haverá um prazo dilatório mínimo de quatro semanas.
A lei prevê que, não havendo disposições específicas em contrário, serão
aplicadas as regras da Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil alemão).
Há também a previsão expressa da possibilidade de introdução de autos virtuais,
com processamento eletrônico, em conformidade com regras regulamentares a
serem fixadas, no âmbito das suas atribuições, pela União e pelos Estados.
Em preparação à audiência, estabelece a lei que o presidente, ou um outro
membro por ele designado, do tribunal de 2º grau poderá fixar um prazo para
que os intervenientes possam complementar as alegações e esclarecer os pontos
controvertidos, dando-se ciência e abrindo-se, em seguida, a oportunidade de
contraditório ao autor e réu do procedimento-padrão.
As manifestações dos participantes (autor, réu e intervenientes) do
procedimento-modelo e as decisões interlocutórias proferidas pelo Tribunal de 2º
Grau serão introduzidas e conhecidas mediante sistema eletrônico de
informações, acessível apenas aos sujeitos processuais do Musterverfahren, nos
termos do § 12 (2).
A desistência superveniente por parte de um dos requerentes do
procedimento-padrão não terá qualquer efeito na tramitação do caso-piloto. Mas,
se proveniente do autor-condutor (líder) do procedimento-padrão, assim como
em razão da perda superveniente da capacidade para ser parte, processual ou
postulatória, como a morte do autor ou a sua incapacidade, ou mesmo em função
da instauração de um processo de insolvência, o tribunal deverá indicar um outro
autor-condutor para o procedimento-padrão. A desistência por parte de um dos
intervenientes também não produzirá qualquer modificação na tramitação do
procedimento-teste.
No processamento do procedimento-piloto, o legislador previu que os
intervenientes receberão, no momento da sua intervenção, o processo no estado
em que se encontra. Estarão autorizados a utilizar de todos os meios e
instrumentos de postulação e defesa, bem como participar de todos os atos
processuais, desde que as suas manifestações e condutas não contrariem a parte
principal, ou seja, o autor ou o réu (Musterkläger ou Musterbeklagter).
Em relação ao objeto da declaração do procedimento-padrão, poderão o
autor, o réu e os intervenientes do caso-piloto requerer, até o término deste, que o
tribunal se pronuncie também sobre outros pontos controvertidos, quando o
julgamento dos processos individuais depender da apreciaçãos destas questões
não apontadas inicialmente. A decisão quanto ao cabimento e utilidade do
alargamento do objeto do procedimento-padrão será proferida pelo órgão de
origem (de primeiro grau), sendo irrecorrível e ficando vinculado o tribunal de
segundo grau, nos termos do § 15 da KapMuG, que providenciará, junto ao
Klageregister, a publicidade da decisão pertinente à extensão dos pontos comuns
a serem apreciados.
Em continuidade e tendo em vista o procedimento oral seguido, o tribunal
irá proferir, ao final, uma decisão-padrão (Musterentscheid) sobre os pontos
controvertidos anteriormente definidos e que são fundamentais e prejudiciais
para a apreciação dos processos individuais suspensos. Neste pronunciamento,
não deve haver menção aos nomes dos intervenientes. As partes devem ser
intimadas da decisão-padrão, inclusive mediante publicação.
Na versão anterior da KapMuG, a lei germânica proibia que o
procedimento-padrão fosse encerrado mediante composição das partes, salvo se
estivessem acordes todos os sujeitos do processo, ou seja, autor, réu e
intervenientes, conforme previsto na parte final da alínea 3 do § 14 da KapMuG
anteriormente vigente.
No texto atual, o legislador alemão adotou uma importante inovação, ao
inserir um sistema de comunicação da proposta de acordo, com a possibilidade
de autoexclusão (opt out – Austritt em alemão) por parte dos interessados. O §
17 estabelece que autor e réu do procedimento-padrão poderão formular uma
proposta de acordo ou aceitar uma proposição do tribunal, com o objetivo de
encerrar o procedimento-padrão e o processo originário. No entanto, a
proposição deve ser levada ao conhecimento dos interessados, que terão a
oportunidade de se manifestar, no prazo de um mês após a comunicação da
proposta de acordo, requerendo a sua exclusão, se não concordarem com a
oferta, nos termos do § 19 da KapMuG. Para que o acordo seja homologado,
estabeleceu-se, no § 17, como limite que menos de 30% (trinta por cento) dos
interessados exerçam o direito de autoexclusão. Portanto, se este percentual for
atingido, a proposta de conciliação não será acolhida. Não havendo pedidos de
exclusão ou se estes não alcançarem o percentual indicado, apenas os que
manifestarem a exclusão ficarão desvinculados do acordo firmado e que será
homologado, incidindo sobre todos os interessados que não manifestaram,
tempestivamente, a sua contrariedade em relação à composição.
O recurso cabível contra a decisão-padrão (Musterentscheid) é a
Rechtsbeschwerde, que, neste caso, possui uma função equiparável ao nosso
recurso ordinário. Isso porque a Rechtsbeschwerde, nos termos do § 574 do
Código de Processo Civil alemão (ZPO), é cabível não apenas com a função de
uniformização do direito, mas também quando os tribunais de segundo grau
decidem valendo-se da sua competência originária, ou seja, como órgão de
primeira instância. No caso, o Tribunal de Justiça (Oberlandesgericht) processa
e julga o Musterverfahren em primeira instância, resolvendo, como
supramencionado, questões comuns de direito ou de fato. Portanto, em tese, o
recurso em questão tem esta potencial natureza dúplice. Na prática, contudo, é
de esperar que as questões de direito tenham prevalência tanto na decisão
inicialmente adotada pelo Tribunal de Justiça, como no pronunciamento a ser
proferido pelo Bundesgerichtshof (BGH, equivalente ao Superior Tribunal de
Justiça brasileiro), composto de 128 membros.
A Rechtsbeschwerde poderá ser interposta por qualquer um dos sujeitos
processuais do procedimento-modelo (autor, réu e intervenientes). Não poderá,
entretanto, ser impugnado o pronunciamento de admissibilidade do
procedimento-piloto efetuado pelo juízo de origem.
O BGH comunicará os interessados (autores dos processos individuais
suspensos), mediante aviso público no Cadastro de Procedimentos-Padrão
(Klageregister), que terão um prazo peremptório de um mês, a contar da
comunicação, para requererem, se assim o desejarem, o ingresso na condição de
intervenientes no processo de julgamento da Rechtsbeschwerde.
No âmbito do processamento e julgamento da Rechtsbeschwerde, os
interesses das partes serão representados por condutores ou líderes,
denominados, respectivamente, de Musterrechtsbeschwerdeführer e
Musterrechtsbeschwerdegegner (parte recorrente e recorrida do procedimento-
padrão). Se o recorrente era o líder, permanecerá, como regra nesta condição,
ressalvando-se, aqui, também as possibilidades de sucessão ou substituição já
ventiladas. Mas, se o recurso foi interposto por um, ou vários, dos intervenientes
da fase anterior, será designado como condutor do recurso o que efetuara a
interposição da primeira Rechtsbeschwerde.
5.3. VINCULAÇÃO DA DECISÃO-PADRÃO (WIRKUNG DES
MUSTERENTSCHEIDS)

A questão da vinculação parece ser um ponto central5 para o procedimento


padrão, tanto para o direito alemão quanto para esta espécie de instrumento e
também para as demais que compõem o denominado Direito Processual
Coletivo. Especialmente se considerados os efeitos produzidos, em termos de
vinculação, para os que não participaram efetivamente do processo. Portanto, o
cotejo das soluções dadas no direito estrangeiro com as possibilidades existentes
no direito brasileiro pode ser muito útil para o aprofundamento do estudo e do
debate sobre o tema, que sempre foi de enorme relevância no âmbito das ações
coletivas, dos acordos coletivos e dos procedimentos-padrão, inclusive no novel
IRDR brasileiro, como se verá no momento oportuno.
A Lei do Procedimento-Modelo para os litígios no mercado de capitais
(KapMuG) é expressa, no seu § 22, no sentido de que a decisão modelo
(Musterentscheid) vincula os órgãos judiciais, em relação ao julgamento dos
processos que foram suspensos e que dependem da solução da pertinente
declaração ou interpretação da questão jurídica decidida no procedimento--
padrão6.
A decisão proferida no procedimento-padrão produzirá efeitos a favor ou
contra todos os participantes do Musterverfahren, sejam as partes principais
(Musterkläger e Musterbelagten) ou os interessados (Begeladenen). Do mesmo
modo, ficam vinculados se tiverem manifestado a desistência apenas após o
prazo definido no § 24, ou seja, de um mês após a comunicação da suspensão
dos processos.
Embora tenha adotado o efeito vinculante para todos os sujeitos processuais,
conferiu-se tratamento parcialmente diferenciado entre os que foram parte no
procedimento-padrão, ou seja, autor e réu do processo piloto (Musterkläger e
Musterbeklagten), e os interessados dos processos suspensos (Beigeladenen)7.
Em relação ao autor e réu do procedimento-padrão propriamente dito, não
houve qualquer previsão restritiva quanto à vinculação, razão pela qual a
doutrina vem apontando que o tratamento conferido foi o da coisa julgada.
Quanto aos Beigeladenen (que tiveram os seus processos individuais
suspensos por força da instauração do incidente de procedimento-modelo), a lei
alemã previu expressamente em que hipótese se poderá afastar o efeito
vinculativo nos processos individuais em face de demandado comum. Trata-se
de uma atuação viciada do autor do procedimento-modelo, se os intervenientes,
na situação e no tempo em que intervieram, foram impedidos de se pronunciar
ou utilizar dos meios processuais de ataque e defesa cabíveis ou, por
desconhecimento, tenham deixado de se valer também destes meios, que não
foram usados pela parte principal por dolo ou falta grave.

1
Vide, dentre outras referências, os seguintes trabalhos sobre o
Musterverfahren no âmbito do mercado mobiliário: BERGMEISTER,
Felix. Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz (KapMuG). Tübingen: Mohr
Siebeck, 2009; GEIGER, Caroline. Die Gruppenklage im
Kapitalmarktrecht. Tübingen: Mohr Siebeck, 2015; HALFMEIER, Axel;
ROTT, Peter; FEESS, Eberhard. Kollektiver Rechtsschutz im
Kapitalmarktrecht. Frankfurt School Verlag, 2010; HANISCH, Brigitte.
Das Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz (KapMuG). Baden-Baden:
Nomos, 2011; HEITZIG, Markus. Das Kapitalanleger-
Musterverfahrensgesetz als Lösung zur Bewältigung von Massenverfahren.
Westfälische Wilhelms-Universität, 2010; HESS, Burkhard; REUSCHLE,
Fabian; RIMMELSPACHER, Bruno (Hrsg.) Kölner Kommertar zum
KapMuG. 2. Auf. Köln: Carl Heimanns, 2014; HEUFE, Stephanie. Das
Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz (‚KapMuG‘). Berlin: Duncker &
Humblot, 2012; KESKE, Sonja E.. Group Litigation in European
Competition Law: A Law and Economics Perspective. Intersentia, 2010;
KILIAN, Thomas. Ausgewählte Probleme des Musterverfahrens nach dem
KapMuG. Baden-Baden: Nomos, 2007; KRENZER, Sina. Die Grundzüge
des deutschen Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetzes (KapMuG) & der
Fall Deutsche Telekom. GRIN Verlag, 2010; KRUPPA, Jan J.
Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz (KapMuG) – Bestandaufnahme und
Perspektiven. Hamburg: Dr. Kovac, 2011; LESER Christoph. Die
Bindungswirking des Musterentscheids nach dem
Kapitalanlegermusterverfahrensgesetz. Baden-Baden: Nomos, 2014;
PRUSSEIT, Peter. Die Bindungswirkung des Musterentscheides nach dem
KapMuG. Sierke Verlag, 2009; RAU, Carina. Das Kapitalanleger-
Musterverfahrensgesetz vor dem Hintergrund von Dispositions-und
Verhandlungsgrundsatz. Hamburg: Dr. Kovac, 2008; REUSCHLE, Fabian.
Das Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz – KapMuG: Erläuterung –
Texte – Materialien. Bundesanzeiger(Verlag), 2005; RÖSSLER, Eberhard.
Das Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz (KapMuG) unter besonderer
Berücksichtigung der rechtlichen Stellung der Beigeladenen. Hartung-
Gorre (Verlag), 2008; SCHILLING, Alexander. Das Kapitalanleger-
Musterverfahrensgesetz und die class action im Rechtsvergleich. Hamburg:
Dr. Kovac, 2010; STEINBERGER, Elisabeth. Die Gruppenklage im
Kapitalmarktrecht. Baden- Baden: Nomos, 2016; VORWERK, Volkert;
WOLF, Christian. Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz. C. H. Beck,
2007.
2
Para uma análise (crítica) em termos de adequação dos instrumentos
coletivos, inclusive da KapMuG, em relação ao sistema jurídico alemão:
GOTTWALD, Peter. Kollektiver Rechtsschutz in Deutschland – nur
KapMuG oder mehr? In: MIKROULEA Alexandra et alii (org.), Festschrift
für Nikolaos Klamaris, v. II, Atenas: Sakkoulas, 2016.
3
O cadastro é mantido junto ao Bundesanzeiger, uma espécie de imprensa
oficial, que possui diversas atribuições de registro e comunicação.
4
A interpretação desta exigência ensejou dúvida, no sentido de se saber se
precisavam ser, ao todo, dez requerimentos formulados por autores de
processos diversos ou não, ou seja, se litisconsortes do mesmo processo
poderiam ser contabilizados, individualmente, para o fim de totalizar o
número estabelecido. O Bundesgerichtshof (BGH) decidiu no sentido da
possibilidade do número ser contado por litisconsorte. Desse modo, um
único requerimento subscrito por dez litisconsortes já satisfaria o requisito
numérico. BGH, Beschluss vom 16.06.2009, NJW 2009, 2539-2541. Vide
KRUPPA, Jan J. Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz (KapMuG) –
Bestandsaufnahme und Perspektiven, cit., p. 42-43.
5
A importância do tema foi sentida por inúmeros autores alemães. Vide,
dentre outros:LESER, Christoph. Die Bindugswirkung des
Musterentscheids nach dem kapitalan- legermusterverfahrensgesetz,
Baden-Baden: Nomos, 2014. Esta obra foi concluída no final de 2008,
quando ainda vigente a redação anterior da KapMuG. Entretanto, foi
atualizada, em termos de literatura e julgados, até setembro de 2013,
recebendo ainda, na parte final, um novo capítulo, no qual se abordou a
reforma da KapMuG e o novel § 22.
6
Há grande controvérsia na doutrina alemã sobre a terminologia e a natureza
desta vinculação, especialmente em relação aos interessados, que tiveram
os seus processos suspensos. Nesse sentido: HESS, Burkhard; REUSCHLE,
Fabian; RIMMELSPACHER, Bruno. Kölner Kommentar zum KapMuG:
Gesetz über Musterverfahren in kapitalmarktrechlichen Streitigkeiten
(Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz – KapMuG), cit.; HALFMEIER,
Axel, Zur Neufassung des KapMuG und zur Verjährungshemmung bei
Prospekthaftungsanspruchüchen, Der Betrieb, n. 38, 2012, p. 2145 e ss.; e
também a obra mencionada na nota anterior.
7
HESS, Burkhard; REUSCHLE, Fabian; RIMMELSPACHER, Bruno, cit.
Capítulo 6

A GROUP LITIGATION ORDER DO DIREITO


BRITÂNICO1

O século XX termina com uma grande novidade para o direito na Inglaterra


e no País de Gales, com a aprovação e entrada em vigor de um Código de
Processo Civil, denominado Rules of Civil Procedure. Com a nova legislação,
passam os ingleses a contar com um sistema de normas escritas no âmbito do
direito processual civil, em substituição aos costumes e regras específicas
editadas pelas diversas cortes. Para a elaboração do Código, em vigor desde 26
de abril de 1999, segundo José Carlos Barbosa Moreira2, foi “dado o passo
decisivo em 1994, quando o então Lord Chancellor incumbiu eminente
magistrado, Lord Woolf of Barnes, de empreender pesquisa relativa à situação da
Justiça civil inglesa e de oferecer sugestões para melhorar-lhe o desempenho, ao
qual se irrogavam defeitos do gênero lamentados mundo afora, em tantos outros
sistemas judiciais: excessiva lentidão, custo exorbitante, desnecessária
complexidade e consequentes incertezas. O trabalho levado a cabo por Lord
Woolf achou expressão em dois relatórios sobre o acesso à Justiça, o Interim
Report de 1995 e o Final Report do ano subsequente, cujas conclusões
suscitaram, como era de esperar, reações contrastantes, variáveis entre um apoio
entusiástico e uma veemente rejeição. Entretanto, o Civil Procedure Act de 1997
anunciava o próximo advento de um código unifi-cador; e a mudança de
governo, com a ascensão dos trabalhistas ao poder, não arrefeceu o ímpeto
reformista. Designado para reexaminar o assunto, Sir Peter Middleton elaborou
novo relatório, publicado naquele mesmo ano, onde se recomendava a adoção
das soluções propostas por Lord Woolf, com algumas modificações”.
Lord Woolf, que exercia as suas funções judicantes na presidência da Seção
Civil da Court of Appeal, estava particularmente preocupado com os litígios que
causavam problemas para o sistema judiciário civil e em desenvolver novos
mecanismos que incrementassem o acesso à Justiça, e, dentro deste contexto, as
providências relacionadas com as ações denominadas multipartidárias mereciam
destaque acentuado3. As novas regras processuais deveriam, conforme
mencionado no item 2 do Capítulo 17, denominado Multi-Party Actions, do
Relatório Final do Lord Woolf, alcançar os seguintes objetivos: a) providenciar o
acesso à Justiça, quando um grande número de pessoas fosse afetado pela
conduta de outra, mas o dano individual fosse diminuto a ponto de tornar
economicamente inviável a propositura de uma ação individual; b) propiciar
métodos expeditos, efetivos e proporcionais para a resolução de casos em que os
prejuízos individuais sejam grandes o suficiente para justificar demandas
singulares, mas que não podem ser satisfatoriamente conduzidos com os
procedimentos normais, tendo em vista o número de autores e a natureza das
questões envolvidas; c) atingir um equilíbrio entre os direitos de autores e réus,
que seriam normalmente exercidos em termos de persecução e defesa, e os
interesses de um grupo para exercer, como um todo, o seu direito de ação, de
modo efetivo4.
O Código inglês de Processo Civil faz parte, na verdade, de um grande
projeto de reforma do sistema judicial civil da Inglaterra, mudança esta que vem
sendo apregoada como a maior dos últimos cem anos5 e que, com a edição do
novo estatuto, completou a sua primeira e mais importante fase. As Rules of
Civil Procedure encontram-se dispostas em partes, além de disposições
complementares, como Schedules, Index e um glossário. Para cada parte há,
também, uma respectiva diretriz prática (practice direction), que, muitas vezes,
serve, expressamente, como complemento para as rules.
Mas o Código de Processo Civil inglês não representou uma inovação
apenas para os ingleses ou para a common law. O novo estatuto, refletindo as
preocupações contidas nos relatórios de Lord Woolf, fez questão de incorporar
no seu texto normas expressamente dispostas sobre demandas coletivas,
principalmente concentradas na Part 19, sob a denominação de parties andgroup
litigation. O título encontra-se subdividido em três seções específicas, além da
Norma 19.1, que se pretende geral: addition and substitution of parties,
representative parties e group litigation.
As Seções II e III estão diretamente relacionadas com o tema da tutela
coletiva, embora apenas a última seja, de fato, uma inovação no direito inglês.
As disposições relacionadas com as representative parties marcam a
continuidade das representative actions, havendo grandes semelhanças entre as
normas anteriormente inscritas na Order 5, Rules 12 e 13, das Rules of the
Supreme Court, e os preceitos agora previstos nas Regras 19.66 e 19.77.
respectivamente, das Rules of Civil Procedure.
A Seção III, do Título 19, das Rules of Civil Procedure é toda destinada à
group litigation, embora haja, também, normas relacionadas com o processo
coletivo em outras partes do Código, como, v.g., a prevista na Regra 48.6A (5),
que diz respeito às custas judiciais. Registre-se, também, que a Practice
Direction 19b, destinada à complementação das regras contidas no Código,
relacionada com os litígios de grupo, é extremamente importante, sob o aspecto
normativo, não se limitando, portanto, a regulamentar as normas previstas no
estatuto processual, razão pela qual deve ser vista e estudada em conjunto com
as rules. Todavia, encontram-se nas practice directions, tão somente, preceitos
relacionados com os litígios de grupo em que os interesses coletivos, em sentido
estrito, são pleiteados no polo ativo, embora, pelo Código, seja possível a
presença multi-individual também na parte demandada. Nesse caso, as cortes
devem formular, quando necessário, as diretrizes cabíveis.8
Segundo as Regras 19.109 e 19.11 (1)10 do Código de Processo Civil inglês,
um caso pode receber o tratamento de litígio coletivo – Group Litigation Order
(GLO) – sempre que houver pretensões fundadas ou que contenham questões, de
fato ou de direito, comuns ou relacionadas (GLO issues). O procedimento
coletivo pode ser determinado de ofício pelo órgão judicial11 ou requerido pela
parte12, devendo haver, todavia, consulta prévia ao Serviço de Informação sobre
Ações Coletivas da Law Society, para se aferir sobre a existência de outros casos
relacionados com as questões comuns sugeridas.13 E, caso a autorização para o
processamento coletivo seja concedida, devem ser enviadas cópias da decisão
judicial (order), que a admitiu, para a Law Society e para o Senior Master da
Queen’s Bench Division of the Royal Courts of Justice, com o intuito de se dar
conhecimento e publicidade sobre a existência da respectiva demanda coletiva,
nos termos da diretriz prática nº 11 sobre group litigation. Não há, entretanto,
qualquer imposição apriorística e absoluta no sentido de se proceder à
notificação das demais pessoas interessadas. Assim sendo, poderão as cortes agir
com discrição na avaliação pertinente à necessidade e à viabilidade da
notificação. A imposição ou não da obrigatoriedade quanto à comunicação será,
como consta dos itens 47 a 50 do relatório final do Lord Woolf, decidida no caso
concreto, levando-se em consideração fatores como a sistemática adotada em
relação à vinculação dos efeitos (opt-out ou opt-in), a dimensão do grupo, o
valor individual das pretensões, os custos estimados para a notificação etc.14.
Não obstante as observações contidas no relatório Woolf, as Rules of Civil
Procedure acabaram adotando e regulando, principalmente, o sistema do opt-in,
centrado na adoção de um registro15, junto à management court, de pretensões
que seriam inscritas no referido assentamento e que, por conseguinte, ficariam
vinculadas ao julgamento da questão comum. Observe-se, no entanto, que,
embora estabelecido o regime sob a forma de opt-in, as possibilidades de
atrelamento são muito mais amplas do que as adotadas nos sistemas ordinários
de inclusão. Isso porque a vinculação ocorre, de regra, em relação às pretensões
que se encontram registradas no momento do julgamento, mas podem ser
estendidas, também, a casos que sejam posteriormente inscritos, se a corte assim
determinar, como consta na Regra 19.12 (1) do Código de Processo Civil16.
Entretanto, a corte poderá estabelecer um prazo para que se efetue,
independentemente de permissão específica, o registro de pretensões calcadas na
mesma questão comum17.
As novas regras são extremamente flexíveis em vários sentidos e conferem
amplos poderes aos juízes18. Em primeiro lugar, há que se destacar que o
processo pode conter questões predominantemente coletivas e outras de natureza
individual, sendo possível, portanto, a repartição do procedimento tendo em
vista estas peculiaridades. Ou ainda, como previsto na Rule 19.15,19 pode haver a
determinação pela Corte para que haja um processo teste ou modelo (test claim),
cujo resultado possui, a priori, efeito vinculante em relação às demais demandas
previamente registradas. As questões comuns ou as ações de ensaio devem ser
processadas e julgadas por um determinado órgão judicial (management court),20
que ficará prevento para, inclusive, efetuar, também, o registro de pretensões
individuais relacionadas com a common question ou com a test claim. Todavia,
as questões individuais são normalmente julgadas por tribunais locais, levando
em consideração a decisão coletiva ou o resultado da ação de ensaio e eventuais
diretrizes formuladas pela management court.21
Por fim, cabe assinalar, ainda, que o estatuto processual inglês fez questão
de regular, na Regra 48.6A (costs where the court has made a grouplitigation
order), com detalhes, o problema da repartição das custas, diante da formulação
de questões coletivas e individuais.22

1
O presente capítulo tomou como base o que foi anteriormente exposto em
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de
resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 4. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, item 3.2.
2
Uma novidade: o Código de Processo Civil inglês, p. 180.
3
Na Introdução ao Capítulo 17 do Final Report, afirmou Lord Woolf: “The
second part of my Inquiry was partly intended to deal with types of
litigation causing particular problems for the system of civil justice. It was
also designed to examine specific developments which would further access
to justice. Clearly the arrangements for multi-party actions must be near
the top of the list in both respects”.
4
“The new procedures should achieve the following objectives: (a) provide
access to justice where large numbers of people have been affected by
another’s conduct, but individual loss is so small that it makes an individual
action economically unviable; (b) provide expeditious, effective and
proportionate methods of resolving cases, where individual damages are
large enough to justify individual action but where the number of claimants
and the nature of the issues involved mean that the cases cannot be
managed satisfactorily in accordance with normal procedure; (c) achieve a
balance between the normal rights of claimants and defendants, to pursue
and defend cases individually, and the interests of a group of parties to
litigate the action as a whole in an effective manner.”
5
Nesse sentido são as palavras do Lord Chancellor, no prefácio atualizado do
Código: “On 26th April 1999, I introduced the most fundamental change to
the civil justice system in England and Wales for over 100 years. This first
phase of the civil justice reforms introduced a unified code of civil
procedure applicable to all civil courts, ending unnecessary distinctions of
practice and procedure between the High Court and the county courts”.
6
“(1) Where more than one person has the same interest in a claim – (a) the
claim may be begun; or (b) the court may order that the claim be continued,
by or against one or more of the persons who have the same interest as
representatives of any other persons who have that interest. (2) The court
may direct that a person may not act as a representative. (3) Any party may
apply to the court for an order under paragraph (2). (4) Unless the court
otherwise directs any judgment or order given in a claim in which a party is
acting as a representative under this rule – (a) is binding on all persons
represented in the claim; but (b) may only be enforced by or against a
person who is not a party to the claim with the permission of the court. (5)
This rule does not apply to a claim to which rule 19.7 applies.”
7
“(1) This rule applies to claims about – (a) the estate of a deceased person;
(b) property subject to a trust; or (c) the meaning of a document, including a
statute. (2) The court may make an order appointing a person to represent
any other person or persons in the claim where the person or persons to be
represented – (a) are unborn; (b) cannot be found; (c) cannot easily be
ascertained; or (d) are a class of persons who have the same interest in a
claim and – (i) one or more members of that class are within subparagraphs
(a), (b) of (c); or (ii) to appoint a representative would further the overriding
objective. (3) An application for an order under paragraph (2) – (a) may be
made by – (i) any person who seeks to be appointed under the order; or (ii)
any party to the claim; and (b) may be made at any time before or after the
claim has started. (4) An application notice for an order under paragraph (2)
must be served on – (a) all parties to the claim, if the claim has started; (b)
the person sought to be appointed, if that person is not the applicant or a
party to the claim; and (c) any other person as directed by the court. (5) The
court’s approval is required to settle a claim in which a party is acting as a
representative under this rule. (6) The court may approve a settlement
where it is satisfied that the settlement is for the benefit of all the
represented persons. (7) Unless the court otherwise directs, any judgment or
order given in a claim in which a party is acting as a representative under
this rule – (a) is binding on all persons represented in the claim; but (b) may
only be enforced by or against a person who is not a party to the claim with
the permission of the court.”
8
Practice Direction 19b, n. 1.
9
“A Group Litigation Order (GLO) means an order made under rule 19.11 to
provide for the case management of claims which give rise to common or
related issues of fact or law (the ‘GLO issues’).”
10
“The court may make a GLO where there are or are likely to be a number of
claims giving rise to the GLO issues.”
11
Practice Direction 19b, GLO made by court of its own initiative, n. 4:
“Subject to obtaining the appropriate consent referred to in paragraph 3.3
and the procedure set out in paragraph 3.4, the court may make a GLO of
its own initiative. (CPR 3.3 deals with the procedure that applies when a
court proposes to make an order of its own initiative)”.
12
Practice Direction 19b, n. 3.1: “An application for a GLO must be made in
accordance with CPR Part 23, may be made at any time before or after any
relevant claims have been issued and may be made either by a claimant or
by a defendant”.
13
Practice Direction 19b, preliminary steps, n. 2: “Before applying for a
Group Litigation Order (‘GLO’) the solicitor acting for the proposed
applicant should consult the Law Society’s Multi Party Action Information
Service in order to obtain information about other cases giving rise to the
proposed GLO issues”.
14
“47. If members of a group are to opt out, or to join the register, they must
know about the multi-party action. Notice may also be necessary at various
other times throughout the course of the proceedings, e.g., determination of
generic issues; on settlement. In reaching the decision on notice the court
must have in mind the cost of such notice and its usefulness: in some cases
notice may be so expensive as to be disproportionate to the costs and
benefits of the litigation, or it may not serve a useful purpose. 48. In a
multi-party action where there are many claims, each of which is small,
there is little to recommend in a rule making notice to each potential
claimant mandatory. The costs of identifying potential claimants, and
preparing and sending the notice, will make the litigation as a whole
uneconomic. In any event, where such claimants receive the notice and
choose to opt out, they will receive nothing. Because with small claims it is
uneconomic for them to litigate individually, they will almost invariably
remain members of the group. In the United States, in small claims group
actions, very few of the tens of thousands – in some cases millions – of
potential claimants actually notified choose to opt out. Accordingly, courts
must have the discretion to dispense with notice enabling parties to opt out
having regard to factors such as the cost, the nature of the relief, the size of
individual claims, the number of members of a group, the chances that
members will wish to opt out and so on. 49. Once the claims become more
substantial, however, individual notice is economically possible. It is
difficult to set a figure and the matter must be left to judicial discretion,
taking into account the factors I have already mentioned. Yet even if the
court decides that notice must be given to members of a group, it should
have a discretion as to how this is to be done – individual notification,
advertising, media broadcast, notification to a sample group, or a
combination of means, or different means for different members of the
group. In each case the court must take into account the likely cost and
benefit before deciding on the course of action. 50. The court should have a
discretion to order by whom the advertising should be undertaken. The Law
Society’s working party recommended that the Law Society should provide
further guidance to solicitors on advertisements placed in the early stages
prior to the establishment of a group action. I welcome that. The Law
Society also recommended that the timing and placement of subsequent
advertisements should be approved by the court. There is also a need to
approve the content of the advertisements and for the court to decide on the
appropriate body who should place the advertisement – either the lead
solicitor, the Law Society itself with its substantial media expertise, the
Legal Aid Board or the court itself.”
15
Practice Direction 19b, The group register, n. 6.1: “Once a GLO has been
made a Group Register will be established on which will be entered such
details as the court may direct of the cases which are to be subject to the
GLO”.
16 “19.12 – Effect of the GLO: (1) Where a judgment or order is given or
made in a claim on the group register in relation to one or more GLO issues
– (a) that judgment or order is binding on the parties to all other claims that
are on the group register at the time the judgment is given or the order is
made unless the court orders otherwise; and (b) the court may give
directions as to the extent to which that judgment or order is binding on the
parties to any claim which is subsequently entered on the group register.”
17
Practice Direction 19b, Cut-off dates, n. 13: “The management court may
specify a date after which no claim may be added to the Group Register
unless the court gives permission. An early cut-off date may be appropriate
in the case of ‘instant disasters’ (such as transport accidents). In the case of
consumer claims, and particularly pharmaceutical claims, it may be
necessary to delay the ordering of a cut-off date”.
18
Como afirma Christopher Hodges, no texto Multi-party actions: a European
approach: “The primary virtue of this approach is, therefore, its flexibility.
The Rule enables all similar cases to be transferred to a single management
court and to be managed in a consistent, but not necessarily identical,
fashion. The Rule is an enabling mechanism and leaves extensive discretion
to the managing judge. It may be, for example, that individual cases are not
resolved together, or that the result in a small number of test cases does in
fact bind all the others. The English Rule adopts a minimalist procedural
approach: all, it is suggested, that is necessary”.
19
“(1) Where a direction has been given for a claim on the group register to
proceed as a test claim and that claim is settled, the management court may
order that another claim on the group register be substituted as the test
claim. (2) Where an order is made under paragraph (1), any order made in
the test claim before the date of substitution is binding on the substituted
claim unless the court orders otherwise.”
20
“19.11 – Group Litigation Order: (1) (…). (2) A GLO must – (a) contain
directions about the establishment of a register (the “group register”) on
which the claims managed under the GLO will be entered; (b) specify the
GLO issues which will identify the claims to be managed as a group under
the GLO; and (c) specify the court (the “management court”) which will
manage the claims on the group register. (3) A GLO may – (a) in relation to
claims which raise one or more of the GLO issues – (i) direct their transfer
to the management court; (ii) order their stay (GL) until further order; and
(iii) direct their entry on the group register; (b) direct that from a specified
date claims which raise one or more of the GLO issues should be started in
the management court and entered on the group register; and (c) give
directions for publicising the GLO.”
21
Nesse sentido, encontra-se previsto na Practice Direction – Group
Litigation: “15.1 The management court may give directions – (1) for the
trial of common issues; and (2) for the trial of individual issues. 15.2
Common issues and test claims will normally be tried at the management
court. Individual issues may be directed to be tried at other courts whose
locality is convenient for the parties”.
22
“(1) This rule applied where the court has made a Group Litigation Order
(GLO). (2) In this rule – (a) ‘individual costs’ means costs incurred in
relation to an individual claim on the group register; (b) ‘common costs’
means – (i) costs incurred in relation to the GLO issues; (ii) individual costs
incurred in a claim while it is proceeding as a test claim, and (iii) costs
incurred by the lead solicitor in administering the group litigation; and (c)
‘group litigant’ means a claimant or defendant, as the case may be, whose
claim is entered on the group register. (3) Unless the court orders otherwise,
any order for common costs against group litigants imposes on each group
litigant several liability(GL) for an equal proportion of those common costs.
(4) The general rule is that where a group litigant is the paying party, he
will, in addition to any costs he is liable to pay to the receiving party, be
liable for – (a) the individual costs of his claim; and (b) an equal proportion,
together with all the other group litigants, of the common costs. (5) Where
the court makes an order about costs in relation to any application or
hearing which involved – (a) one or more GLO issues; and (b) issues
relevant only to individual claims, the court will direct the proportion of the
costs that is to relate to common costs and the proportion that is to relate to
individual costs. (6) Where common costs have been incurred before a
claim is entered on the group register, the court may order the group litigant
to be liable for a proportion of those costs. (7) Where a claim is removed
from the group register, the court may make an order for costs in that claim
which includes a proportion of the common costs incurred up to the date on
which the claim is removed from the group register. (Part 19 sets out rules
about group litigation)”.
A exposição histórica em torno da elaboração do instituto do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas é importante, especialmente por dois
motivos. O primeiro, naturalmente, diz respeito à documentação e perpetuação
de todo o processo prévio e legislativo que resultou na criação do IRDR. O
segundo, que decorre do primeiro, está relacionado ao fornecimento de
elementos que propiciem a melhor compreensão do instituto, a partir de uma
interpretação autêntica e sistemática.

7.1. A FORMULAÇÃO DA PROPOSIÇÃO NA COMISSÃO DE


JURISTAS, O (ANTE)PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL E O TEXTO APROVADO NO SENADO
FEDERAL

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, como mencionado


anteriormente, surgiu na Comissão de Juristas designada pelo Senado Federal
para a elaboração do Anteprojeto de novo Código de Processo Civil. Logo no
início dos trabalhos, sob a presidência de Luiz Fux, estabeleceu-se que cada
integrante formularia proposições para serem debatidas. A proposta do instituto
foi apresentada na Comissão por Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, tendo recebido,
inicialmente, a denominação de Incidente de Coletivização. A ideia, acolhida
pela Comissão, buscava estabelecer um mecanismo que pudesse ser utilizado a
partir da primeira instância, sempre que identificada controvérsia com potencial
de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de
direito e de causar grave insegurança jurídica. Pretendia-se o fortalecimento do
precedente, sucedendo, mas diferenciando-se, contudo, do incidente de
uniformização de jurisprudência, do Código de Processo Civil de 1973.
No primeiro documento público em que foram expostas as proposições
formuladas pela Comissão, o novo instituto já assumia uma posição de destaque:

“Tendo como premissa esse objetivo, construiu-se a proposta de


instituição de um incidente de coletivização dos denominados litígios
de massa, o qual evitará a multiplicação das demandas, na medida em
que o seu reconhecimento numa causa representativa de milhares de
outras idênticas, imporá a suspensão de todas, habilitando o
magistrado na ação primeira, dotada de amplíssima defesa, com todos
os recursos previstos nas leis processuais, proferir uma decisão com
largo espectro, definindo o direito controvertido de tantos quantos se
encontram na mesma situação jurídica, trazendo uma solução de
mérito consagradora do princípio da isonomia constitucional.”1

O texto acima poderia sugerir que o novo instituto seria semelhante ao


Musterverfahren (procedimento-modelo) adotado na Alemanha no âmbito do
direito público (nos ramos da Administração Pública e da Previdência e
Assistência Social), que é processado e julgado, inicialmente, pelo próprio órgão
de primeiro grau.
Em junho de 2010, veio a lume o texto do Anteprojeto de novo CPC,
confirmando a inspiração alemã, mas dentro de um regramento
significativamente mais próximo do sistema adotado para o Musterverfahren do
mercado de capitais, introduzido com a KapMuG, em 2005, como se pode
observar na respectiva exposição de motivos:

Proporcionar legislativamente melhores condições para


operacionalizar formas de uniformização do entendimento dos
Tribunais brasileiros acerca de teses jurídicas é concretizar, na vida da
sociedade brasileira, o princípio constitucional da isonomia. Criaram-
se figuras, no novo CPC, para evitar a dispersão18 excessiva da
jurisprudência. Com isso, haverá condições de se atenuar o
assoberbamento de trabalho no Poder Judiciário, sem comprometer a
qualidade da prestação jurisdicional. Dentre esses instrumentos, está a
complementação e o reforço da eficiência do regime de julgamento de
recursos repetitivos, que agora abrange a possibilidade de suspensão
do procedimento das demais ações, tanto no juízo de primeiro grau,
quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais, que estejam
tramitando nos tribunais superiores, aguardando julgamento,
desatreladamente dos afetados. Com os mesmos objetivos, criou-se,
com inspiração no direito alemão,19 o já referido incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de
processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam
ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta.20 O
incidente de resolução de demandas repetitivas é admissível quando
identificada, em primeiro grau, controvérsia com potencial de gerar
multiplicação expressiva de demandas e o correlato risco da
coexistência de decisões conflitantes. É instaurado perante o Tribunal
local, por iniciativa do juiz, do MP, das partes, da Defensoria Pública
ou pelo próprio Relator. O juízo de admissibilidade e de mérito
caberão ao tribunal pleno ou ao órgão especial, onde houver, e a
extensão da eficácia da decisão acerca da tese jurídica limita-se à área
de competência territorial do tribunal, salvo decisão em contrário do
STF ou dos Tribunais superiores, pleiteada pelas partes, interessados,
MP ou Defensoria Pública. Há a possibilidade de intervenção de amici
curiae. O incidente deve ser julgado no prazo de seis meses, tendo
preferência sobre os demais feitos, salvo os que envolvam réu preso ou
pedido de habeas corpus. O recurso especial e o recurso extraordinário,
eventualmente interpostos da decisão do incidente, têm efeito
suspensivo e se considera presumida a repercussão geral, de questão
constitucional eventualmente discutida. Enfim, não observada a tese
firmada, caberá reclamação ao tribunal competente”.2

A configuração inicial do IRDR revela a criação de um instituto novo, que,


embora tenha recebido a inspiração alemã, assumia características próprias, com
a conjugação de instrumentos nacionais e a introdução de aspectos genuínos.
No ordenamento brasileiro, pode-se assinalar que o Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas complementa o sistema de julgamento de litígios
seriados que foi inaugurado, respectivamente em 2006 e 2008, com os recursos
extraordinários e especiais repetitivos. Estes mecanismos careciam de solução
que propiciasse economia mais efetiva para toda a estrutura jurisdicional, em
especial para o primeiro e segundo graus de jurisdição, que continuavam tendo
que julgar de modo atomizado e anti-isonômico as demandas de massa e as
questões comuns. Nesse sentido, o art. 848 do anteprojeto, na essência
reproduzido no texto final do art. 928 do CPC, já apontava para um sistema de
julgamento de casos repetitivos, ainda que algumas peculiaridades fossem
mantidas para cada uma das espécies (IRDR e recursos repetitivos).
Em segundo lugar, o antigo Incidente de Uniformização de Jurisprudência
era, de certo modo, sucedido pelo IRDR, no anteprojeto, e depois também pelo
Incidente de Assunção de Competência (IAC). Mas, o projetado Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas incorporava ainda a sistemática de outro
mecanismo já conhecido do ordenamento jurídico brasileiro: o Incidente de
Declaração de Inconstitucionalidade, especialmente no que dizia respeito ao
procedimento de fracionamento do julgamento em duas fases: a) o órgão judicial
fracionário ou de primeiro grau suscitariam o incidente e, depois de apreciado o
seu mérito, efetuariam o julgamento do caso concreto; b) o órgão mais amplo do
tribunal, inicialmente o plenário ou o órgão especial (na redação final, o que
fosse definido pelo regimento interno), apreciaria a admissibilidade e o mérito
do incidente, que seria concentrado na resolução da “questão jurídica”, com a
fixação da “tese jurídica”. Por fim, haveria semelhança quanto à suspensão do
processo, que ficaria aguardando a apreciação do incidente, e no efeito
vinculativo do julgamento proferido no incidente, pois o órgão originário ficaria
adstrito ao posicionamento adotado na resolução do incidente.
A técnica do incidente de declaração de inconstitucionalidade, na versão do
IRDR, seria, contudo, ampliada nas suas potencialidades, principalmente quanto
a dois aspectos: a) seria adotada também diante de processos que estivessem
tramitando no juízo de primeiro grau; b) contra a decisão proferida no IRDR,
caberia diretamente a interposição dos recursos especial e extraordinário.
O anteprojeto da Comissão de Juristas foi convertido no Projeto de Lei nº
166, de 2010, tendo sido o teor do texto referente ao Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas, praticamente, mantido3 na sua integralidade, na versão
que foi aprovada, em primeiro turno, no Senado Federal.

7.2. A VERSÃO DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS


REPETITIVAS NO TEXTO APROVADO NA CÂMARA DOS
DEPUTADOS4

No substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados, houve modificações


significativas em relação ao texto anteriormente aprovado no Senado Federal.
A primeira dela foi quanto ao afastamento do caráter, de certo modo,
preventivo, que estava presente na versão anterior, pois o incidente seria cabível
“sempre que identificada controvérsia com potencial de gerar relevante
multiplicação de processos”. No texto da Câmara, passou-se a exigir “efetiva
repetição de processos”. Esta primeira mudança no texto, por si só, não ensejou
maiores resistências, tanto que foi posteriormente mantida, como se verá
oportunamente, na redação final aprovada no Senado Federal.
Houve significativa redução no campo de cabimento e de aplicação do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas em razão (a) da exclusão do
juiz do rol de legitimados para suscitar o incidente; (b) do incidente somente
poder ser provocado na pendência de processo no tribunal, afastando-se o
cabimento do incidente enquanto não houver processo, tramitando no tribunal,
que contenha a controvérsia sobre a questão comum de direito.
No que diz respeito à legitimação, se, por um lado, houve a exclusão do juiz
de primeiro grau, por outro, a redação da Câmara ampliou a relação, para incluir
a pessoa jurídica de direito público e a associação civil cuja finalidade
institucional inclua a defesa do interesse ou direito objetivo do incidente. Esta
ampliação, entretanto, não subsistiu na redação final aprovada no Senado
Federal.
Importante acréscimo realizado na Câmara, mas que não perdurou no texto
que acabou sendo chancelado no Senado, foi o da suspensão da prescrição em
relação às pretensões pertinentes à questão de direito submetida ao IRDR. A
previsão, como se verá oportunamente, que se encontra presente, com
peculiaridades, também no procedimento-modelo do mercado de capitais no
ordenamento alemão, parece ser uma peça importante dentro do sistema de
julgamento de causas repetitivas, para que o incidente de resolução da questão
comum possa alcançar o seu objetivo pleno. Se devidamente divulgada a sua
pendência e a desnecessidade do ajuizamento das demandas repetitivas, em
razão da suspensão do lapso prescricional, parece ser indubitável que a medida
seria um grande estímulo no sentido de se conter o ajuizamento em massa
durante a pendência do IRDR.
Por outro lado, na Câmara foram incorporadas importantes regras que
acabaram se mantendo no texto definitivo, como: a) a da possibilidade de ser
novamente suscitado incidente anteriormente inadmitido por falta de
pressuposto, desde que este esteja presente na reiteração; b) a do descabimento
do incidente quando a questão de direito já estiver afetada para decisão em
recurso extraordinário ou especial repetitivo; c) a isenção de custas no IRDR.
Quanto ao prazo para o julgamento do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, o lapso de seis meses foi ampliado para um ano, que se manteve na
redação final, sendo, de fato, mais consentâneo com a realidade dos tribunais no
âmbito nacional.
Por fim, mas não menos importante foi a inclusão feita na Câmara dos
Deputados, no sentido de se estabelecer que a tese jurídica fixada a partir do
julgamento do incidente seria aplicada a todos os processos que tramitem na área
do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais
do respectivo Estado ou região. A sugestão de inclusão, que foi apresentada pela
Comissão Permanente de Processo Civil da Associação dos Juízes Federais
(AJUFE), possui grande alcance, considerando o excessivo volume de processos
que tramitam no âmbito dos juizados especiais5. Entretanto, a proposta era mais
ampla, pois atribuía aos próprios órgãos dos juizados especiais a competência
para a apreciação do IRDR, compatibilizando-se, assim, com a respectiva
estrutura e competência6.

7.3. O IRDR NA REDAÇÃO FINAL APROVADA NO SENADO


FEDERAL E NO TEXTO SANCIONADO

A análise detalhada da redação final aprovada se fará ao longo dos próximos


capítulos. Cabe, neste momento, apenas assinalar que a modificação mais
sensível efetuada por ocasião da aprovação final no Senado Federal foi quanto à
concepção pretendida pela Câmara dos Deputados, no sentido de condicionar o
cabimento do Incidente de Resolução de Demandas repetitivas à existência de
processo em tramitação no tribunal de segundo grau. Como já apontado, esta
visão já se contrapunha ao anteprojeto redigido pela Comissão de Juristas, bem
como à versão aprovada em primeiro turno no Senado.
Ressalte-se que o objetivo do IRDR estava focado na economia processual,
na isonomia, na segurança jurídica e na busca da duração razoável dos
processos. Em princípio, para que estes objetivos já pudessem se sentir, de modo
mais direto, em todo o Poder Judiciário, pretendia-se a sua utilização de modo
mais amplo, o que seria atingido se o incidente pudesse ser acionado mais
rapidamente, ou seja, a partir da multiplicação em primeiro grau, sem a
necessidade de se aguardar que chegassem aos tribunais de segundo grau, seja
por força de ação originária ou de recurso.
O tema foi enfrentado, com destaque, no parecer final apresentado pelo
Relator no Senado Federal7, concluindo no sentido de que:

Os §§ 1º, 2º e 3º do art. 988 do SCD desfiguram o incidente de


demandas repetitivas. Com efeito, é nociva a eliminação da
possibilidade da sua instauração em primeira instância, o que prolonga
situações de incerteza e estimula uma desnecessária multiplicação de
demandas, além de torná-lo similar à hipótese de uniformização de
jurisprudência.

Na verdade, os supramencionados8 §§ 1º e 2º, do art. 988 do Substitutivo da


Câmara dos Deputados (SCD), foram, de fato, excluídos do texto, enquanto o §
3º teve a sua redação deslocada para outro artigo e alterada, para reincluir o juiz
no rol dos que poderiam suscitar o incidente.
Registre-se que houve a supressão de parte dos legitimados arrolados no
dispositivo do substitutivo da Câmara (pessoa jurídica de direito público e
associação civil cuja finalidade institucional inclua a defesa do interesse ou
direito objeto do incidente) sem que houvesse motivação explicitada no parecer
final subscrito pelo relator.
Duas outras significativas modificações foram sentidas no texto final, em
relação ao teor do projeto aprovado na Câmara dos Deputados.
A primeira foi a que introduziu o parágrafo único no art. 978 do novo
Código de Processo Civil. Estabeleceu-se que o órgão colegiado incumbido de
julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a
remessa necessária ou o processo de competência originária. Este dispositivo
vem sendo objeto de grande controvérsia, a começar pela sua
constitucionalidade formal e material9. No âmbito formal do processo
legislativo, porque a norma não constava em nenhum dos textos anteriormente
aprovados, respectivamente no Senado Federal ou na Câmara dos Deputados,
embora, no parecer final, se tenha afirmado que já estivesse implícita na redação
do SCD. Sob o prisma material, a norma afrontaria o disposto no art. 96, I, a, da
Constituição da República, na medida em que esta teria previsto que compete
privativamente aos tribunais a elaboração dos seus regimentos internos,
dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos
jurisdicionais e administrativos. É de se notar que o próprio parecer final do
Senado, em referência a outro dispositivo10, foi enfático, ao afirmar que
“desborda de seus limites quando invade, com muita intensidade, autonomia de
organização interna do tribunal por meio do regimento interno”. No plano
material, porque a norma estaria em afronta ao art. 96, inciso I, da Constituição
da República, que atribui privativamente aos tribunais a elaboração dos seus
regimentos internos, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos
respectivos órgãos jurisdicionais. Portanto, não caberia ao CPC a fixação de
competência interna dos tribunais.
A outra alteração significativa foi a supressão da norma pertinente à
suspensão da prescrição das pretensões, nos casos em que se repete a questão de
direito. A justificativa apresentada11 foi “que tal matéria é afeta ao Direito Civil e
em razão de a suspensão da prescrição perdurar durante a tramitação do processo
nos termos do parágrafo único do art. 202 do Código Civil. Não é oportuno
inserir, na norma processual, um dispositivo que poderá conflitar com esse
dispositivo do Código Civil”. O relator parece ter incorrido em equívoco. Isso
porque a previsão contida no SCD diz respeito à suspensão da prescrição das
pretensões, abrangendo, portanto, aquelas que ainda não tenham sido
demandadas. Como supramencionado12, a norma poderia ter um elevado alcance,
tornando desnecessário, e talvez improvável, o ajuizamento de inúmeras
demandas, enquanto estiver pendente o respectivo Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas (IRDR), propiciando enorme economia para o Poder
Judiciário e para as partes, especialmente nas hipóteses em que o resultado for
desfavorável às pretensões. Por sua vez, o argumento topográfico, pertinente ao
Código Civil, é completamente insuficiente, pois: a) a pureza material nunca foi
absoluta; pelo contrário, a história demonstra a reiterada prática no sentido do
cruzamento de normas entre os respectivos estatutos; b) a norma teria relação
direta com o novo instituto processual criado, sendo natural, portanto, que
disciplinasse os efeitos decorrentes da sua utilização, como efetuado, por
exemplo, pelo legislador alemão na lei sobre o procedimento-modelo nos
conflitos relacionados ao direito do mercado mobiliário13 – Gesetz über
Musterverfahren in kapitalmarktrechtlichen Streitigkeiten (Kapitalanleger-
Musterverfahrensgesetz – KapMuG).
Por fim, ainda quanto ao processo legislativo, mas na sua etapa final, ou
seja, quando da sanção presidencial, há que se apontar a modificação realizada, a
título de revisão de redação, no texto aprovado no Senado Federal, que acabou
sendo encaminhado ao Poder Executivo, no art. 977, com repercussão no art.
986, do Código de Processo Civil. Na redação aprovada, o art. 977,14 que tratava
dos legitimados para suscitar o incidente, continha dois incisos, ipsis litteris: “I –
pelo juiz ou relator, por ofício; II – pelas partes, pelo Ministério Público ou pela
Defensoria Pública”. Entretanto, o texto que passou por “revisão de redação”, foi
submetido ao Executivo e acabou sendo sancionado e publicado continha os
seguintes três incisos: “I – pelo juiz ou relator, por ofício; II – pelas partes, por
petição; III – pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição”.
Por sua vez, o artigo que correspondia (983), no parecer final aprovado, ao
disposto no art. 986, fazia referência ao então inciso II, que compreendia as
partes, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Entretanto, a reestruturação
realizada, após a aprovação final no Senado, não foi seguida no art. 986, que
atribui a legitimidade para o requerimento de revisão da tese firmada em IRDR
apenas aos legitimados mencionados no inciso III (limitados ao Ministério
Público e à Defensoria Pública). A revisão operada extrapolou, portanto, os
limites do poder de revisão, alterando o alcance da norma, em afronta ao
processo legislativo, devendo-se assegurar, não apenas em razão desta
inconstitucionalidade formal, mas também, como decorrência do princípio do
acesso à justiça e da inafastabilidade da prestação jurisdicional, a legitimidade
das partes em relação ao procedimento de revisão das teses firmadas em sede de
julgamento de questões comuns (repetitivas), tanto no âmbito do IRDR como no
dos recursos repetitivos15.

1
O documento, subscrito pelo presidente da Comissão, Luiz Fux e datado de
janeiro de 2010, encontra-se disponível em:
<https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/1a_e_2a_Reuniao_PARA_grafica.pdf
acessado em 03.11.2016.
2
BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas,
Código de Processo Civil: anteprojeto. Brasília: Senado Federal, 2010.
Seguem as notas mencionadas na transcrição: “18 A preocupação com essa
possibilidade não é recente. Alfredo Buzaid já aludia a ela, advertindo que
há uma grande diferença entre as decisões adaptadas ao contexto histórico
em que proferidas e aquelas que prestigiam interpretações contraditórias da
mesma disposição legal, apesar de iguais as situações concretas em que
proferidas. Nesse sentido: “Na verdade, não repugna ao jurista que os
tribunais, num louvável esforço de adaptação, sujeitem a mesma regra a
entendimento diverso, desde que se alterem as condições econômicas,
políticas e sociais; mas repugna-lhe que sobre a mesma regra jurídica deem
os tribunais interpretação diversa e até contraditória, quando as condições
em que ela foi editada continuam as mesmas. O dissídio resultante de tal
exegese debilita a autoridade do Poder Judiciário, ao mesmo passo que
causa profunda decepção às partes que postulam perante os tribunais
(Uniformização de Jurisprudência. Revista da Associação dos Juízes do Rio
Grande do Sul, 34/139, jul. 1985). 19 No direito alemão a figura se chama
Musterverfahren e gera decisão que serve de modelo (= Muster) para a
resolução de uma quantidade expressiva de processos em que as partes
estejam na mesma situação, não se tratando necessariamente, do mesmo
autor nem do mesmo réu. (Ralf-Thomas Wittmann. Il ‘contenzioso di
massa’ in Germania, in: Giorgetti Alessandro e Valerio Vallefuoco, Il
Contenzioso di massa in Italia, in Europa e nel mondo, Milão: Giuffrè,
2008, p. 178). 20 Tais medidas refletem, sem dúvida, a tendência de
coletivização do processo, assim explicada por Rodolfo de Camargo
Mancuso: “Desde o último quartel do século passado, foi tomando vulto o
fenômeno da ‘coletivização’ dos conflitos, à medida que, paralelamente, se
foi reconhecendo a inaptidão do processo civil clássico para
instrumentalizar essas megacontrovérsias, próprias de uma conflitiva
sociedade de massas. Isso explica a proliferação de ações de cunho
coletivo, tanto na Constituição Federal (arts. 5º, XXI; LXX, ‘b’; LXXIII;
129, III) como na legislação processual extravagante, empolgando
segmentos sociais de largo espectro: consumidores, infância e juventude;
deficientes físicos; investidores no mercado de capitais; idosos; torcedores
de modalidades desportivas, etc. Logo se tornou evidente (e premente) a
necessidade da oferta de novos instrumentos capazes de recepcionar esses
conflitos assim potencializado, seja em função do número expressivo (ou
mesmo indeterminado) dos sujeitos concernentes, seja em função da
indivisibilidade do objeto litigioso, que o torna insuscetível de partição e
fruição por um titular exclusivo” (A resolução de conflitos e a função
judicial no Contemporâneo Estado de Direito. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, p. 379-380).
3
Houve modificações tão somente na ordem e numeração de alguns artigos.
Vide os arts. 895 a 906 do Anteprojeto e arts. 930 a 941 do Projeto nº
166/2010, na versão aprovada no Senado.
4
Sobre as duas versões, ou seja, a do Senado em primeiro turno e a da
Câmara dos Deputados, vide BUENO, Cassio Scarpinella. Projetos de novo
Código de Processo Civil comparados e anotados: Senado Federal PLS nº
166/2010 e Câmara dos Deputados PL nº 8.046/2010, São Paulo: Saraiva,
2014.
5
Os números são elevados. Somente em 2015, foram 6.360.854 casos novos
nos juizados especiais, representando 28,63% do montante protocolado em
primeiro grau. Dos processos pendentes em primeiro grau (68.475.728), no
final de 2015, 7.763.123 estavam nos juizados especiais, representando
11,33% do total de processos no primeiro grau de jurisdição. Os dados são
da Justiça em Números 2016, disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros>, acesso
em 15 nov. 2016.
6
A proposta era de que os órgãos equivalentes nos juizados especiais, tais
como as turmas reunidas, no âmbito regional ou estadual, de acordo com a
estruturação pertinente, ficassem com a competência para os Incidentes de
Resolução de Demandas Repetitivas que fossem suscitados pelos órgãos
dos juizados especiais, sem prejuízo da vinculação às teses fixadas pelos
Tribunais Regionais ou de Justiça, quando matéria comum fosse afetada a
estes órgãos. A questão será apreciada oportunamente no capítulo destinado
à competência.
7
Trata-se do parecer final nº 956, de 2014, da Comissão Temporária
destinada a estudar o Substitutivo da Câmara ao Projeto de Lei do Senado
nº 166, de 2010, que estabelece o Código de Processo Civil, cujo relator era
o então Senador Vital do Rêgo.
8
A redação dos dispositivos era a seguinte:
“§ 1º O incidente pode ser suscitado perante tribunal de justiça ou tribunal
regional federal.
§ 2º O incidente somente pode ser suscitado na pendência de qualquer
causa de competência do tribunal.
§ 3º O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente do
tribunal:
I – pelo relator ou órgão colegiado, por ofício;
II – pelas partes, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela
pessoa jurídica de direito público ou por associação civil cuja finalidade
institucional inclua a defesa do interesse ou direito objeto do incidente, por
petição”.
9
Como será analisado no capítulo da competência.
10
No caso, o art. 991, §§ 1º a 3º, do Substitutivo da Câmara dos Deputados.
Vide parecer final, p. 179.
11
No parecer final, p. 180, alínea “e”, referindo-se ao art. 990, § 5º, do SCD.
12
No item anterior, 7.2.
13
Como mencionado anteriormente. Vide o capítulo específico sobre a
KapMuG.
14
Que correspondia ao art. 974 do parecer final apresentado. Vide página 511
do referido documento.
15
O tema será oportunamente enfrentado no capítulo pertinente à revisão da
tese jurídica.
Capítulo 8

CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS SOBRE


PRECEDENTES E JURISPRUDÊNCIA:
PAPEL, FATORES E PERSPECTIVAS NO
DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO. O
CARÁTER VINCULATIVO NO ART. 927 DO
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

8.1. INTRODUÇÃO (OU BREVE RETROSPECTO SOBRE O TEMA


NOS ÚLTIMOS 25 ANOS) A PARTIR DA VIVÊNCIA E DO
OLHAR DO AUTOR

Em primeiro lugar, é importante consignar que, sob o prisma acadêmico, o


tema começou a fazer parte das inquietações do autor destas linhas já nos idos de
1990-1992, por ocasião das lições recebidas de José Carlos Barbosa Moreira,
que já assinalava o pensamento advindo de Rubens Limongi França, como
representante de corrente, então minoritária, que defendia a inclusão da
jurisprudência como uma das fontes formais do Direito, com reflexos no Direito
Processual.
Em seguida, no ano de 1993, na qualidade de mestrando na Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, o contato com esta linha de pensamento
foi intensa por ocasião da audiência nas aulas de Carlos Alberto Bittar, que, na
condição de discípulo de Rubens Limongi França, recomendava vivamente a
leitura das obras do mestre, dentre as quais O direito, a lei e a jurisprudência,
editada em 1974.
É de se registrar que, no ano de 1993, foi introduzida a previsão de ação
direta de constitucionalidade, no art. 102, inciso I, alínea a, da Constituição da
República, ao lado da ação direta de inconstitucionalidade. E, como no § 1º, no
art. 102, foi inserida norma estabelecendo expressamente a eficácia contra todos
e o efeito vinculante para as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade. Pode-
se dizer que o efeito, por sinal, já deveria ser concebido naturalmente com
caráter vinculante e erga omnes, diante do caráter concentrado e difuso do
respectivo controle nas ações diretas de constitucionalidade. Do contrário, não
faria qualquer sentido prático ou jurídico.
O tema do caráter vinculativo, propriamente dito, dos precedentes judiciais
talvez tenha ficado, de certo modo, adormecido nos anos seguintes. Sem dúvida,
eram tempos de redemocratização do país, de redescoberta do Poder Judiciário e
de afirmação da independência deste e dos seus magistrados, que passariam a
exercer um controle mais efetivo sobre a constitucionalidade das leis e dos atos
estatais.
Entretanto, a importância da jurisprudência, especialmente dos Tribunais
Superiores, começava a se impor, ainda que de modo relativamente singelo, ao
se conferir poderes para o Relator decidir monocraticamente.
E as modificações legislativas foram sendo paulatinamente introduzidas e
ampliadas. Em 1995, a Lei nº 9.139 modifica a redação do art. 557 do Código de
Processo Civil de 1973, que, na sua redação original previa, apenas para o
agravo, em caso de manifesta improcedência, a possibilidade de decisão
monocrática indeferitória, para permitir que o Relator pudesse, nos recursos em
geral, negar seguimento (leia-se provimento), se a pretensão fosse contrária à
súmula do tribunal ou de tribunal superior.
Logo depois, em 1998, a Lei nº 9.756 efetua nova modificação no
respectivo art. 557, estabelecendo-se que o recurso deveria ser improvido
monocraticamente pelo Relator se estivesse em confronto (sentido contrário) não
apenas com a súmula, mas com a jurisprudência dominante (a qualificação
talvez fosse despicienda) do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou
de Tribunal Superior. E, no parágrafo único do mencionado dispositivo, amplia-
se também a possibilidade de julgamento monocrático, para o provimento do
recurso, diante de decisão que estivesse em manifesto confronto com súmula ou
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior. Mas, não
se permitia o mesmo se a súmula ou a jurisprudência fosse do respectivo
tribunal.
Em 2004, o tema volta à baila com a Emenda Constitucional nº 45, diante da
nova redação do § 2º do art. 102 da Constituição da República, prevendo
expressamente que, tanto nas ações diretas de constitucionalidade quanto de
inconstitucionalidade, as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal produziriam eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
A EC nº 45 inseriu ainda o art. 103-A na Constituição Federal, instituindo a
denominada Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, cujos enunciados
possuem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
A doutrina, por sua vez, já apontava para o fortalecimento desta
aproximação do direito processual brasileiro com institutos do common law,
indicando o efeito vinculante de decisões judiciais como sinal de uma
aproximação com o sistema de precedentes, ou stare decisis. Nesse sentido,
Barbosa Moreira enunciava o exemplo da súmula vinculante, recentemente
criada, no texto O processo civil entre dois mundos, no ano de 2004.
Na experiência prática, na qualidade de magistrado, é de se assinalar que o
autor destas linhas sempre foi um adepto da vinculação, por entender que não
haveria sentido em se insurgir contra entendimentos já firmados pelos tribunais
superiores e aos quais se encontrava vinculado. Do mesmo modo, quando, em
2005, foi convocado para o Tribunal Regional Federal, procurou, de maneira
geral, alinhar os seus votos com o pensamento consolidado nos órgãos judiciais
colegiados em que participou e isso não se modificou quando foi promovido ao
cargo de desembargador. Pelo contrário, sob vários aspectos, que serão em
seguida abordados, consolidou-se o entendimento a favor dos julgamentos em
conformidade com a jurisprudência e com os precedentes, mesmo quando
possuísse posicionamento pessoal em outra direção.
O tema dos precedentes, na vida docente deste autor, é introduzido nas aulas
ministradas nos Programas de Pós-Graduação em Direito, na UERJ e na Unesa,
e acaba se materializando, em um primeiro momento, na orientação de
mestrandos e doutorandos. Nesse sentido, iniciam-se as primeiras orientações
sobre o tema, dos mestrandos Luiz Norton Baptista de Mattos, em 2006,
Gustavo Santana Nogueira, em 2008, e Daniela Pereira Madeira, em 2010, que
resultaram em excelentes trabalhos, dois deles publicados (Súmula vinculante:
análise das principais questões jurídicas no contexto da reforma do Poder
Judiciário e do Processo Civil brasileiro. Coord. Alexandre Freitas Câmara e
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
(Coleção Direito Processual Civil Moderno) e Stare decisis et non quieta
movere: a vinculação aos precedentes no direito comparado e brasileiro. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011), dos dois primeiros mencionados. No âmbito do
doutorado, pode-se mencionar também a ótima tese “Modificações na
Jurisprudência e Proteção da Confiança”, apresentada por Odilon Romano Neto,
no ano de 2016.
Nesta caminhada, chega-se ao Código de Processo Civil de 2015, que
contém, no rol das suas grandes inovações, o fortalecimento da jurisprudência e
dos precedentes, especialmente manifestado nos arts. 926 e 927, que será objeto
de maior análise nos itens seguintes.
Mas não menos importante, foi a oportunidade de organizar, ao lado de
Teresa Arruda Alvim Wambier (que inaugurou o projeto, com o primeiro
volume, e seguiu firme na coordenação dos dois outros volumes) e de Luiz
Guilherme Marinoni, a obra Direito Jurisprudencial, volume II. Por fim,
encontra-se no prelo o terceiro volume desta coleção que vem reunindo
primorosos textos sobre o tema da jurisprudência e dos precedentes, agora
dividindo a organização com Teresa Arruda Alvim e Dierle Nunes.

