Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
LOCDOÕBS POPULARES
ÍOR
THEOBALDO
R IO D E JA N E IR O
TYPOGRAPHY DO C r UZ EI RO
1879
P R O V É R B I O S
X
Mais tarde, quand) fez-se mudança radical na
opinião e entendeu-se que o ponto era essencial
ao i, para que não houvesse confusões, a phrase
tomou outro alcance, e pôr os pontos nos ii signi-
dicouo mesmo que por a questão a limpo, acla-
ral-a, assental-a de modo que excluísse qualquer
subterfugio.
E veiu a locução percorr ndo as edades agar
rada ao pequeno signal do i até este dia memo
rável, em que eu, com uma pennada, atiro â
âmmortalidade da historia o proverbio, o i e o
ponto do i.
Alviçaras por este esforço.
A historia não é a unica illustração que tenha
recebido o ponto do i. A canção também rendeu-
lhe homenagem nesta ligeira estrophe:
Cètait dans la nuit brune,
Sur le clocher jauni,
La lune
Comme un point sur un i
IVtatar' o btclio
0 nosso povo achou uma graça especial em
ficar sabendo que as bexigas, a sarna e outras
molestias eram produzidas por um bicho.
Foi uma diversão em meio dos sustos das epi
demias.
Quando apparecia o cholera ou a fibre amarella
dizia-se logo que se estas molestias eommunica-
vam-se, é porque também traziam um bieho
proprio que se reproduzia.
Molestia epidemica sem bicho foi cousa que o
povo não comprehendeu mais.
Às premissas dos medicos deram com elle
nessa conclusão.
Contava-lhe ao mesmo tempo a sua velha sci
enda, que os liquidos espirituosos, promovendo
a transpiração, preservavam até certo ponto de
algumas dessas enfermidades.
A ligação destes dous princípios generalisou
entre nós a velha expressão —malar o bicho.
Bebia-se, antigamente, para aquecer no tempo
frio, e para refrescar qnando fazia calor.
Essas duas virtudes estav- m ha muito tempo
sobre elevado pedestal ; não as apeiaram, mas
sobrepuzeram-lhe aos hombros a terceira.
Romancista que se empenhe em observar os
costumes populares ha de ver os pedreiros que
descem do andaime e os carregadores que des-
pejam os fardos convidarem-se mutuamente para
malar o bicho, e irem perpetrar esse vermicidio,
de parceria, na venda menos distante.
Para o sobrio é simplesmente um pretexto ;
para o amigo de Baccho é um euphemismo hem
aproveitável nas aulas de rhetorica; ha indivi
duos que suicidam-se lentamente, no afan com
que tentam matar o bicho que teem em si.
1 o
■S
M o m e le m , s e ....
f - f ......................i J t • i
i‘ -r • »■« ....* e tm .
I,;' ed.i IMS Melam >rp's-ists, VIU, met. 11 .
C'bus onuns ir ?//•»
('(DISK C)hi rs/ _
. .... . K Z n t í K
43
sòes se podem remontar com sua genealogia até
osbaiòes de Affonso Henriques,,, ainda que dahi
para cima seja a estirpe h da de carvoeiros.
Mas Ovidio por sua vez nào inventou o dito
proverbial; Quinto Curcio o attribue aos Scy-
, has,
0 bkgrapho enthusiasts de Alexandre indue
a phrase em um discurso que os Scythas dirigem
ao conquistador : P r i m u s o m n i u m s a t i e t a t e p a
r a s t i f u m e m ! L. VII, cap. 8.
O caso merece ser analysmlo.
Os Scythas dizem que Alexandre foi o pri
meiro para quem o comer esteve no começar;
logo, antes delle assim nào era.
M-2 S o heróe de Ovidio é muito anterior a Ale
xandre ; calha aqui o m donho dilemma de
Hamleio.
A discussão desse ponto pôde darem resultado
que se o facto era velho, os Scythas o ignoravam;
ou entào cabe a Alexandre a invenção do acto e
aos Scythas a dn phra.se.
Alma de incerta, ainda fica bipartida a gloria t
Bipartido ticou também o proverbio ; a> bis-
tona que espanca as trevas do passado sobre o
c o m e r , nada nos diz sobre o c o ç a r .
Mas também a idem, de c o ç a r e tao natural no
caso, srd'ire s<-r c.orrelaliva de c o m e r (em outra
accepcào, e o If re- e rima tão f.icil para c o m e ç a r ,
queufm se póde extnnliar a reunià* das duas
ideias.
F se esta explicação nào se impõe a lodos,,
pelo menos satisfaz a alguns.
Fu sou um desses.
ar* e s t a n o
o o i i i o e &. *
o
4 p i p ; x s : : i
S * - ’S « t E : s
4 5 S t o t 5 S7 )5 S S y 3 ''f“d“ *
Q uando s e am arravam cã es
com lin su
— ioa»
o
E os cães eram tão simplórios que se dei
xavam ficar presos! A historia passa os limites
do inverosimil.
E’ preciso descobrir no passado um tempo de
tanta innocencia, que exclua até esse instincto
de gula no cão, que sente a linguiça a dansar-lhe
deante do focinho.
hevia ser, pois, antes da serpente do Paraiso,
porque então já havia maíicia.
_ Mas era necessario que então também houvesse
linguiça, o que a historia nega, e que fosse ne
cessario amarrar os cães, no tempo da pureza
edenica, o que a logica repelle.
0 proverbio refere-se, portanto, a uma epecha
em que não havia coleira?-’ nem linguiças. I
Isto dá-lhe um sain* te especial, muito bem
cabido em uma phrase que contende com sal-
chicheiros.
Procuremos a origem da phrase, já que a da
ideia nos escapa.
