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Nariel Diotto

Gabriela Dickel das Chagas


Daiane Caroline Tanski
Raquel Buzatti Souto
Tiago Anderson Brutti
(Organizadores)

FEMINISMOS, GÊNERO E
DESIGUALDADES
Volume II

Editora Ilustração
Cruz Alta – Brasil
2021
Copyright © Editora Ilustração

Editor-Chefe: Fábio César Junges


Imagens da capa: Freepik
Revisão: Os autores

CATALOGAÇÃO NA FONTE
F329 Feminismos, gênero e desigualdades [recurso eletrônico] /
organizadores: Nariel Diotto ... [et al.]. - Cruz Alta:
Ilustração, 2021.
v. 2. ; 21 cm

ISBN 978-65-88362-99-0
DOI 10.46550/978-65-88362-99-0

1. Feminismo. 2. Violência contra mulheres. 3.
Desigualdade de gênero. I. Diotto, Nariel (org.).

CDU: 396.2
Responsável pela catalogação: Fernanda Ribeiro Paz - CRB 10/ 1720

2021
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora
Ilustração
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Dra. Odete Maria de Oliveira UNOCHAPECÓ, Chapecó, SC, Brasil
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Dr. Roque Ismael da Costa Güllich UFFS, Cerro Largo, RS, Brasil
Dra. Salete Oro Boff IMED, Passo Fundo, RS, Brasil
Dr. Tiago Anderson Brutti UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil
Dr. Vantoir Roberto Brancher IFFAR, Santa Maria, RS, Brasil

Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO�������������������������������������������������������������������13
Nariel Diotto
Gabriela Dickel das Chagas
Daiane Caroline Tanski
Raquel Buzatti Souto
Tiago Anderson Brutti
Capítulo 1 - FEMINISMO NEGRO E CIBERATIVISMO:
RELAÇÃO COM O ENFRENTAMENTO DA
DESIGUALDADE NO BRASIL����������������������������������������������21
Dandara Roberta Soares Conceição
Raquel Buzatti Souto
Capítulo 2 - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E CAMPANHAS DE
INCENTIVO PARA DENÚNCIA DOS AGRESSORES: UMA
ANÁLISE NO PERÍODO DE ISOLAMENTO SOCIAL DA
PANDEMIA DO COVID-19��������������������������������������������������35
Eduarda Sampaio da Veiga
Nadyni Almeida de Almeida
Aline Antunes Gomes
Capítulo 3 - A DICOTOMIA DAS CONCEPÇÕES (PRÉ)
FEMINISTAS DA FILÓSOFA HANNAH ARENDT�������������47
Raíssa Pedroso Becker de Lima
Daiane Caroline Tanski
Mariana Figueira Fontoura
Sabrina Figueira
Vanessa Steigleder Neubauer
Capítulo 4 - DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
NO SÉCULO XXI: O CAPITALISMO E O MOVIMENTO
REACIONÁRIO BOLSONARISTA����������������������������������������57
Sawara Gonçalves Santos
Letícia Maria Pereira Siqueira
Virgínia Stern da Silva
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Capítulo 5 - AS MULTIPLAS VIOLÊNCIAS CONTRA A


MULHER NO AMBIENTE DIGITAL ����������������������������������73
Kelven Marcelino Klein
Eduardo Pinheiro Monteiro
Cesar Albenes de Mendonça Cruz
Capítulo 6 - O DIREITO DE PARIR COM RESPEITO��������83
Sabrina Veloso Leal Pereira
Capítulo 7 - FEMINISMO E DIREITOS DAS MULHERES:
UMA DISCUSSÃO NO CIAMPAR (CENTRO INTEGRADO
DE APOIO À MULHER DE POUSO ALEGRE E REGIÃO)99
Bibiana Terra
Bianca Tito
Julia Mendes Silva
Mariete Lopes da Costa
Marina Helena Vieira da Silva
Capítulo 8 - A FORMAÇÃO DAS ONDAS FEMINISTAS E
SUAS REIVINDICAÇÕES NA LUTA PELOS DIREITOS DAS
MULHERES��������������������������������������������������������������������������115
Laura Melo Cabral
Gabriela Colomé Moreira
Aline Antunes Gomes
Capítulo 9 - INTERSECCIONALIDADE E MOVIMENTOS
FEMINISTAS: UMA ANÁLISE DA OBRA “MULHERES,
RAÇA E CLASSE” DE ANGELA DAVIS������������������������������131
Bibiana Terra
Capítulo 10 - MULHERES PROTOGANISTAS DA HISTÓRIA:
UM DISCURSO SOBRE GÊNERO x DIREITOS�����������������147
Karina Dias da Silva
Denise Regina Quaresma da Silva
Glauce Stumpf
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Capítulo 11 - A SITUAÇÃO DA MULHER NA LEGISLAÇÃO


BRASILEIRA: UMA REVISÃO HISTÓRICA�����������������������157
Katiussa Richter
Tiago Anderson Brutti
Gabriela Dickel das Chagas
Capítulo 12 - DILEMAS SOCIOJURÍDICOS DAS FAMÍLIAS
TRANSNACIONAIS NO BRASIL: A DIMENSIONALIDADE
DA MULHER������������������������������������������������������������������������171
Paola Pagote Dall’Omo
Camila Rocha
Odisseia Aparecida Paludo Fontana
Silvia Ozelame Rigo Moschetta
Capítulo 13 - TOLERÂNCIA DA SOCIEDADE À
VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NO BRASIL�������187
Aline Viviane Bach
Vanessa Steigleder Neubauer
Deivid Jonas Silva da Veiga
Capítuo 14 - A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER SOB A PERSPECTIVA DA
REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA������������������������������������205
Luiza Eduarda Prola Carpes
Aline Sattes Salviano
Carla Rosane da Silva Tavares Alves
Tiago Anderson Brutti
Daiane Caroline Tanski
Capítulo 15 - ENFOQUE ACESSÍVEL PARA
APRENDIZAGEM PROFUNDA: EDUCAÇÃO SEXUAL A
PARTIR DO SERIADO SEX EDUCATION��������������������������217
Tricieli Radaelli Fernandes
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Capítulo 16 - A FALTA DE REPRESENTATIVIDADE DAS


MULHERES NEGRAS NO AMBIENTE ACADÊMICO
BRASILEIRO E SUAS IMPLICAÇÕES��������������������������������233
Maria Victória Pasquoto de Freitas
Celiena Santos Mânica
SOBRE OS AUTORES E AUTORAS�����������������������������������245
APRESENTAÇÃO

O e-book Feminismos, Gênero e Desigualdades,


originário da mostra científica da II Semana Feminista
da Universidade de Cruz Alta, parte da perspectiva de que a
sociedade foi construída, estruturalmente, por meio de relações
desiguais de gênero, sendo, portanto, de extrema urgência que sejam
combatidas as desigualdades ainda tão presentes na sociedade, a fim
de reconstruir as relações de gênero de forma igualitária, a partir de
uma perspectiva feminista.
A obra apresenta reflexões acerca da condição sociocultural
da mulher na sociedade contemporânea, norteada por diversas
violações aos seus direitos humanos, além de questões referentes à
interseccionalidade, que transcendem o próprio Direito e abarcam
uma perspectiva transdisciplinar. Além de fornecer estímulos
para a reestruturação da sociedade, de forma mais igualitária,
possibilitando a qualificação de profissionais e cidadãos atuantes
em sociedade.
Nessa perspectiva, o primeiro capítulo, de autoria de Dandara
Roberta Soares Conceição e Raquel Buzatti Souto, intitulado
“Feminismo negro e ciberativismo: relação com o enfrentamento
da desigualdade no Brasil”, tem o objetivo de compreender a
colaboração conjunta entre o Feminismo Negro e Ciberativismo
no processo de enfrentamento da desigualdade sofrida pela mulher
negra brasileira. O Feminismo Negro envolve um movimento social
e teórico que objetiva trazer visibilidade às pautas das mulheres
negras e o Ciberativismo é um tipo de ativismo feito no ciberespaço.
Desse modo, a colaboração entre esses movimentos sociais pode
ajudar no processo de enfrentamento da desigualdade sofrida pela
mulher negra brasileira, uma vez que, são formas de trazer para o
plano prático o que está previsto na Constituição Federal de 1988.
O capítulo denominado “Violência doméstica e campanhas
de incentivo para denúncia dos agressores: uma análise no período de
14
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

isolamento social da pandemia do Covid-19”, de autoria de Eduarda


Sampaio da Veiga, Nadyni Almeida de Almeida e Aline Antunes
Gomes, tem como objetivo geral analisar a criação de campanhas
para incentivar a denúncia dos casos de violência doméstica durante
o período de pandemia causada pelo Covid-19. Inicialmente há
abordagem acerca da importância da criação de formas alternativas
de denúncia, os aumentos de casos de violência doméstica durante
o período de isolamento social e como as campanhas podem ajudar
as vítimas. Por fim, resta evidenciado a importância da criação,
utilização e adesão destas campanhas pelas repartições públicas e
empresas privadas, bem como da divulgação da existência destas
campanhas, oportunizando a vítima um meio de denúncia, ainda
que esteja sob vigilância do agressor, situação que impede, em
muitos casos, que esta venha a comparecer nas Delegacias de Polícia
para realizar o boletim de ocorrência.
No terceiro capítulo, “A dicotomia das concepções (pré)
feministas da filósofa Hannah Arendt”, de autoria de Raíssa Pedroso
Becker de Lima, Daiane Caroline Tanski, Mariana Figueira
Fontoura, Sabrina Figueira e Vanessa Steigleder Neubauer, é
analisada a teoria de Hannah Arendt, que também propagou a ideia
acerca da expressão de natalidade, relacionando-a aos conceitos de
liberdade e igualdade, trazendo à tona que todos os sujeitos tinham
aptidão de ação sem distinções. A teórica também foi criticada em
razão de ter deixado de questionar a dicotomia público-privado,
tratando-as de maneira exclusiva e estereotipada, fato que fez com
que fosse chamada de “antifeminista” e “pré-feminista”. A pesquisa
se justifica pela crítica gerada em face das ideias propagadas
pela autora e sua importância para a construção de concepções
feministas.
O quarto capítulo, sobre “Direitos sexuais e reprodutivos no
século XXI: o capitalismo e o movimento reacionário bolsonarista”,
das acadêmicas Sawara Gonçalves Santos, Letícia Maria Pereira
Siqueira e Virgínia Stern da Silva, aborda as conexões entre o
controle reprodutivo e a manutenção do sistema capitalista, bem
como logra analisar a elaboração jurídica acerca da temática e a
15
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

ofensiva reacionária instaurada como resposta a avanços na área.


Discute-se primeiramente sobre a funcionalidade do domínio da
capacidade reprodutiva para a expansão da força de trabalho. Após,
encaminha-se para uma análise dos direitos sexuais e reprodutivos
nos contextos brasileiro e internacional. Por fim, é explorado o
movimento reacionário bolsonarista e sua ameaça a esses direitos.
O quinto capítulo, elaborado por Kelven Marcelino Klein,
Eduardo Pinheiro Monteiro e Cesar Albenes de Mendonça Cruz,
intitulado “As múltiplas violências contra a mulher no ambiente
digital”, tem por objetivo identificar a violência contra a mulher
no ambiente digital e mostra a violência contra a mulher como um
fenômeno multiforme, que acontece em todo o Brasil, notadamente
no ambiente digital. Também são pontuados os avanços legislativos
e as políticas públicas de combate e prevenção ao fenômeno exposto.
Em seguida, no capítulo denominado “O direito de parir
com respeito”, de Sabrina Veloso Leal Pereira, a premissa que
respalda o desenvolver do texto é o respeito ao nascimento como
uma das principais ferramentas para se mudar o mundo. Quando
um ser humano nasce sendo respeitado, dá-se à luz à esperança
de uma sociedade mais equilibrada. A mulher é o sujeito ativo
da conjugação do verbo parir, mas a assistência à saúde feminina
ainda se caracteriza pela excessiva manipulação de seu corpo,
minimizando-se ou excluindo-se seu reconhecimento enquanto
sujeito no processo de dar à luz. Trazer à tona essas situações é um
debate socialmente necessário.
O sétimo capítulo, intitulado “Feminismo e direitos das
mulheres: uma discussão no CIAMPAR (Centro Integrado de Apoio
à Mulher de Pouso Alegre e Região)”, de autoria de Bibiana Terra,
Bianca Tito, Julia Mendes Silva, Mariete Lopes da Costa e Marina
Helena Vieira da Silva, aborda os resultados da pesquisa realizada
em âmbito de projeto de inserção social, desenvolvido através do
Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito do Sul de
Minas – FDSM. Primeiramente, apresenta-se uma breve revisão
bibliográfica acerca do feminismo e dos direitos das mulheres e,
em seguida, aborda-se especificamente sobre o projeto de inserção
16
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

social e sua realização.


No oitavo capítulo, sobre “A formação das ondas feministas e
suas reivindicações na luta pelos direitos das mulheres”, as autoras Laura
Melo Cabral, Gabriela Colomé Moreira e Aline Antunes Gomes
falam sobre o surgimento das ondas feministas, ressaltando que na
primeira onda, as reinvindicações foram em relação aos direitos
sociais e políticos. Na segunda onda, acerca dos direitos sexuais
e reprodutivos. Na terceira onda, em questões identitárias e no
feminismo igualitário. E, na quarta onda, há um aprofundamento
das lutas pela identidade e o corpo, tendo como base a liberdade
e a igualdade. Destacaram a importância das novas tecnologias de
informação e comunicação, especialmente a internet e as redes
sociais na configuração dos movimentos e lutas sociais e formação
de redes identitárias, por meio, por exemplo, dos coletivos e dos
espaços de discussão.
O capítulo seguinte, de autoria de Bibiana Terra, versa
sobre “Interseccionalidade e movimentos feministas: uma análise da
obra ‘Mulheres, raça e classe’ de Angela Davis” e tem como objetivo
analisar a referida obra, de modo a investigar a interseccionalidade e o
pensamento feminista em seus escritos. Primeiramente, apresenta-se
o contexto, pressupostos e referencias de Angela Davis para compor
a sua obra. Em segundo lugar, analisa-se especificamente a obra
“Mulheres, raça e classe”, destacando suas partes mais relevantes
para as discussões interseccionais e dos movimentos feministas.
No décimo capítulo, intitulado “Mulheres protoganistas da
história: um discurso sobre gênero x direitos”, de Karina Dias da Silva,
Denise Regina Quaresma da Silva e Glauce Stumpf, investiga-
se quem são as mulheres protagonistas que vem reescrevendo
a história, mulheres pertencentes a diferentes etnias, que vem
deixando sua marca através de sua experiência para inspirar outras
mulheres. O texto apresenta o legado e luta dessas mulheres,
além de demonstrar controvérsias da Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Através do estudo foi possível evidenciar as
lutas e dificuldades vividas pelas mulheres, evidenciadas por meio
de suas histórias, vivências, livros e outros, além de demonstrar a
17
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

necessidade do fortalecimento de outras mulheres, para assim fazer


prevalecer direitos que na prática cotidiana ainda parecem não
existir.
No capítulo subsequente, de autoria de Katiussa Richter,
Tiago Anderson Brutti e Gabriela Dickel das Chagas, intitulado
“A situação da mulher na legislação brasileira: uma revisão histórica”,
destaca-se que o direito é um objeto histórico e culturalmente
elaborado, isto é, construído pela sociedade em função de
determinados fins e valores. Compreende-se a relação entre direito
e sociedade como de mútua implicação, na medida em que,
além de refletir os valores da sociedade que o produz, o direito
contribui para a formação do imaginário social dessa coletividade.
Nesse sentido, o texto consubstancia-se na revisão histórica do
modo como a legislação brasileira tratava e trata a mulher. Esse
levantamento sugeriu que, embora atualmente a igualdade entre
os gêneros seja uma diretriz constitucional, o longo período de
vigência de normativas desfavoráveis a mulher ainda hoje ressoa.
Em seguida, o capítulo “Dilemas sociojurídicos das famílias
transnacionais no Brasil: a dimensionalidade da mulher”, de Paola
Pagote Dall’Omo, Camila Rocha, Odisseia Aparecida Paludo
Fontana e Silvia Ozelame Rigo Moschetta, tem como objetivo
explicitar os impasses sociojurídicos vivenciados pelos imigrantes
no país de acolhimento. Apresenta-se contextualização da
migração transnacional, demonstrando as principais dificuldades
enfrentadas no Brasil, além de explicitarem-se as razões que
motivaram a migração, os principais desafios vivenciados pelas
famílias transnacionais no que se refere às oportunidades de
trabalho, regularização jurídica junto ao país, aprendizagem do
idioma, discriminação racial, bem como a reunião familiar entre
membros de diferentes localidades. Demonstra-se a necessidade
de aprimoramento por parte do Estado e da sociedade civil em
proteger de forma coesa e efetiva os direitos dos migrantes que se
encontram no Brasil.
O capítulo intitulado “Tolerância da sociedade à violência
contra as mulheres no Brasil”, de Aline Viviane Bach, Vanessa
18
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Steigleder Neubauer e Deivid Jonas Silva da Veiga tem como


objetivo principal efetuar uma pesquisa e análise crítica com
relação a tolerância da violência contra a mulher no Brasil, visto
que atualmente os casos denunciados vem crescendo de forma
exponencial.
No décimo quarto capítulo, sobre “A violência doméstica
e familiar contra a mulher sob a perspectiva da realidade social
brasileira”, de Luiza Eduarda Prola Carpes, Aline Sattes Salviano,
Carla Rosane da Silva Tavares Alves, Tiago Anderson Brutti e
Daiane Caroline Tanski, analisa-se, por meio de levantamento
bibliográfico, as formas de violência contra a mulher previstas
na Lei nº 11.340/2006, bem como os mecanismos de proteção
positivados por esta lei e direcionados à mulher. Também são
abordadas, brevemente, as consequências mentais e emocionais que
essa violência desenvolve na mulher vítima.
No capítulo seguinte, intitulado “Enfoque acessível para
aprendizagem profunda: educação sexual a partir do seriado Sex
Education”, a autora Tricieli Radaelli Fernandes analisa a educação
sexual apoiada no contexto da série Sex Education da plataforma
Netflix, fazendo um paralelo entre os campos escolares da série e
do Brasil. O propósito do artigo é apresentar aspectos semelhantes
e diferentes entre as duas circunstâncias aludidas, buscando refletir
sobre a melhoria no diálogo e aprendizagem com a inclusão da
educação sexual obrigatória no currículo. Compreende-se o valor
de mudança legislativa, todavia não se nega a integração social no
combate à violência de gênero.
No último capítulo, denominado “A falta de
representatividade das mulheres negras no ambiente acadêmico
brasileiro e suas implicações”, as autoras Maria Victória Pasquoto de
Freitas e Celiena Santos Mânica refletem que as interseccionalidades
de raça e gênero vêm ocupando posição de destaque nos debates
feministas, a partir do reconhecimento de que mulheres negras
ocupam espaço diverso das mulheres brancas. A análise do tema
da representatividade da mulher negra na academia, remonta a um
passado recente de exploração e segregação racial. O objetivo da
19
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

pesquisa é contextualizar historicamente as mulheres nos ambientes


educacionais e posições de poder e o objetivo específico foi verificar
as políticas públicas educacionais de incentivo e inserção da mulher
negra na academia.

