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Resumo: As tendências contemporâneas de ensino de línguas vêm sendo discutidas por alguns autores na
Linguística Aplicada no Brasil (MEURER, 2003; MOITA-LOPES, 2006; MACHADO; CRISTOVÃO, 2006;
MOTTA-ROTH, 2008; ROJO, 2008; 2009). O objetivo deste trabalho é analisar e discutir de que maneira essas
tendências contemporâneas de ensino de línguas são recontextualizadas em documentos oficiais de educação em
contexto nacional – Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1998; 2000) e Orientações
Curriculares Nacionais (OCNs) (BRASIL, 2006) –, bem como, regional – Lições do Rio Grande (LRG) (RIO
GRANDE DO SUL, 2009) – em relação à área de Linguagens, códigos e suas tecnologias, focando no ensino de
inglês como língua estrangeira. O aporte teórico-metodológico usado neste trabalho é a Análise Crítica de
Gêneros (MEURER, 2002; MOTTA-ROTH, 2005; 2008). Nos PCNs, conceitos centrais relacionados às
tendências contemporâneas, como linguagem, gênero discursivo e prática social, estão implicitamente presentes
no texto, de modo a salientar a proposta do ensino de línguas enquanto uma formação para a cidadania. Nas
OCNs e nas LRG, o uso recorrente desses conceitos indica explicitamente que as tendências contemporâneas
subjazem aos documentos. A pouca recorrência dessas palavras nos PCNs parece indicar que ao recontextualizar
as tendências contemporâneas, em um primeiro momento, o foco estaria na aplicabilidade pedagógica e na
organização curricular a partir destas. Enquanto nas OCNs e nas LRG, além do foco da aplicabilidade
pedagógica, há uma preocupação em refletir sobre as teorias que embasam a aplicabilidade e a organização
curricular.
Palavras-chave: análise crítica de gênero; documentos oficiais em educação linguística; ensino de inglês como
língua estrangeira
Contextualização
Desde a implementação da Lei de Diretrizes e Bases Nacionais da Educação (LDB)
(BRASIL, 1996), o contexto educacional brasileiro tem sofrido diversas mudanças. No que
condiz à área de língua estrangeira, o ensino desta tornou-se obrigatório a partir da 5ª série do
Ensino Fundamental (EF) com a LDB. Entretanto, a desvalorização da área ainda é
preocupante relacionada às poucas horas semanais designadas para as línguas estrangeiras se
comparado a outras áreas e à escassez de professores, como demonstram pesquisas do
Conselho Nacional de Educação (CNE) (BRASIL, 2007).
Devido à turbulência relacionada à educação no Brasil, o Ministério da Educação
(MEC) desenvolveu documentos oficiais, chamadas aqui de “Diretrizes Curriculares” (DC),
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1998; 2000), as Orientações
Curriculares Nacionais (OCNs) (BRASIL, 2006), para todas as áreas de conhecimento, a fim
de suplementar a LDB. Já no contexto regional, a Secretaria de Educação do Estado do RS
O presente trabalho faz parte do Projeto de Produtividade em Pesquisa CNPq (nº 301793/2010-7), intitulado
Análise crítica de gêneros discursivos em práticas sociais de popularização da ciência, desenvolvido no
Laboratório de Pesquisa e Ensino de Leitura e Redação/UFSM, sob orientação da Profa. Dr. Désirée Motta Roth.
Autora, graduanda em Letras-Inglês/UFSM, bolsista PIBIC/CNPq, processo n. 149509/2012-0. E-mail:
betynaletras@yahoo.com.br
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Fins Específicos (ISF) (SWALES, 1990) são as características formais de gêneros como a
descrição de padrões globais de organização e os recursos gramaticais em gêneros (HYON,
1996, p. 695).
A outra tendência, a Linguística Sistêmico Funcional (LSF) (HALLIDAY, 2004),
está atenta com a relação entre linguagem e suas funções em contextos sociais (HYON, 1996,
p. 697). Na LSF, a linguagem é considerada como um sistema que cria e expressa significado
(HALLIDAY, 2004, p. 19), por isso a preocupação entre a léxico-gramática e o uso em
práticas sociais situadas.
A perspectiva sociocultural de Vygosky é base para a tendência do Interacionismo
Sociodiscursivo (ISD) (MACHADO; CRISTÓVÃO, 2006). O ISD (MACHADO;
CRISTÓVÃO, 2006, p. 549) assume alguns princípios básicos: a) todos os processos de
desenvolvimento humano se efetivariam com base nos pré-construídos humanos; b) o
desenvolvimento humano se efetuaria no quadro do agir; c) os processos da construção social
e os processos de formação dos sujeitos são vertentes indissociáveis e complementares e, d) a
linguagem organiza e regula o agir e as interações humanas.