O Sr. Merlin Cocaye. em sua Historia Maçar-
ãiÍíãi9ã^55ÍM^
ronica, traz alguma cousa que serve ao nosso
empenho ; a infroducção do liv. XX, tit. 2o.
apr 2 enta aos leitores embasbacados a descri peão
de uns reinos felizes, onde se passa uma vida de
liciosa sem trabalho e com tal abundanda de
tudo que até se alam, as vinhas com linguiças.
Se Merlin invent u o dito ou colheu-o da
linguagem popular, não sei; o certo é que os
italianos adoptaram-o e dizem de u : logar en
cantado— ri si legano le rili con le salcicie.
Da hi ao n -sso modo de dizer só vão duas dif-
ferencas italianos se referem ao
logar e nós ao tempo. Kssa difíiculdade não é
séria : esse logar existe tanto como existiu o
tempo ; nenhum tem direito á preferencia.
A segunda duvida é que elles falam de vinhas
e nós de cães : mas a linguiça ata bem um pro
vérbio a outro; lia esse laço de união poderoso e
incontestável.
Passa, pois, em julgado que (eem parentesco
proximo e que descendem legitimamente da
Macarroneida de Merlin.
Um homem independente e seguro de si, um
liòmom que sabe o que faz, é um homem senhor
do seu nai iz.
Porque?
Sf- o lector não crô na iu portancia do nariz,
ha de lie u’ abysmado se eu 1lie disser (pie re
presenta idle um papel importantíssimo na his
ton a .
Chat s pyramidal ou arrebitado, o nariz tem
passad-' entre as ironias dos poetas, sobranceiro
a saborear uns incensos que usos tradicionaes lhe
offerees o de continuo.
Os orientaes levam-nos a palma neste culto ;
para elles ,mi nariz... é um nariz, isto é. o ponto
culminante do rosto, o que resume a pliysiono-
mia.
A legist içào mosaica prohibia receber para o
serviço religioso sujeito que tivesse nariz muito
pequeno ou muito grande ou adunco.
Se se considerar que o governo dos judeus era
iheccratico e, portanto, que o sem e religioso
era o mais importante de todos, resalta urna
prova poder*isissima do que valem narizes.
O principio tinha uma explicação . no typo
hebreu, o nariz conimurn era um nariz regular ;
individuo que o não tivesse as-im, trazia em si a
presumpçào d nào ser de raça pnra judaica, e
os estrangeiros eram excluidos da classe sacer-
^ A raça, pensava-se, traduz-se pelos traços
physionoinicos ; o que determina a physiono-
mia é o nariz.
O are *mento é incontestável.
No Cantico dos Canticos se encontra esta
-*'JL
phrase, que o poeta dirige n Item a m a d a : « Teu
nariz e romo a torre do Libano. »
Aa.. fique o leitor a scismar nas c o n seq u ê n cia s
da compara can, nem a procurar um simile para
o rosto em que se prende tal nariz. P
A t o r r e d o L í b a n o era o termo de uma serie de
comparacoes como symbolo de helleza e per-
Na phrase citada, o cantor destaca do rosto o
nariz como synthese do todo e, para cMmar
âquelle de perfeito, pinta o nariz como hello.
, ,rlllllnhando mais para os loyares onde nasce o
- I , emamtra-se a mesma ideia sobre o , a z
Nopom-oque explorailnres e missionários nos
commmii! aramdos nmmmes e dos tartaros uddu
re,;;Hl, a mesma in.por.aucU
61
Mas donde vem o proverbio ?
Alguns sábios francezes pretendem para a sua
patria os direitos de invenção, e affirmam que a
palavra antiga de, que se traduziu em franeez
moderno por doigt, dedo, é uma modificação de
Dex ou Dicx, com que os filhos dos gaulezes
designavam e os dialectos do sul da França ainda
designam a Deus.
A locução viria, portanto, a significar : foi o
meu deusinho, o meu espirito familiar quem
m’o contou.
E dão com isso largas á erudição historica
para mostrar-nos Numa Pompilio, inspirado
pela nympha Egeria, Mahomet por uma pomba
e Sertcirio por uma corsa; e concluem que o dito
proverbial é umarec rdação desses factos, guar
dada nos archivosda tradieção populare aecom-
modada à nossa epocha, em que se não crê em
discurso, de corsa, nem as Egerias inspiram
cousa aproveitável.
Esses sábios sabem tanto !
Mas, se attendermosa que o proverbio é anti-
quissim » na nossa lingua, onde a palavra Deus
nunca se poderia ter corrompido em dedo; se
considerarmos que o mesmo se dá em outros
idiomas, onde se emprega a mesma ideia, fica-se
certo de que,se foi o dedinho quem lhes ensinou
tal etymologia, mentiu á linguistica e ao bom
senso.
E meditando-se mais um pouco, vê-se que o
dedo mi! imo é o unico que entra nos ouvidos; %
que é chamado até, por causa disso, dedo auri
cular ; e comprehende-se que desse privilegio . '!
lhe tenha resultado a imputação de denunciador.
Pois esses sábios ignoram isto?
•ví
I^odr*a d© esoandalo
Havia em Roma junto ao portico principal do
Capitolio, urna pedra esculpida em fôrma de lean
era a pedra de escandalo. e °‘
Os bancarroteiros, os devedores dolosos eram
obrigados a assentar-se nella apenas cobertos
oom um manto e a proferir por tres vezes a for
mula cedo bona—eu cedo os meus bens—-batendo
outras tantas com o anus na pedra.
Realizada esta cerempnia, não* podiam mais
ser perseguidos pelos credores nem presos n X
nulas antigas; mas ao lado dessa garantia a
outros*11
«m ?:
ía " ',,e‘ade da ra£ao concedida aos
s i d ^ l e l lemp0’ em 11116 se creditava na neces-
S i & ~ emnUPUeeZa d° “ "*»* aZ““>
dc meia geílà ra “ m e rm o d V d im " * 0
U
applicava aos n o b m d e ™cente
mento. da aP ee de
tnte üata X qUe 86
pouco
r
07
volvimento commercial deu com a humanidade
nesta bruteza de instinctos.