Nariel Diotto
Gabriela Dickel das Chagas
Daiane Caroline Tanski
Raquel Buzatti Souto
Tiago Anderson Brutti
(Organizadores)
Capítulo 1
FEMINISMO NEGRO E CIBERATIVISMO:
RELAÇÃO COM O ENFRENTAMENTO DA
DESIGUALDADE NO BRASIL

Dandara Roberta Soares Conceição


Raquel Buzatti Souto

1 Considerações iniciais

O direito à igualdade previsto na Constituição Federal


de 1988, refere que todos são iguais perante a lei,
sendo vedadas ações discriminatórias, em razão do sexo, da raça
e do credo, por exemplo. Contudo, a aplicabilidade deste direito
no caso concreto, mostra-se muito diferente da teoria, em razão da
desigualdade enfrentada por alguns grupos da sociedade brasileira,
seja pelas diferenças econômicas, regionais, quanto, as distinções de
raça e gênero.
Seguindo este viés, quando averígua-se a realidade da
mulher negra é possível notar que esta sofre diariamente com a
discriminação em dois aspectos. O primeiro aspecto relaciona-
se à raça, considerando os impactos do racismo estrutural sob a
população negra brasileira. Enquanto, o segundo aspecto abarca
a questão de gênero, que coloca as mulheres numa posição de
inferioridade perante os homens, por conta do sistema patriarcal
que, ainda hoje, faz parte da formação da sociedade brasileira.
Com isso, diante desse cenário desigual que inviabiliza o
atendimento das demandas da mulher negra, torna-se necessária
a verificação de algumas alternativas capazes de auxiliarem no
processo de concretização do direito à igualdade para a mulher
negra. O Feminismo Negro se apresenta como um movimento
social e teórico que possui a finalidade de trazer visibilidade as pautas
22
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

dessa parte da população, que historicamente esteve invisibilizada


pela desigualdade de raça e gênero. Enquanto, o Ciberativismo é
um tipo de ativismo feito por alguns grupos que usam o ambiente
virtual para expandir as suas reinvindicações.
Dessa forma, o presente trabalho parte da seguinte
indagação: a colaboração entre o Feminismo Negro e Ciberativismo
é capaz de auxiliar no enfrentamento da desigualdade sofrida pela
mulher negra brasileira? Constitui-se como objetivo desta pesquisa,
compreender a colaboração conjunta entre o Feminismo Negro
e Ciberativismo no processo de enfrentamento da desigualdade
sofrida pela mulher negra brasileira.
Além disso, para o desenvolvimento desse estudo, parte-se
da hipótese de que a colaboração entre o do Feminismo Negro
e Ciberativismo pode ajudar no processo de enfrentamento da
desigualdade sofrida pela mulher negra brasileira, uma vez que, são
formas de trazer para o plano real o que está previsto na Constituição
Federal de 1988, no que tange, ao tratamento igualitário para todos,
sendo neste caso, em especial para a mulher preta. Finalmente,
destaca-se que este trabalho envolve uma pesquisa bibliográfica,
qualitativa de caráter exploratório, através de livros e materiais
disponibilizados no meio eletrônico.

2 Desenvolvimento

A desigualdade sofrida pelas mulheres negras no Brasil


revela-se como uma consequência das estruturas estabelecidas pelo
racismo e patriarcado que atingem diretamente os seus corpos,
dificultando a sua emancipação civil, político, social, e, inclusive
cultural. Assim, revela-se essencial a procura de alterativas capazes
de auxiliarem nesse processo de enfrentamento do contexto desigual
vivenciado pela mulher preta.
O Feminismo Negro apresenta-se como um movimento
social e teórico que tem como finalidade tornar visíveis as pautas
da mulher negra. Este movimento nasce numa circunstância
23
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

social, na qual as demandas da mulher preta não eram atendidas


completamente, em decorrência da inobservância das questões de
raça e gênero. No Movimento Feminista não havia certo interesse
na discussão de matérias raciais, e já no Movimento Negro não
existia muito espaço para o debate de assuntos relacionados ao
gênero. Sob esta visão, pontua Leal (2020, p.16-17):
O histórico dos Movimentos Feministas indica desinteresse
no tratamento de questões de raça.[...] mesmo quando não
eram explicitamente racistas, ao definirem indistintamente as
questões de gênero, as feministas brancas universalizaram as
suas experiências e reduziram estas experiências às necessidades
de um grupo de mulheres: das mulheres brancas de classe
média e alta. Neste sentido, os Movimentos Feministas
expressaram, e alguns ainda expressam, um pensamento
hegemônico reducionista, e, sobretudo, indiferente às
situações de dominação e opressão sofridas pelas mulheres
negras, revelando, em diferentes nuances, sua face racista. Os
Movimentos Negros, por sua vez, ao banirem debates e análises
de gênero, vêm demonstrando desinteresse em combater
o sexismo. Nestes movimentos, as questões raciais estão
historicamente ocupando um lugar hierárquico superior às
questões de gênero. Em geral, argumenta-se que, se as questões
raciais fossem resolvidas, automaticamente as dificuldades
pelas quais as mulheres negras passam desapareceriam. Assim,
negligencia-se o fato de que sobre as mulheres negras não recai
somente a opressão racial. Por serem mulheres, recai também
sobre elas a opressão de gênero e, de modos mais violentos do
que sobre as mulheres brancas, já que as mulheres brancas não
estão sujeitas ao racismo.
Com isso, depreende-se que o intuito do Feminismo Negro
é trazer à tona a realidade da mulher negra que sofre duplamente
com as discriminações de raça e gênero. Coelho e Gomes (2015)
enfatizam que a intenção não está em dizer que a opressão vivida
pela mulher preta é mais relevante que em relação à mulher branca,
mas que se faz essencial compreender que a mulher negra passa
por desvantagens sociais, as quais colocam ela numa situação
inferior. Ao contrário, do que se pensa este movimento surge para
denunciar e questionar o contexto social estruturado pelo racismo
e patriarcalismo, sem desqualificar outros grupos.
24
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Através do Feminismo Negro, as experiências das mulheres


negras são fixadas como questões emergentes, em razão do
silenciamento histórico de suas vozes. As vivências diárias das
mulheres negras não são mais universalizadas, já que os aspectos
de raça e gênero, vistos, até então, separadamente unem-se na
demonstração dos impactos do racismo e patriarcalismo no corpo
dessas mulheres (LEAL, 2020).
Outrossim, Minhomens (2009) refere que o Ciberativismo
normalmente, apoia-se da internet ou de outros meios tecnológicos,
visando disseminar as suas causas, com o estabelecimento de uma
rede de solidariedade e articulação sobre o tema discutido. Ou seja,
o Ciberativismo pode ser entendido como um tipo de ativismo
feito por determinados grupos que utilizam o meio virtual para
expandir as suas reinvindicações.
Nessa linha, quando se fala do Ciberativismo é importante
trazer algumas noções de ciberespaço e cibercultura, a fim de
compreender como ocorre este tipo de ativismo no ambiente social.
Com isso, nas palavras de Lévy (1999, p.17):
O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) e o novo
meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos
computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura
material da comunicação digital, mas também o universo
oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres
humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanta
ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes,
de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem
juntamente com o crescimento do ciberespaço.
A partir dessa concepção, verifica-se que o ciberespaço
e a cibercultura, estão interligados, na medida em que no plano
prático o ciberespaço é o ponto de conexão entre as pessoas e as
informações disponibilizadas na internet. Em outras palavras, o
ciberespaço se expande num ambiente que possibilita o acesso e
a troca de informações de diferentes indivíduos. Sem que exista o
ciberespaço não se pode falar em cibercultura, e, consequentemente,
em Ciberativismo.
25
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Ainda, sobre a cibercultura destaca-se a importância


do elemento humano, na proposição de diversas ideias e na
construção de debates sociais relevantes. Santaella (2003) coloca
que na atualidade estamos diante de uma revolução tecnológica
e cultural, que torna as relações pessoais cada vez mais dinâmicas,
considerando que os componentes advindos da tecnologia e do ser
humano são complementares nesse processo de desenvolvimento
da cibercultura.
Em contrapartida, quando se a exterioriza a cibercultura
é possível notar que no ciberespaço ocorre a desterritorialização
informacional. Os dados divulgados no ciberespaço, ainda que,
controlados em certo ponto pelo Estado, acabam sendo afetados pelas
transformações sociais, através do processo de desterritorialização.
As manifestações oriundas da internet ultrapassam hierarquias,
fronteiras políticas, culturais e econômicas, com a desconstrução
de padrões sociais. Diante disso, o Ciberativismo pode ser
indicado como um exemplo dessa desterritorialização, haja vista
que é o encontro de determinados grupos ou Movimentos Sociais
que divulgam as suas demandas no ciberespaço, questionando a
realidade, muitas vezes, controlada pelo Estado (LEMOS, 2007).
Nesse cenário, também é pertinente mencionar a ideia
de inteligência coletiva, a qual Lévy (1999) aponta que acontece
quando os conhecimentos somados e compartilhados numa
sociedade são potencializados pela implementação de novas
tecnologias digitais. A inteligência coletiva parte do pressuposto
de que se deve valorizar as capacidades individuais, que são
reunidas por meio das tecnologias em prol de um objetivo comum
(BEMBEM; COSTA, 2013). O intuito da inteligência coletiva
está na percepção e no reconhecimento das habilidades de cada
pessoa, contribuindo para a sua organização social benéfica
(CAVALCANTI; CHAMPANGNATTE, 2015).
Assim, constata-se que a convergência dessas noções culmina
na atuação cada vez maior dos Movimentos Sociais no ambiente
virtual. O acesso e a troca rápida de informações em qualquer
lugar do mundo, favorece o encontro de variadas culturas, e ao
26
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

mesmo tempo, o questionamento de condições sociais opressoras.


A realidade virtual, fortifica a luta e oportuniza de maneira
democrática a formação de diálogos socialmente silenciados.
O ciberespaço por se revelar um ambiente sem fronteiras faz
com que os dados divulgados tenham uma enorme proporção, se
em comparação com aqueles apresentados fisicamente. A inclusão
do Ciberativismo pelos Movimentos Sociais transforma-se em mais
um elemento cabível para a ampliação dos debates iniciados num
âmbito menor. No mesmo sentido, destaca Queiroz (2017, p.3 -
4):
[...] os ativistas dos movimentos sociais e as pessoas que
participaram das manifestações de protesto em todo o
mundo viram na Internet – mais especificamente nos blogs
e redes sociais –, uma oportunidade de ampliar o poder de
comunicação e defesa da causa em foco. O meio digital tornou-
se, então, o canal de comunicação mais usado pelos ativistas.
[...] O ciberativismo surgiu da apropriação das redes sociais
da internet pelos ativistas que defendem causas humanitárias,
políticas, culturais e econômicas. Alguns desses processos
começam tendo como foco determinada comunidade ou
cidade, mas cujas ramificações e interesses ultrapassam
fronteiras espaciais e ganham o mundo na defesa de direitos
coletivos.
Desta maneira, visualiza-se que a participação do
Ciberativismo com diversos Movimentos Sociais acontece pelo
fato de sua maior plataforma de divulgação ser o ciberespaço, o
qual facilita a troca e o acesso de informações entre as pessoas. A
participação do Ciberativismo na difusão de ideias permite que as
pautas relevantes para o meio social sejam discutidas por variados
grupos sociais. E a colaboração de diferentes grupos sociais nos
debates, faz com que eventuais mudanças, como culturais, alcancem
todos em condições amplamente satisfatórias.
Percebe-se que, a partir da década de 1990, os Feminismos
Latino-americanos, começaram a mudar os seus campos de atuação
(LIMA, 2019), passando a usarem as Tecnologias de Informação
e Comunicação (TIC’s) como ferramentas de expansão de suas
27
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

pautas (MATOS, 2010). Essas tecnologias ajudaram na formação


de uma sociedade direcionada para o campo virtual, aonde os
debates sociais estão sendo cada vez mais desenvolvidos (MALTA;
OLIVEIRA, 2016).
O Feminismo Negro começou a ser incluído na rede virtual
através de sites e blogs que apresentam informações e textos, os
quais retratam as vivências da mulher negra. Também, as redes
sociais contribuíram para a criação de grupos que falam sobre
os procedimentos estéticos atribuídos para as mulheres pretas
(MALTA; OLIVEIRA, 2016). A troca virtual de experiências
mostra-se cada vez mais possível, já que de acordo com Lima
(2019, p. 66):
A entrada no mundo digital, seja por meio das redes sociais
ou por meio dos blogs, vem possibilitando que ciberativistas
negras utilizem o ambiente virtual como um espaço repleto de
possibilidades de gerar, compartilhar e dar visibilidade `as suas
próprias narrativas. Mulheres negras, lésbicas, transexuais têm
feito uso regular das narrativas contra hegemônicas no intuito
de ampliar seu acesso a direitos e oportunidades, modificar a
imagem estereotipada que a sociedade[...] tem desses grupos e
favorecer, dessa forma, condições para uma vida mais digna.
Esses discursos são ainda fundamentais na reorganização da
própria subjetividade por apresentarem de forma positiva e
potente as vivências de indivíduos subalternizados.
Diante disso, entende-se que os conceitos de Ciberativismo
e Feminismo Negro são complementares na medida que a internet
ajuda na propagação das pautas relevantes para a mulher negra,
fazendo com que estas reinvindicações sejam mais conhecidas, e
consequentemente, discutidas. A rápida expansão das informações,
ocasiona o contato de diferentes grupos sociais, e com isso, a
contestação de pensamentos originários da mentalidade colonial
que se perpetuaram ao longo dos anos, os quais prejudicam a luta
da mulher negra por um tratamento apropriado.
Por conseguinte, essa articulação entre variados indivíduos
resulta no empoderamento comunitário, que segundo Baquero
(2012) trata-se do processo de capacitação de grupos ou indivíduos
28
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

menos favorecidos que agem com a finalidade de conquistar


plenamente direitos de cidadania, capazes de contribuírem nas
ações do Estado. Frisa-se que a ideia de empoderamento surge a
partir de uma visão individual, a qual posteriormente reflete nas
relações pessoais. O empoderamento de qualquer pessoa se inicia
quando ela toma consciência da sua realidade, e, em seguida busca
maneiras de mudá-la.
Seguindo esta linha, o empoderamento da mulher negra
se manifesta quando ela reconhece as dimensões do racismo e do
patriarcalismo no seu cotidiano, e movimenta-se para questionar
e alterar, tal contexto opressor. E o pensamento feminista negro
como uma teoria social crítica almeja o empoderamento das
mulheres negras numa conjuntura de injustiça social sustentada
pelas opressões interseccionais (COLLINS, 2019). Enquanto, o
Ciberativismo defende o empoderamento dos grupos sociais por
meio da disponibilização de informações no ambiente virtual.
Isto significa dizer, que o papel do ciberespaço em termos
práticos colabora para o processo de reconhecimento emancipatória
da mulher negra. No momento, em que há o diálogo e a articulação
para questionar a realidade discriminatória, proporciona para a
mulher negra um sentimento de pertencimento e acolhimento, que
se concretiza pela conscientização do seu papel transformador.
Sem prejuízo, evidencia-se, ainda que, o processo de
empoderamento possa iniciar de forma individual o seu verdadeiro
impacto, manifesta-se coletivamente. Sob este ângulo, destaca
Ribeiro (2018, p.135-136):
O termo “empoderamento” muitas vezes é mal interpretado.
Por vezes é entendido como algo individual ou a tomada de
poder para se perpetuar opressões. Para o feminismo negro,
possui um significado coletivo. Trata-se de empoderar a si e aos
outros e colocar as mulheres como sujeitos ativos da mudança.
[...] Não é a causa de um indivíduo de forma isolada, mas
como ele promove o fortalecimento de outros com o objetivo
de alcançar uma sociedade mais justa [...]. Significa ter
consciência dos problemas que nos afligem e criar mecanismos
para combatê-los. Quando uma mulher se empodera, tem
29
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

condições de empoderar outras.


Dessa maneira, apura-se, que o conceito de empoderamento
se relaciona diretamente com os conceitos de Feminismo Negro e
Ciberativismo, em razão de suas aplicabilidades sob o viés coletivo.
O propósito está em discutir pautas relevantes para as mulheres
negras, enquanto, gera uma mudança de posturas sociais de todas
as pessoas, sendo pretas, ou não.
Assim sendo, mostra-se imprescindível enfatizar a atuação
conjunta do Feminismo Negro e Ciberativismo nesse processo de
empoderamento das mulheres negras. Tal noção pode ser defendida,
pois esse processo de empoderamento acontece no ciberespaço
na medida que as pessoas se articulam de forma igualitária em
prol do desenvolvimento de uma sociedade justa e democrática
(FONSECA; SILVA; TEIXEIRA FILHO, 2020).
Depreende-se, que mesmo, a desigualdade de raça e gênero
estejam presentes no meio social a colaboração entre o Feminismo
Negro e Ciberativismo pode ajudar no processo de enfrentamento
da desigualdade sofrida pela mulher negra brasileira, uma vez
que, trazem para o plano prático os debates sobre o racismo e o
machismo presentes na sociedade. O ciberespaço possibilita a
amplificação de variadas discussões, a aproximação de diferentes
grupos e a influência na mudança de posturas sociais.
Portanto, observa-se na atualidade, uma crescente tendência
das feministas negras de usarem a internet como veículo de divulgação
de suas demandas, fomentando o processo de empoderamento
de outras mulheres pretas. Este empoderamento promove uma
profunda articulação contra o preconceito, que reflete na alteração
de pensamentos historicamente enraizados na sociedade, ajudando
no processo de efetivação de direitos básicos das mulheres negras,
como a saúde, educação e igualdade. A inclusão da internet no
Feminismo Negro, por intermédio do Ciberativismo auxilia na
reflexão do contexto social da mulher negra e serve como mais um
alicerce ao enfrentamento gradual da desigualdade de raça e gênero.
30
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

3 Considerações finais

A Constituição Federal de 1988 estabelece que todos são


iguais perante a lei, proibindo atos preconceituosos baseados
na origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de
discriminação. Entretanto, no plano real este direito não se aplica
plenamente, considerando o contexto de desigualdade que atinge
variados grupos e esferas sociais.
Entre esses grupos sociais que encontram-se numa situação
desigual estão as mulheres negras, que sofrem com as discriminações
de raça e gênero. Assim, torna-se necessária a busca de alternativas
que ajudem no enfrentamento da desigualdade, através da
efetivação prática do direito à igualdade, com a participação e
envolvimento da sociedade. Os Movimentos Sociais se apresentam
como uma possibilidade viável capaz de auxiliar nesse processo de
conscientização social, ao evidenciarem determinada realidade e
reivindicarem o desenvolvimento de condições que proporcionem
um tratamento equilibrado para todos.
Nessa perspectiva, o Feminismo Negro visa entre outros
pontos expor as experiências da mulher negra, denunciando as
situações de racismo e machismo enfrentadas por ela. Enquanto,
o Ciberativistimo é uma espécie de ativismo exercido por
determinados grupos, que utilizam o ciberespaço para aumentar a
divulgação de suas pautas.
É possível notar que a colaboração entre o Feminismo
Negro e Ciberativismo possibilita a ampliação dos debates sociais
que se preocupam em expor e discutir as demandas relativas à
mulher negra, ao mesmo tempo que, aproxima outros grupos, os
quais poderiam ter dificuldades de interagir fisicamente. Esta troca
de experiências, consequentemente, influi na mudança de posturas
sociais. Além disso, a disponibilização de informações favorece o
processo de empoderamento da mulher preta, o qual se manifesta
quando ela compreende e reconhece o contexto social que está
inserida.
31
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Diante disso, em que pese, a desigualdade de raça e gênero


estejam estruturados na sociedade brasileira a colaboração conjunta
tanto do Feminismo Negro, quanto do Ciberativimo pode ajudar
no processo de enfrentamento da desigualdade sofrida pela mulher
negra brasileira, uma vez que, trazem para o plano prático os
debates sobre o racismo e o patriarcalismo, bem como possibilitam
o empoderamento da mulher preta.
Portanto, o acesso e a troca de informações no ciberespaço
auxilia no reconhecimento do contexto social da mulher negra, que
pode resultar na transformação de espaços sociais, servindo de mais
um alicerce ao enfrentamento gradual da desigualdade de raça e
gênero, e, por conseguinte, na efetivação do direito à igualdade no
Brasil.

