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BIBLIOTECA DA MULHER

PAULO COMBES

11

O MVHO Dl DONA DE �lU


ANOTADO POR JOSÉ AGOSTINHO

4.• EDIÇÃO

1934
Emprêsa EDUCAÇÃO NACIONAL
Rua das Oliveiras, 75
- Pôrto

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Propriedade da Emprêsa Educação Nacional
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da Soeledade de Papelarlm. L.da

Rua da Boavúta. 321-PIIrto. 1934.

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BIBLIOTECA DA MULHER

Cada volume em brochura . 10$00

1. - O Livro da Espôsa, por Paulo Combes.


2.- O Livro da Dona de Casa, por Paulo Combes.
5. - O Livro da Mãi, por Paulo Combes.

4. - O Livro da Educadora, por Paulo Combes.


A Mulher na Família, pela Baroneza Staff.
Os Meus Segredos de agradar, pela Baroneza Staff.

Cartas a Luisa, por Maria Amália Vaz de Carvalho.


Mulheres e Crian ças, por Maria Amália \.-"az de
Carvalho.
A Mulher em Portugal, por Victor de Moigénie.

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PREFÁCIO E PLANO GERAL
DA

BIBLIOTECA DA MULHER

A mulher possue no seio da família e n a


sociedade, naturalmente e pela fôrça das cir­
cunstâncias, uma Importante e muito complexa
influência. Em todos os tempos os teólogos, os
filósofos, os m oralistas, os escritores- prosa­
dores e poetas - têm tido a noção da impor­
tância social da mulher e, portanto, a noção
também da necessidade de se orientar a com­
panheira do h omem como seu auxiliar na mis­
são a cumprir.
Tão legítima preocupação dá origem a uma
verdadeira literatura, muito abundante, muito
complexa, mas bastante desigual, contendo
alguns bons livros disseminados entre mon­
tões de obras sem valor.
A maior parte dos c:conselheiros da mulher•
trilha um caminho falso, porque se dirigem a
um ser idealizado, que não existe na realidade.
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VI

Quási todos seguem um caprichoso processo,


tão freqUente nos moralistas filósofos, e que
consiste em considerar abstractamente a mu­
lher em si, despojada de todos os atributos da
\lida. A mulher, que têm em \lista, nenhuma
semelhança apresenta com qualquer das mu­
lheres que conhecemos, não foi moldada com
a mesma argila e não descende, certamente,
de E\la.
Dêste m odo, quando um daqueles li\lros cai
sob os olhos das espôsas, das mãis- numa
pala\lra, de mulheres com existência e actl\11-
dade real - elas in\larià\lelmente, no fim da
leitura, depõem o \lolume, pensando :
- Isto não foi escrito para mim !
É que o valor dum livro é proporcional à
exactidão, à clara evidência com que repre­
senta as realidades concretas da existência.
A medida da sua influência é a impressão que
produz nos espíritos, a maneira como desen­
\lol\le em cada um dos que o lêem c o que já
esta\la dentro dêles, mais ou m enos obscura­
mente , - como notara Ballanche.
Porque é bem \lerdade que não se encontra
nos livros senão o que já temos no espírito e
no coração, e que tõda a frase será uma voz
extinta, se não despertar um eco na alma do
leitor.
Realmente, não se escreve para as mulhe-

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VIl

res, quando se tomam abstractamente as suas


particularidades individuais, quando os escritos
se referem a um tipo fantasiado, criado, ele­
mento por elemento, em virtude de uma con­
cepção puramente filosófica.
Escreve-se, sim, para as mulheres, quando
as consideramos tais quais elas são, com a s
suas qualidades e defeitos ; quando se lhes
fala uma linguagem que esteja não só à altura
da sua inteligência como do seu sentimento,
principalmente.
As mulheres têm uma fina sensibilidade e
é por meio d a sua sensibilidade que mais segu­
ramente se poderá tocar-lhes o espírito. Im­
porta, antes de mais nada, conquistar a sua
confiança ; e isso valerá mais do que com
b oas razões, pretendendo empolgar-l h e s a
convicção.
Ora as mulheres desconfiam - e não têm
elas suficientes razões para isso ? - dos con­
selhos que lhes dão os livros, especialmente
no que diz respeito aos seus sentimentos mais
íntimos de espôsas e mãis : assim conside­
ram-nos ou como inaplicáveis à sua situação
particular ou como tendo intentos reservados ;
e é bem verdade que esta opinião desfavorá­
vel é demasiadamente justificada pelos livros
que lhes têm sido consagrados.
Contudo, as mulheres sentem a necessi-

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VIII

dade - fora dos ensinamentos da religião e da


direcção espiritual da sua alma - dum guia
seguro, dum conselheiro, tão elucidante como
sincero, para as mil circunstâncias da vida
prática de todos os dias.
� Mas, como se há-de alcançar êste guia
tão útil, êste conselheiro tão precioso ? Os
livros que leram deram-lhes apenas desilusões
por não encontrarem neles as noções de que
mais carecem. Tais livros foram escritos para
a mulher em geral, não para cada uma das
mulheres em particular ; contêm excelentes
coisas para ocasiões que talvez nunca apare­
çam, mas nada encerram do que seria útil na
existência quotidiana.
E, estranha verdade : os mais ocos dêsses
livros são os que foram escritos por mulheres.
Nenhuma delas quis revelar o que sentia e
pensava realmente.
O guia e conselheiro da mulher casada­
êsse m anual que ainda não existe, pelo menos
tal qual o concebemos e acabamos de esboçar
- é o que empreendemos escrever sob o título :
Os quatro livros da mulh�r, e chamamo-los
assim, porque dividiremos em quatro volumes
as diversas ordens de considerações referen­
tes à mulher casada nos seus quatro aspectos
de espôsa, de dona de casa, de mãi e de edu­
cadora.

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IX

l Como poderemos, porém, justificar êste


e mpreendimento ? Simplesmente, apresentando
o plano pormenorizado dêsses quatro c Livros• .
Pelo exame que fizerem dêste plano, a s
mulheres, a quem tais livros são destinados,
\'erão suficientemente que nêles encontram
tudo que baldadamente procuraram noutros, e
que os podem ler com inteira confiança, por­
que não se dirigem a um fantasma feminino
sem consistência real . . .
Foram, de-veras, escritos para elas.

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O Livro da Dona de Casa

INTRODUÇÃO

Não é, propriamente, êste livro um Manual


de Economia Doméstica.
A Economia Doméstica, ciência da máxima
importância para as donas de casa, tem sido o
assunto de diversos livros, os quais o têm
versado com mais ou menos proficiência.
Dedicar-lhe-emos neste nosso trabalho al­
gumas ponderações, mas sem prejuízo do nosso
assunto capital, que é uma questão de essencial
interêsse, geralmente esquecida ou, quando
muito, tratada superficialmente nas obras que
estudam a Economia Doméstica.
Queremos referir-nos aos principias diri�
gentes, às grandes regras gerais que devem
orientar a racional organização do lar domés­
tico, e não sob o ponto de \lista material como,
e de maneira predominante, sob o ponto de
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12 0 LlVR.O DA DONA DE CASA

vista m oral, i nt e l e ctu a l , esté t i c o , educa­


tivo, etc.
A J;:conomia Doméstica é extremamente
minuciosa - no que, porém, não vemos o seu
defeito - sôbre tôdas as particularidades refe­
rentes ao funcionamento económico da vida
doméstica, e nada, ou muito pouco, ensina sô­
bre a organização geral do lar, encarada quer
sob o seu aspecto material, quer sob o seu
aspecto moral.
Contudo, � quem não compreenderá a utili­
dade e até a importância dessa organização,
tal como se vai depreender a cada passo das
páginas deste livro ?
É, entretanto, perfeitamente positivo que
não temos sôbre o assunto uma boa colecção
de regras.
Apenas, por incidente, se têm ensinado
excelentes máximas relativas à questão ; mas,
dispersas quási por tôda a parte, tornam-se
dificilmente praticáveis, por isso mesmo que
não as têm conglobado num só corpo metó­
dico.
E, afinal, o que é útil ensinar às donas de
casa - e, igualmente, às donzelas que, um
dia, o podem vir a ser - é um conjunto de
regras rigorosamente lógicas, muito bem de­
duzidas dé princípios fundamentais, e por
forma que tôdn a senhora, de-veras zelosa

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INTRODUÇÃO 15

pelo cumprimento de todos os seus deveres,


tenha nas mãos como que um fio d'Ariadna (l)
capaz de orientar-lhe a iniciativa e a activi­
dade no complexo conjunto das mil e uma atri­
buições que lhe pertencem.
E são tão múltiplas e variáveis essas atri­
bui'ções, que, se não tiver a dona de casa,
como auxiliares, os preciosos elementos de
êxito, que, nas mais espinhosas tarefas, nos
permitem sempre a vitória, isto é, se não souber
ter método, ordem, organização racional, há­
·de tornar-se-lhe impossível desempenhar cor­
rectamente os seus deveres. Damos a principal
categoria à organização moral. Para a Econo­
mia Doméstica, a vida do lar é, rigorosamente,
o govêrno da família. Mas é precis á ver que,
em primeiro lugar, o govêrno da família requer
um lar familial, constituído por indivíduos
que não vivem só de pão e de bem-estar ma­
terial.
O lar é também um centro de afectos, de
vida moral, intelectual, estética e, além disso,
tem as suas relações exteriores, mais ou menos
constantes, com os parentes, com os amigos,

(1) Ariadne, filho de Minos, rei de Creta. Tendo


'\lencido o Minotauro, deu-lhe Teseu um fio para se
guiar na saída do labirinto. Fio de Ariadna: meio d e
'\lencer uma dificuldade gra'/e.

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14 0 LIVRO DA DONA DE CASA

com tôda a vida social. Há, portanto, na vida


de cada lar, uma ininterrupta actividade que
é m ister orientar : e será êsse o assunto da
primeira parte dêste livro, ou seja a Organi­
zação moral do lar doméstico.
Tratará o primeiro capítulo de demonstrar
quanto é indispensável, em cada lar, uma re­
gra de vida, dividindo racionalmente o tempo,
organização fundamental cujas regras deflniti·
vas exporemos.
No segundo capítulo dedicar-nos-emas a
fundamentar a fecunda utilidade e benéfica in­
fluência que resultam dos esforços envidados
pela dona de casa no seu empenho de conver­
ter o lar doméstíco num centro de irresistível
atracção para todos os membros da família ;
e explanaremos, ao mesmo tempo, quais os
meios fáceis e práticos de se poder conseguir
um resultado, que é de tão grande importância
para a felicidade familial.
No terceiro capítulo, que tratará das rela­
ções e:rteriores da famflia, exporemos os deveres
impostos pelos laços do parentesco, pela ami­
zade, pela civilidade, ou pelos negócios ; em fim, o
conjunto dos nossos deveres sociais e humanos.
E, a propósito, apresentaremos, como fazemos
habitualmente, as regras que, quanto ao assunto,
se impõem como mais racionais e mais conve­
nientes em tôdas as circunstâncias da vida.

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INTRODUÇÃO 15

No capítulo quarto, resumiremos, encarando


os seus pontos essenciais, tudo quanto deva
referir-se à organização da educação, tanto
no interior da vida da família como nas suas
relações exteriores, mas não entrando nos múl­
tiplos pormenores que possam compreender-se
em questão assim difícil, porque esperamos de­
dicar-lhe, por completo, o último dos Quatro
livros da mulher: o L ivro da Educadora.
Finalmente, no quinto c a p i tu l o da pri­
meira parte, exporemos, duma maneira gené­
rica, os papéis que, eventualmente, podem
caber à dona de casa fora do que directamente
se refere ao lar doméstico. Nesta síntese tere­
mos o ensejo de apresentar algumas regras
práticas.
A segunda parte dêste livrinho trata da or­
ganização material do lar doméstico, e nela
continuaremos a invocar o método, a ordem, a
refle.rão, o bom-senso, como os melhores ele­
m entos para a solução dum problema que tan­
tas vezes dificulta a vida material. Estes prin­
cípios aplicaremos com rigor a todos os aspectos
do problema da Economia Doméstica : ordem
e método nas despesas (capítulo I e n); ordem
e método na escolha e aquisição de casa e
mobília (capítulo m) ; organização da alimen­
tação e refeições (capítulo IV) ; tudo que diga
respeito a vestuário e higi ene física (capí-

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16 0 LIVRO DA DONA DE CASA

tulo v) ; e diversas organizações acessórias


(capítulo VI).
Em tudo isso apresentaremos quais as fun­
damentais condições do trabalho de organiza­
zação para que esta seja racional, económica,
agradável, atendendo- numa palavra- a tôdas
as gerais necessidades da família. Essas con­
dições, logo que a dona de casa as conhecer
dentro da sua lógica e da sua importância,
impõe-se-lhes pràticamente nas particulares
circunstâncias em que terá de encontrar-se,
ficando ela assim possuidora dum guia se­
gúro para poder valorizar todos os conselhos
que lhe dá a Economia Doméstica, seguindo-os
não ao acaso, mas dentro dum plano metó­
dico.
Mas se, realmente, êste Livro da Dona de
,

Casa auxilia as senhoras na sua tarefa, nem


por Isso encurta o número das suas atribui­
ções. Como se verá na nossa Conclusão,
aquelas atribuições são de tal ordem, e tantas,
que a dona de casa, que tomar a peito cumpri­
-las tôdas, não pode aspirar a ser mais do que
sempre dona de casa.

11

Como transluz do programa que acabamos


de apresentar, pode o L ivro da Dona de

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INTRODUÇÃO 17

Casa ser, até certo ponto, considerado como


uma introdução geral à ciência da Economia
Doméstica, da qual, por assim dizer, é a filo­
sofia, a base lógica, de tanto que a explica,
esclarece e lhe metodiza os ensinamentos,
sendo ainda a sua base moral.
Nos livros de Economia Doméstica tais
assuntos são tocados só de leve, e até postos
de parte por completo. Os respectivos autores,
como se preocupam exclusivamente com as
necessidades materiais do lar, nunca demora m
o espírito na ponderação d e quanto é impor­
ante a organização moral e racional do l a r
doméstico.
É talvez joel de Lyris-A Escolha d'uma
Biblioteca- Guia de Leitura - A ubanel Freres,
o escritor que até hoje tem revelado a noção
mais nítida das necessidades intelectuais e
morais das donas de casa. joel de Lyris expô­
·las não num l ivro de Economia Doméstica,
mas acessoriamente, ao falar da biblioteca da
donzela e da biblioteca da mulher.
A sua opinião é digna de ser seguida, por­
que vem servir de autorizado complemento às
noções que acabamos de explanar e ainda por
nos fornecer uma idea rigorosa do que cum­
pre à donzela e à senhora para colherem os
melhores resultados possíveis de tôdas as lições
ministradas pela experiência e pelos livros.

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18 0 LIVR.O DA DONA DE CASA

Exprime-se assim joel de Lyri s : - c Pe' n se


a donzela nesta ciência primacial : a economia
doméstica, a qual nunca ela aprofundará bas­
tante, pois nunca acabará de notar-lhe novas
e múltiplas particularidades.
Guardadas as proporções devidas, a tarefa
duma dona de casa é ainda mais importante
do que a que se depara a um Chefe de Estadó
- porque êste tem o auxílio dos ministros.
É que a dona de casa tem de ser o pró­
prio m inistro das suas finanças, embora o m a­
rido dirija, indispensàvelmente, o orçamento
das receitas, porque só a ela compete resolver
o problema do equilíbrio da receita com as
despesas.
Se, até certo ponto, compartilha com o
m arido os negócios exteriores, só a ela per­
tence tratar do interior, da justiça e da ins­
trução.
E, além disso, i quantos cuidados, que os
ministros desconhecem, não tem que aplicar
à instalação do lar, ao m obiliário, ao aqueci­
m ento, à iluminação, à alimentação, ao ves­
tuário, à lavagem, às diversões, às esmolas e
a mil outras miudezas !
Não faltam livros que ensinam tudo isto,
m as, melhor do que êles, é a experiência
colhida no selo da família ou nos exemplos da
vida dos outros lares.

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INTRODUÇÃO 19

Para a donzela possuir tão preciosa expe­


riência, precisa de desenvolver estas qualida­
des do espírito : a observação, a comparação,
o discernimento.
É preciso que esteja sempre atenta para
observar - não por curiosidade vã, mas para
aprender, e sempre com discrição- os meios
que as boas donas de casa, suas amigas, usam
com êxito no seu govêrno doméstico. Deve até
Interrogá-las, pedir- lhes esclarecimentos. Logo
que vejam o seu anelo de aperfeiçoamento, o
seu vivo desejo de aprender, não há nenhuma
que se não sinta lisonjeada em ser consultada,
e qu' e não se sinta feliz por ensinar à donzela,
sua amiga, o que a experiência lhe ditou.
Mas, quando tal conseguir, deve ainda com­
parar, em cada uma das circunstânci as, o que
fazem as pessoas da sua família, com o que as
donas de casa, suas amigas, lhe ensinarem, e
aplicar depois um juízo firme, escolhendo o
que veja superior.
E tudo que acabamos de dizer das pessoas,
deve rigorosamente aplicar-se aos livros que
se têm escrito sôbre economia doméstica.
·
Porque, na verdade, l que são êsses livros
mais do que a expressão da opinião profes­
sada por aqueles ou por aquelas que escreve­
ram sôbre os diferentes interêsses das donas
de casa ?

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20 Ü LiVRO DA DONA DE CASA

Mas, nêstes assuntos, nunca acpnselhare­


m os a consulta dum só l ivro. Pelo contrário, .

.é preciso consultar muitos, o maior número


dêles possível, aproveitando em cada um dêles
o que se encontrar de bom.
É precisamente desde os 15 anos até à
época do casamento que a donzela tem o
melhor ensejo, que nunca mais se repetirá�
de ler, segundo os conselhos e escolha de sua
m ãi ou doutra qualquer pessoa digna de con­
fiança, todos os livros que ensinem higiene�
m edicina, contabilidade doméstica, civilidad�,.
cozinha, trabalhos domésticos, etc., tendo en­
tão tempo para colhêr notas num caderno que,
mais tarde, há-de ser o seu verdadeiro tesoiro,
pelas boas ideas e receitas, aproveitadas tanto
nas conversações como nas leituras.
Embora saiba que pode ter sempre criados,
nunca deve deixar de aprender a arte culiná­
ria, a costura, todos os trabalhos domésticos,
porque, na melhor das hipoteses, tudo isso
deve saber para poder dirigir com acêrto
' o
pessoal que tiver ao seu serviço.
Aprenda ainda a grande arte de tornar o
lar tão agradável a seu marido, a seus filhos
e a si própria, que tôdas as pessoas da família
se encontrem sempre melhor no lar doméstico
do que seja onde fôr.
Ora, para conseguir tanto, deve estudar e

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INTRODUÇÃO 21

adquirir um conhecimento penetrante de tudo


que consti tue o bem-estar dos seus e de si
mesma,,
Do excerto, que acabam de ler, transluz o
pensamento desenvolvido por nos nêste livro
-ou seja, a necessidade de se estudar a Eco­
nomia Doméstica, mas com reflexão, seleccio­
nando cuidadosamente os s e u s conselhos.
e Mas como se há-de fazer essa selecção,
quando faltar a orientação dada pelos princí­
pios dirigentes, expostos aqui por nós ?

111

joel de Lyris acrescenta : - «Sejam quai s


) orem o s h averes d a dona d e casa, é seu dever
tratar da sua vida interior, do seu govêrno do­
méstico, frase corrente que tudo diz e abrange
nêste assunto. Se o não fizer, desinteressar­
-se-á dos cuidados que constituem o seu dever
essencial, ali j ando-os sôbre outras pessoas, e
criando assim para si ócios forçados e perni­
ciosos,.
Neste nosso trabalho h avemos de s alientar
aquela noção do dever essencial, que os livros
de economia doméstica não estudam, p orque
é a base indispensável em que temós de fun­
damentar todo o edifício da organização mo­
ral e material do lar doméstico.

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22 0 LIVRO DA DONA DE CASA

Essa noção deriva do princípio basilar,


inscrito por nós como o primeiro do Livro
da Espôsa- da espôsa consideradQ como
companheira e auriliar do seu marido por
tôda a vida.
já vimos, que a felicidade doméstica deve
ser o único fim da espôsa. Vimos também que
tal felicidade se baseia, quási tôda, na organi­
zação da vida interior, tanto no que diz res­
peito ao que é material como no que se refere
ao que é moral.
Uma boa organizadora do lar conjugal é
simplesmente o que, na linguagem vulgar, se
chama uma boa dona de casa.
Portanto, se não fôr boa dona de casa,
zelosa pelos deveres que lhe competem, ne;..
nhuma mulher pode ser boa espôsa, uma es­
pôsa eremplar.
t Mas como tem ela de compreender êsses
deveres ? Não se pense que, para isso, .seja
preciso heroísmo, sacrifício, escravidão. Um
dos grandes defeitos das senhoras j ovens e
i nexperientes é exagerar tudo. Ao falarem-lhes
em lar doméstico, economia, etc., imaginam
os cuidados da casa como uma sobrecarga
para a qual não têm fôrças. E, afinal, ninguém
lhes desvanece tal êrro. Pelo contrário, parece
que todos capricham em as aterrarem, apresen­
tando-lhes os deveres domésticos sob o aspecto

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INTRODUÇÃO

mais apa\lorante, nunca lhes expondo as com­


pensações do bem - estar que \lem duma vida
doméstica agradá\lel.
E disto pro\lém que muitas principiantes
vão cheias de mêdo, quásl de repugnância, o
que só estor\la a sua iniciação. Só no fim d e
bastante tempo é que vem a realidade, é que
notam os exageros da sua imaginação, aca­
bando por dizer :
- Então isto é que são as canseiras d o
go\lerno da casa ?! Mas, afinal, não têm nada
de repugnante e de desagradável!
Que, de resto, nessas funções, como em
tôdas as demais, ninguém pode exigir a prin­
cipiantes a mesma firmeza e destreza, que,
quando trabalham, usam as que no seu mister
de donas de casa já têm larga experiência.
Não há nunca a obrigação de, logo duma
vez, ser modelar no cumprimento dum dever,
e, muito menos, se há falta de meios próprios.
A senhora mais desej osa de se distinguir
no seu go\lerno dol!léstlco não pode conseguir
um êxito completo, quando lhe faltar a prática,
sem por isso, contudo, faltar ao seu de\ler._
Como disse, e muito bem, Amiel :
- O de\ler consiste em sermos úteis, não
como o desejaríamos ser, m as como nos é pos­
sfvel sê-lo.
Quem faz o que pode, faz o que deve.

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24 0 LiVRO DA DONA DE CASA

Mas, porque assim é, cumpre-nos esforçar­


mo-nos por, de dia para dia, podermos fazer
sempre mais.
Neste intuito, indicaremos um método, já
por nós recomendado no L ivro da Espôsa e
também no Problema da Felicidade.
Ê sse método consiste em aplicar a �tenção
e todos os cuidados aos mínimos pormenores
do govêrno da casa.
Muitas donas de casa sentem uma verda­
deirá repugnância pelo cuidado com .e ssas
minuciazinhas. Parece que temem dar nelas a
evidência dum espírito tacanho, e imaginam
que, não ligando importância a tais bagatelas,
m anifestam uma superior inteligência. Pois o
que é positivo é exactamente o contrário.
Recordarei aqui, a propósito, uma anedota
que já tive o ensej o de citar, tratando de
assunto idêntico, no Problema da Felicidade.
Um amigo de Miguel Angelo tinha-o ido
visitar no momento em qúe êle concluía uma
estátua. Tempos depois, v. e ndo-o ainda a tra­
balhar na mesma estátua, disse-lhe :
- Então não tornou a fazer m ais nada de­
pois da minha última visita?
- Engana-se ! - replicou o genial artista.
Retoquei isto aqui, puli outras partes, suavizei
esta feição, assinalei melhor alguns músculos,

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INTRODUÇÃO 25

dei mais expressão a êste lábio, mais energia


a êste braço.
-Bom ! M as isso são apenas bagatelas .
-Não há dúvida. Contudo, deve o meu
amigo lembrar-se de que nunca devemos pôr
de parte as bagatelas, se quisermos atingir a
perfeição, e que a perfeição não é uma baga­
tela.
Por duas razões é aplicável a observação
de Miguel Angelo à perfeição da boa dona de
cas a : A 1 .3 é que, entre as coisas que parecem
bagatelas, ou que assim são chamadas, muitas
coisas há que, por forma alguma, o são ; a 2.3
é que as coisas mais insignificantes podem ter
importantes conseqüências e, por isso, nunca
devem ser menosprezadas.
A prova de que a atenção para com os pe
quenos deveres não revela tacanheza menta
está em que o normal cumprimento dêles exige
muito mais energia do que à primeira vista se
nos afigura.
Parecem tão pouco importantes, que, omi­
tindo-os uma. vez, não julgamos ha\ler o m enor
prejuízo. Como que pensamos não valer a pena
gastar a nossa energia em tais bagatelas.
E, assim, pouco a pouco, nos deixamos vencer
pelo desleixo, pondo de parte todos o s traba­
lhos miúdos.
O resultado, e que nunca se demora em

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0 LIVRO DA DONA DE CASA

vir, é sentirmo-nos dominados por um íntimo


descontentamento.
É profundamente verdadeiro o que dizia
Fléchier :
c Há grandeza em constantemente cum­
prirmos os menores deveres ,.
Há essa grandeza, porque o nosso fim é
elevado, e o da dona de casa é trabalhar, com
sinceridade e resolução, pela felicidade das
pessoas com quem vive.
Pois bem! Por isso deve considerar os seus
pequenos deveres, e até os seus cuidadozinhos
quotidianos, como partes integrantes da tarefa
que lhe compete.
Ê sses deveres, pode até engrandecê-los,
nobilitá-los, se os encarar como uma obra de
abnegação voluntária, todos os dias repetida
em benefíci o de todos que amar.
Bastará, emfim, êste elevado pensamento
para obstar a que a atenção, por ela dispen­
s ada a êsses pequenos deveres, se exagere,
degenerando em monomania.

IV

É já conhecido o espírito que anima êste


livro.
Não passa, a rigor, d o desenvolvimento do
capítulo v do L ivro da Espôsa, onde provámos

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INTR.ODUÇÃO

que o melhor da felicidade doméstica depende


das qualidades da dona de casa.
Essas qualidades práticas da dona de casa
consistem no que já chamámos a erterioriza�
ção dos afectos da espôsa e da mãi.
Porque ama todos com quem vive, a mulher
trabalha pela felicidade de essas pessoas,
usando de todos os meios ao seu alcance.
Ora, o seu papel de dona de casa oferece­
-lhe um conjunto de recursos cuj a organização
em benefício da felicidade dos seus só a ela
compete.
Portanto, a base da organização racional
do lar, moral e materialmente, é a procura da
felicidade doméstica.
Eis o fim que a dona de casa deve ter sem­
pre presente no espírito, até ao tratar dos
m ínimos pormenores da organização do seu
lar. Ê sse fim deve constituir o seu primeiro
princípio de acção, tornando-se o seu m elhor
guia.
Antes de trabalhar e falar, perguntará sem­
pre à sua consciência : -i Isto, que vou fazer,
será útil ou nocivo à felicidade dos meus ?
Se assim fizer, terá o melhor dos critérios,
um procedimento sempre excelente, e, além
de isso, possuirá o verdadeiro ponto de partida
de tôda a organização doméstica.
Pprque a dona de casa de-pressa reconhe-

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28 0 LIVRO DA DONA Df CASA

cerá que a sua única fórmula deve ser sempre


a seguinte :
-� Como devo eu organizar e dispor tudo
para dar felicidade aos que amo ?
Influenciada por tal inspiração, a dona de
casa realizará verdadeiros milagres.
Esta convicção nunca deixará de guiar-nos
nas nossas indicações e conselhos desde a
primeira à última página dêste livro.

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P RI M E I R A P A RT E

OHGANIZA�IO MORAL D O LAR DOMÉSTI CB

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CAP {TULO I

I m portân cia duma organização m oral


do lar doméstico

Disse Cláudio Bernard : - Na vida há duas


t•oisas essenciais: o método e a actividade.
Possuindo- se apenas a primeira daquelas qua­
lidades, não se passa dum entorpecido, dum
animal de sangue frio; tendo apenas a se­
�nnda, não se passa dum desequilibrado.
Efectivamente, aquelas qualidades são úteis
n tôdas as individualidades. Mas são qualida­
des que, quanto mais desenvolvidas e h armó­
nlcas entre si, tanto m ais aptidões dão a cada
Individualidade, e, portanto, melhor êxito n a
VIda e n a felicidade. O mesmo s e aplica à
Intima reUnião de individualidades, chamada
j'amflia.
Cada lar é um centro em que se desenvolve
unut constante actividade. Se esta actividade
nno fôr disciplinada, e se manifestar ao acaso,
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52 0 liVRO DA DONA DE CASA

ou à mercê dos rasgos impulsivos de cada um


dos membros d a família, o mais provável é
brotar, de tal incoerência e dentro de pouco
tempo, uma série de funestos resultados.
Imaginemos um lar onde cada um se le­
v antasse e almoçasse a uma hora diferente.
obedecendo simplesmente aos seus caprichos
e inclinações, não fazendo caso duma regra
fixa. Êsse lar seria apenas uma estalagem, e
ainda devemos notar que nas estalagens há
h oras regulares para os serviços das refeições
e que a lista das iguarias nos é imposta sem
remissão.
Mas, por outro lado, o lar não é nenhum
convento, em que tudo é regulado ao toque
de sineta. Pretender regulamentar com exces­
siva rigidez a vida doméstica seria cair dum
extremo no outro, anulando assim tôda a ini­
ciativa.
Devemos, p ois, estabelecer um meio-têrmo:
o de deixar desenvolver a cada um a sua nor­
mal actiVIdade, não a embargando com inúteis
peias, mas fundamentando a organização geral
num método racional.
Tal era o pensamento de Cláudio Bernard,
pensamento tão aplicável às individualidades,
como às famílias.

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ÜROANJZAÇÃO MORAL DO LAR DOMÉSTICO

Portanto, o esplrito de ordem é a qualidade


basilar de que deve compenetrar-se a dona­
·de-casa, e por tal forma, que tal qualidade
ate converta numa sua segunda natureza.
Neste ponto esbarramos, contudo, como em
tantos outros, com um preconceito, que, por des­
uraça, tem sido excessivamente vulgarizado,
principalmente pelos desequilibrados que pre­
tendem inculcar os seus defeitos como uma
superioridade. E o preconceito absurdo de que
o esplrito de ordem só caracteriza as inteli­
Uênclas acanhadas, mesquinhas, colhereiras.
E, com tal preconceito, é vulgar ver-se na
sociedade muita gente que se vangloria de não
ter o esplrito de ordem, como há quem se van­
�lorie de ser bom de mais, de ter franqueza
excessiva, de ter um coração demasiadamente
sensível, ostentando assim essa vaidosa humil·
dade que não é mais do que um indirecto
requerimento a elogios.
i Como se fôra possfVel equiparar o excesso
de deslciro com os excessos de bondade, sin·
ceridade e sensibilidade !
Nessa opinião abriga-se um dos mais noci­
vos erros.
Não contestamos que o espírito de ordem
afecte algumas vezes o gôsto pelas mais ridí-

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54 0 LIVRO DA DONA DE CASA

cuias minúcias em certas pessoas fracas de


inteligência. Mas seria completamente ilógico
atribuir ao espírito de ordem a causa de tais
manias. N ão é o espírito de ordem o que ames­
quinha o espírito. Pelo contrário, os espíritos
tacanhos é que limitam e deprimem o espírito
de ordem, dando-lhe irreflectidamente aplica­
ção aos objectos mínimos.
Mas, numa palavra, � porventura provará
alguma coisa contra o real valor duma quali­
dade a insensata aplicação que dela possam
fazer algumas pessoas ?
Temos, por exemplo, a coragem. É uma
virtude. Contudo, o corajoso que levasse essa
"irtude até se arrojar à cratera ardente dum
vulcão, faria tão mau uso da sua virtude, que
seria um doido.
O espírito de ordem é uma virtude. Mas
quem o exerce até chegar a não se servir dos
objectos só para os não tirar do sei.t lugar, é
um maníaco, ou ainda um doido.
Freqüentemente se assinalam os literatos
na e x t e r i o r i z a ç ã o de certas verdades que
expõem até às suas últimas conseqüências.
-
Nomeadamente, um autor americano des­
creveu a doentia personalidade dum mancebo
que teimava em não se casar por não ter ainda
encontrado a mulher desejada, a qual devia
ter uma beleza divina, impecável, sem o menor

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ÜROANIZAÇÃO MOML DO LAR DOMÉSTICO 55

defeito. Mas, como era natural que lhe suce­


desse, nunca pôde encontrar essa mulher per­
fdta, embora a procurasse no meio das mais
formosas mulheres. A m ais bela tinha sempre
um senãozinho que o desgostava.
Um dia, porém, o nosso h omem encontrou
o seu ideal. Era uma donzela tão impecàvet­
mente formosa como uma estátua de m ármore
<�sculpido por um genial artista grego.
Começou o mancebo a cortejá-la, não dei­
xando de a examinar com tôda a minuciosi­
dade. De-repente, porém, deixou-a, como dei­
xára tantas. É que reconhecera, num certo
momento, que a formosa beldade tinha as pes­
tanas do ôlho direito um pouco mais compri­
das do que as do ôlho esquerdo.
E dizia êle depois a um seu amigo : - Bem
sei que se podiam aparar um poucochinho as
pestanas do ôlho direito, igualando-as às do
Olho esquerdo, mas havia um inconveniente :
as pestaQas aparadas n ão terminariam em h as­
tezinhas afiladas como as outras, o que era
uma boa diferença. É, portanto, insolúvel o
problema, e não tenho outro remédio senão
desistir de casar-me.
Esta h u m or í s ti c a narrativa contém uma
lição positiva, porque nos aponta os exageros
a que pode chegar o espírito de minúcia, e,
conseqüentemente, nos prova que nada tem

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56 0 LIVRO DA DONA DE! CASA

êsse espírito de comum com o espirito de


ordem.
O espirito de ordem é tão racional e lógico
quanto o espírito de minúcia é maníaco e In­
sensato.
O espirito de ordem, emfim, não é incom­
patível com a robustez intelectual. Pelo con­
t rário, auxilia-a, e facilita-a, mantendo dentro
da nossa inteligência uma espécie de disciplina
normal de tôdas as nossas faculdades, disci­
plina que lhes duplica o poder, obrigando,..a s à
acção oportuna e própria de cada uma delas.
Mas o que impõe, acima de tudo, o espirito
de ordem à dona de casa é o seu valor prima­
cial como base da felicidade.
Ora, corno suficientemente o vimos já, a
procura da felicidade doméstica é a base moral
e material da racional organização do lar.
Real mente, o papel de dona de casa não é
só o de empregar todos os esforços para que
a casa esteja bem posta. Mais zelosos cuidados
deve consagrar ainda em dispor a vida domés­
tica por tal forma, que todos que lhe pertencem
encontrem no lar não só a sua felicidade pre­
sente como a sua felicidade futura : e isto, poT­
que o espírito de ordem é feito de previdência.
E, a propósito, não devemos, em tal assunto,
dar ouvidos aos nossos preconceitos, nem ao
que o mundo diz. O que é útil é saber ver ao.

