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Ou isto ou aquilo Cecflia Meireles ilustragées Thais Linhares 6 edigdo 11° impressaio A Eprrona NOVA FRONTEIRA © para edigdes em brochura, no Brasil, para vendas em livraria, pontos alternativos, credirio e reembolso postal no Brasil, Portugal ‘e demais paises de lingua portuguesa, cla Eorrowa Nova FRONTERAS.A. © para quaisquer outras modalidades de edicdo, reproducao & utilizagdo atualmente conhecidas ou que venhamaserfuturamente desenvolvidas, do Condom{nio dos proprietérios dos direitos de Cecilia Meireles Direitos cedidos por Solombra Books (solombra@solombrabooks.com) Todos 0s direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, sejaeletrOnico, de fotoc6pia, sravagio etc, sem a permisséo do detentor do copirraite. Enron Nova FRONTEIRAS.A. 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Sumario @presentagao (Que vocé pode pular), 8 Primeixa parte @olar de Carolina, 13 Bescaria, 14 PiCoda da menina trombuda, 15 © cavalinho branco, 16 Gogo de bola, 17 Santa tinta, 18 Golhas, 19 Seildo de jardim, 20 Rio na sombra, 22 Os carneirinhos, 23 @bailarina, 24 © mosquito escreve, 26 @lua é do Raul, 28 Sonhos da menina, 29 Rémulo rema, 30 © menino azul, 31 @s meninas, 33 © ultimo andar, 35 @s duas velhinhas, 36 Ou isto ou aquilo, 38 Segunda parte @ flor amarela, 43 © vestido de Laura, 44 Uma palmada bem dada, 46 @ chécara do Chico Bolacha, 49 @avé do menino, 51 Cangao da flor da pimenta, 52 Para ir & Lua, 54 Lua depois da chuva, 55 Sigurinhas, 56 Passarinho no sapé, 59 @ pombinha da mata, 61 9 sonho e a fronha, 62 @ lingua do nhem, 63 © menino dos ffe rr, 65 Cangao de Dulce, 66 Qla sacada da casa, 67 Cantiga para adormecer Ltilu, 68 @folha na festa, 71 Cantiga da babé, 72 &nchente, 73 © chao eo pao, 75 §ardim da igreja, 76 Cancao, 77 Roda na rua, 78 Procissao de peliicia, 79 Pregao do vendedor de lima, 81 © tempo do temporal, 82 Sonho de Olga, 83 O violao e 0 vilao, 85 @égua ea agua, 86 Rola a chuva, 87 © lagarto medroso, 88 Uma flor quebrada, 90 Os pescadores e as suas filhas, 91 O eco, 93 © Santo no monte, 94 @presentacao (Que vocé pode pular) ma vez, em uma escola, uma menina, de uns cinco anos, chegou toda aflita e me perguntou: — Foi vocé que colou as palavras nos livros? Uma professora apareceu e mandou a menina voltar para a sala, mas a pergunta ficou ali na minha frente em forma de historia: O escritor, belo e faceiro, sentado a mesa, com um pote de palavras e um pote de cola diante dele. Ele pega uma palavra, passa a cola e gruda no papel. Uma a uma ele vai colando. Depois, no final, ele dé uma assopradinha, para as paginas nao grudarem, € o livro esta pronto! S6 que, pensando bem, existem certos escritores que usam uma cola muito fraca e af, quando o leitor vira uma pdgina, as palavras vao se soltando e caindo em cima dele. O leitor fica todo cheio de palavras nas mos, no colo, no corpo todo. Ou isto ou aquilo é um livro assim. E um livro de poesias que gruda na gente. A Cecilia Meireles é uma poeta que nao cola bem as palavras, e af elas cismam de cair e bailar na nossa cabega. Ou isto ow aquilo é um desses livros para gente morar dentro e ficar na ponta do pé com a Bailarina, tomar chocolate com a Marina e a Mariana, emudecer com a Menina Muda, ver o vestido de Laura antes que acabe, brincar na rua com o Raul Luar, procurar alguma coisa na chacara do Chico Bolacha e tudo isso no tiltimo andar, porque de la se avista o mundo inteiro. A Cecilia fez poemas falando das coisas simples da vida: da bola, do vestido, da rua, da lua, do jardim, da