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34
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

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22, p. 23-32, dez. 2003.
Capítulo 2
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E CAMPANHAS
DE INCENTIVO PARA DENÚNCIA DOS
AGRESSORES: UMA ANÁLISE NO PERÍODO
DE ISOLAMENTO SOCIAL DA PANDEMIA DO
COVID-19

Eduarda Sampaio da Veiga


Nadyni Almeida de Almeida
Aline Antunes Gomes

1 Considerações iniciais

A violência praticada contra a mulher em seu ambiente


doméstico e familiar, acabou clamando por inovações
durante o período da pandemia causada pelo Covid-19, uma
vez que neste período, em virtude da medida de prevenção de
isolamento social da população, a vítima passou a permanecer em
casa juntamente com o agressor por períodos maiores de tempo.
Se em um período normal, a vítima já possuía medo e receio de
procurar à Polícia para denunciar as agressões, no período de
isolamento, estando constantemente sofrendo violências e sob
vigilância de seu ofensor, esse medo aumenta significativamente,
exigindo inovações do Estado.
Diante do exposto, o objetivo geral é verificar se houve a
criação de campanhas durante a pandemia e se estas alcançaram
o objetivo de auxiliar e incentivar as vítimas destas violências para
que proceda à denúncia de seu agressor. A hipótese é que as novas
formas de solicitar auxílio mediante frases disfarçadas ou símbolos,
junto a instituições participantes, se tornam uma alternativa para
que a vítima possa denunciar a agressão, mesmo na companhia do
36
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

agressor.
A justificativa desta pesquisa encontra fundamento na
necessidade de inovações nas formas de prestar auxílio às vítimas
de violência doméstica, na medida em que é comum que esta
possua medo e/ou vergonha de relatar estes episódios, ou, ainda,
que não consiga um momento longe da observação do agressor,
para comparecer à Delegacia de Polícia e denuncia-lo.
Esta pesquisa é relevante, na medida em que a Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher exige maior atenção
da sociedade em geral, em que pese a existência de lei própria
para proteção, assim como medidas protetivas e assistência
especializada para a vítima, há uma grande dificuldade do Estado
tomar conhecimento das situações vivenciadas, uma vez que são
perpetradas dentro do ambiente doméstico, onde inexistem, muitas
vezes, testemunhas.
Foi utilizada como metodologia, a pesquisa bibliográfica,
qualitativa e expositiva, com o estudo da Lei n° 14.188/21 (Sinal
Vermelho contra a Violência Doméstica) e Lei nº 15.512/20
(Máscara Roxa), bem como pesquisas doutrinárias e análise de
artigos disponibilizados nas plataformas digitais.

2 A pandemia causada pelo Covid-19 e a violência doméstica


durante o período de isolamento social

A pandemia causada pela doença Covid-19, foi responsável


por diversas alterações na vida cotidiana de cidadãos de diversos
países. No Brasil, o primeiro caso da doença foi confirmado em 26
de fevereiro de 2020 e, infelizmente, a partir desta data os números
passaram a aumentar drasticamente.
Uma das medidas de prevenção recomendadas pelo
Organização Mundial da Saúde, na intenção de conter o avanço
da transmissão da doença, foi a medida de isolamento de casos
suspeitos e o distanciamento social.
A medida de distanciamento social foi responsável pela
37
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

permanência das pessoas em casa, devido ao fechamento dos


estabelecimentos considerados não essenciais e em alguns casos,
pela redução da jornada de trabalho de outros órgãos.
Com a vigência do distanciamento social, muitas mulheres
passaram a permanecer em casa, na companhia de seus agressores,
que então não precisariam ausentar-se da residência para trabalhar.
Estas situações, expandiram o risco de aumento da violência
doméstica, o que acabou se aliando ao fato de, assim como qualquer
outro estabelecimento, os órgãos do sistema Judiciário, também
tiveram seus serviços interrompidos ou reduzidos.
Neste período, a liberdade que antes existia, de sair para
lugares que faziam parte da rotina das pessoas foi restringida,
não havendo possibilidade, à exemplo, da visita à família,
comparecimento a igrejas, escolas, serviços de proteção e até mesmo
a busca por atendimento junto ao sistema de saúde sofreu impacto,
já que houve a priorização dos serviços da saúde para atendimento
de casos referentes à Covid-19, justamente pelo alto de risco de
contágio e colapso do sistema de saúde.
Segundo Marques et al. (2020), a redução do contato da
vítima com seu círculo social, amigos e familiares, causa a redução
de oportunidades de a mulher criar ou manter uma rede social de
apoio, solicitar auxílio ou buscar sair da situação de violência. Essa
convivência durante o dia diminuem as chances de que se realize
a denúncia com segurança, o que acaba impedindo, muitas vezes,
que a vítima tome esta decisão.
Outros aspectos que podem agravar as violências é o aumento
de estresse do agressor gerado pela situação de medo e incerteza
vivenciada durante o período de isolamento, a impossibilidade de
convívio social, a possibilidade de redução de renda e o consumo
de bebidas alcoólicas, aliado a sobrecarga de trabalho doméstico
da mulher, do cuidado com filhos e demais familiares, ocasionam
a diminuição de chances de que qualquer conflito com o agressor
seja evitado (MARQUES et al., 2020).
Evidente que, estes fatores acabaram conduzindo à um
38
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

aumento significativo de violência e neste caso, a vítima, viu os


meios de procurar ajuda serem reduzidos, quer pela constante
vigilância do agressor, quer pela interrupção ou diminuição dos
serviços de proteção.
De acordo com a terceira edição da pesquisa “Visível
e Invisível” encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (2021, p. 11), “4,3 milhões de mulheres (6,3%) foram
agredidas fisicamente com tapas, socos ou chutes. Isso significa
dizer que a cada minuto, 8 mulheres apanharam no Brasil durante
a pandemia do novo coronavírus”.
A referida pesquisa (2021), também, evidenciou que o
tipo mais frequente de violência foi a ofensa verbal, como insultos
e xingamentos. Foram 13 milhões de brasileiras (18,6%) que
relataram ter experimentado este tipo de violência. Além disso, 5,9
milhões de mulheres (8,5%), afirmaram ter sido vítimas de ameaças
de violência física como tapas, empurrões ou chutes. Cerca de 3,7
milhões de mulheres (5,4%) relataram ter sofrido ofensas sexuais
ou tentativas forçadas de manter relações sexuais. Sofreram ameaças
com faca ou arma de fogo, 2,1 milhões de mulheres (3,1%) e 1,6
milhão (2,4%) de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa
de estrangulamento. Ainda, de acordo com o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (2021, p. 12):
Em termos gerais, 1 em cada 4 (24,4%) das mulheres
brasileiras acima de 16 anos afirmaram ter sofrido algum
tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses, durante a
pandemia de covid-19. Isso significa dizer que, em média, 17
milhões de mulheres sofreram violência baseada em gênero no
último ano.
Além disso, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (2021, p. 12), “44,9% das mulheres não fizeram nada em
relação à agressão mais grave sofrida.” E, segundo a Ouvidoria
Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), apenas entre os dias 1º
e 25 de março de 2020, ocorreu um aumento de 18% no número
de denúncias registradas pelos serviços do Disque 100 e do Ligue
180 (BRASIL, 2020).
39
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Esse cenário de aumento da violência doméstica durante


a pandemia do Coronavírus denota a necessidade de políticas ou
ações afirmativas capazes de auxiliar às vítimas, tanto para a sua
proteção e erradicação da violência, quanto de alternativas para
denunciar o agressor e obter a sua responsabilização judicial. O
próximo tópico, porquanto, trata das campanhas de incentivo para
a realização da denúncia das violências sofridas pelas mulheres.

3 As campanhas de incentivo para a denúncia da violência


contra a mulher

A Lei Maria da Penha, que entrou em vigor no ano de 2006,


especificou as diversas formas de violência que a mulher pode ser
vítima no ambiente doméstico1, prevendo, também, uma rede de
assistência que deve ser oportunizada às vítimas.
Porém, assim como ocorre em qualquer outra situação
de violência praticada dentro da residência da vítima por pessoa
de seu núcleo familiar, tem-se a dificuldade do Estado de tomar
conhecimento dos delitos ali cometidos.

1 Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o
pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação
de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
(Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018); III - a violência sexual, entendida como
qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação
sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a
induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça
de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao
aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou
que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência
patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração,
destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a
satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta
que configure calúnia, difamação ou injúria.
40
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Em contrapartida, a vítima que encontra-se sob a observação


do agressor, constantes ameaças, violência psicológica e físicas,
além de outras, acaba se encontrando em uma situação delicada,
pois, muitas vezes, não consegue sentir-se segura o suficiente
para deslocar-se até uma delegacia de polícia e se o faz, não sente
segurança de que a denúncia surtirá algum efeito.
Não são raros os casos em que a vítima representa na
autoridade policial pelo andamento da investigação, mas por
importunação do agressor e ameaças, retira as acusações, retornando
ao ambiente violento. Há, também, casos em que, mesmo com
a medida de proteção vigente, o agressor procura a vítima para
agredi-la. Repisa-se que, em muitos destes casos, o agressor por
saber que a vítima procurou a polícia para fugir de suas investidas,
retorna mais violento.
Como já mencionado, a decisão da vítima de procurar
a justiça para proteger-se das agressões, muitas vezes encontra
empecilhos. Uma destas é a condição psicológica da vítima que,
em muitos casos, devido a violência constante, sente-se esgotada,
incapaz de livrar-se sozinha do ciclo de violência, com medo de
que o agressor cumpra as ameaças. Assim, a criação de métodos
tecnológicos e adequados para prestar auxílio torna-se um
instrumento importante para que a vítima consiga ter acesso às
medidas.
Uma campanha do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
e da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), denominada
Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, traz inovações para
que a vítima consiga auxílio, mesmo sob a observação do agressor,
em repartições públicas e entidades privadas de todo o País,
bastando que chegue ao local e mostre um X vermelho na palma da
mão, devendo ser realizadas campanhas informativas e capacitação
permanente dos profissionais pertencentes ao programa, a
fim de que possa entender o sinal, acionar a Polícia e realizar o
encaminhamento da vítima para atendimento especializado.
O programa criado como medida de enfrentamento
41
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

da violência doméstica está previsto na Lei nº 14.188/21, que


entrou em vigor em 28 de julho de 2021. Além disso, a referida
Lei acrescentou ao art. 129 do Código Penal, o § 13º, que traz o
seguinte teor:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
[...]
§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da
condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121
deste Código:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos)
O Código Penal que já havia sofrido alterações em 31 de
março de 2021, por meio da Lei nº 14.132/21 que acrescentou
o art. 147-A, o qual prevê o crime de perseguição e revogou a
contravenção penal de perturbação da tranquilidade, também
passou a vigorar com a inclusão do delito de violência psicológica
contra a mulher trazido pela Lei nº 14.188/21:
Violência psicológica contra a mulher
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique
e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar
ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e
decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação,
manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização,
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que
cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a
conduta não constitui crime mais grave.
Outra modificação trazida pela Lei nº 14.188/21, foi a
modificação do artigo 12-C da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha):
Art. 12-C.  Verificada a existência de risco atual ou iminente
à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher
em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus
dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar,
domicílio ou local de convivência com a ofendida:  
42
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

O artigo passou a prever, também, que existindo risco atual


ou iminente à vida ou integridade psicológica da mulher ou de
seus dependentes, será imediatamente afastado o agressor do lar,
domicílio ou local de convivência com a ofendida. Anteriormente,
o artigo previa apenas a hipótese de risco atual ou iminente à
integridade física da vítima.
Outra campanha que foi desenvolvida tendo o mesmo
objetivo é a campanha da Máscara Roxa, lançada em junho de
2020, na intenção de oportunizar às vítimas de violência doméstica
uma forma de denúncia dos agressores. Nesta campanha, que teve
início durante o período de pandemia do Covid-19, em que devido
a necessidade de isolamento, aumentou o tempo em que vítima
e agressor permaneciam juntos em casa, utilizou-se as farmácias
como centro para atender as vítimas, já que por ser serviço essencial,
puderam permanecer abertas durante o período de isolamento.
Neste caso, as farmácias participantes possuem em suas
vitrines e portas, um selo escrito “Farmácia Amiga das Mulheres”,
para que a vítima as identifique, devendo adentrar o estabelecimento
e pedir ao atendente a máscara roxa. Assim como na campanha
anteriormente citada, os atendentes devem ser capacitados para o
procedimento e garantia da segurança da vítima. Após o pedido, o
atendente dirá que o produto está em falta e pegará alguns dados
para avisar a vítima do reabastecimento, dados que repassará à
Polícia Civil, a partir do aplicativo de mensagens “WhatsApp” para
que o órgão tome as medidas necessárias.
A campanha adquiriu previsão legal por meio da Lei nº
15.512/202 e perduram seus efeitos enquanto viger o Decreto nº

2 Art. 1º As farmácias e outros estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços


que permanecerem em funcionamento, enquanto perdurarem os efeitos do estado
de calamidade pública no Estado do Rio Grande do Sul, para fins de prevenção
e de enfrentamento à epidemia causada pela Covid-19 (Novo Coronavírus),
ficam autorizados a receber denúncias de violência doméstica, encaminhando-as
imediatamente para as autoridades competentes adotarem, com urgência, as medidas
protetivas necessárias e cabíveis.
Art. 2º A denúncia poderá ser realizada de forma presencial, devendo ser encaminhada
43
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

55.128/20, que declarou estado de calamidade pública no Estado do


Rio Grande do Sul, em razão da pandemia causada pelo Covid-19.
A lei autoriza que as farmácias e outros estabelecimentos comerciais
e prestadores de serviços, durante o período de calamidade pública
do Estado do Rio Grande do Sul, recebam denúncias de violência
doméstica e as encaminhem as autoridades competentes com
urgência.
Essas campanhas possibilitam, portanto, que as mulheres
vítimas de violência doméstica busquem apoio e proteção do Estado,
a fim de cessar a situação de vulnerabilidade em que se encontram
junto aos agressores. Com isso, seus direitos fundamentais,
previstos na Constituição Federal (1988), como proteção da vida,
integridade física e psíquica, liberdade e autonomia, bem como sua
dignidade humana podem ser garantidos.

4 Considerações finais

De acordo com a presente pesquisa, verificou-se que foram


criadas campanhas que possuem como objetivo, incentivar que
as vítimas de violência doméstica realizem a denúncia contra o
agressor. Estas campanhas foram elaboradas para oferecer à vítima
uma forma alternativa de realizar a denúncia, já que basta mostrar
o símbolo do X vermelho ou proferir a frase disfarçada para que a
denúncia seja identificada pelo atendente.
Durante o período de pandemia em que, devido ao
fechamento ou redução de período laborativo de estabelecimentos e

pelo atendente nos estabelecimentos referidos no art. 1.º aos telefones 180 ou 190
ou outro que, eventualmente, venha a ser disponibilizado pelas autoridades, para
essa finalidade. Parágrafo único. O atendente anotará os dados da pessoa que faz a
denúncia, seu nome, endereço e número de telefone para eventual contato.
Art. 3º Quando não for possível haver a menção expressa da denúncia, por motivo de
segurança da denunciante, será utilizada a frase de passe “PRECISO DE MÁSCARA
ROXA”, para que o atendente preste ajuda. Parágrafo único. Mencionada a frase
de passe, o atendente deverá informar à pessoa que o produto não está disponível,
mas sendo recebido, requerendo os dados indicados no parágrafo único do art. 2.º,
efetuando imediatamente a comunicação às autoridades, pelos telefones 180, 190 ou
outro disponibilizado para esse fim.
44
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

repartições públicas, no que se inclui Delegacias de Polícia, Fóruns,


Promotorias de Justiça e órgãos que visam acolher as vítimas destas
violências, assim como, houve a limitação do trânsito de pessoas e
maior permanência da vítima junto ao seu agressor, as campanhas
apresentam inovações, uma vez que não exige que a vítima
verbalize expressamente a situação de violência, o que permite à
ela, denunciar seu agressor, até mesmo na presença dele.
Portanto, as campanhas oferecem uma forma de socorrer
a vítima que não consegue sair da vigilância do agressor para
denunciar a violência de forma presencial nas Delegacias de Polícia
ou Brigada Militar.
Este estudo teve a intenção de realizar uma discussão
prévia sobre as campanhas de incentivo de denúncias de violência
doméstica no período de isolamento social, demonstrando,
que houve a criação de formas alternativas para que as vítimas
denunciassem os fatos, porém, o tema carece de novas pesquisas,
para fins de identificar se ambas as campanhas são de conhecimento
das vítimas.
Sugere-se que pesquisas posteriores, sejam feitas para
verificar a ocorrência destas denúncias na prática, assim como
existência das capacitações destes profissionais e o procedimento
feito para a comunicação à Delegacia de Polícia.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa Brasileira, de


05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 set.
2021.
BRASIL. Lei nº 11.340/06, de 07 de agosto de 2006. Cria
mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra
a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição
Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana
45
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher;


dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o
Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 26 set. 2021.
BRASIL. Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021. Acrescenta o
art. 147-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal), para prever o crime de perseguição; e revoga o
art. 65 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei
das Contravenções Penais). Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14132.htm. Acesso
em: 29 set. 2021.
BRASIL. Lei nº 14.188/21, de 28 de julho de 2021. Define
o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência
Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência
doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340,
de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei
nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), em todo
o território nacional; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar a modalidade
da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por
razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de
violência psicológica contra a mulher. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14188.htm.
Acesso em: 26 set. 2021.
BRASIL. Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ODNH),
do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
(MMFDH). Coronavírus: sobe o número de ligações para
canal de denúncia de violência doméstica na quarentena,
2020. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/
noticias/2020-2/marco/coronavirus-sobe-o-numero-de-ligacoes-
para-canal-de-denuncia-de-violencia-domestica-na-quarentena.
Acesso em: 28 set. 2021.
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA;
46
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