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ÜROANIZAÇÃO MORAL DO LAR DOM�STICO 57

redor de nós, porque a verdadeira filosofia


ntlo estd nos discursos, estd no procedimento.
Os metafísicos que sonham a reconstrução do
mundo dentro do cérebro dêles, têm de ser
eternamente incapazes da m enor influência n a
vida prática da humanidade.
A vida prática segue princípios que se en­
contram na natureza e não nas nossas fan­
tasias - infelizmente ! Para conhecermos êsses
principias, é nosso dever preliminar observar­
mos tudo que se passa ao redor de nós, esfor­
çarmo-nos por compreender tudo, e depois
adestrarmos o juízo para atingirmos as razões
de ser do que compreendemos.
Ora, depois duma observação atenta, t que
notamos nós ? Que o esplrito de ordem é de tão
poderosa e fecunda qualidade, que fàcilmente
pode substituir a inteligência, a fôrça, a acti­
vidade, tôdas as qualidades que dão ao homem
um caminho firme na existência - e que ne­
nhuma destas qualidades o pode substituir.
Podemos, certamente, conseguir triunfos,
graças a dotes naturais ou adquiridos : mas
só o espfrito de ordem torna úteis êsses bons
êxitos.
Nesta ordem de ideas, podemos agora res­
tringir um pouco o que há de excessivamente
absoluto na máxima de Cláudio Bernard, com
que abrimos êste capítulo: c Se só tivermos o

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58 Ü LlV�O DA DONA DE CASA

método, isto é, o espírito de ordem, seremos


um entorpecido, um animal de sangue frio».
Primeiro que tudo, observaremos que não
há ninguém que seja carecido por completo
de alguma actividade e que, para a aplicação
do espírito metódico, é preciso agir, pouco
que seja.
Depois, a actlvidade não pode ser a mesma
em todos. Pode ser-se vagaroso, não sendo
um entorpecido. E neste caso o método subs­
titue com vantagem o que falta na actividade.
O método é uma intellgência paciente que
tudo consegue em tudo que com a actividade
se relaciona. Poderia aplicar-se-lhe o que eu
disse na tenacidade, comparada à energia, no
Problema da Felicidade.
Transcrevemos :
- �Que significa o poder do esforço, quando,
ao primeiro fra casso, tal poder se esgota,
não permitindo a renovação dos nossos im­
pulsos ?
A verdadeira energia não é a fúria efé­
mera que pode vencer obstáculos, mas que
também pode despedaçar-se irremediàvelmente
de encontro a êles.
O máximo do poder do carácter humano
existe na paciente porfia que não pode ser
dominada por nenhum obstáculo ou desastre.
Resiste fàcilmente uma fortaleza ao furioso

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ÜI{OANIZAÇÃO MOR.AL DO LA({ DOMÉSTICO 59

ataque dum exército desesperado. � Mas como


poderá ela triunfar da prolongada paciência
dum sitiante, que está resolvido a vencer ?
Despedaça-se impotente, de encontro às
penedias, o vagalhão proceloso : mas a água
que cai, gota a gota, acaba por penetrar n a
rocha.
O homem de carácter que se lança nos
combates da vida com a intemerata vontade
de não fraquejar diante de nenhum revés, pode
ter a certeza de vencer».
Pois bem ! O espírito de ordem é, para a
vida doméstica, o mesmo que a tenaz energia
é para a vida social.
A dona de casa, que esteja deveras dis­
posta a dar à vida do seu interior uma regra
de vida imutável e firme, pode ter a certeza
de que assim realiza a felicidade de todos que
ama, ·e ainda a sua própria felicidade.

§ 2.0

S e r i a i n j u st o co l o ca r na categoria dos
pequenos deveres o hábito de ordem e de exac­
tidão, hábito de vantagens tão inapreciáveis
em tôdas as circunstâncias da nossa vida.
Pode afirmar-se até que deixaria de exis­
tir a maior parte da repugnância no cumpri­
mento dos chamados pequenos deveres, se tudo

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40 0 LIVR.O DA DONA DE CASA

fôsse feito com a justa oportunidade, se tudo


estivesse sempre no seu lugar.
Um exemplo. Temos o hábito de l evantar
cedo. É não só excelente para a saúde como,
a c i m a d e tudo, u m g r a n d e a d qu i r i d o r de
tempo.
A propósi_to, alguém fêz o seguinte cálculo :
- Se durante 40 anos nos levantassemos todos
os dias às 6 e não às 8 da m anhã, obteríamos
29:200 horas, o que nos dá precisamente dez
anos com dias de 8 horas. É o mesmo que
acrescentar à vida dez anos, durante os quais
dispusessemos de 8 horas todos os dias.
E, se tomarmos um têrmo médio, Isto é,
se nos levantássemos às 7 horas, é claro que
ganharíamos cinco daqueles anos.
Mas, além dêsse benefício, puramente ma­
terial, que recebe quem se l evanta cedo, temos
o benefício moral, que é muito mais conside­
rável. Todos podem experimentar que êsse
hábito origina serenidade e bom humor, o que
é ainda mais precioso do que o tempo ganho.
�ste exemplo, colhido no melo de muitos
outros, tem um interêsse particular para a
dona de casa que superintende em todos os
serviços domésticos. Para poder desempenhar
tôda a sua tarefa com a regularidade devida,
é indispensável que se levante o mais cedo
possível. Bastar-lhe-á alguma atenção para

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ÜROANIZAÇÃO MORAL DO LAR DOMÉSTICO 41

fàcilmente prever a maior parte do que é pre­


ciso para todo o dia, e para poder dar de an­
temão as ordens que devem por em movimento
regrado tôdas as engrenagens dum lar bem
dirigido. Dêste processo deriva muito mais
Importante economia de tempo do que o podem
Imaginar as donas de casa que trabalham sem
método e que, em vez de preverem tudo, es­
peram pelas circunstâncias para proceder.
A previdência ganha tempo e alonga a vida.
A imprevidência desperdiça o tempo e abre­
via igualmente a e:ristência.
Os atrasos em tôdas as coisas resultam da
imprevidência. Ora os atrasos originam inú­
meras sensaborias para nós e para os outros,
principalmente quando se dão com freqüência.
Atrasar um pouco as refeições, não estar
logo pronta quando é preciso sair, chegar um
quarto de hora depois do que se combinára
- tudo isto parece uma Insignificante baga­
tela. Pois, afinal, tudo isso é constante causa
da perda de tempo, de prejuízo nos negócios,
de incompletas diversões, de m au humor, d e
descontentamentos, e , portanto, d e sérios e
positivos estorvos à felicidade !
E - não nos cansaremos de o lembrar à
dona de casa - o que ela deve procurar,
acima de tudo, e sempre, é a (lrganização da
felicidade doméstica. Não lhe compete s ó

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42 Ü LIV�O DA DONA DE CASA

administrar o orçamento doméstico, mas tam­


bém o orçamento da vida.
Caso lhe cumprisse regular o emprêgo
dum a quantia destinada a cobrir tôdas as
despesas dum lar e por tôda a vida, a dona
de casa teria de-certo, e logo, a convicção de
que lhe seria indispensável empregar com uti­
lidade cada moeda dessa quantia.
Ora, tratemos agora duma soma de horas
muito mais preciosas do que o próprio dinheiro,
visto que, segundo a empolgante imagem de
Benjamim Franklin, essas horas constituem o
estôfo de que é feita a vida. E, contudo,
poucos ·pensam na necessidade de economizar
algumas, regulando racionalmente o seu em­
prêgo, a-pesar-de devermos medi-las com mais
rigor do que o dinheiro !
É simplicíssimo o cálculo.
Um lar que tiver disposto duma receita
anual de 5:000 a 4:000 francos durante 60 a
70 anos, terá despendido, no fim dêsse tempo,
20:000 a 50:000 francos, e durante o m esmo
lapso de tempo não terá disposto de mais de
500:000 horas.
Na verdade, das 24 h oras que, teorica­
mente, constituem o dia, subtrai'remos dez
para o sono e para o tempo perdido - cál­
cul o que não é excessivo. Ficam-nos 14 h oras
diárias, ou sejam, 100 horas em cada semana,

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Ü�OANIZAÇÃO MO�AL DO LAR DOMtSTICO 45

ti:110 em todo o ano. Mas, dando algumas


aos dias de enfermidade, ficam, redondas, as
5:000. O resultado, a que então chegamos, é
êste : - 5:000 horas de vida real, útil ou ,agra­
dável por ano, dão 100:000 horas todos os
2 0 anos, ou sejam 300:000 h oras no fim d e
60 anos.
Tal é um máximo que por poucos é atin­
gido, porque não podemos contar o tempo
da extrema infância e da extrema velhice,
como não contaremos os dias de enfermidade,
em que pouco se afirma a vida moral e inte­
lectual.
Ei s , p o rtan t o , a soma de horas que é
p r e c i s o r e gu l amentar no seu emprêgo, j á
que nos é impossível aumentar-lhes a quan­
tidade.
Quando se diz : - doença por falta de , di­
nheiro não é mortal- exteriorize-se a justís­
sima idea de que uma perda de dinheiro é
sempre sanável à fôrça de trabalho, de perse­
verança e economia.
Pelo contrário, é irreparável tôda a perda
de tempo.
Sepultam-se irremediàvelmente no passado
as horas que decorrem.
Infelizmente, só começamos a ter consciên­
cia do valor das h oras na vida, quando temos
desperdiçado descuidadamente muitas. Aos 40

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44 0 LIVRO DA DONA DE CASA

anos, temos despendido, bem ou mal, 200:000


horas, e não é racional contarmos de então
por diante com mais de 100:000 h oras de \lida
pro\lá\lel, ou sejam 20 anos.
Que a dona de casa, que superintende nas
almas, zele, depois, êsse precioso orçamento,
em benefício seu, de seu marido e, principal­
mente, dos seus filhos ainda incapazes de se
orientarem por si próprios !
Os 10 primeiros anos de \lida representam
um capital de 50:000 horas do qual é indispen­
sá\lel tirar, em beneficio dos filhos, o melhor
partido possfvel, tornando êsse tempo fecundo
em frutos de educação. Forma-se então o or­
ganismo físico, mas também o espírito já então
armazena os factos, as noções, as diversas
impressões que h ão-de ser\lir, depois, de ele­
mentos do juízo do adolescente.
É o período da vida em que a alma recebe
indelé\lels impressões. Só da dona de casa
depende que elas sejam propícias à felicidade
dos seus filhos.
Dos 10 aos 20 anos, dedicam-se as h oras
mais especialmente à instrução propriamente
dita. Depende do bom emprêgo do tempo a
possibilidade de reduzir con\lenlentemente êsse
período indispensá\lel de preparação para a
\lida.
E essa preparação não pode deixar de ser

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ÜR.OANIZAÇÃO MOR.AL DO LAR. DOMÉSTICO 45

ainda Imperfeita, po r que o que se aprende


então, a aprender-se bem, são apenas os mé­
todos que nos devem servir no estudo real
da vida.
Depois dos 20 anos, todos os estudos de­
vem ser mais cuidadosos, quanto possível mais
completos : e, afinal, até ao fim da vida temos
sempre que estudar e que aprender.
Mas, pouco depois dos 20 anos, não basta
aprender, urge aplicar, estudar na melhor das
escolas - a escola da e.rpcriência.
E então acharemos a c�;�da passo os dias
excessivamente pequenos, lam entando as lon­
gas horas de outrora, tantas e tão mal empre­
gadas. E êste sentimento ir-se-á tornando cada
vez mais insistente e pungente, à medida que
formos envelh ecendo.
É preciso que as donas de casa não se­
meiem remorsos tão tardios, e antes nunca s e
esqueçam d o valor d o tempo, d o valor das
horas que passam, pensando ainda e sempre
na felicidade dos que amam e na sua própria
felicidade.
Há muitas donas de casa que têm o cos­
tume de fazer as suas contas todos os dias
para terem n ota diária do estado das suas
receitas e despesas.
Não menos recomendável seria o costume
de, todos os dias, fazerem, num breve e.rame

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46 0 LIVRO DA DONA DE CASA

de consciência, o balanço do orçamento das


horas decorridas e das horas que há para
viver. Seria a m aneira de haver estímulo cons­
tante p ara não se desperdiçar o tempo, o qual
ainda é mais precioso do que o dinheiro.
Poderia aplicar-se com utili d ade, e todos
os dias, êsse exame sôbre tudo que se não
fêz e se guardou para o dia seguinte, o que,
com um pequeno esfôrço, se verificaria fàcil­
mente.
Seria uma preparação firme para o bom
hábito de nunca adiar para outro dia o que se
pode -fazer logo, no interêsse do melhor em­
prêgo possível do tempo.
Contraído tão excelente hábito, basta a
idea de o não seguirmos rigorosamente para
sentirmos um mal-estar espiritual, uma espé­
cie de remorso. Sentimo-nos infelizes por ver
findar o dia sem termos concluído com per­
feição o que tínhamos prometido a nós mesmos
realizar. E esta disposição moral robustece a
actividade e as fôrças.
Se examinarmos atentamente muitas for­
tunas e honrosos êxitos, veremos que só podem
ser atribuídos, na sua maior parte, à observa­
ção daquela antiga regra, que é da sabedoria
de todos os tempos.
Adiarmos sem necessidade o cumprimento
dos nossos deveres é o mesmo que contrair

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ÜR.OANIZAÇÃO MOR.AL DO LAR. DOMÉSTICO 47

uma dívida connosco mesmos, expondo-nos,


cedo ou tarde, a uma falência moral.
O poeta alemão Cristiano Fellx Weisse
exprimiu esta mesma idea por uma forma em­
polgante numa pequena p oesia, Os adianta­
mentos, que traduzimos assim :
- Amanhã ! Amanh ã ! H oje, não ! . . . São
estas as preguiçosas. Hoj e, descanso . . . Ama­
nhã, aproveito esta lição, amanhã ponho de
parte êste defeito, amanhã, faço isto e aquilo.
c! Mas porque não h a-de ser hoje ? Tens
mêdo de não ter que fazer amanhã ? Todos os
dias têm a sua tarefa. O que é feito, já está
feito, e é a unica coisa certa. O que tencio­
narmos fazer é incerto.
Q u em não avança, recua. O tempo vai
para dhrnte e não torna atrás sôbre si pró­
prio. Pertence-me o que tenho, pertencem-me
as horas que utilizo. Mas pert�ncer-me-á a
esperança.
Cada dia inútil é uma página sem letras
no livro da vida. Portanto, trabalhar amanhã
como trabalho h oje, para que todos por tôda a
parte encontrem uma boa acção m inha.

l Mas como classificamos nós aqueles que,


não satisfeitos com o desperdício da sua pró-

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48 0 LIVR.O DA DONA DE CASA

pria vida, ainda tomam também o tempo dos


outros?
O tempo dos outros f
É o título duma bela Carta aberta, publi­
cada num diário de Paris. É dirigida a uma
Senhora X. . ociosa, e vem tanto a talho
.

de foice para o nosso assunto, que vamos


transcrever alguns dos seus períodos. São
como segue :
t!. cjá pensastes, minha senhora, em fazer o
vosso exame de consciência depois dum dos
dias que julgais ter elnpregado tão bem?
i «Que espanto não seria o vosso, se o re­
sultado dêsse exame fôsse que, julgando-vos
boa e caritativa, nem por Isso deixastes de
prejudicar muitas pessoas honradas q�e têm
necessidade de trabalhar para viver, e que lhes
cerceastes boa parte dos seus recursos ! . . .
cEvidentemente, a senhora, h abituada a ter
o supérfluo, e não ligando a menor Importância
ao tempo, está convencida de que é irrepreen­
sível . . . (Passou-lhe, porventura, já pela mente
acusar os seus caprichos, essa constante tira­
niazinha que parece constituir um des seus
encantos ? E, contudo, aí temos uma série d e
abusos que prejudicam o s outros.
•P o r e x e m p l o : a s e n h or a e ntro u n u m
grande estabelecimento, p o r acaso, sem l á ter
que fazer, impelida por uma ociosa curiosi-

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ÜROANIZAÇÃO MORAL DO LAR DOMÉSTICO 49

tlade. O seu olhar encanta-se com todo aquele


t�stendal de estofos, e começa a senhora a an­
·
dor de vitrina em vitrina, até que, suponho
t• u , lhe vem à idea pedir que lhe mostrem se­
das.
c Desenrolam muitas diante dos seus olhos,

sujeitando-as completamente à sua apreciação.


A senhora examina, compara, passa pelas m ãos
cada peça, e depois pede outras, e outras seda�.
- i Não tem seda mais fina, mais leve ?
� Não vieram ainda os novos padrões ?
« Respondem com tôda a atenção, procu­
rando fazer a vontade, e trazem-lhe, às vezes
já com modos contrafeitos, os retalhos que a
senhora apontou . . E, depois, passada assim
.

uma boa meia hora, a senhora faz um gracioso


meneio de cabeça e diz :
- Não há dúvida : não encontro coisa de
jeito.
«E a senhora l evanta-se, achando naturalís­
simo que tenha m tido tanto trabalho por sua
causa, e dirige-se a outra dependência do esta­
belecimento. E, como a senhora não sabe o
que quer, pois apenas sente curiosidade e a
precisão .. de matar tempo até chegar a h ora
.

de fazer uma visita, ou de tomar o chá, reco­


meça a mesma cena. Chama a caixeira, e apo­
dera-se dela, obrigando-a a ir buscar tudo, a
expor tudo que há nas prateleiras. Chovem

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50 0 LIVRO DA DONA DE CASA

mil preguntas a que a caixeira responde minu­


ciosamente como a senhora vai exigindo, e, às
ordens de v. ex.a, a empre g ada � ai e vem, é
obrigada a deslocar tudo, e v. ex.a, depois de
tudo isso, retira-se com ar inconsciente, sem
ter comprado nada, porque nada, a rigor, dese­
j ava comprar.
t Ora os caixeiros e caixeiras que v. ex.a
incomodóu não estavam trabalhando ? t Perpas­
sou-lhe porventura pela consciência a sombra
dum remorso por ter dado inúteis incómo­
dos ?
c Contudo, além do cansaço inútil e suple­
mentar que tiveram de sofrer, foram obrigados
a desperdiçar o tempo que poderiam ter em­
pregado proveitosamente, pois que êles perce­
bem percentagens nas vendas, o que representa
o melhor dos seus interêsses. Graças à gentil
m açada de v. ex.11, deixaram de servir uma
fr�guesia verdadeira, e assim a senhora lhes
usurpou interêsses, .Porque para êles o tempo
é, a rigor, dinheiro.
«É fácil de calcular como nesses estabe­
lecimentos em que reina a actividade, v. ex.a é
temida, a-pesar-de estar habituada só a h ome­
nagens lisonjeiras. V. ex.11 há-de desculpar
mesmo o dizer-lhe que há um vocábulo de calão
comercial com que a designam, e que muito
vai ferir-lhe o ouvido. Os caixeiros, quando

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ÜROANIZAÇÃO MOR.AL DO LAR DOMÉSTICO 51

uma senhora anda assim a passar o tempo,


maçando to!los s�m comprar nada, com abuso
da cortezia própria da profissão dêles, cha­
mam-lhe : uma sarna. Desculpe, minha senhora,
o revelar-lhe esta classificação que nada tem
de bem soante, realmente, Mas v. ex.a, refle­
tindo serenamente, deve desculpá-la, ao avaliar
os prejuízos que ocasionam os caprichozlnhos
de quem não tem que fazer.
' Que, afinal, v. ex.a procede, de ordinário,
assim em tôda a parte, só para ter o gôzo de
ver, de remexer, de examinar. Em casa da po­
bre modista, o m anequim é uma verdadeira
vítima, exibindo estofos e fazendas, quando v.
ex.11 não está de-veras resolvida a encomendar
nenhum vestido.
c Logo de manhã, saindo à rua, v. ex.a
parou no mercado de flores da Madalena.
Porquê ? Pelo vício de tocar em tudo. E assim
faz preguntas às vendedeiras, pede, explica­
ções. Seguiu-a um pobre diabo, esperançado
em boa gorjeta, para transportar as compras
para a carruagem. Bem sei que v. ex.a o não
encarregou disso. Mas era natural que, pelos
modos de v. ex.a, o p obre h omem julgasse ser
preciso como m oço de frete. l Ora não tem v.
ex."' um bocadinho de responsabilidade pelo
prejuízo do pobre h omem que podia ter seguido
um freguês útil ?

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52 Ü LIVRO DA DONA DE CASA

c Está v. ex.a convencida de que é benévola


com todos que a servem, e isso porque é de
humor sereno para com todos, ou porque as
suas vivacid? des duram pouco.
•Contudo, a v. ex.a nunca lhe passou pela
mente a possibilidade de poupar aos criados
·
algumas fadigas sem que a senhora por isso
sofresse o menor prejuízo.
c Por exemplo : t não haverá ocasião em que

seria fácil ev itar fazer esperar demais o co­


cheiro ou o motorista ?
c Bem sei que o ofício dêles é estar às or­
dens de v. ex.". Mas não faltam ocasiões em
que a senhora possa aliviar-lhes a fadiga. l Terá
v. ex. a pensado sequer um instante nisso ?
aV. ex.a entra muito tarde, à noite. Sejam
as horas que forem, é indispensável que a
criada de quarto esteja a pé para ajudar a des­
pir o vestido. Nada parece a v. ex.3 mais natu­
ral do que isso. Assim o faz supor a amável
fleugma do seu egoísmo. Não lhe passa pela
idea, pois, que a criada precisa de descansar.
c E aproveito apenas alguns exemplos, co­
lhidos ao acaso nas horas dum só dia. Vemos�
pois, que v. ex.a, embora ande sossegada de
consciência, tem abusado quási constante­
mente da sua autoridade, concorrendo para
avolumar os encargos que lmpendem sôbre os
m enos felizes . . .

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ÜROANIZAÇÃO MORAL DO LAR DOMÉSTICO 55

cAh ! e eu tenho a certeza de que v. ex.a


se comoverá até às lágrimas, ao ouvir uma
narrativa triste. Contudo, é talvez mais meri­
tório ter o permanente sentimento da caridade
elementar que consiste apenas em nos esfor­
çarmos por não tornar difícil a existência dos
outros.
c Se todos tivessem êsse cuidado, i quão
simples seria a solução de tantíssimas irritan­
tes questões ! ,
O que acabam de ler sugere ainda mais
ideas do que as que exprime.
Não são interessantes os factos particula­
res que exemplifica ; interessante é a sua idea
geral e o que dela se pode deduzir.
Todos sabem como são de temer por quem
com elas sej a obrigado a tratar as pessoas
ociosas e que precisam de matar o tempo.
Infel izmente, abundam e até entre as donas
de casa, não tendo nunca a consciência do
quanto se prejudicam, a si e aos outros.
Dizia Cláudio Bernard :
c - i Quantas pessoas procuram matar o
tempo ! . . É um assassínio como qualquer ou·
.

tro : mas comete-se. E, para isso, basta apenas


dar o primeiro passo,.
Entretanto, t será possível que uma dona de
casa, sendo múltiplas as suas obrigações, tenha
necessidade de matar o tempo ?

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54 0 L!V�O DA DONA DE CASA

Se alguma existe, é porque não compreen­


deu o seu papel, é p orque se não importa com
o lar, e vive uma vida vã, para desgraça não
só sua, como das pessoas que, na intimidade,
ou cerimoniosamente, com ela têm relações.

Deduziremos destas diversas considerações


uma conclusão.
É indispensável ao espírito da dona de casa
tôda a consciência das suas atribui'ções. Deve
conhecer no que é que se funda não só a pró­
pria felicidade como a organização da felici·
dade d o seu marido e dos seus filhos.
E, na posse desta convicção, depara-se-lhe
o seguinte dilema :
- l Quere, ou não, dedicar-se ao seu dever ?
� Ou prefere sacrificar tudo ao espírito de inde­
pendência, não olhando para as fatais conse­
qüências de tal procedimento ?
Nas suas mãos � está ou a felicidade ou a
desgraça dos seus. Não é fechando os olhos
aos seus deveres que ela os pode cumprir.
Ou os cumpre por completo, e então recebe,
como recompensa, a felicidade dos seus e a
sua íntima satisfação, ou os despreza, e l ogo
neste mundo será cruelmente castigada por
uma série de irremediáveis angústias.

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ORGANIZAÇÃO MORAL DO LA� DOMÉSTICO 55

E assim vemos quanto é positivo não haver


fel icidade sólida e duradoira, sej a no que fôr,
senão por meio da ordem e da regra.
Por isso, a primeira preocupação duma
dona de casa deve ser pôr ent ordem a vida do­
méstica.
Não tratamos aqui de organizar uma cons­
titui"ção familial. A questão é tomar bons há­
bitos.
Por exemplo, aceitar-se-á como funda­
mental o levantar e d eitar a horas certas para
que, no interval o de tempo que decorra entre
essas horas, a dona de casa possa distribuir
metódica e invariàvelmente as ocupações diá­
rias.
Desta m aneira, cada ocupação, como cada
coisa, tem o seu lugar.
Igualmente a h oras certas devem ser tôdas
as refeições, regulando-se o horário conforme
as ocupações de todos os m embros da família.
Sem a exibição, nem mesmo a tentativa de
Jmpor uma regulamentação despótica, a dona
de casa conseguirá que todos tomem bons há­
'
bitos, bastando para isso ser a primeira a dar
o exemplo.
Desta forma, a \lida doméstica pode ser
regulada e posta em ordem até nas menores
particularidades, nas coisas mais in signifi­
cantes.

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56 0 LIVRO DA DONA DE CASA

Ninguém, por exemplo, entrará em casa sem


limpar os pés no capacho, porque a dona de
casa terá feito compreender o grande trabalho
que dá a conservação do sobrado e · de tôda a
casa no estado de limpeza e asseio. Os que
forem entrando não só limparão os pés, como
mudarão de calçado, substituindo-o por sapatos
escovados e que não façam ruído excessivo,
por chinelos, como é vulgar.
Por economia, chegarão até a mudar de
fato, vestindo outro mais usado e que pode
acabar de romper-se em casa.
São bons hábitos. Logo que se adquiram,
demonstra-nos a experiência que, tornados
numa segunda natureza, são seguidos automàt­
ticamente.
Portanto, a grande arte da dona de casa, ao
regulamentar a sua vida doméstica, consiste
em fazer tomar bons hábitos, sem os impor
despoticamente.
Não há ninguém que os contrarie muito, e
assim impera a ordem na casa sem o m enor
esfôrço, devido apenas a um natural efeito dos
hábitos adquiridos.
E como esta disciplina a tudo é aplicável,
é supérfluo entrar em particularidades.
À dona de casa compete, depois dum
atento e reflectldo exame das diversas neces·
sldades domésticas, determinar os hábitos in-

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ÜR.OANIZAÇÃO MORAL DO LAR. DOMÉSTICO 57

dispensáveis para que h aja ordem no lar e


todos nele sejam felizes.
Mas tal trabalho não se faz todo num dia,
até porque as circunstâncias são múltiplas e
variadas. O que é fundamental é aplicar-se
a dona de casa, constantemente e com tôda a
atenção, ao trabalho de conseguir que todos
os membros d a famflia ajustem os seus hábitos
a cada uma das situações da vida. E, portanto,
a vida doméstica carece de um fim, duma re­
gra, coordenadora de tudo, para obter, o mais
completamente possível, as satisfações reali­
záveis.
Acima de tudo, nada de incoerências, de
deixar correr, de vida ao Deus-dará, sem uma
idea directriz, sem método, ao abandono, à
mercê das coisas e dos acontecimentos.
Método e actividade f Eis o tema que a dona
de casa deve ter sempre diante do espírito.
Ordem em tudo : na vida moral e na vida
m aterial. Tôda a existência determinada, reflec­
tida, de antemão orientada.
Nada de perder tempo. O tempo é a pró­
pria vida. Um minuto que passa, sem nos dar
felicidade ou sem nos fornecer os meios de a
obtermos, é um minuto inútil para a existên­
cia.
Assim, grandiosa e admirável é a tarefa d a
dona d e casa modelar.

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58 Ü LJVI{O DA DONA DE CASA

Organiza a felicidade de seu marido e dos


seus filhos. Em tudo só procura êsse fim. Para
o realizar, envida todos os seus esforços. Põe
tudo em ordem nesse sentido : a vida m oral e
a Vida material do lar. É assim que ela tem a
certeza de ter feito tudo quanto pode para
cumprir os seus deveres.
E não será recompensada só por essa jus­
tiça da consciência.
A rigor, a vida é sempre como nós a faze­
mos.
A mulher que despreza a sua vida domés­
tica sofre a ruína e a desgraça.
A mulher que, pelo contrário, se preocupar
ardentemente com a vida do lar, colhe os fru­
tos dos seus esforços, é a felicidade de seu
marido, é a felicidade dos seus filhos, é emfim,
a sua própria felicidade !

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CAPÍTULO 11

A atracção do lar doméstico

Não se pondera vulgarmente bastante o


poder magnético que em todos exerce o inte­
rior dum lar, quando é de-veras atraente.
O penetrante filósofo Paulo janet eviden­
ciou, melhor do que ninguém, o profundo sen­
timento despertado pelo lar familiar em todos
os corações h umanos.
Maravilhosamente o exteriorizou e desen­
volveu êle nos seguintes períodos :
c O homem, na Vida da família, está só sem
estar só. Está entregue a si próprio. Vê e ouve
ao redor de si a vida sem sacrificar a sua pró­
pria vida.
A sua casa tem um singular poder de apa­
ziguamento e engrandecimento. É não sei quê
de absoluto no meio da dissipação fugiti\la das
coisas exteriores. É a substância da vida d a
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(]() Ü LIVRO DA DONA DE CASA

qual os acidentes exteriores constituem apenas


a superfície.
c Por desventura, a vida exterior é uma
base pouco sólida. Foge como tudo o mais.
Mas, na onda universal que nos arrasta, a fa­
mília é como a barca que corta a água con­
nosco, e que nos acompanha, salva � conduz.
Às vezes, acontece, sem dúvida, sossobrar a
barca antes de nós, deixando-nos apenas al­
guns destroços : mas, emquanto resiste, dá-nos
a ilusão dum solo fixo sôbre as ondas incon­
sistentes.
Dai resultam os entusiasmos ardentes pela
vida de família naqueles que em qualquer parte
desejariam encontrar um penhasco e terra
firme no meio das inconstantes ondas que nos
cercam e arrebatam :..
Esta imagem do interior família!, comparada
a uma barca de salvação no oceano do mundo,
é completamente exacta.
Na verdade, o lar doméstico representa,
para todos os membros da famflia, um irresis­
tível centro de atracção, se a dona de casa
assim o souber conseguir.
A atracção do lar é elemento do plano de
organização da felicidade doméstica que tão
constantemente preocupa a dona de casa,
quando deseja cumprir todos os seus deveres.
Conhece ela a importância dessa atracção

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A ATRACÇÃO DO LAR DOMÉSTICO 61

exercida sôbre todos os membros da família e


esforça-se por lhe multiplicar as causas, so�
todos os pontos de vista : material, moral, in ­
tel ectual e estético.
Para que todos estej am bem materialmente
no lar, sentindo-se melhor dentro dêle do que
em qualquer outra parte, a dona de casa tor­
ná-lo-á, confortável, encantador.
E não é isso difícil. Para que um homem
seja feliz, não lhe são precisas inúmeras satis­
fações. Bastam o espírito de ordem, a harmo­
nia que predomina num bom l ar doméstic o
para haver um atractivo, porque o s hábitos
adquiridos são assim satisfeitos por u m a forma
que se não encontra fora do lar.
Há na vida doméstica a maior das satisfa­
ções, porque o conjunto dos elementos dessa
vida constitue um ambiente ao qual se está
perfeitamente adaptado e no qual se vive sem
o menor esfôrço.
Esta última consideração é de capital im­
portância. Todos nos encontramos melhor onde
se possa viver com o mfnimo dos esforços.
Quer queiram, quer não, a natureza hu­
mana tem h orror pelo esfôrço. Acima de tudo.
o que preza é a vida fácil.
É uma tendência esta que a dona de casa .
p ode utilizar com êxito no empenho de tornar
tôda a famflia feliz, ligando-a ao lar doméstico.

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62 0 LiVRO DA DONA Df CASA

Para isso é bastante tornar mais fácil e agra�


ddvel do que qualquer outra a vida do lar para
todos que ama.
O que nisto é fundamental é a ordem e o
método. Depois, cumpre usar da atenção, da
obser\lação, da reflexão, da perseverança pa-
·

ciente.
Um lar confortável e encantador não se
faz num dia. Requer uma longa série de estu­
dos e esforços. Primeiro que tudo, a dona de
casa estuda os gostos de cada um dos seus.
Depois, resta-lhe cuidar em dar-lhes a satis­
fação.
É êste o corolário do que dissemos no L i­
vro da Espôsa quanto à felicidade conjugal.
Assim como, para fazer feliz o marido, a esposa
tem necessidade de o estudar e conhecer per­
feitamente, assim também a dona de casa, para
dar felicidade a quem com ela viver, tem de
se esforçar por conhecer, o mais possível, as
-suas inclinações e os seus gostos.
E, quanto mais fôr conhecendo o que é
útil à felicidade dos que ama, tanto melhor
trabalhará ela pela construção dessa felicidade
doméstica, utilizando todos os meios ao seu
alcance para organizar moral e materialmente
o seu lar.
Há donas de casa que não saem fora de
sua casa sem trazerem algum fruto das obser-

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A ATRACÇÃO DO LAR DOMÉSTICO 65

VHções que na vida exterior fizeram sôbre o


nrranjo de casa, habitação, j ardinagem, etc.
Assim chegam a conhecer, como ninguém,
a melhor maneira de tratar de tudo que faz
parte do seu l ar.
Nesse lar o confôrto e a elegância são de­
vidos não sõ a uma perfeita ordem, como ao
e feito duma certa disposição dos móveis, o
que prova o bom gôsto - qualidade esta que
se nota nas m enores particularidades.
Entre as preocupações tão múltiplas d a
d o n a de casa, deve ser uma das principais o
tornar o lar doméstico não só cómodo, mas
também, atraente, direi até-tão bonito quanto
possível.
Não falta quem julgue êste cuidado ou inú­
til ou i ndigno dos cuidados duma senhora, isto
quando não acontece não poderem pensar em
tal por lhes faltar completamente o sentimento
do Belo - o que é bastante vulgar.
l Mas q1Jais são os resultados ? Logo ao
primeiro deitar de olhos se nota, na vida inte­
rior, a falta- de todos os pequ enos e belos
,
nadas que a tornam confortável e atraente.
É uma vivenda sempre triste, parecendo quási
deshabitada. O seu vestuário não se parece aos
de todos os outros.
É que quem assim tem o lar, ignora a im­
portância das tais pequeninas coisas na vida

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64 Ü LIVRO DA DONA DE CASA

prática. Não dá valor ao bom gôsto. Não sabe


o que vale a aparência, a exterioridade. Emfim,
por um declive insensível, mas que fàcilmente
nos impele, chega, pouco a pouco, a desdenhar
da própria ordem e do próprio asseio.