8.2. COMMON LAW E CIVIL LAW


O estudo do “direito jurisprudencial” encontra, de certo modo, como pano
de fundo, as características das duas famílias jurídicas ocidentais, ou seja, do
civil law e do common law. Isso porque a posição do precedente, sob variados
aspectos, assume, tradicionalmente, um papel diferenciado nos dois sistemas.
A doutrina contemporânea vem apontando, contudo, certa, digamos,
aproximação entre estas duas realidades. José Carlos Barbosa Moreira, por
exemplo, em artigo publicado sob o sugestivo título “O processo civil brasileiro
entre dois mundos”,1 afirma ser “indubitável que o peso do universo anglo--
saxônico tem aumentado no direito brasileiro, talvez mais noutros campos, agora
diretamente alcançados pelas vagas da globalização econômica, mas também no
terreno do processo civil”, citando, como sinais desta mudança, a presença da
fórmula “devido processo legal”, as técnicas de proteção coletiva dos direitos e
interesses supraindividuais, as experiências de small claim courts para a criação
e fortalecimento dos Juizados Especiais, a inspiração no mecanismo norte-
americano da certiorari para o instituto da repercussão geral e, por fim, a
eficácia vinculativa para os enunciados da súmula do STF, como “versão
bastante mitigada do mecanismo dos binding precedents norte- -americanos, em
todo caso fonte indiscutível de inspiração”.2
De fato, a realidade contemporânea, a partir da dinamização dos meios de
comunicação e de locomoção, vem assinalando para a interlocução e
aproximação entre as culturas, especialmente em países em que há uma maior
liberdade e poder aquisitivo. Neste contexto, a ciência, inclusive jurídica e
processual, acaba iniciando ou aprimorando conhecimentos além das respectivas
fronteiras. Por conseguinte, há incremento no intercâmbio acadêmico e
profissional, sendo crescente o interesse no estudo das soluções engendradas por
outros países e culturas jurídicas, fortalecendo-se a curiosidade sobre o
funcionamento de outros sistemas e o incremento do direito processual
comparado3
É interessante notar, contudo, que a aproximação supramencionada é, por
vezes, relativa, pois, embora se procure estudar e conhecer melhor a realidade
alheia, inclusive com a eventual introdução de mecanismos inspirados no direito
estrangeiro, as diferenças estruturais, culturais e sistêmicas podem continuar
sendo gritantes, ou, talvez, possam ficar ainda mais perceptíveis, o que não deixa
de ser, ou poder ser, um segundo passo para uma reanálise dos institutos e, por
conseguinte, modificações mais profundas.
O estudo dos precedentes representa, naturalmente, ponto central nesta
comparação entre as famílias jurídicas do common law e do civil law, tendo em
vista o papel central que o instituto representa no primeiro sistema,
considerando-se que o direito costumeiro é declarado, reconhecido ou criado4 a
partir da ratio decidendi dos casos julgados. Representa, assim, parâmetro para a
sociedade, base para o ensino, para a prática profissional do direito e para os
próprios julgadores. O método indutivo do common law contrapõe-se, assim, ao
dedutivo do nosso sistema, que sempre procurou priorizar a interpretação a partir
do arcabouço constitucional e legal5 A própria caracterização da jurisprudência
como forma ou fonte de expressão do direito sempre foi vista como posição
minoritária, embora defendida por juristas como Limongi França6 Este, por sua
vez, afirmava que7 “os juristas estão marcadamente divididos, com referência à
posição da jurisprudência como forma geral de expressão do direito, a ponto de
podermos dividi-los, em três grupos bem distintos. O primeiro, seria o dos
negativistas, que atribuem pouco ou nenhum valor à jurisprudência como tal. O
segundo, dos que exacerbam o valor da mesma, e que chamaríamos de
jurisprudencialistas. O terceiro, o dos que se poderiam denominar realistas,
pois, segundo nos parece, colocam a questão nos seus devidos termos”. Concluía
que8 “a jurisprudência (não os julgados, mas a repetição constante, racional e
pacífica destes) pode adquirir verdadeiro caráter de preceito geral. É, a nosso
ver, quando, pela força da reiteração e, sobretudo, da necessidade de bem
regular, de modo estável, uma situação não prevista, ou não resolvida
expressamente pela lei, ela assume os caracteres de verdadeiro costume
judiciário”.
Por outro lado, registre-se que a preocupação da doutrina, em relação ao
tema da jurisprudência, não se limita mais apenas à discussão de outrora, ou seja,
sobre a sua inclusão ou não no rol das fontes do direito, assim caracterizada pela
sua eficácia vinculativa (binding precedent) e não apenas persuasiva. Embora
este aspecto continue sendo nuclear, as inquietações passaram a abarcar a
necessidade de uma ampliação e aprofundamento do objeto do estudo do
precedente. Por conseguinte, os olhares passaram a se voltar para a prestação
jurisdicional como um todo, envolvendo uma análise do papel, das estruturas e
do modo como vem sendo exercida a atividade judicante no Brasil.
O estudo do precedente, no âmbito do common law, vem propiciando
profundas reflexões na teoria da decisão judicial, vista tradicionalmente, na
nossa realidade do civil law, como pronunciamento capaz de encerrar um
conflito, caracterizado pela pretensão resistida, mas não como formuladora de
um ponto de referência normativo para o sistema, com capacidade de vinculação
vertical e horizontal, a partir de uma tese jurídica (ratio decidendi ou holding),
que precisa ser abstraída do julgado.
O sistema do stare decisis et non quieta movere9 (mantenha-se o decidido e
não mova o que se encontra assentado), no common law, trabalha com uma
lógica de segurança jurídica, de racionalidade, de isonomia e de previsibilidade,
a partir de uma tese jurídica acolhida por uma corte judicial e que, em princípio
não deve ser modificada pelo próprio órgão prolator ou cortes inferiores (eficácia
horizontal e vertical), salvo se houver uma forte razão para a alteração da norma
estabelecida (overruling). Não havendo motivos para a superação do precedente,
os demais casos deverão seguir o entendimento já firmado, estabelecido. O
direito costumeiro trabalha, assim, com uma metodologia de estudo dos
precedentes, a partir dos quais se extrai a razão de decidir que estará norteando
os casos futuros a partir de elementos que foram considerados essenciais para a
tomada de decisão condutora. Por sua vez, se o futuro caso envolver outros
elementos essenciais peculiares, a corte deverá efetuar todo um trabalho de
argumentação, no sentido de demonstrar que o novo caso não se enquadra dentro
das características do precedente “a” ou “b” e que, portanto, merecerá a
construção de raciocínio diverso (“c”), distinto do aplicado anteriormente,
técnica esta denominada distinguishing.
As duas famílias jurídicas reservam, assim, nítida diferença para o papel do
precedente judicial, sob o ponto de vista teórico e prático. Registre-se que, no
que concerne aos precedentes, a ampliação e o aprofundamento do estudo do
tratamento dado pelos países de common law poderão propiciar uma mudança de
paradigma nos países de civil law, mas isto ainda se encontra relativamente
distante da nossa realidade prática, não obstante modificações que se revelam na
direção do fortalecimento dos precedentes judiciais no ordenamento jurídico
brasileiro.

8.3. A IMPORTÂNCIA DOS PRECEDENTES E DA


JURISPRUDÊNCIA

Dentro da visão clássica da separação de poderes, caberia ao Poder


Judiciário tão somente a interpretação das normas editadas pelo Poder
Legislativo. Não se pretende, naturalmente, neste momento, se revolver um
quadro mais complexo em torno da questão. Mas, de antemão, pelo menos duas
hipóteses podem ensejar uma atividade inovadora por parte do Poder Judiciário:
(a) quando os preceitos estabelecidos pelo Legislador ensejarem diversidade de
interpretação, de modo que haja a necessidade de se fixar o devido balizamento e
padrão normativo de conduta e seja o Poder Judiciário provocado a fazê-lo; (b)
quando o caso concreto não se enquadrar em preceito legislativo anterior e
houver demanda sobre a questão, levando o Poder Judiciário, diante da proibição
do non liquet, a enfrentar pioneiramente o assunto.
Em sentido lato, parece que ambas as hipóteses supramencionadas possam
ser tratadas como hard cases, pois, nas duas, o órgão judicial é instado a se
antecipar, de maneira inovadora e procurando estabelecer um liame
argumentativo com os princípios, regras e precedentes existentes no
ordenamento, de modo a se constituir em sintonia com o sistema jurídico.
Embora, na prática, as decisões judiciais nem sempre desenvolvam, com
profundidade, esta linha de fundamentação, não sendo rara a prática evasiva de
se reportar tão somente ao sentir, ao parecer ou entendimento pessoal do
julgador ou a normas ou precedentes genéricos, sem que sejam enfrentadas,
respectivamente, os raciocínios divergentes ou a falta de preceito específico
sobre a questão posta em juízo.
O caráter inovador ou criativo das decisões judiciais não decorre, portanto,
principalmente da vontade do próprio julgador, mas das circunstâncias sociais,
razão pela qual se toma a liberdade de criticar a expressão, pejorativa por sinal,
“ativismo judicial”. Esta denominação poderia ser empregada, com razão, diante
de uma manifestação do órgão judicial desprovida de provocação pelas partes,
como, por exemplo, a de julgamento extra petita ou fora dos contornos de
equilíbrio na condução do processo.
No mundo contemporâneo, é fato notório e incontroverso que se vive em
uma sociedade a cada dia mais dinâmica, na qual as inovações tecnológicas e
comportamentais são a tônica. A edição de normas escritas, pelo Poder
Legislativo, pressupõe a existência ou previsibilidade de um fato a ser regulado.
Por sua vez, o processo legislativo, em sentido amplo, nas sociedades
democráticas, é marcado por ritos procedimentais, que buscam assegurar o pleno
debate e participação dos representantes do povo, demandando tempo.
Entretanto, a vida não para. Os debates e conflitos acabam sendo levados ao
Poder Judiciário. É interessante notar que, embora o processo judicial possa ter
uma duração até mesmo prolongada até o seu término, o encaminhamento do
conflito ao Poder Judiciário e a possibilidade de uma decisão judicial, ainda que
em caráter apenas antecipatório, não demandam maior demora ou mesmo
eventualmente custos elevados, o que o torna suscetível de rápida ou imediata
provocação.
A dificuldade de previsibilidade, por parte do legislador, faz que se tente
contornar o problema mediante a edição de preceitos mais gerais, com cláusulas
mais abertas, consideradas mandamentos de otimização, os denominados
princípios, que compõem as normas, ao lado das regras. Nesse sentido, afirma
Robert Alexy10 que o “ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que
princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida
possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são,
por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por
poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de
sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das
possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado
pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou
satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente
aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto,
determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso
significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e
não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio”. Dentro
desta concepção mais estrita, as duas possibilidades supramencionadas de hard
cases poderiam ser esquematizadas do seguinte modo: (a) a colidência de regras,
com o pronunciamento judicial a partir de princípios; (b) ausência de regras,
com decisão judicial também calcada em princípios. Em ambas, a atividade
concretizadora, em termos de regras, adviria do Poder Judiciário.
Portanto, pode-se afirmar que os precedentes passam a ter mais significado
para a definição das normas de conduta, no cenário atual, não apenas nos países
de common law, mas também para os ordenamentos considerados de civil law.
Em termos formais, o ordenamento processual brasileiro se referia
especialmente à jurisprudência ou apenas a um dos seus instrumentos de
exteriorização: a súmula. Entretanto, a evolução do sistema pressupõe o
amadurecimento do tratamento conferido tanto à jurisprudência quanto aos
precedentes.
Isso porque ambos representam estágios correlacionados do fortalecimento
do pronunciamento judicial, envolvendo as suas diversas qualidades.
Dentro deste cenário, as decisões judiciais passam a ter uma importância
não apenas sob o prisma da resolução do caso concreto, mas como fixadoras de
padrões de conduta. Muitos exemplos poderiam demonstrar esta afirmação. Em
seguida, serão apontados dois.
O primeiro diz respeito à proibição do fumo nas aeronaves, estabelecida
inicialmente a partir de uma decisão judicial proferida em ação civil pública,
ajuizada pelo Ministério Público Federal, no ano de 1998, quando ainda não
havia lei que expressamente proibisse esta prática em voos de longa duração.
Levando-se em consideração princípios como o da segurança e da saúde, bem
como a analogia com outras regras, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul
determinou a proibição do fumo em todas as aeronaves, em voos nacionais,
durante todo o percurso.11
O segundo exemplo pode ser apontado nos julgamentos proferidos pelo STF
na ADPF 132/RJ e na ADIn 4.277/DF, declarando a inconstitucionalidade de
distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de
mesmo sexo, o que acabou por ensejar a edição da Res. 175/2013, do CNJ,
ampliando a incidência do posicionamento firmado para aplicá-lo aos casos de
habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em
casamento, entre pessoas de mesmo sexo.
Em ambos os casos, as decisões judiciais proferidas representaram
importantes inovações, que se anteciparam em relação a eventuais mudanças
legais, ensejando provimento de caráter criador e pacificador para as relações
sociais.

8.4. O STARE DECISIS E AS QUALIDADES DOS PRECEDENTES E


DA JURISPRUDÊNCIA

O funcionamento do stare decisis se baseia na ideia de segurança jurídica,


previsibilidade e de isonomia, com a sociedade podendo se nortear a partir dos
valores e das normas estabelecidas com base nos costumes reconhecidos ou
estabelecidos nos precedentes judiciais. Portanto, a delimitação das razões de
decidir e das circunstâncias essenciais do caso julgado é fundamental para a
caracterização do que está abarcado ou não nos limites do entendimento firmado
pela corte. Esta operação costuma distinguir, portanto, a essência da tese jurídica
assumida (ratio decidendi) de elementos acidentais ou pronunciados a latere
(obter dicta) no julgamento.
Por sua vez, o precedente possui uma eficácia horizontal e vertical, ou seja,
vinculando o próprio órgão judicial prolator e os que estão em posição inferior,
ou melhor, submetidos em termos de meios de impugnação ao seu julgamento.
Naturalmente, o seu ponto de vista poderá influenciar e ser considerado por
instâncias superiores, mas sem qualquer efeito vinculativo. Entretanto, se
reformada a decisão, o pronunciamento proferido pela instância superior passará
a ser vinculante.
O sistema trabalha, assim, com uma ideia de manutenção de entendimento
se não houver nenhum fator relevante a determinar uma mudança de
entendimento, o que, naturalmente, é possível, mas não frequente. E, de qualquer
modo, quando overruled, ou seja, superada a tese anterior, há que se realizar toda
uma construção argumentativa a justificar a alteração de entendimento. As cortes
são, portanto, muito ciosas no sentido da preservação dos seus precedentes. Por
outro lado, parece haver um respeito em relação a este posicionamento por parte
das instituições jurídicas. Naturalmente, esta respeitabilidade, ou melhor, solidez
decorre e é proporcional, em boa medida, à capacidade de fundamentação
contida nas razões da decisão (ratio decidendi).
Gustavo Santana Nogueira12 entretanto, discorre que, entre os fatores que
costumam influenciar a força do precedente, nos Estados Unidos da América,
estão se o mesmo versa sobre matéria constitucional13 os juízes que participaram
da votação, o placar da votação, a idade do precedente e a repercussão em casos
futuros.
No direito britânico, a força vinculante do precedente ficou assentada
especialmente em 1898, a partir do caso London Tramways v. London City
Council, julgado pela House of Lords14 tendo-se, na ocasião, ressaltado que ela
própria estaria ungida pelas suas decisões e não poderia se afastar delas nos
casos similares futuros.15 A rigidez desta vinculação gerou críticas, no sentido de
que restringiria o natural desenvolvimento do direito e a sua conformidade com
as mudanças operadas nos padrões e na cultura da sociedade. Desperta para o
problema, a própria House of Lords retratou-se oficialmente, em 1966, mediante
uma declaração sobre “precedente judicial”, publicada em todos os repositórios
jurídicos da Inglaterra. No documento, ressaltou-se que o uso do precedente é
uma base indispensável sobre a qual se decide qual é o direito e a sua aplicação
para os casos individuais. Entretanto, os membros da Corte reconheceram que
uma aderência extremamente rígida ao precedente poderia conduzir à injustiça
em um caso específico e também indevidamente restringir o normal
desenvolvimento do direito. Propuseram, assim, a modificação da respectiva
prática, em relação às decisões anteriores da House of Lords que seriam
normalmente vinculantes, afastando-se de uma decisão anterior quando se
mostrar correto que assim seja feito. Por conseguinte, ressaltaram que, na
aplicação deste novo entendimento, os julgadores daquela corte levariam em
consideração o perigo de se causar distúrbio retrospectivamente em relação aos
negócios contratuais, direitos de propriedade e disposições fiscais já em vigor,
bem quanto ao direito penal.16
Não obstante a ressalva final, a possibilidade de superação do precedente
(overruling) poderia ocorrer mesmo nas áreas mais sensíveis mencionadas. Isso
ficou claro no caso Regina v. Shivpuri, envolvendo matéria criminal, conforme
desdobramento que se verá em seguida.
No ano de 1975, a House of Lords julgou o caso Regina v. Smith, no qual o
réu foi acusado de tentar manusear ou negociar produtos roubados. Demonstrou-
se que, embora o réu acreditasse que os bens haviam sido subtraídos, na verdade
não tinham sido roubados, o que normalmente pode ser classificado como crime
impossível. A tese foi acolhida pela House of Lords, que absolveu o acusado.
Posteriormente, no ano de 1981, o legislador britânico editou o Criminal
Attempts Act, no qual previa, na Seção 1, item 2, que “uma pessoa pode ser
condenada por tentativa de cometimento de um crime, previsto nesta seção,
mesmo quando os fatos sejam de tal modo que a consumação do crime seja
impossível...”. De se notar ainda que a Comissão Legislativa havia publicado
uma exposição de motivos, na qual mencionava exatamente o exemplo do
acusado que estaria com objetos que supunha roubados, mas que, na verdade,
não haviam sido subtraídos.
Em seguida, a House of Lords é chamada a julgar, no ano de 1985, o caso
Anderton v. Ryan, no qual a ré havia adquirido um equipamento de vídeo,
pensando que o mesmo fosse roubado, embora, de fato, não o fosse. A ré foi
acusada de ter praticado a conduta, mencionando-se expressamente o novo
Criminal Attempts Act, de 1981. A ré foi absolvida em primeira instância, pela
Trial Court, mas condenada em segundo grau, pela Divisional Court of the
Queen’s Bench Division. Por último, a Casa dos Lordes restabeleceu o teor da
decisão de primeiro grau, julgando a ré, senhora Anderton, não culpada, com
base no precedente Regina v. Smith e desconsiderando o Criminal Attempts Act
de 1981. O caso foi extremamente debatido na literatura jurídica, que
majoritariamente criticou de modo severo a falta de aplicação do ato legislativo
recentemente editado.
Por fim, ocorre o julgamento do caso Regina v. Shivpuri, no ano de 1987, no
qual o réu é acusado do crime de tentativa de tráfico de droga, que pensava ser
heroína, violando o Criminal Attempts Act 1981. Na verdade, a substância não
era heroína, mas, sim, uma substância vegetal inofensiva. O réu foi condenado,
em primeiro grau, pela Trial Court, sendo mantida a condenação pela divisão
criminal da Court of Appeal e pela House of Lords. O réu alegou o precedente
Anderton, pois, do mesmo modo que a ré, equivocadamente, havia pensado que
o material era roubado, ocorrera com Shivpuri em relação à droga, o que tornaria
ambos os crimes impossíveis.
Expressando a maioria da então Suprema Corte britânica, o voto de Lord
Bridge of Harwich assume que não seria o caso de se efetuar a distinção em
relação ao julgamento proferido em Anderton v. Ryan. Mas, sim e ainda que
tivesse participado da decisão anterior, que aquele pronunciamento anterior
estava errado. Indagou, então, o que deveria ser feito. E que, não sendo a
hipótese distinta, pela aplicação estrita da doutrina do precedente, o apelo
deveria ser provido. Pergunta ainda se seria permitida a superação do precedente
com base no Practice Statement (Judicial Precedent) [1966] não obstante a
especial necessidade de segurança no direito penal, para responder
afirmativamente pela possibilidade de afastamento do precedente. Para tanto,
fundamenta, em síntese: (1) que a decisão proferida no caso Anderton v. Ryan
era bem recente, que a Practice Statement, sobre precedente judicial
representava um efetivo abandono da pretensão de infalibilidade da corte e que,
se um sério erro contido em uma decisão do tribunal estivesse distorcendo o
direito, quanto mais rápido se pudesse corrigir o equívoco melhor; (2) que ele
não entendia factível que alguém pudesse ter acreditado que se tratava de afirmar
que a conduta anterior havia sido feita, inocentemente, de acordo com a lei e que
agora não; (3) não se poderia desconsiderar a mudança realizada pela lei de
198117
Como se pode ver e retomando a indicação das qualidades desejáveis em
relação aos precedentes e à jurisprudência, pode-se apontar que, em termos de
mutabilidade, o compromisso deve ser, em primeiro lugar, no sentido da
segurança jurídica, ou seja, os precedentes devem vincular os próprios órgãos
prolatores e os submetidos à sua jurisdição. No entanto, isso não significa
imutabilidade absoluta.
Por conseguinte, os precedentes podem ser superados pela alteração das
condições em que foram proferidos, como, por exemplo, pela mutação
constitucional ou legal superveniente, tal como supramencionado no caso Regina
v. Shivpuri; bem como pelo reconhecimento de erro anteriormente cometido,
para que serve também o exemplo anterior britânico; ou ainda por não se
enquadrar mais dentro dos valores supervenientemente assumidos pela
sociedade. Neste último contexto, a história aponta inúmeros exemplos, como as
alterações de paradigmas em relação à escravidão, no Poder Judiciário norte-
americano, ou mesmo dos casos de segregação, como Brown v. Board of
Education, ou, ainda, na própria experiência brasileira, diante da aceitação da
relação de casamento e união estável, entre pessoas do mesmo sexo, nas mais
variadas esferas.
O ponto de equilíbrio, em relação ao respeito aos precedentes, parece estar
distante na realidade brasileira, que precisa, sem dúvida, amadurecer neste
aspecto, diante da profusão de decisões divergentes proferidas e do caráter
meramente persuasivo considerado no que toca não apenas aos precedentes, mas
até mesmo a jurisprudência e os enunciados contidos nas súmulas. Por exceção,
o binding effect é reconhecido apenas na súmula vinculante do STF e nos
julgamentos em sede de controle abstrato de constitucionalidade e
inconstitucionalidade no âmbito do STF.
Por certo, para que o precedente seja respeitado, impõe-se uma mudança
cultural e, eventualmente, legislativa, no sentido de que os órgãos judiciais
tenham que observar os precedentes e, somente com a devida fundamentação, a
partir dos métodos de distinção ou de superação, ousar não aplicar o precedente.
Os precedentes precisam dispor de clareza, solidez e profundidade nos seus
fundamentos, pois, do contrário, dificilmente serão respeitados e seguidos. Isso
não significa que este cuidado tenha que estar presente em todas as decisões
judiciais. Esclarecendo, as decisões judiciais, em geral, precisam estar
fundamentadas. Mas, se não representam inovação, mas simples aplicação de
precedentes, poderão, naturalmente, se valer dos fundamentos, e
consequentemente da clareza, solidez e profundidade contidos no leading case
seguido. Portanto, a preocupação reforçada com a fundamentação seria inerente
aos precedentes e também às decisões que venham se distanciar do precedente,
seja a partir do distinguishing ou do overruling.
Os precedentes devem ser firmados dentro de um tempo razoável. Isso
significa que os tribunais, especialmente em casos repetitivos, devem julgar com
o devido amadurecimento as causas, procurando ter o domínio das teses e
argumentações formuladas em um conjunto de processos, para que possa melhor
decidir o precedente. O julgamento tardio, assim como precoce, pode ser
deletério para o sistema jurídico. A demora no julgamento produz, naturalmente,
incerteza e acúmulo de demandas, diante da falta de definição sobre a questão
em aberto. O pronunciamento precoce, assim entendido como o proferido em
momento em que o órgão julgador ainda não equacionou devida, ampla e
profundamente todas as teses e argumentos pertinentes, pode tornar a
fundamentação menos sólida e qualificada, motivo de enfraquecimento para o
precedente, causando maior probabilidade de modificação.
As qualidades supramencionadas estão imbricadas com alguns fatores que
serão analisados nos próximos itens.

8.5. PRINCIPAIS FATORES QUE INFLUENCIAM EM TERMOS DE


PRECEDENTES NO CONTEXTO BRASILEIRO

8.5.1. Fatores culturais

O aspecto cultural é primordial, sob o ponto de vista do papel e


funcionamento dos precedentes. Nesta seara, a cultura brasileira é marcada pelo
paradoxo. Se, por um lado, almeja a segurança jurídica, a igualdade e a
previsibilidade, por outro, é fortemente marcada pelo desejo de mudança,
decorrente de um sentimento de insatisfação com o status quo.
A visão institucional é suplantada, rotineiramente, pelo personalismo; os
direitos e deveres são, com frequência, sufocados pelo poder ou pela falta de
informação e educação. A luta contra o passado autoritário confunde-se, por
vezes, com a liberdade sem limites.
No cenário jurídico, isso se reflete na personificação de julgados, no
inconformismo renitente diante de posicionamentos assentados pelos tribunais,
na visão belicista dos conflitos, no número diminuto de processos resolvidos
pela conciliação ou por meios consensuais, na elevada resistência diante do
cumprimento de deveres e decisões judiciais, até mesmo por órgãos integrantes
da administração pública.
Por certo, a configuração multicultural do país, ao mesmo tempo em que
propicia uma realidade dinâmica e plural na sua essência, acentua a
heterogeneidade. Há, portanto, uma profusão de valores, credos, expectativas e
objetivos, que contribuem para um contexto em ebulição, em que a
homogeneidade da jurisprudência ou a previsibilidade dos precedentes nem
sempre encontram um porto seguro.

8.5.2. Educação jurídica

A educação jurídica brasileira é calcada, em termos gerais, na dogmática e


no positivismo. Há também, infelizmente, um desnível considerado entre as
instituições universitárias. De certo modo, uma elite composta das universidades
públicas e algumas instituições privadas, nas quais o corpo docente possui uma
formação e titulação mais qualificada, bem como um corpo discente em
quantitativo mais reduzido. Por outro lado, houve, nas últimas décadas, um
crescimento enorme do número de cursos privados de direito, bem como do
respectivo número de estudantes de direito, que acabam esbarrando nas
dificuldades de aprendizado e qualificação. Por fim, o próprio mercado acaba
não absorvendo ou propiciando boas condições para um número tão elevado de
bacharéis que se formam constantemente no país. O número elevado de
candidatos e o montante de não aprovados em concursos públicos e nos exames
da Ordem dos Advogados do Brasil indicam a massificação e perda de
qualidade.
A formação jurídica é calcada principalmente no estudo do ordenamento
jurídico a partir da constituição e das leis, sendo manifestamente secundário o
estudo de casos e principalmente das razões das decisões proferidas pelos
tribunais. Por vezes, os julgados são analisados tão somente com base no
resultado do julgamento, sem a análise e comparação das razões de decidir dos
pronunciamentos judiciais.
A diversidade do ensino oferecido e também na aferição do conhecimento
adquirido pelos estudantes de direito proporciona grandes diferenças nas
carreiras jurídicas e no nível dos profissionais. Na Alemanha18 por exemplo, os
estudantes de direito submetem-se a dois exames estatais (Staatsexamen), cuja
aprovação é exigida para todas as carreiras jurídicas, o que acaba estabelecendo
um padrão mínimo de conhecimento e qualificação para todos os profissionais
da área jurídica.
Por outro lado, no Brasil, a metodologia é fundada no estudo de manuais e
textos legais, bem como a demonstração do conhecimento por meio de provas
discursivas. A resolução de casos, quando existente, é formulada, na maioria das
vezes, a partir da subsunção dos fatos aos dispositivos constitucionais e legais. A
metodologia de estudos de casos, centrada nas razões de decidir e no
comparativo e sistematização de julgados é desenvolvida em quantidade ínfima
de instituições.
Por conseguinte, os estudantes de direito sequer desenvolvem, a contento,
habilidades calcadas na análise de casos concretos, razão pela qual, por vezes,
apresentam dificuldades para a elaboração de pareceres ou sentenças.

8.5.3. Estrutura e organização do Poder Judiciário

A influência da estrutura e da organização do Poder Judiciário para o


sistema de precedentes tem recebido, de certo modo, por parte da academia,
pouca atenção.19 Entretanto, me parece que é um fator de grande importância
para o aprimoramento da prestação jurisdicional e de fundamental relevância
para o fortalecimento dos precedentes judiciais, especialmente nos países de civil
law.
O primeiro aspecto a ser observado é que, ao longo dos tempos, o Poder
Judiciário foi, gradativamente, ampliando o seu universo de alcance. Há,
portanto, uma enorme gama de matérias que são apreciadas pelos juízes:
conflitos envolvendo famílias, funcionários públicos, contribuintes, questões
ambientais, aposentadorias, pensões, crimes das mais diversas naturezas,
execuções fiscais, licitações, contratos, relações trabalhistas, militares,
financeiras, administrativas, de marcas, patentes, consumeristas, eleitorais,
responsabilidade civil, desastres aéreos, terrestres, marítimos e fluviais etc.
Em segundo lugar, o número de processos também aumentou
vertiginosamente20. O resultado deste crescimento avassalador e combinado com
o fenômeno da ampliação e diversificação de assuntos e matérias tratados nos
processos é a maior dificuldade para que os magistrados, como um todo, possam
desenvolver, em tempo razoável, com qualidade e segurança, a prestação
jurisdicional.
Os dois aspectos supramencionados (diversidade de matérias e quantidade
de processos) acabam esbarrando em um terceiro elemento de dificuldade: a
relativa falta ou reduzida especialização dos órgãos julgadores. O fenômeno, de
certo modo, pode ser indicado como estando na contramão da história moderna e
contemporânea, na qual a sociedade, a indústria, os serviços, as empresas, o
ensino e os profissionais caminharam no sentido da especificação e repartição
das áreas de estudo e de trabalho. No próprio ensino jurídico e na advocacia,
constata-se o crescente incremento desta ramificação.
No entanto, pode-se apontar, ainda, no Brasil, como deveras limitada a
especialização dos órgãos judiciais. Façamos uma comparação, por exemplo,
com a Alemanha21, país que possui menos da metade da nossa população e um
território bem menor. O que temos sob a jurisdição dita comum encontra-se
dividido na Alemanha nos ramos das Justiças Administrativa, Financeira, Social
e Comum. O Bundesgerichtshof, equivalente ao nosso STJ, mas que não julga as
matérias administrativas, financeiras e previdenciárias, é composto por 128
ministros, subdivididos em 24 órgãos especializados (Senate), com competência
exclusiva para cada matéria22. Não há, por conseguinte, competência concorrente
entre as turmas (Senate). Portanto, cada órgão fracionário possui competência
exclusiva para determinadas matérias. Por exemplo, direitos autorais ou de
propriedade intelectual são julgados apenas pelo Primeiro Senado Cível; já as
causas de direito societário no Segundo Senado Cível; as causas sucessórias pelo
Quarto Senado Cível; os conflitos envolvendo locações residenciais e comerciais
pelo Quarto Senado; os crimes envolvendo meios de transporte pelo Quarto
Senado Criminal; para as causas agrícolas há um Senado Especial e por aí em
diante.
É de se constatar, naturalmente, que a realidade brasileira destoa bastante da
estrutura alemã. No nosso país, até pouco tempo atrás, a divisão estava limitada
às matérias criminais e cíveis. Nos últimos vinte anos, houve um avanço na
especialização. Entretanto, em geral, nos tribunais e na primeira instância, tanto
na Justiça Comum, como nos ramos especializados (Trabalho, Eleitoral e
Militar), ainda há uma concentração grande de matérias nos mesmos órgãos
judiciais. Com isso, a estrutura judiciária brasileira ainda é marcada pela
generalidade, ou clínica geral, o que, na opinião do autor deste texto, acaba não
contribuindo para a melhoria da prestação jurisdicional, em termos de duração,
qualidade e segurança na prestação jurisdicional. Representa, assim, um grande
problema para o fortalecimento do sistema de precedentes. Por certo, a
estabilidade e previsibilidade dependem do conhecimento aprofundado das
matérias, o que se torna humanamente impossível diante do amplo rol de
assuntos que são encaminhados, hodiernamente, ao Poder Judiciário.

8.5.4. O papel dos profissionais do direito

Nos países em que há um maior respeito e consideração em relação aos


precedentes judiciais, os profissionais da área jurídica possuem o dever de
conhecer e de agir de acordo com os precedentes. Representa, assim, um dever
funcional para os juízes e advogados.
Para os magistrados, significa o efeito vinculante horizontal e vertical, no
sentido de seguirem as teses consagradas nos próprios tribunais e nos tribunais
superiores.
A advocacia passa a ter o dever de colaborar com o sistema, orientando os
seus clientes sobre as posições consolidadas nos tribunais e exercendo o
patrocínio de acordo com esta orientação. Isso não pode, naturalmente,
constranger o advogado ou as partes a defender teses jurídicas que se oponham
ao status quo. Entretanto, para que não fique caracterizada uma espécie de
“litigância de má fé”, deve haver fundadas razões para se alimentar a expectativa
de mudança, que deve estar devidamente fundamentada.
Isso pode ocorrer mesmo em países de civil law. Christoph Kern23 ao
discorrer sobre os padrões profissionais na Alemanha, aponta que deve ser
notado que os tribunais consideram, de longa data, que os advogados devem, em
princípio, conhecer o direito e a sua interpretação pelas cortes. Em particular, os
advogados possuem o dever, em relação aos seus clientes, de esclarecê-los sobre
todos os precedentes relevantes, com os quais devem estar alinhados os seus
aconselhamentos jurídicos e as estratégias processuais. Se o cliente sofrer danos
em consequência da violação deste dever jurídico, o patrocinado poderá
demandar o respectivo advogado, bem como a sua companhia de seguro, para a
respectiva compensação. Entretanto, pondera o autor alemão, que por mais
estrita que seja a responsabilidade, o dever de conhecer e respeitar os
precedentes somente fará sentido se o advogado supõe que os tribunais
normalmente seguirão os precedentes. Por fim, conclui que a existência de tal
dever, portanto, é um sinal do alto respeito que, normalmente, as cortes alemãs
demonstram pelos precedentes e isso, ao mesmo tempo, reforça o respeito.

8.6. AS FONTES FORMAIS DO DIREITO NO BRASIL

A discussão em torno do caráter vinculativo ou não dos precedentes remete,


como supramencionado, a uma polêmica antiga, que poderia ser estruturada em
três correntes: a) negativista, que não considera a jurisprudência ou os
precedentes como fonte formal do direito; b) afirmativa, no sentido de que se
poderia aplicar no Brasil o sistema de stare decisis, a partir dos precedentes em
geral; c) realistas, que considerariam como fonte formal apenas os precedentes
identificados como vinculativos na legislação ou que tivessem a característica de
reiteração nas cortes, caracterizando um verdadeiro costume judiciário.
O tema, por si só, merece o devido aprofundamento. Mas, a leitura do texto
constitucional parece indicar que, em geral, adota-se, no Brasil, em
conformidade com a família de civil law, o sistema da legalidade. Portanto, para
o cidadão isso representa a liberdade de fazer ou não fazer, que somente poderá
ser privada em virtude de lei, nos termos do inciso II, do art. 5º da Constituição.
Por outro lado, para os órgãos estatais, como se sabe, representa a possibilidade
de realização de atos em conformidade com a previsão legal, observando-se,
assim, o princípio da legalidade, nos termos, dentre outros, do art. 37 da
Constituição.
Por sua vez, em relação à magistratura, é de se notar que a Constituição
estabeleceu principalmente normas organizacionais e os principais princípios
que regem a atividade jurisdicional, remetendo à lei complementar, de iniciativa
do Supremo Tribunal Federal, o denominado Estatuto da Magistratura. Houve,
contudo, como mencionado na introdução, a inclusão, no capítulo do Supremo
Tribunal Federal, de duas normas (arts. 102, § 2º, e 103-A), que estabeleceram,
respectivamente, o efeito vinculante, em relação às decisões definitivas de
mérito em controle concentrado de constitucionalidade e aos enunciados da
“súmula vinculante”. É de se registrar que, no caso, o efeito vinculante não se
encontra restrito aos demais órgãos do Poder Judiciário somente, mas abrange
também, expressamente, os órgãos da administração pública direta e indireta, nas
esferas federal, estadual e municipal.
No atual estatuto da magistratura, a Lei Complementar nº 35/79 prevê, no
art. 35, inciso I, como dever do juiz, cumprir e fazer cumprir, com
independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício.
Em síntese, em termos de disposições normativas sobre as fontes formais do
direito brasileiro, o tratamento geral não foi feito no âmbito constitucional. A
matéria, como fonte formal em termos gerais, não foi reservada também ao nível
de lei complementar, salvo no aspecto relacionado ao estatuto da magistratura.
Registre-se que a Lei Complementar nº 95/98 tratou apenas de outros aspectos
pertinentes à elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.
Portanto, a previsão pertinente às fontes formais pode ser extraída do art. 4º
do DL nº 4.657/1942, que estabelece que, quando a lei for omissa, o juiz decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Sendo assim, o que se pretende demarcar, como primeira premissa, é que a
Constituição fixa tão somente o primado da lei como fonte formal do direito
brasileiro. Mas, ao fazê-lo, o realiza com limitações que não se aplicam ao tema
das fontes formais para a decisão do juiz em geral. Por isso, a complementação
realizada na denominada Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro,
conforme redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010, não padece de qualquer
vício de constitucionalidade, ao prever que os juízes deverão decidir o caso de
acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. E, como
decorrência, não se torna aceitável a alegação de que apenas a Constituição
poderia fixar normas de caráter vinculativo para os órgãos judiciais.
Como consequência lógica do raciocínio acima exposto, pode-se afirmar
que o novo Código de Processo Civil, sendo uma lei ordinária, é, assim, também
fonte primária e básica no direito brasileiro. Por conseguinte, os juízes devem,
nos termos do art. 35, inciso I, da Lei Complementar nº 35, cumprir e fazer
cumprir as normas legalmente estabelecidas, dentre as quais a do art. 927 do
novo CPC.

8.7. A IDEIA DE INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DOS


MAGISTRADOS

Poder-se-ia, contudo, objetar ainda com base no próprio Estatuto da


Magistratura, que o efeito vinculativo seria passível de afastamento em razão da
expressão “com independência, serenidade e exatidão”, do contrário a primeira
qualidade ficaria tolhida. Mas esta objeção, com a máxima vênia, não parece se
coadunar com a norma estabelecida. Pois, naturalmente, não se pretendeu
mencionar a independência diante da norma. Mas, sim, que a sua aplicação
deveria ser feita com independência, ou seja, não se curvando aos demais
poderes, sujeitos, fatores e interesses políticos, econômicos, religiosos e de outra
natureza envolvidos.
É claro que se pode extrair esta independência até mesmo em relação a
outros membros do Poder Judiciário, na eventualidade de se tentar influenciar,
de modo indevido, sub-reptício, a decisão do juiz. Isso não possui qualquer
relação com o cumprimento da lei e do caráter vinculativo estabelecido nas
hipóteses previstas nos incisos do art. 927 do Código de Processo Civil.
O Código de Processo Civil não afastou a independência dos magistrados e,
mesmo no que diz respeito à interpretação das normas não efetuou vinculação
absoluta. Isso porque não há um sistema absoluto de precedentes, ou seja, apenas
nas situações indicadas no art. 927 haverá efeito vinculativo, embora se possa e
se deva também, na totalidade ou maioria dos casos, se estimular a observância
do entendimento firmado pelos tribunais superiores ou pelo tribunal ao qual o
órgão judicial está vinculado, ainda que em razão do caráter persuasivo dos
precedentes.
Por outro lado, o caráter vinculativo não dispensa a análise do caso concreto
e dos argumentos apresentados. Não se trata de trabalho mecânico. Há que se
verificar a identidade ou não das circunstâncias determinantes, com a devida
fundamentação, para que se possa analisar a subsunção ou a distinção do caso
concreto com os precedentes. Mas, naturalmente, esta operação não deve servir
de instrumento para se escamotear a necessidade de observância. Marinoni24
discorreu muito bem sobre os aspectos culturais que tanto influenciam na
tendência à observância ou não dos precedentes. Poder-se-ia acrescentar que há
uma forte cultura de descumprimento de normas e de padrões no comportamento
existente na sociedade brasileira. E os juízes precisam perceber que, ao se
desconsiderar os precedentes, se está enfraquecendo as decisões judiciais e,
consequentemente, as normas legais.
A legitimidade do Poder Judiciário, e também as suas condições de trabalho
acabam sendo influenciadas pelo seu próprio comportamento. Afinal, se o juiz
não segue o que é fixado pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais
Superiores, porque os comerciantes ou cidadãos em geral se sentirão estimulados
a cumprir as decisões judiciais?

8.8. OS PRECEDENTES E O CONTEXTO ATUAL DO PODER


JUDICIÁRIO BRASILEIRO

O contexto atual da prestação jurisdicional apresenta, por certo, uma


realidade difícil e complexa. Embora existam aspectos extremamente positivos,
como a estruturação do Poder Judiciário a partir do ingresso na carreira mediante
concursos públicos, fortalecendo a sua independência; a ampliação do acesso à
Justiça; a alta produtividade; a publicidade dos atos processuais e o bom
funcionamento de tutelas de urgência e de evidência, há notórios problemas,
dentre os quais o número elevadíssimo de processos (cem milhões, para uma
população de duzentos milhões), a consequente demora no julgamento dos
processos e eventual perda de qualidade na prestação jurisdicional em razão
desta desproporção entre o número de julgadores e de processos, bem como a
falta de uniformidade das decisões, levando à quebra da isonomia e da segurança
jurídica.
Não se precisa ser um estudioso do processo, para se perceber que a falta de
unidade na interpretação das normas pelos órgãos judiciais faz crescer não
apenas o número de recursos, mas também o número de demandas ajuizadas. É
claro, se há sempre uma possibilidade de se obter uma solução favorável no
Judiciário, porque as pessoas, naturais ou jurídicas, iriam ajustar o seu
comportamento ao da jurisprudência? Por que não demandar ou resistir à
pretensão, ainda quando os tribunais superiores ou a jurisprudência do tribunal
local esteja em sentido oposto, se há também juízes e tribunais desafiando o
entendimento majoritário. Não por outra razão, já se falou de “loteria judiciária”,
o que expressa, naturalmente, sentido altamente depreciativo.
A ideia de independência dos magistrados suscita a falsa ideia e afirmação
de que os juízes podem julgar, sempre, a partir das suas convicções pessoais. Na
verdade, isso nunca foi possível. O juiz está adstrito às fontes normativas do
direito. E, naturalmente, os tribunais superiores têm uma finalidade
expressamente prevista na constituição, começando pelo Supremo Tribunal
Federal, na guarda da Carta Magna.
Não se pode conceber um sistema judicial que não guarde e tenha coerência,
a partir de funções constitucionalmente delimitadas. E os próprios tribunais, de
certo modo, foram e continuam sendo ainda benevolentes com a indefinição.
Conformam-se, por exemplo, com decisões desencontradas entre órgãos
fracionários ou dentro do próprio órgão, sem buscar uma definição.
Mas, a simples definição de questões jurídicas não é suficiente para conter o
problema, se não for suficientemente debatida e embasada em sólidos
fundamentos jurídicos, pois a fragilidade nos argumentos do pronunciamento
judicial enfraqueceria sobremaneira a jurisprudência, a ponto de comprometer a
sua estabilidade.

8.9. A JURISPRUDÊNCIA E OS PRECEDENTES EM PAÍSES DE


COMMON E CIVIL LAW

Retornando um pouco à discussão sobre as fontes formais do direito, é


importante notar que, tanto nos países de common law, como nos de civil law,
não há, necessariamente, normas expressas a determinar o caráter vinculativo
dos precedentes. Pelo contrário, não há, em regra, na constituição ou em lei
ordinária, a norma, que é abstraída principalmente dos costumes jurídicos e
como decorrência lógica do sistema judicial estabelecido.
Mesmo quando existente uma norma expressa neste sentido, como ocorre na
Alemanha, em relação às decisões da Corte Constitucional
(Bundesverfassungsgericht), isso ocorre mediante a previsão apenas em norma
ordinária. Vide, neste sentido, a disposição contida no § 31 (1) da lei sobre a
Corte Federal Constitucional da Alemanha, que estabelece que as decisões do
Tribunal Federal Constitucional vinculam os órgãos constitucionais da União e
dos Estados, bem como todos os órgãos judiciais e repartições públicas25. Não
há, portanto, qualquer norma constitucional que preveja esta vinculação, mas
apenas, como dito, a norma infraconstitucional apontada. E não há nenhuma
objeção à constitucionalidade desta norma. Pelo contrário, vem-se interpretando
de modo ampliativo a disposição, para abranger não apenas a decisão
propriamente dita, ou seja, na parte dispositiva, mas os próprios fundamentos
utilizados pela Corte26.
Em relação aos demais tribunais, embora não haja norma expressa de caráter
vinculativo, a persuasão é praticamente total, sendo o próprio ensino
extremamente calcado nas decisões proferidas27.

8.10. O SISTEMA DE PRONUNCIAMENTOS VINCULATIVOS NO


CONTEXTO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Com a edição do novo Código de Processo Civil, pode-se dizer que há um


sistema de pronunciamentos qualificados, ou de jurisprudência e de precedentes
definido legalmente e que, nestes termos, não pode ser considerado como um
regime típico de stare decisis, ou seja, que os precedentes em geral passam a ter
um caráter vinculativo no sentido vertical e horizontal. Mas, por outro lado, não
existe apenas um mero efeito persuasivo nas hipóteses indicadas nos cinco
incisos do art. 927. Embora, como já mencionado, as duas primeiras situações
não constituam inovação, porque já se encontravam anteriormente previstas na
própria Constituição da República.
As hipóteses elencadas no art. 927 se justificam plenamente. Em primeiro
lugar, as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade, como já abordado, possuem efeito erga omnes e caráter
vinculativo para os órgãos judiciais e da Administração Pública, no âmbito
federal, estadual e municipal, por determinação da própria Constituição da
República, nos termos dos arts. 102, § 2º, e 103-A. Não poderia ser de outra
maneira, ainda que não houvesse previsão expressa, porque o controle
concentrado serve exatamente para isso, ou seja, se estabelecer uma decisão e
segurança jurídica geral, e não apenas em relação às partes, quanto à
constitucionalidade ou não da norma questionada. Do contrário, não haveria
controle concentrado e abstrato nas ações diretas de constitucionalidade e de
inconstitucionalidade.
Do mesmo modo, os enunciados da súmula vinculante do STF
prescindiriam da previsão contida no art. 927. A sua inserção, portanto, procurou
apenas consolidar o sistema, permitindo-se, assim, uma imediata visualização
das hipóteses vinculativas.
Mas, o Código pretendeu ir além. Em primeiro lugar, ainda que constando
do inciso IV, e não chegando a estabelecer uma vinculação em relação a todas as
decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, como fixado pelo legislador
alemão, e pelos Tribunais Superiores, ampliou a abrangência para os enunciados
das respectivas súmulas, desde que versando sobre matéria constitucional, as do
Supremo Tribunal Federal, e de matéria infraconstitucional, para as do Superior
Tribunal de Justiça. Preservaram-se, assim, as respectivas funções jurisdicionais,
procurando-se evitar a possibilidade de dupla vinculação ou de sobreposição de
comandos, ainda que, na prática, possa existir certa controvérsia sobre a natureza
da matéria sumulada.
O inciso III trata, basicamente, de três sistemáticas: a) recursos repetitivos;
b) incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) (rectius de questões
comuns); e incidente de assunção de competência (IAC). Nas duas primeiras,
adotou-se uma técnica de concentração, a partir de casos ou questões comuns,
respectivamente, com a suspensão dos demais. Naturalmente, somente farão
sentido os dois instrumentos (recursos repetitivos e IRDR), se a decisão
proferida de modo concentrado for aplicada aos processos dependentes do
pronunciamento concentrado. Representa técnica, como já mencionado,
inspirada no Musterverfahren alemão, ainda que com algumas peculiaridades. O
Poder Judiciário precisa adotar medidas de economia processual, principalmente
diante do elevado número de processos existentes no Brasil, sem, contudo,
descuidar da preservação do devido processo legal e dos direitos das partes e
interessados, o que parece ter sido protegido nas respectivas regulamentações.
Do mesmo modo, o incidente de assunção de competência, nos termos do
art. 947 do CPC, prevê o deslocamento para órgãos mais amplos, que devem ter
a competência para a uniformização da jurisprudência, para decidir questão de
direito com grande repercussão social. As normas processuais devem propiciar a
devida segurança jurídica. E, naturalmente, as funções contemporâneas do Poder
Judiciário são fundamentais no sentido de orientar a sociedade diante de novos
fatos, da ausência de regras específicas ou da controvérsia estabelecida em
relação à interpretação das normas. Os órgãos judiciários servem para propiciar a
solução dos conflitos e não para fomentá-los. Por isso, a preocupação com a
isonomia e com a segurança jurídica. Dessa forma, os órgãos vinculados ao
respectivo tribunal devem seguir o entendimento fixado.
Na mesma direção do que se disse no parágrafo anterior encontra-se o inciso
V, pois deve haver uma uniformidade no posicionamento do tribunal. Em vários
países, esta preocupação chega a se materializar, nos julgamentos colegiados,
mediante a divulgação apenas do pronunciamento da corte, não se
disponibilizando sequer os votos vencidos. Além da coesão do tribunal, busca-se
a adesão dos órgãos vinculados, pois a manutenção de entendimento divergente
somente iria protrair a duração dos processos, com a necessidade da interposição
de recursos, para que se possa efetivar no caso concreto o pensamento já
dominante em instância superior.

8.11. A RUPTURA NECESSÁRIA DE PARADIGMAS E OS SEUS


DESDOBRAMENTOS

Por fim, ou resumindo o que se disse acima, o caráter vinculativo para


determinados pronunciamentos judiciais, disposto no art. 927 do novo CPC, se
afigura em conformidade com a ordem constitucional. Mas, não deixa de
representar uma ruptura com a cultura e os paradigmas estabelecidos na
comunidade jurídica, de que se pode e se deve sempre ajuizar uma demanda,
resistir a uma pretensão ou interpor um recurso, ainda que contra o entendimento
dos tribunais, não se impondo limites à inconformidade.
Este pensamento encontra-se incrustado nos diversos profissionais do
direito. No advogado, que não orienta o seu cliente quanto à posição dos
tribunais. No juiz, que não segue a jurisprudência. Nos integrantes dos tribunais,
que preferem divergir, ao invés de convergir, diante do entendimento firmado.
Por sua vez, os tribunais passam a ter uma responsabilidade maior, no
sentido de observar as normas processuais, especialmente a de buscar a
uniformização da sua jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente, nos
termos do art. 926. Mas também quanto ao contraditório e fundamentação, para
que as suas decisões possam se impor mais pelo conteúdo dos seus argumentos,
do que pela autoridade do comando legal.
E, por consequência, isso faz que a sociedade, em geral, e os profissionais
do direito, em particular, passem a exercer um controle ainda maior quanto à
estruturação, funcionamento e composição dos tribunais, para que a sua
organização e os seus quadros estejam sempre à altura dos novos tempos e das
novas exigências.

1
Temas de direito processual: oitava série, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 41-
52.
2
Idem, p. 47.
3
Vide, especialmente, Comparative civil procedure, de Peter Gottwald, in:
Ritsumeikan Law Review: International Edition, 2005;
Prozeßrechtsvergleichung, de Peter Gilles, Köln: Carl Heymanns, 1996; e
Einführung in die Rechtsvergleichung, de Konrad Zweigert e Hein Kötz, 3.
Auf., Tübingen: J. C. B. Mohr, 1996.
4
Sobre o caráter declaratório ou constitutivo dos pronunciamentos judiciais,
Teresa Arruda Alvim Wambier, em Precedentes e evolução do direito,
leciona que: “No fundo, não são muito diferentes as polêmicas que giram
em torno da tal já referida declaratory theory do common law (uma teoria
segundo a qual o juiz não cria direito, mas “declara” o direito preexistente)
e do “positivismo” jurídico no civil law (o juiz decide conforme a lei)”.
Para concluir que: “Todos sabem que o juiz cria direito. É mais honesto
intelectualmente reconhecê-lo de uma vez por todas e tentar estabelecer
limites para esta ‘criatividade’ ou, em outras palavras, para o tal ‘ativismo’
judicial – que são conceitos muito próximos, cuja essência, no meu
entender, como observei antes, é idêntica”.
5
Nesse sentido, José Rogério Cruz e Tucci, Parâmetros de eficácia e
critérios de interpretação do precedente judicial: “A peculiaridade da
incidência do precedente em cotejo com a aplicação da lei consiste
sobretudo na amplitude da área de discricionariedade que os juízes
possuem. A individuação da ratio decidendi é uma operação heurística de
natureza casuístico-indutiva, pela qual a regra jurídica é extraída do
confronto entre a anterior decisão e o caso concreto submetido à apreciação
judicial. A sentença do juiz do civil law, a seu turno, também pressupõe um
labor intelectual, porém, de cunho normativo-dedutivo, no qual deve ser
apresentada uma justificação das circunstâncias fáticas e jurídicas que
determinaram a subsunção destes a determinado texto de lei”.
6
Vide os livros Manual de direito civil, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1980, e especialmente O direito, a lei e a jurisprudência, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1974.
7
Em O direito, a lei e a jurisprudência, p. 169-170.
8
Idem, p. 178-179.
9
Vide, sobre o tema, o livro Stare decisis et non quieta movere: a vinculação
aos precedentes no direito comparado e brasileiro, de Gustavo Santana
Nogueira, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, fruto da sua dissertação de
mestrado.
10
Teoria dos direitos fundamentais, 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 90-
91.
11
A notícia sobre o fato está disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/coti-dian/ff23109823.htm>.
12
Stare decisis et non quieta movere: a vinculação aos precedentes no direito
comparado e brasileiro, p. 174-178.
13
Segundo o autor, na obra supramencionada e com lastro em Lee Strang e
Polly Price, “os precedentes sobre matéria constitucional têm uma força
menor em comparação com precedentes que interpretam leis escritas ou a
common law, por causa da grande dificuldade de se eliminar um precedente
constitucional incorreto por meios extrajudiciais” (idem, p. 175).
14
Sucedida pela Supreme Court for the United Kingdom, em 2005.
15
BYRD, B. Sharon. Einführung in die anglo-amerikanische Rechtssprache:
Introduction to anglo-american law and language. München: Beck, 1997.
16
“Practice Statement (Judicial Precedent) [1966] 3 All E. R. 77 – Before
judgments were given in the House of Lords on July 26, 1966, Lord
Gardiner, L. C., made the following statement on behalf of himself and the
Lords of Appeal in Ordinary: Their lordships regard the use of precedent as
an indispensable foundation upon which to decide what is the law and its
application to individual cases. It provides at least some degree of certainty
upon which individuals can rely in the conduct of their affairs, as well as a
basis for orderly development of legal rules. Their lordships nevertheless
recognize that too rigid adherence to precedent may lead to injustice in a
particular case and also unduly restrict the proper development of the law.
They propose therefore to modify their present practice and, while treating
former decisions of this House as normally binding, to depart from a
previous decision when it appears right to do so. In this connection they
will bear in mind the danger of disturbing retrospectively the basis on
which contracts, settlements of property and fiscal arrangements have been
entered into and also the especial need for certainty as to the criminal law.
This announcement is not intended to affect the use of precedent elsewhere
than in this House.”
17
“(...) The following excerpt is from Lord Bridge of Harwich’s speech
representing the opinion of the majority of the House of Lords in Regina v.
Shivpuri: ‘I am thus led to the conclusion that there is no valid ground on
which Anderton v. Ryan can be distinguished. I have made clear my own
conviction, which as a party to the decision (and craving the indulgence of
my noble and learned friends who agreed in it) I am the readier to express,
that the decision was wrong. What then is to be done? If the case is
indistinguishable, the application of the strict doctrine of precedent would
require that the present appeal be allowed. Is it permissible to depart from
precedent under the Practice Statement (Judicial Precedente) [1966] 1
W.L.R. 1234 notwithstanding the especial need for certainty in the criminal
law? The following considerations lead me to answer that question
affirmatively. First, I am undeterred by the consideration that the decision in
Anderton v. Ryan was so recent. The Practice Statement is an effective
abandonment of our pretention to infallibility. If a serious error embodied in
a decision of this House has distorted the law, the sooner it is corrected the
better. Secondly, I cannot see how, in the very nature of the case, anyone
could have acted in reliance on the law as propounded in Anderton v. Ryan
in the belief that he was acting innocently and now find that, after all, he is
to be held to have committed a criminal offence. Thirdly, to hold the House
bound to follow Anderton v. Ryan because it cannot be distinguished and to
allow the appeal in this case would, it seems to me, be tantamount to a
declaration that the Act of 1981 left the law of criminal attempts unchanged
following the decision in Reg. v. Smith [1975] A.C. 476. Finally, if,
contrary to my present view, there is a valid ground on which it would be
proper to distinguish cases similar to that considered in Anderton v. Ryan,
my present opinion on that point would not foreclose the option of making
such a distinction in some future case.” BYRD, B. Sharon. Einführung in
die anglo-amerikanische Rechtssprache: introduction to anglo-american
law and language, p. 10-11.
18
Vide Christoph A. Kern, The respect for court decisions in German Law. In:
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim. O processo em perspectiva: jornadas brasileiras de direito
processual – Homenagem a José Carlos Barbosa Moreira, p. 147-150.
19
Christoph Kern, no estudo supramencionado, abordou o tema basicamente
sob o prisma do recrutamento e carreira dos magistrados, enaltecendo que a
seleção a partir de resultados obtidos em exames, na Alemanha, assim
como no Brasil, de certo modo, contribui para a independência dos juízes.
E, no país germânico, para o fortalecimento dos precedentes. Vide p. 151-
152.
20
Conforme dados indicados no primeiro capítulo. Vide, também, nesse
sentido: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes. Ações coletivas e
meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional,
4. ed., especialmente p. 31, e Poder Judiciário: problemas, propostas e
controle externo.
21
Os números são impressionantes especialmente na Corte Constitucional
alemã: entre 1951 e 1997, houve apenas nove mudanças de entendimento,
dentro de um total de 3.500 decisões. Ou seja, uma média de praticamente
uma alteração a cada cinco anos. Nesse sentido, Christoph Kern, The
respect for court decisions in German Law.
22
São 12 Turmas, denominadas Senate em alemão, Cíveis, 4 Turmas
Criminais e 8 Turmas Específicas. Todas elas especializadas para em
determinadas matérias, sem que haja competência concorrente. Há, ainda,
uma quinta turma criminal, com competência definida pelo território
específico de alguns estados.
23
The respect for court decisions in German Law, p. 154: “It should also be
noted that courts have since long held that lawyers must, in principle, know
the law and its interpretation by the courts. In particular, lawyers owe their
clients a professional duty to know all relevant precedents and to align their
legal counseling and procedural strategy with them. If the client suffers
damages as a consequence of a lawyer’s violation of this duty, the client can
sue the lawyer and his or her professional indemnity insurance company for
compensation. (…) However strict the liability is, a duty to know and
respect precedents makes only sense if the lawyer or civil servant must
expect that courts normally follow precedents. The existence of such duty
is, therefore, a sign of the high respect German courts normally show for
precedents; at the same time, it reinforces this respect.”
24
A ética dos precedentes, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
25
Gesetz über das Bundesverfassungsgericht
(Bundesverfassungsgerichtsgesetz – BVerfGG), § 31 (1) Die
Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts binden die
Verfassungsorgane des Bundes und der Länder sowie alle Gerichte und
Behörden.
26
Vide, neste sentido, ROSENBERG, Leo; SCHWAB, Karl Heinz;
GOTTWALD, Peter. Zivilprozessrecht. 17. Auflage, München, 2010, § 17,
Rn. 4.
27
Como referido em trabalho anterior: MENDES, Aluisio Gonçalves de
Castro Mendes. Precedentes e jurisprudência: papel, fatores e perspectivas
no direito brasileiro contemporâneo, In: MENDES, Aluisio Gonçalves de
Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.
Direito Jurisprudencial – II, São Paulo: RT, 2014.
9.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A JURISDIÇÃO. A
AMPLIAÇÃO DA ACEPÇÃO DE JURISDIÇÃO

A jurisdição1 é uma das funções do Estado, mediante a qual o Poder Público,


substituindo os titulares dos interesses em conflito, resolve, imparcialmente, a
lide. O Estado irá dizer, afirmar ou efetivar o direito a ser protegido. Nas
palavras de Chiovenda,2 “é a função do Estado que tem por escopo a atuação da
vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade dos órgãos
públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar
a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva”.
Decorre, desse modo, o caráter substitutivo da jurisdição, na medida que o
Estado proíbe a autotutela e, portanto, ao proibi-la, estabelece um dever para si
de atuar, de realizar uma atividade, no sentido de resolver o conflito, impondo às
partes uma solução que não foi proveniente dos envolvidos, mas, sim, decidida
por terceiro. A atuação pode se dar tanto no âmbito cognitivo, executivo ou
cautelar.
Na esfera cognitiva, exercendo uma atividade denominada de processo de
conhecimento, o juiz vai atuar no sentido de conhecer as alegações, o conflito,
com o objetivo de afirmar o direito. A solução do conflito pode passar também
por uma atividade executiva, ou seja, já há uma certeza em relação a quem
dispõe do direito, portanto não há mais uma dúvida em relação a quem esteja
correto, sob o ponto de vista do ordenamento jurídico, mas há uma resistência ao
cumprimento da obrigação que já está definida. A certeza já está
consubstanciada, materializada, em um título executivo judicial ou extrajudicial.
O que se vai reclamar ou pedir para o Estado é, na verdade, a realização de atos
materiais, para se conseguir que aquilo que deve ser seja efetivamente prestado.
No âmbito cautelar, a jurisdição é exercida apenas com caráter preventivo, para
se tomar uma medida urgente e capaz de assegurar provisoriamente, enquanto
não resolvido de modo definitivo em outro processo, um direito, com
probabilidade aparente e que, sem a atuação requerida e imediata, poderia se
tornar impossível ou de difícil realização.
A função legislativa busca a produção, a edição, de normas gerais e
abstratas. Então, o que se estabelece na verdade é um padrão, que estará
aguardando, a partir do momento de sua vigência, a realização de fatos e atos
concretos que se enquadrem exatamente à norma abstratamente estabelecida.
A função jurisdicional, em geral, também estabelece, na atividade cognitiva,
uma norma. Mas, classicamente, não uma regra geral e abstrata. Pelo contrário,
um comando concreto, ou seja, fixa uma determinação para o caso concreto,
tanto que, quando se forma a coisa julgada, provida dessa definitividade, é
fundamental se delimitar, no âmbito do que foi decidido, os seus limites
objetivos e subjetivos. Isso significa que a decisão estará relacionada ao caso
concreto, tornando-se imutável apenas para os que subjetivamente estavam
ligados ao processo.
Por exemplo, se há uma pessoa jurídica ou uma pessoa natural questionando
o pagamento de um imposto, alegando a inconstitucionalidade da lei que criou
ou majorou o tributo, a parte irá a juízo pedir a devolução da quantia recolhida.
Pede-se a devolução do tributo pago no ano passado. Se no ano seguinte, voltar a
ser cobrado de forma irregular ou indevida, haverá necessidade da parte ir ao
Judiciário para se insurgir contra o imposto exigido. Então, são objetos diversos.
Quando se vai ao juízo pedir que seja invalidado um determinado auto de
infração, é aquele auto de infração in concreto que será questionado. Ainda que
haja na causa, na argumentação levantada, uma questão que possa dizer respeito
a outras pessoas ou até àquela mesma pessoa em outros casos, a norma judicial
fixada não terá caráter abstrato ou genérico.
A rigor, só perante alguns órgãos judiciais3 é que se pode fazer o controle
direto da constitucionalidade das leis. Em geral, as pessoas não podem
questionar de forma abstrata a própria lei ou o ato normativo. Por isso é
importante saber qual foi o pedido feito na petição inicial, porque há o princípio
da congruência. O juiz só poderá julgar aquilo que foi pedido, ele não pode,
portanto, julgar nem fora do pedido, nem além do pedido, nem aquém do pedido.
O magistrado precisa julgar exata e tão somente o pedido. Isso difere
substancialmente da atividade legislativa, na qual se formulam leis gerais e
abstratas. Para tanto, se está falando do ato que substancialmente pode ser
considerado como lei.
A concepção tradicional supramencionada da jurisdição enfrenta, todavia,
algumas dificuldades práticas e teóricas. Como enfrentado no capítulo anterior,
pelo menos em duas hipóteses pode ocorrer um perigoso vácuo normativo: a)
diante de fatos novos não previstos expressamente no ordenamento; b) quando
ocorre controvérsia em relação ao sentido da norma ou da sua aplicação. Diante
das duas situações, o Poder Judiciário pode ser demandado, individual ou
coletivamente, para a resolução do conflito. Mas, além disso, o ordenamento
contém, atualmente, instrumentos de controle abstrato, especialmente quanto à
constitucionalidade das normas ou mesmo da sua omissão. Nesta última
hipótese, a própria Constituição já desenhava a possibilidade da atuação
normativa, abstrata e geral, do Poder Judiciário. Nesse sentido, podem ser
indicados, por exemplo, o mandado de injunção4 coletivo e o poder normativo da
Justiça do Trabalho5. Em todos os instrumentos apontados (ação direta de
constitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade, mandado de injunção
coletivo e poder normativo da Justiça do Trabalho), fica patente a preocupação e
a abrangência coletiva destes mecanismos, não se limitando a atuação
jurisdicional à resolução de casos concretos e individualizados. Não há que se
falar, por outro lado, em quebra do equilíbrio entre os Poderes. Em primeiro
lugar, porque o controle da constitucionalidade das leis é uma conquista
mundialmente aceita e praticada, considerando que a ausência de controle é que
propiciaria um poder desenfreado para se legislar sem a observância das normas
Constitucionais, que não são elaboradas, mas apenas interpretadas pelo Poder
Judiciário. Por sua vez, nas duas últimas ferramentas (mandado de injunção
coletivo e poder normativo da Justiça do Trabalho), a atuação é supletiva, não se
mantendo ou sobrepondo, respectivamente, em relação às leis e convenções que
venham a ser editadas.
Esta nova feição da jurisdição está relacionada com os princípios
constitucionais do acesso à justiça, da segurança jurídica, da isonomia e da
duração razoável dos processos. E conjuga a atuação coletiva, prévia e
instrumental do Poder Judiciário. A jurisdição não fica mais adstrita apenas aos
conflitos de Caio e Tício, para passar a pensar e a se nortear, cada vez mais, por
uma visão geral da sociedade. Outro elemento fundamental é que o Poder
Judiciário passa a se preocupar mais e a atuar, como visto na gênese do
Musterverfahren alemão, também a partir de técnicas de gestão, levando-o
inevitavelmente a soluções mais inteligentes, eficazes e eficientes em termos de
prestação jurisdicional. Dentro deste novo contexto é que surge, e deve ser
interpretado, o novo Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).