DATAFOLHA, instituto de pesquisas. Visível e Invisível: A


Vitimização de Mulheres no Brasil. 3. ed. Brasil, 2021. Disponível
em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/06/
relatorio-visivel-e-invisivel-3ed-2021-v3.pdf. Acesso em: 28 set.
2021.
MARQUES, Emanuele Souza et al. A violência contra mulheres,
crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19:
panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cadernos de
Saúde Pública [online]. v. 36, n. 4. Disponível em: https://doi.
org/10.1590/0102-311X00074420. Aceso em: 28 set. 2021.
RIO GRANDE DO SUL. Decreto nº 55.128, de 19 de
março de 2020. Declara estado de calamidade pública em
todo o território do Estado do Rio Grande do Sul para fins de
prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo Covid-19
(novo Coronavírus), e dá outras providências. Disponível em:
http://www.al.rs.gov.br/legis/M010/M0100018.asp?Hid_
IdNorma=66175. Acesso em: 29 set. 2021.
RIO GRANDE DO SUL. Lei nº 15.512/20, de 24 de agosto
de 2020. Institui o recebimento de comunicação de violência
doméstica e familiar contra a mulher, por intermédio de
atendentes em farmácias e outros estabelecimentos comerciais
e prestadores de serviços em funcionamento durante a vigência
do estado de calamidade pública no Estado do Rio Grande do
Sul, em decorrência da Covid-19 (Novo Coronavírus), e dá
outras providências. Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/
filerepository/repLegis/arquivos/LEI%2015.512.pdf. Acesso em:
26 set. 2021.
Capítulo 3
A DICOTOMIA DAS CONCEPÇÕES (PRÉ)
FEMINISTAS DA FILÓSOFA HANNAH ARENDT

Raíssa Pedroso Becker de Lima


Daiane Caroline Tanski
Mariana Figueira Fontoura
Sabrina Figueira
Vanessa Steigleder Neubauer

1 Considerações iniciais

O presente estudo abordará questões pertinentes a teoria


de uma das grandes filósofas alemãs Hannan Arentd,
nascida em 14 de outubro de 1906, filha de família judaica,
que ficou conhecida como a pensadora da liberdade. Vivenciou
as grandes transformações do poder político até o século XX.
Arendt, estudou a formação dos regimes autoritários, totalitários,
determinados nesse período como o nazismo e o comunismo.
Ainda, defendeu também os direitos individuais e da família contra
as sociedades de massas. As principais obras de Arendt são: “As
origens do Totalitarismo”, “Eichmann em Jerusalém”, “Entre o
Passado e o Futuro” e “A condição Humana”.
Também, propagou a ideia acerca da expressão de
natalidade, relacionando-a aos conceitos de liberdade e igualdade,
trazendo à tona que todos os sujeitos tinham aptidão de ação sem
distinções. Apesar disso, também foi criticada severamente pelas
feministas Adrienne Rich e Mary O’Brien em razão de ter deixado
de questionar a dicotomia público-privado, conformetratando-as
de maneira exclusiva e estereotipada, fato o qual fez com que fosse
chamada de “antifeminista” e “pré-feminista”.
A partir dessas perspectivas, o objetivo da pesquisa é analisar
48
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

a teoria de Hannah Arendt, bem como a dicotomia das concepções


(pré) feministas da filósofa Hannah Arendt, com intuito de
demostrar que mesmo diante a crítica que se estendeu a sua filosofia,
ela hermeneuticamente possuía uma preocupação com os aspectos
que tangem a liberdade e igualdade de direito. A pesquisa se justifica
pela crítica gerada em face das ideias propagadas pela autora e sua
importância para a construção de concepções feministas.
Para alcançar esse desígnio, realizar-se-á um estudo
qualitativo, de caráter explicativo, com método dedutivo, e
metodologia bibliográfica e documental. Ainda, salienta-se que o
propósito não é se voltar a crítica a filósofa propriamente dita, mas
sim demostrar os aspectos feministas em sua filosofia.
O problema de pesquisa é: como as concepções opostas e
ao mesmo tempo contributivas de Hannah Arendt auxiliaram na
construção do movimento feminista na sociedade atual, a partir
do direito à igualdade e liberdade? As obras de Hannah Arendt,
são fundamentais para compreender e refletir sobre a sociedade
atualmente, e provavelmente os conceitos trazidos pela filósofa
constituíram algumas das discussões dos movimentos feministas,
como à liberdade e igualdade de agir diante da sociedade.

2 Desenvolvimento

Hannah Arendt foi uma filósofa alemã e teórica política


contemporânea, de origem judia experienciou as vivencias negativas
da perseguição nazista. Conforme Oliveira (2014), nos últimos
tempos não param de aparecer novos títulos reunindo material
inédito ou publicado em veículos de circulação limitada durante a
vida da autora. Oliveira (2014, p. 17) ressalta:
Depois da publicação de Origens do totalitarismo passaram-se
sete anos até o aparecimento do seu livro seguinte “A condição
humana”, publicado em 1958. Mas ela não permaneceu inativa
durante o longo intervalo. O livro sobre o totalitarismo, apesar
da admiração que provocou, também recebeu severas críticas;
entre elas a de que considerar o comunismo e o nazismo como
49
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

variantes de um mesmo fenômeno totalitário era abusivo, no


limite uma contribuição de uma autora “americana” à Guerra
Fria.
Uma das maiores acusações que Arendt endereça aos
regimes totalitários é a de que eles procuram fabricar algo que não
existe, isto é, um tipo de espécie humana que se assemelhe a outras
espécies animais, e cuja única ‘liberdade’ consista em ‘preservar a
espécie (OLIVEIRA, 2014).
A obra de Hannah Arendt desenvolve uma espécie de
reconstrução dos direitos humanos, segundo Lafer (1941) não leva
a um sistema, pois permite, no entanto, identificar problemas que
são importantes e se tornaram relevantes em virtude da ruptura
totalitária. Conforme Lafer (1988, p. 18):
A ruptura surge, provocando o hiato de que fala Hannah
Arendt, e levando ao desconcerto epistemológico, quando
a lógica do razoável que permeia o paradigma da Filosofia
do Direito não consegue dar conta da não-razoabilidade
que caracteriza uma experiência como a totalitária. Esta,
convém frisar, não foi fruto de uma ameaça extrerna mas, ao
contrário, foi gerada no bojo da própria modernidade e como
desdobramento inesperado e não-razoável de seus valores. [...]
A convicção, explicitamente assumida pelo totalitarismo, de
que os seres humanos são supérfluos e descartáveis, representa
uma contestação frontal à ideia do valor da pessoa humana
enquanto “valor-fonte” de todos os valores políticos, sociais e
econômicos e, destarte, o fundamento último da legitimidade
da ordem jurídica, tal como formulada pela tradição, seja no
âmbito do paradigma do Direito Natural, seja no da Filosofia
do Direito. Daí a necessidade de precisar como ocorreu
especificamente esta ruptura no plano jurídico e quais são
algumas das respostas possíveis a esta situação.
Assim, no jusnaturalismo moderno, foi sendo elaborada a
ideia de direitos inatos, tidos como uma verdade evidente, que seriam
a medida da comunidade política, mas que dela independeriam. A
Declarações de Direitos Humanos, nas constituições, tinha como
objetivo conferir segurança aos direitos nelas contemplados, para
tornar aceitável pela sociedade a variabilidade do Direito Positivo,
requerida pelas necessidades da gestão do mundo moderno
50
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

(LAFER, 1988).
A reconstrução do tema dos direitos humanos elaborada
com base em desenvolvimentos ou sugestões contidas na obra de
Hannah Arendt permite identificar problemas que são importantes
e se tornaram relevantes em virtude da ruptura totalitária (LAFER,
1988).  
Diante das obras de Hannah, principalmente da intitulada
“A condição Humana”, questionou-se se suas teses relacionadas a
esferas pública e privada eram ideias opostas à luta feminista (ASSIS,
2006). No entanto, após a autora trazer em sua obra a conceituação
do termo natalidade como inerente à vida e à capacidade de todos
os seres humanos, enfatizou-se a concepção de que a condição da
natalidade estaria interligada à ação, logo todos os sujeitos possuem
aptidão para serem integrantes ativos da política, e com isso as
mulheres também são incluídas como indivíduos de direitos, e
não somente integrantes da esfera privada e excluídas da sociedade
(ASSIS, 2006).
Destaca-se que ao Arendt se referir acerca da expressão
natalidade trouxe diversas conceituações, como nascimento, ou
seja, uma oportunidade do sujeito ao vir ao mundo dar início a
algo novo, mas, da mesma forma menciona que esse termo seria
inerente à ação –possibilidade de cada indivíduo de iniciar algo
novo. Com isso, seria demonstrada a singularidade dos seres
humanos, mediante sua inserção no mundo (ARENDT, 1991).
De acordo com Hannah Arendt essa capacidade de agir
seria o próprio conceito de liberdade: “Com a criação do homem,
veio ao mundo o próprio preceito de início; e isto, naturalmente, é
apenas outra maneira de dizer que o preceito de liberdade foi criado
ao mesmo tempo, e não antes, que o homem” (ARENDT, 1991,
p. 190).
Assim, a condição humana de natalidade atribui a
competência de realizar escolhas, de consentir, ou discordar com
o estado das coisas. Portanto, esse fato influência diretamente no
direito de igualdade dos sujeitos atribuindo-se esse direito não
51
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

somente aos homens no âmbito da esfera pública, mas conferindo


tal garantia as mulheres (BRUNKHORST, 2001).
Além disso, a definição de natalidade assegura o direito
de poder dizer não a tradições e hierarquias, as quais julgam e
oprimem mulheres, podendo dar início a uma sociedade com ações
inclusivas e respeito, imprescindíveis para ruptura da subordinação
das mulheres e das condições de desigualdade presentes ainda hoje.
Desta forma, verifica-se que as ideias da filósofa realmente
conduziram para uma perspectiva de igualdade e liberdade.
No entanto, importante mencionar aspectos críticos diante da
concepção arendtiana.
Na perspectiva crítica feminista Hannah deixou de
questionar exclusões na dicotomia público-privado, e sem essas
indagações replicou estereótipos referentes as esferas como
sendo o público relacionada ao sexo masculino – cultura, razão,
necessidades, e aos sentimentos. Nesse sentido, a filósofa não teria
incitado a luta pela igualdade das mulheres, uma vez que esta
iniciou com o confronto a herança de atribuir gênero à fronteira
público e privado (MARTINS, 2005).
Ademais, outros críticos dizem que Hannah Arendt seria
uma pré-feminista, ou antifeminista, citando que, de acordo com
sua biógrafa Elisabeth Young-Bruehl, Arendt “tinha suspeita de
mulheres ‘que davam ordens’, cética sobre se as mulheres deviam
ou não ser líderes políticas, e firmemente opositora das dimensões
sociais da emancipação das mulheres [Women’s Liberation]”
(Young-Bruehl apud BENHABIB, 1993).
Contudo, ressalta-se que algumas feministas utilizam e
reinterpretam as ideias arendtianas de política, visto que ela trouxe
conceitos que melhor atendem e se aproximam aos anseios e
projetos feministas, ainda que se discuta e critique a posição de
Hannah Arendt (BRENO, 2010).
Com isso, a teoria de Hannah Arendt vem sendo muito
debatida e continua sendo muito desafiadora, intrigante e quase
sempre enfurecedora. Quando confrontadas com algumas distintas
52
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

características surgem então desapontamentos enquanto teorias


feministas, como as características entre liberdade e necessidade,
o público e o privado, o masculino e o feminino. (BENHABIB
1993). E é segundo as palavras de Hanna Pitkin (1981) que é
possível:
É possível que Arendt mantenha uma doutrina tão abjeta
— uma que negue a possibilidade de liberdade, de uma vida
verdadeiramente humana, e mesmo da realidade, para todos
além de um punhado de homens que dominam todos os
outros e os excluem do privilégio pela violência? E quando
os excluídos e miseráveis entram na história, é possível que
Arendt condene-os por sua fúria, sua falência em respeitar a
‘imparcialidade da justiça e das leis’? Imparcialidade! Justiça!
Onde estavam esses princípios quando a imensa maioria era
relegada à degradação e miséria? (PITKIN, 1981, p. 336)
Para Arendt, a nossa era moderna foi baseada em um
erro categorial, ou seja, em uma série de erros, e o principal
seria aceitar que as funções corporais e preocupações materiais
pudessem se tornar assuntos públicos. E o que isso implicaria para
as mulheres, se significaria que a emancipação das mulheres ainda
é mais problemática que a dos trabalhadores, pois parecem ser
representantes do reino do corpo. (BENHABIB 1993)
E ao ingressar no espaço público as mulheres aparentam
estar trazendo consigo o princípio de realidade para dentro dessa
esfera, as necessidades que se originam do fato de ter um corpo,
e que, a partir da teoria de Arendt, respectivamente não tem
espaço no público. Dito de forma mais clara, a emancipação das
mulheres anarquiza a ideia da filosofia política de Hannah Arendt
e de sua reivindicação de que “cada atividade humana aponta para
sua localização apropriada no mundo” (ARENDT 1973, p. 73).
(BENHABIB 1993)
A partir dessa passagem, a autora Benhabib (1993, p. 2)
diz que se torna difícil evitar que a impressão nessas passagens
“ontologiza a divisão do trabalho entre os sexos, e aquelas
pressuposições biológicas que têm historicamente confinado as
mulheres ao reino da família e somente à esfera da reprodução”.
53
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Se a teoria de Hannan Arendt se baseia somente a isso,


e ao que pode ser dito a respeito da filosofia política, então seria
possível relegar o que diz respeito as teorias dela, e relegar Arendt
daquelas mulheres que vem sendo extremamente talentosas. Mas
essas mulheres ainda não pertencem à comunidade masculina de
pesquisadores e pensadores, pois elas não convertem seus status de
párias em desafio e questionamento. (BENHABIB 1993).
Diante disso, a teoria de Hanna Arendt vem contribuindo
para discussões que envolvem o mundo moderno, para a autora, a
sociedade e as questões relacionadas a vida pessoal e a vida pública
ocuparam os espaços públicos, “na qual os interesses privados
assumem importância pública” (ARENDT, 1991, p. 44-45).
Também afirma a autora que a vida pública não se diferencia da
vida pessoal, ou seja, elas “recaem uma sobre a outra, como ondas
no perene fluir do processo da vida” (ARENDT, 1991, p. 43).
Afirma ainda a autora:
Embora a distinção entre privado e público coincida com
a oposição entre necessidade e liberdade, futilidade e
permanência, e, finalmente, entre vergonha e honra, não é
de forma alguma verdade que apenas o necessário, o fútil e o
vergonhoso tem seu lugar próprio no reino privado. O sentido
mais elementar dos dois domínios indica que existem coisas
que precisam ser escondidas e outras que precisam ser expostas
publicamente. (ARENDT, 1973, p.73)
Arendt acreditava que as transformações ocorridas ao longo
de toda a história são resultados das formas como sustentavam as
relações entre a vida doméstica, e a vida social. Essas consequências
levaram a derrocada da liberdade, pois ninguém poderia perder o
direito de participar dos espaços políticos, a ação para a autora é
ação política, e com essa perda de forma de expressar sua capacidade
de escolha, e com isso ocorriam inúmeras situações de opressões.

3 Considerações finais

De acordo com a pesquisa realizada o pensamento de Hanna


Arendt tem impactado os mais diversos debates sobre o tema que
54
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

se refere ao feminismo. Contribui de forma significativa para as


discussões e também para o crescimento do entendimento das
questões de gênero. A crítica que se deteve sobre a dicotomia entre
os assuntos que contempla a vida social e a vida pessoal, não ofuscou
as luzes que Arendt lança sobre a mulher e seu poder, possibilitando
discutir sobre a luta das mulheres por igualdade política, visto que
atualmente temos um número expressivo de mulheres ocupando
cargos políticos.
Finalizamos este texto pontuando o quanto esta filosofa foi
significativa para humanidade demostrando a partir de sua teoria
indagações referentes a exclusões na dicotomia sobre a vida privada
e a vida pública, entre o feminino e o masculino, pois é por meio
dessa teoria que diversas frentes feministas tem buscado igualdade
das mulheres.

Referências

ARENDT, Hannah. A condição humana. 5. ed. Rio de Janeiro:


Forense Universitária, 1991. Arendt, Hannah (1973 [1958]) The
human condition. Chicago: University of Chicago Press
ASSIS, Mariana Prandini Fraga. Uma apreciação feminista da
teoria arendtiana. Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em
Sociologia Política da UFSC. Santa Catarina: 2006, v. 3, n. 1, p.
1-17.
BENHABIB, Seyla. Feminist theory and Hannah Arendt
concept of public space. History of the human sciences: 1993,
vol. 6, n.2, 97-114. Traduzido por: Adriana Matos.
BRENO, Cipriano. Teoria Política Feminista: debates
conceituais sobre “a” política e “o” político. V Congreso Latino
americano de Ciência Política. Asociación Latino americana de
Ciencia Política. Buenos Aires: 2010.
BRUNKHORST, Hauke. “Equality and elitism in Arendt”. In:
VILLA, Dana (Ed.). The
55
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Cambridge Companion to Hannah Arendt. Cambridge:


Cambridge University Press, 2000. p. 178-198.
LAFER, Celso Lafer. A reconstrução dos direitos humanos:
um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. de A. Fundamentos de
Metodologia Científica. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2003.
MARTINS, Carla. Arendt: uma perspectiva feminina do
espaço público?. Livro de ACTAS, 4º SOPCOM. Universidade
Lusófona de Humanidade e Tencologias. Portugal: 2005, p. 701-
711.
OLIVEIRA, Luciano. 10 lições sobre Hannah Arendt. 4ª ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 2014.
PITKIN, Hanna (1981) “Justice. On relating private and public”,
Political Theory 9 (3): 327-52.
Capítulo 4
DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
NO SÉCULO XXI: O CAPITALISMO E O
MOVIMENTO REACIONÁRIO BOLSONARISTA

Sawara Gonçalves Santos


Letícia Maria Pereira Siqueira
Virgínia Stern da Silva

1 Considerações iniciais

O s direitos sexuais e reprodutivos são conquistas dos


movimentos feministas que visaram, especialmente a
partir da sua terceira onda, a consolidação da autonomia privada
das mulheres sobre seus próprios corpos. Garantia de aborto livre,
seguro e gratuito; acesso facilitado a métodos contraceptivos
eficazes; possibilidade de planejamento familiar autônomo; e
educação sexual nos ambientes escolares são algumas das pautas
que marcaram -e ainda marcam- as suas reivindicações.
Todavia, apesar dos avanços nos instrumentos internacionais
sobre as matérias serem evidentes, ainda há impedimentos estruturais,
institucionais, sociais e políticos que ameaçam a concretização
efetiva desses direitos, principalmente na esfera nacional de países
marcados pelo autoritarismo e/ou conservadorismo religioso.
À vista disso, o presente artigo possui como objetivo inicial
evidenciar a influência do sistema capitalista no controle reprodutivo
a partir de sua construção histórica e consequentes impactos na
mentalidade atual. No âmbito nacional, a discussão versa sobre as
conquistas legislativas, principalmente com a Constituição Cidadã,
e a atual conjunta política do Estado brasileiro com a ascensão do
governo Bolsonaro e sua agenda ultraconservadora religiosa ao
poder. Assim, o cerne deste trabalho torna-se comprovar a tentativa
58
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

-e concretização- do desmantelamento e demonização dos direitos


sexuais e reprodutivos no século XXI, especialmente no Brasil, por
movimentos reacionários direitistas e conservadores.
Nesse sentido, a presente pesquisa caracteriza-se como
bibliográfica e exploratória, uma vez que destrincha documentos
nacionais e internacionais, além de realizar uma análise de contextos
histórico e atual. Ademais, serão narrados casos paradigmáticos
brasileiros dos últimos dois anos que são resultados diretos do
governo Bolsonaro e suas políticas públicas negacionistas e
retrógradas.
Por fim, é imprescindível mencionar que, apesar de não
ser discutido neste artigo, o debate sobre os direitos sexuais e
reprodutivos e as consequências de movimentos reacionários nessa
matéria estende-se também à realidade de pessoas transsexuais,
especialmente homens trans e pessoas não-binárias. Diante disso,
reitera-se a necessidade de que sejam incluídas nessas pautas de
forma significativa, quebrando com a dominância do estudo
limitado a cisgeneridade nessa discussão.

