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DO EGO
Um guia prático e filosófico para domar sua obra e
torná-la irresistível
Steven Pressfield
Hanoi Editora
Copyright © 2021 Steven Pressfield
Título original: Nobody Wants to Read Your Sh*t: Why That Is And What You Can Do About It (2016)
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte das publicações poderão ser reproduzidas ou utilizada de
qualquer maneira, armazenada em sistema de recuperação, ou transmitida de qualquer forma ou por
qualquer meio eletrônico, mecânico, fotocopiador, gravador ou de qualquer outra forma, sem o
consentimento por escrito do autor ou da editora
Direitos de tradução para a língua portuguesa adquiridos com exclusividade pela HANOI EDITORA, que
se reserva a propriedade literária desta tradução.
www.hanoieditora.com.br
E-mail: contato@hanoieditora.com.br
Para Shawn Coyne,
que fez a minha carreira de muitas maneiras
CONTENTS
Title Page
Copyright
Dedication
Prefácio à Edição Brasileira
1. A LIÇÃO MAIS IMPORTANTE QUE EU JÁ APRENDI
2. MINHA FAMÍLIA
3. UM EMPREGO DE ESCRITOR
4. NINGUÉM QUER LER SUAS M*RDAS
5. ÀS VEZES, VOCÊ TEM QUE SER O ESCRAVO DE ALGUÉM
6. “ESTAREI AÍ ÀS NOVE E MEIA”
7. STEVE, SEU EGO ESTÁ FICANDO FORA DE CONTROLE
8. DUAS VERDADES FUNDAMENTAIS
LIVRO UM – Publicidade
9. É DIFÍCIL ESCREVER UM ANÚNCIO
10. NÃO PENSE EM ANÚNCIOS, PENSE EM CAMPANHAS
11. PENSANDO EM CONCEITOS
12. APRESENTE UM CONCEITO
13. FLASHFORWARD: CONCEITO EM FILMES
14. FLASHFORWARD: CONCEITO EM LITERATURA
15. TUDO BEM SER CRIATIVO
16. A DOENÇA DO CLIENTE
17. ROUBE SEM VERGONHA
18. TUDO QUE VOCÊ FAZ O DIA TODO É PENSAR
19. COMO TER UMA IDEIA RUIM
20. PROBLEMAS E SOLUÇÕES
21. DEFININDO O PROBLEMA
22. FLASHFORWARD: DEFININDO O PROBLEMA NA FICÇÃO
23. CALL TO ACTION
24. ARTE É ARTIFÍCIO
25. TUDO BEM NÃO SER 100% PURO
LIVRO DOIS – Ficção, Parte Um
26. SEM RAÍZES
27. IGNORANTE
28. MEUS DEMÔNIOS
29. LEITURA
30. VOZ
31. CARTAS
32. TERMINAR
33. “DESCANSE EM PAZ, FILHO DA PUTA”
34. SUPERAR OBSTÁCULOS
35. MEUS AMIGOS
36. AINDA...
LIVRO TRÊS – Hollywood
37. ESTRUTURA EM TRÊS ATOS
38. O CHEFE[30] DEMONSTRA A ESTRUTURA EM TRÊS ATOS
39. FLASHFORWARD PARA FICÇÃO DE FORMATO LONGO: A REGRA
DAVID LEAN
40. FILMES SÃO SOBRE GÊNERO
41. TODA OBRA ENQUADRA-SE EM UM GÊNERO, E TODO GÊNERO
TEM CONVENÇÕES
42. A JORNADA DO HERÓI
43. A JORNADA DO HERÓI EM TRÊS ATOS
44. A JORNADA DO HERÓI, VERSÃO APROFUNDADA
45. POR QUE HISTÓRIAS FUNCIONAM OU NÃO
46. TODO GÊNERO É UMA VERSÃO DA JORNADA DO HERÓI
47. TODA HISTÓRIA TEM QUE SER SOBRE ALGO
48. TODO PRIMEIRO ATO PRECISA TER UM INCIDENTE INCITANTE
49. COMO UMA HISTÓRIA COMEÇA?
50. O CLÍMAX ESTÁ EMBUTIDO NO INCIDENTE INCITANTE
51. O SEGUNDO ATO PERTENCE AO VILÃO
52. TODO PERSONAGEM PRECISA REPRESENTAR ALGO MAIOR QUE
SI MESMO
53. FILMES SÃO IMAGENS
54. COMECE PELO FIM
55. FLASHFORWARD PARA NARRATIVA DE NÃO FICÇÃO: COMECE
PELO FIM
56. FLASHFORWARD PARA NARRATIVA DE NÃO FICÇÃO: AS
REGRAS DE HOLLYWOOD AINDA SE APLICAM?
57. APOSTAS
58. RISCO
59. TEXTO E SUBTEXTO
60. DIGRESSÃO: NARRATIVA DE HOLLYWOOD
61. NARRATIVA DE HOLLYWOOD, PARTE DOIS
62. ESCREVA PARA UMA ESTRELA
63. ESCREVA PARA UMA ESTRELA, PARTE DOIS
64. GRANDE TEMA = GRANDE ESTRELA
65. UM COROLÁRIO PARA “ESCREVA PARA UMA ESTRELA”
66. ESCREVA PARA UMA ESTRELA, PARTE TRÊS
67. ESCREVA PARA UMA ESTRELA, PARTE QUATRO
68. FLASHFORWARD: ESCREVA PARA UMA ESTRELA EM FICÇÃO
69. O MOMENTO TUDO ESTÁ PERDIDO
70. O MOMENTO EPIFÂNICO
71. DÊ UM DISCURSO BRILHANTE AO SEU VILÃO
72. MANTENHA A HUMANIDADE DO VILÃO
73. COMO NÓS APRENDEMOS
74. SAYONARA[57] , TINSELTOWN
LIVRO QUATRO – Ficção: A Segunda Vez
75. COMO A CARREIRA TOMA FORMA
76. MEU SUCESSO REPENTINO
77. FICÇÃO É REALIDADE
78. FLASHFORWARD: NÃO FICÇÃO É FICÇÃO
79. DISPOSITIVO NARRATIVO
80. ROMANCES SÃO SOBRE LONGO PRAZO
81. ROMANCES SÃO SOBRE IMERSÃO
82. ROMANCES SÃO PERIGOSOS
83. DUELO COM O MONSTRO
84. PENSE EM BLOCOS DE TEMPO
85. PENSE EM VÁRIOS RASCUNHOS
86. ENTREGUE-SE AO MATERIAL
87. DOMINE O MATERIAL
88. O QUE O ROTEIRISTA ENSINOU À ROMANCISTA
89. FLASHBACK: UM ROMANCE TEM UM CONCEITO
90. FLASHBACK: UM ROMANCE TEM QUE SER SOBRE ALGO
91. FLASHBACK: UM ROMANCE TEM QUE TER UM HERÓI
92. ESCREVA PARA UMA ESTRELA EM FICÇÃO
LIVRO CINCO – Não Ficção
93. NÃO FICÇÃO É FICÇÃO, PARTE DOIS
94. UMA NÃO HISTÓRIA É UMA HISTÓRIA
95. UMA NÃO HISTÓRIA É UMA HISTÓRIA, PARTE DOIS
96. COMO ESCREVER UMA BIOGRAFIA CHATA
97. APLICANDO OS PRINCÍPIOS DA NARRATIVA A NÃO FICÇÃO
98. FAÇA NOSSO HERÓI ENCARNAR O TEMA
99. CORTE TUDO QUE NÃO ESTÁ DENTRO DO TEMA
100. IDENTIFIQUE O CLÍMAX
101. SOLUCIONE O CLIMAX ESTRUTURALMENTE
LIVRO SEIS – Autoajuda
102. O JEITO ERRADO DE ESCREVER UM LIVRO DE AUTOAJUDA
103. A VOZ DA AUTORIDADE
104. A BAGUNÇA QUE SE TORNOU A GUERRA DA ARTE
105. COMO SHAWN ESTRUTUROU A GUERRA DA ARTE
106. FLASHBACK: CONCEITO EM A GUERRA DA ARTE
107. FLASHBACK: DISPOSITIVO NARRATIVO EM A GUERRA DA
ARTE
108. FLASHBACK: HERÓI E VILÃO EM A GUERRA DA ARTE
109. AUTOAJUDA É HISTÓRIA
LIVRO SETE - O Chamado do Artista
110. COMO A CARREIRA TOMA FORMA, PARTE DOIS
111. EXISTE UM DEMÔNIO
112. EXISTE UMA MUSA
113. JEAN-PAUL SARTRE ME DEIXOU MORTO DE MEDO
114. O MUNDO DO ARTISTA É MENTAL
115. A HABILIDADE DO ARTISTA
116. VOCÊ É UM ESCRITOR?
117. A BALEIA BRANCA
118. NINGUÉM QUER LER SUAS M*RDAS
LIVRO OITO - Pornografia
119. CENAS DE SEXO
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
P reciso começar por uma confissão. Serei breve, pois quero que você invista
o mínimo de tempo neste prefácio e chegue o mais rápido possível no
conteúdo valioso de Sua História Além do Ego, de Steven Pressfield.
Confesso que senti o peso da responsabilidade de escrever um prefácio para
aquele que é reconhecido por muitos como o autor dos autores e grande
referência para o meu trabalho. Mesmo eu já sendo um escritor Best Seller no
Brasil, ainda assim, o peso de encarar esta folha em branco foi tão grande ou
maior do que o de escrever meus próprios livros.
Eu estava, é claro, diante da Resistência.
Mas antes de falarmos um pouco deste conceito, presente nas obras de
desenvolvimento pessoal de Steven Pressfield, vamos direto a algo igualmente
valioso, ponto central deste livro: como comunicar sua obra ao público de
forma eficaz.
Geronimo Theml
Coach, empresário e escritor
1. A LIÇÃO MAIS IMPORTANTE QUE EU
JÁ APRENDI
E mdiferentes
uma longa carreira como escritor, você se percebe trabalhando em
disciplinas. Cada uma ensina suas próprias lições. Não
surpreende que várias delas transitem de uma área para outra. O que você
aprende escrevendo roteiros de filmes ajuda quando você passa a escrever
romances, e o que você adquire escrevendo ficção prova-se inestimável quando
você muda para não ficção.
Meu primeiro trabalho com escrita foi na área que eu mais odiava e menos
respeitava – publicidade. Contudo, o ramo de anúncios me ensinou muito, e
foram coisas que me serviram de maneira poderosa em cada encarnação
subsequente.
Depois, eu tentei romances, mas aprendi praticamente nada porque eu estava
sozinho e continuava cometendo os mesmos erros repetidamente. Só quando
fui para Hollywood e comecei a escrever para o cinema é que eu realmente
comecei a entender o que era uma história. Então, quando voltei aos romances
depois disso, eu tinha uma base sólida em estrutura narrativa – o que faz uma
história funcionar e o que não faz.
A mudança para não ficção ensinou outras lições, mas não as que eu esperava.
E escrever autoajuda me levou a uma outra área que, sem nenhuma surpresa,
era tanto sobre narrativa como sobre conteúdo.
Mas de tudo que eu aprendi, a mais importante lição veio no início, no meu
primeiro dia no meu primeiro emprego. A lição era: “ninguém quer ler suas
merdas.” (Veja o capítulo 4).