Naquella epocha, não : Cassandra exigiu em
troca o dom prophetico, que foi-lhe concedido.
Mas o deus que inspirava oráculos e repartia
com as sibyllas as prophecias que lhe sobravam,
não pôde prever dessa vez que, apenas obtido o
oue pedira, Cassandra faltaria à promessa feita.
Foi o que aconteceu: imposturas de adevinhos
vão semp e esbarrar ne se rochedo.
Senhora de cantar âs gerações embasbacada*
o que estava gravad > no livro do destin , a
troyana fez umas figas a Apollo e desato • a rir
e fazer rir as amigas com a aventura interessante.
Pheb • ficou vermelho e eclypsou-se um pouco
«mquanto parafusava no logro, e vendo q e não
podia rrms revogar a mercê concedi5a, ajuntou-
lhe uma condição que a inutilisava: que taes
predições nunca fossem acceitas.
iuNo segundo canto da Eneida pparece a velhaca
honesta a bradar aos troyan s que não deixem,
entrar na cidade o cavallo de Epeus, pois aquella
mole traz em seu b jo a ruinae a morte,
i. E os patricios <ie Enéas fitam-a com olhares
4e piedade e dizem penalisados, cada vez que a
veem tregeitando esgares de inspirada:
— Coitadiüha! ensandeceu.
A c c o a d e r u m a vela a l>eus
o o u tr a ao diabo
0 espirito volta-se logo para S. Miguel ; o
nroverbio devia referir-se ao arcbanjo guerreiro
aue calca aos pcs o diabo ; deante dessa imagem
accendem-se facilmente duas velas com destinos
Ma satyra politica, o individuo que se prende
a dous partidos oppostos é figurado deante de
S. Muuel. , ■.
Na v da social a marujos aoalogos corresponde
a mesma figura, e não é pouco f equen e.
Mas o povo ' ão quiz saber disso : remontou-se
de S. Miguel a Deus para fazer mais ckro o con-
traste-
Mas como isto não exclue uma origem histo
rica vamos procural-a.
E’ Brantòme quem a fornece; p nupo ao leitor
o francez antiquado do chronista e as maximas
profundas que enxurram na narração :
Foi o caso que Roberto de La Mark fez-se
representar em seus brazòes ajoelhado deante
de Santa Margarida com uma vela em cada mão;
como essa santa é apresentada sempre com o
diabo ao pé, por causa de uma má peça que
pregou ao espirito velhaco, era licito conjectu-
rar-se que a elle era destinada uma das velas.
Mas o fidalgo não quiz que essa ideia ficasse
em simples conjectura e por baixo do quadro
mandou escrever esta legenda: « Se Deus não
me ajudar, ao menos não me falte o diaho. »
E veiu dahi o proverbio.
C om er como uta alarve
A larves são os camponezes de Marrocos; raça
nue se occupa na lavoura e vive delia.
Frei Bernardo da Cruz, na sua Chronica d hl-
Rey D. Sebastião, diz delles umas cousas que
são muito de ler-se e de meditar-se :
« São os alarves gente de mui delicados enge
nhos, para tractarem todos os negocios de entendi
mento, eloqüentes em palavras, sentenciosos em
seus ditos,e muito lidos em todas as historias ara-
bicas, fazendo delicadissimos versos e de mui
elegante suavidade, com que levam vantagem a
todos os mouros africanos, e todos os cortezaos
lh’a reconhecem mui notável. São tidos os alar
ves por toda Africa por a gente mais nobre delia
e o tronco de que os mouros mais se honram ; e
guardam entre si tal maneira de conservação de
sua geração, que em nenhum caso consentem
casar com outra gente que nao seja da mesma
nacão ainda que por isso lhe crescessem muitos
proveitos ; mostram elles por obra a nobreza de
aue se gloriam em o primor que guardam ; por
que sâog homens de verdade e por seus amigos
ou por os que se acolhem a seu ampaio, porão
as vidas efazendas.., . m-
« Mas posto que os auurves sejam c o m
mente gente pobre e não vivam senão dos fructos
do campo, e de seus gados, tambc ,,
elles alcaides e senhores de m uito vassallos
quem obedecem e servem com o
de rendas; e assim como sao gente que M veno
campo, curados dos tempos, sao.mui^acostu
mados ao trabalho e mais proiviptos a um brado
se ajuntarem a cavallo a (pialquci teito neeessa ,
ÍOO
rio o cine fazem com muita destreza, seguindo
seu exercito, msimianâo se com poucas dehmas
d e m a n j a r á e camas ; gente propna para fazer
rm^rra com muita soltura. »
8 Isto é O que diz frei Bernardo : que os alarves
são intellmentes e sobrios.
Abramos agora um diccionano qualquer, feito
nor indivíduo nue nunca foi á Africa:
P !, A (arre, do arulie alaravi, arabe do deserto
nue vive de roubos ; /i;;, homem grosseiro, abru-
tado, liomein rustico, campino: como
a l a r v e —excessiva, abi utaunnente. w
Ora, entenda esta gente quem puder.
iOIT* CO’fTiO 9-1i l l Hd ü »«1*1^®
B adutaqu e ou b a z \ d a q u e é um guisado de fíga
do e imudos, c o-to'ios era pedaços muito peque
nos e te operados de modo a affrontar o fastio
o mais i. bMdc. . . . . •-
Eu nunca o provei ; mas opiniões insuspeitas
teem jurado ua fé dos seus paladares, que não ha
prato ruais ib roso, e a historia recolheu esses
testemunhos importantes. .