2 Controle reprodutivo e a manutenção do capitalismo

Ao analisar a autonomia reprodutiva de mulheres e o


controle sobre os direitos reprodutivos, torna-se imprescindível
atentar para a relação necessária existente entre a manutenção do
capitalismo e a produção da força de trabalho, a qual se constitui
como a mercadoria mais essencial dentro do sistema, visto ser a
única capaz de criar valor. Assim, nota-se que as estratégias de
domínio sobre a capacidade reprodutiva possuem o objetivo basilar
de promover a produção e a reprodução de capital, fato que forneceu
substrato para o desenvolvimento de mecanismos responsáveis por
garantir e facilitar a violência e o acesso aos corpos detentores dessa
capacidade.
Nesse sentido, Federici (2019, p.30) explicita a conexão
existente entre a ampliação do controle sobre o corpo feminino
59
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

e a caça às bruxas, fato histórico considerado pela autora como


primordial para a instauração do capitalismo, o qual “buscou
destruir o controle que as mulheres haviam exercido sobre
sua função reprodutiva e serviu para preparar o terreno para o
desenvolvimento de um regime patriarcal mais opressor”. Evidencia-
se que as principais vítimas da Inquisição consistiram em mulheres
que detinham algum saber acerca de métodos contraceptivos e que
foram então denominadas de “bruxas”.
A autora ressalta que tal movimento representou o início
de um processo de criminalização e de subordinação à vontade
masculina de práticas que visavam o controle da natalidade, o qual
vinculava-se à necessidade de expansão da força de trabalho frente à
crise populacional que assolava a Europa a partir do século XVI e à
“mecanização do corpo proletário e sua transformação, no caso das
mulheres, em uma máquina de produção de novos trabalhadores”
(FEDERICI, 2019, p. 26).
Tem-se, como decorrência, a necessidade de justificar
a apropriação e o controle sobre o corpo feminino, culminando
na denominada “nova divisão do trabalho” por Federici (2019),
mediante a qual as mulheres são expulsas do espaço de trabalho
organizado e cria-se a figura da dona de casa, mascarando-se o
trabalho reprodutivo não remunerado exercido e contribuindo
para a feminilização da pobreza. De modo complementar, Alves
(2013, p.1) afirma que uma das principais características da divisão
sexual do trabalho é
situar os homens no campo produtivo e as mulheres no campo
reprodutivo, associando aos primeiros as funções com forte
valor social, como na esfera política, religiosa e militar. Além
disso, baseia-se em dois pressupostos organizadores, o da
‘separação’, que distingue trabalhos de homens e trabalhos de
mulheres, e o da ‘hierarquização’, que indica ser maior o valor
do trabalho de homens (ALVES, 2013, p. 1).
Federici (2019, p. 206) ressalta ainda que, diferentemente
do que transcorreu na Europa, “na América, onde a colonização
destruiu 95% da população nativa, a resposta foi o tráfico de
60
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

escravos, capaz de prover à classe dominante europeia uma


quantidade imensa de mão de obra”. Davis (2016), ao abordar
o processo de escravização dos Estados Unidos do século XIX,
explicita a exploração sexual e reprodutiva da qual as mulheres
negras escravizadas eram vítimas. Nesse sentido, demonstra que,
com a abolição do tráfico internacional da mão de obra escrava, a
reprodução natural foi o método mais utilizado para a ampliação
dessa força de trabalho. Assim, a autora escancara o controle
reprodutivo exercido ao afirmar que
[n]as décadas que precederam a Guerra Civil, as mulheres
negras passaram a ser cada vez mais avaliadas em função de sua
fertilidade (ou da falta dela): aquela com potencial para ter dez,
doze, catorze ou mais filhos era cobiçada como um verdadeiro
tesouro. Mas isso não significa que, como mães, as mulheres
negras gozassem de uma condição mais respeitável do que a
que tinham como trabalhadoras. A exaltação ideológica da
maternidade – tão popular no século XIX – não se estendia
às escravas. Na verdade, aos olhos de seus proprietários, elas
não eram realmente mães; eram apenas instrumentos que
garantiam a ampliação da força de trabalho escrava. Elas
eram “reprodutoras” – animais cujo valor monetário podia
ser calculado com precisão a partir de sua capacidade de se
multiplicar (DAVIS, 2016, p. 26).
À vista do exposto, percebe-se que foi estabelecida uma
condição de inferiorização da mulher em relação ao homem, a
quem ficavam garantidas as posições de poder. Consequentemente,
as mulheres foram afastadas dos locais de deliberação acerca de seus
próprios corpos e direitos, fato que perdura até os dias atuais. Com
efeito, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2020
(Mazza, Guimarães e Buono, 2021), somente 15% do Congresso
brasileiro é composto por mulheres, demonstrando como a grande
maioria das leis que versam acerca de direitos reprodutivos é
debatida e aprovada prescindindo-se da participação ativa daqueles
mais afetados por suas implicações.
Porém, mesmo em vista dessa falta de representação, avanços
legislativos foram realizados, fato a ser analisado no próximo tópico
ao debater-se acerca da elaboração e aplicação dos direitos sexuais
61
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

e reprodutivos.

3 Direitos sexuais e reprodutivos

Constantemente os direitos sexuais e reprodutivos são


referenciados como sinônimos, contudo, apesar de estarem
vinculados, um não se resume ao outro. Há o predomínio dessa
confusão conceitual devido a ideia – propagada por uma sociedade
patriarcal e capitalista – de sexo ligado com reprodução que ainda
vigora no país. Imprescindível esclarecer, portanto, que os direitos
reprodutivos se resumem ao direito de decidir livremente sobre o
número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos; ao direito
de ter acesso à informação, bem como aos meios para a tomada
de decisões. Já os direitos sexuais caracterizam-se pelo direito de
exercer a sexualidade e a reprodução livre de discriminação, coerção
ou violência (MATTAR, 2008).
Posto isso, os direitos sexuais e reprodutivos, conjuntamente,
se desdobram na escolha de ter ou não ter filhos; no direito ao aborto
legal; no direito a tratamento de fertilidade; no direito a uma saúde
reprodutiva de qualidade; no acesso a métodos contraceptivos; no
direito de realizar procedimentos de esterilização; dentre outros
(MATTAR, 2008).

3.1. O Brasil e os direitos sexuais e reprodutivos nos âmbitos nacional


e internacional

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) representa um


marco para a seguridade dos direitos das mulheres de um modo
geral, entretanto, quando se trata da salvaguarda dos direitos sexuais
e reprodutivos, não há abrangência constitucional expressamente
definida; dessarte, esses direitos pautam-se, majoritariamente, no
princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, inciso III da
CF/88) e em direitos análogos.
Dentre os direitos correlatos, destaca-se a proteção à
maternidade (CF/88, art. 6.º, caput); o acesso universal e igualitário
62
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

às ações e serviços de saúde (art. 196 da CF/88), especialmente o


acesso à informação e aos meios para decidir e gozar do mais elevado
padrão de saúde sexual e reprodutiva, livre de discriminações,
coerções ou violências (art. 226 § 7° da CF/88); o direito de todos
de constituírem livremente sua família e a igualdade entre os
membros desta entidade (art. 226, §3º da CF/88); e o direito de
decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e
a oportunidade de ter filhos (art. 226 § 7º da CF/88) (MATTAR,
2008).
Sobre o último direito aludido, no entanto, há ressalvas.
A Lei Federal 9.263 de 1996 regula o art. 226, §7° da CF/88,
vedando a esterilização cirúrgica voluntária para menores de 25
anos e para os civilmente capazes com menos de 2 (dois) filhos
(art. 10, inciso I); proíbe, também, que a esterilização seja realizada
após parto ou aborto (art. 10, inciso II, § 2°); e exige autorização
judicial de ambos os cônjuges para o procedimento (art. 10, inciso
II, § 5°). Tais estipulações mostram-se contraditórias levando-se em
consideração que a década de 90 foi marcada pelo avanço de pautas
feministas, relativas aos direitos reprodutivos, em âmbito nacional e
internacional. Assim, a limitação da esterilização voluntária por faixa
etária, por número de filhos na sociedade conjugal e a necessidade
de aprovação de ambos os nubentes expressa uma resposta das
camadas conservadoras às reivindicações pelos direitos e liberdades
femininas, independentemente da idade, da preexistência de filhos
ou da aprovação marital.
Uma das matérias mais polêmicas dentro da realidade
brasileira, referente aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres,
que passou por permissibilidades vitais nos últimos anos, é o aborto.
Este não foi expressamente tratado pela CF/88, pois no âmbito
da Assembleia Nacional Constituinte havia muitas discrepâncias
sobre o assunto (FACHIN, 2008, p. 228). Nesse viés, prevalece
sobre a matéria os dispositivos do Código Penal de 1940 (CP/40),
- Código que já passou por diversas alterações, tendo sua parte geral
reformulada, por não se adequar as atuais demandas sociais - neste
o aborto provocado pela gestante ou por terceiros, com ou sem o
63
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

consentimento da mesma é considerado crime (arts. 124, 125 e 126


do CP/40). Contudo, o aborto não é considerado ato ilícito caso a
vida da gestante esteja ameaçada pela gravidez ou seja resultado de
estupro (art. 128). Ademais, um marco jurisprudencial histórico,
por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015, permitiu
o aborto eugênico quando o feto, devido a defeito cromossômico,
é anencefálico.
Em um viés internacional, atualmente, predomina a
concepção de que os direitos sexuais e reprodutivos são parte
indispensável dos direitos humanos das mulheres. A formação
dessa ideologia inicia-se com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH) de 1948; nesta, o art. 2°, ao proclamar que
todos os seres humanos podem dispor dos direitos e liberdades
proclamados nesse documento, independentemente de raça, cor,
gênero e língua, fornece suporte a futura formulação dos direitos
reprodutivos.
Outro acontecimento internacional de extrema importância
para a seguridade dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres
foi a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra a Mulher (CEDAW) em 1979. Esta foi
promulgada no país pelo Decreto n° 4.377 de 13 de setembro de
2002 em sua quase completa totalidade, com ressalvas ao facultado
em seu art. 29, parágrafo 2°. É importante destacar a discrepância
de tempo entre a Convenção e a sua instauração no país, pois no
período em que foi realizada o Brasil enfrentava um regime militar
cujas principais preocupações não jaziam sobre a seguridade dos
direitos das mulheres; ainda, com o fim do regime ditatorial em
1984, o país passou por um longo processo de redemocratização,
nesse prisma, os movimentos feministas pela reivindicação de
direitos sexuais e reprodutivos somente ganharam força a partir da
década de 90.
Sendo assim, o art. 12, § 1° da CEDAW estipula que é
função dos Estados-Partes promover medidas “[...] para eliminar a
discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos a fim
de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres,
64
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

o acesso a serviços médicos, inclusive os referentes ao planejamento


familiar” (CONVENÇÃO, 1979). Ademais, o art. 16, § 1°, letra “e”
da presente convenção define que os Estados-Partes devem tomar
providencias para “[...] eliminar a discriminação contra a mulher
em todos os assuntos relativos ao casamento e as relações familiares
[...]” (CONVENÇÃO, 1979), devendo fornecer as informações, a
educação e os meios que lhes permitam decidir sobre as questões
reprodutivas.
A Conferência Mundial de Direitos Humanos de
Viena (1993), a Conferência Internacional de População e
Desenvolvimento (CIPD) do Cairo (1994) e a IV Conferência
Mundial sobre a Mulher em Pequim (1995) foram essenciais para
a legitimação dos direitos reprodutivos como direitos humanos,
tendo o Brasil se envolvido fortemente na Conferência do Cairo e
aprovado as declarações de Viena e Pequim. A Conferência do Cairo
foi o marco para a formação de um consenso internacional sobre
a ineficácia das políticas estatais coercitivas, referentes aos direitos
sexuais e reprodutivos, que passaram a constituir uma violação aos
direitos humanos (UNFPA Brazil, 2007, p. 34-36).
Durante a fase preparatória da CIPD, o Ministério das
Relações Exteriores brasileiro (MRE) criou um comitê nacional
formado por variados representantes do Executivo e organizou
um processo democrático de consulta nacional que contou com a
participação de organizações não governamentais feministas; como
resultado, elaborou-se a “Carta de Brasília” que reforçou princípios
básicos, incluindo a não-coerção, a saúde integral da mulher e os
direitos sexuais e reprodutivos (UNFPA Brazil, 2007, 34-36).
Diante do exposto, evidencia-se que o Brasil, em um âmbito
internacional, desempenhou, no final do século XX e no século XXI,
um papel muito participativo em conferências e convenções que
objetivaram assegurar os direitos sexuais e reprodutivos femininos;
além de, em âmbito nacional, sujeitar medidas a fim fazer cumprir
o acordado internacionalmente. Contudo, é inegável que, apesar
desse engajamento passado, em ambas as esferas, a legislação
interna do país peca em, efetivamente, assegurar os direitos sexuais
65
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

e reprodutivos da mulher. Ao contrário, apresenta diversos traços


que expressam a influência das figuras poder patriarcais e capitalistas
cujos ideais são propagados pelos movimentos conservadores
direitistas.

4 O movimento reacionário bolsonarista e a ameaça aos direitos


sexuais e reprodutivos

A institucionalização da mentalidade conservadora religiosa


é um marco evidente da atual conjuntura política brasileira com a
ascensão do governo Bolsonaro ao poder, divergindo, especialmente,
das garantias constitucionais de igualdade e laicidade do Estado.
Declarações contrárias aos direitos e movimentos de minorias
sociais culminaram na intensificação de discursos e crimes de ódio
no país por parte de pessoas preconceituosas e vinculadas a intenções
neofascistas. Além disso, ações concretas para o desmantelamento
do Estado social, protetor dos direitos humanos e fundamentais e
da democracia, foram tomadas pelo governo brasileiro a partir de
2019.
Nesse cenário alarmante, os direitos sexuais e reprodutivos
também são deliberadamente ameaçados pelo movimento
reacionário bolsonarista. A perspectiva misógina e patriarcal da
sociedade norteia a sua agenda ultraconservadora-religiosa, mesmo
nas esferas em que esses direitos deveriam ser salvaguardados, como
no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Damares
Alves, sua ministra, é a principal defensora da bandeira “pró-vida”,
alinhada com Jair Bolsonaro que já se manifestou publicamente
alegando que, durante a sua gestão, o aborto não existirá no Brasil,
um claro posicionamento contrário à sua legalização e crítico a
legislação existente sobre a matéria (AGÊNCIA PUBLICA, 2021),
como supramencionado. Ademais, Damares propôs como política
para combate da gravidez precoce e disseminação de infecções
sexualmente transmissíveis a abstinência sexual, ainda que haja
comprovação de que o adiamento das relações sexuais não promove
mudanças significativas e positivas na vida dos adolescentes,
66
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

constituindo, inegavelmente, um método contraceptivo ineficaz


(VEJA, 2020).
Imprescindível mencionar que esse movimento se estende a
outras esferas de poder, ocasionando diversos eventos paradigmáticos
do retrocesso presente na matéria de direitos sexuais e reprodutivos
nacionalmente. A princípio cabe citar a aprovação, em Fortaleza,
da lei 11.159/21 que propõe companhas contrárias ao aborto e
uso de anticoncepcionais, contribuindo para a “semana pela vida”.
O objetivo é a propagação de informações sobre os malefícios do
aborto à mulher, assim como da utilização de anticoncepcionais,
buscando dar visibilidade a entidades que se autointitulam “pró-
vida” e dizem proteger a vida desde a fecundação. Frente a esse
retrocesso, o Coletivo Juntas manifestou-se contrária a lei municipal
que se aproxima do negacionismo científico, afastando a discussão
da saúde pública para aproximar do moralismo irracional religioso
(FOLHA DE S. PAULO, 2021).
Além disso, a repercussão e retaliação sofrida pela criança
de 10 anos que engravidou como consequência da violência sexual
cometida pelo seu tio e teve o direito de abortar concedido pelo
Tribunal de Justiça do Espírito Santo ascendem como exemplo do
estigma que circunda o aborto no Brasil, fomentado pelo governo
Bolsonaro. Apesar do caso ser sigiloso para a preservação, proteção
e privacidade da vítima e sua família, as suas informações foram
vazadas para a imprensa e o caso saiu do âmbito da saúde pública
para o político, servindo de motivação para que grupos bolsonaristas
e “pró-vida” promovessem uma aglomeração em frente a clínica
para ofender o médico responsável pelo procedimento. Importante
ressaltar que a Ministra Damares repercutiu o caso em suas redes
sociais e enviou emissários para o Espírito Santo, além de ter se
manifestado contrária a decisão do Tribunal, lamentando a decisão
e defendendo que a vítima deveria terminar a gravidez e realizar
uma cesárea.
Em contrapartida, Fagner Andrade Rodrigues, promotor da
infância e juventude de São Mateus, afirmou a inadmissibilidade de
interferência externa, por razões políticas, religiosas ou de qualquer
67
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

outra natureza na escolha da família da vítima, reiterando a previsão


no Código Penal do aborto em caso de estupro de vulnerável. No
mesmo sentido, especialistas e o médico responsável defenderam o
direito da vítima de abortar e a grave violação de direitos humanos
cometida pelo Estado caso fosse obrigada a dar seguimento com a
gravidez indesejada (EL PAÍS, 2020).
Por fim, o pedido de autorização do marido em posto de
saúde em São Paulo para aplicação do DIU (dispositivo intrauterino)
é um caso emblemático da objetificação de corpos com útero ainda
presente dentro da conjuntura social atual, na qual a reprodução
e o desejo pela gravidez são vistos como uma obrigatoriedade,
principalmente dentro de relações cisheterossexuais. Embora a
prática seja ilegal, uma repórter, sem se identificar, ao ligar para os
postos de saúde, conseguiu confirmar a necessidade de assinatura do
parceiro ao informar seu interesse em colocar o contraceptivo. Além
disso, o casal deve passar por um aconselhamento com médicos,
enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais antes do procedimento,
etapa mandatória, segundo a legislação brasileira, somente em
caso de esterilização cirúrgica. Essas imposições, segundo Borges,
professora da escola de enfermagem da USP, promovem a redução
do uso dos métodos contraceptivos que deveriam ser facilitados
para as pessoas interessadas, sem o consentimento de um terceiro.
(FOLHA DE S. PAULO, 2021)
Os ataques aos direitos sexuais e reprodutivos pelo
movimento reacionário bolsonarista não se limitam ao
cenário nacional, igualando-se internacionalmente a ditaduras
ultraconservadoras e religiosas a fim de descumprir e questionar
os instrumentos internacionais em prol desses direitos. Uma
evidência clara dessa postura brasileira de isolar-se ainda mais
no cenário internacional frente a temática de direitos humanos
é a recusa do governo de Jair Bolsonaro em aderir a declaração
realizada no Conselho de Direitos Humanos da Organização das
Nações Unidas e, consequentemente, assumir responsabilidades
na garantia da saúde feminina. Desse modo, alinhou-se a países
ultraconservadores e violadores de direitos humanos, como a Arábia
68
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Saudita, Rússia e China, na contramão de 60 Estados democráticos


e progressistas. O Itamaraty ao ser questionado sobre sua postura
alegou que, apesar dos direitos das mulheres serem prioridade para
o governo, não aprovavam expressões ambíguas como “direitos
sexuais e reprodutivos” (UOL, 2021).
Desse modo, nota-se que a verdadeira prioridade do
governo Bolsonaro é o retrocesso das conquistas de movimentos
sociais minoritários, em especial na matéria de direitos sexuais e
reprodutivos. Assim, o domínio de corpos de meninas e mulheres,
além de pessoas transsexuais, torna-se forma de manutenção de
poder e o objetivo central da agenda ultraconservadora religiosa
sob o falso pretexto de proteção da vida e da família brasileira.

