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evangelizaçã o
Os jovens são um tema simpático na Igreja. Ninguém contesta que seja necessário apostar na
juventude, que ela tem um enorme potencial e toda uma série de virtudes. Uma análise mais
atenta mostra que este discurso consensual e inócuo não gera as correspondentes práticas de
evangelização da juventude .1 Uma das causas é o desconhecimento sobre o que é o real
mundo dos jovens e sobre quais os desafios que ele põe à evangelização.
Teologicamente, diz Tonelli, “não é possível projectar nada no âmbito educativo e pastoral
sem um prévio reconhecimento do existente.” 2.
Mas esta visão leitura ingénua não resiste, hoje, a um olhar atento. Para descrever os sujeitos
que já não estão na infância e ainda não são reconhecidos (ou ainda não se sentem) como
adultos, ciências diferentes usam termos diferentes: adolescentes, jovens, jovens-adultos,
teenagers… As nuances são imensas e os quadros epistemológicos são diferentes e
1
Cf. Rui Alberto, "A pastoral juvenil no contexto da nova evangelização," Theologica 2ª Série 47, no. 1
(2012).
2
Riccardo Tonelli, "Dalla situazione culturale giovanile una sfida alla pastorale giovanile," in Pastorale
Giovanile. Sfide, prospettive ed esperienze, ed. Francis-Vincent Anthony, et al. (Leumann: ElleDiCi, 2003),
73.
3
Cf. Franco Garelli e Marcelo Offi, Giovani. Una vecchia storia? (Torino: SEI, 1997).
1
incompatíveis. .4 Prefiro colocar esse debate em suspenso e declarar que, neste texto, defino
“jovens” como todos aqueles que se situam entre a infância e a adultez. 5 No mundo ocidental
este período é extenso. Inclui a pré-adolescência, que começa antes da puberdade,6 , e
prolonga-se pela segunda década de vida. Ninguém sabe exactamente onde termina .7 Os
indicadores tradicionais de entrada no mundo dos adultos (autonomia financeira, vida sexual
activa, casamento, fim do ciclo de estudo, entrada no mercado de trabalho…) têm vindo a
atrasar-se e, alem além disso, deixaram de ter o carácter definitório que tinham num passado
ainda recente .8 Um pré-adolescente às voltas das com as mudanças pubertárias do seu corpo
não é o mesmo que um adolescente que tenta discernir qual o curso que quer seguir. E estes
são muito diferentes do jovem que namora há 7 anos com a mesma pessoa e que não se
decide a casar.
A questão do sexo é outro factor de diferenciação. Ser homem ou mulher jovens são
experiências sociais e culturais bem distintas. O mesmo se pode dizer da família. O seu tipo de
constituição, o capital financeiro, social e cultural de que dispõe condiciona fortemente a
existência e as opções dos jovens. .9
Poderíamos continuar a elencar outros factores que influenciam fortemente a identidade dos
jovens. Fica superada a ideia da juventude como uma entidade definida apenas pela idade.
Machado Pais é uma das vozes mais atentas a este tema .10 Ele mostrou como Portugal segue
uma tendência europeia (e, possivelmente, mundial) em que a questão geracional, a idade, é
condição necessária para explicar as vivências dos jovens, mas não suficiente. Analisando três
contextos juvenis suburbanos (de uma cidade que se presume ser Lisboa), ele mostra como o
4
Cf. José Machado Pais, David Cairns, e Lia Pappámikail, "Jovens europeus. Retrato da diversidade,"
Tempo social 17, no. 2 (2005)..
5
Mesmo em termos pastorais, estas questões terminológicas têm a sua curiosidade. Em Janeiro de
2016, o Papa Francisco publicou uma mensagem, no âmbito do Jubileu da misericórdia, dirigida aos
“adolescentes”. Mas em italiano ela é para os ragazzi (uma expressão popular que designa
habitualmente os pré-adolescentes). Em alemão (jungen und madchen) e em espanhol (jóvenes)
referem-se os jovens. Em inglês temos young boys and girls e em francês temos os jeunes adolescentes.
6
Cf. Thomas M. Brinthaupt e Richard P. Lipka, eds., Understanding Early Adolescent Self and Identity.
Applications and Interventions (Albany: State University of New York Press, 2002); Severino de Pieri,
Girogio Tonolo, e Mario Delpiano, eds., L'età negata. Ricerca sui preadolescenti in Italia (Leumann: LDC,
1992).
7
Cf. Harry Blatterer, "Contemporary adulthood: reconceptualizing an uncontested category," Current
sociology 55, no. 6 (2007).
8
Cf. José Machado Pais, "Da escola ao trabalho: o que mudou nos últimos 10 anos?," in Jovens
portugueses de hoje, ed. Manuel Villaverde Cabral e José Machado Pais (Oeiras: Celta, 1998); Susan
Krauss Whitbourne, Joel R. Sneed, e Karyn M. Skultety, "Identity processes in adulthood: theoretical and
methodological challenges," Identity 2, no. 1 (2002).
9
Cf. Ali Rattansi e Ann Phoenix, "Rethinking youth identities: modernist and postmodernist
frameworks," ibid.5, no. 2 (2005)..
10
Cf. José Machado Pais, Culturas juvenis (Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1996).
