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01/08/2016 Teorias 

sobre a ética

Teorias sobre a ética

Hugh LaFollette
Tradução de Desidério Murcho
Ao decidir como agir, somos muitas vezes confrontados com
incertezas, confusões ou conflitos entre as nossas inclinações, desejos
ou interesses. As incertezas, confusões e conflitos podem surgir
mesmo que a nossa única preocupação seja promover o nosso
interesse próprio. Podemos não saber quais são os nossos melhores
interesses: podemos pura e simplesmente ter adoptado algumas
ideias erradas dos nossos pais, amigos ou cultura. Fossem os nossos
pais nazis, por exemplo, e poderíamos pensar que manter a pureza
da raça é o nosso mais importante objectivo pessoal. Podemos
confundir os nossos objectivos e os nossos interesses: queremos
manipular as outras pessoas e inferimos que as relações pessoais
mais chegadas são obstáculos aos nossos interesses. Mesmo quando
conhecemos alguns dos nossos interesses, podemos ser incapazes
de os organizar em termos da sua importância relativa: podemos
presumir que a riqueza é mais importante do que desenvolver o
carácter e ter relações pessoais mais chegadas. Outras vezes
podemos saber quais são os nossos interesses mas não saber bem
como resolver conflitos entre eles: posso precisar de escrever um
ensaio, mas apetecer­me ir passear. Mesmo que eu saiba qual é a
melhor escolha, posso não agir de acordo com ela: posso saber
precisamente que é do meu interesse de longo prazo perder peso e,
no entanto, decido comer uma tarte deliciosa.

Estas complicações mostram por que razão a melhor maneira de
alcançar os meus objectivos é deliberar racionalmente sobre os meus

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interesses próprios — ou seja, dar os primeiros passos em direcção a
uma teoria sobre os meus interesses próprios. Posso por vezes ter de
recuar e pensar de forma mais abstracta sobre a) o que significa algo
ser um interesse (em vez de ser meramente um desejo), b) para
descobrir que objectos e comportamentos ou objectivos mais
provavelmente me permitirão alcançar os meus interesses, c) para
compreender as interconexões entre os meus interesses (por
exemplo, o modo como a saúde me dá mais hipóteses de alcançar
outros interesses) d) para encontrar uma maneira de proceder para
enfrentar conflitos e e) para aprender a agir face ao resultado da
deliberação racional. Tal teorização pode guiar a prática: pode ajudar­
nos a agir de modo mais prudente.

Como é evidente, a maior parte das acções — talvez a maioria — não
dizem apenas respeito apenas a nós; dizem respeito também aos
outros, e dizem­lhes respeito de muitíssimos modos diferentes.
Algumas das minhas acções podem beneficiar outras pessoas, ao
passo que outras podem prejudicá­las, directa ou indirectamente,
intencionalmente ou não. Posso prejudicar o João directamente
empurrando­o. Posso empurrá­lo porque estou zangado com ele ou
porque quero ficar com o lugar dele. Ou posso prejudicar o João
indirectamente, por exemplo, obtendo eu a promoção de que ele
precisava para financiar cuidados para a sua mãe, que se encontra às
portas da morte. Ou posso ofender o João entregando­me em privado
ao que ele pensa serem práticas sexuais bizarras. Se o fizer, as
minhas práticas privadas afectam­no, apesar de apenas
indirectamente, e só por causa das suas crenças morais. É defensável
que é inapropriado dizer que prejudiquei o João nestes dois últimos
casos, ainda que tenha escolhido agir como agi sabendo que as
minhas acções o poderiam afectar (ou afectar outra pessoa) do modo
descrito.

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Em suma, ao escolher como agir, devo reconhecer que muitas das
minhas acções afectam outras pessoas, ainda que apenas
indirectamente. Nestas circunstâncias, tenho de escolher se quero
atender aos meus interesses próprios ou se devo atender (ou pelo
menos não prejudicar) os interesses alheios. Outras vezes, tenho de
escolher agir de modos que podem prejudicar algumas pessoas
apesar de beneficiar outras. Posso ocasionalmente encontrar
maneiras de promover os interesses de toda a gente sem prejudicar
ninguém. Ocasionalmente, mas não sempre. Talvez nem mesmo
frequentemente.

Saber isto não resolve o problema de saber como devo agir; limita­se
a determinar o domínio da moralidade. A moralidade, entendida
tradicionalmente, envolve primariamente, e talvez exclusivamente, o
comportamento que afecta os outros. Digo talvez porque algumas
pessoas (por exemplo, Kant) pensam que uma pessoa que se
prejudica a si mesma (por exemplo, desperdiçando os seus talentos
ou maltratando o seu corpo) está a fazer algo moralmente errado.
Para os nossos propósitos, contudo, podemos deixar de lado esta
interessante e importante questão. Pois o que toda a gente reconhece
é que as acções que claramente afectam os outros pertencem ao
domínio da moralidade.

