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Senhor,

eu vivo coitada SenEmentos do sujeito poéEco


vida des quando vos nom vi;
mais pois vós queredes assi, - Amor profundo pela “Senhor”;
por Deus, senhor bem talhada,
querede-vos de mim doer - desespero – por não ver a sua amada
ou ar leixade-m’ir morrer. . aEtude suplicante - subserviente

Vós sodes tam poderosa
de mim que meu mal e meu bem O sujeito poéEco expressa os seus
em vós é todo; [ e ] por em, senEmentos ao longo da canEga de amor
por Deus, mia senhor fremosa, “Senhor, eu vivo coitada”.
querede-vos de mim doer
Assim, revela o seu amor profundo por
ou ar leixade-m’ir morrer.
esta mulher, mostrando o desespero que
Eu vivo por vós tal vida sente por não a ver. O seu senEmento é
que nunca estes olhos meus tão forte que assume uma aEtude
dormem, mia senhor; e por Deus, suplicante perante ela, prestando-lhe
que vos fez de bem comprida, total vassalagem.
querede-vos de mim doer Em suma, o eu lírico declara, nesta
ou ar leixade-m’ir morrer. canEga, a sua total submissão a este
amor.
Ca, senhor, todo m’é prazer
quant’i vós quiserdes fazer.
Senhor, eu vivo coitada
vida des quando vos nom vi;
Caracterização da “Senhor”
mais pois vós queredes assi, − «bem talhada» (v. 4), isto é, esbelta, revelando um
por Deus, senhor bem talhada, corpo bonito;
querede-vos de mim doer − «tam poderosa / de mim» (vv. 7-8), ou seja,
ou ar leixade-m’ir morrer. idolatrada e, portanto, exercendo poder sobre o «eu»;
− «fremosa» (v. 10), com bela figura, graciosa;
Vós sodes tam poderosa − «de bem comprida» (v. 16), ou seja, dotada de
de mim que meu mal e meu bem muitos dons.
em vós é todo; [ e ] por em,
por Deus, mia senhor fremosa,
A «Senhor» descrita nesta canEga obedece às leis do
querede-vos de mim doer
código cortês da Lírica Trovadoresca.
ou ar leixade-m’ir morrer.
Esta é uma mulher «bem talhada», isto é, esbelta,

«fremosa», revelando um corpo bonito e muita
Eu vivo por vós tal vida
graciosidade. Estas qualidades não se resumem ao
que nunca estes olhos meus aspeto asico, já que o sujeito poéEco refere que ela é
dormem, mia senhor; e por Deus,
«de bem comprida», ou seja, dotada de valores
que vos fez de bem comprida,
morais, fazendo dela uma mulher perfeita. É ainda
querede-vos de mim doer
explícito o poder que esta «Senhor» exerce sobre o
ou ar leixade-m’ir morrer.
eu, o que comprova a idolatria que ele sente por ela.

Concluindo, a mulher nesta canEga de amor, assim
Ca, senhor, todo m’é prazer
como em todas as outras, é completamente deificada
quant’i vós quiserdes fazer.
pelo eu-lírico.

Senhor, eu vivo coitada
vida des quando vos nom vi;
MoEvos da súplica conEda no refrão
mais pois vós queredes assi,
por Deus, senhor bem talhada, •  Súplica assente:
- na infelicidade que sente, desde que, por decisão
querede-vos de mim doer
ou ar leixade-m’ir morrer. da dama, deixou de a ver;
- na dificuldade de viver sem a amada, dado o amor

absoluto que sente por ela;
Vós sodes tam poderosa
− na vivência de um intenso sofrimento amoroso que
de mim que meu mal e meu bem
provoca um estado de vigília constante.
em vós é todo; [ e ] por em,
por Deus, mia senhor fremosa,
querede-vos de mim doer O refrão presente em “Senhor, eu vivo coitada”
ou ar leixade-m’ir morrer. revela o tom suplicante da canEga, devido a três
aspetos principais.
Eu vivo por vós tal vida O sujeito poéEco revela toda a infelicidade em que
que nunca estes olhos meus vive desde que, por decisão da dama, deixou de a ver,
dormem, mia senhor; e por Deus, admiEndo que é diacil viver sem ela, visto que o amor
que vos fez de bem comprida, que sente é avassalador. Exatamente por isso, vive em
querede-vos de mim doer constante estado de vigília, sendo que “nunca [os
ou ar leixade-m’ir morrer. seus] olhos [...] dormem”.
Posto isto, e tendo em conta a sua tão grande coita
Ca, senhor, todo m’é prazer amorosa, o eu lírico suplica à “Senhor” para o “leixade
quant’i vós quiserdes fazer. [...] morrer”.

Senhor, eu vivo coitada
vida des quando vos nom vi;
Expressividade da oração subordinada
mais pois vós queredes assi, adverbial consecuEva
por Deus, senhor bem talhada,
querede-vos de mim doer − a consequência de viver uma vida desgraçada é nunca
ou ar leixade-m’ir morrer. dormir, nunca descansar, estar sempre vigilante.
- reforça a magnitude do seu amor
Vós sodes tam poderosa
de mim que meu mal e meu bem
em vós é todo; [ e ] por em, A oração subordinada adverbial consecuEva
por Deus, mia senhor fremosa, comprova a intranquilidade em que o sujeito poéEco
querede-vos de mim doer vive.
ou ar leixade-m’ir morrer. A oração presente em “que nunca estes olhos
meus/dormem” procura reforçar a magnitude dos
Eu vivo por vós tal vida senEmentos do “eu” lírico, na medida em que as suas
que nunca estes olhos meus insónias são provocadas pelo desespero amoroso que
dormem, mia senhor; e por Deus, este sente.
que vos fez de bem comprida, Em suma, esta oração torna-se crucial para o
querede-vos de mim doer entendimento global da canEga.
ou ar leixade-m’ir morrer.

