Você está na página 1de 8

Exercício Exame- Cantigas de Amigo

Leia o seguinte texto de Dom Dinis. Em caso de necessidade, consulte o glossário apresentado,
por ordem alfabética, nas Notas.

– Ai flores, ai flores do verde pino,


Se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,


Se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,


Aquel que mentiu do que pôs comigo!
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,


Aquel que mentiu do que mi á jurado!
Ai Deus, e u é?

– Vós me preguntades polo voss’amigo,


E eu bem vos digo que é san’e vivo.
Ai Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss’amado,


E eu bem vos digo que é viv’e sano.
Ai Deus, e u é?

E eu bem vos digo que é san’e vivo


E seera vosc’ant’o prazo saído.
Ai Deus, e u é?
E eu bem vos digo que é viv’e sano
E seera vosc’ant’o prazo passado.
Ai Deus, e u é?

A Lírica Galego-Portuguesa (ed. Elsa Gonçalves e Maria Ana Ramos), 2.ª ed., Lisboa, Comunicação, 1985

Notas

Do que pôs comigo (v. 8): sobre aquilo que combinou comigo.
Pino (v. 1): pinheiro.
Sano (v. 14): saudável.
Seera vosc’ant’o prazo saído (v. 20): estará convosco antes de terminar o prazo.

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens.

1. Delimite as partes que compõem o texto, justificando a sua resposta.

2. A questão da fidelidade do «amigo» percorre a cantiga.


Explicite o modo como é tratada por cada uma das vozes presentes no texto.

3. Analise o papel desempenhado pelas «flores do verde pino».

4. Indique três características temáticas do poema que contribuem para a sua inserção no
género das cantigas de amigo.
Correção:

1. A estrutura bipartida da cantiga relaciona-se com o carácter dialógico da mesma, uma


vez que, nas quatro primeiras estrofes (vv. 1-12), a donzela interroga a Natureza sobre o
paradeiro do «amigo», e, nas quatro restantes estrofes (vv.13-24), «as flores do verde
pino» respondem à sua interpelação.

2. O «amigo» é referido pela donzela como tendo mentido, faltando a um juramento (v.
11), ou a um compromisso (v. 8). A essa infidelidade, que é imaginada pela própria
ânsia e saudade da donzela, é contraposta, pela voz atribuída às «flores do verde pino»,
uma atitude de fidelidade, pois, segundo essa voz afirma, ele voltará até mesmo antes
do prazo combinado.

3. A donzela sente temor pela sorte do «amigo», de quem não tem notícias, e cria um
interlocutor fictício para desabafar. A esse confidente imaginado – símbolo do seu
próprio amor – confessa a sua saudade e inquietação, e dele ouve a seguir o que tanto
deseja ouvir: que o amigo está bem e que voltará em breve. Essa personificação
benfazeja das «flores do verde pino» estabelece a comunhão da donzela com a
Natureza.

4. Na resposta, podem ser indicadas, entre outras, três das seguintes características:
– Representação de um sujeito poético feminino, como falante e como ouvinte;
– Lugar central dado à referência ao namorado ( «amigo», «amado» );
– Expressão, por parte da donzela, do desejo de um encontro amoroso;
– Interpelação da Natureza como confidente.

Exercício exame- Cantigas de Amor

Leia a cantiga de D. Dinis a seguir transcrita. Em caso de necessidade, consulte as notas


e o glossário apresentados.

Senhor, eu vivo coitada


Vida des quando vos nom vi;
Mais pois vós queredes assi,
Por Deus, senhor bem talhada,
Querede-vos de mim doer
Ou ar leixade-m’ir morrer.

Vós sodes tam poderosa


De mim que meu mal e meu bem
Em vós é todo; [e] por em,
Por Deus, mia senhor fremosa,
Querede-vos de mim doer
Ou ar leixade-m’ir morrer.
Eu vivo por vós tal vida
Que nunca estes olhos meus
Dormem, mia senhor; e por Deus,
Que vos fez de bem comprida,
Querede-vos de mim doer
Ou ar leixade-m’ir morrer.

Ca, senhor, todo m’é prazer


Quant’i vós quiserdes fazer.

D. Dinis – Cancioneiro, edição de Nuno Júdice, Lisboa, Teorema, 1998

GLOSSÁRIO e notas

Ar (versos 6, 12 e 18) – então.


Ca (verso 19) – porque.
De bem comprida (verso 16) – com muitas virtudes.
Des (verso 2) – desde.
Doer (versos 5, 11 e 17) – ter dó; condoer.
Mais (verso 3) – mas.
Por em (verso 9) – por isso.
Sodes tam poderosa / de mim (versos 7-8) – tendes tanto poder sobre mim.

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Identifique, neste poema, três características do género das cantigas de amor.

2. Transcreva as expressões que se referem aos atributos da dama, indicando as


qualidades que o trovador realça em cada uma delas.

3. Explicite duas das razões que motivam a súplica do «eu», contida no refrão.

4. Analise o dístico final (versos 19-20), referindo-se a dois dos sentidos nele
presentes.
Correção

1. Algumas das características são, por exemplo:


− A voz masculina do sujeito poético;
− O amor tratado segundo o ideal de amor cortês;
− A acentuação dos aspetos contraditórios do sentimento amoroso;
− A invocação da «senhor», numa atitude de súplica e de submissão;
− O elogio reiterado dos poderes e da beleza da dama, de acordo com o código da lírica
provençal.

2. A «senhor» é descrita como tendo os seguintes atributos e qualidades:


− «Bem talhada» (v. 4), isto é, esbelta, revelando um corpo bonito;
− «Tam poderosa / de mim» (vv. 7-8), ou seja, idolatrada e, portanto, exercendo poder
sobre o «eu»;
− «Fremosa» (v. 10), com bela figura, graciosa;
− «De bem comprida» (v. 16), ou seja, dotada de muitos dons.

