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O livro A Alma Imoral

O que significa corpo? E alma? O que diferencia os dois?

Com profunda maestria o autor nos leva a repensar antigos conceitos, baseados em textos bíblicos e
na própria psicologia.

A alma nos é apresentada como imoral e o corpo como moral.

A alma rompe, transgride e modifica antigos pilares já tidos como firmados e seguros.
A alma desobedece e passa a respeitar e ao obedecer passa a desobedecer.

Nem sempre o correto da tradição é o bom do momento. A maior traição que o homem pode cometer
é contra si próprio, pois o homem será sempre um traidor, não importando o que faça...a escolha que
fizer será sempre uma traição, pois o homem que se mantém acomodado é um traidor, o homem que
não rompe Com o certo do passado em troca do bom do presente é um traidor e o homem que rompe
com tudo, também, será um traidor. Assim sendo, o grande pulo é fazer o achar melhor para si
próprio.

Chega um momento em que o homem deve caminhar, pois ficar paralizado não lhe trará soluções,
voltar não será mais possível, pois não há mais caminho para trás e assim sendo, sua única alternativa
é romper com os muros invisíveis que protegem o medo e caminhar...transgedir, romper com o
passado.

Utilizando parábolas exemplificativas descobrimos que nem sempre o certo é o bom e sim, o errado é
que será bom.

Na busca incansável pelo encontro com a verdade, o homem descobre que a sua verdadeira alma é
imoral. A mulher é a transgressora por natureza e o homem é o corrompido. A serpente habita a alma
feminina, enquanto o homem é o seduzido.

Percebe-se a necessidade da mutação humana, através da reprodução o homem transmuta e a


clonagem demonstra ser um erro, pois nela não há mutação.

É pela transgressão que o homem se faz conhecedor e desbravador da essência da natureza humana.
O livro A Alma Imoral, do Rabino Nilton Bonder, trata sobre a tensão entre duas naturezas
inerentemente humanas: o corpo que busca a preservação e a alma que transgride em sua
imaterialidade expressa na busca indireta por imortalidade e renovação. É esta tensão, segundo o
autor, o principal fator da evolução e bem-estar do ser humano, bem como aquilo que nos define
seres humanos e não animais. Enquanto o corpo luta por se manter, seja através da autopreservação
do sujeito ou através do apego a antigas tradições e costumes, a alma imoral busca a renovação e a
quebra destes mesmos costumes, movimento este chamado pelo autor como traição da alma.
Bonder a chama, portanto de alma imoral, evitando assim lhe imbuir qualquer qualidade
amoral, mas descrevendo-a precisamente com imoral, oposta à moralidade. E é a partir desta
oposição que definimos também o corpo moral. O corpo, que se apega ao passado, mantendo
conceitos de certo e errado por vezes ultrapassados ou inadequados ao novo ambiente, se agita e se
ofende com os impulsos traidores da alma que vê nesta mesma manutenção uma traição a si mesma.
“O certo que é errado e o errado que é certo” é uma frase do autor que resume bem este conceito.
Para fazermos uma comparação, podemos citar a personagem de quadrinhos Princesa
Diana, a Mulher-Maravilha (MARSTON, William Moulton e PETER, Harry G; 1944). Em sua origem,
Diana cresce na ilha utópica de Themyscira entre as amazonas, um povo de mulheres guerreiras
serventes aos deuses e pacíficas entre si. Na ilha é proibido qualquer contato com o mundo masculino
(exceto pelo contato com os deuses olimpianos), incluindo a volta de uma Amazona que teve contato
com esta realidade masculina. Mesmo sabendo disto, ao tomar ciência das guerras e dos males que
afligem a humanidade mundo afora, Diana rebela-se contra a Rainha Hipólita, sua mãe, e deixa a ilha,
tornando-se exilada do paraíso onde crescera para lutar pela humanidade/mundo dos homens.
Neste exemplo, percebemos o mesmo fenômeno descrito por Bonder do jovem que sai de
casa em busca de uma casa nova e diferente da de seus pais. Explicando, Diana deixa a ilha paradisíaca
de Themyscira (casa dos pais) em busca de sua própria casa, seu novo certo, no mundo dos homens.
É da alma este impulso que faz com que Diana questione sua matriarca e abra mão de sua
vida regressa em nome da proteção de povos estrangeiros. É a alma que se agita contra uma(s)
tradição(ões) rumo ao novo. E é a alma que nos leva assim à imortalidade. Não a imortalidade do
indivíduo imutável. Esta é a pretensão do corpo, pretensão esta inatingível, pois a imutabilidade
num ambiente mutável pode apenas levar à morte e ao esquecimento. É através da imoralidade da
alma que a espécie humana consegue desvencilhar-se de amarras já podres e velhas rumo ao futuro,
preservando-se, não individualmente, mas coletivamente. No filme Mulher-Maravilha de 2017
(JENKINS, Patty, Warner Bros, 2017) vemos uma interpretação interessante do mesmo mito de
criação. Nele vemos que, se Diana não deixasse Themyscira, a guerra irremediavelmente chegaria a
ilha e a todo o mundo. O filme mostra de forma mais direta o que os quadrinhos e a mitologia judaico-
cristã vêm nos dizendo a mais tempo e mais sutilmente. O caminho da alma é a redenção dopovo e
também do indivíduo .
Como exemplo de corpo moral debatendo-se por sobrevivência, podemos recorrer a outro
mito moderno bem difundido, Star Wars. No sétimo filme da franquia, O Despertar da Força
(ABRAMS, Jeffrey J.; 2015) vemos como a Primeira Ordem, uma força ditatorial, conservadora e
xenófoba, se levanta contra o governo instituído da Nova República para depô-lo e, em seu lugar,
restaurar o Império Galático, governo anterior cujos remanescentes e admiradores fundaram a
Primeira Ordem.
Apegando-se tão fortemente ao passado e a um antigo conjunto de certos e errados, a
Primeira Ordem e seus líderes nos são apresentados como desígnios de um corpo moribundo
buscando certa imortalidade pela imutabilidade. Eles não conseguem perceber que a mudança já há
muito ocorrida é uma demonstração de evolução, um novo meio de paz e igualdade, segundo a
própria obra.
Mas é a tensão entre estas duas naturezas dentro do indivíduo humano que o qualificam
propriamente como humano. Parafraseando Rabino Bonder “um cavalo que não sabe que é um
cavalo, ainda é um cavalo. […] mas um homem que não sabe que é homem, não é um homem. E um
cavalo que sabe que é cavalo não o é”. Seguindo esta lógica, percebemos o quão importante é a
tensão entre alma e corpo. As traições e tradições de alma e corpo são, em determinado ponto,
insuportáveis um ao outro ao mesmo tempo em que existe uma interação vital entre eles. Sem corpo
a alma não pode se manifestar e sem alma o corpo não se perpetua no tempo. É um equilíbrio
essencial.