2
factor idade é importante e acomuna os três grupos numa série de aspectos mas como outros
factores os diferenciam.
A nossa condição de crentes interessados pela evangelização da juventude não nos dá acesso
privilegiado a dados inéditos nem a sínteses mais sofisticadas. Mas oferece-nos uma
antropologia de referência e um horizonte teologal que nos faz observar a realidade de um
ângulo particular. .12 Poderíamos olhar a juventude de forma ingénua, vendo-a, enquanto tal,
como depositária de valores preciosos que as estruturas da sociedade querem destruir. É uma
abordagem que transfere para o ciclo geracional o mito do bom selvagem. Poderíamos ver a
juventude numa perspectiva condenatória, sublinhando as dificuldades que ela tem em
acolher e viver de acordo com a sabedoria acumulada pelos mais velhos, denunciando as suas
manifestações mais pueris ou os sintomas de mal-estar .13 Podemos optar por uma
abordagem mais dialéctica e ver a juventude como força de antítese que coloca a nu as
disfuncionalidades do tecido social existente.
Ou, a partir da caridade pastoral, podemos olhar para os jovens, para o seu mundo, para as
suas contradições, com simpatia. Sentindo-nos existencialmente perto de nós. Não já como
objectos de estudo mas como alguém que, connosco está nesta grande aventura que o Deus
da vida abundante inaugurou .14 Esta forma de olhar é mais do que levantamento sociológico
dos problemas associados à condição juvenil. É mais do que constatação psicológica do
potencial inerente à fase juvenil da vida. É mais do que filantropismo em ordem a mudar a
situação difícil dos jovens. Optamos por ler a juventude a partir do coração do Bom Pastor.
Este horizonte teologal não é incompatível com o rigor científico da observação feita. Pelo
11
Cf. Tonelli, "Dalla situazione culturale giovanile una sfida alla pastorale giovanile," 76.
12
Cf. Para uma pastoral juvenil ao serviço da vida e da esperança (Porto: Edições Salesianas, 2005), 49-
84.
13
Cf. Armando Matteo, La prima generazione incredula. Il difficile rapporto tra i giovani e la fede (Soveria
Mannelli: Rubbettino, 2010).
14
Cf. Luis A. Gallo, "Una pastorale per la salvezza," in Pastorale Giovanile. Sfide, prospettive ed
esperienze, ed. Francis-Vincent Anthony, et al. (Leumann: ElleDiCi, 2003).
3
contrário! O alto nível do que esta está em jogo impede que nos contentemos com uma forma
de olhar impressionista ou distorcida pela experiência pessoal. Conscientes da importância de
uma boa humildade hermenêutica, sentimos que Deus nos coloca sob pressão para a
objectividade possível. Não nos interessa uma neutralidade axiológica neste esforço. Somos
parte interessada no projecto de salvação que Deus tem para os jovens. E por isso assumimos
que a realidade vive em luta pela libertação dos jovens daquilo que é a verdadeira escravidão:
o pecado, a negação do projecto amoroso e redentor de Deus. Pecado que se manifesta de
tantas formas. É pecado pessoal, pecado dentro da comunidade eclesial, nas estruturas de
pecado da sociedade.
2. O contexto socioeconómico
Neste apartado queremos referir tendências e processos de cariz mais social.
15
Cf. Pavol Grach, "La nuova evangelizzazione. L'emergere di una categoria pastorale," in
Evangelizzazione e educazione, ed. Andrea Bozzolo e Roberto Carelli, Nuova Biblioteca do Scienze
Religiose (Roma: LAS, 2011)..
16
Cf. Riccardo Tonelli, Per la vita e la speranza, 5 ed., Biblioteca di Scienze Religiose (Roma: LAS, 1996),
13-26.
4
Gráfico 1: Jovens em Portugal: entre 15 e 24 anos (Fonte Pordata)
1,700,000 20.00%
18.00%
1,600,000
16.00%
14.00%
1,500,000
12.00%
1,400,000 10.00%
8.00%
1,300,000
6.00%
4.00%
1,200,000
2.00%
1,100,000 0.00%
7 1 73 75 7 7 79 81 8 3 85 8 7 8 9 91 9 3 9 5 97 9 9 0 1 03 05 0 7 09 11 1 3
19 1 9 1 9 19 1 9 1 9 19 1 9 19 19 1 9 19 19 1 9 19 20 2 0 2 0 20 2 0 2 0 20
Este facto não deve ser esquecido. Com facilidade se cai hoje no desalento ao comparar os
números de jovens envolvidos em acções eclesiais com os obtidos há 30 anos. A diminuição
demográfica introduz uma redução que não pode ser ignorada.
17
Cf. Alexandra Lemos Figueiredo, Catarina Lorga da Silva, e Vítor Sérgio Ferreira, eds., Jovens em
Portugal. Análise longitudinal de fontes estatísticas (1960-1997) (Oeiras: Celta Editora, 1999), 27.
5
Gráfico 2: Diminuição da poulação jovem (2001 a 2014) por regiões NUTS II
0.00%
Norte Centro Lisboa Alentejo Algarve Açores Madeira
-5.00%
-10.00%
-15.00%
-20.00%
-25.00%
-30.00%
Nas regiões mais pequenas (Algarve, Açores, Madeira) a diminuição é bastante menor do que
no resto do país. A diminuição na região de Lisboa é menor do que a média nacional.
