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ANÁLISE CRÍTICA DO GÊNERO DOCUMENTO OFICIAL DE EDUCAÇÃO


LINGUÍSTICA

Betyna Faccin PREISCHARDT

Resumo: As tendências contemporâneas de ensino de línguas vêm sendo discutidas por alguns autores na
Linguística Aplicada no Brasil (MEURER, 2003; MOITA-LOPES, 2006; MACHADO; CRISTOVÃO, 2006;
MOTTA-ROTH, 2008; ROJO, 2008; 2009). O objetivo deste trabalho é analisar e discutir de que maneira essas
tendências contemporâneas de ensino de línguas são recontextualizadas em documentos oficiais de educação em
contexto nacional – Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1998; 2000) e Orientações
Curriculares Nacionais (OCNs) (BRASIL, 2006) –, bem como, regional – Lições do Rio Grande (LRG) (RIO
GRANDE DO SUL, 2009) – em relação à área de Linguagens, códigos e suas tecnologias, focando no ensino de
inglês como língua estrangeira. O aporte teórico-metodológico usado neste trabalho é a Análise Crítica de
Gêneros (MEURER, 2002; MOTTA-ROTH, 2005; 2008). Nos PCNs, conceitos centrais relacionados às
tendências contemporâneas, como linguagem, gênero discursivo e prática social, estão implicitamente presentes
no texto, de modo a salientar a proposta do ensino de línguas enquanto uma formação para a cidadania. Nas
OCNs e nas LRG, o uso recorrente desses conceitos indica explicitamente que as tendências contemporâneas
subjazem aos documentos. A pouca recorrência dessas palavras nos PCNs parece indicar que ao recontextualizar
as tendências contemporâneas, em um primeiro momento, o foco estaria na aplicabilidade pedagógica e na
organização curricular a partir destas. Enquanto nas OCNs e nas LRG, além do foco da aplicabilidade
pedagógica, há uma preocupação em refletir sobre as teorias que embasam a aplicabilidade e a organização
curricular.

Palavras-chave: análise crítica de gênero; documentos oficiais em educação linguística; ensino de inglês como
língua estrangeira

Contextualização
Desde a implementação da Lei de Diretrizes e Bases Nacionais da Educação (LDB)
(BRASIL, 1996), o contexto educacional brasileiro tem sofrido diversas mudanças. No que
condiz à área de língua estrangeira, o ensino desta tornou-se obrigatório a partir da 5ª série do
Ensino Fundamental (EF) com a LDB. Entretanto, a desvalorização da área ainda é
preocupante relacionada às poucas horas semanais designadas para as línguas estrangeiras se
comparado a outras áreas e à escassez de professores, como demonstram pesquisas do
Conselho Nacional de Educação (CNE) (BRASIL, 2007).
Devido à turbulência relacionada à educação no Brasil, o Ministério da Educação
(MEC) desenvolveu documentos oficiais, chamadas aqui de “Diretrizes Curriculares” (DC),
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1998; 2000), as Orientações
Curriculares Nacionais (OCNs) (BRASIL, 2006), para todas as áreas de conhecimento, a fim
de suplementar a LDB. Já no contexto regional, a Secretaria de Educação do Estado do RS


O presente trabalho faz parte do Projeto de Produtividade em Pesquisa CNPq (nº 301793/2010-7), intitulado
Análise crítica de gêneros discursivos em práticas sociais de popularização da ciência, desenvolvido no
Laboratório de Pesquisa e Ensino de Leitura e Redação/UFSM, sob orientação da Profa. Dr. Désirée Motta Roth.
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Autora, graduanda em Letras-Inglês/UFSM, bolsista PIBIC/CNPq, processo n. 149509/2012-0. E-mail:
betynaletras@yahoo.com.br
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(SEDUC) organizou os Referenciais Curriculares – Lições do Rio Grande (LRG) (RIO