amizade, da morte, dos nossos medos e das nossas dtividas. So poemas bons de falar porque brincam com os sons das palavras e de repente viram miisica como o Grupo Hombu descobriu. Ou isto ou aquilo 6 um livro classico no porque foi editado ha muito tempo, mas porque os poemas parecem que foram feitos agora, ou melhor, colados agora pela Cecilia. E como a cola nao era muito boa, os poemas se soltam das paginas e sobem pelos ares. E vocé? Quer subir pelos ares ou ficar no chao? Agora 6 s6 abrir as paginas deste livro e decidir! Se ¢ isto ou aquilo. Luciana Sandroni parte @olar de Carolina Com seu colar de coral, Carolina corre por entre as colunas da colina. O colar de Carolina colore o colo de cal, torna corada a menina. Eo sol, vendo aquela cor do colar de Carolina, pée coroas de coral nas colunas da colina. Pescaria Cesto de peixes no chao. Cheio de peixes, 0 mar. Cheiro de peixe pelo ar. E peixes no chao. Chora a espuma pela areia, na maré cheia. »_ As maos do mar vém e vao, as m4os do mar pela areia onde os peixes estao. As maos do mar vém e vao, em vao. Nao chegarao aos peixes do chao. Rhian Por isso chora, na areia, espuma da maré cheia. Woda da menina trombuda Eamoda da menina muda da menina trombuda que muda de modos eda medo. yy (A menina mimada!) Eamoda da menina muda que muda de modos e jd nao é trombuda. (A menina amada!) © cavalinho branco A tarde, o cavalinho branco esté muito cansado: mas ha um pedacinho do campo onde é sempre feriado. O cavalo sacode a crina loura e comprida e€ nas verdes ervas atira sua branca vida. ; Seu relincho estremece as raizes e ele ensina aos ventos a alegria de sentir livres seus movimentos. Trabalhou todo o dia tanto! desde a madrugada! Descansa entre as flores, cavalinho branco de crina dourada! Gogo de bola Abela bola rola: a bela bola do Raul. Bola amarela, a da Arabela. A do Raul, azul. Rola a amarela e pulaa azul. A bola é mole, é mole e rola. A bola é bela, é bela e pula. E bela, rola e pula, é mole, amarela, azul. Ade Raul é de Arabela, e ade Arabela é de Raul. 7 Santa tinta Ah! menina tonta, toda suja de tinta mal o sol desponta! (Sentou-se na ponte, muito desatenta... E agora se espanta: Quem € que a ponte pinta com tanta tinta?...) A ponte aponta e se desaponta. A tontinha tenta limpar a tinta, ponto por ponto e pinta por pinta... Ah! a menina tonta! Nao viu a tinta da ponte! Rolhas Olha a bolha d’agua no galho! Olha o orvalho! Olha a bolha de vinho na rolha! Olha a bolha! Olha a bolha na mao que trabalha! Olha a bolha de sabaéo na ponta da palha: brilha, espelha e se espalha. Olha a bolha! Olha a bolha que molha améao do menino: a bolha da chuva da calha! @ 19 Seilao de jardim Quem me compra um jardim com flores? borboletas de muitas cores, lavadeiras e pas- sarinhos, ovos verdes e azuis nos ninhos? Quem me compra este ca- racol? Quem me compra um raio de sol? Um lagarto entre o muro eahera, uma estdtua da Pri- mavera? Quem me compra este for- migueiro? E este sapo, que é jar- dineiro? Ea cigarraeasua cancao? E o grilinho dentro do chao? (Este 60 meu leilao!) < g \ sombrio. AR WS \ Ne O.longo som do \\ \ » Os carneirinhos ao Todos querem ser pastores, - quando encontram, de manha, os carneirinhos, enroladinhos como carretéis de 1a. Todos querem ser pastores e ter coroas de flores eum cajadinho na mao e tocar uma flautinha e soprar numa palhinha qualquer canc¢ao. Todos querem ser cantores quando a Estrela da Manha brilha s6, no céu sombrio, e, pela margem do rio, vao descendo os carneirinhos fr; como carretéis dela... 49 a Ce @bailarina ww Esta menina tao pequenina