A distribuição dos jovens pelos diferentes tipos de agregado populacional tem também
evoluído.
De 20000 a 49999
Habitantes 388.456 165.993 133.166 11,61%
De 50000 a 99999
Habitantes 59.701 57.994 5,05%
De 100 000 a 199
999 habitantes 183.029 80.108 6,98%
De 200 000 a 499
999 habitantes 25.017 2,18%
De 500 000 e mais
habitantes 53.436 4,66%
População
isolada,
embarcada e 79713 52.561 39.583 19.179 1,67%
corpo diplomático
TOTAL 1628059 1.610.836 1.479.587 1.147.315
As escalas usadas nos censos têm vindo a evoluir, introduzindo mais categorias. Como se
esperaria, a tendência à urbanização é muito forte. Mas os dados mais recentes ainda
mostram que o maior grupo de jovens habita em locais com menos de 2000 habitantes. Esta
elevada percentagem de jovens em locais com pouca população, somada à “racionalização” da
6
oferta escolar e de animação de tempos livres, obriga muitas crianças e jovens a deslocações
diárias de muitos quilómetros. E deixa algumas perplexidades na rede de ofertas eclesiais.
Os processos escolares têm aumentado de duração e têm envolvido uma percentagem mais
elevada de jovens. Apesar da diminuição do número de jovens, tem aumentado a presença
dos jovens no ensino secundário e superior. Isto faz com que a quantidade de residentes
envolvidos nos diferentes sistemas de ensino se tenha mantido acima dos dois milhões.
2,500,000
2,400,000
2,300,000
2,200,000
2,100,000
2,000,000
1,900,000
1,800,000
1,700,000
78 80 82 84 8 6 8 8 9 0 9 2 94 96 98 00 02 0 4 0 6 0 8 10 12 14
1 9 1 9 1 9 1 9 19 19 19 19 1 9 1 9 1 9 2 0 2 0 20 20 20 2 0 2 0 2 0
O gráfico seguinte mostra como se expandiu a presença no ensino superior, com uma explosão
no início dos anos 90 e uma estabilização no novo século. Interessante observar também como
as jovens têm vindo a aumentar a sua presença na universidade.
7
Gráfico 4: Homens e mulheres no ensino superior (fonte Pordata)
250,000
200,000
150,000
Homens no ensino su-
perior
100,000 Mulheres no ensino su-
perior
50,000
0
78 982 986 990 994 998 002 006 010 014
19 1 1 1 1 1 2 2 2 2
Uma das experiências que afecta a vida de uma alta percentagem de jovens é a escola e a
formação. Mas há aí um foco de mal-estar. Não só porque o desemprego estrutural juvenil (Cf.
2.3) invalida a narrativa clássica que fazia equivaler o investimento em formação a uma subida
do nível de vida . , Mas mas porque está patente a disfuncionalidade da escola tradicional. 18 Os
sistemas de formação que temos parecem exigir ciclos cada vez mais longos para asssegurar as
competências exigidas pelo mercado de trabalho. E cada vez são incapazes de assegurar o
sucesso escolar de franjas amplas de jovens .19
Um outro factor relevante é o forte controle económico e ideológico que o Estado exerce
sobre o sistema de ensino.
18
Cf. Casimiro Balsa et al., Perfil dos estudantes do ensino superior. Desigualdades e diferenciação
(Lisboa: Edições Colibri, 2001).,
19
Cf. João Sebastião, "Os dilemas da escolaridade," in Portugal, que modernidade?, ed. José Manuel
Leite Viegas e António Firmino da Costa (Oeiras: Celta Editora, 1998).
8
2.3 Desemprego juvenil
Ao mesmo tempo, observamos que a quantidade de jovens (15 a 24 anos) presentes no
mercado de trabalho diminuiu de um máximo de 869.000, em 1990, para um mínimo de
241.100, em 2013.
920.0
820.0
720.0
620.0
520.0
420.0
320.0
220.0
83 98 5 98 7 989 991 99 3 99 5 99 7 999 001 00 3 00 5 00 7 009 011 01 3
19 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2
Isto resulta de uma maior aposta na escola mas também de um aumento persistente da taxa
de desemprego juvenil.
┴ 45.0
┴ 40.0
┴ 35.0
┴ 30.0
┴ 25.0
┴ 20.0
┴ 15.0
┴ 10.0
┴ 5.0
┴ 0.0
8 3 985 987 989 99 1 99 3 99 5 997 999 001 003 005 00 7 00 9 011 013
19 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2
Esta tendência para o desemprego juvenil verifica-se em toda a Europa. .20 E traz a
instabilidade como categoria permanente .21
20
Cf. Manlio Cinalli e Marco Giugni, "New challenges for the welfare state: The emergence of youth
unemployment regimes in Europe?," International Journal of Social Welfare 22, no. 3 (2013)..
21
Cf. José Machado Pais, Ganchos, tachos e biscates. Jovens, trabalho e futuro (Porto: Âmbar, 2001).