9.2. A ANÁLISE FORMAL DO IRDR

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, como a denominação já


indica, não se trata de uma demanda individual ou coletiva, mas, sim, de um
incidente processual. Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho
Lopes definem, com precisão, o conceito de incidente processual:

“Incidente processual. Conjunto de atos formalmente coordenados a


serem realizados no curso do processo. É um pequeno procedimento
inserido no contexto do procedimento maior. Exemplos típicos são os
incidentes de desconsideração da personalidade jurídica e de arguição
de inconstitucionalidade”.6

Mas, mesmo como incidente processual, possui peculiaridades


significativas.
A primeira peculiaridade é que, normalmente, os incidentes processuais,
como por exemplo o incidente decorrente da controvérsia quanto à
admissibilidade da assistência7; de desconsideração da personalidade jurídica8;
de impedimento ou suspeição9; de arguição de falsidade de documento10; de
remoção11; para indenizações decorrentes de atos processuais, como a prevista
no § 5º do art. 828 do CPC; de assunção de competência ou mesmo de arguição
de inconstitucionalidade, são baseados em relações processuais de duas partes
(autor e réu).
Quanto ao incidente de assunção de competência, há expressa disposição
afastando a admissibilidade em caso de repetição em múltiplos processos. No
entanto, quanto à arguição de inconstitucionalidade, bem como em relação a
outros, a possibilidade de o incidente ser representativo da controvérsia existente
em vários processos parece ser plausível, na ausência de regra proibitiva. Na
arguição de inconstitucionalidade, pelo contrário, a previsão contida no
parágrafo único do art. 949, quanto à desnecessidade de nova provocação,
quando já houver pronunciamento sobre a questão, parece indicar claramente a
possibilidade de se suscitar um incidente representativo da controvérsia de
múltiplos processos.
Entretanto, no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas o
procedimento padrão diz respeito à questão jurídica pertinente a processos
paralelos12, nos quais figura sempre um número significativo de interessados. A
metodologia é inerente ao procedimento estabelecido, pois haverá sempre um
interesse plúrimo em relação à questão de direito a ser decidida. O modelo
calcado em processos paralelos é algo relativamente novo no Direito Processual,
pois tradicionalmente os processos e os respectivos incidentes são calcados no
modelo da dualidade de partes. O sistema de procedimentos paralelos enseja
uma série de questões jurídicas processuais relacionadas a este novo modelo,
como a da competência, legitimação, comunicação dos interessados,
representação, possibilidades e limites para a intervenção, relação entre o
incidente e o julgamento dos processos paralelos, efeito vinculativo, recursos,
coisa julgada, revisão e rescisória.
9.3. O OBJETO DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS
REPETITIVAS

Durante o processo legislativo, pode-se dizer que houve, de certo modo,


uma controvérsia sobre a concepção adotada respectivamente nas versões
aprovadas no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Esta divergência foi
marcada especialmente pela abrangência do juiz como legitimado e se haveria a
necessidade de se instaurar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas a
partir de processos que pudessem estar tramitando na primeira instância ou se
apenas quando estivessem no tribunal, em razão de competência recursal ou
originária. Esta dualidade de concepções, por vezes, era apresentada como se
fosse o próprio objeto do IRDR, ou seja, se deveria ser julgada apenas a questão
jurídica, com a formulação da respectiva tese, ou se também a respectiva causa
em concreto. Em síntese, defende-se que o objeto do incidente seja (a) o
julgamento apenas da questão jurídica, com a formulação simplesmente da tese
jurídica; ou (b) do caso piloto, portanto do respectivo pedido.
Como se pode constatar na análise do processo legislativo13, o Senado
Federal, em segundo turno, optou expressamente pela primeira concepção, ao
excluir todos os dispositivos inseridos na Câmara dos Deputados, que exigiam a
presença prévia de processo em tramitação perante o tribunal.
A redação final, por sua vez, foi muito clara ao indicar um procedimento
voltado para a questão de direito controvertida14, no qual o conteúdo do acórdão
abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese
jurídica15 discutida. Julgado o incidente, a tese jurídica16 será aplicada a todos os
processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e
que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal17 (e não apenas no
próprio tribunal), inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do
respectivo estado ou região, bem como aos casos futuros18 que versem idêntica
questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do
tribunal. Não observada, naturalmente por outro órgão, a tese jurídica adotada no
incidente19, caberá reclamação. Se o incidente tiver por objeto questão relativa à
prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, será comunicado ao
órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva
aplicação, por parte dos entes sujeitos à regulação, da tese adotada20. Por sua
vez, o art. 986 indica a possibilidade da revisão da tese jurídica firmada no
incidente. E, por fim, o art. 987, menciona que do julgamento do mérito do
incidente, e não do posterior julgamento de processos ou recursos, caberá
recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.
Entretanto, neste momento, por razões metodológicas, não se pretende o
prolongamento desta discussão dentro deste tópico, ou seja, da sua natureza. Isso
porque o debate pertinente ao julgamento da causa originária, ou das causas
originárias, ou não pelo tribunal, ou melhor, pelo mesmo órgão, e
concomitantemente com o incidente, na verdade não diz respeito à natureza,
propriamente dita, do incidente. Isso porque, no ordenamento brasileiro, está
muito nítido que o objeto do incidente é a questão jurídica, com a formulação
de uma tese jurídica A controvérsia, sim, parece residir em relação aos
pressupostos para o cabimento do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, ou seja, se deve haver, necessariamente, processo em tramitação no
tribunal, para que esteja, digamos, firmada a competência para o julgamento do
incidente (segundo a posição restritiva) ou que se poderia suscitar o julgamento a
partir de processos em tramitação no primeiro ou no segundo grau (posição não
restritiva).
A discussão acima, sobre o pressuposto21, tem sido aglutinada com o debate
subsequente ao julgamento do IRDR, ou seja, quanto à constitucionalidade,
formal e material, do parágrafo único do art. 978, no sentido de atribuir ao
mesmo órgão, que efetua a apreciação do incidente, com a fixação da tese
jurídica, a competência para julgar igualmente o recurso, a remessa necessária
ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.
A segunda questão, pelo menos em tese, não representa uma decorrência
lógica e necessária da primeira. Ad argumentandum apenas, pode-se conceber,
por exemplo, que a causa em tramitação no tribunal seja um pressuposto,
indispensável, por exemplo, para a fixação da competência do tribunal para o
incidente (posição que não será, em princípio, a adotada neste texto). Mas, isso
não significa que o mesmo órgão interno tenha que julgar o incidente e o
processo em tramitação no tribunal, se admitida a inconstitucionalidade, formal
ou material do art. 978 do Código de Processo Civil. Do mesmo modo, pode-se
não admitir a tramitação da causa no tribunal como pressuposto, mas, por outro
lado, se entender que a regra prevista no parágrafo único do art. 978 seja uma
norma de prevenção, bem como que não tenha ocorrido qualquer violação
formal ou material. Portanto, embora paralelas e relacionadas, as duas
indagações devem ser apreciadas ao seu devido tempo e modo.
Por tudo isso e apenas para se elucidar, preliminarmente, o devido lugar e
tempo para a análise das questões, ou seja, dos requisitos e da competência para
a apreciação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, é que se
redigiram as linhas acima, a título de tentativa de saneamento, para que se possa
tornar ainda mais profícua a análise das controvérsias mencionadas, valendo
indagar se estas próprias questões acima ventiladas não poderiam ser objeto de
IRDR.

1
O autor pode discorrer mais longamente sobre a jurisdição em MENDES,
Aluisio Gonçalves de Castro. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009.
2
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições, 2. ed., v. II, p. 11. Trad. J.
Guimarães Menegale. Notas de Enrico Tullio Liebman. São Paulo: Saraiva,
1943.
3
Supremo Tribunal Federal, quando relacionada com a Constituição da
República, e do respectivo Tribunal de Justiça, quando pertinente à
Constituição do Estado.
4
Art. 5º, inciso LXXI, da Constituição da República.
5
Art. 114, § 2º, da Carta Magna.
6
DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho.
Teoria Geral do novo Processo Civil: de acordo com a Lei 13.256, de
4.2.2016. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 242.
7
Art. 120, parágrafo único, do CPC.
8
Art. 133 e seguintes do CPC.
9
Arts. 146, §§ 1º, 2º e 3º, e 148 do CPC.
10
Art. 436, inciso III, do CPC.
11
Art. 623, parágrafo único, do CPC.
12
Sobre a discussão em torno da bipartição entre processos com dualidade de
partes e o da vinculação de procedimentos paralelos, vide HESS, Burkhard;
REUSCHLE, Fabian; RIMMELSPACHER, Bruno. Kölner Kommentar zum
KapMuG: Gesetz über Musterverfahren in kapitalmarktrechlichen
Streitigkeiten (Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz – KapMuG), 2.
Auflage, Köln: Carl Heymanns, 2014, p. 22.
13
Conforme anteriormente mencionado, no capítulo sobre a genealogia do
incidente.
14
Art. 983 do CPC. Grifos nossos.
15
Art. 984, § 2º, do CPC.
16
Art. 985, caput, do CPC.
17
Art. 985, inciso I, do CPC.
18
Art. 985, inciso II, do CPC.
19
Art. 985, § 1º, do CPC.
20
Art. 985, § 2º, do CPC.
21
A utilização do termo pressuposto será oportunamente enfrentada. Mas,
desde logo, justifica-se a opção, por se entender que os requisitos estão
relacionados abstratamente aos processos em geral e não às condições da
ação, na medida em que a existência ou não de processo em tramitação no
tribunal como condição sine qua non independe da aferição em concreto de
elementos como as partes, o pedido ou a causa de pedir. Nesta direção, vide
a definição de pressupostos processuais em DINAMARCO, Cândido
Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do novo
Processo Civil: de acordo com a Lei 13.256, de 4.2.2016, p. 251.
Capítulo 10

CABIMENTO E REQUISITOS PARA O


INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS
REPETITIVAS

O incidente de resolução de demandas repetitivas exige o risco de ofensa à


isonomia e à segurança jurídica, diante da efetiva repetição de processos que
contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito. São
requisitos cumulativos. Há ainda divergência quanto à existência de outro
requisito, que seria a necessidade de pendência de processos relacionados à
questão jurídica objeto do IRDR no tribunal perante o qual tramitará o incidente.
Estes tópicos serão analisados separadamente nos itens seguintes.

10.1. EFETIVA REPETIÇÃO DE PROCESSOS QUE CONTENHAM


CONTROVÉRSIA SOBRE QUESTÃO COMUM DE DIREITO

Em síntese, havendo efetiva repetição de processos que contenham


controvérsia sobre questão comum de direito, de ofício ou a requerimento,
poderá ser suscitado o incidente, que será apreciado, em termos de
admissibilidade e mérito, pelo tribunal de segundo grau, com a suspensão de
todos os processos na área do tribunal que dependam da resolução da questão de
direito.

10.1.1. A efetiva repetição de processos

O primeiro elemento objetivo, portanto, é a existência de certo número


significativo de processos (repetição de processos). O legislador brasileiro não
fixou um número mínimo. No direito alemão1, o procedimento modelo
(Musterverfahren), no âmbito administrativo, fixou inicialmente2 o número
mínimo de 51 (superior a 50). Em seguida, no ano de 1996, houve mudança, que
entrou em vigor a partir de 01.01.1997, estabelecendo que o número deveria ser
superior a 20 processos, questionando a mesma medida administrativa.
O referencial legal alemão para a Justiça Administrativa pode ser
considerado uma base, mas mesmo nos casos práticos a quantidade de litígios foi
significativamente maior. No primeiro, antes mesmo da introdução na lei, foram
5.724. Em outros casos, o patamar foi sempre elevado de demandas, como nos
questionamentos relacionados ao aeroporto de Leipzig/Halle, no ano de 2004
(5.700 processos), do aeroporto de Berlin-Schönefeld, também em 2004 (4.000
demandas individuais) e ao aeroporto de Frankfurt am Main, em 2008 (mais de
200 processos)3.
A norma prevê que o tribunal poderá, inicialmente, conduzir um ou vários
procedimentos-modelo. Portanto, não basta o número mínimo. No caso do plano
de transporte de Kassel, foram instaurados 70 processos. Entretanto, o órgão
judicial entendeu que o Musterverfahren não seria necessário e conveniente para
a solução dos casos, tendo indeferido o processamento piloto. Houve recurso,
tendo o Tribunal Superior da Justiça Administrativa negado provimento4.
É de se registrar certa semelhança quanto ao juízo feito pelos tribunais
administrativos alemães, com o requisito construído no direito norte-americano,
em relação às class actions, no sentido da predominância das questões comuns e
da superioridade do instrumento processual coletivo. É uma análise prática, mas
calcada nos princípios do acesso à justiça e da duração razoável do processo, que
devem conduzir, em síntese, ao meio mais adequado para a prestação
jurisdicional. Esta aferição do instrumento mais eficiente também se faz
frequente, de modo geral, nas Civil Procedure Rules, da Inglaterra e do país de
Gales5.
Na esfera do Musterverfahren do mercado mobiliário, o legislador não
estabeleceu na KapMuG6 uma quantidade mínima de processos, mas, sim, o
número mínimo de 10 (dez) requerimentos de instauração do procedimento-
modelo. Portanto, pressupõe-se que haja um montante maior de processos.
No direito brasileiro, não se exigiu um número mínimo de requerimentos.
Pelo contrário, se permitiu que houvesse a provocação até mesmo de ofício, pelo
juiz ou pelo relator. Portanto, o importante é que haja um número suficiente a
tornar conveniente a utilização do incidente. Nesse sentido, parece que o direito
brasileiro pode e deve, neste aspecto, se socorrer dos critérios que norteiam as
class actions norte-americanas e também o Musterverfahren da jurisdição no
âmbito administrativo, que apontam para uma análise pragmática em termos de
superioridade do instrumento coletivo para que ocorra uma melhor prestação
jurisdicional. Os norte-americanos falam em predominância das questões
comuns e superioridade das class actions. De modo análogo, deve se analisar o
Incidente de Repetição de Demandas Repetitivas, ou seja, quanto à capacidade
deste instrumento para ser, de fato, o mecanismo processual mais adequado
diante do contexto. Portanto, se a efetiva repetição de processos, que dependam
da resolução da questão controversa, não for efetivamente significativa em
termos numéricos, o resultado obtido poderá não ser tão relevante, a ponto de
compensar as mudanças processuais decorrentes, especialmente a suspensão dos
processos e o procedimento especial estabelecido nos tribunais.
Nesse sentido, deve-se levar em conta não apenas o número existente de
processos em um determinado órgão jurisdicional, mas também em outros e até
mesmo quanto à potencial multiplicação de novos casos futuros, embora seja
necessária, no momento da provocação, uma efetiva repetição de processos.

10.1.2. A questão unicamente (rectius comum) de direito

Estar-se-á diante de questão de direito, que poderá ser material ou


processual. A identidade apenas fática não autoriza, ao contrário do que ocorre
no regime alemão, a instauração do incidente brasileiro. Por outro lado, o texto
legal (inciso I do art. 976) utiliza-se da expressão “unicamente de direito”. O
objetivo do legislador foi ressaltar que apenas as questões de direito poderão ser
definidas no incidente.
As questões de fato, que poderão ou não guardar também identidade,
embora possam ser admitidas como passíveis de apreciação concentrada em
outros ordenamentos, como no Musterverfahren alemão, não foram concebidas
dentro do objeto de apreciação no Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, segundo a previsão expressa do Código de Processo Civil. Isso não
significa, contudo, que, para a resolução dos casos concretos, não haja a
necessidade de aferição, e eventual produção de prova, em relação às questões
fáticas. Mas, esta análise, segundo o sistema brasileiro concebido, deverá ser
feita em momento posterior e de modo individualizado em cada processo.
É de se indagar, contudo, se a opção quanto à impossibilidade de análise
concentrada da questão fática, desde que comum, naturalmente, teria sido a
melhor. É claro que o procedimento modelo se tornaria mais complexo e haveria
as dificuldades decorrentes de uma eventual produção de prova, considerando
que o incidente, no Brasil, seria admitido e processado perante os tribunais de
segundo grau. Mas, ainda assim, soluções poderiam ser concebidas, como às
hipóteses em que houvesse apenas prova documental ou ainda que a prova
pudesse ser produzida perante o órgão de primeiro grau. Entretanto, há que se
convir que a falta de experiência quanto ao procedimento fracionado do IRDR,
com a limitação à questão jurídica, talvez o torne de mais fácil absorção, como
uma primeira experiência, deixando-se para um momento posterior, se positiva a
experiência, a ampliação do seu objeto. Portanto, melhor um passo seguro, ainda
que limitado quanto ao alcance, do que uma entrada abrupta em terreno ainda
não conhecido e sedimentado.
O incidente poderá ser suscitado em relação às questões de direito material
ou processual. Do mesmo modo, poderão ser questões preliminares, prejudiciais
ou posteriores ao mérito. O Código de Processo Civil não exigiu que fosse
pertinente ao mérito do pedido formulado na demanda. Poderá, portanto, ser uma
questão prejudicial ao mérito (constitucionalidade ou legalidade de um tributo
criado ou majorado, por exemplo) ou mesmo decorrente dele (como a
divergência estabelecida sobre uma regra pertinente à fixação de honorários
advocatícios de sucumbência), mas também uma questão processual preliminar
ao mérito ou posterior a ele, como, por exemplo, a controvérsia relacionada à
competência para o julgamento ou pertinente ao cumprimento da sentença,
respectivamente. Em sendo assim, como já mencionado anteriormente, o
incidente não está limitado aos denominados direitos individuais homogêneos.
Entretanto, como a própria denominação do instituto indica, as demandas
repetitivas, que têm por base especialmente os direitos individuais homogêneos,
são uma parte fundamental no espectro de abrangência do novel instrumento.
Registre-se ainda que, embora a norma mencione a singularidade da questão
jurídica, o incidente pode, e deve, dependendo do contexto, reunir mais de uma
questão jurídica, quando se fizer necessário para a elucidação dos processos
pendentes. Esta foi uma preocupação que norteou, praticamente desde o início, o
Musterverfahren alemão, no sentido de que os casos escolhidos como modelo
reunissem as questões e argumentos de modo representativo, de modo a
possibilitar, em seguida e a partir destes julgamentos paradigmáticos, a solução
de todos os casos pendentes, ainda que as alegações e questões não estejam
integralmente presentes em todos os processos. É o que vem se buscando
também nos recursos representativos, mediante o comando estabelecido
especialmente nos §§ 1º, 4º, 5º e 6º do art. 1.036, complementado pelo inciso III
do art. 1.037, do Código de Processo Civil.
Parece ser possível também, a título de técnica aplicável, a utilização de
subclasses, como praticado no direito coletivo norte americano. Desse modo, se
há questões comuns relacionadas, mas que podem ser metodologicamente
separadas, com o objetivo de facilitar o julgamento do incidente ou dos
processos pendentes, realiza-se a divisão das questões em subgrupos, o que pode
contribuir também para a melhor delimitação das teses e a posterior aplicação
aos casos concretos, nos processos suspensos.

10.2. RISCO DE OFENSA À ISONOMIA E À SEGURANÇA JURÍDICA

O segundo requisito, disposto no art. 976, inciso II, do Código de Processo


Civil, é que haja risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Pode-se falar
aqui em risco concreto e não abstrato. A simples existência de vários processos
em tramitação perante órgãos judiciais já potencializaria um risco eventual de
que fossem decididos de modo diverso, havendo, em tese, a possibilidade de
quebra da isonomia e da segurança jurídica. No entanto, se assim fosse, bastaria,
na verdade, o primeiro requisito, indicado no inciso I, do art. 976, do CPC.
Não basta, portanto, que haja a controvérsia entre partes, mas que esta esteja
efetivamente ensejando divergência no seio do Poder Judiciário, capaz de
comprometer, de fato, o princípio da isonomia e da segurança jurídica. E este
risco deve ser atual, como por exemplo alguns juízes começam a conceder e
outros a negar a concessão de liminares ou de antecipação de tutela. Do mesmo
modo, se alguns magistrados estiverem julgando procedente o pedido, enquanto
outros improcedente. Entretanto, se a questão já se encontra pacificada, com a
observância da tese, mesmo que em razão de eficácia meramente persuasiva, a
existência de divergência passada, ainda que este posicionamento continue a ser
apenas ressalvado, de modo isolado, por um único ou poucos magistrados, não
enseja o IRDR, se estes votos ou manifestações não estiverem produzindo
resultados negativos em concreto, por serem quantitativamente insignificantes,
isolados ou não estejam sendo reiterados na atualidade7. Contudo, se o problema
ainda é contemporâneo, na medida em que ainda haja a efetiva repetição de
processos e decisões proferidas em contraposição ao entendimento
predominante, com a capacidade de reiteração, haverá interesse (necessidade-
utilidade) na instauração do incidente, considerando-se o efeito vinculativo da
decisão proferida no IRDR.
Se a questão jurídica já tiver sido resolvida com a atribuição de efeito
vinculativo perante os órgãos judiciais envolvidos, como nas hipóteses previstas
no art. 927 do Código de Processo Civil, não haverá também interesse para a
provocação do IRDR, pois, se houver a aplicação da tese, se estará diante da
possibilidade de interposição do respectivo recurso ou de reclamação, conforme
o caso. Entretanto, se o efeito vinculativo não atinge apenas outros órgãos, como
na hipótese de IRDR apreciado por outro tribunal regional ou estadual, o
interesse existirá, se ainda não interposto recurso especial ou extraordinário
repetitivo.

10.3. REQUISITO NEGATIVO: QUE A QUESTÃO JURÍDICA NÃO


ESTEJA AFETADA EM RECURSO ESPECIAL OU
EXTRAORDINÁRIO REPETITIVO

O terceiro requisito expresso no § 4º, do art. 976, do Código de Processo


Civil, é o da inexistência de recurso, especial ou extraordinário, repetitivo, sobre
a mesma questão jurídica, já afetado por tribunal superior e pendente de
julgamento. A razão é a falta de interesse, pois a questão de direito, nesta
hipótese, já será resolvida, em grau superior e com efeito vinculativo em âmbito
nacional. Portanto, não faz sentido que concorram, em paralelo, o instrumento
regional ou estadual com o mecanismo nacional, que deveria, naturalmente,
prevalecer.
A norma expressa menciona apenas a afetação, mas se deve exigir que a
questão ainda esteja pendente de resolução. Isso porque, se já julgado o recurso
repetitivo, com a apreciação da questão jurídica, a tese firmada terá, com base no
art. 927, inciso III, in fine, efeito vinculativo sobre os órgãos judiciais em todo o
território nacional. Portanto, o desejo de suscitar o IRDR esbarrará no requisito
indicado no requisito anterior, pois não haverá mais o risco de ofensa à isonomia
e à segurança jurídica, porque pacificada a questão. A eventual inobservância da
tese deverá ser corrigida pelas vias ordinárias ou mediante a apelação. Não se
trata mais, por isso, de se iniciar um procedimento com o objetivo de se produzir
a uniformização da jurisprudência, com a fixação de tese que já fora firmada.
Por outro lado, é importante também afirmar que os recursos especiais ou
extraordinários afetados à sistemática repetitiva poderão, posteriormente, perder
esta qualidade, sendo desafetados, ou sequer ser conhecidos (como na hipótese
de não reconhecimento da repercussão geral8). Em assim sendo, o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas não encontrará mais óbice para a
instauração.
A afetação da questão jurídica a Incidente de Resolução de Demanda
Repetitiva perante outro tribunal de segundo grau, independentemente se federal
ou estadual, não impede, em princípio, a provocação de novos IRDRs. Ressalte-
se, entretanto, que a provocação de novos incidentes será possível apenas se e
enquanto não houver a determinação de suspensão de todos os processos
individuais e coletivos em curso no território nacional que versem sobre a
questão objeto do incidente, nos termos do § 3º do art. 982 do CPC. A suspensão
dos processos representará a sustação de todos os atos processuais que não se
enquadrem no âmbito da tutela de urgência, inclusive dos respectivos incidentes.
A medida de suspensão nacional tem exatamente o escopo de proporcionar ainda
maior economia e concentração na resolução da questão jurídica, evitando-se a
proliferação de inúmeros incidentes com o mesmo objeto.

10.4. A CONTROVÉRSIA EM TORNO DA EXIGÊNCIA DE QUE O


INCIDENTE TENHA COMO BASE APENAS PROCESSOS JÁ
EM TRAMITAÇÃO NO TRIBUNAL

Como mencionado anteriormente9, no decorrer do processo legislativo,


ficaram caracterizadas duas nítidas concepções sobre a moldura de instituto que
se pretendia construir, que correspondiam aos textos aprovados no Senado
Federal e na Câmara dos Deputados. Em síntese, a concepção que predominou
no Senado, tanto na versão aprovada em primeiro turno, quanto na redação final,
foi no sentido de que o incidente poderia ser provocado quando houvesse
processos em primeira instância ou no tribunal, razão pela qual o incidente
poderia ser suscitado tanto pelo juiz de primeiro grau quanto pelo relator, assim
como pelas partes, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública. No
Substitutivo da Câmara dos Deputados, no entanto, constavam dispositivos que
expressamente mencionavam a exigência de que, para ser suscitado, o incidente
deveria tomar como base processos que já estivessem em tramitação no tribunal
de segundo grau e, por isso, o IRDR não poderia ser provocado pelo juiz de
primeiro grau. Não obstante a clara manifestação a respeito, no parecer final que
norteou o texto aprovado em última versão no Senado Federal, que foi
sancionado e publicado, a controvérsia ainda persiste. Por certo, as duas posições
encontram-se embasadas em fundamentos jurídicos sólidos e serão a seguir
expostas.

10.4.1. A posição de que o incidente somente pode ser suscitado na


pendência de causa no tribunal
O entendimento, no sentido de que o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas somente poderá ser suscitado com lastro em processos que já estejam
tramitando no tribunal, possui, em termos de fundamento, algumas nuances, que
serão expostas a seguir, de modo separado, por razões metodológicas.

a) Competência dos tribunais de segundo grau fixada


constitucionalmente
O primeiro argumento seria de que os tribunais de segundo grau teriam a
sua competência fixada em normas constitucionais, ou seja, no art. 108 da
Constituição da República, para os Tribunais Regionais Federais, e nas
Constituições Estaduais, por força da determinação contida no § 1º do art. 125 da
Magna Carta. Portanto, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, ou
cláusula geral que pudesse abarcar esta possibilidade, deveria estar
expressamente arrolado nos respectivos textos constitucionais.
Invoca-se ainda que a natureza incidental não afastaria a necessidade de
previsão constitucional expressa, pois mesmo nestas hipóteses a Carta Federal
teve a preocupação de arrolar a competência dos tribunais, como nos conflitos de
competência entre juízes, cuja competência para os TRFs foi fixada no art. 108,
inciso I, alínea e.
Na falta de previsão expressa, os tribunais somente poderiam conhecer dos
incidentes pertinentes a processos que fossem da sua competência constitucional.
A tese, de fato, é sedutora, tendo em vista o princípio consagrado do juiz natural.
Entretanto, devem ser levados em consideração também outros aspectos.
Em primeiro lugar, o de que a competência dos tribunais de segundo grau
não é matéria constitucional. Poderia ser considerada como matéria
constitucional, no máximo, a organização e a competência do Supremo Tribunal
Federal10.
No âmbito dos tribunais superiores, nem todos possuem a discriminação da
sua competência na Constituição da República. No caso dos Tribunais
Superiores do Trabalho, Eleitoral e Militar, a competência é fixada pelo
legislador infraconstitucional11. A competência do Superior Tribunal de Justiça,
de fato, é fixada na Constituição da República. Entretanto, o legislador já
estabeleceu, mediante norma ordinária, a ampliação desta competência, fixando
o denominado Incidente de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados
Especiais Federais (JEFs), nos termos do art. 14, § 4, da Lei nº 10.259, de
12.07.2001. De modo similar, também foi instituído o pedido de uniformização
de interpretação de lei na esfera dos Juizados Especiais da Fazenda Pública,
perante o Superior Tribunal de Justiça, na hipótese do art. 18, § 3º, da Lei nº
12.153, de 22.12.2009. Em ambas as hipóteses, os respectivos incidentes não
estavam previstos expressamente no rol do art. 105 da Constituição da República
e eram suscitados a partir do julgamento proferido por outros órgãos (Turma
Nacional de Uniformização e Turmas Estaduais, respectivamente). Por sua vez,
estes incidentes não foram declarados inconstitucionais, mas, pelo contrário,
chancelados pelo Supremo Tribunal Federal, diante da necessidade de se
preservar a segurança jurídica e da compatibilidade com as funções exercidas
pelo Superior Tribunal de Justiça, justificando-se a utilização destes incidentes e
da própria reclamação, em caráter excepcional, diante, na ocasião, da
inexistência de procedimento semelhante no âmbito da Justiça Estadual12.
Os Tribunais Regionais Federais possuem, de fato, a sua competência fixada
na Constituição da República, nos termos do art. 108, bem como os Tribunais de
Justiça nas respectivas Constituições dos Estados, conforme determinação do art.
125, § 1º, da Carta Federal. Entretanto, o art. 108 da Constituição da República
não especifica todos os incidentes cabíveis e apreciáveis pelos TRFs,
concentrando-se principalmente nas causas originárias e nos respectivos
recursos, modelo que, em regra, é adotado também nas Constituições Estaduais.
Por isso, efetuou menção apenas ao conflito de competência entre juízes federais
vinculados ao Tribunal, nos termos da alínea e, do inciso I, do art. 108 da Magna
Carta.
No entanto, a Constituição Federal, assim como, em regra, as Estaduais, não
previram, dentro da lista de competências dos TRFs ou dos TJs, outros
incidentes, especialmente o de impedimento ou suspeição do juiz, ou mesmo de
instrumentos criados ou fortalecidos mais recentemente, como a reclamação. No
caso da recusa, pelo juiz, quanto à alegação de impedimento ou suspeição, o
Código de Processo Civil de 1973 já previa a remessa ao tribunal da exceção,
para julgamento, norma esta que nunca foi afastada, em razão dos fundamentos
agora levantados em relação ao IRDR. No CPC-2015, o mecanismo deixou de
ser chamado de exceção, sendo denominado expressamente de “incidente”. Mas,
em linhas gerais, seguindo-se o procedimento anterior, ou seja, não sendo o vício
reconhecido pelo juiz, é remetido o incidente ao tribunal, nos termos do art. 146,
§ 1º, parte final, que terá a competência para processar e julgar o incidente.
O argumento formal que nega a competência dos tribunais para o IRDR
parece também não atentar para a existência de outras hipóteses, além do
incidente de impedimento ou de suspeição do juiz, nas quais, de longa data, os
tribunais de segundo grau passaram a receber atribuições delimitadas pela
legislação infraconstitucional, em especial pelo próprio Código de Processo
Civil. É o que ocorre, por exemplo, no julgamento per saltum, introduzido
inicialmente no § 3º do art. 515 do CPC-1973, a partir da Lei nº 10.352, de
26.12.2001, e ampliado no CPC-2015, nos termos do art. 1.013, §§ 3º e 4º. São
hipóteses em que, a rigor, o tribunal estará julgando o mérito da causa, sem que
tenha havido o arrolamento expresso deste procedimento na lista da competência
fixada constitucionalmente.
Diga-se, de certo modo, o mesmo em relação à reclamação, com a agravante
(que deveria ser levantada pelos defensores da tese ora em comento) de que esta
se encontra literalmente inscrita na competência do Supremo Tribunal Federal
(art. 102, inciso I, alínea l) e do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, inciso I,
alínea f). No art. 108, entretanto, a ausência de previsão literal para a
competência dos Tribunais Regionais Federais não parece excluir este tribunal,
bem como os Tribunais de Justiça que não encontrem também a indicação da
reclamação na respectiva Constituição do Estado, do alcance amplo da
reclamação disciplinada nos arts. 988 a 993 do Código de Processo Civil de
2015.
Há ainda que se mencionar que, assim como os seus respectivos tribunais
superiores, os tribunais de segundo grau, no âmbito da Justiça do Trabalho,
Eleitoral e Militar, também não possuem as suas respectivas competências
fixadas por norma constitucional, o que tornaria o fundamento formal ventilado
desprovido de abrangência mais ampla, na medida em que o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas também pode ser, em tese, desde que
preenchidos os requisitos, suscitado no processo trabalhista, eleitoral e penal
(incluindo-se o militar).
Ressalte-se ainda que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é
um mecanismo processual completamente novo no ordenamento nacional.
Portanto, as Constituições, Federal e Estaduais, não poderiam prever algo
inexistente ao tempo das respectivas promulgações.
Portanto, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas deve ser visto
sob uma ótica mais ampla e menos formalista, pois atende aos preceitos maiores
da Constituição, especialmente o do acesso à justiça, da isonomia, da duração
razoável dos processos, da economia processual e da segurança jurídica. As
funções conferidas aos respectivos órgãos judiciais, no IRDR, por sua vez, estão
em conformidade com a organização e com o sistema de competências
estabelecidos na Carta Magna, dentro de uma concepção de uniformização
regional ou estadual do Direito, encontrando o ápice nacional nos tribunais
superiores.
Longe de afrontar, o novel incidente encontra a sua fonte maior na
Constituição de 1988, considerando que o acesso à justiça, previsto no inciso
XXV, deve guardar sintonia com os valores inscritos no caput do art. 5º, a
começar pela igualdade, considerando que se trata de um direito não apenas
individual, mas coletivamente considerado, como enunciado no seu Capítulo I,
do Título II, dos direitos e das garantias fundamentais.

b) O parágrafo único do art. 978 do Código de Processo Civil


Parte da doutrina13 funda a defesa da tese restritiva, no sentido de que o
IRDR somente poderia ser suscitado se houvessem processos já tramitando no
tribunal e apenas a partir destes, com fulcro na regra enunciada no parágrafo
único do art. 978 do Código de Processo Civil. Como este dispositivo estabelece
que o órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica
julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência
originária, de onde foi suscitado o IRDR, defende-se a indispensabilidade da
presença destes no tribunal, não apenas no momento do julgamento, mas da sua
provocação.
A apreciação deste fundamento exige, contudo, uma análise da norma,
contida no parágrafo único do art. 978, sob dois prismas: i) a sua
constitucionalidade, formal e material; ii) o seu sentido e alcance14.
O parágrafo único do art. 978 já foi objeto de comentário inicial, por ocasião
da análise do processo legislativo, ressaltando-se que a sua redação, e sentido,
não se faziam presentes em nenhuma das versões aprovadas inicialmente no
Senado Federal ou na Câmara dos Deputados. Portanto, estaria formalmente
contaminada pelo vício de inconstitucionalidade, em afronta ao disposto no art.
65 da Magna Carta, pois teria havido clara inovação no texto submetido
unicamente à votação final e promulgação.
Em acréscimo, a regra parece conter também vício material, por invadir a
competência legislativa interna privativa dos tribunais, para dispor sobre a
competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais, nos
termos do art. 96, inciso I, alínea a, da Constituição da República.
Por último, ainda que a norma não estivesse contaminada pelos vícios
supramencionados, restaria ainda a análise do seu conteúdo, sentido e alcance.
Parece ser evidente que se trata de uma norma de prevenção, provavelmente
motivada pelo desejo de que a aplicação da tese em concreto seja realizada com
a devida fidelidade, o que seria garantido, ou mais provável, se o mesmo órgão
judicial realizar também o julgamento, em sede de competência recursal ou
originária, do(s) processo(s) de onde se originou o IRDR. É claro que o IRDR
pode ter se originado de processo já em tramitação no tribunal. De modo algum,
se pretendeu afastar esta possibilidade, que decorre expressamente do sistema
instituído, na medida em que pode ser instaurado pelo juiz ou relator (inciso I do
art. 977), ensejando clara interpretação de que tanto os processos em tramitação
perante a primeira instância quanto no tribunal poderão ensejar o pedido de
instauração, pelo próprio órgão judicial ou pelos demais legitimados (incisos II e
III do art. 977). O importante, contudo, parece ser que a existência eventual de
uma regra de prevenção, no caso, não teria o condão de levar à conclusão de que
apenas os processos em tramitação no tribunal poderiam ensejar a instauração do
IRDR. Mas, sim, que naqueles instaurados a partir de processos em tramitação
no tribunal, o órgão competente julgaria a tese e a causa em concreto,
estabelecendo-se, assim, vis attractiva para a prevenção. Os demais aspectos
relacionados à competência, no sentido desta prevenção, serão apreciados no
capítulo pertinente.

c) O raciocínio dialético no sentido de que as questões jurídicas


precisam estar mais maduras para serem sedimentadas e uniformizadas
A escolha do modelo de procedimento padrão representa, por certo, mais
uma discussão relacionada à política legislativa do que propriamente de
interpretação. Registre-se, como já exposto no cotejo com o direito estrangeiro,
que, na Alemanha, foram estabelecidos dois sistemas, que ainda convivem, de
Musterverfahren. O procedimento modelo vigente nos órgãos judiciais que
julgam a matéria administrativa e de previdência e assistência social é realizado
perante a primeira instância, sendo admitido que haja a suspensão de todos os
processos, para que apenas um tribunal (de primeira instância) possa processar e
julgar o Musterverfahren. No entanto, no sistema adotado para os litígios
ocorridos no mercado de capitais, o órgão de primeiro grau, perante o qual houve
o primeiro requerimento de instauração do procedimento-padrão, apenas realiza
a admissibilidade, cabendo ao respectivo Tribunal de Justiça o julgamento dos
Musterverfahren.
A versão aprovada na Câmara dos Deputados estabelecia, como
anteriormente mencionado, que o IRDR somente poderia ser suscitado quando
os processos relacionados com a questão jurídica controversa já estivessem
tramitando no âmbito do tribunal. Por certo, haveria, com exceção dos processos
que chegassem ao tribunal em razão da sua competência originária, um debate
prévio no primeiro grau de jurisdição, fazendo com que as causas já estivessem
mais amadurecidas para o julgamento em segunda instância. No texto aprovado,
esta possibilidade não se encontra descartada. Pelo contrário, ao tribunal cabe
um juízo de conveniência a partir dos requisitos estabelecidos (efetiva repetição
de processos e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica), que poderá
levá-lo a certa dilação quanto à admissibilidade do incidente, quando considerar
que ainda não há uma quantidade tão significativa de processos ou que não se
estabeleceu um risco significativo de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
Mas, a opção legislativa foi claramente definida, no sentido de se priorizar a
duração razoável dos processos, a isonomia, a economia processual e a
segurança jurídica, que serão agasalhadas com a possibilidade de definição mais
rápida da questão jurídica e com a técnica de concentração em torno desta.
Ressalte-se ainda que houve o estabelecimento de um procedimento
especial, no qual se alargaram os espaços destinados ao debate, como será
oportunamente visto, permitindo-se a atuação paralela dos interessados15
(pessoas, órgãos e entidades), a intervenção obrigatória do Ministério Público, a
participação de amici curiae, a ampliação de prazos e a revisão da tese, além do
cabimento eventual do recurso especial e extraordinário diretamente em relação
ao IRDR. Tudo isso representa um espaço privilegiado de discussão em torno da
questão jurídica, talvez muito mais amplo, profundo e democrático do que o de
um simples caso individual, que poderia formar um precedente16, até mesmo
com caráter vinculativo, se incidente uma das demais hipóteses previstas no art.
927 do CPC.

10.4.2. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pode ser


suscitado a partir de causas em tramitação perante juízes ou
tribunais de segundo grau

O novo Código de Processo Civil estabeleceu uma clara inovação, com a


criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, a partir de um
sistema semelhante ao do Musterverfahren adotado na Alemanha para os litígios
do mercado de capitais. Contudo, no modelo brasileiro, o tribunal de segundo
grau decide apenas em relação à questão jurídica, fixando a tese respectiva, para
que haja a apreciação dos casos concretos pelo juiz natural, ou seja, o órgão
competente perante o qual tramita o processo, seja ele de primeira instância ou o
próprio tribunal.
A opção representa uma opção política no sentido de considerar a gravidade
dos problemas existentes, destacando-se o número excessivo de demandas
repetitivas, o congestionamento de processos no Poder Judiciário, a demora no
julgamento dos processos, a diversidade de pronunciamentos em torno de
questões comuns, a necessidade de fortalecimento da isonomia e da segurança
jurídica. A doutrina já apontava a necessidade do estabelecimento de
mecanismos que propiciassem maior economia e segurança jurídica no âmbito
de todo o Poder Judiciário e não apenas na esfera dos tribunais superiores. Por
isso, a adoção de um instrumento que somente pudesse ser acionado quando os
processos já tivessem alcançado os tribunais de segundo grau seria limitado
quanto ao seu alcance e resultado.
O risco seria grande se houvesse a limitação pretendida na versão aprovada
na Câmara dos Deputados. Isso porque haveria um requisito necessário, que
poderia retardar a instauração do IRDR, a ponto de comprometer os seus
objetivos. Ressalte-se que o novo procedimento se faz eficiente se for
instaurado, processado e julgado dentro de um tempo razoável. Do contrário,
poderá se prolongar uma situação patológica de quantidades imensas de
processos suspensos indefinidamente, gerando instabilidade e descrédito em
relação à prestação jurisdicional.
O mecanismo do IRDR aposta em uma solução a médio prazo, ou seja, a
partir de uma técnica de gestão, na qual a suspensão dos processos poderá gerar
economia. Presume-se que os órgãos judiciais poderão se concentrar em outros
processos. Em qualquer modelo eficiente de gestão, seria altamente questionável
se todos os envolvidos se dedicassem concomitantemente às mesmas funções e
atividades, sem que houvesse uma repartição mínima de trabalho. Embora a
futura aplicação da tese jurídica firmada não represente uma aplicação mecânica,
na medida em que se deverá analisar a adequação do caso fático à tese, a
economia existirá se, de fato, os juízes não tiverem que se debruçar, todos, sobre
as mesmas questões jurídicas. Se o IRDR, contudo, somente se torna admissível
em momento posterior, quando os processos alcançaram os tribunais, a tendência
é que os juízes já tenham despendido energias na análise das questões jurídicas
controversas, com a elaboração de decisões e sentenças sobre a matéria, de modo
que a economia será muito menor do que se poderia obter em um momento
anterior.
Por outro lado, os efeitos de decisões proferidas em sede de tutela
provisória, liminares ou de cumprimento de sentenças também poderão
significar um risco muito maior de quebra da isonomia e da segurança jurídica,
decorrente da maior demora na instauração e julgamento do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas.
A opção pelo julgamento concentrado não é peculiar apenas ao IRDR.
Representa tendência, com as respectivas consequências, adotada pelo
ordenamento brasileiro. Nesse sentido, podem ser apontados outros mecanismos,
como o das ações diretas de inconstitucionalidade e de constitucionalidade, o
mandado de injunção coletivo e individual, a arguição de descumprimento de
preceito fundamental, os recursos repetitivos, o modelo de arguição de
inconstitucionalidade nos tribunais e a criação da súmula vinculante do Supremo
Tribunal Federal.

1
Como visto, no respectivo capítulo.
2
Na primeira versão do § 93a, aprovada em 17.12.1990, que entrou em vigor
a partir de 1991. O Estatuto da Justiça Administrativa data de 21.01.1960,
tendo entrado em vigor no dia 01.04.1960. A atual versão é de 19.03.1991,
com modificações pontuais posteriores.
3
Vide KRUPPA, Jan J., Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz (KapMuG) –
Bestandsaufnahme und Perspektiven, p. 84-88.
4
BVerwG, Beschluss vom 01.04.2009, Az. 4 B 61.08, 4 B 62.08.
5
Vide: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de
resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 4. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 63; HODGES, Christopher. Multi-
party actions: a European approach. Duke Journal of Comparative &
International Law, vol. 11, number 2, Spring, 2001.
6
Lei sobre procedimento-modelo nos conflitos jurídicos do mercado de
capitais (Gesetz über Musterverfahren in kapitalmarktrechtlichen
Streitigkeiten – KapMuG). A previsão numérica se encontra no § 6.
7
A ausência deste requisito (risco de ofensa à isonomia e à segurança
jurídica) serviu como fundamento, além de outros, para se inadmitir um dos
primeiros IRDRs suscitados no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O
Ministério Público Federal havia proposto o incidente, para a fixação da
tese de que “a presença do Ministério Público em um dos polos da demanda
é suficiente para ensejar a competência da justiça federal para apreciar e
julgar o processo”. Entretanto, a questão já se encontrava, como se
encontra, pacificada na jurisprudência, restando apenas o posicionamento
tópico de órgãos judiciais. Nesse sentido: “4. Por fim, não se mostraria
apropriada, de qualquer sorte, à vista das circunstâncias, a adoção do IRDR
para ações civis públicas e ações de improbidade administrativa propostas
pelo Ministério Público Federal, quando eventual divergência seria de uma
única turma deste Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ao passo que o
Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal são acordes no
sentido de que a presença do MPF atrai a competência da Justiça Federal.
Basta pensar que: (i) admitido o incidente, o relator suspenderá os
processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou
na região, conforme o caso (art. 982, I, do CPC); (ii) a extensão da
suspensão a todos os processos individuais ou coletivos em curso no
território nacional, como previsto nos §§ 3º e 4º do art. 982, constituiria
evidente demasia, diante da posição isolada de órgão judicante; (iii) o
recurso extraordinário ou especial, contra o julgamento de mérito do IRDR
tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão
constitucional eventualmente discutida (art. 987, § 1º, do CPC), o que
potencializa a duração da suspensão dos processos e facilitaria o recurso
extraordinário em relação a questão já tranquila na Suprema Corte.” TRF-2,
IRDR, nº 0003096-69.2016.4.02.0000 (2016.00.00.003096-9), Órgão
Especial, Rel. Des. Luiz Paulo da Silva Araujo Filho, decisão em
27.10.2016, disponibilizada em 10.11.2016.
8
Nos termos do art. 1.039, parágrafo único, do CPC. Pode-se pensar em uma
situação restrita a uma região do estado, em que haja uma quantidade
razoável de demandas repetitivas, mas que o Supremo Tribunal Federal
venha a negar a repercussão geral. No caso, a multiplicidade local de
processos e o risco de ofensa à isonomia poderão ensejar o interesse em
relação à instauração do IRDR.
9
Vide sobre o processo legislativo no capítulo sobre as origens do Incidente
de Resolução de Demandas Repetitivas no direito nacional.
10
Mesmo assim, há ordenamentos constitucionais que permitem ao legislador
ordinário o estabelecimento complementar das competências da Corte
Suprema, como ocorre no art. 93 (2) da Lei Fundamental alemã.
11
Nos termos dos arts. 113, 121 e 124, parágrafo único, da Constituição da
República, respectivamente.
12
Nesse sentido, RE 571572 ED, Re. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j.
26.08.2009, DJe 223, RTJ, vol. 216-01, p. 540, valendo destacar na ementa:
“2. Quanto ao pedido de aplicação da jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça, observe-se que aquela egrégia Corte foi incumbida pela Carta
Magna da missão de uniformizar a interpretação da legislação
infraconstitucional, embora seja inadmissível a interposição de recurso
especial contra as decisões proferidas pelas turmas recursais dos juizados
especiais. 3. No âmbito federal, a Lei 10.259/2001 criou a Turma de
Uniformização da Jurisprudência, que pode ser acionada quando a decisão
da turma recursal contrariar a jurisprudência do STJ. É possível, ainda, a
provocação dessa Corte Superior após o julgamento da matéria pela citada
Turma de Uniformização. 4. Inexistência de órgão uniformizador no âmbito
dos juizados estaduais, circunstância que inviabiliza a aplicação da
jurisprudência do STJ. Risco de manutenção de decisões divergentes quanto
à interpretação da legislação federal, gerando insegurança jurídica e uma
prestação jurisdicional incompleta, em decorrência da inexistência de outro
meio eficaz para resolvê-la. 5. Embargos declaratórios acolhidos apenas
para declarar o cabimento, em caráter excepcional, da reclamação prevista
no art. 105, I, f, da Constituição Federal, para fazer prevalecer, até a criação
da turma de uniformização dos juizados especiais estaduais, a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na interpretação da
legislação infraconstitucional”.
13
Nesse sentido: CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil
brasileiro, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2017.
14
Embora sob este aspecto, o tema possa ser revisitado e aprofundado no
capítulo pertinente à competência. No presente momento, a análise estará
focada principalmente no debate pertinente aos requisitos.
15
Art. 983 do CPC.
16
O tema será retomado por ocasião da eficácia vinculativa do IRDR.
11.1. LEGITIMIDADE PARA O IRDR

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas poderá ser suscitado de


ofício, pelo juiz de primeiro grau ou pelo relator, bem como requerido pelas
partes, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública, por petição, nos
termos do art. 977, incisos I, II e III, do Código de Processo Civil.
Em razão da natureza do IRDR, este procedimento se caracteriza pela
multiplicidade de interesses paralelos, que serão afetados em razão do efeito
vinculativo da decisão proferida sobre a questão comum. Há, portanto, uma
característica muito distinta do processo tradicionalmente concebido como de
duas partes, ainda que possa haver o fenômeno do litisconsórcio em um ou nos
dois polos da relação processual. Nos processos paralelos, os interessados, assim
considerados todos os que discutam nos respectivos processos a questão objeto
do IRDR, não figuram, em princípio, como parte, mas, no sistema brasileiro,
dispõem do poder de atuação voluntária no incidente, para fiscalizar e
complementar as partes do incidente.
No Código de Processo Civil, há menção expressa aos interessados em
dispositivos como o § 4º do art. 982, para requerer a suspensão nacional dos
processos, nos termos do § 3º do art. 982; no caput do art. 983, que serão (rectius
poderão ser) ouvidos pelo relator, bem como requerer a juntada de documentos e
as diligências necessárias para elucidação da questão de direito controvertida; e
na alínea b, inciso II, do art. 984, para efetuar a sustentação oral. Entretanto,
deve ser tido como exemplificativo o rol mencionado, pois, de modo geral,
poderão praticar os atos processuais pertinentes ao incidente, considerando o
interesse jurídico inerente. Sendo assim, ainda que não mencionados, outros atos
poderão ser realizados, como a interposição de recursos ou o requerimento de
revisão da tese, em especial se a decisão não considerar aspectos relevantes da
fundamentação esposada pelos interessados.
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas se enquadra em uma
categoria relativamente nova de procedimentos, que têm como base processos
individuais paralelos e vinculados a questões comuns. Diferencia-se, em
princípio, das ações coletivas, porque estas se fundam em representantes
adequados, segundo a lei ou juiz. No âmbito dos procedimentos modelo, o
julgamento dos casos continua sendo feito de modo individualizado, embora
calcados em um pronunciamento concentrado focado em questões comuns. O
modo de escolha das partes atuantes no procedimento é variado.

11.2. OS SUJEITOS PROCESSUAIS NO MUSTERVERFAHREN


ALEMÃO

Na Alemanha, os dois sistemas de Musterverfahren também se diferenciam


sob o prisma subjetivo. No âmbito administrativo e social, a escolha é feita pelo
órgão judicial que, como mencionado, pode levar em consideração até mesmo o
grau de interesse das partes para a escolha dos casos que deverão servir de
modelo. Na esfera do mercado de capitais, houve um detalhamento maior das
regras aplicáveis e, como mencionado anteriormente, o Tribunal de Justiça
proferirá, em decisão irrecorrível, a designação das partes que atuarão no
procedimento modelo, como autor (Musterkläger) e réu (Musterbeglagte), nos
termos do § 9 (2) da Lei do Procedimento-Padrão no Mercado Mobiliário
(KapMuG). Como critérios para a escolha, o tribunal deverá considerar, por
expressa determinação da lei, (i) a aptidão do autor para conduzir de modo
apropriado o procedimento-padrão em consideração aos interesses das partes
paralelas afetadas; (ii) o acordo da maioria dos autores em relação a quem deva
conduzir o procedimento; (iii) a dimensão da pretensão que está sendo deduzida
em cada processo relacionado com o procedimento modelo.
Os aspectos considerados na legislação alemã podem e devem servir de
parâmetro, de lege ferenda, para o intérprete brasileiro. Isso porque quando o
IRDR for suscitado por sujeito que não seja parte, ou seja, pelo órgão judicial e,
em certos casos, pelo Ministério Público ou Defensoria Pública, caberá a estes a
escolha não de quem irá intervir no incidente, mas das peças que melhor
representem a controvérsia, a exemplo do que ocorre nos recursos repetitivos.

11.3. OS INTERVENIENTES NO IRDR: A INFLUÊNCIA NA


FORMAÇÃO DA TESE JURÍDICA

No ordenamento brasileiro, portanto, não cabe ao órgão judicial a escolha de


quem irá intervir no incidente. Entretanto, quando este é suscitado pela parte ou
mesmo pelo Ministério Público ou Defensoria Pública, quando não estiverem
figurando como parte, presume-se que o requerente irá acompanhar e intervir no
incidente. Contudo, quando suscitado pelo órgão judicial, revela-se certa
preocupação diante deste novo modelo de procedimento, em que há a figura dos
processos paralelos, com interessados que são partes nestes processos, mas que
não têm uma intervenção provocada no incidente.
Há, portanto, uma significativa mudança cultural e procedimental, pois, no
processo fundado em partes contrapostas, o autor formula a sua demanda e,
como tal, passa a integrar a relação processual. Por sua vez, o réu é citado e
passa a integrar o polo passivo. No IRDR, o procedimento poderá ser provocado,
instaurado e julgado sem que haja a interferência direta da maioria das partes
interessadas na solução da questão jurídica a ser dirimida. Esta característica
vem fazendo com que o novel instituto receba, por parcela da doutrina1, críticas
e até mesmo a alegação de inconstitucionalidade, em razão da eventual falta de
representatividade adequada.
Entretanto, há que se cotejar a crítica com a sistemática adotada em outros
institutos nos quais se produz resultado semelhante, no âmbito do direito
estrangeiro e também do direito nacional. Em especial, cabe aqui a comparação2
com o sistema de precedentes adotado nos países de common law e nos
pronunciamentos com caráter vinculativo, nos termos do art. 927 do Código de
Processo Civil. De maneira geral, e isso deve ser ressaltado, ainda que de modo
acaciano, o precedente possui relevância especial para a solução de outros casos.
Contudo, nunca se exigiu, nos precedentes, até porque esta característica
somente é revelada no futuro e não previamente, a representatividade adequada
ou outros requisitos típicos de processos coletivos. E as razões de decidir (ratio
decidendi ou holding) são extraídas de processos coletivos ou individuais
indistintamente, sem que se exija ou faça qualquer controle especial quanto à
representatividade adequada.

11.4. AS MEDIDAS FUNDAMENTAIS PARA A PRESERVAÇÃO DOS


DIREITOS SUBJACENTES AO IRDR SOB O ASPECTO
SUBJETIVO

Há que se registrar que no Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas, o aspecto subjetivo não foi desprezado. No procedimento, estão
previstas algumas medidas que são fundamentais para a preservação dos direitos
subjacentes aos interessados que ficarão vinculados à decisão proferida no
incidente. Dentre as providências previstas, devem ser destacadas (a) a mais
ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no
Conselho Nacional de Justiça e nos bancos eletrônicos dos tribunais; (b) a
intimação de todas as partes dos processos suspensos, que deve ser determinada
pelos respectivos juízes e relatores, imediatamente após a comunicação de
suspensão, nos termos do art. 1.037, § 8º, que deve ser aplicado também nos
casos de IRDR, combinado com o art. 982, § 1º, do CPC; (c) a possibilidade de
intervenção dos interessados no incidente, conforme supramencionado; (d) a
intervenção obrigatória do Ministério Público.
Das medidas acima, a intimação das partes que tiveram os seus respectivos
processos suspensos e que sofrerão o efeito vinculativo previsto no art. 927,
inciso III, do Código de Processo Civil, parece ser fundamental para que se
garanta a higidez do sistema. A intimação se faz necessária sob dois aspectos: (i)
controle da identidade entre a(s) questão(ões) de direito objeto do IRDR e as que
estejam sendo discutidas no processo suspenso, para que se possa verificar se a
suspensão e futura aplicação da tese jurídica são, de fato, pertinentes; (ii)
possibilitar que as partes do processo suspenso, possam, na qualidade de
interessados, acompanhar todo o procedimento do IRDR, exercendo os seus
respectivos direitos, inclusive aditando argumentos, requerendo a juntada de
peças processuais ou documentos, recorrendo e realizando todos os atos
necessários para que a questão jurídica seja apreciada a partir dos seus
fundamentos e interesses.
A inexistência da intimação, preconizada no § 8º do art. 1.037 do CPC, não
deve, no entanto, por si só, conduzir à ineficácia do efeito vinculativo em relação
à parte não comunicada e, muito menos, a qualquer problema quanto à validade
do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Parece que a inobservância
da regra aplicável ao IRDR, embora prevista para os recursos repetitivos, guarda
certa semelhança com a situação decorrente da ausência de notificação ao
membro da classe, nas class actions norte-americanas, sobre a existência da ação
de classe e a possibilidade do exercício do direito de exclusão (opt-out right)3.
Em ambas as hipóteses, a parte prejudicada deverá comprovar não apenas a
ausência da intimação, mas também, cumulativamente, que não tomou
conhecimento do IRDR e que os argumentos jurídicos levantados no seu
processo não foram efetivamente, de modo direto ou indireto, deduzidos e
apreciados no incidente, para que possa se afastar do efeito vinculativo previsto
nos arts. 927, inciso III, e 985, inciso I, do Código de Processo Civil. Neste caso,
parece que os princípios do acesso à justiça, do devido processo legal e do
contraditório serviriam de óbice para a subsunção obrigatória do caso concreto à
tese jurídica firmada. Como os argumentos não foram analisados, não ficariam
cobertos pelo efeito vinculativo do IRDR e poderiam, assim, ser acatados ou não
pelo julgador no caso concreto. Situação, portanto, semelhante à do membro da
classe que, nas class actions, não é notificado e consegue comprovar que acabou
sendo prejudicado pela impossibilidade de ter exercido o direito de exclusão,
porque teria fundamentos capazes de ensejar um julgamento diverso para o seu
caso.
As garantias destacadas não afastam outras que, ainda que não previstas
expressamente, podem ser adotadas, como a permissão de que os interessados
possam contar com o apoio de outros legitimados coletivos para a defesa dos
direitos, como entes públicos ou associações4. Esta intervenção pode ser útil para
que a intervenção dos interessados se realize de modo eficiente e organizado,
evitando-se a habilitação multitudinária de interessados e as consequências
negativas de um eventual tumulto processual em torno do incidente5.
No sistema brasileiro, a legislação estabeleceu basicamente quem seriam os
legitimados, a intervenção obrigatória do Ministério Público6 e a possibilidade
de participação dos interessados.