Assim, o objetivo deste trabalho é analisar o modo como estes debates
contemporâneos sobre ensino de línguas são recontextualizados nas DC de educação
linguística no Brasil e no Rio Grande do Sul. Na próxima seção, a metodologia será
explicada.
1. Metodologia
Neste trabalho foram analisadas DC de educação linguística tanto no contexto
nacional (os PCNs e as OCNs) quanto no contexto regional (LRG). A análise dessas DC foi
focada na seção Linguagens, Códigos e suas Tecnologias onde se encontram as discussões
para o ensino de língua estrangeira. A análise incluiu a) análise contextual e; b) análise
textual. A análise contextual considerou o contexto de produção, distribuição e consumo
destes textos (objetivos e público-alvo) a partir das seções “Apresentação” ou “Carta ao
Professor” de cada DC. A análise textual foi feita a partir de a) identificação dos conceitos
centrais das tendências contemporâneas na literatura prévia; b) identificação dos conceitos nas
DC e a relação com a literatura corrente.
Na próxima seção, serão apresentados os resultados da análise.
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2. Resultados e Discussão
A partir da identificação dos conceitos centrais das tendências contemporâneas na
literatura prévia (discutida na Contextualização), o foco deste trabalho recaiu em três
conceitos: linguagem, gênero discursivo e léxico-gramática.
A seção dos Resultados está organizada em quatro subseções a partir das análises
contextuais e textuais: 1) Objetivos e público-alvo; 2) Linguagem; 3) Gênero discursivo e; 4)
Léxico-gramática.
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Todos os excertos apresentados aqui foram retirados das DC analisadas neste trabalho e com ênfase (negrito)
nossa.
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2.2 Linguagem
A linguagem, a partir da literatura prévia, é a reguladora e a organizadora do agir e
das interações humanas (MACHADO; CRISTÓVÃO, 2006, p. 549), ou ainda, é um sistema
que cria e expressa significado em situações sociais específicas (HALLIDAY, 2004, p. 20).
Nas DC, o conceito de linguagem foi encontrado recontextualizado de três modos: a)
capacidade humana de articular significados; b) evento interacional e; c) prática social.
Linguagem como a capacidade humana de articular significados pode ser visualizada
no Exemplo 1.
Exemplo 1
A linguagem é considerada aqui como a capacidade humana de articular
significados coletivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de
representação, que variam de acordo com as necessidades e experiências da
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Exemplo 5
A organização dos gêneros, formatos e recursos procura reproduzir as dimensões da
vida no mundo moderno, o tempo, o espaço, o movimento: o mundo plural hoje
vivido (BRASIL, 2000, p. 12).
A marca lingüística As dimensões da vida no mundo moderno, o tempo, o espaço, o
movimento está relacionado ao conceito de gênero como tipos de textos diferentes conforme o
Exemplo 6, explicando o que seriam estes tipos de textos como materializações das
dimensões que o aluno vivencia ou vivenciará, consequentemente, o aluno poderá se mover
no mundo moderno ao conhecer o funcionamento dos gêneros.
Essas relações propostas pelos Exemplos 4 e 5 entre tipos de textos com a atuação do
aluno em sociedade parecem recontextualizar o conceitos de gênero da tendência de IFE
proposto por Swales (1990) como tipos de textos orais e escritos e também o conceito
proposto por Bakhtin (1992, p. 279) como “tipos relativamente estáveis de enunciados”. Essa
recontextualização pode estar evidenciada no que condiz aos tipos de textos (enunciados)
como materializações de esferas das atividades humanas (BAKHTIN, 1992, p. 280), por
exemplo, a atividade humana de efetuar o pagamento de contas e uma materialização dessa
atividade é o gênero boleto bancário de conta de luz.
O Exemplo 6 apresenta gênero discursivo como prática social.
Exemplo 6
Ampliar a circulação do educando por diferentes gêneros do discurso significa,
portanto, criar oportunidades, em sala de aula, para o uso da língua adicional e da
língua portuguesa de modo contextualizado e para a reflexão sobre como pode se dar
(ou não) a inserção dos indivíduos em diferentes grupos e práticas sociais,
levando em conta os valores vigentes; significa compreender e ampliar o leque de
escolhas possíveis para enfrentar os desafios de novas práticas sociais e para
adaptar-se, quando desejado ou necessário, a diferentes usos da linguagem.
(RIO GRANDE DO SUL, 2009, p. 138).
Não encontramos uma conceptualização do termo “gêneros do discurso”, no
Exemplo 6, mas o termo parece estar associado à marca linguística diferentes práticas sociais,
de modo a mostrar ao leitor que se o aluno aprender a participar dessas práticas, ele será capaz
de adaptar-se a diferentes usos da linguagem.
