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FACULDADE DE DIREITO
FORTALEZA
2015
BEATRIZ MACHADO BEZERRA
FORTALEZA
2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca da Faculdade de Direito
CDD 343.9
BEATRIZ MACHADO BEZERRA
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Me. William Paiva Marques Júnior (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Profª. Ma. Fernanda Cláudia Araújo da Silva
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Profª. Ma. Camilla Araújo Colares de Freitas
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Aos meus pais, Gilca e Rivardo, pela
compreensão e amor diários.
À minha irmã, pelo exemplo de dedicação e
pelo apoio incondicional.
AGRADECIMENTOS
The corruption phenomenon is rooted in the Brazilian society, occurring during its entire
history, but it has been receiving special attention, including international organizations, in the
last years. In face of grand public resources deviation schemes, like the "Mensalão" and
"Lava Jato", countries are converging efforts and adopting several measures to combat
effectively this practice that undermines the democratic state of law, for example to
procedural institute known as plea bargaining, a criminal awarded tipoff. As a way of
gathering evidence that it is, it enables access to privileged information offered by the
criminals themselves, helping investigations and providing the dismantling of criminal
organizations. Therefore, the present work aims to analyze the importance of Plea Bargaining
to fight political corruption, examining your procedural aspects and the several corruption
cases in Brazil, especially those that the institute was used.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12
2 DELAÇÃO PREMIADA: DELIMITAÇÃO CONCEITUAL, NATUREZA
JURÍDICA E ASPECTOS PROCESSUAIS .................................................... 14
2.1 Delimitação conceitual e natureza jurídica …................................................. 15
2.2 Aspectos processuais …..................................................................................... 17
2.2.1 Lei nº 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos …................................................ 18
2.2.2 Lei nº 9.034/95 – Lei de Combate ao Crime Organizado …............................. 19
2.2.3 Lei nº 9.080/95 .................................................................................................... 20
2.2.4 Lei nº 9.613/98 – Lei de Lavagem de Dinheiro …............................................. 20
2.2.5 Lei nº 9.807/99 – Lei de Proteção a Vítimas e a Testemunhas .......................... 22
2.2.6 Lei nº 11.343/06 – Lei de Drogas ….................................................................... 23
2.2.7 Lei nº 12.850/13 – Organização Criminosa ….................................................... 25
2.2.7.1 Características Gerais da Colaboração Premiada .............................................. 26
2.2.7.2 Procedimento ….................................................................................................... 30
3 A QUESTÃO DO COMBATE À CORRUPÇÃO POLÍTICA NO BRASIL 34
3.1 Delimitação conceitual de corrupção ................................................................ 35
3.2 História da corrupção no Brasil ….................................................................... 36
3.2.1 A corrupção durante o período colonial e o monárquico ….............................. 37
3.2.2 República Velha ................................................................................................... 38
3.2.3 Ditadura Militar …............................................................................................... 39
3.2.4 Nova República …................................................................................................ 41
3.3 Os mecanismos de combate à corrupção no Brasil …..................................... 44
3.3.1 Legislação Anticorrupção …............................................................................... 46
3.3.2 Criação e fortalecimento de órgãos investigativos e fiscalizadores …............... 48
3.3.2.1 Controladoria Geral da União …......................................................................... 49
3.3.2.2 Tribunal de Contas da União …........................................................................... 50
3.3.2.3 Departamento da Polícia Federal ….................................................................... 51
3.3.2.4 Conselho de Controle das Atividades Financeiras ….......................................... 52
3.3.2.5 Ministério Público …............................................................................................ 53
3.3.3 Convenções Internacionais …............................................................................. 55
4 A DELAÇÃO PREMIADA COMO MECANISMO DE COMBATE À
59
CORRUPÇÃO POLÍTICA …...........................................................................
4.1 A importância da delação premiada …............................................................. 59
4.2 Casos de aplicação do instituto …...................................................................... 64
4.2.1 Mensalão ….......................................................................................................... 65
4.2.1.1 A origem e o funcionamento do Mensalão ........................................................... 65
4.2.1.2 A delação premiada no Mensalão ........................................................................ 68
4.2.2 Petrolão (Lava Jato) ............................................................................................ 70
4.2.2.1 A origem e o funcionamento da Lava Jato ........................................................... 71
4.2.2.2 A delação premiada na Lava Jato ........................................................................ 73
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 80
REFERÊNCIAS ................................................................................................. 85
12
1. INTRODUÇÃO
propostas para sanar sua ineficácia e a consequente impunidade que alastra o país, os
criminosos estão quebrando a lei do silêncio que reinava entre os membros das organizações,
e o país passa a ser palco de uma verdadeira luta contra à corrupção.
O presente estudo buscará examinar de que maneira o instituto pode influenciar
no real combate à corrupção através de uma análise descritiva, que será desenvolvida através
de pesquisa bibliográfica, principalmente por meio de livros, revistas, publicações
especializadas, artigos científicos e dados oficiais publicados na internet, abordando
diferentes pontos de vista sobre variados aspectos relacionados ao tema.
Essa análise se mostra importante porque o instituto está sendo largamente
utilizado pelos órgãos públicos, levantando diversas dúvidas e controvérsias a respeito de sua
constitucionalidade e dos custos e benefícios trazidos ao réu e à sociedade.
Assim, no primeiro capítulo, serão analisados os diversos aspectos desse instituto
processual, delimitando seu conceito e sua natureza jurídica, buscando demonstrar diversos
posicionamentos doutrinários acerca de sua validade e necessidade, bem como prosseguindo
com uma análise dos vários dispositivos normativos que o preveem, dando enfoque à Lei nº
12.850/2013, a qual dispõe mais detalhadamente a respeito do instituto e de seus aspectos
processuais.
Nessa conjuntura, abordar-se-á, no segundo capítulo, a problemática da corrupção
política no Brasil, que ocorre desde os primórdios, dando-se exemplos de casos reais,
utilizando-se de dados oficiais publicados na internet, revistas, publicações especializadas,
pareceres jurídicos, dentre outras fontes, e demonstrando sua intensificação, bem como o
consequente aperfeiçoamento dos procedimentos de combate à esta prática, com a criação de
leis, órgãos, institutos processuais e convenções internacionais como medidas anticorrupção.
Por fim, no terceiro capítulo, será destacado de que forma a delação premiada vem
influenciando no combate a um dos maiores males da sociedade, em como os próprios
criminosos podem cooperar com o Estado para garantir a ordem pública e a aplicação da lei
penal, voltando-se para uma análise dos principais esquemas de corrupção que foram
desmantelados por meio de sua aplicação.
Para atingir os objetivos destacados, será realizada uma pesquisa exploratória
bibliográfica, legislativa e jurisprudencial, de modo a definir o posicionamento do Supremo
Tribunal Federal acerca da temática aqui proposta, vez que há bastantes decisões recentes
versando sobre delações premiadas em casos de corrupção política.
14
... nada disso vai de encontro a qualquer conceito de ética. A menos, é claro, que se
passe à ideia de que a ética há de ser determinada pelo grau de lealdade entre
partícipes de determinado empreendimento. Mas, aí, afastado de qualquer
vinculação à moralidade, referido conceito não servirá para mais nada.
Ademais, Brito, Fabretti e Lima (2014, p. 204), sustentam que a delação pode
ocorrer pelos mais diversos motivos, inclusive de alto valor moral, como o arrependimento do
réu, o interesse em reparar os malefícios causados ou o reconhecimento da necessidade de
obediência às leis.
