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Pedro Costa

Realização: ABRAPSO-JF
Perguntas Orientadoras

Teria Marx contribuição ao entendimento da loucura?

É possível uma análise (e práxis) fundamentada em Marx


sobre a loucura?
Objetivos
• Apresentar uma análise acerca da loucura a partir de Marx; isto é,
apreender de sua teoria social e práxis revolucionária, elementos para
compreendermos a produção da loucura vinculada à produção da
vida e como esta é entendida e abordada no modo de produção
capitalista (MPC).

• Apresentar reflexões do próprio sobre o tema, de textos e produções


não tão conhecidas, ao mesmo tempo que demonstrar como é
possível extrairmos - e, nisso, aprofundarmos, desenvolvermos -
teorizações sobre a loucura nos marcos de sua análise totalizante.
Objetivos
• Reivindicar Marx, o marxismo e o materialismo histórico-dialético
para a compreensão e abordagem do sofrimento, da loucura, da
saúde mental enquanto produções humanas

• Demonstrar a relevância do marxismo para a práxis na saúde mental


e à Luta Antimanicomial (LA)

• Fortalecer a LA e Reforma Psiquiátrica brasileiras, dado o contexto de


ofensiva (re)manicomializante, conservadora mercantil da loucura
Justificativas
• Carvalho e Piza (2016, p. 19), apontam para uma insuficiência de
“trabalhos que abordam a problemática da loucura desde uma
perspectiva histórica afiançada no materialismo histórico-dialético”

• Importância de Marx e marxismo nos movimentos antimanicomiais e


propostas de Reforma Psiquiátrica no mundo

• Marginalização do marxismo no campo?!

CARVALHO, Bruno P.; PIZA, Helen da C. T. A história da loucura numa


perspectiva marxista. Dialektiké, Natal, v. 1, 2016. p. 18-35.
Marx e a Loucura

• Análise ontológica do ser social ➔ loucura


• Loucura no MPC

• Análise totalizante e práxis revolucionária

• Produções – mesmo que parcas – sobre a loucura e/ou suas


determinações e formas de entendimento e abordagem no MPC
Caminho
a) Análise de produções marxianas acerca do sofrimento ou deste nas suas
formas mais aguçadas e alienantes, como a loucura (e o suicídio)
b) Submissão de tais postulados à sua teoria social, recuperando alguns de
seus trabalhos clássicos, situando a compreensão sobre a loucura nos
marcos de sua análise totalizante, materialista histórico-dialética, sobre o
ser social no MPC.

• Apresentação de elaborações de importantes autores no campo psi, cujas


formulações e práxis acerca da loucura se fundamentaram em Marx e no
materialismo histórico-dialético, até mesmo como forma de reiterar a
pertinência e atualidade do marxismo na saúde mental
Aula 1: Loucura
como expressão ou
desdobramento da
“questão social”
MPC e Loucura
“Não há, talvez, fato mais bem estabelecido na sociedade britânica do
que o correspondente crescimento da riqueza moderna e do
pauperismo. Curiosamente, a mesma lei parece valer com respeito à
loucura. O aumento da loucura na Grã-Bretanha acompanhou o
aumento das exportações e ultrapassou o aumento da população. Seu
rápido progresso na Inglaterra e no País de Gales durante o período
que se estende de 1852 a 1857, um período de prosperidade comercial
sem precedentes, ficará evidente a partir da seguinte comparação
tabular dos números anuais de indigentes [paupers] e loucos nos anos
de 1852, 1854 e 1857” (Marx, 1858, s/p)
“Peuchet: vom Selbsmord”
(Peuchet: Sobre o suicídio),
publicado no Gesellschaftsspiegel,
Órgão de Representação das
Classes Populares Despossuídas e
de Análise da Situação Atual, em
janeiro de 1846
MPC e Suicídio
“O número atual de suicídios, aquele que entre nós é tido como uma
média normal e periódica, deve ser considerado um sintoma da
organização deficiente de nossa sociedade; pois, na época da
paralisação e das crises da indústria, em temporadas de encarecimento
dos meios de vida e invernos rigorosos, esse sintoma é sempre mais
evidente e assume um caráter epidêmico. Embora a miséria seja a
maior causa do suicídio, encontramo-lo em todas as classes, tanto
entre os ricos ociosos como entre os artistas e os políticos. A
diversidade das suas causas parece escapar à censura uniforme e
insensível dos moralistas” (MARX, 2006/1846, p. 24, grifos meus)
MPC e Suicídio
“Quando se veem a forma leviana com que as instituições, sob cujo
domínio a Europa vive, dispõem do sangue e da vida dos povos, a
forma como distribuem a justiça civilizada com um rico material de
prisões, de castigos e de instrumentos de suplício para a sanção de
seus desígnios incertos; quando se vê a quantidade incrível de classes
que, por todos os lados, são abandonadas na miséria, e os párias
sociais, que são golpeados com um desprezo brutal e preventivo, talvez
para dispensar-se do incômodo de ter que arrancá-los de sua sujeira;
quando se vê tudo isso, então não se entende com que direito se
poderia exigir do indivíduo que ele preserve em si mesmo uma
existência que é espezinhada por nossos hábitos mais corriqueiros,
nossos preconceitos, nossas leis e nossos costumes em geral” (MARX,
2006/1846, p. 26/27, grifos meus).
MPC e Suicídio

