Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Ator e Método - Eugenio Kusnet
Ator e Método - Eugenio Kusnet
ATOR E MÉTODO
K u s n e t , Eugênio, 1 8 9 8 - 1 9 7 5 .
A t o r e método. 2. e d . R i o de J a n e i r o . I n s t i t u t o N a c i o n a i d e A r t e s
Cénicas. 1 9 3 5 .
177 p. I L (Coleçío E n s a i o s n ° 3.)
1. Teatro - E s t u d o s . I . Título.
K. S. STANISLAVSKI
Kusne t,
M l RO E l SILVEIRA
EUGENÍO KUSNET
S t a n i s l a v s k i . H o j e K u s n e t está m o r t o . Faleceu c o m 7 7 a n o s . U m a e x i s t ê n c i a
quase q u e i n t e i r a m e n t e d e d i c a d a ao t e a t r o , q u e para ele f o i n ã o apenas u m a
profissão, que assumiu integralment e sem n u n c a p e r d e r u m a i n q u i e t a ç ã o
p e r m a n e n t e q u e t r a n s f o r m a v a c a d a p e r s o n a g e m n u m m o m e n t o de p e s q u i s a e
O ATOR E A VERDADE CÉNICA dúvida, mas s o b r e t u d o u m a g r a n d e p a i x ã o , que d e s p e r t o u nele o p r o f e s s o r e
ou a necessidade de t r a n s m i t i r seus c o n h e c i m e n t o s e suas e x p e r i ê n c i a s , suas
certezas e i n c e r t e z a s .
N o s anos e m q u e t r a b a l h o u j u n t o ao O f i c i n a , K u s n e t f o i mais q u e u m
ESTAR ARDENDO, PARA INFLAMAR i n t e l i g e n t e e t a l e n t o s o a t o r c o n t r a t a d o , mais que u m d e d i c a d o e g e n e r o s o
c o m p a n h e i r o de t r a b a l h o . S u a p r e s e n ç a está e m t o d o s os e s p e t á c u l o s n o s
quais p a r t i c i p o u : inteligência v i v a nas análises de t e x t o s , v i g i a n d o c o m rigor
- I - a lógic a das a ç õ e s e dos c o m p o r t a m e n t o s , a u x i l i a n d o seus colegas de t r a b a -
Atlântida, Uruguai, dezembro de 1964, f e s t i v a l l a t i n o - a m e r i c a n o de l h o a e l u c i d a r as c o n t r a d i ç õ e s e os p r o b l e m a s , K u s n e t m a r c o u s e n s i v e l m e n t e
t e a t r o : n u m p a l c o quase v a z i o , p r e e n c h i d o apenas p o r a l g u m as cadeiras e aspectos d a p r ó p r i a c o n c e p ç ã o d e alguns dos p r i n c i p a i s e s p e t á c u l o s d i r i g i d o s
u m a mesa, u m sofá e u m p i a n o , e s p a ç o c e r c a d o p o r u m a r o t u n d a p r e t a , u m p o r José Celso M a r t i n e z C o r r e a , c o m o "Pequenos Burgueses" e " O s Inimi-
h o m e m de 66 anos, calvo, u s a n d o ó c u l o s e d e n u n c i a n d o u m p e q u e n o d e f e i - g o s " de G o r k i , " A n d o r r a " de M a x F r i s c h o u " A V i d a I m p r e s s a e m D ó l a r "
t o n u m a das pernas, c a m i n h a sem p a r a r , f a l a n d o b a i x o e c o m r a p i d e z , esbo- de C l i f f o r d O d e t t s . E n o m o m e n t o e m que o f a s c i n a n te e c o m p l e x o t r a b a l h o
ç a n d o gestos e m o v i m e n t o s , o l h a n d o p a r a os lados c o m o se falasse com de pesquisa e v i o l e n t a ç ã o q u e p r e c e d e u a m o n t a g e m de " N a Seiva das C i d a -
alguém, c o m o se estivesse c e r c a d o de p e r s o n a g e n s invisíveis, senta-se n u m a d e s " de B r e c h t p e l o O f i c i n a c o n d u z i u e n c e n a d o r e intérpretes a u m c e r t o
cadeira mais alta que as demais, l e v a n t a - s e e m seguida, às vezes f u r i o s o e às descontrole irracional. Kusnet f o i c h a m a d o p a r a i n d i c a r os c a m i n h o s d a
vezes t r a n q u i l o , c o n c e n t r a d o p r o f u n d a m e n t e e m a l g u m a coisa de indefi- disciplina e recolocar o carro nos trilhos. Paradoxalmente, não íoi n u n c a u m
nível. N a platei a vazia R e n a t o B o r g h i e e u e s t a m o s silenciosos: sabemos q u e e n c e n a d o r c r i a t i v o . Mas c o m o p r o f e s s o r sua a t i v i d a d e f o i f e b r i l . I n i c i o u a
K u s n e t está c e r t o , mas a v o n t a d e de r i r é d i f í c i l de c o n t r o l a r — u m de n ó s m u i t o s nas n o ç õ e s básicas d o t r a b a l h o do a t o r c o m o a t i v i d a d e c o n s c i e n t e ,
diz ao o u t r o : " o v e l ho parece q u e ficou l o u c o ! " . Poucas h o r a s d e p o i s o responsável, c r i a d o r a , l i b e r t a d a m a g i a e da inspiração, c o n t r o l a d a p o r u m
t e a t r o O f i c i n a de S. Paulo a p r e s e n t a v a n o f e s t i v a l " P e q u e n o s B u r g u e s e s " de treinamento diário, s i s t e m á t i c o . F i e l d i s c í p u l o de S t a n i s l a v s k i . defendeu
M á x i m o G o r k i . U m inevitável a t r a s o n a m o n t a g e m d o d i s p o s i t i v o c é n i c o e c o m o suas as teses de seu m e s t r e . A c e i t o u e a s s u m i u seus p o n t o s de v i s t a .
da iluminação t o m o u impossível r e a l i z a r u m e n s a i o c o m p l e t o (e p e l a p r i - E x p l i c a as n o ç õ e s mais e l e m e n t a r e s de seu e n s i n a m e n t o . M u i t a s vezes n ã o
m e i r a vez o espetáculo. o r i g i n a l m e n t e m o n t a d o e m S. Paulo n o a n t i g o p a l c o f o i fácil c o n v e n c e r K u s n e t a i n t e r p r e t a r u m p a p e l : p a r a ele o mais i m p o r t a n -
d o O f i c i n a , que t i n h a duas p l a t e i a s , u m a d i a n t e da o u t r a , c o m o espaço te e r a m as aulas e seus a l u n o s . Q u a n d o a c e i t o u fazer o m é d i c o de " A n d o r r a "
c é n i c o no m e i o , era encenado e m p a l c o i t a l i a n o ) . N a q u e l a n o i t e , q u e no s c o l o c o u c o n d i ç õ e s : t i n h a a l g u n s de seus alunos nos b a s t i d o r e s — f a z i a u m a
valeu o p r i m e i r o p r e m i o do f e s t i v a l , E u g é n i o K u s n e t c o n f e r i u , m a i s d o q u e cena, a p r o v e i t a v a os i n t e r v a l o s p a r a t r a b a l h a r c o m os a l u n o s n o c a m a r i m ,
n u n c a extraordinária dimensão h u m a n a e s o c i a l a seu p e r s o n a g e m , o v e l h o d e p o i s v o l t a v a para o p a l c o . E s t a v a d i v i d i d o : a t o r o u p r o f e s s o r — o u m e l h o r ,
Bessemenov, que p r o c u r a apegar-se desesperadamente a seus v a l o r e s no ator e professor, pois ambas as atividade s nele j á e r a m inseparáveis: s u a
instante histórico e m que as c o n t r a d i ç õ e s s ó c i o - e c o n ô m i c a s j á a n u n c i a m a prática n a cena se t r a n s f o r m a v a e m t e m a de aula e o que d e s c c b r i a c o m seus
p r ó x i m a e inevitável queda d a b u r g u e s i a r u s s a : seu d e s e m p e n h o , q u e l h e a l u n o s , p o i s a p r e n d i a e n s i n a n d o , e n g r a v i d a v a seu t r a b a l h o c o m o a t o r .
valeu o prémio de m e l h o r a t o r d o f e s t i v a l , f o i v i g o r o s o . N ã o t e n d o p o s s i b i l i -
dades de passar por u m ensaio c o m p l e t o d o e s p e t á c u l o , K u s n e t e n s a i o u
s o z i n h o . A p a r e n t e m e n t e a l u c i n a d o , mas e x e r c e n d o , naquele i n s t a n t e , com
- II -
grande pressa mas e x e m p l a r c o n s c i ê n c i a p r o f i s s i o n a l , u m a t o de e x t r e m a
l u c i d e z e d i g n i d a d e . T e n h o c e r t e z a de q u e n a q u e l e " r e c o n h e c i m e n t o " d o
Ator e Método recoloca, a m p l i a n d o alguns aspectos, o que K u s n e t j a
p a l c o , passando p o r todas o u quase todas as a ç õ e s de seu p e r s o n a g e m .
havia e s c r i t o e m seus d o i s l i v r o s a n t e r i o r e s : " I n i c i a ç ã o à A r t e D r a m á t i c a e
K u s n e t c o l o c o u e m prática, c o m ê x i t o , t u d o q u e . e m sua v i d a de a t o r e
"Introdução ao M é t o d o da A ç ã o I n c o n s c i e n t e " . O t í t u l o j á d e f i n e seus
professor de interpretação, a p r e n d e u e a s s i m i l o u d o célebre " m é t o d o " de
o b j e t i v o s : o ator como centro do e s p e t á c u l o t e a t r a l ( K u s n e t a f i r m a que A p r o f u n d a n d o este a s p e c t o d o p r o b l e m a d a interpretação, u m dos t r e -
sem o a t o r , c o m o sem o e s p e c t a d o r , o teatro não é t e a t r o ; a definição c h o s m a i s e s t i m u l a n t e s d o l i v r o de K u s n e t é a discussão sobre a n a t u r e z a e o
ideológica de seu p r o j e t o parte d a c é l e b r e d e f i n i ç ã o de S t a n i s l a v s k y , " a s i g n i f i c a d o d a c h a m a d a dualidade do ator. O a t o r n u n c a p o d e r á , e m cena ,
arte dramática é a capacidade de r e p r e s e n t a r a v i d a d o e s p í r i t o h u m a n o , d e i x a r de ser ele p r ó p r i o para ser i n t e g r a l m e n t e u m o u t r o ("viver u m perso-
e m público e em f o r m a artística", mas K u s n e t , n o p r e f á c i o , c i t a B r e c h t e, n a g e m " ) . Consciente da b a t a l ha travada p o r Brecht c o n t r a u m teatr o que
t r a b a l h a d o r p r e o c u p a d o c o m a v i d a social e c o m a r e s p o n s a b i l i d a d e p o l í - t e m p o r objetivo m á x i m o a identificação d o ator c o m o personagem que,
t i c a d o h o m e m de teatro, diz q u e " o ú n i c o critério p a r a avaliar u m espe- c o m o consequência, provoque a identificação d o público c o m o personagem
táculo é a sua influência sobre os espectadores n o d i a de h o j e " ) e o ( o q u e , s e g u n d o B r e c h t , r e d u z o e s p e c t a d o r a u m ser passivo, o b j e t o aneste-
método c o m o sistema de estud o e pesquisa , e x e r c í c i o de recursos físicos e s i a d o , d o p a d o , c o n d i c i o n a d o a a b d i c a r t o t a l m e n t e da p o s s i b i l i d a d e de r e -
e m o c i o n a i s que o ator pode d e s e n v o l v e r e d o m i n a r p a r a t r a n s f o r m a r seu flexão, condenado a e m o c i o n a r - s e de f o r m a m i s r i f i c a d o r a ) , K u s n e t a f i r m a
t r a b a l h o n u m processo racional e l ó g i c o , passível de ser d o m i n a d o e c o n - q u e a e s c o l h a d o t e a t r o a t u a l é a " c o e x i s t ê n c i a e m cena d o a t o r - c i d a d ã o c o m
d u z i d o , elementos conscientes que c o n s i g a m i n c l u s i v e p r o v o c a r o que está o p e r s o n a g e m " . E di z q u e q u a n d o o a t o r " e n c a r n a " u m p e r s o n a g e m , i s t o
a p r i s i o n a d o no inconsciente (para q u e , s e g u n d o seu p e n s a m e n t o , i m p o n h a - s e " n ã o s i g n i f i c a substituição m í s t i c a d o a t o r p e l o p e r s o n a g e m , p o i s . neste caso
a qualidade f u n d a m e n t a l do a t o r : " c o n v e n c e r o e s p e c t a d o r d a realidade d o o m u n d o o b j e t i v o d e i x a r i a de e x i s t i r p a r a o a t o r " . O a t o r a c e i t a e assume os
que se i m a g i n o u " , o u seja, c u m p r i r a missão p r o p o s t a p o r Stanislavski). p r o b l e m a s d o p e r s o n a g e m , " a d q u i r i n d o a fé cénica na realidad e da sua e x i s -
Ator e Método efetivamente supera os l i v r o s a n t e r i o r e s . K u s n e t a f i r m a q u e t ê n c i a , v i v e c o m o se fosse o p e r s o n a g e m c o m a m á x i m a s i n c e r i d a d e , m a s , ao
s e n t i u a necessidade de i n c o r p o r a r n o v a s i n f o r m a ç õ e s q u e a u x i l i e m o t r a - mesmo t e m p o , não p e r d e a c a p a c i d a d e de o b s e r v a r e c r i t i c a r a sua o b r a
b a l h o d o ator na construçã o de seus p e r s o n a g e n s : neste s e n t i d o , f r e q u e n t e - artística — o personagem".
m e n t e apela a c o l o c a ç õ e s científicas , s o b r e t u d o v i n c u l a d a s à p s i c o l o g i a e à O e s t u d o d a " d u a l i d a d e d o a t o r " é a m p l i a d o pela citação de t r e c h o s de
r e f l e x o l o g i a . Este l i v r o não é mais u m a e x p o s i ç ã o de e x e r c í c i o s e regras (e p e s q u i s a s científicas m a i s r e c e n t e s ( S t a n i s l a v s k i e m 1 9 3 8 , ano de sua m o r t e ,
ele insiste e m que, na arte, não e x i s t e m leis i n v i o l á v e i s ) : r e a l i z a n d o o q u e a i n d a a f i r m a v a não p o s s u i r c o n d i ç õ e s de e x p o r u m a c o m p r o v a ç ã o c i e n t í f i c a
c h a m a de revisão da " p r ó p r i a m e t o d o l o g i a " , K u s n e t m o s t r a os e n s i n a m e n t o s do processo psíquico que p e r m i t e a " d u a l i d a d e " ) , sobretudo descrições do
de Stanislavski c o m o u m c o n j u n t o de noções básicas q u e poderão ser soviético R. G . N a t a d z e , d a t a d a s de 1 9 7 2 , s o b r e o c h a m a d o processo de
adaptadas o u modificadas e m f u n ç ã o d o t r a b a l h o p r á t i c o , d o t i p o de peça a instalação, que K u s n e t m o s t r a ser útil t a n t o p a r a o c a m p o n ê s a t i v i d a d e s
v
nada posso provar. Só posso d i z e r que, a meu ver t e a t r o é o u t r a c o i s a , q u e o q u e r r e s u l t a d o útil. Daí a a b s o l u t a necessidade de e s t a b e l e c e r m o s bases
t e a t r o sem ator para mim não existe.. S t a n i s l a v s ki n o fim de suá~vida, q u e ele comuns para os nossos e s t u d o s . N ã o se a s s u s t e m, n ã o p r e t e n d o i m p o r
d e d i c o u t o t a l m e n t e às pesquisas sobre todas as p o s s i b i l i d a d e s d o teatro, nenhum d e t e r m i n a d o estilo de t e a t r o . T r a t a - s e apenas de estabelecer o
disse: " C h e g u e i à conclusão de que os m e i o s m a t e r i a i s de e n c e n a ç ã o são p o n t o de v i s t a c o m u m j o b r e _ o _ q u e é " b o m t e a t r o " e o j g u e é " m a u t e a t r o " j
l i m i t a d o s e que o mais i m p o r t a n t e e l e m e n t o de t e a t r o é o a t o r , o h o m e m , H á u n s a n o s se d i z i a , aliás, às vezes a i n d a se d i z , p a r a q u a l i f i c a r m o s u m
p o r q u e seus meios, suas possibilidades não t e m l i m i t e , c o m o n ã o t e m l i m i t e m a u e s p e t á c u l o : " r u i m c o m o r á d i o - n o v e l a " . P r o c u r e m l e m b r a r - s e de alguns
a c o m b i n a ç ã o das sete notas da gama m u s i c a l : ela n u n c a f o i n e m será esgo- e x e m p l o s de r á d i o - n o v e l a d a q u e l e t e m p o e v e r ã o q u e r e a l m e n t e havia razão
tada pelos compositores".*! p a r a essa c o m p a r a ç ã o . E n o t e m : e m m u i t o s casos n ã o e r a c u l p a dos atores e
Procuremos chegar à essência do t e a t r o p o r e l i m i n a ç ã o p r o g r e s s i v a dos s i m das c o n d i ç õ e s e m que eles t r a b a l h a v a m , p o i s os " s c r i p t s " e r a m entregues
seus elementos. Sem qual deles o t e a t r o não p o d e r i a e x i s t i r ? Sem prédio, às vezes, p o u c o s m i n u t o s antes d a irradiação e a n o v e l a ia " p r o a r " sem u m a
sem palco? Claro que p o d e ! Basta que se façam e s p e t á c u l o s ao ar l i v r e . S e m leitura sequer.
cenário, sem iluminação? Pode! A natureza nos dá, às vezes, esses e l e m e n t o s E o resultado naturalmente era b e m t r i s t e , t u d o e r a e s t a n d a r d i z a d o ;
em f o r m a mais rica do que a que p o d e ser c o n s e g u i d a e m t e a t r o . Sem aqueles v i l õ e s sanguinários c o m suas vozes r o u c a s e suas risadas " s i n i s t r a s " ,
música? Claro. Ela nunca f o i essencial n o t e a t r o f a l a d o ; ela é útil m a s não aquelas m ã e s " s o f r e d o r a s " q u e , l o g o n o i n í c i o d a n o v e l a , a i n d a sem razão
indispensável. Sem t e x t o fixo? Por que não? A s falas p o d e m ser i m p r o - alguma para sofrer já falavam c o m u m n ó n a g a r g a n t a , aqueles m a r i d o s
visadas c o m o e m t e a t ro ' h a p p e n i n g " . S e m diretor? O ator pode auto- infiéis que ao mentir à esposa gaguejavam t a n t o que n e n h u m a pessoa
dirigir-se. E sem ator? O que p o d e r i a substituí-lo ? Vejamos. n o r m a l p o d e r i a a c r e d i t a r na sua i n o c ê n c i a , e t c .
A tecnologia m o d e r n a c h e g o u a descobertas c o m q u e nossos a v ó s n ã o C r e i o q u e n ã o p o d e haver duas o p i n i õ e s a r e s p e i t o d a q u a l i d a d e desse
p o d e r i a m n e m sonhar; os r o b ô s - c o m p u t a d o r e s substituem o homem em t i p o de t e a t r o .
vários setores de atividade e x e c u t a n d o taretas que a p a r e n t e m e n t e n ã o esta- E a g o r a p r o c u r e m e x e m p l o s d o c o n t r á r i o , d a q u i l o q u e vocês pudesse m
r i a m ao alcance do próprio h o m e m ; a cibernética t e n t a f a b r i c a r o b r a s de chamar de bom t e a t r o . P r o c u r e m l e m b r a r - s e de a l g u m b o m t r a b a l h o do
arte. T u d o isso é verdade, mas ninguém p o d e r i a i m a g i n a r q u e o ' ' C é r e b r o t e a t r o n a c i o n a l o u dos t e a t r o s e s t r a n g e i r o s , q u e v i s i t a m o Brasil, o u dos
e l e t r ô n i c o " u m dia pudesse igualar-se ao c é r e b r o h u m a n o . t r a b a l h o s de c i n e m a . Pensem e p r o c u r e m c o m p r e e n d e r p o r que os atores
N u m rápido programa de i n t o r m a ç õ es técnicas n o C a n a l 2 ^Tl' Cul- desses e x e m p l o s os i m p r e s s i o n a r a m ? Q u a l é a d i f e r e n ç a e n t r e u m b o m e u m
tura), e m São Paulo, u m c i e n t i s t a - l a m e n t o n ã o ter t o m a d o n o t a d o seu mau ator? U n s dirão que o b o m a t o r é s e m p r e n a t u r a l ao passo que o m a u é
n o m e — me impressionou s o b r e m a n e i r a q u a n d o disse q u e as informações a r t i f i c i a l ; o u t r o s dirão que o b o m a t o r " v i b r a " e o m a u " f i c a f r i o " ; mais
que chegam ao cérebro h u m a n o , às vezes, v e m dos genes. C o m todos os o u t r o s d i r ã o q u e o b o m a t o r "_vive_o_papeP e, c o m isso, c ^ ^ _ a j i o s J a z e t
aperfeiçoamentos imagináveis, ninguém p o d e rá e m sã c o n s c i ê n c i a , s o n h a r a c r e d i t a r n a r e a l i d a d e da _e xis tê nc ia d o personagerr.. ao passo q u e o m a u
c o m a hereditariedade dos r o b ô s . E eu a c r e s c e n t a r i a : n e n h u m c o m p u t a d o r "representa". \
será capaz de se apaixonar p o r u m a c o m p u t a d o r a . R e s u m i n d o todas essas o p i n i õ e s e p o s s i v e l m e n t e m u i t a s outras, pode-
O ator, o h o m e m que v i v e , que pensa, que sente éji ú n i c o e l e m e n t o de mos d i z e r q u e os maus atores não nos cony^nç_esn_da realidade do que
teatro absolutamente índispensãveT. rodos os o u t r o s e l e m m t o s , embora representam e os bons convencem, foz c o n s e g u i n t e , o o b j e t i v o do ator que
sejam de imensa utUidade,~n"3o~s"ao mais que satélites desse " s o l " d o teatro p r e t e n d e f a z e r " b o m t e a t r o " é conseguir essa capacidade de convencer o
que é o ator. espectador da realidade do que se imaginoujpara a realização do e s p e t á c u l o,
E finalmente, podemos p e r g u n t a r : p o d e r á o t e a t r o e x i s t i r s e m especta- o !}^.