Nos primeiros tempos da monarchia portu-
gueza, o badulaqne tinha fama; e os guerreiros
de Affoieo , Imiriques e do Mostre de aviz iam
refazer-se nelle das lides contra os mouros, e o
embutiam em seus robustos estomagos com o
mesmo enthn-mismo com que se atiravam a pe
le\ \ a batalha de Aljabarrota, entre os objectos
tomados , >s v-mci os figurava uru cald^.ira® d?
dimenm m pfmnomen>e>, <>ma massa de metal
capaz de acromim dar f dgadamente em seu bojo
o T „ , grar.de de Moscow e os sinos pequenos de
C°Oncondestavel D. Nuno Alvares Pereira offere-
ceu esse p>eci so ca’deirao aos frades hernardos
de Alcc! tça p a r a q u e p r e p a r a s s e m n e l l e o s s e u s
badulaques. . n
s r r r » " s ~ “ ; % « * * » ,«
•volta de outros títulos muito para gabos, gtwia
varn-se de preparar aquelle prato com^mais
pericia e comel-o com mais appetite ao q
ninguem. , . .
Eis o aue significa badulaque.
Dessa accepção natural passou-se a app
103
o termo aos apreciadores do manjar, por uma
figura mui usada em rhetorica.
E se alguém, ao levantar-se de uma lauta mesa,
repleto a mais não poder, declarar que devorou
c o r n o v r n b a d i t l c c j u e , póde estar certo de que
não erra.
.« cl
E o o n o m s■ #.5i' »it-.-.
Os mens estudos chron logicos não vão ao
ponto de assignalar data precisa ao acto que
deu origem a esta popular economia.
A t istoria do palito não é em si tão impor
tante que tenha minuciosos annaes ou memoras,
em que s ache exarado com tocas as form ah-
dades o dia exacto do nascimento dessa locução,
que emende com elle.
Também não vai nisso grande mal : o aconte
cimento de que derivou-se o proverbio póde
ser apresentado ã romana, a Luiz XY ou â mo
derna ; <ada lucra nem perde com o accessorios.
Foi o caso que um cheíe dt familia, dando um
dia o balanço em sua casa, verificou que des
pendia uma verba fabulosa em comedonas.
Desde que Sócrates affirmou que não vivia
para corner, não veiu mai ao mundo ga^trononio
ou comilão algum que se não inflasse da mesma
vaidade e não quizesse campar de sobrio.
Pelos geitos, foi esse pensamento que deu-lhe
uma guinada no espirito e obrigou-o a pensar
em economias.
O homem reuniu, portanto, a família em con-
selh , e resolveu examinar uma por uma as par-
cellas da conta monstruosa, afim de diminuir
A primeira que cahiu em discussão represen
tava duas garrafas de vinho fim ; mas passar
sem vinho era difficil quando o habito o tinha
elevado a uma necessidade ; era além disso con
tra as leis da hygiene, que o aconselham.
A suppressão era imposs vel.
A diminuição não o era menos; desde que se
104
reconhecia a necessidade do vinho, era ante-eco-
nomico usar de vinho ordinario que até podia
o germen de muitas enfermidades.
Ficou, portanto, incolume aquella verba do
0rÍToutr°.s foram passando por essa prova com
a mesma felicidade ; o serviço era custoso, nao
havia duvida ; mas subsiituil-o era sujeitar-se a
iguarias11mais ordinarias e por isso mesmo noci-
' &No fim^estava a importanda dos palitos :
—Oitenta réis por dia l e1xclam^ uíf J mayam oS
psnantado. E’ um despender sem fim. Vamos
refumir isto ; 40 rs. de palitos hastam muito.
E foi a unica economia que se fez uaquella
enorme conta, depois de maduro e aturado
eXEste facto que se está a repetir diariamente
na Vida domestica e na vida política, era bem
digno de gerar um proverbio que resumisse o
despender sem conta em cousas superfluas e
nrocurar reduzir as cifras insignificantes. _
^ Foi o que aconteceu ; e a nossa locução e a
orma concisa adoptada para taes casos.
Pasquim
Toma-se hoje em màu sentido esta palavra
que designava o espirito popular. .
E o povo que anda ahi a peair direitos políticos
todo o dia, ainda nào protestou contra essa
usurpacào do seu grande direito de satyra
Chamam p a s q u i m â correspondência i sulsa,
ao dito grosseiro e t< rpe ; e, entretanto o pas
quim é em sua historia mmto mais nohre do que
muito figurão que se pavonêa de grandesJ^ ós.
I I S i g n o r P a s q u in o foi em seu temP° u
alfaiate moço e perito que tinha por teguezes os
homens mais importantes de Roma.
Em sua loia, da rua do Parione, talhavam se e
eoziam-se os fatos que iam tornar irresis i
os leões daquelle bom século XV l. f a(i 0
Thesoura afiada, no verdadeiro e no figurado^
Pasquino, em vez de cantar emqua desfiar
ou nas horas de ocio, entretmha-se em desfiar
a vida alheia com os ofíiciaes que emp g ’
que não eram poucos. nndiam
1 Papas, cardeaes, ministros e fidalgas, podiam
ir ali pedir i formações sobre tudo trg
nham feito ou tencionavam faze ,
sabia de tudo e contava quanto sabia. Q
Mas, Pasquino possuía outra <lual'dg d ^ tas.
elevava a ima dos m.rones vu gares a dos ta
tidi sos faladores: tinha espirito para repari
eom tres ou quatro ass<% fu ç a d a s ,
Os epigrammas fin<‘S, as tarpasn g .
formigavam em seus discursos e a admiracao uos
ouvintes as espalhava e o ' foco
A loja do mestre satynco tornou-se o w
IPPP
Si,.-;;
lOO
ft- de quanto appareda de chistoso e delicado era.
n onilit
Os iii1is altos personagens eram os menos pou
pados porque il signor Casquino era como o sol
que illumina mais os montes do que os valles.
As victimas chegavam ao conhecimento do
molejo, mas não faziam muito caso delle.
Primei1,o, porque o auct >r era un povero vü -
•I/' lano, a quem um desforço qualquer viria dar
uma importância que não merecia.
I t'-. •
I, i :.