3. A súplica, contida no refrão, dirigida à «senhor» pelo sujeito poético assenta nas razões
seguintes:
− A infelicidade ( «coitada / vida» – vv. 1-2) que sente, desde que, por decisão da dama,
deixou de a ver;
− A dificuldade de viver sem a amada, dado o amor absoluto que sente por ela ( «meu
mal e meu bem / em vós é todo» – vv. 8-9);
− A vivência de um intenso sofrimento amoroso que provoca um estado de vigília
constante ( «Eu vivo por vós tal vida / que nunca estes olhos meus / dormem» – vv. 13-
15).

4. No dístico final (vv. 19-20), o sujeito revela a causa da sua infelicidade e da reiterada
súplica à dama, nomeadamente:
− A total submissão à vontade da dama ( «quant’i vós quiserdes fazer» – v. 20);
− A devoção amorosa, presente no comprazimento sentido perante a decisão da
«senhor», qualquer que ela seja («Ca, senhor, todo m’é prazer / quant’i vós quiserdes
fazer» – vv. 19-20);
− A afirmação de que a expressão do amor está totalmente dependente da sua dama;
− A esperança de que a súplica seja ouvida.
Exercício Exame- Cantigas de Escárnio e Maldizer

Leia a cantiga de Pero Garcia Burgalês. Se necessário, consulte as notas.

Roi Queimado morreu com amor


Em seus cantares, par Santa Maria,
Por u~a dona que gram bem queria;
E, por se meter por mais trobador,
Por que lh’ela nom quis [o] bem-fazer,
Feze-s’el em seus cantares morrer,
Mais resurgiu depois, ao tercer dia.

Esto fez el por u~a sa senhor


Que quer gram bem; e mais vos ém diria:
Por que cuida que faz i maestria,
Enos cantares que fez, á sabor
De morrer i e des i d’ar viver;
Esto faz el, que x’o pode fazer,
Mais outr’omem per rem nono faria.

E nom á ja de sa morte pavor,


Se nom, sa morte mais la temeria,
Mais sabe bem, per sa sabedoria,
Que viverá, des quando morto for;
E faz- [s’] em seu cantar morte prender,
Des i ar vive: vedes que poder
Que lhi Deus deu, – mais queno cuidaria!

E se mi Deus a mi desse poder


Qual oj’el á, pois morrer, de viver,
Ja mais morte nunca [eu] temeria.

A Lírica Galego-Portuguesa, ed. de Elsa Gonçalves e Maria Ana Ramos, 2.ª ed.,
Lisboa, Comunicação, 1985, p. 230.

NOTAS
Á sabor / de morrer i e des i d’ar viver (versos 11-12) – tem gosto em morrer neles e
depois voltar a viver.
Ém (verso 9) – isso (o assunto).
Faz i maestria (verso 10) – nisso mostra grande talento.
Nono (verso 14) – não o.
Per rem (verso 14) – por coisa nenhuma.
Por se meter por mais trobador (verso 4) – para se mostrar melhor trovador.
Qual oj’el á, pois morrer, de viver (verso 23) – que ele hoje tem, que é o de viver depois
de ter morrido.
Queno (verso 21) – quem o.
1. Com base na primeira estrofe do poema, explicite dois dos motivos pelos quais Roi
Queimado é alvo da sátira de Pero Garcia Burgalês.

2. Refira de que modo a crítica inicial é desenvolvida na segunda e na terceira


estrofes, destacando dois aspetos relevantes.

3. Proceda à análise formal da cantiga, no que respeita à estrutura estrófica e à rima.

4. Analise a importância da finda para o sentido geral do poema.

Correção

1. Com base na primeira estrofe, Roi Queimado é o alvo da sátira de Pêro Garcia
Burgalês pelos seguintes motivos:
− Ter proclamado, nos seus cantares, a sua morte «por u~a dona que gram bem
queria» (v. 3), dado ela não corresponder ao seu sentimento amoroso (v. 5);
− Revelar o artificialismo da coita de amor subjacente às convenções do código de
amor cortês (vv. 6-7).

2. A crítica humorística inicial é reiterada, com algumas variações, na segunda e na


terceira estrofes, no que se refere aos seguintes aspetos:
− A falta de talento poético do trovador satirizado, que, no entanto, se considera um
bom trovador (v. 10);
− O manifesto exagero com que afirma, nesses seus cantares corteses, que morre
pela sua «senhor» (vv. 11-12);
− A capacidade de morrer e de ressuscitar na sua poesia, que sugere que Roi
Queimado seria dotado de um poder especial, que mais nenhum homem possuiria
(vv. 13-14);
− A imaginária benção recebida por graça divina (vv. 20-21).

3. O poema (uma cantiga de mestria) é composto por quatro estrofes, correspondendo


a última à finda. Exceto esta, que é um terceto, as restantes estrofes são constituídas
por sete versos.
O esquema rimático (fixo) é abbaccb nas três primeiras estrofes e ccb na finda,
apresentando rima interpolada no primeiro e no quarto versos das estrofes e
emparelhada no segundo, terceiro, quinto e sexto versos. O sétimo verso retoma a
rima do segundo e terceiro versos.

4. Na finda desta cantiga, o trovador reafirma as razões que motivaram a sátira a Roi
Queimado, apresentadas nas estrofes anteriores. Assim, conclui, em tom jocoso,
que também gostaria de receber de Deus esse poder de ressuscitar, embora saiba
muito bem, como Roi Queimado sabe, que não chega nunca a haver senão uma
morte fingida.

Você também pode gostar