- no fundo","" sempre redún~da~~na transmissão d a i d e i a do a u t o r ao
dor? N ã o ! A razão da e x i s t ê n c i a d o j s a t r o é e x a t a m e n t e a sua c o m u n i c a ç ã o espectador.
c o m o espectador. N ã o é d e m a i s frisar a q u i o u t r a vez que p a r a m i n é u m a x i o m a : o a t t i s t a
E assim, e só assim que eu e n t e n d o o t e a t r o . ' não p o d e c r i a r e m , t e r v o n t a d e de c o n v e n c e r j L e o n T o l s t o i disse: " U m a o b r a
Mas imaginemos que e n t r e vocês, m e u s l e i t o r e s , se e n c o n t r e m pessoas de arte s ó é autêntica q u a n d o a pessoa q u e a a p r e c i a n ã o pode i m a g i n a r
cuja opinião seja contrária à m i n h a c o n c e p ç ã o de t e a t r o . Q u e f a r í a m o s n ó s , o u t r a c o i s a a n ã o ser a q u i l o que a p r e c i a . " T a l deve ser a força de c o n v i c ç ã o
eu que escrevo na base da m i n h a c o n c e p ç ã o e v o c ê s , c o m ideia d i a m e t r a l - de u m a r t i s t a .
mente oposta. E claro que nessas c o n d i ç õ e s nós n u n c a c h e g a r í a m o s a q u . i l - Mas v o l t a n d o ao assunto, já que se t r a t a d a transmissão de u m a ideia, o
EUGÊNIO KUSNET ATOR E MÉTODO 7
6
saberíamos c o m o usar esses e n s i n a m e n t o s n o t r a b a l h o prático d a nossa p r o - da___fé!I, ele e s c r e v e u : " I s s o n ã o q u e r dizer que o a t o r dev_e_eritregar-se n o
fissão. A h , se a ciência pudesse e x p i i c a r - m e q u a i s os processos q u í m i c o s e p a l c o _ a _ y m a e s p é c i e de a l u c i n a ç ã o , ^ cue ao r e p r e s e n t a r o seu p a p e l e h ^ d e ve
físicos que eu deveria p r o v o c a r n o m e u o r g a n i s m o para igualar o m e u o l h a r perder a n o ç ã o da r e a l i d a d e , t o m a n d o , p o r e x e m p l o , peças do c e n á r i o p o r
ao de Laurenc e Olivier no filme "Ricardo I I I " . (Lembram-se aquela cena árvores v e r d a d e i r a s ^ e t ç / ' . . .
muda no portão do castelo? ) M a s a c i ê n c i a a i n d a está m u i t o l o n g e dessas Mais t a r d e f a l a r e m o s d e t a l h a d a m e n t e sobre esse a s s u n t o tão impor-
possibilidades. tante na nossa a r t e . P o r e n q u a n t o c o n v e n h a m o s s i m p l e s m e n t e que a fé a
E m b o r a tenha feito m i l h a r e s de e x p e r i ê n c i a s de m o d e l a g e m de obras de qual o M e s t r e se r e f e r i a , e m b o r a t e n h a que ser a b s o l u t a m e n t e s i n c e r a , é
arte, algumas b e m sucedidas, a c i ê n c i a a i n d a n ã o sabe e x p l i c a r , c o m o disse u m a fé e s p e c í f i c a . T o d a vez q u e v o l t a r m o s a usar esse t e r m o , c o m o o
A K r o n , qual a diferença de ondas s o n o r a s vibrações) entre as d o v i o l o n - fazia S t a n i s l a v s k i , ficará b e m e n t e n d i d o que s u b e n t e n d e m o s a " f é c é n i c a " e
celo de Pablo Casals e as de u m v i o l o n c e í i s t a m e d í o c r e q u a n d o os d o i s não a fé r e a l . " ~-
i n t e r p r e t a m a mesma música. O nosso h i p o t é t i c o v e n d e d o r de v i n h o s t a m b é m " r e p r e s e n t a v a " p a r a o
O que nos resta é p r o c u r a r c o m p r e e n d e r o que fazem os artistas geniais c o m p r a d o r e, p o r isso, t a m b é m p o d e m o s c h a m a r a sua :é de " f é c é n i c a " .
para conseguir esses resultados e s p a n t o s o s ! Se n ó s pudéssemos c o m p r e e n d e r U m m e n t i r o s o , p a r a e n g a n a r u m a pessoa,não p o d e rá d e i x a r de a c r e d i t a r
o que se passa na mente deles, q u a i s s ã o os processos que r e g e m o seu na r e a l i d a d e d o q u e i n v e n t o u , s e n ã o o seu i n t e r l o c u t o r p e r c e b e r á a m e n t i r a ;
t r a b a l h o ! Não poderíamos, u s a n d o os m e s m o s m e c a n i s m o s , chegar pelo mas, s i m u l t a n e a m e n t e , o m e n t i r o s o não perderá de vista a r e a l i d a d e d a
menos a u m a parte do que eles c o n s e g u e m i n t u i t i v a m e n t e ? situação — a necessidade de e n g a n a r . A sua fé nesse caso t a m b é m terá
F o i esse o o b j e t i v o de S t a n i s l a v s k i q u a n d o c o m e ç o u as pesquisas q u e características da " f é c é n i c a " .
mais tarde se transformara m n o M é t o d o . Se na v i d a r e a l , p a r a c o n v e n c e r alguém da realidad e d o q : e i n v e n t a m o s ,
Pois b e m , raciocinemos com ele. C o n v e n c e r ! É_possíveL_£Qnvencer temos q u e chega r a a c r e d i t a r nessa r e a l i d a d e , i m a g i n e m c o m o isso deve ser
alguém de alguma_coisa_em q u e nós m e s m o s n ã o . acrficUtam.Q5? E muito i m p o r t a n t e n o t r a b a l h o de a t o r : a d q u i r i r a fé n o q u e é i r r e a l , inexistente!
ditícil. U m vendedor que sente náusea só de pensar no v i n h o q u e o f e r e c e ao E n t ã o a q u e l e e s p a n t o s o d o m de certos atores de c o n v e n c e r só p o d e ser
c o m p r a d o r , d i f i c i l m e n t e poderá v e n d e r u m a g a r r a f a . Mas aquele q u e d u r a n t e baseado nessa o u t r a c a p a c i d a d e , n ã o m e n o s espantosa: a de a d q u i r i r a fé n o
a conversa se baba t o d o ao descrever o p a l a d a r d o v i n h o , este s i m , c o n v e n c e que eles r e p r e s e n t a m .
o c o m p r a d o r c o m facilidade. E n t ã o o q u e deve fazer o v e n d e d o r que n ã o Mas c o m o é que os g r a n d e s a t o r e s consegue m essa té? Há para isso u m a
gosta do v i n h o que oferece? E l e deve c h e g a r a acreditar que o v i n h o é e x p l i c a ç ã o q u e p o u c o e x p l i c a : a inspiração! B a i x o u o s a n t o e o a t o r r e p r e -
formidável, adquirir essa fé não obstante suas sensações pessoais. senta m a r a v i l h o s a m e n t e ! O s a n t o dos atores geniais é m u i t o s i m p á t i c o — ele
A g o r a toma-se necessário a b r i r p a r ê n t e s e para desfazer u m a a n t i g a c o n - baixa s e m p r e . O s a n t o dos a t o r e s s i m p l e s m e n t e t a l e n t o s o s já é u m tanto
fusão criada em t o m o do M é t o d o . O q u e e n t e n d i a S t a n i s l a v s k i sob o t e r m o p r e g u i ç o s o , m a i s instável e esses a t o r e s ficam à mercê dos c a p r i c h o s d o s e u
"fé"? Exigia ele do ator u m a fé na r e a l i d a d e d o imaginário? s a n t o : h o j e eles r e p r e s e n t a m b e m , amanhã m a l .
R e a l m e n t e , o próprio M e s t r e d e u m a r g e m à interpretação errónea d o Por q u e então n ã o p r o c u r a r os meios para f a r e r " o santo b a i x a r " a
seu m é t o d o , pois nos seus livros e n c o n t r a m o s expressões c o m o : " o a t o r deve nossa v o n t a d e ? Por q u e n ã o e s t u d a r a mecânica da inspiração? Pois n ã o é
ela que rege o t r a b a l h o dos a t o r e s geniais?
ATOR E MÉTODO 11
10 EUGÊNIO KUSNET
gá-lo à menina, disse: " E s t a a q u i é sua f i l h a , ela está d o e n t i n h a " . Stanislavski ção adquirem a vontade de agir. e e n t ã o a g e m c o m t o d o o c o n t e ú d o d a v i d a
c o n t a que " a o receber a boneca tão g r o s s e i r a m e n t e i m p r o v i s a d a , a m e n i n a a do espírito h u m a n o do personagem.
t o m o u nos braços c o m o m e s m o c u i d a d o c o m q u e só u m a v e r d a d e i r a mãe P o r t a n t o , o t e r m o " f é c é n i c a " p o d e ser t r a d u z i d o c o m o "estado psico-
t o m a r i a sua filha d o e n t e " . fisico qtte nos possibilita a aceitação espontânea de uma situação e de obje-
O contra-regra, i n d i c a n d o os d o i s atore s e m cena , c o n t i n u o u : " A q u e l e s tivos alheios como se fossem nossos". Se o a t o r conseguir t o m a r atitude
12 EUGÊNIO KUSNET
narração, p r o v o c o u sorrisos na s e g u n d a : o q u e causou risos a l e g r e : na p ri - Como, através dessa ação c o m p l e t a m e n t e desligada d o personagem,
'lleira vez. causou u m a espécie de e s t r a n h e z a . poderia Carmen M o n t e r o o b t e r a "íé cénica"?
Que aconteceu então? Como se n dc e x p l i c a r esse i n e s p e r a d o I r a - E c l a r o q u e nessas c o n d i ç õ e s , a sua a ç ã o t o r n o u - s e f r a c a , i n s í p i d a e ate
C.isso? falsa.
rara compreender . preci>o a t i a i i v i r c o m o t r a n s c o r r i i A Ç . V O nos Através desse e x e m p l o v e r i f i c a m o s c o m o a A Ç Ã O se processa na v:da
fluís.cas« >. (JÍI , -r.: :>r: •.. •.! :__? F o i Car- ., *..\-i;r, ; que real e c o m o ela deve processar-se e m t e a t r o .
16 EUGÊNIO KUSNET
ATOR E MÉTODO 17
E m cena n ó s , atores, agimos e m n o m e de u m a o u t r a pessoa, agimos
como se fôssemos outra pessoa. Isso n ã o q u e r d i z e r q u e a pessoa d o a t o r
O m e s m o a c o n t e c i a c o m os o u t r o s intérpretes da p e ç a : t o d o s eles e s t a -
deva desaparecer d e i x a n d o seu l u g a r ao p e r s o n a g e m . N a d a disso. Isso s i g n i - v a m p r e o c u p a d o s e m " b r i l h a r " n o s seus papéis.
fica apenas que o ator aceita a situação e todos os problemas do personagem Os que a s s i s t i r am àquele e s p e t á c u l o d e v e m se l e m b r a r q u e n ã o se t r a t a v a
como se fossem dele próprio e então, para solucioná-los, age como tal. E de u m a s i m p l e s c a r i c a t u r a d o s a t o r e s a n t i q u a d o s , havia u m a c e r t a s i n c e r i -
e v i d e n t e que os problemas do a t o r — e x e c u t a r c o m b r i l h o (como compete a dade na sua i n t e r p r e t a ç ã o , eles se s e n t i a m r e a l m e n t e c o m o v i d o s , mas n ã o
um bom ator, que é) o seu t r a b a l h o , t r a n s m i t i r c o r r e t a m e n t e a i d e i a do c o m o personagens e s i m c o m o " a t o r e s formidáveis q u e e r a m " . E é o q u e
autor, manter permanentemente o interesse e a a t e n ç ã o d o espectador, etc. r e a l m e n t e a c o n t e c e c o m m u i t o s a t o r e s : é fácil c o n f u n d i r suas próprias e m o -
— t u d o isso permanece nele, mas em estado subconsciente, porque, durante ç õ e s c o m as d o p e r s o n a g e m .
a ação devem prevalecer e s m a g a d o r a m e n t e os p r o b l e m a s d o p e r s o n a g e m . O s e n t i m e n t a l i s m o é p r ó p r i o d o a t o r . É p r e c i s o que haja m u i t a vigilância p a r a
Q u a n d o o a t o r não consegue agir n o s e n t i d o d o s o b j e t i v o s d o p e r s o n a - q u e o a t o r n ã o seja s u a v í t i m a . E t ã o t e n t a d o r f a z e r u m a c e n a q u e p r o v o q u e l a g r i -
gem, ficam apenas os o b j e t i v os d o a t o r : b r i l h a r , ser a d m i r a d o , ser " o t a l " , mas n a p l a t e i a ! A o fazer essa c e n a o a t o r a d m i r a a si p r ó p r i o , e f i c a c o m o v i d o
e t c Mas, durante o espetáculo, ao a t o r e m si n ã o p o d e interessar o e s p e c t a - c o m s u a i n t e r p r e t a ç ã o , a p o n t o de c h o r a r lágrimas d e v e r d a d e . M a s o q u e essas lá-
d o r . Ele v e m ao teatro para ver a vida do personagem na interpretação do g r i m a s t e m a v e r c o m os p r o b l e m a s d o p e r s o n a g e m ? N a d a ! O a t o r sai c o m p l e -
ator. t a m e n t e da a ç ã o d o p e r s o n a g e m , mesmo sem percebê-lo. Mas o espectador per-
A predominância dos o b j e t i v o s d o a t o r sobre os o b j e t i v o s d o p e r s o n a - cebe! Ele p e r c e b e q u e n a q u e l e m o m e n t o p r e s e n c i a u m m e l o d r a m a b a r a t o e m vez
gem, o u m e s m o quase-ausência desses ú l t i m o s , f o i a d m i r a v e l m e n t e d e m o n s - de u m p r o f u n d o d r a m a h u m a n o e m q u e as lágimas talvez n e m devessem t e r l u g a r .
trada pelos atores do " T e a t r o dos S e t e " em "Ciúmes do P e d e s t r e " , de E u t e n h o o p r a z e r de c o n f e s s a r u m " c r i m e " desses e espero que a m i n h a
M a r t i n s Pena. confissão sirva de p r o v a de q u e t o d a a vigilância é p o u c a p a r a salvar o a t o r
Os intérpretes desse espetáculo n ã o p r e t e n d i a m r e p r e s e n t a r os papéis de u m dos seus m a i o r e s i n i m i g o s : o s e n t i m e n t a l i s m o .
dos personagens da peça e s i m os papéis dos a t o r e s c o n t e m p o r â n e o s de E u t r a d u z i c o m m e u a m i g o , o f a l e c i d o B r u t u s Pedreira, u m a das p e ç a s
M a r t i n s Pena, representando os papéis da sua peça n a q u e l e t e m p o . Por do dramaturgo russo, Leonid Andréiev, "Aquele que leva bofetadas".
conseguinte, os objetivos dos p e r s o n a g e ns n ã o e r a m levados e m c o n s i d e - Quando recebi os primeiros exemplares mimeografados, fiquei muito
ração, o p r o b l e m a era mostrar os o b j e t i v o s dos a t o r e s canastrões d a q u e l e e m o c i o n a d o pelas r e c o r d a ç õ e s q u e s u r g i r a m naquele m o m e n t o . E q u e e u fiz
tempo. aquela peça em russo, e m 1924, com u m dos geniais atores russos, I .
A s s i m , Sérgio B r i t o fez o p a p e l de u m a t o r - t r á g i c o q u e , por sua v e z , Pevtsov. A ideia de p o d e r r e p r e s e n t a r esse t e x t o em p o r t u g u ê s e mais a i n d a ,
fazia o papel de marido c i u m e n t o . O o b j e t i v o p r i n c i p a l d o ator-trágico era representar n ã o o p a p e l q u e fiz, o d o C o n d e M a n c i n i , mas o p a p e l f e i t o p o r
d e m o n s t r a r a sua formidável v o z e a sua c a p a c i d a d e i n t e r p r e t a t i v a . A s e x c l a - Pevtsov, o papel principal. Essa i d e i a m e d e u v o n t a d e de e x p e r i m e n t a r
m a ç õ e s " A h " e " O h " eram feitas na base de v o z s u p e r i m p o s t a d a e n u m a das i m e d i a t a m e n t e u m a cena da p e ç a . E u l i g u e i m e u gravador de s o m e l i a c e n a
cenas, o t i m b r e da voz mudava c o n f o r m e o a n i m a l c o m q u e o p e r s o n a g e m se ao m i c r o f o n e . D u r a n t e a l e i t u r a , as lágrimas m e s u f o c a r a m ! ! ! Então, pensei
comparava: houve um "Oooh! . . ." especia l para tigTe e leão e um eu, a cena deve t e r s a í d o m a r a v i l h o s a ! L i g u e i o g r a v a d o r , fiquei ouvindo
" A a a a h ! . . . " para elefante. E c l a r o q u e os p r o b l e m a s d o " m a r i d o t r a í d o " e . . . chorei novamente . Era u m a p r o v a cabal: o meu p r i m e i r o ouvinte — eu
cénica" de não estar enxergando. Senão não p o d e r e i c o n v e n c e r n i n g u é m da cena e m q u e m e u p e r s o n a g e m age sob h i p n o s e . C o m o d e v o encarar esse
realidade da m i n h a cegueira. O q u e devo fazer? p r o b l e m a ? " R e s p o n d i que s e n d o a h i p n o s e u m e s t a d o s e m e l h a n t e a s o n o , —
Pois b e m , e m p r i m e i r o l u g a r , v o u p r o c u r a r c o m p r e e n d e r o q u e se passa e m b o r a h a j a n e l e alguns p o n t o s de " v i g í l i a " q u e p o s s i b i l i t a m o c o n t a t o d o
c o m os sentidos de u m cego. Sei que a n a t u r e z a c o m p e n s a a f a l h a o u o hipnotizado com o h i p n o t i z a d o r — o p r i m e i r o p r o b l e m a seria " s e n t i r - s e
e n f r a q u e c i m e n t o de u m d e t e r m i n a d o s e n t i d o , a g u ç a n d o os o u t r o s . A visão, d o r m i n d o ' ' e q u e para isso. s e r i a l ó g i c o p r o c u r a r c o n s e g u i r u m estado de
p o r e x e m p l o , é substituída pela audição e p e l o t a t o . Esses d o i s s e n t i d o s n u m m á x i m a a b s t r a ç ã o p o r q u e a pessoa está m e n t a l m e n t e f o r a d o a m b i e n t e e m
cego se t r a n s f o r m a m em visão mental. Por e x e m p l o , na r u a , o cego anda q u e se e n c o n t r a fisicamente. Para c o n s e g u i r esse e s t a d o de abstração seria
" t a t e a n d o " o chão c o m os pés o u c o m u m a b e n g a l a , p a r a ver mentalmente n e c e s s á r i o encontrar uma preocupação tão grande que todos os cinco senti-
os possíveis obstáculos; ele p r o c u r a o u v i r t o d o s os r u í d o s d a r u a p a r a ver dos do personagem fossem absorvidos por ela. E l ó g i c o q u e , nessas c o n -
mentalmente o que possa ameaçá-lo, p o r e x e m p l o , u m a u t o m ó v e l q u e se d i ç õ e s , o a m b i e n t e f í s i c o d e i x a r i a de e x i s t i r p a r a o p e r s o n a g e m .
a p r o x i m a e n q u a n t o ele atravessa a r u a . Essa m i n h a explicaçã o n ã o f o i s u f i c i e n t e : e m b o r a c o n c o r d a s s e c o m i g o
J á que eu v o u fazer o p a p e l de u m c e g o , v o u p r o c u r a r a g i r d e n t r o das t e o r i c a m e n t e , a a t r i z não c o n s e g u i u ver nela u m a s o l u ç ã o prática.
circunstâncias as quais cheguei r e f l e t i n d o l o g i c a m e n t e e a t í t u l o d e ensaio ,
— "Como fazer f u n c i o n a r os c i n c o s e n t i d o s n u m a p r e o c u p a ç ã o i m a g i -
vou andar sem olhar para o chão procurando imaginá-lo, ou seja, procurando
nária? "
vê-lo mentalmente.
— " C o m o na vida r e a l " , r e s p o n d i eu.
E x p e r i m e n t e isso, l e i t o r , da seguinte m a n e i r a : p e ç a p a r a a l g u é m c o l o c a r
— " E c o m o é que isso a c o n t e c e na v i d a real? "
vários objetos, livros, caixas, tábuas, etc. E m seguida, atravesse o q u a r t o de
olhos abertos, porém i m p e d i n d o - s e de ver o c h ã o , p o r e x e m p l o , s e g u r a n d o C o m p r e e n d i que estava f a l t a n d o u m e x e m p l o p r á t i c o , mas u m a f e l i z
na a l t u r a d o seu queixo u m IÍVTO O U u m c a d e r n o . A o atravessar o q u a r t o , coincidência ajudou a explicação. O conhecido psiquiatra, Dr. Bernardo
pense nos obstáculos cuja p o s i ç ã o v o c ê i g n o r a e q u a n d o c h e g a r a t o c a r neles B l a y , q u e assistia a aula p o r p u r a c u r i o s i d a d e , d i r i g i u - s e a u m a das a l u n a s : " O
c o m o pé, procure vê-los mentalmente porque, com u m pequeno descuido q u e é q u e a s e n h o r a está f a z e n d o ? " A m o ç a e m q u e s t ã o o l h o u p a r a ele
de sua parte, eles p o d e m levá-lo a u m t o m b o . literalmente como se estivesse acordando naquele momento, e disse: " N a d a "
A o t e r m i n a r a travessia, v o c ê constatará q u e apesar de t e r a n d a d o c o m E o d i á l o g o c o n t i n u o u assim:
os olhos abertos, deixou de ver [ou quase) o que se achava d o o u t r o l a d o d o
— " A s e n h o r a o u v i u o q u e n ó s estávamos d i z e n d o ? "
quarto.
— "Não."