Podemos discordar sobre como deve o facto de uma acção afectar
outras pessoas negativamente dar forma à nossa decisão sobre como
agir. Podemos também discordar se as acções que afectam os outros
apenas indirectamente devem ser moralmente avaliadas, e até que
ponto. Podemos discordar, além disso, sobre como se distingue o
prejuízo directo do indirecto. Todavia, se as acções de alguém
afectam outra pessoa directa e substancialmente (beneficiando­a ou
prejudicando­a), então, mesmo que não saibamos ainda se a acção

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foi correcta ou incorrecta, podemos concordar que deve ser avaliada
moralmente. Como a devemos avaliar é algo que discutirei depois.

Mas primeiro devo sublinhar perigos relacionados mas opostos que
devemos evitar. O primeiro é que podemos inferir da discussão prévia
que a maior parte das decisões morais são complicadas ou confusas.
Isto é um engano. Pois muitas “decisões” morais são muito fáceis de
tomar — tão fáceis que nunca pensamos acerca delas. Ninguém
discute seriamente se uma pessoa deve drogar um colega para ter
relações sexuais com ele, ou se deve roubar dinheiro dos colegas
para financiar uma viagem à Riviera, ou se deve com conhecimento
de causa infectar alguém com o vírus da SIDA. Não é sobre estas
coisas que temos desacordos morais. Sabemos muito bem que as
acções desse tipo estão erradas. Na verdade, atrevo­me a dizer que a
maior parte das questões morais têm uma resposta tão simples que
nunca as levantamos. Ao invés de discutir estas “questões” óbvias,
centramos a nossa atenção e pensamos e debatemos unicamente as
que são pouco claras e sobre as quais há desacordos genuínos.

Contudo, cometemos também por vezes o erro de pressupor que uma
decisão é fácil quando, de facto, não é. Este extremo oposto é
igualmente um erro grave (ou talvez mais grave). Podemos não ver os
conflitos, confusões ou incertezas: o que está em causa pode ser tão
complicado que deixamos passar, não percebemos ou não nos damos
conta de que as nossas acções afectam os outros (por vezes
profundamente). A preocupação com o nosso interesse próprio pode
impedir­nos de ver que o nosso comportamento afecta
significativamente os outros, ou pode levar­nos a dar um peso
inadequado aos interesses alheios. Além disso, a nossa aceitação
acrítica do status quo moral pode levar­nos a não prestar atenção ao
facto de alguns dos nossos comportamentos e instituições estarem

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errados. A ampla aceitação de uma prática não garante a sua
correcção.

A necessidade de teoria

Quando reflectimos sobre os nossos pensamentos, acções e
escolhas, vemos que as nossas perspectivas são fortemente
influenciadas por outras. Podemos pensar que uma acção é
fortemente imoral, mas não saber exactamente porquê. Ou podemos
pensar que sabemos porquê, descobrindo depois de um exame
cuidado que estamos apenas a papaguear “razões” oferecidas pelos
nossos amigos, professores, pais ou padres. Claro que nada há de
errado em ter em consideração o que os outros pensam e as decisões
que tomaram no que respeita a questões morais análogas. Na
verdade, seríamos tolos se não absorvêssemos e não
beneficiássemos da sabedoria alheia. Contudo, qualquer pessoa que
tenha o mais pequeno conhecimento histórico reconhecerá que a
sabedoria colectiva, tal como a sabedoria individual, está por vezes
errada. Os nossos antecessores tinham escravos, negavam o direito
de voto às mulheres, praticavam o genocídio e queimavam bruxas em
fogueiras. Suspeito que a maior parte dessas pessoas eram
moralmente decentes e estavam firmemente convencidas que as suas
acções eram morais. Agiram de forma errada porque não foram
suficientemente autocríticas. Não avaliaram as suas próprias crenças;
adoptaram sem questionar a perspectiva dos seus antecessores,
líderes políticos, professores, amigos e comunidade. Quanto a isto,
não estão sozinhos. Este é um “pecado” de que todos somos
culpados. A grande lição da história é que temos de escrutinar as
nossas crenças, escolhas e acções, para nos assegurarmos de que
estamos informados, somos consistentes, imaginativos, imparciais e
de que não estamos a repetir sem pensar as perspectivas dos outros.
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Caso contrário, podemos perpetrar males que poderíamos evitar,
males pelos quais as gerações futuras nos condenarão, e com razão.

Uma maneira importante de avaliar criticamente as nossas
perspectivas é teorizar sobre a ética: pensar sobre questões morais
de forma mais abstracta, mais coerente e mais consistente. Teorizar
não é uma coisa divorciada da prática; é apenas a reflexão cuidada,
sistemática e bem pensada sobre a nossa prática. Teorizar, neste
sentido, não irá impedir­nos de errar, mas dá­nos o poder para
abandonar considerações mal concebidas, desinformadas e
irrelevantes. Para explicar o que quero dizer, pensemos por
momentos sobre um tema caro à maior parte dos estudantes: as
notas. Quando dou notas aos estudantes, posso errar pelo menos de
três modos:

1. Posso usar padrões inconsistentes de classificações. Isto é, posso
usar diferentes padrões para classificar estudantes diferentes: a
Joana tem 20 porque tem um sorriso bonito; o Rodolfo porque é
muito trabalhador; a Raquel porque o ensaio dela era excepcional.
É claro que saber que devo usar um sistema unificado de
classificação não me diz que padrões devo usar ou que
classificação cada estudante deve ter. Talvez todos merecessem o
20 que receberam. Contudo, não é suficiente que eu
acidentalmente lhes tenha dado a classificação que mereciam. Eu
devia ter­lhes dado 20 porque o mereciam e não por causa de
considerações irrelevantes. Pois se eu usar considerações
irrelevantes, darei geralmente classificações erradas aos
estudantes, apesar de, nestes casos específicos, eu poder
fortuitamente ter­lhes dado as classificações apropriadas.

2. Posso ter padrões de classificação impróprios. Não é suficiente que
eu tenha padrões invariantes. Afinal de contas, posso ter padrões
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péssimos aos quais adiro de forma consistente. Por exemplo,
posso dar notas mais altas, consistentemente, aos estudantes de
que gosto mais. Se o fizer, classifico os estudantes de forma
inapropriada, ainda que seja consistente.

3. Posso aplicar os padrões de forma inapropriada. Posso ter padrões
consistentes e apropriados e no entanto aplicá­los mal porque sou
ignorante ou tacanho, ou porque estou exausto ou preocupado, ou
porque não estou a prestar atenção.

Podemos cometer “erros” paralelos nas deliberações éticas; por
exemplo:

1. Posso usar princípios éticos inconsistentes.
2. Posso ter padrões morais inapropriados.
3. Posso aplicar princípios morais de forma inapropriada.

Vejamos cada erro de deliberação com maior pormenor:

Consistência:
Devemos tratar duas criaturas do mesmo modo a não ser que tenham
diferenças relevantes, isto é, diferenças que justifiquem um tratamento
diferenciado. Tal como os estudantes esperam dos seus professores
classificações consistentes, esperamos de nós mesmos e dos outros
que tomem decisões morais consistentemente. A procura de
consistência é omnipresente no nosso pensamento sobre a ética. Uma
estratégia comum para defender pontos de vista morais é afirmar que
são consistentes; uma estratégia comum para criticar pontos de vista
é acusá­los de inconsistência.
O papel argumentativo da consistência é evidente na discussão de
todas as questões morais práticas. Considere­se o papel que
desempenha no debate sobre o aborto. Quem disputa este tema

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passa grande parte do tempo a defender que as suas próprias
posições são consistentes, ao mesmo tempo que acusam os seus
opositores de ter posições inconsistentes. Cada lado da disputa
procura mostrar por que razão é (ou não é) análogo de forma
relevante a casos canónicos de assassínio. A maior parte das pessoas
que pensam que o aborto é imoral (e muito provavelmente todos os
que pensam que deve ser ilegal) afirmam que o aborto é análogo de
forma relevante ao assassínio, ao passo que quem pensa que o
aborto deve ser legal afirmam que o aborto é relevantemente diferente
do assassínio. O que não encontramos é pessoas que pensem que o
aborto é um assassínio e, contudo, totalmente moral.

A consistência desempenha igualmente um papel central nos debates
sobre a liberdade de opinião ou discurso e sobre o paternalismo e o
risco. Quem se opõe à censura argumenta muitas vezes que os livros,
quadros, filmes, peças de teatro ou esculturas que algumas pessoas
querem censurar são análogas de forma relevante a outras
manifestações artísticas que a maior parte de nós não queremos ver
censurada. Afirmam ainda que a pornografia é uma forma de discurso
e que se pode ser proibida porque a maioria a acha ofensiva, então a
consistência exige que censuremos qualquer discurso que ofenda a
maioria. Conversamente, quem defende que podemos legitimamente
censurar a pornografia procura por todos os meios explicar por que
razão a pornografia é relevantemente diferente de outras formas de
discurso que queremos proteger. Ambos os lados da disputa querem
mostrar que a sua posição é consistente e que a posição contrária é
inconsistente.

Apesar de a consistência ser geralmente reconhecida como um
requisito da moralidade, em casos específicos é muitas vezes difícil
detectar se uma pessoa é (ou foi) consistente ou inconsistente. Uma

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pessoa pode parecer agir de forma consistente ou inconsistente
unicamente porque não estamos a ver a complexidade do seu
raciocínio moral, ou porque não compreendemos os pormenores
relevantes. Como veremos, determinar o que é moralmente relevante
ou não está muitas vezes no centro de muitas discussões morais.
Contudo, o que toda a gente reconhece é que se uma pessoa for
inconsistente, então isso é uma razão forte para rejeitar a sua posição
a não ser que possamos encontrar uma forma de eliminar essa
inconsistência.

