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V Encontro de Educação Matemática nos Anos Iniciais e IV Colóquio

de Práticas Letradas
2018
São Carlos

A NATUREZA DIALÓGICA DA ATIVIDADE DE LEITURA


Janaína de Souza Silva
Secretaria Municipal de Educação de Limeira
jana_naina04@yahoo.com.br

Débora Alvares Groti Sacco


Secretaria Municipal de Educação de Limeira
debgsacco@gmail.com

Jacqueline Soares de Lima Dias


Secretaria Municipal de Educação de Limeira
jaccsoares@gmail.com

Resumo:

Este texto objetiva apresentar um relato de experiência desenvolvido em contexto de


formação continuada com professores e coordenadores que atuam na educação infantil.
Ancorada na perspectiva histórico-cultural (Vygotsky) e na perspectiva enunciativo-
discursiva (Bakhtin), a experiência formativa elegeu como temática o trabalho com a leitura
inscrita nas práticas escolares. A escolha por essa temática significou elucidar no decorrer de
cada encontro formativo a leitura como atividade humana considerando o aspecto social,
cultural e dialógico desse fenômeno. Ao todo, foram desenvolvidos três encontros formativos,
e a cada novo encontro novas possibilidades para o trabalho com a leitura eram engendradas.
Destaca-se que o presente texto apresenta um recorte do ciclo formativo desenvolvido. Os
relatos apresentados pelos professores e coordenadores ao final do ciclo de formação e
retomados por este texto esclarecem que os encontros possibilitaram reflexões acerca da
natureza social da leitura o que contribuiu para o redimensionamento do fazer escolar na
educação infantil.

Palavras-chave: Formação continuada; leitura; texto; natureza dialógica.

1. Introdução

O trabalho aqui relatado foi desenvolvido na Rede Pública Municipal de Limeira, a


qual possui equipe pedagógica que conta com aproximadamente 13 Orientadores de Estudo
que atuam na formação continuada de professores e coordenadores da educação básica:
Educação Infantil, Ensino Fundamental I, e Educação de Jovens e Adultos.

À luz do referencial teórico da Psicologia Histórico-Cultural e da perspectiva


Enunciativo-discursiva, a rede de ensino no ano de 2016 publicou documentos que respaldam
o trabalho de formação continuada, a saber: Diretrizes Municipais de Educação e Currículo
Municipal de Educação de Limeira para todas as modalidades de ensino atendidas pelo
sistema.
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No que tange ao conjunto de assuntos apresentados neste texto, destaca-se que


selecionamos para a discussão um recorte do trabalho desenvolvido no ciclo de formações
com os professores (que atende crianças de 4 e 5 anos) e coordenadores da Educação Infantil,
ocorrido no primeiro semestre de 2018. O recorte justifica-se por dois aspectos. O primeiro
diz respeito aos limites instalados para essa modalidade de apresentação de trabalho – relato
de experiência. E, o segundo aspecto refere-se ao escopo da temática eleita, neste caso, o
trabalho com a leitura inscrito nas práticas escolares.

À vista do exposto, deteremos as discussões a partir do segundo aspecto apontado, ou


seja, o desenvolvimento do trabalho com a leitura inscrito nas práticas escolares.

Desse modo, as discussões objetivadas em razão dos estudos dos cadernos organizados
pela formação presencial do PNAIC, para a modalidade infantil, corroboram para a escolha da
temática.

Após estudo e análise dos materiais indicados nos encontros formativos, pudemos
acolher ideias e pressupostos que identificamos convergir com os pressupostos teóricos
defendidos pela Rede Municipal de Limeira e nos distanciamos dos demais.

Situar o leitor sobre a temática escolhida, o lugar de onde partimos, bem como
contextualizá-lo acerca da dinâmica organizada para o desenvolvimento do encontro
formativo, torna-se pertinente para as discussões, uma vez que reconhecemos que o trabalho
com a leitura inscrito nas práticas escolares é atravessado por diferentes abordagens
pedagógicas.