Para m a i o r clareza, faça u m colega seu fazer esse e x e r c í c i o n a sua p r e -
— "Porque?"
sença e observe seus olhos e n q u a n t o ele e s t i v er a n d a n d o : se ele r e a l m e n t e
— " E u estava p e n s a n d o . "
conseguir imaginar os objetos c o l o c a d o s n o c h ã o , vendo-os mentalmente,
— " E m quê? "
v o c ê verá o olhar de u m cego. P o r t a n t o , n ã o se t r a t a de p r o c u r a r a c r e d i t a r na
— " N o e x e r c í c i o de i m p r o v i s a ç ã o q u e v o u f a z e r a g o r a " .
sua cegueira, — isso seria impossível — e s i m de agir d e n t r o d e u m a situação
e m que agiria u m cego precisando atravessar u m e s p a ç o d e s c o n h e c i d o . Q u e m Como v o c ê s vêem, n ã o h o u v e necessidade de u m a p r e o c u p a ç ã o "tão
se l e m b r a d o f i l m e " B e l i n d a " , na m a g n í f i c a i n t e r p r e t a ç ã o de J a n e W y m a n , g r a n d e " p a r a q u e a atriz ficasse c o m p l e t a m e n t e a b s t r a i d a , b a s t o u u m a preo-
certamente se lembrará do o l h a r cego, c o m p l e t a m e n t e ô c o , d o p e r s o n a g e m . cupação pequena, mas real.
A c r e d i t o que esse milagre da arte dramática n ã o f o i c o n s e g u i d o p o r i n s p i - A a t r i z q u e l e v a n t o u o p r o b l e m a disse q u e c o m p r e e n d e u essa l ó g i c a e
ração e s i m através de m u i t o t r a b a l h o e m q u e p r e d o m i n o u a l ó g i c a e, c o n f o r - m a i s t a r d e c o n t o u que a p l i c o u c o m sucesso n o seu t r a b a l h o .
me veremos mais tarde, p r o v a v e l m e n t e através d o uso dos o u t r o s e l e m e n t o s V o c ê s d e v e m t e r n o t a d o q u e nos e x e m p l o s q u e e u d e i acima a l ó g i c a
do M é t o d o . n ã o é m u i t o s i m p l e s . E p o r q u e , n a v i d a r e a l ela é m u i t o mais c o m p l i c a d a e
D a mesma maneira p o d e m ser r e s o l v i d a s o u t r a s s i t u a ç õ e s d i f í c e i s : u m c o n t r a d i t ó r i a d o que aquela q u e f r e q u e n t e m e n t e u s a m o s e m t e a t r o . A m e u
paralítico que p r o c u r a andar, o c o m p o r t a m e n t o de u m a pessoa q u e a c o r d a , ver, u m d o s grandes perigos p a r a o a t o r a t u a l — q u e v i v e n o m e i o dos seus
etc. c o n t e m p o r â n e o s tão p s i q u i c a m e n t e c o m p l i c a d o s — é s i m p l i f i c a r a l ó g i c a da
L e m b r o - m e que u m a o u t r a aluna d a q u e l e c u r s o para os a t o r e s p r o f i s s i o - v i d a , t o r n á - l a óbvia e l i n e a r . E m t e a t r o n ó s r e p r e s e n t a m o s " O A m o r " , " O
nais me p e r g u n t o u durante u m a a u l a : " E s t o u e n s a i a n d o na t e l e v i s ã o u m a Ó d i o " , " A A l e g r i a " , mas r a r a m e n t e m o s t r a m o s o a m o r d o F u l a n o , o ó d i o d o
22 EUGÉNIO KUSNET ATOR E MÉTODO 23
A s duas f o r m a s da a ç ã o , a f í s i c a e a m e n t a l , são l i g a d a s e n t r e si t ã o
i n t i m a m e n t e q u e o a t o r d i f i c i l m e n t e p o d e r á estabelecer c o m o e o n d e u m a
influi sobre a o u t r a . S ó u m a e x p e r i ê n c i a o u u m acaso p o d e m i n d i c a r - l h e o
c a m i n h o que ele deve e s c o l h e r n o u s o desse e l e m e n t o d o M é t o d o , p o i s há
s e m p r e dois c a m i n h o s : u m — de d e n t r o p a r a f o r a , e o o u t r o — de f o r a p a r a
dentro. Quero dizer c o m isso q u e , p o r e x e m p l o , u m a e m o ç ã o adquirida
espontaneamente pode p r o d u z i r u m gesto m u i t o adequado, mas t a m b é m u m
gesto e n c o n t r a d o p e l o a t o r através de u m r a c i o c í n i o l ó g i c o pode provocar
uma e m o ç ã o desejada.
A t í t u l o de m a i o r e s c l a r e c i m e n t o , q u e r o c o n t a r - l h e s u m caso q u e a c o n -
teceu c o m i g o d u r a n t e as r e p r e s e n t a ç õ e s de " C a n t o da C o t o v i a " de J e a n
A n o u i l h , no T e a t r o Maria Della C o s t a.
Na cena e m q u e o B i s p o C a u c h o n — c u j o p a p el e u f a z i a — p r o c u r a
c o n v e n c e r J o a n a D ' A r c a a b j u r a r , e u f a z i a u m gesto e m d i r e ç ã o a J o a n a , c o m
a p a l m a da m ã o v i r a d a p a r a c i m a , u m g e s t o de súplica, q u e s u r g i u e s p o n t a -
n e a m e n t e q u a n d o s e n t i a ânsia de c o n v e n c ê - l a . Mas ao m e s m o t e m p o esse
gesto não sei e x a t a m e n t e p o r q u e p r o v o c a v a e m m i m a s e n s a ç ã o de m a i o r
h a r m o n i a c o m a r o u p a de C a u c h o a e o m a g n í f i c o cenário de G i a n n i R a t t o .
Este f o i o " c a m i n h o de d e n t r o p a r a f o r a " q u e eu usei e q u e m e l e v o u a u m
r e s u l t a d o , a m e u v e r , satisfatório.
D e p o i s de u m dos e s p e t á c u l o s , o c i n e a s t a L i m a B a r r e t o , q u e acabava de
assistir a r e p r e s e n t a ç ã o, m e disse q u e n ã o s e n t i u naquele m e u gesto " u m
h o m e m de i g r e j a " e que o gesto d e v e r i a ser f e i t o de m a n e i r a inversa, i s t o é,
c o m a p a l m a da m ã o v i r a d a p a r a J o a n a , c o m o n u m a b ê n ç ã o : " N ã o é u m
h o m e m q u a l q u e r — é u m b i s p o q u e s u p l i c a , e ele suplica c o m o t a l . "
A c h e i q u e sua o b s e r v a ç ã o era m u i t o lógica e, depois de v o l t a r p a r a casa,
p r o c u r e i ensaiar s o z i n h o o t r e c h o d a c e n a , i n c l u i n d o o g e s t o aconselhado
c . . . de r e p e n t e me s e n t i m u i t o m a i s b i s p o , s e n t i a e n o r m e r e s p o n s a b i l i d a d e
perante a i g r e j a , s e n t i o m e d o de n ã o c o n s e g u i r c o n v e n c e r J o a n a . A c o m -
p l e x i d a d e dessas e m o ç õ e s e p e n s a m e n t o s m e l e v o u a a n s i e d a d e a i n d a m a i o r
do que nos e s p e t á c u l o s a n t e r i o r e s .
Desta vez, c o m o v o c ê s p o d e m c o n s t a t a r , o c a m i n h o e s c o l h i d o f o i " d e
fora para d e n t r o " .
R e s u m i n d o , p o d e m o s d i z e r q u e a o c o n s t r u i r seu p a p e l o ator nunca
deve perder de vista a c o e x i s t ê n c i a n a t u r a l desses d o i s aspectos da a ç ã o ,
p o r q u e só assim o seu p e r s o n a g e m será r e a l m e n t e u m ser h u m a n o .
E aflora estamos c h e g a n d o a ú l t i m a característica da a ç ã o na v i d a r e a l :
tuo existe áçuó Sein objetivo. Quando agimos é sempre para conseguir
olgum.i coisa, p o r q u e s e m p r e d e s e j a m o s a l g u m a coisa. A p r i m e i r a vista isso
não parece l ó g i c o . Há q u e m p o s s a p e r ^ n t a r : " E a apatia? E a p r o s t r a ç ã o ?
Q u e tíòdc d e s e j a r u m a p e s s o a nes*c e s t a d o ' Então deve h a v e r na nossa v i d a
momentos cm q u e hão d e s e j a m o s nada? " Eu afirmo que não: mesmo
ATOR E MÉTODO 29
q u a n d o t e m o s a c e r t e z a de n a d a q u e r e r , p r o v a v e l m e n t e , lá n o f u n d o , quere-
mos não querer, i s t o é , r e j e i t a m o s q u a l q u e r v o n t a d e . M a s , nesse caso, a nossa
i n t e n ç ã o de não t e r v o n t a d e t o r n a - s e u m o b j e t i v o . O u a i n d a . c o m o o m á x i m o
d a f a l t a de o b j e t i v o n a v i d a , s e r i a a v o n t a d e de m o r r e r , m a s a m o r t e nesse
caso seria o nosso o b j e t i v o . P o r t a n t o , c o n v e n h a m o s que e m t e a t r o não
p o s s a m o s a d m i t i r q u e a a ç ã o c é n i c a seja d e s p r o v i d a de o o j e r i v o s . C o m o n a
v i d a r e a l , a necessidade e s t i m u l a a a t i v i d a d e d o h o m e m d e n t r o de u m a
d e t e r m i n a d a situação, assim t a m b é m e m t e a t r o o o b j e t i v o d o p e r s o n a g e m
e s t i m u l a a imaginação d o a t o r e o i n d u z a a g i r d e n t r o das circunstâncias d a
o b r a dramática.
V e j a m o s u m e x e m p l o de c o m o a p r e s e n ç a de u m o b j e t i v o o u ausência
do mesmo se t e f l e t e n o t r a b a l h o d o a t o r . T i r e i esse e x e m p l o d a m i n h a
p r ó p r i a experiência, c o m p a r a n d o duas f o t o g r a f i a s m i n h a s t i r a d a s e m d o i s
papéis d i f e r e n t e s . V e j a m o s as d u a s : a p r i m e i r a , de" " M i s t e r P i t c h u m " d a
" Ó p e r a dos três v i n t é n s " , ( f o t o n . ° 4 ) , e a s e g u n d a , de " M a n e c o T e r r a " , d o
filme " A n a T e r r a " ( f o t o n . ° 5), — filme que nunca foi realizado porque a
C o m p a n h i a V e r a C r u z , n a q u e l a é p o c a , t i n h a quase e n t r a d o e m falência.
V o u lhes c o n t a r a história das duas f o t o g r a f i a s . E u fiz o p a p e l de
" P i t c h u m " , n o e s p e t á c u l o r e a l i z a d o p e l a E s c o l a Dramática d a B a h i a , sob a
d i r e ç ã o de M a r t i m G o n ç a l v e s . A n t e s de c o m e ç a r u m a das r e p r e s e n t a ç õ e s , eu
estava m u i t o p r e o c u p a d o c o m a l g u n s d e t a l h e s d a r o u p a e dos acessórios . U n s
p o u c o s m i n u t o s antes d o i n í c i o , u m a l u n o d a Escola m e avisou q u e u m
r e p ó r t e r precisava t i r a r c o m urgênci a u m a f o t o g r a f i a m i n h a . E u me r e c u s e i
p o i s n ã o havia mais t e m p o . E l e i n s i s t i u : " K u s n e t , só u m i n s t a n t e " . Para m e
v e r l i v r e desse p r o b l e m a , a c e i t e i , p e d i n d o q u e f o s s em rápidos. M a l tive t e m p o
de m e c o l o c a r ao l a d o d a e s c r i v a n i n h a d o e s c r i t ó r i o de " M i s t e r P i t c h u m " ,
t o m e i r a p i d a m e n t e " a a t i t u d e de M r . P i t c h u m " e p r o n t o ; a f o t o g r a f i a f o i
tirada. O resultado c o m o vocês p o d e m ver (vejam a fotografia n.° 4 ) , f o i
l a m e n t á v e l : há apenas u m a c a r e t a de P i t c h u m e n e n h u m v e s t í g i o d a a ç ã o
i n t e r i o r do personagem. Por quê? P o r q u e n a q u e l e m o m e n t o eu n ã o p e n s e i
e m a l g u m o b j e t i v o de M r . P i t c h u m . S ó h a v i a u m o b j e t i v o , e este era u m
o b j e t i v o d o a t o r K u s n e t — ser f o t o g r a f a d o o m a i s rápido p o s s í v e l .
A g o r a v e j a m a o u t r a f o t o g r a f i a , a de M a n e c o T e r r a ( v e j a m a f o t o g r a f i a
n . ° 5 ) . E l a f o i t i r a d a b e m n o i n í c i o dos t r a b a l h o s . Trata-se de u m a c e n a e m
q u e M a n e c o faz s i n a l a seus dois filhos p a r a q u e m a t e m o í n d i o que s e d u z i u
sua filha A n a . O o b j e t i v o de M a n e c o é m u i t o c o m p l e x o : p o r u m l a d o ele
decidiu cumprir o d e v er d o p a i c u j a filha f o i d e s o n r a d a m a s , ao mesmo
t e m p o , ele daria a v i d a p a r a e v i t a r a m á g o a q u e essa decisão causaria a sua
filha a d o r a d a . Esses dois o b j e t i v o s c o n t r a d i t ó r i o s foram cuidadosamente
e s t u d a d o s e usados n o t r a b a l h o .
C a s u a l m e n t e a n a l i s a n d o c o m m e u s a l u n o s alguns detalhes dessa c e n a ,
c o n s t a t a m o s que c o b r i n d o c o m u m cartão a p a r t e i n f e r i o r d o r o s t o , na
30 EUGÊNIO KUSNET ATOR E MÉTODO 31
H á u m d e t a l h e d o t r a b a l h o d o a t o r q u e n u n c a deve ser p e r d i d o de v i s t a :
é a atratividade dos objetivos do personagem. Se u m a t o r não c o n s e g u e
i n t e r e s s a r - s e p r o f u n d a m e n t e p e l o s p r o b l e m a s d o p e r s o n a g e m , há p o u c a p r o -
b a b i l i d a d e de sucesso n o seu t r a b a l h o . E j á q u e é ele p r ó p r i o q u e m estabe-
lece e d á f o r m a aos o b j e t i v o s , a a t r a t i v i d a d e dos mesmos depende dele
próprio.
C o m o s e m p r e , o m a i o r i n i m i g o d o a t o r nesse t r a b a l h o é a t e n d ê n c i a de
s i m p l i f i c a r d e m a i s os p r o b l e m a s . Q u a n t o m a i s c o m p l e x o f o r o o b j e t i v o d o
p e r s o n a g e m , t a n t o mais f a c i l m e n t e será d e s p e r t a d a a imaginação d o a t o r . O
j á c i t a d o d i r e t o r s o v i é t i c o — N i c o l á i O k h l ó p k o v , f a l a n d o sobre p r o b l e m a s da
d i r e ç ã o , disse: " N ã o d e i x e o a t o r p r o c u r a r u m b o t ã o p e r d i d o q u a n d o ele
pode p r o c u r a r u m amor p e r d i d o ! "
O a t r a e n t e para nós é a q u i l o q u e nos i n t e r e s s a p r o f u n d a m e n t e . I n t e r e s -
sar-se p r o f u n d a m e n t e pelos problemas a l h e i o s s ó é possível q u a n d o nós
conseguimos c o l o c a r - n o s n o l u g a r da pessoa. P o r isso é sempr e aconselhável
q u e o a t o r p r o c u r e a l g u m p a r a l e l o e n t r e a s i t u a ç ã o d o personagem e a l g u m
d e t a l h e s e m e l h a n t e a sua p r ó p r i a v i d a . E a s s i m q u e ele p o d e d e s c o b r i r mais
f a c i l m e n t e a a t r a t i v i d a d e dos o b j e t i v o s d o p e r s o n a g e m .
P a r a d e m o n s t r a r a e n o r m e i m p o r t â n c i a q u e t e m a a t r a t i v i d a d e dos o b j e -
t i v o s , q u e r o lhes c o n t a r u m caso q u e m e p a r e c e m u i t o i l u s t r a t i v o .
D u r a n t e os ensaios de " O C a n t o da C o t o v i a " , n a cena e m q u e J o a n a
D ' A r e e n t r a n o palácio r e a l p a r a p r o p o r ao d e l f i m l h e c o n f i a r o c o m a n d o do
e x é r c i t o francês, M a r i a D e l l a C o s t a , q u e f a z i a o p a p e l de J o a n a , achava q u e o
e s t a d o e m o c i o n a l da h e r o í n a d e v i a ser o de t i m i d e z , p o r q u e ela, u m a s i m p l e s
camponesa, pela p r i m e i r a vez entrava n u m palácio. Apesar da l ó g i c a do
p r ó p r i o t e x t o e m que se fazi a s e n t i r a a l t i v e z de J o a n a , apesar das cenas
a n t e r i o r e s e m que J o a n a estava e m c o n t a t o d i r e t o c o m u m ser m u i t o s u p e -
rior aos reis, o A r c a n j o S ã o M i g u e l , M a r i a n ã o se c o n v e n c i a . Ela r a c i o c i n a v a
na base de u m e x e m p l o de sua p r ó p r ia v i d a , q u a n d o ela f o i ao P a l á c i o do
C a t e t e p a r a u m a audiência c o m G e t ú l i o V a r g a s . E l a ia p l e i t e a r u m s u b s í d i o
p a r a o seu t e a t r o que n a q u e l a é p o c a se a c h a v a e m c o n s t r u ç ã o . E l a r a c i o -
cinava: " e u vou incomodar o nosso g r a n d e p r e s i d e n t e c o m os pequenos
problemas do m e u i n s i g n i f i c a n t e t e a t r o ! . . . J á na e n t r a d a do Catete.me
Fotografia n . ° 4
senti tão i n t i m i d a d a que, por pouco, não desisti do e n c o n t r o " .
ATOR E MÉTODO 33
a f i l h a d o N U , d u r a n t e o a l m o ç o d o s e g u n d o a t o . N u m dos e s p e t á c u l o s — u n s
três meses depois da estreia — eu s e n t i u m v e r d a d e i r o p a v o r q u a n d o N i l
bateu c o m o p u n h o na mesa e g r i t o u : " O s e n h or não p o d e n a d a ! . . . "
L e m b r o - m e p e r f e i t a m e n t e de q u e n a q u e l e m o m e n t o eu c h e g u e i a p e n s a r :
" A g o r a ele vai me bater na cara! . . . " D e p o i s d o e s p e t á c u l o , r e c a p i t u l a n d o o TERCEIRO CAPÍTULO
que se passou, f i q u e i c o n t e n t í s s i m o p o r t e r e n c o n t r a d o c o m t a n t a c l a r e z a
essa e m o ç ã o de Bessêmenov. N a n o i t e s e g u i n t e , p r e o c u p a d o e m n ã o p e r d ê -
la. n o ú l t i m o m o m e n t o , e m cena a b e r t a p e n s e i : " E u p r e c i s o s e n t i r esse
Resumindo o conteúdo do c a p í t u l o a n t e r i o r , p o d e m o s d i z e r q u e as
p a v o r ! " E claro que o r e s u l t a d o f o i u m v e r d a d e i r o fracasso: n u n c a f i z essa
q u a t r o características f u n d a m e n t a i s da a ç ã o , — t a n t o na v i d a r e a l , c o m o e m
cena de maneira tão falsa. Por que? P o r q u e Bessêmenov não p o d i a " q u e r e r t e a t r o , — são as s e g u i n t e s :
sentir o p a v o r " , ele p o d i a " q u e r e r f u g i r d a b o f e t a d a " , i s t o s i m ! Se o o b j e t i v o
no último momento fosse r e a l m e n t e esse: " E l e v a i m e bater! Quero 1) A a ç ã o s e m p r e o b e d e c e à lógica.
f u g i r ! . . . " o verdadeir o pavor seria r e s u l t a d o a u t o m á t i c o desse p e n s a m e n t o . 2} A ação é sempre c o n t í n u a e i n i n t e r r u p t a .
A s s i m c o m p l e t a m o s as nossas c o n s i d e r a ç õ e s sobre as q u a t r o c a r a c t e r í s - 3 ) A a ç ã o s e m p r e t e m , s i m u l t a n e a m e n t e , d o i s aspectos: a ç ã o i n t e r i o r e
ticas essenciais da ação na v i d a real e o s e u u s o n o ríosso t r a b a l h o e m t e a t r o . ação e x t e r i o r .
Se v o c ê realmente quiser a s s i m i l a r as n o ç õ e s c o n t i d a s neste c a p í t u l o ,
4} Não existe ação sem o b j e t i v o s .
saiba que não é suficiente apenas c o m p r e e n d e r e saber r e p e t i r o seu c o n t e ú -
do. É preciso fazer os e x e r c í c i o s s u g e r i d o s '"a cegueira", "a abstração", "o O c o n h e c i m e n t o dessas características é de e x t r e m a i m p o r t â n c i a no
resgate", "o enterro", e "a piada") e m u i t o s o u t r o s que a sua i m a g i n a ç ã o t r a b a l h o d o a t o r . M a s o c o n h e c i m e n t o t e ó r i c o não b a s t a , é p r e c i s o saber
possa lh e sugerir. Só assim v o c ê p o d e r á a s s i m i l ar na prática a ideia d o u s o utilizá-lo n a prática q u a n d o c o m e ç a m o s a t r a b a l h a r c o m u m d e t e r n u n a d o
das características da ação n o seu t r a b a l h o de a t o r . A n t e c i p a n d o c e r t o s material d r a m a t ú r g i c o , seja ele u m simples e x e r c í c i o o u u m c o m p l i c a d o
problemas de nossos estudos, d e v o e s c l a r e c e r desde já que a ação dos temas papel n u m a d e t e r m i n a d a p e ç a .
acima citados deve ser improvisada por você. P o r t a n t o , n ã o caia n o e r r o de Por onde devemos c o m e ç a r ?
preestabelecer por escrito o e s q u e m a rígido da ação e dos d i á l o g o s (ou Já s a b e m o s q u e n o p a l c o d e v e m o s agir e m n o m e d o p e r s o n a g e m ; q u e
monólogos) do e x e r c í c i o , para s e g u í - l o s à risca. P r o c u r e i m p r o v i s a r l i v r e - devemos a c e i t a r , c o m o se f o s s e m nossos, t a n t o a situação e m q u e o p e r s o -
m e n t e t a n t o os m o v i m e n t o s c o m o as f a l a s . n a g e m se e n c o n t r a c o m o t a m b é m os o b j e t i v o s de sua a ç ã o . M a s p a r a c o m e -
Improvisação é a base de t o d o s os t r a b a l h o s teatrais p e l o M é t o d o de çar a agir n o m g a r d o p e r s o n a g e m é necessário, e m p r i m e i r o l u g a r , e s t a b e -
Stanislavski. Mais tarde t r a t a r e m o s d e t a l h a d a m e n t e d o m é t o d o de i m p r o v i s a - lecer c o m a m á x i m a c l a r e z a quem é o personagem, quais são as suas caracte-
ção. rísticas. C o m o ele é? B o m , m a u , j o v e m , v e l h o , i n t e l i g e n t e , b u r r o ? O n d e ele
Insisto na necessidade de v o c ê p r ó p r i o c r i a r novos e x e r c í c i o s , p o r q u e , vive e p a r a q u e vive? E . p r i n c i p a l m e n t e , o que ele q u e r ?
desta maneira, v o c ê desenvolve m a i s u m a das i m p o r t a n t e s q u a l i d a d e s d o A r e s p o s t a a t u d o isso p o d e ser e n c o n t r a d a , e m p a r t e , n o material
a t o r : a sua iniciativa. Neste l i v r o p r e t e n d o sugerir m u i t o s e x e m p l o s de t r a b a - d r a m a t ú r g i c o c o m o q u a l e s t a m o s t r a b a l h a n d o . Este m a t e r i a l , c u j o s c o m p o -
lhos práticos e seria u m e r ro d o l e i t o r n ã o p r o c u r a r c o m p l e t a . - esse m a t e r i a l nentes d e v e m ser c u i d a d o s a m e n t e analisados e s e l e c i o n a d o s , servirá de base
c o m o que a sua imaginação possa p r o d u z i r . para o n o s s o t r a b a l h o . N o m é t o d o de S t a n i s l a v s k i ele é d e n o m i n a d o c o m o
t e r m o : C I R C U N S T Â N C I A S P R O P O S T A S . Para n ó s , a t o r e s , esse t e r m o s i g n i -
fica a v e r d a d e , a r e a l i d a d e d a v i d a d o p e r s o n a g e m nas s i t u a ç õ es q u e o a u t o r
da o b r a dramática nos p r o p õ e . P o r t a n t o , não se t r a t a da v e r d a d e da v i d a real
e s i m da " v e r d a d e c é n i c a " ; e s p e c i f i c a m e n t e t e a t r a l c o m o o é a " f é c é n i c a " .