quer ser bailarina. Nao conhece nem dé nem ré mas sabe ficar na ponta do pé. Nao conhece nem mi nem fa mas inclina 0 corpo para cé e para lA. Nao conhece nem 1é nem si, mas fecha os olhos e sorri. Roda, roda, roda com os bracinhos no ar e no fica tonta nem sai do lugar. Pée no cabelo uma estrela e um véu e diz que caiu do céu. 24 3 Esta menina tao pequenina quer ser bailarina. Mas depois esquece todas as dangas, e também quer dormir como as outras criancas. © mosquito escreve O mosquito pernilongo tranga as pernas, faz um M, depois, treme, treme, treme, faz um O bastante oblongo, fazum S. O mosquito sobe e desce. Com artes que ninguém vé, faz um Q, faz um Ue faz um I. Esse mosquito esquisito cruza as patas, faz um T. Eat, se arredonda e faz outro O, mais bonito. Oh! ja nao é analfabeto esse inseto, pois sabe escrever seu nome. Mas depois vai procurar alguém que possa picar, pois escrever cansa, nao é, crianga? E ele estd com muita fome. 27 @lua é do Raul Raio de lua. Luar. Lua do ar azul. Roda da lua. Aro da roda na tua rua, Raul! Roda o luar na rua toda azul. Roda 0 aro da lua. Raul, a lua é tua, a lua da tua rua! Alua do aro azul. Sonhos da menina A flor com que a menina sonha estd no sonho? ou na fronha? Sonho risonho: O vento sozinho no seu carrinho. De que tamanho seria o rebanho? Avizinha apanha a sombrinha de teia de aranha... Na lua hé um ninho de passarinho. A lua com que a menina sonha €o0 linho do sonho ou a lua da fronha? Romulo rema Romulo rema no rio. Aroma dorme no ramo, aroma rubra. (E 0 céu.) O remo abre 0 rio. Orio murmura. Aroma rubra dorme cheia de rubis. (E 0 céu.) Rémulo rema no rio. Abre-se a roma. Abre-se a manha. Rolam rubis rubros do céu. No rio, Rémulo rema. © menino azul O menino quer um burrinho para passear. Um burrinho manso, que nao corra nem pule, mas que saiba conversar. O menino quer um burrinho que saiba dizer o nome dos rios, das montanhas, das flores — de tudo o que aparecer. O menino quer um burrinho que saiba inventar historias bonitas com pessoas e bichos e com barquinhos no mar. E os dois sairao pelo mundo que € como um jardim apenas mais largo e talvez mais comprido € que nao tenha fim. (Quem souber de um burrinho desses, pode escrever para a Rua das Casas, Ntimero das Portas, ao Menino Azul que nao sabe ler.) @s meninas Arabela abria a janela. Carolina erguia a cortina. E Maria olhava e sorria: “Bom dia!” Arabela foi sempre a mais bela. Carolina, a mais sabia menina. E Maria apenas sorria: “Bom dia!” 33 Pensaremos em cada menina que vivia naquela janela; uma que se chamava Arabela, outra que se chamou Carolina. Mas a nossa profunda saudade € Maria, Maria, Maria, que dizia com voz de amizade: “Bom dia!” 34 © ultimo andar No tiltimo andar é mais bonito: do tiltimo andar se vé o mar. E 4 que eu quero morar. O tiltimo andar é muito longe: custa-se muito a chegar. Mas é ld que eu quero morar. Todo o céu fica a noite inteira sobre o ultimo andar. E 1d que eu quero morar. Quando faz lua, no terrago fica todo o luar. E£ 1d que eu quero morar. Os passarinhos 14 se escondem, para ninguém os maltratar: no tltimo andar. De ld se avista 0 mundo inteiro: tudo parece perto, no ar. 1A que eu quero morar: no ultimo andar, _ @s duas velhinhas Duas velhinhas muito bonitas, Mariana e Marina, esto sentadas na varanda: Marina e Mariana. Elas usam batas de fitas, Mariana e Marina, e penteados de trangas: Marina e Mariana. Tomam chocolate as velhinhas, Mariana e Marina, em xicaras de porcelana: Marina e Mariana. Uma diz: “Como a tarde é linda, nao é, Marina?” 