9
Todos estes fenómenos afectam profundamente a vida dos jovens e devem ser sentidos como
desafios à pastoral juvenil. E todos eles têm em comum o prolongamento da idade juvenil. Se
durante algumas décadas esse prolongamento era sentido como um espaço de formação e
consumismo (para a “maioria” que se podia dedicar a um ciclo de estudo mais prolongado),
agora essa incapacidade de “resolver a vida” torna-se mais dura porque aparece associada ao
desemprego e/ou à emigração.
A sexualidade é hoje sentida, provavelmente mais do que nunca, como símbolo de vida e de
morte. Demonizada ou idolatrada, é frequentemente banalizada e comercializada. Todas as
sociedades têm alguma forma de educação sexual das novas gerações. Na cultura
contemporânea das sociedades ocidentais, este tema da educação sexual atrai a si todas as
contradições. Em 1939, Norbert Elias lançou a sua interessante hipótese segundo a qual o
processo civilizacional consiste numa crescente sofisticação das formas de autocontrole
autocontrole .25 Mas a forma como a cultura ocidental vê a sexualidade (como espontaneidade
que deve rejeitar toda a normatividade) parece ir contra essa lógica. Muitas agências
educativas defendem a educação a uma sexualidade “autêntica” e espontânea; ao mesmo
tempo, os grandes media tentam capitalizar a sexualidade juvenil. A Igreja é percebida como
defendendo uma sexualidade mais “regrada”. Mas a verdade é que a maior parte das
plataformas eclesiais de comunicação com as novas gerações se pautam pela omissão. Mesmo
defendendo a importância de uma educação sexual saudável,26 fica-se com a sensação que a
Igreja assume uma posição defensiva, tentando controlar os danos provocados por projectos
concorrentes. Mas isto resulta numa efectiva omissão. Omissão face a agências inimputáveis
comos os media e as redes sociais. Mas omissão também face a questões mais programáticas.
22
Cf. Franco Garelli, I giovani, il sesso, l'amore (Bologna: Il mulino, 2000).
23
Ritch C. Savin-Williams e Lisa M. Diamond, "Sex," in Handbook of Adolescente Psychology, ed. Richard
M. Lerner e Laurence Steinberg (New Jersey: Wiley, 2004), 189-90.
24
Cf. Pedro Moura Ferreira e Manuel Villaverde Cabral, eds., Sexualidades em Portugal:
comportamentos e riscos (Lisboa: Editorial Bizâncio, 2010).
25
Cf. Norbert Elias, O processo civilizacional (Lisboa: Dom Quixote, 2006).
26
Cf. Conferência Episcopal Portuguesa, Educação da Sexualidade (2005).
27
Cf. Thomas Johansson, The transformation of sexuality. Gender and identification in Contemporary
Youth Culture (Aldershot (UK) - Burlington (USA): Ashgate, 2007)..
10
um desafio essencial à identidade e à felicidade pessoal que as novas gerações têm de
enfrentar sozinhas.
É importante tomar consciência que aquilo a que chamamos “família” são realidades muito
diferentes. O mix de industrialização, urbanização, crescimento económico, disponibilidade de
meios contraceptivos trouxe consigo o predomínio da “família nuclear”. Mas este modelo
dominante coexiste com outras experiências, mais ou menos funcionais. Importante é darmo-
nos conta que esta pluralidade de formas já vem detrás e não é exclusivamente
contemporânea .28
Ao mesmo tempo há outros fenómenos familiares que são fonte de sofrimento para todos e,
especialmente, para as gerações mais jovens. O primeiro deles é a elevada taxa de divórcios.
80.0
70.0
60.0
50.0
40.0
30.0
20.0
10.0
0.0
60 963 96 6 96 9 972 975 978 98 1 98 4 987 990 99 3 99 6 99 9 002 005 00 8 01 1
19 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2
Esta taxa de 70,4 para 2013 é a mais alta da UE28. A taxa bruta de divorcialidade estava em
2013 nos 2,2‰, o que coloca Portugal no meio da tabela dentro da UE28. Em qualquer dos
casos, isto mostra que há problemas sérios dentro das famílias.
Outro problema associado a algumas famílias é a presença de violência .29 Em 2014 houve
27909 pessoas envolvidas em crimes de violência doméstica contra o cônjuge ou análogo
registados pelas forças de segurança.
28
Cf. Paula Godinho, O Leito e as Margens. Estratégias familiares de renovação e situações liminares em
seis aldeias do Alto Trás-os-Montes raiano (1880-1988) (Lisboa: Colibri, 2005).
29
Cf. Isabel Dias, Violência na família. Uma abordagem sociológica (Porto: Edições Afrontamento, 2004).
11
3. Os desafios culturais
A cultura, os modos de sentir e pensar, são um dos espaços mais decisivos para a
evangelização.30 . É aqui que boa parte da adesão ao Evangelho de se joga. “A pastoral juvenil
sofreu como nenhuma outra acção eclesial os efeitos da mudança sociocultural que já Paulo VI
tinha diagnosticado…”31
A sociedade contemporânea está marcada pela complexidade. Não pode ser explicada de
forma simples e linear. Há uma mistura complexa de factores, muitas vezes contraditórios
entre si, que modelam a realidade. Esta complexidade dificulta a tarefa do observador mas
também a do jovem que nela vive.32 . Esta complexidade manifesta-se em vários fenómenos e
processos.