Assim como SMOLKA (1989), entendemos a leitura como atividade especificamente


humana que se constitui em um trabalho simbólico; em outras palavras: defendemos que os
eventos de leitura caracterizam ações que suplantam a atividade de decifração. Dizer que a
atividade de leitura se constitui em um trabalho simbólico significa dizer também que a
natureza do ato de ler caracteriza ações de dimensões históricas, culturais e sociais.
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Com base nos pressupostos teóricos defendidos, os apontamentos destacados acima,


suscitam ao menos duas questões: qual é o papel da leitura na escola? Como incorporar a
atividade de leitura nos adventos escolares sem desconsiderar suas dimensões culturais e
sociais?

Feito essas provocações, as reflexões que se sucedem reverberam para o


redimensionamento do trabalho com a leitura desenvolvido nas instituições escolares de
educação infantil. Ser leitor de quem não lê, por exemplo, possibilita explicitar
comportamentos e procedimentos inscritos e marcados nos eventos de leitura.

De outro modo, autorizar o não-leitor a ler, significa instaurar uma ação comunicativa
mediada pelo texto, o que possibilitará que o estudante leia para além do código escrito, isto é,
que ele leia as imagens inseridas nos textos, a disposição gráfica, a palavra que parece
“familiar”, entre outras ações. Nas palavras de Koch (2013) “a leitura é uma atividade que
solicita intensa participação do leitor”.

Enfim, incorporar essas ações à prática educativa é o grande desafio para o trabalho de
leitura na educação infantil que ora se apoia em práticas espontâneas, ora exibe práticas
tecnicistas desprovidas de conhecimentos científicos.

Na tensão entre uma prática e outra, os pressupostos teóricos defendidos apresentam-


se como possibilidade de trabalho que considera a máxima potencialização do
desenvolvimento humano.

Contudo, abordar a temática leitura como objeto de reflexões para os encontros de


formação continuada dos profissionais de educação infantil mostra-se pertinente tendo em
vista que a educação infantil é a primeira etapa da educação básica, portanto, alicerce de toda
a educação.

Desenvolvimento

Abrimos este tópico descrevendo a dinâmica organizada para introduzir as questões


problematizadoras: Qual é o papel da leitura na escola? Como incorporar a atividade de
leitura nos adventos escolares sem desconsiderar suas dimensões culturais e sociais?
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Desse modo, os profissionais presentes na formação foram organizados em três


pequenos grupos. Prosseguimos com a dinâmica e, na oportunidade, solicitamos que cada
grupo elegesse um integrante “relator” para registrar as discussões realizadas durante a
atividade bem como socializá-las, quando solicitadas, com os demais grupos.

Eleito o relator, entregamos um texto impresso para cada relator do grupo com o
seguinte questionamento: Quais finalidades envolvidas e quais os procedimentos mais
adequados para esta situação de leitura?

Destarte, coube ao grupo, diante do questionamento, e com o texto em mãos, discutir


acerca das finalidades envolvidas bem como dos procedimentos mais adequados para a
situação de leitura.

No tocante aos textos que foram entregues, com vistas a atender os propósitos
didáticos do encontro formativo, ou seja, refletir sobre a natureza dialógica da leitura e suas
especificidades, selecionamos três gêneros textuais discursivos, de três tipologias diferentes1,
a saber, ordem do narrar, a ordem do expor, e a ordem da injunção. Da ordem do narrar,
selecionamos para o grupo 1 o conto de Ruth Rocha, “O patinho feio”; Da ordem do expor,
selecionamos a ficha técnica do “Coelho”, e a entregamos para o grupo 2; Da ordem injuntiva,
entregamos para o grupo 3 o texto instrucional “Dobradura de cachorro”.

Antes de prosseguir com a dinâmica da atividade, achamos apropriado dar um


intervalo de tempo (aproximadamente 20 minutos) para que os integrantes dos grupos
pudessem ler os textos que foram entregues e colocar em prática suas competências
linguísticas de leitores proficientes.

Pós a leitura dos textos, as discussões engendradas entre professores e coordenadores


durante a socialização das atividades, tomaram rumos divergentes ao anunciado anteriormente
com o propósito da situação desenvolvida. A título de exemplificar essa afirmação, vejamos o
recorte de dois episódios extraídos durante o evento dinâmico.

Episódio I

1
Sobre o assunto ver :SCHNEUWLY, Bernard.; DOLZ, Joaquim. e colaboradores. Gêneros orais e escritos na
escola. [Tradução e organização: Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro]. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2004.
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Após a socialização dos registros do grupo 12, feito pelo relator, a Orientadora de
Estudos interroga:

OE: 3 Em síntese, quais conhecimentos vocês mobilizaram durante a atividade de leitura?