5 Considerações finais

Simone de Beauvoir (1949, p. 29), em sua obra O segundo


sexo, pontua que “Basta uma crise política, econômica e religiosa
para que os direitos das mulheres sejam questionados”. Embora
hodiernamente haja um claro e marcante progresso no cenário
internacional e na legislação brasileira sobre os direitos das mulheres,
a declaração da intelectual francesa ainda reflete o cenário atual.
Afinal, as ameaças às conquistas feministas do último século são
evidentes na comunidade global e nacional, em especial na matéria
de direitos sexuais e reprodutivos.
Considerando o exposto, nota-se que a promoção de políticas
ultraconservadoras, autodeclaradas “pró-família”, popularizou-
se em diversos países, como na Rússia, China, Arábia Saudita e
no Brasil. Nesses Estados, ainda que membros de organismos
internacionais, o controle reprodutivo é empregado como meio
de opressão de minorias sociais e garantia da manutenção das
dinâmicas de poder patriarcal, misógina e cisheterossexual: homem,
dominante; mulher, dominada.
O Estado brasileiro, em oposição ao papel participativo que
apresentava no âmbito internacional na discussão dessa temática,
69
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

ainda é insuficiente em efetivamente salvaguardar os direitos


sexuais e reprodutivos das mulheres em sua legislação interna.
Com o governo Bolsonaro, esse cenário agravou-se com discursos e
ações negacionistas e abertamente contrárias aos referidos direitos,
e a postura internacional do país alinhou-se a países ditatoriais,
conservadores e religiosos.
Imprescindível reiterar que, estruturalmente, o capitalismo
e sua construção histórica destacam-se como os principais
responsáveis pela manutenção do controle sobre os corpos
reprodutivos, a fim de garantir a produção de força de trabalho e a
perpetuação do sistema enquanto dominante e regido por figuras
masculinas, brancas e elitizadas. Assim, a agenda conservadora
brasileira alinha-se com os objetivos econômicos capitalistas com
o propósito de questionar a legitimidade, eficácia e importância
dos direitos sexuais e reprodutivos, sob a enganosa alegação de
preservação da “família brasileira”, da vida e dos bons costumes.

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Capítulo 5
AS MULTIPLAS VIOLÊNCIAS CONTRA A
MULHER NO AMBIENTE DIGITAL

Kelven Marcelino Klein


Eduardo Pinheiro Monteiro
Cesar Albenes de Mendonça Cruz

1 Considerações iniciais

A violência contra as mulheres é algo histórico, constitui-se


em fenômeno social persistente, multiforme e acontece
em diversos espaços, e por meios distintos. É um fenômeno que
causou, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública
(2020), 122.948 mil casos de lesão corporal dolosa no Brasil, 1.097
apenas no Espírito Santo, no ano de 2019.
Para prevenir e coibir estes casos, no ano de 2006 entrou
em vigor a Lei 11.340/2006, que criou mecanismos para o
enfrentamento a violência contra as mulheres no âmbito doméstico,
seja praticada por um(a) companheiro(a) que tenha mantido
relação de afeto ou um parente que tenha com a mulher agredida
um estado de coabitação. Essa Lei ficou conhecida popularmente
como Lei Maria da Penha.
Porém, a violência contra as mulheres é bem mais ampla
do que se imagina, e do que se configura na Lei 11.340/2006, se
já não bastasse serem vítimas no ambiente real - mundo físico -, as
mulheres são também no ambiente virtual - mundo cibernético - as
maiores vítimas deste fenômeno, que por vezes possuem um caráter
ainda mais cruel, pois em pouco espaço de tempo uma mulher pode
ser humilhada perante seus parentes, amigos, contatos e milhares
de desconhecidos.
Abordaremos nessa pesquisa a questão dos avanços
74
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

legislativos - como a Lei n° 13.718, de 24 de setembro de 2018,


que pune com mais rigor a divulgação de fotos íntimas, não
autorizadas, de mulheres que tenham mantido relação íntima de
afeto com os responsáveis pela divulgação -, numerar os casos no
estado do Espírito Santo, identificar demais dados a nível local e
no Brasil.

2 Marcos normativos e políticas públicas

O que temos hoje de políticas públicas e os marcos


normativos, conhecidos por definirem os direitos e estabelecerem
as garantias das mulheres no mundo, foram conquistados através
de lutas e reivindicações, coletivas e individuais, promovidas por
mulheres e homens, em todos os períodos históricos (TILIO,
2012).
A partir dos marcos normativos, as políticas públicas
implantadas no Brasil e no mundo, de combate e prevenção à
violência contra as mulheres, trouxe a garantia dos direitos, mas em
alguns momentos a supressão deles. De fato, como afirma Moreira
(2016), o processo de consolidação dos direitos é contínuo, sujeito
a avanços e retrocessos; e é isto que será abordo.
A supressão de direitos e políticas, ao longo da história,
motivaram os movimentos organizados por mulheres, para
se consolidarem em coletivos em diversos locais do mundo,
reivindicando diferentes bandeiras, mas todos com uma mesma
causa: os direitos das mulheres. Tais movimentos ficaram conhecidos
como feminismo.
Desde os anos 70, a violência contra as mulheres, tem se
tornado pauta de discussões e ações do Estado, por meio de políticas
públicas. Essa problemática, tornou-se evidente com as lutas e
reivindicações do movimento feminista no Brasil, principalmente
em sua segunda onda (KLEIN; CRUZ, 2020).
Este longo caminho levou à criação da Lei 11.340/2006,
que é apelidada pelo nome da farmacêutica, Maria da Penha. A
75
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

presente norma é considerada uma das três melhores leis do mundo,


com objetivo de enfrentar e erradicar a violência contra a mulher,
de acordo com a ONU, de acordo com Agência Senado (2011).
A norma impulsiona a construção de políticas públicas, uma vez
que determina a criação de diversos mecanismos de combate e
prevenção, conforme o Art. 1°, Lei 11.340/2006 (BRASIL, 2006).
Nesse sentido, aduz o artigo. 8°:
A política pública que visa coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto
articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios e de ações não-governamentais (BRASIL,
2006).
É importante destacar que a referida norma, é fruto do
engajamento do Estado brasileiro no sistema interamericano
de proteção dos direitos humanos das mulheres (BANDEIRA e
ALMEIDA, 2015).
A Lei 11.340/06, fez com que o Poder judiciário, Ministério
Público e Defensoria Pública atuassem em conjunto com os órgãos
de segurança pública, assistência social, saúde e demais secretarias
de Estado, visando a integração operacional. Além de promover
estudos e pesquisas, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia,
com o intuito de unificar os dados nacionalmente para avaliação
periódica dos resultados das medidas adotadas.
Observou-se um avanço no que diz respeito a integração do
Poder Público, problematização da violência nos diversos espaços,
tais como: mídia, comunidades religiosas, universidades e até em
encontros de família. Contudo, pouco se escuta, se lê e se conhece
sobre as violências que ocorrem no ambiente digital. E, é sobre isso
que trataremos.

3 A violência no ambiente digital

A internet se tornou, após a guerra fria, o maior meio de


comunicação, seja para comunicação profissional ou social. Em
pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
76
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

(2016), “demonstraram que 36,8 milhões de lares possuem conexão


com a internet e que os aparelhos móveis se tornaram indispensáveis
para qualquer pessoa”.
A violência no ambiente digital tem crescido a cada ano
e percebe-se que o Estado tem tido dificuldades para intervir
– quando necessário -, pois os criminosos se dispersam em um
mundo onde ruas, bairros, e cidades são inexistentes.
O Estado de Direito tem como um de seus fundamentos o
território, contudo, em tempos de avanço tecnológico, percebe-se o
quanto este território se tornou incalculável, e por vezes, inacessível.
Assim, a violência verbal passou a sair da porta do apartamento e
chegou às redes sociais. Da mesma forma, a violência patrimonial,
que não apenas passou a acontecer através da retenção de
documentos e/ou cartões, mas também por meio de acesso remoto
a aplicativos de celular.
Suas manifestações são maneiras de estabelecer uma relação de
submissão ou de poder, implicando sempre em situações de
medo, isolamento, dependência e intimidação para a mulher.
É considerada como uma ação que envolve o uso da força
real ou simbólica, por parte de alguém, com a finalidade de
submeter o corpo e a mente à vontade e liberdade de outrem
(BANDEIRA, 2014, p. 460).
A violência moral por meios digitais cresce a cada ano,
assim, torna-se necessário compreender a motivação de tais atos.
De acordo com Monteiro (2019), a violência moral, por vezes é
“motivada por sentimento de vingança ou o simples comportamento
de compartilhar tudo o que se recebe, sem fazer nenhum tipo de
filtro ético, legal ou moral do conteúdo da informação que está
ajudando a disseminar”.
A violência moral por meios digitais cresce a cada ano,
assim, torna-se necessário compreender a motivação de tais atos.
De acordo com Monteiro (2019), a violência moral, por vezes é
“motivada por sentimento de vingança ou o simples comportamento
de compartilhar tudo o que se recebe, sem fazer nenhum tipo de
filtro ético, legal ou moral do conteúdo da informação que está
77
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

ajudando a disseminar”.
Durante anos o compartilhamento de fotos intimas era
considerado violência moral – crime de injuria, considerado de
menor potencial ofensivo -, contudo, com a aprovação da Lei nº
13.718/18, a divulgação de fotos íntimas de ex-namoradas, ex-
esposas, ex-companheiras ou qualquer outra mulher, maior de 18
anos, tornou-se crime, podendo o condenado pegar de 1 a 5 anos
de prisão (BRASIL, 2018).
A violência patrimonial contra a mulher no ambiente digital
consiste em uma ação praticada visando a obtenção de bens e/ou
valores monetários de maneira criminosa. Isso se dá utilizando-
se, na maioria das vezes, de redes de relacionamento virtual. Os
criminosos costumam criar perfis fakes, utilizando-se de fotos de
terceiros, nome fantasia, endereço inexistente com o objetivo de
dar golpes.
O criminoso após identificar a vítima, passa a estabelecer
uma relação com ela e, munindo-se de informações começa a
estabelecer um vínculo afetivo, de acordo com Monteiro (2019)
tem-se o objetivo de “criar um envolvimento amoroso e de
confiança que facilite a prática de golpes que sempre visam obter
vantagens econômicas”.
Após essa aproximação e com a criação de vínculo afetivo
e envolvimento amoroso os criminosos se manifestam. De acordo
com Ahmad (2018), são feitos pedidos como celulares e outros
bens de uso pessoal ou mesmo valores em dinheiro através de
transferências bancárias e semelhantes.
Os criminosos mais conhecidos por aplicar esse golpe são
os Scammers.
Geralmente, os scammers são da Nigéria, Gana e Malásia,
estruturados em quadrilhas com uma hierarquia definida.
Alguns membros recrutam crianças que entendem de
computação, nas escolas e têm facilidade em línguas
estrangeiras, são de famílias pobres e, muitas vezes, esta é
uma oportunidade de ganhar muito mais dinheiro do que
trabalhando de forma honesta (MONTEIRO, 2019, p. 57).
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Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Eles se manifestam como “dom Juan”, homens viúvos ou


divorciados, que possuem filhos pequenos e sempre com uma
história familiar de dedicação e entrega. Monteiro (2019), declara
que “os golpistas fazem uso de um discurso mais conservador, têm
tempo para dar atenção à vítima, demonstram ser românticos e são
extremamente carinhosos e gentis”.
Durante esses contatos virtuais, o criminoso promete
casamento, vir ao Brasil conhecer a família e depois passar o resto
da vida com a esposa, ao redor do mundo (MONTEIRO, 2019,
p. 57). As vítimas tendem a ser viúvas, divorciadas, na maioria das
vezes, mulheres em estado de carência afetiva.
Outra forma de violência comumente praticada contra as
mulheres no ambiente digital é a sexual. As mulheres são feitas
“reféns” de ameaças, por diversas vezes, praticados inicialmente
a partir de violência moral, e acabam caindo em armadilhas dos
criminosos que forçam a vítima a praticar sexo utilizando a internet.
A redação do Art. 213, decreto-lei nº 2.848/1940, não cita
o “estupro virtual”, mas passou a caracterizar estupro como o ato
de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal, ou a praticar ou permitir que com ele se pratique
outro ato libidinoso”.
Art. 213 do CP. Constranger alguém, mediante violência ou
grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir
que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada
pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
Com isso, o “estupro virtual” pode ocorrer, por exemplo:
quando uma pessoa, por meio da internet, WhatsApp, Skype ou
mídia social, venha a constranger ou ameaçar a outra a tirar a
roupa na frente de uma webcam, praticar masturbação ou outro
ato libidinoso.
Observa-se que o criminoso que pratica o “estupro virtual”
já praticou a violência psicológica contra a mulher, conseguindo
dominá-la, através de chantagens que tendem a continuar, atingindo
79
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

posteriormente o campo da violência patrimonial.


O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, ano de 2020,
divulgou diversos dados referente à estupro, contudo não houve
menções a respeito da violência cometida no ambiente digital. Com
o constante crescimento dos crimes, torna-se necessário, pesquisas
e publicização a respeito do tema; bem como, a criação de políticas
públicas.
Na Delegacia de Repressão aos Crimes Cibernéticos da
Polícia Civil do Estado do Espírito Santo, situada em Vitória/
ES, foram registrados 1812 crimes no ambiente digital no ano de
2019. É possível observar que os crimes nestes locais têm crescido,
enquanto as políticas públicas de prevenção e repressão seguem
sem avançar. Destes crimes, 1063 vítimas foram as mulheres, isto
significa 59% dos crimes.

4 Considerações finais

O objeto exposto, trata-se de um tema caro à sociedade,


uma nova forma de violação dos direitos das mulheres, o ambiente
digital, assim, é uma nova arena de disputa de corpos. A conclusão
do estudo realizado demonstrou, de forma clara e precisa, como
as mulheres estão sendo caçadas, humilhadas e violentadas no
ambiente digital.
O referido estudo mostrou que a violência contra as
mulheres ganhou um novo formato com a internet, sendo elas
vítimas de violência psicológica, moral, patrimonial e sexual. Por
isso, é urgente que tenhamos por parte do Estado leis mais rígidas
e punições mais severas contra aqueles que cometem esses tipos
de violência. Infelizmente, com a ampliação das redes sociais, a
tendência é que estes tipos de crimes acabem crescendo, e só através
de campanhas educativas, muita informação, políticas públicas e
leis mais rigorosas, além da vigilância e das denúncias desses tipos
de violência; é que poderemos minimizar e quem sabe no futuro
acabar com a prática desses crimes.
80
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Sabemos que dos casos que acontecem, poucos são registrados


havendo uma subnotificação dos crimes ocorridos. Ainda muitas
mulheres ficam constrangidas de denunciar aqueles que cometem
esses crimes virtuais contra elas. Portanto, é necessário que meninas
e mulheres saibam da existência desses tipos de violência e fiquem
vigilantes e denunciem seus agressores, que de forma covarde, usam
as redes sociais para agredirem e causar sofrimento e danos morais
a essas mulheres.
Observa-se que à medida que o capitalismo avança, a
violência cresce se expressando de maneiras distintas. Torna-se,
portanto, obrigação do Estado executar Políticas Públicas para
prevenir ou/e reprimir as violências. Apesar das significativas
conquistas legislativas protetivas mais recentes, ainda há muito o
que fazer.

Referências

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ONU como uma das mais avançadas do mundo, registra Ana
Amélia. 04 de outubro de 2011. Disponível em https://www12.
senado.leg.br/noticias/materias/2011/08/04/lei-maria-da-penha-
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81
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

BANDEIRA, Lourdes Maria; ALMEIDA, Tânia Mara Campos


de. Vinte anos da Convenção de Belém do Pará e a Lei Maria
da Penha. Estudos Feministas, Florianópolis, 23(2): 501-
517, maio-agosto/2015. Disponível em https://www.scielo.
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BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei N.°11.340, de 7 de agosto de
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DE TILIO, R. Marcos legais internacionais e nacionais para
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MONTEIRO, Eduardo Pinheiro. A violência contra as
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Políticas Públicas e desenvolvimento local), Faculdade de Ciências
82
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

da Santa Casa de Misericórdia de Vitória. Brasil. 2019.