GRANDE DO SUL, 2009) a fim de suplementar as DC do contexto nacional.
O foco de nosso estudo recai sobre estas DC que parametrizam a educação
(linguística, biológica, musical, etc...). Assim como o Livro Didático (LD) e as reportagens
didáticas publicadas na mídia educacional, como a revista Nova Escola, as DC integram um
sistema de gêneros discursivos de popularização da ciência (PC) na esfera educacional. As
DC recontextualizam o discurso da ciência (linguística, biológica, musical, etc.) produzido em
centros de pesquisa, deslocando os discursos de um contexto primário de produção da ciência
para um contexto secundário de reprodução e adaptação desse discurso para uma audiência
não especializada no contexto escolar (BERNSTEIN, 1996 apud MOTTA-ROTH, 2009, p.
181). A recontextualização é a acomodação de elementos discursivos de uma prática social
em outra, colocando a primeira dentro do contexto da outra, e transformando-a em formas
particulares do processo (FAIRCLOUGH, 1995, p. 41). Assim, o gênero DC pode ser
considerado um gênero de PC por recontextualizar os discursos científicos provenientes de
pesquisas acadêmicas (contexto primário) para as escolas (contexto secundário).
Para estudarmos o modo como os gêneros discursivos atuam na vida em sociedade,
tomamos por referência o quadro teórico da Análise Crítica de Gênero (ACG) (MEURER,
2002; MOTTA-ROTH, 2008): uma perspectiva teórico-metodológica desenvolvida na linha
dos estudos sócio-histórico-culturais do discurso como os da Sociorretórica (SWALES, 1990;
BAZERMAN, 2005) e da Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 1989; 1992). Nessa
visada, o conceito de gênero discursivo se expande para além do léxico e da gramática, para
abranger o contexto social, o discurso e a ideologia (MOTTA-ROTH, 2008, p. 351) e amplia
a análise dos gêneros para considerar as condições de produção, distribuição e consumo do
texto a fim de interpretar a prática social da qual o texto faz parte (MOTTA-ROTH, 2008, p.
362). A ACG contribui para a análise das DC por se preocupar com as práticas sociais
situadas no espaço e no tempo, levando em consideração o contexto e a cultura em que o
gênero discursivo DC faz parte.
A partir da ACG, interessa-nos identificar conceitos centrais comuns as tendências
de estudo da língua em uso: Inglês para Fins Específicos (SWALES, 1990); Linguística
Sistêmico Funcional (HALLIDAY, 2004) e; Interacionismo Sociodiscursivo (MACHADO;
CRISTÓVÃO, 2006), que possivelmente sejam recontextualizadas pelas DC.
O conceito de gênero é definido por Swales (1990, p. 58) como um evento
comunicativo que se caracteriza tanto pelos seus propósitos comunicativos e por vários
padrões de estrutura, estilo, conteúdo e público-alvo. Assim, o foco da tendência Inglês para
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Fins Específicos (ISF) (SWALES, 1990) são as características formais de gêneros como a
descrição de padrões globais de organização e os recursos gramaticais em gêneros (HYON,
1996, p. 695).
A outra tendência, a Linguística Sistêmico Funcional (LSF) (HALLIDAY, 2004),
está atenta com a relação entre linguagem e suas funções em contextos sociais (HYON, 1996,
p. 697). Na LSF, a linguagem é considerada como um sistema que cria e expressa significado
(HALLIDAY, 2004, p. 19), por isso a preocupação entre a léxico-gramática e o uso em
práticas sociais situadas.
A perspectiva sociocultural de Vygosky é base para a tendência do Interacionismo
Sociodiscursivo (ISD) (MACHADO; CRISTÓVÃO, 2006). O ISD (MACHADO;
CRISTÓVÃO, 2006, p. 549) assume alguns princípios básicos: a) todos os processos de
desenvolvimento humano se efetivariam com base nos pré-construídos humanos; b) o
desenvolvimento humano se efetuaria no quadro do agir; c) os processos da construção social
e os processos de formação dos sujeitos são vertentes indissociáveis e complementares e, d) a
linguagem organiza e regula o agir e as interações humanas.
Assim, o objetivo deste trabalho é analisar o modo como estes debates
contemporâneos sobre ensino de línguas são recontextualizados nas DC de educação
linguística no Brasil e no Rio Grande do Sul. Na próxima seção, a metodologia será
explicada.

