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Resumo:
O seguinte trabalho explora um questionamento no interior da filosofia da
ciência de Thomas S. Kuhn que diz respeito a entender como, na ausência de um
conjunto de regras de decisão algorítmicas em momentos de escolha teórica, a ciência
tem sido tão bem sucedida em eleger paradigmas eficientes na previsão e controle da
natureza. As premissas para o entendimento da questão serão dadas quando
entendermos como a necessidade de escolha é condicionada pela incomensurabilidade
entre teorias, consequência inevitável do modelo historiográfico proposto por Kuhn, e
também como os critérios de escolha normalmente aceitos são demasiado carentes de
interpretação subjetiva para, por si sós, ditarem a decisão de forma unívoca. Kuhn
propõe uma interpretação que dá conta de explicar não só o sucesso decorrente dessa
aparente deficiência na metodologia científica, mas também de sugerir que esse sucesso
decorre exatamente dos fatores que ele visa explicar. Assim, conclui que a variabilidade
de interpretações sobre os critérios de escolha teórica desempenha um papel essencial
quando se trata da escolha de teorias, e que, portanto, as diferenças individuais de cada
cientista têm vital importância para o avanço científico, sem o qual este estaria sujeito à
estagnação.
Contudo, embora Kuhn tenha dado ênfase ao fato de que uma competição
entre incomensuráveis não pode ter como juiz um conjunto metodológico neutro e
completo, ele não acredita que esse conjunto deva, ou de fato seja, substituído pela livre
vontade dos cientistas envolvidos, ou que estes se baseiem em regras arbitrárias para dar
cabo da escolha. “Citar a persuasão como recurso do cientista não é sugerir que não haja
muitas boas razões para escolher uma teoria em lugar de outra.” (KUHN, 2003:194)
Com efeito, ele defende uma série de critérios que servem de padrões para a
escolha entre teorias diferentes, embora ele rejeite a palavra ‘padrão’, por razões que
veremos a seguir. Esses critérios são, ao mesmo tempo, apontados como indicadores de
uma boa teoria científica, isto é, características que toda teoria deve deter para ser
considerada como tal. São eles; a exatidão, a consistência, o alcance, a simplicidade e
por fim a fecundidade.
Segundo Kuhn, ao adotar essas características como critérios de escolha, os
cientistas encontram dois tipos de dificuldades. Isoladamente os critérios são ambíguos,
isto é, passíveis de interpretação diversa em suas aplicações reais, e quando utilizados
em conjunto frequentemente apontam para direções diferentes, isto é, enquanto a
exatidão, por exemplo, pode ditar a escolha de uma teoria, a fecundidade ou a
simplicidade pode eleger sua concorrente. Da mesma forma, a ausência de uma
hierarquia padronizada que seja comum a ambas as teorias limita a utilidade desta
simples lista como ferramenta para a escolha.
A natureza pouco precisa e a ausência de uma escala hierárquica capaz de
priorizar certos critérios em determinadas situações evidencia porque e como as regras
de escolha teórica são inevitavelmente carentes de interpretação individual por parte de
cada cientista envolvido no processo, o que, segundo Kuhn, longe de priorizar a
subjetividade sobre a objetividade, aponta a inevitabilidade da primeira mediante os
limites da segunda.
A proposta do autor é que, portanto, essas características não devem ser
vistas como regras, mas antes como valores, sempre visados no momento da decisão,
mas por si só incapazes de orientar toda a escolha. “O que estou negando, portanto, não
é a existência de boas razões nem que essas razões sejam do tipo usualmente descrito.
Insisto, contudo, em que tais razões constituem valores a serem usados nas escolhas, em
vez de regras de escolha.” (KUHN, 2003:195)
Retornando ao modelo que Kuhn definiu para explicar o desenvolvimento da
ciência, podemos perceber de que forma a tomada de valores de referência, ao invés de
regras algorítmicas, não só explica como os cientistas dão cabo das escolhas entre
teorias, mas também como essa interpretação parece ser essencial para entendermos o
progresso da ciência baseada em escolhas desse tipo.
Com efeito, um candidato a paradigma sempre emerge mediante uma crise
que revela as fragilidades do paradigma tradicional. No entanto, é sempre necessário
que este novo candidato apresente razões suficientes para sequer ser levado em conta
pelos cientistas envolvidos, do contrário, nunca conseguirá partidários suficientes para
que seja trabalhado a ponto de desenvolver argumentos convincentes aos olhos dos
defensores de teorias diferentes.
Kuhn cita que, nesse momento, é normal vermos cientistas, descrentes do
paradigma tradicional, abraçarem o novo tipo de pesquisa trazido pela nova teoria
apenas por confiança na sua capacidade. Logo, ele quer significar que os cientistas
enxergam o potencial da nova teoria, não por que ela confrontou de forma bem sucedida
o paradigma tradicional, mas por que sugeriu um novo meio de praticar ciência que,
para quem nela se envolve, é tão ou mais promissor quanto foi a teoria agora em crise.
Também é digno de nota o fato de que, na maioria das vezes, essas teorias se mostram
erradas, e os cientistas que as escolheram, enganados.
Mas os critérios que levam cientistas individuais a decisões diversas
dependem de que forma eles interpretam ou que peso eles dão aos pontos fortes da
teoria proposta. Variando os cientistas, variam, portanto, as escolhas. E somente graças
a essas escolhas individuais, que tornam possíveis os trabalhos de articulação e
aperfeiçoamento no interior das teorias candidatas, é que uma delas pode produzir
argumentos suficientemente bons para convencer a grande maioria dos outros cientistas.
Logo, a diversidade de opiniões quanto a forma e a relevância com que as regras de
escolha devem ser usadas nos momentos da decisão teórica torna possível o estudo e
aperfeiçoamento de teorias que, sem esse “voto de confiança”, seriam deixadas no
esquecimento, levando consigo a capacidade em potencial de resolver a crise e vir a se
tornar um novo paradigma.