11.5. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DOS LEGITIMADOS PARA


SUSCITAR O IRDR

11.5.1. O juiz, o relator e os órgãos judiciais colegiados

No âmbito dos legitimados, cabe destacar cada uma das situações. Em


primeiro lugar, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas poderá ser
suscitado pelos órgãos judiciais, tendo o código indicado expressamente o juiz
ou o relator.
Há que se indagar se o órgão colegiado não poderia também suscitar o
incidente. E o ponto seria, em especial, relevante nas hipóteses em que a
necessidade de decisão concentrada sobre a questão jurídica fosse levantada
durante julgamento colegiado, em que o relator fosse vencido neste tópico.
Parece que, na hipótese, o posicionamento minoritário do relator não poderia ter
o condão de impedir, com base apenas na literalidade do inciso I do art. 977 do
CPC. Se o relator pode suscitar, com muito maior autoridade poderá o órgão
colegiado. É o que ocorre em situações semelhantes, como no próprio incidente
de arguição de inconstitucionalidade, em que a arguição é submetida, em um
primeiro momento, ao órgão fracionário, que acolhendo, encaminhará a questão,
em conformidade com a estrutura e com o respectivo regimento, ao plenário ou
ao órgão especial do tribunal7. No art. 948 do CPC, também se menciona que o
relator submeterá a questão à turma ou à câmara. Contudo, qualquer integrante
do colegiado poderá, naturalmente, suscitar eventual inconstitucionalidade a ser
declarada. Entretanto, o incidente somente será instaurado se o colegiado, por
unanimidade ou por maioria, entender pelo acolhimento.
No caso do IRDR exigiu-se, no entanto, menos, ou seja, aqui se permitiu,
sim, com o objetivo de se alcançar um resultado mais rápido, tendo em vista a
multiplicidade de processos, que o relator, desde logo, se antecipasse ao próprio
órgão fracionário, para suscitar direta e previamente o incidente. Mas, não o
fazendo desde logo, nada impede que o próprio relator ou qualquer outro
integrante do respectivo órgão fracionário suscite em momento posterior.
Em princípio, a iniciativa de provocação do incidente pode partir de
qualquer relator ou órgão do tribunal. Portanto, a proposta de instauração do
IRDR pode partir de questões surgidas em casos que estejam em tramitação no
Pleno, nas Seções Especializadas ou nas Câmaras e Turmas.
Em relação ao órgão judicial, é de se afirmar ainda que apenas poderá
provocar o incidente aquele que, de fato, possuir processos em que se discute a
questão controversa a ser dirimida no incidente. Neste ponto, se faz necessário
revolver, naturalmente, o posicionamento diante dos requisitos para a
instauração. Para os que entendem que a existência de processos em tramitação
perante o tribunal é condição sine qua non para que o tribunal tenha competência
para conhecer e julgar o incidente, afirma-se que isto não afastaria, por
completo, o reconhecimento da legitimidade do juiz para suscitar o incidente. O
magistrado de primeiro grau, no caso, poderia suscitar o incidente, indicando a
existência de processos no tribunal nos quais a questão jurídica comum tivesse
relevância. Mas, mesmo assim, parece que esta provocação teria que encontrar
fundamento na atuação em concreto do magistrado que estivesse processando ou
julgando causas relacionadas com a questão de direito a ser dirimida. Do
contrário, a atuação do magistrado estaria desvinculada das suas funções
jurisdicionais, não se compatibilizando com o seu mister e com os preceitos do
juiz natural e da inércia.
Entretanto, para a posição que afasta este requisito, caberá ao juiz e, de
modo geral, ao relator, que suscitar o incidente, instruir o ofício com os
documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos
para instauração do incidente, nos termos do parágrafo único do art. 977, a partir
dos processos que estejam sob a sua responsabilidade. Saliente-se, ainda, que o
requisito da efetiva repetição de processos pode ser aferido não apenas a partir
de um único órgão jurisdicional. Contudo, há que existir processos, ainda que em
quantidade não tão expressiva como em outros órgãos, para que o magistrado
possa identificar a questão comum e as peças representativas da controvérsia, de
modo a fornecer os elementos necessários para a apreciação da questão de
direito.

11.5.2. As partes

O autor ou o réu poderá suscitar o Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas, indicando a questão de direito do seu processo que seja comum com
a de outros processos, em quantidade significante e que estejam tendo solução
diversa perante os órgãos judiciais. Nada impede que alguns autores ou réus o
façam de modo conjunto. O dispositivo, inciso II do art. 977 do Código de
Processo Civil, menciona as partes, mas a indicação do plural diz respeito a que
qualquer uma delas poderá fazê-lo, não dependendo, naturalmente, do
consentimento da parte contrária, embora nada impede que ambos
convencionem neste sentido.
A atuação das partes no IRDR ocorrerá não apenas no momento do
requerimento, mas também na fase preparatória (nos termos do art. 983, em
prazo comum, no qual poderão requerer a juntada de documentos e a realização
de diligências necessárias para a elucidação da questão de direito); por ocasião
do julgamento, em sustentação oral (conforme art. 984, inciso II, alínea a); na
hipótese de interposição do recurso especial ou extraordinário, na condição de
recorrente ou de recorrido (art. 987); e, ainda que sem menção expressa, para
eventual postulação da revisão de tese. Em relação a este último aspecto, que
será aprofundado em capítulo específico, cabe apenas adiantar que, na redação
do texto aprovado, o art. 986 atribuía a revisão aos legitimados então indicados
no art. 977, inciso II, que, quando aprovado no Senado, reunia as partes, o
Ministério Público e a Defensoria Pública. No entanto, em revisão que antecedeu
o envio para a sanção presidencial, realizou-se o desmembramento do art. 977
em três incisos e o art. 986 passou a se referir, em manifesta violação ao
processo legislativo, apenas ao inciso III. Entretanto, a manutenção das partes,
como legitimadas para a revisão, não deve ser defendida apenas em razão do
indevido processo de revisão, mas porque possuem direta relação com a questão
jurídica apreciada e com a tese firmada.

11.5.3. Ministério Público

A atuação do Ministério Público no Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas encontra fundamento, em primeiro lugar, na incumbência de defesa
da ordem jurídica, nos termos do art. 127, caput, combinado com o art. 129,
inciso IX, ambos da Constituição Federal. No caso, a função que lhe foi
conferida pelo Código de Processo Civil, nos arts. 976, § 2º, e 977, inciso III, é
compatível com a defesa da ordem jurídica, considerando o caráter
uniformizador do direito a ser aplicado, em prol do princípio da isonomia e da
segurança jurídica, bem como do acesso à justiça, da duração razoável dos
processos e da economia processual. Por isso, ainda quando não for parte, deverá
zelar para que o IRDR busque a consecução destes valores, mediante o devido
processo legal.
Em segundo lugar, o funcionamento do Ministério Público poderá também,
eventualmente, estar voltado para a proteção de interesses coletivos, quando a
questão comum estiver relacionada a direitos individuais homogêneos, entende-
se que estes estão contidos na parte final do inciso III do art. 129 da Constituição
da República. Como já mencionado, o IRDR poderá ser suscitado para a
resolução de questão comum de direito. Portanto, sendo possível a sua utilização
para a resolução de questão de direito comum, de mérito ou processual, em
processos cujas demandas poderão ostentar um caráter heterogêneo em relação
às demandas formuladas. Entretanto, e provavelmente na maioria dos casos, o
incidente servirá, como o próprio nome indica, para a elucidação de questão
pertinente a demandas repetitivas, nas quais são pleiteados direitos individuais
homogêneos. Sendo assim, a presença do Ministério Público se fará necessária
para a proteção dos interesses coletivos, atuando na condição de parte ou em
função da sua intervenção obrigatória.

11.5.4. Defensoria Pública

A Defensoria Pública poderá cumprir um importante papel no Incidente de


Resolução de Demandas Repetitivas. A nova incumbência dá prosseguimento a
uma trajetória em que a Defensoria deixou de ter uma atuação apenas como
representante judicial em caráter individual para assumir um papel institucional
como legitimado extraordinário para a defesa de direitos e interesses coletivos.
Representa, assim, um salto de qualidade nas suas funções, pois pode deixar de
ter um desempenho atomizado, para desenvolver um trabalho mais amplo,
molecularizado e mais eficiente, pois, com o dispêndio de menos recursos, pode
pleitear e obter um alcance maior para as pretensões que lhe chegam no dia a
dia.
O pedido de instauração poderá ser feito não apenas quando for parte. Mas
também quando verificar que já existem processos em profusão com uma
questão jurídica comum, o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica e a
pertinência das demandas ou da questão comum com pessoas necessitadas, nos
termos do art. 134 da Constituição da República.
Ressalte-se que o funcionamento da Defensoria Pública deve estar em
sintonia com as incumbências constitucionais, ou seja, com a orientação jurídica
e defesa dos necessitados, sem que esta tenha um caráter de exclusividade.

11.6. DESPESAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO IRDR

O § 5º do art. 976 estabeleceu expressamente que não serão exigidas custas


processuais no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Não se
regulamentou, entretanto, as demais despesas, dentre as quais os honorários
advocatícios e a indenização de viagem (que pode ser necessária para o
deslocamento do advogado para a sede do TRF ou do TJ, bem como para o
Distrito Federal, se interposto recurso especial ou extraordinário e o causídico
não tiver o seu escritório no Distrito Federal).
A análise dos dispositivos relacionados aos honorários parece também
indicar no sentido de que no IRDR não haverá a fixação de honorários de
sucumbência, salvo na hipótese de interposição de recursos, considerando que,
nos termos do art. 85, § 1º, são devidos honorários advocatícios na reconvenção,
no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou
não, e nos recursos interpostos.
Mas ainda que não sejam considerados eventuais honorários advocatícios
decorrentes de sucumbência recursal, o problema das despesas, especialmente no
que toca aos honorários advocatícios, representam uma questão prática
importante e sobre a qual, infelizmente, não se debruçaram devidamente o
legislador e a doutrina nacional. Isso porque o IRDR provavelmente ensejará
despesas, com destaque para as decorrentes do funcionamento de advogados.
O IRDR pode ter diversas configurações, tendo em vista a diversidade de
legitimados. Por outro lado, o incidente é suscitado a partir de processos
coletivos ou individuais. Sendo assim, há um primeiro aspecto, de certo modo
cultural e decorrente da inovação, que é a falta de previsibilidade quanto à
existência do incidente. Isso porque a questão comum poderá ter a natureza
material ou processual, não sendo descartável a possibilidade de sua existência a
partir de qualquer processo, considerando que o IRDR poderá ser suscitado pelo
próprio órgão judicial, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, ainda
quando estes não sejam parte. E ainda quando o MP ou a Defensoria for parte, o
funcionamento de advogados poderá ocorrer na representação judicial da pessoa,
natural ou jurídica, que se encontrar no outro polo processual.
O aspecto mais importante é que o IRDR possui uma dimensão comum ou
coletiva, na medida em que o procedimento existe em razão da multiplicidade de
processos que dependem da resolução da questão de direito a ser resolvida.
Portanto, não se pode afirmar que o incidente interesse apenas às partes
originárias dos processos dos quais o IRDR foi provocado. Junte-se a isso que os
custos com o incidente podem ser de significativa monta, considerando a
dimensão estadual, regional ou nacional ou repercussão econômica que poderá
representar, bem como os serviços adicionais decorrentes: funcionamento no
IRDR propriamente dito, perante o tribunal de segundo grau, e também
eventualmente no respectivo Tribunal Superior e no Supremo Tribunal Federal,
diante da eventual, talvez provável, interposição de recurso especial (ou de
revista, se matéria trabalhista) e/ou extraordinário.
O problema poderá ser atenuado se forem intervenientes apenas órgãos
institucionais ou representativos, como o Ministério Público, a Defensoria
Pública, sindicatos, associações ou órgãos públicos, à semelhança do que
ocorreria em um processo coletivo. Entretanto, se presentes apenas pessoas
naturais ou jurídicas que não tenham este caráter institucional ou representativo,
a atuação direcionada ao IRDR poderá representar um elevado custo adicional,
até mesmo desproporcional com o objeto da demanda individual.
A importância da questão das despesas em incidentes/procedimentos
modelo foi considerada pelo legislador alemão na Lei sobre procedimento-
padrão para os litígios jurídicos envolvendo o mercado de capitais (KapMuG).
Nos §§ 24 e 26, adotou-se, em síntese, uma sistemática de repartição das
despesas realizadas no Musterverfahren com os respectivos interessados, que
tiveram os seus processos suspensos, em cada polo da relação. Entretanto,
algumas peculiaridades devem ser destacadas.
A primeira é no sentido de que houve a separação entre os custos pertinentes
ao Musterverfahren (procedimento modelo) em primeira instância e de eventual
recurso contra a decisão proferida pelo Oberlandesgericht (Tribunal de Justiça).
Em segundo lugar, diferenciou-se a sistemática adotada para a distribuição das
despesas entre autores e réus.
Nas respectivas alíneas 1 e 2 do § 24 da KapMuG, a repartição estabelecida
para as despesas pertinentes ao procedimento modelo em primeira instância
(leia-se perante o Tribunal de Justiça), tomou por base critérios diferentes para
autores e réus. Em relação aos primeiros, determinou-se que as despesas fariam
parte de todos os processos suspensos. Quanto aos réus, entretanto, fixou-se a
distribuição pro rata das despesas, levando-se em conta a proporção da
pretensão deduzida pelo respectivo autor em face do réu. O legislador previu
ainda que não serão consideradas para o rateio as pretensões formuladas em
processos nos quais houver desistência dentro do prazo de um mês após a
intimação da suspensão do respectivo processo individual.
No § 26 da KapMuG, as despesas pertinentes ao recurso cabível
(Rechtsbeschwerde), seguem uma sistemática diversa, ou seja, da sucumbência.
Portanto, serão repartidas entre recorrentes e interessados, se o recurso for
improvido. Do contrário, em caso de sucesso, as despesas serão atribuídas aos
recorridos e interessados. No caso de provimento parcial, aplicar-se-á a regra do
§ 92 do Estatuto Processual Civil alemão (Zivilprozessordnung – ZPO), que
estabelece, em síntese, uma repartição proporcional das despesas. Por outro lado,
se o recurso determinar um novo julgamento pelo Tribunal de Justiça, este
tribunal deverá deliberar também sobre quem deverá suportar as despesas
pertinentes ao recurso, segundo a sua discricionariedade. Por fim, remete-se,
mutatis mutandis, como aplicável, à norma inscrita no § 99 (1) da ZPO, que
considera que a decisão sobre as despesas processuais somente poderá ser
impugnada se em conjunto com recurso interposto quanto ao mérito da demanda,
no caso do Musterverfahren, ou seja, do procedimento-modelo.
No ordenamento brasileiro, a ausência de norma sobre as despesas que não
configuram custas judiciais poderá representar um problema prático relevante.
Sob o prisma jurídico, como mencionado, o julgamento do IRDR em si parece
indicar, à luz das regras gerais do CPC, para a conclusão de que cada parte
arcará com as suas despesas, na medida em que o Código não incluiu os
incidentes na lista das hipóteses em que são devidos honorários de sucumbência.
Entretanto, há menção expressa, como regra geral, para a incidência de
honorários sucumbenciais nos recursos interpostos, nos termos da parte final do
§ 1º do art. 85 do CPC, o que poderá, de certo modo, resolver ou atenuar o
problema do incremento de custos para o(s) interveniente(s) que se sair(em)
vitorioso(s). Será, entretanto, um fardo pesado, a ser suportado de modo
concentrado, para os que sucumbirem na etapa recursal.
O tema das despesas processuais, quanto às verbas que não configuram
custas judiciais, como as despesas de viagem e os honorários advocatícios,
precisa ser, portanto, devidamente equacionado e debatido, para que estes custos
não representem óbice ao acesso à justiça ou desestímulo à participação no
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Portanto, precisam ser
estabelecidas regras compatíveis com o caráter coletivo do instrumento,
repartindo de modo equilibrado e justo as despesas necessárias, como no caso de
honorários advocatícios. Nesse sentido, as normas já fixadas no direito
comparado, como no ordenamento alemão, poderão fornecer subsídios para a
formulação de regras apropriadas ao IRDR brasileiro, levando-se em
consideração peculiaridades, como a magnitude do número de interessados e de
processos suspensos.

1
Nesse sentido, devem ser mencionadas as ponderações de Luiz Guilherme
Marinoni, no livro Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas:
Decisão da questão idêntica x Precedente. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016, e de Marcos de Araújo Cavalcanti, Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas (IRDR), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
2
O tema será analisado e revisitado, de modo mais amplo e aprofundado, no
capítulo pertinente aos efeitos vinculativos da decisão. Neste momento, a
abordagem estará restrita ao aspecto subjetivo, ou da necessidade ou não de
representatividade adequada, para que possa ser apreciado o incidente e
resolvida a contento a questão jurídica comum.
3
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de
resolução coletiva no direito comparado e nacional, p. 65-94.
4
A previsão constava no substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados.
5
No Tribunal Regional Federal da 2ª Região tramitou processo criminal
envolvendo crime contra a ordem econômica, relacionado com consórcios.
Com base em previsão contida no Código de Defesa do Consumidor, um
número surpreendente de consorciados requereu a habilitação no processo
criminal, na condição de assistente, o que, a partir de certo momento,
acabou representando um grande problema para a tramitação do processo
dentro de uma duração razoável de tempo, tendo o relator proposto e o
colegiado acolhido, como solução, a habilitação tão somente de uma
associação de defesa dos consorciados, o que acabou colaborando para que
o processo criminal pudesse retomar o seu rumo.
6
Art. 976, § 2º, do CPC.
7
Nos termos dos arts. 948 e 949 do CPC.
Capítulo 12

COMPETÊNCIA PARA A ADMISSIBILIDADE,


PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO
IRDR E DOS PROCESSOS PENDENTES

12.1. COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE SEGUNDO GRAU

Note-se que não houve menção expressa a Tribunal Regional Federal ou


Tribunal de Justiça, bem como a Tribunal Regional do Trabalho ou a tribunal de
segundo grau em geral, no texto do Código de Processo Civil, especialmente no
Capítulo VIII, do Titulo I, do Livro III, da Parte Especial, que regula o Incidente
de Resolução de Demandas Repetitivas. A conclusão decorre de interpretação
sistemática e, naturalmente, autêntica, considerando todos os trabalhos
realizados ao longo do processo legislativo. Houve, contudo, indicação literal e
reiterada1 de que o requerimento de instauração seria dirigido a tribunal, que
teria a competência para a admissibilidade, o processamento e julgamento do
IRDR.
Por sua vez, o § 4º do art. 976 seria indicativo para afastar que não se tratava
de tribunal superior, pelo menos em relação aos processos que estivessem
tramitando perante os órgãos de primeiro e de segundo grau do Poder Judiciário.
Mas, a terminologia mais significativa adviria das expressões “estado ou região”,
utilizadas nos arts. 982, inciso I, e 985, inciso I. Portanto, quando se menciona
tribunal competente para a apreciação do IRDR, está se referindo, em regra, a
tribunal de segundo grau, ou seja, aos Tribunais Regionais Federais e aos
Tribunais de Justiça, no âmbito da Justiça Comum, para questões comuns
advindas de processos em tramitação no primeiro e no segundo graus de
jurisdição. Este parece ter sido o cerne da concepção do incidente: ou seja, a
possibilidade de instauração do IRDR, diante de questão de direito comum
repetitiva em processos tramitando perante juí-zes singulares ou tribunais de
segundo grau, cabendo a estes a competência originária para a apreciação do
incidente. Contra a decisão proferida, como se verá oportunamente, são cabíveis
os recursos extraordinário ou especial, conforme o caso, de acordo com o art.
987, caput, do CPC.
Entretanto, como já referido, o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas parece ser cabível não apenas na Justiça Comum, mas também nos
ramos especializados do Poder Judiciário. Se assim for entendido, a
competência, conforme o caso, será, respectivamente, dos Tribunais Regionais
do Trabalho e dos Tribunais Regionais Eleitorais. Na Justiça Militar Federal, não
há tribunais de segundo grau, razão pela qual o instituto não seria apropriado.

12.2. COMPETÊNCIA FUNCIONAL DO ÓRGÃO DEFINIDO PELO


REGIMENTO INTERNO, COM ATRIBUIÇÃO PARA A
UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

A apreciação do incidente caberá, nos termos do art. 978, caput, do Código


de Processo Civil, ao órgão do tribunal indicado no regimento interno, dentre
aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal. Será,
contudo, necessariamente, do plenário ou do órgão especial, quando se tratar de
arguição de inconstitucionalidade, nos termos do art. 97 da Constituição da
República. Do mesmo modo, se a competência couber ordinariamente a um
órgão interno especializado, como uma Seção ou Grupo de Câmaras, o incidente
deverá caber a um órgão mais amplo, como o Plenário ou o Órgão Especial,
quando o objeto for pertinente a mais de uma Seção Especializada ou Grupo de
Câmaras.
O caput do art. 978 foi preciso na remissão ao regimento interno dos
tribunais para a definição do órgão interno competente para o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas, referindo-se ainda ao papel uniformizador
da jurisprudência. Desse modo, não cometeu violação à competência legislativa
privativa dos tribunais, definida no art. 96, inciso I, alínea a, da Constituição da
República, para dispor sobre a competência e o funcionamento dos respectivos
órgãos jurisdicionais. Entretanto, considerando a natureza e a função do IRDR,
reforçou algo que seria inerente ao mecanismo criado: que fosse julgado por
órgão que tivesse composição e atribuição compatível para a uniformização do
entendimento do tribunal sobre a questão comum a ser apreciada.

12.3. A IMPORTÂNCIA DA ORGANIZAÇÃO E DA


ESPECIALIZAÇÃO PARA A UNIFORMIZAÇÃO DA
JURISPRUDÊNCIA E A FIXAÇÃO DE PRECEDENTES
VINCULATIVOS

Os mecanismos processuais precisam interagir com vários fatores, para que


possam cumprir o seu escopo. Certamente, a organização do Poder Judiciário é
um destes importantes elementos, por diversas razões. Por exemplo, se há uma
estrutura desproporcional com a competência atribuída, de nada adiantarão
normas processuais extremamente bem elaboradas. De certo modo, este é um
problema central no Brasil.
Embora não seja esta a sede apropriada para a ampliação e o
aprofundamento desta discussão, pode-se mencionar o acúmulo de competências
do Supremo Tribunal, especialmente na área criminal, como um sério problema,
considerando a função precípua da guarda e interpretação constitucional. Os
números avassaladores mostram o descompasso entre as funções constitucionais
atribuídas e a realidade do dia a dia, com o acúmulo de processos penais
originários, decorrente de uma alargada competência em razão da função.
Do mesmo modo, a estrutura diminuta do Superior Tribunal de Justiça para
o exercício de ampla competência para a uniformização do direito federal
infraconstitucional, extremamente amplo, diante das características de
concentração no Estado Federal brasileiro. Junte-se a isso a organização interna
pouco especializada, o que acaba por ampliar em muito o leque de matérias a
serem conhecidas, aprofundadas e pacificadas pelas Seções Especializadas do
Tribunal da Cidadania.
Por certo, a cultura generalista e a estrutura, por vezes, ainda pouco
especializada acabam contribuindo para o agravamento do problema da falta de
uniformidade e coerência nos julgados. Se a dificuldade é de difícil superação
em tribunais, comarcas ou seções judiciárias menores, diante do pequeno
número de órgãos e magistrados, que acabam fadados à denominada “clínica
geral”, nos tribunais maiores, a falta de especialização parece não se justificar.
O Código de Processo Civil de 2015 reforçou enormemente o papel
uniformizador dos tribunais, estabelecendo mecanismos e vinculações, como os
inerentes ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Mas, parece que
o escopo de construir um sistema de precedentes, de jurisprudência e de
súmulas, com credibilidade, estabilidade e coerência não depende apenas da
posição hierárquica dos tribunais, mas principalmente da capacidade persuasiva
dos fundamentos dos seus julgados. Esta qualidade demandará, antes de mais
nada, capacidade de organização, para que os tribunais possam julgar com
profunda proficiência sobre as matérias apresentadas. Para tanto, não podem ter
a ilusão de querer desmedidamente conhecer de tudo um pouco. Mesmo porque
a generalidade dificulta, por si só, a uniformização. Se em um tribunal com cem
desembargadores todos julgam todas as matérias, sem especialização, qual será o
órgão com capacidade real para a uniformização? A resposta talvez seja o Pleno,
porque todos os órgãos fracionários terão a mesma competência para julgar,
podendo, portanto, chegar a inúmeras conclusões diversas. Por sua vez, mesmo
órgãos menores, mas com caráter representativo, como os Órgãos Especiais,
poderão ter, na prática, dificuldades para a consecução do objetivo
uniformizador. Isso porque poderão expressar posicionamento diverso do
esposado pela própria maioria, considerando que todos possuem competência
para o julgamento das mesmas matérias. Por isso, parece que a solução mais
adequada, como já enunciava Mauro Cappelletti, no bojo da terceira onda
renovatória, é a especialização2.

12.4. CABIMENTO DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE


DEMANDAS REPETITIVAS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES
A sistemática concebida no Código de Processo Civil aponta, como
supramencionado, para uma primeira etapa da apreciação do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas no âmbito dos tribunais de segundo grau,
com a possibilidade de conhecimento, em sede de recurso especial ou
extraordinário, respectivamente pelo Superior Tribunal de Justiça ou Supremo
Tribunal Federal. Do mesmo modo, na área trabalhista, será cabível o recurso de
revista3, para o Tribunal Superior do Trabalho. Não há dúvida, portanto, que os
IRDRs poderão alcançar os tribunais superiores por força dos pertinentes
recursos excepcionais (ou extraordinários, em sentido lato). Trata-se, assim, de
competência recursal.
Contudo, os Tribunais Superiores possuem também competência originária
e, nesta função, poderão se deparar com controvérsia em torno de questão
comum de direito, material ou processual, que se repita em vários processos,
criando o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Saliente-se que o
Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu basicamente três mecanismos
para que os tribunais, em geral, possam realizar a uniformização do seu
entendimento: o Incidente de Assunção de Competência (IAC), o Incidente de
Arguição de Inconstitucionalidade (IAI) e o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas (IRDR). Por sua vez, o denominado Incidente de
Uniformização de Jurisprudência, previsto expressamente no CPC-1973, não se
encontra mais disciplinado no novo estatuto, suscitando certa dúvida quanto à
sua subsistência. O caput do art. 926 do CPC menciona que os tribunais devem
uniformizar sua jurisprudência, indicando, em seguida, no § 1º, que, na forma
estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, editarão
enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. Embora
possa haver uma certa área de comunhão (questão comum de direito repetitiva e
inconstitucionalidade ou grande repercussão geral), especialmente o caráter
repetitivo ou comum em significativa quantidade de processos parece
individualizar o objeto e o cabimento do IRDR.
Portanto, parece ser perfeitamente cabível o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas nos Tribunais Superiores, diante de causas originárias,
quando presentes os pressupostos do instituto, ainda que com modificações e
adaptações que possam ser feitas nos respectivos regimentos internos. Lembre-se
ainda que, como exposto no capítulo destinado ao Musterverfahren, que o
procedimento modelo alemão foi um mecanismo criado pelos tribunais
germânicos, sem que houvesse previsão legal expressa anterior. A concepção de
que o instituto poderia ser utilizado, como técnica de gestão e de julgamento
compatível com os preceitos constitucionais, foi chancelada pela Suprema Corte
Alemã e não há razão para afastar o mesmo raciocínio para a realidade brasileira,
até porque o modelo se encontra agora incorporado ao regramento processual
brasileiro. Entretanto, em nome do devido processo legal e da segurança jurídica,
recomenda-se que haja o devido disciplinamento no âmbito dos respectivos
regimentos internos.

12.5. JUIZADOS ESPECIAIS4

Embora a redação original do anteprojeto, bem como a versão inicial do


texto do projeto aprovada no Senado Federal não fizessem qualquer referência à
aplicação do incidente de resolução de demandas repetitivas aos Juizados
Especiais Cíveis, a lacuna acabou por ser identificada durante os debates
legislativos, chegando-se à conclusão de que a ausência de aplicação do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas aos Juizados Especiais poderia
comprometer sua eficácia, na medida em que neste microssistema se concentra,
de igual forma ou até maior, grande número de demandas repetitivas, que não
encontram tratamento adequado, ou suficiente, nos mecanismos de
uniformização atualmente existentes na legislação específica dos Juizados.
Não foi por outra razão que a Comissão Permanente de Processo Civil da
Associação de Juízes Federais do Brasil (AJUFE)5 levantou a questão junto ao
Relator do Projeto de novo CPC, na Câmara dos Deputados, Deputado Paulo
Teixeira, bem como aos juristas que o assessoravam, especialmente com Luiz
Henrique Volpe Camargo, elaborando a nota nº 05, expedida em junho de 2013,
em cujo item nº 27 se alertava:

Por fim, nas regras sobre o incidente de resolução de demandas


repetitivas, previsto no art. 995, aconselha-se que a obrigatoriedade da
decisão no incidente seja aplicada também para a Administração
Pública, e que seja permitida a instauração e julgamento pelo Juiz de
primeiro grau, o que permitiria abranger os Juizados Especiais
Federais.

Como resultado da preocupação manifestada pela AJUFE, embora não com


o formato pretendido pela associação e pela respectiva Comissão Permanente de
Processo Civil, inseriu-se no projeto do novo código, a partir do Substitutivo
aprovado na Câmara dos Deputados, expressa aplicação do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas também aos processos em tramitação nos
Juizados Especiais e respectivas Turmas Recursais, o que foi mantido na fase
final de sua tramitação no Senado Federal, resultando no art. 985, I, do novo
Código.

12.5.1. Breve digressão histórica em torno da criação dos juizados especiais


no Brasil

A doutrina estrangeira, há algumas décadas, vem apontando que o modelo


tradicional do processo civil não é adequado para a resolução de conflitos de
pequena expressão econômica, haja vista que os elevados custos nele envolvidos
tornam, na prática, inviável a propositura de demandas de pequeno valor, cujo
proveito econômico ficaria em grande medida, senão totalmente, absorvido pelas
despesas processuais e honorários advocatícios.
Buscando superar este obstáculo econômico, já no início do século XX
foram desenvolvidas experiências pioneiras de implantação de um modelo
alternativo e menos custoso de processo, apropriado à resolução de controvérsias
envolvendo somas financeiras relativamente modestas.6 Colhe-se da lição de
Oscar Chase que em 1912 foi estabelecido, no estado americano do Kansas, o
primeiro juizado de pequenas causas (small claims court), a partir da qual outros
estados americanos passaram a adotar semelhante iniciativa.7
A expansão deste modelo de cortes voltadas à resolução de conflitos de
pequeno valor, contudo, se deu a partir de estudos desenvolvidos pelos
professores Mauro Cappelletti e Bryant Garth, nos anos 1970, na pesquisa
conhecida como “Projeto de Florença”, na qual discorreram sobre as chamadas
ondas renovatórias,8 e que, dentre suas várias conclusões, apontou a criação de
juizados de pequenas causas como um dos importantes mecanismos para a
ampliação do acesso à justiça.
Conforme apontado no relatório final do Projeto de Florença, os elevados
custos que o processo acarreta para os litigantes, em especial as despesas
relacionadas ao pagamento de custas judiciais e de honorários advocatícios,
seriam os maiores obstáculos ao acesso à justiça (obstáculo econômico), quadro
que se agrava nos sistemas em que, como o brasileiro, se impõe ao litigante
vencido o ônus da sucumbência, já que, nesses sistemas, se o autor não tiver
absoluta segurança de sua vitória, submete-se ao risco de suportar não só as
próprias despesas, mas também de ter de reembolsar aquelas realizadas pela
parte contrária.9
Nas causas de menor valor, a barreira econômica ao acesso à justiça revela-
se ainda mais importante, ante a desproporção usualmente presente entre os
custos envolvidos na demanda e o benefício econômico que desta se pode
extrair. Com efeito, nas causas de pequeno valor os custos podem exceder o
montante da controvérsia ou, mesmo, consumir o conteúdo do pedido a ponto de
tornar a demanda uma futilidade.10
Some-se ao obstáculo econômico um segundo entrave particularmente
gravoso nas causas de pequeno valor, a morosidade na tramitação dos processos
no modelo tradicional, que opera como um fator de desestímulo à defesa de
direitos, em especial para o litigante eventual,11 pouco afeto às lides judiciárias e
que sofre com maior intensidade os efeitos nocivos dessa demora.12
Os reflexos das discussões desenvolvidas no plano internacional acerca do
acesso à justiça, após a divulgação da pesquisa dos professores Mauro
Cappelletti e Bryant Garth, foram sentidos no Brasil e influenciaram muitas das
reformas processuais havidas a partir dos anos 1980, com especial destaque, para
o que interessa ao nosso estudo, resultando na introdução de órgãos
jurisdicionais especificamente voltados à resolução de pequenas causas.
Inicialmente foi editada a Lei nº 7.244/84, que previu a criação dos então
denominados Juizados Especiais de Pequenas Causas, no âmbito das Justiças dos
estados, bem como da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, voltadas ao
julgamento “das causas de reduzido valor econômico” (art. 1º), e orientados
pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual
e celeridade (art. 2º).13
A inovação, como acentua Leonardo Greco, “representou uma das mais
aplaudidas reformas da administração da Justiça brasileira, pelo impacto positivo
que teve na facilitação do acesso à justiça para milhões de cidadãos”, sem
prejuízo de críticas pontuais que desenvolve sobre o novo modelo e cuja análise
ultrapassa os limites do presente estudo.14
Nos juizados de pequenas causas podiam ser propostas ações cujo valor não
ultrapassasse vinte vezes o salário mínimo (art. 3º) e cujos autores fossem
pessoas naturais (art. 8º),15 não se exigindo, para tanto, a assistência de
advogados, embora esta não fosse por absoluto vedada (art. 9º). Além disso, em
primeiro grau de jurisdição, não havia a necessidade de pagamento de quaisquer
custas processuais (art. 51), nem a condenação em custas ou honorários de
advogado à parte sucumbente, exceto quando caracterizada a litigância de má-fé
(art. 53).
Como se observa, o regramento introduzido na Lei nº 7.244/84 buscou
enfrentar de maneira muito evidente o problema dos custos do processo como
barreira ao acesso à justiça, bem como estabeleceu um procedimento
simplificado e mais concentrado, com o objetivo de se alcançar uma resolução
final em menor tempo do que aquele necessário para o julgamento de um
processo pelo modelo tradicional.
A Constituição da República de 1988 reconheceu a importância deste novo
modelo de resolução de conflitos, incorporando ao seu texto regra específica no
art. 98, dispondo inicialmente acerca da criação de juizados especiais na
estrutura da Justiça dos estados e do Distrito Federal e Territórios, com posterior
ampliação também à Justiça Federal, por força da Emenda Constitucional nº
22/99, que introduziu um parágrafo único ao art. 98, posteriormente renumerado
como parágrafo primeiro pela Emenda Constitucional nº 45/04.
Em cumprimento ao disposto no art. 98 da Constituição da República, foi
editada, inicialmente, a Lei nº 9.099/95, regulando os juizados especiais cíveis
no âmbito da Justiça dos estados, do Distrito Federal e Territórios,
complementada pela Lei nº 10.259/01 (que regulou os juizados especiais
federais) e, posteriormente, pela Lei nº 12.153/09, que instituiu os Juizados
Especiais da Fazenda Pública, integrantes da estrutura dos juizados especiais
estaduais.
A Lei nº 9.099/95 seguiu as linhas básicas da Lei nº 7.244/84, ao dispor que
o processo nos juizados deve se orientar pelos princípios da oralidade,
simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando,
sempre que possível, a conciliação ou a transação (art. 2º), independentemente
do recolhimento de custas (art. 54) e do pagamento de honorários advocatícios
sucumbenciais (art. 55) em primeiro grau de jurisdição.
No que diz respeito à competência cível dos Juizados Especiais, a Lei nº
9.099/95, em seu art. 3º, trabalhou com dois critérios distintos, a natureza da
matéria e o valor da causa. Sob um aspecto material, os Juizados Especiais
criados pela Lei nº 9.099/95 seriam competentes para todas as causas inseridas
no inciso II do art. 275 do Código de Processo Civil de 1973 (causas submetidas
ao procedimento sumário), bem como para as ações de despejo para uso próprio,
independentemente do valor envolvido. Já sob um aspecto relacionado ao valor
da causa, a Lei nº 9.099/95 ampliou para quarenta salários mínimos o teto de
valor para ajuizamento (art. 3º, I), muito embora exigindo a representação por
advogado nas causas cujo valor esteja compreendido entre vinte e quarenta
salários mínimos (art. 9º).
Como se vê, a Lei nº 9.099/95 buscou traduzir o conceito de causas de
menor complexidade contido no art. 98, I, da Constituição da República como
causas de pequeno valor ou causas cuja matéria em si seja simples (causas
submetidas ao procedimento sumário e ações de despejo para uso próprio), o que
será objeto de crítica específica no tópico seguinte deste trabalho.
No que se relaciona à legitimidade ativa, a Lei nº 9.099/95, inicialmente,
seguiu o modelo da legislação precedente, restringindo-a a pessoas naturais no
âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. No entanto, reformas posteriores levaram
a uma ampliação da legitimidade ativa, para admitir a propositura de ações nos
Juizados Especiais também por microempresas (art. 38 da revogada Lei nº
9.841/99, art. 2º da Lei nº 12.126/09 e art. 6º da Lei Complementar nº 147/14),
empresas de pequeno porte (art. 74 da Lei Complementar nº 123/06),
organizações da sociedade civil de interesse público e sociedades de crédito ao
microempreendedor (Lei nº 12.126/09), bem como por microempreendedores
individuais (Lei Complementar nº 147/14).
A Lei nº 10.259/01, editada em cumprimento à Emenda Constitucional nº
22/1999, instituiu os Juizados Especiais Federais e ampliou significativamente o
acesso à justiça, no que diz respeito às causas inseridas na competência da
Justiça Federal,16 em especial as causas previdenciárias, as causas em que
discutidas perdas inflacionárias experimentadas por pequenos poupadores e por
titulares de contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em
razão dos sucessivos planos econômicos havidos nos anos 1980 e 1990, bem
como as causas consumeristas envolvendo empresas públicas federais, em
especial Caixa Econômica Federal e Correios.
Registre-se, ainda, que a Lei nº 10.259/01 fixou em sessenta salários
mínimos o limite de valor da causa para ajuizamento de ações nos Juizados
Especiais Federais (art. 3º), patamar superior ao de quarenta salários mínimos
presente na Lei nº 9.099/95, que tratou dos juizados especiais cíveis estaduais e,
diferentemente do que se deu em relação aos últimos, não fez qualquer
diferenciação em faixas de valor para as quais exigida ou não a assistência por
advogados; ao contrário, no âmbito dos Juizados Especiais Federais, é permitido
ao autor demandar sem a assistência de advogado até o limite máximo do valor
de alçada estabelecido. De outra parte, a Lei nº 10.259/01, seguindo a linha
adotada em relação aos juizados estaduais, também estabeleceu que não haveria,
em primeiro grau de jurisdição, o pagamento de custas ou honorários
advocatícios sucumbenciais.
Por fim, suprindo uma lacuna da Lei nº 9.099/95, foram criados, pela Lei nº
12.153/09, os denominados Juizados Especiais da Fazenda Pública, integrados à
estrutura dos Juizados Especiais Cíveis, e voltados ao julgamento das causas de
pequeno valor em face de pessoas jurídicas de direito público estaduais,
municipais e do Distrito Federal, bem como das respectivas empresas públicas
(art. 5º, II).17 Como bem ressaltou Fernando da Fonseca Gajardoni, a instituição
dos Juizados Especiais da Fazenda Pública avança na bem-sucedida experiência
de criação dos Juizados Especiais Federais, possibilitando agora aos pequenos
contribuintes impugnarem lançamentos fiscais (tais como de ICMS e IPTU) ou
buscarem a anulação de multas de trânsito, com simplicidade, celeridade e
custos reduzidos.18 O valor de alçada aqui é também de sessenta salários
mínimos (art. 2º).
As Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/09, voltadas ao regramento dos
juizados especiais, formam aquilo que a doutrina ordinariamente denomina
microssistema dos juizados especiais,19 desenvolvido com o objetivo de
proporcionar um mecanismo econômico e célere de resolução de conflitos de
menor expressão econômica, de forma a minimizar os entraves ao acesso à
justiça relacionados aos custos e à duração dos processos, comparativamente ao
modelo tradicional.

12.5.2. O art. 98, I, da Constituição da República

Consoante exposto no tópico precedente, até o advento da Constituição da


República de 1988, os Juizados Especiais eram objeto de regulação no plano
infraconstitucional, em especial na Lei nº 7.244/84, editada sob os influxos das
pesquisas desenvolvidas no plano internacional pelos professores Mauro
Cappelletti e Bryant Garth no denominado Projeto de Florença.
Com a edição da Constituição de 1988, contudo, a matéria passou a ter
assento constitucional, prevista em seu art. 98.20 Posteriormente, a Emenda
Constitucional nº 22/99 introduziu um parágrafo único ao dispositivo
constitucional em questão, prevendo a possibilidade de sua criação também no
âmbito da Justiça Federal, parágrafo este posteriormente renumerado pela
Emenda Constitucional nº 45/04, correspondendo ao atual § 1º do art. 98 da
Constituição. O regime constitucional dos Juizados Especiais, tal qual regulado
no art. 98, tem dois aspectos de particular interesse para o presente tema.21
Em primeiro lugar, é de se observar que o texto constitucional conferiu à
matéria, no tocante à competência cível, um tratamento diferente daquele
presente na Lei nº 7.244/84. Esta lei, como referido, previu a criação de Juizados
voltados ao julgamento “das causas de reduzido valor econômico”, ao passo que
o art. 98 da Constituição da República dispôs que os mesmos seriam
competentes para “o julgamento e a execução de causas cíveis de menor
complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo”. Assim, no que
diz respeito à competência cível dos Juizados Especiais, o foco deixou de ser o
valor da causa para deslocar-se para a complexidade da causa. Essa alteração de
paradigma, contudo, não foi bem absorvida pelo legislador infraconstitucional.
A Lei 9.099/95, em alguma medida, ainda conseguiu incorporar a mudança,
eis que, como observado no tópico precedente, seu art. 3º, que trata da
competência cível, trabalhou com dois critérios distintos, quais sejam, a matéria
e o valor da causa, dispondo serem os Juizados Especiais Cíveis competentes
para o julgamento, sob o aspecto material, das causas submetidas ao
procedimento sumário (art. 275, II, do Código de Processo Civil de 1973) e das
ações de despejo para uso próprio, e, sob o aspecto do valor da causa, quando
este, ressalvadas algumas matérias expressamente excluídas (causas de natureza
alimentar, falimentar, fiscal, bem como as relacionadas a acidentes do trabalho, a
resíduos e ao estado e capacidade das pessoas), não ultrapassar quarenta salários
mínimos.
Em outras palavras, a Lei nº 9.099/95 traduziu a expressão causas cíveis de
menor complexidade contida na Constituição como causas cujas questões fáticas
e jurídicas discutidas sejam intrinsecamente simples (assim entendidas, nos
termos da lei, as causas sob procedimento sumário e as ações de despejo para
uso próprio) ou cujo valor seja diminuto (até quarenta salários mínimos, nos
termos da lei).
Já as Leis nos 10.259/01 e 12.153/09 adotaram como único parâmetro
definidor de competência o valor da causa, que não pode ultrapassar sessenta
salários mínimos. As causas cíveis de menor complexidade restaram limitadas,
nos termos desta lei, às causas de menor valor (assim entendidas aquelas que não
ultrapassem sessenta salários mínimos), de forma que estas leis não absorveram
a mudança de paradigma imposta pela Constituição, ficando atreladas ao valor
da causa, tal qual no sistema precedente, regulado pela Lei nº 7.244/84.22
A fixação da competência dos Juizados Especiais, no âmbito
infraconstitucional, a partir centralmente do valor da causa resultou em
sobreposição de competências (sob o aspecto material) dos Juizados Especiais e
respectivas Turmas Recursais, de um lado, e das Varas e respectivos Tribunais
Estaduais ou Federais, de outro, da qual vem resultando dificuldades não
equacionadas na temática da uniformização de jurisprudência, conforme se
abordará no próximo tópico.
Um segundo aspecto do texto constitucional com particular interesse para o
presente estudo é a imposição contida na parte final do inciso I do art. 98 da
Constituição, no sentido de que o julgamento de recursos seja feito por turmas
de juízes de primeiro grau, da qual decorreu a criação, nos juizados especiais
estaduais, federais e da fazenda pública, de turmas recursais e, ainda, no âmbito
dos juizados especiais federais, de uma turma nacional de uniformização, todas
elas integradas por juízes de primeiro grau. A Constituição Federal, portanto,
teria buscado conferir ao microssistema dos Juizados Especiais Cíveis
independência, relativamente aos órgãos jurisdicionais de segundo grau.
Sob tal perspectiva, seria possível questionar em que medida se harmonizam
com o regramento constitucional diplomas legais que busquem inserir, na
dinâmica de julgamento de processos da competência dos Juizados Especiais
Cíveis, órgãos jurisdicionais que não integrem a estrutura dos Juizados Especiais
Cíveis, em especial tribunais de segundo grau e Tribunais Superiores (com
exceção do Supremo Tribunal Federal).
Sobre este ponto, é importante observar que esta integração já se faz
presente, de certo modo, no regramento atual dos Juizados Especiais Federais e
dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, na medida em que as respectivas
leis, como será objeto de exposição mais detalhada no tópico subsequente,
preveem que o Superior Tribunal de Justiça integra os respectivos mecanismos
de uniformização de jurisprudência.
Com efeito, a Lei nº 10.259/01 prevê, no parágrafo quarto do art. 14, que,
havendo divergência entre o entendimento consolidado na Turma Nacional de
Uniformização de Jurisprudência e a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, este poderá ser provocado a se manifestar e a dirimir a divergência,
dando a palavra final quanto à interpretação da questão de direito material
controvertida. Dispositivo semelhante está presente na Lei 12.153/09, que prevê,
no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, a manifestação do
Superior Tribunal de Justiça quando houver divergência de interpretação de lei
federal entre Turmas Recursais de diferentes estados da Federação (art. 18, § 3º).
Houve quem se rebelasse contra as inovações advindas nas Leis dos
Juizados Especiais Federais e dos Juizados Especiais da Fazenda Pública,
imputando de inconstitucionais as inovações que preconizavam a uniformização
da jurisprudência pelo Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, o Supremo
Tribunal Federal não apenas afastou a alegação de inconstitucionalidade, como
apregoou a necessidade de criação também de instrumentos de uniformização na
esfera dos juizados especiais estaduais, facultando-se, diante do vácuo, até
mesmo a utilização da reclamação prevista no art. 105, I, f, da Constituição da
República, como se pode ler na ementa do julgado: 23

Embargos de declaração. Recurso extraordinário. Ausência de omissão


no acórdão embargado. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Aplicação às controvérsias submetidas aos Juizados Especiais
Estaduais. Reclamação para o Superior Tribunal de Justiça. Cabimento
excepcional enquanto não criado, por lei federal, o órgão
uniformizador. 1. (...). 2. Quanto ao pedido de aplicação da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, observe-se que aquela
egrégia Corte foi incumbida pela Carta Magna da missão de
uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional, embora
seja inadmissível a interposição de recurso especial contra as decisões
proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais. 3. No âmbito
federal, a Lei nº 10.259/2001 criou a Turma de Uniformização da
Jurisprudência, que pode ser acionada quando a decisão da turma
recursal contrariar a jurisprudência do STJ. É possível, ainda, a
provocação dessa Corte Superior após o julgamento da matéria pela
citada Turma de Uniformização. 4. Inexistência de órgão
uniformizador no âmbito dos juizados estaduais, circunstância que
inviabiliza a aplicação da jurisprudência do STJ. Risco de manutenção
de decisões divergentes quanto à interpretação da legislação federal,
gerando insegurança jurídica e uma prestação jurisdicional incompleta,
em decorrência da inexistência de outro meio eficaz para resolvê-la. 5.
Embargos declaratórios acolhidos apenas para declarar o cabimento,
em caráter excepcional, da reclamação prevista no art. 105, I, f, da
Constituição Federal, para fazer prevalecer, até a criação da turma de
uniformização dos juizados especiais estaduais, a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça na interpretação da legislação
infraconstitucional.

Do quanto se depreende do julgado do Supremo Tribunal Federal, embora a


Constituição tenha previsto que os Juizados Especiais devem ter órgãos recursais
próprios para julgamento dos recursos interpostos contra suas decisões, esta
regra deve se harmonizar à exigência de coerência da ordem jurídica, a fim de
que, na medida do possível, se consiga obter uma resposta uniforme do Poder
Judiciário, relativamente às diferentes questões jurídicas submetidas à sua
apreciação.
Em outras palavras, a regra do art. 98, I, da Constituição Federal exige, de
um lado, que os Juizados Especiais tenham uma estrutura organizacional própria
de revisão, composta por juízes de primeiro grau integrantes das turmas
recursais, o que vem sendo plenamente atendido pelas leis que regulamentam os
Juizados, tanto na esfera estadual quanto na federal. Mas, de outro, não impede
que mecanismos de uniformização de jurisprudência, ainda que integrados por
órgãos externos à estrutura dos Juizados, mas criados para conferir coerência e
unidade às respostas do Poder Judiciário, de forma a conferir maior segurança
jurídica e preservar a aplicação do princípio da igualdade previsto na
Constituição Federal, possam também alcançá-los, a exemplo do que já ocorre
atualmente, com a possibilidade de revisão de decisões dos Juizados Especiais
Federais e da Fazenda Pública pelo Superior Tribunal de Justiça.

12.5.3. O modelo de uniformização de jurisprudência nos Juizados


Especiais e suas deficiências

A criação dos Juizados Especiais foi, como já referido, importante medida


para a ampliação do acesso à justiça, configurando mecanismo inserido no
conjunto de propostas defendidas em estudos doutrinários, sobretudo após a
pesquisa empreendida nos anos 1970 pelos professores Mauro Cappelletti e
Bryant Garth, que teve forte influência no direito brasileiro, resultando, num
primeiro momento, na edição da Lei nº 7.244/84, sucedida pelas Leis nos
9.099/95, 10.259/01 e 12.153/09, que em seu conjunto formam o que se
convencionou chamar microssistema dos juizados especiais.
Não obstante, o sucesso dos juizados especiais, aliado à multiplicidade de
órgãos jurisdicionais que o integram, teve por consequência o surgimento, no
âmbito deste microssistema, de um problema de longa data presente no modelo
tradicional de processo e para o qual o legislador também vem há muito tempo
propondo soluções, nem sempre exitosas,24 qual seja, a existência de julgados
conflitantes acerca de uma mesma matéria.
Buscando solucionar ou, ao menos, minimizar os problemas decorrentes das
divergências jurisprudenciais no microssistema dos juizados especiais, o
legislador buscou, em especial por meio das Leis 10.259/01 e 12.153/09,
desenvolver mecanismos de uniformização de jurisprudência próprios para este
importante braço do mecanismo estatal de resolução de conflitos.
No entanto, o sistema de resolução de conflitos presente atualmente na
legislação processual, conquanto tenha muitas virtudes, apresenta ao menos três
deficiências graves que comprometem sua efetiva operacionalidade. Duas dessas
deficiências são internas ao próprio microssistema dos juizados, ao passo que a
terceira se poderia dizer externa, na medida em que decorrente da relação dos
juizados especiais com o sistema estatal de resolução de conflitos como um todo.
A primeira deficiência interna diz respeito à própria abrangência dos
mecanismos de uniformização de jurisprudência atualmente existentes, que não
alcançam os juizados especiais cíveis estaduais. A segunda deficiência interna
consiste na limitação material imposta pelo legislador aos mecanismos de
uniformização de jurisprudência, que não alcançam, como adiante se terá a
oportunidade de analisar, questões de direito processual, mas unicamente
questões de direito material. Por fim, a terceira deficiência, anteriormente
referida como externa, diz respeito à ausência de instrumentos que permitam a
uniformização da jurisprudência dos juizados com os respectivos Tribunais de
Justiça ou Regionais Federais, em decorrência do que se faz possível a existência
de posicionamentos conflitantes a respeito de um mesmo tema, no âmbito de um
mesmo estado ou Região, sem que haja qualquer mecanismo por meio do qual
esse impasse possa ser superado.
Antes de se proceder a uma análise dessas deficiências, cumpre inicialmente
fazer uma breve descrição de como estão estruturados os mecanismos de
uniformização de jurisprudência nos juizados especiais, em conformidade com o
direito atualmente vigente (Leis nos 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/09).
A Lei nº 9.099/95, como adiantado, foi omissa em relação ao tema, não
prevendo qualquer mecanismo de uniformização de jurisprudência. A
preocupação com a questão só começou a se fazer presente, do ponto de vista
legislativo, a partir da edição das Leis nos 10.259/01 e 12.153/09, que instituíram,
respectivamente, os Juizados Especiais Federais e da Fazenda Pública, estes
últimos no âmbito das Justiças dos estados, do Distrito Federal e territórios.
De fato, a Lei nº 10.259/01 introduziu, na esfera dos Juizados Especiais
Federais, um incidente que denominou pedido de uniformização de
interpretação de lei federal, admissível nas hipóteses em que há divergência
entre decisões de Turmas Recursais a respeito de uma mesma questão de direito
material, relativamente à interpretação de lei federal (art. 14, caput, da Lei nº
10.259/01).
Nas hipóteses em que as decisões conflitantes tiverem sido proferidas por
Turmas Recursais integrantes da mesma Região da Justiça Federal,25 o
julgamento do incidente será realizado em sessão conjunta das Turmas em
conflito, presidida pelo Juiz Coordenador (art. 14, § 1º, da Lei nº 10.259/01), ao
passo que, tratando-se de Turmas pertencentes a Regiões diversas, o incidente
será julgado por uma Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência (art.
14, § 2º, da Lei nº 10.259/01), órgão de superposição criado pela Lei nº
10.259/01, cuja missão é manter a unidade de interpretação da lei federal no
âmbito dos Juizados Especiais Federais.
É importante destacar, neste ponto, que o caput do art. 14 da Lei nº
10.259/01 restringe a admissibilidade do pedido de uniformização às
divergências de interpretação de normas de direito material, afastando sua
utilização nas hipóteses em que a questão a ser uniformizada disser respeito à
aplicação de regra de direito processual.
Além desse mecanismo para uniformização de jurisprudência no âmbito
interno dos Juizados Especiais Federais, prevê também a Lei nº 10.259/01 um
mecanismo para a uniformização de eventuais divergências entre a
jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização e a do Superior Tribunal de
Justiça, dispondo, no § 4º de seu art. 14, que, “quando a orientação acolhida pela
Turma de Uniformização [nacional], em questões de direito material, contrariar
súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça, a parte
interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência”.
O mecanismo supramencionado tem por finalidade assegurar a unidade na
interpretação do direito federal no âmbito dos Juizados Federais, de forma a
evitar que sobre um mesmo ato normativo prevaleça uma interpretação nos
Juizados Especiais Federais, em razão de decisão proferida pela Turma Nacional,
em desconformidade com o decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesse
sentido, até mesmo para evitar a consolidação de situações lesivas à isonomia,
pelo trânsito em julgado de decisões incompatíveis, autoriza a lei que o relator
do pedido direcionado ao Superior Tribunal de Justiça determine, de ofício ou a
requerimento do interessado, a suspensão de todos os processos em que a
questão jurídica controvertida está sendo debatida (art. 14, § 5º). Também poderá
o relator, no STJ, requisitar informações às Turmas Recursais e admitir a
manifestação de amici curiae (art. 14, § 7º), com o objetivo de ampliar o diálogo
processual em relação à questão de direito federal material controvertida.
Também se pode destacar, como dispositivo inovador da Lei nº 10.259/01, o
tratamento dispensado ao recurso extraordinário interposto contra decisão de
Turma Recursal. O art. 15 da Lei nº 10.259, por meio de remissão ao art. 14
desta mesma lei, autoriza o Supremo Tribunal Federal a determinar a suspensão
dos processos em que discutida a questão constitucional veiculada no recurso
extraordinário, de forma a que seja posteriormente aplicada a todos os processos
suspensos a solução final adotada no recurso extraordinário.
A suspensão dos processos, prevista nas hipóteses supramencionadas,
acabou se tornando regra no sistema de julgamento de questões repetitivas
adotado no Código de Processo Civil de 2015.
O regramento dos mecanismos de uniformização contido na Lei nº
10.259/01 viria a exercer clara influência sobre o legislador, ao regular, por meio
da Lei nº 12.153/09, os Juizados Especiais da Fazenda Pública, que passaram a
integrar a estrutura dos Juizados Especiais Cíveis das Justiças Estaduais.
A Lei nº 12.153/09 previu, de fato, a admissibilidade de um pedido de
uniformização de interpretação de lei quando Turmas Recursais, no âmbito dos
Juizados Especiais da Fazenda Pública, divergirem a respeito de questões de
direito material, dispondo ainda que a análise e o julgamento deste pedido de
uniformização serão feitos em reunião conjunta das Turmas em conflito (em
caso de Turmas Recursais de um mesmo estado), ou ainda, diretamente pelo
Superior Tribunal de Justiça, nas hipóteses em que a contrariedade se der entre
Turmas de diferentes estados, ou ainda entre decisão de Turma Recursal e
entendimento do Superior Tribunal de Justiça materializado em enunciado de
súmula (art. 18, caput e seus parágrafos). Também nas hipóteses em que
prevalecer, no julgamento de pedido de uniformização entre Turmas de um
mesmo estado (§ 1º do art. 18 da Lei nº 12.153/09), interpretação de lei federal
que contrarie súmula do Superior Tribunal de Justiça, será possível à parte
interessada provocar a manifestação do STJ, a quem caberá dar a palavra final
(art. 19, caput, da Lei nº 12.153/09).
É de se observar que não há, no sistema dos Juizados Especiais Estaduais da
Fazenda Pública, uma Turma Nacional de Uniformização, nos moldes do que
previu a Lei 10.259/01 para os Juizados Especiais Federais. Se a divergência se
estabelecer entre Turmas de estados diversos, a controvérsia será sanada
diretamente pelo Superior Tribunal de Justiça. Nos Juizados Especiais Federais,
como anteriormente observado, a atuação do Superior Tribunal de Justiça se dá
apenas depois que a questão houver sido enfrentada pela Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados e, ainda assim, apenas nas hipóteses em que o
entendimento firmado na Turma Nacional de Uniformização “contrariar súmula
ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça” (art. 14, § 4º, da
Lei nº 10.259/01).
De toda sorte, tanto nos Juizados Especiais Federais, quanto nos Juizados
Especiais da Fazenda Pública, o legislador reservou ao Superior Tribunal de
Justiça a palavra final em termos de legislação infraconstitucional, assegurando,
em tese, a unicidade da interpretação e da aplicação do direito federal em todo o
território nacional.
Também como um aspecto comum dos modelos de uniformização de
jurisprudência adotados nos Juizados Federais e nos Juizados da Fazenda
Pública encontra-se a limitação do objeto do pedido de uniformização às
questões de direito material. Essa restrição, no entanto, não parece adequada. O
Direito Processual integra, no Brasil, o direito federal (art. 22, I, da CRFB/88),
de forma que sua interpretação e aplicação também deve se dar de maneira
uniforme nos diferentes Juizados Especiais, não se justificando a exclusão de
eventuais divergências, quanto à sua interpretação, do âmbito do pedido de
uniformização de jurisprudência.
É de se ressaltar, no ponto, que, fora dos Juizados Especiais, esta limitação
não encontra eco, em termos de recurso especial ou mesmo no sistema de
julgamento de questões repetitivas (recursos repetitivos e IRDR). Pelo contrário,
o novo CPC expressamente incluiu no objeto destes mecanismos as questões
processuais.
Assim, a extensão da aplicação do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas ao microssistema dos Juizados Especiais tem como um dos aspectos
positivos suprir lacuna atualmente existente nesse ramo, que não apresenta
mecanismo satisfatório e efetivo de eliminação de divergências de interpretação
em questões de Direito Processual.
O Superior Tribunal de Justiça também pode, ao analisar pedido de
uniformização oriundo dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, determinar a
“suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida” (art. 19,
§ 2º, da Lei nº 12.153/09), de forma a assegurar a futura aplicação a estes casos
do entendimento que vier a ser firmado. É dispositivo semelhante ao contido na
Lei nº 10.259/01.
Desta breve exposição do modelo atual de uniformização de jurisprudência
prevalente nos Juizados Especiais Federais e nos Juizados Especiais da Fazenda
Pública resulta a constatação, anteriormente afirmada, de que o modelo atual
apresenta uma grave deficiência no que diz respeito à sua abrangência, na
medida em que não alcança os Juizados Especiais Cíveis integrantes da Justiça
dos estados, perante os quais tramita grande número de processos.
Com efeito, nada dispôs a Lei 9.099/95 acerca da uniformização de
jurisprudência, de forma que não há, no direito vigente atual, qualquer
mecanismo que permita uniformizar a jurisprudência das diversas turmas
recursais existentes em um mesmo estado, assim como inexiste mecanismo que
permita uniformizar a jurisprudência de turmas recursais de diferentes estados da
Federação.
Embora esteja em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº
4.723/04, cujo objeto é a alteração da Lei 9.099/95, com o fim de introduzir um
pedido de uniformização de interpretação de lei, em tudo similar ao já existente
na Lei nº 12.153/09, não há perspectiva concreta de sua aprovação no Congresso
Nacional em curto prazo.26
O projeto apresentado pelo Poder Executivo, no final do ano de 2004,
recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados, em sessão de 07 de março de 2007, sendo então remetido ao Senado
Federal, onde foi retombado como PLC nº 16/2007, sendo nesta Casa
apresentado substitutivo pelo Senador Valter Pereira, aprovado na Comissão de
Constituição e Justiça do Senado. Foi devolvido à Câmara dos Deputados em
agosto de 2010, onde aguarda deliberação desde então, verificando-se, do
histórico de sua tramitação, que desde agosto de 2011 não há avanço em sua
discussão naquela Casa Legislativa.
A ausência de mecanismos de uniformização no âmbito dos Juizados
Especiais Cíveis Estaduais é, sem dúvida, um obstáculo a ser superado, a fim de
que se possa trazer coerência e unidade a interpretação e aplicação do direito no
microssistema dos juizados especiais.
Além da limitação quanto à sua abrangência, há uma segunda deficiência,
ainda no âmbito interno do modelo de uniformização adotado no microssistema
dos Juizados Especiais Federais e da Fazenda Pública, qual seja, a expressa
limitação dos incidentes de uniformização a questões de direito material,
situação que possibilita o surgimento de diferentes interpretações acerca da
legislação que rege o procedimento a ser adotado no âmbito dos Juizados
Especiais, sem que haja qualquer mecanismo eficaz para a sua uniformização.
Por fim, como uma terceira deficiência do modelo atual de uniformização de
jurisprudência dos juizados especiais, cabe referir que os mecanismos de
uniformização introduzidos pelas Leis nos 10.259/01 e 12.153/09, bem como
aquele contemplado no projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional para
os Juizados Especiais Cíveis, apresentam lacuna de significativa importância,
qual seja, a inexistência de qualquer mecanismo de uniformização de
jurisprudência que permita harmonizar, se necessário, a jurisprudência das
Turmas Recursais Estaduais ou Federais ou ainda da Fazenda Pública com a
jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça de uma
mesma Região ou de um mesmo estado.
Os mecanismos concebidos pelo legislador limitam-se a buscar uma
uniformidade na interpretação e aplicação do direito material no âmbito das
Turmas Recursais ou ainda no que diz respeito a um eventual contraste entre o
entendimento prevalente nas Turmas Recursais e aquele consolidado no Superior
Tribunal de Justiça. Não há, contudo, qualquer mecanismo de uniformização de
jurisprudência apto a sanar eventual divergência jurisprudencial entre Turmas
Recursais Federais e Tribunais Regionais Federais de uma mesma Região ou
entre Turmas Recursais e Tribunal de Justiça de um mesmo estado da Federação.
No modelo até então existente, afigura-se plenamente possível que uma
mesma questão de direito material receba um tratamento jurisprudencial
absolutamente diverso, no âmbito de um mesmo estado ou região, a depender de
a causa, em razão de seu valor, tramitar nos Juizados Especiais ou nas Varas
Cíveis ou da Fazenda Pública, sem que os interessados disponham de qualquer
instrumento apto a eliminar tal divergência jurisprudencial.
Portanto, a extensão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
aos Juizados Especiais e Turmas Recursais, vem aperfeiçoar o atual sistema de
uniformização de jurisprudência no microssistema dos Juizados Especiais,
apresentando-se como um mecanismo apto a superar as três deficiências acima
referidas, contribuindo, assim, para um tratamento mais isonômico aos
jurisdicionados, bem como para conferir maior segurança jurídica e
previsibilidade na interpretação e aplicação do direito.