1. Metodologia
Neste trabalho foram analisadas DC de educação linguística tanto no contexto
nacional (os PCNs e as OCNs) quanto no contexto regional (LRG). A análise dessas DC foi
focada na seção Linguagens, Códigos e suas Tecnologias onde se encontram as discussões
para o ensino de língua estrangeira. A análise incluiu a) análise contextual e; b) análise
textual. A análise contextual considerou o contexto de produção, distribuição e consumo
destes textos (objetivos e público-alvo) a partir das seções “Apresentação” ou “Carta ao
Professor” de cada DC. A análise textual foi feita a partir de a) identificação dos conceitos
centrais das tendências contemporâneas na literatura prévia; b) identificação dos conceitos nas
DC e a relação com a literatura corrente.
Na próxima seção, serão apresentados os resultados da análise.
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2. Resultados e Discussão
A partir da identificação dos conceitos centrais das tendências contemporâneas na
literatura prévia (discutida na Contextualização), o foco deste trabalho recaiu em três
conceitos: linguagem, gênero discursivo e léxico-gramática.
A seção dos Resultados está organizada em quatro subseções a partir das análises
contextuais e textuais: 1) Objetivos e público-alvo; 2) Linguagem; 3) Gênero discursivo e; 4)
Léxico-gramática.

2.1 Objetivos e público-alvo


Os PCNs-EF-Língua Estrangeira (BRASIL, 1998, p. 5) foram desenvolvidos
com a intenção de ampliar e aprofundar um debate educacional que envolva
escolas, pais, governos e sociedade e dê origem a uma transformação positiva no
sistema educativo brasileiro2.
O objetivo dos PCNs-EF é evidente em ampliar e aprofundar um debate educacional
e o público-alvo (escolas, pais, governos e sociedade) também, na tentativa de envolver a
todos nos debates educacionais como maneira de transformar o sistema educacional
brasileiro.
Nesse sentido, percebe-se que o foco está na discussão entre teoria e prática com
ênfase na aplicabilidade pedagógica ensejando uma mudança no sistema educacional. É
importante ressaltar também o envolvimento da sociedade como responsável pelo sistema
educacional e não apenas internamente nas escolas.
Os PCNs-EM-Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (BRASIL, 2000, p. 4)
[têm] como referência criar uma escola média com identidade, que atenda às
expectativas de formação escolar dos alunos para o mundo contemporâneo. [...] o
objetivo principal do texto é a escola, pois só lá o encontro entre o pensar e o fazer
poderá delimitar o sucesso ou não deste trabalho.
A marca linguística expectativas de formação escolar dos alunos para o mundo
contemporâneo relaciona o ensino e a aprendizagem de línguas estrangeiras à língua em uso
de acordo com as necessidades que os alunos possam enfrentar no mundo. Dessa maneira,
assim como nos PCNs-EF, o foco da discussão está na aplicabilidade pedagógica, ou seja, na
prática em sala de aula para que o aluno seja capaz de atuar na sociedade que tanto o desafia.
Entretanto, a marca o objetivo principal do texto é a escola delimita o público-alvo dessas DC
como sendo apenas os agentes de dentro da escola, circunscrevendo a discussão educacional
dentro dos muros da escola, diferentemente dos PCNs-EF.