Segundo, porque reconheciam-lhe espirito e
cada um lhe p°rdoava o que o feria á conta do
que ia ferir aos outros.
E Pasquino ia-se tornando cada vez mais po
pular : afinal não houve em Roma um só epi
gramma de bom quilate que lhe não fosse attn -
ímido. _ . . „„„
Annos depois de sua morte, descobriu-se nas
excavacòes que se fizeram na rua Parione,
mesmo em frente á loja, uma estatua de mar
more mutilada, obra prim., de algum estatuano
antigo, que não se sabe quem fosse.
Emquanto os sábios discutiam longamente se
seria um Ajax, um Hercules, um gladiador ou
Outra C"usa parecida, o povo dava-lhe o nome
de mestre e encostava-a a um palacio vizinho,
que desde então se ficou chamando o palacio
Pasquino.
O immortal alfaiate dormia já o somno eterno :
não podia mais fallar; a estatua faltou por elle :
em suas costas de marmore branco escreviam-se
epigrammas, punham-lhe cartazes a tiracollo, e
Pasquin c ntinuou a ser a chronica commentada
de tudo quanto se passava na cidade.
Quando havia uma festa a que o povo applau-
dia, apparecia o Pasquino vestido a capricho
com letreiros que exprimiam saudações; maS
quando o negocio não lhe agradava, a figura ri-
■*;
107
dicularisava a quem quer que fosse o culpado e
até travava dialogos com outras estatuas.
Diversos papas tiveram de soffrer as suas
observações •
Quando Xisto V elevou sua irman Camilla Pe-
retti de lavadeira a princeza, Pasquino appare-
eeu do roupa suja, e interpellado sobre isso res
pondeu :
— Já nao tenho lavadeira; deram lhe ,uma
coròa. _ . . , .
0 cardeal de Bonna, quando aspirava a cadeira
de S. Pedro, que depois occupou, pôde ler no
mármore, como todos os romanos, este aphorismo
conciso: .
Papa bona sarebbe un solecismo.
Adriano VI quiz pôr termo ás impertinências
que lhe dirigia o Pasquino, mandando-o lançar
ao T ibre: .
_ Santissimo Padre, observou-lhe judiciosa-
mente um dos cardeaes, se Pasquino em terra
fala todas as manhans, atirado ao rio conver-
ter-se-ha em ran e falará dia e noite.
0 conselho foi acceito e a estatua ainda la
existe em Roma, apreciada e admirada, e alvo
de sonetos e saudações dos poetas em todas as
hnguas.^onf^ontem 0 que abi fica dito com as in
sulsas’ correspondências, e digam se nao é um
absurdo jiar a cousas tào ignóbeis o nome pro-
Tepa^quim^ o*wsrdad e iro pasquim, a synthese
do bom senso e espirito do povo, todas as nações
tiveram, e está longe da triste ideia que o fazem
hoje designar. A
Pasquim era aquelle celebre dístico afíixad
em Roma, quando César nomeou senadores a
uns matutos que trouxera pr.sioneiros das
Gallias :
tos
« E se o povo não ensinar aos novos sena
dores o caminho do senado ! »
Pasquins sabia escrever o nosso povo nos
tempos coloniaes, orno pesadelo sos governa
dores tyrannos ou prevan -odores ; a Historia
registrou muitos desses epigrammas friizes. _
Pasquim, e bem digno des^e nome, toi a
sextilha que escreveu em uma esqum. uni sapa
teiro poeta, quando os ministros de le d r o l
faziam-se manequins de sua vout de.
Sentado na minln trtpeça
Metto a sovella nas viras,
E vejo pelos buracos
Este imperio de mentiras
Governado por macacos
Amarrados com embiras.
X & a mào á l b o o a a i n d a s a p o r d ©
a sopa
O cão do Alcibiades
0 Dr Antonio Ferreira França, o ce'ebre
Francinha, depubdo do p imeiro ?einado, cos
tumava atar a «ravah na perna dar-lhe o aço
com todo o esmero, e tiral-a denois assim atada,
enfiando-a pela cabeça até o collarinho.
Aos que o interpellavam sobre essa singula
ridade contou eile um d a:
Alcibiades tinha um âo soberbo, que lne
tinha cu st-ido uma somma fabub sa.
( W d o toda a cidade de Athenas o tinha
admirad de sobra e esgotado as • onver çoe»
sobre o bello animal, Alcibiades cortou-lhe a-
cauda, que era o sen principal orname to.
E as apreciações e commentarios choveram de
todos o-' lados: _ _ v , . nil.
... Cor b r a cauda de nm cao tao lindo 1 C?ue
^Que ideia extravagante! diziam de outra
^A lguns mais curiosos não ?e contiveram que
não f s em inquirir do gener d a causa de tal
proceder, arrando-lhe quanto se dizia ou se
nensava sobre o caso i _
P — , niquanto o» >'heni nses se occuparem
com o meu cão, não se hão occupar da minha
XShtiuísst “•
baixador de FranuL° ° * iraze? ao s-b^rano re-
«ua com missão ou p , q a Lyon fattou-lhe
cados importantes. Ch g . . era natural
que a ^ m : % J > nào era homem
que trouxesse a « ^ " P ^ S ^ u o u ’suores frios
com a p e rsp e c ta de dormir ao relento ou mor-
118
rer â fome, cogitou expedientes, e afinal lançou
mão de um meio heroico.
Foi no meio de taes apmos que os historia
dores apprehenderam-lhe a figura para ser ir de
comparação a todas as da mesma natureza ; o
quarto de hora de R abelais foi esse em que elle
planeou impossiveis para pagar a hospedaria, a
que se recolhera, e presentiu em espirito os
transes das situações futuras.
E o meio heroico de que serviu-se foi este :
mandou annunciar pela cidade que um medico
estrangeiro desejava communiear aos seus con
frades observações extraordinarias que tinha
recolhido.