“Entre as causas do suicídio, contei muito frequentemente a


exoneração de funcionários, a recusa de trabalho, a súbita queda dos
salários, em consequência de que as famílias não obtinham os meios
necessários para viver, tanto mais que a maioria delas ganha apenas
para comer” (MARX, 2006/1846, p. 48)
MPC e Suicídio
“A miséria só permite ao operário escolher entre deixar-se morrer
lentamente de fome, suicidar-se ou obter aquilo de que necessita onde
encontrar – em outras palavras, roubar. Não espanta o fato de a
maioria preferir o furto ao suicídio ou à morte por fome. Sem dúvida,
há entre os operários muitos indivíduos suficientemente moralistas
para, mesmo na extrema privação, não roubar; esses morrem de fome
ou se suicidam. O suicídio, que no passado foi um invejável privilégio
das classes altas, está atualmente na moda na Inglaterra até entre os
proletários e muitos pobres diabos se matam na única alternativa que
lhes resta para escapar à miséria” (ENGELS, 2010/1845, p. 154).
MPC e Criminalidade
“Ao comparar as três tabelas populacionais, de criminalidade e acerca
do pauperismo (pauperism), encontraremos: durante o período de
1844 a 1854 a criminalidade cresceu em nível mais acelerado do que a
população, enquanto a pobreza (pauperism) permaneceu praticamente
inalterada entre 1849 e 1858, apesar das enormes mudanças operadas
neste intervalo no estado da sociedade britânica
[...] Deve haver algo de podre na essência mesma de um sistema social
que eleva sua riqueza sem diminuir sua miséria, e eleva sua
criminalidade ainda mais rapidamente” (MARX, 2015/1859, p. 120)
Sofrimento da Classe Trabalhadora

“O capital não tem, por isso, a mínima consideração pela saúde e pela
duração da vida do trabalhador, a menos que seja forçado pela
sociedade a ter essa consideração. Às queixas sobre a degradação física
e mental, a morte prematura, a tortura do sobretrabalho, ele responde:
deveria esse martírio nos martirizar, ele que aumenta nosso gozo (o
lucro)?” (MARX, 2013/1867, p. 342)
Determinação Social da Loucura
• Apesar das peculiaridades entre pauperismo, sofrimento, loucura e
suicídio e criminalidade, todos se produzem dialeticamente na
totalidade social, a manifestando, realizando-a, a produzindo.

• Devem ser entendidos nesse todo (em movimento, dinâmico,


contraditório), numa análise totalizante (dinâmica e estrutural), cujo
caráter de totalidade diz respeito à apreensão das múltiplas
determinações e mediações que fazem do todo realidade concreta;
Determinação Social da Loucura
• Singularidades das manifestações de tais “fenômenos” nos/pelos
indivíduos (p. ex. como cada um de nós sofre de maneira única e
singular, por sermos seres singulares), mediadas pelas
particularidades sociais na materialização da totalidade

• Caráter ou determinação social da loucura (da pobreza, do


sofrimento, da criminalidade, do suicídio etc.)