Princípios correctos:
Não basta ser consistente. Temos também de usar directrizes,
princípios e padrões apropriados, ou de fazer juízos apropriados.
Teorizar sobre a ética é uma boa maneira de discernir os melhores
padrões e directrizes (os mais defensáveis), de identificar as
características moralmente relevantes das nossas acções, de
aumentar a nossa capacidade para fazer bons juízos. Mais abaixo irei
discutir como se seleccionam e defendem esses princípios — como
determinamos o que é moralmente relevante.
“Aplicação” correcta:
Mesmo que “saibamos” o que é moralmente relevante, e mesmo que
raciocinemos consistentemente, podemos cometer erros. Considere­
se as maneiras como posso aplicar mal as “regras” que proíbem a) a
mentira e b) magoar os outros. Suponha­se que a minha mulher
chega a casa com uma camisola nova muito garrida e quer saber se
eu gosto da camisola. Presumivelmente, não devo nem mentir nem
intencionalmente magoar os outros. Nestas circunstâncias, o que devo
fazer? Há várias maneiras de agir de modo inapropriado. 1) Posso
não ver alternativas viáveis: posso pressupor, por exemplo, que devo
mentir fortemente ou então magoá­la bastante. 2) Posso prestar
pouca atenção às suas necessidades e interesses: posso não dar

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suficiente atenção ou dar demasiada atenção à questão de saber
quão profundamente magoada ela ficará se eu for honesto (ou se não
for honesto). 3) Posso ser incorrectamente influenciado pelo interesse
próprio ou pela parcialidade pessoal: posso mentir não para não a
magoar mas porque não quero que ela fique zangada comigo. 4)
Posso saber precisamente o que devo fazer, mas não estar
suficientemente motivado para o fazer: Posso mentir porque não
quero incómodos. 5) Ou posso estar motivado para agir como devo
agir, mas não ter o talento ou aptidão para o fazer: quero ser honesto,
mas não tenho as aptidões verbais ou pessoais para ser honesto de
um modo que não a magoe.
Em todos estes casos há erros com significado moral prático. Seria
melhor para todos se tivéssemos as características pessoais que nos
permitissem evitar estes e outros erros morais. Em última análise,
devemos aprender a dar mais atenção aos outros, estar melhor
informados e estar melhor motivados. […]

Será tudo uma questão de mera opinião?

Muitas pessoas acham estranho falar de padrões morais e da
aplicação desses padrões. Algumas pessoas pensam que os juízos
morais são apenas “questões de opinião” — e sem dúvida que muitas
pessoas falam como se o pensassem. Todos nós ouvimos pessoas
“concluir” um debate sobre uma questão moral contenciosa dizendo:
“Bem, em qualquer caso, é tudo uma questão de opinião!” Suspeito
que a verdadeira função desta afirmação é mostrar que quem o diz
quer, por alguma razão, terminar o debate. Talvez essa pessoa pense
que a outra é irracional e que, por isso, já nada se ganha com o
debate. Infelizmente, esta afirmação parece dar a entender algo mais,
pois sugere que, dado que os juízos morais são apenas opiniões,
então todas as opiniões são igualmente boas (ou igualmente más).
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Implica que não podemos criticar ou escrutinar racionalmente os
nossos juízos morais (nem os de qualquer outra pessoa). Afinal de
contas, não criticamos racionalmente meras opiniões.

Será isto defensável? Não vejo como poderá sê­lo. Mesmo que
nenhuns juízos morais (contenciosos) fossem indiscutivelmente
correctos, não deveríamos concluir que todos os juízos morais são
igualmente falíveis. Apesar de não termos uma maneira clara de
decidir com toda a certeza que acções são as melhores, temos
maneiras excelentes de mostrar que algumas são deficientes.
Sabemos, por exemplo, que os juízos morais são maus se forem
baseados em informação distorcida, tacanhez, parcialidade, falta de
compreensão ou princípios morais completamente bizarros.
Conversamente, os juízos são mais plausíveis, mais defensáveis, se
forem baseados em informação completa, cálculo cuidado, percepção
astuta, e se tiverem sobrevivido com êxito à crítica alheia no mercado
de ideias.

Considere­se a seguinte analogia: nenhumas regras de gramática ou
de estilo irão determinar de forma precisa o modo como devo construir
a frase seguinte. Contudo, não se deve daí concluir que posso usar
apropriadamente qualquer sequência de palavras. Alguns amontoados
de palavras não são frases e algumas frases são uma completa
algaraviada. Outras frases podem estar gramaticalmente correctas —
e até ser elegantes — e no entanto ser inapropriadas porque não têm
qualquer conexão com as frases anteriores ou seguintes. Todas essas
colecções de palavras são claramente inaceitáveis nestas
circunstâncias, mas noutros contextos as mesmas palavras poderão
ser apropriadas. Muitas outras frases estão gramaticalmente
correctas, são relevantes e minimamente claras, e contudo têm outras
falhas. Podem ser algo vagas, por exemplo, ou imprecisas. Outras