É afinal, o sentimento estético - o amor d o


Belo - um dos mais valiosos elementos que,
nas mãos da boa dona de casa, transformam
o lar doméstico num irresistível centro de
atracção empolgadora de todos os membros
da família.
O amor do belo é um dos sentimentos
mais úteis e nobres do homem, e não, como o
julgam muitos espíritos superficiais, uma simples
faculdade de furo.
A utilidade do amor do Belo está em que
êsse sentimento estimula, em quem o sente,
uma grande vontade de progredir, até mate­
rialmente.
Menos por necessidade de bem-estar d o
que p o r imperioso amor do Belo, pouco a
pouco se transformaram as cavernas e os tugú­
rios selvagens nessas magnificentes vivendas
em que a grandeza humana m ais brilhantemente
se afirma.
Quando os nossos primitivos antepassa-

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A ATRACÇÃO DO LAR. DOMÉSTICO 65

dos ornamentavam as paredes dos seus antros


com as figuras dos a�imais que viviam no seu
tempo, esculpindo-as, com mais ou menos per­
feição, em silex, madeira, ôsso, marfim, etc.,
cediam já à inspiração do amor do belo.
O mesmo amor do belo revestiu de panos
e quadros decorativos as paredes e os tetos
das nossas casas. Devemos-lhe tôdas as encan­
tadoras maravilhas dos nossós lares. É evi­
dente, pois, a utilidade do amor do belo.
Quanto à nobreza dêsse sentimento, de­
monstra-se no facto de que, apenas êle predo­
mina na nossa vida íntima, fica para sempre
nosso habitual companheiro, elevando-nos a
alma, criando-lhe um ambiente de elevados e
puros pensamentos.
Contudo, deve livrar-se a dona de casa do
êrro, excessivamente vulgar, de confundir o
amor do belo com o amor do lu.ro, porque
são dois sentimentos absolutamente diferentes,
desigualfssimos de valor.
Há luxo de mau gôsto, como há simplici­
dade de bom gôsto.
Ora, para beneficio da felicidade domés­
tica, o mais eficaz é o bom gôsto da simplici­
dade. Uma senhora que possua boa visão esté­
tica, fàcilmente torna a sua casa mais atraente
do que as vivendas mais sumptuosas.
E devemos notar ainda que o belo origi-

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66 0 LIVI{O DA DONA DI! CASA

nado pela simplicidade satisfaz-nos mais o ín­


timo do que o belo, esmagador de pompa e bri­
lho, porque chega um dia a cansar-nos, o que
nunca acontece com a beleza do que é simples,
pois, dia a dia, nos revela um encanto novo.
É isto devido à correlação existente, na
n ossa sensibilidade estética, entre o belo físico
e o belo moral. Ora esta mesma correlação
é bastante para aconselhar a dona de casa a
dedicar-se, quanto possível, à cultura, na sua
vida doméstica, do gôsto estético, que terá em
vista satisfazer.
E, desta maneira, a sua acção nos espíritos
dos que ama será dupla de processos, reali­
zar-se-á tanto pela inteligência como pelo
coração.
Não oferece dúvida a poderosa influência,
exercida em nós, e até nos nossos sentimentos
morais, pelo ambiente material em que vivemos.
e É agradável e estético êsse ambiente ? Os
nossos pensamentos, - sem darmos por Isso ­
são mais delicados. Exprimimo-los com melhor
precisão e cuidado. O nosso carácter, insensi­
velmente para nós, progride, melhora.
Pelo contrário, e o vosso ambiente é feio,
sórdido, desagradável ? Prejudica-se a vossa
mentalidade, deprimem-se os sentimentos do
vosso coração.
O primeiro a m b i e n t e dá, como reflexo

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A ATRACÇÃO DO LAR DOMÉSTICO 67

social, a urbanidade. O segundo produz a


grosseria.
Nada m ais faz do que furtar-se à influência
maléfica, deprimente e desmoralizadora, dum
desagradável ambiente material o operário que
troca o seu lar acanhado e escuro, sujo, desar­
ranjado, pela taberna.
Contudo, essa influência domina-o. O seu
carácter brusco, a sua pobresa de ideas, bai­
xeza de linguagem e até de costumes, vem do
seu tugúrio repugnante.
A senhora H. Beécher Stowe, a ilustre
romancista da Cabana do Pai Tomaz, e boa
observadora dos sentimentos humanos, disse :
c Não conheço condição mais nociva da
pureza espiritual do que a imundície física• .
Não deveremos considerar êste axioma como
absolutamente verdadeiro em tôdas as circuns­
tâncias. Mas nem por isso deixa de reflectir
uma observação profunda, aliás fàcilmente veri­
ficável por .tôda a gente.
É que tudo se encontra, mais ou menos,
dentro da individualidade humana, assim como
a mesma individualidade humana depende muito
lntimamente do seu meio.
Somos eminentemente sensíveis a tôdas as
influências f
É agora perfeitamente compreensível a razão
da nossa insistência sôbre a importância que,

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68 Ü LIVPO DA DONA DE CASA

para a felicidade doméstica, possue a atracção


estética do lar, dominando todos ,o s membros
da família.
A cultura do amor do belo traz consigo
tantos prazeres e até virtudes, que a boa dona
de casa não pode pôr de parte um tão forte
elemento de organização moral interior, e com­
pletamente ao seu alcance.
Por isso, a deve cultivar com assiduidade,_
primeiro em si própria e depois comunicando
o seu gôsto a todos os membros da família, o
que não é difícil, porque todos possuem, emb�ta
uns mais nitidamente e cada um com diferente
carácter, o sentimento estético.
É necessidade de todos admirar1 como é ne­
cessidade de todos respirar, comer, beber, amar.
S atisfaz-nos ver uma m esa bem posta e
adornada, uma casa confortável, assim como
nos dão felicidade os afectos de todos aqueles
com quem vivemos.
Mas a Arte, e até a mais rudimentar, não
nos dá m enos felicidade, o que explica a razão·
por que o sentimento estético acciona, dentro
das diversas gradações artísticas, a actividade·
humana.
A n;:�da mais se devem as grosseiras escul­
turas feitas pelo selvagem no cabo das suas
armas ou dos seus utensílios, os desenhos das
paredes interiores das cubatas dos negros mais

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A ATRACÇÃO DO LAR DOMÉSTICO 89

mfserá\'eis, desenhos que representam aves,


árvores, ou simplesmente cfrculos quadrados . . .

ornamentos, emfim.
l E não é verdade que aquele ornamento
é por completo inútil fora do sentimento que
o produziu para ter uma satisfação ?
De-certo, e assim vemos evidente uma neces­
sidade, independente das outras necessidades
ffsicas, intelectuais e morais, e tão cheia de
intensidade, que o homem mais indolente, como
em geral o é o selvagem, não duvida trabalhar,
esforçar-se, mover-se, para a saciar, como o
faz para beber. e comer.
Esta n e c e s s i d a d e u n iversal, invencivel,
imperiosa é o sentimento estético.
Muitas donas de casa, por terem menos­
prezado esta exigência humana, não podem
afeiçoar à vida doméstica nem o marido, nem
os filhos, nem elas próprias.
O interior desagrada. Ninguém se acha lá
bem. Fogem todos do lar quanto podem. É uma
triste e cruel reali dade, e devida à conde­
nável superficialidade orientadora da e ducação
das donzelas que um dia têm de ser donas
de casa.
E provém isto do absurdo de se considerar
o sentimento estético não como êle é - uma
necessidade real, mas sim como um sentimento
de furo.

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70 0 LIVRO DA DONA DE CASA

Como nunca, deixa de ter aqui qualquer


propósito falar no luro, porque, de tôdas as
necessidades humanas, a mais fácil e econó­
mica é a do sentimento estético, além de que
é útil, porque, para o satisfazer, é levado o
homem a aumentar o que lhe dá confôrto.
Ao gôsto estético são indubitàvelmente
devidos os sucessivos progressos da habita­
ção humana. Devemos-lhe a orientação - que
tanto nos encanta sem darmos por isso - de
tôdas as particularidades que tornam o lar
atraente.
E é sem dar por isso que nós sofremos
aquela influência, porque, habituados a ter o
seu gôzo desde a mais tenra infância, como
que o saboreamos automàticamente.
Contudo, é fácil verificar essa influência.
Pouco basta. Mandem tirar, por exemplo, o
tapête que estão acostumados a ver todos os
dias ao pé do sofá. Pode o sobrado estar,
como é natural, esplêndidamente limpo e ence­
rado : parecerá nú, vazio, ou numa palavrat
feio. Falta qualquer coisa. Sente-se uma impres­
são de-veras desagradável.
E porquê ? Só porque aquele tapête satis­
fazia um gôsto estético habitual e que só agora
foi pôsto em relêvo pelo acto de tir�rem o
tapête do lugar em que estava há multo.
Sucede o mesmo com todos os nossos

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A ATRACÇXO DO LAR DOMESTICO 71

hábitos de confôrto e de estética. Para se lhes


conhecer a existência e a fôrça, basta contra­
riá-los.
Ora a dona de casa tem, nestes queridos
hábitos, um poderoso elemento de organização
doméstica. Por isso deve empregar todos os
esforços para os criar, cultivando-os em todos
os membros da família.
Bem sabemos que nem todos são igual­
mente dotados, tanto no sentimento estético,
como nas demais faculdades. Contudo, o sen­
timento estético, maior ou menor, existe em
tôda a gente e pode melhorar-se com uma
cultura perseverante.
O gôsto é essencialmente educável. A dona
de casa pode valorizar fecundamente essa
educabilidade.
Nunca será demais o constante desenvolvi­
mento que em si própria fizer do gôsto esté­
tico. Assim, com facilidade maior pelo facto
de viver em comum com os que presenceiam
a aplicação do gôsto estético dela ao seu
lar, irá, suavemente, fortificando os mesmos
sentimentos no marido e nos filhos.
E, como todos os nossos sentimentos são
solidários com a cultura do amor do belo, rea­
lizará ela, ao mesmo tempo, a cultura de tôdas
as nobres qualidades latentes na alma humana.
É que, quando uma delas desperta e pro-

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72 Ü LIVR.O DA DONA DE CASA

gride, seguem-se-lhe logo as outras, como que


dan do-lhe a mão.

Ocioso seria repetir aqui o que, sôbre a


cultura estética da mulher, dissemos no capí­
tulo vm do L ivro da Espôsa.
O que aí aplicamos à espôsa, é aplicável
- no que diz respeito à felicidade doméstica
- à dona de casa.
Portanto, útil é lembrarem-se daquele capí­
tulo que proveitosamente completa as ponde.
rações que acabamos de fazer.
Ainda assim, acrescentaremos ao exposto
no nosso outro livro algumas reflexões sôbre
o papel educador no ambiente doméstico. Não
se aplicando à espôsa propriamente dita, estas
reflexões interessam à dona de casa, à mãi de
família.
É incontestável a influência considerável,
profunda e até indelével, exercida sôbre nós
pelo lar em que fomos criados. Portanto, é de
capital importância que essa influência seja
benéfica.
Essencial se torna que os nossos filhos sin­
tam sempre pelo l ar doméstico uma atracção
de tal ordem, que em parte nenhuma se encon­
trem tão bem, e que por tôda a vida dêle tenham
uma recordação tão gostosa, que, quando cons-

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A ATRACÇÃO DO LAR DOMÉSTICO 75

tlturrem família, periOdicamente os leve a visi­


tarem-no. É útil que o lar paterno se constitua
o superior modêlo, inexcedido por qualquer
outro do lar que constituem.
Eis, pois, a indispensável e constante preo­
cupação da mãi de família : constituir um ninho­
zinho, tão amado pelos pequeninos, que estes
venham para êle sempre com alegria, nunca o
abandonando sem saUdade.
E aqui temos o poder da atracção geral do
lar doméstico, revelada nos filhos.
Mas não é só sôbre os filhos que a organi­
zação do lar tem i nfluência.
Também a exerce, e também educativa­
mente, nos pais.
Pondo de parte agora os hábitos de ordem,
exactidão e bom emprêgo de tempo, que u m a
b o a d o n a de casa sabe insinuar no ânimo dos
seus - porque isso pertence à educação geral
- devemos considerar uma outra espécie de
ensinamentos que, naturalmente derivam do
meio doméstico, do conjunto dos seus ele­
mentos, da m aneira de viver, dos próprios
objectos que nos rodeiam.
São uma soma de hábitos, de tradições,
de experiência, a acumularem-se dentro do
nosso esprrito, a tornarem-se, por fim, uma
parte integrante d a nossa íntima personalidade :
e é ainda a lição que nos dá tudo que tem

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74 0 LIVR.O DA DONA DE CASA

s,igniflcação própria na nossa casa- a mobília,


os adornos, etc.
Porque não são só os livros quem nos ensina.
Aprendemos também com tudo que nos fala
ao espírito.
Nunca pude esquecer a nítida figura duma
vélha camita de madeira em que eu dormia em
criança. À cabeceira, tinha em piramidezinhas
estátuas de núbios de tez escura e vestuá­
rios doirados. Foi como comecei a conhecer
a arte do Consulado e do Império. Nunca
penso nesta arte sem ver, no meu passado,
aqueles núbios escuros que me serviam de
nocturnas vigias.
Os quadros, os desenhos, as gravuras, tôdas
as representações e figuras, que adornam o
lar doméstico, exercem uma tão grande influên­
cia educativa, que nunca desaparecem nos
espíritos, principalmente no das crianças.
E, quando elas chegam à adolescência,
é viva ainda e constante a visão daquelas
imagens, boas ou medíocres, ou antes, entre
as quais medraram, despertando nos seus espí­
ritos, como que inconscientemente, e segundo a
capacidade de cada um, o sentimento maior ou
menor das coisas artísticas e, ao mesmo tempo,
benéficas ou nocivas impressões morais.
Nunca, portanto, a dona de casa se esfor­
çará o bastante por ser sensata na escolha

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A AT�ACÇÃO DO LAR DOMÉSTICO 75

dessas figuras, pintadas ou gravadas, ou escul­


pidas, pregadas nas paredes.
C u m p r e -l h e ainda e s c o l h ê - l a s rigorosa­
mente, por forma que tenham razoável exe­
cução artística.
M i l v e z e s p r eferív e l é ter as p a re d e s
nuas a enchê-las de coisas banais o u d e
mau gôsto. Vale mais uma fotografia simples,
copiando a obra original dum mestre, do que
um quadro mau ou uma insignificante gravura.
É agora mais evidente o que queremos dizer,
ao falarmos do papel educativo do lar familial,
até se o considerarmos pelo lado puramente
material do mobiliário e dos adornos.
O lar doméstico deve agradar tanto, que
atraia a si, e os retenha, todos os membros da
família ; e, simultâneamente, deve orientar o
espírito, formar o gôsto, dar conhecimentos e
hábitos morais.
A nossa casa deve reUnir tôdas as atrac­
ções e actos benéficos.
E-repeti-to-emos-isto não é difícil, poden­
do-se obter, por meio de simplicíssimos ele­
mentos, tão importantes resultados.
Por outro lado, o lar doméstico não se faz
duma só peça e não se faz duma só vez, defi­
nitivamente. A sua organização exige tempo,
lucubrações, os esforços de todos os membros
da família.

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76 Ü LIVRO DA DONA DE CASA

São as diversas necessidades, as sugestões


dadas pelas diversas circunstâncias que, pouco
a pouco, realizam os melhoramentos.
Cada dia, cada obra.
Entretanto, podemos fazer projectos, estu­
dá-los, aperfeiçoá-los muito tempo antes de os
pormos em prática. Essa preparação não só
facilitará a obra definitiva como nos assegu­
rará a solidez dela, construída depois de lucu­
brações demoradas.
Porque, numa palavra, o lar doméstico, não
tem o seu constante desenvolvimento à custa
de revoluções ou de grandes reformas.
Todos os progressos são vagarosos, sem
abalos, principalmente por meio duma série de
pequenos hábitos úteis.
É positivo que nunca poderemos realizar
tudo quanto queremos. É uma condição fatal
das coisas humanas. Mas não basta que o seja,
para nos _d ispensarmos de envidar todos os
esforços pelo que fôr útil à felicidade da família.
Em tudo devemos fazer tudo quanto puder­
mos, e sempre pelo melhor f
N a maior parte das vezes, o bom êxito
recompensa essa boa vontade �e moderação.
A felicidade doméstica não se conquista
com grand�s satisfações, mas sim com tôdas
essas pequenas alegrias que a vida reclama e
que todos podem ter.

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CAP ÍTULO III

As relações exteriores

Não é um meio famlllal um lugar fechado.


Nenhuma famflia pode, por completo, bastar
a si própria de tal forma que possa, sem pre­
juízo, dispensar as suas relações com o resto
da humanidade.
O Robison Suíço, obra que faz a pintura
de tal estado familial, não passa duma {fantasia
sem aplicação alguma às reais condições da
sociedade.
Todas as famílias têm parentes, amigos�
relações de civilidade, de negócios, de diver­
sões, de obras caritativas e ainda muitas outras�
e m ais ou menos.
Ora, dêste estado de coisas, derivam mui­
tas importantes conseqüências.
A primeira é não serem os membros da
famflia só influenciados pelo lar doméstico,
prlmacial particularidade que a dona de casa
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78 0 LIV�O DA DONA DE CASA

deve ter presente ao organizar moralmente a


sua vida doméstica.
Não deve limitar-se a inspirar os seus sen­
timentos e hábitos que melhor os devem tor­
nar felizes. Deve ir até à previdência das
influências que possam contrariar os seus bons
esforços, e deve tomar as medidas precisas
para que essas influências não destruam a
acção benéfica exercida por ela com tanto
zêlo no espírito do marido e dos filhos.
Portanto, a dona de casa deve, a o organi­
zar a sua vida doméstica, ligar uma especial
atenção às relações exteriores da famflia, e
dirigi-las com o máximo benefício dos supe­
riores interêsses de que é a tesoureira e vigia,
sendo dêsses ínterêsses sempre o m aior - a
felicidade doméstica.
As relações não são tôdas da mesma natu­
reza, e nem tôdas se podem tratar da mesma
maneira .
Há-as obrigatórias. Exigem, portanto, estas,
visto que são Inevitáveis, uma especial :vigi­
·

lância. Outras são facultativas. Destas é, pois,


possível fazer um a selecção, quer dizer, conser­
\lar as boas e úteis, e suprimir rigorosamente
as que possam tornar-se nocivas ou perigosas.
E, exposto isto, vejamos diversos aspectos
que devem atrair a atenção da dona de casa .
No caso de serem condignos os nossos

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As RELAÇÕES EXTERIORES 79

parentes dos sentimentos que predominam no


nosso lar, as suas relações são certamente as
preferíveis.
No tempo actual, as tendências dissolven­
tes que até no seio da família se infiltram,
mais m aléfica influência exercem ainda nos
laços do parentesco.
E, afinal, nada pode comparar-se, na luta
pela existência, à solidariedade fundada no
parentesco.
É por serem sólidas as organizações for­
madas pela família, pela tríbu, pelo clan, e
capazes de resistirem vitoriosamente ao socia­
lismo invasor do Estado, que o Estado persiste
em as atacar e demolir. Infelizmente, tem-no
conseguido demais.
Mas era exactamente o que urgiria recons­
truir, tarefa que pertence, como a ninguém, à
dona de casa.
Só ela, dum modo superior ao de todos,
poderá reatar êsses laços quebrados, renovar
as ligações do parentesco, reedificar a união
firme dos clans, que repelirá triunfalmente a
espuma colérica dos no�sos grandes homens . . .

dum s ó dia.
O desregrado poder do Estado deve-se à
divisão das famílias. O Estado sofrerá uma
Irremediável derrota no dia em que, em vez
de ter como adversários só individualidades,

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80 Ü LIVRO DA DONA DE CASA

tenha de defrontar-se com famílias unidas em


massa contra a opressão.
Mas em vez disso, há mais afagos e até
ciúmes pelos estranhos do que pelos nossos, o
que dá tôda a razão a êste sarcasmo de Theo­
doro Barriere : c i Como melhorariam as rela­
ções entre paren tes e amigos, se os ligasse
uns aos outros o afecto que êles dedicam a . . .
tôda a gente ! :.
Por infelicidade suprema, isto é assim a
rigor. Sob o pretexto de que não deve haver
cerimónias com parentes e amigos, tratam-nos
pior do que a indiferentes, do que ao primeiro
que encontramos no meio da rua.
Ora, pelo contrário, o tema da dona d e
casa deve ser êste :
c Ilimitada cordealidade para com os paren­
tes e amigos conhecidos - prevenção defen­
siva perante o que fôr novo, estranho, désco­
nhecido.
Nada de intrusos na família ! Sob êste ponto
de vista, a Interfamilial não tem m ais puro
valor do que a Internacional.
Como dissemos, ao abrir êste capítulo, a
família não é um lugar fechado, o que, porém,
resulta simplesmente duma inevitável neces­
sidade social. É um mal necessário.
E, dêsse facto, não se pode depreender
que a família seja um lugar aberto.

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As RELAÇÕES EXTERIORES 81

Multo pelo contrário, deve persistir a dona


de casa em limitar, o mais possível, tôdas as
relações dispensáveis.
A char-se-á ela bem com isso, e bem se
hão-de achar assim todos os seus.
O grande mal do nosso tempo é a exces­
siva exteriorização. Segundo uma frase con­
sagrada e que pinta com viveza a excessiva
facilidade de tais relações, penetra-se no seio
das famílias como um moinho.
Sim, intimidade para parentes e amigos
escolhidos. Os outros deixai-os à porta.
A vossa paz e felicidade será tanto maior
quanto menos pessoas estranhas entrarem na
vossa casa.
Nada valem muitas relações. São sempre
elementos de perturbação, de discórdia.
Devemos considerar a intimidade familiar
como uma espécie de santuário no qual não
deve ser admitido profano algum.
Vivei afastados do mundo e deixai falar.
Bastai, quanto possível, a vós próprios.
Eis o segrêdo da paz e da felicidade I
E - repito-o - só para os parentes se deve
fazer excepção a esta regra, devendo devo­
tarmo-nos a apertar cada vez m ais os laços
que unam os membros de muitas famílias que
descendam do mesmo sangue.
I nfelizmente, as famílias são divididas por

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82 0 LJVI{O DA DONA DI!: CASA

questões de interêsse. Sem aplaudirmos a ex­


pressão hiperbólica, achamos certo fundo de
verdade ao conceito desta frase : cOs parentes
e os piratas têm sempre rixas na h ora das
partilhas • .
B e m m a l entendida ambição ! Ê sses con­
flitos permitem, afinal, ao Estado viver à custa
das famílias, quando elas deveriam unir-se
p ara se emanciparem por completo do mesmo
Estado.
Não trataremos melhor os amigos do que
os parentes.
Contudo, uma amizade sincera fornece-nos
muitos júbilos e vantagens. É uma espécie de
parentesco escolhido livremente.
Mas, para isso, é preciso haver reciproci­
dade, quer dizer : que um dos amigos não seja
sacrificado pelo outro, que menos afectuoso é.
Há muita gente que não sabe a rigor o que
é a verdadeira amizade.
Não a consideram como reciproca simpa­
tia, despertada por semelhança de ideas, de
gostos, por mil invisíveis laços, que nos pren­
dem com perfeita consciência nossa. O que
nela procuram, quási sempre, é um meio de
lucro.
Ora, em tais condições, são, além de com­
panheiros simpáticos, instrumentos de bem­
-estar, prazer ou fortuna.

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As R�LAçOr:s r:XTERIOR.�s

Mas, desde que nos servimos da amizade


com um ffm interesseiro, sujeitamo-nos a todos
os incidentes que tantas vezes inimizam os
parentes, porque tal amizade não domina os
acontecimentos, depende dos nossos interês­
ses, podendo acabar ao mesmo tempo que
êstes.
Para ser verdadeira, a amizade deve, como
o parentesco, ser solidariedade -e nunca a
exploração dum sentimento e de fins interes­
seiros.
E aqui temos mais uma razão por que a
dona de casa deve dedicar a atenção especial
à escolha das amizades, tanto suas, como do
marido, como, principalmente, dos filhos.
Não nos poderíamos, a êste propósito, expri­
mir melhor do que a baroneza de Gerando C)
n a s c a rtas q u e , s ô b r e o m es m o a s s u n t o ,
escreveu a seu filho. Vamos dar alguns ex­
tractos que fornecem muito úteis ensinamentos.
Dizia a ilustre senhora :
cÉ de justiça conservarmos sempre uma
comovida piedade para com aqueles de quem
nos separa uma penosa diferença de educa-

(1) Cartas da Baroneza de Gerando, da família de


Rathsanhansen. Foi a espôsa do barão de Gerando,
membro do Instituto, conselheiro de Estado e par de
França. Morreu em Tiheis (Seno) a 16 de julho de 1824.

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,84 0 LtVR.O DA DONA DE CASA

ção : podendo censurá-los, não devemos ser


excessivamente ríspidos na censura • . •

• Confesso-te, meu querido filho, que nos


vários conhecimentos de pessoas que tenho
encontrado no mundo, nunca pude julgar-me
com mais autoridade, quando severa de opi­
nião, do que a de considerar como estranhos
a mim todos aqueles que não podiam prome­
ter-me nunca, pela moralidade e pela superio­
ridade do carácter, um progresso moral devido
a o seu convívio. Sempre me foi só possível
escolher quem tal segurança me pudesse ofe­
recer. Quanto aos que assim não s ão, nunca
os desprezei. Dediquei-lhes sempre apenas
indiferença.
«Nunca consagrei afeição senão a pessoas
melhores do que eu, tão superiores a mim,
que lhes reconhecesse o ascendente dum alto
mérito, o mérito que nos obriga a aperfeiçoar­
mo-nos para podermos ombrear com as pes­
soas com quem desej amos viver em condições
de igualdade. Nunca me senti atraída, forte e
duradoiramente, por outras pessoas : e, para
ser completo, êsse meu sentimento careceu
sempre do estímulo de me fazer sentir aquele
movimento de elevação (se assim me posso
exprimir), e que nos é comunicado por todos
qu� são virtuosos e distintos.
«Podes crer que, quando alguém se t e

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As RELAÇÕES EXTERIORES 85

revelar com u m aspecto que te leve a recusar­


-lhe a tua estima, ou por meio de acções, ou
por lhes ouvires sustentar doutrinas perigosas,
ou por maus hábitos, ou pelo modo leviano
com que tratar o que fôr respeitavel e essen­
cial para todo o h omem de bem, podes crer,
dizia-te eu, que, logo que tenhas chegado a
conclusão tão triste, dela deves l ogo fazer uma
pedra de toque, nunca devendo ligar-te intima­
mente às criaturas que ta fornecem.
•Não tens, não, o direito de lhe m anifes­
tares o menor desprêzo : mas deves furtar-te
a semelhantes relações.
c� E para que as terias tu ? Nem te pode­
riam dar satisfação, nem prazer, atentos os
hábitos distintos que recebeste e conservas.
Não podiam ter para ti qualquer utilidade,
porque com elas tudo tinhas a perder.
c Procura, pois, os bons e os fortes, para
te a poiares neles e para que te honrem e ale­
grem a vida.
c Contudo, se no caminho da tua vida encon­
trares quem possas salvar por meio de palavras
alentadoras, por meio duma piedade enterne­
cida e generosa, um fraco, um miserável, não
o deprimas nem desprezes : o que só não de­
ves fazer é preferi-lo, tornando-o teu amigo , ,
Nada h á que acrescentar a estas palavras,
cheias de sabedoria e ternura maternal.

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86 0 LIVRO DA DONA DI! CASA

Ai fica, quanto à escolha de amizades, a


regra mais simples e praticável.

Além das relações de parentesco e ami·


zade, as relações de famflia com o exterior
são muito menos intimas.
As demais pessoas, q>nhecidas por qual­
quer m otivo - cortesia, negócios, etc., - são
simples conhecimentos. Não há com elas mais
do que relações, mais ou menos cordiais, mas
que sôbre a famflia nunca exercem a lnfluên·
ela exercida por parentes e amigos íntimos.
Sem ampliar o seu número além da utili­
dade - por ser interêsse dela simplificar a
vida, quanto possível - poderá a dona de casa,
mas sempre reservada. na escolha, ponderar
certas necessidades que muitas vezes impõem
relações mais ou menos agradáveis.
Mas o lar mais feliz é o que menos se fran­
queia, é o que se abre apenas aos parentes
e a alguns amigos escolhidos, fechando-se a
tudo o mais. Portanto, resista obstinadamente
a dona de casa a tudo que possa transfor�ar
em intimidade o que deve ficar no rol das
relações erteriores.

Resumindo. À dona de casa, como organi­


zadora do meio doméstico, recomendamos-lhe
uma tendência dupla :

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As �r.LAÇOI!s EXTE�IOJtr.s 87

1 .0 - Deve ampliar o circulo das relações dos


parentes, unindo-os, quanto possível, até conse­
guir o restabelecimento do clan, isto é, deve
solidarizar tôdas as pessoas que descendam d o
mesmo sangue q u e o s e u ou do seu m arido.
2.0 - Deve reprimir, quanto possfvel, tôdas
as demais relações, e não só na quantidade
como na qualidade; quer dizer : ter só um pe­
quen o número de amizades escolhidas e o que
fôr rigorosamente indispensável de conhecidos.
Há quem pretenda que, para bom êxito
nosso, para os nossos filhos se colocarem van­
tajosamente, é bom ter muitas relações, o
maior número possível de conhecimentos.
Essa fé não passa de imaginação, duma
ilusão nociva que de-pressa se destrói, logo
que a qualquer dessas pessoas conhecidas
tivermos de pedir um favor. Ouvimos lindas
palavras, promessas formosas, mas nem um
pequeno esfôrço real para nos serem agradá­
veis ou úteis.
Fora dos 6inceros afectos de parentes e
amigos, nunca devemos ater-nos a relações e
conhecimentos.
Os conhecidos só s_e interessam por nós,
quando, fazendo-o, favorecem os seus próprios
interêsses. Se lhes falamos dum interêsse que
os não beneficia, não m exem um dedo para
nos serem úteis. Mais ainda : quando nos reti-

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88 0 LIVR.O DA DONA DE CASA

ramos, baldado o nosso pedido, ainda se ficam


a rir da nossa ingenui'dade.
Portanto, -varrei cuidadosamente do espírito
o preconceito da utilidade das relações, e cul­
ti-vai apenas aqueles que vos impõem a civili­
dade, os negócios, as diferentes necessidades
da vida social.
Isto no que diz respeito à quantidade das
relações.
Quanto à qualidade, nunca, sem sérios
motivos que legitimem tão grave resolução,
transformem em intimidade o que deve limitar­
-se a simples relações sociais.
Haja con�tante receio no con-vidar, no dar
acesso à vid a interior.
Ê sse é para parentes e íntimos amigos,
para as pessoas com quem tendes duradoiras
relações.
E, além disso, deveis e-vitar ligar-vos de­
mais a conhecidos, para não contraírdes recí­
procas obrigações que vos forcem a abrir-lhes
o vosso lar doméstico.
Portanto, nada de intimidades com vizi�
nhos f Com todos podeis ter relações cheias
de benevolência, mas sempre dentro de re­
serva e nunca perdendo a vossa boa linha.
Nada de soalheiros, de misteriozinhos, de
conversas de comadres, de intriguinhas, de ma­
ledicências. São gérmenes de discórdias sociais.

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As R.ELAÇÕES EXTERIORES 89

Para tornar amável o seu lar, a dona de


casa deve amá-lo de-veras, e achá-lo melhor
do que qualquer outro recinto.
Nunca de"e sair dêle sem ser obrigada
por uma necessidade real, e não ao m enor,
mais ou menos frívolo, pretexto.
Numa palavra, a todos l)S membros da sua
família deve dar o exemplo das qualidades e
virtudes que desej a "er praticadas por todos
os seus.

§ 2."