O auditorio foi numeroso : os galenos da ci
dade e muitos, que o não eram, pejaram a pe-
quema e enfumaçada sala da ho pedaria.
Rabelais disfarçou-se, mudou a voz, vestiu-se
de urn modo exquisito e, depois de ter falado
profundamente sobre medicina e assombrado 03
ouvintes com sua sciencia prodigiosa, recolheu-
se, tommi um ar grave e disse-lhes, apresentando
dous vidrinhos :
— Agora vou communiear-vos o meu segredo:
trago da Italia estes dous vidros de veneno enér
gico e subtil, com que daremos cabo do rei e da
rainha, desses monstros que tanto mal fazem ã
Franca. E' estupenda a acção destas drogas que
aqui tenho...
Os assistentes olharam uns para os outros,
mudos e absortos, e apressaram-se em sahir ; Ra
belais ficou só.
Mas não se tinha ainda passado meia hora,
quando o governador da cidade poz sitio á casa
com boa guarda e prendeu o audacioso faccinora.
A p pulaçâo abalou-se, circulou a noticia
pelas cidades vizinhas, lavrou logo pela França
ioda. E como tractava-se de um delicto de lesa-
n-isrn
y jm
119
magestade, enviaram o preso a Paris para que a
rei o visse e visse a fidelidade solicita dos lyo-
nezes que tinham capturado tal monstro.
Rabelais fez assim a viagem á custa do Estado;
e quando Franc sco I quiz ver o crim noso, de
parou com o seu jovial embaixador, que con
tou-lhe a historia e riu-se corn elle do artificio. * .as
Outros narradores divergem em um dos episó
dios desfa passagem e dizem que, em Ly n, 1U-
belais fizera escrever por um menino dísticos
para os vidr s que trazia : veneno para o rei,
tieneno para a rainha ; e que a criança revelou
o facto, que chegou assim á noticia das auctori-
■(3âd.68
Umas reílexões sobre tudo isto. m
Esta historia do auctor de Pantagruel tem sido
acceita por historiadores de muito boa nota e I
de muito critério, que fazem derivar delia o
n °Ha, entretanto^uma consideração que permitte
a duvida sobre a sua verdade e sobre as suas
pretenções.
Ter-se-hia dado o facto r -j .
Na epocha que lhe assignam, tmha morrido
o delphim, e a França inteira se abalara, por
suspeitar nessa morte um envenenamento.
(? estratagema de Rabelais deveria, pois, ter
Sido recebiifo com odm violento e se a populaça
o noupasse, a auctondade nao se lembraua tai
vez de mandal-o a Paris, como nao era de lei,
nem de uso fazer-se.
F o facto de ser Rabelais o embaixador do rei
& aexl
locutores e ouvintes. " ° , ^ 0 e afém disso
pressão traz ^ ^ t rno3trar o punho fechado em
imeaçTdora pTovocação. Torna-se nesse caso uma
1*2?
raneos da infancia da lingua, davam ao prover
bio outra expressão, e diziam: a torcia e no rabo.
Torcia, como synonimo de embaraço, diüicul-
dade é um substantivo tão antiquado e obso
leto que até tem sido esquecido em muitos dic-
cionarios. , ,
O povo dizia, portanto—a tom a e no rabo.
Mais tarde perdeu-se essa accepção do voca
bulo e começou-se a introduzir na phrase o ver
bo torcer, pôr uma corrupção de linguagem.
Isto embaraçou um pouco os nossos bons cam-
Donios de outr'ora, que procuravam um animai
que mettessem no rifão e a que ligassem o ap
pendice que delle não podia sanir.
E foi assim que ali entrou a porca, preferida
n*0 ^ r. Comprehende' que ha anima» dem ais
nobreza e maior cauda, e que a elles melhor
se applicara o dito.
Por que foi escolhida a porca r . ,
P o í l m , que fui desencalhar esta historia da
poeira solidificada dos séculos passados confesso
ingenuamente que não sei ^ P ° n* * ™ e- 0
Ahi é que verdadeiramente a porca torce o
rabo.
Oonrio so e s o r e v ô Sí h is to r ia I
139
Tout le monde a erié: le r o i ! sur les ehemins ;
On le crie au village et chez tous les voisins ;
Dans votre basse-eour on s’obstine à le croire
E t v o i l à j u s t e m e n t c o m m e o n é c r i t I’h is to ir e .
ct S
na musica e puzera-so ue «"SB ft
atirar flores aos assovios de Marsyas.
^
133
Também chegou-lhe o castigo.
Apollo mimoseou-o com um par de orelhas de
burro.
Vejam que ironia ! Kra mostrar que o ter ore
lhas grandes não induz hom ouvi o musical.
O iton em eimrou, desesperou-se e aíinal, á
forra de muito bater na testa, descobriu que os
cabei los compridos e os rendilliad s da coroa
real podiam encobrir o defeito.
Havia um unica difíicutdade, —o barbeiro.
Midas comprou-'he a peso de ouro o silencio,
ameaçando-o de morte se désse com a lingua
nos dentes.
O mestre calou-se algum tempo ; mas afinal
nfio pòde mais ; o segredo sufibcava-o, estran
gulava-o deveras; abriu uma cova no chão e
lá enterrou-o. • li nasceram mmiços e, quando o
vento soprava, sacudiam-se brandamente, di
zendo a ciciar : Midas tem oivlhas de burro !
Analysemos ocaso:
Este Midas, postos de lado os atavios da lenda,
foi um rei muito ignorante e muito ambicioso,
que poz o povo a trabalhar nas minas, descu
rando inteiramente as artes e a lavoura.
Foi um erro que vingou ainda muitos séculos
depob e que dictou em muitas naçòesc da Europa
leis, prohibindo a sabida do ouro.
Pretendem alguns historiadpres que a rainha,
tendo mais senso do que o marido e querendo
dar-lhe uma lição por apologo, serviu-ihe um
dia um jantar, em que todas as iguarias eram de
ouro rnassiço.