O termo práticas sociais referido ao gênero discursivo pode estar relacionado com
processos sociais estruturados e orientados por objetivos pelos quais sujeitos em uma dada
cultura vivem suas vidas (MARTIN et al, 1987 apud HYON, 1996, p. 697). Assim,
novamente, podemos recorrer ao ISD e considerar o fato da regulação e da organização do
agir e das interações humanas (MACHADO; CRISTÓVÃO, 2006).
Essa recontextualização proposta pelo Exemplo 6 parece complementar as discussões
propostas pelo Exemplo 3 de linguagem como prática social. Se nas DC pudemos encontrar
uma recontextualização de linguagem como prática social e gênero discursivo como prática
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social, então, podemos associar linguagem como gênero, assim como proposto nas discussões
de Motta-Roth (2008, p. 354-356). Linguagem como gênero é discutido recorrendo às teorias
de Swales (1990), Fairclough (1989; 1992) e Bakhtin (1992), então, provavelmente, as
recontextualizações propostas pelas DC em relação aos conceitos de linguagem e de gênero
discursivo parecem apontar para esta premissa: linguagem como gênero. Essa premissa
possibilita a articulação de ideias em relação ao uso de atividades sociais situadas em sala de
aula para o ensino de línguas estrangeiras como uma possibilidade de colaborar para a
formação de alunos críticos e reflexivos como proposto pelas DC.
2.4 Léxico-gramática
Halliday (2004, p. 31) define gramática como um recurso linguístico para fazer
sentido e uma rede de escolhas semânticas inter-relacionadas. Para Swales (1990), os recursos
gramaticais são características formais presentes nos gêneros discursivos.
Nas DC, a léxico-gramática foi encontrada recontextualizada de duas maneiras: a)
regras a favor da linguagem em uso; b) estratégia para compreensão/interpretação/produção
de textos.
O Exemplo 7 ilustra a léxico-gramática como regras a favor da linguagem em uso.
Exemplo 7
Como sistema, as regras “gramaticais” estarão sempre presentes em qualquer
uso da linguagem, porém não necessariamente acompanhadas pelo conceito de
gramática como sistema abstrato e código fixo e descontextualizado. Em vez de
partir de uma regra gramatical, pode-se partir, como muitos já fazem, de um trecho
de linguagem num contexto de uso. Para práticas novas de linguagem, como as que
ocorrem na comunicação mediada pelo computador, o educador idealmente tem de
fazer uma análise própria das regras que estruturam a linguagem nesse contexto
novo. (BRASIL, 2006, p. 110).
Percebe-se que as regras gramaticas tendem a estarem presentes no uso da linguagem
se pensarmos em sistema, porém, o excerto apresenta uma desmitificação do conceito de
gramática como sistema abstrato e sim como regras que estruturam a linguagem em contextos
específicos. No Exemplo 7, podemos relacionar a recontextualização de léxico-gramática
como regras gramaticais a serviço da língua em uso, ou seja, a serviço do gênero discursivo
como proposto por Swales (1990).
Os Exemplos 8 e 9 apresentam a léxico-gramática como estratégia para compreensão
e produção de textos.
Exemplo 8
O estudo da gramática passa a ser uma estratégia para
compreensão/interpretação/produção de textos [...] a interação é o que faz com
que a linguagem seja comunicativa [...] afinal, para poder comunicar-se numa língua
não basta, unicamente, ser capaz de compreender e de produzir enunciados
gramaticalmente corretos. É preciso, também, conhecer e empregar as formas de
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3. Considerações finais
Em geral, as tendências contemporâneas de ensino de línguas são recontextualizadas
nas DC, entretanto, para que haja uma melhor compreensão acerca dos conceitos centrais, há
necessidade de discussão e reflexão para que a associação entre teoria e a prática nas salas de
aula de línguas estrangeiras seja mais evidente.
Percebe-se que os PCNs, por terem sido as primeiras DC a serem desenvolvidas, têm
um caráter mais didático, por isso, encontramos menos termos referenciais das tendências
contemporâneas neles, enquanto, nas OCNs e nas LRG, tendo como objetivo, além da
aplicabilidade pedagógica, o aprofundamento teórico, termos da ciência da linguagem, como
gêneros do discurso e prática social, e referências bibliográficas à literatura são mais
recorrentes.
Embora as DC, em sua maioria, sejam desenvolvidas com o objetivo esclarecer o
professor sobre a relação entre teoria e prática, é papel das escolas, viabilizar espaços para que
os professores leiam, discutam e construam alternativas para o sucesso entre o pensar e o
fazer.
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