2. MINHA FAMÍLIA
A primeira coisa que você aprende em publicidade é que ninguém quer ler
suas merdas.
Seus anúncios, quero dizer.
As pessoas odeiam anúncios. Eu mesmo os odeio. Odeio comerciais de TV.
Por que eu deveria gastar meu valioso tempo assistindo àquele lixo mentiroso,
tentando me vender porcarias de que não preciso ou não quero?
Às vezes, jovens escritores adquirem, de seus anos na escola, a ideia de que o
mundo está esperando para ler o que eles escreveram. Eles têm essa ideia
porque seus professores tinham que ler seus ensaios, trabalhos de conclusão de
curso ou dissertações.
No mundo real, ninguém está esperando para ler o que você escreveu.
Sem terem visto, eles odeiam o que você escreveu. Por quê? Porque eles
podem ter que ler de verdade.
Ninguém quer ler coisa alguma.
Deixe-me repetir isso. Ninguém – nem mesmo seu cão ou sua mãe – tem o
menor interesse no seu comercial de Sucrilhos, pilhas Duracell ou pomada para
hemorroidas. Ninguém se importa com sua peça de teatro em ato único, sua
página no Facebook ou seu novo lugar favorito para comer frango com
gergelim.
Não é que as pessoas sejam más ou cruéis. Elas só estão ocupadas.
Ninguém quer ler suas merdas[3].
Qual é a resposta?
1) Simplifique a sua mensagem. Foque e a restrinja à sua forma mais simples,
clara e fácil de entender.
2) Faça a sua expressão divertida. Ou sexy, ou interessante, ou assustadora, ou
informativa. Torne-a tão atraente que uma pessoa teria de estar louca para NÃO
ler.
3) Aplique isso a todas as formas de escrita, arte ou comércio.
Quando você entende que ninguém quer ler suas merdas, sua mente torna-se
poderosamente concentrada. Você começa a entender que escrever/ler é, acima
de tudo, uma transação. O leitor doa seu tempo e atenção, que são mercadorias
valiosíssimas. Em troca, você – o autor – precisa dar a ele algo digno do
presente recebido.
Quando você entende que ninguém quer ler suas merdas, você desenvolve
empatia.
Você adquire a habilidade que é indispensável para todos os artistas e
empreendedores: a habilidade de transitar, em sua imaginação, entre o seu
ponto de vista como escritor/pintor/vendedor e o ponto de vista do seu
leitor/frequentador de galerias de arte/cliente. Você aprende a se perguntar, com
cada sentença e cada frase: isso é interessante? Isso é divertido, desafiador ou
inovador? Estou dando o suficiente para o leitor? Ele está entediado? Está indo
para onde eu quero levá-lo?
5. ÀS VEZES, VOCÊ TEM QUE SER O
ESCRAVO DE ALGUÉM
F uiexcelente
para Hollywood no início dos anos 1980, no auge do spec[4]. Era uma
época para ser roteirista, embora não necessariamente para mim.
Eu gastei meus primeiros cinco anos fazendo specs – nove deles, seis meses de
trabalho cada um.
Nenhum deles vendido.
Na época, eu tinha um agente chamado Mike Werner. Mike acreditou em
mim, mas estava ficando cansado de levar meus specs para a cidade e assistir à
morte deles.
Um dia ele disse: “Steve, você gostaria de trabalhar junto com outro escritor?
Um escritor já estabelecido”.
Mike tinha outro cliente, a quem chamarei de Stanley, que tinha sido a força
por trás de dois grandes sucessos.
“Eu sei que você quer fazer suas próprias coisas”, disse Mike. “Mas
trabalhando com o Stan, pelo menos você estará no jogo. Você ganhará
dinheiro e terá seu trabalho produzido”.
Eu disse sim.
Stan e eu trabalhamos juntos por cinco anos.
Sendo novato em uma equipe de trabalho, você precisa engolir vários sapos.
Mas, como Mike disse, agora você está no jogo.
Você tem um lugar à mesa.
6. “ESTAREI AÍ ÀS NOVE E MEIA”
E ubom.
nunca fui digno de escrever anúncios. É difícil. Você tem de ser muito
O que é um conceito?
Um conceito, em termos de publicidade, não é só um slogan estúpido
como “Traga Best Foods e traga o melhor”. Nem é uma afirmação genérica e
sem base como “deixa dentaduras mais brancas”.
Um conceito faz uma releitura do convencional e dá a ela uma interpretação.
Um conceito estabelece um marco de referência maior que o produto em si.
Um conceito coloca o produto em um contexto que faz o observador
contemplar o produto com um novo olhar – e percebê-lo com uma luz positiva
e irresistível.
Um conceito configura (ou, mais frequentemente, reconfigura) toda a questão.
Um dos conceitos referência na história da publicidade é o da locadora de
carros Avis: “Nós somos a #2, então nos esforçamos mais”.
“Nós somos a #2, então nos esforçamos mais” transforma o negativo (somos a
segunda melhor, portanto, inferior) em positivo (você terá um serviço melhor
da gente porque vamos dar duro para alcançar a #1 Hertz) ao nos fazer olhar
para a questão (Qual é a melhor empresa para se alugar um carro?) de uma
nova perspectiva.
A campanha heróis do esporte da Nike é um conceito.
“Um diamante é eterno”, da De Beers, é um conceito.
“Se você não está clareando, você está amarelando” é um conceito. Um bom
conceito faz o público ver o seu produto de um ponto de vista bem específico e
agradável e, por essa lógica (ou falsa lógica), torna os outros pontos de vista e
produtos concorrentes questionáveis e impotentes.
Diamantes já foram vistos como mercadorias. Por que eu deveria comprar um
anel de noivado de diamantes? O que há de errado com rubis e safiras? Mas
quando os redatores, atendendo seu cliente De Beers – a empresa de mineração
sul-africana que controlava 90% do estoque de diamantes do mundo –, vieram
com o conceito associando a indestrutibilidade do diamante (o material mais
duro do universo) a um símbolo de amor eterno – Uau!
Depois de “Um diamante é eterno”, se você comprasse para sua noiva
qualquer outro tipo de anel de noivado, você estaria dizendo que não a ama.
Conceitos funcionam em política também
“Death panels[10]” é um conceito
“Job creators[11]” é um conceito.
“Pró-vida” é um conceito. “Pró-escolha” também.
Um conceito pode ser uma completa tolice. Pode ser mau
“A raça superior”.
“Destino manifesto”[12]
“Operação Liberdade do Iraque”[13].
Quando você, como escritor, leva e aplica esse modo de pensar a outras áreas,
como escrever romances, roteiros ou não ficção, a primeira pergunta que você
se faz no início de qualquer projeto é “Qual é o conceito?”.
Todo trabalho artístico, da Capela Sistina à ponte de Golden Gate e à Bíblia
do Rei Jaime[14], é baseado em um conceito.
Uma dieta deveria ter um conceito.
Uma invasão a um país estrangeiro deveria ter um conceito. Uma salada
deveria ter um conceito.
13. FLASHFORWARD: CONCEITO EM
FILMES
P arece que eu estou tirando sarro da ideia de conceito. Não estou. Game of
Thrones é um conceito. Orange is The New Black é um conceito. The
Walking Dead é um conceito.
A Nona Sinfonia de Beethoven é um conceito.
Guernica é um conceito.
Hamlet é um conceito.
Eu acredito piamente em conceitos.
No começo de qualquer projeto, eu me pergunto: “Qual é o conceito?”.
Eu não vou resolver nada até que eu conheça o conceito.
Conceito funciona para a mais alta literatura que existe.
Considere a Ilíada, de Homero. O assunto da Ilíada é a Guerra de Troia, que
durou dez anos. Homero poderia ter escrito a história da porra toda se ele
quisesse.
Mas mesmo em 900 a.C., grandes narradores entenderam o conceito.
Então, em vez de narrar uma década de coisas repetitivas e tediosas, o poeta
reduziu o tempo de palco de sua história para poucos dias, durante a guerra.
Ele apresentou um conceito:
A ira de Aquiles.
Esse é o tema da Ilíada. Esse é o gancho. É a ideia central.
O notável campeão da Grécia, Aquiles – um guerreiro invencível contra quem
nenhum herói inimigo pode resistir (e de quem a vitória dos gregos dependia) –
ofende-se com um insulto do rei da Grécia, Agamenon.
Em fúria e com o orgulho ferido, Aquiles para a luta. Ele abaixa sua lança e
seu escudo e senta-se num canto.
“Deixe meus compatriotas descobrirem, com o sofrimento de lutarem sem
mim como seu campeão, que eu sou o melhor deles.”
Isso é alto conceito. Não ria.
Desta apresentação em dez segundos, nós podemos projetar toda a epopeia.
Nós vemos as lutas secundárias, protagonizadas por Heitor, Odisseu, Ájax,
Páris, Diômedes. Nós vemos os gregos começarem a perder. Vemos o campeão
de Troia, Heitor, crescendo em tamanho e confiança. Vemos a batalha virando
tanto a favor dos troianos que eles haviam encurralado os gregos de costas para
o mar e atacavam os navios ancorados com tochas e lenha ardente.
E nós vemos Aquiles, no momento de extremo perigo, investindo para salvá-
los, derrotando os campeões troianos e salvando o dia.
E porque nós somos leitores inteligentes e experientes, nós também sabemos
que, desde que a ira de Aquiles representa o pecado do orgulho, ele (e seus
companheiros gregos) terão pagado em oceanos de sangue antes desta hora da
vitória final – e que a vitória em si, para os gregos e para Aquiles, será no
mínimo metade tragédia.
Parece ótimo, não?
15. TUDO BEM SER CRIATIVO
N osAtéanos 1950 e início dos 1960, não havia coisas como “pessoa criativa”.
em publicidade não havia “criativos”. Redatores vestiam terno e
gravata, como Jon Hamm em Mad Men.
Tudo isso mudou em meados dos anos 1960, com a chegada de Bill
Bernbach, George Lois, Helmut Krone[16] e a nova geração de redatores e
diretores de arte.
Os redatores eram predominantemente judeus, e os diretores de arte, italianos.
Antes do seu advento, o ramo da publicidade tinha sido terreno exclusivo de
caras com sobrenomes como Ogilvy e Bates.[17]
Do dia para a noite, ser criativo era descolado.
Para mim, isso foi revolucionário. Foi uma mudança de vida. Lembro-me de
entrar em reuniões e olhar para todos aqueles outros esquisitos, geeks,
aberrações e bárbaros.
Eu disse a mim mesmo “Tudo bem ser o tipo de pessoa que eu sou.”.
Tudo bem ser ansioso.
Tudo bem não conseguir dormir.
Tudo bem ter problemas de autoestima.
Tudo bem ser um introvertido, procurar os cantos quietos em uma festa,
importar-se com qualidade, ter seu humor afetado pelos arredores.
Os papéis que escolhi na vida e na carreira, eu me dei conta, não
eram limitados a homem de negócios, atleta e patriota imbecil.
De repente, eu entendi porque eu estava tão mal-humorado, neurótico, ao
mesmo tempo paranoico e megalomaníaco, desconfiado, inquieto, movido pela
ambição, mas paralisado pela culpa da minha ambição, excitado, obsessivo,
compulsivo, obsessivo-compulsivo, para não dizer tímido, retraído e com
caspa.
