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Exibidores ambulantes em

Campos dos Goytacazes,


de 1897 a 1905669
Travelling exhibitors in Campos dos
Goytacazes, from 1897 to 1905

Tiago Bravo Pinheiro de Freitas Quintes670


(Mestrando em Cinema e Audiovisual – Universidade Federal Fluminense)

Resumo: Na virada do século XIX para o século XX, passaram pela cidade de Campos dos
Goytacazes diversos exibidores ambulantes que fizeram uso do cinematógrafo em suas
apresentações. Este artigo pretende investigar as características particulares de alguns
desses exibidores com a finalidade de analisar os diferentes modos de trabalho e exibição.

Palavras-chave: Exibidores ambulantes, cinematógrafo, Campos dos Goytacazes.

Abstract: At the turn of the 19th to the 20th century, several travelling exhibitors passed
through the city of Campos dos Goytacazes who made use of the cinematograph in their
presentations. This article intends to investigate the particular characteristics of some of
these exhibitors in order to analyze the different modes of work and exhibition.

Keywords: Travelling exhibitors, cinematograph, Campos dos Goytacazes.

Campos dos Goytacazes é um município de grande extensão territorial, localizado na


região norte do estado do Rio de Janeiro. A cidade passou a apresentar uma área urbana
de relativa pujança desde cerca de 1850 (SOUZA, 2014), e já contava com variados tipos de
diversões de origem europeia desde o início do século XIX. Cosmoramas, dioramas, espe-
táculos de lanterna mágica, entre outras atrações visuais, fizeram-se presentes na planície
goitacá. O Teatro São Salvador, construído ainda na primeira metade do século XIX, foi um
palco que recebeu espetáculos teatrais, musicais, de ilusionismo e, a partir de 1897, exibi-
ções de cinematógrafo. Nesse cenário é que chegam os primeiros exibidores ambulantes
em Campos.
Tiago Bravo Pinheiro de Freitas Quintes

O presente artigo busca examinar as exibições que ocorreram na cidade com base nas
definições feitas por Deac Rossel em seu artigo sobre exibidores ambulantes nos primórdios
do cinema, intitulado “A Slippery Job: travelling exhibitors in early cinema671” (2000). Rossel
utiliza a abordagem sociológica sobre a flexibilidade interpretativa de um artefato tecnoló-
gico (BIJKER; HUGHES; PINCH, 1989), onde um artefato pode ter diferentes sentidos para
diferentes grupos sociais. E procura definir, dentro do grupo social dos exibidores ambu-
669 - Trabalho apresentado no XXIV Encontro SOCINE na sessão: Exibição cinematográfica, espectatorialidades e artes da projeção no Brasil
– Sessão 5.
670 - Pesquisador e Técnico em Audiovisual (Instituto Federal Fluminense). Possui graduação em Cinema (Universidade Estácio de Sá - RJ) e
especialização em Artes Visuais: Cultura e Criação (Senac - RJ).
1128 671 - “Um Ofício Escorregadio: Exibidores ambulantes nos primórdios do cinema.”
lantes, quatro tipos principais: Exibidores teatrais, exibidores independentes, exibidores de
grandes feiras, e exibidores efêmeros, ou amadores. A partir de fontes originais da imprensa
campista, são levantadas algumas das exibições que ocorreram entre 1897 e 1905, para uma
análise sobre suas especificidades e as possíveis relações com os quatro diferentes tipos de
exibidores definidos por Rossel (2000).

As exibições em Campos dos Goytacazes


Os registros mais antigos encontrados sobre uma exibição de cinematógrafo em
Campos datam de agosto de 1897, quando a Companhia de Variedades da Empresa Germa-
no Alves chegou na cidade para realizar seus espetáculos no Teatro São Salvador. O espe-
táculo da Companhia era composto por um conjunto de variadas atrações, como zarzuelas,
cães amestrados, operetas, e exibições de cinematógrafo. (Gazeta do Povo, 19.08.1897, p.3)
Todas as variedades modificavam seus números a cada dia de apresentação. A temporada
da Companhia de Germano Alves em Campos dos Goytacazes durou de 19 de agosto de
1897 a 12 de setembro de 1897. Anteriormente a trupe esteve na capital Rio de Janeiro, e de lá
seguiu para Juiz de Fora (MG), ainda retornou ao estado do Rio, apresentando-se em Niterói,
para só então seguir viagem para Campos. Em todos os locais apresentou-se em palcos
teatrais: no Teatro Lucinda (Rio de Janeiro), no Teatro Juiz de Fora, e no Teatro Municipal
de Niterói. (LEITE, 2011). A Companhia de Variedades da Empresa Germano Alves, portanto,
possuía características do tipo exibidor viajante teatral, que Rossel (2000) define como:

um show-man autônomo, ou ocasionalmente show-woman, que usa-


va um agente para os agendamentos em teatros fixos, com fins de
realizar o tradicional show de variedades, ou ‘music hall’, contendo
exibição cinematográfica, e que viajava entre cidades e vilas como
um ato profissional independente, totalmente dentro das práticas
comuns de turnê de outros artistas de variedades. (ROSSEL, 2000,
p. 3, tradução nossa)

