Turma: 1000 Docente: Prof. Dr. Silvio Alves Disciplina: Literatura Portuguesa I
Ensaio sobre Eurico, o presbítero
Sob a sombra das Cruzadas, Eurico, o presbítero, traz fortes traços da tragédia grega, sendo configurado por dois personagens que se amam, mas as forças do destino não permitem sua união levando-os à reclusão, à luta, à loucura e ao suicídio, no caso, uma missão suicida. Além de seu teor trágico, o que mais me chama a atenção em tal obra é o fato de os personagens serem maniqueístas, são sempre bons ou sempre maus, sem haver uma gradação entre bondade e maldade. As personagens não justificam ou corroboram seus comportamentos e seu caráter, seja ele bom ou mau, a partir das ações ou das decisões de ações diante de situações. Perante qualquer configuração, os personagens são totalmente maus ou totalmente bons. Isso se dá nas figuras de Eurico, de Hermengarda e dos árabes que invadiram a Península Ibérica. No entanto, os personagens, ao meu perceber, não são estáticos. Eurico passa de presbítero, poeta, solitário para o Cavaleiro Negro. Nisso, ele sofre uma alternância de características. Porque, ao ser o cavaleiro que tudo combate, Eurico passa a ter “carta branca” para matar os árabes. Agora, o presbítero passa a ser a representação da Igreja em suas Cruzadas, expurgando os infiéis, e não mais o presbítero de uma comunidade, que não comete pecados, sempre submisso ao celibato. Nesses fatores é possível constatar as particularidades do primeiro período romântico português, em que o patriotismo e nacionalismo tem sua presença muito marcada. Aqui, nacionalismo e religião se misturam, contando a formação do Portugal. Eurico, o presbítero, é permeado por pontos históricos que o autor, Alexandre Herculano faz questão de inserir na obra. Isso dá a impressão de que a obra está mais preocupada com a informação acerca da época medieval do que a história em si. Isso evidencia-se nas minuciosas descrições de espaços, móveis e outros. No entanto, Herculano nos dá uma configuração de espaço muito interessante, além de bastante descritivo. Eurico, após ser rejeitado por Fávila, pai de Hermengarda e de Pelágio, se torna presbítero, tendo na religião a fuga da realidade. Nessa fuga, nosso protagonista se apresenta comumente em espaços abertos, como campos, rios e montanhas se isolando para escrever seus poemas, sempre que Eurico está sozinho em espaços abertos, ele está procurando por inspiração, autoconhecimento e meditação. Já quando os personagens se configuram em espaços fechados, estão em conflitos internos, apresentando-se em desordem, perturbados. Além das dualidades já expostas (bem e mau; presbítero e cavaleiro negro; espaços abertos e espaços fechados) é interessante ressaltar a oposição entre o amor carnal e o amor divino. Eurico se apaixona perdidamente por Hermengarda, mas por conta de regras sociais, não poderão ficar juntos. Novamente, ao final do livro, este amor volta à tona com a revelação do cavaleiro à moça. No entanto, dessa vez o que impede o amor é o celibato de Eurico, então o amor carnal é superado pelo amor divino. O presbítero prefere não manchar seu celibato e nem macular a mulher amada, preferindo investir em uma missão suicida contra os árabes, deixando-se morrer. Com essas atitudes de Eurico, são constatadas suas características cavalheirescas, assemelhando a obra às novelas de cavalarias, com grande presença da cultura medieval e do nacionalismo, que é melhor morrer pela pátria a quebrar as regras e ficar junto à mulher amada. A honra sempre está acima de tudo. Outro grande cunho romântico que se pode apontar na obra é o fato de a mulher ser representada como algo puro, imaculado, angelical e frágil. Ela nunca toma suas próprias decisões e quando é forte, é para manter sua inocência intacta, quando resiste aos assédios dos árabes. A obra traz uma narrativa épica, relatando as lutas na Península Ibérica, e que também traz em sua estrutura uma linguagem rebuscada, com um grande usa de hipérbole aproximando-se assim da poesia. Os fatos são sempre relatados com tal beleza que tanto a estrutura quanto o conteúdo são de grande apreço, além de suas referências históricas, sempre corretas e pintando a Idade Média com uma vasta verossimilhança. O livro carrega, além da narrativa épica, enaltecendo um herói, uma crítica à Igreja e ao celibato que ela impõe. O autor critica, muito sutilmente a opressão que tal instituição exercia sobre os clérigos e também sobre os cidadãos comuns. Enfim, Eurico, o presbítero, é uma obra completa que concilia epopeia, aventura medieval, História, críticas sociais e enredo com traços trágicos, sem nunca deixar de estar sempre apresentando fortemente características da primeira fase do Romantismo português.