Eu era criativo.
Todas as pessoas criativas eram assim!
16. A DOENÇA DO CLIENTE
S ecliente.
você já teve um negócio, você atendeu clientes. Talvez tenha sido um
N onegócios.
ramo da publicidade, 20% do nosso tempo é gasto buscando novos
Isso significa a agência saindo e buscando novas contas.
Algumas contas parecem estar em jogo o tempo todo. Burger King. 7Up.
Chrysler.
Perguntar por que esses negócios sempre estão em apuros (e sempre
procurando por novos anúncios e campanhas para salvá-los) é perguntar “qual é
o problema?”
Resposta: essas companhias são vistas como perdedoras.
Elas são a segunda melhor, damas de honra eternas e perdedoras.
Burger King está atrás do McDonald’s, 7Up segue a Coca, Chrysler fica para
trás da Ford e da GM.
Quando, em 1967, pessoas muito inteligentes na conta da 7Up na J. Walter
Thompson vieram com a campanha chamada “A Não Coca-Cola”, eles
resolveram o problema.
O problema não era o sabor. O problema não era o preço.
O problema não era conter açúcar.
O problema era a percepção do público da 7Up como uma perdedora.
Chamar a 7Up de “A Não Coca-Cola” posicionou a bebida não como segunda
melhor que a Coca ou Pepsi, mas como uma alternativa equivalente. Tão boa
quanto, apenas diferente.
Defina o problema e você está na metade do caminho para a solução.
22. FLASHFORWARD: DEFININDO O
PROBLEMA NA FICÇÃO
Q uando seu romance ou roteiro está desintegrando diante de seus olhos, não
é uma má ideia voltar a pensar como um cara da propaganda.
Não pergunte “Qual é a solução?”, pergunte “Qual é o problema?”
O problema na ficção, do conturbado ponto de vista do escritor, é quase
sempre “Sobre o que é essa maldita coisa?”
Em outras palavras, qual é o tema?
Qual é o tema do nosso livro, da nossa peça ou do nosso roteiro de filme?
Qual é o tema do nosso novo restaurante, nossa startup, nosso videogame?
Quando não sabemos o tema, não sabemos o problema.
Você se lembra do piloto de Breaking Bad?
Naquela primeira hora de exibição em 20 de janeiro de 2008, Walter White é
atingido por muitas coisas. É diagnosticado com um câncer inoperável. Para
garantir o sustento de sua família após a sua morte, ele decide começar a
cozinhar metanfetamina. Ele junta-se a um ex-aluno, vende seu primeiro lote e,
ao longo do caminho, mata dois criminosos seus concorrentes. Uau! Como
Vince Gilligan, criador da série, fez todas essas coisas terem coerência? E como
ele manteve tudo amarrado por seis temporadas soberbas?
A resposta está em uma cena do piloto, que acontece em uma aula de química
de Walter White no ensino médio.
Ele pergunta às crianças “O que é Química?”. Vários alunos dão respostas
chatas. Então, nosso herói, interpretado brilhantemente por Bryan Cranston,
responde à questão.
WALTER WHITE:
“Mudança. Química é o estudo da mudança. Elementos combinam-se e
tornam-se compostos. Isso é tudo na vida, certo? Solução, dissolução.
Crescimento. Desintegração. Transformação. É realmente fascinante.”
Esse discurso não está lá por acidente. É a declaração do tema de Vince
Gillian.
Problema: Sobre o que é esta série?
Solução: Transformação.
A partir desse ponto da série, do piloto até a temporada final, cada episódio e
cada cena será sobre transformação. Quando os roteiristas se perderem e
sentirem que estão perdendo o controle do seu material, eles retornarão a essa
base.
“Faça este momento ser sobre transformação.”
E ninguém, é claro, se transformará mais do que nosso gentil protagonista
Walter White.
23. CALL TO ACTION
E uguardando
trabalhei com publicidade em três momentos diferentes, sempre
dinheiro para escrever um romance. Sem essa grana e liberdade,
eu nunca seria capaz de ir atrás do trabalho que eu amava.
E mesmo que trabalhar nas trincheiras da Mad Ave[23] possa ter sido estar me
vendendo, trabalhando para o chefe, prostituindo talento de alguém etc., se eu
tivesse tentado ser genuíno e trabalhar apenas com escrita de verdade, meu
cadáver teria sido encontrado em um abrigo de papelão embaixo de um
viaduto.
Ridley Scott trabalhou com publicidade, assim como Satyajit Ray, Scott
Fitzgerald e Salman Rushdie, e centenas de outros que produziram coisas
imortais no mundo artístico real.
Tudo bem trabalhar para o Senhor Charley[24] de vez em quando.
Nem todos podem ser Bob Dylan ou Neil Young.
LIVRO DOIS – FICÇÃO, PARTE UM
26. SEM RAÍZES
Q uando tinha 24 anos, eu saí da publicidade pela primeira vez e parti para
escrever um romance. Eu não estava mais preparado para embarcar nisso
do que estaria um típico jovem de 24 anos para ir para a guerra ou pular do
topo do Empire State.
Quatro anos depois, eu estava quebrado, divorciado etc., tendo, nesse ínterim,
cruzado os Estados Unidos treze vezes na minha van Chevy 65, me sustentando
de várias maneiras – como motorista de táxi, bartender, professor substituto,
atendente em um hospital de saúde mental, motorista de caminhão empregado
de exploração de petróleo, imigrante coletor de frutas[25]. A gota d’água veio em
uma rodovia devastada pelo vendaval, em novembro de 1972, em Amarillo,
Texas, quando um amigo que eu acabara de fazer – um fazendeiro que viajava
com sua nova esposa e todos os seus bens materiais em dois sacos de papel –
me convidou para trabalhar com gado no sítio de seu irmão, no leste de
Lubbok. Por alguns segundos, eu pensei nisso.
Um caubói.
Isso completaria minha odisseia americana?
Deixei pra lá e vim para casa em Nova Iorque, onde encontrei novamente
trabalho como redator publicitário.
27. IGNORANTE
E utambém
tinha vinte e nove anos quando saí da publicidade pela segunda vez e,
pela segunda vez, parti para escrever um romance. Aqui estão
coisas que eu não conhecia e de que nunca tinha ouvido falar:
Gênero.
Dispositivo narrativo.
Tema.
Incidente incitante.
Estrutura de três atos (ou atos múltiplos).
Conflito, clímax, resolução.
E todo o resto.
Eu tinha 2.700 dólares em economias. Pus minhas coisas na minha van Chevy
e me mudei de Nova Iorque para Carmel Valley, Califórnia. Aluguei uma
pequena casa atrás de uma casa ligeiramente maior por 105 dólares o mês. Eu
tinha meu gato, Mo, uma mesa e minha máquina de escrever Smith Corona.
Eu mergulhei.
28. MEUS DEMÔNIOS
E udentro
não tinha ideia de Resistência naqueles dias. Eu não sabia que existia
da minha cabeça uma força invisível, insidiosa, intratável, infatigável
cujo único objetivo era me impedir de fazer meu trabalho, ou seja, terminar o
livro que eu vinha tentando escrever ao longo de sete anos – e finalmente me
destruir, física, psicológica e espiritualmente.
Tudo que eu sabia é que eu não conseguia terminar nada.
Meu padrão era desistir.
Falhar.
Cancelar.
Eu pegaria a bola por todo o caminho até a linha final. Então, eu pararia.
Esse era o meu padrão.
Isso era que eu sempre fiz.
Esse era o demônio com quem eu lutava naquela edícula atrás da casa maior.
Ou eu mataria aquele dragão, ou ele me mataria.
29. LEITURA
H áalguns
uma biblioteca local[26] em Carmel Valley. Eu comecei a emprestar
livros. Peguei cada livro que eu deveria ter lido na escola, mas não o
fiz porque estava muito ocupado jogando sinuca e poker.
Eu li Guerra e Paz. Li Crime e Castigo. Li Pais e Filhos. Li O Vermelho e O
Negro, de Stendhal; Fome, de Knut Hamsun. Eu li Proust, Balzac e Andre
Malraux. Li Madame Bovary; li Um Dia na Vida, de Ivan Denisovich; e Nada
de Novo no Front. Li Joyce, Yeats, Dylan Thomas, Hemingway, Fitzgerald,
Steinbeck, Henry Miller, Jack Kerouac, William Burroughs. A cada dia, eu
terminava de escrever, pegava outro clássico e mergulhava nele.
O que eu aprendi?
Porra nenhuma.
Eu sequer sabia que havia algo a aprender.
Ainda...
Ainda.
30. VOZ
O que ajudou, curiosamente, foram minhas próprias cartas. Isso foi em uma
época em que pessoas escreviam cartas. Escrevi algumas extensas aos meus
amigos. Quando as revisava, corrigindo erros de digitação, às vezes eu parava e
dizia “Uau, isso soa como eu”.
Como nós nos formamos?
Por quais meios descobrimos quem somos?
A resposta para nós é a mesma que para os personagens na ficção.
Descobrimos quem somos pelo que dizemos e fazemos. Revelamos nossa
natureza por meio das ações.
Comecei a ler minhas cartas novamente, devagar e com cuidado.
Em qual estado de espírito entrei quando escrevi a um amigo? Eu estava
“pensando”? Estava “tentando”? Estava “escrevendo”?
Talvez haja uma pista aqui.
Talvez seja assim que você escreve.
32. TERMINAR
V ocê ainda está aprendendo. Você não sabe o quê. Não pode dizer como.
Mas os meses e anos, os milhões de rasuras e teclas batidas vão para o
banco de alguma maneira. As células se lembram. Algo muda.
Eu tinha trinta e seis anos, em Nova York, quando terminei o terceiro desses
livros de vários anos. Houve um vislumbre? Faça-me o favor.
No mercado de roteiros, existe um conceito chamado momento “Tudo está
Perdido”. Esse momento costuma acontecer lá pelos três quartos do filme. É o
ponto da história em que o protagonista está o mais longe do seu objetivo.
No mundo celuloide, o momento “Tudo está Perdido” é sempre seguido de
um avanço, um ritmo de reviravolta, quando o desespero torna-se esperança (ou
é mesmo o equivalente a esperança) e impulsiona o protagonista para a ação no
Ato Três.
Aqui estava o meu: Hollywood.
Pensei: “Venho escrevendo comerciais de TV por anos. Eu sei o que é filme.
Consigo pensar visualmente e amo filmes”.
Um roteiro.
Vou escrever um roteiro e me mudar para Tinseltown.
LIVRO TRÊS – HOLLYWOOD
37. ESTRUTURA EM TRÊS ATOS
E mroteiros
Los Angeles, eu passei fome por cerca de cinco anos. Escrevi nove
spec. Levei mais ou menos seis meses em cada um. Não vendi
nenhum deles.
Mas aprendi o que é um roteiro.
Aprendi os princípios da estrutura do roteiro.
Um script para um filme é composto de três atos. Ato Um: página um até 25.
Ato Dois: página 25 a 75-85. Ato Três: até o final, página 105 a 120.
Quando alguém me disse isso pela primeira vez (sem dúvida outro escritor
inexperiente), eu imediatamente pensei “Que merda previsível! Não serei
escravo disso!”
Errado.