Uma obra que também questiona sobre os paradigmas que definem o ser humano é o
romance ficcional Duna (HERBERT, Frank; 1965). Nele, a personagem Reverenda Madre Gaius Helen
Mohiam, integrante e líder da ordem religiosa Bene Gesserit, fala ao jovem protagonista Paul
Atreides, durante um teste religioso onde infere dor diretamente nos nervos da mão do rapaz, sua
definição de o que faz de um ser humano ser de fato um ser humano:

“Já ouviu falar de animais que mastigam uma perna até arrancá-la para escaparem
de uma armadilha? Este é um truque animal. Um humano permaneceria na armadilha,
suportaria a dor, fingiria estar morto para matar o caçador e eliminara ameaça aos
seus semelhantes. […] Dor! Um humano pode controlar cada nervo deseu corpo! […]
Nós, Bene Gesserit, peneiramos pessoas para encontrar humanos.”

Em Duna, as Bene Gesserit selecionam e manipulam pessoas em busca do que definem


como humanos, não como uma forma de pureza inerente a certos indivíduos, mas como uma
característica distinta de certas pessoas, como um certo equilíbrio interno e um supercontrole da
mente sobre o corpo.
Comparando estes conceitos de “mente” e “corpo” com os de “alma imoral” e de “corpo
moral” de Bonder, vemos muitas semelhanças entre os corpos, algumas entre mente e alma e muitas
diferenças nas relações que definem um ser humano.
A princípio, as definições de corpo em ambos se referem à essa estrutura material, efêmera
e apegada ao agora, à sobrevivência imediata. É o corpo das tradições e do individualismo. A filosofia
das Bene Gesserit tem consciência da necessidade de mudanças e adaptações constantes, mesmo
que seus membros não compartilhem plenamente de tal consciência em certos momentos.
A mente para as Bene Gesserit no entanto, apesar de ser fonte da capacidade criativa e
adaptativa do ser humana, não é necessariamente a fonte primaria de sua evolução. Elas a
consideram mais uma ferramenta de controle do corpo e computador planejador [da já citada
evolução], quando bem treinadas.
São nas diferenças interpretativas das relações mente-corpo e alma-corpo de cada
interlocutor que percebemos as melhores possibilidades de analise comparativa. Em A Alma Imoral,
Nilton Bonder defende que a qualidade de humano é inerente a todas as pessoas e que um
desequilíbrio entre alma imoral e corpo moral é parte da natureza humana e parte do balanço que
leva à evolução. Em Duna, as Bene Gesserit desconsideram um equilíbrio entre corpo e mente
como possível, duradouro ou mesmo desejável. Seu interesse é a subjugação do corpo pela mente
e é esta a definição mais simples de ser humano para esta filosofia fictícia. Qualquer balanço onde a
mente não domina o corpo é considerado menor e o ser uma pessoa não-humana, menor.
É claro que nesta comparação não podemos ignorar o contexto de cada um dos textos. Em
Duna, trata-se de uma sociedade semifeudal em uma estória de reis e conspirações, onde o domínio
sob o fraco é a moral vigente. No romance, Herbert faz analogias com os ciclos de poder e subjugação
de povos e como revoluções acabam por não solucionar os problemas como se propõem a critica
fortemente religião, política, tecnologia e a crença de um grande salvador, numa saga ondemesmo
as soluções propostas não são belas ou como se apresentam.
Já o rabino Nilton Bonder coloca-se num contexto completamente oposto, visando um
cenário onde toda a humanidade possa evoluir e desenvolver-se. Bonder disserta sobre como a
natureza humana é bem resolvida num panorama geral e como mesmo nossos problemas mais
profundos podem servir para elevar a humanidade como um todo. Por fim, a obra do Rabino Bonder
nos traz não apenas um estudo sob a condição humana, mas nos dá ferramentas para melhor lidar
com nossa condição humana, que é ao mesmo tempo efêmera e eterna.

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