A m e s m a v e r d a d e d a v i d a r e a l . ist o é, a r e a l i d a d e o b j e t i v 3 . p o d e ser
i n t e r p r e t a d a e a p r e s e n t a d a p o r d o i s artistas de m a n e i r a m u i t o d i f e r e n t e , sem
que essa d i f e r e n ç a p r e j u d i q u e a " v e r d a d e a r t í s t i c a " , o u seja a r e a l i d a d e
s u b j e t i v a de cada u m deles.
36 EUGÊNIO KUSNET ATOR E MÉTODO 37
papeL o uso da memória. E o q u e é a m e m ó r i a , s e n ã o a " v i s u a l i z a ç ã o " " z o n a s d e s i l ê n c i o " , o u seja, o e s t u d o d o f u n c i o n a m e n t o e d a realização das
consciente d o passado? pausas e m t e a t r o .
A s reticências que vocês e n c o n t r a m n o t e x t o a c i m a f o r a m p o s t a s p o r Um exemplo d i s so encontramos num artigo p u b l i c a d o na revista
m i m para assinalar as pequenas pausas existentes n a i n t e r p r e t a ç ã o de G r e t a "Teatro" d e M o s c o u , sob o título " A r e s p e i t o de u m a p a u s a " (janeiro
G a r b o . Q u e m assistiu ao f i l m e c e r t a m e n t e se lembrará dos o l h o s de G r e t a 1971). A a u t o r a d o a r t i g o , A . Polevítscaia , u m a das m a i s v e l h a s e famosas
G a r b o naqueles m o m e n t o s . E l e s f i t a v a m o futuro da rainha q u a n d o ela atrizes russas, d e s c r e v e e m m í n i m o s d e t a l h e s t o d a s as a ç õ e s físicas d o perso-
estaria sozinha, " v e n d o " o seu passado . . . n a g e m c r i a d o p o r ela, n u m a cena e m q u e ela, d u r a n t e s e t e m i n u t o s , não
A genial interpretação dessa p a r t e , que nos fazia s e n t i r t o d o o d r a m a d a p r o n u n c i a u m a p a l a v r a sequer.
pobre rainha, era c e r t a m e n t e r e s u l t a d o dessa " v i s u a l i z a ç ã o " . V o c ê s p o d e m i m a g i n a r o q u e a c o n t e c e r i a se a a t r i z , a o e x e c u t a r essas
C i t o a segunda parte da m e s m a c e n a : a ç õ e s físicas, d e i x a s s e de usar a " v i s u a l i z a ç ã o a t i v a " d a s i t u a ç ã o e dos p r o -
A N T O N I O — T e l l m e , — y o u said y o u w o u l d , — w h y h a d y o u c o m e t o blemas d o personagem? T e n h o c e r t e z a de q u e a p l a t e i a t o d a estaria d o r m i n -
this I r ; r dressed as a man? d o n o t e r c e i r o m i n u t o . E . e n t r e t a n t o , S t a n i s l a v s k ^ q u e várias vezes assistiu ao
C R I S T I N A — I n m y h o m e . . . I ' m v e r y c o n s t r a i n e d . . . E v e r y t h i n g is e s p e t á c u l o , r e c o m e n d a v a a seus a l u n o s q u e p r e s t a s s e m e s p e c i a l a t e n ç ã o a
arranged very f o r m a l l y . . . essa c e n a c o m o u m e x e m p l o da " a r t e de s e n t i r " .
ANTÓNIO — A h ! . . . A c o n v e n t i o n a l house-hold? O já citado exemplo do filme "Belinda", na i n t e r p r e t a ç ã o de Jane
CRISTINA - Very. W y m a n , é m a i s u m e x e m p l o d o uso da " v i s u a l i z a ç ã o " ; a a t r i z c e r t a m e n t e
Depois da p r i m e i r a fala de A n t ô n i o , G r e t a G a r b o m a n t é m u m a p a u s a d e "visualizava" o q u e a p e r s o n a g e m não p o d i a ver p o r ser cega. C o m o em
seis segundos antes de c o m e ç a r a f a l a r . A s reticências r e p r e s e n t a m p a u s a s nosso p e q u e n o e x e r c í c i o ( " e x a m i n a n d o u m r á d i o " ; n o q u a l c o m p r o v a m o s
menores. A razão da pausa m a i o r c o n t é m m i l d e t a l h e s : a i m p o s s i b i l i d a d e d e q u e a visão física p o d e ser quase e l i m i n a d a p e l o uso d a v i s ã o i n t e r i o r , assim
revelar a verdade; a v o n t a d e de r e s p o n d e r à p e r g u n t a , mas de u m a f o r m a q u e t a m b é m a a t r i z , através da " v i s u a l i z a ç ã o " aguda d o q u e n ã o p o d i a estar ao
não a c o m p r o m e t a ; a sensação d o ridículo dessa s i t u a ç ã o ; o p r o t e s t o i n t e r i o r alcance de sua v i s t a -por exemplo, os obstáculos no chão) iconseguia adquirir
c o n t r a a vida que a o b r i g a m l e v a r ; a sua i m p o t ê n c i a p a r a m o d i f i c a r as c o i s a s a e x p r e s s ã o dos o l h o s de q u e m não vê o q u e se acha d i a n t e d e l e .
e, ao mesmo tempo, a aceitação das c o n d i ç õ e s de sua v i d a c o m o um
Para c o m p l e t a r as nossas c o n s i d e r a ç õ e s sobre o u s o p r á t i c o d a " v i s u a -
c o m p r o m i s s o de h o n r a . . . e p r o v a v e l m e n t e m u i t o s o u t r o s d e t a l h e s q u e e u
lização", recomendamos que o l e i t o r v o l t e n o v a m e n t e aos e x e m p l o s que
não saberia citar. T u d o isso n ó s s e n t i m o s e t u d o isso é r e s u l t a d o d a q u e l a
d e m o s nas páginas a n t e r i o r e s para o uso d a " l ó g i c a da a ç ã o " . Eles t a m b é m
pausa de seis segundos.
são e x e m p l o s p e r f e i t o s para o uso da " v i s u a l i z a ç ã o " , que podem servir
N o f i n a l , antes de r e s p o n d e r : " V e r y " , há t a m b é m u m a p e q u e n a p a u s a
muito bem p a r a seus e x e r c í c i o s . M a s , a i n d a m e l h o r , s e r i a se v o c ê criasse
que deve ser r e s u l t a d o de u m a " v i s u a l i z a ç ã o " m u i t o c o m p l e x a e c u j o r e s u l -
t e m a s n o v o s , b a s e a d o s na sua p r ó p r i a vivência o u t i r a d o s de obras l i t e -
t a d o p o d e r í a m o s chamar s i m p l e s m e n t e de triste resignação d a r a i n h a .
rárias. •
O uso c o r r e t o da " v i s u a l i z a ç ã o a t i v a " é de i m e n s a i m p o r t â n c i a n o t r a b a -
E agora, c o m os p o u c o s e l e m e n t o s q u e até o m o m e n t o c o n h e c e m o s ,
l h o de ater. Seu e f e i t o se r e f l e t e t a n t o na " a ç ã o e x t e r i o r " (mímica, gestos,
p o d e m o s f a z e r a l g u m a s experiências de s i s t e m a t i z a ç ão d o u s o desses e l e m e n -
falas), c o m o na " a ç ã o i n t e r i o r " {pensamentos, emoções).
tos, a e x e m p l o d o que fizemos, há p o u c o , n o t r a b a l h o c o m as q u a t r o carac-
A influência da " a ç ã o i n t e r i o r " d o p e r s o n a g e m sobre o e s t a d o p s í q u i c o
terísticas d a ação e m relação às C I R C U N S T Â N C I A S P R O P O S T A S . Desta
d o espectador se efetua, às vezes, d e n t r o da i m o b i l i d a d e e d o s i l ê n c i o t o t a l
vez, p o r é m , i n c l u i r e m o s n o t r a b a l h o dois n o v o s e l e m e n t o s d o M é t o d o : " O
e m cena. T o d o s nós sabemos q u e esse t i p o de a ç ã o f r e q u e n t e m e n t e é m a i s
mágico SE F O S S E " e a " V I S U A L I Z A Ç Ã O " .
i m p r e s s i o n a n t e do que a ação f í s i c a . Basta l e m b r a r - s e p o r e x e m p l o , d o e x c e -
lente filme " P e r d i d o s na n o i t e " e m q u e os dois intérpretes p r i n c i p a i s a p a r e - D i g a m o s q u e o a s s u n t o e s c o l h i d o seja b a s t a n t e s i m p l e s : u m rapaz (ou
cem m u d o s e imóveis e m m u i t a s cenas. E e n t r e t a n t o , j u s t a m e n t e nessas uma moça) escreve à sua n a m o r a d a (ou namorado) u m a cartinha marcando
cenas é que nós sentíamos m a i o r e s e m o ç õ e s : p a r e c i a - n o s q u e estávamos u m e n c o n t r o . T e r m i n a d a a c a r t a , ele (ou ela) a d o b r a , p õ e - n a n o e n v e l o p e e
v e n d o nos olhos dos atores o q u e eles " v i s u a l i z a v a m " . sai p a r a enviá-la. (Para fazer esse exercício procurem não usar objetos reais,
O d i r e t o r soviético A . P o p o v , d u r a n t e m u i t o s anos de suas a t i v i d a d e s papel, caneta, etc. — deixem tudo à sua imaginação, usem objetos imagi-
c o m o professor e d i r e t o r , c r i o u u m e s t u d o p r o f u n d o d o q u e ele c h a m a v a d e nários).
44 EUGÊNIO KUSNET ATOR E MÉTODO 45
1) I m a g i n e u m a f o l h a de p a p e l e m c i m a de sua m e s a . P r o c u r e v i s u a -
lizá-la n i t i d a m e n t e , e m todos os d e t a l h e s e, e m s e g u i d a , d o b r e - a e m várias
direções, e x e c u t a n d o c o m precisão t o d o s os m o v i m e n t o s das m ã o s " c o m o
SE F O S S E " u m a f o l h a de papel reaL
Quando conseguir u m r e s u l t a d o s a t i s f a t ó r i o , por exemplo, quando
chegar a convencer o seu a m i g o de q u e está r e a l m e n t e l i d a n d o c o m u m
p e d a ç o de " p a p e l " , acrescente a esse e x e r c í c i o " C i r c u n s t â n c i a s P r o p o s t a s " e
" O b j e t i v o s " d o personagem. Por e x e m p l o : u m a m o ç a t r a b a l h a n u m a f a b r i -
queta de envelopes g a n h a n d o m u i t o p o u c o ; e n q u a n t o d o b r a o p a p e l ela
pensa, — e p o r t a n t o visualiza, — a situação de miséria e m q u e se e n c o n t r a a
sua família. Ela precisa desse e m p r e g o , ela p r e c i s a p r o d u z i r mais para ser
aumentada.
2) V o c ê acompanha c o m o o l h a r u m c o r t e j o f ú n e b r e . P r o c u r e v i s u a l i z a r
n i t i d a m e n t e todos os d e t a l h e s : o c a r r o , o c a i x ã o , as c o r o a s , os a c o m p a -
nhantes. E m seguida estabeleça as " C i r c u n s t â n c i a s P r o p o s t a s " e os " O b j e -
t i v o s " . Q u e m era o falecido? Q u a i s e r a m as suas r e l a ç õ e s c o m ele? Por q u e
veio ver o enterro? O que o i m p e d e de a c o m p a n h a r o e n t e r r o j u n t o aos
outros? etc.
seu intérprete; u m dos sapatos e s t a va v i r a d o de sola p a r a c i m a e era tão g a s t o ele p o d e ser u m r e i "
1) Estabelecer a situação d o p e r s o n a g e m .
2) F i x a r as necessidades d o p e r s o n a g e m . S o b r e o f u n d o geral desta " I n s t a l a ç ã o " d i r i g i d a n o s e n t i d o da r e a l i d a d e
(palco, colegas, cenário, espectadores, etc.) projeta-se a " A ç ã o Instaladora"
3 ) T o m a r a t i t u d e a t i v a , i s t o é, agir n o l u g a r d o p e r s o n a g e m c o m o se ele
n o s e n t i d o d o i m a g i n á r i o (aruação d o p e r s o n a g e m ) .
fosse r e a l .
A c o n t e c e q u e , — sempre de a c o r d o c o m as pesquisas r e a l i z a d a s , — a
II.» Instalação:
p r i m e i r a " I n s t a l a ç ã o " (a da realidade objetiva) f o r m a u m a e s p é c i e de f u n d o
0 IMAGINÁRIO
para a p r o j e ç ã o da segunda e, e m b o r a i n c o n s c i e n t e m e n t e , i n f l u i s o b r e o
(a v i d a d o p e r s o n a g e m )
c o m p o r t a m e n t o d o a t o r e m c e n a e n q u a n t o ele age n o l u g a r d o p e r s o n a g e m
c o m o se este fosse real. SITUAÇÃO NECESSIDADE
<
E m u i t o esclarecedora a e x p l i c a ç ã o d o c o m p a n h e i r o de K . S. S t a n i s -
l a v s k i V . I . Nemiróvitch-Dântchenko^sobr e o c o n c e i t o " D u a l i d a d e d o A t o r " . ATITUDE ATIVA
"A diferença e n t r e as e m o ç õ e s na v i d a real e as e m o ç õ e s c é n i c a s c o n - (do a t o r c o m o se fosse o
personagem)
siste n o f a t o de q u e , q u a n d o na v i d a real, u m a pessoa é v í t i m a d e u m a
1
grande desgraça, ela só s o f r e e c h o r a , mas o a t o r e m c e n a , q u a n t o m a i s ATIVIDADE
NITIDEZ DAS
sincera e p r o f u n d a m e n t e vive a desgraça d o p e r s o n a g e m , t a n t o m a i s s e n t e a VISUALIZAÇÕES
MOTORA
alegria de sua criação. E essa alegria, de m a n e i r a a l g u m a , d i m i n u e a i n t e n s i -
dade e a paixão de sua d e s g r a ç a " . ATIVIDADE INTEGRAL
E m b o r a essa e x p l i c a ç ã o t e n h a sido dada m u i t o s anos a n t e s d a p r i m e i r a (ação p s i c o f i s i c a )
Pois b e m , o D r . B l a y , u m a u t ê n t i c o c i e n t i s t a , c o n t o u u m a coisa q u e
rosto c o m p l e t a m e n t e i m ó v e l ; o u , f i n a l m e n t e , os o l h o s d o a t o r I . P e v t s o v n a
c o n t a d a p o r u m a o u t r a pessoa p o d e r i a p a r e c e r sonho de u m p o e t a : n a q u e l e
cena que eu c o n t e i neste c a p í t u l o p a r a d e m o n s t r a r o q u e é a " D u a l i d a d e d o
s i l ê n c i o a sua p a c i e n t e " c o n t o u - l h e " t o d a a tragédia da sua v t d a de s u r d o -
Ator".
m u d a c o m o se estivesse n a r r a n d o c o m p a l a v r a s .
O e f e i t o desse estado p s í q u i c o d o a t o r s o b r e o e s p e c t a d o r , S t a n i s l a v s k i
L e m b r o - m e da p r i m e i r a i m p r e s s ã o q u e isso me causou. E u p e n s e i : Se eu
chamava de I R R A D I A Ç Ã O . " P a r e c e q u e d o s o l h o s e de t o d o o c o r p o do
possuísse a d é c i m a p a r t e da c a p a c i d a d e d a q u e l a m o ç a de se c o m u n i c a r e m o -
a t o r , — dizia ele, — sai u m a e s p é c ie de t é n u e s fios l u m i n o s o s que a t i n g e m o
c i o n a l m e n t e , eu seria o m a i o r a t o r d o m u n d o .
espectador"-
A t u a l m e n t e a p s i c o l o g i a e x p l i c a esse e f e i t o p e l o u s o c o r r e t o da " I n s t a -
lação".
A s s i m p o d e m o s encarar c o m c e r t o o t i m i s m o , a p o s s i b i l i d a d e de c h e g a r -
mos através de u m t r a b a l h o r a c i o n a l ao m e n o s a u m a p e q u e n a p a r t e d a q u i l o
que a n a t u r e z a t e m de mais p r o f u n d o e p r e c i o s o p a r a nós atores — o n o s s o
subconsciente.
A c o m u n i c a ç ã o e m o c i o n a l e m seu e s t a d o p u r o e x i s t e na n a t u r e z a .
bre-se de que desta vez, n ã o se t r a t a d o s o b j e t i v o s d o a u t o r d a o b r a , e s i m , seus " C í r c u l o s de A t e n ç ã o " , o " m á g i c o S E F O S S E " , a " V i s u a l i z a ç ã o das
Falas", etc.
dos p r o b l e m a s , das necessidades d o personagem cujo t e x t o v o c ê estiver
l e n d o . P o r t a n t o , comente esses problemas como se você fosse o personagem. A assimilação g r a d a t i v a desses e l e m e n t o s p e l o a f o r deve c r i a r n o seu
Q u a n d o v o c ê chegar a t o m a r n o t a d o s seus c o m e n t á r i o s , saiba q u e está s u b c o n s c i e n t e "correntes subaquáticas, enquanto na superfície do rio corre
c r i a n d o m a t e r i a l para mais u m e l e m e n t o d o M é t o d o — " M O N O L O G O I N T E - o texto da peça". P o r m e i o desta bela i m a g e m S t a n i s l a v s k i n o s d á a i d e i a
E eu c o n t i n u e i c o m a minha "Fala I n t e r n a " : "Mas ajudar u m pou- b r o - m e q u e eu fi: urna pequena pausa e respondi muito gentilmente: "Sim
q u i n h o ao seu v e l h o p a i q u e s a c r i f i c o u t o d a sua v i d a p a r a o b e m d o s f i l h o s . s e n h o r a , n o i n í c i o d o mês que v e m " .
Quando f i q u e i s o z i n h o , s e n t a d o n a q u e l a sala sem n a d a q u e fazer, p r o -
c u r e i d i v e r t i r - m e i m a g i n a n d o q u e o m e u p e q u e n o d i á l o g o c o m a m o ç a fosse
78 EUGÊNIO KUSNET ATOR E MÉTODO 79
O n ú m e r o de divisões possíveis n ã o t e m l i m i t e . t r 1 r r I r r
C o n v e n h a m o s pois q u e , p a r a a m a i o r f a c i l i d a d e d e nosso r a c i o c í n i o , a
divisão d o compasso m u s i c a l, c o m o ela é f e i t a n o n o s s o e x e m p l o , r e p r e s e n t a 4.
o ritmo e m música.
Mas é preciso notar que o r i t m o a p r e s e n t a d o g r a f i c a m e n t e , c o m o o í
fizemos n o nosso e x e m p l o , só e x i s t e e m t e o r i a . Para t o r n á - l o r e a l i d a d e , i s t o
é, para transformá-lo em música, t e m o s q u e i m p r i m i r - l h e u m a d e t e r m i n a d a
velocidade (que os músicos chamam de andamento) e acrescentar u m a
rr II rr
melodia.
D e i x a n d o de l a d o o p r o b l e m a de m e l o d i a . — p o r q u e o que nos interessa
é o
mos
ritmo m e s m o sem m e l o d i a , d i g a m o s d e n t r o de u m a percussão, — p o d e -
dizer que o ritmo pode r e a l m e n t e e x i s t i r a c r e s c i d o apenas de u m a a
r r a
.5.
d e t e r m i n a d a velocidade.
C o m o v i m o s na definição d o ritmo, e x i s t e e m m ú s i c a mais u m t e r m o :
" t e m p o " . Sua definição n o m e s m o d i c i o n á r i o é a s e g u i n t e :
" C a d a u m a das partes c o m p l e t a s de u m a p e ç a m u s i c a l , e m que o a n d a -
m e n t o m u d a ; duração de cada p a r t e d o c o m p a s s o " .
Simplificado novamente, p o d e m o s dizer: "Para nós o t e r m o " t e m p o " é
1 í ct r y { >- t 1 * Cr t " ? Z r tí
2
v e l o c i d a d e do ritmo". *
existir
Nessas c o n d i ç õ e s , e já que os dois,
em separado (a não ser em teoria),
— o tempo e o ritmo — não podem
S t a n i s l a v s k i , n o seu t r a b a l h o e m
1 r r \ r r r -
t e a t r o , sempre usou o t e r m o ú n i c o — T E M P O - R 1 T M O — f r i s a n d o c o m isso a
absoluta necessidade de n u n c a separar esses dois f a t o r e s n a sua aplicação e m ii
S í * 0 M
- f rr/ r f in r f
teatro.