36 A outra diz: “Como as ondas dancam, nao é, Mariana?” “Ontem eu era pequenina”, diz Marina. “Ontem, nds éramos criangas”, diz Mariana. E levam a boca as xicrinhas, Mariana e Marina, as xicrinhas de porcelana: Marina e Mariana. Tomam chocolate as velhinhas, Mariana e Marina. E falam de suas lembrangas, Marina e Mariana. 37 Ou isto ou aquilo Ou se tem chuva e nao se tem sol, ou se tem sol e nao se tem chuva! Ou se calga a luva e nao se poe 0 anel, ou se pGe 0 anel e nao se calga a luva! Quem sobe nos ares nao fica no chao, a quem fica no chao nao sobe nos ares. £ uma grande pena que nao se possa estar ao mesmo tempo nos dois lugares! Ou guardo o dinheiro e nao compro o doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro. Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... e vivo escolhendo o dia inteiro! No sei se brinco, nao sei se estudo, se saio correndo ou fico tranqiiilo. Mas nao consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo. 39 = © vestido de Laura O vestido de Laura é de trés babados, todos bordados. O primeiro, todinho, todinho de flores de muitas cores. No segundo, apenas borboletas voando, num fino bando. O terceiro, estrelas, estrelas de renda { — talvez de lenda... O vestido de Laura vamos ver agora, sem mais demora! Que as estrelas passam, borboletas, flores perdem suas cores. Se nao formos depressa, acabou-se o vestido todo bordado e florido! a Uma palmada bem dada 6a menina manhosa que nao gosta da rosa, que nao quer a borboleta porque é amarela e preta, que nao quer maca nem péra porque tem gosto de cera, que nao toma leite porque lhe parece azeite, que mingau nao toma porque é mesmo goma, que nao almoga nem janta porque cansa a garganta, que tem medo do gato e também do rato, e também do cao e também do ladrao, que nao calca meia porque dentro tem areia, que nao toma banho frio porque sente arrepio, que nao quer banho quente porque calor sente, que a unha no corta porque sempre fica torta, que nao escova os dentes porque ficam dormentes, que nao quer dormir cedo porque sente imenso medo, que também tarde nao dorme porque sente um medo enorme, que nao quer festa nem beijo, nem doce nem queijo... © menina levada, quer uma palmada? Uma palmada bem dada para quem nao quer nada! 48 @ chacara do Chico Bolacha Na chdcara do Chico Bolacha, 0 que se procura nunca se acha! Quando chove muito, o Chico brinca de barco, porque a chacara vira charco. Quando nao chove nada, Chico trabalha com a enxada e logo se machuca e fica de mao inchada. Por isso, com 0 Chico Bolacha, 0 que se procura nunca se acha. Dizem que a chacara do Chico s6 tem mesmo chuchu e um cachorrinho coxo que se chama Caxambu. Outras coisas, ninguém procure, porque nao acha. Coitado do Chico Bolacha! @ av6 do menino Aavo vive sd. Na casa da avé 0 galo lird faz “cocorocé!” A avo bate pao-de-l6 e anda um vento-t-o-t6 na cortina de fil6. Aavé vive s6. Mas se o neto menin6 mas se o neto Ricard6 mas se o neto travess6, vai a casa da vové, os dois jogam domins. 51 Cancao da flor da pimenta A flor da pimenta é uma pequena estrela, fina e branca, a flor da pimenta. Frutinhas de fogo vém depois da festa das estrelas. Frutinhas de fogo. Uns corag6ezinhos roxos, Aureos, rubros, muito ardentes. Uns coracéezinhos. E as pequenas flores tao sem firmamento jazem longe. As pequenas flores... 52 Mudaram-se em farpas, sementes de fogo tao pungentes! Mudaram-se em farpas. Novas se abrirao, brancas, deste fogo, leves, puras, muitas estrelinhas... 