30
Cf. Giuseppe Savagnone, Evangelizar na pós-modernidade. Instruções breves para uma navegação «à
vista» (Porto: Edições Salesianas, 2005)..
31
Jesús Rojano, Cultura actual y pastoral juvenil (Madrid: Editorial CCS, 2014), 9-10.
32
Cf. José Maurício Domingues, "Modernity, complexity and mixed articulation," Social Science
Information 41, no. 3 (2002)..
33
Cf. Mario Pollo, Le sfide educative dei giovani d'oggi (Leumann: LDC, 2000), 21-24..
12
noite, entre o Verão e o Inverno.34 . Isto traz vantagens em termos de produtividade
económica mas rouba-nos o direito de construir a vida e de habitar o tempo à nossa maneira.
3.4 A palavra
A complexidade social manifesta-se também como crise da palavra. Apesar da proliferação de
meios de comunicação, a palavra está em crise. As palavras têm uma dupla valência. Elas
definem-se pela sua relação com um objecto e pela vizinhança que têm com outras palavras.
Tradicionalmente estas duas valências mantêm, ainda que em tensão, um certo equilíbrio. Mas
a sociedade complexa tem vindo a desligar a linguagem da relação com a “coisa” objectiva que
a palavra deveria representar. As palavras tornam-se cada vez mais abstractas, desligadas do
real, cada vez mais dependentes do contexto comunicativo e das intenções dos
comunicadores. Isto não acontece apenas com os spin doctors que, quais sofistas
contemporâneos, distorcem a realidade em favor dos interesses dos seus amos. Acontece nos
espaços mais comuns e quotidianos em que a ideia de uma realidade objectiva, que é prévia e
normativa face às representações dos participantes, vai perdendo peso, reduzindo a
comunicação a uma retórica de enganos.
Outro desafio que se coloca à palavra é a sua fusão com a imagem. A comunicação verbal é
sequencial. Mas na comunicação visual tudo sucede ao mesmo tempo. A lógica simultânea da
comunicação visual está a substituir a lógica sequencial da comunicação oral. Isso detecta-se
no forte peso que as imagens têm nas redes sociais, na dificuldade de acompanhar uma
exposição mais complexa que um powerpoint e na tendência a pensar em memes .35 Além da
34
Cf. I labirinti del tempo. Una ricerca sul rapporto degli adolescenti e dei giovani con il tempo (Milano:
FrancoAngeli, 2000).
35
Cf. Wendi Bellar et al., "Reading religion in internet memes," Journal of Religion, Media & Digital
Culture 2, no. 2 (2013).
13
perda de eficácia comunicativa, esta deriva para o imaginário leva à perda da capacidade de
estruturar os acontecimentos numa lógica temporal. O que reforça a crise de projectualidade
que identificámos antes.
3.6 Individualismo
Outro corolário da complexidade social é a crise do nós. A cultura ocidental está assente no
reconhecimento do valor do indivíduo. Mas quando este primado se expande à custa da
dimensão solidária da existência a própria qualidade da vida do eu fica posta em causa. Como
diz Mario Pollo, “o nós está em crise, seja pela queda das relações interpessoais, que levou as
pessoas a viverem, especialmente nas grandes cidades, no isolamento e na indiferença
recíproca, seja pela crise da política que fragilizou o tecido organizativo do Nós”” .39 Esta crise
do nós parece em contradição com os inquéritos feitos aos jovens que mostram o forte apreço
que eles têm pelas relações, mormente com a família, parceiros românticos e amigos. Mas
quando nos damos conta que estas relações são valorizadas pela sua utilidade, pela segurança
e bem-estar emocional que oferecem, percebemos que não há verdadeira contradição.
36
Cf. Seth J. Schwartz, "The evolution of eriksonian and neo-eriksonian identity theory and research: a
review and integration," Identity 1, no. 1 (2001).
37
Cf. Jane Kroger, ed. Identity in adolescence. The balance between self and other, 3 ed., Adolescence
and Society (New York: Routledge, 2004).
38
Cf. Zygmunt Bauman, A vida fragmentada. Ensaios sobre a moral pós-moderna (Lisboa: Relógio
D'Água, 2007).
39
Mario Pollo, Animazione culturale. Teoria e metodo (Roma: LAS, 2002), 42.
14
A crise do nós tem impacto na forma como as gerações se articulam. Os anos 60, a sua
contracultura, a força dos babyboomers, trouxe para a ribalta o conceito de generation gap, de
um conflito mais ou menos inevitável entre jovens e adultos. O passar dos anos mostrou que
essa categoria era pouco relevante. Há alguma conflitualidade na adolescência ligada aos
processos de maturação dos adolescentes. A agressividade de alguns adolescentes mais não é
que uma forma de pedir reconhecimento. Mas a situação está em mudança. Muitos inquéritos
mostram que os adultos são cada vez menos significativos para os jovens. Os adultos não são
nem modelos a imitar nem a recusar; não são ocasião de confronto nem de encontro.
