Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
BARBOSA Marialva Historia Cultural Da Im
BARBOSA Marialva Historia Cultural Da Im
Em História Cultural da Imprensa, Marialva Bar- de reconhecimento; e que os temas que mais ganham o
bosa propõe uma narrativa entre tantas possíveis, frag- gosto popular são os que ferem a ordem estabelecida, os
mentada, de acordo com os preceitos da nova história que apelam para os valores mais infames e os que se se
francesa. Sugere, através do adjetivo “cultural”, uma fundamentam na lógica do conflito.
proposta de historicização do século XIX no qual a A polêmica, tão cara nas primeiras décadas do século
imprensa não é objeto de estudo, mas ponto de partida XIX, faz parte dessa lógica conflitiva que atrai o público
para uma reconstrução do período mais ampla do que a leitor. O tom polemista de um texto possibilita aos jovens
mera cronologia e descrição dos “fatos”. Barbosa almeja (e/ou esquecidos) escritores ingressarem no mundo dos
tanto retratar o desenvolvimento da imprensa no Brasil nomes reconhecidos. Além disso, a polêmica tem por base
como, baseada no conceito de sistemas de comunicação uma lógica discursiva advinda da oralidade; logo, plena
de Robert Darnton, remontar às ações narrativas daqueles de jogos retóricos e de entonações, ideal para leituras em
que viveram este período. Nesse sentido, a história voz alta, para terceiros, o que expande o seu alcance.
construída tem por objetivo o estudo não apenas das Através de uma análise detalhada dos textos pu-
publicações nos jornais, mas também dos agentes e do blicados na imprensa, com as suas marcas de oralidade
público-alvo envolvidos. e as suas abreviaturas, Barbosa sugere que a publicação
Barbosa parte da ideia de que, para existir a imprensa de jornais implica, necessariamente, uma pluralidade de
e atribuir-lhe um valor de transmissora de opinião e atores sociais, lugares e dispositivos, técnicas e gestos.
informação, é preciso que se desenvolva a mentalidade Tanto a produção do texto como a construção de seus
abstrata das múltiplas interpretações dos jornais, o que é significados dependem de momentos diferentes de sua
possível através do estudo de suas narrativas e práticas. transmissão. Prólogos, advertências, títulos, subtítulos e
No caso brasileiro, foi preciso algumas décadas após a divisões, negritos, itálicos, letras maiúsculas no meio de
chegada da família real, em 1808, para que o valor abstrato frases e exclamações indicam essa natureza ambígua do
da imprensa se difundisse e se enraizasse de modo a criar destinatário e a dupla circulação dos textos.
um público sedento por informação. A partir de 1821, multiplicam-se, por todo o país,
Em um mundo em que a impressa é recente, não impressos que polemizam os debates públicos – sobretudo,
faz sentido separar a forma impressa dos modos de em novos espaços de sociabilidade, como cafés, livrarias,
comunicação oral. Logo, mesmo que as notícias que academias e sociedades. Dentre os vinte periódicos que
deram início à imprensa no Rio de Janeiro tenham aparecem no Rio de Janeiro entre 1821-1822, todos são,
atingido um público restrito, a partir das formas de vida e a sua maneira, representantes de correntes políticas do
sociabilidade existentes na cidade, podemos pensar numa período. O Correio do Rio de Janeiro, por exemplo, faz
mescla de públicos que se cruzam. Ou seja, para obter as da polêmica a sua principal estratégia narrativa. O mesmo
informações de um jornal, não há a necessidade de lê-lo, ocorre nas províncias. Deste modo, Barbosa percebe que
um vez que as notícias vêm e vão, de boca em boca, nos as letras impressas são utilizadas com fins, por vezes,
encontros do cotidiano carioca do século XIX. políticos, como o fazem proprietários (rurais e/ou de
A questão da oralidade ganha nova dimensão quando escravos), comerciantes, magistrados e funcionários
se compara a imprensa no Brasil da primeira metade públicos, os quais legitimam o espaço da imprensa
do século XIX e a na França, especialmente a do final diante da iminência de um confronto de interesses com
século XVIII. Percebe-se, nestes dois contextos, que os Portugal.