Se existe um princípio que é indispensável para estruturar qualquer tipo de
narrativa, é este: divida a peça em três partes – começo, meio e fim.
Por que a estrutura em três atos é essencial em um filme? Porque um filme
(ou uma peça) é experienciado pelos espectadores em um único bloco contínuo
de tempo. Não é como um romance ou um ensaio, que podem ser abandonados
e retomados pelo leitor inúmeras vezes antes do final. Com um filme ou uma
peça, o público entra na sala de cinema e se acomoda por 90 ou 120 minutos
ininterruptos. Você, o roteirista, tem que mantê-los colados em suas cadeiras
por esse período de tempo.
Como você faz isso?
Prendendo-os (Ato Um), construindo a tensão e as complicações (Ato Dois), e
fazendo o desfecho de tudo isso (Ato Três).
É assim que se conta uma piada. Situação inicial, desenvolvimento e quebra
de expectativa.
É como se conta qualquer história.
Você já tentou seduzir alguém? O gancho, o desenvolvimento e o desfecho.
Já tentou vender algo a alguém?
Já se meteu em confusão e tentou escapar dela?
O gancho, o desenvolvimento e o desfecho.
Eurípedes trabalhou em três atos. Shakespeare também.
Você sabe alguma coisa que eles não sabem?
38. O CHEFE DEMONSTRA A[30]
A TO UM
Eu a conheci em um bar em Kingstown.
Nós nos apaixonamos. Eu sabia que isso tinha que acabar.
ATO DOIS
Pegamos o que tínhamos e destruímos.
ATO TRÊS
Agora cá estou eu, em Kingstown novamente.
39. FLASHFORWARD PARA FICÇÃO DE
FORMATO LONGO: A REGRA DAVID
LEAN
O primeiro Star Wars estreou quase dez anos depois que comecei a trabalhar
na indústria do cinema. Naquela época, o conceito de “jornada do herói”
(na qual George Lucas havia baseado a odisseia de Luke Skywalker) permeava
Hollywood da cabeça aos pés.
O megassucesso de Star Wars fez todo executivo de estúdio perguntar, sobre
todo potencial projeto de filme, “onde está a jornada do herói? Qual cena
representa ‘o Chamado’? Qual personagem é ‘o Mentor’? Quais ‘aliados e
inimigos’ o herói encontra ao longo do caminho?”
Afinal, o que é a Jornada do Herói?
A jornada do herói é a história original de cada indivíduo, de Adão e Eva a
Ziggy Stardust. É o mito primário da raça humana, o padrão cósmico que cada
uma das nossas vidas (e mil incrementos disso) segue, quer saibamos ou não,
quer gostemos ou não.
Aqui está a versão resumida:
1) Herói começa em um Mundo Normal.
2) Herói recebe o Chamado para Aventura.
3) Herói Recusa o Chamado.
4) Herói encontra o Mentor. O Mentor dá a ele coragem para aceitar o
Chamado.
(Se você está acompanhando, este é o Luke na fazenda de umidificação. Luke
encontra R2D2, abre o holograma angustiado da Princesa Leia e leva R2D2
para Obi-Wan Kenobi.)
5) Herói cruza o Portal, entra no Mundo Especial.
6) Herói encontra inimigos e aliados, sofre provações que servirão como sua
Iniciação.
7) Herói confronta o Vilão e ganha Recompensa.
8) O Caminho de Volta. Herói foge do Mundo Especial, tentando “voltar para
casa”.
9) Vilão persegue Herói. Herói precisa lutar/fugir novamente.
10) Herói volta para casa com a Recompensa, volta para o Mundo Normal,
mas agora como alguém que mudou, graças às provações e experiências em sua
jornada.
Pegue qualquer filme, de Casablanca a Perdido em Marte, incluindo filmes
com estruturas aparentemente transgressoras, como Pulp Fiction, ou
Adaptação, de Charlie Kaufman.
No cerne de cada um, de uma forma ou de outra, você encontrará a jornada do
herói.
43. A JORNADA DO HERÓI EM TRÊS
ATOS
V ocê está começando a perceber os contornos do que faz uma história ser
uma história? Consegue ver a arquitetura universal que está por trás de
cada conto, das sagas nórdicas ao South Park e Keeping Up with the
Kardashians?
Estrutura em Três Atos + Jornada do Herói = História.
44. A JORNADA DO HERÓI, VERSÃO
APROFUNDADA
A lém da sua utilidade como “cola” para escrever filmes de sucesso, o que é
exatamente a jornada do herói?
Quem a inventou?
De onde veio? Qual é o seu propósito?
De acordo com Carl Jung, a jornada do herói é um elemento do inconsciente
coletivo. Joseph Campbell a identificou em mitos e lendas de praticamente cada
cultura no planeta. Jung descobriu que ela surgia espontaneamente nos sonhos e
neuroses de seus pacientes psiquiátricos.
A jornada do herói surgiu, os dois homens especularam, da experiência
acumulada da raça humana por milhões de anos. A jornada do herói é como um
sistema operacional (ou um software em um sistema operacional) que cada um
de nós recebe ao nascer, enraizado em nossas psiques, para nos ajudar a
navegar nesta passagem pela vida.
A jornada do herói atua como um modelo ou um manual de usuário. Ela nos
diz “Assim é como as coisas funcionam, como a vida funciona. Este é o mapa
para o caminho que a sua vida trilhará.”
(Leituras necessárias/sugeridas: O Herói de Mil Faces – Joseph Campbell;
Ensaios Sobre Psicologia Analítica, v. 2 – C. G. Jung; Símbolos da
Transformação – C. G. Jung; e para os verdadeiros detalhes de Hollywood, A
Jornada do Escritor – Christopher Vogler).
45. POR QUE HISTÓRIAS FUNCIONAM
OU NÃO
Q uatro capítulos atrás, escrevi que a história “é experienciada pelo leitor com
a alma. E a alma tem uma estrutura universal de receptores narrativos.”
O que eu quis dizer é que o modelo da jornada do herói está infiltrando-se em
nossas psiques 24 horas por dia, sete dias por semana (estejamos cientes disso
ou não), e que, inconscientemente, colocamos todas as outras histórias – cada
livro que lemos, filme a que assistimos – ao lado dela e nos perguntamos,
também inconscientemente: “esta história soa verdadeira?”
A jornada do herói é nosso marco.
Quando o livro que lemos ou filme a que assistimos corresponde a essa
história original, dizemos “funciona”.
Nós sabemos que isso funciona não com a nossa mente, mas com nossas
entranhas.
A história nos comove. Ela nos satisfaz emocionalmente. Chegamos ao seu
final nos sentindo como se tivéssemos acabado de comer um prato de carne
com batatas.
Quando a história não se ajusta ao modelo da jornada do herói (mesmo que,
novamente, estejamos completamente inconscientes disso ou nunca tenhamos
ouvido falar da jornada do herói), nós deixamos o livro de lado ou saímos do
cinema insatisfeitos e vagamente irritados.
“Sei lá”, nós dizemos. “Parece que algo ficou faltando na história.
Não me pegou. Eu estava entediado. Desandou tudo no final”.
46. TODO GÊNERO É UMA VERSÃO DA
JORNADA DO HERÓI
O s princípios da narrativa às vezes são tão óbvios que nós não os vemos.
Claro, você diz, uma história tem que ser sobre algo. Mas eu o desafio.
Leia milhares de roteiros escritos por aspirantes a escritores. Noventa e nove
por cento deles será sobre nada (e eu não digo isso de modo positivo, como
Seinfeld[34], o qual, a propósito, nunca foi sobre nada).
O que significa “ser sobre algo”?
Hamlet é sobre algo.
O Poderoso Chefão é sobre algo.
The Walking Dead é sobre algo.
Por baixo das perseguições, cenas de sexo e efeitos especiais, um livro ou
filme que funciona é sustentado por um tema.
Uma única ideia mantém o trabalho coeso e o torna coerente.
Nada naquele livro ou filme está fora do tema.
48. TODO PRIMEIRO ATO PRECISA TER
UM INCIDENTE INCITANTE
F izcurso
um curso de Robert McKee. Chamava-se Estrutura de Roteiro, à época. O
durava três dias – metade da sexta e todo o sábado e domingo.
Custou-me 199 dólares, eu acho.
A turma estava cheia de outros aspirantes a roteiristas, bem como de atores e
atrizes, executivos de estúdio, caras e garotas de desenvolvimento.
Todos estávamos desesperados para descobrir o que fazia um filme funcionar.
McKee cumpriu.
Na aula de sexta à noite, na primeira hora, ele apresentou o conceito de
Incidente Incitante.
O que foi revolucionário para mim não foi tanto aquela ideia específica
(embora de fato tenha mudado tudo sobre meu modo de trabalho), mas sim o
pensamento de que tais coisas poderiam ser ensinadas.
Você pode estudar.
Você pode aprender.
Você pode melhorar.
O Incidente Incitante é o evento que faz a história começar.
Ele pode ocorrer em qualquer lugar entre o Minuto Um e o Minuto Vinte e
Cinco. Mas precisa acontecer em algum lugar do Primeiro Ato.
Nunca tinha me ocorrido que uma história precisa começar. Eu pensava que
ela começava por si mesma.
E certamente eu nunca tinha me dado conta de que o escritor tinha que
construir conscientemente aquele momento específico em que a história
começa.
49. COMO UMA HISTÓRIA COMEÇA?
E uValente),
aprendi isso com meu amigo Randall Wallace (que escreveu Coração
que aprendeu com Steve Canell[36], o mestre dos milhões de
enredos de The Rockford Files a Baretta a 21 Jump Street.
Novamente, isso não é uma fórmula. É um princípio da narrativa.
Uma vez que o Alien estiver a bordo de Nostromo, uma vez que o Grande
Tubarão Branco começou a cruzar as águas de Amity, uma vez que os Tripods
de Guerra dos Mundos tiverem aparecido em Nova Jersey, mantenha-os à
frente e ao centro. Quanto mais assustador o monstro, quanto mais profundo o
risco, mais emoção será produzida nos corações dos espectadores.
Isso funciona para vilões abstratos também, como a iminente crise do
mercado em Margin Call – O Dia Antes do Fim. Uma vez que esse monstro foi
introduzido, os cineastas voltam nele de novo e de novo, e cada vez que o
fazem, a história fica mais tensa e a audiência é envolvida profundamente.
(Ou se você acredita que o verdadeiro vilão de Margin Call – Um Dia Antes
do Fim é a catástrofe moral implícita na iminente decisão do grupo de
executivos de afundar a economia mundial para salvar a si mesmos e suas
empresas [sim, eu acredito nisso], então os cineastas responderam a isso
também. Cada cena do segundo ato fede a essa decisão iminente e a calamidade
da alma que ela implica.)
O vilão em O Lado Bom da Vida é interno. É a obsessão de Bradley Cooper
por voltar com sua esposa Nikki.
No final do Primeiro Ato, Bradley conheceu Jennifer Lawrence. Claramente
ela o ama. Claramente os dois foram feitos um para o outro.
Bradley estragará essa potencial coisa boa com Jennifer porque é obcecado
em voltar com sua distante esposa?
TIFFANY
Fale sobre essa coisa de Nikki. Esse “Amor pela Nikki”. Eu quero entender
isso.
O filme volta para esse Monstro várias vezes durante o Segundo Ato.