Tornaram-se irrelevantes. Esta insignificância é produzida pelo egoísmo geracional. Os adultos
consideram os jovens como meros contemporâneos. Protegem-nos oferecendo-lhos as
condições de vida adequadas. Mas não fazem qualquer esforço para tornar as novas gerações
sujeitos activos e protagonistas da vida social, económica e política (e religiosa, em tantas
ocasiões).
Muitas análises apresentam o desemprego juvenil, o aumento da idade juvenil para lá dos 30
anos, a dificuldade em sair de casa dos pais como indicadores do prolongamento da juventude.
Mas são também sintomas da marginalidade em que os adultos obrigam os jovens a estar. Os
adultos estão preocupados em defender as suas condições de vida e bem-estar e estão pouco
dispostos a renunciar seja ao que for para dar espaços de protagonismo aos jovens. Esta falta
de disponibilidade dos adultos traz graves consequências para a socialização das novas
gerações; o adulto é o outro por excelência, psicolóogicamente, socialmente e culturalmente.
O adulto é a possibilidade que o jovem tem de entrar em contacto com os horizontes mais
amplos da cultura e da sociedade. Mas quando o adulto é insignificante, quando o jovem não
encontra a presença de um adulto, torna-se impossível projectar-se para lá da sua
subjectividade. Este egoísmo geracional não se manifesta apenas entre os actuais jovens e
seus pais mas afecta também a relação adulto/idoso e jovem/idoso. Temos em Portugal três
ou quatro gerações a pisar este chão mas sem se encontrarem. A opção pelo modelo da
família nuclear reduz as famílias a duas gerações. Não há encontro, não há partilha de
diferentes vivências. Ninguém aprendeu a enriquecer a sua própria experiência com o
contributo de outras gerações.
Com o fim das grandes narrativas caíram as ideologias mas também os mecanismos sociais que
ajudavam as pessoas a sair do seu espaço vital para entrar no espaço social. Isto é, o fim das
40
Cf. Francis Fukuyama, O fim da história e o último homem (Lisboa: Gradiva, 1992).
15
ideologias dificulta a passagem do mundo subjectivo ao objectivo. De algum modo, ficamos
condenados a ser meros consumidores. De produtos, emoções, indignações selectivas. Mas
mesmo isso foi posto em causa pela crise económica dos últimos anos.
16
separavam da agressividade da vida. Isto traduz-se numa crescente precocidade de
comportamentos de iniciação sexual, comportamentos de risco, consumo de tóxicos…
Mas a crise da figura do pai tem fragilizado esta educação à esfera pública. Os pais
maternalizaram-se, assumindo traços típicos da figura materna. Mesmo quando esta
maternalização não acontece, os pais tendem a omitir-se do seu papel de depositários do
cânone cultural e cívico.
4. O panorama comunicacional
A vida dos jovens acontece também dentro das suas práticas comunicativas. Elas são uma
parte importante da vida e lançam a qualquer processo educativo e evangelizador um amplo
leque de desafios.
Mas esta expansão de oferta e procura de imagens não nasce apenas da disponibilidade
tecnológica. Esta cultura visual oferece a todos um conjunto comum de símbolos, ideias e
linguagens, que se tornam “moeda” cultural comum, transversal a todas as diferenças .42 As
imagens tendem a fazer-nos acreditar que elas são a realidade, que são uma representação
credível do real. Tão credível que dispensa o sujeito do esforço crítico de distanciamento e
reflexão. O fascínio imenso que as imagens exercem hoje pode fazer esquecer que elas não
são mágicas. As imagens não surgem por si mesmas nem actuam no vazio. “As imagens não
são agentes – pelo contrário elas são meras ferramentas nas mãos de uma pluralidade de
agentes que as usam para uma variedade de finalidades, habitualmente com resultados
indeterminados.”43
42
Cf. Stewart M. Hoover, Religion in the media age (Oxon - New York: Routledge, 2006), 267.
43
Matteo Stocchetti e Karin Kukkonen, eds., Images in Use : Towards the critical analysis of visual
communication (Amsterdam - Philadelphia: John Benjamins Publishing, 2011), 4.
17
4.2 Uma comunicação interactiva
Porventura, o maior contributo da tecnologia para a comunicação foi a interactividade. Ela
instaura uma relação nova com o utilizador, que está chamado a participar na produção do
conteúdo. A tecnologia permitiu um diálogo, tendencialmente bilateral, entre a pessoa e a
máquina ou de pessoa a pessoa, usando as máquinas como interfaces. É um processo
dinâmico que modifica de maneira explícita a informação em circulação. Nos modelos clássicos
de comunicação (como a TV) o utente receberia a informação de forma bastante passiva; mas
agora ele pode interagir com o meio influenciando o conteúdo.
Este constante protagonismo do sujeito muda as suas expectativas sobre todos os processos
educativos e sociais. “Os novos media, pela sua capacidade de estruturar a experiência
interactiva criam, através do uso, esquemas mentais que alteram a capacidade de acção e de
conhecimento do sujeito (…) a modificação dos esquemas cognitivos de organização e de
actuação da acção chegam a influenciar a nossa percepção do corpo e do espaço; a alteração
da nossa capacidade de perceber e exprimir emoções” .44 Uma aprendizagem passiva, uma
presença sem autodeterminação, é sentida como pobre, como deficiente em relação aos
padrões de interactividade oferecidos pelos sistemas informáticos. Não é legítimo continuar a
olhar para os new media como se fossem apenas mais uma moda tecnológica. Para o melhor e
o pior, eles e o admirável mundo novo que trazem consigo está para ficar.