Germano Alves e sua esposa, Apolônia Pinto, eram figuras conhecidas no meio tea-
tral brasileiro. Não há menções à atriz nos anúncios e matérias de jornais campistas, mas Exibidores ambulantes em Campos dos Goytacazes, de 1897 a 1905
Apolônia Pinto provavelmente integrava a empresa da Companhia de Variedades naquelas
apresentações entre agosto e setembro em Campos. Logo após a temporada na planície
goitacá, em outubro de 1897, na cidade de Curitiba (PR), a Companhia foi anunciada como
pertencente a “Empresa Apollonia Pinto, dirigida por Germano Alves”, e em novembro de
1897, em Bagé (RS), como “Empresa Apollonia-Germano”. (LEITE, 2011)

A companhia teatral dirigida pela atriz Apolônia Pinto já visitara Campos dos Goy-
tacazes, em turnê, no ano de 1883, alternando-se entre o Teatro São Salvador e o Teatro
Empyreo. (TINOCO, 1975, p.53). Em 1897, a Companhia de Variedades pode ter seguido uma
rota já conhecida das turnês teatrais de Apolônia, e negociado com pessoas dos locais ante-
riormente frequentados. Em 1908, Apolônia Pinto e Germano Alves retornaram novamente
ao Teatro São Salvador, em Campos, desta vez apesentaram exclusivamente números tea-
trais sem a presença das variedades e do aparelho cinematógrafo. (O Tempo, 14.10.1908, p.3)
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A segunda exibição de um cinematógrafo em Campos parece ter ocorrido na tem-
porada de 12 a 21 de maio de 1899, sob responsabilidade de Arthur Rockert, que exibiu um
Cinematographo Edison no Teatro São Salvador. Pelos comentários na imprensa, é pos-
sível notar que o aparelho inicialmente apresentou “problemas de trepidação”, que foram
resolvidos “graças ao mecânico que o Sr. Rockert trouxe da Capital”. (Monitor Campista,
20.05.1899, p.1) Arthur Rockert, radicado em Campos, trabalhou como importador de jornais
da Europa, tecidos, máquinas de costura, cartões-postais, entre outros produtos. Todos os
seus empreendimentos eram anunciados constantemente em jornais campistas. O empresá-
rio também fez parte da diretoria de clubes carnavalescos e de recreação, mas não exerceu,
anteriormente a 1899, espetáculos no ramo da exibição de cinematógrafo. Este fato poderia
categorizá-lo como um exibidor amador, porém, como define Rossel (2000), este tipo de
exibidor geralmente voltava aos seus afazeres anteriores após uma empreitada efêmera, o
que não aconteceu no caso de Arthur Rockert. Outras apresentações de cinematógrafo sob
sua responsabilidade foram encontradas.

Há um anúncio no Gazeta do Povo, de julho de 1899, sobre o último dia de exibição do


“Cinematographo Edison […] no salão em frente ao Teatro São Salvador” (Gazeta do Povo,
23.07.1899, p.3). O salão possivelmente era um casarão que alugava seu espaço para entre-
tenimentos. Apesar de o anúncio não apresentar mais detalhes, nem o nome do exibidor,
possivelmente aquela exibição também foi de responsabilidade de Rockert. Era comum que
os exibidores, logo após o término de uma temporada em uma casa de renome, alterassem
seu local de apresentação para uma casa de menor porte. (TRUSZ, 2010) Isso acontecia
principalmente com o tipo definido como exibidor independente. Rossel (2000) faz uma
diferenciação entre os exibidores independentes que vinham de uma longa tradição na exi-
bição da lanterna mágica e os exibidores independentes que iniciaram sua carreira a partir
do cinematógrafo. Rockert estaria dentro da segunda categoria.