Para que o l e i t o r possa e x p e r i m e n t a r o e f e i t o d o " t e m p o - r i t m o " , d a m o s
ÍN r -
8 3 3 chamá-lo de T E M P O - R j T M O C O M P O S T O p a r a d i f e r e n c i á - l o d o T E M P O -
T \ - _ _ _ _ .
f - £ — -
r* r* 1*
r r r— r*
—
0
i r rrr
0 0 0—-»
RITMO SIMPLES.
A g o r a podemo s dizer que t e m os u m a n o ç ã o m a i s o u menos exata d o
* que é o ritmo e m música. Mas c o m o e p o r q u e i r í a m o s usá-lo n o t r a b a l h o e m
—f -—r
,# # ar—ar— 0 0 0 0
1 teatro falado?
E = - L_T > 4 - ^ r r
-c—r—p—£ E m p r i m e i r o lugar, pela d e f i n i ç ã o q u e c i t a m o s , p o d e m o s c o n s t a t a r q u e
o ritmo e x i s t e p r a t i c a m e n t e e m t o d a s as a t i v i d a d e s h u m a n a s , i n c l u s i v e n a
r r Ir r 1r r prosa.
r ; rH A n a t u r e z a i n t e i r a é o r g a n i z a d a na base d o ritmo, a c o m e ç a r pel o m o v i -
m e n t o d o s astros e t e r m i n a n d o p e l o m o v i m e n t o das amebas. T u d o n o m u n -
Pode t a m b é m e x p e r i m e n t a r o e f e i t o d a alteração d o t e m p o u s a n d o para d o o b e d e c e ao ritmo.
isso u m a música. Se v o c ê t e m u m a v i t r o l a , p o n h a u m d i s c o de música O h o m e m p r i m i t i v o senti a a presença d o ritmo e m t u d o : na r e g u l a r i d a d e
o r q u e s t r a d a e toque-a n o r m a l m e n t e , u s a n d o a r o t a ç ã o i n d i c a d a — 3 3 r p m o u d o m o v i m e n t o d o sol, d a l u a , d o r u í d o da c h u v a o u d e u m a cascata, nas
4 5 , o u 7 8 . E m seguida r e p i t a o t r e c h o e s c o l h i d o a l t e r a n d o a r o t a ç ã o , p o r p u l s a ç õ e s d o p r ó p r i o c o r a ç ã o . A s s i m os s e n t i m e n t o s d o h o m e m p r i m i t i v o
e x e m p l o , t o c a n d o o disco g r a v a d o e m 3 3 r p m c o m v e l o c i d a d e de 7 8 r p m , o u t a m b é m p a s s a r a m a o b e d e c e r ao r i t m o , p r i n c i p a l m e n t e nas p r i m e i r a s m a n i -
vice-versa. D e n t r o de experiências desse t i p o n ã o é r a r o s e n t i r u m a alegria f e s t a ç õ e s religiosas, nos c a n t o s e nas danças rituais q u e , p o u c o a p o u c o , se
frívola causada p o r u m a m a r c h a f ú n e b r e , só p o r q u e ela f o i t o c a d a e m t e m p o t r a n s f o r m a r a m e m ação t e a t r a l q u e , p o r sua v e z , c o n t i n u o u a o b e d e c e r ao
acelerado. ritmo.
P o r t a n t o o efeito emociona l do t e m p o - r i t m o sobre u m o u v i n t e n u n c a N ã o há pois dúvida q u e a p r o s a e m t e a t r o t a m b é m deve o b e d e c e r ao
depende apenas do r i t m o e m s i , — seja ele s i m p l e s o u c o m p l i c a d o , — e s i m ritmo. Sei q u e , n o i n í c i o , é d i f í c i l de se c o n v e n c e r disso. C o m o p o d e m o s
de harmoniosa interdependência desses dois fatores, tempo e ritmo. Alte- encontrar ritmo, c u j a presença é tão e v i d e n t e n o s versos de poesias, c o m o
r a n d o u m deles, alteramos o e f e i t o g l o b a l d o t e m p o - r i t m o . e n c o n t r á - l o n a q u i l o que é a n t ô n i m o da p o e s i a , n a prosa?
Nas experiências feitas c o m o q u a d r o a c i m a o l e i t o r c e r t a m e n t e p o d e R e a l m e n t e , não é fácil, p o r q u e os a t o r e s d o t e a t r o f a l a d o q u e . ao r e p r e -
c o n s t a t a r que o e f e i t o d o ritmo m u i t o p r i m i t i v o (letra A) p o d e ser a g u ç a d o s e n t a r , c o n s e g u e m agir e falar d e n t r o de u m " t e m p o - r i t m o " c e r t o , c h e g a m a
pela aceleração d o t e m p o , e que o r i t m o m a i s c o m p l i c a d o (letra F) p o d e ser esse r e s u l t a d o de m a n e i r a geral i n t u i t i v a m e n t e e n ã o conscientemente. Nes-
bastante e x c i t a n t e m e s m o c o m o t e m p o l e n t o . sas c o n d i ç õ e s eles têm d i f i c u l d a d e em constatar e fixar o tempo-ritmo
Mais c o n v i n c e n t e a i n d a seria o c o n f r o n t o de c e r t a s o b r a s m u s i c a i s . obtido.
C o m o u m e x e m p l o , gostaria de sugerir a c o m p a r a ç ã o d a Q u a r t a S i n f o n i a de M a s o t e m p o - r i t m o q u e eles c r i a m e x i s t e ! E p r e c i s o que eles s a i b a m
H a y d n c o m o "Pássaro de F o g o " de S t r a v i n s k i . C r e i o q u e s ã o d o i s discos
usá-lo à sua v o n t a d e !
fáceis de se conseguir para o u v i r .
É i m p r e s s i o n a n t e o e x e m p l o de S h a k e s p e a r e . E m suas obras f r e q u e n t e -
N a s i n f o n i a de H a y d n v o c ê v a i e n c o n t r a r t r e c h o s de m á x i m a s i n g e l e z a:
m e n t e passava da prosa à p o e s i a , e vice-versa . A t o r i n a t o q u e era. sentia q u e
vanos instrumentos t o c a m a mesma m e l o d i a , d e n t r o d o m e s m o ritmo. Se
num d e t e r m i n a d o trecho da peça havia n e c e s s i d a de de u m ritmo mais
v o c ê tivesse a o p o r t u n i d a d e de ver as p a r t i t u r a s o r q u e s t r a d a s dessas duas
n í t i d o , q u e a ação da cena o e x i g i a .
obras, c o n s t a t a r i a a e n o r m e diferença e n t r e elas, p o i s e m " P á s s a r o de Fogo"
O mesmo podem e devem fazer os a t o r e s , sem que, para isso, seja
muitos instrumentos tocam simultaneamente melodias diferentes e em
necessário alterar o texto da obra. Eles p o d e m c o l o c a r ritmo mais n í t i d o
ritmos d i t e r e n t e s . Por isso p o d e m o s c h a m a r c e r t o s t r e c h o s d a s i n f o n i a de
d e n t r o d e sua interpretação d o p a p e l , t o r n a r o t e x t o da prosa mais ritmado,
H a y d n de e x e m p l o s de R I T M O S I M P L E S , ao passo que a l g u n s t r e c h o s de
q u a n d o as "Circunstância s P r o p o s t a s " o e x i g i r e m .
S t r a v i n s k i são e x e m p l o s de R I T M O C O M P L I C A D O .
V e j a m o s u m e x e m p l o q u e e m p r i m e i r o l u g a r v a i nos p r o v a r a e x i s t ê n c i a
Mais t a r d e , p o r m e i o de vários e x e m p l o s , v e r i f i c a r e m o s q u e a c o m p l e x i -
real d o t e m p o - r i t m o a c h a d o p o r atores intuitivamente e e m seguida m o s t r a r
dade do " t e m p o - r i t m o " na arte dramática d e c o r r e d o f a t o de q u e f r e q u e n t e -
p o r o n d e u m a t o r deve c o m e ç a r para v e n c e r a dificuldade do uso consciente
m e n t e ele é c o m p o s t o de vários t e m p o - r i t m o s d i f e r e n t e s . Nesses casos vamos
desse tempo-ritmo.
ATOR E MÉTODO 89
88 EUGÊNIO KUSNET
MODERATO = J 80
E m c i n e m a os atores r e p r e s e n t a m cenas q u e são f i l m a d a s e m e s p a ç o s d e
t e m p o r e l a t i v a m e n t e c u r t o s ; essas cenas são ligadas e n t r e si e m " c o p i õ e s " ;
g l l í t\Jí~W \C
faz-se a d u b l a g e m dos d i á l o g o s , colocam-se os sons s u p l e m e n t a r e s , e t c :
ligam-se os " c o p i õ e s " e o filme está quase p r o n t o . F a l t a apenas a m ú s i c a . es- uva muito distraído à mesa.
Marra disse que eu
Chega u m c o m p o s i t o r , assiste à e x i b i ç ã o d o filme e d e p o i s escreve e g r a v a a
música.
«1
i n c l u s i v e , b e m e n t e n d i d o , n o c o m p o r t a m e n t o f í s i c o e nas falas dos i n t é r -
3 PRESTO
pretes dos papéis. P o r t a n t o o c o m p o s i t o r não i n v e n t a u m ritmo n o v o , ele
rf E esse o p r o b l e m a dos e s t u d o s d o t e m p o - r i t m o na p r o s a .
É
q u e r q u e e Rubens C o r r é a . c h e g a r a m a criar u m v e r d a d e i r o e x e m p l o d o uso c a n d o o " t e m p o - r i t m o " m e s m o nas pausas.
desse e l e m e n t o no t r a b a l h o de t e a t r o . Se o " t e m p o - r i t m o " d o e s p e t á c u l o f o i E n o t e m q u e n ã o há n e n h u m e x a g e r o n o m e u e x e m p l o : os p e n t a g r a m a s
c r i a d o i n t u i t i v a m e n t e no c o r r e r dos ensaios, — e é e x a t a m e n t e isso q u e e u a c i m a p r o d u z e m f i e l m e n t e as pausas e o " t e m p o - r i t m o " u s a d o p o r R u b e n s
s u p o n h o , — é c e r t o que d e p o i s ele f o i fixado e u s a d o c o n s c i e n t e m e n t e , p o i s C o r r ê a , d e t a l h e s estes q u e t i r e i m e t i c u l o s a m e n t e d a g r a v a ç ã o q u e fiz d u r a n t e
t o d o s os detalhes do " t e m p o - r i t m o " se r e p e t i a m c o m precisão no s e s p e t á - u m dos e s p e t á c u l o s .
culos. C o m o já disse, o e s p e t á c u l o t o d o f o i m a r c a d o p e l o uso e x e m p l a r d o Entretanto, d u r a n t e a r e p r e s e n t a ç ã o , n u n c a m e p a s s o u pela cabeça a
" t e m p o - r i t m o " , mas há cenas e m que esse f a t o r t o r n a - s e p a r t i c u l a r m e n t e
ideia d o " t e m p o - r i t m o " que R u b e n s C o r r ê a u s a v a ; e u s i m p l e s m e n t e s e n t i a
c l a r o . E s c o l h i u m a cena c u j o " t e m p o - r i t m o " m e p a r e c e u tão c l a r o q u e v i a
f o r ç a de sua i n t e r p r e t a ç ã o .
possibilidade de apresentá-lo e m f o r m a gráfica, c o m o e m m ú s i c a . E o que
E s p e t o t e r t o r n a d o b a s t a n t e c l a r a a r a z ã o p o r q u e d e v e m o s usar esse
v o u t e n t a r em seguida.
e l e m e n t o d o M é t o d o n o nosso t r a b a l h o .
Nessa cena o p e r s o n a g e m , d e p o i s de m e d i t a r s o b r e a p o s s i b i l i d a d e d e l e
E agora surge u m p r o b l e m a mais difícil: o q u e d e v e m o s fazer para
ser d e s c o b e r t o c o m o o ú n i c o h e r d e i r o d o t r o n o e s p a n h o l , de r e p e n t e t o r -
descobrir o " t e m p o - r i t m o " desejável? E m q u e f o r m a e l e e n t r a n o nosso
na-se m u i t o t r i s t e : por a l g u m t e m p o , ele v o l t a à r e a l i d a d e , l e m b r a - s e d o q u e
trabalho? ,
disse sua empregada Mavra. É a p a r t i r desse m o m e n t o q u e eu g o s t a r i a de
N a s aulas d e " t e m p o - r i t m o " os e s t u d a n t e s c h e g a m a c o m p r e e n d e r o
fazer a m i n h a demonstração .
p r o b l e m a através de várias experiências práticas c u j o c o n t e ú d o - e muito
90 EUGÊNIO KUSNET A T O R E MÉTODO 91
S E N H O R A — O h , mas que p r a z e r ! V o c ê p o r a q u i ?
V I S I T A — V o c ê sabe c o m o eu g o s t o de sua casa. A l i c e n ã o p ô d e v i r ,
METRON.
ff r ir ^
está u m p o u c o a d o e n t a d a.
S E N H O R A — Que é isso? N a d a de g r a v e , espero? V I S I T A — (falando dentro do ritmo básico que o metrônomo continua
VISITA - N ã o , nada. batendo) V o c ê sabe c o m o e u g o s t o de sua casa. A l i c e n ã o p ô d e v i r , está u m
pouco adoentada.
E b o m n o t a r desde já que e n t r e a p r i m e i r a e a s e g u n d a frase da s e n h o r a
há u m a pausa d u r a n t e a q u a l ela e s c u t a o v i s i t a n t e . Essa p a u s a t a m b é m está
sujeita ao " t e m p o - r i t m o " da cena. PERSON.
Q u e " t e m p o - r i t m o " deve ser u s a d o nessa c e n a ? A p e r s o n a g e m está
Que é Uso' Nada de grave, espere
c a l m a , segura de si, c o n t e n t e . Q u e " m ú s i c a de f u n d o " v o c ê e s c o l h e r i a ? Não
seria u m a valsa c a l m a , não m u i t o l e n t a , n e m m u i t o v i v a ? P o r t a n t o , seria u m
r i t m o de 3 / 4 .
METRON.
11 f I f I
O que estaria pensando a p e r s o n a g e m antes de c o m e ç a r o d i á l o g o c o m o
visitante? D i g a m o s que seja o s e g u i n t e : " T u d o c o r r e m u i t o b e m . Graças a V I S I T A — (sempre dentro do ritmo básico) N ã o , nada.
D e u s ! " Esta " f a l a i n t e r n a " teria o " t e m p o - r i t m o " q u e g r a f i c a m e n t e p o d e r i a
ser a p r e s e n t a d o assim: A s s i m se apresenta o " t e m p o - r i t m o s i m p l e s " dessa simples cena, p o r q u e
preestabelecemos que o único objetivo da senhora seria ser agradável, o que
elimina toda a qualquer contradição em sua ação.
MODERADO = J 88 M a s d i g a m o s que as " c i r c u n s t â n c i a s p r o p o s t a s " sejam acrescidas de u m
e l e m e n t o n o v o : a p e r s o n a g em está e m vias de a b a n d o n a r seu m a r i d o . O seu
a m a n t e e x i g e que ela o faça h o j e m e s m o e disse q u e t e l e f o n a r i a d u r a n t e a
festa. E l a n ã o t e m c o r a g e m de ir embora hoje e não sabe o que f a z e r .
E v i d e n t e m e n t e está m u i t o n e r v o s a , mas faz q u e s t ã o de não d e i x a r os c o n v i -
T u d o corre m u i t o Um. Gt»»;a. * Dm»! dados p e r c e b e r e m o seu e s t a d o .
Q u e f o r m a t o m a r i a , nesse caso, a p r e p a r a ç ã o d a cena?
FT-r-r : r r 7 '-'ff
P o r u m l a d o , ela p r o c u r a r i a c o n s e r v a r a c a l m a e para isso taria o pos-
METRON.
sível p a r a ela própria a c r e d i t a r q u e n a d a de e x t r a o r d i n á r i o estivesse a c o n t e -
94 EUGÊNIO KUSNET ATOR E MÉTODO 95
Se p r o c u r a r m o s u n i r o " t e m p o - r i t m o " da p r e p a r a ç ã o d a c e n a c o m o u t r o
1
que possa c o r r e s p o n d e r ao a c r é s c i m o que f i z e m o s nas " c i r c u n s t â n c i a s p r o -
p o s t a s " , o c o n j u n t o poderá t e r o aspecto s e g u i n t e : Creio q u e , e m b o r a compreendesse bem a mecânica do "tempo-ritmo
composto", o l e i t o r c e r t a m e n t e t e r i a q u e f a z e r u m a p e r g u n t a : " D e p o i s de
M O D E R A T O = J 88 c r i a r e f i x a r os d o i s c o m p o n e n t e s , como poderia o ator manter em mente o
"tempo-ritmo interior", enquanto exercesse o "tempo-ritmo exterior" com
r e l a t i v a f a c i l i d a d e graças ao a p o i o s u b s t a n c i a l q u e l h e d á o a t o de d i z e r o
Ritmo 1 ° texto? Onde p o d e r i a ele e n c o n t r a r esse apoio para o "tempo-ritmo
Tudo cor- re muito bem Graças a Deus interior? "
Ritmo 2.°
2 ) Gravar a percussão d o " r i t m o 1 . ° " c o m as b a t i d a s d o metrônomo Muitos a t o r e s u s a m para f i x a r o " t e m p o - r i t m o i n t e r i o r " os sons, os
pesada c r u z , na esquina da r u a os p o p u l a r e s d a n ç a m u m a b a t u c a d a n u m
ritmo frenético.
A c r e d i t o que essa c o n t r a d i ç ã o r í t m i c a f o i de g r a n d e a j u d a n o t r a b a l h o
do intérprete d o p a p e l , L e o n a r d o V i l a r . N a plateia nós s e n t í a m o s q u e d e n t r o
do seu e x t r e m o cansaço havi a t a m b é m u m a imensa ansiedade. E i s t o , c r e i o OITAVO CAPÍTULO
e u , s ó p o d i a ser r e s u l t a d o desse " t e m p o - r i t m o c o m p o s t o " .
T e r m i n a n d o esse c a p í t u l o , t e n h o a impressão de q u e o l e i t o r t a l v e z s i n t a
u m a c e r t a p e r p l e x i d a d e d i a n t e d o p r o b l e m a d o " t e m p o - r i t m o " . T o d a s as A t é a g o r a , c o m o o l e i t o r deve ter n o t a d o , o q u e n o s p r e o c u p o u f o i a
partes do c a p í t u l o p o d e m p a r e c e r b a s t a n t e claras, mas o c o n j u n t o , t a l v e z necessidade de d a r u m a i d e i a mais clara possível sobre a m a i o r i a dos e l e m e n -
tos d o M é t o d o de S t a n i s l a v s k i , vistos através dos p r o b l e m a s a t u a i s d o nosso
por ser c o m p l e x o demais, é capaz de escapar da c o m p r e e n s ã o .
teatro.
E q u e , na aplicação prática, o " t e m p o - r i t m o " da p r o s a r a r a m e n t e t e m
precisão do ritmo m u s i c a l , c o m o n o s m e u s e x e m p l o s q u e d e i apenas p a r a O m a i o r p e r i g o na a p l i c a ç ã o prática d o M é t o d o é sua f r a g m e n t a ç ã o , o u
evitar a f a l t a de clareza. seja, o uso de cad a e l e m e n t o e m separado.
E m que consiste o m é t o d o da " A n á l i s e A t i v a " ? C o m o diz o p r ó p r i o a d q u i r e a capacidade de conceber sempre com surpresa a ação preestabele-
t e r m o , é u m a maneira dos atore s a n a l i s a r e m o m a t e r i a l d r a m a t ú r g i c o : a n a l i - cida, corno se ela fosse inesperada.
sá-lo e m ação, o u seja, p r o c u r a r c o m p r e e n d e r a o b r a dramática através d a Não d e v e m o s e s t r a n h a r esse f e n ó m e n o , — temos vários e x e m p l o s disso
ação praticada pelos intérpretes dos papéis na base de c o n h e c i m e n t o s s u p e r - e m o u t r a s artes. U m p i a n i s t a , t o c a n d o a m e s m a música e m t o d o s os seus
ficiais da peça, e não na base de l o n g o s e s t u d o s c e r e b r a i s . c o n c e r t o s , e x e c u t a as m e s m a s c o m b i n a ç õ e s de notas escritas na p a r t i t u r a ,
Isso, e v i d e n t e m e n t e , pressupõe a d i m i n u i ç ã o o u quase e l i m i n a ç ã o , d a dentro do mesmo ritmo e leva e m c o n s i d e r a ç ã o sempre as mesmas i n d i c a -
análise p u r a m e n t e racional q u e , a n t e r i o r m e n t e , r e p r e s e n t a v a a p a r t e essen- ç õ e s d o c o m p o s i t o r . E e n t r e t a n t o , se o c o n c e r t i s t a f o r r e a l m e n t e u m a r t i s t a ,
c i a l do t r a b a l h o c o m u m a p e ç a . N o t r a b a l h o c o m o m é t o d o da " A n á l i s e sempre haverá u m a d i f e r e n ç a n a sua interpretação e m cada c o n c e r t o , d i f e -
A t i v a " basta que os atores c o n h e ç a m o c o n t e ú d o da peça a p o n t o de p o d e r rença essa q u e os o u v i n t e s c o n s t a t a r ã o e m o c i o n a l m e n t e . S ã o b e m c o n h e c i -
contá-la c o m clareza, para que a " A n á l i s e A t i v a " possa ser i n i c i a d a . dos os c o m e n t á r i o s dos f r e q u e n t a d o r e s dos c o n c e r t o s : " H o j e ele t o c o u tão
Nessas c o n d i ç õ e s , é e v i d e n t e q u e a ú n i c a m a n e i r a de e x e c u t a r a a ç ã o d a d i f e r e n t e ! Parecia o u t r a m ú s i c a ! . . . " , mas e m que c o n s i s t i a a diferença , esse
peça nos ensaios é improvisá-la de a c o r d o c o m q u e os atores a c a b a m de o u v i n t e n ã o saberia e x p l i c a r . E p o i s e v i d e n t e que o p i a n i s t a t a m b é m i m p r o -
conhecer. visa d e n t r o dos l i m i t e s o b r i g a t ó r i o s da o b r a m u s i c a l , tocando-a como se
A improvisação é a base da c r i a ç ã o em t o d a s as artes. I m p r o v i s a o fosse pela primeira vez.