44
Giuseppe Riva, "Nuovi media e identità: l'impatto delle nuove tecnologie sulla soggettività
dell'individuo," in La catechesi dei giovani e i new media. Nel contesto del cambio di paradigma
antropologico-culturale, ed. Corrado Pastore e Antonino Romano (Torino: Elledici, 2015), 72.
18
5.1 Secularização
Nas últimas décadas a secularização tornou-se uma narrativa hegemónica para interpretar os
processos religiosos. Teria havido um tempo dourado da religião, onde todas as estruturas
sociais eram dominadas pelo religioso; o advento da modernidade, com a ciência, a
racionalidade, o crescimento económico, vai corroendo a legitimidade da abordagem religiosa
e a secularização impõe-se paulatinamente .45 A secularização como categoria é bastante
polissémica46 e pode ser usada de forma descritiva ou prescritiva. Para alguns autores, a
secularização é algo que permite descrever adequadamente o que sucede mas, para outros,
secularização é o que deve acontecer. A secularização acontece quando há mudanças em três
áreas da organização social: mudanças no locus de autoridade (dispensando a legitimação
religiosa), mudanças no conhecimento (agora empírico e eticamente neutro) e pressão
crescente para viver segundo padrões racionais .47 Alguns autores defendem que há ampla
evidência empírica da validade da teoria . Comunicacionalmente, a teoria da secularização foi
um sucesso e entrou no senso comum das populações e mesmo do pessoal eclesiástico das
várias confissões.
Mas, nas últimas décadas, tem havido alguma contestação. Peter Berger, que nos anos 60 fora
um dos arautos da secularização clássica, mudou de opinião .48 David Martin, desde os anos 60
chama a atenção para os dados de âmbito mundial que contrariam as previsões da
secularização .49 Outros autores desenvolveram variantes à teoria clássica, sublinhando
algumas nuances. Grace Davie defende que pode haver uma secularização dos
comportamentos religiosos (que diminuem) ao mesmo tempo que as crenças religiosas se
mantêm elevadas .50 Linda Woodhead defende que o factor género introduz diferenciações no
processo de secularização .51 Outra crítica forte vem dos sociólogos que prestam atenção às
novas espiritualidades. O crescimento desta sensibilidade new age parece infirmar a hipótese
da secularização .52
45
Cf. Nicholas J. Demerath, "Secularization extended: from religious "myth" to cultural commonplace,"
in The Blackwell companion to sociology of religion, ed. Richard K. Fenn (Oxford: Blackwell, 2001).
46
Giancarlo Milanesi e Joaquim M. Cervera, eds., Sociología de la religión (Madrid: Editorial CCS, 2008),
207-12.
47
Cf. Bryan Wilson, "The secularization thesis: criticisms and rebuttals," in Secularization and social
integration: papers in honour of Karel Dobbelaere, ed. R. Laermans, Bryan Wilson, e J. Billiet (Leuven:
Leuven Universisty Press, 1998).
48
Cf. Charles T. Mathewes, "An interview with Peter Berger," The Hegdehog Review. Critical reflections
on contemporary culture 8, no. 1-2 (2006).
49
Cf. David Martin, On secularization. Towards a revised general theory (Aldershot: Ashgate Publishing,
2005).
50
Cf. Grace Davie, "Patterns of religion in western Europe: an exceptional case," in The Blackwell
companion to sociology of religion, ed. Richard K. Fenn (Oxford: Blackwell, 2001).
51
Cf. Linda Woodhead, "'Because i'm worth it': religion and women's changing lives in the West," in
Women and relisgion in the West, ed. Kristin Aune, Sonya Sharma, e Giselle Vincett (Aldershot: Ashgate
Publishing Limited, 2008).
52
Cf. Paul Heelas, "Challenging secularization theory: the growth of "new age" spiritualities of life," The
Hegdehog Review. Critical reflections on contemporary culture 8, no. 1-2 (2006).
19
que a sociedade portuguesa tem vivido nas últimas décadas” sem mais.53 Mas há algumas
fragilidades empíricas: o Alentejo é das regiões menos “modernizadas” e tem indicadores
religiosos abaixo da média nacional; os indicadores religiosos estão tendencialmente estáveis
desde o início dos anos 90; Portugal e Espanha têm trajectórias de desenvolvimento político e
económico semelhantes mas os indicadores religiosos são muito díspares; não há evidência da
suposta era dourada de esplendor religioso.
Sendo a juventude o grupo com mais acesso à cultura e à escola, o mais influenciável pela
agenda de modernização, será ela secularizada? A desafeição entre jovens e Igreja resulta da
secularização inexorável? Ou haverá outras explicações?