KLEIN, Kelven Marcelino; CRUZ, Cesar Albenes de Mendonça.
A violência contra as mulheres no ambiente digital. Anais do
8º Encontro Internacional de Política Social e 15º Encontro
Nacional de Política Social ISSN 2175-098X.
Capítulo 6
O DIREITO DE PARIR COM RESPEITO

Sabrina Veloso Leal Pereira

1 Considerações iniciais

“Para mudar o mundo é preciso primeiro mudar a forma de


nascer”. Essa frase de Michel Odent provoca inquietantes reflexões
e desejos dentro do coração e da mente de uma recente mãe que
se aventura em um novo caminhar acadêmico. Ao começar as
leituras acerca da bioética feminista e do direito da mulher ao parto
humanizado sob a tutela da dignidade humana surgiu a verdadeira
necessidade de discorrer sobre o tema do nascimento à luz do
direito (e do respeito). Escrever sobre este tema flui livremente em
razão do envolvimento pessoal com o contexto, uma vez que o faço,
olhando agora para minha bebê de quatro meses, nascida por meio
de uma cesariana totalmente humanizada, a qual me fez ter ainda
mais certeza do quão necessário é que se fale cada vez mais sobre
o direito das mulheres de parir da forma como melhor desejarem,
empoderadas de informações concretas e seguras.
O respeito ao nascimento é uma das principais ferramentas
para se mudar o mundo. Quando um ser humano nasce sendo
respeitado, dá-se à luz à esperança de uma sociedade mais
equilibrada.
Todas as minhas inquietações acerca da temática do
parto humanizado circundam o feminino, a ânsia de entender o
empoderamento feminino envolvido no ato de parir (com respeito).
Dessa forma, buscar-se-á, por meio de breve revisão bibliográfica,
entender como aquelas conhecidas como as mulheres de “saber
comum”, as famosas parteiras, responsáveis pelos partos na
sociedade patriarcal, foram sendo apagadas dos momentos íntimos
e privados dos partos, protagonizados pelas mulheres, enquanto os
84
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

processos de mecanização do ato de nascer e a ocupação da figura do


médico passaram a protagonizar, muitas vezes injustificadamente,
o cenário do nascimento, ficando esses “procedimentos cirúrgicos”,
frequentemente, à margem de garantias e direitos fundamentais.

2 Do protagonismo da mulher à mecanização do parto

De acordo com dados do Ministério da Saúde (2000, p. 17),


até as mudanças trazidas pelo período industrial, os partos ocorriam
em momentos íntimos e privados, pois eram compreendidos como
uma experiência entre mulheres. Motivado por tal caráter íntimo
feminino, o termo obstetrícia, que do latim significa “fica ao lado”
refere-se a mulher assiste e presta auxílio à parturiente, pois por
muito tempo o parto era tido como um tratamento exclusivamente
feminino.
No século XIX, os rituais envolvidos nos partos eram
protagonizados, tradicionalmente, por mulheres. As denominadas
parteiras, pessoas de confiança das futuras mães, possuíam saber
empírico e auxiliavam as gestantes durante o trabalho de parto.
Brenes (1991, p. 136) menciona que as parteiras auxiliavam as
mulheres não somente em assuntos relacionados ao parto, mas
também acerca de questões que envolviam o cuidado com o corpo,
por exemplo. Rohden (2006, p. 215) afirma que naquele século,
apenas em casos de partos difíceis, em que a vida da criança ou
da mãe estivessem sob risco, a presença de médico profissional
era requerida. O parto realizado fora do ambiente domiciliar
era totalmente atípico e caracterizava-se como algo apavorante
para as futuras mães. A mesma autora pondera que a presença de
um médico homem “conduzindo” um corpo feminino ao parto
ocasionava pudor excessivo por parte da parturiente em relação
àquele profissional.
Segundo Mott (2002), após 1820 passou-se a exigir que as
parteiras recebessem certificações expedidas pelos médicos, o que se
dava a partir de “cursos de parto”, para que as parteiras passassem
a estudar as normas envolvidas na ciência para que aderissem uma
85
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

maneira “correta” de atender mulheres em trabalho de parto. Tal


acontecimento, introduziu a medicina no espaço dos partos e,
consequentemente, a presença da figura masculina como detentora
do saber e prática obstétrica. Brenes (1991, p. 134-135), pontua
que nesse contexto as parteiras começaram a perder autonomia na
gestão do corpo feminino, passando os médicos a desempenharem
fortemente sua autoridade sobre essa prática, passando cada vez
mais a serem responsáveis pelo gerenciamento da saúde feminina.
Em 1854 foi promulgada uma lei que criou maternidades
anexas às faculdades de medicina a fim de atrair mulheres para
aqueles espaços, além de ter havido, por parte da comunidade
médica, empenho em construir uma imagem que inspirasse
confiança às pacientes. A partir disso também houve uma mudança
no discurso médico, garantindo às mulheres um papel mais ativo
na sociedade e família, alterando-se, assim, a figura da mulher da
sociedade patriarcal. O pano de fundo dessa mudança de discurso
foi a própria sexualidade feminina. Contudo, essa sexualidade
foi abordada e explorada com o viés de fragilidade imposto às
mulheres, introjetando-se a ideia de que por ser “inconstante e
frágil”, a mulher só poderia ser orientada pelos médicos homens,
únicos capazes de desvendar a “inconstância e fragilidade”.
Para Nagahama e Santiago (2005), o fator fundamental
para o avanço do desenvolvimento do saber médico foi o chamado
“processo de hospitalização do parto”, que ocorreu a partir do século
XX, quando houve a institucionalização do ato de dar à luz. Tal
acontecimento transformou o papel da mulher enquanto sujeito,
ator social (parteira) em objeto na dinâmica do parto e nascimento
(parturiente), havendo a saída das parteiras de cena.
É preciso relembrar que parir, nada mais é do que a
capacidade natural, fisiológica das fêmeas mamíferas expulsarem
do útero o que geraram e, apesar de o significado de tal expressão
restringir-se apenas a isso, ainda se percebe que o seu uso pode
causar desconforto e acabar ficando restrito aos animais. A mulher
é o sujeito ativo da conjugação do verbo parir. Nesse sentido é
preciso trazer à tona algumas considerações acerca da influência do
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Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

movimento feminista no cenário dos partos humanizados.


Em 2002 a Rede Feminista de Saúde divulgou um dossiê
acerca da humanização do parto, apresentando propostas de
mudança nos atendimentos aos partos, de modo que as práticas
passassem a considerar a maternidade segura e prazerosa como
direito das mulheres. Assim, passou-se a defender uma assistência
ao parto baseada em evidências científicas e não mais em situações
convenientes para profissionais e instituições hospitalares. O que se
verifica, portanto, é que assistência de parto humanizado é aquela
baseada em evidências e é o ponto central na busca da promoção
dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
O movimento feminista visa assegurar o respeito e a
autonomia feminina no parto, o verdadeiro protagonismo da mulher
ao parir, deixando-se de lado, de uma vez por todas, experiências
sofridas coloridas de imponência em relação às mulheres.
A poetisa Adrienne Rich (ADRIENNE RICH, 1979
apud REDE FEMINISTA DE SAÚDE, 2002 p. 21), lindamente
escreveu que:
[...] Parimos em hospitais, rodeadas de especialistas varões,
negligentemente drogadas e amarradas contra nossa vontade,
(...) nossos filhos retirados de nós até que outros especialistas
nos digam quando nos deixarão abraçá-los.
Infelizmente, frequentemente verifica-se situações de
violação de direitos da mulher relacionadas ao momento do
parto, em pleno século XXI, em pleno 3º Milênio. Essas situações
de violação de direitos são condicionadas às relações de gênero,
condição social e características étnico-raciais. O que vem se
verificando cada vez mais é que a assistência ao parto, atualmente,
caracteriza-se pela excessiva manipulação do corpo da mulher,
tolhendo sua oportunidade de reconhecer-se e agir como sujeito de
sua própria saúde.
A Rede Feminista de Saúde (2002, p. 25) evidencia que
a maternidade “socialmente amparada” é aquela que envolve um
trabalho social, cuja responsabilidade é dividida entre a família e a
87
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

sociedade que receberá uma criança cidadã, para que, desde o seu
nascimento, haja a garantia da plenitude de seus direitos.
Todo indivíduo tem direito a vida, liberdade e segurança
e, portanto, a violência obstétrica é violação aos direitos humanos
(da mulher e de seu filho ou sua filha, nascituro ou recém-nascido).
Em que pese leis garantam o parto humanizado e a excelência no
atendimento à mulher, ainda se sabe que, diariamente, situações de
violência obstétrica seguem acontecendo, uma vez que, infelizmente,
o modelo de sociedade patriarcal impediu a mulher de figurar como
sujeita de seus direitos e sua história, impondo formas e práticas de
conhecimento na área da saúde que evidenciam uma hierarquia do
corpo do homem em relação a mulher e à saúde feminina e, por
tais razões, dentre outras, o atendimento ao parto é frequentemente
relacionado à violência obstétrica enquanto violação dos direitos da
mulher.
A assistência à saúde feminina ainda se caracteriza pela
excessiva manipulação do corpo da mulher, que muitas vezes não
recebe a oportunidade de reconhecer-se como sujeito no processo
de dar à luz e trazer à tona essas situações é um debate necessário
para a sociedade em geral, haja vista ser inadmissível que ainda
desenvolvam-se ações que desrespeitosamente retiram da mulher
o seu protagonismo no momento de parir, a desqualificando e
retirando a autonomia em relação ao seu próprio corpo e a um
evento que envolve sua sexualidade. A necessidade de tal debate
também se evidencia pelo fato de que, apesar das políticas
públicas que garantem o devido atendimento a parturiente em
todo o processo gestacional, haja vista que a própria vertente da
humanização do nascimento vem ganhando forças, ainda há muito
o que se fazer para que tais políticas verdadeiramente efetivem-se e
ultrapassem barreiras institucionais.
Sabe-se que, após a Segunda Guerra Mundial, a utilização
de novas tecnologias e técnicas médicas trouxe à tona o processo de
mecanização do parto e a consequência desse fato foi o surgimento
de muitos problemas relacionados à violência obstétrica, razão pela
qual é necessário pensar e questionar as questões éticas e jurídicas
88
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

das relações médico-paciente no processo de nascimento.


Os benefícios da obstetrícia são indiscutíveis. Contudo, a
utilização incessante de novas tecnologias promoveu um processo
de desumanização no processo do nascimento, principalmente pela
prática excessiva e indiscriminada de cesarianas, que se apresenta
como ponto principal aos números de violência obstétrica.
O que se verifica, como já mencionado, é que o ponto
crucial para tais acontecimentos foi a passagem da mulher de suas
condições de sujeito ativo no momento do parto, para condição
destituída de autonomia e protagonismo, ou seja, de objeto (objeto
da mecanização do parto).
O aumento excessivo dos índices de violência obstétrica
institucional/hospitalar levou a Organização Mundial de Saúde a
debater sobre o tema aliado à questão da violência de gênero, haja
vista, principalmente, a visibilidade que os movimentos feministas
alcançaram a esses eventos.
A violência obstétrica está mais presente em nossa sociedade
do que a capacidade de nossos olhos a observar. É comum que
em conversas informais se ouça falar da história de alguma mulher
que sofrera alguma violação aos seus Direitos durante a gestação e
parto e, dessa forma, a minha experiência enquanto mulher, mãe,
puérpera, será a força propulsora para a busca de algumas respostas.
Essa problemática da violência obstétrica está intrinsecamente
relacionada à falta de autonomia e protagonismo da mulher em
parir, o que é resultado do processo de mecanização indiscriminada
da via de parto.
O que se questiona é de que forma a violência obstétrica deve
verdadeiramente ser analisada, uma vez que a assistência médica
à parturiente é regulamentada por normas jurídicas específicas
e existem princípios bioéticos aptos a nortear essa assistência. O
fato é que a violação aos direitos da mulher no momento de parir
emerge a necessidade de olhar-se para o parto humanizado como
um verdadeiro direito humano fundamental de parir (e nascer)
com dignidade.
89
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Nesse sentido, ao referir que há a necessidade atual de


“mamiferizar” o parto, Michel Odent afirma que: “Para mudar o
mundo é preciso primeiro mudar a forma de nascer”. Portanto,
pretende-se analisar, à luz da bioética feminista, o direito da mulher
ao parto humanizado sob a tutela da dignidade humana.
O discurso de igualdade é responsável pela moldagem da
visão acerca do papel das mulheres na sociedade. O movimento
de busca das mulheres por seus direitos se fortalece cada vez mais
e a construção de uma cultura de igualdade de gêneros tem sido
pauta permanente em todas as esferas da sociedade (FRANÇA;
BAUNER, 2017).
Tarrafa (2016, p. 20), menciona que no Século XX a
figura de mãe e esposa passou a ser desprestigiada, uma vez que se
acreditava que os conhecimentos tidos como ‘naturais da mulher’
eram incorretos e essas necessitavam de formação profissional. E
esse cenário arraigou-se ao longo dos anos.
Ferrajoli (apud Gonçalves, 2011, p.59) afirma que homens
e mulheres, historicamente, assumiram espaços diferenciados
na sociedade, o que também lhes propiciou atuações e vivências
distintas que se traduziram, aos poucos, em direitos garantidos de
acordo situações de violências experimentadas.
As mulheres, incessantemente lutam por seus direitos e,
nessa trajetória, muitas conquistas fizeram-se significativas, como
por exemplo o direito ao voto, à educação, à saúde, à equiparação
salarial, a inserção no mercado de trabalho. Contudo, infelizmente,
não há a possibilidade de se afirmar que, de fato, a igualdade de
gêneros tenha sido conquistada.
Para Bobbio (2004, p. 13), “o elenco dos direitos do
homem se modificou, e continua a se modificar com a mudança
das condições históricas”. A história nos demonstra que foram as
tragédias que sempre levaram o sistema a preocupar-se em proteger
os direitos humanos, como por exemplo o holocausto e outras
lembranças deixadas pela segunda guerra mundial.
Gonçalves (2011) relembra que apenas após o ano de 1945
90
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

o desejo pelos direitos do homem recebeu maior intensidade.


O incentivo à institucionalização dos direitos humanos foi um
incentivo do nazismo e os direitos humanos a nível internacional
originou-se da proposta de estabelecimento de limites às relações
humanas e ao Estado., sob influência de violações a direitos
ocorridas em regimes totalitaristas e ditatoriais que claramente
banalizavam a vida humana.
Para Bobbio (2004, p.14) “Os Direitos do homem
são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o
aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento
da civilização.”, enquanto para Henkin (apud Piovesan, 2013), não
se deve ter uma visão romântica em relação aos direitos humanos,
uma vez que o sistema não age por caridade aos que precisam de
proteção, mas sim por ser uma garantia reconhecida como direito,
com o respaldo da própria sociedade.
Em 1945, os direitos humanos passaram a ser propagados a
partir da criação da Organização das Nações Unidas (ONU), sendo
o desenvolvimento social e econômico, bem como a manutenção
da paz, os principais objetivos dos Estados integrantes daquela
organização.
Não se pode esquecer que, no âmbito internacional, os
Direitos Humanos abrangem todas as áreas da vida de um indivíduo
(direitos políticos, civis, econômicos, culturais e sociais), sendo
papel da ONU garantir o respeito a esses direitos, seja por meio
de pactos, convenções ou conferências. Contudo, inicialmente,
tais direitos não se estendiam a todos, haja vista que as mulheres
permaneceram às margens dessa proteção.
Apenas em 1979 os direitos das mulheres foram
reconhecidos em um documento oficial da ONU, a Convenção
sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher. Santos e Pereira (2017, p. 157) mencionam que referida
convenção promoveu diversos tratados multilaterais na área dos
direitos humanos, caracterizando-se como norma com capacidade
de reconhecimento quanto à natureza da discriminação contra as
91
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

mulheres. Os autores dizem ainda que tal convenção surgiu a partir


da proposta de combate às diversas faces de discriminação social em
relação às mulheres, não raras vezes veladas pelo próprio Estado, no
intuito de proteger suas crenças e seus agentes e ainda abrandar a
percepção das desigualdades entre os Direitos.
As questões de violência de gênero ganharam visibilidade a
partir do momento em que a ONU se uniu a movimentos de luta
feminina, passando a assumir as arenas das discussões acerca da
discriminação à mulher.
Gonçalves (2011) pontua que a fim de reconhecer a
relevância feminina no contexto social e também biológico, a ONU
adotou o termo Gênero em substituição a “sexo”, o que melhor se
adaptou à realidade atual.
Alguns eventos foram cruciais para que os Estados passassem
a empenhar-se quanto aos direitos das mulheres, como por
exemplo: Conferência Cidade do México, 2ª Conferência Mundial
sobre a Mulher, realizada na Dinamarca (1980);Conferência
Mundial para Revisão e Avaliação de Realizações para a Mulher,
realizada no Quênia em 1985 (esse evento, especificamente, ficou
conhecido como o início do feminismo global); 4ª Conferência
Mundial sobre Mulheres, realizada na China (1995) (esse evento
definiu o momento em que os direitos das mulheres passaram a ser
reconhecidos como humanos) (ONU BRASIL, 2018).
Mesmo após o texto constitucional de 1988, que trouxe
garantidas fundamentais do direito internacional, consagrando
direitos e princípios, nasceu a Lei Maria da Penha, em 2006, a
partir de uma condenação internacional que o Brasil recebeu por
não ter havido observância às imposições trazidas em Convenção.
As temáticas relacionadas aos inúmeros problemas
enfrentados pelas mulheres ocuparam espaços públicos graças aos
movimentos feministas pelo mundo, como por exemplo campanha
pelo direito da mulher à autonomia, à integridade física, ao aborto,
a proteção em face da violência doméstica, estupro e assédio sexual
(MIRANDA, 2009, p. 06).
92
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Ramos (2014) menciona que conforme ocorre a evolução


da sociedade organizada, novas demandas surgem e, com isso, a
necessidade de adequação dos direitos fundamentais, os quais
alcançam a todo ser humano, indiscriminadamente.
Essa readequação de direitos fundamentais relaciona-se
com as peculiaridades do contexto e momento histórico em que o
homem está inserido. A dignidade humana é um direito essencial a
todos. Portanto os direitos fundamentais visam a garantir a todos,
como mecanismo de proteção aos arbítrios estatais.
O ápice do constitucionalismo brasileiro quanto à proteção
jurídica aos direitos fundamentais é representado pela Constituição
Federal de 1988, cujo texto, nas palavras de Bonavides (2000, p.
274), faz, além da defesa do social, a tutela de direitos subjetivos.
Inúmeros desafios sociais foram superados até que se chegasse
à construção de uma constituição federal ampla no que diz respeito
às garantias às mulheres. As feministas Amélia Carolina Couto,
Maria Amélia de Queiroz e Francisca Senhorinha Diniz, dentre
outras, lutaram durante o século XIX utilizando a imprensa como
um instrumento de manifestação de seus discursos, militando por
direitos socais, tais como a abolição, que segundo Oliveira (2012,
p. 96), permitia que se traçasse um paralelo entre a emancipação
do país e da mulher, que seria um marco indispensável para que
houvesse, definitivamente, o acesso do país ao que ele chama de
“rol das grandes nações”.
Após estar superado o desafio de reconhecimento pela
Federação Brasileira quanto a atuação feminina na sociedade,
passeou-se a ter maior atenção as questões pertinentes as
peculiaridades do corpo da mulher, tendo no ordenamento jurídico,
a partir de então, garantias previstas neste sentido, passando-se a
serem promovidas discussões acerca da erradicação da discriminação
de gênero, da violação da intimidade da mulher, da sua autonomia,
e de seu direito de ser respeitada enquanto sujeito.
O art. 5º da Constituição Federal define de forma expressa
que as normas têm aplicação imediata, devendo priorizar-se o
93
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

direito fundamental, pois seu núcleo é absoluto, havendo, assim,


força constitucional para seu cumprimento. Para evitar-se a violação
de direitos fundamentais, é preciso haver a observação de direitos
e deveres nas relações sociais, que são complexas. Cada indivíduo
deve observar seus limites e deveres. Nesse sentido, sabe-se que
ainda há muitos passos a serem dados no caminho da busca da
igualde de gêneros.
Mudanças no cenário político ocasionaram, ao longo dos
anos, a ampliação da assistência à saúde da mulher. Em 1953 o
Ministério da Saúde estabeleceu diretrizes acerca de uma assistência
pautada no respeito aos direitos humanos, em que pese, no cenário
nacional, sua atuação não tenha sido tão expressiva. Após, em
1970, a consciência coletiva estimulou o “Movimento da Reforma
Sanitária”, por meio do qual pretendia-se a democratização da
saúde pública e, então, a partir desse fato, surgiu o Sistema Único
de Saúde (COSTA, 1990, p. 10).
A mobilização da sociedade civil para ver acontecendo a
humanização do atendimento à mulher estimulou o governo a agir
com o fim de atender e responder positivamente aos anseios da
população, bem como a comunidade internacional. Assim, o parto
passou a ser um evento com muitas garantias, principalmente pela
vulnerabilidade física, psíquica e emocional da mulher durante seu
acontecimento.
Por fim, o que resume o espírito deste texto é a necessidade
de transpor paradigmas e entender que o direito à saúde envolve
o compromisso individual e coletivo dos indivíduos e, assim,
espera-se uma assistência digna e de qualidade par as mulheres,
independentemente de sua raça ou condição social, dispensando-
se tratamento humano que valorize e respeite a autonomia e
singularidade femininas.