Mas se devemos ter o m aior escrupulo na


escolha das nossas relaçõ�s, cumprindo-nos
regulá-Ias segundo o grau de intimidade e
cordialidade que é conveniente dar-lh es, há
ainda, depois de estabelecidas aquelas rela­
ções em bases efectivas e racionais, a neces­
sidade de as orientarmos por um austero pro­
cedimento que deve preocupar de-veras a dona
de casa tanto no que possa dizer respeito a
si própria como no que se prende com os res­
tantes membros da família.
A nossa educação familial liga pouca im­
portância a êste ponto tão importante, sendo,
por isso, um dos menos atendidos nas relações
sociais,
É "ulgar imaginar-se que tôdas as relações

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90 0 LIVRO DA DONA Df CASA

servem, que não trazem comsigo obrigações,


que as podemos manter sem qualquer necessi­
dade de corrigir, pouco que seja, os maus im­
pulsos e defeitos da nossa índole.
Representa êsse pensar um êrro grave.
Efectivamente, se as nossas relações são
justificadas por boas razões de amizade ou de
utilidade, é nosso dever empregarmos todos
os esforços ao nosso alcance para as conser­
varmos, e ma ntermos, dando-lhes a maior cor­
dialidade possível.
E, afinal, é exactamente essa tão natural
preocupação o que menos se tem em vista de
ordinário.
Não só se põe de parte, como já dissemos,
com parentes e aínigos tôda a delicadeza - e
assim se concorre para afrouxar os laços da
afeição e da intimidade - como quási ninguém
se dá ao trabalho de ser amável e benévolo
com pessoas cujo conhecimento pode ser dos
mais necessários.
O maior perigo nas relações desta ordem
é a nossa incorrígive/ vaidade.
Por isso, nenhuma dona de casa, de-veras
resolvida a organizar racionalmente todo o
mecanismo da sua vida doméstica, deve achar
nunca demais todos os esforços para se su­
jeitar a si própria a uma austera disciplina
que tenha por fim nítido procurar por uma

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As RfLAçOes exTERIORes 91

vontade bastante rígida, exterminar tôdas as


vaidadezinhas, evitando por essa forma os mil
erros que tal defeito, de-veras terrível, faz
cometer em tôdas as relações sociais.
E, depois de ter lutado valorosamente con­
tra si, mais fácil se lhe tornará inspirar e diri­
gir a mesma disciplina no ânimo de todos o s
seus, l evando-os a aceitar uma regra firme e
eminentemente benéfica.
Exemplifiquemos.
O principal instrumento das relações so­
ciais é a conversação. Mas a conversação é
uma espécie de torneio onde é pouco fácil
fugir à tentação de ostentarmos dotes de agu­
deza e chalaça.
Dizemos que é pouco fácil. Assim é, se
não tivermos a atenção orientada para o obser­
varmos. Mas, pelo contrário, é extremamente
fácil fugirmos àquela tentação, se preventiva­
mente nos resolvermos a ser prudentes, a con­
servar tôda -a serenidade, a não dizer mais d o
que o necessário para que não pareça ligar­
mos menos importância à conversação.
Muito se tem escrito sôbre êste ponto.
Em geral, os autores notam que, se a graça e
agudeza dão um certo sal à conversação, tam­
bém a prejudicam na cordialidade, no encanto.
A êste respeito, fecunda será a leitura das
páginas em que joel de Lyris tratou de tão

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92 Ü L!V�O DA DONA DE CASA

importante assunto no seu livro O Gôsto na


Literatura (A abanel Freres).
E, entretanto, sob o ponto de vista moral,
acrescentaremos ao que por nós fica dito :
que o coração vale mais nas conversações do
que o espírito.
A senhora de Gentis disse muito bem : ­
A s qualidades do espírito semeiam invejas ;
as do coração grangeiam amigos.
� Mas que procuramos nós nas relações so­
ciais ? Não procuramos amigos ? O nosso de­
ver, pois, é grangear quanto possível, amigos,
e não criar invejosos.
Além disso, a graça não está sempre ao
nosso dispor, ao passo que nunca faltem as
inspirações do coração.
Esta idea vemos muito bem exteriorizada
por Maria Ebner Eischenbach qua ndo diz :
< O espírito é ama fonte intermitente : a
bondade é ama fonte constante. ,
E, enfim, com uma profundeza nota Carlos
de Rémusat : - Para não sermos estúpidos,
não basta sermos engraçados, é preciso sa­
bermos usar do chiste.
Ora, nada tem de inteligente o emprego da
agudeza ou da chalaça no sentido de humi­
lharmos, vexarmos ou ofendermos as pessoas
de cujas relações, mais ou menos freqüentes,
carecemos.

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As RELAÇÕES EXTERIORES

Assim é evidente o dever de evitarmos


sempre a zombaria, a não ser que seja com­
pletamente anódina e i nofensiva, ou corrigida
nitidamente pelo tom de voz e pelo gesto.
Porque, afinal, não zomba com graça quem
quere.
Dizia Oxenstiern :
c Pode-se aprender a ler e a escrever. O que
é impossível é aprender a zombar. Para isso é
preciso um dom particular da natureza. Fran­
camente, acho feliz quem o não pretende
adquirir. Embora tal qualidade faça rir aqueles
que não são visados, nem por isso nos atrai
qualquer estima.
Deve, portanto, a dona de casa aprender,
e, sabendo-o, ensinar a todos os seus, a neces­
sidade de se pôr de parte na conversação
tôda a resposta mordaz que aflua aos labios,
ainda que pareça tão fina como digna da pes­
soa a quem é dirigida.
Dizia Malesherbes :
c Mais vezes do que geralmente se julga, é
bom não podermos ter graça,.
Uma dessas vezes, a que Malesherbes se
refere, é a da conversação, porque nela con­
vém reprimir tôda a zombaria.
No seu m agnífico livro A Donzela, Carlos
Rozan insistiu cuidadosamente, e muito, neste
ponto :

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94 0 LIVRO DA DONA DE CASA

c Hãduas espécies de zombaria : a zomba­


ria em cochichos e a zom baria franca. Tanto
desejo afastar-vos duma como da outra. Se a
primeira é uma maldade, uma perffdiazinha, a
segunda é uma impertinência.
c Deveis ouvir tôda a gente com igual com­
placência. Assim vo-la prescrevem, como um
d ever, a civilidade e a ciência da vida. Deveis
evitar a conversação dos que nada de bom
possam inspirar-vos nem nada de útil possam
dizer-vos. Saber ouvir é uma prova de bom
senso, e, às vezes, de paciência e caridade.
O hábito de ridicularizar tudo ainda tem
conseqüências mais perigosas. Indispõe os
outros contra nós, e prejudica principalmente
a nossa m entalidade e o nosso carácter.
Realmente, começa por nos levar ao esmiU­
çamento nada amável dos defeitos do nosso
semelhante, acabando por exterminar, pouco
a pouco, dentro de nós a espontânea admira­
ção pelo que é belo.
Quem procura em tudo o aspecto ridículo,
perde a visão estética, e destrói assim, pelas
suas próprias mãos, uma das mais preciosas
faculdades humanas, uma das mais fecundas
fontes de gozos puros e constantemente sus­
ceptíveis de renovação.
E êsse mal pode agravar ainda m ais os
nossos prejuízos, chegando até a impelir-nos,

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As IU!LAçOes I!XTI!RIORI!S 95

deplorável e completamente, para a degene­


ração do carácter.
É que, com aquele mau hábito, não 1Jemos
o bem, 1Jemos sempre o mal, não encaramos
ns coisas pelo melhor - como é indispensá1Jel
à nossa satisfação fntima e à nossa felicidade
- vemos tudo, seções, pessoas, factos, pelo
lado grotesco e afinal ferimo-nos assim a
nós mesmos com crueldade no fntimo da alma.
Que as donas de casa não deixem penetrar
nunca tal sentimento nem no seu próprio espí­
rito nem no dos seus filhos !
Outro efeito muito desagradável nas con­
versações é o espírito de constante contradi­
ção. Bem sabemos que o exercem, de ordiná­
rio, sôbre ninharias. Mas também é certo que
causa fastio e mau humor a quem conversa o
não poder abrir a boca sem ser interrompido
por exclamações de tôda a ordem.
É aquele a contar um acontecimento qual­
quer, e logo outro a ponderá-lo, a discuti-lo, a
pôr-lhe em dúvída a veracidade. É aqueloutro
a expor uma opinião e imediatamente um côro
de espantos, de contestações fogosas. E se­
guem - se ondas de perguntas e obj ecções.
Abundam as dúvidas teimosas. Emfim, é uma
tal guerra, que a pessoa alvejada, farta de
contradições e desesperada da vitória, acaba
por não proferir m ais palavra.

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96 Ü LIVR.O DA DONA DE CASA

� Será êste um meio de tornar agradáveis


e cordiais as relações ?
Não, porque o hábito de contradizer é de­
veras insuportável.
Não o é menos, porque faz perder tempo
demais, a indecisão perpétua.
Tal defeito de-pressa o deverá corrigir em
si própria a dona de casa, porque lhe não dei­
x aria cumprir utilmente a sua missão. É indis­
pensável que, pelo contrário, tenha um grande
espírito de decisão, sabendo sempre clara­
m ente o que quere. E isto lhe será tão útil na
vida interior como nas relações exteriores.
Acontece a cada passo, quando pessoas
conhecidas se reünem, empregar-se parte do
dia a perguntarem umas às outras que tencio­
nam fazer, para onde irão passear, qual a ma­
neira de se passar melhor o tempo e o gôsto
de uma pessoa que se pretende obsequiar.
Mas, afinal, acabam por não tomar nenhuma
resolução definitiva ou até por optar exacta­
mente pelo contrário do que agradaria a
todos.
D evemos aprender a determinarmos com
prontidão as nossas preferências, nunca te­
m endo exprimir com franqueza a nossa opi­
ni ã o, se no-la pedem.
Fazer qualquer negócio, por exemplo, com
uma pessoa de espírito indeciso é um \lerda-

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As RELAÇÕES EXTERIORES 97

deiro suplício, que obriga tantas vezes a paciên­


cia do negociante a torturas de-veras crueis !

Outra coisa de alta importância na cordia­


lidade das relações sociais, é nunca falar do
próximo, ou falar o menos possível, a não ser
para dizer bem.
Principio é êste do qual a dona de casa
deve estar profundamente compenetrada, de­
vendo ainda inspirá-lo a todos os' seus inferio­
res por meio de preceitos, e a todos com quem
conviver por meio do seu próprio exemplo.
Aliás, é êste principio uma base da boa
educação. As pessoas mal educadas é que fa­
lam mais vezes das pessoas. As pessoas bem
educadas preferem falar das coisas.
É de Bacon a seguinte bela comparação :
•Evitai, nas conversações, a liberdade de
pessoalismos mordentes e a de rir demais das
pessoas presentes. A conversação deve ser
como um passeio em pleno campo, e não como
uma estrada, ou como uma avenida que vai
ter ao palácio do senhor Fulano,.
Não devemos falar também das pessoas
nusentes nem gostar de ouvir o que se diz dêste
ou daquele, o que corre . . .

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98 0 LIVR.O DA DONA DE CASA

Êsses boatos que correm são um \lerdadeiro


flagelo social .
Nada mais exacto do que a seguinte enge­
nhosa apreciação feita no seu livro Numa
cidade de inverno, por uma escritora inglêsa,
mas oriunda de França, e que usa o sugesti\lo
pseudónimo de Ouida :
'Dizem f- Esta palavra mata mais milhares
de homens do que a peste, a fom e e a guerra . . .

Dizem é um grande ladrão de reputações.


' Num pulo de fera, de rosto m ascarado,
\lem lançar a calúnia sôbre os renomes que
até ali mais cercados eram de respeitos. É um
assassino, armado até aos dentes, quando fere :
se o quisermos filar pela gola, torna-se um
intangí\lel fogo-fátuo » .
Nunca devemos acreditar logo e m todos os
boatos. Quási sempre, são obra do ódio e da
inveja, sentimentos que, de ordinário, preferem
agredir quem é irrepreensível.
Nas obras do poeta inglês Pope e nas de
Swift, autor das Viagens de Gulliver, encon­
tramos a mesma seguinte judiciosa observação :
' Às \lezes nota-se que a pessoa de quem
mais mal dizem em certa reünião é a mais
honesta e a (,ie melhor carácter, assim como o
fruto delicado duma árvore é aquele que foi
ferido mais implacàvelmente pelo bico das
aves»,

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As RELAÇÕES EXTEIUORES 99

O cardial de Richelieu - quando simples


Armand du Plessis de Richelieu, bispo de
Luçon - vira, com o seu profundo senso da
política e da vida humana, a necessidade de
organizar as suas relações exteriores pelo
m esmo prisma que apresentamos às donas de
casa.
Ora as regras que, nesse método, impôs
a si próprio, e que foram encontradas num
ma nuscrito em 1607 ou 1610, e que tinha o
título - Instruções para eu viver na côrte,
encerra as seguintes máximas que extraíamos
a propósito do nosso assunto :
c Falar pouco, e só do que sabemos, e opor­
tunamente com ordem.
c Não estar de espírito distraído, nem com
os olhos vagos, nem com o ar triste e melan­
cólico, se alguém falar : ligar ao que ouvir uma
atenção viva e muita graciosidade, porém mais
pela atenção e pelo silêncio do que pelas pa­
lavras e pelo aplauso.
cNão dar ouvidos aos que falam da vida
dos outros, e nunca dizer o que êles dizem,
e, muito menos, o que êles fazem ,,
c Ser muito conciso em palavras e em car­
tas, e não dizer nem escrever senão o que fôr
urgente. As faltas neste sentido são para sem­
pre irreparáveis , .
Tal o bom-senso d o grande homem que foi

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100 0 LIVRO DA DONA DE CASA

o Cardial de Richelieu. Devemos aproveitar


os seus ensinamentos.
A senhora de Gerando, já por nós citada
a propósito de amizades, é tão perfeita conse­
lheira das donas de casa, que vamos transcre­
ver mais alguns dos tão justos e práticos con­
selhos que dava a seu filho, e que também serão
úteis a todos os membros de qualquer família.
D izia ela :
c Saber ouvir em vez de falar, colhêr em
vez de querer semear à sua custa, é uma feliz.
qualidade que poucos jovens se habituam a
adquirir. Postos em cena, levam a sério o seu
papel de personagens, e, por desventura, essa
vaidosa confiança em si próprios impede-os de
merecer uma confiança baseada no sentimento.
do verdadeiro valor, não os deixando ainda
aproveitar tudo que poderiam aprender, nem
valorizar os úteis conselhos oferecidos pela
experiência, pelo interêsse que despertam nos
outros.
c O meu mais vivo desejo seria livrar todos
aqueles a quem desejo êxitos mais sólidos e
duradoiros do que os da vaidade satisfeita, d e
um amor-próprio tão rico e tão melindroso e
que se manifesta, apenas o pretendemos pre-·
venir e ensinar, com puro desinterêsse� .
Como o expõe Bacon nos seus Ensaios em
princípios perfeitamente definidos, à dona de

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As RELAÇÕES EXTERIORES 101

casa é que p ertence dirigir as conversações


do seu lar.
Diz Bacon :
c O mais h onroso papel de quem conversa
é dar o assunto dela, impedir que se não
Insista demais no mesmo assunto, e fazê-lo
com agilidade, passando dum assunto ao outro,
o que, por assim dizer, é dirigir um baile .
.: Convém variar o termo, intercalar no que
se discute observações sôbre coisas presentes,
alternar as razões com os raciocínios, as in­
terrogações com as asserções, finalmente o
que é j ovial com o que é grave,.
Mas, para se fazer isto, não há necessidade
dum talento de actriz.
Basta que a dona de casa seja a primeira
a dar o exemplo, exprimindo com simplicidade
o que pensa, logo que tenha a certeza de não
ofender nem as conveniências nem as pessoas.
Sensatamente diz j. Petit Senn :
c Na cena do mundo é a franqueza o único
papel que se desempenha sempre bem sem ser
preciso estudo e sem o receio de o esquecer­
e
mos , ,
Contudo, não devemos confundir a fran­
queza com a brutalidade, como sucede a cada
passo. Pode ser-se franco e sempre amável.
Nesse ponto, ninguém excede as mulheres.
Uma delas, a senhora de Sabé, disse :

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102 0 LIVRO DA DONA DE CASA

c Maneiras sécas estragam tudo, até a jus­


tiça e a razão. O como constitue o melhor de
tôdas coisas. A maneira por que se apresentam
embeleza, dispõe e suaviza o que houver de
mais impertinente ,.

§ 4.0

Vem agora a propósito falar da delicadeza


e de tôdas as maneiras da benevolência.
Diz H . Marion :
cÉ falsa a idea de que devemos, geral­
mente, proclamar a civilidade como um dever
secundário, como que insignificante.
«Na maior e mais profunda acepção do
têrmo, a delicadeza é a qualidade do homem
de-veras culto, isto é, do que é digno de viver
numa sociedade civilizada.
c Consiste ela, essencialmente, no delicado
respeito das pessoas, e ainda mais particular­
mente no respeito da sua sensibilidade ,_
Segundo Saint-Evrem ont, a delicadeza é o
seguinte :
«Um m ixto de discrição, civilidade, com­
placência e circunspecção, tudo acompanhado
por uma agradável expansão em tudo que dize­
mos e fazemos. É principalmente com as mu­
lheres que se aprende melhor a civilidade, ou
porque são de natureza delicadas, ou porque,

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As RELAÇÕES EXTERIORES 105

para lhe sermos agradáveis, o nosso espírito


se eleva e embeleza•.
Verdade é esta que a dona d e casa nunca
deve esquecer, porque é positivo qu e depende
dela o predomínio da delicadeza em todos os
seus, e estes carecem ainda dessa o rientação
de maneiras para se mostrarem condignamente
em tôdas as relações exteriore s.
A virtude social por excelência - a direc�
ção da.s relações mundanas - é a complacência.
Dela diz Voltaire :
«A complacência é uma moeda com a qual
todos podem, na falta de m eios essenciais, pa­
gar o seu qui nhão s ocial. Para que não perca
algo do seu mérito, devemos associar-lhe o
discernimento e a prudência• .
Mas a complacência faz mais, po rque dis­
sipa tôdas as fontes de mal-entendidos que
possam su rdir nas relações sociais. Emfim,
pode dar remédio a situações tensas que ori­
ginam de sleixos, esquecimentos e até verda­
deiros actos de malevolência .
Era o que compreendia perfeitamente o
vélho Tucidides, quando dizia :
c U m serviço prestado oportunamente, em­
bora de pequena importância, pode fazer es­
quecer uma grande ofensa , .
c!, Ora passará uma s ó hora nas relações
sociais, e principalmente no seio da família .

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1 04 0 LIVRO DA DONA DE CASA

sem se apresentar qualquer ocasião de ser


útil ou agradável a alguém, duma ou doutra
form a ?
Um dos pequenos deveres de complacência
é o de deixar a cada um a liberdade de ser
feliz e de se distrair segundo o seu gôsto. Em
questões de diversões, nunca devemos i nsistir
na n ossa maneira de ver, porque todos os
gostos são naturais. Embora com as melhores
intenções dêste mundo, apenas conseguiríamos
torturar e enfastiar aqueles a quem desejava­
mos agradar.
Além disso, o desej o de dominar e fazer
valer as nossas ideas fàcilmente degenera em
perpétuo e intolerável despotismo.
Não dizemos isto para regra da dona de
casa na sua vida interior. N o lar, pelo contrá­
rio, deve fazer valer o que, depois de reflectir
bem, lhe parece o melhor.
Mas fora da sua vida doméstica, nas rela­
ções exteriores, deve sujeitar-se a esta disci­
plina moral e habituar os seus a ela : facilitar,
com bondade, a execuÇão dos projectos dos
outros.
Grande utilidade há para nós mesmos em
sabermos ver os pontos de vista dos outros e
conseguirmos, quanto possível, afastar tudo
que impede a realização do que êles desejam.
Não há ninguém que não esmoreça peno-

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As RELAÇ0ES EXTERIORES 105

samente ao ver que não há na família uma só


pessoa que se interesse, ou ligue importância
a uma diversão proposta, a um convite agradá­
vel, que gostaríamos de ver aceite.
Muito mais censurável é ainda o membro
da família que, não lhe bastando concentrar-se
na mais gelada indiferença, começa a acumu­
lar obstáculos, p ossíveis e impossíveis, gos­
tando de fantasiar dificuldades, e acabando
por achar insensato que se interessem pela
diversão proposta.
Principalmente os jovens carecem duma
afectuosa simpàtia que auxilie as suas aspira­
ções, e carecem dela em todos os aconteci­
mentos da sua vida, acontecimentos que aos
pais parecem i nsignificantes, mas aos quais os
fiihos ligam a maior importância.
Como todos os nossos leitores o p odem
testemunhar, em tôdas as famílias há sempre
alguém a quem as visitas se dirigem em tôdas
as necessidades particulares.
Ora esta providência do interior familial
é quem deve consagrar-se à missão de facilitar
todos os projectozinhos, de tomar parte em
tôdas as alegrias, porque essa pessoa, vivendo
para a felicidade de todos, só pensa na sua em
último Jogar.
Quási sempre essa pessoa é o pai ou a mãi.
Algumas vezes também é o irmão ou a Irmã

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106 0 LIVRO DA DONA DE CASA

mais vélha, um dos avós, uma tia, e até, em


certos casos, um dos filhos mais novos, mas
com dotes superiores aos dos outros neste
ponto.
Essa pessoa, cheia de benevolência e de
complacência, não limita os seus cuidadozi­
nhos à famílta. É quem primeiro pensa em
obsequiar tôdas as pessoas do seu conheci­
m ento, quem mànda flores e frutas aos doen­
tes, quem visita os que não podem sair de
casa, quem empresta livros, gravuras, e pede,
primeiro que ninguém, notícias dos parentes
e amigos e ausentes.
E esta simpatia, constantemente activa,
é a alma das relações familiares e sociais,
achando sempre o seu campo de acção não só
no interior da vida. doméstica (que deve inspi­
rar-lhe, aliás, o principal interêsse), mas tam­
bém nas relações exteriores.
Na verdade, há sempre em volta de nós
alguém a quem podemos aliviar a vida, suavi­
zar os desgostos, aumentar os júbilos, satisfa­
zer os desejos, colhendo, em recompensa,
desta abnegação, em proveito da felicidade
alheia, as mais doces alegrias.
Tenho conhecido muitas donzelas, domi­
nadas por êsse sentimento, procurarem com
felicidade o encargo de certas particularidades
que ninguém gosta de tratar, embora tenham

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As l{l!LAÇOEs EXTEI{IOI{ES 107

de ser atendidas, seja por quem fôr : por


exemplo, a escolha de legumes, a lavagem das
loiças, o consêrto de meias e roupas, etc.
E, perguntando eu a alguém a razão dessa
preferência de serviços, responderam-me com
um sorriso angélico :
c Livro outra: pessoa de um trabalho tão
enfadonho " ·
Estas mesmas donzelas, numa . reUnião, e
levadas pelo mesmo sentimento, acudiam a
ajudar, solícitas, as pessoas m enos considera­
das ou por velhice, ou por pobreza, ou por
fealdade, ou por demência.

Infelizmente, hoje, os governantes, que­


rendo conservar o poder, não procuram desen­
volver as correntes de simpatia entre os di­
versos elementos da sociedade. Pelo contrário,
capricham em criar, excitar e desenvolver os
ódios de classes.
Como conseqüência maior disso, o p ovo
tem tendências para se afastar, não só pelos
sentimentos como pelas maneiras, das classes
abastadas.
É um êrro social, condenado com justiça
por um Manual de moral e de economia polí­
tica, de autor anónimo.
Diz êle aos operários, e a propósito da
urbanidade :

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108 0 LIVRO DA DONA DE CASA

Hoje, mais do que nunca, a instrução e a


c

educação estabelecem uma linha divisória


entre os homens de tôdas as classes sociais.
Deveis esforçar-vos por que essa divisão desa­
pareça, e isso depende de vós, fornecendo-vos
para tal fim a sociedade os precisos meios.
•A ctua l m e n t e , viveis em contacto com
homens de tôdas as classes. Encontrais-vos
com êles em tôda a parte : nas ruas, nos pas­
seios, nos museus, nas galerias, nos Jogares
públicos, patentes para vós como para tôda a
gente.
Sentais-vos ao lado dêles, na igreja e no
teatro, nos ónibus, nas carruagens públicas .
Até na escola, os vossos filhos se sentam nos
mesmos bancos em que se sentam os filhos dos
burgueses.
• Fazei, pois, por imitar os homens de con­
dição mais el evada. Em vez de afectardes
rudeza na presença dêles, rivaliza! com êles
em delicadeza e na urbanidade da linguagem.
Podeis crer, meus amigos, que assim destrui­
reis a barreira que julgais existir entre vós e
os h omens das classes abastadas, barreira que
só vós conservais ainda• .
É principalmente d a competência das do­
nas de casa a propaganda dêste judicioso
apêlo. Por meio delas é que a urbanidade um
dia há-de entrar em todos os lares, universali-

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As RELAÇÕES EXTERIORES 109

zando-se a bene\lol ência, alastrando como uma


onda, demolindo todos os ódios de classes.
O que m antém estes ódios são \lários pre­
conceitos, convencendo os de condição inferior
de que são desherdados da inteligência ou da
aptidão para vencer.
Esquece- se demais que os que enriquecem
devem principalmente a sua riqueza a circuns­
tâncias casuais, que nada têm com os seus
merecimentos. E, afinal, pode possuir-se um
talento superior e não se desejar ser rico, por
se estar convencido de que, para o ser, é pre­
ciso deixar de prestar ser\liços abnegados
como a consciência os aponta segundo as
aptidões ou \locações de que é dotado.
É absurda a tendência de se considerar a
riqueza como pro\la do nosso talento e da
nossa coragem moríil. Quem se entrega a um
preconceito tam \lão, de-pressa deprime dentro
de si as simpatias mais justas, e as torna sus­
peitas às almas boas e dignas, cuj a delicadeza
se pode ofender só com o pensar que a bene­
\lolência que lhes manifestam não está limpa
de qualquer sentimento reser\lado de comise­
ração e até de desdém.
§ s.o
E chegamos agora a esta erteriorizaçãQ
da simpatia que pertence à categoria das me-

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1 10 Ü LIVRO DA DONA DE CASA

Ih ores atribuições da dona de casa : as obras


de caridade. Estas obras obedecem à regra
geral, já por nós anunciada :
Fazer o possível, e sempre pelo melhor f
É sempre possível fazer alguma coisa de
caritativo, por pouco que seja, em benefício
dos infortunados, dos inúmeros infelizes que
nos rodeiam.
Devemos prevenir-nos contra o sentimento,
magistralmente definido por Maria d'Ebner
Eschenbach no seguinte aforismo :
c Não podemos socorrer tõda a gente, diz
o egoísta : - e não socorre ninguém • .
É muito positiva a impossibilidade d e socor­
rermos tôda a gente. Mas a todos é possível
suavizar e acalmar os infortúnios que chegam
ao nosso conhecimento todos os dias.
A primeira caridade q,eve praticar-se com
os nossos parentes n e c e s s itad o s . Depois,
quanto possível, deve beneficiar os nossos
mais próximos vizinhos e em seguida os infe­
lizes que vivem longe de nós.
Segundo Rollln, é como segue um dos
essenciais princípi os da instrução sôbre a eco­
nomia que tõdas as mãis devem ensinar às
suas filhas :
«Ao regularem-se as despesas, o que deve
fazer- se sempre em proporção às receitas, deve
dar-se um lugar' principal ao que destinamos

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AS RELAÇÕES EXTERIORES 111

e devemos dar à pobreza. O meio m a is seguro


e fácil de cumprirmos rigorosamente êsse
dever é separar logo a quantia respectiva ao
recebermos o dinh eiro para as despesas, e
�uardá-l o áparte como para o capital izarmos.
Quando temos dinheiro, mais fàcilmente somos
liberais• .
É claro que a dona de casa tem o direito
de exercer a sua caridade como bem o entender.
Contudo, julgamos útil reproduzir aqui, no
Intento de auxiliarmos a organização especial
que a dona de casa terá de fazer dessa verda­
deira relação exterior, algumas instruções ins­
piradas pela experiência a pessoas devotadas
zelosamente ao exercício da caridade.
O doutor j. F. Payen resu'miu nos seguintes
aforismos a idea essencial dos regulamentos
de beneficência das fábricas e confrarias do
século xvm :
- A caridade é a base da religião cristã.
- O trabalho origina tôda a moralidade.
- O socôrro aos domicflios é, para os ricos,
uma escola de caridade : para os pobres, é
uma escola de dedicação, economi a e virtudes
domésticas.
- O que há de incompleto e intermitente
no socôrro dos estabelecimentos de caridade
é um estímulo à p revidencia. Mantém a acti­
vldade e obriga o assistido a poupar alguns

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112 0 LIVR.O DA DONA J?E CASA

recursos. A idea de hospital, pelo contrário,


destrói todo o projecto de economia, exclue
tôda a preocupação pelo futuro.
- O socorro prestado sem justiça alimenta
a ociosidade, favorece a mentira, a fraude,
embustes de tôda a ordem.
- O mau indigente tudo vende, até a vir­
tude.
- Os socorros mal aplicados criam e per­
petuam os maus pobres.
- O socorrido nunca é humilhado, porque
a caridade é um dever religioso. Quem dá,
assiste como irmão pelo sangue, como filho
dum mesmo pai.
Fecharemos êste capftulo com o q_ue diz
Gerando no seu livro - O visitador do pobre
- sôbre as três ordens da caridade e o seu
fim comum :
« Há uma beneficência pública, exercida
pela administração geral ou municipal ; uma
beneficência particular, exercida isoladamente
por cada indivíduo ; e uma beneficência que
poderíamos chamar colectiva, e que tanto é
pública como particular, exercida por associa­
ções independentes e voluntárias.
c O fim comum destas 5 ordens de benefi­

cência consiste em :
c 1. - Extinguir, quanto possível, as causas
o
,
da indigência ;

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As R.ELAÇOEs EXTER.IOR.es 115

c 2.0 - Reprimir, quanto possível, a indi­


gência voluntária e fingida ;
c3.0 - Proceder de maneira que o indigente
colha, de per si, o melhor resultado possível
dos recursos que lhe dão ;
c4.0 - Procurar para o indigente, no caso
de miséria repentina por doença, desastre,
falta de trabalho ou excesso de família, o gé­
nero de assistência que m ais lhe convém em
rigoroso acôrdo com as suas necessidades,
mas não l evando nunca essa assistência, além
do tempo que dura aquele período crítico, pro­
curando extinguir a causa da indigência súbita
e prevenindo tudo para que ela se não repita.
«5.0 - Assegurar uma perpétua assistência
a todos que são desgraçados sem remédio e
sem esperança ;
•6.0 - Procurar exercer o mais economica­
mente possível tôda a assistência ;
c 7 o - Proceder de maneira que a espécie
e a importância dos socorros estejam cons·
tantemente em proporção com a situação física
e moral do indigente, com a natureza das suas
necessidades, e sem lhe darmos qualquer pos·
sibilidade de abusar del a , .
Lucrará de-veras a dona de casa c o m êstes
preceitos diversos sôbre a organização das
obras de caridade, que são perfeitamente apli­
cáveis às suas boas obras.

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CAP {TULO IV

Organização da educação

§ t .•

Como se depreende de tudo que escreve­


mos sôbre a educação no L ivro da Espôsa,
e dos precedentes capítulos dêste livro, são
evidentes e deploráveis as lacunas que se nos
deparam, e sob diversos aspectos, numa parte
tão importante da organização doméstica.
Vimos principalmente que a educação das
donzelas pouco ou nada as orienta para o de­
sempenho da sua missão de espôsas e de
donas de casa. Nos volumes seguintes, vere­
mos que não recebem melhor orientação para
serem mãis e educadoras.
E encontraríamos o mesmo, se analisásse­
mos a educação dos rapazes.
A uns e outros inundam-lhe os cérebros
de noções absurdas, quási tôdas mais tarde
sem aplicação, e não lhes ensinam a vida,
não os preparam para a vida.
Por forma alguma pensam em que os edu­
candos hão-de ser m ais tarde os homens e as
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1 16 0 LlVR.O DA DONA DE CASA

mulheres, os cidadãos, os chefes da família.


Procede-se com êles como se não passasem
nunca de pequenos alunos. É a constante
mania de se lhes dar só a ciência teórica dos
l ivros, sem o menor conhecimento das neces­
sidades da existência.
São múltiplas, e verificáveis por todos, as
causas disto.
A principal é que a educação, devendo ser
uma função exclusivamente fanziliai, tornou­
-se, p ouco a pouco, e cada vez o é mais, uma
função do Estado.
Ora, se a família pode ensinar às crianças
a vida, porque ela pratica a vida, os pedago­
gos oficiais só lhes podem ensinar fórmulas,
porque apenas praticam os livros.
Êste vicio é• tão fundamental, que não lhe
pode dar qualquer remédio a melhor modifica­
ção de regulamentos e programas.
É da própria essência do ensino oficial ser
sempre livresco e nunca prdtico.
O único remédio para tal verdadeiro bec()
sem saída seria, se não há coisa melhor, resig­
nar-se o Estado a ministrar apenas o ensino
livresco, que a família completaria cuidadosa­
mente com a educação prática.
Mas - e temos agora a segunda causa de
todo o mal nêste assunto - os pais, salvas algu­
mas louváveis excepções, foram-se desinteres-

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ÜROANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO 1 17

sando, pouco a pouco, da educação de seus


Filhos.
Por estranha ilusão, por uma completa le­
viandade, meteu· se-lhes na cabeça que o Es­
tado podia dar aos seus filhos tanto o ensino
livresco como o prático. E ficaram completa­
mente descansados a êste respeito.
O resultado é notório : é que não há educa­
ção prática nenhuma, ou que se faz como
Deus é servido.
Por isso, nada admira que a donzela ignore
tudo ou quási tudo ; que não saiba o que lhe
pode competir como espôsa, como dona de
casa, como mãi, como educadora ; que des­
conheça os meios de que deve usar para tor­
nar felizes os que ama e ser também ela feliz.
Por isso, é mais do que lógico ver os
nossos filhos, inchados com conhecimentos
inúteis que os envaidecem, mas sem a menor
experiência do mundo, da vida, a cambalearem
aos primeiros passos, até que a luta pela exis­
tência os corrige, os domina e humilha, fazen­
do-lhes esquecer as enganosas noções esco­
lares que o ensino positivo dos factos vem
substituir.
É, portanto, Indispensável que a dona de
casa nunca esqueça esta fundamentável ver­
dade :
A escola, o pensionato, não podem educar

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118 0 LIVRO DA DONA D E CASA

os seus filhos. Lá aprendem os rudimentos da


leitura, a escrita, o cálculo, a história, a geo­
grafia, a moral governamental (virtudes e de­
\leres cívicos, principalmente deveres eleito­
rais) - e nada do que é preciso para 1Jiver
com inteligência, energia e h onradez, para se
escolher uma profissão, para se fundar um lar,
para se ser feliz !
Tudo isso será pôsto de parte, se a mãi de
família o não ensinar.
Portanto, em circunstância alguma pode
a dona de casa desinteressar-se da educação
dos seus filhos.
Pelo contrário, deve envidar todos os es­
forços para a organizar e de forma que os
seus filhos, aprendendo tudo que lhes seja
útil, fiquem orientados principalmente sôbre a
maneira de se viver com nobreza, actividade,
energia e felicidade.
É de-veras dificil hoje a solução dêste pro­
blema, porque os governantes, vendo no ensi­
no um meio de dominar, lembraram-se de
fazer dêle um monopólio em benefício dêles.
O que êsses governantes pretendem é arran­
car, quanto possível, os filhos à influência dos
pais para consolidarem m elhor naquelas almas
o respeito pelos dogmas do Estado.
Ora é exactamente o que todos devemos
impedir, custe o que custar.