Há críticas severas, também, quanto à possibilidade de lesão ao princípio da
proporcionalidade da aplicação da pena, pois acusados que cometeram os mesmos crimes, nas
mesmas condições teriam penas diferentes. Porém, segundo Nucci (2008, p. 434), não há
violação de tal princípio posto que a proporcionalidade tem como base a culpabilidade do
acusado e este, ao delatar seus companheiros e confessar o crime, revela um grau de
culpabilidade menor que a dos demais, recebendo, portanto, menor pena.
15
... delação premiada, isto é, a denúncia que tem como objeto narrar às autoridades o
cometimento do delito e, quando existente, os coautores e partícipes, com ou sem
resultado concreto, conforme o caso, recebendo, em troca, do Estado, um benefício
qualquer, consistente em diminuição de pena ou, até mesmo, em perdão judicial.
A primeira delas foi a Lei de Crimes Hediondos – Lei nº 8.072/90 que trouxe duas
hipóteses de delação. Em meio à intensa onda de sequestros vivenciados pela sociedade à
época, tal lei trouxe a primeira hipótese em seu artigo 7º que deu nova redação ao §4º do
artigo 159 do Código Penal, o qual traz a possibilidade de redução de pena de um a dois
terços para o coautor que denunciar o crime de extorsão mediante sequestro cometido em
quadrilha ou bando, facilitando a libertação do sequestrado. Verifica-se, portanto, que o
objetivo principal não é a obtenção de provas contra os criminosos, mas, sim, salvar a vítima
sequestrada.
Em 1996, a Lei nº 9.269 alterou esse parágrafo novamente, sendo a redação atual:
“Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando
a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”. Tal alteração tornou
o dispositivo mais abrangente, pois “na antiga redação era utilizada a palavra “coautor” e
exigia que o crime fosse cometido por ‘quadrilha ou bando’; agora é suficiente que o crime de
‘extorsão mediante sequestro’ seja praticado em concurso de pessoas, beneficiando o coautor
e partícipe.” (MONTEIRO, 2010, p.220). Alguns doutrinadores, como Bitencourt (2013, p.
349), acreditam que a delação premiada começou a se proliferar após essa modificação de
1996.
A segunda hipótese encontra-se no parágrafo único de seu artigo 8º, o qual dispõe
que haverá a redução de um a dois terços de pena para o participante e o associado de bando
ou quadrilha que denunciá-la, possibilitando seu desmantelamento.
Vê-se, novamente, a exigência de que o crime seja praticado por “quadrilha ou
bando”. Embora a expressão tenha sido alterada para “associação criminosa” pela Lei nº
12.850/13, o que se pretendeu foi aplicá-lo aos casos do artigo 288 do Código Penal, e
continua a ser aplicado desta forma (MENDRONI, 2015, p. 170).
A utilização da expressão “participante e associado”, nos leva à uma distinção de
agentes. Para Monteiro (2010, p. 222), o associado seria aquele que, além do crime de
quadrilha, comete outro crime, respondendo e sendo beneficiado pela redução de pena em
ambos os crimes. Já o participante seria o terceiro que, de alguma forma, concorreu para a
prática do crime cometido pela quadrilha, respondendo e sendo beneficiado pela redução
apenas neste.
Percebe-se que nas duas hipóteses de delação trazidas na referida lei exige-se a
eventual eficácia da informação prestada, pois a primeira tem como requisito para aplicação
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Art. 1º, §5º: A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em
regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva
de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as
autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações
penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do
crime.
Como se nota, a lei em referência traz pontos ainda não discutidos nas previsões
anteriores, tratando de aspectos processuais, como o regime de cumprimento de pena, e
trazendo novos benefícios, bem como novos beneficiários da delação. Estabelece que, caso o
juiz não conceda o perdão judicial ou substitua a pena privativa de liberdade por pena
restritiva de direitos, novas opções de prêmio extremamente brandas e atrativas ao delator, a
pena será reduzida de um a dois terços, devendo ser cumprida em regime aberto ou
semiaberto.
Traz, ainda, mais resultados possíveis dos esclarecimentos prestados, quais sejam:
a revelação do crime, a identificação dos autores, coautores ou partícipes ou a localização dos
bens, direitos ou valores objetos da lavagem, havendo qualquer um dos resultados já se fala
em eficácia da contribuição, aplicando-se, portanto, algum dos benefícios na medida do
merecimento do delator. No entanto, como afirma Mendroni (2015, p. 145), haverá grande
dificuldade em dissociar os efeitos “autoria” da “localização de bens, direitos, ou valores
objetos do crime”, haja vista os bens estarem sempre ligados à pessoas físicas e/ou jurídicas e
sua indicação levar, quase que inevitavelmente, ao seu proprietário.
Ademais, não se exige que o crime tenha sido praticado em coautoria, quadrilha
ou organização criminosa, podendo o autor único ser beneficiário da delação. (TÁVORA,
ALENCAR, 2012, p. 437).
Atualmente, após a edição da Lei nº 12.683/12, o referido parágrafo encontra-se
com a seguinte redação:
Art. 1º, §5º: A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em
regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-
la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe
colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que
conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e
partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão
judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário,
tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo
criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
seja primário e que sua colaboração dê ensejo a um dos resultados previstos (identificação dos
demais coautores ou partícipes; localização da vítima com integridade física preservada; ou
recuperação total ou parcial do produto do crime), não sendo necessária a ocorrência de mais
de um deles para a aplicação do instituto (TÁVORA, ALENCAR, 2012, p. 436).
No mesmo sentido Oliveira (2014, p. 444), “não será necessária a concorrência
simultânea de todos os objetivos declinados, até porque, em determinados crimes, isso nem
sequer será possível.”
Além dessas condições, exige-se também, no parágrafo único, que sejam
consideradas a personalidade do possível beneficiário do perdão judicial, bem como a
natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do delito.
Já no artigo 14 está previsto o prêmio mais comum e menos favorável ao acusado,
qual seja o da redução de pena de um a dois terços. Exige-se, novamente, apenas o elemento
da voluntariedade, mas não se requer a primariedade nem a ocorrência de um dos resultados
anteriormente citados, bastando que haja a colaboração.
Dessa forma, o delator que não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 13,
bem dizer primariedade, boa personalidade e certos aspectos do crime que serão analisados ou
a obtenção do resultado, poderá se encaixar na norma ora analisada, considerada norma
residual (CAPEZ, 2014, p. 151).
Lei poderá variar, visto que apenas em algumas das condutas previstas, como preparar,
produzir e fabricar, a própria droga será o resultado da atividade criminosa. Na maioria das
vezes, a substância droga é apenas o objeto material do crime, que Jesus (2012, p. 221)
conceitua como “a pessoa ou coisa sobre que recai a conduta do sujeito ativo”. Na conduta
“vender”, por exemplo, o produto do crime será o valor obtido com a venda e a droga será
objeto material.
Dessa forma, não obstante a utilização da expressão “produto do crime” pelo
legislador, deve-se entender que o benefício da diminuição de pena deverá ser aplicado tanto
quando o colaborador ajudar na localização da droga quanto do dinheiro advindo da
comercialização da substância (este, geralmente, o real produto do crime de tráfico)
(MENDONÇA, CARVALHO, 2012, p. 191).
Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir
em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de
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inciso I ao V, não sendo necessário o alcance de mais de um deles, como claramente dispõe o
texto) para que seja aplicado o instituto.