12.5.4. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nos Juizados


Especiais

O anteprojeto do novo código, bem como o texto aprovado na primeira fase


de tramitação do projeto perante o Senado Federal não faziam referência
expressa à extensão dos efeitos do julgamento do incidente de resolução de
demandas repetitivas ao microssistema dos Juizados Especiais, o que poderia
ensejar certa dúvida. A menção textual, contudo, foi incluída no Substitutivo
aprovado na Câmara dos Deputados27 e bem recebida no Senado Federal, quando
do retorno do projeto a esta última Casa. Sobre a inovação, inclusive com
expressa referência à sua compatibilidade com a Constituição da República,
destaca-se o seguinte excerto do Relatório Final nº 956 do Senador Vital do
Rêgo:28
Quanto ao art. 995 do SCD, que estende o alcance da tese jurídica
fixada pelo pertinente Tribunal a toda área de sua jurisdição, com
inclusão dos juizados especiais do respectivo estado ou região, é
preciso reconhecer a sua adequação. De fato, contra a extensão dos
efeitos do julgamento do incidente de demandas repetitivas aos
Juizados Especiais, ergue-se a tese da inconstitucionalidade, que, em
um primeiro momento, falsamente convence. Alega-se, em suma, que,
como a Carta Magna não deferiu competência recursal aos Tribunais
para decisões prolatadas no âmbito dos Juizados Especiais, seria
inconstitucional estender os efeitos de julgamentos feitos por aqueles
aos Juizados. No entanto, essa não é a melhor leitura da Carta Magna.
Em primeiro lugar, recorda-se que, no arranjo de competência
desenhado pela Constituição Federal, com posterior esclarecimentos
trazidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pela legislação
ordinária, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) assumiu o papel de, em
última instância, pacificar a interpretação da legislação
infraconstitucional, ao passo que o STF, o de uniformizar a
interpretação da Carta Magna. Causas provenientes dos juizados
especiais desaguarão no STJ ou no STF para uniformização de teses
jurídicas, seja por conta da reclamação (admitida pelo STF para os
Juizados Especiais Estaduais), seja na forma da Lei nº 10.259, de 12 de
julho de 2001 (para os Juizados Especiais Federais).
Esse fato demonstra que a intenção do legislador é a de garantir, ao
máximo, que todos os brasileiros tenham acesso a uma resposta
jurisdicional uniforme. O incidente de resolução de demandas
repetitivas segue essa orientação constitucional.
Em segundo lugar, os Juizados Especiais e os Tribunais locais e
regionais costumeiramente apreciam matérias jurídicas idênticas. Por
exemplo, demandas de revisão de contratos bancários, com alegação
de abusividade de taxa de juros, frequentam os Juizados Especiais e os
Tribunais. A diferença é que, no âmbito dos Juizados, há valor de
alçada. Nesses casos, diante de demandas multitudinárias, a
Constituição Federal, prestigiando o princípio da duração razoável do
processo, sediada no art. 5º, e reconhecendo a competência dos
Tribunais para pacificar o Direito no Estado ou na Região, empresta
seu irrestrito beneplácito a que os Tribunais possam, em sede de
incidente de resolução de demandas repetitivas, garantir a solução de
milhares de processos com teses idênticas de modo uniforme, com
possibilidade de eventual provocação futura do STJ, corte incumbida
da unificação nacional da interpretação da legislação
infraconstitucional.
O princípio constitucional da duração razoável do processo e o
desenho de competência jurisdicional feito pela Lei Maior com olhos
na busca de uma tutela jurisdicional efetiva e uniforme aos brasileiros
de cada estado ou região aplaudem a solução empregada pelo caput do
art. 995 do SCD. Portanto, é forçosa a manutenção de seu teor, com os
ajustes redacionais que haverão de ser explicitados.

Como se observa, a manifestação contida no parecer final aprovado no


Senado Federal, no tocante à constitucionalidade da extensão dos efeitos do
incidente de resolução de demandas repetitivas, segue a mesma linha defendida
no presente texto, qual seja, a de que inexiste inconstitucionalidade, por violação
ao art. 98, I, da Constituição da República, em se impor aos Juizados Especiais a
observância da tese jurídica definida no incidente, na medida em que esta
disposição deve ser interpretada de maneira conjunta com os princípios da
segurança jurídica e da igualdade de tratamento que decorrem da própria
Constituição.
Não se vislumbra qualquer incompatibilidade com o texto constitucional, no
disposto no inciso I do art. 985 do CPC de 2015, no sentido de que a tese
jurídica resultante do julgamento do incidente de resolução será aplicada “a
todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de
direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive
àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região”.
É certo que a redação final do novo Código de Processo Civil não acolheu
por inteiro a proposta formulada pela Comissão Permanente de Processo Civil da
Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), no sentido de estabelecer
expressamente que o incidente de resolução de demandas repetitivas fosse
aplicado também no âmbito dos Juizados Especiais, onde seria instaurado e
julgado, respeitando-se, naturalmente, as suas peculiaridades e estrutura.
A proposta original apresentada pela AJUFE era a de que o IRDR pudesse
ser suscitado, admitido e apreciado também no âmbito dos Juizados Especiais,
pelos respectivos órgãos responsáveis pela uniformização de jurisprudência,
tanto no âmbito estadual, quanto no regional na Justiça Federal, o que se
afiguraria adequado, diante do comando constitucional estabelecido no art. 98,
inciso I, parte final, que restringe o julgamento de recursos por turmas de juízes
de primeiro grau.
Seria de duvidosa constitucionalidade a edição de norma que avocasse para
os Tribunais de Justiça e para os Tribunais Regionais Federais a competência
para analisar ou rever julgados proferidos pelos Juizados Especiais, na medida
em que tal disposição afrontaria o sistema instituído pela Magna Carta. Em
termos práticos, do mesmo modo, causaria embaraços e dificuldades para ambas
as estruturas. Haveria, de um lado, o completo esvaziamento dos órgãos
revisores dos juizados especiais e, de outro, traria um enorme acervo para os
tribunais estaduais e regionais federais, que passariam a julgar questões, muitas
vezes, completamente estranhas e distantes das suas competências até então
estabelecidas.
O novo código, porém, seguiu um caminho intermediário. De um lado, não
previu expressamente a instauração e o julgamento do incidente no âmbito dos
Juizados Especiais, mas, de outra parte, também não impôs qualquer avocação
de processos em tramitação no âmbito deste microssistema.
Como anteriormente exposto, a definição da competência dos Juizados
Especiais, em geral, é dotada de certa complexidade. A Constituição da Repú-
blica estabelece que os Juizados Especiais serão competentes para “causas cíveis
de menor complexidade”. Portanto, como já exposto, a menor complexidade
pode advir da própria matéria, criando uma faixa de competência exclusiva para
o conhecimento e julgamento por parte dos juizados especiais (como é o caso,
nos Juizados Estaduais, do despejo para uso próprio e das matérias submetidas
ao procedimento sumário), ou ser aferida, na generalidade dos casos, em razão
do valor da causa, embora a matéria não o seja, por definição, complexa. Por
conseguinte, embora os juizados especiais possam ter algumas matérias de
competência exclusiva, o que se verifica, de fato, é uma ampla área de
sobreposição de competências materiais concorrentes, até mesmo em razão da
facultatividade da propositura de demandas nos Juizados Cíveis da Justiça dos
estados, Distrito Federal e Territórios.
A conclusão acima encontra reforço, em especial, na Lei nº 9.099/1995, que
expressamente definiu uma competência exclusiva para os juizados especiais
cíveis (incisos II, III e IV do art. 3º da Lei nº 9.099/1995), ao lado da qual
estabeleceu regra de competência em razão do valor da causa, permitindo-se,
nestas últimas, que a matéria possa ser apreciada tanto nos juizados especiais
como fora deles, a depender da dimensão do benefício econômico pretendido, se
não houver óbice em termos de complexidade. É de se ressaltar, ainda, que as
Leis nos 10.259/01 e 12.153/09 contêm algumas regras de exclusão da
competência dos Juizados Especiais Federais e dos Juizados Especiais da
Fazenda Pública relacionadas ao procedimento, como nas ações de mandado de
segurança perante os juizados especiais federais e da fazenda pública, ensejando,
também, a mesma conclusão anterior, ou seja, de que a questão controvertida
poderá, eventualmente, ser deduzida tanto nos juizados especiais como na justiça
ordinária, dependendo do instrumento processual utilizado.
A constatação da existência de um amplo espectro de competências
materiais concorrentes entre Juizados Especiais e justiça ordinária parece ser
importante para se estabelecer o alcance da previsão contida no inciso I do art.
985 do novo Código de Processo Civil e até de uma discussão mais ampla em
torno dos vasos comunicantes do sistema judicial e da uniformização da
jurisprudência.
Em primeiro lugar, há que se manter a estruturação do sistema, a partir das
suas variantes, ou seja, dos seus ramos especializados e da justiça comum, com a
repartição, dentro desta última, da competência, federal ou estadual, dos juizados
especiais e da justiça ordinária.
Na hipótese de competência exclusiva dos juizados especiais, ter-se-á,
ainda, uma subdivisão, em termos de tratamento, diante da competência da
Justiça Federal ou Estadual. Os juizados especiais federais já possuem um
sistema próprio de uniformização da jurisprudência previsto no art. 14 da Lei nº
10.259/2001, aprimorado por normas infralegais, que estabelece a competência e
procedimentos em nível estadual, regional ou nacional, para que divergências
existentes entre turmas recursais possam ser superadas. Se a divergência for
entre turmas da mesma Seção Judiciária, será resolvida pela reunião das
mesmas. Se for entre turmas de Seções Judiciárias diversas, porém dentro da
mesma região, pela reunião das respectivas turmas ou mesmo pela existência de
um colegiado regional. E, no âmbito nacional, pela Turma Nacional de
Uniformização (TNU), que pode apreciar tanto o pedido de uniformização
relativo a divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões, bem como
relativo às que estiverem em contrariedade com enunciado de súmula ou com a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando-se, assim, a pretendida
harmonia judicial.
O modelo federal acabou sendo adotado, em linhas gerais, e aprimorado no
âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, nos termos dos arts. 18 e 19
da Lei nº 12.153/09, com a previsão do pedido de uniformização de
interpretação de lei, a ser apreciado por turmas reunidas, quando a divergência se
der entre turmas do mesmo estado, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, quando
a divergência envolver Turmas de diferentes estados.
Por outro lado, no que diz respeito à extensão do incidente de resolução de
demandas repetitivas aos juizados especiais nas hipóteses de competência
concorrente, estar-se-ia diante de situação similar à prevista na parte final do
parágrafo 4º do art. 14 da Lei nº 10.259/01, ou à segunda hipótese contemplada
no parágrafo 3º do art. 18 ou à do art. 19 da Lei nº 12.153/09.
Nestes casos, como se trata de matérias inseridas na competência
concorrente dos Juizados Especiais e das Varas e Tribunais de Justiça ou
Tribunais Regionais, impõe-se que haja mecanismos de uniformização da
jurisprudência formada em cada um dos sistemas, nos moldes do que já preveem
as Leis nos 10.259/01 e 12.153/09, sendo de se ressaltar que, em relação à
primeira, já há manifestação do Supremo Tribunal Federal no sentido de sua
constitucionalidade, consoante referido anteriormente.
Embora o tema ainda mereça o devido amadurecimento, a ratio decidendi
do julgamento proferido pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, quando da
apreciação da integração do Superior Tribunal de Justiça nos mecanismos de
uniformização de jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, parece servir
de norte à interpretação do novel Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas (IRDR) no âmbito dos Juizados Especiais.
Não há que se desnaturar o microssistema dos juizados especiais, a ponto de
se permitir que recursos e incidentes possam, em geral, migrar dos órgãos
especiais para os tribunais. Mas, por outro lado, não se pode desconsiderar a
jurisprudência firmada no âmbito dos tribunais, inclusive na esfera dos
julgamentos repetitivos, na aplicação do direito pelos juizados especiais. Se os
instrumentos já introduzidos nos juizados federais e da fazenda pública e a serem
implementados nos juizados estaduais podem permitir a uniformização do
entendimento em nível nacional, esta tarefa não precisa estar concentrada, de
modo absoluto e saturado, a ponto de se tornar hercúleo e eventualmente
inviável, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Havendo competência
concorrente, a consecução da efetivação do princípio da isonomia e da segurança
jurídica, com a realização da uniformização da jurisprudência, deve ser
perseguida já no âmbito estadual e regional, para que se logre, também, a
desejada economia processual e, consequentemente, a prestação jurisdicional em
tempo razoável e de modo mais efetivo.
De tudo quanto se expôs, parece ser possível sustentar a constitucionalidade
da extensão do IRDR aos Juizados Especiais, observada uma interpretação no
sentido de que (a) diante de hipótese de competência concorrente entre a justiça
ordinária e os juizados especiais, a suspensão e a vinculação estabelecidas a
partir do IRDR possam produzir efeitos em relação aos processos em tramitação
nos juizados especiais, a partir de incidentes instaurados nos tribunais, estaduais
ou federais, conforme o caso, instaurados a partir de processos existentes na
justiça ordinária, tal como ocorre na produção da jurisprudência do STJ, sem
prejuízo da participação de interessados que tenham processos em tramitação
nos juizados especiais; e que (b) diante de hipótese de competência material
exclusiva dos juizados especiais ou ainda na hipótese de inexistência de IRDR
nos tribunais estaduais e federais, quando concorrente a competência, o IRDR
possa ser suscitado, instaurado e apreciado no âmbito do próprio Juizado
Especial, cabendo a sua admissibilidade e julgamento a um dos órgãos
responsáveis pela uniformização da jurisprudência, no âmbito estadual ou
regional, conforme o caso, observado o procedimento estabelecido pelo novo
Código de Processo Civil, enquanto não regulado de maneira própria por
eventual previsão legal específica para os Juizados Especiais.
Cabe a advertência no sentido de que, nas hipóteses de competência
concorrente, em sendo suscitado o incidente de resolução de demandas
repetitivas no âmbito dos Juizados Especiais, ante a omissão de instauração do
incidente nos tribunais estaduais ou federais, a decisão nele proferida não
projetará efeitos em relação aos processos em tramitação nas Varas e Tribunais
de Justiça ou Tribunais Regionais Federais.
Quanto a este último ponto, e considerando a própria inspiração que o
modelo alemão exerceu na concepção do incidente, impõe-se reiterar que a
técnica de gestão e julgamento denominada de Musterverfahren (procedi-mento-
modelo) foi criada, na Alemanha, pelos próprios órgãos julgadores e sem que
houvesse, inicialmente, qualquer previsão legal neste sentido. A prática foi
considerada constitucional pela Corte Constitucional alemã, no ano de 1980,
dando ensejo à incorporação legislativa ocorrida anos depois.
Assim, embora o novo Código de Processo Civil não tenha expressamente
previsto a possibilidade de que o incidente de resolução de demandas repetitivas
seja suscitado no âmbito interno dos Juizados Especiais, para fins de
processamento e julgamento por parte de seus órgãos de uniformização
legalmente previstos, nas matérias que lhe são de competência exclusiva, não há
razão para privar os Juizados Especiais dos benefícios que podem ser alcançados
por esta técnica, em termos de uniformidade de tratamento aos jurisdicionados
que neles demandam.
Essa foi a conclusão, a partir de proposta formulada pelo autor deste texto, a
que chegaram magistrados de todo o país, que se reuniram em Brasília no mês
de agosto de 2015 no Seminário O Poder Judiciário e o Novo Código de
Processo Civil, promovido pela Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), do qual resultou a aprovação de
vários enunciados, dentre os quais dois, que abaixo se transcreve, adotaram a
proposta defendida neste trabalho:

Enunciado 21. O IRDR pode ser suscitado com base em demandas


repetitivas em curso nos juizados especiais.
Enunciado 44. Admite-se o IRDR nos juizados especiais, que deverá
ser julgado por órgão colegiado de uniformização do próprio sistema.

Os dois enunciados, que devem ser interpretados de forma conjunta,


orientam-se no sentido da possibilidade de instauração do IRDR no âmbito do
microssistema dos juizados especiais, a partir de processos nestes em curso,
sendo apreciado e julgado pelos órgãos de uniformização dos Juizados previstos
em lei. Desta forma, a inexistência de previsão legislativa específica no CPC/15
não é óbice à instauração do incidente nos Juizados Especiais, a fim de que estes
possam igualmente se beneficiar de sua utilização, nas matérias que lhes são de
competência exclusiva ou naquelas, em que concorrente a competência, não
houver sido instaurado o incidente nos Tribunais de Justiça ou Regionais
Federais.
O posicionamento acima foi apresentado e aprovado como enunciado pelos
magistrados de Rondônia, em evento realizado em novembro de 2015, cujo texto
bem resume o pensamento: “Admite-se o IRDR nos juizados especiais, que
deverá ser julgado por órgão colegiado de uniformização do próprio sistema,
sem prejuízo de aplicação prevalente de eventual IRDR, julgado pelo Tribunal
de Justiça (art. 985, inciso I, do NCPC).”
É de se ressaltar que o problema da dualidade de julgamentos, pela justiça
ordinária e especial, somente será resolvido, de modo definitivo, com a
delimitação completa da competência material entre os respectivos órgãos
judiciais. Entretanto, enquanto isso não ocorre, há que se estabelecer um sistema
lógico e constitucional, sem que haja o engessamento na utilização do novel
IRDR. Portanto, havendo demandas repetitivas, estas poderão ensejar o incidente
tanto nos juizados como na justiça ordinária, mas não de modo concomitante. A
inexistência de recurso repetitivo, no âmbito nacional, ou de IRDR, no nível
local, são pressupostos para que se possa instaurar o incidente nos Juizados, em
órgão competente para a uniformização da jurisprudência, como turma estadual
ou turmas reunidas, de acordo com a organização pertinente. A decisão proferida
no âmbito dos juizados somente terá efeito vinculativo em relação aos órgãos do
próprio juizado e na esfera territorial do órgão prolator da decisão proferida no
IRDR. A tese jurídica firmada se manterá apenas se, e enquanto, não julgado
IRDR na esfera estadual ou regional, respectivamente. Tanto nos juizados como
na justiça ordinária os IRDRs serão suscitados a partir de processos que
tramitem respectivamente no âmbito de cada um destes ramos da justiça,
guardando-se, assim, lógica sistêmica e constitucional. Mas, para que não
existam conflitos internos e agasalhando-se o entendimento já consagrado
constitucionalmente, quanto à prevalência das decisões proferidas pelos
tribunais, regionais ou estaduais, o IRDR firmado pelos Tribunais Regionais ou
de Justiça terão prevalência sobre os Juizados Especiais, com efeito vinculativo
sobre os seus órgãos, ainda que houvesse tese firmada anteriormente no âmbito
das Turmas Recursais dos Juizados Especiais.

12.5.5. Conclusões sobre o tema Juizados Especiais e IRDR

De tudo quanto se expôs ao longo do presente ponto, constata-se que, apesar


da previsão atual de mecanismos de uniformização de jurisprudência no âmbito
dos juizados especiais, principalmente nos Juizados Especiais Federais e nos
Juizados Especiais da Fazenda Pública, esses mecanismos apresentam
deficiências em pelo menos três aspectos que foram destacados ao longo do
trabalho, quais sejam, a exclusão dos Juizados Especiais Cíveis, eis que pende de
aprovação no Congresso Nacional projeto de lei relacionado ao tema, a expressa
exclusão das matérias de ordem processual, bem como a ausência de
instrumentos aptos a evitar que jurisdicionados recebam tratamento diferenciado,
relativamente a uma mesma questão jurídica, no microssistema dos Juizados
Especiais e nos órgãos ordinários da Justiça.
Nesse sentido, a extensão do incidente de resolução de demandas repetitivas
aos Juizados Especiais, em conformidade com o disposto no art. 985, I, do novo
Código, vem de certa forma suprir as deficiências atualmente existentes no
sistema de uniformização dos Juizados Especiais, de forma a permitir, a um só
tempo (a) que também os Juizados Especiais Cíveis estaduais passem a contar
com um mecanismo de uniformização de jurisprudência, (b) que as questões de
direito processual, também objeto de lei federal, recebam aplicação uniforme no
âmbito dos Juizados Especiais e (c) que eventuais conflitos na jurisprudência no
âmbito de um mesmo estado ou Região possam ser superados, em prol da
segurança jurídica e da igualdade de tratamento perante a lei, tal qual
interpretada pelo Poder Judiciário.
Portanto, em conformidade com o que foi defendido ao longo deste estudo,
nas matérias inseridas na competência concorrente dos Tribunais de Justiça e dos
Juizados Especiais Cíveis ou da Fazenda Pública ou ainda na dos Tribunais
Regionais Federais e Juizados Especiais Federais, em sendo instaurado o
incidente de resolução de demandas repetitivas no Tribunal de Justiça ou no
Tribunal Regional Federal, suspende-se a tramitação dos processos em curso nos
Juizados Especiais e Turmas Recursais respectivos, bem como a estes se aplica a
tese jurídica definida no incidente.
De outra parte, a fim de que o microssistema dos Juizados Especiais possa
extrair o máximo proveito da inovação legislativa, forçoso reconhecer ainda a
possibilidade de instauração do incidente no âmbito das Turmas Recursais,
relativamente às matérias que são de sua competência exclusiva, muito embora
não tenha o novo Código expressamente contemplado essa possibilidade, a
exemplo do que ocorreu no direito alemão, com a elaboração pretoriana do
instituto do Musterverfahren, que lhe serviu de inspiração.
Por fim, cabe reconhecer que a extensão da aplicação do incidente de
resolução de demandas repetitivas aos Juizados Especiais não se afigura
inconstitucional, por eventual contrariedade ao disposto no art. 98, I, da
CRFB/88, na medida em que (a) de um lado o dispositivo constitucional não
veda que órgãos externos à estrutura dos Juizados Especiais possam em alguma
medida participar dos mecanismos de uniformização próprios desse
microssistema, tal como reconheceu o Supremo Tribunal Federal ao apreciar a
disposição da Lei nº 10.259/01, que prevê a inserção do Superior Tribunal de
Justiça nos mecanismos de uniformização dos Juizados Especiais Federais e (b)
não há um deslocamento do julgamento de causas em tramitação nos Juizados
Especiais para os respectivos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais
Federais, mas apenas a extensão da aplicação da tese jurídica nestes firmada, de
forma a assegurar a plena realização dos valores constitucionais da segurança
jurídica e da igualdade de tratamento dos jurisdicionados.

1
Como no art. 977, caput; 978; 979, § 1º; e 986. Há farta menção à
expressão relator, também indicando que tudo se desenvolve no âmbito de
tribunal.
2
Sobre o tema, anteriormente abordado no presente trabalho, remete-se ao
item 8.5.3 (Estrutura e Organização do Poder Judiciário), no capítulo 8.
3
Na Justiça do Trabalho, por força de interpretação analógica e sistemática,
considerando-se também que os recursos de revista repetitivos foram
previstos pela Lei nº 13.015/2014.
4
A problemática do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e os
Juizados Especiais, que se expõe a seguir, foi abordada pelo autor, em
conjunto com o seu orientando no doutorado, Odilon Romano Neto, em
trabalhos publicados anteriormente. Nesse sentido, MENDES, Aluisio
Gonçalves de Castro; ROMANO NETO, Odilon, Análise da relação entre o
novo incidente de resolução de demandas repetitivas e o microssistema dos
juizados especiais, Revista de Processo, v. 245, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015, p. 275-309; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro;
ROMANO NETO, Odilon Romano, A constitucionalidade da aplicação do
incidente de resolução de demandas repetitivas aos juizados especiais, in:
Os juízes e o novo CPC. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 373-411.
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; ROMANO NETO, Odilon
Romano, O incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os
juizados especiais, in: GAJARDONI, Fernando (Org.), Repercussões do
novo Código de Processo Civil na magistratura, Salvador: JusPodivm,
2015, p. 15-59; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; ROMANO
NETO, Odilon, Juizados especiais e o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas no novo Código de Processo Civil, in: FONSECA, Reynaldo
Soares; VELOSO, Roberto Carvalho (Orgs.), Justiça Federal: Estudos em
homenagem ao desembargador federal Leomar Amorim, Belo Horizonte:
D’Plácido, 2016, p. 19-61.
5
A Comissão Permanente de Processo Civil da Associação dos Juízes
Federais do Brasil (AJUFE) é coordenada por Aluisio Gonçalves de Castro
Mendes (Desembargador Federal do TRF-2) e composta dos seguintes
magistrados federais: Alberto Nogueira Júnior (RJ), Élio Wanderley de
Siqueira Filho (PE), Frederico Augusto Leopoldino Koehler (PE), Jorge
Luiz Ledur Brito (RS), Marcio Flávio Mafra Leal (DF), Newton Pereira
Ramos Neto (MA), Odilon Romano Neto (RJ), Oscar Valente Cardoso
(DF), Rafael Martins Costa Moreira (RS), Sérgio Renato Tejada Garcia
(RS) e Vicente de Paula Ataide Junior (PR).
6
CHASE, Oscar G. et al. Civil litigation in comparative context. St. Paul,
MN: Thomson West, 2007, p. 288.
7
“Following the lead of the establishment of the initial small claims court in
Kansas in 1912, every state in the United States has created some form of a
small claims court system” (cit., p. 293-294).
8
Conforme exposto em anterior trabalho, elaborado por um dos autores deste
artigo, foram três as ondas renovatórias apontadas por Mauro Cappelletti e
Bryant Garth, a primeira relacionada à ampliação da assistência judiciária
gratuita, a segunda relativa à valorização da tutela coletiva e a terceira, na
qual se insere a criação de juizados de pequenas causas, o desenvolvimento
de técnicas processuais combinadas, mediante aperfeiçoamento da
legislação processual, inclusive pela introdução de meios alternativos de
resolução de conflitos (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Teoria
Geral do Processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 57-58).
9
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant, cit., p. 15-18.
10
Idem, p. 19.
11
Para o litigante habitual, como as grandes corporações e os entes públicos, a
demora na tramitação do processo é, na generalidade dos casos, um
fenômeno administrável e, em alguma medida, até mesmo desejado, eis que
muitas vezes essas instituições se valem da morosidade processual como
um mecanismo para rolagem de sua dívida.
12
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant, cit., p. 25-26.
13
A doutrina refere ainda à criação pioneira de Conselhos de Conciliação no
estado do Rio Grande do Sul, no ano de 1982 (PEREIRA, Guilherme
Bollorini. Juizados especiais federais cíveis: questões de processo e de
procedimento no contexto do acesso à justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2004, p. 32; no mesmo sentido: BOLLMANN, Vilian. Juizados Especiais
Federais: comentários à legislação de regência. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2004, p. 8; ROCHA, Felippe Borring. Juizados especiais cíveis:
Aspectos polêmicos da Lei nº 9.00, de 26/9/1995. 5. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009, p. XXXII). No entanto, a Lei nº 7.244/84 permanece
como o primeiro diploma legislativo a prever Juizados Especiais de
Pequenas Causas em âmbito nacional.
14
GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. vol. II. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p. 441.
15
A exclusão das pessoas jurídicas do rol de legitimados ativos dos juizados
especiais cíveis buscou evitar que estes se tornassem órgãos de cobrança,
em especial de grandes empresas, desvirtuando a finalidade essencial
buscada com sua criação, que é a ampliação do acesso à justiça.
16
Sobre o tema, vide MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Competência
cível da Justiça Federal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
17
É importante lembrar, no ponto, que a Lei nº 9.099/95 não apenas não
contemplou a possibilidade de propositura de ação em face de pessoas
jurídicas de direito público, como expressamente a vedou no § 2º de seu art.
3º.
18
GOMES JUNIOR, Luiz Manoel et al. Comentários à nova lei dos juizados
especiais da fazenda pública: Lei 12.153, de 22 de dezembro de 2009. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 31.
19
Nesse sentido: GOMES JUNIOR, Luiz Manoel et al, cit., p. 37-40 e, ainda,
GRECO, Leonardo, cit., p. 442.
20
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os estados criarão:
I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,
competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis
de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo,
mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses
previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de
juízes de primeiro grau;
21
Um importante aspecto inovador do regramento constitucional foi a
extensão da competência dos juizados especiais para julgamento de causas
criminais relativas a infrações penais de menor potencial ofensivo. No
entanto, por não guardar relação direta com o objeto do presente estudo, tal
inovação não será objeto de abordagem.
22
Sobre o ponto, Felippe Borring Rocha tece crítica ao regramento da Lei nº
9.099/95, que é aplicável com maior intensidade às Leis 10.259/01 e
12.153/09: “Como se pode facilmente perceber, o legislador não foi feliz no
seu intento. A primeira crítica que salta aos olhos é que o legislador se
utilizou indevidamente do valor para definir a complexidade da causa. De
fato, o valor da causa não tem relação direta com a sua complexidade”.
(ROCHA, Felippe Borring. Juizados especiais cíveis: aspectos polêmicos
da Lei nº 9.099, de 26/9/1995. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.
26)
23
STF, Tribunal Pleno, RE 571572 ED, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 26.08.2009,
DJe-223, 27.11.2009.
24
Nesse sentido, é de se registrar o antigo instituto do prejulgado, presente no
Código de Processo Civil de 1939 e suprimido no Código de Processo Civil
de 1973, quando substituído pelo incidente de uniformização de
jurisprudência, presente desde o Decreto 16.273, de 20 de dezembro de
1923, que conferiu nova organização à Justiça do Distrito Federal
(MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo
civil, vol. V, arts. 476 a 565. 16. ed, Rio de Janeiro: Forense, 2012.) e,
regressando ainda mais, aos assentos da Casa de Suplicação, introduzidos
em Portugal a partir das Ordenações Manuelinas, e que se integraram à
cultura processual brasileira, onde tiveram aplicação, na medida em que
recepcionados pelo Supremo Tribunal do Império, até o advento da
Constituição da República em 1891 (MANCUSO, Rodolfo de Camargo.
Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. rev., atual. e ampl.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 217/218).
25
A Justiça Federal é atualmente organizada em cinco regiões: 1ª Região (AC,
AP, AM, BA, DF, GO, MA, MT, MG, PA, PI, RO, RR e TO), 2ª Região (RJ
e ES), 3ª Região (SP e MS), 4ª Região (RS, SC e PR) e 5ª Região (AL, CE,
PB, PE, RN, SE). A Emenda Constitucional nº 73, de 06 de junho de 2013,
criou mais quatro Regiões na Justiça Federal, a 6ª Região (integrada pelos
estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul), a 7ª Região
(integrada unicamente pelo estado de Minas Gerais), a 8ª Região (integrada
pelos estados da Bahia e Sergipe) e a 9ª Região (integrada pelos estados do
Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima). A instalação dos novos Tribunais
Regionais Federais, no entanto, ainda não foi concretizada, em razão de
reflexos da propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5017,
por meio da qual é questionada a Emenda Constitucional nº 73/2013.
26
GOMES JUNIOR, Luiz Manoel et al,. cit. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010, p. 171. Inteiro teor do Projeto de Lei nº 4.723/04
disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?
idProposicao=274425. Acesso em 14 maio 2015.
27
A obrigatoriedade da suspensão dos processos em curso nos Juizados
Especiais já era defendida no Enunciado nº 93 do Fórum Permanente de
Processualistas Civis: “Admitido o incidente de resolução de demandas
repetitivas, também devem ficar suspensos os processos que versem sobre a
mesma questão objeto do incidente e que tramitem perante os juizados
especiais no mesmo estado ou região” (Disponível em:
<http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/03/Carta-de-Belo- -
Horizonte.pdf>. Acesso em 22 set. 2015).
28
Parecer Final nº 956 do Senador Vital do Rêgo, p. 178-179.
13.1. A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO NOS JULGAMENTOS
DE QUESTÕES COMUNS. O SURGIMENTO DE CADASTROS
NO DIREITO ESTRANGEIRO E A EVOLUÇÃO NO DIREITO
NACIONAL

Os processos coletivos e demais meios de resolução coletiva de litígios


interessam a um grande número de pessoas ou mesmo a parcelas, quando não a
toda, da sociedade, razão pela qual devem estar ungidos, sobremaneira, ao
princípio da publicidade e da transparência.
Na Inglaterra, no ano de 2000, o Código de Processo Civil estabeleceu a
inovação, ao prever o Cadastro para os GLOs (Group Litigation Orders),
decisões de litígio em grupo. Sob esta inspiração, o Anteprojeto de Código
Brasileiro de Processos Coletivos formulado no âmbito da UERJ-UNESA,1
coordenado pelo autor destas linhas, previu, no ano de 2005, o Cadastro
Nacional de Processos Coletivos, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça.
No debate com o grupo da USP, coordenado pela professora Ada Pellegrini
Grinover, a proposta de cadastro foi também incorporada no anteprojeto paulista
de Código Brasileiro de Processos Coletivos. Como desdobramento, houve o
amadurecimento da proposta no projeto da nova Lei da Ação Civil Pública,
Projeto de Lei nº 5.139/2009, em tramitação na Câmara dos Deputados, com a
previsão de criação do Cadastro Nacional de Processos Coletivos e do Cadastro
Nacional de Inquéritos Civis e Compromissos de Ajustamento de Conduta, que
ficariam respectivamente a cargo do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho
Nacional do Ministério Público. Por fim, o próprio Conselho Nacional de Justiça
instituiu, mediante a resolução conjunta nº 2, de 21.06.2011, os cadastros
nacionais de informações de ações coletivas, inquéritos e termos de ajustamento
de conduta, que deveriam ser implantados até o dia 31 de dezembro de 2011.
Nesse lapso temporal, o cadastro também ocupou papel fundamental no
sistema de procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão implementado no
âmbito dos litígios do mercado de capitais, a partir da legislação aprovada em
2005 (KapMuG), conforme visto anteriormente. No caso, foi instituído o
Klageregister, para o registro da demanda-modelo, no órgão oficial federal
(Bundesanzeiger), cuja incumbência de regulamentação e controle cabe ao
Ministério da Justiça. Na Alemanha, este cadastro assumiu até mesmo uma
importância ainda maior, pois há a centralização de uma série de atos e
publicações, com efeitos jurídicos a partir deste banco de dados2.
Em sintonia com este pensamento, o CPC-2015 estabelece, no art. 979, que
a instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e
específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho
Nacional de Justiça, bem como que os tribunais manterão banco eletrônico de
dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito
submetidas ao incidente, comunicando, imediatamente, ao CNJ, para inclusão no
cadastro.

13.2. O BANCO ELETRÔNICO DE DADOS DOS TRIBUNAIS E NO


CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. A RESOLUÇÃO Nº
235/2016 DO CNJ. MOMENTO DO LANÇAMENTO DO
REGISTRO. DADOS ESSENCIAIS

A primeira providência que vem se impondo3 para os tribunais, em termos


organizacionais, é a criação destes bancos de dados, nos termos do art. 979 do
CPC. Naturalmente, as possibilidades de difusão não se esgotam em torno do
registro eletrônico, pois a repercussão em si poderá ser muito maior mediante a
inserção em canais de divulgação do tribunal, nas redes sociais ou a reprodução
das suas notícias mediante os meios de comunicação de massa. Mas, o banco de
dados no tribunal é o passo inicial para que se possa publicamente efetuar o
lançamento, a pesquisa e o acompanhamento das questões submetidas ao IRDR,
a admissibilidade do incidente, o seu julgamento e as teses eventualmente
firmadas ou rejeitadas.
O caput do art. 979 do CPC menciona que a “instauração” será sucedida da
mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro
eletrônico. No § 1º, por sua vez, indica que os tribunais manterão banco
eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de
direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho
Nacional de Justiça para inclusão no cadastro4.
Não obstante o lapso de um ano de vacatio legis, entre 17.03.2015 e
17.03.2016, a edição de norma sobre a questão, pelo Conselho Nacional de
Justiça5, ocorreu apenas com a edição da Resolução nº 235, de 13.07.2016,
publicada e com vigência a partir do dia 14.07.2016.
A Resolução nº 235/2016 do CNJ, em síntese, regulamentou a padronização
de procedimentos administrativos, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, do
Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Superior do Trabalho, do Superior
Tribunal Militar, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça,
relacionados ao gerenciamento de precedentes, especialmente no que diz
respeito aos julgamentos de repercussão, de casos repetitivos e de incidentes de
assunção de competência. Ressalte-se que estabeleceu a criação do Banco
Nacional de Dados de Casos Repetitivos6 e de Incidentes de Assunção de
Competência, bem como a criação de Núcleos de Gerenciamento de Precedentes
(Nugep)7, no CNJ e nos tribunais (STJ, TST, TSE, STM, TRFs, TRTs e TJs).
O Conselho Nacional de Justiça previu, portanto, um sistema integrado, a
partir dos Núcleos de Gerenciamento de Precedentes, que ficam responsáveis,
em cada tribunal e no CNJ, pela centralização, manipulação e envio de dados
relacionados ao julgamento de questões repetitivas. Portanto, no que diz respeito
ao IRDR, cada tribunal deverá manter núcleo e banco de dados, disponibilizando
os dados mais relevantes, como o número do tema, a indicação do(s) processo(s)
do(s) qual(is) se ensejou o incidente, o andamento ou situação do IRDR, a
questão submetida, os dispositivos legais pertinentes, a tese firmada, o órgão
julgador, relator, a data da admissão, do julgamento e da publicação do acórdão.
Estes dados deverão ser lançados no sistema, segundo a resolução nº 235, logo
após o incidente ser admitido8, com o envio dos dados, em seguida, ao CNJ, no
prazo de cinco dias, nos termos do art. 14, § 2º.
O estabelecimento da admissibilidade como parâmetro para a inclusão das
informações relacionadas aos Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas
nos bancos eletrônicos dos tribunais parece não ser a melhor opção. Embora a
admissibilidade seja um marco importante, teria efetuado uma opção melhor se
estabelecido que os cadastros deveriam indicar a existência e o andamento dos
IRDRs desde o seu registro, ou seja, do cadastramento da respectiva petição ou
ofício. Desse modo, se poderia permitir um melhor acompanhamento, para se
saber, desde o início, se já houve provocação de incidente relacionado a alguma
questão de direito, evitando-se a reprodução de novos incidentes sobre o mesmo
assunto. Por outro lado, se já suscitado, embora ainda não admitido, os
interessados poderiam acompanhar o incidente, verificando, por exemplo, se a
iniciativa e as peças escolhidas são, de fato, representativas em relação aos
argumentos expendidos, se há necessidade de reforço ou não quanto às
alegações, bem como acompanhar e, eventualmente, participar do julgamento
quanto à admissibilidade. Embora seja recomendável a regulamentação do CNJ
quanto a este aspecto, nada impede, naturalmente, que os tribunais possam se
antecipar, incluindo e dando transparência aos IRDRs desde o momento inicial
do registro e distribuição da petição ou ofício em que se requer a sua
instauração. Na prática, contudo, os tribunais9 têm efetuado a inserção ou
divulgação, no registro, apenas dos Incidentes de Resolução de Demandas
Repetitivas admitidos.

13.3. AS DIFICULDADES PRÁTICAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO


CADASTRO NACIONAL DE INCIDENTES DE RESOLUÇÃO DE
DEMANDAS REPETITIVAS

Embora formalmente criado, o Cadastro Nacional de Incidentes de


Resolução de Demandas Repetitivas enfrenta dificuldades para a sua efetivação,
reproduzindo situação anteriormente vivenciada para a implementação de outros
bancos e registros no CNJ, a exemplo do que ocorreu com o Cadastro Nacional
de Ações Coletivas10.
Esse fato parece decorrer de um problema maior que é o da falta de
integração entre os sistemas eletrônicos dos tribunais no âmbito nacional. Isso
reflete, de certo modo, o distanciamento administrativo e operacional entre os
diversos ramos e esferas do Poder Judiciário, que somente pode começar a ser
enfrentado a partir da criação do Conselho Nacional de Justiça, com a Emenda
Constitucional nº 45/2004.
Entretanto, uma década não foi suficiente ainda para estabelecer os laços
operacionais mais efetivos entre os sistemas, notadamente de informática,
possibilitando-se, assim, uma troca de informações e de relacionamento mais
amigável e interativo entre os tribunais. Como medida paliativa, foram sendo
criados cadastros e formulários variados, normalmente alimentados individual e
manualmente, sobrecarregando magistrados e servidores com atividades
burocráticas, diante das dificuldades de alimentação e integração automática
entre os sistemas judiciais.
Em um país com dimensões continentais e um contexto de cem milhões de
processos em tramitação, o bom funcionamento, integrado, do sistema de
informática dos tribunais, em geral, coloca-se na ordem do dia, para a efetivação
das normas processuais e dos escopos de melhoria na prestação jurisdicional.
1
Vide Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de
Processos Coletivos, sob a coordenação de Ada Pellegrini Grinover, Aluisio
Gonçalves de Castro Mendes e Kazuo Watanabe, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, especialmente os anexos.
2
Como explicitado no capítulo destinado ao Musterverfahren alemão.
3
O site do Conselho Nacional de Justiça indicava, em notícia veiculada em
17.11.2016, que “pelo menos 22 dos 91 tribunais brasileiros já instalaram o
Núcleo de Gerencia-mento de Precedentes (Nugep)”. Entretanto, não
constava qualquer informação sobre o andamento da criação dos bancos de
dados nos tribunais. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83862-causas-repetitivas-ganham-
nucleos-proprios-em-22-tribunais>, acesso em 28 dez. 2016.
4
Entretanto, até o final do ano de 2016, o referido cadastro ainda não se
encontrava disponível no site do Conselho Nacional de Justiça. Vide
www.cnj.jus.br. Acessado em 28.12.2016.
5
O texto integral da Resolução nº 235/2016, do CNJ. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br//images/atos_normativos/resolucao/resolucao_235_13072016_15
6
Como mencionado, embora a resolução tenha formalmente criado o
referido Banco, na prática não se encontrava em funcionamento pelo menos
até o dia 30.12.2016, conforme consulta realizada no site do CNJ.
7
Os Núcleos de Gerenciamento de Precedentes sucedem os anteriores
Núcleos de Recursos Repetitivos (NURER), tendo em vista a sistemática
mais ampla estabelecida no Código de Processo Civil para o julgamento de
questões repetitivas ou comuns.
8
Nos termos do art. 12 da Resolução nº 235/2016 do CNJ.
9
Como o Tribunal Regional Federal da 2ª Região e os Tribunais de Justiça
do Rio de Janeiro e de São Paulo, por exemplo. Vide, respectivamente,
<http://www10.trf2.jus.br/consultas/gerenciamento-de-precedentes-
obrigatorios-novo-cpc-nugep/irdr-incidentes-de-resolucao-de-demandas-
repetitivas/>; <http://portaltj.tjrj.jus.br/documents/10136/3607547/irdr.pdf?
=v23>; e <http://www.tjsp.jus.br/Nurer/Nurer/Irdr>, acesso em 30 dez.
2016.
10
Vide o item 13.1. Por experiência prática, o autor destas linhas pode
constatar as dificuldades para a integração de dados a nível nacional,
quando esteve na presidência da Quinta Turma do Tribunal Regional
Federal da 2ª Região, tendo em vista que dados importantes, como a
alimentação do cadastro de ações de improbidade, são da responsabilidade
da presidência de cada órgão fracionário dos tribunais, que precisam lançar
manualmente ou artesanalmente cada informação, como o nome dos
condenados, as respectivas sanções, data do julgamento, de eventual
trânsito em julgado etc.
Capítulo 14

O PROCEDIMENTO INICIAL DO INCIDENTE


DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS
REPETITIVAS. DISTRIBUIÇÃO E JUÍZO DE
ADMISSIBILIDADE; A DEFINIÇÃO DA
QUESTÃO JURÍDICA OBJETO DO
INCIDENTE

14.1. O PROCEDIMENTO INICIAL DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO


DE DEMANDAS REPETITIVAS. DISTRIBUIÇÃO. JUÍZO DE
ADMISSIBILIDADE

Nos termos do art. 981 do CPC, após a distribuição, o órgão colegiado


competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade,
considerando a presença dos respectivos pressupostos. Embora dirigido ao
presidente do tribunal, o registro e a distribuição deverão ser realizados no dia da
sua entrada, nos termos do art. 929 do Código de Processo Civil.
No caso, a distribuição se dará entre os integrantes do órgão competente
fixado no Regimento Interno para o julgamento do IRDR1, que, como já visto
anteriormente, poderá ser até mais de um, de acordo com algumas variáveis,
especialmente considerando a dimensão e a complexidade interna dos tribunais.
Presente, por exemplo, a especialização dos órgãos internos a partir da matéria,
presume-se que o regimento interno, nos termos do art. 981 do CPC, terá
atribuído ao órgão responsável pela uniformização da respectiva matéria a
competência para a apreciação do IRDR. Entretanto, a questão de direito poderá
conter a alegação de inconstitucionalidade de determinada norma, ficando assim
sujeita à reserva de julgamento pelo Plenário ou pelo Órgão Especial, nos termos
do art. 97 da Constituição da República. Mas, outras circunstâncias poderão
influir também na definição da competência interna, especialmente como, por
exemplo, se a questão jurídica, objeto do incidente, for pertinente a uma única
área de especialização ou não. Sendo uma questão de direito material ou
processual, comum a mais de uma área de especialização, o IRDR poderá ser da
competência de órgão mais amplo2.
Distribuído o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas para o
respectivo órgão judicial e relator, nos termos do art. 930, podendo haver
prevenção, não por recurso anterior, mas, sim, em razão de IRDR anteriormente
instaurado e que contenha vis atrativa em relação ao novo. Trata-se aqui de
aplicação analógica do previsto no art. 1.037, § 3º, do CPC, considerando-se,
contudo, a antiguidade na distribuição de outro IRDR, sobre a mesma questão
jurídica ou conexa, como marco para a prevenção.
O procedimento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é, de
certo modo, bifásico. Em um primeiro momento, haverá a apreciação da sua
admissibilidade. No segundo, caso superado o primeiro, ocorrerá o julgamento
propriamente dito da questão jurídica suscitada, com a formulação da tese
jurídica vinculativa. Em ambas as fases, o julgamento será colegiado.
O Código de Processo Civil não estabeleceu um procedimento ou
contraditório prévio específico em relação à admissibilidade do IRDR. O
incidente poderá ter sido suscitado de ofício pelo juiz ou provocado pelo
Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelas partes. Portanto, não se
previu, expressamente, que as partes, ou mesmo o Ministério Público, como
fiscal do ordenamento jurídico, devam se manifestar, em momento anterior à
sessão, sobre o pedido de instauração do IRDR. De fato, parece que, neste
momento inicial e considerando que o juízo de admissibilidade foi conferido ao
colegiado, e não apenas ao relator, deve-se buscar o máximo de brevidade
possível nesta fase de instauração.
Para esta primeira fase de admissibilidade, parece incidir também o previsto
no art. 931 do CPC, no sentido de se aplicar o prazo de trinta dias para o relator,
para que analise o incidente, elaborando o respectivo voto. Deverá, assim,
encaminhar os autos, físicos ou eletrônicos, à respectiva secretaria,
acompanhados do relatório, para que o processo seja incluído em pauta de
julgamento, com a devida publicação e antecedência, nos termos dos arts. 934 e
935 do CPC.
A redação do § 1º do art. 937, combinado com o art. 984, poderia ensejar
interpretação no sentido de que apenas o julgamento, e não a admissibilidade do
IRDR, estaria submetido ao procedimento previsto no último dispositivo.
Entretanto, há que se analisar melhor a questão. Em primeiro lugar, porque,
como anteriormente exposto, em princípio, não há, antes da sessão do
julgamento, sequer oportunidade específica para que as partes, interessados e o
próprio Ministério Público possam se manifestar sobre a admissibilidade do
IRDR. É claro que isto não impede que sejam apresentadas petições ou
manifestações sobre o juízo de admissibilidade. Contudo, não há porque se
privar do contraditório mínimo sobre a admissibilidade e outros aspectos
decorrentes, como a própria suspensão de processos relacionados, para que as
partes, os interessados e o Ministério Público possam fazer uso da palavra, em
sintonia com o previsto no art. 984 do CPC.
Sendo assim, na sessão destinada à apreciação da admissibilidade, após a
exposição inicial do relator, (a) as partes dos processos que ensejaram o IRDR;
(b) o Ministério Público; e (c) os demais interessados poderão sustentar as suas
razões, quanto à admissibilidade do incidente, passando-se, em seguida, à
deliberação, pelo colegiado, quanto ao juízo de aceitação do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas, com a definição da questão jurídica
afetada, bem como também dos efeitos decorrentes da sua instauração. Embora o
art. 982 atribua ao relator uma série de efeitos e medidas decorrentes da
admissibilidade do incidente, nada impede que algumas questões sejam postas e
deliberadas pelo próprio colegiado. Em especial, assume importância a discussão
relacionada à suspensão, ou não, bem como à possibilidade de gradação ou
limitação desta suspensão dos processos que dependam da resolução da questão
submetida ao incidente, como se verá nos itens seguintes. Portanto, colhidos os
votos e proclamado o resultado, deverá ser lavrado e publicado acórdão quanto à
admissibilidade do incidente.

14.2. DEFINIÇÃO DO OBJETO DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE


DEMANDAS REPETITIVAS: A QUESTÃO DE DIREITO

Nesta fase de admissibilidade do IRDR, caberá ao relator apresentar a


questão jurídica que se constituirá no objeto do incidente, ou seja, sobre a qual o
tribunal deverá formular a tese jurídica capaz de elucidar uma questão
prejudicial pertinente aos diversos processos relacionados.
A indicação da questão de direito deve ser feita pelo requerente do
incidente, nos termos do inciso I do art. 976 do CPC. Entretanto, poderá ser
ajustada, em princípio, em dois momentos: a) por ocasião da admissibilidade; b)
quando do julgamento definitivo da tese jurídica pelo tribunal.
A precisão na definição da questão jurídica a ser decidida é de grande
importância. Deve representar (a) uma indagação geral e comum, presente em
um conjunto significativo de outros processos, de modo a corresponder a um
problema pertinente ao conjunto de demandas repetitivas que se quer solucionar,
e não uma questão peculiar; (b) uma questão de direito, e não de fato, em razão
da opção legislativa fixada pelo ordenamento brasileiro, embora para a
elucidação posterior dos processos individuais possam ser necessários o
esclarecimento e a comprovação de fatos; (c) uma controvérsia atual e relevante
entre órgãos julgadores, pois, do contrário, não haverá interesse (necessidade-
utilidade) para a instauração do incidente, seja porque, na prática, anteriores
divergências não mais subsistem, seja porque o ponto não interfere, de modo
significativo, nas decisões a serem tomadas nos múltiplos processos existentes.
Para que a questão de direito, futura tese jurídica, possa ser, de fato,
representativa da controvérsia geral, o legislador aprimorou o próprio sistema do
julgamento de recursos repetitivos, para estabelecer, no art. 1.036, § 1º, do CPC,
a seleção de dois ou mais recursos, e não apenas um, como fixado no estatuto
anterior, de modo a se permitir esta verificação tanto pelo órgão a quo, quanto
pelo ad quem. Do mesmo modo, no âmbito dos Incidentes de Resolução de
Demandas Repetitivas, a questão representativa da controvérsia deve ser extraída
não apenas de um processo, mas dos múltiplos processos existentes. Por isso, a
indagação deve ser comum não apenas a um ou dois processos, mas a uma
quantidade significativa, que se justifique numericamente, a ponto de ensejar
efetiva economia processual. Do contrário, o IRDR não estará cumprindo o seu
escopo.
Embora a legislação mencione sempre uma ou a questão jurídica, é
plenamente possível e justificável que possa ser formulada mais de uma
indagação, ou seja, mais de uma questão jurídica3. Entretanto, as indagações
podem ser objetivamente complexas, ou seja, conjugarem, na verdade, várias
questões4, de modo simples ou sucessivo. Por exemplo, podem estar sendo
cumuladas várias causas de pedir ou de defesa, que devam ser analisadas
separadamente. Ou ainda pedidos cumulados sucessivamente, contendo, de
modo prejudicial, questões de direito.
Pode ser invocada, por analogia, nesse sentido, a técnica aplicável às class
actions norte-americanas, no sentido da estruturação de subclasses. Portanto,
dependendo da situação, o tema pode ser organizado em questões sucessivas ou
em grupos, de modo a ensejar reposta ou soluções para todo o conjunto de
processos relacionados ao assunto. A metodologia é interessante dentro das
condicionantes fixadas para a admissibilidade das class actions, no sentido de
que devam ter como fundamento (a) a predominância de uma questão comum; e
(b) a superioridade do mecanismo coletivo em termos de instrumento processual.
Com o estabelecimento dos subgrupos, ou subquestões, dentro de uma ideia de
conjunto de questões conexas, pode-se buscar um equilíbrio adequado entre o
controle da admissibilidade, a efetividade do instrumento e a instrumentalidade
das formas.
A abertura para a formulação de questões de direito, e consequentemente
teses jurídicas, coaduna-se também com uma nova concepção de jurisdição, na
qual o Poder Judiciário procura não apenas resolver de modo atomizado e
repressivamente os conflitos já instaurados, mas se preocupa em fornecer, de
modo mais estruturado e geral, respostas às controvérsias latentes e potenciais,
de modo a propiciar a efetiva segurança jurídica.
Nesse sentido, vale apontar, como exemplo desta prática, ou concepção, a
decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 631.240, submetido à repercussão
geral, no qual se discutiu e decidiu sobre a importante questão da necessidade ou
não de prévio requerimento administrativo, como condição para o interesse de
agir, para o ajuizamento de demandas em que se pretende a concessão de
benefícios previdenciários.
Na ocasião, o STF foi provocado a efetuar uma série de modulações. O mais
importante, contudo, de se assinalar, é que a Corte Suprema prolatou decisão
compatível com as suas responsabilidades, para fixar não apenas uma única tese
jurídica, mas um conjunto de teses que propiciasse, dentro de um contexto de
previsibilidade, uma solução realmente ampla e condizente com as perplexidades
e com as controvérsias pertinentes ao tema. Foi, portanto, como deve ser, além
do conflito do caso concreto, para elucidar as diversas nuances da questão
jurídica controversa, construindo, assim, teses, ou subteses, que pudessem
resolver as variáveis jurídicas existentes decorrentes da questão central de direito
(necessidade ou não do prévio requerimento administrativo para a configuração
do interesse jurídico e do direito ao acesso à jurisdição). 5 O comando inscrito no
inciso I do art. 1.037, do CPC, possui aqui plena aplicação, pois deve ser feita a
identificação com precisão da questão a ser pacificada. Do contrário, a
controvérsia e a confusão perdurarão, tanto para se saber quais são os processos
pendentes, e que devam ser suspensos, quanto, depois, para a aplicação eventual
da tese que reproduza a falta de definição ou mesmo obscuridade.
A redefinição da questão ou das questões jurídica(s) poderá ser feita a
requerimento de um dos intervenientes (Ministério Público, Defensoria Pública
ou partes), bem como de ofício pelo órgão julgador do IRDR, conforme proposta
formulada pelo relator ou por qualquer integrante do colegiado. Naturalmente,
caberá ao relator, ao apresentar o seu voto, se manifestar sobre a identificação
precisa da questão que será o objeto de discussão e julgamento no Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas.
Embora a questão, como já mencionado, ainda possa sofrer modificações
por ocasião do julgamento final, ou seja, do mérito do IRDR, não se pode
menosprezar a importância quanto à definição desde o momento da
admissibilidade do incidente em razão de alguns motivos. O primeiro é que a
fixação da questão, por ocasião da admissibilidade, norteará as discussões e
contraditório pertinentes, devendo-se, assim, guardar a devida correlação entre o
objeto, debate e decisão. Em segundo lugar, a definição da questão de direito
será fundamental para a verificação da relação entre o objeto do IRDR e os
processos em tramitação, de modo a se aferir se estes versam ou dependem da
respectiva elucidação, ou seja, se estarão submetidos aos efeitos do julgamento
do incidente e se enquadrar nas hipóteses de eventual suspensão.

1
Portanto, mesmo que suscitado internamente no tribunal, por relator ou
órgão judicial colegiado, a distribuição para o juízo competente para o
processamento e julgamento do IRDR será necessária.
2
No Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por exemplo, nos termos do art.
112-A, incisos I e II, do Regimento Interno, os Incidentes de Resolução de
Demandas Repetitivas são da competência das respectivas Seções
Especializadas quando a discussão versar sobre matéria restrita à
competência especializada da respectiva Seção. Entretanto, será da
competência do Pleno ou do Órgão Especial, quando a matéria envolver
arguição de inconstitucionalidade, por força do art. 97 da Constituição da
República, ou, por consequência lógica, estiver sujeita à competência de
mais de uma Seção Especializada.
3
Por exemplo, se há uma discussão relacionada à prescritibilidade de danos
provocados a entes políticos por agentes públicos em razão de atos de
improbidade, poderão ser formuladas questões sucessivas, como (a) a
pretensão indenizatória em face de agentes públicos condenados por atos de
improbidade é prescritível? (b) em caso afirmativo, qual o lapso temporal
ensejador da prescrição? (c) neste caso, qual o marco inicial para a
contagem da prescrição? (d) quais causas podem interromper a contagem da
prescrição?
4
No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas registrado sob o nº 4, admitido em
18.08.2016, listou nove temas relacionados aos requisitos e efeitos do
atraso de entrega de unidades autônomas em construção aos consumidores,
para serem uniformizados.
5
“Recurso extraordinário. Repercussão geral. Prévio requerimento
administrativo e interesse em agir. 1. A instituição de condições para o
regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da
Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso
haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios
previdenciários depende de requerimento do interessado, não se
caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e
indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É
bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se
confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de
prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o
entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à
postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão,
restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido,
considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais
vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo –
salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao
conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do
INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5.
Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive
no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição
para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto
às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014),
sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em
que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada
no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido
administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já
tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em
agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se
enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a
sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar
entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do
processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a
se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a
Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e
proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não
puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio
requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o
interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima –
itens (i), (ii) e (iii) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial
deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do
requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que
se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para
determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar
a autora – que alega ser trabalhadora rural informal – a dar entrada no
pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a
postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha
as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como
data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os
efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a
subsistência ou não do interesse em agir. (RE 631240, Rel. Min. Roberto
Barroso, Tribunal Pleno, j. em 03.09.2014, DJe-220, 10.11.2014)
15.1. A SUSPENSÃO DOS PROCESSOS PENDENTES

O inciso I do art. 982 do CPC estabelece que, admitido o incidente, o relator


suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no
estado ou na região, respectivamente. Nos termos do art. 980, que determina o
prazo de um ano para o julgamento do IRDR, menciona-se que, superado este
lapso, cessa a suspensão dos processos, prevista no art. 982, salvo decisão
fundamentada do relator, em sentido contrário. Por sua vez, os §§ 1º e 2º do art.
982 determinam que a suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais
competentes e que, durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá
ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso. Estas são as normas
expressas contidas no Código de Processo Civil. O tema da suspensão, contudo,
parece ir além do regramento literal contido no estatuto processual e será
detalhado nos itens seguintes.

15.2. COMPETÊNCIA PARA O ESTABELECIMENTO DA


SUSPENSÃO

Não obstante a previsão contida no art. 982, caput e inciso I, do CPC, a


questão da suspensão, no âmbito do tribunal, poderá ser decidida monocrática ou
coletivamente, de modo respectivo, pelo relator ou pelo colegiado do órgão
competente para a admissibilidade e o julgamento do IRDR.
Não há razão para se impedir que o órgão colegiado possa deliberar sobre a
suspensão dos processos pendentes. Em primeiro lugar porque, sendo decisão do
relator, estaria, nos termos do art. 1.021 do CPC, sujeita ao recurso do agravo
interno. Portanto, submetida ao respectivo colegiado. Sendo assim, se o próprio
relator, ou integrante do colegiado, suscitar a discussão sobre a suspensão, nos
vários aspectos pertinentes (conveniência, extensão, duração etc.), a deliberação
poderá ser tomada coletivamente pelo próprio órgão, se este se considerar em
condições de fazê-lo, por ocasião do julgamento sobre a admissibilidade. A
decisão colegiada propiciará, em princípio, até mesmo maior segurança jurídica,
na medida em que não estará sujeita à interposição do agravo interno e,
consequentemente, de modificação posterior. Mas, estar-se-á, aqui, diante de um
juízo de conveniência que caberá ao colegiado do órgão competente do tribunal,
que poderá manter esta decisão, como previsto na regra, sob a competência do
relator.
Sobre o caráter cogente ou não da suspensão, se analisará no item seguinte.
Entretanto, desde já, se afigura que a regra, extraída claramente do inciso I do
art. 982, aponta para a suspensão dos processos ou, pelo menos, da tramitação
dos processos no que diz respeito ao pedido ou desdobramento que dependa da
fixação da tese no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Portanto, se
outro for o pretendido encaminhamento a ser dado pelo relator, recomendável, a
contrario sensu do art. 982, inciso I, que a proposta de não se atribuir efeito
suspensivo, ou de limitação deste, deva ser submetida ao órgão colegiado. Do
mesmo modo, se qualquer integrante do colegiado, o Ministério Público, a
Defensoria Pública ou qualquer parte ou interessado pretender suscitar a questão
perante o colegiado, poderá fazê-lo por ocasião do juízo de admissibilidade.
Por fim, outra hipótese que pode ser considerada é a de se conferir a
possibilidade de análise, em concreto, da suspensão integral ou não do processo
ao órgão judicial competente para o julgamento dos processos dependentes,
especialmente quando houver a cumulação com outros pedidos ou causas de
pedir. Isso porque o tribunal terá diante de si apenas o IRDR, não tendo, em
princípio, conhecimento das diversas situações em concreto nos diversos
processos que dependam da resolução do objeto do incidente.

15.3. SUSPENSÃO COGENTE OU FACULTATIVA

A suspensão dos processos pendentes é, como anteriormente apontado, um


elemento extremamente importante dentro da lógica do funcionamento e dos
resultados pretendidos, sob o prisma do sistema dos julgamentos de questões
comuns ou repetitivas, especialmente no que diz respeito à economia processual
e, consequentemente, da própria duração razoável dos processos. Entretanto, a
concepção global e a regra geral não devem ser inflexíveis, a ponto de tornar
inadequado o mecanismo processual, ou os seus efeitos, para determinadas
situações.
Portanto, uma reflexão mais profunda sobre o caráter cogente ou não da
suspensão deve se coadunar com a necessidade da análise concreta, em termos
da adequação e eventuais limites para a suspensão dos processos dependentes da
resolução da questão comum submetida ao Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, ainda que, em regra, o legislador tenha previsto a suspensão, nos
termos do art. 982, inciso I, do Código de Processo Civil.
Razões podem existir, contudo, para a não adoção da suspensão para a
situação concreta. Pode-se conceber, por exemplo, que, dentro do âmbito da
jurisdição do tribunal, a esmagadora maioria dos órgãos já adote uma posição em
conformidade com a jurisprudência da Corte ou com o seu entendimento
predominante, havendo divergência mínima, localizada em apenas um órgão
judicial, sob o qual sequer tramita um número significativo de processos.
Embora o IRDR possa ser útil para o estabelecimento da isonomia e da
segurança jurídica, de modo integral, na área de jurisdição do tribunal, a
suspensão acabaria por retardar, sem justificativa plausível, o andamento de
grande quantidade de processos.
Do mesmo modo, podem ser aduzidas ou encontradas outras hipóteses em
que não haja conveniência, jurídica ou prática, para a suspensão. Pode-se pensar,
por exemplo, em questão processual, que possa acabar atravancando a marcha de
um contingente expressivo de processos. Por outro lado, podem ser
controvertidas questões comuns que digam respeito a verbas condenatórias, que
apenas seriam adimplidas ou exigidas após o trânsito em julgado, de modo que a
pacificação posterior, sem a suspensão, especialmente se dentro do prazo de um
ano, poderia ser feita, sem a interrupção normal do procedimento, com a
eventual correção na fase final do julgamento dos processos dependentes da tese
jurídica a ser firmada.

15.4. POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO PARCIAL

Se possível o afastamento integral da suspensão, mais defensável ainda a


possibilidade de suspensão parcial do processo, considerando-se as inúmeras
possibilidades de cumulação, objetiva e subjetiva, de demandas. Por
conseguinte, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas poderá ter
como objeto, por exemplo, uma questão que seja determinante para a apreciação
de um dos pedidos ou da causa de pedir, ou da respectiva defesa, sem
interferência direta nos demais pedidos ou causas de pedir, que poderão exigir,
por sua vez e ao contrário do objeto do IRDR, produção probatória.
Sendo assim, diante da independência entre os pedidos ou causas de pedir,
bem como eventualmente de outras questões processuais (pode-se pensar em um
IRDR para sanar controvérsia sobre norma processual pertinente a uma
modalidade de prova), sem interferir, contudo, na produção de outras provas, é
perfeitamente factível que haja tão somente a suspensão do processo em relação
aos atos conexos ao incidente.