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Todos os excertos apresentados aqui foram retirados das DC analisadas neste trabalho e com ênfase (negrito)
nossa.
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As OCN-EM-Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (BRASIL, 2006, p. 5)


apresenta como objetivo
O objetivo deste material é contribuir para o diálogo entre professor e escola
sobre a prática docente.
Para que haja contribuição no diálogo entre professor e escola, o documento se
propõe a ser um instrumento de apoio à reflexão do professor a ser utilizado em favor do
aprendizado. Então, o público-alvo desta DC também é delimitado para os agentes de dentro
da escola, particularmente docentes, para que se desenvolva uma discussão sobre a prática
docente. Percebe-se nesta DC uma preocupação maior com a discussão teórica sobre a
aplicabilidade pedagógica, na tentativa de se refletir sobre o que se faz em sala de aula, além
de se refletir o que fazer, diferentemente dos PCNs-EF e EM.
Os LRG-Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (RIO GRANDE DO SUL, 2009,
p. 19)
têm como princípio demarcar não só o que o professor vai ensinar, mas também
o que ele precisa saber para desincumbir-se a contento da implementação do
currículo e, se não sabe, como vai aprender.
O objetivo das LRG de demarcar o que o professor vai ensinar e o que ele precisa
saber para essa finalidade também delimita o público-alvo do texto como sendo
exclusivamente o professor para que seja capaz de realizar as conexões entre teoria (o que
precisa saber) e prática (o que vai ensinar). Assim como nas LRG, observa-se uma atenção
para as discussões teóricas que subjazem à prática docente, a fim de que o professor seja
capaz de explicar e argumentar sobre a sua prática em sala de aula.
A análise contextual das DC colabora para a compreensão do processo de
recontextualização dos conceitos a serem discutidos nas próximas seções.

2.2 Linguagem
A linguagem, a partir da literatura prévia, é a reguladora e a organizadora do agir e
das interações humanas (MACHADO; CRISTÓVÃO, 2006, p. 549), ou ainda, é um sistema
que cria e expressa significado em situações sociais específicas (HALLIDAY, 2004, p. 20).
Nas DC, o conceito de linguagem foi encontrado recontextualizado de três modos: a)
capacidade humana de articular significados; b) evento interacional e; c) prática social.
Linguagem como a capacidade humana de articular significados pode ser visualizada
no Exemplo 1.
Exemplo 1
A linguagem é considerada aqui como a capacidade humana de articular
significados coletivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de
representação, que variam de acordo com as necessidades e experiências da
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vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção


de sentido. (BRASIL, 2000, p. 5).

A linguagem é recontextualizada neste excerto a partir da consideração de que o


homem é capaz de articular e compartilhar os significados de acordo com as práticas sociais
que ele vivencia a fim de que se produza sentido para que haja comunicação.
É na articulação e no compartilhamento de significados que eles podem ser criados e
expressados, assim, essa recontextualização pode estar relacionada com o conceito de
linguagem de Halliday (2004, p. 20), por considerar a linguagem este sistema que cria e
expressa sentidos. Além disso, no conceito de Halliday, esses sentidos são criados e
expressados em situações sociais específicas que corrobora com a informação do Exemplo 1
sobre onde esses sentidos são articulados e compartilhados (sistemas arbitrários de
representação, que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em
sociedade).
A recontextualização de linguagem como evento sociointeracional pode ser
visualizada no Exemplo 2.
Exemplo 2
O uso da linguagem é essencialmente determinado pela sua natureza
sociointeracional, pois quem a usa considera aquele a quem se dirige e quem
produziu um enunciado. Todo significado é dialógico, isto é, é construído pelos
participantes do discurso. Além disso, todo evento interacional é crucialmente
marcado pelo mundo social que o envolve: pela instituição, pela cultura e pela
história. Isso quer dizer que os eventos interacionais não ocorrem em um vácuo
social. (BRASIL, 1998, p. 27).
O termo natureza sociointeracional é usado para ilustrar que a linguagem é
construída pelos participantes do discurso e só existe se considera quem produziu e a quem se
dirige o enunciado. Além disso, linguagem como evento sociointeracional significa que é um
evento contextualizado porque envolve instituição, cultura e história e sujeitos
socioculturalmente situados.
Essa recontextualização pode estar relacionada com o ISD, no que condiz à ideia de
linguagem como reguladora e organizadora do agir e das interações humanas, nos quais são
reproduzidos e reelaborados os fatos sociais e psicológicos (MACHADO; CRISTÓVÃO,
2006, p. 549), pois o evento sociointeracional que é a linguagem a partir da interação
discursiva entre sujeitos é o que regula e organiza o agir.
No Exemplo 3, é ilustrada a recontextualização de linguagem como prática social.
Exemplo 3
[...] linguagem como um conjunto de práticas sociais, historicamente construídas e
dinâmicas, através das quais agimos no mundo, participando em interações com
os outros e construindo com eles o nosso fazer cotidiano. (RIO GRANDE DO
SUL, 2009, p. 147).
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Linguagem como um conjunto de práticas sociais explicita que a interação acontece