Além desses dois requisitos, percebe-se que, no parágrafo primeiro deste artigo 4º,
o legislador afirma que as circunstâncias objetivas e subjetivas do fato criminoso (como
personalidade do colaborador, natureza, gravidade e repercussão social do crime) devem ser
consideradas para efeitos de aplicação ou não do instituto e consequente concessão de
benefícios.
Atenta-se, portanto, para o fato de que a realização do acordo de colaboração não
se trata de direito subjetivo do investigado/imputado/condenado. O Ministério Público e o
Delegado de Polícia devem verificar a real necessidade da colaboração para a investigação e
para a persecução penal no caso concreto, não deixando de levar em consideração a
reprovabilidade da conduta criminosa, sua repercussão social e gravidade. Sendo assim,
sempre ficará a critério do Poder Judiciário a aplicação ou não do instituto.
No entanto, como afirma Oliveira (2014, p. 837), a partir do momento que a
contribuição for eficaz e produzir os resultados exigidos pelo legislador, poderá gerar as
consequências legais previstas no artigo 4º, caput, quais sejam, os benefícios, que, aí sim,
serão direitos subjetivos do colaborador.
Conclui-se, portanto, que a aplicação do instituto da colaboração premiada e o
benefício a ser concedido sempre dependerão da necessidade e eficácia das informações
prestadas, pois há de ser respeitado o Princípio da Proporcionalidade. Em vista disso, o
legislador editou o §2º do artigo 4º, possibilitando que, após a análise da relevância da
colaboração, vendo que foi maior que verificada no início, o Ministério Público e o delegado
de polícia poderão requerer melhor benefício (perdão judicial), ainda que não previsto na
proposta inicial:
representante do Estado a ter contato com a infração penal e com o criminoso, tendo mais
proximidade e podendo agir prontamente para evitar novos crimes e desarticular a
organização criminosa.
2.2.7.2 Procedimento
acesso aos autos, sendo permitido ao defensor, após autorização judicial, acesso aos
elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa (art. 7º, §2º).
Após distribuído o pedido de homologação, as informações pormenorizadas serão
enviadas ao juiz do caso que disporá de um prazo de 48 horas para decidir a respeito da
homologação ou não do acordo (artigo 7º, §1º). Para tanto, serão analisados apenas os
aspectos formais do acordo, como a regularidade, a legalidade e a voluntariedade, podendo o
juiz, sigilosamente, ouvir o colaborador acompanhado de seu defensor.
Conforme §8º do artigo 4º, as decisões possíveis são a homologação, a recusa
desta, ou a adequação da proposta ao caso concreto. Decidindo pela homologação, será
proferida uma decisão interlocutória, que não produz efeito de coisa julgada nem garante a
concessão de benefício, tendo por finalidade apenas qualificar o investigado como
colaborador, ensejando as medidas relativas a essa situação, como as do artigo 5º, que dispõe
sobre os direitos do colaborador (por exemplo: usufruir de medidas de proteção dispostas na
Lei de Proteção à Vítimas e Testemunhas, ter sua identidade preservada, cumprir pena em
local diverso dos demais corréus ou condenados, dentre outras) (GRECO FILHO, 2013, p.
41).
Se decidir por não homologar, deverá remetê-lo ao Procurador-Geral de Justiça,
por previsão do §2º do artigo 4º. Já a adequação do acordo deve se dar apenas no que diz
respeito aos pressupostos e requisitos legais, diante do possível comprometimento da
imparcialidade do juiz ao imiscuir-se em questão de mérito, podendo apenas, por exemplo,
excluir alguma cláusula inconstitucional (como a que abdica da impetração de habeas corpus)
(Silva, 2015, p. 67).
Caso o acordo seja homologado, o colaborador poderá ser ouvido pelo Ministério
Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações, desde que acompanhado
de seu defensor, conforme artigo 4º, §9º. Ou seja, é a partir da homologação que o
colaborador começará a contribuir, efetivamente, com a persecução penal, procurando
concretizar alguns dos resultados previstos na lei.
Contudo, ao prestar seus depoimentos, deverá, na presença de seu defensor,
renunciar ao direito ao silêncio e submeter-se ao compromisso legal de dizer a verdade,
estando sujeito às penas do crime de falso testemunho, de denunciação caluniosa ou do crime
previsto no artigo 19 dessa lei, dependendo do conteúdo de suas declarações (GRECO
FILHO, 2013, p. 43).
Além disso, o fato de a homologação da proposta não produzir coisa julgada resta
clara quando da leitura do §10 do artigo 4º, o qual traz a possibilidade de retratação das
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partes, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas com a colaboração não poderão
ser utilizadas contra o colaborador, exclusivamente, podendo ser utilizadas contra terceiros.
Assim, se o Ministério Público ou o investigado não se satisfizerem com os
termos do acordo, após os atos de colaboração (que serão gravados ou salvos por outras
técnicas modernas para assegurar fidelidade das informações, §13), poderão desfazê-lo.
Importante ressaltar que “retratação não se confunde com revogação, que poderá ocorrer
quando houver quebra de uma das cláusulas do acordo, como a falta da prometida efetividade
na apuração dos fatos ou a delação parcial em juízo.” (SILVA, 2015, p. 68)
Finalmente, chega-se à fase da sentença, onde o mérito e a eficácia do acordo
serão examinados pelo juiz do caso, conforme §11 do artigo 4º. O magistrado deverá analisar
o comportamento do colaborador após o acordo e sua homologação, se realmente contribuiu
para a obtenção dos resultados desejados, pois apenas se a colaboração for exitosa e
possibilitar a coleta de provas idôneas é que se produzirá efeitos jurídicos em favor do delator.
Assim, “caso a colaboração seja efetiva e produza os resultados almejados, há que se
reconhecer o direito subjetivo do colaborador à aplicação das sanções premiais estabelecidas
no acordo, inclusive de natureza patrimonial.”, conforme afirma o Ministro Dias Toffoli em
seu voto no julgamento do HC 127483 / PR no dia 26.08.2015 (p. 59). E prossegue:
algum corréu a acusar outro e, também, porque não havia o dever de dizer a verdade antes da
Lei nº 12.850/13.
Além de estar expressamente disposto no artigo 3º da Lei nº 12.850/13, o Ministro
Dias Toffoli, no já mencionado voto, afirma que a delação não é meio de prova, mas fonte de
obtenção de prova, pois enquanto os meios de prova se prestam diretamente ao
convencimento do julgador, os meios de obtenção de provas servem apenas indiretamente,
sendo instrumentos para a colheita de provas, estas sim, aptas a convencer o julgador.
Sendo assim, o acordo de colaboração é meio de obtenção de prova e os
depoimentos propriamente ditos do colaborador são meios de prova, que se mostrarão hábeis
à formação do convencimento judicial apenas se corroborados por outros meios idôneos de
prova (HC 127483 / PR, Relator: Ministro Dias Toffoli, Data do julgamento: 26.08.2015).
34
Conforme dispõe o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (2010,
p. 2): “A corrupção é um fenômeno social, político e econômico complexo que repercute em
toda a sociedade”, está presente em todos os Países, durante toda a história da humanidade.
No que diz respeito ao Brasil, a corrupção está enraizada na sociedade, ocorrendo
desde a colonização portuguesa, e deve ser analisada de acordo com as normas vigentes e os
padrões sociais a serem seguidos.
Segundo Keith Rosenn (1998, p. 26), o sistema colonial português baseava-se
essencialmente no patronato, o qual consiste em um soberano determinar todas as decisões
políticas e administrativas, pessoalmente ou por meio de assistentes, aos quais eram
concedidos direitos especiais ou privilégios para obedecerem as ordens reais.