15.5. SUSPENSÃO EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL

Considerando o caráter regional ou estadual dos tribunais de segundo grau e


a possibilidade de que a questão a ser dirimida no Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas poderá extrapolar os limites da respectiva corte recursal,
o Código de Processo Civil, nos §§ 3º a 5º do art. 982, previu que qualquer um
dos legitimados mencionados no art. 977, incisos II e III, possa requerer, ao
Supremo Tribunal Federal ou ao pertinente Tribunal Superior, a suspensão de
todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que
versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.
No Brasil, provavelmente em razão de fatores culturais, há certa dificuldade
no sentido de se conceber o poder jurisdicional aos juízes de modo geral e
horizontalmente considerado. Por certo, a sociedade brasileira encontra-se
impregnada de uma concepção vertical, ou hierárquica, do poder, que se
confunde, por vezes, com um sentido autoritário. Esta visão acaba se
incorporando nas normas de organização judiciária e também no âmbito
processual. Por isso, há dificuldade para se assimilar normas processuais mais
infensas a esta concepção hierárquica, como a de decisões irrecorríveis; ou que
vinculem outros órgãos judiciários, situados no mesmo plano horizontal ou
mesmo superiores, como as existentes em outros países desenvolvidos1.
Não se pretende, considerando-se o objeto deste trabalho, a ampliação ou
aprofundamento deste debate, mas, na realidade brasileira, é plausível o
sentimento de impossibilidade de que um órgão de primeiro grau, ou mesmo de
segundo, possa estabelecer a suspensão fora do “seu âmbito territorial”. Esta
limitação, contudo, parece não se justificar e lembra, aliás, debate que vem
sendo travado, de longa data, em torno do art. 16 da Lei nº 7.347/85, que foi
introduzido, pela Lei nº 9.494/1997, para restringir territorialmente os efeitos das
decisões proferidas no âmbito dos processos coletivos. Pede-se vênia, portanto,
para se transcrever fundamentos anteriormente expostos e que se aplicam à
espécie:

A inovação é manifestamente inconstitucional, afrontando o poder de


jurisdição dos juízes, a razoabilidade e o devido processo legal. A
jurisdição, como já visto, não se confunde com a competência. Todos
os juízes são investidos na jurisdição, estando limitada tão somente a
sua competência para conhecer, processar e julgar os processos. Por
outro lado, a jurisdição é um poder, decorrente diretamente da
soberania, razão pela qual guarda aderência sobre o território nacional,
ainda quando o órgão seja estadual. As regras de competência fixarão,
sim, quem deva ser responsável pelo processo, não se prestando,
portanto, para tolher a eficácia da decisão, principalmente sob o prisma
territorial.
Da mesma forma, há que ser invocada, mais uma vez, a
indivisibilidade do objeto, quando o interesse for difuso ou coletivo,
não sendo possível o seu fracionamento para atingir parte dos
interessados, quando estes estiverem espalhados também fora do
respectivo foro judicial.
Em julgado proferido no final do ano de 2011, a Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça enfrentou, em sede de recurso repetitivo,
nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil, a questão da
limitação territorial pretendida pelo art. 2º-A da Lei nº 9.494. Na
ocasião, o relator, Ministro Luis Felipe Salomão, analisou, com
precisão e maestria, no seu voto, ao comentar a pretensão do
recorrente no sentido da aplicação da limitação do art. 16 da Lei nº
7.347/85:
Tal interpretação, uma vez mais, esvazia a utilidade prática da ação
coletiva, mesmo porque, cuidando-se de dano de escala nacional ou
regional, a ação somente pode ser proposta na capital dos Estados ou
no Distrito Federal (art. 93, inciso II, CDC). Assim, a prosperar a tese
do recorrente, o efeito erga omnes próprio da sentença estaria restrito
às capitais, excluindo todos os demais potencialmente beneficiários da
decisão.
A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos
– como coisa julgada e competência territorial – e induz a
interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os “efeitos”
ou a “eficácia” da sentença podem ser limitados territorialmente,
quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada – a despeito da
atecnia do art. 467 do CPC – não é “efeito” ou “eficácia” da sentença,
mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la “imutável e
indiscutível”.
É certo também que a competência territorial limita o exercício da
jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é
de conhecimento comum, correlacionam-se com os “limites da lide e
das questões decididas” (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter
sido (art. 474, CPC) – tantum judicatum, quantum disputatum vel
disputari debebat.
A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem
no processo singular, e também, com mais razão, não pode ocorrer no
processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo
de solução plural das lides.
A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela Justiça
estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no
Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um
imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa
(art. 107, CPC) não teria eficácia em relação à parte dele; ou uma
sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o
Judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser
consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.
A questão principal, portanto, é de alcance objetivo (“o que” se
decidiu) e subjetivo (em relação “a quem” se decidiu), mas não de
competência territorial.
Pode-se afirmar, com pr opriedade, que determinada sentença atinge
ou não esses ou aqueles sujeitos (alcance subjetivo), ou que atinge ou
não essa ou aquela questão fático-jurídica (alcance objetivo), mas é
errôneo cogitar-se de sentença cujos efeitos não são verificados, a
depender do território analisado.2

As linhas acima servem apenas para pontuar que a decisão de suspensão, em


âmbito local, estadual, regional ou nacional, a rigor, se superadas as dificuldades
culturais supramencionadas, poderia ser tomada por qualquer órgão judicial,
especialmente se conferido este poder pela legislação processual.
A Comissão de Juristas e o legislador, entretanto, de modo cauteloso,
procuraram, com habilidade, contornar estas dificuldades, estabelecendo um
mecanismo de suspensão nacional a partir de decisão tomada por um dos
tribunais superiores, considerando o próprio papel uniformizador que exercem
em relação ao direito federal. Pressupondo, assim, que a questão terá repercussão
além do âmbito local, estadual ou regional, quando pertinente ao direito federal.
No caso, está legitimado para requerer a suspensão nacional qualquer
legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III, bem como a parte de
processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente,
independentemente dos limites da competência territorial, nos termos dos §§ 3º e
4º do art. 982 do CPC. Portanto, instaurado, por exemplo, um Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas no estado de São Paulo, qualquer parte, em
processo que verse sobre o objeto do incidente, poderá requerer ao Supremo
Tribunal Federal ou ao Tribunal Superior competente, sendo o caso,
naturalmente, de direito federal constitucional ou infraconstitucional,
respectivamente, a ampliação da suspensão para todo o território nacional.
É uma medida, em primeiro lugar, preventiva, no sentido de se propiciar a
pretendida economia processual de modo ampliado, ou seja, a partir de um único
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, instaurado em um tribunal
estadual ou regional.
Para que se possa requerer este efeito, o IRDR precisa já ter sido admitido
pelo tribunal regional ou estadual. Não basta apenas a sua provocação,
distribuição ou mesmo a inclusão em pauta para a deliberação sobre o juízo de
admissibilidade. Embora seja uma medida preventiva, não pode ser precoce, pois
não haveria sentido em se suspender os processos, no âmbito local, estadual e
muito menos nacional, sem que houvesse a mínima verificação quanto à
presença dos requisitos para a admissibilidade do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas.
Se a própria suspensão local somente deve ocorrer após o incidente ter sido
admitido, não faria qualquer sentido em se ampliar algo inexistente, ou seja, a
própria suspensão local. Portanto, apenas após a decisão proferida pelo
colegiado do tribunal local sobre a admissibilidade, é que se torna possível o
pleito de ampliação da suspensão para todo o território nacional. Do contrário,
haveria uma verdadeira aberração: a determinação de uma suspensão nacional,
quando ainda não admitido o IRDR e não suspensos os processos no âmbito
estadual ou regional. Há que se ter aqui certa cautela. Do contrário, poderia ser
determinada inutilmente a suspensão nacional, seguida de uma decisão de
inadmissibilidade, ensejando demora e insegurança na prestação jurisdicional.
O entendimento supramencionado foi corretamente sufragado pelo Superior
Tribunal de Justiça, por ocasião já do segundo requerimento de suspensão em
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, em decisão proferida pelo
Presidente da Comissão Gestora de Precedentes do STJ3-4.

15.6. TEMPO DE SUSPENSÃO

No regramento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas


estabeleceu-se diretamente o prazo de um ano para o julgamento, nos termos do
art. 980, caput, do CPC. Entretanto, o parágrafo único do art. 980 faz menção a
este prazo também para a cessação da suspensão dos processos, ressalvando
decisão fundamentada do relator em sentido contrário.
Trata-se de prazo legalmente fixado, ope legis, não sendo possível, portanto,
que o tribunal, monocraticamente ou de modo colegiado, estabeleça, a priori,
prazo diverso. Poderá, sim, diante da impossibilidade de julgamento dentro do
lapso de um ano, manter a suspensão, como será visto no item seguinte.
É de se notar que, no âmbito dos recursos repetitivos, havia também prazo
para o julgamento e para a manutenção da suspensão dos processos, nos termos
do art. 1.037, §§ 4º e 6º, do CPC. Entretanto, a Lei nº 13.256/2016 revogou o §
5º do art. 1.037. Sendo assim, ficou mantido o prazo de um ano para o
julgamento dos recursos afetados, revogando-se, contudo, a cessação automática
da suspensão, originariamente prevista.
O prazo de suspensão dos processos deve ser contado a partir da publicação
da decisão que determinou a suspensão.

15.7. PRORROGAÇÃO DA SUSPENSÃO

A prorrogação da suspensão foi expressamente prevista no parágrafo único


do art. 980, embora não tenha mencionado, de modo literal, limitação temporal
para a manutenção da suspensão. Lógica e sistematicamente, parece haver razões
para que a prorrogação possa ser feita por novo lapso de um ano, tempo este que
foi considerado, em princípio, como limite razoável para o julgamento do IRDR.
Entretanto, diante da ausência de limitação expressa e da fórmula relativamente
aberta, a exigir apenas a devida decisão fundamentada, não há restrição quanto à
possibilidade de uma ou mais prorrogações, diante de decisão fundamentada a
justificar a(s) prorrogação(ões), desde que este lapso temporal não acabe
representando afronta ao acesso à justiça e à duração razoável dos processos.

15.8. COMUNICAÇÃO DA SUSPENSÃO (OU A SUSPENSÃO EFETIVA


DOS PROCESSOS QUE VERSEM SOBRE A QUESTÃO DO
IRDR). DEVIDO PROCESSO LEGAL E CONTRADITÓRIO

Nos termos do § 1º do art. 982, a suspensão será comunicada aos órgãos


jurisdicionais competentes, ou seja, aqueles que se encontram na respectiva
região ou estado. Mas, a comunicação não se encerra aqui. Como já visto, é de
suma importância que todos os interessados tenham ciência da instauração do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. A divulgação deve ser a mais
ampla possível, devendo o tribunal se utilizar dos seus meios de comunicação,
como página na rede mundial de computadores, redes sociais, divulgação junto à
imprensa e oficiando, naturalmente, aos órgãos jurisdicionais competentes para a
matéria afeta ao IRDR.
A comunicação dos órgãos jurisdicionais assume importância capital, na
medida em que as partes dos processos suspensos devem ser intimadas da
respectiva decisão. Esta determinação se encontra expressamente prevista para a
sistemática dos recursos repetitivos, nos §§ 8º a 13 do art. 1.037. Mas, não há
razão aqui para a distinção de tratamento em relação ao Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas. Pelo contrário, em qualquer uma das hipóteses, o
comando geral de suspensão precisa ser materializado, incorporado por decisão
específica proferida pelo juízo perante o qual se encontra o processo.
A identificação das hipóteses de subsunção não é uma atividade mecânica,
mas, sim, cognitiva, no sentido de comparar a questão submetida ao IRDR com a
existente no processo em tramitação. As partes devem, portanto, ser intimadas da
decisão de suspensão do seu processo, podendo contraditar mediante
requerimento, demonstrando a distinção entre a questão a ser decidida no
processo e aquela a ser julgada no Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas. Esta comunicação e oportunidade de contraditório, ainda que
diferido, são fundamentais para o devido processo legal.
Pode-se dizer, mesmo, que não há, a rigor, uma suspensão automática de
todos os processos. Há, sim, um ato complexo, que se inicia com a deliberação
tomada pelo tribunal (colegiado ou relator), determinando a suspensão dos
processos. Entretanto, precisa se completar com a análise, por cada órgão
judicial vinculado ao respectivo tribunal, da subsunção das questões ventiladas
nos processos ao objeto do IRDR, para, em concreto, decidir pela aplicabilidade
da suspensão ao processo em tramitação. Não se trata, em princípio e
ressalvando a autorização concedida pelo próprio tribunal, de se aferir sobre a
conveniência ou não da suspensão. Mas, sim, a aferição da existência ou não de
identidade entre as questões suscitadas no IRDR e no processo em tramitação
perante o juízo, para que se possa consignar a subsunção na dependência em
concreto da solução a ser dada pelo incidente para a indagação jurídica.

15.9. REQUERIMENTO DE SUSPENSÃO OU DE SUSTAÇÃO DA


SUSPENSÃO

A intimação mencionada no item anterior serve exatamente para que as


partes possam, eventualmente, de modo similar ao previsto no § 9º do art. 1.037
do CPC, demonstrar a distinção entre a questão a ser decidida no processo e
aquela a ser apreciada no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
requerendo, neste caso, o prosseguimento do seu processo.
O requerimento será dirigido ao juiz, se o processo suspenso estiver em
primeiro grau, ou ao relator, se o processo sobrestado estiver no próprio tribunal.
Deve ser aplicado também, por analogia, o previsto no § 11 do art. 1.037,
submetendo o requerimento ao contraditório, com a intimação da parte contrária
para se manifestar no prazo de cinco dias.
Reconhecida a distinção, pelo juiz ou relator, conforme o caso, deve ser
reconsiderada a determinação de suspensão do processo, que terá o seu
seguimento normal a partir de então.

15.10. RECURSOS CONTRA A DECISÃO SOBRE A SUSPENSÃO

Plenamente aplicável também a previsão contida no § 13 do art. 1.037 do


CPC, no sentido de que, contra a decisão proferida, no sentido de resolver o
requerimento de suspensão, caberá, conforme o caso: (a) agravo de instrumento,
se o processo estiver em primeiro grau; (b) agravo interno, se a decisão for do
relator.
Em princípio, com a ressalva de previsão expressa no respectivo regimento
interno, não há prevenção para a apreciação do agravo de instrumento ou do
agravo interno, em relação ao órgão competente para a apreciação do Incidente
de Resolução de Demandas Repetitivas. Isso porque a competência para o
julgamento do IRDR é atribuída a órgão responsável pela uniformização da
jurisprudência, normalmente mais amplo. Por sua vez, os recursos nos processos
em geral, que tenham uma relação de dependência com a questão apreciada no
IRDR, devem ser julgados pelos órgãos fracionários ordinariamente
competentes. Do contrário, haveria uma verdadeira concentração de uma enorme
quantidade de recursos nos órgãos mais amplos dos tribunais (Plenário, Órgão
Especial ou Seções Especializadas) para o julgamento de todos os recursos
pertinentes aos casos concretos, tanto na discussão sobre a suspensão, quanto
posteriormente para a aplicação da tese aos casos concretos. Isso causaria um
enorme transtorno para os tribunais, colocando por terra toda a pretendida
economia processual decorrente do IRDR.
A lógica do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é exatamente
em outro sentido: o órgão competente do tribunal fixa a tese e os órgãos
naturalmente competentes processam e julgam os casos concretos, a partir da
vinculação estabelecida no art. 985 do Código de Processo Civil. Do contrário,
não haveria a necessidade de se estabelecer qualquer efeito vinculativo. Bastaria
o estabelecimento de competência por prevenção, concentrando o julgamento
destas causas no órgão do tribunal responsável pela uniformização de
jurisprudência. Entretanto, o resultado seria, naturalmente, o entupimento
completo destes órgãos, com o enorme prejuízo para a prestação jurisdicional
como um todo.
Registre-se ainda que, contra a decisão que aprecia o requerimento
pertinente à suspensão do processo, poderá caber também a interposição de
embargos de declaração, nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil.

15.11. CESSAÇÃO DA SUSPENSÃO

A suspensão poderá cessar em razão do decurso do prazo de um ano, sem


que tenha ocorrido prorrogação do prazo, ou por decisão posteriormente tomada,
tanto pelo tribunal que tenha determinado a suspensão ou pelo juízo, diante do
qual tramita o processo pendente, se a este foi conferida a decisão ou mesmo
diante da reanálise quanto à identidade entre as questões, se concluir
posteriormente pela distinção entre as indagações existentes no processo e as
pendentes de apreciação no IRDR.
Como já mencionado, o legislador estabeleceu expressamente, no parágrafo
único do art. 980, do CPC, a cessação automática da suspensão, após o decurso
do prazo de um ano, se não houver decisão fundamentada do relator em sentido
contrário. Portanto, não havendo pronunciamento motivado para a manutenção
da suspensão, os processos deverão retomar o seu prosseguimento.
A hipótese mais comum, levando em consideração a experiência no âmbito
dos recursos repetitivos, é a da desafetação, ou seja, quando o tribunal,
provocado ou de ofício, considera que a questão não deva mais ficar submetida,
no caso, ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, seja porque
reconsidera a própria admissibilidade do instituto ou por causa superveniente,
como desaparecimento da divergência, perda do objeto (por exemplo, revogação
do ato normativo que estaria sendo impugnado e dando causa ao ajuizamento de
diversas demandas; reconhecimento do pedido pela parte demandada; ou solução
da questão a partir de outro instrumento com igual efeito vinculativo).

15.12. ATOS PROCESSUAIS QUE PODEM SER REALIZADOS


DURANTE A SUSPENSÃO

O § 2º do art. 982 do CPC prevê literalmente que, durante a suspensão, o


pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo
suspenso. A norma decorre, naturalmente, do princípio da inafastabilidade da
prestação jurisdicional, insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da
República.
A tutela de urgência poderá ter sido pleiteada desde o início ou
posteriormente, diante de um perigo que tenha surgido ou se acentuado ao longo
do tempo, considerando a própria demora decorrente da suspensão do processo.
Poderá ter sido deduzida ou ser pleiteada, originariamente, tanto perante o juízo
de primeiro grau, quanto ao relator, no tribunal, que também poderá conhecê-la
por força de recurso contra a decisão ou sentença proferida.
Como visto nos itens acima, há também a possibilidade de que o processo
não esteja integralmente suspenso, mas apenas os atos relacionados à questão
sobre a qual pende a definição de tese jurídica. Nesta hipótese, de suspensão
parcial, todos os demais atos, desconexos do objeto do IRDR, poderão ser
praticados, se o tribunal processante do incidente e o juízo perante o qual tramita
o processo considerarem conveniente o seu prosseguimento.

1
Vide, como exposto anteriormente, por exemplo, a decisão proferida sobre
a admissibilidade do Musterverfahren no âmbito do mercado de capitais,
realizada pelo órgão de primeiro grau, com efeito vinculativo para o
tribunal de segundo grau.
2
REsp 1.243.887/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 12.12.2011. Este
entendimento vem se mantendo, especialmente diante do trânsito em
julgado do título: “Processual civil. Embargos declaratórios no recurso
especial. Recebimento como agravo regimental. Requisitos de
admissibilidade. Execução individual de sentença coletiva. Expurgos
inflacionários em caderneta de poupança. Limites subjetivos da sentença.
Abrangência nacional da demanda. Coisa julgada. Regularidade do título.
Prosseguimento da execução. Decisão mantida. 1. Os fundamentos do
acórdão recorrido foram devidamente impugnados pelo recurso especial.
Não incidência da Súmula 283 do STJ. Não houve conotação constitucional
nas considerações contidas no acórdão recorrido. Inaplicabilidade da
Súmula 126 do STJ. 3. “A sentença genérica proferida na ação civil coletiva
ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, que condenou
o Banco do Brasil ao pagamento de diferenças decorrentes de expurgos
inflacionários sobre cadernetas de poupança ocorridos em janeiro de 1989,
dispôs que seus efeitos teriam abrangência nacional, erga omnes. Não cabe,
após o trânsito em julgado, questionar a legalidade da determinação, em
face da regra do art. 16 da Lei 7.347/1985 com a redação dada pela Lei
9.494/1997, questão expressamente repelida pelo acórdão que julgou os
embargos de declaração opostos ao acórdão na apelação” (STJ, REsp
1.348.425/DF, 4ª T., Rel Min. Maria Isabel Gallotti, j. 05.03.2013, DJe
24.05.2013). 4. Conforme a orientação jurisprudencial fixada pelo STJ, a
abrangência nacional expressamente declarada na Ação Civil Pública nº
1998.01.1.016798-9 não pode ser alterada na fase de execução, sob pena de
ofensa à coisa julgada, sendo, portanto, aplicável a todos os beneficiários,
independentemente de sua residência ou domicílio no Distrito Federal. 5.
Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega
provimento.” (STJ, EDcl no REsp 1.329.647, 4ª T., Rel. Min. Antonio
Carlos Ferreira; j. 05.12.2013, publicado em 12.12.2013).
3
Nesse sentido, consignou o Min. Paulo de Tarso Sanseverino: “Extrai-se
dos dispositivos citados a conclusão de que somente é possível ao
presidente do STJ analisar pedido de suspensão de processos em todo o
território nacional decorrente de IRDR após a admissão do incidente pelo
tribunal de segunda instância, com as consequências previstas nos incisos
do art. 982, em especial a determinação de suspensão dos ‘processos
pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região,
conforme o caso’ (inciso I). É que a suspensão de processos, prevista no §
3º do art. 982 do CPC, regulamentada pelo art. 271-A do RISTJ, não pode
ocorrer, de forma inaugural, por decisão desta Corte Superior de Justiça,
sendo ela decorrente de uma prévia decisão de suspensão no âmbito do
tribunal de justiça ou do tribunal regional federal. O pedido de suspensão
em IRDR possui como objeto o requerimento de ampliação da abrangência
da suspensão de processos, que, num primeiro momento, com a admissão
do IRDR no tribunal local, limita-se ao âmbito do território ou da região, a
depender da competência jurisdicional. (...) Note-se que a expressão
‘instaurado’, contida na parte final do § 3º do art. 982, deve ser interpretada
em consonância com o caput do dispositivo que qualifica o incidente como
‘admitido’. Dessa forma, o parágrafo, como subdivisão do artigo, não pode
dispor de forma contraditória à previsão do caput; logo, os incisos e
parágrafos do art. 982 disciplinam questões que se aplicam apenas ao IRDR
que já possui decisão colegiada (art. 981) de admissão do incidente. Ainda
que assim não fosse, da leitura do § 3º do art. 982, do art. 987 e do § 4º do
1.029, observo que o Código de Processo Civil estabelece a competência do
Superior Tribunal de Justiça para suspender, por decisão de seu presidente,
todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional
que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado antevendo a
possível interposição de recurso especial contra o julgamento de mérito do
IRDR.”, decisão proferida em 12.12.2016, disponível em:
<http://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/SIRDR%202.pdf
acesso em 03.01.2016, ainda não publicada até a data do acesso.
4
O art. 271-A do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça conferiu
à Presidência o disposto no art. 982, § 3º, do CPC. Por sua vez, a Portaria nº
475, de 11.11.2016, da Presidência do STJ delegou ao Presidente da
Comissão Gestora de Precedentes a apreciação dos requerimentos de
suspensão de todos os processos individuais e coletivos em curso no
território nacional que versem sobre a questão objeto de incidente de
resolução de demandas repetitivas em tramitação.
Capítulo 16

PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO DO
JULGAMENTO. INFORMAÇÕES. O PAPEL
DO RELATOR E DOS SUJEITOS DO
INCIDENTE. CONTRADITÓRIO. AMICUS
CURIAE

16.1. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO DO JULGAMENTO

Os arts. 982 e 983 do Código de Processo Civil contêm as principais normas


relacionadas às providências decorrentes da admissibilidade do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas, bem como as que se voltam à preparação
do julgamento propriamente dito. Estão incluídas nesta etapa as medidas de
divulgação e publicidade, que, como visto, devem estar presentes desde a
distribuição do incidente, com reforço após a admissibilidade e prosseguindo
antes e depois do julgamento.
Como mencionado anteriormente, o legislador procurou estabelecer um
procedimento sucinto para o IRDR. Em um primeiro momento, o tribunal se
volta para um juízo apenas de admissibilidade, no qual o debate fica restrito às
sustentações orais na própria sessão. Contudo, reservou para este intervalo, entre
a instauração do incidente e o seu julgamento de mérito, uma etapa concentrada,
compreendendo um conjunto de atividades, com ênfase para as postulações, o
saneamento e o contraditório. As normas invocadas aparentam indicar certa
atividade instrutória. Todavia, buscam reunir não provas relacionadas a fatos,
mas, sim, documentação que contribua para a boa condução do julgamento do
IRDR, em termos de verificação da questão ou questões que realmente devem
ser elucidadas, bem como o devido enfrentamento dos diversos argumentos e
fundamentos relacionados.

16.2. INFORMAÇÕES. FUNDAMENTOS EM TORNO DA QUESTÃO


OBJETO DO IRDR

A primeira providência, arrolada no inciso II do art. 982, indica um poder-


dever que representa um papel mais diligente do relator, compatível com o papel
dirigente que lhe cabe no incidente, a fim de reunir informações completas sobre
os conflitos e processos relacionados ao objeto do incidente. Neste momento, o
relator precisa tomar pé da situação no âmbito da área do tribunal.
O escopo é reunir um quadro mais completo possível sobre o objeto do
IRDR. Nesse sentido, é de fundamental importância que o tribunal tenha, diante
de si, as diversas variáveis possíveis, em termos de fundamentos e argumentos,
relacionados à questão posta no incidente. Não se trata, apenas, de se buscar os
dois lados da moeda, ou seja, as alegações oriundas das duas partes postas em
conflito nos processos originários.
O objetivo é que possam ser colhidas as diversas nuances em torno da
questão, considerando que a decisão a ser proferida pelo tribunal deve enfrentar,
de modo mais amplo possível, os fundamentos expostos nos diversos processos
existentes. Somente assim poderá haver largo espectro vinculativo, pois, do
contrário, a decisão proferida no IRDR ficará exposta à alegação dos
interessados e afirmação pelo juízo da distinção em relação aos fundamentos
enfrentados de modo comum e os que foram apresentados nos processos
pendentes.

16.3. O PAPEL DO RELATOR E DOS SUJEITOS DO INCIDENTE NA


PREPARAÇÃO DO JULGAMENTO DO IRDR. A LEGITIMAÇÃO
DO PROCEDIMENTO MODELO E DO SISTEMA DE
PROCESSOS PARALELOS

O Direito Processual Civil, especialmente nos países com origem no sistema


de civil law, tem passado por inovações e novos desafios. O processo tradicional
individual era calcado na legitimidade ordinária e nos limites subjetivos da coisa
julgada, tornando mais simples a relação processual, o alcance da imutabilidade
da decisão e os seus respectivos efeitos. Este quadro começa, por influência
direta ou indireta dos países de common law, a se modificar com o incremento
do processo coletivo, entrando em cena a legitimação extraordinária e a coisa
julgada ultra partes ou erga omnes. E, agora, em razão da maior aproximação
com o sistema de precedentes dos países de origem no direito costumeiro e
também com a introdução de um novo modelo de processos paralelos, um novo
quadro começa a ser construído. Neste cenário, tentar-se-á desvendar o papel
atribuído, ou imaginado, para cada um dos protagonistas do processo, bem como
as dificuldades teóricas e práticas, com o intuito de se desenhar as perspectivas
possíveis para este novo modelo de julgamento de questões comuns,
especialmente no âmbito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
A nova concepção de processos paralelos traz modificações substanciais em
relação aos modelos anteriores, pois não se encontra fundada na legitimação
ordinária ou extraordinária. Nos processos individuais, é o próprio titular que
está presente, realizando a defesa do seu direito próprio. Por sua vez, na
legitimação extraordinária, há um controle da representação adequada ope legis
ou judicis, bem como outros mecanismos de controle, como a necessidade de
comunicação, a possibilidade de exclusão ou mesmo a limitação da coisa
julgada. A inexistência de controle similar na esfera do Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas vem sendo motivo de crítica e mesmo da invocação de
sua inconstitucionalidade por parcela da doutrina. Embora altamente plausíveis
as preocupações e os argumentos expendidos, desde já se expõe que os motivos
elencados não foram suficientes até agora para justificar a censura aos novos
instrumentos.
No sistema de processos paralelos, trabalha-se, por um lado, dentro de uma
lógica de precedente, com o respectivo efeito vinculativo, e, por outro, com a
possibilidade de participação e influência por parte dos interessados, bem como
ainda com a intervenção necessária do Ministério Público. Ressalte-se, como
será analisado posteriormente, que, no sistema de precedentes, dos países de
common law, as razões de decidir passam a ter um caráter vinculativo, a partir de
julgados realizados nos processos, sem que haja qualquer mecanismo especial de
controle da legitimidade ou da coisa julgada. No novel sistema brasileiro,
contudo, ainda que passível de aprimoramento, o sistema de julgamento de
questões repetitivas possui, como supramencionado, mecanismos de controle, a
partir da comunicação dos interessados, facultando-lhes o controle, a
participação e até mesmo o poder de recorrer no procedimento modelo, além da
fiscalização e intervenção obrigatória do Ministério Público.
As considerações expostas acima são importantes porque, além disso, o
legislador brasileiro parece também ter atribuído certo papel de controle ao
próprio Poder Judiciário, no sentido de zelar pelo devido processo legal do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Em especial, a preocupação
no sentido da correta definição da questão a ser elucidada e que os fundamentos
contrapostos estejam bem representados quanto à amplitude e profundidade. Por
isso, a previsão expressa do poder-dever de requisitar informações a órgãos em
cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, nos termos
do inciso II do art. 982 do Código de Processo Civil. Esta possibilidade não pode
ser superdimensionada, pois não se pretende transferir ao órgão julgador a
responsabilidade primária em relação aos direitos, deveres, ônus e faculdades
pertinentes às pretensões formuladas perante o Poder Judiciário. Por certo, aos
titulares dos respectivos direitos caberá o pleno exercício da atividade
postulatória, com a formulação dos fundamentos e argumentos jurídicos
pertinentes. Cabe aqui, talvez, uma ligeira crítica diante de uma visão distorcida
do princípio da cooperação ou da boa-fé no Direito Processual.

16.4. DEFINIÇÃO FINAL DA QUESTÃO DO IRDR.


CONTRADITÓRIO PLENO E APROFUNDADO EM TORNO
DOS FUNDAMENTOS PERTINENTES AO OBJETO DO IRDR.
PROVIDÊNCIAS QUE PODEM SER TOMADAS PELO
RELATOR

Portanto, deve-se deixar claro que, nesta etapa de preparação do julgamento


do IRDR, dois objetivos são centrais: a) a correta identificação e formulação da
questão ou das questões a serem elucidadas no incidente; b) o aprofundamento
do contraditório em torno do objeto do incidente, para que este esteja
devidamente instruído, em termos de extensão e profundidade, quanto aos
fundamentos e argumentos expendidos sobre a questão a ser resolvida.
O requerimento de instauração do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas pode ter sido formulado e instruído com um espectro amplo e
profundo dos fundamentos e argumentos em torno da questão jurídica objeto do
incidente, especialmente se provocado por uma das instituições legitimadas,
Ministério Público ou Defensoria Pública, considerando que, neste caso, pode ter
sido empreendida a coleta de petições protocoladas perante diversos órgãos
judiciais. Entretanto, a hipótese que parece ser mais frequente e provável seja a
da provocação do IRDR a partir de um único juízo, que pode ter sido o próprio a
suscitar o incidente, e de processos eventualmente patrocinados pelos mesmos
causídicos, ensejando assim a possibilidade de não serem totalmente
representativos da controvérsia.
Sendo assim, três providências complementares são previstas, para a
complementação argumentativa sobre as questões submetidas ao IRDR: a) a
requisição de informações, inscrita no inciso II do art. 982 do CPC; b) a
oportunidade de manifestação das partes e dos demais interessados, inclusive
pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, nos termos do caput
do art. 983 do CPC; c) a realização de audiência pública, para a tomada de
depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria, conforme
o § 1º do art. 983 do CPC.
A requisição, prevista no art. 982, inciso II, do CPC, poderá ter como objeto,
por exemplo, a obtenção de dados quanto ao número de processos em tramitação
que tenham relação com o objeto do IRDR, bem como a sua repercussão social;
o levantamento de informações para a fixação, em definitivo, da questão ou
questões a serem elucidadas no incidente; a remessa de peças pertinentes aos
processos relacionados ao objeto do incidente, por analogia ao estabelecido no
art. 1.037, inciso III, do CPC. Esta última providência se justifica especialmente
quando o IRDR tiver sido instaurado com base em um único ou poucos
processos, bem como diante de uma diversidade diminuta ou mesmo de certa
fragilidade nas petições juntadas, a indicar deficiência na defesa técnica
apresentada.
A oportunidade de manifestação das partes e interessados, especialmente
considerados os titulares de direitos que possam ser afetados pelo efeito
vinculativo da decisão proferida no Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, é ponto fundamental para a legitimação do procedimento modelo
estabelecido no ordenamento brasileiro. O seu ponto de partida, naturalmente,
foi a divulgação, ampla e específica, anteriormente estabelecida, especialmente a
partir da intimação das partes em relação à suspensão dos processos, fazendo
com que tivessem ciência da existência do respectivo IRDR, no sentido de
possibilitar o seu acompanhamento e posterior participação. Efetiva-se, portanto,
nesta etapa, a oportunidade de intervenção e participação, para que se possa
suprir eventuais deficiências, aduzindo tudo o que se considerar necessário para
o exercício do pleno direito de acesso e de defesa perante o Poder Judiciário.
Para tanto, os interessados deverão acompanhar o andamento do
processamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, dentro da
lógica dos processos paralelos, pois apenas as partes do próprio incidente, ou
seja, quem suscitou o IRDR e as partes dos processos de onde se originou o
incidente, serão intimadas para que possam se manifestar, dentro do prazo
comum de quinze dias, estabelecido no art. 983 do CPC, podendo requerer a
juntada de documentos e a realização de diligências necessárias para a
elucidação da questão de direito controvertida.
Em paralelo, o relator poderá marcar audiência pública, ouvindo pessoas
com conhecimento na matéria, como juristas e professores especializados no
assunto, ou mesmo representantes de entidades com atuação na área pertinente.
Nesse sentido, poderão ser convidados amici curiae, que poderão contribuir para
a ampliação, aprofundamento e qualificação do debate.
Em seguida, deve-se colher a manifestação do Ministério Público, nos
termos da parte final do art. 983, caput, do CPC. É importante assinalar que a ida
dos autos ao Ministério Público será o último ato realizado. Portanto, posterior
não apenas às manifestações previstas no caput do art. 982, mas também
subsequente à audiência pública, se esta for realizada.
Por fim, o relator deverá preparar o seu voto para o julgamento do mérito do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, solicitando a inclusão em
pauta e disponibilizando o relatório, nos termos do art. 931 do Código de
Processo Civil.
17.1. O ÓRGÃO COMPETENTE E O OBJETO DO JULGAMENTO

O julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas será


realizado pelo órgão competente, conforme definido no Regimento Interno do
tribunal, devendo ser responsável pela uniformização da jurisprudência do
tribunal no âmbito de uma matéria especializada ou de toda a corte. Não será,
portanto, um órgão fracionário comum, como uma turma ou câmara, mas, sim,
um órgão mais amplo, como uma seção ou grupo de câmaras especializadas ou
mesmo o órgão especial ou o plenário do tribunal. Este primeiro aspecto não
deve ser desconsiderado pela doutrina e pelos aplicadores do direito na
interpretação do sistema pertinente ao Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas. Do contrário, alta será a probabilidade de não se lograr a pretendida
economia processual e maior celeridade para o julgamento dos processos,
podendo se chegar a resultado completamente oposto. Nesse sentido, cabe aqui
reiterar os fundamentos anteriormente expostos1, quanto ao objeto do
julgamento, a ser realizado pelo órgão definido no regimento interno, que deve
se limitar ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, não se
prolongando sobre o caso concreto, que deverá ser examinado, em regra, pelo
juízo natural de primeiro grau ou pelo respectivo órgão fracionário do tribunal.
Mesmo se, por alguma razão, o processo dependente do IRDR estiver em
tramitação no tribunal e, segundo o regimento interno, o órgão interno for o
mesmo, para o julgamento do incidente e da causa originária ou do recurso,
ainda assim não se deve confundir o julgamento de ambos. Reafirmando-se2
aqui, naturalmente, tudo o que já foi dito quanto à inconstitucionalidade formal e
material do parágrafo único do art. 978 do Código de Processo Civil.
A complexidade do julgamento, como se vê, decorre já da própria
competência interna e da maior amplitude na composição do colegiado
responsável pelo IRDR.

17.2. DE NOVO, A IMPORTÂNCIA DO CONTRADITÓRIO


AMPLIADO

Considerando os efeitos vinculativos decorrentes dos julgamentos


repetitivos, no caso do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, o
legislador previu, expressamente3, no momento preparatório e por ocasião da
sessão de julgamento, a participação ampla dos sujeitos diretamente envolvidos
no incidente e também dos interessados, além do Ministério Público. Em
especial, deve ser consignada a possibilidade de intervenção daqueles que
ficarão ungidos pelo efeito vinculativo decorrente do julgamento do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas, não se podendo invocar que tenham sido
alijados ou excluídos do contraditório.

17.3. O PROCEDIMENTO PARA O JULGAMENTO DO IRDR

O procedimento ditado para o Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas diferencia-se claramente dos adotados como regra para o julgamento
em sede de competência originária ou recursal para os processos em geral.
Inicia-se, como de praxe, com a exposição do objeto do incidente pelo relator.
Mas, logo em seguida, diferencia-se dos processos baseados na dualidade de
partes, para permitir um rol maior de sustentações orais.
Poderão sustentar, sucessivamente, as suas razões o autor e o réu do
processo originário, pelo prazo de trinta minutos, segundo o inciso II, alínea a,
do art. 984 do CPC. É de se cogitar, naturalmente, sobre a possibilidade de o
incidente ter sido requerido com lastro em mais de um processo, ensejando
assim a intervenção conjunta dos autores e réus, com a respectiva divisão do
tempo comum ou a utilização do prazo conforme estipulação convencionada.
Nos termos do § 1º, o prazo poderá ser ampliado, considerando o número de
inscritos.
Do mesmo modo, é de se indagar se o legislador, ao mencionar o autor e o
réu do processo originário, o fez pressupondo que o incidente tenha sido
suscitado por uma das partes ou pelo juiz. Entretanto, se tiver sido instaurado a
partir da iniciativa do Ministério Público ou da Defensoria Pública, estes
poderiam sustentar as suas razões em prol de um entendimento, em substituição
ou em conjunto com o autor ou com o réu? Em uma primeira reflexão, não
parece ser plausível que os requerentes do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas fossem privados da oportunidade de manifestação oral sobre o
expediente por eles provocado. Nesta hipótese, em princípio, se houver a
dualidade de entendimentos diante da questão, o tempo de trinta minutos deverá
ser dividido internamente para cada posição, sendo repartido entre a parte e o
requerente do incidente. Se for o Ministério Público, é de se admitir a prática
adotada, no sentido de que dois integrantes da instituição possam intervir, sendo
um na condição de requerente do incidente e o outro como fiscal do
ordenamento jurídico. No caso, o primeiro poderá atuar, se for o caso, ao lado do
autor ou do réu, de acordo com o posicionamento adotado diante da questão
jurídica a ser decidida.
Há ainda, em tese, a possibilidade de que, na qualidade de requerente, o
Ministério Público ou a Defensoria Pública tenha um posicionamento
diametralmente diverso4 das partes do processo originário. Neste caso, parece ser
recomendável, para que não haja prejuízo para qualquer dos sujeitos processuais
envolvidos e suas respectivas teses, que haja a concessão de tempo,
sucessivamente, para o autor, para o réu, para o requerente do IRDR e para o
Ministério Público.
A parte final da alínea a, do inciso II, do art. 984 do CPC estabelece, em
seguida, a sustentação oral pelo Ministério Público, também pelo prazo de trinta
minutos. É de se consignar que a regra insculpida no dispositivo estabelece a
utilização sucessiva da palavra para os mencionados nas duas alíneas do inciso
II. Sendo assim, havendo, como exposto em seguida, interessados inscritos, para
falar depois, a norma aqui fixada vai de encontro com a praxe de se atribuir ao
Ministério Público a oportunidade de se manifestar por último, especialmente
quando na condição de fiscal da ordem jurídica, antes dos julgadores.
Em termos de sustentação oral, o Código de Processo Civil facultou ainda a
palavra aos demais interessados, no prazo de trinta minutos, divididos entre
todos, sendo exigida a inscrição com dois dias de antecedência. Em princípio,
serão considerados como interessados as partes dos processos suspensos em
razão do incidente ou mesmo aqueles que sejam titulares de direitos relacionados
ao objeto do IRDR, ainda que não tenham processos em tramitação. Havendo
interessados em lados opostos, o tratamento igualitário deve ser aplicado, com a
divisão do tempo, em partes iguais, para cada sentido. Portanto, cada lado teria,
ao todo, em princípio e com a ressalva da aplicabilidade também aqui da
ampliação permitida pelo § 1º do art. 984, quinze minutos, para serem utilizados
por um interessado ou divididos, se mais de um houver para a defesa de cada
entendimento.
Por fim, o relator proferirá o seu voto sobre a questão de direito objeto do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, com a proposição de tese
jurídica, colhendo-se, em seguida, os votos dos componentes do colegiado.

17.4. A FIXAÇÃO DA TESE JURÍDICA

O escopo central do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é a


elucidação da questão, ou questões, de direito sobre a qual, ou quais, pendem
múltiplos processos. O resultado será a fixação de tese jurídica, ou teses
jurídicas, que permitam a resolução dos processos que aguardam o julgamento
representativo da controvérsia.
Como mencionado ao longo deste texto, o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas, como também os recursos repetitivos, deve ser, em
termos de extensão e profundidade, de fato, representativo da controvérsia. Isso
significa que os fundamentos relacionados às teses apresentadas devem ter sido
debatidos e apreciados, em homenagem ao contraditório. Do contrário, ainda que
o tema possa provocar certa discussão, o efeito vinculativo poderá ser afastado,
diante da distinção entre os fundamentos, enfraquecendo e reduzindo assim o
alcance da tese firmada e do resultado pretendido. Por isso, de grande
importância o comando contido no § 2º do art. 984 do Código de Processo Civil,
no sentido de que o conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os
fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis
ou contrários.
Quanto à natureza da tese jurídica e do seu efeito vinculativo, o tema será
abordado no capítulo relacionado ao efeito vinculativo. Entretanto, pode-se
adiantar, desde logo, que o assunto deve ser tratado sem estereótipos ou
maniqueísmos, bem como a partir de uma análise histórica, sistemática e
comparada, considerando as experiências internacionais e a realidade nacional.
Por certo, a tese jurídica não é um precedente, como concebido no sistema
de stare decisis. Não houve o julgamento de um caso concreto, do qual se pode
extrair a ratio decidendi, a partir do contexto fático existente, para que os casos
futuros possam seguir o precedente.
A tese jurídica pode guardar semelhança, por outro lado, pelo menos no
sentido formal, com os enunciados de súmula. Embora estas advenham,
tradicionalmente, de julgados precedentes, que acabaram refletindo o
entendimento pacífico e reiterado do tribunal sobre um determinado tema, razão
pela qual, no estatuto processual anterior, resultavam do denominado Incidente
de Uniformização de Jurisprudência. Por sua vez, a tese jurídica firmada no
Incidente de Resolução de Demandas não é estabelecida a partir de julgados
reiterados. Pelo contrário, surge, basicamente, de julgamento concentrado, em
torno de uma questão de direito e com o escopo de produzir a correspondente
tese jurídica.
Diante dos tradicionais institutos da jurisprudência e do precedente, passaria
a ser uma terceira espécie? Ou o conceito de jurisprudência poderia ser
modificado, adaptando-se aos novos tempos e instrumentos do Direito
Processual contemporâneo, com ênfase na ideia de que representaria o
entendimento pacífico, ou predominante, do tribunal. Desse modo, não mais
importaria se foi reiterado ou não, mas, sim, que expressaria o entendimento do
tribunal sobre determinada questão jurídica. Seria uma heresia, uma
excrescência, tal concepção?
Por outro lado, se o precedente representa a norma extraída das razões
predominantes do julgado ocorrido, esta norma não poderia se exteriorizar
mediante um enunciado? Haveria obstáculo intransponível para que o sistema
brasileiro de precedentes pudesse ser formado a partir de julgados e enunciados,
como disposto no art. 927 do Código de Processo Civil? Ou se teria, no Brasil,
outra concepção de precedentes? O stare decisis teria sido recepcionado pelo
Direito Processual brasileiro? Como e quando? Parte da doutrina critica o
enquadramento da tese jurídica firmada nos julgamentos repetitivos como
precedente, por entender que se trata de instituto diverso, considerando as
características existentes nos países de common law. Mas, por outro lado, os
mesmos autores criticam a falta de norma constitucional estabelecendo o efeito
vinculativo. Haveria norma constitucional expressamente prevendo o efeito
vinculativo para os precedentes nos países de direito costumeiro?
Este trabalho, para não se distanciar do seu tema central, não terá por escopo
solucionar todas estas importantes indagações. Mas, tentará lançar,
especialmente no capítulo pertinente à vinculação, algumas reflexões, com o
objetivo de contribuir, ainda que de modo singelo, para a compreensão e
interpretação do novel Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que
acaba navegando pelo mar aberto da jurisprudência, dos precedentes e dos
efeitos vinculativos dos pronunciamentos judiciais.

1
No Capítulo 12, que tratou da competência.
2
Idem.
3
Como anteriormente exposto, esta possibilidade também deve ser
considerada por ocasião do juízo de admissibilidade realizado pelo órgão
colegiado, seguindo-se, com as devidas adaptações, o modelo previsto para
o julgamento do mérito, nos termos do art. 984 do CPC.
4
Que não deve ser confundida com os fundamentos ou com os argumentos
centrais ou acessórios.
Capítulo 18

RECURSOS CONTRA A DECISÃO


PROFERIDA NO INCIDENTE DE
RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Quem acompanhou a discussão, durante o processo legislativo de


elaboração do Código de Processo Civil de 2015, sabe que principalmente dois
fundamentos serviam de preocupação quanto à constitucionalidade do Incidente
de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) que se pretendia criar: (i) a
competência dos tribunais de segundo grau para o processamento e julgamento
do novel incidente, tendo em vista a objeção de que a competência destes
tribunais estaria fixada nos textos constitucionais, federal e estaduais1; e (ii) os
recursos extraordinários e especiais, que teriam a definição do cabimento no
texto constitucional, para as “causas decididas em única ou última instância”,
pois, na concepção do texto aprovado no Senado, seja no primeiro ou no
segundo turno, haveria, como defendido no presente trabalho, a cisão entre o
julgamento da tese jurídica e a sua aplicação nos casos concretos, o que poderia,
em tese, ser uma dificuldade para se estabelecer a possibilidade de cabimento
dos recursos extraordinário e especial contra o pronunciamento do IRDR. O
segundo tema será objeto de análise no presente capítulo, ao lado de outras
indagações pertinentes aos recursos.

18.1. RECURSOS CABÍVEIS: CONSIDERAÇÕES GERAIS

Em princípio, são cabíveis, além dos embargos de declaração, que podem


ser interpostos em relação aos pronunciamentos judiciais em geral, os recursos
extraordinário e especial, conforme o caso, estes últimos por previsão expressa
do art. 987 do Código de Processo Civil.
Entretanto, o estatuto processual é claro, no sentido de definir o cabimento
do recurso extraordinário e do recurso especial apenas em relação ao julgamento
do mérito do IRDR. Portanto, não serão cabíveis estes recursos diante de
pronunciamento pela inadmissibilidade do incidente.
Como visto anteriormente, o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas aprecia uma questão de direito, com a formulação de uma tese
jurídica a ser aplicada aos casos concretos. Sendo assim, poder-se-ia questionar
sobre a constitucionalidade da previsão contida no Código de Processo Civil de
2015, tendo em vista que, nos termos dos arts. 102, inciso III, e 105, inciso III,
da Magna Carta, foi estabelecido o cabimento dos recursos extraordinário e
especial, para as causas decididas, em única ou última instância.
A interpretação anteriormente firmada na doutrina e na jurisprudência
precisa ser, quanto ao ponto supramencionado, profundamente revisitada, pois
não pode e não deve ser mantida à luz dos princípios do acesso à justiça, do
devido processo legal e da duração razoável do processo, que possuem base
constitucional, bem como da nova configuração processual, de um novo conceito
de jurisdição e do diálogo das fontes.
Para tanto, se fará uma breve incursão no desenvolvimento histórico dos
recursos extraordinário e especial, na interpretação vetusta sobre situações que
guardam semelhança, sob certos aspectos, com a questão agora posta para o
IRDR, para, em seguida, expô-la criticamente aos valores, escopos e pertinência
ao sistema constitucional e processual, tentando a formulação de algumas
proposições, com o intuito de rever as teses até então sedimentadas.
Desde já, é importante que se diga que os fundamentos que agora são
trazidos à discussão não foram centralmente debatidos no passado, razão pela
qual não se trata, simplesmente, de se reputar negativa a interpretação anterior.
As interpretações predominantes e os precedentes em geral devem ser
consentâneos com o seu tempo, acompanhando as mudanças sociais, políticas e
sistêmicas que ocorrem. Do contrário, verdadeiro fosso existirá entre o
entendimento firmado pelos tribunais e a modernidade líquida2.

18.2. BREVE HISTÓRICO SOBRE AS ORIGENS, INFLUÊNCIAS E


ESCOPOS DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL
NO BRASIL

O recurso extraordinário, como consignado por José Carlos Barbosa


Moreira3, é instituto de origem norte-americana. Foi introduzido no Brasil tão
somente quando proclamada a República, por ocasião da própria criação do
Supremo Tribunal Federal, como se teve a oportunidade de se registrar em outra
oportunidade4:

A Proclamação da República dos Estados Unidos do Brasil, cujas


Províncias passaram a ficar reunidas pelo laço da federação, nos
termos do Dec. 01, de 15 de novembro de 1889 (art. 2.º), encerrou o
Estado Monárquico unitário, possibilitando, assim, a organização do
Poder Judiciário no âmbito federal e estadual. O Ministro e Secretário
de Estado dos Negócios da Justiça Campos Salles elaborou o texto do
Dec. 848, de 11.10.1890, editado pelo Marechal Manoel Deodoro da
Fonseca, Chefe do Governo Provisório da República, com base na
Constituição Provisória, corporificada no Dec. 510, de 22.06.1890,
criando a Justiça Federal. Composta inicialmente pelo Supremo
Tribunal Federal e por Juízes Federais, também intitulados Juízes de
Secção, foi inspirada, segundo consta na exposição de motivos do
decreto, na experiência norte-americana, com algumas modificações.
(...) O Supremo Tribunal Federal era composto de quinze Ministros e
possuía competência originária e recursal, esta com algumas
limitações tanto para os Juízes Federais como para os Estaduais,
havendo para estes uma feição mais restrita às questões de direito.
Como observa Alexandre Vidigal de Oliveira,5 estava sendo criado, na
realidade, sob a denominação de Justiça Federal, o próprio Poder
Judiciário da União. O mencionado decreto instituiu, ainda, as normas
do Processo Federal.
O recurso extraordinário sempre esteve relacionado à interpretação do
direito federal, valendo notar que, antes da Constituição de 1988, de modo mais
amplo, pois no Supremo Tribunal Federal se concentrava o controle
constitucional e também das leis federais. Entretanto, com a criação do Superior
Tribunal de Justiça, em 1988, houve fracionamento desta atividade, mantendo-se
no âmbito do recurso extraordinário apenas o controle da constitucionalidade,
passando-se a interpretação do direito federal infraconstitucional para a esfera do
recurso especial, sob a competência do Superior Tribunal de Justiça. O recurso
especial surge, assim, das entranhas do recurso extraordinário, mantendo a sua
característica, herdada do direito norte-americano, no sentido de estabelecer um
controle concreto, e não abstrato, em princípio, em termos de interpretação do
direito federal.
É de se salientar, contudo, que o sistema brasileiro não recebeu influência
apenas do direito norte-americano, sendo patente que concebeu, sob inspiração
de outros ordenamentos, notadamente o alemão, o controle abstrato e
concentrado da constitucionalidade.
Portanto, a confluência entre os dois sistemas de controle, no âmbito do
direito federal e não apenas em termos de constitucionalidade, ou seja, abstrato e
concreto, com a introdução de um mecanismo em que se permite o julgamento a
partir de questões comuns, derivadas de casos concretos, como técnica de
economia processual, parece ser compatível com o caráter híbrido do sistema de
controle da constitucionalidade e de uniformização da jurisprudência,
considerando as matrizes jurídicas do direito brasileiro.

18.3. OS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS E ESPECIAIS E AS


“CAUSAS DECIDIDAS EM ÚNICA OU ÚLTIMA INSTÂNCIA”. A
VISÃO TRADICIONAL DIANTE DE INSTITUTOS COMO O
INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE E
DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

É perfeitamente natural que o ordenamento jurídico reserve aos tribunais


superiores um papel definido em termos de atuação precípua e final para a
definição do direito, especialmente quando já houve a apreciação dos fatos por
outras instâncias. Sendo assim, há que ser estabelecidos filtros ainda mais
rígidos quando a quantidade de processos é volumosa, como já apontado no
presente trabalho.
O estabelecimento do cabimento apenas para as causas decididas em única
ou última instância tem como objetivo a concentração de todas as impugnações e
discussões relacionadas à interpretação do direito federal, no âmbito do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, em princípio, em uma única
oportunidade. Do contrário, a cada pronunciamento do tribunal de segundo grau,
em sede de decisões que pudessem receber impugnação dentro do próprio órgão
a quo, como decisões monocráticas ou pronunciamentos que pudessem ser
revistos internamente, estas poderiam ser dirigidas para os tribunais superiores,
havendo, de certo modo, supressão de instância e utilização indevida de recursos
excepcionais6.
Entretanto, desde logo, cabe afastar estas situações da hipótese prevista pelo
novo Código em termos de cabimento dos recursos extraordinário e especial
contra a decisão de mérito proferida no Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas. Por um motivo muito lógico: não se permitiria aos demais órgãos
vinculados ao tribunal a modificação do que fora julgado pelo órgão incumbido
do julgamento do IRDR. O órgão julgador seria o competente para a
uniformização da respectiva jurisprudência, como uma Seção
Especializada/Grupo de Câmaras ou mesmo o Pleno ou o Órgão Especial do
Tribunal. Portanto, sequer os órgãos fracionários poderiam modificar ou deixar
de aplicar a tese firmada. E muito menos os juízes de primeiro grau, diante do
efeito vinculativo estabelecido duplamente no Código de Processo Civil, nos art.
927 e 985. Por fim, ainda que houvesse um pronunciamento seguinte pelo
mesmo órgão julgador, o julgamento posterior e o respectivo acórdão tratariam
de questões e de decisões distintas, sob o prisma lógico e prático, na medida em
que o subsequente estaria adstrito à discussão sobre a aplicabilidade ou não da
tese ao caso concreto, bem como, eventualmente, de outras controvérsias
jurídicas e fáticas. Assim, haveria, quanto à tese firmada, no julgamento do
IRDR propriamente dito, decisão única e final no âmbito do tribunal de segundo
grau.
Para que se possa analisar a condição fixada constitucionalmente – causa
decidida em única ou última instância, fundamental a definição do seu sentido
teleológico. Parece não haver dúvida de que pelo menos dois escopos possam ser
apontados: a) a economia processual, pois os tribunais superiores, especialmente
em um país de dimensões constitucionais e com um número significativo de
tribunais e de processos em tramitação, precisam realizar uma jurisdição de
qualidade, para bem definir e harmonizar o direito federal; b) que o sistema
recursal seja compatível com as funções atribuídas pela Constituição, não
usurpando as funções dos tribunais de segundo grau, quando estes ainda podem
modificar a decisão tomada, pois, do contrário, haveria sem justificativa
plausível uma supressão de instância. Os dois princípios devem ser, sempre que
possível, conjugados, para que se busque o máximo de otimização em termos de
resultado da prestação jurisdicional dos respectivos tribunais.
Em sede constitucional, a previsão de julgamento de recursos contra
decisões em última instância vem se repetindo desde a Carta Magna de 1891,
sendo que, naquela época, recebiam tratamento como tal as causas advindas da
Justiça Estadual7, porque o Supremo Tribunal Federal foi inicialmente
concebido, como exposto acima, como um órgão integrante da Justiça Federal,
realizando a atividade revisora de segundo grau em relação a este ramo da
Justiça, durante a sua existência, tendo em vista que o Tribunal Federal de
Recursos foi instalado apenas em 23 de junho de 1947.8
Na Constituição de 1934, a competência do Supremo Tribunal Federal passa
a estabelecer a fórmula, até hoje consagrada, para julgar em recurso
extraordinário as causas decididas em única ou última instância.

18.4. DO INDIVIDUAL PARA O COLETIVO: O ESTUDO DO


DESENVOLVIMENTO DOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS
VOLTADOS PARA A SOLUÇÃO DE QUESTÕES COMUNS,
REPETITIVAS E COLETIVAS NO BRASIL, COMO PREMISSA
PARA A INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO “CAUSAS
DECIDIDAS EM ÚNICA OU ÚLTIMA INSTÂNCIA”

Há que se assinalar que o desenvolvimento de mecanismos processuais


coletivos ou com eficácia erga omnes, mesmo em sede constitucional, ocorreu e
se fortaleceu apenas tempos depois. Na Constituição de 1891, havia, tão
somente, o controle incidental da constitucionalidade9. Na Carta Magna seguinte,
inaugura-se o controle direto, por via principal, de modo restrito, limitado à lei
de intervenção federal em Estado-membro, em espécie de decisão prévia10. Na
Constituição de 1946, permanece restrita a possibilidade de controle direto
apenas ao plano da intervenção federal nos Estados-membros, em relação à
violação de alguns preceitos fundamentais e invertendo-se apenas o sentido.
Passou-se a exigir a declaração prévia da inconstitucionalidade da lei estadual,
para que a decretação interventiva pudesse se consumar. Somente com a Emenda
Constitucional nº 16, de 1965, o controle direto foi ampliado, para atribuir ao
Supremo Tribunal Federal “a representação contra inconstitucionalidade de lei
ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-
Geral da República”.11
Por sua vez, a história das ações coletivas no Brasil passa, num primeiro
momento, pela elaboração de esporádicos estatutos legais prevendo a
legitimação de associações e de instituições para a “representação” ou defesa em
juízo dos associados ou interesses gerais da profissão. Dentro dessa etapa, cabe
incluir ainda a legitimação extraordinária prevista na Lei da Ação Popular, de
1965. As décadas de 70 e 80 do século XX foram de significativa importância
para o desenvolvimento da tutela coletiva.
O desabrochar legislativo ocorre em 1985, com a aprovação da Lei da Ação
Civil Pública, refletindo a participação e as mudanças renovadoras ocorridas no
seio do Ministério Público. A consagração da incorporação das ações coletivas
ao ordenamento nacional foi marcada pelas duas inovações que se seguiram – a
Constituição de 1988 e o Código de Defesa do Consumidor –, que se fizeram
rodear de vários estatutos específicos, protegendo, entre outros, as pessoas
portadoras de deficiência, os investidores, a criança e o adolescente e a ordem
econômica e a economia popular.
Contudo, a interpretação sobre o alcance da expressão “causas decididas em
única ou última instância”, o que é central para a elucidação do cabimento dos
recursos extraordinário e especial contra decisão de mérito proferida em IRDR,
foi firmado a partir de julgados12 realizados pelo Supremo Tribunal Federal nos
anos de 1968 e 1969, em momento histórico no qual a democracia, os
embrionários direitos coletivos, o Estado Democrático de Direito e o Poder
Judiciário passavam por uma situação delicada. Pode-se dizer que sequer havia
uma consciência mais amadurecida em torno da necessidade de mecanismos
coletivos ou comuns para a resolução dos conflitos, que eram julgados sob o
prisma individual e atomizado. E é exatamente neste contexto que se aprova, em
sessão realizada no dia 03 de dezembro de 1969, o enunciado nº 513 da Súmula
do Supremo Tribunal: “A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário
ou extraordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de
inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmaras, Grupos ou Turmas) que
completa o julgamento do feito”.