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ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO 119

O ideal duma organização da educação


seria a instrução completa na família, furtando
por completo a alma das crianças à influência
do ensino do Estado.
Inútil é justificar tão belo sistema. Seria
o melhor pelos benefícios que prestaria às
crianças, à moralidade, ao espírito das tradi­
ções familiares, ao asseio e à saúde física, à
natureza do ensino rigorosamente de acôrdo
com os desejos dos pais e com as aptidões
dos filhos, o que permitiria nêstes multo maio­
res progressos, em todos os sentidos, do que
a promiscui'dade escolar.
No Livro da Educadora, onde esperamos
dar maior desenvolvimento a estas ideias,
demonstraremos, a propósito, que a instrução
em familia é possível num m aior número de
casos do que gera!mente se imagina.
A maior parte das objecções a tal sistema
- e apresentadas, aliás, pelos que lucram com
o regime do ensino colectivo - resultam de
meros sofismas ou ilusões.
Ser-nos-á fácil provar que, para educarem
Integralmente seus filhos em casa, os pais
têm não só a capacidade como o tempo preci­
sos, e que, se quiserem, terão também, para o
mesmo fim, as necessárias autoridade e pa­
ciência.
� Ora algum pai deixará de querer empre-

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120 0 LIVRO DA DONA DE CASA

gar o melhor meio de fazer felizes os filhos,


tornando-se feliz a si mesmo ?
Provaremos, emfim, que o tão proclamado
excitante da emulação não passa dum espan­
talho e facilimamente substituível, colhendo-se
no sistema família! resultados mais sólidos,
completos e seguros do que no ensino escolar.
Como poderão ver na parte do L ivro da
Educadora, que diz respeito às sancções, é
fácil provar que o educador pode dispensá-las
por completo.

Vamos agora encarar outro aspecto do pro­


blema.
Se a dona de casa não puder, na verdade,
educar os seus filhos, ela só, ou ajudada por
professores, l que há-de fazer ?
É evidente que não pode dispensar um
estabelecimento de ensino, o ensino e.rterior.
Podemos n otar diversas resoluções.
A melhor seria a seguinte : mandar os fi­
lhos freqüentar um externato só durante a hora
das aulas, quer dizer só o tempo rigorosamente
preciso para receberem o ensino, voltando
logo para casa onde estudariam as lições, fa­
riam os temas, etc. Dessa maneira, seriam sub­
traídos, quanto possível, aos efeitos da promis­
c uidade escolar.

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ÜROANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO 121

Se isso não fôr possível, a dona de casa


deve mandar os filhos às aulas comuns, mas
vindo às refeições domésticas, e acompanhan­
do-os, ou mandando-os acompanhar, sendo
possível, na ida e na vinda.
Caso seja impossível que vão acompanha­
dos, deverá estar ao facto da hora rigorosa da
entrada e saída das aulas, do tempo indispen­
sável para a ida e vinda, e exigirá com todo o
rigor que não parem nas ruas durante o seu
trajecto.
A melhor forma do ensino e.rterior é que
os educandos vão a casa ter tôdas as suas
refeições.
Mas, como nem sempre é possível, devido
à distância a que ficam as aulas, que êles vão
à refeição do meio dia, a dona de casa que
tal reconhecer deve esforçar-se por conseguir
almôço para seu filho ou filhos em casa dum
parente ou amigo, que viva mais perto da es­
cola, subtraindo assim os educandos à influên­
cia exterior entre a hora de saída e a h ora da
entrada de tarde.
Deve, emfim, valorizar tôdas as disposições
Imagináveis para evitar que os seus filhos fi­
quem entregues só a si próprios nesse inter­
valo.
Mas pode dar-se ainda a necessidade de
se recorrer a um internato, por ser excessiva-

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1 22 0 LIVRO DA DONA D E CASA

mente longe a escola ou por se notar que a


escola mais próxima dá um ensino péssimo,
ou perigoso para a alma, para o futuro, para a
felicidade dos educandos.
Então pode escolher-se um colégio perfeito
e seguro. Se o não encontramos no nosso
pais, e se há recursos bastantes, m andam-se
os filhos para as nações estrangeiras, onde o
ensino religioso é livre em geral.
Antevendo-se qualquer dêstes casos em
que os educandos estão mais ou m enos fora
da direcção familial, a dona de casa, emquanto
pode educar os seus filhos em família, deve
fazê-lo com rigorosa disciplina moral.
É do seu dever vigiar com tôda a minúcia
o ensino exterior : livros, cadernos ; fazer re­
petir aos filhos a essência dos ensinos orais,
separando, a preceito, o trigo do joio, refor­
mando as ideas, os juízos, tôdas as noções
perigosas para o espírito dos seus filhos.
Deve fortificá-los contra os erros escola­
res, ministrando-lhes um sólido ensino religioso
e m oral, dando-lhe a profunda e sadia noção
do que é a família, com as suas simpatias, do
que vale o ensino familial, do que é o ensino
escolar.
Procedendo assim a mãi, os seus filhos
verão tudo com clareza e só confiarão em
quem lhes merecer a confiança.

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ÜROANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO 123

Como dissemos, tudo deve concorrer, no


lar doméstico, para educar e instruir os mem­
bros da família : móveis, ornamentação das
paredes, conversações, diversões, passeios -
e, acima de tudo, o e.remplo constante das
�lrtudes da dona de casa.
Porque, afinal, a escola é um lugar de
passagem. Só a família é o nosso abrigo per­
manente.
E, por isso, tem sôbre a escola uma supe­
rioridade que a boa dona de casa deve valo­
rizar, não só emquanto seus filhos freqüenta­
rem as aulas, mas também depois, m esmo
quando êsses filhos constituam família.
Pôsto isto, concluiremos assim :
A formação intelectual, como a formação
moral, será m ais pura, completa e até fecunda
para o futuro, quando por mais tempo se tiver
realizado no seio da família.
O ensino escolar forma verdadeiros reba­
nhos, joguetes dos acontecimentos.
A instrução familial dá os homens livres,
as fortes individualidades.
Por isso os governos preferem o ensino
escolar.
A tarefa da dona de casa é libertar os
filhos daquele jugo, nível de mediocridade que
pretendem impor-lhes.
Mas a dona de casa de\le atender com

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1 24 0 LIVRO D A DONA DE CASA

igual cuidado a um ponto a que nos referire­


mos não só na 2.3 parte dêste livro como no
Livro da Mãi.
Queremos falar da organização da saúde
da família.
Primeiro que tudo, notaremos já o que mais
tarde esperamos desenvolver : isto é, que o
desenvolvimento intelectual e moral deve ser
acompanhado rigorosamente pelo desenvolvi­
mento físico, não h avendo n ada mais nocivo
ao funcionamento mcral da alma do que a
falta de saúde do corpo.
O corpo deve estar sempre são, tanto por
meio de exercícios físicos como observando
sensatos preceitos da higiéne.
Essa noção pode fixar-se melhor no espí­
rito, depois de lido o seguinte apólogo de Plu­
tarco :
c Oisse um dia o boi ao camelo, seu com­
panheiro de viagem, e que não queria aliviá-lo
de parte da sua carga : - Está bem. Pois não
tarda que tenhas de carregar comigo e com a
minha carga.
«O boi sucumbiu à fadiga, e assim se rea­
lizou a profecia.
c É o que acontece à alma, quando não
quer Importar-se com os sofrimentos e neces­
_ sidades do corpo. Forçada a abandonar os li­
vros, o estudo, os seus exercícios vulgares,

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Ü�OANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO 1 25

tem de compartilhar à força as dores e as fa­


digas do corpo.
c Com razão, pois, aconselha Platão que
não adestremos o corpo sem adestrarmos a
alma, nem a alma sem adestrarmos o corpo, e
que os façamos caminhar ambos com o m esmo
passo, como, por assim dizer, dois ca\lalos
atrel ados ao mesmo carro".
É, pois, esta mais uma organizaçao que
deve preocupar a dona de casa.

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CAPÍTULO V

Outras tarefas eventuais da dona de casa

Diante dum a tal multiplicidade de atribui­


ções, é natural que nos perguntem duas coisas :
se uma dona de casa poderá ser mais do que
dona de casa, e até se poderá com tanto tra­
balho material e moral.
Como desde o princípio \limos dizendo,
tudo depende de método, ordem, espírito or­
ganizador e actividade.
Conhecemos muitíssimas donas de casa
que exercem maravilhosamente tôdas as suas
di\lersas funções, tendo ainda tempo para fa­
zer outras coisas.
Há espôsas· de comerciantes que trazem
em dia, como o melhor guarda-li\lros, a escri­
turação do estabelecimento do marido, sendo
tão exactos os seus balanços como o das re­
ceitas e despesas do lar que dirigem com
tôda a ordem.
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1 28 0 LIVR.O DA DONA D E CASA

Outras, espôsas de industriais, governam


bem a sua casa e têm tempo de fazer a cor­
respondência precisa para a indústria que os
maridos exercem.
Outras ainda têm a seu cargo, com o go­
v êrno da casa, que dirigem correctamente,
uma capoeira e uma horta ao pé da cozinha,
e são admiráveis na criação das aves e coe­
lhos, na cultura dos legumes, o que representa
grandes benefícios para a economia e higiéne
das refeições.
São inúmera� as donas de casa que, tendo
o seu lar admiràvelmente organizado e atraente,
e sabendo dirigir com zêlo a educação dos
seus filhos, além de presidirem a tôdas as
necessidades das relações sociais, ainda têm
tempo para tratar de úteis ocupações aces­
sórias, ou de ajudar os maridos no andamento
dos negócios.
E só poderiam censurar essas donas de
casa no que exorbitam das suas atribuições
essenciais, se elas, fazendo-o, ocasionassem
prejuízos.
Portanto, logo que a dona de casa, atendi­
das por completo tôdas as necessidades do­
mésticas, tem vagar para outros trabalhos, é
nosso dever estimulá-la para que trabalhe o
mais que possa, e nunca desista de o fazer.
Há circunstâncias em que a intervenção

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ÜUTRAS TAREI'AS EVENTUAIS DA DONA DE CASA 129

da mulher nos negócios do seu marido é, mais


do que ocupação acessória, uma absoluta ne­
cessidade.
Dá-se essa oportunidade, quando o chefe
de família não pode trabalhar, ou por estar
nusente, ou por doença, ou por ter falecido, e
quando só a dona de casa o pode substituir.
Prevendo qualquer dos apontados motivos
da falta do marido, a espôsa deve interessar-se
sempre um tanto pelos negócios do marido que
fornecem os recursos da sua vida doméstica.
Deverá até interessar-se o m ais possível,
segundo o indicamos no L ivro da Espôsa,
estando assim pronta para a primeira e\len­
tualidade.
Pode a dona de casa ser chamada a desem­
penhar qualquer cargo na vida exterior : obras
de caridade, de propaganda, de patronato, etc.
Nesse caso cumpre-lhe ponderar, fazendo
um profundo exame de consciência antes de
aceitar, por mais que a proposta agrade ao
seu gôsto e aspirações, e lisonjeie a sua vai­
dade.
É que o dever- que chamaremos essencia,
- da dona de casa não é trabalhando na vida
exterior, por mais nobres e louváveis que
sejam as obras.
O seu primeiro dever é a organizaçiJo, a
tlirecção do lar familial.

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150 0 I. IVRO DA DONA DE CASA

Se êsse primacial e absoluto dever não fôr


prejudicado em nada pelo exercício duma fun­
ção na vida exterior ; se, além disso, não hou­
ver m ais fntima obrigação, que mais directa­
mente útil seja aos seus, então, e só então
deverá aceitar.
Mas, antes de se resolver, faça um sincero
e profundo exame de consciência. Calcule com
todo o rigor o tempo que a função oferecida
lhe vai roubar às horas que deve consagrar à
sua vida doméstica. Ao mesmo tempo, pondere
bem se o tempo que vai empregar fora não
seria melhor gastá-lo em auxiliar o m arido,
diminuindo-lhe as fadigas, aumentando-lhe as
horas de descanso e das distracções.
Acima de tudo, evite depor no outro prato
da balança os seus gostos, os seus desej os, a
sua vaidade lisonjeada, sentimentos que lhe tol·
dariam a razão com grave prejuízo do seu lar.
Nunca a dona de casa deve sacrificar o
útil ao agradável - as satisfações do dever
cumprido aos fumos do amor-próprio.
Preferível será deixar os cargos da Vida
exterior àqueles que têm, ou julgam ter, mais
vagar, por serem menos afeiçoadas à vida
doméstica, à famflia, e que procuram fora do
lar um alimento da sua actlvidade ou da sua
necessidade de fazerem figura, de estarem no
galarim.

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ÜUT�AS TA�EfAS EVENTUAIS DA DONA DE CASA 151

Conserve-se a dona de casa, quanto pos­


sível, a mulher da vida doméstica.
Fará tanto bem, e ainda melhor e maior
bem no lar familial, cercada de todos os seus,
como entregando-se a obras na vida exterior.
Será o bem prestado aos que ela ama e
que mais directamente a interessa.
Terá assim a consciência de ter cumprido
todo seu dever.
Numa palavra e, acima de tudo, a dona de
casa serd feliz.

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SEGUNDA PARTE

ORGANIZ!UO MATERIAL D O LAR DOMÉSTICO

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CAPiTULO I

Organização financeira do lar doméstico

Não há maior banalidade do que a seguinte,


fartamente formulada em todos os manuais da
Economia Doméstica :
c Deveis sempre proporcionar as despesas

às receitas• .
É, realmente, uma banalidade, mas s ó por
ser um princípio essencial da organização
material do lar doméstico, e tal, que é peri­
goso transgredir o que ela preceitua.
É até quási sempre materialmente impos­
sível a transgressão - a não ser que se con­
traiam dívidas, ou se abuse dum crédito con­
cedido imprudentemente - porque, falando-se
matemàticamente - só podemos gastar o di­
nheiro que tem os.
Mas preguntam certos moralistas :
t c Qual é então a causa de se atender tão
pouco àquele preceito ?•
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156 0 LIVRO DA DONA De CASA

Extravagante pergunta !
é Quem é que diz aos senhores moralistas
que pouco é atendido o tal preceito ?
i Imaginam, porventura, que o operário que
vem da taberna, onde gastou parte do salário,
sem pensar muito na diferença, não gasta
senão o que tem ?
Pois estão num êrro m aterial.
O operário beberá até cair, emquanto tiver
dinheiro na algibeira. Quando se lhe acabar,
deixará de beber mais - e assim a sua priva­
ção será regulada pela falta de recursos.

Vejam aquela modesta dona de casa, es­


pôsa dum empregado. Acaba de receber das
mãos do marido os minguados honorários que
êle ganha com o trabalho diário durante um
mês inteiro.
Vai gastar metade em diversas compras,
mais ou menos úteis, num grande armazém
- regulando com equidade as despesas pelos
recursos actuais.
Pode equilibrar as despesas com a magra
receita, fazer economias no mais, principal­
mente na alimentação - mas, no total, só pode
gastar o que tem, ou graças ao trabalho do
marido ou graças ao trabalho dela própria.
Que prova isto ?
Simplesmente que é preciso completar e

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ÜROANIZAÇÃO f'INANCEIRA DO LAR OOMÍSTICO lõ7

Interpretar o princípio de que devemos regular


as nossas despesas pelas nossas receitas.
Quer o queiram quer não, a proporção
absoluta existe sempre.
Cem escudos de despesas hão-de ser sempre
exacta e inertenslvelmente assegurados por
·

cem escudos de receita.


O que depende da nossa \lontade é a pro­
porcionalidade relativa.
A esta é que se refere o pro\lérbio, não
podendo falar com razão da outra, porque
está fora do al cance da nossa \lontade.
Se o operário que gasta na taberna o seu
salário, se a dona de casa que esbanja nos
armazéns comerciais os h onorários do m arido,
se não furtam à proporcionalidade absoluta
das receitas e despesas, é claro que procedem
com perfeita leviandade no que diz respeito à
proporcionalidade relativa, porque um bebe
em algumas h oras metade do que ganhou na
sua quinzena, e o outro gasta ainda em menos
tempo metade do que foi ganho num mês In­
teiro de trabalho.
E é isto o que preocupa os economistas,
sendo, na \lerdade, moti\lo de preocupações,
principalmente porque é o facto mais vulgar,
e assinaladamente nos grandes centros.

c! Mas como é que muitos lares, desprezando

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138 0 LIVR.O DA DONA DI! CASA

tanto quási tôda a proporcionalidade relativa


de receitas e despesas, conseguem subsistir ?
Temos diante de nós um problema bastante
parecido ao que apresentámos no L ivro da
Espôsa, ao perguntarmos :
t Como é que, apesar da inconsciência e
falta de preparação com que se fazem os casa­
mentos, a maior parte dos casados acaba por
se entender e por colhêr bons resultados duma
situação mal ponderada ?
A resposta é aproximadamente a mesma.
Temos a solução do problema nas admirá­
veis faculdades de adaptação, na plasticidade
extrema que a natureza humana recebeu da
bondade da Providência.
Homem e mulher chegam a habituar-se a
tudo para viverem felizes no seu lar.
E não é êste, dos dois problemas, o mais
solúvel. O primeiro é de adaptação moral,
pondo em acção sentimentos muito maleáveis,
O segundo é, na sua essência, tão rigorosa­
mente matemático, que só pode ter uma so­
lução.
E temos, no lance, a lição incoercível dos
algarismos, que não a dmitem paliativos nem
concessões. Os algarismos não transigem.
Tem, pois, o problema da vida doméstica
uma só fórmula, e sempre a mesma desde os
primeiros tempos da Humanidade, em todos

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ÜROANIZAÇÃO fiNANCEIRA DO LAR. DOMÉSTICO 159

os países, em todos os lares, durante tôdas a s


existências.
Essa fórmula é simples e brutal como um
algarismo.
Ha\lendo receita fixa, - o que se gastou
com uma coisa não pode aplicar-se jd à aqui­
sição doutra.
E, como os números não transigem, temos
de transigir com qualquer coisa dentro de nós.
O operário que, dum só trago, bebeu me­
tade do seu salário, tem de se limitar durante
algum tempo a comer uma côdea e uma cebola.
A dona de casa que foi tão boa freguesa
dos grandes armazéns de m odas, deitará mais
água no vinh o - até ah ! no do seu marido ­
substituirá o bife pelas batatas, os frutos d a
estação p o r u m pedaço de queijo, suprimindo
emfim o café.
Terá de, em tudo, depois de ser posta de lado
a proporcionalidade relativa, voltar-se para ela,
à fôrça, sem poder resistir-lhe, por ser a única
maneira ao seu alcance de obedecer fatalmente
ao despotismo da proporcionalidade absoluta.
O que não quis fazer oportunamente, tendo
nas mãos tôda a mensalidade do marido, por­
que foi le\liana, descuidada, ou fraca diante
dum excessivo gôsto pelos enfeites, tem d e
fazê-lo depois com o pouco que lhe sobrou de
despesas tão desregradas.

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1 40 0 LIV�O D A DONA D E CASA

Ser-lhe-á isso muito mais penoso e diflcil,


mas será indispensável, porque tem de viver,
dia a dia, dêsse pouco, dividindo-o proporcio­
nalmente em pequenas partes.
Por conseqüência, podem atentar contra a
proporcionalidade relativa. O que é certo é
que ela não tarda a impor-se com o mesmo
p oder repressor que caracteriza a proporcio­
nalidade absoluta.
Melhor, por tudo, seria que todos lhe obe­
decessem de boa vontade, quando é mais fácil
e útil fazê-lo, evitando assim a futura e forçada
obediência Imposta pela lei da necessidade.
é Porque é que o não fazem todos? Porque não
reflectem, porque não têm educação prática,
porque não foram ensinados por exemplos
observados desde a i nfância no seio da fam ília.
E tornamos a ver assim a necessidade da
intervenção da dona de casa na educação fa­
mllial, para que os filhos recebam, e principal­
mente nos exemplo� das mãls, regras úteis à
prosperidade do lar que um dia hão-de cons­
tituir.
Mas devemos atender a esta regra muito
positiva : a da indispensabilidade de organi­
zarmos metodicamente as despesas, repar­
tindo-as racionalmente pela satisfação das di­
versas necessidades domésticas, e sempre se­
gundo os recursos que se possuem.

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ÜROANIZAÇÃO I'INANCEIR..A DO LAR. DOMÉSTICO 141

Eis o que devemos colhêr de-veras no pre­


ceito : Regular a despesa pela receita.
Estes axiomas, quando tratamos dos en­
lllnos práticos, nunca correspondem por com­
pleto ao fim em vista, se os não Interpretar a
reflexão.
Nunca é demais esmiUçar e explicar con­
l!lelhos dessa categoria, tão Importantes pelas
conseqüências que do seu bom entendimento
resultam para a felicidade do lar.
N a d a v a l e , neste c a s o expor verdades
correntes dentro de fórmulas filosóficas : o
que é útil é torná-las claras, empolgantes,
profundamente i nteressantes para todos os
espíritos.
Regular a despesa pela receita nada signi­
fica a muitas pessoas que acham a regra, na
essência, uma verdade de Calino - por não
haver meio dela ser doutra forma.
Contudo, é muito preciso frisar a neces­
sidade de regularmos, de organizarmos me­
tàdicamente, as nossas despesas, mas de forma
tal, que possamos atender, sem torturas, e com
os recursos que temos, a tôdas as necessidades
do lar.
Nem, afinal, se pretende dizer outra coisa
- embora se exprima insuficientemente - ao
falar-se de proporção. O defeito aqui está na
pouca clareza, n a falta da simplicidade e da

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142 0 LtVR.O DA DONA DE CASA

precisão que varre do espírito tôda a obscuri­


dade.
Digam às donas de casa, que regulem as
despesas, que as organizem com método,
segundo os seus recursos, e não haverá uma
só que não compreenda o que deve fazer.

§ 2.0

Nenhuma das nossas leitoras duvida de


que a organização financeira do lar doméstico
é uma simples conseqüência do espírito de
ordem que em tudo temos recomendado.
Devem organizar a despesa pelos mesmos
processos seguidos na organização de todos os
pormenores da vida dqméstica.
Conhecidos os recursos, estabelecerão o
o r ç a m e n t o doméstico em bases metódicas,
sólidas, rigorosamente ponderadas de antemão
sem esquecer um só escaninho.
O melhor sistema, é, logo no primeiro dia
do ano, dividir as receitas firas pelas diversas
necessidades imprescindíveis :
1 .0 Habitàção (compreendidos os traba­
lhos de limpeza e reparação) ;
2.0 Mobília (compras indispensáveis, des­
pesas de limpeza, consêrto e substituição dos
móveis inutitizados) ;
5.0 A limentação. (Muito elástica é esta

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ÜR.OANlZAÇÃO l'INANCElR.A DO LAR. DOMÉSTICO 145

necessidade, e dificilmente se determina de


untemão com perfeito rigor. Mas não deve ser
!Utcrlficada demais a outras. A boa saúde e até
o bom humor duma família dependem bas­
ta nte duma alimentação abundante, sadia, agra­
dável. Cometeria . um grave êrro quem s acrifi­
casse tão preciosos bens a necessidades, tantas
vezes secundárias, sendo aqueles de primeira
ordem. Deve, pois, dar-se, no orçamento do­
méstico, um lugar amplo à alimentação, evi­
tundo nisso a dona de casa a prática de e.rpe­
dientes excessivamente económicos) ;
4.0 Vestuárlo. (�uidados com o corpo,
compreendendo, além das vestes, cuidados
de limpeza e asseio, conservação e consêrto
de roupas, calçado, lavagem, engomadoria,
etc.) ;
5.0 A quecimento. (Compreende, além dos
fogões, a luz para alumiar, o fogo e o carvão
ou a l enha para cozinhar, etc.) ;
6.0 Educação - Diversões - Obras de ca­
ridade.
7.0 Despesas incidentais. (Mudança de
casa, doenças, pequenas compras) ;
8.0 Mealhciro - Economias-Previdência.

Examinaremos, nos capítulos seguintes, a].


gumas particularidades sôbres estes diversos
pontos da organização da vida do lar, mas

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144 0 LIVRO DA DONA DE CASA

não tocando nas questões particulares da Eco­


nomia Doméstica.
Porque, repetimo-lo ainda, o fim dêste 11\lro
é principalmenJe oferecer às donas de casa
regras que a orientem na organização geral
da sua \lida Interior, deixando à conta dela
instruir-se depois, em lh1ros especiais, sôbre
tudo que diga respeito à aplicação m aterial e
prática.
No que insistimos é na utilidade lndJspen­
sá\lel de se regular a· despesa, não só de ma­
neira a poder-se realizar dentro da receita,
mas ainda deixando-nos um pouco para o
mealheiro, na previdência de doenças, desas­
tres e, emfim, da inaptidão da v elhice.
Podemos l imitar muito, com tôda a liber�
dade, essas economias, se os recursos nAo
permitem outra coisa, mas nem por isso deixa
de ser essencial que elas sejam descritas no
orçamento doméstico.

Como \lêem, a organização financeira do


lar deriva-se, com tôda a lógica, de principias
já expostos por nós.
Tanto é certo que a \lida doméstica cons­
titue um todo, obedecendo as suas diversas
manifestações às mesmas leis e podendo ser
reguladas pela d ona de casa segundo os mes­
mos métodos.

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CAPÍTULO 11

Condições d e uma boa administração


doméstica

Uma das causas que não deixam pensar a


dona de casa na necessidade duma regra me­
tódica das despesas, é não ter ninguém que
as fiscalize.
Se preguntássemos a uma incorrecta dona
de casa quanto gasta com as necessidades da
sua vida doméstica, responder-nos-ia a res­
peito do aluguer de casa por ser uma despesa
grande e fixa, fácil de reter, e avivada pelos
recibos, passados periàdicamente.
Mas oiçam-na sôbre alimentação, vestuário,
luz, aquecimento, e verão o embaraço dela
para nos apresentar um cálculo aproximati\Jo .
A única coisa que ela sabe de-veras é que
gastou todo o dinh eiro que recebeu para as
despesas da casa. Quanto ao processo que se­
guiu para di\Jidir o dinheiro pelas despesas,
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146 0 LIVRO DA DONA DE CASA

nada sabe de preciso, porque, afinal de contas,


nunca se preocupou com isso.
Fêz tôdas as compras à m edida que ia
precisando das coisas, e até sem necessidade
urgente, aproveitando certas ocasiões ofere­
cidas pelos grandes armazéns, sem fazer a
m enor contabilidade.
E essa falta de contas é precisamente o
que torna tão inconsideradas as despesas.
Se a dona de casa tivesse um livro de con­
tas em que assentasse rigorosamenre tôdas as
verbas, dia a dia, com a designação das des­
pesas feitas, o caso seria outro.
Não deixaria de notar, ao assentar uma
nova despesa, as despesas anteriores, e seria
assim levada a comparar, a ver a realidade
das coisas.
Com espanto compreenderia que sacrifi­
cou, em geral, somas relativamente impor­
tantes a uma multidão de objectos pouco úteis
e de que deveria privar-se por completo.
Um livro de contas domésticas é educativo
e m oralizador na essência.
Por isso instamos vivamente com tôdas as
donas de casa para que não h esitem, logo que
casem, no dever de inaugurar tão excelente
método de se regularem as despesas.
Nada desenvolve melhor o espírito de or­
dem e de economia do que uma correcta con-

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CONDIÇÕES DUMA BOA ADMINISTR.AÇÃO DOMÉSTICA 147

tabilldade doméstica, uma das práticas essen­


ciais que as m ãis devem ensinar às suas filhas.
A falta dessa contabilidade é, sem dúvida,
a origem de todo o desgovêrno.
Dizia Franklin :
c As crianças e os tolos julgam que vinte
francos e vinte anos nunca têm fim , .
Pensam da mesma errónea maneira a s
donas d e casa que não se preocupam c o m a
conta exacta das suas despesas, ficando muito
espantadas, um belo dia, ao notarem que está
vazia a bôlsa por elas julgada inesgotável.
A senhora de Sévigné escrevia o �eguinte,
numa sua carta de 10 de Dezembro de 1 688 :
c O senhor le Chevalier diz sempre ao
nosso filho o que há de m elhor a propósito das
fortes algem à s da honra e da reputação e
Interessa-se tanto pelos negócios dêle, que
nunca lhe podereis agradecer bastante o seu
cuidado.
c Trata de tudo, em tudo se intromete, e
pretende que o marquês em pessoa economize
tão bem o seu dinheiro, que faça as suas con­
tas1 que seja previdente, que não faça ne­
nhuma despesa inútil.
u É como êle entende ensinar-lhe o seu
espírito de ordem e de economia, fazendo-lhe
perder o ar de grande senhor, do tanto se me
dd, a ignorância e a indiferença que levam a

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148 0 LIVR.O DA DONA DE CASA

gente direitinha a tôdas as espécies de injusti­


ças e até ao hospital.
c Diga-me se há tarefa parecida a esta de

lhe educar um filh o em tais princípios.


c Quanto a mim, é uma educação encanta­
dora, porque acho mais nobreza nessa educa­
ção do que na que \lulgarmente se dá:..
julgamos útil esta citação para responder­
mos à objecção que, muitas \lezes, temos ou­
\lido formular assim : há uma espécie de peque­
nez de espírito n o homem que, tendo bastantes
ha\leres, se preocupa minuciosamente com as
mínimas despesas.
Tal objecção é derrotada plenamente pela
opinião duma senhor� de espírito tão ele\lado
e culto como era o da Senhora de Sé\ligné.
H averá alguma dona de casa que, não
querendo fazer contas, nem calcular as des­
pezas, julgue ser superior em nobreza e inte­
ligência à Se n hora de Sé\ligné ?

§ 2.0

É perfeitamente aplicável aos cuidados da


conservação do que materialmente constitue o
lar, tudo quanto acabamos de dizer sôbre a
contabilidade doméstica e acêrca da benéfica
influência por ela exercida sôbre o conjunto
da organização material da vida da família.

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CONDIÇÕES DUMA BOA ADMINISTRAÇÃO DOMÉSTICA 149

Sem ordem, sem organização, é impossível


compreender a utilidade dos cuidados de con­
servação os quais só se impõem, nesse caso,
ao surdir a necessidade de substituir êste ou
aquele objecto que, se tivesse sido bem con­
servado, ainda podia durar muito mais tempo.
Dá-se isto, principalmente, no que diz res­
peito a móveis e a vestuários.
Aproveitemos um exemplo, muito vulgar,
mas frisante : a conservação e o consêrto do
calçado.
Todos sabem que um par de botinas, sendo
bem limpas, engraixadas, lustradas e colocadas
n o seu lugar depois de servirem, pregado qual­
quer botão que tenha caído, costurado qual­
quer descozido, dura muito mais do que um
par de botinas que se põem para um canto,
húmidas, cheias de lama, e nas quais se não
toca até serem de novo precisas.
Também é sabido que, se ao principi arem
a romper-se ou a entortar-se, as mandarmos
solar e reformar-lhes os tacões, as conserva­
remos por muito mais tempo do que se as dei­
xarmos chegar à última ruína, principalmente
quando é tal que já não merecem consêrto.
Ora a experiência ensina a tôdas as boas
donas de casa qúe o calçado consertado a
tempo dura muito m ais, e ainda é mais c ómodo
d o que o calçado novo.

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150 0 LIVRO DA DONA DE CASA

É, pois, evidente que um só par de cal­


çado, sendo bem tratado e consertado, pode
faler o mesmo serviço de dois pares de cal­
çado novo, e com uma economia de _cincoenta
por cento, porque as despesas do consêrto
ficam compensadas pela maior solidez que o
calçado consertado ganha com as meias solas
e os tacões novos. Aqui temos uma economia
sensata.
Seria fácil multiplicar os exemplos em todos
os pormenores da organização material do lar
doméstico.
Uma fórmula há que resume todos os
exemplos e que nunca é esquecida pelas boas
donas de casa. É esta :
Não há pequenas economias !
Quer isto dizer que vale a pena realizar
tôda e qualquer economia, por ínfima e insigni­
ficante que nos pareça, porque, afinal, só se
econom izam as grandes quantias à custa da
acumulação das pequenas. Muitos poucos
fazem muito.
A propósito, vou contar uma história que,
tendo o grande merecimento de ser verídica,
é ainda multo instrutiva.
No fundo duma colina dominada por um
Vélho castelo, há no departamento do lsére
uma importante aldeia.
O proprietário do castelo era - no tempo

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\ CONDIÇOES DUMA BOA ADMINISTAAÇÃO DOMtSTICA 151

e que se deram os acontecimentos a que nos


ref rimos - um vélho, chamado o senhor Fir­
mino. Habitava-o solitàriam ente, tendo apenas

��
dois \ criados, marido e mulher, para todo o
seu rviço doméstico.
Es es creados contavam com facilidade o
que s passava no castelo e, principalmente,
que o . senhor Firmino - aliás um excelente
homem\ apegado quási todo o dia aos livros e
pouco fntrometldo nos serviços domésticos ­
era, co ntudo, e sendo bastante rico, de uma
avareza cheia de m inúcias, de-véres ridícula.
A .êste propósito, davam como exemplo o
hábito que o senhor Firmino tinha de guardar
cuidadosamente todos os pedaços de papel em
que fôsse possível escrever, embora só dum
lado, como os papéis dos prospectos, o verso
dos sobrescritos, cartas, etc. (1)
M a i s nítido ainda, outro exemplo.
U m a noite em que a criada queimara um
fósforo para acender um candeeiro, de que o

(1) Não é inútil notar aqui, de passagem, que êste


hábito é tão comum aos escritores, que poucos escri­
tores o não têm. Para citarmos um só dos mais ilus­
tres, o s manuscritos de Victor Hugo, como os recebeu
Gustavo Simon, ao preparar-se a edição nacional das
obras do poeta, são um acervo de papeis mesquinhos :
anversos de sobrescritos, de cartas, de prospectos,
pedaços de cartões de visita, etc.

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152 0 LIVRO DA DONA DE CASA

marido e creado precisava p ara desce11 à


adega, o senhor Firmino, que estava presente,
repreendeu-a, lembrando-lhe que poderhf ter
economizado aquele fósforo, se fôsse ao fogão
com um pedacinho de papel ou com uni fós-
foro já queimado. .
E, na verdade, era assim que êl � fazia
sempre. Guardava com cuidado todos / os fós­
foros servidos e nunca acendia a sha vela
para ir deitar-se senão com um dêss es fósfo­
ros, chegando um dêles à luz do candeeiro do
escritório, que apagava depois.
Ora aconteceu que na aldeia um raio in­
cendiou e destruiu por completo, com tôda a
mobilia, a choupana duma pobre Viúva, que
vivia sàzinha. A pobre velhinha foi salva, tra­
tada e curada pelos vizinhos, abrindo duas
raparigas da aldeia uma subscrição para ela
poder reconstruir e tornar a mobilar a sua
choupana.
Foram, pois, pedir de porta em porta, e
ninguém deixou de dar o seu ceitil, uns mais,
outros menos, cada um segundo os seus
haveres.
Tendo todos os habitantes da aldeia con­
corrido para tão boa obra, as raparigas pre­
guntaram umas às outras :
- Devemos ir ao castelo ? t Vale a pena ter
o trabalho de ir pedir ao senhor Firmino ?