de maneira situada e que é a partir destas práticas sociais que as pessoas agem, interagem e
constroem significados no mundo. Essa recontextualização está associada com o Exemplo 2.
O evento sociointeracional pode ser compreendido como uma prática social, ou seja, a
organização e a regulamentação do agir e das interações humanas (MACHADO;
CRISTÓVÃO, 2006). Novamente, podemos nos referir ao ISD como base para essa
consideração.
O termo prática social é definido por Fairclough (1989, p. 22-23) como atividade
social situada que envolva interlocutores, que tenha objetivo comunicativo definido e registro
de língua adequado em um contexto específico. Assim, o Exemplo 3 demonstra que o uso da
linguagem acontece em atividades sociais situadas específicas (através das quais agimos no
mundo, participando em interações com os outros), neste sentido, referindo-se ao contexto de
Fairclough também.

2.3 Gênero discursivo


Na literatura corrente, gêneros discursivos podem ser entendidos como tipos de
textos orais e escritos definidos por suas propriedades formais, bem como por seus propósitos
comunicativos dentro de contextos sociais (SWALES, 1990), ou ainda, processos sociais
estruturados e orientados por objetivos pelos quais sujeitos em uma dada cultura vivem suas
vidas (MARTIN et al, 1987 apud HYON, 1996, p. 697).
Nas DC, gênero discursivo pode ser encontrado recontextualizado de duas maneiras:
a) tipos de textos e; b) prática social.
Os Exemplos 4 e 5 ilustram gênero discursivo como tipos de textos.
Exemplo 4
A utilização em sala de aula de tipos de textos diferentes, além de contribuir para o
aumento do conhecimento intertextual do aluno, pode mostrar claramente que os
textos são usados para propósitos diferentes na sociedade. (BRASIL, 1998, p.
45).
O conceito de gênero discursivo não se mostra explicitamente no Exemplo 4, mas
parece estar associado à expressão tipos de textos diferentes, relacionados aos diferentes
propósitos comunicativos e contextos específicos na sociedade, na tentativa de mostrar ao
aluno que ele atua em sociedade ao participar de gêneros discursivos específicos. Essa
associação entre o ensino de gêneros discursivos específicos em sala de aula e a atuação social
do aluno nesses gêneros fica mais evidente no Exemplo 5.
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Exemplo 5
A organização dos gêneros, formatos e recursos procura reproduzir as dimensões da
vida no mundo moderno, o tempo, o espaço, o movimento: o mundo plural hoje
vivido (BRASIL, 2000, p. 12).
A marca lingüística As dimensões da vida no mundo moderno, o tempo, o espaço, o
movimento está relacionado ao conceito de gênero como tipos de textos diferentes conforme o
Exemplo 6, explicando o que seriam estes tipos de textos como materializações das
dimensões que o aluno vivencia ou vivenciará, consequentemente, o aluno poderá se mover
no mundo moderno ao conhecer o funcionamento dos gêneros.
Essas relações propostas pelos Exemplos 4 e 5 entre tipos de textos com a atuação do