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01/08/2016 Teorias sobre a ética

frases podem ser compreensíveis, relevantes e em geral precisas,
mas ser garridas ou falhas de estilo. Algumas frases alternativas
podem ser todas adequadas, de modo que não haverá qualquer razão
forte para preferir umas a outras. Talvez algumas sejam
particularmente brilhantes. Nenhum manual de gramática nos
permitirá fazer todas estas distinções, nem nos dará a capacidade
para identificar claramente as melhores frases. E mesmo que as
pessoas em geral (ou até os melhores escritores) discutissem os
méritos e deméritos de cada uma das frases, seria improvável que se
decidisse que só uma delas é a melhor. Todavia, não temos
problemas em distinguir o lixo estilístico ou o inaceitavelmente vago do
sublime linguístico. Em suma, não temos de pensar que uma frase é a
única boa para reconhecer que algumas são melhores e outras piores.
O mesmo acontece em ética. Podemos nem sempre saber como agir;
podemos enfrentar desacordos substanciais sobre algumas questões
éticas muito contenciosas. Mas daqui não se deve inferir que todas as
ideias morais são iguais.

Não se deve igualmente ignorar o facto óbvio de que as circunstâncias
exigem muitas vezes a nossa acção, ainda que não existe, ou não
consigamos ver que existe, uma só acção moral apropriada. Contudo,
a nossa incerteza não nos leva a pensar que todas as perspectivas
são iguais, nem a agir como se o fossem. Não mandamos uma moeda
ao ar para decidir se devemos desligar a máquina que mantém os
nossos pais vivos, ou para decidir com quem vamos casar, ou que
emprego aceitar ou se uma pessoa acusada de um dado crime é
culpada. Devemos procurar tomar uma decisão informada, baseada
nos melhores indícios, agindo depois de acordo com isso, ainda que
os melhores indícios nunca garantam a certeza. Para tomar uma
decisão informada devemos compreender as questões relevantes,
adoptar uma perspectiva de mais longo prazo, pôr de lado

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parcialidades irracionais, e inculcar uma vontade de sujeitar as nossas
conclusões hipotéticas à crítica alheia.

Afinal de contas, as nossas acções afectam os outros profundamente,
por vezes, e as circunstâncias podem exigir a nossa acção. Não
devemos lamentar a nossa incapacidade para ter a certeza de que
descobrimos aquela acção que é a melhor; devemos pura e
simplesmente fazer a melhor escolha que nos for possível. Devemos,
é claro, reconhecer a nossa incerteza, admitir a nossa falibilidade e
estar preparados para considerar novas ideias, especialmente quando
são sustentadas por argumentos fortes. Contudo, não temos
necessidade de abraçar qualquer forma perniciosa de relativismo. Isso
seria não apenas uma confusão. Seria também um erro moral.

O papel da teoria

Mesmo quando as pessoas concordam que uma questão deve ser
avaliada, pelo menos parcialmente, por critérios de moralidade,
discordam muitas vezes sobre o modo de a avaliar. Ou, para usar a
linguagem da secção anterior, as pessoas discordam sobre os
melhores princípios ou juízos, sobre como os interpretar ou sobre
como os devemos aplicar. Em resultado disso, duas pessoas
razoáveis e decentes podem chegar a conclusões completamente
diferentes sobre se uma acção é moralmente apropriada. Eis um caso
que claramente exige a avaliação racional das nossas acções.
Devemos examinar, tentar compreender e depois avaliar as nossas
próprias razões e as razões das outras pessoas a favor das nossas
conclusões morais, ou das delas. Afinal de contas, as pessoas têm
habitualmente razões — ou pensam que têm — a favor das suas
conclusões.

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Por exemplo, as pessoas anti­aborto argumentam que o aborto é
injustificado porque o feto tem o mesmo direito à vida do que um
adulto normal, ao passo que as pessoas favoráveis ao aborto
argumentam que o aborto deve ser legal porque a mulher tem o
direito de decidir o que acontece no seu corpo e ao seu corpo. Quem
apoia a pena de morte argumenta que as execuções dissuadem o
crime, ao passo que os oponentes argumentam que é cruel e
desumano. Quem defende que a pornografia deve ser censurada
defende que degrada as mulheres, ao passo que os seus defensores
argumentam que é uma forma de discurso livre que deve protegido
por lei.

Ao dar razões a favor dos seus juízos, as pessoas citam
habitualmente algumas características da acção que consideram que
explicam ou reforçam essa avaliação. Esta função das razões não se
limita aos desacordos éticos. Posso justificar a minha afirmação de
que Fargo é um bom filme afirmando que tem personagens bem
definidas, um enredo interessante e a tensão dramática apropriada.
Isto é, identifico características do filme que penso que justificam a
minha avaliação. As características que cito, contudo, não são
exclusivas deste filme. Ao dar estas razões estou a dar a entender que
ter personagens bem definidas ou ter um enredo interessante ou ter a
tensão dramática apropriada são características importantes dos
filmes bons, sem mais. Isto não significa que estas são as únicas ou
até as mais importantes características. Nem é ainda uma decisão
quanto ao peso correcto a dar a estas características. Contudo,
significa que se um filme tem qualquer destas características, então
temos uma razão para pensar que é um bom filme.