P1G1 – Ah, se o estudante não tiver conhecimento sobre o sistema de escrita não é possível ler este
texto. Se não souberem as letras e depois “juntá-las”... não tem como ler![...]

OE – Qual a finalidade deste texto que vocês têm em mãos?

PG1 – Ah, acho que é por prazer, é isso? Acho que é isso?[...] mas volto a dizer, se o estudante não
sabe ler, não dá para entender [risos]...

OE – Então, nesse caso do estudante não juntar as letras, assim como vocês estão dizendo. Não é
possível a ele ler o texto?

PG1- Ler, ler não. O máximo que eles conseguem é folhear o livro da direita para a esquerda, ver as
imagens, mas não conseguem ler se não tiverem conhecimento sobre o sistema de escrita.

[...]

Episódio II

Após a socialização do relator do grupo três4, a Orientadora de Estudos faz algumas


interrogações ao grupo:

OE: E aí pessoal, de tudo o que vocês relataram quais conhecimentos vocês consideram que foram
mobilizados durante o desenvolvimento da atividade de leitura?

PG3: Olha, aqui neste grupo nós chegamos a conclusão que a criança consegue fazer a leitura do texto
se observar passo a passo da imagem. Mas eu não sei, pois, observando que o grupo 1 destacou sobre a questão
do conhecimento do sistema de escrita, eu também penso que esse conhecimento é imprescindível para o
trabalho com a leitura, pincipalmente para garantir a compreensão textual.

OE: Observei que vocês destacam o conhecimento linguístico como essencial para o trabalho com a
leitura. Então faço outro questionamento a vocês, só consegue ler aquele que compreendeu o sistema de
escrita?

2
Texto utilizado pelo grupo “O patinho feio” de Ruth Rocha.
3
Utilizamos as iniciais OE para (Orientadores de Estudo) e PG1 para indicar (Professor do Grupo 1)
4
Texto utilizado pelo grupo 3, o texto instrucional “Dobradura de cachorro”, elaborado pela equipe de O.E.
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PG3: não claro, que não. Existem outros modos de ler também, mas não a leitura propriamente dita. A
criança vê a imagem, ela até consegue apresentar relação da imagem com o escrito, mas isso não significa que
ela lê. Isso para mim não é leitura. [...]

Isto exposto, para prosseguirmos com as discussões, convém retomar com o leitor os
propósitos do trabalho com a dinâmica de leitura instaurada no início do encontro formativo.
Iniciamos este tópico anunciando que o propósito didático com a dinâmica de leitura justifica-
se por possibilitar aos envolvidos, na condição de leitores proficientes, refletir sobre a
natureza dialógica da leitura e suas especificidades.

Para tanto, com base nos episódios apresentados, observa-se que as manifestações
discursivas conduzidas pelos professores e coordenadores durante o primeiro momento de
socialização revelaram linhas opostas à concepção dialógica assumida no trabalho uma vez
que os profissionais acentuaram os discursos apenas em um dos conhecimentos necessários
para a atividade de leitura – conhecimento linguístico.

Reconhecer a materialidade linguística do texto é de suma importância e compõe o


processo de leitura, contudo, há que considerar essa atividade de ordem complexa, que exige
que o leitor mobilize outros conhecimentos, que não se restringe a oralização da linguagem
escrita.

Além disso, tratando-se da modalidade de educação infantil, a atividade de leitura é


atravessada por diferentes modalidades didáticas, isto é, cabe à educação escolar assumir
diferentes dinâmicas para o trabalho com a leitura.

À vista disto, coube aos orientadores de estudos, recuperar junto ao grupo, as


concepções pedagógicas do tripé: texto-leitura-leitor, as quais orientam e respaldam o
trabalho de formação continuada bem como o fazer pedagógico desenvolvido nas instituições
escolares do município de Limeira.