O empresário realizou, pelo menos, mais duas exibições fora de Campos dos Goyta-
cazes: Um “Cinematographo Edison W. Rochert [sic]”, foi exibido em Itapetininga (SP), em
27 de maio de 1900 (LEITE, 2011, p.137), e há relato sobre um “Cinematographo Edison” que
estrearia em Juiz de Fora (MG), em junho de 1900. Em Minas, a imprensa relatou que “a ma-
china desses maravilhosos quadros será posta em ação pelo eletricista W. Rockert”. (Jornal
do Commercio (MG), 15.06.1900, p.2)672

Em julho de 1901, também no Teatro São Salvador, em Campos, foram exibidas ima-
Tiago Bravo Pinheiro de Freitas Quintes

gens em movimento pela empresa sob direção de Mr. Garcia, em um aparelho anunciado
como “Grande Biographo Lumiére - Modelo 1901. O qual foi exibido no grande salão de
festas da Exposição de Paris, tendo obtido o 1o prêmio, isso por ser o aparelho mais aper-
feiçoado.” (Gazeta do Povo, 25.07.1901, p.3) Nota-se, no anúncio, também uma chancela do
exibidor como “representante na América do Sul da Societé Generale des Cinematographes
e Biographes de Paris”. Seguindo as definições de Rossel (2000), Mr. Garcia pode ser classi-

1130 672 - Agradeço a Ryan Brandão pela fonte.


ficado como um exibidor independente, mais precisamente do tipo que procura demonstrar
profissionalismo no ramo da exibição do aparelho cinematógrafo, sem buscar semelhanças
com outros tipos de exibição, como a projeção em lanterna mágica.

Muitos exibidores independentes costumavam exaltar os possíveis avanços técnicos


dos aparelhos sobre outros similares, como forma de obter do público uma maior confiança
em meio a proliferação de diferentes nomes e patentes. O prêmio obtido por aquele apa-
relho na Exposição Universal de Paris em 1900 é utilizado no anúncio de Mr. Garcia como
garantia de sua superioridade. A ideia é reforçada no fim do anúncio, onde lê-se: “Atenção,
a direção previne o público que não confundam o Biographo Lumière com outros aparelhos
chamados Cinematographos, e Animatographos, etc., pois além de ser o Biographo Lumière
o mais aperfeiçoado, é o único que está no Brasil.” (Gazeta do Povo, 25.07.1901, p.3)

Em 1902 estreou na cidade a Companhia de Fantoches Automáticos. Segundo a im-


prensa campista, a Companhia era “organizada em Campos com todo o material necessá-
rio e preparada por artistas dessa cidade”, e prometia em seu espetáculo, além do teatro
de bonecos, a exibição de um cinematógrafo: “Última exposição em Campos do famoso e
extraordinário Cinematographo Edison. Com deslumbrantes e novos quadros animados.”
(Gazeta do Povo, 12.07.1902). Após o anúncio, foi noticiado na imprensa que o espetáculo
precisou ser reagendado: “não tendo ficado pronta a instalação elétrica do cinematographo,
foi transferido para ‘hoje’ o espetáculo que devia realizar-se ‘hontem’. Será portanto ‘hoje’
a estreia da nova e bem organizada companhia sob a direção do Sr. Manoel Mendes.” (Ga-
zeta do Povo, 13.07.1902, p.1) A Companhia de Fantoches Automáticos, pela pouca prática
na instalação do aparelho, e por ser estreante no ramo, pode enquadrar-se no grupo dos
exibidores amadores, que “eram ávidos ‘outsiders’, com pouca ou nenhuma experiência na
indústria do entretenimento” (ROSSEL, 2000, p.3).

No dia 19 de julho de 1902 a Companhia partiu para Mineiros, localidade do distrito de


Mussurepe, em Campos dos Goytacazes. Não há informação sobre uma possível exibição do
Cinematógrafo Edison naquele local. De qualquer modo, pode-se concluir que o foco prin-
cipal de seus espetáculos eram os fantoches, e não o aparelho de imagens em movimento. Exibidores ambulantes em Campos dos Goytacazes, de 1897 a 1905

Talvez os artistas já contassem com experiências prévias no manejo dos bonecos, e não há
indícios de que seguiram carreira como exibidores ambulantes.

Outro tipo de exibidor definido por Rossel (2000) são os exibidores de grandes feiras.
Apesar de ser possivelmente o grupo mais abundante, é também o mais difícil de ser encon-
trado e analisado. Diversões de variadas modalidades participavam desses grandes eventos,
e as próprias feiras eram a atração principal. Portanto, era incomum que o responsável por
uma daquelas diversões publicasse anúncios em jornais.