Nenhum herói de ação teve mais pavor de um vilão do que Jennifer Lawrence
tem desse antagonista que só existe na cabeça do jovem problemático por quem
ela está apaixonada. Sua dor e risco ao longo do Segundo Ato nos mantêm
presos e torcendo por ela.
Mantenha o vilão na frente durante o segundo ato.
52. TODO PERSONAGEM PRECISA
REPRESENTAR ALGO MAIOR QUE SI
MESMO
E usidoestive em Los Angeles mais ou menos por seis meses. Meu olhos tinham
abertos para os princípios da narrativa. Quando assisto a um filme
agora, eu o estudo. Quando leio um livro, eu o coloco no microscópio.
Debrucei-me sobre os clássicos. Como Billy Wilder produziu tanto drama em
Pacto de Sangue? Por que Shakespeare fez o incidente incitante de Hamlet ser
a aparição do fantasma do pai do protagonista?
Tornei-me um estudioso.
Eu poderia sentar em cafeterias com outros acólitos de Tinseltown,
dissecando diálogos de Robert Towne [37] ou analisando a construção de
personagens de David Webb Peoples[38], e Julius e Philip Epstein[39].
53. FILMES SÃO IMAGENS
C ada negócio tem seus truques. Aqui está um que você aprende como
roteirista em Hollywood: Comece pelo fim.
Comece com o clímax, então trabalhe de trás para frente, até o início.
Carrie, a Estranha.
O Grande Gatsby. Thelma e Louise.
O final dita o começo.
Sou um grande fã deste método “de trás para a frente”. Funciona para
qualquer coisa – novelas, peças, apresentações de novos negócios, álbuns de
música, coreografias.
Primeiro, descubra onde você quer terminar.
Então, trabalhe no sentido contrário para construir tudo o que você precisa
para chegar lá.
55. FLASHFORWARD PARA NARRATIVA
DE NÃO FICÇÃO: COMECE PELO FIM
E mlinhas
2014, a Sentinel/Penguin publicou meu livro A Porta dos Leões: nas
de frente da Guerra dos Seis Dias, sobre a Guerra Árabe-Israelense
de 1967. O livro era não ficção. Cada pessoa era real, cada evento realmente
aconteceu. A natureza do material não poderia ser mais diferente daquela da
ficção ou de um filme de fantasia.
Mesmo assim, eu usei exatamente o mesmo princípio: comece pelo final.
Não só comecei pelo final ao escrever o livro, comecei pelo final escrevendo
a Proposta do Livro, ou seja, o documento de cinquenta páginas que seria
enviado às editoras com a intenção de obter um contrato, para que eu tivesse
dinheiro para escrever o livro.
Funcionou.
Se eu e você sabemos o clímax de Perdido em Marte (Mark Watney [Matt
Damon] volta a salvo para a Terra com uma ajudinha dos seus amigos), nossa
tarefa ao escrever o livro/roteiro torna-se exponencialmente mais fácil. Nós só
temos que ir escalando os obstáculos que Mark/Matt (e seus aliados na Terra e
no espaço) precisam vencer.
56. FLASHFORWARD PARA NARRATIVA
DE NÃO FICÇÃO: AS REGRAS DE
HOLLYWOOD AINDA SE APLICAM?
M eudiretor
primeiro trabalho pago em Hollywood foi escrever um script para o
Ernie Pintoff. Trabalhamos lado a lado na grande mesa de carvalho
da cozinha do Ernie.
Cada vez que travávamos, Ernie dizia a mesma coisa: “Faça um corpo cair no
chão”.
Ele estava falando de apostas.
Por que tantos personagens são mortos (ou ameaçados de morte) nos livros e
nos filmes? Porque isso aumenta as apostas da história para vida e morte.
O quão altas devem ser as apostas na sua história? O mais altas possível.
Apostas altas = grande envolvimento emocional da audiência.
É por isso que tantos filmes são sobre o fim do mundo. Invasores alienígenas,
pestes, colisão com asteroide, apocalipse zumbi.
Todos eles funcionam para aumentar as apostas. Truque barato, você diria.
Sim. Mas funciona.
Faça as apostas de vida ou morte para o seu herói ou para alguém que ele/ela
ama. Ou vá além da morte e da vida, para a danação. Extinção da alma. Um
destino pior que a morte. O Homem do Prego. A Outra Volta do Parafuso. No
Vale das Sombras.
Isso soa como fórmula, eu sei. Mas é a medula e o tendão da narrativa, e se
você não acredita em mim, por favor, confirme com o Sr. W. Shakespeare.
58. RISCO
H ápodem
um exercício que atores fazem em aulas: um homem e uma mulher (ou
ser duas pessoas do mesmo sexo) sentam-se um ao lado do outro no
palco. O professor dá a eles um roteiro fraco, inócuo, algo sobre uma
confeitaria, digamos, ou assistir a um gato brincando com uma bola de lã.
Mas o professor orienta os alunos a fazerem a cena como se eles estivessem
seduzindo um ao outro.
JANE
... sim, o fio continuou rolando pelo tapete...
JIM
Não brinca. De que cor era?
O roteiro é o texto.
A sedução é o subtexto.
O desafio dos atores é comunicar de modo não verbal o desdobramento de
uma narrativa que está o mais longe do texto possível.
Você já viu o filme Confissões Verdadeiras? Robert De Niro e Robert Duvall
interpretam irmãos, na Los Angeles de 1940. Duvall é um detetive de
homicídios muito-comprometido, De Niro é um poderoso monsenhor, uma
estrela em ascensão na arquidiocese de Los Angeles.
A relação dos irmãos é tensa durante a película, com De Niro aparentemente
reprovando o mundo corrupto de Duvall – até o momento próximo do final do
filme, quando, sentados no balcão de uma lanchonete, De Niro, o monsenhor,
confessa que seu mundo interior aparentemente perfeito está, na verdade,
fatalmente perturbado.
Duvall ouve essa revelação, para por um longo momento, então
aponta com uma das mãos a prateleira de sobremesas no balcão.
ROBERT DUVALL
Quer alguma coisa? Torta?
Tenho certeza de que não fui o único espectador que engoliu o choro naquele
momento.
Isso é escrita.
Isso é escrever filmes.
(E uma excelente atuação de Robert Duvall).
O poder da performance vem do contraste entre dois níveis de expressão: o
que está sendo dito (texto) e o que está sendo comunicado por meios não
verbais (subtexto).
Quanto maior o contraste, mais poderosa é a emoção produzida no público.
O prazer que nós, cinéfilos, obtemos desta justaposição de texto e subtexto
vem do fato de podermos participar do momento. Nós assistimos e pensamos
“Tá vendo, Robert Duvall realmente ama seu irmão. Apesar de todas as coisas
ruins entre eles, no fim, Duvall se importa.”
A segunda parte do exercício de atuação do início deste capítulo ocorre
quando o professor interrompe a cena de sedução e orienta os dois estudantes a
usar o mesmo script fraco, mas, desta vez, fazerem a cena como se um deles
estivesse prestes a assassinar o outro, e o outro sabia disso.
JANE
... sim, o fio continuou rolando pelo tapete.
JIM
Não brinca. De que cor era?
Quando fui para Hollywood pela primeira vez, escrevi cenas que eram
“diretas”. Esse é o crime mais hediondo que um roteirista pode cometer.
Diálogos que são “diretos” expressam exatamente o que será retratado de forma
não verbal pelos atores.
ROBERT DUVALL
(coloca o braço em torno de Robert De Niro) Irmão, apesar de todos os nossos
problemas, eu realmente me importo com você. Há alguma coisa que eu possa
fazer para ajudar?
60. DIGRESSÃO: NARRATIVA DE
HOLLYWOOD
O squalidade
princípios de história que você aprende em Hollywood têm uma
primordial em comum: eles são muito americanos.
Por que existem filmes franceses, ou feitos no Japão, Irã ou Israel, tão
diferentes das películas nativas dos EUA? Porque histórias estrangeiras surgem
de águas alienígenas. Os cineastas não compartilham as mesmas premissas que
nós, ianques.
1) Filmes americanos acreditam no Sonho Americano.
Histórias americanas começam com base na igualdade e liberdade. Para nós,
esses elementos são universais. Nós os consideramos garantidos.
Histórias americanas compram (e vendem) o Sonho Americano – você poder
ser o que quiser se estiver disposto a trabalhar por isso. E eles lidam com o
Pesadelo Americano – e se tentarmos e falharmos?
Essas não são verdades universais, nem mesmo aspirações universais.
O Talibã não acredita neles.
O ISIS rejeita-os completamente.
Espectadores americanos amam filmes sobre azarões de sucesso – Rocky, ou
Rudy, ou Free Willy. Filmes dos EUA glorificam os excêntricos e os esquisitos.
Nós amamos nerds, geeks e serial killers (se eles forem simpáticos), vampiros,
lobisomens e zumbis. Amamos rebeldes, com causa ou sem. Amamos
mutantes. O mutante é o indivíduo supremo, extremamente incompreendido. X-
Men, Quarteto Fantástico, até Nebraska e Big Bang Theory. Seja você mesmo,
dizem os filmes americanos. Confie na Força.
Filmes russos atingem maiores profundidades. América é adolescente; Rússia
é anciã. Os russos sofreram com a fome e doenças; suportaram a derrota na
guerra, uma revolução violenta e uma contrarrevolução ainda mais violenta, e
todas as calamidades pessoais e coletivas que vêm com levantes políticos e
sociais em grande escala. Os Muppets não evoluíram na URSS. Não existe um
Mickey Mouse russo.
Filmes iranianos buscam por individualidade e peculiaridade em nível
universal. Filmes israelenses são complexos e moralmente excruciantes.
Películas japonesas ascendem a arquétipos lendários e atemporais.
2) Filmes americanos acreditam em causa e efeito.
De Tocqueville [45] chamou a nós, ianques, de “raça de mecânicos”.
Inventamos a máquina a vapor, o descaroçador de algodão, o avião.
Entendemos engrenagens e polias. Nós sabemos como usar uma chave de roda.
O Sonho Americano é mecânico também. Ele acredita em justiça. Se eu e
você trabalharmos duro e jogarmos conforme as regras, teremos sucesso. Isso é
um artigo de fé nos EUA (e cada onda de imigrantes que migra para a costa dos
EUA acredita nele com fervor).
Filmes americanos refletem essa crença otimista. Assim como eu e você
podemos consertar nosso Ford V-8 se aplicarmos fielmente as leis da mecânica,
também podemos encontrar o amor de nossa vida, entregar o vilão à justiça,
salvar o mundo do apocalipse. Nós apenas temos que resolver o problema.
Como Tim Gunn[46] diz, “faça funcionar”.
A vida realmente segue as leis de causa e efeito? Se você está fazendo essa
pergunta, sem dúvida você está fazendo filmes em Budapeste ou Rangum.
3) Filmes americanos são (com notáveis exceções) sem ironia.
Hollywood busca o Gran Finale. O nó na garganta, o órfão salvo da
tempestade, o gol aos 45 minutos do segundo tempo.
Isso porque nossas películas nativas acreditam (e trafegam) no Sonho
Americano. Então Harry encontra Sally, Luke explode a Estrela da Morte,
Ripley derrota o Alien. Em Walla [47]ou West Village[48], o público teria ficado
furioso se esses filmes tivessem terminado de outro jeito.