Sendo assim, os administradores estavam ligados ao soberano por razões de
gratidão, de lealdade pessoal ou de lucros, e não pela consciência de dever oficial, tornando
suas ações duvidosas quanto à honestidade e ao atendimento do interesse público (ROSENN,
1998, p. 27).
À essa época, não se fazia distinção entre o patrimônio público e o privado. Como
afirma Emerson Garcia (2014, p. 48): tinha-se “...a concepção de que a coisa pública é coisa
de ninguém e que sua única utilidade é satisfazer aos interesses da classe que ascendeu ao
poder”. Os cidadãos não podiam exigir a prestação de serviços públicos, por exemplo,
buscavam apenas “favores” do governo, que seriam concedidos em troca de benefícios.
A consciência de que o “Administrador do Estado” não é dono do patrimônio que
administra, cabendo-lhe apenas praticar atos de gestão que beneficiam o povo, foi sendo
desenvolvida com o passar das décadas e com a mudança das formas de governo (da
Monarquia à República), consequentemente mais democráticas (EMERSON GARCIA, 2014,
p. 47).
Sendo assim, a corrupção punível variará com o passar dos anos, pois práticas
antigamente consideradas legais, ou melhor, toleradas ou tidas como inevitáveis, hoje, apesar
de corriqueiras, não são mais aceitas pelo ordenamento jurídico e pela sociedade. O que não
quer dizer, obviamente, que as práticas corruptas deixaram de ocorrer.
35
o qual delimita em seus artigos práticas como suborno de funcionários públicos nacionais,
tráfico de influências, enriquecimento ilícito, dentre outras.
A Convenção Interamericana contra a Corrupção também resta silente quanto à
conceituação do vocábulo em referência, limitando-se à enumerar e definir atos de corrupção
aos quais a Convenção seria aplicável.
Como se vê, não há como delimitar um conceito de corrupção, nem ao menos
elencar um rol que englobe todas as práticas corruptas, pois, além do termo abranger uma
infinidade de possibilidades, os atos de corrupção estão se renovando e se tornando cada vez
mais complexos.
O Ministério Público Federal, em seu Portal de Combate à Corrupção (2015,
online), apresenta os seguintes tipos de corrupção: inserção de dados falsos em sistemas de
informações; crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores; improbidade
administrativa; prevaricação; violação do sigilo funcional; corrupção ativa; corrupção passiva;
facilitação de contrabando ou descaminho; emprego irregular de verbas ou rendas públicas;
peculato; modificação ou alteração não autorizada de sistema de informação; corrupção ativa
em transação comercial internacional; tráfico de influência; advocacia administrativa; crimes
da lei de licitações; corrupção eleitoral; concussão; e condescendência criminosa. Estão
presentes, geralmente, vários desses tipos penais em cada esquema de corrupção descoberto
no Brasil.
Desde então, diversas ações de indenização propostas pelos investidores contra o Banco
Central tramitam na justiça.
Em relação ao caso Coroa-Brastel, o Supremo Tribunal Federal, recentemente,
prolatou decisão favorável à uma corretora, no julgamento do Recurso Extraordinário
666589/DF, dia 25.03.2014, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, por acreditar que o
Banco Central foi omisso quanto à fiscalização.
A ditadura militar se estendeu até 1985, quando, com o Movimento das Diretas
Já, deu lugar à democracia novamente. A Nova República iniciou-se, mas a corrupção
continuou a permear a história da política brasileira.
Nos anos 2000, mais e mais escândalos vêm à tona. Em 2005, aconteceu a CPI
dos Correios, dando ensejo a um escândalo ainda maior, chamado pela mídia de Mensalão.
Neste ano, o diretor do Departamento de Contratação e Administração de Material da
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Maurício Marinho, foi filmado ao receber
propina e explicar um complexo esquema para fraudar licitações, que teria como chefe o
então deputado federal pelo Rio de Janeiro e presidente do Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB), Roberto Jefferson.
Após a publicação do vídeo, o ex-deputado se viu isolado, sem apoio, e
resolveu denunciar um sistema de compra de votos de parlamentares, deflagrado no
primeiro mandato do governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT - Partido dos
Trabalhadores), o Mensalão.
O referido esquema tratava do pagamento mensal de cerca de 30 mil reais por
integrantes do governo federal a parlamentares em troca de votos favoráveis aos
Projetos de Lei apresentados ao Congresso Nacional. Roberto afirmou ainda que José
Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil, liderava o esquema e quem distribuía os
recursos era Delúbio Soares, tesoureiro do PT.
A CPI culminou na cassação do mandato de alguns envolvidos, como José
Dirceu, Roberto Jefferson e Pedro Corrêa, bem como na condenação à prisão pelo
Supremo Tribunal Federal, a citar-se o empresário Marcos Valério, Delúbio Soares, João
Paulo Cunha, além dos outros três já mencionados.
Em 2006, mais um esquema de corrupção foi deflagrado pela Polícia Federal,
a Máfia dos Sanguessugas (ou da Ambulância). As investigações revelaram que o
esquema existia desde o ano de 2001 e consistia em licitações fraudulentas na área da
saúde para a compra de ambulâncias superfaturadas.
De acordo com a PF, os assessores de parlamentares recebiam propinas para a
liberação de emendas ao Orçamento da União para que os recursos fossem destinadas aos
municípios. Assim, valendo-se de empresas ligadas à Planam (que pagava as propinas), os
integrantes do esquema manipulavam as licitações e fraudavam a concorrência, forjando a
compra de ambulâncias com um valor cerca de 120% maior que o de mercado (MUSEU DA
CORRUPÇÃO, 2015, online).
Na operação foram presos assessores de deputados, deputados como Ronivon
Santiago e Carlos Rodrigues, funcionários da Planam (empresa acusada de montar o
esquema), servidores públicos e a ex-assessora do Ministério da Saúde Maria da Penha Lino.
44
Por fim, o Caso Petrolão, que recebeu esse nome por envolver a maior estatal do
País, a Petrobrás. Descoberto em 2009, ainda está sendo investigado por meio da Operação
Lava Jato que, segundo o Ministério Público, é a maior investigação de corrupção e lavagem
de dinheiro que o Brasil já teve. Além da expressão política e econômica dos envolvidos,
estima-se que os valores desviados atingem bilhões de reais.
O esquema foi descoberto através da investigação de crimes de lavagem de
dinheiro no Paraná, que envolviam o ex-deputado federal José Janene e os doleiros Alberto
Youssef e Carlos Habib Chater. Com isso, o Ministério Público Federal colheu provas do
grandioso esquema que envolve a Petrobrás.
Como explica o Ministério Público, em seu Portal de Combate à Corrupção (2015,
online):
Nesse esquema, que dura pelo menos dez anos, grandes empreiteiras organizadas em
cartel pagavam propina para altos executivos da estatal e outros agentes públicos. O
valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários
superfaturados. Esse suborno era distribuído por meio de operadores financeiros do
esquema, incluindo doleiros investigados na primeira etapa.
Sendo assim, o referido autor (p. 49) afirma que o combate à corrupção pode se
dar de duas formas, a repressiva e a preventiva:
direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais,
direta ou indiretamente.
É importante ressaltar que as punições previstas nessa Lei são de natureza cível,
não prejudicando as sanções de natureza penal, ao responder por crimes contra a
administração pública, e administrativa, em um processo interno do órgão ao qual pertence.
A Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), ao regulamentar a forma de contratação de
obras, serviços e transações comerciais no âmbito do Poder Público, visa limitar a
discricionariedade dos agente públicos nesses casos, obstando possíveis preferências e
prejuízos ao erário através do superfaturamento.
Por envolver grandes valores, muitos esquemas de corrupção se iniciam através
das licitações, o que torna esta lei essencial, pois descreve minuciosamente o procedimento a
ser seguido, bem como criminaliza e estabelece punições a certas práticas, como dispensa de
licitação fora das hipóteses previstas na lei, ou fraudar, mediante combinação ou ajustes, o
caráter competitivo dos procedimentos licitatórios, dentre outras.
A corrupção está intimamente ligada, também, ao crime de lavagem de dinheiro
que consiste em “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de infração penal”, conforme artigo 1º da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº
9.613/98, alterada pela Lei nº 12.683/12).
A lei em referência institui o Conselho de Controle de Atividades Financeiras -
COAF, competente por identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas e aplicar
penas administrativas (artigo 14), e que, ao agir juntamente com outras instituições, ajuda no
combate à corrupção; além de prever punições rigorosas para os crimes de lavagem de
dinheiro e o instituto da delação premiada, que contribui diretamente na investigação desses
crimes.
A Lei Complementar de Transparência (Lei nº 131/09) e a Lei de Acesso à
Informação (Lei nº 12.527/11) são consideradas marcos legais no combate à corrupção, pois
asseguram o acesso às informações referentes ao poder público, principalmente, no que diz
respeito às atividades financeiras dos entes da federação, permitindo um maior controle social
dos agentes públicos.
Estas leis definem procedimentos para os pedidos de acesso à informação e
determinam que as informações de interesse coletivo sejam divulgadas, principalmente
através da Internet, “disponibilizando, em tempo real, informações pormenorizadas sobre a
48
Foi instituída também uma política de fiscalização por sorteios públicos, ou seja,
os municípios ou estados a serem fiscalizados quanto à utilização dos recursos públicos serão
definidos por meio de sorteio. Então, auditores são enviados para examinar contas e
documentos, além das obras e serviços propriamente ditos, realizando contato com a
população, e acabando por influenciar a participação dos mesmos no controle dos recursos.
Com o fim de evitar as práticas corruptas por meio de qualquer agente da
administração pública, vem ocorrendo desde o ano de 2003 e até 2014, segundo a página
oficial da CGU (2015, online), e já fiscalizou a aplicação de 29,2 bilhões de reais do dinheiro
público em estados e municípios. Os relatórios da fiscalização são enviados aos órgãos de
defesa do Estado para que tomem as devidas providências.
Além desses, diversos outros programas são lançados pela CGU com o fim de
melhor fiscalizar e incentivar a participação da população no controle dos recursos públicos,
como o Programa Olho Vivo para conscientização política e incentivo à participação do
cidadão; o Portal da Transparência, pelo qual o cidadão pode acompanhar a aplicação dos
recursos públicos federais, contendo dados sobre os gastos realizados por todos os entes da
federação; o Portal da ouvidoria pelo qual pode fazer denúncias, bem como reclamações e
sugestões, facilitando e aproximando a população dos órgãos; dentre outros.
determinando suas correções; dentre muitas outras conferidas pela Lei de Responsabilidade
Fiscal, pela Lei de Licitações e Contratos e, anualmente, pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Ademais, o Tribunal de Contas da União exerce funções de ouvidoria, como
instrumento de fortalecimento da cidadania, recebendo denúncias a respeito das
irregularidades ou ilegalidades. É adepto, também, da cultura da Transparência, publicando o
cadastro de responsáveis por contas julgadas irregulares, os relatórios das fiscalizações, etc.
Torna-se evidente, portanto, a necessidade da atuação do órgão em referência no
combate ao crime de corrupção, pois, por ser um órgão externo de controle das contas é,
supostamente, mais autônomo, mais imparcial, independente do Poder Executivo, tornando o
controle mais eficaz e que, além de fiscalizar, promove ações de responsabilização daqueles
que causaram prejuízo ao erário.
O órgão tem como atribuição apurar infrações penais contra a ordem política e social
ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades
autárquicas e empresas públicas. Também atua nas infrações cuja prática tenha
repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme.
identificando um prejuízo ao erário de 37 milhões de reais. Nos anos de 2010, 2011 e 2012 a
quantidade foi maior, contando com 24 à 25 operações por ano (dados retirados da página da
Controladoria Geral da União).
Mas, segundo o Presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia
Federal, Marcos Leôncio Ribeiro (2015), apesar dos inegáveis avanços, como a Lei nº
12.830/2013 que amplia autonomia investigativa do Delegado de Polícia, ainda é necessário
instituir um modelo administrativo que garanta maior autonomia à Polícia Federal no combate
à corrupção, livre de interferências políticas de qualquer tipo.
Sendo assim, a Associação apresenta uma série de propostas para melhorar a
atuação da instituição, como:
A corrupção não é um problema enfrentado apenas pelo Brasil, mas por todos os
países do mundo. Além disso, os casos de corrupção tomam proporções extraterritoriais, ao
prejudicar as relações exteriores ou ao envolver outros países no esquema, como quando os
56
corruptos se valem de países conhecidos como “paraísos fiscais” para cometer o crime de
lavagem de dinheiro, por exemplo.
Preocupados com os prejuízos trazidos pela corrupção e convencidos de que esta
deixou de ser um problema local para converter-se em um fenômeno transnacional, que afeta
todas as sociedades, os países se mobilizaram para o combate à corrupção, criando
instrumentos internacionais com o fim de promover a cooperação internacional e tomar as
devidas providências contra essa prática (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2010,
p. 1).
As convenções internacionais ratificadas pelo Brasil sobre o combate à corrupção
são: a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em
Transações Comerciais Internacionais, a Convenção Interamericana contra a Corrupção e a
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.
A primeira, estabelecida no âmbito da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico – OCDE, foi firmada pelo Brasil em 1997, ratificada em 2000,
e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 3.678/2000.
Tem como finalidade reprimir, efetiva e coordenadamente, o suborno de
funcionários públicos estrangeiros nas transações comerciais internacionais, adotando
medidas como a responsabilização de pessoas jurídicas que corrompam agentes públicos
estrangeiros e a manutenção de registros contábeis que dificultem a lavagem de dinheiro e o
pagamento de propinas, e obrigando cada país a adaptar a legislação para criminalizar o ato de
corrupção de funcionários públicos, inclusive estrangeiros.
Para suprir essas exigências, foram editadas as Leis nº 10.467/02 e 12.846/13. A
primeira acrescentou ao Código Penal um capítulo referente aos crimes praticados por
particular contra a administração pública estrangeira. A segunda prevê a responsabilização de
pessoas jurídicas que praticarem atos de corrupção contra a administração pública estrangeira.
A Convenção Interamericana contra a Corrupção foi firmada em 1996 no âmbito
da Organização dos Estados Americanos, aprovada e promulgada (Decreto Presidencial nº
4.410) pelo Brasil no ano de 2002.
Tem como propósitos, definidos em seu artigo II, “promover e fortalecer o
desenvolvimento, por cada um dos Estados Partes, dos mecanismos necessários para prevenir,
detectar, punir e erradicar a corrupção”, bem como “promover, facilitar e regular a
cooperação entre os Estados Partes a fim de assegurar a eficácia das medidas e ações
adotadas.”
