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All content following this page was uploaded by Jônatas Ferreira de Lima Souza on 20 November 2020.
PROVA 1
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Informações baseadas nos verbetes: formalismo e estereotipia do Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss
(2009).
que pode fazer pensar, como mostra a citação, não pode ser considerada totalmente
fomentadora de algum estereótipo. Logo, são temáticas engenhosas, que, muitas vezes,
variam o tema central das cantigas.
Diante dessa polissemia da palavra, os versos da lírica trovadoresca tornam o eu-lírico
mais complexo, pois envolve indivíduo e subjetividade, que são conceitos modernos. Como
veremos, esse eu-lírico será impessoal em muitas cantigas, principalmente nas mais formais,
sendo complicada a identificação de um sujeito, portanto, serão versos desprovidos de um
caráter subjetivo.
Vamos tomar exemplos comparativos para cada cantiga (amor, amigo escárnio,
maldizer), e buscar identificar nelas os elementos apresentados na citação.
Cantigas de Amor
E nom sei eu como possa morar Amor, castiga-te desto por en:
u nom vir vós, que me fez Deus querer que me nom tolhas meu sono por quem
bem, por meu mal; por en quero saber: me quis matar e me teve em desdém
[e] quando vos nom vir, nem vos falar, e de mia morte será pecador.
senhor fremosa, que farei entom? Pois m'ela nunca quiso fazer bem,
Dized', ai coita do meu coraçom! que me queres, Amor?
D. Dinis D. Dinis
Boa parte das cantigas de escárnio tornaram hilárias as situações das cantigas de amor.
O eu-lírico do escárnio é plural, podendo ser pessoal. Por esse caráter, essas cantigas, como
objetos de pesquisa dos historiadores, podem ajudar na percepção de elementos do cotidiano
medieval (em vários âmbitos e perspectivas, da corte ao bordel), no caso do Trovadorismo
galego-português, entre os séculos XII e XIV, principalmente. Em um ambiente vigiado pela
Igreja, é possível perceber as versatilidades de assuntos cantados ao público. Esses elementos
são fundamentais para se romper com os muitos estereótipos criados para o medievo.
Existem diferenças entre as cantigas ditas de escárnio e as ditas de maldizer. A cantiga
de maldizer possui um alvo conhecido para o escárnio, essa chacota, sendo o caso da cantiga
da esquerda, de Martim Soares a Afonso do Cotom. Além de satirizar elementos presentes nas
tradições, principalmente nas cantigas de amor, como vemos nos trechos sublinhados, o
trovador transfere o eu-lírico para o outro, afim de fazer escárnio dele, ou seja, um maldizer.
Na cantiga da direita, de João de Guilhade, temos apenas o escárnio, uma vez que o alvo da
chacota ou ironia é desconhecido. No caso de Guilhade, vemos uma sátira que ironiza uma
dona que pede por cortejo. Esse elemento desvirtua a mulher, tradicionalmente cobiçada, das
cantigas de amor, tanto quanto o eu-lírico feminino, que era ainda almejada pelos homens por
sua carga semântica erótica e fremosidade. A marca do seu refrão é chave para essa
compreensão, pois este é o louvor desse eu-lírico à mulher: “dona fea, velha e sandia
(louca)”. A temática do amor feminino, portanto, também é alvo do escárnio e seu amor é
carnalizado, barganhado ou mesmo desprezado pelo eu-lírico masculino, nessas cantigas.
Assim, compreendemos que as cantigas trovadorescas possuem uma formalidade
marcada por graus, pois, podem lidar com os mesmos temas por meio de diversos estilos e
linguagens. As cantigas de amor são as mais formais e lidam com a temática da coita do
coração; as cantigas de amigo, menos formais que as de amor, são marcadas pela presença
mimética do eu-lírico feminino, que observa a tradição de outro ponto de vista: o da mulher;
as cantigas de escárnio e maldizer são menos formais que as duas anteriores, com versos bem
mais narrativos e há menos preocupação com rimas ou estruturas mais tradicionais, apesar de
ainda existirem, como vimos em Guilhade, com o uso do refrão, mesmo que como um reforço
de sua sátira. As temáticas são trabalhadas de diversas formas, sendo complexa sua adequação
a algum tipo de rótulo ou estereótipo, da mesma forma que, o eu-lírico, ainda é um tanto
impessoal nas cantigas, sendo que, gradativamente, nos séculos seguintes, a subjetividade vai
se revelando entre os versos, principalmente com os poetas.
REFERÊNCIAS
SARAIVA, A. J.; LOPES, O. 1.ª Época – Das origens a Fernão Lopes: capítulo II – A Poesia
dos Cancioneiros. In: ______. História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora, 2010.
p. 44-68.
SPINA, Segismundo. A Cultura Literária Medieval: uma introdução. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2007. pp. 20-22; 41-48; 61-64.
VIEIRA, Y.; CABANAS, M.; CABO, J. Afonso Eanes do Cotom. Sobre o trovador e suas
cantigas. In: ______. O Caminho Poético de Santiago: lírica galego-portuguesa. São Paulo:
Cosac Naify, 2015.