Quando você vê um filme americano com um final irônico ou trágico, quase
sempre ele foi escrito ou dirigido por um estrangeiro. Chinatown, de Roman
Polanski, Pacto de Sangue, de Billy Wilder. Até Sindicato dos Ladrões foi feito
por Elia Kazan, que era greco-americano, mas bem mais grego que americano.
E Os Brutos Também Amam é a exceção que confirma a regra.
Portanto, eu não estou fazendo lobby para os axiomas nestes capítulos como
princípios atemporais da narrativa que se aplicam em todas as galáxias e
estações do ano. Esses são os princípios de Stars and Stripes.[49] Eles surgiram –
e refletem – em um lugar e clima bem específicos.
Devemos ter isso em mente quando nos voltamos ao “modo romance” e
procuramos ir além dos três atos e além de causa e efeito.
61. NARRATIVA DE HOLLYWOOD, PARTE
DOIS
À sdimensões
vezes, quando queremos deixar nossa história “real”, nós reduzimos as
dos nossos personagens. Faz sentido, certo? Pessoas reais são
normais. Vamos escrever um herói normal.
Errado.
Meu primeiro agente costumava me surrar por causa disso. “Por que você está
escrevendo um personagem principal que nem este? Que ator vai querer
interpretar esse babaca? Posso dar isso ao Kevin Costner? Você está me
matando!” O público quer ver uma estrela. Brad Pitt. Angelina Jolie. George
Clooney.
Até Bruce Dern em Nebraska ou Jack Nicholson em As Confissões de
Schmidt. Esses personagens não poderiam ter sido mais perdedores. Mas eram
estrelas.
O que faz um papel para uma estrela?
1) Os problemas dele ou dela conduzem a história. Os deles e de ninguém
mais. Cada personagem na história gira em torno dele ou dela.
2) Seu desejo/problema/objetivo é (para ele, no contexto do seu mundo)
imenso. As apostas para ele são vida ou morte.
3) Sua paixão por seu desejo/problema/objetivo é insaciável. Ele perseguirá
isso até, como Joe Biden poderia dizer, os portões do inferno.
4) No ponto crítico da história, suas ações ou necessidades (e de mais
ninguém) ditam o rumo que a história toma.
5) Ela termina quando os problemas dele são resolvidos, e não antes.
Aqui estão três papéis interpretados por Matthew McConaughey nos últimos
anos: Ron Woodroof em Clube de Compras Dallas, Mud em Amor Bandido,
Rust Cohle em True Detective.
Cada problema do personagem conduz a história. Cada paixão dele é
insaciável. Cada personagem é uma estrela.
Coloque esse tipo de papel no centro de sua história e todo o resto se
encaixará.
63. ESCREVA PARA UMA ESTRELA,
PARTE DOIS
O motivo que você tem para escrever para uma estrela em Hollywood é que
um roteiro não é nada até que seja rodado como um filme.
A mídia são os filmes, não os roteiros.
E para fazer um filme (tê-lo financiado, produzido, distribuído), você precisa
de uma estrela.
O que isso significa para você e para mim, os escritores?
No capítulo anterior, nós elencamos um número de qualidades que um papel
digno de uma estrela requer. Aqui está outra:
A personagem precisa passar por uma mudança radical desde o começo até o
final do filme. Ela deve ter um arco. Ela deve evoluir.
Pense nos papéis que Meryl Streep tem interpretado – Karen Blixen em Entre
Dois Amores, Karen Silkwood em Silkwood – O Retrato de uma Coragem,
Francesca em As Pontes de Madison. Não é por acaso que cada um desses
personagens passa por uma transformação quase total ao longo do filme. A
Senhora Streep não teria dito sim para o papel se não fosse assim.
Mas isso começa com o escritor. Ele escreve para a estrela e criou um papel
digno de uma estrela.
64. GRANDE TEMA = GRANDE ESTRELA
E uEstava
trabalhei sozinho por mais cinco anos como roteirista. Eu melhorei.
escrevendo coisas muito mais inteligentes do que escrevi com
Stanley e me senti melhor por ser tudo meu. Eu podia fazer isso. Eu me sentia
como um profissional. Eu era um profissional.
Então eu tive a ideia para o The Legend of Bagger Vance.[58]
A história me veio pronta. Eu podia vê-la do começo ao fim.
Só havia um problema. A ideia veio como livro, não como filme.
A versão resumida é que contei ao meu agente e ele me demitiu. Ele me disse
que não podia se dar ao luxo de me esperar enquanto eu saía para satisfazer
minhas fantasias literárias.
Tomei outra decisão.
Foda-se meu agente.
Eu vou escrever o livro.
LIVRO QUATRO – FICÇÃO: A SEGUNDA
VEZ
75. COMO A CARREIRA TOMA FORMA
M euvidaamigo David Leddick costuma dizer que você nunca pode planejar sua
porque inúmeros imprevistos surgem. “Você conhece alguém e
termina morando em outro país, falando outro idioma.”
Ainda assim...
Ainda assim, o arco de uma carreira não é totalmente aleatório ou moldado
por fatores além da sua compreensão ou controle. Eu senti a vida toda que
estava em um processo e sendo guiado, mesmo que não soubesse exatamente
pelo quê.
Comecei Bagger Vance com um receio enorme. Será que eu falharia de novo,
como todas as outras vezes que tentei escrever algo com mais de 120 páginas?
O que era diferente desta vez? Eu tinha aprendido alguma coisa?
Para o meu espanto, a história jorrou de mim. Claro que eu estava certo de
que ninguém estaria interessado nela. Uma história de golfe? Com dimensões
místicas? Faça-me o favor.
Mas eu não me importei. Estava possuído.
Quando prosperei, quatro anos depois, eu tinha terminado e publicado no
mais alto nível profissional três sucessos consecutivos – The Legend of the
Bagger Vance, Portões de Fogo e Tempos de Guerra, este com 120.000
palavras, narrando todos os sete anos da Guerra do Peloponeso.
Que porra é essa?
O que aconteceu?
76. MEU SUCESSO REPENTINO
E uTampouco
nunca escrevi nada bom até parar de tentar escrever a realidade.
tive alguma diversão de verdade.
A realidade não é a realidade.
Ficção é a realidade.
O senso comum é “Escreva o que você conhece”. Mas algo misterioso e
maravilhoso acontece quando escrevemos o que não conhecemos. A Musa
entra na arena. Coisas saem de nós de lugares muito profundos.
De onde isso vem? Do “inconsciente”? Da “área de aprendizado”?
Eu não sei.
Mas eu tive a mesma experiência várias e várias vezes. Quando eu escrevo
algo que realmente aconteceu, as pessoas leem e dizem “isso parece mentira”.
Quando eu puxo algo completamente do nada, eu ouço “Uau, isso foi tão
real!”
78. FLASHFORWARD: NÃO FICÇÃO É
FICÇÃO
U m romance pode levar dois anos para ser escrito. Ou três, quatro, cinco.
Você pode fazer isso?
Você pode se sustentar financeiramente? Emocionalmente?
Seu cônjuge e filhos podem lidar com isso?
Você consegue manter sua motivação por esse período de tempo? Sua
autoconfiança? Sua sanidade?
Se necessário, você consegue abandonar seus primeiros dezoito meses de
trabalho e começar do zero?
81. ROMANCES SÃO SOBRE IMERSÃO
E udosfareiescritores
entre dez e quinze rascunhos de cada livro que escrever. A maioria
farão.
Isso é positivo, não negativo.
Se eu estragar o Rascunho #1, ataco de novo no Rascunho #2. Invocarei a
regra de Jack “Top Gun” Epps[66]:
Você não pode arrumar tudo em um rascunho.
Pensar em vários rascunhos tira a pressão. Não estamos tentando erguer Roma
em um dia.
Pensar em vários rascunhos é o resultado de pensar em blocos de tempo. Se
sabemos que vamos fazer quinze rascunhos antes de terminar, não entramos em
pânico quando o Rascunho #6 ainda é uma bagunça.
“Relaxe, ainda temos mais nove tentativas para fazer isso funcionar”. A coisa
boa sobre escrever (ao contrário de escalar o monte Evereste, ou criar filhos, ou
ir para a guerra) é que o trabalho fica como o deixamos.
O que fizemos ontem fica intacto na página, e podemos repensá-lo, revisá-lo,
trabalhar nele novamente amanhã.
86. ENTREGUE-SE AO MATERIAL
U mestrutura.
roteiro, como já dissemos, pode ser controlado. Podemos eliminar a
Podemos rabiscar sessenta cenas em fichas pautadas 3X5 e
pendurá-las na parede. Podemos ter a coisa toda na cabeça. Podemos vê-lo
inteiro.
Mas um romance é muito grande para isso. Séries de TV com várias
temporadas, como Homeland ou The Walking Dead, são muito grandes para
isso.
Grandes ficções têm vários personagens, muitas reviravoltas, muitas
descobertas fortuitas pelo caminho.
Você precisa render-se ao material.
Você precisa se pôr a serviço da ideia.
Se existe uma alegria em escrever (e existe), para mim, é isso.
Quando eu tinha 29 anos, como disse antes, mudei-me de Nova Iorque para
Carmell Valley, Califórnia, com dinheiro suficiente (economizado durante o
trabalho com publicidade) para alugar uma pequena casa e dedicar um ano a
terminar o romance. Sem TV, sem música, sem sexo. Não fiz nada a não ser
escrever o dia todo e ler a noite toda.
Havia dois seres vivos naquela casa – eu e o material.
Foi uma luta na jaula até a morte.
Mas, ao mesmo tempo, foi um caso de amor.
Você pode lutar com o material, pode amaldiçoá-lo, chutá-lo com seus joelhos
ou roê-lo com seus dentes, mas, cedo ou tarde, você não tem escolha a não ser
render-se a ele.
Como artistas, você e eu estamos lutando todos os dias para dominar o
material, para moldá-lo em um todo coesivo com começo, meio e fim. Mas, ao
mesmo tempo, a entidade “inacabado” nos desafia. É uma coisa viva, com seu
próprio poder e destino. Ela “quer” ser algo.
Nosso trabalho é descobrir o que é esse algo – e ajudá-la a se tornar isso.
87. DOMINE O MATERIAL
E mprazer),
algum lugar dos anos 1990, eu estava lendo História, de Heródoto (por
quando encontrei esta passagem:
“Se bem que todos os lacedemônios e téspios se tivessem conduzido com
grande bravura, dizem que Dieneces, de Esparta, a todos suplantou pelo seu
valor e desprendimento na luta, citando-se dele uma frase memorável. Antes da
batalha, tendo ouvido um traquínio dizer que o sol seria obscurecido pelas
flechas dos bárbaros, tão grande era o número deles, respondeu-lhe sem
perturbar-se: “Nosso hóspede da Traquínia nos anuncia toda sorte de vantagens.
Se os medos cobrirem o sol, combateremos à sombra, sem ficarmos expostos
ao seu ardor ”.[72]
Isso foi a gênese de Portões de Fogo. Eu soube instantaneamente que havia
achado meu herói e que dele e desta breve passagem fluiriam conceito, tema,
ponto de vista, dispositivo narrativo, vilão, estrutura em três atos e
conflito/clímax/resolução.