57
Para tanto, define alguns atos de corrupção para efeitos da Convenção em seu
artigo VI e determina que os Estados Partes adotem medidas legislativas para criminalizar
referidos atos, quais sejam:
Prevê em seu artigo III que os Estados devem considerar a adoção de medidas
preventivas, em seus próprios sistemas institucionais, como: o estabelecimento de normas de
conduta para o exercício correto e honrado das funções públicas; a criação de mecanismos
para tornar efetivo o cumprimento destas normas; a instituição de sistemas para arrecadação e
controle da renda do Estado que impeçam a prática da corrupção; e o estímulo à participação
da sociedade civil e de organizações não governamentais na prevenção à corrupção.
A Convenção prevê ampla cooperação entre os países, determinando a facilitação
de diligências, ligadas à investigação e à obtenção de provas, solicitadas por autoridades do
país estrangeiro, bem como possibilitando extradições de criminosos corruptos.
Em razão da referida Convenção, o Brasil já evoluiu bastante no combate à
corrupção, através da edição de leis, como a Lei de Conflito de Interesses (Lei nº 12.813/13),
que “estabelece formas do agente público se prevenir da ocorrência do conflito de interesses,
prevendo, por outro lado, punição severa àquele que se encontrar em alguma dessas
situações”, e da criação de órgãos como a Secretaria de Prevenção da Corrupção e
Informações Estratégicas – SPCI no âmbito da Controladoria Geral da União.
58
Por fim, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, assinada em 2003 e
promulgada no Brasil por meio do Decreto nº 5.687 de 2006. Contando com a participação de
mais de cem países, é considerada a mais importante no combate à corrupção global.
Segundo o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes - UNODC
(2010, p. 2), “a Convenção da ONU contra a Corrupção traz uma abordagem integrada e
balanceada entre prevenção, criminalização, cooperação internacional e recuperação de
ativos.”
Prevê, portanto, para a prevenção da corrupção: a criação de órgãos anticorrupção
e maior transparência no financiamento de campanhas eleitorais e partidos políticos, a
promoção da integridade nos setores públicos e privados, e o incentivo à participação de
organizações não-governamentais e da sociedade civil.
Além disso, determina a criminalização de vários atos relacionados à corrupção,
como tráfico de influência e obstrução da justiça; a cooperação entre os países a fim de
facilitar a investigação e a adoção de procedimentos judiciais, com o compartilhamento de
provas e extradição de pessoas condenadas; e, por fim, a recuperação de ativos, em que os
recursos públicos desviados para o exterior deverão retornar ao país prejudicado, os bens aos
seus legítimos proprietários e as vítimas receberão indenização (NAÇÕES UNIDAS, 2010, p.
2).
O Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crimes auxilia os países-
membros a aplicarem as disposições da Convenção através de projetos de assistência técnica,
direcionados tanto ao setor público quanto ao setor privado.
Sendo assim, desde de 2005 mantém uma parceria com a Controladoria Geral da
União para fortalecer as instituições anticorrupção, com a aperfeiçoamento da legislação
nacional e das técnicas de auditoria, e com a mobilização social.
59
… parece-nos que a delação premiada é um mal necessário, pois o bem maior a ser
tutelado é o Estado Democrático de Direito. Não é preciso ressaltar que o crime
organizado tem ampla penetração nas entranhas estatais e possui condições de
desestabilizar qualquer democracia, sem que se possa combatê-lo, com eficiência,
desprezando-se a colaboração dos conhecedores do esquema, dispondo-se a
denunciar coautores e partícipes.
62
E prossegue:
... a delação premiada acarreta um custo para a sociedade porque uma pessoa deixa
de ser punida ou recebe uma punição menor. Por isso, ela tem que gerar um
benefício para a sociedade que seja muito maior do que esse custo. Então exigimos,
em primeiro lugar, que a pessoa venha e confesse todos seus crimes. Em segundo,
que ela pague um montante grande a título de ressarcimento dos prejuízos que
64
causou e, o mais importante, que ela seja útil para as investigações, quer dizer, que
sua delação amplie as investigações por meio de novas provas sobre pessoas e
esquemas. Isso porque a ideia por trás disso é que deixamos de pegar um peixe
menor para poder pegar ou um peixe maior ou vários outros peixes.
4.2.1 “Mensalão”
Em maio de 2005 iniciou-se o escândalo, ao ser divulgada pela Revista Veja uma
filmagem do diretor do Departamento de Contratação e Administração de Material da
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Maurício Marinho, cobrando 3 mil reais de
propina de empresários interessados em participar de licitação dos Correios para oferecer
material de informática para a estatal.
Maurício explicava detalhadamente um esquema de fraude em licitações que tinha
como objetivo abastecer o caixa de partidos políticos e que teria como chefe o já citado
deputado federal Roberto Jefferson.
Marco Antônio Villa (2012, p. 10) explica melhor o que fora descoberto pela
revista:
ex-Presidente Lula e do ex-ministro Antônio Palocci, bem como delatar mais remessas de
dinheiro para o exterior.
No entanto, segundo seu advogado em entrevista dada ao jornal eletrônico O
Estadão (GALHARDO, 2015), “A Procuradoria-Geral não aceitou a delação. Se aceitasse,
haveria muito mais informação e isso poderia com certeza dar outro rumo ao caso, implicando
inclusive pessoas que hoje estão envolvidas no que está acontecendo aí”.
O Procurador-geral à época, Antônio Fernando de Souza confirma que Valério
propôs a delação, mas explica que não havia nada que comprovasse o que queria denunciar,
não podendo ser aceita delação sem provas de corroboração.
Apesar de não ter sido muito utilizada, a delação ajudou na elucidação do caso
Mensalão, que se tornou um marco na história do país ao evidenciar a participação de pessoas
do alto escalão da política brasileira que foram verdadeiramente julgadas e punidas. Talvez, se
a delação tivesse sido mais utilizada, teria sido possibilitada a recuperação do produto do
crime e até a identificação e a comprovação da participação de mais pessoas, mas não foi o
caso.
Apesar das discrepâncias nas condenações de políticos, que já estão fora da
prisão, e de empresários e operadores, que ainda cumprem pena, o Mensalão fez com que
esses criminosos perdessem a certeza da impunidade e, além de tudo, proporcionou novas
concepções ao instituto da delação premiada, que não era bem vista, inclusive, pelos próprios
acusados, e que passou a ser mais utilizada posteriormente.
contrato superfaturado. O sistema era muito bem organizado a fim de distribuir as obras da
maneira mais justa entre as empresas.
Dentre as empresas investigadas estão as construtoras Odebrecht, Galvão
Engenharia, Queiroz Galvão, Mendes Júnior, UTC, a refinaria Abreu e Lima, dentre muitas
outras.
Para garantir que apenas aquelas empreiteiras membros do cartel fossem
convidadas para as licitações, elas precisavam do apoio dos funcionários da estatal “...que não
só se omitiam em relação ao cartel, do qual tinham conhecimento, mas o favoreciam,
restringindo convidados e incluindo a ganhadora dentre as participantes, em um jogo de cartas
marcadas.” (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2015, online). Referido apoio era obtido através do
pagamento de propinas, obviamente, que envolviam valores altíssimos.
É nessa parte que entram os operadores financeiros. Estes, responsáveis por
intermediar o pagamento do suborno e por entregá-lo já disfarçado de recurso lícito, recebiam
o dinheiro das empreiteiras por movimentação no exterior ou através de contratos simulados
com empresas de fachada para, posteriormente, entregá-lo ao beneficiário por transferência no
exterior ou mediante pagamento em bens.