18.5. OS JULGADOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O


ENUNCIADO Nº 513 DA SUA SÚMULA

O debate em torno do cabimento do recurso contra acórdão proferido no


incidente de arguição de inconstitucionalidade ou contra a deliberação tomada
em seguida pelo órgão fracionário que aplica, no caso concreto, a tese firmada
pelo Pleno ou Órgão Especial, desenvolveu-se, no Supremo Tribunal Federal,
pelo menos ao longo de cerca de vinte anos, no período compreendido entre 19
de dezembro de 1950 (data do julgamento do Recurso Extraordinário nº 17.437)
e 10 de abril de 1969 (data do julgamento do Recurso Extraordinário nº 59.250),
culminando com a aprovação do enunciado nº 513, em dezembro de 1969, em
incidente de uniformização de jurisprudência.
Ressalte-se que, no período anterior ao da Constituição de 1988, o Supremo
Tribunal Federal concentrava a competência para uniformizar o direito federal
constitucional e infraconstitucional, mediante o recurso extraordinário, que
abarcava a função posteriormente destinada ao recurso especial. Sendo assim,
neste momento a discussão pertinente à caracterização das causas como
decididas em única ou última instância estava afeta tão somente à Corte
Suprema.
Foram pelo menos nove julgamentos que enfrentaram a questão, na seguinte
ordem cronológica: a) Recurso Extraordinário nº 17.437, julgado em 19.12.1950;
b) Recurso Extraordinário nº 22.097, julgado em 02.06.1959; c) Recurso
Extraordinário nº 57.126, julgado em 16.06.1965; d) Agravo de Instrumento nº
31.523, julgado em 26.10.1965; e) Recurso em Mandado de Segurança nº
14.674, julgado em 07.03.1966; f) Recurso em Mandado de Segurança nº
15.212, julgado em 23.08.1967; g) Recurso em Mandado de Segurança nº
14.710, julgado em 30.05.1968; e h) Recurso Extraordinário nº 59.250, julgado
em 10.04.1969.
No primeiro julgamento13, havia sido ajuizada demanda, por magistrados,
pelo rito ordinário, em face da União e do Instituto de Previdência e de
Assistência dos Servidores do Estado (Ipase), com pedido de afastamento de
contribuição social e devolução de parcelas pagas. Julgado parcialmente
procedente o pedido em primeiro grau, o Pleno do Tribunal Federal de Recursos
(TFR) acolheu a alegação de inconstitucionalidade invocada, em relação à lei
que fixara a contribuição para o Ipase. Retornando à Turma do TFR, deu--se
provimento ao recurso dos autores. Foram interpostos embargos pelos autores e
réus, no âmbito do TRF e o Ipase interpôs recurso extraordinário contra o
julgamento da turma, invocando vários fundamentos. O Supremo Tribunal
Federal não conheceu do recurso, tendo o relator, Ministro Lafayette de
Andrada, acompanhado por unanimidade, afirmado no seu voto,
preliminarmente e de modo singelo, o seguinte: “A decisão recorrida foi em
cumprimento da anterior, daquela que deu pela inconstitucionalidade dos
descontos obrigatórios. Por meio desta não pode o recurso extraordinário atingir
a primeira, pelo trânsito em julgado.” Este parece ter sido o primeiro precedente
sobre o assunto no âmbito da Suprema Corte. No entanto, a questão preliminar
apontada sequer constou da ementa.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 22.097, proferido em
02.06.1959, o texto contido na ementa já indica que o tema de perante qual
decisão se deve interpor o recurso passou a ter maior significância:
“Inconstitucionalidade de lei. Oportunidade para interposição de recurso para o
S.T.F. Arguição de inconstitucionalidade decretada por Tribunal Local: conforme
tem entendido o Supremo Tribunal Federal, deve o recurso extraordinário ser
manifestado, diretamente dessa decisão, antes que o processo desça à Turma ou
Câmara para ser completado o julgamento”.14 O relator, Ministro Afranio da
Costa, ainda que de modo sucinto, expôs no seu voto os fundamentos da decisão
seguida por unanimidade: “Quanto à constitucionalidade do art. 197 letra a do
Estatuto, a matéria está preclusa. Eu entendera a princípio que somente da
decisão final da turma, podia ser manifestado recurso, sobre a decisão de
inconstitucionalidade. Mas, o Supremo Tribunal tem decidido contrariamente,
entendendo que deve ser manifestado logo após a decisão do plenário, nos
Tribunais locais. E realmente convenci-me mais tarde ser essa decisão acertada,
porque não pode mais sofrer modificação na instância local”.
No acórdão seguinte, proferido no Recurso Extraordinário nº 57.126,15 o
Pleno do Supremo Tribunal Federal atribui dimensão ainda maior para a
interpretação da expressão “decididos em única ou última instância”, para
alcançar a discussão relacionada ao cabimento do recurso ordinário. No ponto, é
interessante notar que o pronunciamento adotado no incidente de
inconstitucionalidade, no Pleno do tribunal local, poderá desafiar, segundo o
entendimento da Corte Suprema, o recurso extraordinário ou ordinário, tendo em
vista que este último somente será cabível se denegatória a decisão. Sendo
assim, o voto conduzido pelo Ministro Evandro Lins e Silva, que foi seguido por
unanimidade, esclarecia que: “Não se pode negar, entretanto, que a questão
constitucional era o fulcro do julgamento do pedido. Admitida a
constitucionalidade da lei impugnada, daí decorreria, implicitamente, a
ilegalidade do ato que demitiu o impetrante e, consequentemente, a concessão da
segurança pleiteada. Nessa hipótese, a Municipalidade só poderia atacar a
decisão por via do recurso extraordinário. Declarada, porém, a
inconstitucionalidade, no processo do mandado de segurança, tal decisão afetou
seriamente o pretendido direito líquido e certo do impetrante, ou melhor, pôs por
terra sua alegação fundamental. Essa arguição era a principal razão do pedido de
segurança. Uma vez negada, o recurso previsto na Constituição é o ordinário e
não o extraordinário”.
O entendimento aparentemente consolidado no Supremo Tribunal Federal
fez com que o Tribunal de Justiça da Bahia não admitisse recurso extraordinário
interposto de decisão de Câmara, diante de pronunciamento anterior do Pleno
sobre matéria constitucional. Contra esta decisão16, interpôs-se o Agravo de
Instrumento nº 31.523, perante o Supremo Tribunal Federal17. No julgamento,
proferido pela Primeira Turma, o relator, Ministro Gonçalves de Oliveira18, e o
Ministro Evandro Lins e Silva19 foram enfáticos na defesa da tese, acompanhada
também por unanimidade. O fundamento, como se verifica na ementa20, foi
principalmente o do trânsito em julgado do pronunciamento proferido pelo Pleno
do Tribunal de Justiça da Bahia, embora a decisão agravada tenha se referido, ao
que parece equivocadamente, à intempestividade do segundo recurso.
No ano de 1966, a Primeira Turma21 e Pleno22 do Supremo Tribunal Federal
reiteraram, em julgamentos por unanimidade, a jurisprudência da Corte, em
acórdãos lavrados respectivamente pelos Ministros Evandro Lins e Silva e Victor
Nunes Leal nos Recursos em Mandado de Segurança ns. 14.674 e 15.020.
As cinco primeiras decisões acolheram, em síntese, no período entre 1950 e
1966, o entendimento de que o julgamento proferido no incidente de arguição de
inconstitucionalidade deveria ser impugnado diretamente, pois seria uma decisão
de caráter final e definitivo, no âmbito do tribunal local, sobre a questão da
constitucionalidade. Portanto, se a parte tivesse interesse em impugnar o
pronunciamento sobre a constitucionalidade, deveria fazê-lo em relação ao
acórdão proferido pelo Pleno, tempestivamente, pois, do contrário a questão
ficaria preclusa. Contra a decisão do órgão fracionário, a parte somente poderia
recorrer quanto aos aspectos pertinentes a este segundo acórdão, no que não
decorresse logicamente do pronunciamento anterior. Do contrário, interposto o
recurso contra a decisão da Câmara ou Turma, quanto aos aspectos relacionados
à constitucionalidade anteriormente decidida pelo Pleno não seria admissível.
Entretanto, no ano de 1967, há uma ruptura do entendimento até então
estabelecido. No julgamento proferido no Recurso Ordinário em Mandado de
Segurança nº 15.212, escreventes de cartórios oficializados de São Paulo
impetraram mandado de segurança, apontando o Governador do estado como
autoridade coatora, por ter sustado a execução do cumprimento de normas
estabelecidas pela Lei nº 7.831, do estado de São Paulo, por reputá-las como
inconstitucionais, tendo em vista que derivaram de emendas promovidas pela
Assembleia Legislativa, aumentando os salários dos escriturários, sem ter
ocorrido a partir da iniciativa do Executivo. A 2ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça de São Paulo, reconhecendo a inconstitucionalidade, determinou a
remessa ao Tribunal Pleno, que, por maioria, decidiu pela violação
constitucional, retornando os autos para a referida Câmara, que denegou a
segurança. Somente contra esta última decisão houve a interposição do recurso
ordinário, ensejando a preliminar e a divergência no seio do Supremo Tribunal
Federal em relação ao conhecimento ou não do recurso ordinário.
O Pleno do Supremo Tribunal Federal decide, então, por maioria23, sufragar
o seguinte entendimento, inscrito em parte da ementa24: “1)
Inconstitucionalidade. Sua arguição em recurso de mandado de segurança.
Pedido o pronunciamento do Plenário pela Câmara julgadora, os autos voltaram
à Câmara, para completar o julgamento. Não há necessidade de interposição de
recurso extraordinário dessa decisão se os autos voltam à Câmara e o mandado é
indeferido. Cabe aqui então o recurso ordinário. Não são necessários dois
recursos, um o extraordinário da decisão do plenário, outro, o recurso ordinário,
da decisão da Câmara julgando o mandado de segurança. Somente este último é
de ser interposto.” O julgamento teve algumas nuances interessantes25.
O Pleno do Supremo Tribunal Federal tornou a decidir a questão preliminar
anteriormente mencionada, em caso extremamente semelhante, no qual se
repetiu literalmente o primeiro item da ementa, em julgado também sob a
relatoria do Ministro Gonçalves de Oliveira, ocorrido em 30.05.1968, no
Recurso de Mandado de Segurança nº 14.710 – SP. Entretanto, nesta ocasião o
debate prolongou-se mais26 sobre a admissibilidade do recurso ordinário
interposto contra a decisão da Câmara Cível, que houvera aplicado em concreto
a inconstitucionalidade reconhecida pelo Pleno do tribunal local. Em síntese,
controvertiam-se dois entendimentos: a) o afirmado no último julgamento27
sobre a questão, pela admissibilidade do recurso ordinário, por considerar que
apenas com o julgamento da Câmara teria havido decisão final no mandado de
segurança; b) o posicionamento fundado nos precedentes anteriores28 ao último
julgamento, que enfatizavam que a deliberação final sobre a constitucionalidade
ocorria no julgamento do Pleno, que deveria ser impugnado em separado e
diretamente, sob pena de preclusão, considerando que os órgãos fracionários não
poderiam se afastar da deliberação adotada, mas apenas aplicá-la em concreto,
bem como o interesse de que o Supremo Tribunal Federal pudesse analisar e
pacificar o mais rápido possível a controvérsia em torno da questão
constitucional, considerando a sua relevância. Registre-se que, neste julgamento,
o Ministro Carlos Thompson Flores levantou a “conveniência de sumular-se a
orientação” que viesse a tomar o Supremo Tribunal Federal, “tal o dissídio
existente, com os mais ruidosos efeitos, sobre o direito dos interessados”.
No dia 10 de abril de 1969, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, diante do
Recurso Extraordinário nº 59.250, por unanimidade, decide não conhecer o
recurso que fora interposto contra a decisão proferida pelo Pleno do Tribunal de
Justiça da Bahia, que houvera rejeitado um incidente de arguição de
inconstitucionalidade. Na ocasião, o relator, Ministro Thompson Flores,
ressaltou, logo no início do seu voto: “Quero, desde logo, salientar que o julgado
recorrido é o do Tribunal, em sessão plenária, chamada, apenas, para dirimir o
incidente de inconstitucionalidade. Tenho ponto de vista firmado e já aqui
sustentado, de que o recurso cabível é do veredito que apreciou os recursos
interpostos, não daquele que apreciou o incidente, limitado à tese da
inconstitucionalidade, por infração constitucional. Sou, entanto, vencido, razão
pela qual registo apenas a questão, sem suscitar prefacial de não conhecimento,
com esse embasamento”.29 É de se salientar que houve equívoco do Ministro
quanto ao fato de ser, naquele momento, voto vencido, pois ele já havia
perfilhado, no RMS nº 14.710, entendimento que havia sido consagrado por
maioria. No entanto, este fato e a preliminar não foram contraditados por
nenhum outro ministro, razão pela qual, ao que indicam o voto e a ementa30,
houve, por unanimidade, julgamento do mérito do recurso31, sem que a
preliminar de admissibilidade tenha sido, de fato, destacada, votada ou
efetivamente acolhida pelo colegiado32.
Este retrospecto procurou demonstrar que o Supremo Tribunal Federal
agasalhou, em momentos diversos, duas posições bem distintas. A primeira
prevaleceu por quase 17 (dezessete) anos e a segunda foi sumulada em 1969. Há,
portanto, fundamentos plausíveis, demonstrando, portanto, que, em princípio, os
dois caminhos seguidos eram dotados de razoabilidade. Entretanto, os
precedentes devem estar irmanados com o seu tempo e com as modificações da
sociedade, do sistema jurídico e da legislação processual, principalmente quando
as inovações buscam o aperfeiçoamento do ordenamento, contribuindo para que
os direitos fundamentais, como o acesso à justiça, a efetividade do processo, o
devido processo legal, o princípio da isonomia e a duração razoável do processo
possam encontrar um resultado mais profícuo, sólido e desejado.

18.6. FUNDAMENTOS PARA A CONSTITUCIONALIDADE DO ART.


987 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

18.6.1. A previsão de causa decidida em única ou última instância é


constitucional, mas a sua definição não é constitucional, podendo
ser fixada legalmente

As hipóteses de competência do Supremo Tribunal Federal e Superior


Tribunal Federal e de cabimento dos recursos extraordinário e especial foram
expressamente previstas na Constituição da República, não podendo a legislação
infraconstitucional eliminar, restringir ou ampliar qualquer das proposições
estabelecidas na Carta Magna33. Não poderá fazê-lo, naturalmente, de modo
direto ou indireto, com o objetivo de alterar o que fora fixado na Lei Maior.
Contudo, isso não representa que a atuação legislativa infraconstitucional
seja insignificante, sob o prisma das definições inseridas no texto fundamental.
Isso porque várias acepções poderão decorrer da legislação ordinária. Por
exemplo, no art. 102 da Constituição, a tipificação das infrações penais comuns
do inciso I, a; dos crimes de responsabilidade mencionados no inciso I, b; das
situações que podem ensejar a revisão criminal, a ação rescisória ou a
reclamação, nos termos das alíneas j e l do inciso I ou do habeas corpus, no
inciso II, a. Do mesmo modo, eventualmente, a definição ou delimitação de
“causa decidida em única ou última instância”.
Como se viu anteriormente, a própria situação envolvendo o incidente de
arguição de inconstitucionalidade já ensejou diversas interpretações por parte do
Supremo Tribunal Federal. Em vários julgados e votos se entendeu que o
pronunciamento proferido pelo Pleno ou Órgão Especial quanto à arguição de
inconstitucionalidade suscitada seria final quanto à questão da
constitucionalidade. E, de fato, esta questão terá uma definição final, no âmbito
do tribunal de segundo grau, naquela instância e julgamento, ficando os órgãos
vinculados ao respectivo pronunciamento, único e final, adotado pelo Pleno ou
Órgão Especial.
Com muito mais razão, portanto, poderia o legislador, como foi feito,
estabelecer o cabimento dos recursos extraordinário e especial contra
pronunciamento de mérito no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
por considerá-la uma decisão em única e última instância. Desse modo, em
relação ao IRDR, pelo menos, não haveria dúvida.
É de se notar também que o conceito de causa34 já vinha sendo interpretado
de modo amplo, para abarcar os julgados definitivos sobre uma determinada
questão, ainda que não se encerrasse o processo propriamente dito, mas
ensejando uma preclusão processual. Nesse sentido, o enunciado nº 86 da
Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “Cabe recurso especial contra acórdão
proferido no julgamento de agravo de instrumento”.35
Por fim, o tema do recurso contra a decisão de mérito do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas reforça sobremaneira a ideia de que o
julgamento do incidente se limita à questão e formulação da tese jurídica,
cabendo o recurso diretamente e também somente em relação ao entendimento
firmado em abstrato. Do contrário, não haveria o menor sentido em se inserir no
estatuto processual a previsão contida no art. 987, que menciona claramente o
julgamento do mérito do incidente e não o julgamento do caso concreto.

18.6.2. O novo conceito de jurisdição e os respectivos mecanismos


processuais
Como já exposto ao longo deste trabalho, a jurisdição contemporânea tem se
deslocado de uma função atomizada e repressiva, voltada apenas para conflitos
individuais e concretos, para uma atuação mais ampla e preventiva. Esta
mudança se reflete na nova dinâmica estabelecida no novo Código de Processo
Civil, especialmente quando (a) atribui um poder-dever ao magistrado de, diante
de demandas repetitivas, provocar os legitimados para a propositura de ações
coletivas, para fazê-lo, se for o caso; (b) fortalece ou cria, com características
nacionais, um sistema de precedentes, com efeitos vinculativos; (c) amplia e
sistematiza um sistema de solução de demandas repetitivas, em complemento
aos processos coletivos, com o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
e o aprimoramento dos recursos repetitivos.
O novo estatuto processual busca, assim, uma técnica de concentração, na
qual se pretende estabelecer meios de gestão e institutos jurídicos capazes de
oferecer à sociedade uma segurança jurídica maior.
O papel do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, como já
afirmado pela própria Comissão de Juristas, representa a grande aposta do CPC
de 2015. Para que o novo instituto funcione a contento, deve ser eficiente. É
fundamental, para tanto, que os tribunais de segundo grau e as cortes superiores
possam julgar rapidamente as questões centrais comuns controversas e que
tenham propiciado ou estejam ainda fomentando controvérsias repetitivas. Nesse
sentido, a possibilidade de que haja um rápido encaminhamento destas questões,
inclusive a partir dos juízos de primeiro grau, para os tribunais regionais e
estaduais, com recurso direto para os tribunais superiores, faz parte da essência
ou da concepção pura deste sistema.
E esta formulação encontra-se em sintonia com esta nova concepção de
jurisdição, menos burocrática e mais efetiva, em que o instrumentalismo36 é
ampliado e aprofundado. Não se quer, e isso já foi defendido pelo autor deste
trabalho, que haja a atribuição de função legislativa ao Poder Judiciário ou o
ativismo como uma atuação desregrada. Pretende-se, sim, a oxigenação das
artérias, mediante um caminho intermediário que possa separar julgamentos de
questões peculiares das comuns, para que as técnicas de gestão possam, de fato,
conduzir a julgamentos melhores e mais rápidos. Isso não se fará tão somente
com as mudanças processuais introduzidas no CPC-2015. Mas, podem contribuir
sobremaneira, principalmente se os novos instrumentos forem incorporados em
conformidade com a nova mentalidade.
Para tanto, a possibilidade de interposição direta e imediata dos recursos
extraordinário e especial contra o julgamento de mérito no Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas faz parte deste novo sistema.
Por fim, é de se registrar que mesmo a progressista Constituição da
República, ao tempo da sua elaboração, baseou-se em um ordenamento
processual que, no ano de 1988, não conhecia, porque inexistente, a sistemática
de procedimentos-padrão para a resolução de questões repetitivas. Na época, as
demandas repetitivas eram processadas de modo atomizado, em processos
individuais desprovidos de mecanismos sofisticados de padronização, ou em
processos coletivos, que haviam sido recentemente agasalhados na Lei da Ação
Civil Pública, editada apenas três anos antes, em 1985, e que viria a se completar
dois anos depois, com a edição do Código de Defesa do Consumidor.

18.6.3. Acesso à Justiça e contraditório – o direito dos interessados de


intervir no IRDR e de recorrer da decisão de mérito

Se a decisão de mérito proferida no Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas produzirá efeito vinculativo em relação a todos os processos, atuais e
futuros, que versem sobre a questão enfrentada, é natural que haja o interesse
jurídico de todas as partes dos processos pendentes e mesmo dos titulares de
direitos relacionados ao objeto do incidente. Portanto, a possibilidade de
intervenção parece ser da essência do instituto, para que haja a legitimidade em
relação ao próprio efeito vinculativo. O contraditório, na hipótese, decorre da
necessidade de ampla comunicação, para que os interessados possam
acompanhar e intervir, se e quando julgarem necessário.
Para tanto, a intervenção não deve se limitar ao procedimento perante o
tribunal de segundo grau. Portanto, a possibilidade de interposição de recurso,
extraordinário ou especial, conforme o caso, diretamente contra a decisão de
mérito proferida no IRDR é fundamental. Do contrário, além do problema da
demora, pois ter-se-á que aguardar o julgamento em concreto pelo juiz de
primeiro grau ou pelo órgão fracionário do tribunal, a legitimidade para recorrer
ficará restrita às partes do processo, ainda que, posteriormente, seja submetido
ao regime dos recursos repetitivos, ensejando participação mais ampla. Mas, isso
dificultaria sobremaneira o acompanhamento, pois seria fixada a tese de modo
concentrado, depois a aplicação da tese, que poderia ser feita em processos
diversos, considerando-se aqui, mais uma vez a inconstitucionalidade do
parágrafo único do art. 978 do CPC. Mesmo que desconsiderada esta
inconstitucionalidade, a aplicação poderia ocorrer em vários processos, com a
possibilidade de interposição em vários processos. Nesta hipótese, haveria
prevenção destes processos para a escolha dos recursos repetitivos. E se forem
afetados anteriormente, até mesmo em outras regiões ou estados, outros recursos
para a sistemática repetitiva. A interpretação de que a interposição teria que ser
feita nos casos concretos, com a máxima vênia, não se coadunaria com o sistema
proposto. Pelo contrário, representaria a manutenção do status quo, jogando por
terra as inovações e objetivos do novo Código de Processo Civil.

18.6.4. Interpretação sistemática do Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas (I) (possibilidade de suspensão nacional cautelar e o
cabimento do recurso extraordinário e especial diante do
julgamento de mérito do IRDR – art. 982, §§ 4º e 5º do CPC)

O cabimento do recurso extraordinário ou especial diretamente do


julgamento de mérito do IRDR, e não do caso concreto, é também uma
decorrência lógica e necessária de todo o sistema construído em torno do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. O primeiro aspecto que torna
patente esta conclusão decorre da previsão, anteriormente analisada, de
suspensão nacional dos processos em curso no qual se discuta a mesma questão
objeto do incidente, contida no art. 982, §§ 4º e 5º do Código de Processo Civil.
A literalidade do texto contido no § 5º do art. 982 já é o primeiro indicativo:
“Cessa a suspensão a que se refere o inciso I do caput deste art. se não for
interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida
no incidente”.37 Nada há a indicar outra hipótese de cabimento, ou seja, de que a
interposição pudesse ocorrer contra a aplicação da tese, ao ser efetuado o
julgamento do caso concreto, nos processos suspensos ou dependentes da
resolução da questão. O texto é muito claro.
E o sistema também é muito evidente e lógico. O legislador pretendeu uma
nova metodologia para as questões comuns: a) instauração do IRDR; b)
suspensão, em regra, dos processos dependentes, no âmbito local, regional ou
nacional, sendo esta última decorrente do requerimento formulado nos termos do
§ 5º do art. 982; c) julgamento do IRDR; d) recurso especial ou extraordinário,
quando cabível(eis), com efeito suspensivo; e) aplicação da tese firmada.
O próprio efeito suspensivo reforça esta sistemática. No Brasil, a
concentração de competência legislativa38 no âmbito federal torna naturalmente
frequente que as questões controversas tenham lastro no direito federal. Sendo
assim, pode-se afirmar que a maioria das controvérsias sobre questões de direito
diz respeito ao âmbito federal. Portanto, o sistema foi concebido a partir deste
contexto. Presumindo-se, assim, que a maior parte dos Incidentes de Resolução
de Demandas Repetitivas dependa, em termos de solução definitiva, da
apreciação pelos tribunais superiores. Desse modo, se concebeu o sistema de
resolução de demandas repetitivas: com a concentração e julgamento direto das
questões controversas (i) pelos tribunais regionais ou estaduais, em um primeiro
momento e (ii) pelo Superior Tribunal de Justiça39 e/ou pelo Supremo Tribunal
Federal, em momento imediatamente posterior. Do contrário, permanecerá tudo
como dantes no quartel de Abrantes.

18.6.5. Interpretação sistemática do Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas (II) (desistência do processo do qual se originou o
IRDR)

A desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do


incidente, nos termos do art. 976, § 1º, do Código de Processo Civil. Esta norma
não apenas indica a impossibilidade do julgamento em concreto do processo ou
recurso pendente, como, consequentemente, recurso no processo do qual derivou
o IRDR. Como mencionado no item anterior, não haveria sentido que a
concentração buscada se perdesse na aplicação em concreto que poderia ocorrer
em qualquer processo que estivesse, suspenso ou não, dependendo do
julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

18.6.6. Coisa julgada da questão prejudicial e das decisões parciais de


mérito. Recursos excepcionais contra o julgamento em agravo de
instrumento

O Código de Processo Civil de 1973 era expresso, no art. 469, inciso III, em
afirmar que a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no
processo, não fazia coisa julgada. Este argumento poderia servir como
fundamento para se afastar o interesse de se recorrer diretamente contra decisões
proferidas no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
O CPC de 2015, no entanto, foi expresso na previsão de que faz coisa
julgada a resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente
no processo, desde que apreciada por juízo competente, tiver ocorrido o
contraditório prévio e efetivo e não houver limitações probatórias ou que
impeçam o aprofundamento da cognição em relação à questão prejudicial.
A questão de direito a ser elucidada no Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas normalmente é tida como uma questão prejudicial em
relação ao mérito, embora possa ser também prejudicial de uma decisão
interlocutória não relacionada ao mérito. Pelo menos na primeira hipótese, muito
comum, como, por exemplo, nos incidentes de arguição de
inconstitucionalidade, a inovação do estatuto processual é mais um fundamento
para se afirmar o interesse de se recorrer direta e imediatamente contra a decisão
de mérito proferida no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
Do mesmo modo, em relação às decisões parciais de mérito, estas agora
fazem coisa julgada e também podem ser objeto de impugnação em separado,
mediante o agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, inciso II, do Código
de Processo Civil.
Portanto, o sentido de decisões únicas ou em última instância, inscrito nos
arts. 102, III, e 105, III, da Constituição da República, não impede que possam
ocorrer em separado, no curso do processo, outros pronunciamentos com esta
qualidade, desde que haja a previsão de recorribilidade em separado. Por outro
lado, dentro do espírito que se procurou estabelecer na nova sistemática dos
agravos de instrumento, se fosse o caso de se restringir o cabimento dos recursos
excepcionais, seria mais lógico que se fizesse em relação a decisões isoladas em
agravos de instrumento do que nos julgamentos de mérito proferidos nos
Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas.

18.6.7. O enunciado nº 513 da Súmula do Supremo Tribunal Federal e o


Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

A recorribilidade direta em relação ao Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas, prevista no art. 987 do Código de Processo Civil, pode não
representar a superação in totum do enunciado nº 513 do Supremo Tribunal
Federal. É perfeitamente possível a conciliação da constitucionalidade e
aplicabilidade da norma prevista no art. 987 com o entendimento esposado na
Súmula, se a recorribilidade direta ficar restrita apenas aos julgados do IRDR,
considerando que, dentro do microssistema de resolução de demandas
repetitivas, o incidente está relacionado à efetiva multiplicação de processos que
contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito, nos termos do art.
976 do CPC.
Sendo assim, o IRDR, versando sobre matéria constitucional ou
infraconstitucional, estará ligado não apenas a um único processo, mas sempre a
uma pluralidade de causas e de pessoas interessadas na elucidação da
controvérsia. Desse modo, sendo questão de direito federal, haverá sempre o
interesse público na rápida e concentrada resolução da questão jurídica,
propiciando economia processual, duração razoável do processo, isonomia e
segurança jurídica. Mas, não se trata somente de interesse público.
Naturalmente, haverá por parte dos interessados, sejam entes privados ou
públicos, autores ou réus, e mesmo os que ainda não figurem nesta qualidade,
assim considerados os titulares de direitos relacionados com a questão
controvertida a ser equacionada e tendo em conta o princípio da boa-fé objetiva
e da cooperação, que os princípios processuais supramencionados sejam
satisfeitos.
Portanto, se o enunciado nº 513 da Súmula do Supremo Tribunal Federal
não for considerado in totum superado, diante da nova sistemática do julgamento
de demandas repetitivas, poderá continuar a ser aplicado, como regra, para os
incidentes de arguição de inconstitucionalidade. E, como exceção, quando o
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas envolver matéria de
constitucionalidade no âmbito do direito federal, não será mais aplicável, diante
da previsão expressa prevista no art. 987 do Código de Processo Civil, que se
coaduna com o texto constitucional.

18.7. LEGITIMADOS PARA A INTERPOSIÇÃO DOS RECURSOS

O Código de Processo Civil não estabeleceu expressamente regra pertinente


aos legitimados para a interposição de recursos no Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas, com exceção da previsão pertinente ao amicus curie, no
art. 138, § 3º. Entretanto, deve ser aplicada à espécie, subsidiariamente os
demais dispositivos dispostos dentro do microssistema de resolução de
demandas repetitivas, especialmente os arts. 977 e 984, no que forem cabíveis.
Devem ser considerados como legitimados para recorrer o Ministério
Público; a Defensoria Pública, desde que existam interessados em condição de
hipossuficiência; as partes dos processos que deram origem ao Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas; os demais interessados, assim considerados
(i) todos os autores e réus de processos que estejam dependendo da resolução da
questão controversa a ser decidida no IRDR; (ii) todos os titulares de direitos,
deveres ou obrigações que possam depender da resolução da questão posta a ser
elucidada no incidente; e o(s) amicus(ci) curiae.

18.8. EFEITOS DEVOLUTIVO E SUSPENSIVO NOS RECURSOS


EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL CONTRA A DECISÃO DE
MÉRITO NO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS
REPETITIVAS. PRESUNÇÃO DA REPERCUSSÃO NO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Os recursos especial e extraordinário possuem efeito devolutivo, no sentido


de que são apreciados, respectivamente, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo
Supremo Tribunal Federal, devolvendo-se o conhecimento dos aspectos
relacionados ao direito federal infraconstitucional e constitucional em relação a
cada um dos meios de impugnação mencionados. Nesse sentido, o fato de ser
interposto contra a decisão de mérito proferida no Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas não possui nenhuma peculiaridade especial. Importante
notar que o art. 1.034, parágrafo único, já estabelece também espectro amplo
para o efeito devolutivo quanto aos fundamentos, o que é de grande valia para a
hipótese de demandas repetitivas, pois o que se pretende é que a apreciação seja
ampla, em termos representativos, para que o julgamento da tese possa
solucionar os casos nos quais a questão comum é levantada.
A excepcionalidade fica por conta do efeito suspensivo, pois este inexiste
como regra para estes recursos. A distinção é estabelecida para que a tese
firmada no âmbito do tribunal local, regional ou estadual, possa ser sedimentada
em definitivo no âmbito dos tribunais superiores, antes de ser aplicada, para que
a isonomia seja preservada. Isso não impede, naturalmente, que nos casos em
que houve a concessão de tutela de urgência os efeitos continuem a existir em
razão da probabilidade do direito e do risco na demora.

1
Como tratado no capítulo da competência.
2
A referência ao título de livro de Zigmund Bauman, Liquid Modernity,
publicado em 2000, parece apropriada, porque, no mundo contemporâneo,
as transformações são rápidas e podem ser bruscas. As pretendidas
estabilidade e segurança, no campo dos pronunciamentos judiciais, não
devem conduzir ao engessamento e insensibilidade, diante das
modificações advindas da sociedade. Do contrário em vez de referenciais,
tornar-se-ão exemplos de enunciados obsoletos, ultrapassados e sem
serventia para a sociedade, ao ponto de retirar ou reduzir drasticamente a
legitimidade das instituições judiciárias. Como exemplo marcante, podem
ser apontados os precedentes sobre a escravidão, chancelada durante algum
tempo. Se não houvesse a possibilidade de mudança e de aprimoramento,
ou a escravidão ainda estaria vigendo nos Estados Unidos ou os precedentes
naquele país estariam fadados à inobservância e ao descrédito perante a
sociedade.
3
Barbosa Moreira ressalta que, nos “Estados Unidos, não foi criado pela
Constituição Federal, nem pelas emendas ao seu texto. A Constituição deu à
Corte Suprema competência originária e competência recursal (appellate
jurisdiction) no tocante a certas causas”, Comentários ao Código de
Processo Civil – Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V, 16. ed., Rio
de Janeiro: Forense, 2012.
4
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Competência cível da Justiça
Federal. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
5
Alexandre Vidigal de Oliveira, Justiça Federal: evolução histórico-
legislativa, p. 107.
6
Nesse sentido, o enunciado 281 da Súmula do Supremo Tribunal Federal:
“É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na Justiça de
origem, recurso ordinário da decisão impugnada”.
7
Constituição da República, de 1981: Art. 59, § 1º Das sentenças das justiças
dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal
Federal: (...).
8
“O art. 55 da Constituição de 1891 manteve, sob a denominação de Poder
Judiciário da União, os órgãos previstos no Dec. 848, de 15 de novembro de
1890, inovando, basicamente, na criação dos Tribunais Federais, embora
não tenham sido efetivamente instalados.
(...)
A Lei 221, de 20.11.1894, completou a organização da Justiça Federal,
instituindo, na sede de cada seção, três Juízes Suplentes do Substituto, com
mandatos de quatro anos e nomeados pelo Governo Federal, mediante
indicação do Juiz da Seção, e possibilitando a criação de outros, quantos
fossem necessários, bastando, para tanto, nos termos do art. 3º, § 1º,
‘decreto do Governo Federal, em vista da representação do respectivo juiz
seccional que demonstre a necessidade da creação e designe os limites das
circumscripções, podendo cada uma destas comprehender mais de dois
termos ou comarcas’. (...)
O Decreto 3.084, de 05.11.1898, regulamentou a Lei 221/1894. Nos dois
estatutos, não há menção à instalação e à competência dos Tribunais
Federais, mantendo-se o Supremo como órgão recursal dos Juízes Federais.
A Lei 4.381, de 05.12.1921, que autorizou o Poder Executivo a instituir três
tribunais, foi declarada inconstitucional pela Corte Suprema.
A Constituição de 1934 especificou, no seu art. 63, como órgãos do Poder
Judiciário, a Corte Suprema, os Juízes e Tribunais Federais, os Juízes e
Tribunais Militares; e os Juízes e Tribunais Eleitorais. Os Juízes Federais,
nos termos do art. 80, eram nomeados pelo Presidente da República, em
lista quíntupla indicada pela Corte Suprema, dentre brasileiros natos, de
reconhecido saber jurídico e reputação ilibada, entre 30 e 60 anos. Criou,
também, um Tribunal Federal, mas remeteu à lei a sua denominação e
organização.
A Constituição de 10 de novembro de 1937 limitou a composição do Poder
Judiciário ao Supremo Tribunal Federal, aos Juízes e Tribunais dos Estados,
do Distrito Federal e dos Territórios, aos Juízes e Tribunais Militares,
extinguindo, portanto, os cargos de Juízes Federais, os Tribunais Federais e
a Justiça Eleitoral.
A Magna Carta de 1946, além de restaurar a Justiça Eleitoral e criar a
Justiça do Trabalho, instituiu o Tribunal Federal de Recursos, mantendo o
Supremo Tribunal Federal e a Justiça Militar entre os órgãos arrolados no
art. 94, como sendo os que exercem o Poder Judiciário perante. A presença
da Justiça dos Estados vem destacada no Título II da Constituição,
porquanto o Título I compreende apenas a Organização Federal. Como não
foi restabelecida a Justiça Federal de primeiro grau, os Juízes de Direito
continuaram a processar e julgar os feitos cuja competência anterior era dos
Juízes Seccionais. O Tribunal Federal de Recursos, composto de nove
Juízes, sendo dois terços vindos da carreira e um terço da Advocacia e do
Ministério Público, possuía competência originária e recursal, esta
basicamente em razão da presença da União, como interessada, exceto para
as causas falimentares, e, para os mandados de segurança e habeas corpus,
quando denegatória a decisão e federal a autoridade apontada como coatora.
O art. 105 previu, ainda, a criação por lei, mediante a proposta do próprio
Tribunal Federal de Recursos e aprovação do Supremo Tribunal Federal, de
outros Tribunais Federais de Recursos em diferentes regiões do País. O
Tribunal Federal de Recursos foi instalado no dia 23 de junho de 1947,
localizado na Capital Federal, mas os mencionados Tribunais Federais
Regionais, não obstante a previsão constitucional da época, apenas foram
criados cerca de quarenta anos depois, com a Constituição de 1988. De
acordo com a Lei 87, de 09.09.1947, os Juízes do Tribunal Federal de
Recursos passaram a receber a denominação de Ministros.” In: MENDES,
Aluisio Gonçalves de Castro. Competência cível da Justiça Federal, p. 22-
23.
9
Vide José Carlos Barbosa Moreira, cit., p. 31.
10
Nos termos do art. 12, § 2º, da Constituição de 1934.
11
Conforme a nova redação dada à alínea k, do art. 101, inciso, I da
Constituição de 1946.
12
Pela ordem cronológica: RMS 15.212, DJ 24.05.1968; RMS 14.710, DJ de
23.05.1969; e RE 59.250, DJ 08.08.1969.
13
Recurso Extraordinário nº 17.437, 2ª Turma, Rel. Min. Lafayette de
Andrada, j. 19.12.1950, DJ 13.10.1962. Chama a atenção o espaço
temporal, de quase doze anos, entre o julgamento e a data da publicação.
Portanto, este julgamento, embora anterior, foi divulgado depois do
segundo pronunciamento sobre o tema, ocorrido e publicado em 1959. O
fato pode ter propiciado a postergação do conhecimento da posição do
Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.
14
Supremo Tribunal Federal, 2ª Turma, DJ 22.07.1959, Revista Forense
193/117.
15
DJ 18.08.1965.
16
Proferida, em 04.12.1963, pelo, até então, Desembargador Adalício
Nogueira, no exercício da presidência do Tribunal de Justiça da Bahia, que,
quase dois anos depois, em 16.11.1965, seria nomeado Ministro do
Supremo Tribunal Federal. Por razão que será posteriormente exposta neste
trabalho, vale a pena transcrever o teor da decisão: “Não admito o recurso
extraordinário manifestado à fls. 492 porque intempestivamente interposto.
Com efeito, a matéria constitucional apreciada no aludido recurso foi
resolvida pelo acórdão de fls. 487488, tanto que ao mesmo alude o de fls.
490 e verso. Naquele primeiro acórdão, pois, é que se deverá recorrer,
extraordinariamente. Mas as suas conclusões foram publicadas em 18 de
julho do ano corrente (fls. 488). Ultrapassou-se, de muito, o prazo legal
para invocá-lo, desde que a sua interposição é de 25 de novembro do ano
corrente (fls. 492). Pretende-se que o recurso em causa tenha em mira o
acórdão de fl. 490. Mas este não solucionou a matéria constitucional, que
foi objeto do de fls. 487. Ele, apenas, exprime a resolução de aspecto legal
da questão, com o retorno dos autos à Câmara competente para essa
finalidade. Que o recurso visa à apreciação da matéria constitucional –
escopo do acórdão anterior. Não há dúvida. Basta ler a petição de fls. 492,
na sua íntegra, em que tal aspecto predomina.”
17
RTJ, 35/14.
18
No seu voto foi sucinto: “Efetivamente, a parte deveria ter recorrido do
acórdão do Tribunal Pleno. Não o fez. A questão constitucional, decidida a
favor do fisco, passou em julgado”.
19
Depois de mencionar o julgamento anterior, da sua relatoria, no Recurso
Extraordinário nº 57.126, reiterou o seu entendimento: “Portanto, o
Tribunal Pleno decidiu tal qual está fazendo o eminente Ministro Relator. O
recurso em mandado de segurança, quando se declara a
inconstitucionalidade de uma lei, deve ser da decisão proferida pelo
Tribunal Pleno – local, e não pela Turma, que julga posteriormente a
matéria de mérito, depois de deslindada a questão da inconstitucionalidade.
Se a parte não interpôs o recurso ordinário – no momento adequado, a
matéria se tornou preclusa, e o recurso não deve ser admitido.”
20
“Executivo. Matéria constitucional decidida pelo Pleno sem recurso. Os
autos voltaram à Câmara que negou provimento ao agravo. No recurso
extraordinário a decisão sobre a matéria transitada em julgado não pode ser
reexaminada.”
21
Com a seguinte ementa: “Mandado de segurança. Matéria constitucional
decidida pelo Pleno. Esgotando-se nela o mérito da questão, não se
conhece, por intempestivo, do recurso ordinário interposto de decisão da
Câmara, que apenas aplicou à espécie o decidido pelo plenário, já então
transitado em julgado. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Recurso
ordinário não conhecido” (RMS 14674, Rel. Min. Evandro Lins, 1ª Turma,
j. 07.03.1966, DJ 30.03.1966 pp-00989 Ement Vol-00649-01 pp-00095).
22
“Matéria constitucional. Recurso. 1) O recurso em matéria constitucional
deve ser interposto da decisão do Tribunal Pleno, que a tiver apreciado, e
não do subsequente julgamento da causa pela Câmara ou Turma. 2)
Precedentes: RE 17.437, RE 57.126, AG 30:769, AG 31.523, RE 22.097,
RMS 14.674.” (RMS 15020/SP – São Paulo, Rel. Min. Victor Nunes,
Tribunal Pleno, j. 31.08.1966, DJ 17.11.1966, pp-03997, Ement Vol-00674-
01 pp-00228, RTJ Vol-00038-03 pp-00616).
23
A preliminar foi rejeitada por nove (Ministros Gonçalves de Oliveira,
Hermes Lima, Adalício Nogueira, Prado Kelly, Aliomar Baleeiro, Djaci
Falcão e Luiz Gallotti, este último na qualidade de presidente) votos a
quatro (Ministros Adaucto Cardoso, Ely da Rocha, Evandro Lins e Victor
Nunes).
24
RMS 15212, Rel. Min. Gonçalves de Oliveira, Tribunal Pleno, j.
23.08.1967, DJ 24.05-1968 pp-01865 Ement Vol-00728-01 pp-00140.
25
A primeira é que o Relator, Ministro Gonçalves de Oliveira, que havia
participado de precedentes mencionados neste capítulo, esposando voto
sucinto, porém enfático, conforme acima transcrito, no Agravo de
Instrumento nº 31.523, iniciou o seu voto, logo após a leitura do relatório,
enfrentando o mérito do recurso, sem que mencionasse uma linha sequer
sobre qualquer preliminar. Estava, aparentemente, compenetrado e decidido
a resolver o mérito do recurso ordinário. Lembre-se que, no julgado
ocorrido em 1965, o relator censurou a parte por não ter recorrido da
decisão do Pleno sobre a inconstitucionalidade e afirmou que esta teria
transitado em julgado. A preliminar foi levantada tão somente pelo Ministro
Adaucto Cardoso, após pedido de vista, fazendo com que o relator se
justificasse com as seguintes palavras: “Não suscitei a preliminar agora
levantada e acolhida pelo eminente Sr. Ministro Adaucto Cardoso, porque
me deixei guiar pelo parecer da Procuradoria Geral da República, que,
como é sabido, defende, aqui no Tribunal, os interesses públicos, e o
parecer não suscitava essa preliminar.” Em seguida, ainda que não tenha
admitido que estivesse revendo o seu entendimento anterior, passou a
defender, com veemência, o conhecimento do recurso ordinário “em favor
dos direitos individuais”, sob o patrocínio do advogado José Frederico
Marques, como consignado pelo relator no seu voto. Outra nuance foi a de
que o Ministro Victor Nunes levantou, logo em seguida, de modo muito
apropriado, preliminar dentro da preliminar, levantada anteriormente em
outros julgamentos e reiterada inúmeras vezes depois, para defender a
separação das questões, conforme as suas próprias palavras: “Sr. Ministro
Gonçalves de Oliveira, não haverá dois problemas distintos na ponderação
de Vossa Excelência? O primeiro é o de saber se existe a obrigação de
recorrer da decisão do Pleno na questão constitucional, sob pena de transitar
em julgado. Resolvido este problema, é que se passará ao segundo: saber se
o recurso cabível é o ordinário ou o extraordinário, consoante a natureza do
processo.” Registre-se que o Ministro Adalício Nogueira acabou por rever o
seu entendimento anterior, in verbis: “Sr. Presidente, também acompanho o
eminente Relator, para que decidida a questão pela Turma, abra-se
oportunidade ao recurso ordinário. Nestas condições, a parte tem direito ao
recurso que é recurso extraordinário do mandado de segurança, recurso
constitucional. Ela interporá seu recurso no prazo. O eminente Ministro
Evandro Lins trouxe à baila um despacho meu, no Tribunal de Justiça da
Bahia, como Presidente, inadmitindo determinado recurso extraordinário,
mas aí há uma nuance, uma diferença. Ali caberia, apenas, o recurso
extraordinário, porque deste era caso. Aqui, há dois recursos: o recurso
ordinário interposto pelo interessado e o extraordinário interposto pela parte
pública. Acho que este recurso deve ser conhecido e então o ad quem o
aprecie como bem entender, de modo que o impetrante não fique privado de
ver resolvida a sua pretensão, através do meio constitucional, de que se
valeu”.
26
Houve a manifestação de um número bem maior de Ministros sobre a
preliminar, com a exposição de vários argumentos e exemplos plausíveis, a
demonstrar que ambas as posições eram dotadas de razoabilidade e que se
estaria efetuando muito mais uma opção política, tendo em vista que os dois
entendimentos eram tecnicamente defensáveis.
27
Recurso em Mandado de Segurança nº 15.212.
28
RE 4.710, RE 22.097, RE 57.126, Ag. I. 31.523, RMS 14.674 e RMS
15.020.
29
Grifos do próprio relator.
30
“Arguição de inconstitucionalidade das Leis ns. 1.097, de 24.3.1959 e 996,
de 8.1.1958, arts. 2º, § 1º, e art. 2º, parágrafo único, respectivamente, do
Estado. Rejeição pelo Tribunal de Justiça. Decisão mantida. Motivação.
Recurso não conhecido. (RE 59250, Rel. Min. Thompson Flores, Tribunal
Pleno, j. 10.04.1969, DJ 08.08.1969 pp-03394 Ement Vol-00770-02 pp-
00575)
31
Mesmo que sob a fórmula, dubiamente usada pelo Supremo Tribunal
Federal, do “recurso não conhecido”, como tratado por José Carlos Barbosa
Moreira, no artigo: Que significa “não conhecer” de um recurso?, Temas de
Direito Processual – Sexta série, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 125-144.
Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?
s1=513.NUME.NAOS.FLSV.&base=baseSumulas>, acesso em 21 jan.
2017.
32
Entretanto, talvez por equívoco, o julgado esteja constando no rol das
decisões que conduziram ao enunciado nº 513 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal.
33
José Carlos Barbosa Moreira, cit., p. 582.
34
Sobre o conceito da expressão causas na Constituição da República, no
âmbito da competência da Justiça Federal, vide MENDES, Aluisio
Gonçalves de Castro. Competência cível da Justiça Federal, 4. ed., p. 51-
53.
35
Corte Especial, j. 18.06.1993, DJ 02.07.1993, p. 13283.
36
Dinamarco, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, cit.
37
Grifos do autor destas linhas.
38
Como também econômica e política.
39
Como decorrência da aplicação subsidiária do CPC, por todos os Tribunais
Superiores.
19.1. DELIMITAÇÃO DO TRATAMENTO DO TEMA. O
TRATAMENTO NORMATIVO GERAL DO EFEITO
VINCULATIVO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Os aspectos mais gerais relacionados aos efeitos vinculantes foram tratados


no capítulo pertinente às considerações prévias sobre precedentes, jurisprudência
e o art. 927 do Código de Processo Civil. No presente capítulo, serão abordados
os temas mais específicos pertinentes ao Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas. Por outro lado, de certo modo, o assunto será tratado também no
capítulo seguinte (20), pois a aplicação da tese jurídica aos casos concretos, com
várias implicações e previsões específicas pertinentes no CPC, é uma
decorrência lógica do efeito vinculativo.
A tese fixada no julgamento de mérito do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas possui um reforçado comando geral no sentido de
observância e vinculação, vertical e horizontal, por parte de todos os órgãos
jurisdicionais situados no âmbito territorial do respectivo tribunal. Nos arts. 927
e 985 do CPC-2015, a norma é expressa ao determinar a observância e aplicação
da tese fixada na decisão de mérito proferida no IRDR a todos os processos
individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que
tramitem (inciso I do art. 985) ou venham a tramitar (inciso II do art. 985) na
respectiva área do tribunal. Por fim, no art. 988, inciso IV, o estabelecimento de
medida para a garantia da observância de acórdão proferido em julgamento de
incidente de resolução de demandas repetitivas.

19.2. LEVANTAMENTO E ANÁLISE DAS PRINCIPAIS CRÍTICAS


FORMULADAS POR PARTE DA DOUTRINA AO SISTEMA DE
JULGAMENTO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO NOVO

Parte da doutrina1 recebeu com reservas a vinculação estabelecida no


Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, a partir de diversos
fundamentos. Em relação aos aspectos mais gerais, já se tratou no capítulo 7.
Cabe aqui, portanto, uma abordagem mais pontual e específica no que diz
respeito ao sistema de resolução de questões comuns e de demandas repetitivas.
Foram feitas comparações e críticas2, incluindo a alegação de
inconstitucionalidade, ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
ressaltando-se, dentre outras: a) Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas (ou sistema de resolução de demandas repetitivas ou de questões
comuns) versus ações coletivas; b) violação à separação dos poderes; c) afronta à
independência dos juízes3; d) inconstitucionalidade formal, em razão do
estabelecimento da vinculação por lei ordinária4; e) a ausência de legitimação
adequada para a defesa dos interesses coletivos; f) a ofensa aos princípios do
acesso à justiça e ao contraditório, na medida em que pessoas que não tiveram
participação no processo, ou seja, o seu dia na corte, estariam sendo atingidas no
seu direito; g) violação ao direito de ação, em razão da ausência da garantia do
direito de autoexclusão (opt-out right); h) violação à competência dos juizados
especiais5; i) inconstitucionalidade na previsão de cabimento de recursos
extraordinário e especial diretamente contra o julgamento de mérito proferido no
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas6.
Como anteriormente dito, várias destas críticas foram, ao longo dos
capítulos antecedentes, objeto de análise. Sendo assim, não há sentido em se
repetir o que já foi escrito, mas apenas, quando for o caso, se pontuar ou
acrescentar uma ou outra observação que ainda não se tenha mencionado ou
frisado.
19.3. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
(OU SISTEMA DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
OU DE QUESTÕES COMUNS) VERSUS OU PLUS AÇÕES
COLETIVAS

A primeira crítica que repercutiu, ainda durante o processo legislativo de


elaboração do novo Código de Processo Civil, foi no sentido de confrontar e
comparar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas com as ações
coletivas. Isso foi alimentado, de certo modo, pela equivocada visão de que o
primeiro instituto seria concebido em substituição aos processos coletivos. Não
foi percebido, pelos dois lados (de quem criticava e por alguns que pregavam o
novo instituto como alternativa para as ações coletivas), que, ainda que houvesse
a intenção ou vontade oculta de alguns neste sentido, o novo sistema de
julgamento de questões comuns correspondia a uma tendência mundial na qual
se ampliavam e fortaleciam os mecanismos voltados para a proteção coletiva,
diante de danos de massa e de questões comuns que se colocavam diante dos
órgãos destinados à solução de conflitos.
Neste contexto, havia e há, pelo contrário, o fortalecimento das ações
coletivas (class actions, representative actions, Verbandsklagen, ações
populares, ações de grupo, amparo coletivo etc.), ao lado do surgimento de
outros novos instrumentos complementares (test claims, Musterverfahren,
Multidistrict litigation (MDL), Group litigation order (GLO), casos piloto etc.) e
da ampliação e consolidação de soluções consensuais em conflitos coletivos no
âmbito judicial e extrajudicial.
No Brasil, como mencionado anteriormente, os novos mecanismos
poderiam claramente cumprir várias funções de complementação e até
fortalecimento das ações coletivas, ressaltando que o próprio estatuto processual
estabeleceu o poder-dever de provocação dos legitimados para a proposição de
demanda coletiva, nos termos do art. 139, inciso X, do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, alguns aspectos podem ser destacados.
O primeiro é que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pode e
deve, em regra, ser suscitado, preferencialmente, a partir de demandas coletivas,
se existentes. Desse modo, os legitimados adequados, ainda que ope legis no
ordenamento brasileiro dos processos coletivos, estarão, em princípio, à frente
dos interesses coletivos no incidente, eliminando-se ou atenuando-se a crítica
formulada na alínea e do item anterior (a ausência de legitimação adequada para
a defesa dos interesses coletivos).
A instauração do IRDR não precisa, necessariamente, se dar a partir de
processos coletivos existentes. Isso porque, a exemplo do que se dá no
Musterverfaren (procedimento-padrão) alemão na Justiça Administrativa, a
escolha das peças que sejam representativas da controvérsia, como dito acima,
deve ser feita pelo órgão judicial a partir da análise dos casos e documentos que
sejam representativos da controvérsia, considerando também a qualidade das
petições. Presume-se que sejam aquelas extraídas dos processos coletivos,
considerando a própria representatividade adequada legalmente fixada no Brasil,
como indicador de que as respectivas petições sejam amplas e qualitativamente
apropriadas. Entretanto, no âmbito do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, esta presunção não é absoluta e sequer prevista expressamente em
lei. Portanto, a escolha dos arrazoados não precisa recair necessariamente nos
que estejam inseridos em processos coletivos, se estes não foram os mais
apropriados, sob o prisma da amplitude e da qualidade, para servir de modelo e
de referência para a apreciação da questão de direito comum e controvertida.
Contudo, é altamente recomendável que, em qualquer hipótese, haja a imediata
cientificação dos autores coletivos para o acompanhamento e participação no
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
Em segundo lugar, a provocação do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas pressupõe a existência de uma pluralidade de processos versando
sobre questão repetitiva de direito. Portanto, se há vários processos individuais
em concomitância com uma ou mais ações coletivas, é sinal de enfraquecimento
desta, porque os seus efeitos não incidirão, em princípio, sobre as partes dos
processos individuais ajuizados que não tenham requerido tempestivamente a
suspensão prevista no art. 104 no Código de Defesa do Consumidor. Com a
instauração do IRDR a partir de uma ou mais ações coletivas, a decisão proferida
alcançará um resultado ainda mais abrangente, porque atingirá todos os titulares
do direito idêntico apreciado no incidente.
Em relação aos dois parágrafos anteriores, uma observação comum. Os
autores de ações coletivas, mesmo quando o IRDR não tenha sido instaurado a
partir dos respectivos processos coletivos, poderão, na qualidade de interessados,
intervir e participar ativamente de todo o procedimento do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas, ampliando ainda mais o alcance da sua
atuação constitucional. E a Defensoria Pública e o Ministério Público, ainda que
não sejam autores de ações coletivas, poderão suscitar o incidente, bem como
participar em todas as fases do procedimento.

19.4. VIOLAÇÃO DA SEPARAÇÃO OU COLABORAÇÃO ENTRE OS


PODERES

Reputa-se que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas viole o


princípio da separação dos poderes, porque o Poder Judiciário estaria editando
norma em tese, para usurpar a função atribuída ao Poder Legislativo, incidindo
assim em inconstitucionalidade.
O tema foi tratado no capítulo 7, onde se esclareceu o papel concebido ao
Poder Judiciário no mundo contemporâneo. Cabe ressaltar que o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas, assim como o julgamento de recursos
repetitivos, a exemplo do concebido na Alemanha, até mesmo sem previsão
legal, é uma técnica de gestão do Poder Judiciário. Este possui o dever de
interpretar e julgar os casos que lhe são submetidos, havendo ou não regras
expressas sobra a situação sub judice, como se procurou analisar anteriormente
neste trabalho. Para que os julgamentos se realizem, há que se analisar as
questões de direito controversas, formulando conclusões, ou seja, teses jurídicas,
para a aplicação em concreto nos casos a serem decididos. Estas teses podem ser
extraídas a partir de precedentes, como no common law, ou enunciadas em
ementas, súmulas ou julgamentos de casos repetitivos.
O comando vinculativo se encontra dirigido especialmente aos órgãos do
Poder Judiciário. Contudo, as decisões judiciais estão aptas a produzir efeitos em
relação a terceiros, como as agências reguladoras, que são expressamente
mencionadas nas normas processuais. Espera-se, portanto, que o entendimento
judicial firmado produza a irradiação de efeitos, de modo preventivo. Neste
sentido, claro está em todos os dispositivos relacionados ao sistema de
julgamento de demandas ou casos repetitivos no Código de Processo Civil que
os órgãos judiciais estão vinculados à decisão de mérito proferida no IRDR e à
sua respectiva aplicação nos casos concretos, presentes ou futuros. Com a
ressalva quanto a estes últimos, de que poderá ocorrer a revisão da tese firmada
ou mesmo a sua inaplicabilidade em razão das técnicas de distinção e superação,
como será analisado nos capítulos futuros sobre a aplicação e a revisão da tese.
A técnica de julgamento que promove a cisão de questões de direito e de
fato não é nova no ordenamento jurídico. Ocorre, por exemplo, como visto em
exaustão no capítulo 18, no incidente de arguição de inconstitucionalidade
perante os tribunais, sem que tenha sido, em qualquer momento, considerado
violação à Carta Magna.
O incidente de uniformização de jurisprudência possui como finalidade a
harmonização interna de entendimento sobre questões jurídicas nos tribunais,
com a possibilidade de aprovação e edição de enunciado a ser incorporado à
Súmula do Tribunal.
Menciona-se que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas teria
similaridade com o instituto do prejulgado, estabelecido no art. 902 da
Consolidação das Leis do Trabalho. E que este teria sido objeto de exame, pelo
Supremo Tribunal Federal, na Representação nº 946/DF. Entretanto, a referida
Representação não foi conhecida7, porque o Supremo Tribunal Federal entendeu
que o prejulgado indicado não seria ato normativo e, portanto, não fora recebido
pela Constituição da República, de 1946. Por outro lado, ainda que muito
questionado, em nenhum momento foi declarada a sua inconstitucionalidade.
Pelo contrário, o Supremo Tribunal Federal em inúmeros julgados8 se referiu aos
prejulgados ou expressamente afirmou que os questionamentos não eram matéria
constitucional.
A história do prejulgado, entretanto, não se limita ao que fora previsto no
art. 902 da CLT, que possui semelhanças, mas também diferenças claras em
relação ao IRDR. Como apontado por José Rogério Cruz e Tucci9, “Decreto
16.273, de 20 de dezembro de 1923, criara o mecanismo do prejulgado, restrito à
Corte de Apelação do então Distrito Federal, pelo qual a decisão sobre uma
quaestio iuris controvertida, no âmbito de órgãos fracionários do tribunal, era
submetida à apreciação de todos os integrantes daquele, reunidos em plenário.”
Prosseguindo, narra que o mesmo foi extinto pela Reforma Judiciária de 1926 e
restabelecido pelo Decreto 19.408, em 1930. Depois, segundo o eminente
professor e diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, na
época dos Códigos Estaduais, o de São Paulo acolheu o instituto do prejulgado,
no art. 1.126. A Lei Federal nº 319, de 1936, adotou essa técnica processual para
vigorar em todo o território nacional. Segundo Cruz e Tucci10, após a instituição
do prejulgado na Consolidação das Leis do Trabalho, adveio o Decreto-lei nº
229, reafirmando, no art. 5º, a eficácia do prejulgado na Justiça do Trabalho, que
acabou revogado pela Lei nº 7.033, de 1982. Por fim, narra ainda que o Código
Eleitoral, de 1965, também admitiu o prejulgado, “emprestando-lhe o sentido
próprio de precedente judicial. Dispunha, com efeito, o art. 263: “No julgamento
de um mesmo pleito eleitoral, as decisões anteriores sobre questões de direito
constituem prejulgados para os demais casos, salvo se contra a tese votarem dois
terços dos membros do Tribunal”. A análise geral quanto à constitucionalidade
do efeito vinculativo previsto no art. 927 do Código de Processo Civil foi feita
no capítulo 8 deste trabalho, ao qual se remete o leitor.
Por fim, a previsão contida no § 2º do art. 985 não representa vinculação dos
órgãos externos ao Poder Judiciário, em especial a Administração Pública, pois
se trata de mera comunicação de decisão relevante tomada pelo Poder Judiciário,
tendo assim mero efeito persuasivo, para que o órgão ou agência reguladora,
possuindo norma no sentido de se autovincular a decisões judiciais qualificadas
ou mesmo em juízo próprio de legalidade, realize a fiscalização no sentido do
cumprimento da legislação, segundo a interpretação firmada no Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas. Para que houvesse a vinculação dos demais
Poderes ou dos respectivos órgãos, seria necessária a respectiva previsão
constitucional.
19.5. A ALEGADA AUSÊNCIA DE LEGITIMAÇÃO ADEQUADA PARA
A DEFESA DOS INTERESSES COLETIVOS E A OFENSA AOS
PRINCÍPIOS DO ACESSO À JUSTIÇA E AO CONTRADITÓRIO,
NA MEDIDA EM QUE PESSOAS QUE NÃO TIVERAM
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO, OU SEJA, O SEU DIA NA
CORTE, ESTARIAM SENDO ATINGIDAS NO SEU DIREITO

Invoca-se a inconstitucionalidade do Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas porque neste procedimento os interesses coletivos não estariam
necessariamente defendidos pelos legitimados adequados, segundo o
ordenamento jurídico nacional. Há posicionamento, contudo, que aponta a
inconstitucionalidade se não assegura a mencionada participação, mas entende
que o problema pode ser sanado se garantida a defesa dos interesses coletivos
pelos legitimados previstos no Código de Defesa do Consumidor e na Lei da
Ação Civil Pública.
O argumento é plausível, mesmo que se pontue que o objeto do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas não será necessariamente um direito
coletivo, em sentido lato. Como já mencionado, o objeto poderá ser uma questão
comum, relacionada a direitos heterogêneos. Mas, ainda assim, com um caráter
de instrumento processual coletivo, em razão da necessária presença da
multiplicidade de processos como pressuposto para a sua provocação e
instauração. Não se exigirá, por isso, a aplicação em geral das normas
pertinentes ao processo coletivo, embora possam ser utilizados princípios,
normas ou técnicas processuais comuns, como visto ao longo deste trabalho.
No que diz respeito aos processos coletivos, há, por certo, que se exigir a
representação adequada para a defesa dos interesses coletivos. Entretanto, o
mesmo não ocorre, como regra, no âmbito do sistema de precedentes. No âmbito
do stare decisis, vigente nos países de direito costumeiro, o precedente pode ser
constituído em qualquer julgamento em que haja o respeito aos princípios
processuais. Portanto, se um consumidor ajuíza uma demanda individual para
buscar o reconhecimento de uma alegada ilicitude cometida, pedindo uma
providência declaratória, constitutiva ou condenatória pertinente à sua relação
contratual, é perfeitamente possível que se proceda a um julgamento pioneiro
sobre as questões aduzidas. Havendo pretensões semelhantes, decorrentes de
prática adotada também em relação a outros consumidores, poderá caracterizar a
existência de direitos individuais homogêneos. Entretanto, estes poderão ser
deduzidos individual ou coletivamente. A demanda individual não exigirá a
presença de qualquer legitimado extraordinário, mas, pelo contrário, que seja
deduzida pelo próprio titular do seu direito. Este processo, por sua vez, não terá,
em princípio, nada de especial. Será julgado em primeiro grau, com a
possibilidade de recurso para o respectivo órgão revisor e, se presente alguma
das hipóteses constitucionais do art. 102 ou 105 da Constituição, chegar ao
conhecimento do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Não se exigirá legitimado qualificado, presença do Ministério Público ou
aplicação de qualquer outra norma da Lei da Ação Civil Pública ou pertinente
aos processos coletivos. Mas, o julgamento deste caso individual poderá, em
tese, formar um precedente importantíssimo no âmbito dos direitos do
consumidor e, por conseguinte, dos direitos individuais homogêneos. E isso seria
factível mesmo no âmbito do direito brasileiro, tanto antes como depois do novo
Código de Processo Civil, embora agora o rol dos precedentes qualificados pelo
efeito vinculativo tenha se ampliado para alcançar as hipóteses previstas nos
incisos III, IV e V do art. 927.
Por certo, no sistema brasileiro de precedentes, maiores garantias, pelo
menos em tese, foram introduzidas no ordenamento processual, como visto em
capítulos anteriores. Em especial, no que diz respeito ao Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas, podem ser ressaltadas as seguintes: a) há a
necessidade de ampla comunicação, para que se permita, de maneira geral, pela
sociedade e pelos interessados, a fiscalização, o acompanhamento e a
participação no IRDR; b) as partes dos processos suspensos devem ser
intimadas, em razão da necessária aplicação do art. 1.037, § 8º, para que possam
acompanhar, intervir e recorrer no procedimento do IRDR; c) a presença
necessária do Ministério Público, que possui a função institucional de proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos; d) a competência do colegiado do tribunal para a apreciação da
admissibilidade e do mérito do incidente; e) o procedimento especial
estabelecido, com o contraditório alargado, nos termos do art. 984 do CPC; f) a
possibilidade de participação e de interposição de recursos no Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas, por parte do amicus curiae.
Ressalte-se, quanto aos fundamentos supramencionados, que as partes dos
processos em tramitação perante o tribunal são intimadas da existência do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e da suspensão do seu
processo individual. E que o Código de Processo Civil estabeleceu a
possibilidade de intervenção dos interessados. Portanto, o exercício do
contraditório é disponibilizado para os interessados com processos já ajuizados e
também para os titulares de direitos que tenham conhecimento em razão da
divulgação da existência do IRDR. Sendo assim, não se pode afirmar a
existência de violação ao contraditório.

19.6. A INVOCAÇÃO DA VIOLAÇÃO AO DIREITO DE AÇÃO, EM


RAZÃO DA AUSÊNCIA DA GARANTIA DO DIREITO DE
AUTOEXCLUSÃO (OPT-OUT RIGHT)

De fato, não se previu o direito de autoexclusão (opt-out right), como


existente no direito norte-americano, na sistemática adotada para o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas no novo Código de Processo Civil
brasileiro. Embora este também não seja um direito previsto no microssistema de
tutela coletiva nacional, pelo menos nos moldes do sistema americano e de
outros países que o seguem. Há que se registrar que, no entanto, a ausência do
direito de autoexclusão nos processos coletivos no Brasil não ensejaria maiores
prejuízos para os titulares de direitos individuais homogêneos em razão de dois
fatores: a) a coisa julgada seria apenas favorável, porque secundum eventum litis,
nos termos do art. 103, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor; b)
haveria a possibilidade de exclusão mediante o ajuizamento de ação individual,
nos termos do art. 104 também do CDC.
Mas, o referencial comparativo neste ponto deve ser o mesmo do item
anterior, ou seja, os precedentes. No sistema de stare decisis ou de precedentes
qualificados, não se pode assegurar, naturalmente, qualquer direito de
autoexclusão. Do contrário, o sistema seria inócuo. Se o escopo é exatamente a
economia processual, a duração razoável dos processos, a isonomia e a
segurança jurídica, como seria possível compatibilizar estes valores com um
eventual direito de autoexclusão? Parecem ser, de fato, incompatíveis. E também
nos países que adotam a autoexclusão nas ações coletivas não se assegura
qualquer possibilidade de opt-out em relação ao efeito vinculativo do
precedente, razão pela qual a objeção formulada não parece ser razoável.

1
Vide, dentre outros: MARINONI, Luiz Guilherme, Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas: Decisão de questão idêntica, obra citada;
CAVALCANTI, Marcos de Araújo, Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas (IRDR), obra citada.
2
É de se observar que várias das críticas foram semelhantes às formuladas,
em tempo passado, quando da criação da denominada Súmula Vinculante,
pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Na época, foram ampla e
fortemente formuladas, mas, em seguida, arrefeceram quase que por
completo.
3
Este tema foi analisado no capítulo 8, ao qual se remete integralmente.
4
Idem ao item anterior.
5
Este ponto foi enfrentado no capítulo 12 do presente trabalho.
6
O tema recebeu tratamento no capítulo 18.
7
Como se pode verificar na ementa: “Prejulgado do Tribunal do Trabalho.
Não constituído ato normativo, – dado que o art. 902, par. 1º da
Consolidação das Leis do Trabalho, que lhe atribuía tal caráter, foi
revogado pela Constituição de 1946, – Não pode ser objeto de
representação não conhecida”. (RP 946, Rel. Min. Xavier de Albuquerque,
Tribunal Pleno, j. 12.05.1977, DJ 01.07.1977 pp-04459 Ement Vol-01063-
01 pp-00218 RTJ Vol-00082-01 pp-00044)
8
Em razão do elevado número, indicam-se apenas alguns a título de
exemplo: RE
72001, Rel. Min. Bilac Pinto, 2ª Turma, j. 29.05.1972, DJ 29.06.1972 pp-
04247 Ement Vol-00879-02 pp-00733; RE 72000, Rel. Min. Bilac Pinto, 2ª
Turma, j. 29.05.1972, DJ 29.06.1972 pp-04247 Ement Vol-00879-02 pp-
00721; AI 69072 AgR, Rel. Min. Rodrigues Alckmin, Tribunal Pleno, j.
14.04.1977, DJ 13.05.1977 pp-03089 Ement Vol-01058-01 pp-00354; RE
86874, Rel. Min. Cordeiro Guerra, Tribunal Pleno, j. 25.10.1978, DJ
01.12.1978 pp-09734 Ement Vol-01118-02 pp-00391; e RE 98811, Rel.
Min. Décio Miranda, 2ª Turma, j. 10.08.1984, DJ 06.09.1984 pp-14334
Ement Vol-01348-03 pp-00513 RTJ Vol-00111-02 pp-00712.
9
CRUZ E TUCCI, José Rogério. O advogado, a Jurisprudência e outros
Temas de Processo Civil, São Paulo: Quartier Latin, 2010.
10
Idem.
Capítulo 20

APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA.