Eu só tinha que fazer o que havia aprendido trabalhando no cinema.
Escreva para uma estrela.
92. ESCREVA PARA UMA ESTRELA EM
FICÇÃO
S eescalar
nós estivéssemos fazendo um filme, poderíamos trapacear e simplesmente
uma estrela.
Não podemos fazer isso em um romance. Nós temos que criar a estrela.
Mas como?
Considere Huck Finn.
Huck é um papel de estrela por definição. Mas o que o faz ser?
Resposta: o tema e o conceito da obra em geral.
Para fazer do protagonista uma estrela, faça do tema e do conceito estrelas
O conceito de Mark Twain para As Aventuras de Huck Finn foi atacar a
questão do racismo contando a história da amizade entre um garoto caipira do
Missouri e um escravo fugitivo pelos olhos do menino – um analfabeto, mas
decente e com um grande coração, cuja cultura regional o havia condicionado a
ser reflexivo e inflexivelmente racista.
Se isso não é um conceito brilhante, eu não sei o que é.
Conforme Huck e Jim se aproximam por meio de várias aventuras juntos e
Huck começa a entender em seu coração o amigo leal que Jim é, além de
corajoso, honrado e nobre, mais culpado Huck se sente.
Sua educação sulista de 1840, que ele vê como “apropriada” e “boa”, o
instruiu, sob pena de danação eterna, que ele não deve ser amigo de Jim, não
protegê-lo e certamente não ajudá-lo a fugir.
No clímax moral da história, Huck pega o bilhete que ele havia acabado de
escrever a Miss Watson, que tornaria Jim um fugitivo:
Era um lugar próximo. Eu peguei [a carta] e a segurei em minhas mãos. Eu
estava tremendo, pois tinha que decidir, para sempre, entre duas coisas, e eu
sabia disso. Ponderei por um minuto, meio que segurando a respiração, e então
disse a mim mesmo: Certo, então, irei para o inferno” – e a rasguei.
Em outras palavras, o poder de estrela do papel de Huck Finn vem da
dimensão e do peso moral do conceito e tema do livro.
Huck é o protagonista. Ele encarna o tema. É a personificação do tema.
Devido ao tema ser profundo e poderoso, e o conceito brilhante e efetivo,
Huck, como seu veículo humano, é repleto de emoção, poder e autoridade
moral.
Ele é uma estrela.
Ou seja, o poder do protagonista deriva diretamente do poder do tema e do
conceito.
Quem se importa se nós, romancistas, não temos o luxo de escalar George
Clooney ou Cate Blanchett?
Nós podemos criar um papel principal escrevendo-o. Escreva Moby Dick e
teremos Ahab.
Escreva Crime e Castigo e teremos Ralkolnikov.
Escreva O Apanhador no Campo de Centeio e teremos Holden Caulfield.
LIVRO CINCO – NÃO FICÇÃO
93. NÃO FICÇÃO É FICÇÃO, PARTE DOIS
S emulheres,
você é uma mulher escrevendo um livro sobre emagrecimento para
é melhor você ter manequim P, com abdômen de tanquinho e ter
fotos suas exibidas proeminentemente ao longo do livro. Do contrário, nós,
leitoras, teremos dificuldade de aceitá-la como uma autoridade.
A autoridade é crítica em autoajuda não só porque é a voz dirigida
diretamente a nós, leitores, pelo autor (ao contrário do personagem na ficção ou
o narrador em terceira pessoa contando uma história), mas também porque
aquela voz está nos prescrevendo algo – uma nova mentalidade, um modo de
agir – e nos estimulando a mudar nossa vida conforme essa prescrição.
Como uma voz estabelece autoridade?
1) Ela pode vir pelo peso da reputação na área, como Stephen King em Sobre
a Escrita ou Twyla Tharp em The Creative Habit.[75]
2) Pode ser embasada por extensa pesquisa acadêmica, como Susan Cain fez
em O Poder dos Quietos.
3) Pode citar suas próprias credenciais profissionais ou acadêmicas, como Dr.
Phil, Dr. Oz ou Dr. Gupta[76].
4) Ou pode ser recorde de vendas e sucesso, como Tony Robbins ou Eckhart
Tolle.
5) A voz em autoajuda pode transmitir credibilidade em seus programas na
TV ou na web, em seu podcast, blog, canal no Youtube, seu número de
seguidores no Facebook, Twitter e Instagram, ou pela presença dominante nas
redes sociais.
Olhe quanta credibilidade uma garota de nome K teve devido a um único
vídeo pornô. Eu falo sério. Nesta área especificamente, um flash de pornografia
amadora estabeleceu autoridade. Definiu um padrão.
6) A mais difícil – e talvez a melhor – maneira de estabelecer autoridade é por
meio da qualidade e integridade da própria voz.
A natureza não pode ser trapaceada ou feita de boba. Ela lhe dará o objeto das
suas lutas somente depois que você tiver pagado seu preço.
Cá estamos novamente nas lições de publicidade, cinema, ficção e não ficção.
Conceito.
Tema.
Dispositivo narrativo.
Se você realmente quer ouvir sobre isso, a primeira coisa que vai querer saber
é onde eu nasci, como foi minha infância miserável, como meus pais eram
ocupados e tudo antes de eles terem a mim, e todo aquele tipo de porcaria de
David Copperfield.[77]
Feito corretamente, uma voz pode transmitir uma autoridade incontestável,
apoiada por nada além da sua própria credibilidade.
De todas as pessoas que conhecerá na vida, você é a única delas que nunca
abandonará ou perderá. Para a questão da sua vida, você é a única resposta.
Napoleon Hill em Pense e Enriqueça, Rich e Jo Coudert em Advice from a
Failure[78], estão usando os mesmos princípios que J. D. Salinger usou em O
Apanhador no Campo de Centeio.
104. A BAGUNÇA QUE SE TORNOU A
GUERRA DA ARTE
P osso me gabar deste porque eu não tive nada a ver com isso. Todo o talento
foi fornecido por Shawn Coyne, que editou e publicou (e intitulou) o livro.
Eu entreguei a Shawn uma pilha de páginas. A pilha era sobre a batalha eu-
contra-eu-mesmo que acontece dentro do crânio de qualquer romancista. Eu a
chamei de A Vida do Escritor.
Shawn disse “Deixa eu pensar sobre isso”.
Então ele fez o que qualquer magnífico editor faria: transformou aquela pilha
de páginas em uma história.
105. COMO SHAWN ESTRUTUROU A
GUERRA DA ARTE
A Guerra da Arte é não ficção. Como sua TED talk ou sua apresentação sobre
gerânios, não há personagens. Não há história. Sem herói. Sem vilão. Sem
mentores arquetípicos ou espíritos animais. Sem Momento Tudo Está Perdido.
Ou não?
O herói de A Guerra da Arte é o leitor.
O vilão é a Resistência.
O Momento Tudo Está Perdido aconteceu no coração do leitor muito antes de
ele pegar o livro.
Eu? Eu sou o Obi-Wan Kenobi.[80]
Minhas últimas palavras para você são “Confie na Força, Luke.”
109. AUTOAJUDA É HISTÓRIA
T ãoResistência,
poderosa quanto é a força negativa e destrutiva a que chamamos
também é a positiva e criativa força que chamamos de Musa.
Sente-se. Abra a torneira. As coisas que aparecerão, pelo menos às vezes,
excederão suas melhores visões.
Você vai encarar o material e exclamar “De onde diabos veio isso?”
113. JEAN-PAUL SARTRE ME DEIXOU
MORTO DE MEDO
N óscirurgião.
sabemos o que um carpinteiro faz. Entendemos o trabalho de um
Mas o que um artista faz? No que consiste sua habilidade?
É esta:
O artista entra no Vazio com nada e volta com alguma coisa.
Sua habilidade é desligar a autocensura. É pular do precipício.
Sua habilidade é acreditar.
Como artistas, em que nós acreditamos? Acreditamos em uma concepção do
universo (ou pelo menos de uma consciência com este universo) que não é
aleatória, nem sem sentido, nem desprovida de significado.
Acreditamos em uma realidade mental que é ativa, criativa, auto-organizada,
que se autoperpetua, infinitamente diversa e, ainda assim, coesiva, governada
por leis que não estão além do alcance e da compreensão humana.
Acreditamos que o universo tem um dom guardado especificamente para nós
e que, se aprendermos a nos colocar à sua disposição, ele o entregará em nossas
mãos.
Acredite em mim, isso é verdade.
116. VOCÊ É UM ESCRITOR?
E utermo
sempre quis ser escritor. Por anos, talvez décadas, eu não aplicava esse
a mim mesmo. Não me considerava digno.
Eu estava tentando ser um escritor.
Estava aspirando a ser um escritor.
Mas eu não era um escritor.
Nem mesmo tenho certeza do que quero dizer com esse termo. É alguma
posição elevada, como “piloto de caça” ou “monge Zen”? Ainda não sei dizer.
Mas eu sou um escritor agora.
Paguei minhas dívidas. Ganhei minhas asas. Talvez eu não seja um grande
escritor, nem mesmo bom, mas sou um escritor.
Eu quis isso e, para melhor ou para pior, fiz com que se realizasse.
117. A BALEIA BRANCA
O que Ninguém Quer Ler Suas M*rdas quer dizer é nenhum de nós quer
ouvir suas egoístas, egocêntricas e não refinadas demandas por atenção.
Por que deveríamos? É chato. Não há nada nelas para nós.
Você pode cantar um blues? Pode fazer um sapato? Torne isso belo. Torne
divertido, sexy e interessante, e eu comprarei. Eu vestirei. Falarei sobre isso aos
meus amigos. Seu livro, seu poema, seu filme podem até ser desesperadores,
contanto que sejam profundamente concebidos e levem minha compreensão da
vida um pouco mais a fundo.
O que Ninguém Quer Ler Suas M*rdas quer dizer é que você/nós/todos nós,
como escritores, precisamos aprender a deixar espaço para o leitor, a trabalhar
em nossas ofertas como um mineiro refina o minério, até que o que surja na
página seja ouro sólido e reluzente.
Se é da nossa alma que estamos falando (em vez de apenas O Que
Escrevemos), então nossa passagem pelas diversas disciplinas desta vida, se
estivermos realmente prestando atenção, é uma educação para eliminar o ego,
nos afastar do medo, da preocupação consigo mesmo, de aspirações por
reconhecimento, recompensas materiais e terrenas, até que nos movamos ao
reino do dom, onde o que oferecemos é para o bem do leitor, não para o nosso.
Quer que eu leia suas merdas? Faça isso e lerei.
APÊNDICE
E nosso campo literário final...
LIVRO OITO - PORNOGRAFIA
119. CENAS DE SEXO
[1]
Lançado originalmente pela Ediouro em 2001 e reeditado com o título Como Superar Seus Limites
Internos pela Cultrix em 2021.
[2]
Bristol-Myers Squibb, também conhecida como BMS, é uma biofarmacêutica global sediada em Nova
Iorque, atuante em vários ramos de pesquisa farmacológica, com filiais em diversos países, inclusive o
Brasil.
[3]
N.T.: Nobody Wants To Read Your Sh*t, o título original do livro em inglês, pode ser traduzido como
Ninguém Quer Ler Suas M*rdas. Como um “mantra”, a frase é repetida ao longo da obra.