aluno em sociedade parecem recontextualizar o conceitos de gênero da tendência de IFE
proposto por Swales (1990) como tipos de textos orais e escritos e também o conceito
proposto por Bakhtin (1992, p. 279) como “tipos relativamente estáveis de enunciados”. Essa
recontextualização pode estar evidenciada no que condiz aos tipos de textos (enunciados)
como materializações de esferas das atividades humanas (BAKHTIN, 1992, p. 280), por
exemplo, a atividade humana de efetuar o pagamento de contas e uma materialização dessa
atividade é o gênero boleto bancário de conta de luz.
O Exemplo 6 apresenta gênero discursivo como prática social.
Exemplo 6
Ampliar a circulação do educando por diferentes gêneros do discurso significa,
portanto, criar oportunidades, em sala de aula, para o uso da língua adicional e da
língua portuguesa de modo contextualizado e para a reflexão sobre como pode se dar
(ou não) a inserção dos indivíduos em diferentes grupos e práticas sociais,
levando em conta os valores vigentes; significa compreender e ampliar o leque de
escolhas possíveis para enfrentar os desafios de novas práticas sociais e para
adaptar-se, quando desejado ou necessário, a diferentes usos da linguagem.
(RIO GRANDE DO SUL, 2009, p. 138).
Não encontramos uma conceptualização do termo “gêneros do discurso”, no
Exemplo 6, mas o termo parece estar associado à marca linguística diferentes práticas sociais,
de modo a mostrar ao leitor que se o aluno aprender a participar dessas práticas, ele será capaz
de adaptar-se a diferentes usos da linguagem.
O termo práticas sociais referido ao gênero discursivo pode estar relacionado com
processos sociais estruturados e orientados por objetivos pelos quais sujeitos em uma dada
cultura vivem suas vidas (MARTIN et al, 1987 apud HYON, 1996, p. 697). Assim,
novamente, podemos recorrer ao ISD e considerar o fato da regulação e da organização do
agir e das interações humanas (MACHADO; CRISTÓVÃO, 2006).
Essa recontextualização proposta pelo Exemplo 6 parece complementar as discussões
propostas pelo Exemplo 3 de linguagem como prática social. Se nas DC pudemos encontrar
uma recontextualização de linguagem como prática social e gênero discursivo como prática
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social, então, podemos associar linguagem como gênero, assim como proposto nas discussões
de Motta-Roth (2008, p. 354-356). Linguagem como gênero é discutido recorrendo às teorias
de Swales (1990), Fairclough (1989; 1992) e Bakhtin (1992), então, provavelmente, as
recontextualizações propostas pelas DC em relação aos conceitos de linguagem e de gênero
discursivo parecem apontar para esta premissa: linguagem como gênero. Essa premissa
possibilita a articulação de ideias em relação ao uso de atividades sociais situadas em sala de
aula para o ensino de línguas estrangeiras como uma possibilidade de colaborar para a
formação de alunos críticos e reflexivos como proposto pelas DC.