escultor, improvisa o músico, i m p r o v i s a o a t o r . N ã o improvisa o c o n t a d o r , o O q u e e s t i m u l a a sua i m p r o v i s a ç ã o são vários e l e m e n t o s que se e n c o n -
mecânico, - n o seu t r a b a l h o eles apenas imitam o que já f o i c r i a d o e t r a m f o r a da o b r i g a t o r i e d a d e e q u e v a r i a m de u m c o n c e r t o para o o u t r o : o
t r a n s f o r m a d o em regras fixas pelos o u t r o s . seu p r ó p r i o estado p s i c o f í s i c o , a sua " v i s u a l i z a ç ã o " d a o b r a m u s i c a l , a
O artista sempre cria coisas inéditas. Por isso u m m ú s i c o ao c r i a r o u ao reação da p l a t e i a .
e x e c u t a r u m a o b r a musical não deve s o f r e r i n f l u ê n c i a de o u t r a s o b r a s o u Na prática do a t o r esses e l e m e n t o s são ainda mais ricos e e s t i m u l a n t e s .
o u t r a s interpretações, senão ele c o r r e o p e r i g o de i m i t a r e m vez de c r i a r . A Sem c o n t a r a influência d o seu e s t a d o p s i c o f í s i co (que em grande parte
sua criação deve ser sempre espontânea. depende dele próprio, pois a predisposição para o seu trabaUio artístico
E m t e a t r o a e s p o n t a n e i d a de é a m a i s i m p o r t a n t e q u a l i d a d e de u m a t o r . depende da sua "primeira instalação"), há u m vasto c a m p o de surpresas
Espontaneidade e t a l e n t o t o r n a r a m - s e , e m t e a t r o , quase s i n ó n i m o s . A f r a s e : e s t i m u l a n t e s , que r e p r e s e n t a o s e u c o n t a t o , e m cena. c o m os c o m p a n h e i r o s ,
" e l e é u m a t o r m u i t o e s p o n t â n e o " p o d e ser s u b s t i t u í d a pela frase: " E l e é de que t a m b é m n u n c a r e p r e s e n t a m c o m a m e s ma precisão, b e m c o m o a r e a ç ã o
m u i t o t a l e n t o " . Se p a r t i r m o s d o p r i n c í p i o de q u e a e s p o n t a n e i d a d e se revela da p l a t e i a , q u e e m t e a t r o , g e r a l m e n t e , reage da m a n e i r a m a i s sensível d o q u e
na ação i m p r o v i s a d a , - ou vice-versa, q u e a a ç ã o i m p r o v i s a d a é o r e s u l t a d o nos auditórios de música.
da espontaneidade i n a t a , - p o d e m o s c h e g a r à c o n c l u s ã o de que o d o m de E n o t e - s e : n u m v e r d a d e i r o t e a t r o o espírito de i m p r o v i s a ç ã o n u n c a
improvisação b e m desenvolvid o p o d e s u b s t i t u i r o q u e c h a m a m o s de t a l e n t o . p e r t u r b a , n e m p r e j u d i c a a h a r m o n i a d o espetáculo, p o r q u e todos os atores
Mais tarde veremos c o m o se processa a i m p r o v i s a ç ã o n o c o r r e r dos são acostumados a improvisar sem nunca perder de vista os objetivos
ensaios pelo m é t o d o da " A n á l i s e A t i v a " . P o r e n q u a n t o q u e r o apenas frisar comuns e, por isso, sempre improvisam dentro dos limites preestabelecidos.
que a presença da i m p r o v i s a ç ã o, n u m a o u n o u t r a f o r m a , é a b s o l u t a m e n t e Isto é, d e n t r o das " c i r c u n s t â n c i a s p r o p o s t a s " .
necessária e m todas as etapas d o t r a b a l h o , a c o m e ç a r d o p r i m e i r o ensaio e O e x e m p l o m a i s c o n v i n c e n t e desse f e n ó m e n o é o j o g o de f u t e b o l . N i n -
t e r m i n a n d o pelo ú l t i m o e s p e t á c u l o . guém d u v i d a que o sucesso de u m j o g a d o r de f u t e b o l d e p e n d e d a sua
Para o l e i t o r deve ser b a s t a n t e c l a r a a i d e i a de c o m e ç a r os t r a b a l h o s pela capacidade de i m p r o v i s a r o j o g o , c o n f o r m e as surpresas que l h e causa o j o g o
improvisação de u m a ação apenas c o n h e c i d a s u p e r f i c i a l m e n t e . Mas c o m o dos adversários; mas o seu i m p r o v i s o , p o r m a i s agudo q u e seja, n u n c a p o d e
i m p r o v i s a r a q u i l o que já f o i d e c o r a d o e r e p e t i d o m i l vezes nos ensaios e nos ser t o t a l m e n t e l i v r e , p o r q u e d e l e d e p e n d e m os seus dez c o m p a n h e i r o s q u e
espetáculos? Como poderia f u n c i o n a r a espontaneidade do a t o r nessas têm em m i r a o m e s m o o b j e t i v o q u e e l e : trpl.
condições? Para d e s e n v o l v e r o seu d o m d e improvisação o j o g a d o r de f u t e b o l v i v e
E m p r i m e i r o lugar, é p r e c i s o esclarecer q u e não estamos f a l a n d o de t r e i n a n d o , s e m p r e t e n d o e m v i s t a o a p e r f e i ç o a m e n t o da técnica d o j o g o de
improvisação r e l a t i v a m e n t e l i v r e , c o m o no início do t r a b a l h o , e s i m da c o n j u n t o , e n ã o apenas o seu sucesso pessoal.
presença do espírito de i m p r o v i s a ç ã o , n u m a o u n o u t r a f o r m a , d u r a n t e t o d o s E o q u e deve fazer t a m b é m o a t o r : t r e i n a r o seu d o m de i m p r o v i s a ç ã o
os p e r í o d o s do t r a b a l h o c o m u m a p e ç a . E isso s ó é possível q u a n d o o a t o r no s e n t i d o de desenvolver a sua receptividade da ação dos outros, o u seja, a
100 EUGÊNIO KUSNET ATOR E MÉTODO jQl
demais o ator e, c o m isso, cercear a sua l i b e r d a d e de a ç ã o . C o m o e n c o n t r a r mento, continuou, - " V o c ê acha p o u c o ? Mas você m e s m o disse q u e eu
— " M a s eu não disse", — r e s p o n d i e u , — " q u e v o c ê n ã o d e v i a p r e o - D e s t a vez n ã o v i m o s lágrimas nos seus o l h o s , ele p a r e c i a quas e c a l m o ,
cupar-se c o m as razões d o s u i c í d i o , disse? A frustração de t o d a a sua v i d a , o mas a t e n s ã o n e r v o s a q u e a cena c a u s o u e n t r e os seus colegas l e v o u alguns
seu fracasso c o m o d r a m a t u r g o , o seu desespero ao p e r d e r N i n a , n ã o p e n s o u deles às lágrimas.
e m t u d o isso? " O seu " m o n ó l o g o i n t e r i o r " , que ele p r o c u r o u r e s t a b e l e c e r e m v o z a l t a ,
— " Q u a n d o eu p o d i a pensar nisso? " c o r r e s p o n d i a à nossa sugestão, e nas frases q u e desta vez e l e c i t o u , não
— " E n q u a n t o rasgava os p a p é i s " . h o u v e n e n h u m a r e f e r ê n c i a aos " s e n t i m e n t o s t r á g i c o s " , n ã o h o u v e mais q u e
— " B e m , eu pensei, mas . . . a n t e s " . u m r a c i o c í n i o s o b r e a situação sem o u t r a saída s e n ã o a m o r t e . E n t r e t a n t o , a
— "Quando"? sua i m p r o v i s a ç ã o f o i u m v e r d a d e i r o e x e m p l o de c o m u n i c a ç ã o emocional
— " O n t e m , depois da l e i t u r a d a p e ç a " . entre o ator e a plateia.
— " O que vale dizer que d e s t a vez não p e n s o u? " ' U m a e x c e l e n t e d e m o n s t r a ç ã o de c o m o se usa u m s i m p l e s r a c i o c í n i o n o
— " E verdade", — confessou o ator. t r a b a l h o c o m a " A n á l i s e A t i v a " e c o m o disso r e s u l t a m e m o ç õ e s é dada no
a n e x o d o l i v r o " A c r i a ç ã o de u m p a p e l " .
R e s u m i n d o : o seu " v o l d ' o i s e a u " era a l t o d e m a i s , ele só v i a a m o r t e e N u m a cena que não f o i publicada no t e x t o do livro, o professor Tortsov
suas c o n s e q u ê n c i a s , o que lhe c a u s o u u m a grande a u t o - p i e d a d e (chave barata d e m o n s t r a aos a l u n o s da escola o t r a b a l h o c o m o p a p e l de K l e s t a k o v , e m " O
para todos os melodramas). As informações sobre "as circunstâncias i n s p e t o r g e r a l " , n a c e n a de sua p r i m e i r a e n t r a d a . Para m a i o r c l a r e z a , t r a d u z i
propostas" que ele u s o u na i m p r o v i s a ç ã o f o r a m i n s u f i c i e n t e s . N a p e ç a o um pequeno t r e c h o , n o q u a l o p r o f e s s o r T o r t s o v r a c i o c i n a e m voz alta
f a t o de sua m o r t e t e m menos i m p o r t â n c i a d o que as causas q u e o l e v a r a m e n q u a n t o ensaia a c e n a , i m p r o v i s a n d o t u d o .
ao s u i c í d i o . Se as causas são o m i t i d a s , a m o r t e , p o r s i , p o u c o i m p r e s s i o n a .
" . . . E s t o u c o m f o m e , mas o n d e é que v o u a r r a n j a r c o m i d a ? N ã o sei o
E m b o r a a b s o l u t a m e n t e s i n c e r o , o a t o r não c a u s o u ao e s p e c t a d o r m a i s que f a z e r . M a n d a r O s s i p o u i r pessoalmente ao b u f e t e e f a z e r lá u m g r a n d e
do que " a pena d o c o i t a d i n h o q u e m o r r e " , p o u c o m a i s d o q u e c a u s a r i a u m a e s c â n d a l o c o m o d o n o da hospedaria? N o l u g a r de K l e s t a k o v eu t a m b é m
notícia policial n u m j o r n a l . estaria i n d e c i s o " .
T u d o isso eu c o n t e i ao a t o r , e, r e c e a n d o que ele esquecesse d e t a l h e s
T o r t s o v n o v a m e n t e saiu do p a l c o . D e m o r o u f o r a m u i t o t e m p o , p r o v a -
i m p o r t a n t e s , p e d i que repetisse t o d a s as razões q u e l e v a r a m T r e p l i o v ao
v e l m e n t e p a r a se c e r c a r m e n t a l m e n t e das " c i r c u n s t â n c i as p r o p o s t a s " .
s u i c í d i o . Q u a n d o ele esquecia a l g u m d e t a l h e c o m o , p o r e x e m p l o , l e i t u r a de
D e p o i s l e n t a m e n t e a b r i u a p o r t a e, i n d e c i s o , p a r o u n o u m b r a l . E m
u m a c a r t a de a m o r , antes de rasgá-la, o u de u m c a d e r n o c o m a p r i m e i r a c e n a
seguida, t e n d o r e s o l v i d o i r ao b u f e t e , T o r t s o v a b r u p t a m e n t e v i r o u as costas a
de t e a t r o , que ele escreveu a i n d a n o t e m p o de c o l é g i o , e o u t r o s papéis q u e
ele devia " v i s u a l i z a r " antes de rasgá-los, eu s u b l i n h a v a a i m p o r t â n c i a desses Óssip p a r a q u e este l h e tirasse dos o m b r o s o s o b r e t u d o , e o r d e n o u , c u r t o :
detalhes. "Tire!"
D e p o i s c o m e ç o u a fechar a p o r t a atrás de si para descer a o b u f e t e , mas
Q u a n d o o ator c o m e ç o u a p r e p a r a ç ã o para a c e n a, a sua c o n c e n t r a ç ã o
de r e p e n t e a c o v a r d o u - s e , p a r o u m u i t o q u i e t i n h o , e t i m i d a m e n t e de novo
l e v o u m u i t o mais t e m p o do q u e n a p r i m e i r a vez. Isso m e d e i x o u i n q u i e t o , —
entrou no q u a r t o , fechando a porta devagarinho.
comecei a sentir e l a m e n t a r o m e u erro: sobrecarreguei o rapaz c o m o
excesso de detalhes, d i f i c u l t a n d o - l h e a j m p r o v i s a ç ã o . " A pausa f o i l o n g a d e m a i s " , c o m e n t o u T o r t s o v , " h o u v e m u i t o s detalhes
s u p é r f l u o s , i n v e n t a d o s , mas u m a o u o u t r a coisa v e i o d a r e a l i d a d e " .
Realmente, u m m i n u t o depois de t e r c o m e ç a d o a c e n a de rasgar os
papéis, ele p a r o u . Q u a n d o lhe p e r g u n t e i , p o r que? ele disse q u e n ã o c o n s e - (£ claro, que,durante todo esse tempo, Tortsov não estava procurando
guia l e m b r a r - s e o que mais ele d e v i a l e r antes de rasgar, além d a c a r t a e d o "sentir" coisa alguma, ele estava simplesmente raciocinando e comentando a
c a d e r n o , e que isso o d e i x o u c o m p l e t a m e n t e f o r a de a ç ã o . ação que acabava de executar. — E. K.)
fria (o que, aliás, aconteceu no fim da carreira da peça)? E , nesse caso, 2) A imaginação, — e p o r t a n t o , a e s p o n t a n e i d a d e , — é uma faculdade
c o m o s u b s t i t u i r a e s p o n t a n e i d a d e a u t ê n t i c a , m a s j á esgotada? exercitável. A e s p o n t a n e i d a d e i n a t a p o d e ficar a t r o f i a d a p o r f a l ta de e x e r c í -
cios, o u crescer e e n r i q u e c e r - s e p e l o s e x e r c í c i o s de i m a g i n a ç ã o c o n s t a n t e s
A resposta não se fez esperar. D u r a n t e u m c u r s o o r g a n i z a d o n o t e a t r o
que, e m t e a t r o , s e m p r e r e d u n d a m n o uso de " I n s t a l a ç õ e s " .
" A q u a r i u s " para o elenco da p e ç a " H a i r " e p a r a vários atores de f o r a , eu
propus ao g r u p o , c o m o e x e r c í c i o de i m p r o v i s a ç ã o , o t e m a d o i n í c i o d a p e ç a , 3) A " I n s t a l a ç ã o " (a " f é c é n i c a " ) , q u a n d o e l a b o r a d a c o r r e t a m e n t e , é
p r i m e i r o e n c o n t r o de " h i p p i e s " e n q u a n t o a a t r i z M a r i a H e l e n a c a n t a v a estável e fixa (veja o quarto capítulo). I s t o q u e r d i z e r que ela p o d e ser
"Aquarius". repetida sem que a repetição p r e j u d i q u e sensivelmente a espontaneidade d o
a t o r . A "Instalação" sobre situações imaginárias, c o m o ela é s e m p r e em
Os atores d e v i a m c o n c e n t r a r - s e p a r a a a ç ã o p o r m e i o de u m a " c a r t a " , —
t e a t r o , cria, c o n f o r m e f o i p r o v a d o c i e n t i f i c a m e n t e , ilusões que perduram
um novo recurso que e x p l i c a r e i m a i s t a r d e , mas q u e , n o f u n d o , é u m a
enquanto o indivíduo mantém a atitude ativa para com o imaginado.
improvisação dos antecedentes d a a ç ã o c é n i c a e. p o r t a n t o r e p r e s e n t a u m a
ilas f a s e s da "Análise A t i v a " . P o r t a n t o , é e v i d e n t e que a " A n á l i s e A t i v a " , c o n f i r m a d a c i e n t i f i c a m e n t e
Cada a t o r , q u a n d o t e r m i n a v a a sua " c a r t a " , p o d i a e n t r a r e m cena e e a p r o v a d a na prática p o r t e r d a d o excelentes r e s u l t a d o s , deve ser u s a d a e m
c o m e ç a r a comunicar-se livremente c o m os seus amigos d o g r u p o " h i p p y " nossos t e a t r o s . A m e u v e r , a única coisa que dificulta o seu uso em larga
desprezando até m e s m o as m a r c a ç õ e s d a f a m o s a cena de " c â m a r a l e n t a " . escala é a falta de atores acostumados com a prática de improiisações.
N u m dos e n c o n t r o s que t i v e c o m nossa gente de t e a t r o , u m d i r e t o r m e
Uns v i n t e atores, não o c u p a d o s n a q u e l e t r a b a l h o , ficaram c o m o especta-
p e r g u n t o u se eu a c h a r i a p o s s í v e l usar o m é t o d o de " A n á l i s e A t i v a " q u a n d o
dores na plateia.
o p r a z o p a r a a m o n t a g e m de u m a peça fosse m u i t o c u r t o , p o r e x e m p l o , u m
A c o n c e n t r a ç ã o , o u seja, o p r o c e s s o de escrever as " c a r t a s " e a e n t r a d a
mês. E u r e s p o n d i q u e , se os a t o r e s de seu e l e n c o não tivessem p r á t i c a d e
lenta, u m p o r u m , dos atores, l e v a r a m m u i t o t e m p o e c h e g a r a m a cansar os
i m p r o v i s a ç ã o , seria u m a v e r d a d e i r a l o u c u r a t e n t a r a " A n á l i s e A t i v a " nessas
nossos espectadores.
c o n d i ç õ e s , mas q u e , n u m a s p o u c a s experiências feitas c o m atores b e m t r e i -
Q u a n d o no palco r e u n i u - se a p r o x i m a d a m e n t e a m e t a d e dos p a r t i c i p a n - nados e m i m p r o v i s a ç õ e s (embora de pouca prática em teatro profissional),
t e i , a ação ficou bastante a n i m a d a . M a s q u a n d o , finalmente, t o d o s os atores f o i p r o v a d o que u m a p e ç a p o d e ser estreada c o m apenas u m mês de e n s a i o s .
me ontraram em cena, eles c h e g a r a m a c r i a r u m a m b i e n t e de Suprema
E m p a r t e , isso se e x p l i c a p e l o f a t o de que as i m p r o v i s a ç õ e s , a l é m d e
amizade e felicidade humana q u e se t r a n s f o r m o u e m v e r d a d e i r a c o m u n i -
indispensáveis n o t r a b a l h o d o a t o r , r e d u n d a m n u m a real e c o n o m i a de t e m p o
c a ç ã o e m o c i o n a l c o l e t i v a : havia r i s o s , lágrimas e aplausos t a n t o n a p l a t e i a
no t r a b a l h o d o d i r e t o r , p o r várias razões e n t r e as quais há as s e g u i n t e s :
t o m o no palco.
— p o r q u e o d i r e t o r , d u r a n t e as i m p r o v i s a ç õ e s dos seus a t o r e s , f r e q u e n -
E n o t e : não se tratava de u m t e m a n o v o , capaz de e x c i t a r a i m a g i n a ç ã o
t e m e n t e c o n s t a t a e c o r r i g e p o s s í v e i s erros de sua própria c o n c e p ç ã o d o t e x t o
dos atores pela sua n o v i d a d e , e s i m de u m e s p e t á c u l o e m vias de m e c a -
d r a m a t ú r g i c o , e l a b o r a d a p r e v i a m e n t e , — ele gasta m e n o s t e m p o e m seus
nliiçlo.
estudos t e ó r i c o s :
Isso nos d e m o n s t r o u que a e s p o n t a n e i d a d e esgotada p o d e ser r e a d q u i -
— p o r q u e , d u r a n t e as i m p r o v i s a ç õ e s , ele a d q u i r e ideias novas e m a i s
rida através do t r a b a l h o c o m a " A n á l i s e A t i v a " . Se o r e s u l t a d o n ã o f o r tão
nítidas sobre as f u t u r a s " m a r c a ç õ e s " , que às vezes p o d e m ser fixadas d e s d e
p e r f e i t o c o m o aquele que a n a t u r e z a p r o d u z através da e s p o n t a n e i d a d e
logo;
autêntica do a t o r , p e l o m e n o s eíe será mais duradouro e menos sujeito a
ilesgaste e mecanização, pois p o d e r á ser s e m p r e r e n o v a d o c o n s c i e n t e m e n t e e — e, p r i n c i p a l m e n t e , p o r q u e o diretor obtém e x e m p l o s de " t e m p o -
não dependerá da inspiração d o a t o r . ritmo" c r i a d o e s p o n t a n e a m e n t e q u e t a m b é m p o d e ser s e l e c i o n a d o e fixado
i l i m i t a d a para i m p r o v i s a r d e n t r o de u m t e m a r e l a t i v a m e n t e v a g o , conse-
g u i a m r e s u l t a d os impressionantes d a vivência i n t e r i o r a u t ê n t i c a d o perso- suas q u a l i d a d e s e, além disso, t e r i a ficado m a i s e x p o s t o ao risco de se ver u m
n a g e m , nas suas mais agudas m a n i f e s t a ç õ e s . A p a r e n t e m e n t e os a t o r e s a d q u i - dia m e c a n i z a d o . A c r e d i t o q u e o a p o i o s ó l i d o para o p e r m a n e n t e f r e s c o r
riam, através disso, u m m a t e r i a l e m o c i o n a l de g r a n d e i m p o r t â n c i a para a d a q u e l e espetáculo f o i o seu " t e m p o - r i t m o " e n c o n t r a d o i n t u i t i v a m e n t e , mas
interpretação d o papel. f i x a d o c o n s c i e n t e m e n t e j u n t o aos o u t r o s e l e m e n t o s selecionados d u r a n t e os
ensaios.
Mas q u a n d o , para fixar os r e s u l t a d o s o b t i d o s — o q u e , e v i d e n t e m e n t e
Nesse processo de p e r m a n e n t e s e l e ç ã o d o s r e s u l t a d os da a ç ã o impro-
era o o b j e t i v o essencial dos t r a b a l h o s — o d i r e t o r p e d i a p a r a r e p e t i r o i m p r o -
v i s a d a é que reside o v e r d a d e i r o v a l o r da " A n á l i s e A t i v a " .
v i s o , os atores não conseguiam r e p r o d u z i r a d é c i m a p a r t e d o r e s u l t a d o a n t e -
N a s r e c o r d a ç õ e s de M a r i a K n e b e l n o s e u l i v r o " A v i d a t o d a " e n c o n t r a -
rior. Isso f r e q u e n t e m e n t e causava p e r p l e x i d a d e de p a r t e a p a r t e , chegava a
m o s u m a admirável c o n c l u s ã o q u e a a u t o r a t i r a de u m a conversa q u e ela, n o
p r o d u z i r u m a d e c e p ç ã o t o t a l e até o a b a n d o n o d o m é t o d o d e i m p r o v i s a ç ã o .
seu t e m p o de aluna d a e s c o l a - e s t ú d i o d o T e a t r o de A r t e , teve c o m a p r o f e s -
Q u a l seria a causa do insucesso d o a t o r ao r e p e t i r o " l a b o r a t ó r i o " ? Por
s o r a E. S. T e l e c h o v a .
que ele não conseguia r e s u l t a d o i g u a l o u , ao m e n o s , s e m e l h a n t e ao da p r i -
A professora l h e disse: " I m p r o v i s a ç ã o s ó p o d e se t o r n a r f o r m a s u p r e m a
meira vez?
de a r t e t e a t r a l , se o a t e r c o n s e g u i r e n q u a d r a r seu i m p r o v i s o sempre d e n t r o
É que na repetição desaparecia o f a t o r n o v i d a d e , s u r p r e s a .
das " c i r c u n s t â n c i a s p r o p o s t a s " .