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CONDIÇÕES DUMA BOA ADMINISTaAÇÃO DOMÉSTICA 155

e Ou êle, a-pesar-de a conhecida avareza, sem­


pre dará alguma coisa,· pouco que seja, não
por caridade, mas para não fazer fraca figura ?
Emfim, por descargo de consciência, para
cumprirem o seu dever, encheram-se de ânimo
e subiram ao castelo.
O senhor Firmíno recebeu-as com amabi­
lidade. Mandou-as sentar e ouviu dos lablos
da mais de�embaraçada qual a razão da visita.
O castelão, imp,assível, perguntou :
- E quanto juntaram já ?
- Pouco mais de quinhentos francos.
- Não chega ?
- Oh ! senhor, não chega, não. Para se
fazer uma choupana modesta e para uma mo­
bilia humilde, seriam precisos mil francos, pelo
menos.
O senhor Firmino levantou-se, dirigiu-se a
um pequeno contador, abriu uma gaveta, tirou
uma nota de quinhentos francos e, sem dizer
palavra, deu-a às duas raparigas.
Ficaram elas tão intensamente assombra­
das, que era impossível o castelão não o notar.
Fitavam e tornavam a fitar o generoso esmoler
e nem sabiam agradecer-lhe.
Então o senhor Firmino, sorrindo bondosa­
mente, disse-lhes :
- Entendo o que as espanta. Tenho na al­
deia a fama de ser um vélho e maníaco ava-

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1 54 0 L!V�O D A DONA DE CASA

rento, que economiza papelinhos, fósforos


queimados, tudo que pode ter qualquer utili­
dade, embora insignificante.
- Pois, meninas, de hoje em diante, e se tra­
tarem do govêrno da casa, peço-lhes com todo
o empenho que� façam como eu, porque ­
nunca esqueçam êste preceito - são as peque­
nas economias que nos permitem fazer as
grandes, quando estas são necessárias a nós
ou aos outros.
Foi uma das duas raparigas que me contou
isto, quando já mãi de famflia.
Foi tal a impressão recebida por ela no
castelo, que, no que diz respeito a economia,
é, mas sem mesquinheza, um modêlo de dona
de casa.
Quanto ao que me diz respeito, e a-pesar-de
ter ouvido há muito contar aquele caso, nunca
varri da memoria esta fórmula tão positiva e
de tão fecunda aplicação :
c São as pequenas economias que nos per­
mitem fazer as grandes f,

Grandes ou pequenas, as economias são


principalmente necessárias quando, seja por
que motivo fôr, há desequilfbrio no orçamento
doméstico, e há necessidade de dispor, para
as habituais necessidades domésticas, de me­
nor receita.

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CONDIÇÕES DUMA BOA ADMINIST�AÇÃO DOMÉSTICA 1 55

Diz Bacon :
• Quem quiser pôr em ordem os seus negó­
cios não deve desprezar as bagatelas. Há,
geralmente, mais dignidade em cortar as pe­
quenas despesas do que em nos suj eitarmos
aos pequenos ganho s , .
E , afinal, as despesas miúdas, nas quais
ninguém repara, porque de cada vez levam
uma quantia que nos parece insignificante, são
exactamente as mais de recear no equilfbrio
do orçamento.
Devemos obrigar-nos a assentá-las com a s
mais importantes, e somá-las de tempos a
tempos.
Por esta forma, a dona de casa verificará
a importante quantia que se evapora por êsse
escaninho das despesas miúdas, e dará remé­
dio ao mal.
Emquanto se não prevenir assim, sujeita-se
a decepções, e muitas vezes há-de perguntar
no fim do mês, com ansiedade, em que é que
se gastou parte do dinheiro que ela julgava ter
todo para as despesas de primeira necessidade.

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C A P IT U L O 1 1 1

Escolha e aquisição da habitação


e do mobiliário

I nsistimos, no L ivro da Espôsa, (capítulo


vm) e na primeira parte dêste livro, (capítulo
n) na importância da boa escolha e conve­
niente aquisição da morada e do mobiliário
para a felicidade doméstica.
Não é inútil repisar êste assunto, e exami­
ná-lo com atenção, tanto sob o ponto de vista
económico como m aterial.
D evemos lembrar o que diz Paulo janet ­
por nós citado (primeira parte, capítulo n),
acêrca da família considerada como uma tábua
de salvação, uma rocha firme, de que o h om em
precisa no meio d a ininterrupta corrente dos
acontecimentos da e�istência.
Essa idea é fundamental. Exprime rigorosa­
mente o papel da família junto de todos que a .
constituem. Mas a sede da família é o interior
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1 58 0 LIVR.O DA DONA DE CASA

doméstico e, portanto, a casa desempenha o


mesmo papel importante de centro de atrac­
ção, de descanço, de salvação na ad\lersidade.
A nossa casa é um mundo àparte, um só­
lido penhasco no meio das ondas tempestuo­
sas, um seguro asilo contra as agruras com
que o mundo nos agride.
Ora a nossa casa é, na essência, consti­
tuída pela habitação e pela mobflia.
Porisso, habitação e mobflia são fundamen­
tais e capitais elementos da organização mate­
rial da vida doméstica.

A fi.ridez da nossa casa v aria segundo as


circunstâncias do meio em que vivem as
famílias.
Tem uma sua-casa, mas sem raízes fixas,
o árabe que vive na tenda e que a leva consigo
à procura de novos pastos para os seus reba­
nhos, o vendilhão ambulante que habita uma
barraca, levando-a de feira em feira, atrás de
quem compra o que oferece à venda.
São tão verdadeiros viajantes como os que
vivem num hotel.
Não tem mais a sua-casa, rigorosamente,
do que os hospedes vulgares, ocupando quar­
tos, aposentos mobilados e adornados - por­
que êsses aposentos não possuem nenhum poder
evocativo sôbre quem de passagem os habita.

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ESCOLHA I! AQUISIÇÃO DA HABITAÇÃO, I!TC. 1 59

Tanto é certo que o mobiliário desempe­


nha na nossa casa um papel ainda mais im­
portante do que o das paredes que o encerram
e abrigam.
Efectivamente, o nosso m obiliário, trans­
portado para um novo aposento, de-pressa re­
constitue um interior no qual nos fixamos e
onde tornaremos a encontrar o mesmo encanto
que nos �traía à morada que deixamos.
E até a vivenda que habitamos como sim­
ples inquilinos pode ser-nos extremamente
agradável, por pouco tempo que lá moremos, e
principalmente se nos tivermos assegurado com
um arrendamento de prazo bastante grande.
Há nas chamadas casas para alugar, e que
dão alojamento a mais que uma família, apo­
sentos mais ou menos agradáveis, principal­
mente pela sociabilidade e delicadeza dos vi­
zinhos com quem se· convive.
Mas nada pode igualar a casa independente,
embora de aluguer, porque só essa é de-veras
a nossa casa, na qual podemos viver plena­
mente a vida de famflin sem incomodarmos os
vizinhos e sem que eles nos incomodem.
Emfim, o ideal é sermos nós os proprietá­
rios da casa que habitamos. Êsse é que é,
rigort>samente, o l ar doméstico, o património
da família que nunca devíamos poder vender,
como em diversos países é prescrito por lei.

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160 0 LIVRO DA DONA DE CASA

Quando assim é, a família está, na verdade,


ancorada sôbre rocha firme, o interior torna
imutável êsse domínio, seguro o refúgio que
permanece sempre, ao passo que tudo o mais
à roda passa e desaparece.
Mas ah ! na vida todos temos apenas o que
é possível e não tudo que desejamos. Variam
tanto as condições sociais - e são tão susce­
tíveis sempre de mudança - que nem sempre
é possível, e até fácil, possuirmos uma nossa
casa ideal.
Neste ponto devemos ainda guiar-nos pela
regra prática que desejamos insinuar no espí­
rito das donas de casa :
Fazer o que pudermos e sempre pelo melhor.
Queremos dizer que devemos criar um
interior, tão estdvel quanto fôr possível, se­
gundo o permitirem as circunstâncias, evi­
tando, quanto possível, o provisório, e consti­
tuindo, quanto possível, um lar definitivo.
São imed!atas as conseqüências práticas
dêste princípio.
A primeira é que, na escolha que fazemos
de domicílio, devemos atender a tôdas as cir­
cunstâncias que possam influir no tempo da
nossa permanência.
Escolhendo bem, sem precipitação nem
leviandade, procuraremos tôdas as possíveis
seguranças para que o lar doméstico seja o

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ESCOLHA E AQUISIÇÃO DA HABITAÇÃO, ETC. 161

que sonhamos, isto é, consoante os nossos re­


cursos, agradável, higiênico, confortável, perto
do Jogar onde trabalha o m arido e onde se
educam os filhos.
Atender-se-á principalmente a todos os
inconvenientes sob o ponto de vista do ruído
da vizinhança, das futuras edificações que pos­
sam vedar a luz, o ar, etc.
Muitas vezes, só depois de ocupada a casa
é que se dá conta dos numerosos inconvenien­
tes que ela tem e que nem sequer se tinha
imaginado haver, por falta duma investigação
bastante a tal respeito.
Nunca é, pois, demais o exame e o estudo
das vantagens e defeitos da habitação que se
escolhe, porque quem despreza essas precau­
ções colhe depois só decepções, desconsolos,
que, sofridos durante certo tempo, impelem,
afinal, o inquilino a mudar novamente de
casa.
Por isso, é preferível alugar sempre uma
casa que já se conheça bastante ou por visitas
feitas a quem a habitava, ou por meio de i n­
formações de pessoas que a conheçam, de vlsi­
nh os, etc.
A importância destas precauções prelimi­
nares deriva tôda do princípio de que devemos
esforçar-nos por constituir um lar definitivo,
evitando as mudanças.

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162 0 LIVR.O DA DONA DE CASA

São múltiplos os inconvenientes das mu­


danças de domicílio.
Primeiro que tudo, a instabilidade do lar
doméstico influe nocivamente, sob o ponto de
vista moral, na felicidade de tôda a família.
Predomina uma incerteza, uma posição de
ave sem ninho que desconcerta a idea íntima
que todos fazem da fixidez do lar doméstico.
Depois, há o desgôsto de romper brusc�­
mente com hábitos naturais e gratos, tendo de
·

contrair outros.
E nada mais penoso do que essa renúncia
aos vélhos .hábitos.
A dona de casa envidou os maiores-.esfor­
ços para atrair ao lar os membros da família.
Conseguiu-o pelo enrai'zamento dos sentimen­
tos, dos hábitos, pela organização especial da
vida doméstica. E, de súbito, é preciso partir
todos os laços, e recomeçar a obra.
A cada mudança, a família troca o meio a
que se aclimara por um novo meio.
É, de cada vez, a transplantação dum
arbusto que é essencialmente sensível. t Como
não há-de haver sofrimento m o ral, intelectual
e físico ?
E igualmente sofrem os móveis.
Cercara-os a dona de casa de cuidados vi­
gilantes, livrando-os de topadelas, evitando
arrastá-los, conservando-os com \lerdadeiro

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ESCOLHA l! AQUISIÇÃO DA HABITAÇÃO, ETC. 165

afecto. E vêm os carroceiros - até os menos


brutos - arrastá-los, desarmá-los, carregá-los,
rolá-los pelas escadas, amontoá-los sôbre as
galeras e carroças, para os descarregarem de­
pois, subindo com êles entre mil choques, mais
ou menos fortes, riscando· os, mutilando-os,
partindo-os, etc., etc.
Tem grandes visos de verdadeiro o pro­
vérbio popular que diz :
Três mudanças. de casa equivalem a um
incêndio.
Quási , que assim é nos prejuízos que os
móveis sofrem.
Mas o que das mudanças mais sofre é a
bôlsa. Não nos referimos só às despesas do
deslocamento, do trànsporte, da nova coloca­
ção dos móveis. Referimo-nos também às des­
pesas acessórias, muitas vezes consideráveis,
exigidas pela nova disposição do domicílio.
São cortinas novas, porque as antigas não
são bastantes p ara as j anelas da nova casa,
ou são pequenas demais ; são prateleiras a ser­
rar ou a ajustar ; cabides que é preciso pregar;
tapêtes exigidos por mais extenso sobrado, ou
que é preciso reduzir, etc.
No fim de tudo, feitas as contas de todos
os inconvenientes da mudança, fica a gente
percebendo que sofreu uma verdadeira catás­
trofe material e moral.

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164 0 LlVR.O DA DONA De CASA

Portanto, a boa dona de casa deve lançar


mão de todos os possíveis cui dados para evi­
tar tais mudanças.

§ 2.o

E o que dizemos da estabilidade do domi­


cílio, igualmente o dizemos quanto à mobília.
Deve evitar-se o provisório.
A não ser que a tal nos obriguem os peque­
nos recursos, devemos, ao estabelecer casa,
comprar logo tôda a mobíli a que devemos ter
durante tôda a vida.
Nada prejudica mais do que o provisório
a felicidade da existência.
Não se conforma com as coisas efémeras
a nossa alma, que é tão áVida de segurança.
Não : porque aspira a realizar o que é defini­
tivo, tudo aquilo que lhe pode fornecer o abso­
luto descanso.
Por isso, o casamento, união por tôda a
vida, é o que melhor corresponde às essen­
ciais necessidades da nossa natureza, sendo
como que o fim de tôda a inquietação, de tôda
a preocupação, sendo, numa palavra, um estado
de perfeito equilíbrio.
Pois essa mesma união por tôda a vida
deveria existir entre a família e o domicílio.
entre a família e o mobiliário.

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E�COLHA E AQUISIÇÃO DA H�BITAÇÃO, ETC. 165

A família deve, por assim dizer, casar-se


c o m o domicílio, casar-se com tôdas as parti­
cularidades do interior doméstico, de maneira
que chegue a realizar uma união indissolúvel
com o seu meio, uma vida sempre livre de
vicissitudes e de perplexidades.
É êste mais um princípio que deve orientar
a dona de casa.
Nada de provisório f Nunca edificar n a
areia, e sempre e m granito. Uma imutável
estabilidade em tôda a organização m oral e
material do lar.
E isto não prejudica a perfectibilidade de
o rganização.
A admirável evolução da Igreja Católica
dá-nos um apropositado e vivo exemplo.
Nada mais imutável do que a constitui'ção
dessa Igreja que tem visto nascer e morrer
tantos impérios, reinos e repúblicas.
Contudo, nada mais plástico do que e�sa
organização divina que tem sabido adaptar-se,
de século para século, no meio das incessantes
transformações da Humanidade, a tantas e tão
diversas necessidades, e sem nunca deixar de
ser o que sempre foi, é, e será.
Esta constituição devia servir de modêlo
à pequena igreja famili'al, tomando-se a pala­
vra igreja no sentido etimológico - escolha,
selecção.

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166 0 LlVR.O DA DONA De CASA

Organize, pois, a dona de casa o seu lar


sôbre as racionais bases por nós expostas
neste livro, e dedique, ao mesmo tempo, todos
os seus cuidados ao trabalho de fazer tôdas as
modificações e aperfeiçoamentos, sugeridos
pelas circunstâncias.
O mais importante é que os princípios
fundamentais - na famflla como na Igrej a ­
fiquem imutáveis e que essa imutabil idade se
comunique, o mais amplamente possível, à esta­
bilidade do domicílio, do mobiliário, dos cos­
tumes, dos hábitos e das usanças da famflla.

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CAPÍTULO IV

Organização da alimentação nas refeições

Para vivermos, precisamos de comer / ­


banal verdade, tornada clássica pelo A varento
de Moliere.
Mas, enunciado assim, êste princípio é vago,
porque há comer de comer e viver de viver.
Mais preciso e verdadeiro é o seguinte
princípio :
É preciso saber comer para vivermos com
saúde, plenamente, e muito tempo.
Saber comer não é só saber levar quais­
quer alimentos à bôca.
Saber comer é saber escolher com critério
os melhores alimentos, conseguindo assim uma
alimentação racional, agradável, higiénica e
económica.
Mas, afinal, a maior parte dos que comem
não sabe comer.
Mais ainda : a grande maioria das donas
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168 Ü LIV�O DA DONA DE CASA

de casa, de quem, acima de todos, depende


a organização das refeições, desconhece os
princípios mais rudimentares, indispensáveis
àquela organização.
Isto se conclue do inquérito sóbre alimen­
tação apresentado no Congresso Internacional
da Tuberculose pelo professor snr. L. Lan­
douzy e pelos snrs. Henrique e Marcelo L abler,
chefes de laboratório da clfnlca do hospital
de La ennec.
Foi êste inquérito baseado no estudo da
alimentação dos operários e empregados pari­
sienses, homens e mulheres, que vivem em
Paris e arrabaldes, por ser mais fácil o seu
estudo para os sábios observadores. Mas os
resultados e conseqüências daquele Inquérito
aplicam-se com justiça a todos os cidadãos.
O inquérito a que nos referimos, conclue
que a maior parte dos lares, a-pesar-de dis­
penderem com a alimentação muito mais do
que de-certo seria preciso, se alimentam, con­
tudo, pessimamente.
Resulta isto, em parte, de preconceitos per­
feitamente absurdos, e ainda de gostos factf­
cios, desenvolvidos pelo hábito.
Primeiro que tudo, as donas de casa per­
filham ainda a vélha opinião que lhes incuti­
ram em tôda a sua educação doméstica : só a
carne dá fórça.

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ÜR.OANIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO NAS R.EPEIÇÕES 169

É êste um dos maiores erros do nosso


tempo, aliás tão pródigo em erros de tôda a
casta .
Para os operários, principalmente, são \ler­
dadeiros axiomas, estes pobres brados : Carne
e vinho f Muita carne e vinho !
E é difícil expungir dos espíritos tão
grande êrto incrustado nos cérebros desde a
infância.
Contudo, devemos tentar destruí-lo !
É preciso que as boas donas de casa sai­
bam - porque é um facto demonstrado cientifi­
cam ente, matemàticamente - que outros ali­
mentos, em menor quantidade, e muito mais
baratos, alimentam mais do que a carne.
Dessa ordem são as sopas : ou magras (de
legumes e pão) ou gordas (de pão, de talha­
rim, de tapioca, de sêmola).
À mesma classe pertencem os legumes
secos (feijões, lentilhas ou ervilhas).
Ainda são do mesmo \lalor as massas .(fari­
nhas, macarrão, sêmolas - e o arroz).
Todos êsses alimentos são baratos, sadios,
nutriti\los, e substitu e m vantajosamente a
carne.
A-pesar-de isso, principalmente nas grandes
cidades, procuram sempre os legumes frescos
que são caríssimos · nos centros populosos e
que nutrem muito menos.

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1 70 Ü LlV�O DA DONA DE CASA

Se assim fazem para imitar os bargueses


e os ricos, bem mal empregada vaidade, por­
que é pretender seguir um caminho errado,
como o é o de aqueles que tomam como mode­
los no que diz respeito a alimentação sadia e
nutritiva.
Se pretendem, rigorosamente, dar-se ares,
mais valeria a pena preferir os pastéis, os bis­
coitos, as iguarias açucaradas, porque estes
alimentos, por serem preparados com açúcar,
farinha, ovos e manteiga, valem, num pêso
igual, quatro vezes mais, como alimentos, do que
a carne de primeira qualidade, e são muito
mais baratos.
Tôda a dona de casa deve saber que dez
pedrinhas de açúcar dão mais fôrça do que
meio litro de vinho puro, bebida, aliás, difícil
de encontrar sem falsificação e sempre mais
cara do que o açúcar.
Não podemos insistir nisto por mais tempo,
porque no-lo proíbe o espaço de que dispomos
segundo o plano gera l da nossa obra. Mas o
que deixamos dito sôbre alimentação racional,
basta para que a dona de casa veja como
naquela alimentação há ainda elementos funda­
mentalmente organizadores, e que, portanto,
não devem ficar à mercê do acaso.
A alimentação racional deve ser estudada
com particular cuidado.

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Ü�OANIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO NAS �E.l'E.IÇOES 171

A dona de casa deve comprar e ler os bons


livros que sôbre o assunto se têm publicado.
Nenhum dêles encara, como acabamos de
fazer, a organização da alimentação racional,
mas alguns há qúe nesse sentido prestam bas­
tantes esclarecimentos.
Dentre estes, recomendaremos A cozinha
e a mesa modernas (Larousse, Paris) obra
esc_rita especialmente por um grupo de bons
autores para uso das donas de casa.
§ 2.0
É tão altamente importante a organização
da alimentação racional, que não se explica a
indiferença que por ela chegam a manifestar
as donas de casa, descansando a tal respeito
nos seus criados, auxiliares mercenários que
não podem ter nem os precisos conhecimentos,
nem o zêlo, nem até o espírito económico que
em tudo deve orientar a dona de casa.
Aberração é esta que, como sempre, é
devida a um vício fundamental na educação.
Nunca chamaram a atenção das futuras
donas de casa para a importância na vida d a
família da questão alimentar, chegando antes
a considerá- la como acessória, como quási
indigna dos cuidados duma senhora, e portanto
confiada, sem o menor prejuízo, aos cuidados
dos serviçais.

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1 72 0 LIVRO DA DONA Df CASA

Não pensava assim Júlio Simon, espírito


penetrantíssimo, que conhecia profundamente a
filosofia prática da existência.
Disse êle um dia :
c Poderia demonstrar quanto melhoraria a
sociedade em polidez, bem- estar, economias e
bons costumes, se as donas de casa, ricas e
pobres, conh ecessem profundamente os misté­
rios da cozinha. Bastaria isso para se recons­
tituir a vida de família.
e Mas comove-me tanto só o pensar em
tudo que eu poderia dizer de tocante e admi­
rável sôbre o assunto, que me vejo obrigado
a parar aqui, deixando-vos à imaginação o
encargo de ver o que omito , .
Esta última frase, expressão dum triste sor­
riso de cepticismo, manifesta a convicção de
Júlio Simon sôbre a inutilidade do seu arra­
zoado junto das ricas donas de casa.
Entregando à· imaginação dos leitores o
que queria ensinar-lhes, Júlio Slmon conten­
ta-se com a esperança de que algumas das
leitoras, ao menos, o h ão-de compreender,
\lisionando efectivamente a revolução benéfica
a realizar-se na vida doméstica, se tôdas as
donas de casa se interessassem pelas particu­
l aridades, incluindo as mais insignificantes,
dos lares.
Mas não teve coragem para dizer o mais.

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ÜROANIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO NAS REFEIÇÕES 1 73

Não o seguimos na mesma reserva.


O nosso fim essencial é exactamente dizer
tudo quanto sabemos e pensamos acêrca da
reconstitui"ção da vida de família, à qual pre­
tendemos apontar as bases i nabaláveis.
Tal o fim dos Quatro livros da mulher.
Portanto, diremos : - Sim, é indispensável
que a dona de casa conheça profundamente
os mistérios da cozinha.
I niciem as meninas, sem falta, e desde os
mais verdes anos, e no seio da família, em
tôdas as particularidades do govêrno domés­
tico, dando-lhes, ao passo que forem cres­
cendo, noçõ�s precisas, científicas, sôbre a
organização racional do lar doméstico.
É indispensável que saiba cozinhar por suas
próprias mãos, até para mais tarde poder orga­
nizar a sua cozinha com acêrto e dar ordens
que a não exponham ao riso dos criados.
É indispensável que conheça os preços dos
géneros, o valor nutritivo dos alimentos, as
suas qualidades h igiênicas.
É indispensável que saiba as épocas em
que os mercados estão abastecidos dos diver­
sos produtos alimentares.
E indispensável que saiba variar as Igua­
rias, em vez de, para isso, confiar nos criados
e mercenários.
É indispensável que repare na idade, · , no

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174 0 LlVR.O DA DONA DE CASA

apetite, nos gostos, nas particulares necessi­


dades de todos os seus - o que só ela o pode
fazer de maneira afectuosa e racional.
E, se a dona de casa compreender assim
os seus deveres, verdadeiro se torna o que
disse Júlio Simon : Basta isto para reconsti­
tuir a vida de famflia, porque a mulher só
pode desempenhar tão múltiplas atribuições,
entregando-se tôda a elas.

As refeições, além de darem satisfação a


uma necessidade, constituem ainda· .um prazer.
É na sala de comer, à roda da mesa, que
regularmente se retinem, muitas vezes ao di�,
todos os membros da família.
A dona de casa, que toma a peito converter
o seu lar num centro de irresistível atracção
para todos os seus, nunca deixa de ver essa
particularidade.
A sala de comer deve aos seus cuidados o
ser um dos compartimentos mais agradáveis
de tôda a casa.
É ampla, luminosa, de temperatura confor­
tável, adornada com gôsto, deleitando os olhos
de todos os convivas.
Não menos atraente é a mesa.
Até quando há crianças, é um � economia

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ÜR.OANIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO NAS R.EPEIÇ0ES 175

imprópria substituir a alva toalha pelo vulgar


ol eado.
A propósito disto diremos que há econo­
mias nunca dignas do nosso critério. São as
que prejudicam o bem-estar e o senso esté­
tico. O benefíci o que elas podem . prestar
�unca nos compensam as satisfações de que
nos privam.
E, desenvolvendo ainda êste ponto, insis­
tirei mais uma vez sôbre a profunda influência
exercida pelas pouco dispendiosas modalida­
des do bem-estar.• não só sôbre a felicidade
de tôda a família como sôbre a educação
moral e a formação do carácter de todos os
membros dela.
É por completo diversa a sensação de
bem-estar dada pelo pequeno facto de termos
a toalha directamente posta sôbre a mesa e a
que nos dá o termos entre a toalha e a mesa
muitas baetilhas espêssas, uma coberta de lã
ou de algodão, dobrada em duas ou em quatro.
No primeiro caso, o contacto é áspero,
quando apoiamos as mãos na mesa. A qual­
quer deslocamento dum prato, duma travessa,
dum copo, há um ruído leve, mas irritante às
vezes.
Interposta a baetilha, sucede o contrário :
o contacto é suave, macio, agradável ; deslo­
cam-se todos os objectos sem o menor ruído.

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1 76 0 LIVRO DA DONA DE CASA

Parece isto nada, ou muito pouco.


Mas, se nos habituarmos a êste pouco dis­
pendioso bem-estar, notamos l ogo que nos
falta qualquer coisa, quando dêle nos privam.
O mesmo acontece, e com a mesma reali­
dade, quanto a tôdas as pequenas satisfações
que podemos saborear na vida de família, o
que nos prova que a dona de casa nelas
possue um poderoso melo de tornar felizes
todos os seus ,' fazendo-os afeiçoados à vida
doméstica.
Deve ela, portanto, fazer, das refeições.
mais uma atracção a acrescentar às outras.
-
Que tenha a mesa bem posta, alegrada
pelos cristais, porcelanas, talheres, tudo sem­
pre em bom estado e cintilando.
Nada mais chocante numa mesa do que
um copo partido, um prato ofendido, uma facá
mal areada.
Hão-de dizer algumas pessoas : isso é fútil !
Pois é algo, se é certo que pode influir
desagradàvelmente nos olhos e no espírito.
Não há minúcias excessivas quando se
trata de agradar. Nunca se deve tolerar sôbre
a mesa uma garrafa sem rôlha, ou uma colher
amolgada.
l E não compreendem o que se ganha exl­
.gindo essa perfeição em tudo ?
É habituar o espírito de todos à perfeição.

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ÜROANIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO NAS Rff'fiÇ"fS 177

Recebem, da dona de casa, uma tão Vi1Ja


impressão da necessidade e da beleza da
ordem em tudo, que o sentimento de ordem se
torna uma sua segunda natureza.
Nas suas acções, nas suas palavras, nos
seus v estu á ri o s , começa a manifestar-se a
ordem que os cuidados da dona de casa impri­
miu à mesa. Emfim, o que é ainda mais essen­
cial, essa ordem chega a orientar-lhes a pró­
pria alma.
A apresentação das próprias iguarias deve
obedecer ao espírito de ordem, satisfazendo
tanto a vista como o olfacto e o gôsto.
c! Deveremos só reservar para as cozinhas
dos grandes h otéis e das casas opulentas a
arte de apresentar os pratos com aspecto
agradável, belamente preparados ?
Essa galanteria deve a dona de casa usá-la
também no seu lar para com todos os seus,
requintando-a tanto como a que em todo o
mais deve usar junto do seu espôso.
Pouco custam umas h astes de salsa, fina­
mente plantadas num prato de pureia de
batatas. É trabalho fácil. O efeito produzido
é considerá1Jel. Agrada a vista, estimula o
apetite.
Dá, pois, ao mesmo tempo, bastante agra­
dáveis satisfações.
Ora a felicidade é constituída pela suces-

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1 78 0 LlVR.O DA DONA DE CASA

são de pequenas satisfações assim, económi­


cas, infinitamente multiplicáveis.
As crianças são gulosas pelas sobremesas.
Igualmente o silo as pessoas crescidas.
É um gôsto natural, e gôsto que nunca
engana. Corresponde a uma real necessidade
do nosso estômago, e de todo o nosso sistema
fisiológico.
Em geral, os pais teimam em reprimi-lo.
Pois é um êrro, devido a um preconceito,
por nós já combatido.
Mais alimentam e com menor despesa os
pastéis e os biscoitos do que um pedaço de
bife.

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CAPÍTULO V

O rganização do vestuário. Cuidados


com o corpo

Vamos esbarrar agora com um terrível


obstáculo.
Esta questão do vestuário, que parece secun­
dária, predomina, todavia, em muitos lares, na
organização do orçamento doméstico.
Nota-se, primeiro que tudo, tal fenómeno
muito naturalmente nos lares em que as donas
de casa não organizam o orçamento, gastando,
dia a dia, sem método nem conta.
Nestas condições, é fatal que o orçamento
se desequilibre, porque se destinam para o
vestuário, às cegas, sem conta, grandes quan­
tias. É a história que contamos da dona de
casa, freguesa dos grandes armazens de modas.
Mas o que é ainda m ais extraordinário é
dar-se o mesmo caso em lares onde as donas
de casa com precaução e método dividiram
rigorosamente a receita pelas despesas.
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1 80 0 LIVRO DA DONA D E CASA

Regularam tudo com critério mlnuciosfs­


simo : tanto para o aluguer de casa, tanto para
comer, tanto para vestir, etc.
E, afinal, ao fazerem as contas no fim do
m ês, verificam ter gasto com vestuário muito
mais do que tinham calculado, embora o orça­
mento fique em perfeito equilibrio.
l Como se explica o fenomeno ?
Só por meio do indestrutfvel princípio de
que o que se gastou com uma coisa se não
pode gastar com outra. É positivo que, na
verba de vestuário, se foi além da despesa
determinada, e assim se foi prejudicar outra
necessidade doméstica. Não precisamos de
quebrar a cabeça para verifica'r qual foi. É sem­
pre a da alimentação a que sofre com o avo­
lumar das outras. Por isso é uma necessidade
elásflca por excelência, e da qual as donas de
casa usam e abusam.

l Mas porque é que será tão irresistível e


invencível a despesa com o vestuário ?
Ah ! nêste ponto a questão moral sobre­
·põe-se à questão económica.
Quási tôda a gente hoje considera o ves­
tuário um adôrno e, mais ainda do que um
adôrno, um meio de parecer mais do que o qzze é.
Dissemos agora a verdade nua e crua.
Se todos tivessem o critério bastante para

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ÜROANIZAÇÃO DO VESTUÁRIO, fTC. 181

procurar no vestuário só o que êle normal­


m ente nos deve dar, o papel que lhe pertence
- ser o invólucro higiénico do corpo, variando
conforme as esta ções - de-certo que essa par­
te do orçamento doméstico nunca estaria em
déficit.
E façamos ainda uma concessão. Admi­
tamos ainda que, por natural sentimento esté­
tico, ou para agradarmos, é preciso dar ao
vestuário, além do seu papel higiênico, o de
adôrno.
Tal fim poderia, contudo, ser plenamente
obtido sem excessivas despesas, porque se con­
feccionam vestuários de efeito belíssimo, usando
só estofos simples, enfeites muito económicos.
Mas não é nisso que está o mal.
O vestuário não serve h oje só para agra­
dar. Serve também para se parecer o que se
não é, para inculcar que se vive em condições
muito superiores às que na realidade temos.
Aí está por que não se contentam com ves­
tuários higiênicos ou elegantes, e pretendem
tê-los lu.ruosos, ou, pelo rn�nos, com aparen­
cias disso.
Af está por que o orçamento do vestuário
vai entrar fundo tantas vezes no da alimenta­
ção e corno é empolgante a razão com que
diz o proverbio :
Muito lu.ro, barriga a dar floras.

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182 0 LIVRO DA DONA DE: CASA

§ 2.o

Supérfluo é frisarmos quanto Isto é insen­


sato.
� Para quem vivemos ? � Para nós ou para
os outros ?
i Em que depende a nossa felicidade da
opinião de quem nos vir na rua, e só nos jul­
gue pelo vestuário ? � E essa opinião será segu­
ramente aquela que pretendemos inculcar à
custa de muito luxo ?
Ou essas pessoas nos conhecem, ou não.
Se nos conhecem, não se iludem com as apa­
rências, e sabem os sacrifícios que fazemos
para assim nos exibirmos.
Se nos não conhecem, sabem, de ordinário,
que as aparências enganam, e como o espí­
rito de crítica tem tendência para ver tudo
pelo lado mais desfavorável ao próximo, não
é difícil que pensem, e até o digam :
- Nem tudo que luz é oiro. A aparência
nada vale. Esta dama, com os seus ares de
princesa, talvez nã,o jante tão bem como nós.
A natureza humana é assim, e devemos
aceitá-la como ela é.
Ora ela não gosta de que pretendamos im­
por-lhe a admiração ou o respeito só por meio
das aparências exteriores.
Vai sempre pelo que é sólido, pelas reali-

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ÜROANIZAÇAO DO VESTUÁRIO, ETC. 185

dades que se apreciam fàcilmente nos nu­


merários ou nas qualidades re\leladas pelas
acções.
É sensato !
Loucura é, pois - repito - julgar que s e
deslumbram os outros por aparências que,
afinal, não satisfazem a própria pessoa que
as exibe.
Eis, por conseqüência, a minha conclusão,
ou antes, quais os meus princípios que ofe­
reço às meditações das donas de casa :
A higiene nos \!estuários é indispensável ;
A galanteria nos \!estuários é àtil ou agra­
davel;
O luxo nos \!estuários é inútil e prejudicial.