O rei estava com appetite, e nesse dia a fome
foi-lhe boa conselheira; cornprehendeu a mora
lidade da cousa e mandou atirar ao Pactolo o ul
timo ouro, que tinham colhido das minas, dedi
cando-se desde então á agricultura.
Os gregos mais tarde contavam a historia de
133
outro modo e deram-nos a legenda que ficou
ustT*rada
Quanto ás orelhas,era uma ficção de estupidez,
que assentavam de preferencia em Midas, poique
o negocio üo ouro ja era uma pi ova delia.
E foi assim que formou-se essa tradição muito
preci sa para que eu a conte aqui nestas paginas.
4gora, applicando o conto, Midas é em lin
guagem litteraria o parvenu ignorante c piesu-
miíío, carregado de ouro e pensando que do
metal lhe veem todos os dotes.
Desde que a rainha de Salsa mimosoou a Sa
lomão com camellos carregados de ouro, os
•poetas leem clamado em toda a casta de metros,
que são sempre os camellos os que andam cai
relados de melai precioso.
Gente que se agarra ate a um trocadilho pan,
atacar os'outros,' não podia deixar passar des
apercebida essa ficção, que lhes dava um novo
epitheto de uma justeza a calhar; tonou-se o
nome de Mida* e deu-se-lhe a accept;ao figurada,
que ainda tem.
Ora, v K\ sabendo o alcance do provérbio
o a sua origem.
Dê me os emboras por isso.
A essa mesma legenda grega prenue-se a lo-
wicâo-O ndas do Pacldo-c o m quo se designa
uma grande riqueza, uma fortuna, que rola em
ondas, que inunda tudo.
O peior é quells vezes,íi força de aperfeiçoar-se
na Hoitaclo dò rio, a riq u m corre como suas
ondas e foge como ellas para o mar.
Oalpôi?a
£ t íís .ír - “
mais no menos elms ^ si0 °m
‘trsÇ tóSvssrs
como o fatuo da edade h óes^ 5ue fingiam casas
sosP e precipitando nelles os
^ p p ro x im a ç ã o ^ e
cance historico, que nao seaeie v
L iix o u 11 o ja ix ta e m casa de
L u c u llo
,0 : HECA V , V ,i-Jm
• P u í i L i C /■
O Ü£ J Ai4£' ,,o /
sumptuosidade, não se esquecia nunca desse
dito expressivo :
— Lucullo janta em casa de Lucullo.
E o mordomo, por sua parte, nunca mais se
olvidou de que era com todo o luxo que o mais
rico dos romanos devia tractar ao mais magni
fico dos seus convidados.
Nós não somos Lucullos... e muitos o sentem !
Aquella phrase feliz nào a podemos empregar
em seu sentido proprio e energico ; mas, dado
ao gracejo o direito da hyperbole ou da ironia,
dizer como o romano é dizer muito e muito bem.
Y lr a r casaca
Virar casaca ê uma especie de oidium tuckeri
que prendeu-se á politica e viverá emquanto
ella viver. ,
A inconstância humana, que reveste mil tór-
mas, adoptou, na lucta dos partidos, essa que se
refere ao vestuário, e delle tira o symbolo das
^ Também será preciso, para constituir dous
partidos oppostos, mais do que duas cores dit-
?erentes nos casacos dos chefes que os encorpo-
rarem ? O Sr. Dr. Ma edo sustenta espirituosa-
mente esta these em sua - Torre em co n cu r^
Dous especuladores chegam a uma vilia em
aue se chama a concurrencia dos constructores
para levantar-se a torre da egreja ; apresentam-
se cada qual com um plano,uma nacionalidade
e um vestuário de occasião, e logo a populaçao
pacifica do logar se divide em dous grupos, um
aue sustenta o homem da casaca vermelha, ou-
?ro que pugna pela pericia nâo provada do su-
^EV^vantam por bandeiras aquellas peças de
fazenda mal cerzidas, adoptam as duas cores,
cabalam e chegam até a vias fa.ct0, • mnem
k ca.
£ " A S ”»»” ■
*' *“ ““
de tanta monta.
Ovo d.© C olom bo
i
T raz fe n o n o s o liifr e s
▼
N
156
arrisca a tocal-a ; esse não mette mão em com
bin'd.
E a locução que empregamos lembra as espar
relas que se armam continuamente na vida
real e aconselha aos incautos que façam como os
macacos vtlhos e com a experienda" delles, não
toquem nas combucas dos espertalhões.
C a l o a u l i a r d o A e lx ille s
D e s p o d ir -s © á fra n o e z a
•tsisíií^sss *• «»r*~:°
Q uem pode Ir- a D e u s não vai
aos santos
Diz Voltaire que este proverbio veiu á luz na
Hespanha, na terra dos castellos e das guitarras.
A guerra arruinara os lavradores das vizi
nhanças de Burgos e o rei prometteu-lhes uma
compensação.
0 escriptor não diz quem fosse esse rei ge
neroso, que occultou modestamente o nome, e
os historiadores não quizeram ser mais indis
cretos que Voltaire; foi um rei que houve
êutr ora.
Mas... os habitantes dos campos talados pela
guerra dirigiram-se á côrte a-receber do rei a
satislação de seus damnos ; á porta houve um
íi . . araço e os guardas do palacio sé
lhes permittiram a entrada depois que promet-
teram dar-lhes a metade do que recebessem das
maos reaes.