N a p r i m e i r a vez o ator agia e s p o n t a n e a m e n t e sob o e f e i t o da e s t i m u l a -
E depois, falando do a t o r genial Mikhail Tchekov, com quem M.
ção sugestiva d o d i r e t o r e da i n c i t a ç ã o da sua p r ó p r i a i m a g i n a ç ã o que em
K n e b e l estava e s t u d a n d o a n t e r i o r m e n t e , a p r o f e s s o r a disse: " F o i b o m ele t e r
nada f o i l i m i t a d a pelo d i r e t o r .
c o n t a g i a d o v o c ê c o m o e s p í r i t o de i m p r o v i s a ç ã o , mas o m a l é que v o c ê n ã o
Mas na segunda vez, antes de r e p e t i r o " l a b o r a t ó r i o " a p e d i d o d o d i r e -
a p r e n d e u a fazer o essencial: c o n s e r v a r o q u e v o c ê a d q u i r e através d a i m p r o -
t o r , o a t o r , e m vez de se entregar n o v a m e n t e a u m a e x c i t a ç ã o i n c o n s c i e n t e ,
v i s a ç ã o e saber usá-lo à sua v o n t a d e " .
encontrava-se diante de u m p r o b l e m a b e m c o n s c i e n t e : " C o m o é que v o u
D e p o i s da criação e s p o n t â n e a d a a ç ã o c é n i c a , deve-se usar n o v a m e n t e o
repetir? O que é que vou fazer para f i x a r o r e s u l t a d o ? E. aliás, q u a l f o i esse
mais p u r o r a c i o c í n i o sobre os r e s u l t a d o s c o n s e g u i d o s , para s e l e c i o n á - l o s .
resultado? "
r e j e i t a n d o os que e s t e j a m f o r a d a lógic a das " c i r c u n s t â n c i a s p r o p o s t a s " e os
E a resposta não v i n h a , p o r q u e o a t o r não c o n s e g u i a r e s t a b e l e c e r na
q u e s e j a m de p o u c a eficiência o u i m p o r t â n c i a .
m e m ó r i a as ações que lhe t i n h a m causado as sensações d o p r i m e i r o i m p r o -
N o d e c o r r e r de m u i t o s t r a b a l h o s f e i t o s p o r m i m j u n t o aos a l u n o s e
viso; p o r q u e ele, depois d o p r i m e i r o " l a b o r a t ó r i o " , d e i x a v a d e fazer o mais
a t o r e s c o n s t a t e i que a c o n s c i ê n c i a da n e c e s s i d a de de selecionar os e l e m e n t o s
i m p o r t a n t e : analisar friamente o resultado conseguido, c o n s t a t a r , selecionar
da a ç ã o i m p r o v i s a d a n e m s e m p r e é s u f i c i e n t e p a r a levar o t r a b a l h o a r e s u l -
e fixar os elementos de ação usados p o r ele i n t u i t i v a m e n t e d u r a n t e a i m p r o -
t a d o s satisfatórios. Para usar esses e l e m e n t o s n o v o s c o m o m á x i m o p r o v e i t o
visação: o seu " m o n ó l o g o i n t e r i o r " e as suas " v i s u a l i z a ç õ e s " . G r a ç a s a i n t e r -
nas i m p r o v i s a ç õ e s s u b s e q u e n t e s , é preciso saber usá-los com a mesma espon-
dependência da ação física e à a ç ã o m e n t a l , ele p o d e r i a n a r e p e t i ç ã o do
taneidade da improvisação anterior.
" l a b o r a t ó r i o " , usar c o n s c i e n t e m e n t e o q u e de " p a l p á v e l " tivesse encon-
D e que m a n e i r a p o d e o a t o r c o n s e g u i r q u e a c o l o c a ç ã o c o n s c i e n t e de
t r a d o , na certeza de que a " a ç ã o i n t e r i o r " c o m as suas e m o ç õ e s voltaria
fat o r e s r a c i o n a l i z a d o s n ã o p r e j u d i q u e a sua e s p o n t a n e i d a d e na próxima
a u t o m a t i c a m e n t e durant e a r e p e t i ç ã o , e n r i q u e c i d a a i n d a m a i s pelas novas
improvisação?
descobertas. Lembrem-s e do exemplo da i n t e r d e p e n d ê n c i a desses dois
E m p r i m e i r o l u g a r , p r o c u r e m o s c o m p r e e n d e r o que é que p o d e p r e j u -
aspectos da ação h u m a n a , n u m a cena de " O C a n t o da C o t o v i a " , q u e c i t a m o s
d i c a r a e s p o n t a n e i d a d e nesse c a s o . É e x a t a m e n t e a tendência de usar os
no segundo c a p í t u l o .
novos elementos conscientemente. Se o a t o r , d u r a n t e a i m p r o v i s a ç ã o , se
M u i t a s vezes o a t o r cria i n t u i t i v a m e n t e t o d o o " t e m p o - r i t m o " da cena
l e m b r a r de r e p e n t e q u e ele deve i n c l u i r este o u aquele e l e m e n t o , é c l a r o q u e ,
que i m p r o v i s a , mas se ele e o d i r e t o r não se d e r e m c o n t a d i s s o , a preciosa
n a q u e l e m o m e n t o , desaparece o p r ó p r i o e s p í r i t o de improvisação, p o i s o
descoberta ficará esquecida. a t o r , e m plena ação i m p r o v i s a d o r a , p r o c u r a racionalizá-la, o q u e , e v i d e n t e -
L e m b r e m - s e do m a r a v i l h o s o " t e m p o - r i t m o " d o " D i á r i o de u m l o u c o " m e n t e , e x c l u i a própria i m p r o v i s a ç ã o .
de N . G o g o l . Se os seus c r i a d o r e s , I v a n de A l b u q u e r q u e e R u b e n s C o r r e a , P o r isso, o a t o r n u n c a deve p e r d e r de v i s t a a necessidade de d i s t i n g u i r ,
não o tivessem f i x a d o fisicamente — c o m o eu p r o c u r e i d e m o n s t r a r n o capí- d u r a n t e o t r a b a l h o p e l o m é t o d o de " A n á l i s e A t i v a " , as duas fases q u e se
t u l o a n t e r i o r . — talvez o p r ó p r i o e s p e t á c u l o t e r i a p e r d i d o g r a n d e p a r t e de usam alternadamente:
ATOR E MÉTODO 115
114 EUGÊNIO KUSNET
t e m e n t e , e r a m u i t o m a i s d i f í c i l d o q u e i m p r o v i s a r e m c o m p a n h i a de seus
colegas.
Nessas c o n d i ç õ e s , a l g u n s a t o r e s e x e c u t a v a m a a ç ã o preparatória m e n t a l -
m e n t e , a c r e s c e n t a n d o apenas a l g u n s gestos e m o v i m e n t o s ; o u t r o s " p e n s a v a m
NONO CAPITULO em v o z a l t a " ; o u t r o s a i n d a s a í a m d o p a l c o para fazer seus " l a b o r a t ó r i o s "
isoladamente.
De maneira geral, notávamos que a m a i o r i a dos a t o r e s e n c o n t r a v a
N u m d e t e r m i n a d o p e r í o d o d o t r a b a l h o c o m u m g r u p o de a t o r e s , c o m e - grande d i f i c u l d a d e e m se c o n c e n t r a r p o r esses m e i o s . Eles n ã o c o n s e g u i a m
cei a prestar atenção a u m r e c u r s o q u e , a n t e r i o r m e n t e , só usava c o m o u m abstrair-se d o a m b i e n t e e m q u e se e n c o n t r a v a m . T a m b é m f a l t a v a - l h e s u m
dos e x e r c í c i o s de imaginação. Nesse e x e r c í c i o o a l u n o escrevia u m a c a r t a a p o i o f í s i c o seguro e l ó g i c o p a r a a s u a a ç ã o m e n t a l .
imaginária, i s t o é, ele não usava n o p r o c e s s o de escrever o b j e t o s reais, c o m o Mas n ã o f o i p o r acaso q u e d e s c o b r i esse a p o i o n o e x e r c í c i o de " e s c r e v e r
p a p e l , caneta , etc. t o d o s esses a c e s s ó r i o s e r a m imaginários. ( V e j a o t e r c e i r o c a r t a s " . E m vários c u r s o s m e u s , q u a n d o a " c a r t a " era usada c o m o um
capítulo). simples e x e r c í c i o de i m a g i n a ç ã o , e u observava c o m m u i t a a d m i r a ç ã o e c u r i o -
R e s o l v i , pois, e x p e r i m e n t a r esse e x e r c í c i o c o m o u m p o s s í v e l r e c u r s o sidade o c o m p o r t a m e n t o dos a l u n o s e n q u a n t o eles " e s c r e v i a m " . T o d o s eles,
para a c h a m a d a " c o n c e n t r a ç ã o " , o u seja, a p r e p a r a ç ã o m e n t a l p a r a a a ç ã o c o m a rara e x c e ç ã o de pessoas c o m p l e t a m e n t e d e s p r o v i d a s de i m a g i n a ç ã o ,
cénica. depois de p r e p a r a r o t e m a da " c a r t a " e a p a r t i r d o m o m e n t o de " e s c r e v e r " a
Os meios de c o n c e n t r a ç ã o q u e até a g o r a e s t ão sendo usados e m nosso primeira palavra, conseguiam s e m esforço algum abstrair-se t o t a l m e n t e d o
teatro f r e q u e n t e m e n t e são m u i t o d e f i c i e n t e s . D i z e m ao a t o r : " A n t e s de a m b i e n t e e m que se e n c o n t r a v a m e dedicar-se i n t e i r a m e n t e à sua t a r e f a s e m
e n t r a r e m cena, p r o c u r e c o n c e n t r a r - s e " . " D e q u e m a n e i r a ? " , p e r g u n t a o o m í n i m o c o n s t r a n g i m e n t o . H a v i a a l u n o s que " e s c r e v i a m a c a r t a " d u r a n t e
a t o r . " O r a . pense c o m o se v o c ê fosse o p e r s o n a g e m ! " E o p o b r e d o a t o r vinte m i n u t o s s e m p r e c o m a m e s m a seriedade de u m a a ç ã o r e a l , às vezes
senta-se n u m c a n t o d o p a l c o , f e c h a os o l h o s , t a p a os o u v i d o s ( c o m isso ele grave, às vezes alegre, mas s e m p r e a c o m p a n h a d a de p e q u e n o s gestos e
procura isolar-se do ambiente em que está sendo feito o trabalho) e, c o m expressões fisionómicas m u i t o e s p o n t â n e a s . L e m b r o - m e de u m a l u n o q u e
todos os músculos c o n t r a í d o s n u m e s f o r ç o máximo de " s e n t i r o perso- no m e i o da " c a r t a " i n e s p e r a d a m e n t e p r o r r o m p e u e m lágrimas e s o l u ç o s q u e
n a g e m " , c o m e ç a a pensar. não conseguia d o m i n a r , e m b o r a fizesse u m g r a n d e e s f o r ç o : ele e s c o n d i a o
E ó b v i o que o r e s u l t a d o dessa " c o n c e n t r a ç ã o " n ã o p o d e ser p o s i t i v o . O rosto e virava as costas à plateia.
a t o r , nesse caso, p r o c u r a e x e r c e r apenas a a ç ã o m e n t a l , — a de pensar — E n o t e — n o m e i o dos o u v i n t e s dos meus cursos f r e q u e n t e m e n t e h a v i a
e x c l u i n d o p r o p o s i t a l m e n t e t o d a e q u a l q u e r a t i v i d a d e física. O r a , é p r o v a d o gente sem a m í n i m a e x p e r i ê n c i a t e a t r a l e, m e s m o assim, era admirável v e r
c i e n t i f i c a m e n t e que " a a t i v i d a d e m o t o r a d o s u j e i t o é de considerável i m p o r - todos eles f a z e r e m a cena c o m e s p o n t a n e i d a d e e e x p r e s s i v i d a d e de g r a n d e s
tância na elaboração da sua a t i t u d e a t i v a p a r a c o m o i m a g i n a d o " . [R. C. atores, o u e n t ã o de autênticas c r i a n ç a s .
Nastacbe. Veja o q u a r t o c a p í t u l o ) . D e p o i s de c o n s t a t a r esses e f e i t o s inesperados, p r o c u r e i s u b s t i t u i r a c o n -
E preciso, pois dar ao a t o r a p o s s i b i l i d a d e de usar o m í n i m o necessário centração m e n t a l p e l o p r o c e s s o d e escrever c a r t a s , e desta vez não i m a g i -
de a t i v i d a d e física d u r a n t e a sua c o n c e n t r a ç ã o . E p r e c i s o achar u m p r o c e s s o nárias, mas s i m cartas r e a l m e n t e e s c r i t a s a lápis e sobre u m p a p e l real.
em que se possa r e u n i r o p e n s a m e n t o l i v r e , n ã o c o n s t r a n g i d o p e l o a m b i e n t e A prática d e m o n s t r o u m a i s t a r d e que esse r e c u r s o r e a l m e n t e o f e r e c e a o
e m que o a t o r t r a b a l h a , e a a ç ã o física i g u a l m e n t e l i v r e . ator a p o s s i b i l i d a d e de agir s o z i n h o , d u r a n t e o t r a b a l h o p r e p a r a t ó r i o , n u m a
N o s nossos t r a b a l h o s, n o r m a l m e n t e , a n t e s de c o m e ç a r a i m p r o v i s a ç ã o a t m o s f e r a de e s p o n t a n e i d a d e , p o i s n o processo de escrever não há n a d a q u e
de u m a d e t e r m i n a d a cena, f a z í a m o s " l a b o r a t ó r i o s " sobre a a ç ã o "extra- possa i m p e d i r a sua c o n c e n t r a ç ã o e t o l h e r a sua Uberdad e de a ç ã o . Nesse
c ê n i c a " , o u seja, a ação p r e c e d e n t e . Nesse caso n ã o havia necessidade de processo o a t o r r e a l m e n t e c o n s e g u e abstrair-se d o a m b i e n t e e m q u e se
n e n h u m a c o n c e n t r a ç ã o especial, p o i s o p r ó p r i o " l a b o r a t ó r i o " t r a z i a e m si os encontra.
e l e m e n t o s necessários. O u t r o f a t o r de i n d i s c u t í v e l u t i l i d a d e é a própria n a t u r e z a de t o d a s as
Mas f r e q u e n t e m e n t e as circunstâncias d o t r a b a l h o o u as p a r t i c u l a r i d a d e s cartas e m geral. U m a c a r t a n u n c a é u m m o n ó l o g o , e s i m u m d i á l o g o i m a g i -
do m a t e r i a l dramatúrgico (cenas curtas de dois personagens, monólogos, nário c o m o destinatário. A pessoa que escreve s e m p r e s u p õ e esta o u a q u e l a
etc.) o b r i g a v a m o a t o r a fazer o seu " l a b o r a t ó r i o " s o z i n h o , o q u e e v i d e n - reação d o destinatário ao t e o r da c a r t a e p r a t i c a m e n t e r e s p o n d e de a n t e m ã o
ATOR E MÉTODO 121
120 EUGÊNIO KUSNET
de c o m u m a c o r d o e n t r e ele e o a t o r , — o d i r e t o r p o d e i m p r o v i s a r o p a p e l d o
a essas supostas reações. M u i t o i m p o r t a n t e t a m b é m é o f a t o de que o a t o r ,
d e s t i n a t á r i o q u e , d e p o i s de r e c e b e r e l e r a c a r t a , v e m para p e d i r esclareci-
nessa f o r m a de c o n c e n t r a ç ã o , n ã o d e i x a de agir f i s i c a m e n t e : ele escreve. D a í
m e n t o s verbais.
a o r g a n i c i d a d e desse processo n o t r a b a l h o d o a t o r .
Um e r r o c o m u m q u e os a t o r e s c o m e t e m ao escrever suas p r i m e i r a s
C o m p a r e m isso c o m a c h a m a d a " c o n c e n t r a ç ã o m e n t a l " . O ator, e m
c a r t a s é de reler e de c o r r i g i r o t e x t o e s c r i t o , antes de c o m e ç a r a i m p r o v i s a -
estado de passividade física t o t a l , d i s t r a í d o p e l o q u e a c o n t e c e e m seu r e d o r ,
ç ã o . E ó b v i o que c o m isso o a t o r a r r i s c a d e s t r u i r a e s p o n t a n e i d a d e a d q u i r i d a
deve i m a g i n a r o diálogo, deve d i a l o g a r m e n t a l m e n t e c o m u m a pessoa ausen-
através da c a r t a : e m vez de e n t r e g a r - s e à i m p r o v i s a ç ã o sob o e f e i t o d a c a r t a ,
te. E evident e que isso é m u i t o difícil p a r a os a t o r e s p o u c o t r e i n a d o s e m
o a t o r c o m e ç a a r a c i o c i n a r e a c r i t i c a r a sua a ç ã o i m p r o v i s a d a na c a r t a . M a i s
improvisações.
t a r d e , d e p o i s da i m p r o v i s a ç ã o d a c e n a , ele p o d e r á e m e s m o deverá r a c i o c i n a r
O l e i t o r já deve ter c o m p r e e n d i d o q u e o p r o c e s s o de escrever cartas é t a n t o s o b r e o c o n t e ú d o d a c a r t a , c o m o t a m b é m sobre os detalhe s da i m p r o -
u m a das forma s de improvisação sobre u m t e m a . M a s o q u e i m p o r t a é o f a t o v i s a ç ã o , p a r a selecionar e l e m e n t o s ú t e i s , c o n f o r m e dissemos n o c a p í t u l o
de q u e , d e v i d o à organicidade dessa f o r m a , o a t o r e n c o n t r a mais f a c i l i d a d e a n t e r i o r , mas não deve fazer isso n o d e c o r r e r desse t r a b a l h o específico,
e m a d q u i r i r a " f é c é n i c a " na r e a l i d a d e d a a ç ã o q u e se l h e p r o p õ e , o u e m i n t e r r o m p e n d o a improvisação,que é u m a t o subconsciente c o m raciocínio,
o u t r a s palavras ele chega mais f a c i l m e n t e a e l a b o r a r u m a " i n s t a l a ç ã o " . u m ato consciente.
Por isso, não é apenas para o e f e i t o de c o n c e n t r a ç ã o que se deve usar A l é m das experiências nas aulas c o m v á r i o s g r u p o s de a t o r e s , t i v e m o s a
esse r e c u r s o . Sendo u m a das f o r m a s de i m p r o v i s a ç ã o , ele deve fazer p a r t e o p o r t u n i d a d e de e x p e r i m e n t a r a " c a r t a " n a p r á t i c a de u m t e a t r o p r o f i s s i o -
dos t r a b a l h o s pelo m é t o d o da " A n á l i s e A t i v a " . D e i n í c i o , ele o c u p a nela o nal, tentando,, a título de experiência, c o r r i g i r algamas falhas e v e n c e r
seguinte lugar: depois da l e i t u r a de u m a d e t e r m i n a d a cena, os atores d o a l g u m a s d i f i c u l d a d e s p e r s i s t e n t e s n a r e p r e s e n t a ç ã o de u m a p e ç a e m c a r t a z .
e l e n c o , c o m o sempre, são c o n v i d a d o s a narrá-la a f i m de restabelecer n a U m dos atores d o e l e n c o , f a l a n d o de u m a cena sua, disse que a d e t e s -
memória o seu " r o t e i r o dos f a t o s a t i v a n t e s " , a s i t u a ç ã o e m que se e n c o n t r a t a v a e e m t o d o s os e s p e t á c u l o s t i n h a " v o n t a d e de vê-la pelas c o s t a s " e,
o personagem e os seus o b j e t i v o s . D e p o i s disso, e a n t e s de passar à i m p r o - e m b o r a c o m p r e e n d e s s e a sua i m p o r t â n c i a n a p e ç a , n a da conseguia fazer.
visação, os atores escrevem a c a r t a .
D e p o i s de c o m e n t a r n o v a m e n t e c o m ele a situação e estabelecer os
Mais tarde daremos e x e m p l o s desse p r o c e s s o e d a sua aplicação e m
o b j e t i v o s d o p e r s o n a g e m , p r o p u s q u e ele escrevesse u m a c a r t a . L o g o s u r g i u o
o u t r a s etapas do t r a b a l h o , mas agora cabe-nos, p a r a m a i o r clareza, e x p l i c a r
p r i m e i r o p r o b l e m a : a q u e m d e v e r i a ele e s c r e v ê - l a ? E que o p r i n c i p a l o b j e -
o q u e é o mais i m p o r t a n t e n o i n í c i o d o uso desse r e c u r s o . E a escolha d o
t i v o d o p e r s o n a g e m era b a s t a n t e c o m p l i c a d o . Tratava-se de u m a a r t i m a n h a
destinatário da carta. Ele deve ser u m a pessoa q u e , p o r sua n a t u r e z a , possa
c u j o segredo n ã o p o d i a ser r e v e l a d o a n e n h u m dos personagens d a p e ç a .
m o t i v a r a absoluta franqueza n a e x p o s i ç ã o , p o r m e i o d a c a r t a , de t o d o s os
T i v e m o s p o i s , que i n v e n t a r u m " a m i g o d o p e i t o " a q u e m o h o m e m pudesse
p r o b l e m a s do personagem. Esta é a escolha c o r r e t a p a r a m u i t a s situações
c o n f i a r o segredo e, s o b r e t u d o , p e d i r c o n s e l h o s , v i s t o q u e o seu p l a n o de
cénicas simples. Mas. e v i d e n t e m e n t e , haverá m u i t a s e x c e ç õ e s e m q u e , pela
a ç ã o era a r r i s c a d o e e x i g i a m u i t o r a c i o c í n i o , sangue f r i o e c a p a c i d a d e de
lógica de situações contraditórias, o a t o r será o b r i g a d o a escolher u m c a m i -
fingir b e m a situação e n g e n d r a d a . A escolha do hipotético amigo l e v o u
n h o d i a m e t r a l m e n t e o p o s t o , e s c r e v e n d o talvez a u m i n i m i g o a q u e m deverá
a l g u m t e m p o , p o r q u e o a t o r p r o c u r o u a v a l i a r t o d o s os riscos de c o n f i a r o
iludir p o r m e i o de mentiras c o n s c i e n t e s . A escolha f i n a l , f r e q u e n t e m e n t e
seu segredo a esta o u a q u e l a pessoa.
mesclada. — dependerá da lógica das " c i r c u n s t â n c i a s p r o p o s t a s " , d o m a t e r i a l
U m a vez d e c i d i d a a e s c o l h a , o a t o r r e c a p i t u l o u a situação e os o b j e t i v o s :
dramatúrgico. Nas experiências q u e c i t a r e m o s m a i s t a r d e o l e i t o r verá alguns
1) Q u e r o esmagar a q u e l e s u j e i t o . Para p o d e r v i n g a r - m e dele, precise
e x e m p l o s dessas situações.
c r i a r u m a t r a m a b e m e n g e n h o s a p a r a q u e n i n g u é m possa adivinhá-la antes e
P o r t a n t o , a escolha do destinatário da c a r t a d e v e ser feita cuidadosa-
d e s c o b r i r o seu a u t o r d e p o i s da e x e c u ç ã o d o p l a n o . V o u s u b m e t e r o m e u
m e n t e . U m erro de lógica p o d e causar t r a n s t o r n o s e p e r d a de t e m p o n o
p l a n o à opinião do m e u amigo.
trabalho.