Por fim, os agentes políticos, responsáveis por indicar ocupantes dos altos cargos
das diretorias envolvidas no esquema, que aprovavam os contratos com as empreiteiras. O
envolvimento político se mostrou mais evidente, para o Ministério Público (2015, online), nas
diretorias de Abastecimento, ocupada, de 2004 à 2012, por Paulo Roberto Costa, indicado
pelo Partido Progressista (PP) com posterior apoio do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB); de Serviços, ocupada por Renato Duque entre 2003 e 2012, de indicação
do Partido dos Trabalhadores (PT); e Internacional, ocupada por Nestor Cerveró entre 2003 e
2008, de indicação do PMDB.
E expõe:
Renato Duque e aos políticos do PT; e Fernando Baiano à Nestor Cerveró e aos políticos do
PMDB.
Em março de 2015, o Procurador-Geral da República apresentou ao Supremo
Tribunal Federal 28 requerimentos para a abertura de inquéritos criminais objetivando
investigar fatos atribuídos a pessoas citadas em delações premiadas, titulares de foro
privilegiado e relacionadas aos partidos políticos responsáveis por indicar e manter os
diretores da Petrobras (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2015, online).
A primeira instância ficou responsável por investigar e julgar os agentes políticos
por improbidade, na área cível, e aqueles sem prerrogativa de foro na área criminal. Segundo
site do Ministério Público (2015, online), até novembro de 2015, foram 116 mandados de
prisão cumpridos, 85 pedidos de cooperação internacional, 35 acordos de colaboração
premiada, 4 acordos de leniência, 173 pessoas acusadas criminalmente e 37 por improbidade
administrativa, culminando em 75 condenações, dentre os condenados Paulo Roberto Costa,
Nestor Cerveró, Alberto Youssef, Júlio Camargo e Fernando Baiano.
A delação premiada nunca esteve tão evidente como na Operação Lava Jato.
Quanto mais participantes são descobertos, mais acordos de colaboração são firmados em
busca de punições mais brandas. Diante disso, a Polícia Federal e o Ministério Público estão
conseguindo descobrir e desmantelar todo o sistema de corrupção na estatal.
Se não fosse a utilização do instituto da delação premiada, as investigações jamais
teriam alcançado tamanha proporção e aprofundamento e possibilitado a punição de
executivos da Petrobrás, de grandes empreiteiras e operadores que praticaram crimes como
formação de cartel, de organização criminosa, de corrupção e de lavagem de dinheiro.
Conforme Portal de Combate à corrupção do Ministério Público (2015, online):
O ex-diretor Paulo Roberto Costa, após sua prisão no início das investigações que,
como se sabe, envolviam apenas o ex-deputado José Janene e doleiros pelo crime de lavagem
74
de dinheiro, resolveu auxiliar a apuração dos fatos, com o objetivo de receber alguns
benefícios, assinando acordo de colaboração com o Ministério Público em agosto de 2014.
Conforme Ministério Público (2015, online):
delatou grandes empresas e políticos, entregando provas sobre os envolvidos nos desvios,
explicou o funcionamento do sistema de pagamento de propinas, afirmando que o tesourerio
do PT, João Vaccari Neto, e o lobista Fernando Baiano, eram os responsáveis pela cobrança
da propina, e ainda afirmou que arrecadou cerca de 180 milhões de reais em propina
(D'AGOSTINO, 2015, online).
O acordo prevê a devolução de bens (imóveis, veículos e participações em
empresas) por Youssef ao Poder Público e exige o não cometimento de qualquer crime por
um prazo de 10 anos, caso contrário, responderá por todos os processos e cumprirá as penas
que lhe forem imputadas. Caso pratique algum delito após esse prazo, responderá pelos
crimes que ainda não tenham prescrito.
Esses primeiros acordos de colaboração ocasionaram uma verdadeira reação em
cadeia. Diversos nomes citados nas delações se dispuseram a colaborar com o Ministério
Público, resultando em mais acordos de colaboração ou de leniência, mais provas e na
identificação de mais envolvidos.
Os executivos da empresa Toyo Setal, Júlio Camargo e Augusto Mendonça,
foram uns dos colaboradores. O primeiro revelou, segundo reportagem do G1
(D'AGOSTINO, 2015, online):
Relatou aos procuradores da República que, no período de 2008 e 2011, pagou entre
R$ 50 milhões e R$ 60 milhões em propina ao ex-diretor de Serviços da Petrobrás
Renato Duque, que também foi preso pela PF. Os valores teriam sido pagos em
espécie no Brasil e por meio de contas bancárias na Suíça e no Uruguai. O delator
disse ao Ministério Público que Renato Duque exigia que o suborno do "clube" fosse
pago a ele. Segundo ele, as empresas escolhiam as obras mais adequadas e as demais
não atrapalhavam, numa espécie de "campeonato", indícios da existência de um
cartel.
várias denúncias. E afirma: “Sem essas colaborações, não conseguiríamos ter alcançado um
conjunto de outras empresas que praticaram crimes de elevada gravidade.”
Após Paulo Roberto e Alberto Youssef afirmarem, sem provas, que o ex-
presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha conhecimento do sistema de pagamento de
propinas que envolvia a estatal, foi Fernando Baiano que o citou novamente em suas delações.
O lobista afirma ser o responsável pelo repasse de milhões de reais ao amigo, José Carlos
Bumlai, e à uma nora do ex-presidente, que, inclusive, prestou depoimentos a respeito das
acusações à pedido da Polícia Federal.
Ademais, Fernando sustentou que a indicação e manutenção de Nestor Cerveró na
Diretoria Internacional da Petrobrás era de responsabilidade do ex-ministro José Dirceu e do
senador Delcídio Amaral (PT), que foi preso no exercício de seu mandato (algo jamais
ocorrido) por tentar obstruir as investigações, ao oferecer 50 mil reais mensais à familiares de
Nestor, além de um plano de fuga da prisão, para que este não celebrasse acordou ou não
citasse seu nome e de André Esteves, dono do banco BTG, em suas delações. O filho de
Cerveró filmou a negociação e entregou às autoridades competentes.
Nestor Cerveró acabou por celebrar acordo de colaboração com os procuradores
da Operação Lava Jato, narrando, em seus depoimentos, os crimes cometidos por Delcídio, na
aquisição de navios sondas e da refinaria de Pasadena pela Petrobrás, e por André Esteves,
com o pagamento de vantagens ao senador Fernando Collor (PTB) em contratos de
embandeiramento de 120 postos de combustíveis em São Paulo que pertenciam ao Banco
BTG Pactual e ao grupo empresarial Santiago (VEJA, 2015, online).
O presidente do Grupo Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, também
resolveu colaborar, apontando os desvios dos quais participou e revelando o nome de dois
senadores, dentre outros políticos, para quem pagou propinas. Além de informações
relacionadas à Petrobrás, falará sobre irregularidades em obras do setor elétrico, como a
construção da Usina de Belo Monte, no Pará, e na construção de estádios para a Copa do
Mundo de 2014 (BRANDT, 2015).
Será realizado um acordo de colaboração e um de leniência, em nome da empresa,
que pagará uma multa de 1 bilhão de reais, até agora, a maior aplicada a uma empreiteira
investigada pela Operação Lava Jato.