• Expressão concreta de como seres concretos se produzem na


realidade concreta, a saber: o MPC
Determinação Social da Loucura
• “está na natureza de nossa sociedade gerar muitos suicídios” (p. 25) e
loucura, sofrimento...

• “quanto mais nossa época de comércio progride, mais raros se


tornam esses nobres suicídios da miséria, que cedem lugar à
hostilidade consciente, ao passo que ao miserável são brutalmente
impostas as oportunidades do roubo e do assassinato” (p. 44)

• Correção: aumento nos índices de loucura mesmo no “período


que se estende de 1852 a 1857, um período de prosperidade
comercial sem precedentes” (MARX, 1858a, s/p, tradução nossa).
Lei geral de acumulação capitalista
“Quanto maiores forem a riqueza social, o capital em funcionamento, o
volume e o vigor de seu crescimento e, portanto, também a grandeza
absoluta do proletariado e a força produtiva de seu trabalho, tanto
maior será o exército industrial de reserva [...] A grandeza proporcional
do exército industrial de reserva acompanha, pois, o aumento das
potências da riqueza. Mas quanto maior for esse exército de reserva em
relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto maior será a massa da
superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do
martírio de seu trabalho. Por fim, quanto maior forem as camadas
lazarentas da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva,
tanto maior será o pauperismo oficial” (MARX, 2013/1867, p. 875)
Loucura e QS
• Loucura não como um fenômeno em si, abstrato ou questão
individual, privada e (intra)psíquica, por mais que se expresse
individual e psiquicamente - e possua uma dimensão orgânica

• Loucura, assim como a pobreza, a criminalidade, o sofrimento o


suicídio etc. como expressões ou desdobramentos da “questão social”

• Löwy (2006, p. 16), o “contexto social que explica o desespero e o


suicídio”
QS
QS
• Surgimento: terceira década do século XIX

• Fenômeno de pauperização acentuada ocorrido na Europa;


• Não “a pobreza naturalmente existente, mas a pobreza produzida
artificialmente (MARX, 2010/1844a, p. 156)

• Crescimento na produção de bens com concentração da distribuição


da riqueza socialmente produzida

• Aumento do empobrecimento e declínio das condições de vida da


população
QS
• Não é um conceito unívoco, sendo compreendido por meio de
diferentes escolas teóricas e com variadas implicações políticas

• Conjunto das expressões que definem as desigualdades da sociedade,


originadas na contradição capital-trabalho, isto é, na “sociabilidade
erguida sob o comando do capital”

• Manifestação da contradição existente entre o proletariado e a


burguesia no cotidiano da vida social
QS

Desenvolvimento capitalista produz, de forma compulsória, a “questão


social”

QS é constitutiva das relações capitalistas

Eliminação da QS => supressão da ordem do capital e do Estado


burguês
QS

Desenvolvimento capitalista produz, de forma compulsória, a “questão


social”
QS se materializa
nas/pelas particularidades
das formações sociais,
QS é constitutiva das relações capitalistas
contextos, estruturas
sociais e singularidades
dos indivíduos

Eliminação da QS => supressão da ordem do capital e do Estado


burguês
QS
Manifestações da QS
• Desigualdade social
• Desemprego estrutural (exército industrial de reserva,
superpopulação relativa)
• Fome
• Violência e criminalidade
• “Questões” (pensadas como manifestações individuais, físicas e/ou
psicológicas): saúde, saúde mental etc.
• ...
Loucura e QS
• Numa sociabilidade antagônica, em que, por meio da contradição
capital-trabalho, a produção da riqueza é socializada e sua
apropriação é privada e concentrada, a tendência é que com o
crescimento da produção e acumulação de riqueza, tenhamos maior
produção e acumulação de miséria (objetiva e subjetiva), do
sofrimento, da loucura...

• Piores condições objetivas de vida que, ao serem subjetivadas, se


expressam na forma de precarização subjetiva, numa relação dialética
Obrigado!

phantunes.costa@gmail.com

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