Em 1905, o jornal niteroiense A Capital relatou, numa coluna sobre acontecimentos


gerais em Campos, que era realizada na cidade “uma quermesse à Rua do Rosário, com
representações de cinematógrapho” (A Capital, 21.07.1905, p.3). A Rua do Rosário é a atual
Rua Carlos de Lacerda, centro da cidade. A quermesse pode ter ocorrido no Largo do Rosá-
rio. O Largo do Rosário era “enquadrado pelas ruas das Flores e do Rosario, pela travessa e 1131
a egreja. [sic].” (SOUZA, 2014 p. 56) Não há mais detalhes sobre como aconteciam as exibi-
ções neste evento, nem sobre os responsáveis por aquela atração. Na quermesse, provavel-
mente as exibições cinematográficas eram ao ar livre, e competiam com variadas diversões.

Ressalta-se que outras exibições de cinematógrafo ocorreram entre 1897 e 1905 em


Campos dos Goytacazes, mas o presente artigo buscou tratar somente de algumas das
exibições encontradas, principalmente as que poderiam fornecer mais detalhes para serem
relacionadas aos quatro tipos de exibidores ambulantes definidos por Rossel (2000).

Conclusões
No início do século XX alguns exibidores ambulantes desistem deste ofício, como
ocorreu com Germano Alves e Apolônia Pinto, exibidores teatrais que voltaram aos seus
afazeres iniciais. O mesmo pode ter ocorrido com os artistas da Companhia de Fantoches
Automáticos. Já Arthur Rockert, classificado como exibidor independente, se aperfeiçoou
no ramo da exibição. Na imprensa campista, em 1899, é ressaltado que o “empresário” bus-
cou um “mecânico” do Rio de Janeiro para ajustar o aparelho. Já na imprensa mineira, em
1900, Rockert foi chamado de “eletricista”. Nota-se a tentativa de classificar as funções de
quem realizava a exibição do cinematógrafo, mas tanto o termo exibidor como o termo pro-
jecionista não estavam estabelecidos.

Os anúncios de Mr. Garcia em Campos, em 1901, demonstram que o exibidor procura-


va exaltar as especificidades do ofício e os progressos técnicos do aparelho, inclusive cha-
mando atenção à premiação conquistada na Exposição Universal de Paris, em 1900. Parece
ter início, nos primeiros anos do século XX, uma tentativa de especialização técnica no ramo
da exibição do cinematógrafo, observada principalmente no tipo definido como exibidor
independente. Mas isso não significa que todas as exibições ambulantes de cinematógrafo
passaram a se isolar das outras formas de diversão. Ainda acontecia uma hibridização ou
convivência entre diferentes atrações, como ocorreu na apresentação dos fantoches auto-
máticos, em 1902, e na exibição do cinematógrafo na quermesse do Largo do Rosário, em
1905.

Referências bibliográficas
BIJKER, W; HUGHES, T. P; PINCH, T. J. The Social Construction of Technological Systems :
New Directions in the Sociology and History of Technology. Londres: MIT Press, 1989
Tiago Bravo Pinheiro de Freitas Quintes

LEITE, A. B. Memória do cinema: os ambulantes no Brasil: (Cinema itinerante no Brasil 1895-


1914). Fortaleza: Premius, 2011

ROSSEL, D. A Slippery Job: Travelling Exhibitors in Early Cinema. In POPLE, S.; TOULMIN, V.
(Org.). Visual delights: essays on the popular and projected image in the 19th century. Trow-
bridge: Flick Books, 2000

SOUZA, H. Cyclo Aureo: Historia do 1º centenário de Campos 1835 - 1935. Campos dos Goy-
tacazes: Essentia Editora, 2014

TINOCO, G. Movimento teatral em Campos. Campos dos Goytacazes: Edição do Autor, 1957

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TRUSZ, A. D. Entre Lanternas Magicas e Cinematógrafos: as origens do espetáculo cine-
matográfico em Porto Alegre 1861-1908. Terceiro nome / Iniciativa Cultural, 2010

Referências hemerográficas
A CAPITAL. Niterói, 21 jul. 1905, p.3

GAZETA DO POVO. Campos dos Goytacazes, 19 ago. 1897, p. 3

______. Campos dos Goytacazes, 23 jul. 1899, p. 3

______. Campos dos Goytacazes, 25 jul. 1901, p. 3

______. Campos dos Goytacazes, 12 jul. 1902, p. 1

______. Campos dos Goytacazes, 13 jul. 1902, p. 1

JORNAL DO COMMERCIO (MG). Juiz de Fora, 15 jun. 1900, p.2

MONITOR CAMPISTA. Campos dos Goytacazes, 21 mai. 1899, p.3

O TEMPO. Campos dos Goytacazes, 14 out. 1908, p. 3

Exibidores ambulantes em Campos dos Goytacazes, de 1897 a 1905

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