Pode­se pôr em causa a minha avaliação do filme de três modos
diferentes: podemos pôr em causa os meus critérios, o peso que lhes

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dou ou a aplicação que faço deles (isto é, a afirmação de que o filme
satisfaz os critérios). Por exemplo, pode­se argumentar que ter
personagens bem definidas não é um critério relevante, que dei
demasiado peso a esse critério, ou que Fargo não tem personagens
bem definidas. Em defesa da minha afirmação posso explicar por que
razão penso que é um critério relevante, que lhe dei um peso
apropriado e que as personagens do filme estão bem desenvolvidas.
Neste ponto, estamos a discutir duas questões relacionadas que
surgem em “níveis diferentes”. Estamos a debater como avaliar um
filme em particular, e estamos a discutir os méritos teóricos de
diferentes critérios do que é um bom filme.

Analogamente, quando discutimos uma questão ética prática,
discutimos não apenas essa questão particular mas também, quer nos
apercebamos disso ou não, questões de nível mais elevado sobre as
questões teóricas subjacentes. Não queremos saber apenas se a
pena de morte dissuade o crime; queremos igualmente saber se a
dissuasão é moralmente importante e, se o for, quão importante o é.
Quando a teorização chega a um certo nível ou complexidade e
sofisticação, podemos começar a dizer que temos uma teoria. As
teorias éticas são apenas discussões formais e mais sistemáticas
destas questões teóricas de segundo nível. São os esforços dos
filósofos para identificar os critérios morais relevantes, o peso ou
significado de cada critério, e para oferecer alguma orientação sobre
como podemos determinar se uma acção satisfaz esses critérios. Na
próxima secção, irei esboçar brevemente algumas das teorias éticas
mais comuns.

Antes, contudo, é melhor chamar a atenção para o seguinte: Ao
pensar sobre teorias éticas, podemos ser tentados a pressupor que as
pessoas que defendem a mesma teoria farão os mesmos juízos éticos

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práticos, e que quem faz os mesmos juízos éticos práticos aceitam a
mesma teoria. Isto não é verdade. Isso não acontece com quaisquer
juízos avaliativos. Por exemplo, duas pessoas com critérios análogos
para bons filmes podem avaliar de forma diferente o filme Fargo, ao
passo que duas pessoas que gostaram de Fargo podem ter critérios
(algo) diferentes para bons filmes. O mesmo acontece em ética. Duas
pessoas com diferentes teorias éticas podem, mesmo assim,
concordar que o aborto é moralmente permissível (ou gravemente
imoral), ao passo que dois partidários da mesma teoria podem avaliar
o aborto de formas diferentes. Conhecer os compromissos teóricos de
alguém não nos diz de forma precisa que acções essa pessoa pensa
que são certas ou erradas. Diz­nos apenas de que forma essa pessoa
pensa nas questões morais — que critérios de relevância ela usa e o
peso que lhes dá.

Tipos principais de teorias

Há duas grandes classes de teorias éticas — consequencialistas e
deontológicas — que têm dado forma ao entendimento que a maior
parte das pessoas tem da ética. Os consequencialistas defendem que
devemos escolher a acção disponível que têm as melhores
consequências globais, ao passo que os deontologistas defendem que
devemos agir de modos circunscritos por regras e direitos morais e
que estas regras ou direitos se definem (pelo menos em parte)
independentemente das consequências. Vejamos cada uma das
teorias separadamente. Estas descrições serão necessariamente
ultra­simplificadas e algo vagas. Ultra­simplificadas porque não temos
espaço suficiente para fornecer uma exposição completa das duas
teorias. Vaga porque mesmo quem defende estas teorias discorda
sobre a sua interpretação correcta. Contudo, estas descrições

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deverão ser suficientes para ajudar o leitor a compreender os
aspectos mais gerais das teorias. […]

Consequencialismo

Os consequencialistas defendem que temos a obrigação de agir de
forma a produzir as melhores consequências. Não é difícil ver por que
razão se trata de uma teoria muito apelativa. Em primeiro lugar, apoia­
se no mesmo estilo de raciocínio que usamos ao tomar decisões
puramente prudenciais. Se estamos a tentar escolher a universidade a
que nos vamos candidatar, iremos ter em consideração as opções
disponíveis, iremos prever os resultados prováveis de cada uma delas
e tentaremos determinar o seu valor relativo. Feito isto, escolhemos a
universidade que oferecer o melhor resultado previsto.

O consequencialismo usa o mesmo quadro de referência, mas inclui
os interesses dos outros na “equação”. Quando enfrentamos uma
decisão moral, devemos considerar as acções alternativas disponíveis,
traçar as consequências morais prováveis de cada uma delas, e
depois seleccionar a alternativa com as melhores consequências para
todos os envolvidos. Quando descrita desta forma vaga, o
consequencialismo é claramente uma teoria apelativa. Afinal de
contas, parece difícil negar que alcançar o melhor resultado possível
seria bom. O problema, claro, é decidir que consequências devemos
ter em consideração e o peso que devemos dar a cada uma delas.
Pois sem sabermos isso não podemos saber como raciocinar sobre a
moralidade.