53 Para ir A Lua Enquanto nao tém foguetes para ir & Lua, os meninos deslizam de patinete pelas calgadas da rua. Vao cegos de velocidade: mesmo que quebrem 0 nariz, que grande felicidade! Ser veloz € ser feliz. Ah! se pudessem ser anjos de longas asas! Mas sao apenas marmanjos. 54 Olha a chuva: molha a luva. Cada gota de agua como um bago de uva. A chuva lava a rua. A vitiva leva o guarda-chuva ea luva. Olha a chuva: molha a luva eo guarda-chuva 7 da vitiva. Vai a chuva e chega a lua: lua de chuva. 5 igurinhas No claro jardim amenina chora pela borboleta que se foi embora. Ora, ora, ora, No chore tanto! Nossa Senhora! Amenina chora no claro jardim um choro sem fim. Nem 0 céu azul é bonito, agora, pois a borboleta ja se foi embora. Nao chore tanto! Nossa Senhora! | : Que choro sem fim. amenina chora no claro jardim. Ora, ora, ora! IL Onde esté meu quintal amarelo e encarnado, com meninos brincando de chicote-queimado, C com cigarras nos troncos e formigas no chao, e muitas conchas brancas dentro da minha mao? 57 E Jilia e Maria e Amélia onde estado? Onde esté meu anel eo banquinho quadrado ¢ o sabid na mangueira e 0 gato no telhado? — ea moringa de barro, e€ 0 cheiro do alvo pao? E tua voz, Pedrina, sobre meu coracao? Em que altos balancos se balangarao?... assarinho no sapé OP tem papo, o P tem pé. E oP que pia? (Piu!) Quem é? OP nao pia: oPnaoé. OP sé tem papo i Osapo nao é& iu!) £ 0 passarinho que fez seu ninho no sapé. Pio com papo. Pio com pé. Piu-piu-piu: @ pombinha da mata Trés meninos na mata ouviram uma pombinha gemer. “Eu acho que ela est com fome”, disse o primeiro, “e nao tem nada para comer”. Trés meninos na mata ouviram uma pombinha carpir. “Eu acho que ela ficou presa”, disse o segundo, “e no sabe como fugir”. Trés meninos na mata ouviram uma pombinha gemer. “Eu acho que ela estd com saudade”, disse o terceiro, “e com certeza vai morrer”. ggn2¢ $4 442 2: aa i Z gee 2s 8) gBERe gs 3 ege: 32 2) 22 Lia 2558 G Beet ge ge 22 fee, =e, = gels 2h Ge gq gate gai" & £2 2 A erent ae g @ lingua do nhem Havia uma velhinha que andava aborrecida pois dava a sua vida para falar com alguém. Eestava sempre em casa a boa da velhinha, resmungando sozinha: nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem... O gato que dormia no canto da cozinha escutando a velhinha principiou também a miar nessa lingua e se ela resmungava, o gatinho a acompanhava: nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem... Depois veio 0 cachorro da casa da vizinha, pato, cabra e galinha, de cA, de 14, de além, e todos aprenderam a falar noite e dia naquela melodia nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem... De modo que a velhinha que muito padecia por nao ter companhia nem falar com ninguém, ficou toda contente, pois mal a boca abria tudo lhe respondia: nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem... 64 O menino dos ff e rr O menino dos ff e rr € o Orfeu Orofilo Ferreira: Ai com tantos rr, nao erres! @anc&o de Dulce Dulce, doce Dulce, menina do campo, de olhos verdes de Agua de dgua e pirilampo. Doce Dulce, doce décil, estendendo @ pelo sol lengdis entre anil e vento. Décil, doce Dulce de face vermelha, doce rosa airosa a fugir da abelha, da abelha, de vespas e besouros tontos, pelo arroio de ouro de seixos redondos... "Va sacada da casa Na sacada asaca da cagada. Na sacada da casa. Ea casada na calgada. Quem se casa de casaca? Na sacada da casa a saca. Na saca, a asa. Asa e alga. Assaca da caga. Quem se alga da sacada para a calgada? A menina descalga. A menina calada. E na calgada da casa, a casada. 