2) V o u p e d i r q u e ele m e d i g a se n ã o a c h a os riscos demasiados e se, n a
A improvisação da cena deve ser f e i t a i m e d i a t a m e n t e depois d o término
sua o p i n i ã o , valeria a p e n a a r r i s c a r .
da c a r t a , pois u m i n t e r v a l o g r a n d e p o d e r o m p e r a i n t e g r i d a d e da l i n h a de
F o i a p r o x i m a d a m e n t e nessa base q u e o a t o r escreveu a c a r t a . Q u a n d o
ação conseguida d u r a n t e o processo de escrever a c a r t a . M a s , para reforçar o
ele a t e r m i n o u , eu l o g o e n t r e i n u m d i á l o g o i m p r o v i s a d o c o m ele. na q u a l i -
e f e i t o da carta sobre a p r ó x i m a i m p r o v i s a ç ã o da c e n a , o d i r e t o r , que, e v i d e n -
d a d e de destinatário, s o b r e o a s s u n t o da c a r t a .
t e m e n t e deve estar a par d o s e n t i d o geral da c a r t a , p o i s o t e m a f o i e l a b o r a d o
122 EUGÊNIO KUSNET ATOR E MÉTODO 123
A s s i m chegamos à c o n c l u s ã o de q u e a intérprete d o p a p e l d e v e r i a p r o -
l i v r e i n s p i r a ç ã o , o q u e s e m p r e a c o n t e ce n o p r o c e s s o de " e s c r e v e r a c a r t a " ,
c u r a r a c r e d i t a r (adquirir a "fé cénica") n o que a c a b o u a c r e d i t a n d o T a t i a n a ,
p e r d e m o r a c i o c í n i o p o r q u e i n s t i n t i v a m e n t e q u e r e m c o n s e r v a r esse b r i n -
ou seja, na sua indiferença p a r a c o m as causas que a l e v a r i a m ao s u i c í d i o .
q u e d o tão q u e r i d o , o s e n t i m e n t a l i s m o .
Isso o b r i g a r i a a atriz a aceitar a e x i s t ê n c i a simultânea das duas s e n s a ç õ e s de
C a b e a g o r a s a l i e n t a r n o v a m e n t e a v a n t a g e m desse r e c u r s o : se essa i m p r o -
Tatiana, d i a m e t r a l m e n t e o p o s t a s : ela c o n s t a t a r i a a p r o f u n d i d a d e d o seu
visação fosse f e i t a s e m o u s o p r é v i o d a carta r e a l m e n t e e s c r i t a , c o m e t e n d o a
s o f r i m e n t o , mas i n s t a n t a n e a m e n t e r e a g i r i a r e j e i t a n d o a s e n s a ç ã o , n e g a n d o - a
a t r i z o m e s m o e r r o , n ó s , p a r a d e s c o b r i r as suas causas, t e r í a m o s q u e e x a m i -
c o m inesperada facilidad e " p o r q u e j á estaria m o r t a ! " P r e d o m i n a n d o esta
nar t o d o o seu " m o n ó l o g o i n t e r i o r " r e s t a b e l e c i d o v e r b a l m e n t e , o q u e c e r t a -
última sensação, T a t i a n a v a i f a l a r n u m " t o m b r a n c o " através d o q u a l o
m e n t e seria m u i t o d i f í c i l , p o i s a a t r i z teria d i f i c u l d a d e e m r e s t a b e l e c ê - l o c o m
espectador não poderá d e i x a r de s e n t i r o seu s o f r i m e n t o r e c a l c a d o .
precisão.
£ completamente impossível realizar conscientemente situações c o m o D e p o i s d e c o m p r e e n d e r o seu e r r o , a a t r i z v o l t o u a escrever . Dessa
essa, de grandes c o n f l i t o s i n t e r i o r e s , c o m todas as suas c o n t r a d i ç õ e s . Elas s ó
segunda c a r t a d o u a b a i x o a l g u n s t r e c h o s e s c o l h i d o s .
se r e a l i z a m s u b c o n s c i e n t e m e n t e , através de u m a " i n s t a l a ç ã o " . R e c o r r e n d o a
u m a c a r t a , p r o c u r a m o s chegar a e l a b o r a r u m a " i n s t a l a ç ã o " a d e q u a d a . " M e u a m i g o , o ú n i c o de q u e m preciso, l o g o v o u estar c o m v o c ê . Vai ser
U m a vez estabelecida a l ó g i c a d a s i t u a ç ã o , u m a das o u v i n t e s d o c u r s o tão bom. É o único c a m i n h o . Não que eu esteja me lamentando. Oh,
Esse inesperad o f i n a l d e s v i o u a a t r i z d o c a m i n h o c e r t o traçado nos realizar através da sua i n t u i ç ã o tudo e sempre, a começar do " s í m b o l o " e
t r a b a l h o s a n t e r i o r e s , p o r q u e a frase " E m u i t o i m p o r t a n t e eu saber . . . " t e r m i n a n d o p e l a f o r m u l a ç ã o d o p e n s a m e n t o c o n c r e t o , p o r q u e nesse caso
e v i d e n t e m e n t e r e f l e t i u sua g r a n d e p r e o c u p a ç ã o c o m o estado e m o c i o n a l d o v o c ê n ã o precisará n e m d a " c a r t a " , n e m da " A n á l i s e A t a v a " e n e m de t o d o o
p e r s o n a g e m , o que n o v a m e n t e a l e v o u à a u t o - p i e d a d e . Para e x p l i c a r a causa " M é t o d o " de S t a n i s l a v s k i . M a s se, p e l o c o n t r á r i o , v o c ê n ã o p u d e r c o n f i a r
do l a p s o , a a t r i z confessou q u e , e n q u a n t o escrevia, i n e s p e r a d a m e n t e f i c o u u n i c a m e n t e n o seu t a l e n t o e s u a s e n s i b i l i d a d e e, p o r t a n t o , f o r o b r i g a d a a
" b a r a t i n a d a " . Por quê? E l a n ã o s o u b e e x p l i c a r , mas a c e i t o u a r n i n h a h i p ó - recorrer p o r necessidade a " c a r t a " , o u a q u a l q u e r o u t r o e l e m e n t o d o tra-
tese: o q u e p o d i a ser esse " b a r a t i n a m e n t o " se não o r e s u l t a d o de u m e m p o l - b a l h o c o n s c i e n t e , saiba q u e os " s í m b o l o s " n ã o são s u f i c i e n t e s , p o r q u e , p a r a
g a m e n t o involuntário pelos p r o b l e m a s s e n t i m e n t a i s d o p e r s o n a g e m ? E m vez p o d e r usar o seu e x c e l e n t e a c h a d o , o " t r a ç o r e t o " , usá-lo sempre e com
de s i m p l e s m e n t e pensar ela p r o c u r o u sentir. segurança, v o c ê terá q u e c o m e ç a r p o r d e s t r i n c h a r esse s í m b o l o , passá-lo p e l o
G o s t a r i a que esse m e u c o n s e l h o n ã o fosse m a l i n t e r p r e t a d o . N ã o p r e t e n - poderá rever os detalhes desse processo de ampliação do símbolo e a sua
do da " A n á l i s e A t i v a " (inclusive nas cartas) o r a c i o c í n i o deve t e r l u g a r vias s u b c o n s c i e n t e s ; a m a n h ã , n ã o se sabe p o r q u ê , ele c o n s e r v a apenas o seu
E b e m possível. T o m a r a n t i b i ó t i c o s n o caso de u m s i m p l e s r e s f r i a d o e g e n t e n o r m a l . O a t o r a c r e d i t a v a m a i s na l ó g i c a d o c o m p o r t a m e n t o de u m
I
132 EUGÉNIO KUSNET
M a s a q u e l e e x e m p l o f o i e x t r a í d o pelo D r . B e r n a r d o B l a y d a sua p r á t i c a ,
da p r ó p r i a v i d a . F a l t a saber se e x e m p l o s s e m e l h a n t e s e x i s t e m n a p r á t i c a de
t e a t r o e, e m caso p o s i t i v o , v e r i f i c a r quais são os e f e i t o s q u e a c o m u n i c a ç ã o
p u r a m e n t e e m o c i o n a l causa s o b r e o espectador.
T r a t a n d o - s e de u m p r o b l e m a m u i t o c o m p l i c a d o , p r o c u r a r e i n a r r a r d e t a -
l h a d a m e n t e u m caso q u e a m e u ver é u m a p r o v a da existência da c o m u n i -
cação p u r a m e n t e e m o c i o n a l e m teatro.
E u t i v e o p r a z e r de e n c o n t r a r a q u i , e m S ã o P a u l o , u m a t o r r u s s o q u e
considero um dos a t o r e s g e n i a i s da nossa a t u a l i d a d e . T r a t a - s e de I . M.
S m o k t u n o v s k i q u e eu v i p e l a p r i m e i r a vez n o p a p e l de p r í n c i p e M i c h k i n , n a
e n c e n a ç ã o de " O I d i o t a " d e D o s t o i e v s k i , n o G r a n d e T e a t r o D r a m á t i c o e m
L e n i n g r a d o . A t é a g o r a , d e p o i s de m u i t o s anos, a i n d a c o n s i d e r o a q u e l e e s p e -
táculo o m e l h o r e n t r e t o d o s q u e v i na m i n h a l o n g a v i d a .
M a i s t a r d e eu v i esse a t o r e m vários f i l m e s , c o m o "Hamlet", "Tio
V â n i a " , " C r i m e e C a s t i g o " e. f i n a l m e n t e e m " T c h a i l c o v s k i " .
A s s i s t i r a esses f i l m e s f o i p a r a m i m u m i m e n s o prazer e s t é t i c o q u e s e n t i ;
c o m o u m s i m p l e s e s p e c t a d o r . M a s , além de e s p e c t a d o r , eu s o u a t o r e p r o -
fessor de a r t e d r a m á t i c a . P o r isso, não p o d i a d e i x a r escapar a o p o r t u n i d a d e
7
<
m u l h e r que a m o u , — a p r ó p r i a n a t u r e z a veio p a r a s o c o r r ê - l o , a p a g a n d o na namento da Atividade Nervosa Superior, o que poderia resultar em neuroses
sua consciência t u d o q u e c a u s o u o seu s o f r i m e n t o e s u b s t i t u i n d o o seu ou psicoses).
p s s a d o p o r u m a nova r e a l i d a d e s u b j e t i v a — a alegria de v i v e r . M a i s t a r d e , 7) A sobrecarga d o processo de e x c i t a ç ã o p o d e s u r g i r por efeito de
a l g u m a c o n t e c i m e n t o n o v o d e v e t e r f e i t o c o m q u e o passado, c o m t o d o s os
traumas psíquicos supramaximais. (Pag. 82)
seus s o f r i m e n t o s , ressurgisse n a sua c o n s c i ê n c i a , c u l m i n a n d o c o m o seu
8 ) A inibição d o n ú c l e o d a e s t r u t u r a d i n â m i c a p a t o l ó g i c a leva ao esque-
suicídio.
cimento do incidente traumático, n ã o h a v e n d o v e r b a l i z a ç ã o . (Pag. 103)
N ã o se t r a t a de i m a g e n s s e n t i m e n t a i s para e v i t a r u m a e x p l i c a ç ã o p r e c i s a
sobre u m assunto tão c o m p l i c a d o . O que expus n u m a f o r m a b e m p r i m i t i v a é 9) E s q u e c i m e n t o é i m p o s s i b i l i d a d e de r e c o r d a r o u r e c o n h e c e r a l g o , o u
plenamente c o n f i r m a d o pela psicologi a reflexológica. equivocação do r e c o n h e c i m e n t o o u r e c o r d a ç ã o . Sua base fisiológica é a
Para d e m o n s t r a r isso d o u a b a i x o alguns t r e c h o s d o j á c i t a d o livro, inibição das conexões temporárias. (Pag. 171)
"Introdução à Reflexologia". 1 0 ) Normalmente as conexões temporárias estabelecidas no córtex
c e r e b r a l aí permanecem num estado de disponibilidade, podendo em deter-
1) Pavlov define o r e f l e x o c o m o " u m e l e m e n t o de a d a p t a ç ã o c o n s t a n t e
minadas circunstâncias, constituir um conteúdo de consciência. (Pag. 100)
d o o r g a n i s m o e m relação ao m e i o que o c i r c u n d a ; a d a p t a ç ã o esta q u e p e r -
m i t e a este o r g a n i s mo u m e s t a d o de e q u i l í b r i o c o m o m e i o " . (Pag. 18) Sei que seria u m absurdo pretender dar u m a ideia c l a r a sobre assunto
tão c o m p l e x o , p o r m e i o desses p o u c o s t r e c h o s c i t a d o s . P o r i s s o , r e m e t o os
2) R e f l e x o s são t o d o s os a t o s d o o r g a n i s m o q u e s u r g e m e m r e s p o s t a a
leitores novamente à "Introdução à R e f l e x o l o g i a " . M a s , nesta altura, é
e s t í m u l o s dos receptores e q u e se r e a l i z a m c o m p a r t i c i p a ç ã o d o s i s t e m a
nervoso c e n t r a l , i n c l u i n d o n o e s t a d o n o r m a l sua s e ç ã o s u p e r i o r : o córtex m u i t o i m p o r t a n t e t e r a l g u m a n o ç ã o d a m e c â n i c a dos r e f l e x o s e dos p r o b l e -
I
142 EUGÊNIO KUSNET A T O R E MÉTODO 143
U m a vez e s t a b e l e c i d o s esses d e t a l h e s , i s t o é, e l a b o r a d o s os e l e m e n t o s
p o d e r agir sob a influência s u b c o n s c i e n t e de u m t r a u m a c a u s a d o p e l a e x c i - p a r a a p r ó x i m a " i n s t a l a ç ã o " , os atores c o m e ç a v a m a i m p r o v i s a r l i v r e m e n t e
tação s u p r a m a x i m a l (incandescência emocional). cenas d o m a n i c ô m i o , e m c o n j u n t o .
M a s , a p a r t i r daí, a i n d a f a l t a t a l v e z o mais i m p o r t a n t e — e x p e r i m e n t a r O r e s u l t a d o das i m p r o v i s a ç õ e s d e p e n d i a , c o m o s e m p r e , de v á r i o s f a t o -
na prática o m e c a n i s m o dessa h i p ó t e s e , e m b o r a ela j á t e n h a s i d o v e r i f i c a d a res: d o temperamento do a t o r , de sua e s p o n t a n e i d a d e i n a t a e, principal-
na prática alheia. m e n t e , de sua c a p a c i d a d e de i m p r o v i s a r , o q u e i n f e l i z m e n t e e r a b a s t a n t e
Essa p r e o c u p a ç ã o t o r n o u - s e b á s i c a d u r a n t e os t r a b a l h o s q u e t i v e a o p o r - raro naquela época.
t u n i d a d e de fazer c o m u m g r u p o d e a t o r e s . C o m o r e s u l t a d o q u e p o d i a ser c o n s i d e r a d o satisfatóri o e r a a e s p o n t a n e i -
C o m e ç a m o s p o r p r o c u r a r t e m a s q u e pudessem ser t r a n s f o r m a d o s e m dade c o m q u e m u i t o s a t o r e s a g i a m d e n t r o das s i t u a ç õ e s a b s u r d a s de sua
material capaz de satisfazer c e r t a s exigências de nossas pesquisas. Esses " l o u c u r a " o q u e , e v i d e n t e m e n t e , era c o n s e q u ê n c i a de u m a " i n s t a l a ç ã o " ade-
temas d e v i a m possuir as seguintes c a r a c t e r í s t i c a s : q u a d a . Se u m a m u l h e r c u i d a v a c o m m u i t o c a r i n h o e p r e o c u p a ç ã o dos seus
1) O passado do personagem d e v i a c o n t e r a c o n t e c i m e n t o s de g r a n d e " m i l f i l h o s " , o u u m m ú s i c o regia " u m a o r q u e s t r a d e n u v e n s " e d i a l o g a v a
violência, capazes de e x c i t a r a i m a g i n a ç ã o d o a t o r ao e x t r e m o , p a r a q u e ele c o m elas, o e s p e c t a d o r c o m p r e e n d i a q u e se t r a t a v a de p e r s o n a g e n s l o u c o s
6 ) C o n t a n t o q u e o a t o r esteja s e m p r e s e n t i n d o o p r a z e r de c o m u n i -
car-se c o m o espectador ( " a d u a l i d a d e d o a t o r " c o n s e q u e n t e d a " p r i m e i r a
i n s t a l a ç ã o " ) , ele não deve t e m e r e f e i t o s n o c i v o s d a e x c i t a ç ã o excessiva.
8) Há necessidade de p e r m a n e n t e s e x p e r i ê n c i a s c o m esse m é t o d o , p a r a
evidenciá-lo e i n c u t i - l o n a m e n t e de t o d a nossa g e n t e de t e a t r o .
I n f e l i z m e n t e , n o Brasil n u n c a t i v e m o s a o p o r t u n i d a d e de c o n f i r m a r esse
m é t o d o no trabalho c o t i d i a n o de nosso t e a t r o . C o n f o r m e já c o m e n t a m o s ,
os nossos m e l h o r e s d i r e t o r e s , s e m p r e d i s p o s t o s a f a z e r novas e x p e r i ê n c i a s ,
desistiram, p o r força de certas circunstâncias, até d a própria "Análise
A t i v a " . O u t r o s diretores u s a m a "incandescência e m o c i o n a l " , t a l v e z sob
um termo diferente, — como estímulo para a excitação gratuita da
i m a g i n a ç ã o , que f r e q u e n t e m e n t e n a d a t e m a v e r c o m os p r o b l e m a s das
"circunstâncias propostas" da peça. O r e s u l t a d o disso, n a t u r a l m e n t e , é
i d ê n t i c o ao q u e e x e m p l i f i c a m o s a c i m a , i s t o é, a p e r d a d a n o ç ã o d a r e a l i -
dade o b j e t i v a , o que leva o a t o r a u m a e s p é c i e de d e l í r i o .
7. ° Capítulo Pág. 83
Nota do Autor
Tempo-Ritmo — Efeito emocional do Tempo-Ritmo
O A t o r e a V e r d a d e Cénica o u E s t a r A r d e n d o , p a r a Inflamar
— T e m p o - R i t m o Simples — T e m p o - R i t m o Compos-
Introdução
to — T e m p o - R i t m o Exterior — T e m p o - R i t m o Inte-
rior.
PRIMEIRA PARTE - Iniciação à A r t e Dramática
8. ° Capítulo Pág. 97
1. ° Capítulo Pág.
Análise A t i v a — I m p r o v i s a ç ã o O b j e t i v a d a — R e c e p t i v i -
T r a b a l h o de t e a t r o é t r a b a l h o de e q u i p e — V e r d a d e s
dade d o A t o r p a r a t r a b a l h o de e q u i p e — R o t e i r o dos
da Ciência — V e r d a d e s d a A r t e — A t o r , e l e m e n t o
a c o n t e c i m e n t o s — " f a t o r e s a t i v a n t e s " — C o m o de-
indispensável ao t e a t r o — T e a t r o , c a p a c i d a d e de r e -
senvolver a " A n á l i s e A t i v a " n u m a p e ç a — D i r e t o r e
presentar a v i d a do E s p í r i t o H u m a n o — F é C é n i c a —
Elenco — A Imaginação e Espontaneidade , faculda-
O b t e n ç ã o da Fé C é n i c a .
des exercitáveis — C o m o fixar resultados obtidos
2. ° Capítulo Pág. 13 nos " l a b o r a t ó r i o s " — Análise f r i a d a Improvisação —
O b j e t i v o s do Personagem — O b j e t i v o s d o Ator — Improvisação d e n t r o das Circunstância s Propostas —
L ó g i c a da A ç ã o — A ç ã o C o n t í n u a e I n i n t e r r u p t a — Seleção dos E l e m e n t o s da A ç ã o — Assimilação gra-
Ação Exterior e Ação Interior — Não existe A ç ã o dativa d o t e x t o t e a t r a l : c o - a u t o r i a d o t e x t o — B o m
sem o b j e t i v o . senso e Prática d o D i r e t o r p a r a a escolha das etapas
da " A n á l i s e A t i v a " .
3. ° Capítulo Pág. 35
Circunstâncias P r o p o s t a s — O m á g i c o S E F O S S E — 9. ° Capítulo Pág 118
Visualização. Escrever c a r t a s : p r e p a r a ç ã o m e n t a l e física para ação
cénica (concentração) — I m p r o v i s a ç ã o livre d e n t r o
4. ° Capítulo Pág. 48 das " C i r c u n s t â n c i a s P r o p o s t a s " — M e i o de f i x a r m a -
M e i o s de C o n t a t o e C o m u n i c a ç ã o : F í s i c o s e M e n t a i s
t e r i a l m e n t e os p e n s a m e n t o s d o a t o r para r a c i o n a l i z a -
— A t e n ç ã o cénica — C í r c u l o s de A t e n ç ã o — A ç ã o
ção e seleção dos r e s u l t a d o s o b t i d o s espontanea-
Instaladora — Dualidade do A t o r . mente.
mmm