P'refiram, pois, em tôdas as peças do \!es­


tuário, às grandes aparências a qualidade, a
utilidade, a com odidade e a \lerdadeira es­
tética.
Olhem de preferência para a solidez, a
duração, a felicidade de conser\lar, de lavar,
de consertar.
Não comprem nada que prejudique qual­
quer dos dois fins justos : a higiene e o adôrno
estético e, acima de tudo, nunca sacrifiquem
\!estuários comodos e de bom gôsto e torna­
dos excêntricos e ridículos, só com o pretexto
de andar à moda.

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184 0 LIVR.O DA DONA DE CASA

As senhoras imaginam que a moda é uma


raciocinada transformação que se orienta pelo
fim de atender ou a uma qualquer utilidade
ou a um sentimento estético ; e julgam que,
se não se sacrificarem às fantasias dela, saem
fora dos hábitos sociais e deixam de ser do
seu tempo.
Grande ilusão !
O que chamamos moda é o conjunto de
meios usados pelos grandes fabricantes de
objectos de luxo para darem consumo às suas
mercadorias,
Se as senhoras reflectirem nisso, verão
que a moda não passa de ser o que é na rea­
lidade : um verdadeiro reclamo comercial.
Há negociantes que atraem a freguesia
por meio de anúncios luminosos, de exposi­
ções garridas, de mostruários atraentes. Os
que vivem do comércio de objectos de luxo,
vestuários, chapéus, j oias, etc., procuram o
mesmo fim - ganhar fregueses para venderem
os seus novos produtos - usando do meio en­
genhoso chamado a moda.
Quando a venda esmorece, recorrem ao
processo infalível da mudança da moda. Um
novo tecido ou um novo corte para os vestuá­
rios, uma forma extravagante para os chapéus,
uma nova pedra preciosa - eis tudo. Imedia­
tamente vão comprar mil coisas de que não

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ÜR.OANIZAÇÃO DO VESTUÁR.IO, ETC. 185

precisam todos que andam à moda, porque


querem continuar a andar à moda.
Ora êste despotismo da moda baseia-se no
funésto princípio, acima referido, vaidoso e
perigoso - a vontade de se inculcar o que se
nilo é.
Uma dona de casa, que é séria, exclusiva­
m ente de"otada à felicidade dos seus, não
pode ter essa "eleidade, e por isso não insis­
timos mais em tal, limitando-nos a m ostrar
apenas os perigos cuja verdadeira natureza
ela poderia desconhecer.
Pertencem também a êste capítulo os cui­
dados com a conservação, reparação e lava­
gens.
Sôbre isso não podemos ir além do que
o que preceituam os manuais de economia
doméstica.
Chamaremos, sim, a atenção para o carác­
ter profundamente higiênico que deve caracte­
rizar tudo que diga respeito a vestuário e cui­
dados com o corpo.
Mantendo êsse carácter higiênico, poderá
a dona de casa evitar aos seus e a si própria
grandes e pequenas doenças, indisposições,
um simples m al-estar a que todos estão sujei­
tos, m ais ou menos, quando se não respeita a
h igiene.
Por isso de n ovo insistimos nas qualidades

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186 0 LIVRO DA DONA DE CASA

principalmente higiénicas que de\lem caracte­


rizar os vestuários : quentes e impermeáveis
no inverno, l e\les, fàcilmente laváveis no verão.
Nunca se de\le sacrificar a higiene e a
comodidade ao luxo e ao enfeite.
A condição essencial da h igiene é a lim­
peza, a qual deve predominar nos menores
escaninhos do interior doméstico e em todos
que nêle \li\lem.
Mas a felicidade maior de ela ser obser­
vada consiste em que seja geral e absoluta.
Se a casa e os móveis estiverem sempre
l impos e brilhantes, menos se sujarão os \lesti­
dos ao tocarem inevità\lelmente nas paredes
e em diversos pontos dos aposentos.
Se trouxerem o calçado e as mãos limpas,
não haverá facilidade de sujar os sobrados e
tapêtes, ou qualquer objecto em que se toque.
Como \lêem, estão intimamente ligados en­
tre si todos os elementos da geral organização
da limpe'za, e organização que depende dos há­
bitos de ordem que a dona de casa deve pos ·
sulr e fazer por comunicar a todos os seus,
mas m inuciosamente, até nas menores coisas.
Nunca ela deve permitir que seus filhos
saiam do quarto sem se terem lavado comple­
tamente, sem se terem penteado, sem terem
limpado as unhas, abotoado as roupas, aper­
tado as fitas dos sapatos, e escovado os fatos.

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Ü�OANIZAÇÃO DO VI!STUA�IO, ETC. 187

Não deve consentir que entrem em cas a


com as botas cheias de pó ou de lama, obri­
gando-os a deixarem-nas ao fundo da escada,
substituindo-as logo por um calçado que esteja
limpo. Será bom mesmo, seja qual fôr a sua
condição social ou de fortuna, que a dona de
casa obrigue os filhos a servirem-se a si mes­
mos, a escovarem-se antes de irem para a
m esa.
Deve saber zelar o cumprimento de tôdas
as regras higiénicas que tiver dado, e.rpli­
cando a razao delas - e mantendo-as com
todo o rigor.
Se assim proceder, pode estar certa de que
os seus h ão-de ter sempre saúde, vigor, bom
h umor e, portanto, felicidade.

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CAPÍTULO VI

Organizações diversas

Na vida doméstica é preciso prever tudo.


A dona de casa, ao elaborar o seu orça­
m ento, deve contar desde logo com tôdas as
eventualidades possíveis para, m ais tarde, não
se ver sem recursos, que devia ter preparado
de antemão, diante do imprevisto de qualquer
circunstância.
É bastante penosa a tarefa quando se or­
ganiza pela primeira vez a vida doméstica,
quando, por exemplo, a mulher ainda está n a
lua d e mel. Mas j á não acontece o m esmo,
tempos depois.
A dona de casa, que tem rigorosa conta­
bilidade das suas despesas, dispõe, por isso
mesmo, não só dum meio de económica fisca­
lização de alto valor como, além disso, dum
documento imcomparável para fundamentar o
orçamento dos anos seguintes.
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190 0 LIVR.O DA DONA DE CASA

O número dêsses documentos cresce de


ano para ano, constituindo arquivos domés­
ticos que fornecem à dona de casa todos os
esclarecimentos ele que ela carece.
Na verdade, os seus li\Tros de contas anuais
reflectem com exactidão a vida económica da
família durante os anos decorridos. Contrapro­
vam-se e entrecompletam-se por tal forma,
que, auxiliada por êles, a dona de casa conse­
gue organizar cada vez melhor a sua vida
doméstica.
Naquela página encontra ela a indicação,
cada vez mais precisa, das somas que todos
os anos são exigidas por cada compra ou des­
pesa, e ainda o meio de preencher lacunas,
a princípio imperceptíveis, mas que, de ano
para ano, se tornaram mais nítidas e impe­
riosas.
Uma delas, entre outras, é o que diz res­
peito à educação, a qual não podia figurar no
orçamento das espôsas, antes de se desposa­
rem, e que vai aumentando pouco a pouco de
importância, ao passo que os filhos Vão nas­
cendo e crescendo.
Outras necessidades, mais ou menos im­
portantes, podem surdir como carecidas de
maior atenção : por exemplo, aquecimento,
iluminação, doenças, diversões, obras de ca­
ridade, economias a depositar, etc.

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Ü�OANIZAÇ0ES DIVERSAS 191

Incumbe à dona de casa o cuidado de ve­


rificar com meticulosidade qual a média dos
recursos de que dispõe para tôdas as despe­
sas - e também abrir uma verba com o título
de imprevistos, uma espécie de preciosa re­
serva que lhe prestará grande auxílio.
Mas tenha sempre o maior cuidado com
as despesas intituladas diversas. Es�a verba
tem uma elasticidade muito nociva ao equilí­
brio do orçamento.
Nessa verba se incluem sorrateiramente
muitas pequenas despesas sem atribuição de­
terminada e que usurpam consideráveis quan­
tias.
Depois, espantamo-nos com o total e não
sabemos à certa em que se gastou tanto di­
nheiro, o que mais nos contrista.
Como meio de fiscalização, será bom que
as donas de casa dêem a tôdas as despesas,
sejam quais forem, a nota da sua rigorosa
aplicação.
Os pequenos trocos dados aos filhos podem
ser incluídos nas despesas da educação ou n a
diversão, porque, na verdade, é dinheiro que,
ao m esmo tempo, pode visar aqueles dois fins.
As despesas com os servos po,d em ser in­
cluídas nas despesas gerais com as despesas
de aluguer e décimas.
A compra de novas mobílias não deve ser

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1 92 0 LlV�O D A DONA D E CASA

incluída no orçamento anual, porque é feita à


custa do que se economizou e deve ser lan­
çada à conta do primeiro estabelecimento da
casa. Os móveis, depois dêsse estabelecimento,
fazem parte do activo, do capital, do lar.
É razoável que a dona de casa mantenha
o lar como uma casa comercial, fazendo dela
anualmente um inventário.
Quando o fizer, é que terá o ensejo pró­
prio para verificar com exactidão o estado do
m obiliário e das precisas reparações ou subs­
tituições.
Então é que pode ver qual é, de verdade,
o seu trem de coziuha e qual a sua baixela,
prevendo, pelos objectos partidos, deteriora­
dos ou perdidos, o que, nêste artigo, tem de
comprar.
Verificará ainda quantas as peças de rou­
pa, o estado de cada peça, e a urgência maior
ou menor de qualquer substituição ou consêrto.
E o m esmo lhe sucederá quanto ao guarda­
-vestidos, classificando os vestuários segundo
as categorias : vestido de sair, de trabalho, d e
andar p o r casa - e pondo de parte tudo que,
por estar fora de qualquer daquelas catego­
rias, fôr inútil, sendo então boa ocasião de
pensar nos pobres a quem podem ser pro­
veitosos em extremo vestuários que a ela não
servem.

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O�GANIZAÇÔI!S DIVI!�SAS 193

Esta investigação minuciosa, que deverá


também aplicar à biblioteca, deitando fora os
livros inuteis, e destruindo os livros maus, se­
gundo o sistem a que joel de Lyris desenvol­
veu com clareza e preCisão no A Escolha
duma biblioteca, deve aplicá-la a tudo com
rigor . . .

. . . Não deireis nenhum lugar,


Sem tudo ver, sem tudo eraminar.

Muito oportuno é também fazer uma grande


limpeza - varrer, escovar, passar a pano, en­
cerar, todos os cantos e recantos, expulsar
tôdas as poeiras e detritos, tudo que se tiver
inutilizado, e que apenas sirva, sem o menor
proveito, para atulhar e embaraçar.
É claro, entretanto, que esta limpeza não·
deve ser só anual.
As boas donas de casa fazem-no todos os
meses, batendo os tapêtes e tapeçarias, la­
vando as vidraças, encerando os sobrados,
"
renovando tudo.
Igualmente deve a dona de casa inventa­
riar todos os meses as provisões da casa :
lenhas ou carvão, vinho, conservas, condi­
m entos, etc.
E assim saberá com exactidão de que pro­
"isões e compras precisa.

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194 0 LlVR.O DA DONA Df CASA

§ 2.o

Estas reflexões, acrescentando-lhes as que


já fizemos, le\lam-nos à mesma e única con­
clusão : a qualidade primacial da dona de
casa é a previdência.
Previdência é a organização moral e m ate­
rial do lar.
Previdência é a escolha da habitação e
do mobiliário não só sob o ponto de \lista das
actuais necessidades mas também pensando
nas futuras.
Previdência é a organização do orçamento
por forma a dispor tudo, quanto possí\lel, e
muito racionalmente, para tôdas a s necessi­
dades.
Previdência é o conteúdo da contabilidade
doméstica, que fiscaliza as despesas, permi­
tindo fundamentar os futuros orçamentos em
bases cada \lez mais práticas.
Emfim, são Previdência as di\lersas organi­
zações, grandes e pequenas, que só procuram
o m esmo fim : a felicidade doméstica.
Por isso tanto rogamos às mãis de família
que sejam pre\lidentes e que ensinem a pre\11-
dência aos seus filhos - embora os pais delas
não lha tenham ensinado - já que a\laliam
agora quanto ela \late.
A razão de ha\ler tantas espôsas, ignoran-

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ÜROANIZAÇ0ES DIVERSAS 195

tes do que devem fazer para serem felizes na


sua vida doméstica e fazerem felizes os mari·
dos, é que nunca souberam prever, nunca nin·
guém exerceu a previdência em beneficio delas,
e por isso nunca ninguém lha ensinou.
A mesma razão explica o facto de casarem
tantas senhoras sem saberem nada dos deve­
res que lhes competem como espôsas, como
donas de casa, como mãis e educadoras.
Diremos com La Beaume :
c Sê de mais prudentes para com os vossos
filhos do que talvez o tenhais sido convosco
mesmo. Quando forem pais, êles tomar-vos-ão
por modelos, e assim cada um de vós prepa­
rará gerações felizes que transmitam, com a
vossa memória, o culto do vosso bom senso. ,
Podemos dizer o mesmo às mãis de família.
V erlficando tôdas as lacunas deixadas pela
educação nos seus espíritos e nos seus cora­
ções no que diz respeito aos múltiplos deveres
da senhora casada - e lembrando-se de todos
os esforços precisos para preencher essas la­
cunas e adquirir todos os conh ecimentos que
faltavam - devem elas evitar que as suas fi­
lhas tenham a mesma ignorância e os mesmos
sacrifícios.
Habituadas a encarar o futuro, compreen­
dendo-o, terão para isso tôda a indispensável
capacidade.

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196 0 LIVRO DA DONA DI! CASA

Nunca se deve seguir o exemplo dêsses


pais pusilânimes que julgam perigoso, mas
sem saberem dizer claramente porquê, atrair
cedo o espírito das filhas para as futuras fun­
ções naturais e sociais que podem vir a de­
sempenhar.
Ê sse receio, próprio de mãis timoratas,
é completamente fútil, e o que é perigoso é
vê-lo praticado sem o menor tino.
Deriva isto dum teimoso preconceito que
a inda vigora tanto na instrução como na edu­
cação : é o que pretende desenvolver a alma
humana num meio artificial em vez de a forti­
ficar nas realidades da vida.
Ora êste processo conduz a duas conse­
qUências, igualmente deploráveis.
Vejamos quanto à primeira.
Se examinarmos, por exemplo, a educa­
ção artificial ministrada às donzelas, sob o
pretexto de as resguardamos de todos os pe­
rigos, nem por isso estorvamos a acção da
educação natural, que é irreprimível. Essa
educação pode dar-se ; contrariando-a, ape­
nas a deformamos.
Óepois, a donzela compreende perfeita­
mente que o mundo artificial, em que a fazem
viver e em que pretendem sepultá-la, não se
parece nada com o mundo real.
E, então, procura instintivamente saber

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ÜROANIZAÇÕES DIVERSAS 197

como é o mundo real e, estando neste caso


entregue apenas à sua imaginação, faz da
realidade uma ide'a absolutamente fantasista.
De maneira que, afinal de contas, a educa­
ção da donzela fica sendo o resultado desconexo
d e duas séries de falsas ideas : impressões do
mundo real, falsificadas por um ensino artifi­
cial, e impressões da realidade, falsificadas
por uma imaginação que não está orientada
para as compreender.
É com estes elementos intelectuais e mo­
rais que as donzelas entram na vida, cuja fôrça
educativa tem de ser tanto menos eficaz sôbre
elas quanto mais afastadas estiverem da visão
da realidade.
A ignorância das realidades da vida é que
é o verdadeiro perigo para as donzelas !
Por isso nunca julgaremos demasiado pro­
clamá-lo, esperando estudá-lo de novo, dentro
do seu desenvolvimento possível, no L ivro da
Mãi e no L ivro da Educadora.
Mãis de família ! Façam, de suas filhas,
espôsas e donas d"e casa.
Associem-nas, desde os mais tenros anos,
quanto possível, a todos os trabalhos domés­
ticos. Que, ao chegarem à idade de racioci­
nar, compreendam o que é um lar doméstico
e o papel que nele lhes tem de caber, não só
agora, mas mais tarde, ao passo que forem

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1 98 0 LIVRO DA DONA DE CASA

crescendo e, depois, tôda a sua vida, quando


forem senhoras.
Isso não se aprende nos livros ou em lições
pedagógicas. Aprende-se na prática.
c Filhinha, vai escovar o pó que trazes nos
sapatos para não sujares o tapête . . . Sabes
que o tapête foi escovado e batido, está limpo.
Se o tornasses a sujar, era preciso escová-lo
e batê-lo de novo. Ora isto, primeiro que tudo,
dá trabalho e depois estraga o tapête, sendo
depressa preciso comprar outro, o que custa­
ria muito dinheiro.
E tu antes quererás que gastemos esse
dinheiro numa viagemzinha . . . Aí está porque
deves escovar os teus sapatos . . . ,
É com estes pormenores, observações e
exemplos que se formam as donas de casa.

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C o n c l u são

Não há de-certo senhora, ou donzela, que,


depois de ter lido êste livro, não pergunte a
si própria como é que uma dona de casa, que­
rendo cumprir o seu dever, todo o seu dever,
terá tempo de fazer mais alguma coisa do que
tratar da vida doméstica.
Realmente, depois de se desempenhar de tal
tarefa, não é nada fácil ter tempo para qual­
quer outra coisa.
Contudo, nós demonstramos que é possí­
vel, e mesmo às vezes necessário em algumas
circunstâncias, tratar doutras coisas, porque
neste mundo nada é absoluto e devemos pre­
ver tôdas as eventualidades da vida prática,
considerada segundo o nosso modo de v er.
É positivo, entretanto, que as complexas
atribuições da dona de casa são incompatí­
veis com certa vida mundana, perfeitamente
exterior e a qual divorcia a senhora do seu
lar, afasta o m arido do interior doméstico e
entrega a educação dos filhos a criaturas m er-
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200 0 LIVR.O DA DONA DE CASA

cenárias, deixando tôda a casa nas mãos da


criadagem.
Mas esta vida mundana - sem verdadeira
felicidade, pródiga de decepções - não passa
do modo de ser duma pequena minoria.
Cultiva-se num meio especial totalmente
desprovido, durante a vida de muitas gerações,
das serenas alegrias domésticas, que por isso
mesmo são francamente apreciadas - porque
nós sd desejamos de-veras o que conhecemos.
Quem \li\le em tal meio, com dificuldade se
furta às suas influências. A causa disso é
\li\ler-se en\lolvido numa atmosfera de tradi­
ções, costumes e hábitos, de que profunda­
m ente se depende. Além disso, as pessoas que
vivem nessas condições adaptaram-se àquele
meio e se nele não são felizes - estão muito
longe disso ! - não podem deixá-lo, porque a
êle se acostumaram.
Portanto, êste li\lro não tem grandes pro­
babilidades de converter uma mundana, trans�
formando-a em dona de casa.
Quando muito, se as mundanas nos lessem,
poderia alguma delas receber a sugestão de
quaisquer úteis ponderações, inspirando-lhe a
vontade de efectuar qualquer modo sempre
utópico, de harmonizar o cumprimento do de­
ver com a vida dos prazeres. Mas, se tanto se
desse, a mundana de-pressa esqueceria tudo

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CONCLUSÃO 201

por completo, porque a arrastaria o turbilhão


mundano.
É por isso que nós, a rigor, não escreve­
mos para tais espíritos de mentalidade espe­
cial e naturalmente incapazes de nos com­
preenderem.
A quem nos dirigimos é à senhora - ou à
donzela - como no-las dá a educação m oderna
- educação cheia de lacunas, como o frisá­
mos, e o nosso fim, tendo um tão defeituoso
ponto de partida, é preencher essas lacunas,
mostrando a razão da sua existência.
Isso nos l evou a formar um quadro, com­
pleto até ao possível, dos múltiplos deveres
que incumbem à dona de casa na organização
moral e material do lar doméstico.
Muito estimaríamos que, ao apontar às lei­
toras a importância e variedade das suas atri­
buições, nunca ultrapassássemos o n osso fim,
isto é, que nunca as aterrdssemos, tendo nós
s implesmente ó desejo de as elucidarmos.
Mas, afinal, o conjunto das atribuições da
dona de casa nada tem de aterrador.
Se olharem com atenção para as suas casas
e para as casas dos outros, hão-de notar mui­
tos lares organizados.
Terão uma organização talvez imperfeita
em alguns pontos de vista, mas devem as se­
nhoras atender ao seguinte :

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202 0 LIVRO DA DONA DE CASA

Nunca pretendemos - nem o podíamos pre­


tender com bom-senso - que a dona de casa
seja perfeita duma \lez, e que atinja a perfei­
ção no conjunto do seu saber de \lida domés­
tica.
A perfeição não é dêste m undo.
O quadro por nós traçado é como que um
m o dêlo, sem nada de absoluto, tendo nós sem­
pre o maior cuidado em fazer notar até, e a
cada passo, que não pretendíamos dar a todos
os lares uma só e invarlá\lel fórmula.
Insistimos, sim, em que a dona de casa
de\le inspirar-se sempre nas circunstâncias, e
mais duma \lez repetimos o princípio diri·
gente :
Faze como puderes e sempre pelo melhor !
Com estas reflexões tranqiiilizamos, pois,
completamente as leitoras que, não reparando
nas reser\las com que apresentamos cada um
dos nossos preceitos, chegassem a considerar
êste L ivro de Dona de Casa como um formu­
lário rígido, definiti\lo, fora do qual não possa
haver sal\lação.
Não podia ter tão exageradas pretenções
um li\lro que, pelo contrário, só tem por fim
satisfazer tôdas as necessidades, adaptando-se
a tôdas as circunstâncias.
São, afinal, tão eldsticos os nossos conse­
lhos, ou, para melhor dizer, tão adaptados a

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CONCLUSXO

tôdas as condições práticas da existência, que


dêles podem as donas de casa colhêr proveito
em tôdas as classes da sociedade.
O mérito que tem a n ossa exposição - e
que assegura a perfeita correspondência entre
os factos e as leis da vida real ""-- é o dirigir-se
o nosso livro tanto aos ricos como aos pobres,
tanto aos sábios como aos ignorantes, porque
as necessidades que êle pretende satisfazer
são comuns a tôda a humanidade.
A castelã, a camponesa, a operária, têm
tôdas o mesmo interêsse - porque têm tôdas,
grande ou pequeno, um lar - em organizar
racionalmente a sua Vida doméstica, sendo os
princípi os, dessa organização, expostos em
todo êste volume, exactamente os m esmos
para o palacete, para a herdade, para o mo­
desto alojamento das operárias urbanas.
Em todos os lares, dos mais sumptuosos
aos mais humildes, é indispensável uma regra
de vida, porque em todos êles a felicidade do­
m éstica será proporcionada pela atracção que
em todos os membros de famflia exerça a vida
do lar. Emfim, em todos os lares há necessi­
dade de organizar as relações anteriores, a
educação, a dispensa, etc.
Ora tôdas as donas de casa, sejam elas
quais forem, encontram nestas páginas as re­
gras precisas para darem uma direcção racio-

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204 Ü LIVRO DA DONA DE. CASA

nal à sua tarefa de organizadoras e de diri­


gentes do lar doméstico.
O que nós vivamente desejamos, sem, con­
tudo, esperarmos que em tudo .tal se dê,
a-pesar-de nos limitarmos austeramente neste
livro a conselhos absolutamente práticos e
i mediatamente realizáveis, é que tôdas cheguem
a realizar, na sua casa, o modêlo que traça­
mos, tomando como tipo a razoável média dos
lares bem postos.
Seja como fôr, esta mos convencidos de que
qualquer dona de casa, valorizando os seus
dons naturais e as qualidades adquiridas, e
fazendo aplicação sincera, zelosa, perseve­
rante, e, quanto as circunstâncias lho permi­
tam, completa, do programa que neste livro
explanamos - estamos convencidos, dizíamos,
de que essa dona de casa há - de conseguir
realizar na sua vida doméstica o ma.rimum de
bem estar que seja compatrvel com a sua
situação, chegando a dar aos seus e a si pró­
pria a m aior soma de felicidade a que neste
mundo pode aspirar.

fiM

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Notas do revisor desta tradução

Pág. 1 1 - A Economia doméstica, ciéncla da má­


xima importância. . . Paulo Combes diz uma grande
verdade. A Economia doméstíca é ciência d a maior
importância. Se ela fôsse conhecida a preceito pelas
donas de case, nós acreditaríamos piamente que nem
a criminalidade nem a vida difícil das classes teriam
atin�ido as proporções sabidas.
É evidente que o cidadão p ortuguês.-sôbre o qual
podemos falar com mais conhecimento de causa - é,
em geral, pobre de eduçação económica. Atesta-o tôda
a sua Vide, seja qual fôr a sua profissão.
Fazer contas é, para quási todos os portugueses,
uma estopada degradante. Envergonham-se de tratar
diss o ?
Tal'll ez, mas porque nada, ninguém, lhes ensinou
de-veras o valor, a utilidade indispensável das mesmas
contas. A família é o que sabemos, em geral. Os pais
tratam de atamancar a 'lli da sem conta, pêso, nem me.
dida, e o mais que podem ensinar aos filhos, em ques­
tões económicas, é a granjearem crédito à custa de
aflitivos e:>tpedientes. Não queremos insinuar expedien-
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206 0 LlVI{O DA DONA DE CASA

tes desonestos na intenção ; mas são expedientes rui­


nosos nas conseqüências. Que os filhos vistam melhor
do que se alimentem, deitem figura, sejam prendados
e tenham uma carreira vistosa e livre de preocupações
maiores, quási sempre burocrática e política - eis o
principal anelo dos chefes de família.
Contas ? ! Só as ine\litá\leis. Economia doméstica ?
Só a que não sacrifique dois chapéus altos por ano ao
papá austero e os seis \lestidos de sêda e apensos
chapéus extravagantes da mamã extremosa que . . .
entrega a dispensa, saúde, o futuro todo, às criadas,
criaturas que sabem tudo menos servir os amos com
consciência e zêlo.
Mas o ntenino já rapa o buço e já diz mal de Gar­
rett e de Camilo, já fala contra as antíteses de Vitor
Hugo, contra os ministros de Antero, contra as metá­
foras artifi ciosas do Junqueiro. Discute Beethoven,
zarguncha Rembrandt, faz troça do Fontes, do Cana­
lejas, do tzar, do sultão, e ameaça a Europa com o
Novo 1795. A menina, essa canta coisas estupendas,
colabora no feminismo, é céptica, tem crises de ner\los
com um par de meias usadas, embora não saiba pregar
um botão nem frigir duas batatas. Contas ? ! Nenhum
dêstes pimpolhos precisa delas. A menina casa assim,
e dá a segunda edição aumentada da mãi que arruinou
o marido para lhe fazer a vontade, é certo, no soberano
desprêzo que êle sempre teve pela aritmética.
Quanto ao rapaz, vagueou pelo positivismo, petis­
cou em casa do Comte e do Littré, leu duas páginas

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NOTAS DO REVISOR DESTA TR.ADUÇXO

de Gustavo Le Bon, outras duas de Ruskin, misturou a


e stética com a moral do Nietzsche, Proudhon com Ma­
rat • . . e põe-se a fazer conferências, depois de bacha­
relado, saltando depois para os comícios e parando
nos cafés, conquistando retrato e encómios nas im­
prensas. De súbito, ei-lo deputado, ou, em caso de
melhor l otaria, senador. É grande. Pertence-lhe a pasta
das finanças. Ninguém mais vistoso para tal fim. Mas,
como nunca soube fazer contas, o genial estadista,
honrado como Bruto, apenas sabe salvar o país com
estes dois sinapismos : impostos e empréstimos . . .
já vêm quanto a Economia doméstica é ciência
da maior importância . . • Habituaria os cidadãos a pen­
sar desde crianças, na vida económica. c! Mas quem
vence o horror pelas contas que tem o homem de gé­
nio que é todo o cidadão português ?
Pág. 15 - O lar é também um centro de a{ectos,
de vida moral, intelectual, estética Sim, com ovida­
. . .

mente o 'afirm amos. Lar sem amor e paz, sem a vida


das ideas e da arte pura, não é lar, é hospedaria. E
Portugal já teve assim lares. Foi no tempo do chamado
obscurantismo. Não havia combóios, nem vapores, nem
aeroplanos. Distinguiam-se as classes pelos vestuários.
A criada não vestia, como h oje, melhor do que a se­
nhora. Contudo, vivia familiarmente com os seus amos.
Os filhos pediam a bênção aos pais e, a-pesar-de isso,
ilustravam a pátria e a humanidade. Havia austeridade
e respeito e, contudo, as festas do lar eram deliciosas,
inolvidáveis. Se um grande perigo ameaçava a nação,

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208 0 LlVRO DA DONA DE CASA

todos os lares eram fortalezas, e tôdas as divergências


se mudavam em solidariedade comovida.
t Não havia in strução ? Não, mas havia educação
e esta, quando é boa, 'Vale pela maior cultura mental.
Fazi a-se boa música. e faziam-se bons trabalhos de
linho, belas rendas, pão caseiro. Lavava-se, engoma­
va-se, m oirejava-se, com o fito de se ter um lar limpo,
sádio, belo, e, ao mesmo tempo, quem sabia ler lia à
lareira em benefício de tõda a familia, i ncluindo o s
criados e jornaleiros.
Ignora-va-se muito, mas sentia-se imenso. Um vélho
era majestoso e venerado como uma c atedral. O chefe
da família, rodeado de avós, tinha o prestigio dum pa­
triarca sem mácula. Amor, respeito, fé, solidariedade,
amor às tradições, um amor que chega-vá a iluminar os
próprios Vélhos móveis de familia, m óveis cheios duma
arte original e preciosa que ainda hoje nos enter­
nece . . .
O lar é também um centro de a{ectos, de vida mo­
ral, intelectual e estética Sim, é, ou deve ser. Após­
. • •

tolos de '9alor como Pauto Combes assim o desejam, e


para isso orientam nobremente as donas de casa.
t Mas quantas o poderão ouvir ? t Não lhes roubaram,
dentro de feminismos exagerados, a capacidade melhor
para imitarem o que de bom teve a Vélha sociedade ?
t Não abundam as Jorges Sands com fibras destempe.
radas de Luíza Michel ?
Pág. 18 - Guardadas as proporções de'tJidas, a
tarefa duma dona de casa é ainda mais importante

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 209

que a que se depara a um Chefe de Estado .•. Nós nem


guardaríamos as proporçoes devidas . . . porque vão
sendo, dia a dia, de minúscula importância. Actual­
m ente, quási todos os Chefes de Estado não passam
d e símbolos ambulantes. Os Chefes de Estado são, a
rigor, os ministros, e estes em quási tõda a parte ­
diga-se de passagem-são detestáveis . . . donos de casa.
Pág. 51 -Disse Cláudio Bernard : Na vida há duas
coisas essenciais - o método e a actividade. Sim, de­
pois de haver ideas e fé. Porque, por mais absurdo
que pareça, há quem julgue possíveis o método e acti­
vidade sem princípios definitivos e em perfeita con­
fiança nêles.
O mal moderno tem sido, a nosso ver, a preocupa­
ção exclusiva com o método e com a actividade,
olhando-se mais ao sistema do que ao ideal, mais à
vontade rígida do que ao principal alimento dêle, uma
fé pura e serena que dá o único possível meio-termo.
Queremos dizer : antes de se possuir uma orien­
tação conscienciosa, há a preocupação de se seguir
uma fórmula ; antes de se visionar, ao menos, a fôrça
dum ideal, precipita-se tôda a seção ao sabor da
mesma fórmula.
Pág. 54 - O espírito de ordem é uma virtude. Se,
por vezes, chega a ser um vício, é porque no fundo,
com o o demonstra Combes, não passa dum sintoma
de íntima desordem . . .
Se não temêssemos passar por políticos, l até
aonde não iríamos nesta nota ? !

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210 0 L!V�O DA DONA DE CASA

Pág. 47 ..,._ A manhã ! amanhll ! Hoje, não ! Silo • • .

estas as palaoras do preguiçoso . . Assim começa a


.

poesia de Cristiano Weisse, citada muito a propósito


por Paulo Combes. Assim poderia começar um trecho
de poesia ou prosa que quási todos os portugueses
de\liam ter diante dos olhos como uma página do Evan­
gelho.
No nosso país abunda o homem que acha sempre
razoável adiar um trabalho, um esfôrço, uma medida
útil e prática. O amanhã farei é realmente muito lusi­
tano. Amanhã estudarei, diz o nosso estudante. E êste
estudante é o ad\logado, o médi co, o engenheiro, o
artista, o político e até o religioso militante de
amanhã.
Assim; o adiamento de todos os trabalhos é natu­
ralíssimo na \lida p ortuguesa.
Infelizmente, êsse adiamento crónico é a razão
m aior da lentidão dos nossos progressos e do império
tão esm agador da rotina. Tudo adiamos, e por isso,
um dia, \lemos acumuladas muitas tarefas que, assim
juntas, não podemos cumprir, quando, desempenhadas
uma a uma, seriam fáceis, suaves, perfeitamente reali­
zá\leis.
É claro que só educando a \lontade poderemos
e\litar tantos prejuízos. Ora ninguém melhor do que a

dona de casa para educar a \lontade.


Diz-nos isto a boa razão, logo que compreendamos
o belo prestígio duma dona de casa que o é com cons­
ciência e devoção.