67 Cantiga para adormecer Ltilu Lulu, ilu, hilu, ilu, vou fazer uma cantiga para 0 anjinho de Sao Paulo que criava uma lombriga. A lombriga tinha uns olhos de rubim. Tinha um rabo revirado no fim. Tinha um focinho bicudo assim. Tinha uma dentuca muito ruim. Lulu, lulu, ilu, Iélu, vou fazer uma cantiga para o anjinho de Sao Paulo que criava essa lombriga. A lombriga devorara seu pao, a banana, 0 doce, 0 queijo, 0 pirdo. 68 A lombriga parecia um leo. E 0 anjinho andava triste e chorao. Lulu, ldlu, liu, lélu, pois eu faco esta cantiga para 0 anjinho de Sao Paulo que alimentava a lombriga. A lombriga ia ficando maior que o anjinho de Sao Paulo! (Que horror!) Mas um dia chega um ca- cador! Firma a sua pontaria, sem rumor. Liilu, lily, ldlu, ldlu, paro até minha cantiga sobre o anjinho de Sao Paulo! 69 Aespingarda faz pum pum! pim pim! O anjinho abana as asas assim. A lombriga salta fora, enfim! (E foi correndo! E tocava | bandolim!) 70 2 Sa, @ ie na festa Esta flor nao é da floresta. Esta flor é da festa, esta éa flor da giesta. — Ea festa da flor ea flor esta na festa. (E esta folha? - Que folha é esta?) Esta folha nao é da floresta. Esta folha nao é da giesta. Nao ¢ folha de flor. Mas esté na festa. Na festa da flor na flor da giesta. Cantiga da baba Eu queria pentear o menino como os anjinhos de caracéis. Mas ele quer cortar 0 cabelo, porque é pescador e precisa de anzéis. Eu queria calgar o menino com umas botinhas de cetim. Mas ele diz que agora 6 sapinho e mora nas 4guas do jardim. Eu queria dar ao menino umas asinhas de arame e algodao. Mas ele diz que nao pode ser anjo, pois todos jé sabem que ele é indio e ledo. (Este menino esté sempre brincando, dizendo-me coisas assim. Mas eu bem sei que ele é um anjo escondido, um anjo que troga de mim.) 7a &nchente Chama o Alexandre! Chama! Olha a chuva que chega! E aenchente. Olha o chao que foge com a chuva... Olha a chuva que encharca a gente. Poe a chave na fechadura. Fecha a porta por causa da chuva, olha a rua como se enche! Enquanto chove, bota a chaleira no fogo: olha a chama! olha a chispa! Olha a chuva nos feixes de lenha! Vamos tomar ché, pois a chuva € tanta que nem de galocha se pode andar na rua cheia! Chama o Alexandre! Chama! © chao e 0 pao O chao. O grao. O grao no chao. O pao. O pao ea mao. A mao no pao. O pao na mao. O pao no chao? Nao. Cancao De borco no barco. (De brucos no berco...) O braco € 0 barco. O barco é 0 bergo. Abarco e abraco o bergo e 0 barco. Com desembaracgo embarco e desembarco. De borco no berco... (De brugos no barco...) A Roda a roda do car ae Rodafa rua aroda das dangas. Procissdo de peliicia Aonde é que vai 0 praca que passa de pelica, com pressa, na praga? Ja pOr uma compressa depressa no rei da Prussia? Mas 0 praga nao sabe o prego para ir da praca a Prussia. 28 E nao ha Prissia nem praca nem peliga nem compressa nem praca nem prego nem pressa... Ha uma procissao que passa que passa na praca s6 com preces de pelticia... Pregao do vendedor de lima Lima rima pela rama lima rima pelo aroma. Orumo € que leva o remo. O remo é que leva a rima. O ramo é que leva o aroma porém o aroma é da lima. E da lima 0 aroma aaromar? E da limatima lima da limeira do ouro da lima o aroma de ouro do ar! 81 © tempo do temporal O tempo do temporal. O templo ao tempo ao ar e ao pé do temporal. Eo doente ao pé do templo. E 0 temporal no poente. Eo pé no doente. O tempo do doente. Oar, 0 pé do poente O temporal do tempo. Sonho de Olga A espuma escreve com letras de alga o sonho de Olga. Olga é a menina que o céu cavalga em estrela breve. Olga é a menina que o céu afaga e0 seu cavalo em luz se afoga e em céu se apaga. A espuma espera o sonho de Olga. Aestrela de