O utilitarismo, a forma mais comum de consequencialismo, tem uma
resposta. Os utilitaristas afirmam que devemos escolher a opção que
maximiza “a maior felicidade para o maior número”. Defendem
igualmente a completa igualdade: “cada qual conta como um e não

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mais de um”. Claro que podemos discordar sobre o que significa
exactamente a maximização da maior felicidade do maior número; e
podemos ter dúvidas sobre como se alcança tal coisa. Os utilitaristas
dos actos defendem que determinamos a correcção de uma acção se
podemos decidir que acção, nessas circunstâncias, teria mais
probabilidades de promover a maior felicidade para o maior número.
Os utilitaristas das regras, contudo, rejeitam a ideia de que as
decisões morais devam ser decididas caso a caso. Segundo eles, não
devemos decidir se é provável que uma acção particular promova a
maior felicidade para o maior número, mas se um tipo particular de
acção iria promover, se fosse seguida pela maior parte das pessoas, a
maior felicidade para o maior número.

Assim, parece que um utilitarista dos actos poderia decidir que uma
mentira, num caso particular, se justifica porque maximiza a felicidade
de todos os envolvidos, ao passo que o utilitarista das regras poderia
defender que, uma vez que se toda a gente mentisse, isso diminuiria a
felicidade, seria melhor adoptar uma regra forte contra a mentira.
Devemos obedecer a esta regra ainda que, num caso particular,
mentir possa parecer promover melhor a maior felicidade do maior
número.

Deontologia

As teorias deontológicas contrastam na sua maior parte com as
teorias consequencialistas. Ao passo que os consequencialistas
defendem que devemos sempre procurar promover as melhores
consequências, os deontologistas defendem que as nossas
obrigações morais — sejam elas quais forem — são de algum modo e
em certo grau independentes das consequências. Assim, se eu tenho
a obrigação de não matar, roubar ou mentir, estas obrigações estão

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justificadas não apenas porque seguir tais regras produz sempre as
melhores consequências.

É por isso que tantas pessoas acham que as teorias deontológicas
são tão atraentes. Por exemplo, a maior parte de nós ficaria ofendida
se alguém nos mentisse, ainda que essa mentira produzisse a maior
felicidade para o maior número. Eu ficaria sem dúvida ofendido se
alguém me matasse, ainda que a minha morte pudesse produzir a
maior felicidade para o maior número (usando os meus rins para
salvar a vida de duas pessoas, o meu coração para salvar uma
terceira, etc.). Assim, o que há de errado ou certo em mentir ou matar
não pode ser explicado, defendem os deontologistas, unicamente por
causa das suas consequências. Claro que há muito desacordo entre
os deontologistas sobre quais regras são verdadeiras. Também
discordam sobre como se determina que regras são essas. Alguns
deontologistas afirmam que a razão abstracta nos mostra como
devemos agir (Kant). Outros (McNaughton) afirmam que as intuições
são o nosso guia. Outros ainda falam de descobrir princípios que se
justificam por um equilíbrio reflexivo (Rawls, por exemplo), ao passo
que alguns defendem que devemos procurar princípios que poderiam
ser adoptados por um observador ideal (Arthur).

Alternativas

Há várias alternativas a estas teorias. Chamar­lhes “alternativas” não
significa que sejam inferiores, mas apenas que não têm
desempenhado um papel tão significativo na formação do pensamento
ético contemporâneo. Vale a pena mencionar em especial duas delas,
porque se tornaram muitíssimo influentes nas últimas duas décadas.

Teoria das virtudes A teoria das virtudes não tem sido tão influente
quanto a deontologia ou o consequencialismo na formação do

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pensamento ético moderno. Contudo, é anterior a essas duas teorias,
pelo menos enquanto teoria formal. Foi a teoria dominante dos gregos
antigos, alcançando a sua expressão mais clara na obra de
Aristóteles, Ética a Nicómaco. Durante muitos séculos, não foi nem
discutida nem advogada enquanto alternativa séria. Mas por volta dos
finais da década de 1950 começou a reaparecer na bibliografia
filosófica (a história deste reemergir é apresentada nos ensaios
reimpressos em Crisp e Slote, 1997).

Grande parte do apelo da teoria das virtudes deriva das falhas
encontradas nas alternativas canónicas. A deontologia e o
consequencialismo, defendem os partidários da teoria das virtudes,
dão uma ênfase desadequada (ou nenhuma) ao agente — ao que o
agente deve ser, aos tipos de carácter que o agente deve
desenvolver. Não dão igualmente um âmbito apropriado ao juízo
pessoal e dão demasiada ênfase à ideia de seguir regras (sejam
deontológicas sejam consequencialistas).

Sem dúvida que, ao ler alguns deontologistas e consequencialistas, dá
ideia que eles pensam que uma decisão moral é a aplicação acéfala
de uma regra moral. A regra diz “Sê honesto”; logo, devemos ser
honestos. A regra diz “Age sempre de modo a promover a maior
felicidade para o maior número”; logo, temos apenas de descobrir que
acção tem as consequências mais desejáveis, e depois fazer isso.
Assim, a ética faz lembrar a matemática. Os cálculos podem exigir
paciência e cuidado, mas não depende do juízo.