Ca, senhor, todo m’é prazer
quant’i vós quiserdes fazer.

Senhor, eu vivo coitada
vida des quando vos nom vi;
Relação existente entre o eu lírico e a
mais pois vós queredes assi, “Senhor”
por Deus, senhor bem talhada,
querede-vos de mim doer − indiferença e superioridade da “Senhor” em relação
ou ar leixade-m’ir morrer. ao eu poéEco
- subserviência do sujeito poéEco face à “Senhor”
Vós sodes tam poderosa
de mim que meu mal e meu bem
em vós é todo; [ e ] por em, A relação que se estabelece entre o sujeito poéEco e
por Deus, mia senhor fremosa, a “Senhor” é perfeitamente desigual.
querede-vos de mim doer A mulher amada revela indiferença e superioridade
ou ar leixade-m’ir morrer. em relação ao eu lírico, na medida em que é ela quem
o impede de a ver, dominando toda a situação. Em
Eu vivo por vós tal vida contraparEda, este manifesta total submissão e
que nunca estes olhos meus subserviência em relação à dona da sua vida que pode
dormem, mia senhor; e por Deus, fazer o que quiser, pois tudo será bem aceite por ele.
que vos fez de bem comprida, Em conclusão, poder-se-á afirmar que esta é uma
querede-vos de mim doer relação que espelha as leis da vassalagem da época
ou ar leixade-m’ir morrer. medieval.

Ca, senhor, todo m’é prazer
quant’i vós quiserdes fazer.

Senhor, eu vivo coitada
vida des quando vos nom vi;
Expressividade do úlEmo dísEco na
mais pois vós queredes assi, construção de senEdos da canEga
por Deus, senhor bem talhada,
querede-vos de mim doer − total submissão à vontade da dama ;
ou ar leixade-m’ir morrer. − devoção amorosa, presente no comprazimento
senEdo perante a decisão da «senhor», qualquer que
Vós sodes tam poderosa ela seja;
de mim que meu mal e meu bem − afirmação de que a expressão do amor está
em vós é todo; [ e ] por em, totalmente dependente da sua dama;
por Deus, mia senhor fremosa, − esperança de que a súplica seja ouvida.
querede-vos de mim doer
ou ar leixade-m’ir morrer. A úlEma estrofe da canEga encerra em si toda a
submissão à qual o eu lírico se sujeita.
Eu vivo por vós tal vida Ao longo da canEga, é visível a devoção amorosa
que nunca estes olhos meus presente no comprazimento senEdo perante a
dormem, mia senhor; e por Deus, decisão da “Senhor” (qualquer que ela seja), por isso,
que vos fez de bem comprida, o amor que o sujeito sente caracteriza-se por uma
querede-vos de mim doer dependência total pela dama, restando-lhe apenas
ou ar leixade-m’ir morrer. que a sua súplica seja ouvida.
Em suma, em “Senhor, eu vivo coitada”, a aEtude
Ca, senhor, todo m’é prazer do sujeito é de completa subserviência à “Senhor”.
quant’i vós quiserdes fazer.

Senhor, eu vivo coitada Análise formal da canEga
vida des quando vos nom vi;
mais pois vós queredes assi, Esta é uma canEga de refrão com três
por Deus, senhor bem talhada,
estrofes, de quatro versos, seguidos de refrão
querede-vos de mim doer
ou ar leixade-m’ir morrer.
dísEco, e uma úlEma estrofe de dois versos que
funciona como conclusão da canEga.
Vós sodes tam poderosa O seu esquema rimáEco é abbaCC, ou seja, a
de mim que meu mal e meu bem rima é interpolada em A e emparelhada em B e
em vós é todo; [ e ] por em, C, sendo maioritariamente pobre no que
por Deus, mia senhor fremosa, respeita às classes de palavras. Quanto à
querede-vos de mim doer acentuação, a rima é equitaEvamente aguda
ou ar leixade-m’ir morrer. (como em “vi”/”assi”) e grave (como em

“coitada”/”talhada”) nas estrofes e aguda no
Eu vivo por vós tal vida
refrão (“doer”/”morrer”). Quanto à fonia a
que nunca estes olhos meus
dormem, mia senhor; e por Deus, rima é maioritariamente consoante, exisEndo
que vos fez de bem comprida, apenas um exemplo de toante no segundo e
querede-vos de mim doer terceiro versos da primeira estrofe.
ou ar leixade-m’ir morrer. No que diz respeito à métrica, existem versos
heptassilábicos (“Se/nhor/eu/vi/vo/coi/ta) e
Ca, senhor, todo m’é prazer octossilábicos (“vi/da/des/quan/do/vos/nom/
quant’i vós quiserdes fazer. vi”).

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