Portanto, ao tomar em consideração esse tripé, salientamos que entendemos por texto
[...] um todo de sentido, marcado pelo acabamento, dado pela possibilidade de admitir uma
réplica (FIORIN, 2016, p. 57). Por leitura, entendemos uma atividade especificamente
humana,
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[
[...] altamente complexa de produção de sentidos que se realiza,
evidentemente, com base nos elementos linguísticos presentes na superfície
textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um
vasto conjunto de saberes (KOCH, 2013, p. 57)

E por leitor, entendemos aquele que atribui sentido ao que lê, de modo a selecionar,
antecipar, inferir e verificar as informações que tem diante de si, num constructo de sentido
tendo em vista que:

[...] na concepção interacional dialógica da língua, os sujeitos são vistos


como atores/construtores sociais, sujeitos que – dialogicamente – se
constroem e são construídos no texto, considerando o próprio lugar da
interação e da constituição dos interlocutores (KOCH, 2013, p. 10)

Consoante aos excertos, a natureza dialógica da atividade de leitura suplanta a


concepção de leitura que entende a língua como estrutura, como código, como instrumento
exclusivo de comunicação, [...] assujeitado pelo sistema, caracterizado por uma espécie de
não-consciência (KOCH, 2013, p. 10).

Diferentemente desta concepção, advogamos a atividade de leitura como evento


interativo que se realiza primeiramente no plano das interações sociais, como atividade
humana que dialoga com os conhecimentos historicamente produzidos pelos leitores. Assim,
o foco do trabalho de leitura está nas relações de interação entre autor, texto e leitor. Esse
entendimento ratifica a natureza dialógica da atividade de leitura o que concorre para o
redimensionamento do trabalho de leitura inscrito nas práticas escolares.

Recuperar a concepção fundante do tripé: leitura, texto e leitor assumida pela rede
municipal de Limeira foi crucial para prosseguir com o ciclo de formação continuada
organizado para o trabalho com a leitura.

Fechamos o encontro retomando as questões realizadas ao iniciarmos este texto: Qual


é o papel da leitura na escola? Como incorporar a atividade de leitura nos adventos escolares
sem desconsiderar suas dimensões culturais e sociais?

Em síntese, concluímos que a escola é o espaço “in loco” para gestar movimentos
dialógicos para o trabalho com a leitura. Para tanto, há que se aclarar que esse trabalho não
pode desconsiderar o aspecto social e cultural da leitura. Reconhecemos que ler ultrapassa os
muros escolares, e que esse fenômeno de característica humana é sempre mediada pelo texto.
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O ato de ler demanda agir de acordo com as expectativas discursivas colocadas pelos
gêneros. Além disso, as práticas escolares organizadas para este fim não podem ignorar que
“a constante interação entre o conteúdo do texto e o leitor é regulada também pela intenção
com que lemos o texto, pelos objetivos de leitura” (KOCH, 2013, p. 19).

São pois, os objetivos do leitor que nortearão o modo de leitura, em mais


tempo ou menos tempo; com mais atenção ou com menos atenção; com
maior interação ou com menor interação (KOCH, 2013, p. 19).

Esta assertiva coloca para o trabalho com a leitura inscrito nas práticas escolares da
educação infantil novos olhares. No que tange ao papel do professor, por exemplo, este passa
de um simples facilitador ou acompanhante do processo de aprendizagem da criança a
parceiro mais experiente. Aquele que autoriza a criança ler, que fornece pistas do que é
possível ler no texto; aquele que orienta a leitura; que fomenta a antecipação do conteúdo,
aquele que organiza as práticas de leitura o papel do professor em sala de aula.

O professor passa de facilitador ou mero acompanhante do processo de aprendizagem


da criança a parceiro mais experiente, parceiro que organiza situações didáticas possíveis de
potencializar o desenvolvimento da criança e a produção de sentidos do leitor.

Considerações finais

À guisa de não-conclusão. O objetivo deste relato de experiência é depreender


algumas reflexões acerca da natureza dialógica da atividade de leitura à luz da psicologia
histórico-cultural e da perspectiva enunciativo-discursiva.

Desse modo, imprimimos em breve linhas, alguns apontamentos sobre a análise dos
episódios à luz do referencial supracitado. Haja vista que tais apontamentos realizados para
quaisquer tópicos discutidos requerem aprofundamento, que pretendemos em outras
oportunidades desenvolver.

Referências

FIORIN, J.L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2016.

KOCH, I.V. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2013.
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SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola.


[Tradução e organização: Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro]. Campinas-SP: Mercado de
Letras, 2004.

SMOLKA, A. L. B. Leitura e desenvolvimento da linguagem. Porto Alegre: Mercado


Aberto, 1989.

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