Cardero, um dos lavradores, mal entrou na
saia do throno, prostrou-se aos pés do rei e
disse-lhe: r
~ Senh?r ’ eu PeS° â Vossa Alteza Real (era
nessa épocha o tractamento magestatico) que
mande dar a cada um de nós cem acoutes.
bua Alteza Real ficou admirado”do caso e
inquiriu do motivo :
fiue 08 guardas de Vossa Alteza querem
por força receber a metade do que nos for dado.
dP« V n u "se muit0 > concIue Voltaire, e
aeu a Cardero um rico presente: e vem dahi
^ F o v erb io que é melhor ir a Deus do que aos
1 :Am
>v
"Ó5
1S3
0 santo assim o fez ; segurou de uma ponta
da restea e estendeu a outra extremidade ã sua
mãi, que se apegou a ella e foi subindo, susten
tada pelo filho; quando já estavam perto do
paraizo, veiu ao espirito delia ver a distancia em
que estavam do reino das torturas, e olhou
para baixo
Só entào é que notou que outras almas, que
também expiavam suas culpas no fogo eterno,
tinham-se aproveitado do ensejo e iam agarradas
a s i ; não se desmentiu o seu egoismo terrivel;
e agitando-se e saltando para desvencilhar-se
delias, tanto fez, que partiu-se a frágil corda e o
inferno recobrou a sua preza.
Analysemos a legenda.
Esta tradícção é talvez uma phantasia sem
base do povo, que não a bebeu, por certo, nos
livros do Oriente; a mãi de S. Pedro foi talvez
uma piedosa senhora, que nunca cuidou senão
em ser mãi extremosa para seus filhos, e cuja
entrada no ceu não teria d =do f abalho algum
ao apostolo, visto ter sido anterior á sua eleição
para taes funcções.
Além dessa fa ta de base, as inverosimilhanças
formigam na legenda.
A immutabilidade divina não se compadece
com essa concessão que se attribue a Christo,
fazendo sahir urna alma do inferno ; e quando
fosse isto p íssivel, sahiria purificada e não com
uma dóse de egoismo e crueldade, que rematasse
o caso em tragédia.
Demais, uma ■estea, uma t anca de palha,
seria pouco propria para affrontar fornalhas in-
fernaes sem queimar-se, se é que já então se
vendiam cebolas ern resteas, o que ninguem sabe.
a tradicçâo é, portanto, absurda em todos os
seus pontos ; não obstante, o povo repeh-a.
Repete-a, e faz bem ; lia ndla um sentido
philosophico profundo,que se não deve despresar.
Não desafia grandes gabos que se chame mãi
de S. Pedro aos avarentos e usurários, quando
se ignora o que ella foi. Mas, para conservar-se a
moralidade da historia, ê preciso que se lhe dê
um heróe.
Fica ella nessa qualidade; a calumnia, se
existe, está attenuada com esta explicação.
conta, o jo. oocàto 8o—
^ c re s c e n ta u rn p o o to
Um principe da Italia casou-se.
Já se volver m tantos séculos sobre esta his
toria, que ninguem sabe nem o nome do prín
cipe, nem a epocha em que floresceu.
Foi ha muito tempo ; quando o mundo ainda
estava atraza io e os litteratos pouco tinham dito
sobre a curiosidade e a loquela femems; e taq
pouco, que o principe quiz experimentar por si
e constituir sua esposa guarda de um segredo.
Na noite das núpcias, quando se viu a sos
com ella, tomou um ar mysterioso e disse com
seried^u um grande segredo que devo con-
TD tt.m íxia: o ]P a d r e - os so
'V í £3£»3?IO
m iji
1 m»
D o Oapl tolio á. Fooiia, Tar-
P ^ ia
0 Capitolio era uma das sole collinas de Roma.
As excavações que nelle se fizeram, quando se
fundava apenas a, cidade, deixaram a descoberto
uma cabeça, donde lhe vem o nome ; os augures,
consultados, achavam nesse facto o symbolo de
que Roma seria sempre a cabeça do mundo.
Nesse local levantou-se o templo de Júpiter
Capitolino, protector dos romanos; e, como se
constituía assim o sanctuario principal do povo
guerreiro, era ali que se cor avam or. genera es
vencedores em sua entrada triumphal pelas ruas
da cidade.
O rochedo inabalavel do Capitolio ficou assim
o emblema da estabilidade c grandeza romanas,
e uma figura magestosa e imponente de suas
glorias.
Ao pé alteiava-se a rocha Tarpeia.
Kra um pequeno morro, escarpado, esquecido
e sem nome a principio; mas, quando os samni-
tas pretendiam entrar em Roma, abi encontra
ram a filha de Tarpeu, que promelteu indicar-
lhes a entrada a troco dos braceletes que traziam
nos pulsos esquerdos; accordant) o ajuste, a
virgem traidora encaminhou-os pelo lado da
rocha, de cujo cimo se dominava a cidade.
Os samnitas, não precisando mais do auxilio
de tal guia, atiraram sobre ella os escudos que
traziam enfiados no pulso esquerdo e premiaram
a traição com essa morte horrível.
Nem foi esta a única punição da ambiciosa
Tarpeia ; os romanos, execrando-lhe a memeria,
e, como exemplo, a Iraidores futuros, deram
to s
seu nome ao rochedo e estatuíram que delle se
precipitassem dahi em deante todos os traidores.
Muitos generaes que tinham s;do levados em
triumpho ao Capitolio e ahi coroados, viram-se
dias depois recusados de traição e precipitados
da rocha Tarpeia.
JVo material e no figurado a pedra da igno
minia n o estava longe do templo do triumpho
e da gloria.
Cs te p n-amento já expressado pelos antigos
sobre tantas fôrmas, da inconstância das cousas
humanas, ligou-se a esse mages toso contraste
ma proximidade, de legares tào diversos em seu
destino, e miopíou-sc como provérbio dos mais
sábios e eloquentes essa phrase de Mirahoau:
fio Ca pit-djo a rocha Tarpeia não ha mais
de mu pmm.
N te g íiO B í d j g a : c ie s
n ã o " b o l d e r 6© !
/ 1
JPeloizr'Iiilio
« = s z . . n í -
1)17 P olnto Curcio: Apud Jiaclryanos rvlan
usurpabant canemtimidum intrare
quam mordere. u.uaic
l: «w para que servo a historia.
Oova do C n o o