Olga chama-se Alfa. Alfa é 0 cavalo de estrela de Olga. Quando amanhece, Olga desperta ea espuma espera o sonho de Olga, a espuma escreve com letras de alga a cavalgada da estrela Alfa. A espuma escreve com algas na 4gua o sonho de Olga... © violdo e 0 vildo Havia a viola da vila. A viola e 0 violao. Do vilao era a viola. E da Olivia 0 violao. O violao da Olivia dava vida a vila, a vila dela. O violao duvidava da vida, da viola e dela. Nao vive Olivia na vila, na vila nem na viola. O vilao levou-lhe a vida, levando 0 violao dela. No vale, a vila de Olivia velaa vida no seu violao vivida e por um vilao levada. Vida de Olivia —levada por um vilao violento. Violeta violada pela viola do vento. @éguaeadgua A égua olhava a lagoa com vontade de beber agua. A lagoa era tao larga que a égua olhava e passava. Bastava-lhe uma poca d’gua, ah! mas s6 daqui a algumas léguas. Ea égua a sede agiientava. A 6gua andava agora as cegas de olhos vagos nas terras vagas, buscando agua. Grande magoa! Pois 0 orvalho é uma gota exigua eas lagoas sao muito largas. 86 Rolaa ches O frio arrepia a moga arredia. Arte, que arrelia! Na rua rola a roda... Arreda! Arola arrulha na torre... A chuva sussurra. Rola a chuva regaa terra rega o rio rega a rua. Ena rua a roda rola. 87 © lagarto medroso O lagarto parece uma folha verde e amarela. E reside entre as folhas, o tanque ea escada de pedra. De repente sai da folhagem, depressa, depressa, olha o sol, mira as nuvens € corre por cima da pedra. Bebe o sol, bebe o dia parado, sua forma tao quieta, nao se sabe se é bicho, se é folha cafda na pedra. Quando alguém se aproxima, — oh! que sombra é aquela? — o lagarto logo se esconde entre as folhas e a pedra. Mas, no abrigo, levanta a cabega assustada e esperta: que gigantes so esses que passam pela escada de pedra? 88 Assim vive, cheio de medo, intimidado e alerta, o lagarto (de que todos gostam), entre as folhas, o tanque e a pedra. Cuidadoso e curioso, o lagarto observa. E nao vé que os gigantes sorriem para ele, da pedra. 89 Uma flor quebrada A raiz era a escrava, descabelada negrinha que dia e noite ia e vinha e para a flor trabalhava. Ea arvore foi tao bela! como um palacio. E 0 vento pediu em casamento a grande flor amarela. Mas a festa foi breve, pois era um vento tao forte que em vez de amor trouxe morte a airosa flor tao leve. Ea raiz suspirava com muito sentimento. Seu trabalho onde estava? Todo perdido com 0 vento. Os pescadores e as suas filhas Os pescadores dormiam cansados, ao sol, nos barcos. As filhinhas dos pescadores brincavam na praga, de maos dadas. As filhinhas dos pescadores cantavam cantigas de sol e de agua. Os pescadores sonhavam com seus barcos carregados. Os pescadores dormiam cansados de seu trabalho. 91 As filhinhas dos pescadores falavam de beijos e abracos. > Em sonho, os pescadores sorriam. As meninas cantavam tao alto que até no sonho dos pescadores boiavam as suas palavras. © eco O menino pergunta ao eco onde é que ele se esconde. Mas 0 eco s6 responde: “Onde? Onde?” O menino também lhe pede: “Eco, vem passear comigo!” Mas nao sabe se 0 eco é amigo ou inimigo. Pois sé lhe ouve dizer: “Migo.” aie @g | f No monte, i o Santo ; em seu manto, sorria tanto! Sorria para uma fonte que havia no alto do monte e também porque defronte se via 0 sol no horizonte. No monte 0 Santo em seu manto chora tanto! Chora — pois nao ha mais fonte, e agora ha um muro defronte que jé nao deixa do monte ver o sol nem o horizonte. No monte 0 Santo em seu manto chora tanto! (Duro muro escuro!)

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