BACHELARD, Gaston francês Gaston Roupnel (1872-1946) em um
A intuição do instante de seus mais importantes estudos – chamado 1ª Ed. Campinas: Verus, 2007 Siloë – que propõe o olhar sobre a História numa perspectiva de tempo descontinuada, em instantes. Para Roupnel a verdadeira re- Wanessa Canellas alidade do tempo é o instante. Esta proposta opõe-se explicitamente à teoria do filósofo O grande pensador francês Gaston Henri Bergson (1859-1941) que trata do Tem- Bachelard (1884-1962) é bastante conhecido po como contínuo e um “todo” em si mesmo. e renomado no mundo das ciências humanas A teoria bergsoniana é extremamente bela e por sua pungente produção científica acerca complexa e é por Bachelard tratada com pro- das questões epistemológicas e metodológi- fundo respeito, ainda que ele discorde do filó- cas da filosofia contemporânea. Inconforma- sofo – em alguns trechos até com uma acidez do com o racionalismo que imperava em sua incomum – no que tange ao conceito da dura- época – herdado dos séculos XVIII e XIX ção, da continuidade do Tempo. Bergson trata – Bachelard valorizou a imagem poética das o Tempo como um todo, como uma duração coisas e pôs o viés imaginativo a serviço do contínua – um virtual que se atualiza a cada pensamento. Talvez por isso, por tanto tem- contração – e acredita que o presente é ape- po, tenha sido considerado como um filósofo nas um grau mais contraído do passado, não “sem rigor”, a partir da perspectiva de cienti- existindo verdadeiramente; para ele o instante ficidade proposta por Husserl que predomina- é apenas uma abstração, desprovida de reali- va nos meios acadêmicos de então. Boa parte dade. O que pode ser entendido como o “ins- de sua obra – incluindo alguns de seus livros tante” bergsoniano é o momento em que, no mais famosos como: A Poética do Espaço, A emaranhado dos significados que perambu- Poética do Devaneio, A Água e os Sonhos e lam no “todo”, a consciência elege um ponto O Ar e os Sonhos – é permeada por palavras dentro dessa densa névoa que condense uma (e conceitos) que fogem ao lugar comum: expressão compreensível, compatível com o sonho, devaneio, poética, alquimia, tempo, tempo externo e mecânico compartilhado pe- imaginação. A riqueza de Bachelard consiste las pessoas, permitindo assim um significado fundamentalmente em trazer para sua produ- único, uma contração, uma criação. Se para ção intelectual um duplo projeto: o aspecto Bergson – na sua concepção de Tempo – o “diurno” da sua obra – onde se inscrevem os que existe é apenas o passado, mais contraído conceitos mais ligados à epistemologia – e o ou mais distendido dentro deste tempo virtual aspecto “noturno” – onde aparece a comple- e que se contrai para o ato da criação, para mentaridade dos eixos da poesia (e do sonho Bachelard o Tempo é composto por uma su- – e posteriormente do devaneio) e da ciência. cessão de instantes descontínuos. Segundo o Ao aproximar os dois aspectos, Bachelard de- próprio Bachelard essa sua “conversão” a um monstra que a cisão entre razão e imaginação novo modo de encarar o Tempo se dá a partir fica bem clara se utilizarmos a via racional; da publicação dos estudos de Einstein sobre a se usarmos a via onírica, a razão e a imagina- Teoria da Relatividade – já que o físico vê o ção se articulam, se interpenetram e se tornam instante como um átomo temporal, ou melhor, complementares. como a menor partícula real do tempo. Em “A Intuição do Instante” o autor desenvolve (e amplia) a idéia do historiador A INTUIÇÃO DO INSTANTE / Wanessa Canellas 333
Bachelard mostra-se um leitor de- progresso não se dissipam na descontinuida-
dicado e atento as teorias de Bergson. A par- de do tempo; eles ganham força e uma nova tir da demonstração de alguns dos principais dimensão. conceitos da filosofia bergsoniana – duração, O grande mérito deste livro é trazer criação, impulso vital – ele desenvolve e à tona a discussão entre dois grandes pensado- alonga a tese de Roupnel refutando que “a res sobre o conceito de Tempo. Com suficien- duração não passa de um número cuja unida- te clareza e fluidez na exposição de seu ponto de é o instante”. Segue afirmando que a du- de vista, Bachelard nos presenteia com uma ração não tem força direta – já que não é em forma delicada de escrita e reafirma o caráter si representativa de um ato – e que o tempo universal de seu texto. A Intuição do Instante real só existe verdadeiramente pelo instante é uma verdadeira pérola bachelardiana e pode isolado, esse sim, acontecendo inteiramente ser uma boa oportunidade para se conhecer o no presente, no ato. O autor propõe – na mes- autor ou aprofundar-se nos caminhos da filo- ma corrente de Roupnel – que os hábitos e o sofia.
Wanessa Canellas é socióloga e doutoranda do programa de Pós-Graduação em Me-
Sincronicidade e entrelaçamento quântico. Campos de força. Não-localidade. Percepções extra-sensoriais. As surpreendentes propriedades da física quântica.