Além dos já citados, muitos outros acordos foram e serão celebrados, mas não se
sabe ao certo a quantidade e a identidade dos delatores, nem mesmo o conteúdo das delações,
visto que os acordos devem ser sigilosos até o oferecimento das denúncias, justamente para
não atrapalhar o andamento das investigações, como aconteceu no caso de Delcídio, apesar de
77
... os acordos não são um ponto de chegada da apuração, pois jamais servem
sozinhos para acusar alguém. Entretanto, são um excelente ponto de partida, em
especial em investigações difíceis como aquelas sobre corrupção, pois eles apontam
o caminho por meio do qual provas independentes poderão ser encontradas. São
essas provas que serão usadas, a depender de sua força, para uma acusação ou
condenação criminal.
aconselhável que os outros também o façam, pois, se mantiverem o silêncio, receberão penas
mais severas, às vezes por crimes mais graves, que o delator.
É certo que a delação premiada tem seus malefícios e seus possíveis vícios, mas,
como afirmou Nucci (2015, B), “é um mal necessário”. Os acordos de colaboração podem
gerar inconstitucionalidades, de um ponto de vista mais restrito, mas o instituto, em si, é
plenamente constitucional e previsto no ordenamento jurídico há anos.
O fato dos acordos conterem cláusulas que proíbam a interposição de recursos
contra as sentenças, que violaria o direito de ação, e a impetração de habeas corpus ou que
obrigam a renúncia ao direito ao silêncio, direitos constitucionalmente garantidos, levam a
crer que seriam inconstitucionais.
No entanto, para a colaboração, é óbvia a renúncia ao direito ao silêncio, pois não
se teria interesse em celebrar um acordo para obter informações com alguém que “não fala”.
Além disso, o acordo é uma negociação, em que as partes devem dispor de alguns direitos e se
onerar com alguns deveres, para garantir o interesse de ambos.
Sendo assim, a acusação dispõe de seu poder punitivo, ao garantir benefícios ao
criminoso, e o acusado, que poderia se valer da interposição de recurso como medida
protelatória que leva à prescrição e à impunidade, deve renunciar alguns direitos para garantir
que aquele acordo seja cumprido.
O que tem que ser visado é o melhor interesse da sociedade. A legislação e o
sistema judiciário brasileiro possibilitam a utilização, por parte da defesa, de diversas
artimanhas que garantam a impunidade do acusado.
Dessa forma, tem que haver uma contemporização das normas e dos institutos
para que os órgãos acusatórios, que estão em posição de vulnerabilidade diante do acordo de
colaboração, dando benefícios e credibilidade a um criminoso, possam realizar o acordo de
forma a não deixar brechas das quais o delator possa se valer, e, assim, extrair da delação
mais benefícios que custos à sociedade.
A utilização do instituto pode demonstrar, também, a incapacidade ou a desídia
dos órgãos investigativos brasileiros, que não se comprometem verdadeiramente com as
investigações e acabam por se utilizar da delação premiada para que “os delatores façam seu
trabalho.”
No entanto, é inegável que os crimes de corrupção são praticados
meticulosamente, de forma a dificultar sua descoberta, e, se não for através da colaboração de
um corrupto ou corruptor envolvido no esquema, certas provas e informações jamais seriam
descobertas.
79
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
delito que comporte a aplicação da delação premiada e que, por si só, já é amoral e antiético.
Poderia se dizer que incentivar a ética nas relações criminosas é até contraditório.
Segundo, a proporcionalidade da pena é baseada na culpabilidade de cada
acusado. Ao delatar seus companheiros e confessar o crime, demonstra sua intenção de se
“redimir”, revelando um grau de culpabilidade menor que a dos demais e recebendo menor
pena, o que será, portanto, proporcional.
Terceiro, a delação não é prova em si, mas um meio de obtenção de prova. Sendo
assim, não será proferida sentença condenatória com base apenas nos depoimentos do delator,
que deverão ser corroborados por outras provas, protegendo, de certa forma, os inocentes das
possíveis inverdades.
É certo que a delação premiada tem seus malefícios e seus possíveis vícios, mas é
um mal necessário diante da crescente e descontrolada criminalidade organizada no Brasil.
Os crimes de corrupção geralmente não deixam rastros, são praticados
minuciosamente para que nunca sejam revelados. Se não houvesse a quebra do silêncio entre
o corruptor e o corrupto, os esquemas não seriam integralmente descobertos e os únicos
criminosos punidos seriam aqueles de menor escalão, que em nada desfalcam o
funcionamento da organização criminosa.
Para que a associação seja verdadeiramente desmantelada, os chefes e
articuladores do crime tem que ser descobertos e punidos, o que será viabilizado através da
delação premiada.
Como se observa nos casos do “Mensalão”, que foi revelado por motivos de
vingança, mas que não deixou de ser um ganho para a sociedade, visto que, se não fosse a
denúncia de um dos participantes, talvez o esquema jamais fosse descoberto; e da “Lava
Jato”, em que a delação está sendo largamente aplicada, possibilitando a elucidação do crime,
a prisão de políticos, grandes empresários e operadores financeiros e, melhor, a recuperação
do produto do crime, a delação é um importante e necessário instrumento de auxílio ao Estado
no enfretamento à práticas que dificilmente seriam combatidas por ele.
De um ponto de vista mais restrito, algumas cláusulas presentes nos acordos de
colaboração podem ser consideradas inconstitucionais, como as que proíbem a interposição de
recursos contra as sentenças e a impetração de habeas corpus, que violaria o direito de ação,
ou as que obrigam a renúncia ao direito ao silêncio, direitos constitucionalmente garantidos.
No entanto, o acordo de colaboração é uma negociação em que ambas as partes
devem dispor de alguns direitos e se comprometer com alguns deveres para que este acordo
atinja seu fim, sendo óbvia e necessária a renúncia ao direito ao silêncio, pois não se teria
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interesse em negociar informações com alguém que “não fala”; e necessária a renúncia aos
recursos, como uma forma de evitar que a defesa se valha de medidas protelatórias que levem
à prescrição e à impunidade do delator.
O Estado está em situação de vulnerabilidade ao creditar confiança e contar com a
colaboração de um criminoso que, obviamente, optaria pela impunidade, devendo restringir o
acordo de forma a não deixar brechas que poderiam ser utilizadas pela defesa para atingir este
fim.
Dessa forma, o Ministério Público se vê diante da necessidade de relativizar e
contemporizar as leis para que o acordo seja eficaz e traga mais benefícios que custos à
sociedade, não recaindo em inconstitucionalidade por isso.
Além disso, o instituto pode demonstrar a incapacidade ou a desídia dos órgãos
investigativos que utilizam a delação, como se fosse uma forma dos criminosos “fazerem seu
trabalho”.
Pode até ser, de fato, mas é inegável que os crimes de corrupção são de difícil
investigação e que as colaborações são de grande valia, possibilitando o acesso a provas e
informações que talvez jamais fossem alcançadas. Portanto, se previsto em lei justamente par
auxiliar esses órgãos, nada mais justo que ser utilizado, ainda mais quando eficaz.
Não obstante a existência de leis, de órgãos fiscalizadores, de convenções
internacionais e o fato da delação contribuir bastante no combate à corrupção política, essa
prática continua bastante presente no país.
Além da criação das referidas medidas, para que haja o real combate à corrupção,
tem que ocorrer uma mudança no costume e na educação dos brasileiros, que tanto reclamam
da corrupção dos políticos, mas são acostumados com o “jeitinho” brasileiro e praticam a
corrupção no dia a dia.
Deve haver, também, uma reforma estrutural na Administração Pública, no
sistema judiciário, bem como na legislação, para eliminar as brechas que favorecem a
corrupção e a impunidade.
85
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