COGNIÇÃO, FUNDAMENTAÇÃO, VÍCIOS E
MEIOS DE CORREÇÃO. DISTINÇÃO E
SUPERAÇÃO DA TESE JURÍDICA FIRMADA.
EFEITOS E CONSEQUÊNCIAS
PROCESSUAIS DECORRENTES DO
JULGAMENTO REPETITIVO: A
CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA. REVISÃO
DA TESE

A decorrência lógica do julgamento, no Incidente de Resolução de


Demandas Repetitivas, da questão de direito, com a fixação da tese jurídica e a
vinculação prevista no art. 927, inciso III, do Código de Processo Civil, é a
aplicação aos casos concretos, nos termos do art. 985.

20.1. O ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA

A tese será aplicada, com efeito vinculativo, no âmbito do respectivo


tribunal, em sentido horizontal e vertical. Portanto, se não houver a interposição
ou julgamento de recurso especial ou extraordinário, a observância da tese estará
limitada aos órgãos judiciais na área do respectivo Tribunal de Justiça ou
Tribunal Regional Federal, inclusive aos concernentes juizados especiais.
Registre-se que a tese fixada poderá, naturalmente, ter efeito persuasivo em
relação aos juízos situados fora da área de jurisdição do tribunal que tenha
julgado o incidente.
Se interposto o recurso especial e/ou extraordinário, deve ser aferido se
houve o conhecimento e julgamento, que se dará, naturalmente, na sistemática
dos recursos repetitivos, sem que haja, contudo, o procedimento de escolha por
parte do tribunal a quo, na medida em que se estará recorrendo diretamente da
própria decisão proferida em sede de Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas. Julgado um recurso ou outro, bem como eventualmente ambos, o
efeito vinculativo se dará em relação a todos os órgãos judiciais no território
nacional.

20.2. COGNIÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO NA APLICAÇÃO DA TESE


AO CASO CONCRETO. VÍCIOS DECORRENTES DA FALTA DE
MOTIVAÇÃO E MEIOS DE CORREÇÃO. DISTINÇÃO E
SUPERAÇÃO EM RELAÇÃO À TESE FIRMADA

A aplicação envolve operação cognitiva com certa complexidade e deve ser


sempre devidamente fundamentada. Em primeiro lugar, porque representa a
análise e comparação quanto à aplicabilidade da tese firmada ao caso concreto.
O efeito vinculativo estabelecido encontra-se limitado, naturalmente, às questões
e fundamentos que tenham sido suscitados e analisados no Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas. Portanto, havendo a subsunção dos
fundamentos invocados pelas partes, no caso concreto, aos enfrentados e
decididos no IRDR, caberá ao órgão judicial efetuar a aplicação da tese, não
podendo dela se distanciar e devendo efetuar a devida motivação quanto a este
enquadramento. Se a decisão deixar de se manifestar sobre a tese firmada e que
deveria ser aplicada, a parte poderá interpor embargos de declaração, com fulcro
no art. 1.022, inciso II c/c o parágrafo único, inciso I, do novo estatuto
processual, por se tratar de omissão expressamente prevista.
Não haverá enquadramento e, portanto, efeito vinculativo, se o tribunal que
julgar a questão, no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, não
houver enfrentado e se pronunciado sobre fundamento existente no caso
concreto. Neste caso, o magistrado poderá se afastar da tese fixada se adotar
fundamento não analisado no incidente. Na hipótese, o efeito será meramente
persuasivo.
Se não efetuar a fundamentação quanto à subsunção, o pronunciamento
judicial incorrerá em violação quanto à fundamentação, nos termos do art. 489, §
1º, inciso V, parte final, do CPC. Esta omissão foi expressamente tipificada no
novo Código de Processo Civil, nos termos do inciso II do parágrafo único do
art. 1.022, sendo cabível, portanto, embargos de declaração.
Sendo hipótese de distinção ou de superação, haverá, naturalmente, a
necessidade de ser exposta a devida fundamentação no sentido da
inaplicabilidade da tese ao caso concreto em julgamento ou da formulação de
novos fundamentos que denotem que a tese não deve mais ser aplicada, em razão
de modificações ocorridas, como, por exemplo, a decorrente de alteração
legislativa. No campo doutrinário, sempre foi polêmica a possibilidade de órgão
inferior superar entendimento formulado por tribunal que se situe em condições
de revisar o entendimento do primeiro. Entretanto, no CPC-2015, a previsão
contida no inciso VI, do § 1º, do art. 489, parece autorizar a prática, diante de
qualquer restrição ou limitação neste e em qualquer outro dispositivo do novo
estatuto. Esta possibilidade, de superação, precisa ser aplicada comedidamente,
pois, do contrário, se realizada pelo tribunal que firmou o precedente, acabará
tornando letra morta a norma, ainda que programática, estabelecida no art. 926
do CPC. Se realizada em demasia pelo juiz de primeiro grau ou pelos tribunais
superiores, o sistema de precedentes vinculativos estará correndo sérios riscos.
A inobservância de tese fixada no Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas ou no julgamento de recursos repetitivos também enseja o
ajuizamento de reclamação, nos termos do art. 988, inciso VI, do Código de
Processo Civil. A Lei nº 13.256 modificou o inciso II do § 5º do art. 988, para
estabelecer que é inadmissível a reclamação proposta para garantir a observância
de acórdão proferido em sede de recursos repetitivos quando não esgotadas as
instâncias ordinárias. Portanto, as partes deverão fazer uso prévio dos meios de
integração supramencionados, dos recursos existentes ou demonstrar a
impossibilidade de meios ordinários para a observância da tese, sem deixar que
haja o trânsito em julgado, pois, neste caso, a reclamação também é considerada
inadmissível.

20.3. EFEITOS E CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS DECORRENTES


DO JULGAMENTO REPETITIVO: A CONSTRUÇÃO DE UM
SISTEMA

O Código estabeleceu ainda várias outras consequências processuais


decorrentes do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
que serão brevemente expostas, em seguida, pela ordem de disposição no
estatuto processual.
A primeira aparece no art. 12, § 2º, incisos II e III, do CPC, excluindo da
regra prevista no caput, ou seja, de que os juízes e tribunais atenderão
preferencialmente à ordem cronológica das conclusões para a prolação das
sentenças e dos acórdãos, no julgamento de processos em bloco para aplicação
de tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos. Do mesmo modo,
para os recursos repetitivos, nos termos do inciso III. Embora a ordem
cronológica já esteja na prática enfraquecida pela sua própria redação, significa
um comando republicano e útil para que haja uma gestão transparente e
eficiente. No entanto, a exceção se justifica plenamente e em razão de pelo
menos dois motivos: a) o processo no qual será aplicada a tese ficou, em
princípio, suspenso, aguardando o julgamento do IRDR, havendo, portanto,
necessidade de se compensar este tempo; b) porque se presume que seja feito,
como o próprio dispositivo indica, o julgamento em bloco, o que não deve
significar a dispensa de análise e de fundamentação mínima, como visto acima.
A ideia de julgamento em bloco e de se obter certa economia processual
com este procedimento autoriza, no âmbito da cooperação nacional, a
centralização de processos repetitivos, nos termos do art. 69, § 2º, inciso VI, do
Código de Processo Civil. Mas, o preceito deve ser aplicado com observância do
princípio do juiz natural. Neste sentido, o art. 55, § 3º, do CPC parece
estabelecer algumas hipóteses que poderiam evitar o risco de decisões
contraditórias para processos repetitivos, a ensejar a modificação da competência
dos processos repetitivos. Embora este risco possa ser afastado com o próprio
IRDR, a reunião talvez seja recomendável em algumas situações para
harmonizar a própria aplicação da tese jurídica fixada diante de casos concretos
em que o quadro fático complexo possa dificultar a aplicação harmônica.
A definição da questão de direito mediante a técnica do IRDR ou dos
recursos repetitivos (RR) também possui relevância para a concessão da tutela
de evidência, desde que os fatos invocados e que servem de base para o direito
invocado estiverem comprovados documentalmente, nos termos do art. 311 do
CPC.
Em direção oposta, se a parte autora estiver formulando pretensão em
sentido contrário ao fixado em IRDR ou RR, o juiz deverá, por economia
processual, julgar liminarmente improcedente o pedido, independentemente da
citação do réu, com fulcro no art. 332, incisos II e III, do estatuto processual
civil.
A sentença prolatada em observância à tese jurídica fixada em julgamento
de incidente de demandas ou recursos repetitivos autoriza, do mesmo modo, por
economia processual, a dispensa da remessa necessária, nos casos indicados no
art. 496, em atenção ao § 4º, incisos II e III, do CPC. E também não será exigida
a caução prevista no inciso IV do art. 520, se a sentença estiver em
conformidade com a tese estabelecida no julgamento de casos repetitivos, nos
termos do art. 521, inciso IV, da Lei nº 13.105/2015.
O art. 932, incisos IV, b, e V, c, do Código de Processo Civil, autorizam o
relator a julgar monocraticamente os recursos, para negar ou dar provimento,
quando versarem sobre matéria já pacificada mediante o julgamento de IRDR ou
RR, devendo, contudo, oportunizar as contrarrazões, se for o caso de
provimento. Do mesmo modo, por força art. 955, parágrafo único, inciso II,
poderá solucionar, de plano, ou seja, monocraticamente, os conflitos de
competência sobre questão que tenha encontrado solução na sistemática dos
julgamentos repetitivos.
Se o legislador procurou conceber um sistema voltado para a observância
das teses firmadas nos julgamentos repetitivos, por outro lado também se
preocupou com a situação oposta, ou seja, quando o julgador não leva em conta
a existência da distinção entre a questão discutida no processo e o padrão
decisório que lhe deu fundamento. Para tanto, inseriu expressamente a hipótese
dentre aquelas que podem ser rescindidas, nos termos dos §§ 5º e 6º, combinados
com o inciso V do art. 966, em razão de manifesta violação da norma jurídica.
Como indicado pelo art. 928 do Código de Processo Civil, o julgamento de
casos repetitivos compreende a decisão proferida em (i) Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas e nos (ii) recursos extraordinários e especiais
repetitivos, dentro do que se pode denominar de microssistema de solução de
casos repetitivos. Não se trata apenas de identidade entre os dois institutos, mas
verdadeira integração quase necessária, como exposto anteriormente. É de se
presumir que uma quantidade significativa, se não quase a totalidade, dos
incidentes de resolução de demandas repetitivas conflua para os tribunais
superiores, transformando-se em recursos repetitivos. Em sentido inverso, o
fenômeno produzirá uma significativa redução nos recursos repetitivos que
sejam afetados como na sistemática inicial, ou seja, a partir da constatação pelo
presidente ou vice-presidente do tribunal de justiça ou regional federal da
multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, para
que se proceda à afetação, em conformidade com o art. 1.036 e seguintes do
CPC. Isso porque será natural que, havendo casos repetitivos, a instauração do
respectivo incidente ocorra imediatamente no tribunal de segundo grau,
seguindo-se a interposição direta do recurso especial e/ou extraordinário1, como
explanado no capítulo 18. Sendo assim, tornar-se-ão praticamente indissolúveis
os dois institutos, refletindo-se na harmonização em termos de regulamentação
da instauração, julgamento, aplicação e revisão. Nesse sentido, há que se aplicar
também o disposto no art. 1.040, §§ 1º a 3º, como medida de incremento para a
desjudicialização, com o estímulo para que possa ocorrer a desistência da ação,
antes da prolação da sentença, se a questão for idêntica à resolvida no
julgamento repetitivo. Para tanto, não haverá a necessidade do consentimento da
parte contrária, mesmo se apresentada a contestação, e o autor poderá ficar
isento das custas e honorários se desistir antes do oferecimento da contestação.
Por fim, em termos de aplicação da tese jurídica ao caso concreto, cabe uma
observação em relação ao disposto no art. 1.041 do Código de Processo Civil.
Embora a norma esteja voltada para a sistemática dos recursos repetitivos, a sua
análise se faz importante, pois a redação, semelhante à previsão contida no CPC
revogado, aparentemente, autorizaria o tribunal a quo, diante da tese fixada, a
manter o seu entendimento. Portanto, a interpretação literal do dispositivo estaria
em contradição com todas as demais normas que estabelecem expressamente o
efeito vinculativo ainda que sob denominações diversas.
O melhor entendimento para se efetuar uma interpretação sistemática e
teleológica coerente, parece ser o de que a possibilidade de manutenção do
acórdão pelo tribunal a quo mencionada pelo dispositivo somente estará
autorizada se houver (a) o reconhecimento da distinção entre o caso concreto e a
tese firmada pelo tribunal superior ou (b) a superação da tese, em razão da
formulação ou acolhimento de fundamentos jurídicos não enfrentados pelo
tribunal superior quando do julgamento da questão de direito. Estas duas
hipóteses se coadunam com as autorizações expressamente previstas no art. 489,
§ 1º, inciso VI, in fine, do Código de Processo Civil. Sendo assim, o que foi
denominado, no art. 1.041, como acórdão divergente, somente poderá ser assim
considerado, de fato, no caso da superação, pois haverá a manutenção do
entendimento e do julgado em razão de fundamento contraposto que ainda não
tenha sido enfrentado pelo tribunal superior. A interpretação literal, de que o
tribunal poderia simplesmente não “aceitar” a tese, descumprindo a observância
determinada no art. 927, colocaria por terra toda a construção formulada em
torno do sistema de precedentes qualificados pelo efeito vinculativo no Código
de Processo Civil brasileiro.

20.4. REVISÃO DA TESE

Em tempos de modernidade líquida, almeja-se a uniformização e


estabilidade da jurisprudência, preconizada no art. 926 do Código de Processo
Civil, mas simultaneamente a possibilidade de revisão da tese jurídica firmada
no incidente.
O art. 986 menciona que esta será feita no mesmo tribunal. De fato,
enquanto a distinção, e também a superação na opinião do autor deste trabalho2,
são técnicas que podem ser utilizadas pelos órgãos julgadores, vinculados ao
tribunal, diante do caso concreto, a revisão formal da tese somente pode ser
realizada pelo tribunal que tenha formulado a tese. Entretanto, neste aspecto, a
situação pode, provavelmente com frequência, envolver mais de um tribunal.
Basta se pensar na hipótese, bastante ventilada neste trabalho, de que o órgão
judicial de segundo grau tenha julgado o incidente e contra esta decisão tenham
sido interpostos, conhecidos e julgados os recursos especial e extraordinário,
com manifestação, portanto, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal sobre a tese fixada. Poderia o tribunal estadual ou regional
efetuar a revisão da tese? O tema merece reflexão. Por um lado, pareceria, de
certo modo, democrático e saudável esta possibilidade de oxigenação advinda de
tribunais que tenham firmado na origem a tese a ser revista. Mas, por outro, a
ideia parece colidir com algumas disposições do próprio CPC, especialmente o
mencionado art. 986.
Consigne-se que não houve no estatuto processual previsão expressa de
revisão em relação às teses firmadas nos recursos repetitivos, sendo plausível a
comunicação e aplicabilidade da norma fixada no art. 986.
O Superior Tribunal de Justiça regulamentou o procedimento mediante a
Emenda Regimental nº 24, de 28.09.2016, com a introdução no respectivo
Regimento Interno da Seção V (Revisão de Entendimento Firmado em Tema
Repetitivo) no Capítulo II-A (Do Recurso Especial Repetitivo), nos artigos 256-
S a 256-V.
A superação da tese jurídica firmada pode acontecer de ofício, pelo próprio
tribunal que fixou a tese, ou a requerimento de alguns dos legitimados para
suscitar o incidente, isto é, de modo expresso, o Ministério Público ou a
Defensoria Pública, bem como as partes. Quanto às partes, a sua legitimidade
decorre do texto efetivamente aprovado pelo Senado Federal. É de se salientar
que, na redação do relatório apresentado pelo Senador Vital do Rêgo e aprovada
no Senado, nas votações dos dias 16 e 17 de dezembro, o art. 977 continha, tão
somente, dois incisos. No inciso II, eram arrolados, como legitimados, as partes,
o Ministério Público e a Defensoria Pública. Entretanto, no texto que foi
submetido à sanção presidencial, quase três meses depois, a título de
modificação de redação, houve o desmembramento do antigo inciso II nos
incisos II e III, como supramencionado. No inciso II, as partes, e no inciso III o
Ministério Público e a Defensoria Pública. Esta modificação, por si só, não
representaria qualquer problema jurídico, se não fosse a consequência jurídica
prevista no art. 986, que passou a fazer referência apenas ao inciso III,
apontando os legitimados para o pedido de revisão da tese. Portanto, salvo
melhor juízo, a interpretação da norma deve levar em consideração o texto
efetivamente aprovado, em razão da modificação redacional posteriormente
realizada ter exorbitado em relação às mudanças efetuadas nos dois dispositivos,
que acabaram efetivamente alterando o alcance em termos de legitimidade para a
revisão3. No âmbito do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, a
legitimidade para a provocação da revisão da tese foi limitada aos Ministros do
STJ e ao Ministério Público Federal, nos termos do art. 256-T.

1
O fenômeno e a tendência foram também assinalados por Bruno Dantas,
durante o Seminário Novas Tendências do Direito Processual: o novo CPC,
realizado no dia 25.11.2016, no auditório da FIRJAN, no Rio de Janeiro.
2
Conforme exposto anteriormente neste capítulo.
3
Conforme se pode comentar em relação aos artigos 977 e 986: MENDES,
Aluisio Gonçalves de Castro; SILVA, Larissa Clare Pochmann; ALMEIDA,
Marcelo Pereira. In: Novo Código de Processo Civil Comparado e
Anotado: Lei nº 13.105, de 16/03/2015, Lei nº 5.869, de 11/01/1973 e
Legislação Especial, 3. ed. Rio de Janeiro: GZ, 2016, p. 600 e 609.
Este capítulo é diminuto na sua extensão, porém espera ser sublime,
generoso e pacificador no seu significado. Longe de ser uma crítica, pretende
sugerir uma reflexão, para que o novel instituto possa seguir o caminho do
aprimoramento. Está no final, para que seja o prenúncio de novos tempos.
Não se quer falar ou repetir o que vem sendo dito ao sabor das ondas
renovatórias de Mauro Cappelletti e de Brian Garth ou das técnicas de
negociação da Escola de Harvard. As soluções consensuais encerram mais de
noventa por cento das class actions norte-americanas, índice que se encontra,
por certo, muito distante da realidade dos conflitos brasileiros. Entretanto, parece
inerente ao contexto processual universal e às diretrizes do Código de Processo
Civil brasileiro de 2015, que os mecanismos de resolução mediante consenso
estejam presentes no cenário judicial e extrajudicial.
Em termos de procedimento-padrão para o julgamento de questão comum
de direito, pode parecer, em uma primeira mirada, até mesmo incompatível a
existência de uma sistemática voltada para a realização de acordo entre os
interessados. No entanto, como explicitado no capítulo pertinente ao
Musterverfahren alemão nos litígios do mercado de capitais, isso se tornou
realidade a partir da versão de 19.10.2012 da lei sobre procedimento-padrão para
os litígios jurídicos envolvendo o mercado de capitais (Gesetz über
Musterverfahren in kapitalmaktrechtlichen Streitigkeiten – KapMuG), que
estabeleceu expressamente esta possibilidade inovadora e dotada de mecanismos
de proteção em relação à lisura e legitimidade do acordo proposto.
Note-se que, no Direito Processual Civil brasileiro, poderá haver acordo
coletivo mesmo em relação às questões processuais, desde que restrito às partes
plenamente capazes, pois, em princípio, não parece existir objeção, em razão do
caráter plúrimo, para que se admita a autocomposição, salvo alguma
peculiaridade no caso concreto que incida na vedação contida na parte final do
art. 190 do estatuto processual.
Em qualquer hipótese e ainda que não exista previsão normativa expressa,
isso não representa caráter proibitivo para a formulação de acordos que
resguardem os princípios pertinentes às soluções consensuais, dentre os quais o
esclarecimento das partes e a autonomia da vontade, e confiram legitimidade ao
pacto firmado, a partir de um percentual mínimo de aprovação ou máximo de
rejeição para que possa ser chancelado, bem como a proteção dos interessados,
com a estipulação de um sistema de comunicação e de expressão, seja para a
manifestação expressa de adesão (opt-in), seja para a autoexclusão (opt-out).
O próprio modelo alemão poderá, novamente, servir de inspiração para a
prática imediata ou para, como se disse no início deste capítulo, o
aprimoramento do sistema de resolução de questões comuns e de demandas
repetitivas, ousando os juristas, os legisladores e os tribunais brasileiros na
direção da resolução dos graves problemas que afetam a sociedade. Sonhando e
edificando, para tanto, um sistema de justiça mais racional, objetivo, efetivo,
rápido, isonômico e seguro. É o que se espera.
PRINCIPAIS CONCLUSÕES

1. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas representa uma das


maiores apostas do novo Código de Processo Civil para o aprimoramento do
Direito Processual.
2. O novo instituto possui como finalidades precípuas a economia
processual, a obtenção de uma duração mais razoável para o processo, a
preservação da isonomia nas decisões judiciais e a construção de um patamar
superior em termos de segurança jurídica.
3. Em termos de posição propedêutica, o novel incidente integra o objeto de
estudo do Direito Processual, em termos mais amplos, e do Direito Processual
Coletivo, de modo mais específico, por ser um instrumento de resolução de
questões comuns, ao lado dos processos coletivos, das formas consensuais
coletivas e d e outros meios de resolução coletiva de conflitos.
4. Embora previsto no Código de Processo Civil, segmento em que encontra
ampla e maior aplicabilidade, é possível a sua utilização também no Processo do
Trabalho, no Processo Eleitoral e no Processo Penal, respeitando as
peculiaridades destes ramos.
5. O sistema de resolução de demandas repetitivas deve vir acompanhado de
modificações estruturais nos tribunais e culturais nos profissionais do direito.
Quanto ao aspecto estrutural, os tribunais precisam se organizar de modo
eficiente, para que existam órgãos especializados competentes para a
uniformização do entendimento da matéria. Os profissionais do direito
necessitam superar a visão pessoal e individualista para conferir supremacia ao
caráter objetivo e sistêmico do direito.
6. A nova sistemática de solução de questões comuns e casos repetidos
representa uma técnica de gestão, processamento e julgamento dos processos,
com a metodologia de decisão concentrada sobre questões essenciais de direito e
a suspensão de processos que versem sobre a controvérsia que está sendo
decidida de modo concentrado.
7. Com a técnica dos processos paralelos, o sobrestamento de processos
poderá ensejar o crescimento do acervo processual imediato, mas a redução a
médio e longo prazo.
8. Os números do Poder Judiciário expressam o gigantismo do problema e a
verdadeira impossibilidade (com magistrados tendo poucos minutos ou segundos
para cada processo) de se prestar, nos moldes atuais, uma jurisdição de qualidade
e em tempo razoável de duração.
9. Os dados indicam claramente a necessidade de instrumentos processuais
supraindividuais para a prestação jurisdicional.
10. Os meios de resolução coletiva dos conflitos são importantes também
para o acesso à justiça, para a garantia da isonomia, para o equilíbrio entre as
partes e para o cumprimento do direito material.
11. A origem do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas repousa,
por um lado, em experiências estrangeiras, tais como a da Alemanha e da
Inglaterra, mas também na engenhosidade nacional e em institutos como o
incidente de arguição de inconstitucionalidade, como fontes de inspiração. Esta
combinação é importante para que exista compatibilidade e adequação para a
incorporação e aplicabilidade do novo instituto no direito nacional. O modelo
brasileiro buscou também o próprio aprimoramento do sistema de julgamento de
demandas repetitivas, com a concentração na resolução de questões comuns e a
fixação de tese jurídica a ser aplicada nos múltiplos processos.
12. Das experiências estrangeiras, a alemã, com o Musterverfahren, é a mais
significativa, considerando vários aspectos, como a precedência temporal, os
sistemas existentes e o desenvolvimento legislativo, doutrinário e jurisprudencial
sobre o instituto.
13. O contexto histórico do surgimento e desenvolvimento do
Musterverfahren é ainda pouco ou superficialmente conhecido no Brasil. A
ampliação e o aprofundamento do estudo dos institutos correlatos do direito
estrangeiro, especialmente o procedimento-modelo alemão, devem ser realizados
e podem contribuir para a boa aplicação prática do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas, bem como para o seu aprimoramento legislativo.
14. Na Alemanha, os primeiros estudos significativos em torno do
Musterverfahren ocorreram a partir da década de 1970, a pedido do governo
alemão, no âmbito dos Massenverfahren (procedimentos de massa), indicando
que o instituto se situava dentro do âmbito do Direito Processual Coletivo.
15. Em termos práticos, surgiu inicialmente em decisão judicial proferida
pelo órgão judicial de primeiro grau competente para as causas administrativas
em Munique, no ano de 1980, quando ainda não previsto expressamente em lei.
As impugnações ao uso do Musterverfaren foram rechaçadas pela Suprema
Corte Alemã (Bundesverfassungericht), que reconheceu a constitucionalidade do
procedimento-padrão (Musterverfahren), como técnica de gestão, garantidor do
princípio do acesso à justiça e da duração razoável do processo. Entendeu que
houve má-fé pelos que questionaram a constitucionalidade do instituto utilizado
pela Justiça Administrativa de Munique, condenando-os ao pagamento das
despesas processuais.
16. A decisão da Suprema Corte Alemã indica que a técnica de julgamento-
modelo poderia até mesmo prescindir de previsão expressa em lei, se observados
os princípios processuais, especialmente o da fundamentação e do contraditório.
17. A conclusão firmada acima, quanto à prescindibilidade de previsão
expressa em lei, pode corroborar para o entendimento de que a sua aplicação
pode ser estendida e estruturada para outros órgãos, como os juizados especiais,
ou ramos do direito, como o processo trabalhista, eleitoral ou penal, com as
devidas cautelas e respeitando-se as suas especificidades.
18. A previsão legal, entretanto, é recomendável, para que haja maior
previsibilidade, a partir do estabelecimento de normas claras sobre o
funcionamento do instituto.
19. As normas infralegais (como os regimentos), a jurisprudência e os
precedentes podem suprir as lacunas legais, estabelecendo parâmetros para o
instituto, quando não estiverem estabelecidos legalmente.
20. A experiência estrangeira aponta para uma pluralidade de sistemas de
procedimento-padrão, que devem ser analisados e cotejados, na busca de
soluções adequadas para o ordenamento nacional, sob o prisma de interpretação
e de eventual aprimoramento legislativo futuro.
21. A Alemanha possui dois sistemas significativamente diferenciados de
Musterverfahren, podendo-se distinguir um padrão voltado para o direito público
e outro para o direito privado. O primeiro modelo de Musterverfahren na
Alemanha se encontra regulado no Estatuto da Justiça Administrativa desde o
ano de 1991, e na Lei da Justiça Social, desde o ano de 2008, em um único
dispositivo, com redação e teor praticamente idêntico. O segundo modelo de
Musterverfahren na Alemanha foi inaugurado em 2005, com a aprovação da Lei
sobre o Procedimento-Modelo nos conflitos jurídicos do mercado de capitais
(Gesetz über Musterverfahren in kapitalmarktrechtlichen Streitigkeiten –
Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz – KapMuG).
22. A escolha dos processos-modelo, no sistema da Justiça Administrativa e
Social, deve ser norteada por critérios objetivos, a partir das questões suscitadas
nos processos, para que os processos escolhidos para o julgamento piloto sejam
representativos, de modo a concentrar, nos que figuram como modelo, o espectro
de questões a serem resolvidas em todos os demais processos e, além disso, que
não contenham peculiaridades. Este segundo aspecto serve, na verdade, para que
o órgão judicial possa se concentrar, com exclusividade ou predominância, em
questões comuns, não perdendo tempo e energia com questões que não sejam
comuns.
23. Há menção também, como critério para a escolha, à aferição do interesse
relacionado com a causa, priorizando-se os processos nos quais as partes teriam
um maior interesse.
24. Na medida em que as normas inscritas nos estatutos da Justiça
Administrativa e Social preveem que se oportunize a manifestação prévia das
partes, os critérios objetivo e subjetivo supramencionados podem ser
combinados com a escolha feita pelas próprias partes, propiciando-se, assim,
uma maior legitimidade para a seleção dos processos e dos representantes
adequados.
25. Não obstante o caráter pioneiro do Musterverfahren da Justiça
Administrativa, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas possui uma
formatação mais semelhante ao procedimento-modelo do mercado de capitais,
cuja experiência foi concebida em legislação temporária aprovada em 2005 e
vigência inicial até 2010, que foi prorrogada até 2012, quando aprovada uma
nova versão, com modificações significativas e vigência até o ano de 2020.
26. O Musterverfahren do mercado mobiliário pode ser resumido em três
fases. A primeira, perante o órgão de primeiro grau, no qual é formulado e
apreciado um requerimento de admissibilidade, havendo a determinação de
publicidade, em caso de deferimento. A segunda consiste no processamento e
julgamento do caso-piloto pelo tribunal de segundo grau. Por fim, na terceira
fase, os processos individuais serão julgados em conformidade com o
entendimento firmado no caso-modelo.
27. O procedimento-modelo alemão do mercado mobiliário, previsto na
KapMuG, é bem mais complexo do que o da Justiça Administrativa. Inicia-se
com o requerimento de uma das partes perante o juízo de primeiro grau,
submetido ao contraditório e depois ao juízo preliminar de admissibilidade
perante o mesmo órgão de primeiro grau. Se não for inadmitido, haverá registro
e publicação no órgão oficial e suspenso o processo no qual se instaurou o
incidente, para que se possa aguardar, pelo prazo de seis meses, que pelo menos
mais nove requerimentos sejam formulados, como condição para o
prosseguimento. Com o juízo definitivo e irrecorrível de admissibilidade,
proferido pelo juízo de primeiro grau, haverá a suspensão de todos os processos
que dependam do julgamento da questão-padrão e os autos remetidos para o
tribunal, onde haverá a escolha dos representantes, a realização do contraditório
e do julgamento. A decisão proferida fará coisa julgada apenas entre os
participantes e efeito vinculativo em relação aos demais interessados.
28. No texto atual da KapMuG, o legislador alemão adotou uma importante
inovação, ao inserir expressamente a possibilidade de acordo, que deverá ser
comunicada aos interessados, que poderão exercer o direito de autoexclusão
(opt-out right – Austritt em alemão). Importante garantia de legitimidade para o
acordo foi estabelecida com a fixação do percentual máximo de 30% de rejeição,
para que a proposta seja homologada.
29. No Brasil, apresentado inicialmente sob a denominação de Incidente de
Coletivização, acabou sendo designado como Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas no Anteprojeto de novo Código de Processo Civil
elaborado pela Comissão de Juristas, a partir da proposição formulada por Paulo
Cezar Pinheiro Carneiro.
30. A versão inicialmente apresentada e aprovada no Senado Federal
enfatizava o caráter preventivo do instituto, que poderia ser instaurado diante da
identificação de controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de
processos fundados em idêntica questão de direito. Na Câmara, houve
significativas modificações, algumas incorporadas à redação que fora aprovada
em caráter final pelo Senado. Entretanto, a concepção formulada na Câmara dos
Deputados, de que o incidente somente poderia ser instaurado quando
tramitando causas no tribunal, foi revertida no texto final do Senado, que acabou
aprovando uma versão dentro da concepção inicialmente formulada pela
Comissão de Juristas, atenuando-se apenas um pouco o caráter preventivo, para
exigir a efetiva repetição de processos, facultando-se a provocação do incidente
em primeiro ou segundo grau, pelo juiz ou relator, pelas partes, pelo Ministério
ou pela Defensoria Pública, mas incorporando sugestões pontuais do texto da
Câmara.
31. Em síntese, segundo a previsão contida no Código de Processo Civil de
2015, havendo uma questão comum de direito, material ou processual, gerando
efetiva repetição de processos, de ofício ou a requerimento, poderá ser suscitado
o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que será apreciado, em
termos de admissibilidade e mérito, pelo tribunal de segundo grau, com a
suspensão de todos os processos na área do tribunal que dependam da resolução
da questão de direito. O julgamento do incidente poderá ser impugnado
diretamente mediante recurso especial ou extraordinário. Em seguida, os órgãos
judiciais vinculados ao tribunal prolator da decisão aplicarão a tese jurídica
transitada em julgado aos processos individuais. Em caso de inobservância da
tese, caberá reclamação.
32. O texto final aprovado estabelece um sistema estruturado e sucinto,
regulando o procedimento com as seguintes fases: a) instauração; b)
admissibilidade; c) julgamento e fixação da tese jurídica; d) recursos; e)
aplicação da tese jurídica.
33. Em relação ao texto final aprovado, devem ser consignadas duas
observações importantes: a) a norma contida no parágrafo único do art. 978 não
constava em nenhuma das versões anteriormente aprovadas, no Senado e na
Câmara dos Deputados, não obtendo assim a necessária aprovação nas duas
Casas Legislativas, devendo ser reconhecida a sua inconstitucionalidade formal,
decorrente da violação ao art. 65 da Carta Magna; b) houve a supressão de
importante previsão quanto à suspensão da prescrição durante o período de
tramitação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, disposição esta
que propiciaria segurança jurídica aos interessados e economia processual,
porque os titulares dos direitos poderiam aguardar a decisão final do IRDR antes
de proceder ao ajuizamento precoce de demandas repetitivas.
34. A introdução do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no
Brasil está intimamente relacionada com o fenômeno do fortalecimento da
jurisprudência e dos precedentes no País. Representa o resultado de estudos que
a academia nacional vem realizando nos últimos tempos, bem como o processo
de aproximação com os institutos do common law.
35. No contexto contemporâneo, questões novas e polêmicas vêm sendo
levadas ao Poder Judiciário, podendo-se destacar duas hipóteses que podem
ensejar uma atividade judicial inovadora: (a) quando os preceitos estabelecidos
pelo Legislador ensejarem diversidade de interpretação, de modo que haja a
necessidade de se fixar o devido balizamento e padrão normativo de conduta,
sendo o Poder Judiciário provocado a fazê-lo; (b) quando o caso concreto não se
enquadrar em preceito legislativo anterior e houver demanda sobre a questão,
levando o Poder Judiciário, diante da proibição do non liquet, a enfrentar
pioneiramente o assunto.
36. A enorme quantidade de processos judiciais e a diversidade de decisões
tomadas em relação a questões idênticas são fatores que acentuaram a
necessidade de fortalecimento da jurisprudência e dos precedentes no Brasil,
bem como do estabelecimento de efeitos vinculativos em relação a determinados
pronunciamentos qualificados, que foram enunciados especialmente no artigo
927 do Código de Processo Civil.
37. A ampliação do efeito vinculativo realizada pelo Código de Processo
Civil vem ensejando debate sobre a constitucionalidade e a natureza das
respectivas hipóteses, discussão esta que abrange o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas.
38. A atribuição de efeito vinculativo, especialmente quando restrito aos
órgãos do próprio Poder Judiciário, não precisa estar previsto expressamente em
norma constitucional. Pelo contrário, a inclusão do efeito vinculativo em sede
constitucional não se faz presente, como regra, nos países de common law ou de
civil law. Decorre da própria essência, função e concepção sistemática do Poder
Judiciário. Por outro lado, a Constituição da República do Brasil não exige que o
efeito vinculativo interno no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário dependa de
expressa previsão constitucional. Em sede de Direito Comparado, pode-se
apontar o exemplo da Alemanha, que estabeleceu efeito vinculativo mediante
norma ordinária. As normas processuais e o efeito vinculativo interno, no âmbito
dos órgãos judiciários, podem e são, de maneira geral, no Brasil, estabelecidos
por normas infraconstitucionais, que devem ser observadas pela magistratura,
como decorrência do princípio do devido processo legal.
39. O estabelecimento do efeito vinculativo interno na esfera dos órgãos
judiciais decorre da função constitucionalmente atribuída aos tribunais,
especialmente os superiores, mas também da visão sistêmica do Poder Judiciário
e da consecução de outros princípios fundamentais como o do acesso à justiça,
da igualdade, da segurança jurídica e da duração razoável do processo.
40. O conceito e a função da jurisdição no mundo contemporâneo passam
por transformações, com o deslocamento do seu eixo individual para o coletivo,
da atuação repressiva para a preventiva e da solução do caso concreto para a
fixação de interpretações, enunciados e teses para a elucidação de questões
comuns e de repercussão geral ou relevância social. Neste contexto, insere-se a
criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
41. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas possui a natureza de
incidente processual, caracterizado como procedimento paralelo a múltiplos
processos que contenham uma ou mais questões comuns de direito, tendo como
escopo a solução da controvérsia, mediante a elaboração de tese jurídica, a ser
aplicada pelos órgãos judiciais vinculados ao tribunal.
42. O objeto do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é a
questão de direito, material ou processual, suscitada, a partir de processos
paralelos, ou seja, que dependam da resolução desta questão controversa.
Portanto, a questão deve ser atual, controvertida no âmbito dos órgãos judiciais,
e relevante para o processamento ou o julgamento de múltiplos processos.
43. A tese jurídica (enunciado) firmada no Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas pode ser considerada como resultado de uma técnica
concentrada para o estabelecimento do entendimento do tribunal com efeito
vinculativo em relação aos órgãos situados no seu âmbito material, funcional e
territorial e com efeito persuasivo no que diz respeito aos demais órgãos
judiciais.
44. O enunciado estabelecido no Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas pode ser concebido como a expressão de uma nova concepção de
jurisprudência, porque passa a ser o entendimento firmado no âmbito do tribunal
sobre uma determinada questão de direito, desprezando-se, no conceito de
jurisprudência, o elemento da reiteração de decisões, considerando-se que os
tribunais, no direito processual contemporâneo, dispõem de instrumentos mais
diretos e concentrados para a uniformização da jurisprudência. Estes novos
instrumentos, como os pertinentes ao controle concentrado de
constitucionalidade, os recursos repetitivos e agora os incidentes de resolução de
demandas repetitivas e de assunção de competência, permitem a uniformização a
partir de um único pronunciamento, dispensando assim a prévia reiteração de
julgados, anteriormente denominados de precedentes na denominação dos casos
que ensejavam a uniformização da jurisprudência, com a edição do respectivo
enunciado de súmula.
45. Os novos mecanismos processuais podem também ser considerados
dentro de uma nova, e ajustada ao ordenamento nacional, concepção de
precedente, formado não a partir da extração das razões predominantes da
decisão proferida em um caso concreto, mas mediante uma técnica concentrada e
direta de resolução de questão comum de direito extraída de processos paralelos
que se encontram em tramitação. Naturalmente, os aspectos fáticos subjacentes a
estes casos concretos fornecerão o substrato necessário para a análise e
formulação da tese jurídica pertinente, diferenciando-se assim esta técnica da
própria atividade legislativa, na medida em que a tese não é dotada de
generalidade absoluta, mas limitada à resolução dos casos concretos existentes.
O fato de ser aplicável a casos futuros não a desnatura como precedente judicial,
tendo em vista que foi produzida a partir de uma modulagem fática existente e
que poderá se repetir em casos futuros. Há, portanto, coincidência entre a
metodologia e técnicas pertinentes à tese firmada no Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas e o precedente, pois nos casos futuros poderá ocorrer
identidade, similitude, distinção ou necessidade de superação.
46. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas exige a presença de
três requisitos cumulativos: a) a efetiva repetição de processos que contenham
controvérsia sobre questão comum de direito; b) risco de ofensa à isonomia e à
segurança jurídica; c) que a questão jurídica não esteja afetada em recurso
especial ou extraordinário repetitivo (requisito negativo).
47. Parte da doutrina menciona a existência de um quarto requisito, que
seria a necessidade de que o incidente tenha como base apenas processos já em
tramitação no tribunal. Esta posição possui lastro na versão do projeto de Código
de Processo Civil anteriormente aprovada na Câmara dos Deputados e se
fundamenta basicamente, de modo autônomo ou cumulado: a) na necessidade de
observância da competência fixada constitucionalmente, em sede federal ou
estadual, respectivamente, para os tribunais regionais federais e de justiça; b) no
parágrafo único do art. 978 do Código de Processo Civil; c) no raciocínio
dialético de que as questões jurídicas precisam estar mais maduras para serem
sedimentadas e uniformizadas.
48. Os métodos de interpretação autêntica, teleológica e sistemática indicam
que o texto definitivo aprovado, com base no relatório final apresentado,
descartou expressa e claramente a exigência de que o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas somente pudesse ser suscitado com base em processos
que já estivessem tramitando no tribunal.
49. Por sua vez, os fundamentos apresentados para a defesa do requisito não
são suficientes, porque em relação ao primeiro argumento da competência: a)
apenas o incidente é apreciado pelo tribunal, portanto não há violação da
competência constitucionalmente fixada para os casos concretos, porque o
julgamento dos processos e dos recursos somente ocorre em momento posterior,
respeitando-se o juízo natural; b) embora a Constituição da República tenha
estabelecido a competência, no casos dos tribunais regionais federais, ou a
indicação de que as Cartas Estaduais devessem fixar a competência dos tribunais
estaduais, a matéria (competência dos tribunais em geral) não é constitucional,
tendo em vista que nem sempre a competência dos tribunais foi fixada na própria
Carta Magna, uma vez que, em várias hipóteses, até mesmo de tribunais
superiores, a competência foi fixada em norma infraconstitucional por
determinação da própria Carta Magna; c) o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas é julgado pelo tribunal, em situação análoga à de outros
procedimentos, que também não encontram previsão expressa nas regras
constitucionais, mas que sempre foram admitidos perante os tribunais, como o
incidente de impedimento ou suspeição de juízes de primeiro grau, a reclamação
(anteriormente prevista nos regimentos internos e agora de modo expresso no
Código de Processo Civil) e o juízo per saltum em várias hipóteses legalmente
estabelecidas no antigo e no novo Código de Processo Civil; d) o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas era instituto inexistente no ordenamento
nacional ao tempo da elaboração da Constituição de 1988, razão pela qual não
poderia ter sido previsto na Carta Magna, mas a sua natureza se coaduna e é
totalmente compatível com as atribuições e competências destinadas
constitucionalmente aos tribunais regionais e estaduais.
50. No que toca ao disposto no parágrafo único do art. 978 do Código de
Processo Civil: a) como já se afirmou (item 33), a norma é formalmente
inconstitucional, pois não se encontrava presente em nenhuma das versões
inicialmente aprovadas no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, não
observando, portanto, o devido processo legislativo, nos termos do disposto no
art. 65 da Constituição da República; b) a norma é materialmente
inconstitucional porque viola a competência privativa dos tribunais para dispor
sobre a competência dos respectivos órgãos jurisdicionais, conforme previsto no
art. 96, inciso I, alínea a, da Carta Magna; c) ainda que ultrapassadas as
inconstitucionalidades anteriormente mencionadas, o significado da norma seria
apenas o de fixar uma regra de prevenção, ainda que inconveniente e
despropositada. Sendo assim, indicaria apenas que o mesmo órgão, competente
para o processamento e o julgamento do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, deveria julgar também, oportunamente, os processos que serviram
de base para a instauração do incidente.
51. A opção legislativa, em sintonia com o pensamento dos doutrinadores
que elaboraram o Código de Processo Civil, foi no sentido de se privilegiar a
economia processual, a duração razoável dos processos e isonomia,
estabelecendo-se que estes valores deveriam contar com imediata proteção.
Sendo assim, previu-se um procedimento especial dilatado em termos de
contraditório e participação, com possibilidade de recurso especial e/ou
extraordinário, se for o caso. Ressalte-se que a técnica de julgamento per saltum,
de certo modo adotada no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, foi
utilizada em várias outras hipóteses no Estatuto Processual de 2015.
52. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pode ser suscitado a
partir de causas em tramitação perante os juízes de primeiro grau ou em
processamento nos tribunais, devendo se restringir ao julgamento da questão de
direito comum controversa, para a fixação da tese jurídica, que será aplicada ao
caso concreto oportunamente pelo respectivo juízo natural.
53. Sob o prisma subjetivo, o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas diferencia-se da relação processual tradicional, porque enquanto esta
se encontra marcada pela bilateralidade e contraposição de interesses, o novel
instituto filia-se ao gênero dos procedimentos-padrão, nos quais há a
multiplicidade de processos e interesses paralelos. Sendo assim, a decisão
proferida no procedimento-padrão repercutirá, em termos de efeitos vinculativos,
para vários interessados, que estarão dependendo da questão comum de direito
material ou processual apreciada.
54. O Código de Processo Civil estabeleceu que o Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas pode ser suscitado de ofício, pelo juiz de primeiro grau
ou pelo relator, bem como requerido pelas partes, pelo Ministério Público e pela
Defensoria Pública, por petição. Mas, a participação no incidente não estará
limitada a estes. Pelo contrário, é fundamental a comunicação dos interessados,
mediante os meios gerais (veiculação em órgãos de comunicação de massa, site
do tribunal, registro em cadastro local e nacional etc.) e específicos (intimação
das partes nos processos que versem sobre a questão controvertida objeto do
incidente), de modo que estes possam acompanhar, intervir e interpor recursos
ao longo de todo o procedimento-padrão.
55. A intimação das partes, nos processos suspensos por dependerem da
resolução da questão comum de direito, encontra-se prevista expressamente
apenas para os recursos repetitivos, nos termos do art. 1.037, § 8º, do Código de
Processo Civil. Entretanto, é fundamental a sua aplicação também na sistemática
do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas não apenas para efetivar a
suspensão em concreto, mas principalmente para que os interessados possam
tomar, de fato, conhecimento do incidente. A sua falta, contudo, não deve ensejar
por si só o afastamento do efeito vinculativo. A situação assemelha-se com o que
ocorre no direito norte-americano, diante da ausência da comunicação (notice)
ao membro da classe. Nesta hipótese, a parte prejudicada deverá comprovar não
apenas a ausência da intimação, mas também, cumulativamente, que não tomou
conhecimento do IRDR e que os argumentos jurídicos levantados no seu
processo não foram efetivamente, de modo direto ou indireto, deduzidos e
apreciados no incidente, para que possa se afastar do efeito vinculativo previsto
nos artigos 927, inciso III, e 985, inciso I, do Código de Processo Civil. Neste
caso, parece que os princípios do acesso à justiça, do devido processo legal e do
contraditório serviriam de óbice para a subsunção obrigatória do caso concreto à
tese jurídica firmada, diante da própria possibilidade de distinção.
56. O Código de Processo Civil brasileiro limitou-se ao estabelecimento de
regras pertinentes à legitimidade para a propositura do incidente e à autorização
da participação de interessados. Entretanto, não houve regramento quanto à
escolha de representantes adequados dos interesses ou posicionamentos
levantados diante da questão objeto do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas. Propõe-se que a lacuna seja suprida com base no direito comparado,
especialmente no Musterverfahren alemão, que fixa os seguintes critérios para a
escolha: (i) a aptidão para conduzir de modo apropriado o procedimento-padrão
em consideração aos interesses das partes paralelas afetadas; (ii) o acordo da
maioria dos interessados, em cada um dos polos, em relação a quem deva
conduzir o procedimento; (iii) a dimensão da pretensão que está sendo deduzida
em cada processo relacionado com o procedimento modelo.
57. Embora se preveja expressamente apenas ao relator a legitimidade para a
provocação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, a melhor
interpretação é no sentido de que qualquer integrante do colegiado poderá
efetuar a provocação durante o processamento ou julgamento de causas em que
estejam presentes os pressupostos para a instauração do incidente.
58. O Ministério Público e a Defensoria Pública poderão suscitar o
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas não apenas quando forem
partes, pois estão legitimados em razão das suas funções institucionais e da
atribuição normativamente conferida.
59. Embora a isenção prevista no art. 976, § 5º, do Código de Processo Civil
mencione expressamente apenas as custas judiciais, não haverá a fixação de
honorários de sucumbência no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
salvo na hipótese de interposição de recurso, nos termos do art. 85, § 1º, do
Estatuto Processual Civil.
60. As despesas processuais, incluindo a dos honorários advocatícios,
incorridas com o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, é uma
questão que precisa ser melhor equacionada, em especial quando entes privados
se encontram atuando. No direito alemão, previu-se, para o procedimento-
modelo do mercado de capitais, o rateio das despesas pelas partes dos processos
que dependam da resolução do caso-modelo. No Brasil, há dificuldades para a
aplicabilidade do mencionado sistema porque não se tem o cadastro dos
processos vinculados ao julgamento-modelo. Portanto, há que se encontrar uma
solução, como, por exemplo, o rateio por estimativa.
61. No âmbito da competência, embora o Código de Processo Civil não
tenha indicado expressamente, o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas caberá ordinariamente aos tribunais de segundo grau, no caso da
justiça comum aos tribunais regionais federais e aos tribunais de justiça.
62. Os tribunais superiores terão, em regra, competência para o julgamento
dos recursos excepcionais (extraordinário, especial ou de revista) interpostos
contra a decisão de mérito proferida no Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas. Entretanto, em sede de competência originária ou nas causas em que
é cabível o recurso ordinário, o incidente pode ser instaurado perante os tribunais
superiores.
63. No âmbito interno, a competência será do órgão responsável pela
uniformização da jurisprudência, sendo altamente recomendável, sempre que
possível, a especialização. Entretanto, versando o incidente sobre arguição de
inconstitucionalidade ou sobre tema afeto a mais de um órgão especializado, a
competência será do Pleno ou do Órgão Especial, em observância à reserva
constitucionalmente prevista no art. 97 ou por decorrência lógica da limitação
material, respectivamente.
64. Defende-se, como fundamental e constitucional, a aplicabilidade do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no âmbito dos juizados
especiais, de modo a suprir três grandes deficiências: i) a ausência de mecanismo
interno, no âmbito regional ou estadual, de uniformização entre o entendimento
firmado pelos tribunais regionais federais ou tribunais de justiça e os órgãos dos
juizados especiais; ii) a limitação da uniformização nacional existente apenas aos
juizados especiais federais e aos juizados especiais estaduais da Fazenda
Pública, não alcançando os demais juizados especiais; iii) a limitação da
uniformização nacional que estava limitada ao direito material, não abrangendo
as questões processuais.
65. Sustenta-se que as teses fixadas pelos tribunais regionais federais e
tribunais de justiça nos Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas, a
partir de processos em tramitação perante os órgãos da justiça ordinária, sejam
aplicadas, com caráter vinculativo, nos órgãos dos juizados especiais.
66. Em hipótese alguma, poderão ser suscitados Incidentes de Resolução de
Demandas Repetitivas a partir de processos em tramitação nos juizados especiais
para os tribunais regionais federais ou tribunais de justiça, tendo em vista que
estes tribunais não possuem competência recursal ou de uniformização da
jurisprudência em relação aos processos que tramitam nos juizados especiais.
67. Não havendo, contudo, tese fixada ou incidente instaurado nos tribunais
regionais ou estaduais, sustenta-se que o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas poderá ser suscitado a partir de processos em tramitação nos juizados
especiais e deverá ser apreciado, em termos de admissibilidade e de mérito, por
órgão dos juizados com atribuição para a uniformização da jurisprudência do
sistema no âmbito estadual ou regional.
68. Em caso de superveniência de tese firmada pelos tribunais estaduais,
regionais ou superiores, a tese constituída no sistema dos juizados especiais
perderá a eficácia diante do entendimento estabelecido pelos tribunais, em caso
de incompatibilidade entre os posicionamentos adotados, para que haja a
prevalência e incidência das teses estabelecidas pelos tribunais.
69. A divulgação da existência do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas é de grande relevância para que a sociedade e os interessados possam
acompanhar e eventualmente participar do procedimento, considerando a
natureza dos processos paralelos, de modo a contribuir para a legitimação e para
o aprofundamento do debate e do contraditório em torno da questão jurídica
controvertida.
70. A comunicação e o acesso às informações pertinentes ao incidente
podem e devem ser materializados mediante o registro nos cadastros dos
tribunais e do Conselho Nacional de Justiça e também de todas as demais formas
possíveis, como divulgação no site dos tribunais, nas redes sociais, nos meios de
comunicação de massa etc.
71. Considerando o caráter bifásico e colegiado do procedimento do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, em termos de admissibilidade
e mérito, há que se aplicar, dentro do possível, as regras previstas no art. 984 do
CPC nas duas fases.
72. A precisão na definição da questão jurídica ou das questões jurídicas a
serem apreciadas é de grande importância, devendo ser (a) uma indagação geral
e comum, presente em uma quantidade significativa de processos, podendo ser
invocada, por analogia, a técnica aplicável às class actions norte-americanas, no
sentido da estruturação de subclasses; (b) uma questão de direito e não de fato;
(c) controvérsia atual e relevante entre órgãos julgadores, pois, do contrário, não
haverá interesse (necessidade-utilidade) para a instauração do incidente.
73. A abertura para a formulação de questões de direito, e consequentemente
teses jurídicas, coaduna-se também com uma nova concepção de jurisdição, na
qual o Poder Judiciário procura não apenas resolver de modo atomizado e
repressivamente os conflitos já instaurados, mas se preocupa em fornecer, de
modo mais estruturado e geral, respostas às controvérsias latentes e potenciais,
de modo a propiciar a efetiva segurança jurídica.
74. Não obstante a previsão contida no art. 982, caput e inciso I, do CPC, a
questão da suspensão, no âmbito do tribunal, poderá ser decidida monocrática ou
coletivamente, de modo respectivo, pelo relator ou pelo colegiado do órgão
competente para a admissibilidade e o julgamento do IRDR.
75. A suspensão dos processos pendentes é um elemento extremamente
importante dentro da lógica do funcionamento e dos resultados pretendidos, sob
o prisma do sistema dos julgamentos de questões comuns ou repetitivas,
especialmente no que diz respeito à economia processual e, consequentemente,
da própria duração razoável dos processos. Entretanto, a concepção global e a
regra geral não devem ser inflexíveis, a ponto de tornar inadequado o
mecanismo processual, ou os seus efeitos, para determinadas situações. Sustenta-
se, portanto, que a suspensão possa, em caráter excepcional, não ocorrer ou ser
limitada.
76. O julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
dentro de prazo razoável é consentâneo para a consecução dos seus objetivos.
Entretanto, diante da ausência de limitação expressa e da fórmula relativamente
aberta, a exigir apenas a devida decisão fundamentada, não há restrição quanto à
possibilidade de uma ou mais prorrogações, diante de decisão fundamentada a
justificar a(s) prorrogação(ões), desde que este lapso temporal não acabe
representando afronta ao acesso à justiça e à duração razoável dos processos.
77. A comunicação dos órgãos jurisdicionais em relação à suspensão dos
processos assume importância capital, na medida em que as partes dos processos
suspensos devem ser intimadas da respectiva decisão. Esta determinação se
encontra expressamente prevista para a sistemática dos recursos repetitivos, nos
§§ 8º a 13 do art. 1.037. Mas, não há razão aqui para a distinção de tratamento
em relação ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
78. A intimação mencionada no item anterior serve exatamente para que as
partes possam, eventualmente, de modo similar ao previsto no § 9º do art. 1.037
do CPC, demonstrar a distinção entre a questão a ser decidida no processo e
aquela a ser apreciada no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
requerendo, neste caso, o prosseguimento do seu processo.
79. Plenamente aplicável também a previsão contida no § 13 do art. 1.037
do CPC, no sentido de que, contra a decisão proferida, no sentido de resolver o
requerimento de suspensão, caberá, conforme o caso: (a) agravo de instrumento,
se o processo estiver em primeiro grau; (b) agravo interno, se a decisão for do
relator.
80. A suspensão poderá cessar em razão do decurso do prazo de um ano,
sem que tenha ocorrido prorrogação do prazo, ou por decisão posteriormente
tomada, tanto pelo tribunal que tenha determinado a suspensão ou pelo juízo,
diante do qual tramita o processo pendente, se a este foi conferida a decisão ou
mesmo diante da reanálise quanto à identidade entre as questões, se concluir
posteriormente pela distinção entre as indagações existentes no processo e as
pendentes de apreciação no IRDR.
81. No sistema de processos paralelos adotado no Brasil, trabalha-se, por
um lado, dentro de uma lógica de precedente, com o respectivo efeito
vinculativo, e, por outro, com a possibilidade de participação e influência por
parte dos interessados, bem como ainda com a intervenção necessária do
Ministério Público. A oportunidade de manifestação das partes e interessados,
especialmente considerados os titulares de direitos que possam ser afetados pelo
efeito vinculativo da decisão proferida no Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, é ponto fundamental para a legitimação do procedimento modelo
estabelecido no ordenamento brasileiro.
82. O objeto do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas será tão somente a questão jurídica controversa. A aplicação da tese
jurídica fixada ao caso concreto deverá ser feita pelo juízo natural dos processos
pendentes. A observância desta sistemática é fundamental para que não haja a
confluência de número excessivo de questões fáticas e de processos para o órgão
competente para a uniformização da jurisprudência, inviabilizando-se a
pretendida economia processual e a duração razoável dos processos.
83. O tema do recurso contra a decisão de mérito do Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas reforça sobremaneira a ideia de que o julgamento do
incidente se limita à questão e formulação da tese jurídica, cabendo o recurso
diretamente e também somente em relação ao entendimento firmado em
abstrato. Do contrário, não haveria o menor sentido em se inserir no estatuto
processual a previsão contida no art. 987, que menciona claramente o
julgamento do mérito do incidente e não o julgamento do caso concreto.
84. A jurisdição contemporânea tem se deslocado de uma função atomizada
e repressiva, voltada apenas para conflitos individuais e concretos, para uma
atuação mais ampla e preventiva. Esta mudança se reflete na nova dinâmica
estabelecida no novo Código de Processo Civil, especialmente quando (a) atribui
um poder-dever ao magistrado de, diante de demandas repetitivas, provocar os
legitimados para a propositura de ações coletivas, para fazê-lo, se for o caso; (b)
fortalece ou cria, com características nacionais, um sistema de precedentes, com
efeitos vinculativos; (c) amplia e sistematiza um sistema de solução de
demandas repetitivas, em complemento aos processos coletivos, com o Incidente
de Resolução de Demandas Repetitivas e o aprimoramento dos recursos
repetitivos.
85. O papel do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, como já
afirmado pela própria Comissão de Juristas, representa a grande aposta do CPC
de 2015. Para que o novo instituto funcione a contento, deve ser eficiente. É
fundamental, para tanto, que os tribunais de segundo grau e as cortes superiores
possam julgar rapidamente as questões centrais comuns controversas e que
tenham propiciado ou estejam ainda fomentando controvérsias repetitivas. Nesse
sentido, a possibilidade de que haja um rápido encaminhamento destas questões,
inclusive a partir dos juízos de primeiro grau, para os tribunais regionais e
estaduais, com recurso direto para os tribunais superiores, faz parte da essência
ou da concepção pura deste sistema. E esta formulação encontra-se em sintonia
com esta nova concepção de jurisdição, menos burocrática e mais efetiva, em
que o instrumentalismo é ampliado e aprofundado.
86. O estudo literal, histórico, sistemático e teleológico empreendido neste
trabalho indica para a plena constitucionalidade da previsão contida no novo
Código de Processo Civil em relação à possibilidade de cabimento dos recursos
especial e extraordinário diretamente contra a decisão de mérito proferida no
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
87. A recorribilidade direta em relação ao Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas, prevista no art. 987 do Código de Processo Civil, pode
ser extraída tanto a partir da revisitação do enunciado nº 513 do Supremo
Tribunal Federal quanto também se coadunar com a preservação parcial do seu
conteúdo. É perfeitamente possível a conciliação da constitucionalidade e
aplicabilidade da norma prevista no art. 987 com o entendimento esposado na
Súmula, se a recorribilidade direta ficar restrita apenas aos julgados do IRDR,
considerando que, dentro do microssistema de resolução de demandas
repetitivas, o incidente está relacionado à efetiva multiplicação de processos que
contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito, nos termos do art.
976 do CPC.
88. A tese fixada no julgamento de mérito do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas possui um reforçado comando geral no sentido de
observância e vinculação, vertical e horizontal, por parte de todos os órgãos
jurisdicionais situados no âmbito territorial do respectivo tribunal. Nos artigos
927 e 985 do CPC-2015, a norma é expressa ao determinar a observância e
aplicação da tese fixada na decisão de mérito proferida no IRDR a todos os
processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e
que tramitem (inciso I do art. 985) ou venham a tramitar (inciso II do art. 985) na
respectiva área do tribunal. Por fim, no art. 988, inciso IV, o estabelecimento de
medida para a garantia da observância de acórdão proferido em julgamento de
incidente de resolução de demandas repetitivas.
89. O efeito vinculativo previsto no Código de Processo Civil em relação ao
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é dotado de
constitucionalidade porque não viola qualquer norma expressa prevista na Carta
Magna, encontra-se em sintonia com a nova concepção de jurisdição e
consentâneo com os princípios constitucionais e com as funções previstas para
os tribunais, conforme fartamente demonstrado ao longo do trabalho.
90. A tese será aplicada, com efeito vinculativo, no âmbito do respectivo
tribunal, em sentido horizontal e vertical. Portanto, se não houver a interposição
ou julgamento de recurso especial ou extraordinário, a observância da tese estará
limitada aos órgãos judiciais na área do respectivo tribunal de justiça ou tribunal
regional federal, inclusive aos concernentes juizados especiais. Registre-se que a
tese fixada poderá, naturalmente, ter efeito persuasivo em relação aos juízos
situados fora da área de jurisdição do tribunal que tenha julgado o incidente.
91. A aplicação envolve operação cognitiva com certa complexidade e deve
ser sempre devidamente fundamentada. Em primeiro lugar, porque representa a
análise e comparação quanto à aplicabilidade da tese firmada ao caso concreto.
O efeito vinculativo estabelecido encontra-se limitado, naturalmente, às questões
e fundamentos que tenham sido suscitados e analisados no Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas. Portanto, havendo a subsunção dos
fundamentos invocados pelas partes, no caso concreto, aos enfrentados e
decididos no IRDR, caberá ao órgão judicial efetuar a aplicação da tese, não
podendo dela se distanciar e devendo efetuar a devida motivação quanto a este
enquadramento. Se a decisão deixar de se manifestar sobre a tese firmada e que
deveria ser aplicada, a parte poderá interpor embargos de declaração, com fulcro
no art. 1.022, inciso II c/c o parágrafo único, inciso I, do novo estatuto
processual, por se tratar de omissão expressamente prevista.
92. Não haverá enquadramento e, portanto, efeito vinculativo, se o tribunal
que julgar a questão, no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, não
houver enfrentado e se pronunciado sobre fundamento existente no caso
concreto. Neste caso, o magistrado poderá se afastar da tese fixada se adotar
fundamento não analisado no incidente. Na hipótese, o efeito será meramente
persuasivo.
93. Sendo hipótese de distinção ou de superação, haverá, naturalmente, a
necessidade de ser exposta a devida fundamentação no sentido da
inaplicabilidade da tese ao caso concreto em julgamento ou da formulação de
novos fundamentos que denotem que a tese não deve mais ser aplicada, em razão
de modificações ocorridas, como, por exemplo, a decorrente de alteração
legislativa.
94. No campo doutrinário, sempre foi polêmica a possibilidade de órgão
inferior superar entendimento formulado por tribunal que se situe em condições
de revisar o entendimento do primeiro. Entretanto, no CPC-2015, a previsão
contida no inciso VI, do § 1º, do art. 489, parece autorizar a prática. Esta
possibilidade, de superação, precisa ser aplicada comedidamente, pois, do
contrário, se realizada pelo tribunal que firmou o precedente, acabará tornando
letra morta a norma, ainda que programática, estabelecida no art. 926 do CPC.
Se realizada em demasia pelo juiz de primeiro grau ou pelos tribunais superiores,
o sistema de precedentes vinculativos estará correndo sérios riscos.
95. O melhor entendimento para se efetuar uma interpretação sistemática e
teleológica coerente do previsto no art. 1.041 do CPC, parece ser o de que a
possibilidade de manutenção do acórdão pelo tribunal a quo mencionada pelo
dispositivo somente estará autorizada se houver (a) o reconhecimento da
distinção entre o caso concreto e a tese firmada pelo tribunal superior ou (b) a
superação da tese, em razão da formulação ou acolhimento de fundamentos
jurídicos não enfrentados pelo tribunal superior quando do julgamento da
questão de direito.
96. Consigne-se que não houve no estatuto processual previsão expressa de
revisão em relação às teses firmadas nos recursos repetitivos, sendo plausível a
comunicação e aplicabilidade da norma fixada no art. 986. A superação da tese
jurídica firmada pode acontecer de ofício, pelo próprio tribunal que fixou a tese,
ou a requerimento de alguns dos legitimados para suscitar o incidente, isto é, de
modo expresso, o Ministério Público ou a Defensoria Pública, bem como as
partes.
97. O Código de Processo Civil brasileiro não previu expressamente a
possibilidade de solução consensual no âmbito do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas. Entretanto, esta possibilidade não parece ser
incompatível com os princípios pertinentes ao Estatuto Processual ou ao instituto
do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
98. Em conformidade com o que ocorreu na última versão legislativa do
procedimento-padrão alemão para o mercado de capitais, propõe-se, a título de
subsídio, para o aprimoramento do novel instituto, a previsão e regulamentação
de soluções consensuais para o Incidente de Resolução de Demandas
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