2.4 Léxico-gramática
Halliday (2004, p. 31) define gramática como um recurso linguístico para fazer
sentido e uma rede de escolhas semânticas inter-relacionadas. Para Swales (1990), os recursos
gramaticais são características formais presentes nos gêneros discursivos.
Nas DC, a léxico-gramática foi encontrada recontextualizada de duas maneiras: a)
regras a favor da linguagem em uso; b) estratégia para compreensão/interpretação/produção
de textos.
O Exemplo 7 ilustra a léxico-gramática como regras a favor da linguagem em uso.
Exemplo 7
Como sistema, as regras “gramaticais” estarão sempre presentes em qualquer
uso da linguagem, porém não necessariamente acompanhadas pelo conceito de
gramática como sistema abstrato e código fixo e descontextualizado. Em vez de
partir de uma regra gramatical, pode-se partir, como muitos já fazem, de um trecho
de linguagem num contexto de uso. Para práticas novas de linguagem, como as que
ocorrem na comunicação mediada pelo computador, o educador idealmente tem de
fazer uma análise própria das regras que estruturam a linguagem nesse contexto
novo. (BRASIL, 2006, p. 110).
Percebe-se que as regras gramaticas tendem a estarem presentes no uso da linguagem
se pensarmos em sistema, porém, o excerto apresenta uma desmitificação do conceito de
gramática como sistema abstrato e sim como regras que estruturam a linguagem em contextos
específicos. No Exemplo 7, podemos relacionar a recontextualização de léxico-gramática
como regras gramaticais a serviço da língua em uso, ou seja, a serviço do gênero discursivo
como proposto por Swales (1990).
Os Exemplos 8 e 9 apresentam a léxico-gramática como estratégia para compreensão
e produção de textos.
Exemplo 8
O estudo da gramática passa a ser uma estratégia para
compreensão/interpretação/produção de textos [...] a interação é o que faz com
que a linguagem seja comunicativa [...] afinal, para poder comunicar-se numa língua
não basta, unicamente, ser capaz de compreender e de produzir enunciados
gramaticalmente corretos. É preciso, também, conhecer e empregar as formas de
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combinar esses enunciados num contexto específico de maneira a que se


produza a comunicação. (BRASIL, 2000, p. 29).
A gramática é recontextualizada aqui como um recurso que possa ser usado como
estratégia para produzir sentido e compreender os sentidos de determinadas práticas sociais,
além de que possa se conhecer as diferentes formas em contextos específicos para poder
participar destes a fim de que haja comunicação, como proposto por Halliday (2004, p. 21) a
gramática é um recurso lingüístico para fazer sentido.
Exemplo 9
O trabalho com os aspectos linguísticos tem como objetivo fornecer aos alunos os
instrumentos necessários para realizar as tarefas propostas, sempre de modo
contextualizado e priorizando o sentido em vez de exercícios mecânicos de
substituição ou de completar lacunas (RIO GRANDE DO SUL, 2009, p.148).
Assim como no Exemplo 8, o Exemplo 9 propõe a gramática como
instrumento/estratégia para realizar as tarefas propostas, ou seja, estratégias para poder
compreender/produzir os diferentes sentidos encontrados em práticas sociais situadas em
contextos específicos, recontextualizando Halliday (2004, p 21) que considera a gramática
como um sistema de escolhas a serem feitas de acordo com o objetivo comunicativo de
determinada prática social.
Na próxima seção, serão apresentadas algumas considerações em relação aos
resultados desta análise.

3. Considerações finais
Em geral, as tendências contemporâneas de ensino de línguas são recontextualizadas
nas DC, entretanto, para que haja uma melhor compreensão acerca dos conceitos centrais, há
necessidade de discussão e reflexão para que a associação entre teoria e a prática nas salas de
aula de línguas estrangeiras seja mais evidente.
Percebe-se que os PCNs, por terem sido as primeiras DC a serem desenvolvidas, têm
um caráter mais didático, por isso, encontramos menos termos referenciais das tendências
contemporâneas neles, enquanto, nas OCNs e nas LRG, tendo como objetivo, além da
aplicabilidade pedagógica, o aprofundamento teórico, termos da ciência da linguagem, como
gêneros do discurso e prática social, e referências bibliográficas à literatura são mais
recorrentes.
Embora as DC, em sua maioria, sejam desenvolvidas com o objetivo esclarecer o
professor sobre a relação entre teoria e prática, é papel das escolas, viabilizar espaços para que
os professores leiam, discutam e construam alternativas para o sucesso entre o pensar e o
fazer.
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Referências Bibliográficas
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verbal. Tradução: Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992,
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MEURER, J. L. Genre as diversity, and rhetorical mode as unity in language use. Ilha do
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