jornais constituem-se de redes de informação em acordo Essas ideias, entretanto, ao sair do mundo da ora-
com o universo cultural no qual estão imersos, fugindo lidade para o mundo do letramento (via jornais, folhetos
do controle e das determinações mais diretas; que a e panfletos) tornam-se discussões mais duradouras,
palavra imprensa torna-se possibilidade de distinção e agrupando pessoas que têm pensamentos similares e
Os conteúdos deste periódico de acesso aberto estão licenciados sob os termos da Licença
Creative Commons Atribuição-UsoNãoComercial-ObrasDerivadasProibidas 3.0 Unported.
Recensões 113
atingir o leitor. Por conseguinte, o jornalista é, na verdade, denuncia. A sua tribuna é o jornal; a audiência, o leitor.
o intermediário de um processo de comunicação que O habitus do jornalista, porém, estimula o conflito.
envolve o interlocutor e o público, cuja adesão é disputada Mesmo assim, define-se como defensor da verdade, da
com todas as armas. Procura-se reduzir a distância dos imparcialidade e das causas nacionais.
leitores, criar uma identidade própria para o periódico. O livro de Barbosa nos permite traçar, dentre outras
Num mercado de bens culturais ainda não plenamente narrativas possíveis, uma história da cultura do Brasil
constituídos, é fundamental dispor de uma nova versão de através da imprensa e pela imprensa, da monarquia à
folhetim. Como nos publicados em capítulos, campanhas, república, da presença da oralidade ao culto do jornalista-
denúncias e críticas são apresentadas em série, em forma especialista, da centralidade das polêmicas aos conflitos
de trama. e campanhas de difamação, das participações do público-
À medida que a palavra escrita adquire valor de alvo às do público que não era alvo. As referências
verdade e autoridade em relação à oralidade, cresce a teóricas, abrangendo campos como sociologia, história
importância dos letrados e dos especialistas. As regras e crítica literária, entre outros, apenas evidenciam uma
e as normas se tornam explícitas e fixas, sob a forma construção narrativa do período não centralizada em
de códigos e leis, de estruturas normativas genéricas. A eventos e personalidades, mas que joga constantemente
expansão, ainda que restrita, da escrita contribui para dar com dados quantitativos (como o aumento no número de
ao jornalismo uma nova “missão” – como os próprios tipografias) e qualitativos (como a análise dos anúncios).
jornalistas, com frequência, apregoam. Ao jornalista Ao serem narradas de forma fragmentada, coerente com
cabe difundir ideias, visões de mundo e representações a perspectiva da nova história, esses diversos elementos
da sociedade. A sua função comunicativa ganha força ao proporcionam uma reconstrução densa das representações
lado de seu papel político. dos diferentes homens e mulheres do século XIX e uma
Nesse novo contexto socioeconômico, não há importante reconstituição do período como um todo. Além
mais espaço para o amadorismo. Transformados em de ser uma contribuição importantíssima para o estudo da
grandes empresas, importando modernos equipamentos, passagem da monarquia para a república no Brasil (e não
aumentando o número de páginas e a tiragem dos somente da imprensa), História cultura da imprensa tem
exemplares, passam a depender não apenas do pequeno méritos pela escolha das fontes e, principalmente, pelo
anúncio e da publicidade particular, mas, sobretudo, da modo como lida com este material. Trata-se de um terreno
verba oficial. Além disso, sob a lógica do mercado, a auto- fértil (e pouco explorado) para os estudos de história e,
referenciação muda de tonalidade. Nos anos derradeiros por que não, de literatura.
do século XIX, um dos principais acontecimentos para o
jornal continua sendo ele mesmo. Multiplicam-se notícias
sobre o desempenho dos repórteres, sobre sua posição Vinícius GonçalVes carneiro
Doutorando PUCRS/CNPq
política e sobre as ações na justiça movidas contra seus
adversários. Tal como o advogado, o jornalista procurava Recebido: 05 de dezembro de 2011
agir como arbitro das questões políticas. É ele quem Aprovado: 19 de dezembro de 2011