[4]
N.T.: Spec script é um roteiro que objetiva buscar a inserção do roteirista no mercado. É elaborado a
fim de tentar que o trabalho seja produzido na indústria cinematográfica/televisiva. É chamado apenas de
spec no Brasil.
[5]
Reuben é um sanduíche popular nos EUA que combina pastrami, queijo suíço e chucrute.
[6]
N.T.: Referência à série de televisão Mad Men, exibida pelo canal AMC, que tem como foco uma
agência de publicidade e o mundo dos profissionais da propaganda nos anos 1960, período em que
publicitários (Mad Men) e publicitárias (Mad Women) se intitulavam desta forma. Também é referência à
Madison Avenue.
[7]
N. T.: Material publicitário produzido em torno do tema da campanha de uma empresa ou produto, de
um conceito básico. Podem usar a mesma abordagem, cores etc. da ideia principal. Também são chamados
de execuções.
[8]
N. T.: Spin-off é uma obra derivada de outra já existente, com foco distinto da original. Por exemplo, os
diversos CSI (Miami, Las Vegas, NY) são spin-offs de CSI: Crime Scene Investigation.
[9]
Serena Williams, considerada uma das maiores tenistas da história; LeBron James, um dos maiores
jogadores de basquete da história da NBA; Rory McIlroy, jogador de golfe irlandês mais jovem a figurar
no top 50 mundial.
[10]
N.T.: Expressão cunhada pela ex-governadora do Alaska Sarah Paulin, em 2009, ao referir-se ao
programa de assistência de saúde proposto por Barak Obama. Segundo Sarah, o projeto “escolheria” quem
tem direito à assistência de saúde segundo critérios subjetivos.
[11]
N.T.: Organização de pequenos empreendedores e startups.
[12]
Crença muito difundida nos EUA no século XIX de que os colonizadores americanos deveriam
espalhar-se pelo continente, pois eram eleitos de Deus para civilizá-lo.
[13]
Nome oficial para a Guerra do Iraque, que teve início em 2003 e término em 2011, encabeçada por
EUA e Inglaterra. O conflito resultou na captura e morte de Saddan Hussein.
[14]
Livro mais publicado em língua inglesa, é a tradução da bíblia para a Igreja Anglicana, por ordem do
rei Jaime I, no século XVII.
[15]
N. T.: Nome informal para Hollywood, normalmente para referir-se de modo pejorativo ou fazer
chacota.
[16]
Bill Bernbach é fundador da agência DDB, mundialmente famosa por campanhas publicitárias como a
do Fusca, em 1960; George Lois é um diretor de arte famoso por ilustrar as capas da revista Esquire por
10 anos; Diretor de Arte na DDB por trinta anos, foi responsável pelo conceito da campanha do Fusca de
1960.
[17]
Os nomes são referência a duas companhias de publicidade famosas nomeadas a partir de seus donos,
a Bates (fundada por Ted Bates, em 1940) e a Ogilvy (fundada por David Ogilvy, em 1948).
[18]
N. T.: Gíria americana para consultoria externa em empresas. O termo vem do livro M*A*S*H, de
Richard Hooker. No livro, o personagem Hawkeye finge ser um profissional vindo de Dover, Inglaterra,
para conseguir acesso gratuito a campos de golfe.
[19]
Organização avícola mais antiga da América do Norte.
[20]
N. T.: No Brasil, principalmente em marketing de conteúdo, o termo é expresso com a sigla CTA.
[21]
N. T.: O termo storytelling é, atualmente, muito utilizado pela área do marketing e marketing de
conteúdo, no sentido de produzir histórias que gerem identificação com o cliente e fazer mais conversão
em vendas, conceito distinto da área de escrita literária.
[22]
N. T.: O termo original é payoff, utilizado pelos roteiristas para especificar o processo em que o
escritor “planta” as tensões no espectador e depois “colhe”. Também pode ser interpretado como “pagar”
ao espectador tudo o que prometeu.
[23]
N. T.: No episódio piloto de Mad Men, é dito que “Mad” foi o modo cunhado pelos publicitários de
1950 para chamarem a si mesmos, que seria uma redução de Madison Avenue.
[24]
N. T.: Termo cunhado pela sociedade afro-americana para referir-se a donos de escravos ou homens
brancos poderosos vistos como exploradores de mão de obra barata.
[25]
Profissão muito procurada por imigrantes em fazendas, nos períodos de colheita de frutas e vegetais.
[26]
Um tipo de biblioteca menor, comunitária, mas que faz parte do sistema central de bibliotecas
americanas.
[27]
Rio Hudson, Columbia, NY.
[28]
Hospital público mais antigo da cidade de Nova Iorque, onde foi instalado o primeiro necrotério em
1866.
[29]
Rua que liga Nova Jersey e o Brooklyn, muito conhecida por ser reduto de vendedores ambulantes e
local comum de comércio de produtos falsificados.
[30]
“O chefe" em questão trata-se de Bruce Springsteen. Steven Pressfield escolheu o trecho da letra da
música Hungry Heart do artista para ilustrar a estrutura e compor o capítulo.
[31]
N. T.: Livro ainda não publicado no Brasil.
[32]
Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicoterapeuta fundador da psicologia analítica. Em grande parte de seu
trabalho, utilizava o conceito de arquétipo em suas teorias sobre a psique humana.
[33]
Personagem indígena Cheyenne do filme Pequeno Grande Homem (1970), do diretor Arthur Penn.
Também consta uma personagem de mesmo nome na literatura da escritora indígena Pawnee/Otoe Anna
Lee Walters.
[34]
N. T.: Sitcom americano protagonizado por Jerry Seinfeld que tinha como base situações cotidianas,
sem foco em um tema específico, o que o levou a ser conhecido como “um programa sobre nada”.
[35]
N. T.: Palavra em latim que significa grandioso, superior. No filme, o personagem de Bradley a utiliza
como mote para manter a positividade e lidar com problemas psiquiátricos. O termo também foi bastante
utilizado por Stan Lee, criador de vários heróis da Marvel.
[36]
Famoso roteirista, produtor, escritor e ator americano, conhecido por sua enorme produção de
conteúdo para TV entre 1970 e 1990.
[37]
Roteirista americano responsável por trabalhos como Chinatown, O Poderoso Chefão e Missão
Impossível.
[38]
Roteirista americano responsável por trabalhos como Blade Runner e Os Doze Macacos.
[39]
Coautor do roteiro de Casablanca.
[40]
Personagem do filme Chinatown.
[41]
Personagem do filme Os Imperdoáveis.
[42]
Personagem do filme Casablanca.
[43]
N. T.: Livros ainda não publicados no Brasil.
[44]
N. T.: Termo utilizado por cineastas para nomear sequências de filmagens sem áudio síncrono. Não há
um consenso na área sobre a exata origem ou palavras que formam a sigla.
[45]
Alexis de Tocqueville, historiador francês célebre por análises da Revolução Francesa. Uma das
maiores referências da filosofia política liberal.
[46]
Consultor de moda americano apresentador do programa Tim Gunn: Guru de Estilo, do canal
Discovery Home & Health.
[47]
Cidade do estado de Washington.
[48]
Bairro de Nova Iorque conhecido por ser reduto artístico e de moda.
[49]
Marcha Nacional dos EUA.
[50]
Autor, palestrante e consultor de roteiro. Autor do livro Story: substância, estrutura, estilo e os
princípios da escrita de roteiro. Arte & Letra, 2017.
[51]
Grupo étnico mais populoso do Quênia.
[52]
Porcelana fina produzida na cidade de Limoges, França. É conhecida mundialmente por sua
qualidade, à semelhança da encontrada em porcelanas chinesas.
[53]
Empresa ficcional do filme Wall Street.
[54]
N. T.: No original, há a citação do termo Break Into Two, de Blake Snyder, que sinaliza a entrada no
Ato Dois. Optamos por utilizar o termo da jornada do herói, mais popular no Brasil.
[55]
Reality shows americanos sobre moda e culinária, respectivamente.
[56]
Vale urbanizado pioneiro na indústria de filmes adultos, sendo o maior polo de produção de
pornografia do mundo.
[57]
N. T.: Do japonês, “adeus”.
[58]
N. T.: O livro de Steven Pressfield tem como título The Legend of Bagger Vance. Mais tarde, a
adaptação para o cinema foi intitulada Lendas da Vida.
[59]
Cineasta, diretor e roteirista britânico famoso por produções clássicas como Doutor Jivago, A Ponte
do Rio Kwai e Lawrence da Arábia.
[60]
Guitarrista da banda The Rolling Stones, conhecido pelo abuso de drogas ilícitas nos anos 1960 e
1970. Participou de dois filmes da franquia Piratas do Caribe como pai de Jack Sparrow.
[61]
N. T.: Obra ainda não publicada no Brasil
[62]
Personagem da obra David Copperfield, de Charles Dickens, tido como otimista incurável e, por
vezes, alívio cômico.
[63]
Ator canadense-americano com vasta filmografia que interpretou o arrogante Dr. Morbius em Planeta
Proibido.
[64]
Tipo de destacamento militar que permite o alistamento de estrangeiros para o exército nacional. A
mais conhecida é a francesa, que ainda existe nos dias de hoje, sendo uma das poucas restantes e ativas.
[65]
Tipo específico de carroça coberta com um tecido, grande e pesada, muito utilizada no leste dos EUA
na época da colonização.
[66]
Escritor e roteirista responsável pelo roteiro de Top Gun e outros sucessos como Kojak e Havaí 5.0.
[67]
N. T.: Obra ainda não publicada no Brasil.
[68]
N. T.: Fade in é o termo utilizado para fazer a abertura de roteiros de cinema e televisão.
[69]
Grupo étnico indígena americano.
[70]
Gênero que consiste em investigação criminal e histórias detetivescas.
[71]
N. T.: Termo utilizado de modo pejorativo para se referir a pessoas brancas e pobres em zonas rurais
do sul dos EUA. Seria o equivalente ao nosso “caipira”, de certo modo.
[72]
N. T.: Optamos por transcrever a tradução para o português de J. Brito Broca. HERÓDOTO. História.
Traduzido do grego por Pierre Henri Larcher. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1950. Clássicos Jackson.
Vols. XXIII e XXIV. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/historiaherodoto.html.
[73]
TED (Tecnologia, Entretenimento e Design) é formato de conferências e/ou palestras organizadas pela
empresa Sapling, que acontecem no mundo todo e são disponibilizadas on-line.
[74]
Grupo étnico indígena dos EUA.
[75]
Twyla Tharp é bailarina e coreógrafa norte-americana referência em dança contemporânea. O livro
citado ainda não tem publicação no Brasil.
[76]
Médicos que atuam em telejornais e programas de TV nos EUA.
[77]
Obra de Charles Dickens, publicada em 1850.
[78]
N. T.: Livro não publicado no Brasil.
[79]
N. T.: Relativo ao poeta John Milton, autor do célebre Paraíso Perdido.
[80]
Personagem de Star Wars mestre Jedi, mentor de Anakin e Luke Skywalker.
[81]
Compositor de jazz norte-americano que teve músicas nos espetáculos da Broadway e gravadas por
artistas como Ella Fitzgerald e Frank Sinatra.
[82]
N. T.: Trecho da edição bilíngue de Moby Dick, de Herman Melville, publicada pela editora
Landmark em 2012.