Muitos partidários das teorias canónicas acham que estas objecções
dos que defendem a teoria das virtudes são significativas e, ao longo
das últimas duas décadas, modificaram as suas teorias para, em
parte, as acomodar. O resultado, afirma Rosalind Hursthouse, é que
“as linhas de demarcação entre estas três abordagens se têm diluído
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[…] A deontologia e o utilitarismo já não se caracterizam claramente
por darem ênfase às regras ou consequências por oposição ao
carácter” (Hursthouse 1999: 4). As duas teorias dão maior ênfase ao
juízo e ao carácter. Por exemplo, Hill, apesar de ser um deontologista,
descreve a atitude apropriada relativamente ao meio ambiente de um
modo que dá ênfase à excelência ou ao carácter, e Strikwerda e May,
que de forma geral não aceitam a teoria das virtudes, dão ênfase à
necessidade de os homens sentirem vergonha pela sua cumplicidade
na violação de mulheres. Contudo, apesar de o juízo e o carácter
poderem desempenhar papéis cada vez mas importantes nas versões
contemporâneas da deontologia ou do consequencialismo, nenhum
desempenha o papel central que desempenha na teoria das virtudes.
[…]

Teoria feminista Historicamente, a maior parte dos filósofos têm sido
homens, homens com a perspectiva sexista das suas culturas. Assim,
não é surpreendente que os interesses das mulheres, e quaisquer
perspectivas que elas possam ter, não tenham desempenhado
qualquer papel real no desenvolvimento das teorias éticas canónicas.
A questão é: que nos diz isso sobre tais teorias? Poderemos, por
exemplo, limitar­nos a tirar as partes sexistas da teoria de Aristóteles e
ficar mesmo assim com uma teoria aristotélica que seja adequada
para uma época menos sexista? Podemos eliminar as partes sexistas
da ética de Kant e ficar com uma deontologia não sexista mas viável?

Nos primeiros anos do feminismo, muitos pensadores pareciam
pensar que sim. Afirmavam que a ênfase, nas teorias éticas
canónicas, na justiça, igualdade e equidade poderia dar às mulheres
todas as munições de que precisavam para reivindicar o seu lugar de
direito no mundo público.

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Outros não estavam assim tão certos disso. Por exemplo, Carol
Gilligan (1982) argumentou que as mulheres têm experiências morais
diferentes e um raciocínio moral diferente, e que estas diferenças
devem fazer parte de qualquer tratamento adequado da moralidade.
Subsequentemente, advogou uma “ética do cuidado”, que ela pensava
que exemplificava melhor a experiência e o pensamento das
mulheres.

Muitas feministas posteriores aplaudiram as críticas que a ética do
cuidado dirigiu às teorias éticas mais canónicas, nomeadamente por
não dar atenção, ou ignorar intencionalmente, as experiências e o
raciocínio das mulheres. Contudo, algumas destas feministas pensam
que essas teorias mais tradicionais, especialmente se forem
expandidas tendo uma atenção cuidadosa às questões relacionadas
com os sexos e com o desenvolvimento das capacidades
caracteristicamente humanas das pessoas, podem ir longe em
direcção a uma teoria ética adequada. No mínimo, contudo, as críticas
feministas forçaram os filósofos a reavaliar as suas teorias, e mesmo a
repensar exactamente o que é uma teoria ética e o que se espera que
alcance (Jaggar, 2000).

Hugh LaFollette
Excerto retirado de Ethics in Practice, org. por Hugh LaFollette
(Londres: Blackwell, 2001)

Leitura complementar

Crisp, R e Slote, M. A. (orgs) 1997: Virtue Ethics. Oxford: Oxford
University Press.
Gilligan, C. 1982: In a Different Voice: Psychological Theory and
Women's Development. Cambridge, MA: Harvard University Press.

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Hursthouse, R. 1999: On Virtue Ethics. Oxford: Oxford University
Press.
Jaggar, A. M. 2000: Feminist Ethics. In H. LaFollette (org.), The
Blackwell Guide to Ethical Theory. Oxford: Blackwell, pp. 348­74.
Kant, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa:
Edições 70.
LaFollette, H. 1991: “The Truth in Ethical Relativism”. Journal of
Social Philosophy 20: 146­54.
LaFollette, H. (org.) 2000: The Blackwell Guide to Ethical Theory.
Oxford: Blackwell.
McNaughton, D. 1998: Moral Vision. Oxford: Blackwell.
Mill, J. 1861/1979: Utilitarianism. Indianapolis: Hackett.
Rachels, J. 2004: Elementos de Filosofia Moral. Lisboa, Gradiva.
Scheffler, S. 1992: Human Morality. Oxford: Oxford University Press.
Singer, P. (org.) 1990: A Companion to Ethics. Oxford: Blackwell.

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