Supostamente, esta espiritualidade new age seria uma tendência imparável. Mas há
contestação estatística a essa pretensão .55 Smith e Denton, numa ampla sondagem a jovens
americanos, reportam que muitos deles têm dificuldade em descodificar a expressão
“espiritual não religioso”. Este facto lança algumas dúvidas sobre a relevância sociológica e
cultural do movimento .56
Possivelmente, com as novas gerações, esta sensibilidade espiritual gera não tanto uma
adesão militante mas uma aproximação não comprometida à dimensão religiosa .57
53
José Machado Pais, "O que explica a religiosidade dos portugueses? Um ensaio de análise tipológica,"
in Religião e bioética, ed. José Machado Pais, Manuel Villaverde Cabral, e Jorge Vala (Lisboa: Imprensa
de Ciências Sociais, 2001).
54
Cf. Pehr Granqvist e Berit Hagekull, "Seeking security in the New Age: on attachment and emotional
compensation," Journal for the Scientific Study of Religion 40, no. 3 (2001); Dick Houtman e Stef
Auspers, "The spiritual revolution and the New Age gender puzzle: the sacralization of the self in late
modernity (1980-2000)," in Women and relisgion in the West, ed. Kristin Aune, Sonya Sharma, e Giselle
Vincett (Aldershot: Ashgate Publishing Limited, 2008); Christopher H. Partridge, "Truth, authority and
epistemological individualism in new age thought," Journal of Contemporany Religion 14, no. 1 (1999).
55
Cf. David Voas e Steve Bruce, "The spiritual revolution: another false dawn for the sacred," in A
sociology of spirituality, ed. Kieran Flanagan e Peter C. Jupp (Surrey: Ashgate, 2007).
56
Cf. Christian Smith e Melinda Lundquist Denton, Soul searching. The religious and spiritual lives of
american teenagers (New York: Oxford University Press, 2005).
57
Cf. David Tacey, "What spirituality means to young adults," in Religion and Youth, ed. Sylvia Collins-
Mayo e Pink Dandelion (Surrey: Ashgate, 2010).
20
As tentativas de invocar uma anti-secularização ,58 eventualmente baseadas no sucesso de
eventos como as Jornadas Mundiais da Juventude, não oferecem solidez .59 Além da
dificuldade de investigar a experiência religiosa das sociedades, soma-se aqui o obstáculo extra
de o fazer com uma população em mudança interna.
Resultados mais interessantes têm surgido com abordagens etnográficas, que deixam os
jovens falar da sua própria experiência .63 Porventura a mais bem conseguida foi liderada por
Smith .64 Ele sugere que os jovens norte-americanos, independentemente da tradição religiosa
em que são criados, tendem a identificar-se com o “moralismo terapêutico deísta”. A
expressão foi criada por Smith e não pelos jovens, para descrever uma vivência religiosa onde
se articulam os efeitos terapêuticos e utilitários da religião (faz-me sentir bem) com a sua
dimensão moral (diz-me como agir) numa relação com um Deus tendencialmente ausente (o
deísmo) .65 Apesar de depender de dados recolhidos nos Estados Unidos, parece que os
mesmos processos poderiam estar em actuação noutras latitudes. Mas mesmo esta
interpretação sofre contestação daqueles que dizem que Smith confundiu a falta de
vocabulário dos adolescentes com uma estrutura religiosa.
***
Depois de tantas páginas a visitar o mundo dos jovens pode-se ficar com a sensação que ele é
muito complicado e cheio de dificuldades. Uma leitura de fé não responde com ingenuidade.
Pede rigor na observação, capacidade de síntese e gratidão a Deus por nos dar a possibilidade
58
Cf. Vyacheslav Karpov, "Desecularization: a conceptual framework," Journal of State and Church 52,
no. 2 (2010).
59
Cf. Andrew Sigleton, "The impact of World Youth Day on religious practice," Journal of Beliefs & Values
32, no. 1 (2011).
60
Cf. Ernest Harms, "The development of religious experience in children," American Journal of
Sociology 50, no. 2 (1944).
61
Cf. James W. Fowler, ed. Stages of faith. The psychology of human development and the quest for
meaning (New York: Harper & Row, 1981); Fritz K. Oser e W. George Scarlett, eds., Religious
development in childhood and adolescence, New directions for child development (San Francisco:
Jossey-Bass, 1991).
62
Cf. Eugenio Fizzotti, ed. Verso una psicologia della religione. 2. Il cammino della religiosità, Studi e
ricerche di catechetica (Leumann: LDC, 1995); Kenneth Edwin Hyde, Religion in Childhood and
Adolescence: A Comprehensive Review of the Research (Birmingham: Religious Education Press, 1990).
63
Cf. Mario Midali e Riccardo Tonelli, eds., L'esperienza religiosa dei giovani. 1. L'ipotesi (Leumann
(Torino=: LDC, 1995).
64
Cf. Smith e Denton, Soul searching. The religious and spiritual lives of american teenagers; Christian
Smith e Patricia Snelle, Souls in transition. The religious and spiritual lives of emerging adults (New York:
Oxford University Press, 2009).
65
Cf. Christian Smith, "On 'moralistic therapeutic deism' as US teenagers' actual, tacit, De Facto religious
faith," in Religion and Youth, ed. Sylvia Collins-Mayo e Pink Dandelion (Surrey: Ashgate, 2010).
21
de viver neste tempo e contexto. E de neste aqui e agora, inventar caminhos novos para fazer
acontecer, para todos os jovens, o Reino de Deus.
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