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 2t l

Mas não faltam comprovativos exemplos, até n a


n o s s a um tanto indolente sociedade portuguesa.
Conhecemos há anos um lar portuguesfssimo onde,
contudo, a vontade era fortemente educada em todos
pela boa seção dirigente da dona de casa. E n ão se
diga que êsse l ar, pera ter tanto predomínio duma von.
tade bem orientada, vulgar na 'Vida doméstica dos ine·
lhores po'\los estrangeiros, precisou de perder qualquer
dos costumes n a cionais, pois que, melhor do que tan­
tos dos nossos lares m odernos, até conser'\la'\la religio·
aamente tradi ções e usanças que, aliás, desejaríamos
ver ainda amadas e respeitadas . . •

Nessa boa casa, ainda se fiava n a roca. C ozia·se


no forno caseiro o pão de milho, e broa que todos pre·
feriam ao pãozinho, cheio de amido, que hoje é predi­
lecto de quem 'Vi'Ve nas cidades. Tôdas roupas brancas
eram do linho fiado pela roca doméstica. Ninguém se
sentava ou levantava da mesa sem ter dado graças a
Deus. Deita'Vam.se todos depois de rezarem o têrço
pelas dez horas, quer fôsse inverno quer fôsse verão,
e às seis horas estavam a pé. Havia em casa três
homens. Todos êles sabiam arrumar, e arrumavam, os
seus q uartos. Escovavam os seus fatos, engraixavam o

seu calçado, e nunca se esperou por nenhum à hora


das refeições.
c. Querem costumes mais portugueses ? ?ois, talvez
porque estes costumes em tudo os di s cipli n avam,
segundo a orientação firme, embora suave, da dona de
�asa, nenhum dos m embros de tão simpática famflia

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212 0 LlV�O DA DONA DE CASA

deixou jamais de distinguir-se pela sua pontualidade e m


tudo, pela acção imedi ata, pelo horror a o adiamento
de qual quer trabalho ou de\ler.
Dizia-se, por sinal, na \lizinhança : - Quem quiset
qualquer coisa bem feita, e a tempo e horas, é falar aos
Pinheiros Chaves.
Assim pre\lenti\lamente respondemos tros precon­
ceituosos que julgam só ser possi\lel a educação da
vontade por meio da acção familial, estrangeirando em
tudo os nossos costumes. Pelo contrário, com a cultura
sensata dos costumes nacionais, é que nós poderíamos
ter verdadeiros homens de acção.
55 - Dizia Cláudio Bernard : - i Quantas pes­
Pág.
soas procuram matar o tempo f É vulgar êsse empenho,
e o que é curioso é que os que mais dizem precisar de
matar o tempo são exactamente aqueles que não traba­
lham em coisa alguma com consciência. Passeia para
matar o tempo o homem que desconhece o belo e salu­
tar trabalho, físico e até mental, que para todos os
'\lerdadeiros conscientes representa um passeio. Quem
é consciente, e é amigo do trabalho como do seu maior
bemfeitor, nunca mata o tempo, ou pensa em o matar�
porque a distracção que toma é tempo que ganha,
'\lariando apenas no modo de exercer a sua actividade.
Matar o tempo equivale a aborrecim�nto, a in cons­
ciência, a indiferença por tantas coisas em que o
homem, por mais humilde que seja, pode ser útil a si e

aos seus.
Conhecemos uma senhora que nos dizia a cada

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 213

passo : - Nunca me aborreci por não saber que fazer.


E acrescentava : Quando tenho uns minutos de ócio,
-

aplico-os logo a um belo e fecundo trabalho - faço o


exame de consciência sôbre tudo que fiz durante o
dia . . .
É supérfluo dizer que esta senhora, além de hones­
�íssima, era dotada duma bela inteligência e dum amo­
rável coração.
Pág. 67 - Não conheço condição mais nociva da
pureza espiritual do que a imundície física. Esta frase
de Beeter-Stowe, uma das senhoras mais ilustres da
literatura mundial, tem, a rigor, m uito de axiomática,
a-pesar-de as excepções com verdade apontadas por
P a ulo Combes.
Não se compreende fàcilmente um espírito puro e
perfeito dentro dum corpo inundado.
A limpeza do vestuário implica bastante a limpeza
do corpo que êle abriga.
Notório é q ue os santos, os verdadeiros, excep­
tuando os que consideravam a i mundície como peni­
tência - e, sendo assim, mostravam ainda o seu amor
à limpeza - foram sempre irrepreensNeis de asseio,
emb ora usando fetos velhinhos e até rotos. É prover­
bial a alvura de neve das roupas interiores do Pobre
d'Assiz e de todos os filhos de S. Francisco.
Antes, e em tempos de m at e ri al i s m o espêsso,
em bora muito ingénuo, víramos o melhor dos espíritos,
dos corações e dos caracteres, dentro dum corpo com
a mesma irrepreen sível limpeza, vestindo com modéstia

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214 0 LIVRO DA DONA DI! CASA

encantadora, mas com asseio que atraia, que como que


falava . • . Referimo-nos a D. António Tomaz da Silva
Leitão e Castro, que foi bispo de Lamego, e fôra antes
notável diplomata em Roma e Londres, depois de ser
prelado na Índia e no Congo, belo pregador e muito
brilhante publicista. Dispensava-nos êle a mais tole­
rante amizade, ouvindo-nos com benevolência em tôdas
as arremetidas contra o espiritualismo, acabando sem­
pre por vaticinar-n os : - Sincero como é, um dia encon­
trará a verdade I
Santo e vidente espírito ! Mal êle imaginava que as
suas doces palavras nos faziam estremecer, e que não
duvidamos da sinceridade delas . . . entre outros moti­
vos, por êste : porque o seu aspecto era limpo, acu­
sando um asseio físico que já associávamos à maior
pureza moral e mental !
Pág. 78 - No caso de serem condignos os nossos
parentes dos sentimentos que pr edominem no nosso
lar, as suas relações são certamente as preferíveis.
Dolorosa é a condicional - no caso de Entretanto,
• . •

justifi ca-a todos os dias a in corruptível realidade. Mas


porquê ? Porque se deprimiu grandemente no nosso
tempo a vida de família.
A autoridade paterna raras vezes deixava de impri­
mir, noutros tempos, aos membros das famílias, aquela
doce e firme solidariedade que resistia fecundamente
a tôdas as diferenças de temperamento, a tôdas as
paixões até. Não abundavam assim, tanto como hoje,
os ferozes pleiteadores de heranças, disputando, de

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NOTAS DO REVISOR Df:STA TRADUÇÃO 215

olhos em brasa, com os seus próprios irmãos, rega­


teando por tudo e em tudo, e muitas vezes com u m
rancor ambicioso que palpita á o p é d o próprio crime.
Igualmente n ão escasseavam, tanto como hoje, os
parentes capazes de honrarem, com um completo res­
peito por boas ·tradições de honro e fraternidade, os
lares a que são ligados por mais ou menos fortes vín­
culos do sangue.
A ironia m aliciosa com que hoje se fala, por exem­
plo, dosprimos e das primas, o deprimente significado
do nome de tia - depressão um pouco semelhante à
do doce termo patriotismo - provam, que a respeitabi­
lidade da vida familial foi ferida no coração, e que,
portanto, hoje como nunca, são raros os parentes
dignos de serem contados como legítimas e saudáveis
relações da vida do lar.
O povo filósofo cheio de malícia e também de pro­
fundeza, há muito pôs em circulação um céptico pro­
Vérbio que diz muito : Os meus parentes são os
dentes.
Donde conclui mos que Paulo Combes na sua fran c a
condicional v i u c o m b e m rígida -verdade uma hipótese
infelizmente -vulgar de mais.
Pág. 79 - O desregrado poder do Estado deve-se
à divisão das famllias.
Sim, o clan é hoje uma ruína, até na própria auster.a
Escócia onde êle foi o encanto e a fôrça que Walter
Scott magistralmente descre-ve.
O clan ? Mas se tão arruinada vi-ve a famíli a !

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216 0 LlV�O DA DONA DE CASA

E, assim, é lógico : o Estado vence, abs orve,


impõe-se em absoluto.
l Só o poderia conter a solidariedade das famílias ?
Sem dúvida, e, como alvitra P. Combes, a s donas de
casa, poderiam realizá-la como ninguém.
l Mas quantas donas de casa, compreendendo-o, o
quererão fazer ?
l Quantas, querendo-o fazer, não encontrarão as
mais rudes oposições não só no ambiente social como
no família! ?
l Não cumpriria aos bons cristãos uma espécie de
Liga educativa das donas de casa ? l Não será tempo
de em livros semearmos disciplinadamente a autonomia
das famílias, r e stringi n d o tanto as atribui ç õ e s do
Estado, que êste deixe viver a s nacionalidades dentro
dos seus alvitres e tradicionais sentimentos ?
Parece que sim, e Paulo Combes aplaudiria de-certo
a primeira honrosa tentativa nesse sentido. Quanto a
nós, achá-la-íamos uma verdadeira e fecunda alvorada.
A acção urge. i Para que perderemos nós tanto tempo
e fôrças em lamentações e desalentos ?
Pág. 80- Nada de intrusos na família ! Bom con­
selho. Mas cumpre haver, mais do que perspicácia, u m
zêlo disciplinado e calmo para êonhecer quem-parente
ou amigo - merece a classificação de intruso.
l Quem pode dar essa perspicácia a êsse zêlo ?

A educação ? Sem dúvida.


Mas a educação não é tudo, se tanto fraquejam os
princípios.

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 217

Formemos b o a s donas de casa, isto é, consciências


dirigentes, se n ão queremos que, con'\lencidas do de'\ler
de expulsarem da sua \lida interior os '\lerdadeiros
intrusos, não descambem, grotesca e injustamente, e m
femininos pessimi stas, martírio de todos os seus.
Pág. 88 - Portanto nada de intimidades com vizi­
nhos ! Salvo o de'\lido respeito, restringiremos assim :
Nada de intimidades com ninguém estranho ao lar • • •

e amizade para os verdadeiros amigos.

Ora o amigo verdadeiro, mesmo quando nosso


'\lizinho, sabe que a boa amizade nunca é i mportuna,
n e m b i sbilhoteira, nem despótica : respeite a \lida li'\lre
e tranqüila das pessoas que preza. Não as obsidia com
'\lisitas excessi'\las, nem com a forçada compartilhação
na vida íntima.
A verdadeira amizade é quási sempre manifestada
por uma conVi'\lên cia delicada que receia parecer ou
espionagem, ou abuso, ou exploração da bene'\lolência.
Pág. 96 - Não, porque o hábito de contradizer é
de-veras insuportável. lnsuportá'\lel e, mais do que isso,
absurdo.
Paulo Combes toca neste ponto depois de verberar
outro flagelo da \lida em sociedade - a pretenciosa e
impertine.nte zombaria.
Pois, se o pendor e hábito de zombar cria e'\liden­
temente desgostos, dissenções e até ódios, a monoma­
nia, tão vulgar, da contradi ção a cada passo destrói
por completo o salutar amor da convivência.
E em Portugal é freqüente o contraditar por cos-

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218 0 LlV�O DA DONA Df CASA

tume e gôsto. Contradizer por sistema ainda é, entre


nós, prova de originalidade e superioridade. Porquê i'
Porque no nosso meio predomina o amor das exterio­
ridades, a preocupação mórbida da evidência, sejam
quais forem os seus meios.
E tanto isto é radicado, constitucional, que predo­
mina singularmente na própria vida legislativa, a qual
- segundo parece - n ão devia beneficiar homens, mas
i deas, condignamente servidas por boas e puras leis.

Conhecem o nosso actual parlamento. Com excep­


ções escassas, cada legi slador, cada espírito de con­
tradição. Por isso lá, a rigor, não se discute : impugna-se
sempre tôda a opinião . . . que não é nossa.
Legisladores, por sinal, tem havido que, assim es­
sencialmente contraditares, não fazem ou propõem
leis : pregam partidas, ou tentam pregá-las a quem
discorda dos princípios que êles a capricho perfi­
lharam.
E, afinal, admiram-se do que o parlamentarismo se
Vá convertendo numa fonte de discórdias e palavras
vãs !
Pág. 107 - Infelizmente hoje os governantes, que­
rendo conservar o poder, não procuram desenvolver
as correntes de simpatia entre os diversos elementos
da sociedade.
Verdade basilar. Não se fomenta a discussão digna
e calma : todo o discordante é como que ensinado a
odiar quem não pensa como êle.
Isto em geral. Em particular, ensina-se que o rico

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇAO 219

é i nimigo fatal do pobre, que o sábio é mistificador


irónico do ignorante, que o crente é i nconciliável com
o descrente. O humilde aprende a tornar-se forte à
custa de rancor, de desprêzo pelas boas maneiras dos.
que insinuam serem hipócritamente polidos e distintos,
ou primorosos por soberba.
Por outro lado, ensinam aos opulentos que todos
o s indigentes ou pobres são ladrões e bandidos, feras
mal sofreadas pelos defensores da Ordem Pública.
Convém isto de-certo aos exploradores político!,
os quais não teriam razão de existir, se todos com­
preendessem a positiva possibilidade de fraternizarem
dignamente, a-pesar-de as diferen ças de fortuna e ta­
lentos, caso pudessem atingir a sólida verdade de que,
aprimorando cada um a sua e d ucação, de-pressa desa­
pareceria a tão excessiva distância que, muito conven­
cionalmente, marca as classes.
Assim, o pedagogo e o filósofo não podem deixar
de ferir com energia a moderna polftica, os homens
que são governantes pela simples mistificação de recla­
mações às vezes justas, lógicas, luminosas.
No dia em que cada um veja quanto é possível
conqui star a posse dos direitos, imitando os mais pri­
morosos no cumprimento de deveres, cessará a verda­
deira alucinação de se pretender que o infortúnio das
classes devem andar ligadas ao desespêro nevrótico, à
grosseria de maneiras, palavras e costumes, à ingestão
d o alcool que inspira as crispações da mão no cabo
da navalha ou da faca, às propagandas da arruaça, do

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220 0 LIVRO DA DONA DE CASA

saque, da chacina, da intolerância, do sacrilégio -


frutos negros dos manejos, conscientes e incon scien­
tes, da aluvião de pigmeus que em tantos países são
senhores do poder.
É absurda a tendência de se considerar
Pág. 109 -
a riqueza como prooa do nosso talento e da nossa

coragem moral. Nada temos que acrescentar ao que,


sôbre o assunto, diz Paulo Combes. Notaremos apenas,
c orno observação relativa ao meio português, o se­
gui n t e caso de-veras típico e nada invulgar, na sua
essência, em Portugal.
É numa aldeia da Beira. Trata- se de organizar uma
liga de melhoramentos regionais e locais. Estão em
assembleia alguns patriotas. Lembram vários nomes.
Vão aprovando. Tendo esquecido o nome do mais ilus­
trado conterrâneo, alguém o lembra num rasgo de
ju stiça.
O cidadão X . . , porém, opõe-se furioso. Todos
.

estranham a hostilidade. Mas X., com um riso irónico


explica-se logo : - l Então os senhores não vêm que é
um homem que ganha apenas dez tostões por dia ?
i Que diacho de inteligência é a dêl e ?
� ste respeitável X fôra indigente. Depois, her­

dando dum tio, aparecera rico. E, a-pesar-de não saber


ter, logo que enriqueceu, ficou convenc ido de que era
ilustrado . . . até poeta.
Assim, tendo o apelido de Ta vares, fêz-se imortal
numa quadra sua que mandou gravar numa coluna do
portão da sua quinta.

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NOTAS DO �E.VISOI{ DESTA T�ADUÇÃ.O 22 1

Essa quadra é digna d ê l e . . . e de todos que, por


serem ricos, possuem todos os talentos e virtudes.
É como segue :

Esta quinta e mais coisas várias


Como tanques e lagares,
E necessárias,
É do proprietário Tavares.

Ora, é claro, se tais homens podem ter tais pre­


·
tenções no nosso meio, é porque abundam os traba­
lhadores, até das artes liberais, que transigem e m
demasia com tantos super-homens . . .
Pág. 125 - Porque, afinal, a escola é 11m lagar de
passagem . Só a família é o nosso abrigo permanente.
Assim deveria ser. Mas conseguem as famflias
hoje, infelizmente o contrário. Por falta de princípios,
de energia, de fé, o lar é o lugar de passagem, a com o
que hospedaria, e também o sacrário desacreditado d e
velharias, q u e são e scarnecidas na escola e depois n o
botequim . . . Todo o menino moderno sabe mais d o
que s e u s pais e avós, e nenhum dêsses prodígios passa
em casa mais tempo do que o preciso para comer, dor­
mir . . . ou estar doente.
A sua casa é que é o lugar de passagem, e com a
agravante de ser uma Bastilha, uma Penitenciária e,
ainda, o centro de reilnião de alguns vélhos maçado­
res, cheios de manias pelo Passado.

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22!:! 0 LIV�O DA DONA DE CASA

E as donas de casa concordam, na sua maioria.


Dadas as ordens aos criados, saem para a rua a fazer
"isitas e a mostrar o cosmético da pele acetinada.
Donde a onde, passam por elas o s filhos, fumando o
seu charuto e cantando a Internacional . . . E elas sor­
riem. i Muito desenvolvidos e espertos são os seus
filhos !
Efectivamente, se são aQarquistas formidáveis, já
se embebedam e jogam a roleta, livres como as aves e
os ventos.
1 25 - O ensino escolar forma oerdadeiros
Pág.
rebanhos, joguetes dos acontecimentos. A instrução
famillal dá os homens livres, as fortes individuali­
dades.
é O ensino escolar forma verdadeiros rebanhos ?
Sem dúvida, quando tem por fim pertinaz destruir tudo
quanto os alunos receberam do ensino do lar.
Mas é perfeitamente lógico.
é Que ensina o lar ? O respeito e o amor, a fé e a

honra. Ora nenhum dêstes sentimentos favorece o


suposto lib ertário que, julgando pregar a emancipação
colectiva e individual, apenas serve de degrau aos
a mbiciosos ou se 'Vai habilitando a mistificar todos os
oprimidos e infelizes.
Verdadeiros rebanhos; pois, dá tal ensino : reba­
nhos ou de inconscientes que se j ulgam libérrimos, ou
de hipócritas que se julgam super-homens.
E, afinal, os próprios super-homens não passam
de rezes humanas, dignas de se incorporarem num re-

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 225

banho, porque são escravos fatais de Vícios e delírios


que os infelicitam, por mais que os acariciem com pas­
sageiros destaques.
O homem verdadeiramente livre não tem vícios,
não é hip ócrita, não sofre torturas de ambição desme­
dida nem sobressaltos de popularidade vã.
Nunca sofre a maior escravidão humana : a do re­
morso, a da insatisfação pungente consigo próprio.
Assim, a instrução familial, dentro da sua pureza
e grandeza, seria o saneamento certo da vida colectiva.
e a melhor base do individualismo cristão.
Mas - à puridade - t quantos chefes de família
podem compreender h oj e verdades destas ?
t Quantos se preocupam a rigor com o destino dos
filhos, se êles - pais degenerados - aproveitam todos
os pretextos para ali'lli arem as suas mais sa�radas
responsabilidades ?
Alijam-nas êles a cada passo. t Que admira que o
Estado as chame a si, con'llertendo-as em armas
egoístas ?
t Que admira, numa pala'll ra, o quanto abundam o s
escravos, quando tanta gente se julga li'llre dentro d a
maior incompreensão de direitos e de'll eres í' t E para
tantos males ha'll erá outro remédio que não seja a pro­
funda cristianização da sociedade ? l E, emfim, para
essa cristianização, será bastante pregá-la platônica­
mente, esperando, num lugubre ripanço, o ad'll ento de
melhores dias ?

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224 0 LiVRO DA DONA DE CASA

Respondam os práticos, porque demais terão falado


os te óricos.
H á uma pletora de palavras sôbre os factos.
Venha a acção oportuna, e tudo terá remédio e
redenção.
É, pelo menos, o que pensamos e sentimos.
Pág. 1 24 - Primeiro que tudo, notaremos já o que
mais tarde esperamos desenvolver : isto é, que o desen­
volvimento intelectual e moral deve ser acompanhado
rigorosamente pelo desenvolvimento físico, não ha­
vendo nada mais nocivo ao funcionamen�o m oral da
alma do que a falta da saúde do corpo.
Nada mais incontestável. Desenvolver o espírito
com prejuízo do corpo é o mesmo que excitar demais
a chama, a ponto de fazer estalar a lâmpada . . . o que
apaga depois a mesma chama.
Com o corpo enfêrmo, o trabalho mental é sem·p!e
ruína, desequilíbrio, pelo menos.
O trabalho deixa de ser normalidade funcional
para obedecer a arrancos de excitação, sempre corro­
siva e anarquizadora. Pode haver produtos extrava­
gantes, por vezes surpreendentes : o que não há é a
metódica valorização duma consciência perfei ta.
Os prodígios afirmam-se freqüentemente dentro
de organismos enfermiços, mas esses prodígios só de
relâmpago são úteis à humanidade e, quási sempre,
mais produzem coisas fantásticas e requintadas do
que obras sólidas, puras, duradoiras.
Assim, abundam singularmente os prodígios, e a

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NOTAS DO Rf:VISO!it DESTA TRADUÇAO 225

humanidade cominho lentomente. É que os prodlgios


não dão edifícios, dão fontasmagorias brilhantes.
Mas a abundância de prodígios vem de-certo da
deseducação física principalmente. Os pais anelam ter
nos filhos precocidades extravagantes. Isto em geral.
Geral também é a ânsia de se compensar de-pressa
tempo e dinheiro, batendo palmas os pais ao verem os
filhos diplomados numa idade em que deveriam, por
assim dizer, começar os seus estudos.
Serão doutores doentios em tudo, de curta vida, e
desequilibradas faculdades. Não poderão ter - porque
a morbidez lho inibe - o saüdavel equilfbrio mental e
moral que fa:r: as consciências elevadas. c! Que i mporta
isso aos pais, lisonjeados na sua vaidade, e embora o
povo lhes ensine o verdadeiro caminho em proló­
quios como êste : - A ntes burro vivo do que sábio
morto ?
Assim a educação física é detestável, e sempre
posta em segundo lugar.
c! Para que servem a gimnástica, o bom regime ali·
m entar, a higiene, se, acima de tudo, urge ter certidões
de exames, entrar cêdo nos cursos superiores, ganhar
dinheiro e fazer figura ?
O que é prático é ter posição de-pressa. c! Será o
posicionado um infeliz ou um cidadão nocivo, fugindo,
por sinal, para a política, a ver se ela lhe dá um sana­
tório vistoso e pingue, sanatório ideal porque ainda
por cima paga aos enfermos ? Que tem isso ? Os pais
cumpriram o seu dever, fizeram sacrifícios, e nada têm

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226 Ü LlV�O DA DONA DE CASA

com a saúde dos filhos, porque - é preciso notar -


êles são como o acaso os trom,e.
Quanto à sua saúde moral, nem falemos.
Cada um arranja-se e bem tolo é quem tem escrú­
pulos - dizem êles.
M uito bem. E aqui está como tantos sêres raquíti­
cos albergam almanaques ambulantes e conferências
de via reduzida.
Valetudinários em tudo, mas predominantes . . . com
o aplauso de famílias e povos.
c Valerão a tudo isto um dia as donas de cas a ?
Pág. 127 - Como desde o principio vimos dizendo,
tudo depende de método, ordem, esp{rito organizador
e actividade.
Verdade pura. Verdade geral, aliás.
Método ! Mas o método supõe u m plano íntegro,
sólido, consciencioso. c Como há-de haver êsse plano
sem a boa saúde mental, moral e física das próprias
donas de casa ? c Não são elas, em muito, produtos
fatais do meio, estragado, pouco a pouco, pela falta
de fé, pela falta de princípios ?
Método ! Mas - pelo menos, em Portugal - o mé­
todo é o pavor e o tédio de quási todos. Trabalhadores
eminentes fracassam aqui todos os dias com horror ao
m étodo, o que nos leva a crer que êsse horror já é
atávico, e que, portanto, nos resulta da preversão men­
tal das melhores donas de casa.
São fréqüentes os factos. Não padecemos, tanto
como se diz, da falta de ini ciativa.

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NOTAS DO R.EVISOR. DESTA TR.ADUÇÃO 2Z7

A nossa raça é prejudi cada bem mais pela falta


de método.
Conhecemos um im portante lavrador que teve, por
exemplo, um di a a boa ideia de adquirir uma debulha·
dor a de trigo, pondo-a ao serviço da sua região. Afluíram
os alqueires, ganhando o lavrador boa percentagem.
Mas, acabada a debulha, o lavrador esqueceu-se da má·
quina que ficou ao ar livre, e lançou-se noutra emprêsa.
A debulhadora, passado tempo, estava inutilizada pela
ferrugem, o que levou ao lavrador tudo quanto ela ga.
nhara, e até a palha, que se esqueceu de enfardar e re·
colher, lhe apodreceu à chuva, aumentando o prejufzo.
t Porque é que o activo lavrador, em vez de ga­
nhar, perdeu tanto ? Pelo seu horror ao método. Se
tivesse método, valorizaria por completo o empreendi·
mento da debulhudora, e não se abalançaria a uma
nova obra sem ter colhido tudo quanto solidamente
lhe dava a primeira.
Isto prova doença, se não física apenas, mental e
até moral, mas caracterizada essencialmeute pela falta
de método.
E êste homem não se prejudicou só a si, prejudi·
cou todos que êle guia ou dirige, dando-lhe péssimalil
sugestões, e prejudicou tôdas as demais iniciativas,
conven cendo-as de que o meio lhes é hostil.
t Febre de lucro ? t Excessiva ânsia de actividade ?
Tudo isso, afinal, vem do primeiro leite, da falta de
educação da vontade, porque não é en ergia verdadeira
a agitação desenfreada.

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0 LlVR.O DA DONA DE CASA

Ordem ! Ninguém a pede tanto como o português.


e poucos a terão menos, começando, na verdade, pelo
lar.
Digamos tudo : rara é a gaveta bem arrumada. A
boa dona de casa, a cada passo, acha entre nós just()
que os vestidos exteriores sejam preferidos, em assei()
e conveniência, às roupas interiores. Dispensa-se uma
toalha lavada. Não se dispensa um par de botinas de
polimento.
A sala de visitas deve impor-se pelos estofos e·
cortinados, embora o cotão ainda se amontoe debaixo
dos tapêtes. O quarto de dormir é que pode ser inte­
rior, fazendo-se a cama à noite. E anda tudo em ordem.,
a-pesar-das !oiças partidas, das camisas sem botões,
porque, quando saem à rua, é o luxo que faz o pasm()
dos vizinhos.
E assim, raro é o trabalhador que respeita a ver­
dadeira ordem. A carteira é tudo que possa receber
papéis ou dinheiro. Tudo serve de cabide ou escreva­
ninha. Acumulam-se cartas a que se não dá im ediata
resposta, e depois há pasmo com prejuízos e desgos­
tos. São ao acaso as horas das refeições, e o estômag()
sofre, o que prejudica a actividade. Para se ganhar
tempo, não se faz o simples exercício do passeio, ()
que condena o trabalhador a produzir mal e dolorosa-·
mente, atraindo o médico, a farmácia, o prejuízo, pois,
n o andamento dos negócios.
Mas ninguém, como o português, para falar na . . •

ordem.

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NOTAS DO R.EVISOR DESTA TRADUÇÃO 229

Espírito organizador ! Estão vendo qual será : ber­


ros, ordens, logo contra-ordens, trabalho por simples
palpites, instabilidade de planos, agitação infecunda,
febre nociva, a anarquia irremediável.
Actividade ! É a que pode supor-se : uma constante
vibra ção mórbida, cortada de fatais colapsos i mobiliza­
dores, mau humor em vez de energia, sofreguidão em
�ez de método, perturbação em vez de ordem.
Mas tudo isto vem dos nossos lares, como o pensa
com justiça Paulo Combes. A triste verdade é que tais
defeitos são fundamentalmente os das donas de casa,
e em Portugal com intensidade pavorosa.
Assim, entre nós, são raras as donas de casa que,
como aponta Combes, auxiliam os maridos no comér­
cio, n a indústria, etc , pelo menos, as que o fazem,
mostrando a vida do lar na ordem e alegria desejáveis.
O que nós temos, sim, e mais do que a França e a
Alemanha, é feministas de colarinho, faladoras como
fonógrafos.
Pág. 1 28 - Há circunstâncias em que a intervenção
da mulher nos negócios do seu marido é, mais do que
ocupação acessória, uma absol11ta necessidade.
Há, sem dúvida. Mas, por ,ia de regra, no nosso
doce Portugal, a m ulher que intervém nos negócios do
marido é . . • a que não sabe tratar das miüdezas da
vida doméstica. É, em geral, a cruel doutora que toma
a peito ser homem, ensinando a o seu homem o que ela
nunca aprendeu senão na fantasia.
Essa mulher, impossibilitado o marido por qualquer

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0 LlVR.O DA DONA DI! CASA

causa, e depois de o atormentar com \lerrinas estéreis


emquanto êle foi útil, atira-se à \lida prática como S.
Tiago aos moiros, o que equi\lale quási sempre a dar
cabo de tudo entre gritarias e apóstrofes que ensurde­
cem os melhores ou\lidos.
l De quem é a culpa ? De nós todos, e só a propó­
sito de o confessarmos, somos tão rudemente sinceros.
Temos ensino para tudo. O que n ão temos é um Curso
de donas de casa e praticado austeramente na \lida
tradicional e, portanto, positiva, das famílias.
Porque assim é, talentos como Combes escre\lerão
belas páginas e \lerão que a sociedade prefere ao de­
\ler e utilidade de lê-las o romance-folhetim, ou o ale­
s;tre extracto das redondas orações despejadas n o
hemiciclo d e S. Bento . . . ou d a s casas similares d a
\lida política da Europa . . .

Pág. 1 48 - julgamos útil esta citação para res­


pondermos à objecção que, muitas vezes, temos ouvido
formular assim : há uma espécie de pequenez de espí­
rito no homem, que tendo bastantes haveres, se preo­
cupa minuciosamente com as mínimas despesas; Muito
bem. São, na \lerda de, as muitas pequenas despesas que
produzem as grandes. Mas há que notar o caso fre­
qüente de muitas donas de casa caírem no absurdo de
pequenas despesas, não trepidando diante
e\litar só as
de m uitasgrandes. Queremos referir-nos em geral aos
que administram segundo a frase popular : poupados
no farelo e desperdiçados na farinha. Grande flagelo
é sempre tal administração . . . até política.

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 251

Em{im, o ideal é sermos nós os proprie­


Pág. 159 -
tários da casa que habitamos. Êsse é que é, rigorosa­
mente, o lar doméstico, o património da famllia, que
nunca dev(amos poder vender, como em diversos
países é prescrito por lei. Entretanto, não é essa a m o­
derna e \'ulgar tendendo. Nada mais nos comove e en­
che de esperan ça na reconstituição do poder familiàl,
do que o ouvirmos o trabalhador, que sinceramente
suspira por uma casa sua, com a sua horta e o seu
poço, um domínio simples, arejado, confortável. Ê ste
trabalhador é forçosamente hon esto, amigo do traba­
lho, da ordem, da família. Ama, como nenhum, pelo
solo, pelo bem-estar dos seus e de todos os concida­
dãos.
Mas, actualmente, cada vez se sente menos assim.
Sob o pretexto de que o que nos agrada hoje pode
amanhã desagradar-nos, pratica-se a in stabilidade de
domi cílio, quando sendo êste herdado, seria amado
como o melhor da vida dando-nos a herança material
muito de herança moral - amor das tradi ções de famí­
lia, horror a caprichosas e nocivas emigra ções, etc
E não nos argumentem com o progresso. O traba­
lhador, por amar um lar de-veras seu, não é obrigado
a ser ou rotineiro ou acanhado de vistas. Ampliá-lo-á
livremente, se tem ilustração para isso, o que será b e m
m e lhor d o q u e emigrar a cada passo, ficando ignorante
e, ao mesmo tempo, desinteressado de todos os domi­
cílios que teve. E que quem muda fàcilmente de domi­
cílio, fàcilmente muda . . . de pátria. Ora mudar de pá-

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252 0 LIVRO DA DONA De CASA

tria por capricho e indiferença não é, menos do que


arruí'n ar as nacionalidades. Grande pátria é de-certo, a
Humanidade, mas só quando as diversas pátrias são
fortes e felizes. j á o mesmo acontece com a Pátria.
É, de-certo, uma grande Família, mas só quando são
fortes e felizes as diversas Famílias que a constituem.
164 - E o que dizemos da estabilidade do
Pág.
domicflio, igualmente o dizemos quanto à mobilia.
Deve evitar-se o provisório. Infelizmente, e como
Paulo Combes logo o nota, nem todos podem adquirir
um mobiliário definitivo. E assim as circunstâncias
obrigam o desprovido de recursos a êste absurdo : a
gastar mais do que aquilo que deve, pois que, pela
\lida adiante, as exigências do que é provisório dão,
somadas, muito maior despesa do que lhe daria o
definitivo, se logo no principio da vida o pudesse
adquirir.
Neste singelo aspecto, porém, está um problema
sc.cial. O capitalista, se visse com nitidez a vida do
trabalhador, o u antes, tudo que origina as suas m ais
ardentes reclamações, seria o primeiro a con correr,
tão justiceira como hàbilmente, para que o proletário
tivesse duas coisas definitivas : a casa e a mobilia.
Como não h á visão tão progressiva e inteligente, o
capitalista sorri-se a êsses alvitres, e o trabalho con­
tinua revoltado, imperfeito e às \lezes estéril. Na pró.
pria Inglaterra, onde o capitalismo atingiu um elevado
senso prático, é ainda o provisório a perturbadora fór­
mula da vida trabalhadora.

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 233

Pág. 1 64 - Não se conforma com as coisas efé­


meras a nossa alma que é tão ávida de seglll'ança.
Outra verdade basilar. A incerteza é causa fatal
de tibieza e de imperfei ção. A incompleta posse de di­
reitos leva à irritada má vontade na práti ca de deve­
res. Tudo que é mudável, ou ameaça mudança, inspira
desinterêsse por um lado e s ôfrega ambição por outro.
É natural o desamor por aquilo q tie ameaça fugir-nos.
É natural o excesso da ambição na colheita de tudo
q ue pode dar um campo que, de-repente, deixará de ser
nosso.
Neste desamor e cupidez excessiva, mas como que
defensiva, poderfamos basear a essência de tôda a
questão social.

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f N D I C E

PAG.
Prefácio e plano geral da Biblioteca da mulher . v
Introdução 11

PRIMEIRA P ARTE - Organização moral do lar do-


m�� . �

Cap. I - I m portância duma organização moral


do lar doméstico . . 31
Cap. 11 - A atracção do lar doméstico 59
Cap. IIJ - As relações exteriores . 77
Cap. IV - Organização da educação . 1 15
Cap. V - Outras tarefas eventuais da Dona de
Casa . 1 27

SeoUNDA PARTE - Organização material do lar


doméstico 155
Cap. 1 - Organização financeira do lar domés-
ti� IM
Cap. 11 - Condições de uma boa administração
doméstica 1 45
Cap. III - Escolha e aquisição d a habitação e
mobiliário 1 57
Cap. IV - Organização da alimentação nas re-
feições 167
Cap. V - Organização do . vestuário. Cuidados
com o corpo 1 79·
Cap. VI - Organizações diversas • 189
Conclusão 1 99
Notas d o revisor desta tradução . 205

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