3 Considerações finais

Como dito, a mulher é o sujeito ativo da conjugação do


94
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

verbo parir, mas verifica-se que a assistência à saúde feminina ainda


se caracteriza pela excessiva manipulação do corpo da mulher, que
muitas vezes não recebe a oportunidade de reconhecer-se como
sujeito no processo de dar à luz e trazer à tona essas situações é um
debate socialmente necessário. A necessidade desse debate social
quanto aos partos também se evidencia pelo fato de que, apesar das
políticas públicas que garantem o devido atendimento humanizado
a parturiente em todo o processo gestacional, haja vista que a
própria vertente da humanização do nascimento vem ganhando
forças, ainda há muito o que se fazer para que tais políticas
verdadeiramente efetivem-se e ultrapassem barreiras institucionais.
Não se questiona os benefícios da obstetrícia. Contudo, a
utilização incessante de novas tecnologias promoveu um processo
de desumanização no processo do nascimento, principalmente pela
prática excessiva e indiscriminada de cesarianas, que se apresenta
como ponto principal aos números de violência obstétrica. Essa
violência obstétrica está mais presente em nossa sociedade do que
gostaríamos de acreditar. Comumente ouve-se relatos de situações
de violação aos direitos das gestantes, parturientes e puérperas.
A assistência médica à parturiente é regulamentada por normas
jurídicas específicas e existem princípios bioéticos aptos a nortear
essa assistência.
Contudo, ao analisar o fenômeno da violência obstétrica,
verifica-se que a violação aos direitos da mulher no momento de
parir emerge a necessidade de olhar-se para o parto humanizado
como um verdadeiro direito humano fundamental de parir (e
nascer) com dignidade, assim como Michel Odent perfeitamente
discorreu quando trouxe à tona a necessidade de se “mamiferizar”
o parto. E acredita-se que esse processo possa se dar por meio do
respeito aos princípios da bioética feminina e, assim da garantia
dos direitos das mulheres a um parto humanizado, sob a tutela da
dignidade humana, independentemente da via de nascimento de
seu filho ou sua filha.
O direito à saúde, protagonismo e, assim, respeito, à mulher
(gestante, parturiente, puérpera e o nascituro ou recém-nascido) é
95
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

regido não apenas pela necessidade de acesso à saúde, mas também


de uma assistência igualitária e solidária e sem discriminação de
gênero. E essas são algumas das principais pautas pelas quais tem-
se mantidas ocupadas as arenas de reinvindicação de respeito aos
direitos das mulheres e à forma de dar à luz e nascer.

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Capítulo 7
FEMINISMO E DIREITOS DAS MULHERES:
UMA DISCUSSÃO NO CIAMPAR (CENTRO
INTEGRADO DE APOIO À MULHER DE POUSO
ALEGRE E REGIÃO)

Bibiana Terra
Bianca Tito
Julia Mendes Silva
Mariete Lopes da Costa
Marina Helena Vieira da Silva

1 Considerações iniciais

O direito sofre com diversos dilemas e, dentre eles, a


dificuldade de realização prática em face dos inúmeros
problemas estruturais que envolvem a atuação jurídica no país.
Nesse contexto, o Programa de Pós-Graduação em Direito da
Faculdade de Direito do Sul de Minas (PPGD/FDSM) propõe o
direcionamento e modulação do conhecimento através de projetos
de inserção social em setores estratégicos de impacto social para o
desenvolvimento da comunidade (Pouso Alegre e região). Diante
disso, o presente artigo é resultado de projeto de inserção social
realizado no âmbito do PPGD, sendo que o mesmo demostra uma
iniciativa na realização de trabalhos que causem impacto social na
comunidade.
Atualmente, vivemos em uma sociedade em que há enraizada
uma cultura de discriminação em relação ao sexo feminino em
diversos aspectos sociais, como, por exemplo, em seus empregos,
escolas e na própria vida particular. A ausência de informações
acerca da legislação existente, bem como da existência de órgãos
100
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

de amparo à mulher, acaba por afastar muitas delas das situações


passíveis de providências (por se caracterizarem como forma de
violação a direitos) destes órgãos ou até mesmo do Poder Judiciário.
No que concerne à violência contra as mulheres, este
continua sendo um grave problema tanto no que se refere à
violência física quanto psicológica e sexual. Ainda que tenha
ocorrido avanço na emancipação do gênero feminino, não foram
superados os paradigmas de um modelo patriarcal historicamente
instaurado. Em muitas situações é possível observar a manutenção
do modelo patriarcal mencionado, com a consequente subjugação
da mulher, que muitas vezes vêm a sofrer a violência dentro do
próprio âmbito familiar. A manutenção de tal modelo se dá por
diversos fatores, dentre eles a falta de informações e de conceitos
socioculturais necessários para a compreensão do tema.
Nesse contexto, o CIAMPAR – Centro Integrado de
Apoio à Mulher de Pouso Alegre e Região – é um dos órgãos que
busca conceder amparo à mulher, atuando na cidade de Pouso
Alegre - MG e região, e buscando sempre auxiliar na redução dos
crimes contra a mulher, no acolhimento de vítimas e aumento do
conhecimento acerca de seus direitos, a fim de que sejam tomadas
todas as providências adequadas sem que haja medo ou receio de
buscar ajuda junto às delegacias e na justiça. Entretanto, a difusão
de informação jurídica acerca do feminismo e de demais aspectos
jurídicos envolvendo as mulheres através de meios de fácil acesso,
como em programas de rádio ou até mesmo de palestras gratuitas
direcionadas ao público feminino, não ocorre frequentemente
na cidade de Pouso Alegre – MG, sendo que a viabilização do
conhecimento é necessária para evitar a ocorrência de situações
criminosas praticadas contra as mulheres, bem como para que
sejam tomadas providências com as situações ocorridas.
Em decorrência dessa ausência de informações muitas
mulheres inclusive não chegam a saber como essas problemáticas
são válidas, não reconhecendo questões importantes e relevantes
que envolvem direitos que lhes são inerentes, como, por exemplo,
o direito a pensão alimentícia, guarda dos filhos, o que é a violência
101
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

doméstica e a sua caracterização como crime. Muitas das mulheres


que sofrem por problemas em suas vidas em decorrência de seu
gênero, não tomam providências frente ao Poder Judiciário
ou até mesmo frente aos órgãos estatais existentes, muitas vezes
por não terem conhecimento das leis de amparo à mulher, por
constrangimento ou medo. Esta questão deve ser combatida através
de medidas que visem a apresentação às mulheres de seus direitos e
levem ao debate questões como o feminismo, a Lei Maria da Penha,
a regulamentação existente sobre o direito de família e quais os seus
efeitos.
Partindo dessa compreensão, a problemática inserida no
projeto de inserção social e agora desenvolvida nesse presente artigo,
teve como propósito, durante o ano de 2019 (ano da realização
do projeto) o oferecimento de palestras para mulheres em bairros
da cidade de Pouso Alegre – MG e de outras cidades da região
do Sul de Minas Gerais, onde foram informadas acerca de seus
direitos sob diversos aspectos, bem como a realização de entrevistas
em rádio local, buscando alcançar um maior número de mulheres.
Sendo assim, esse artigo traz os resultados desse projeto, sendo que
se divide em dois objetivos específicos: primeiramente, apresentar
uma breve revisão bibliográfica acerca do feminismo e dos direitos
das mulheres; já na segunda parte será abordado especificamente
sobre o projeto de inserção social e sua realização. O artigo foi
desenvolvido através da pesquisa bibliográfica, sendo que a sua
realização se justifica pela importância de discutir os direitos das
mulheres e seus impactos sociais.

2 Feminismo e direito das mulheres

A busca por igualdade de gênero e pelo reconhecimento


dos direitos das mulheres fez emergir no Brasil, com os ideais
iluministas, o movimento feminista. Assim, esse trata-se de um
longo movimento social e histórico do qual as mulheres surgem
como sujeitos políticos, questionando o seu lugar de subordinadas
ao homem e a falta de reconhecimento de seus direitos. Diversos
102
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

acontecimentos, em diferentes épocas e regiões, marcaram as


lutas feministas e constituem a história dos direitos das mulheres
(GARCIA, 2015).
No contexto brasileiro, apenas com a abertura democrática
dos anos 1980 é que as questões feministas passaram a ganhar de fato
espaço de reivindicação no campo jurídico, num período marcado
pela efervescência de lutas sociais que perpassavam por diferentes
temas e pela busca por reformas constitucionais, participação
política e transformações institucionais. Sendo assim, a busca pela
defesa e igualdade dos direitos das mulheres visava a erradicação
de qualquer tipo e forma de discriminação e violência, sem uma
submissão atrelada ao direito do homem (TELES, 2017). As lutas
em prol do reconhecimento da mulher e seus direitos procurava
promover o bem-estar de todos os cidadãos, sem distinção, e com o
objetivo de conquistar a igualdade entre homens e mulheres.
Antes da redemocratização e da Constituição Federal de
1988 entrar em vigor, muitos dos direitos – e, aqui, dos direitos
das mulheres – que atualmente parecem indispensáveis, não
eram garantidos. Sendo assim, grande parcela da população
passou a se revoltar com isso, reunindo-se em movimentos sociais
que reivindicavam por mais direitos e por direitos iguais. Esses
movimentos sociais demonstravam a insatisfação da sociedade,
e assim, com todos os clamores populares, exerceram influência
em várias partes do texto constitucional de 1988, que passou a
demonstrar suas preocupações em relação a dignidade da pessoa
humana e a garantia de direitos fundamentais (PINTO, 2003).
Sendo assim, atualmente tem-se o entendimento internalizado de
que o Estado deve preservar e garantir tais direitos fundamentais
para todos os brasileiros, independentemente de gênero.
Nesse contexto, passaram então a haver possibilidades para
que as lutas pelos direitos das mulheres pudesse transitar pelo plano
normativo e jurídico no país, considerando que os movimentos
feministas da época tiveram contribuições importantíssimas para
a “inclusão da questão de gênero na agenda pública como uma
das desigualdades a serem superadas por um regime democrático”
103
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

(FARAH, 2004, p. 51) e refletiram na edição do texto constitucional


a ser promulgado.
Sendo assim, pode-se compreender que, no que diz respeito
ao Brasil e ao contexto da redemocratização dos anos 1980,
a luta do movimento feminista foi exitosa e é visível na vigente
Constituição de 1988, com a garantia da isonomia jurídica entre
homens e mulheres, especificamente no âmbito familiar; que
proíbe a discriminação no mercado de trabalho por motivo de sexo
protegendo a mulher com regras especiais de acesso; que resguarda
o direito das presidiárias de amamentarem seus filhos; que protege a
maternidade como um direito social; que reconhece o planejamento
familiar como uma livre decisão do casal e, principalmente, que
institui ser dever do Estado coibir a violência no âmbito das relações
familiares, dentre outras conquistas importantes.
As determinações constitucionais, por sua vez, foram
complementadas pelas Cartas Estaduais e pela legislação
infraconstitucional, dentre as quais se destacam o Código Civil de
2002, que operou mudanças substanciais na situação feminina; a
Lei no 8.930/94 que incluiu o estupro no rol dos crimes hediondos;
a Lei no 9.318/96 que agravou a pena dos crimes cometidos contra
a mulher grávida; a Lei no11.340/06 – conhecida como Lei Maria
da Penha – que penaliza com efetividade os casos de violência
doméstica e a da lei do feminicídio – Lei no 13.104, promulgada
em 9 de março de 2015. São normas que ilustram os significativos
avanços operados na proteção dos direitos fundamentais femininos
no cenário da história legislativa pátria.
Diante disso, além dos objetivos principais do movimento
feminista brasileiro, quais sejam, a liberdade das mulheres e a busca
pela igualdade de gêneros, o feminismo pode ser entendido como
um processo democrático, que busca essa democracia através dos
movimentos e direitos sociais, procurando abolir as diferenças e
preconceitos em relação à gênero, preconceitos esses que são reflexo
de uma sociedade machista e patriarcal (PITANGUY, 2019). Nesse
sentido, o feminismo luta por uma sociedade mais igualitária, por
um direito livre de preconceitos, bem como livre de qualquer
104
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

discriminação em relação à sexo, gênero, raça, e outros mais,


buscando o fim de todos os tipos de opressão (HOOKS, 2019).
Partindo dessa compreensão, é importante aqui destacar
que a dignidade humana se estende como um direito a todos os
seres humanos, consistindo em uma norma geral que sintetiza
todas as demais normas jurídicas, sejam elas constitucionais ou
infraconstitucionais (BITTENCOURT; VEIGA, 2015). Ela pode
e deve ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não
podendo ser retirada, pois existe em cada ser humano como algo
que lhe é inerente. Assim, a Constituição Federal de 1988 adotou,
em seu artigo 1º, como um de seus fundamentos, a dignidade da
pessoa humana, tendo como um dos seus objetivos fundamentais,
constantes no artigo 3º, a promoção do bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação (SARLET, 2015).
A Constituição Federal de 1988, corroborando a ideia
proposta de igualdade entre todas as pessoas, agregou a mudança
radical da situação jurídica das mulheres após a sua promulgação
(TERRA; TITO, 2021). Além da consagração de igualdade
entre gêneros, destituiu o pátrio poder, o qual dava ao homem o
poder das decisões familiares, característica principal do modelo
patriarcal, que tornava a mulher submissa em relação ao gênero
masculino. A partir disso, proporcionou-se uma nova formulação
na relação conjugal, consagrando a igualdade de gênero em tais
relações, redação esta especificamente presente no artigo 226, §5º
da Constituição Federal (CARNEIRO, 2003).
No entanto, embora apresentados esses avanços
constitucionais no cenário brasileiro, é importante ainda abordar
acerca da atribuição de um papel de inferioridade do gênero
feminino, sendo que este não é um fenômeno passível de
identificação apenas em tempos atuais. No que tange à concepção
da mulher com um papel secundário, de subalternas aos homens,
observa-se que, mesmo antes de existir uma consciência a respeito
da subjugação feminina, esta já existia (GARCIA,2015). As
funções do lar, exercidas pelas mulheres, não possuíam relevância
105
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

se comparadas aos trabalhos desempenhados pelos homens, sendo


que não havia uma consciência quanto à ausência de sentido da
restrição da mulher para os trabalhos que fossem realizados fora da
casa, sendo uma tradição consolidada e reproduzida sem que fosse
gerado qualquer impacto ou reflexão a respeito das reais razões para
tanto (BIROLI, 2018).
As mulheres, então, passaram a perceber a necessidade
de reivindicarem os seus direitos, de reverter o processo de
desvalorização pelo qual estavam passando, do qual já começavam
a ter consciência, sendo, a partir daí, realizadas lutas diárias para
a modificação da situação de dominação existente, que sempre
foi muito além da existente nos meios de trabalho. Embora, a
partir daí, tenham se estabelecido batalhas contínuas em busca da
valorização da mulher e igualdade de gêneros, a questão se apresenta
complexa e demanda uma quebra de uma estrutura tradicional já
consolidada, o que, além de conhecimento, demanda certo tempo,
considerando a dificuldade em realizar uma mudança de conceitos
já consolidados e significantes de forma tão abrupta.
Assim, é relevante destacar que a questão de gênero é
importante em qualquer lugar do mundo e por isso é preciso que
um mundo diferente comece a ser pensado, sonhado e planejado.
Um mundo mais justo. Onde homens e mulheres possam ser mais
felizes e autênticos consigo mesmos (ADICHIE, 2015). Apresenta-
se, no mundo social, de forma evidente e incontestável, a força
dominante masculina, que se estrutura a partir de uma construção
no tempo e no espaço em que, nas divisões sociais (sexuais) de
trabalho, designam algumas atividades específicas aos homens,
reservando outras às mulheres, sendo aquelas mais relevantes para
os meios de produção atinente aos homens, e, por consequência, as
atividades do lar às mulheres (BIROLI, 2018).
Considerando que a opressão masculina sobre o gênero
feminino se apresenta de forma estruturante, faz-se necessário
perceber a impossibilidade da primazia de opressões a partir da
realização de rompimentos com a estrutura (RIBEIRO, 2016),
utilizando de um pensamento interseccional que, por sua vez, pensa
106
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

raças, gêneros e classes como compositores de um mesmo núcleo,


não podendo ser concebidos isoladamente. Nota-se, portanto, que
não é suficiente o estabelecimento de um pensamento que trate
exclusivamente de igualdade de gênero, sendo o problema muito
maior do que isso. A análise interseccional permite que, além da
igualdade de gêneros, haja uma igualdade com relação às diversas
raças e classes de mulheres, sendo que a análise conjunta dos três
fatores é fundamental para que se pense em um feminismo para
todas (CRENSHAW, 2002).
Desse modo, o movimento feminista é fundamental para
a construção de identidades políticas femininas, visto que é uma
reunião estruturada de ideias que guia ações políticas. Diante
disso, tem como compreensão a noção de que as mulheres são
discriminadas e não gozam dos mesmos direitos e condições de
igualdade que os homens. Além disso, compreende que essa é
resultado da desigualdade estrutural das mulheres em meio a
sociedade e do reconhecimento de que são necessárias soluções
coletivas para que haja mudanças estruturais (AVELAR, 2001).

3 A realização do projeto

No que diz respeito ao projeto, foi realizada a atividade


de inserção social no CIAMPAR (Centro Integrado de Apoio à
Mulher de Pouso Alegre e Região), localizado na cidade de Pouso
Alegre, estado de Minas Gerais, com o objetivo de utilização dos
conhecimentos adquiridos no Programa de Pós-graduação em
Direito, Mestrado, da Faculdade de Direito do Sul de Minas –
FDSM, para transformação em práticas que sejam socialmente
importantes e modificadoras da realidade. Dessa forma, teve como
objetivo central que as mulheres da cidade de Pouso Alegre e região
fossem informadas acerca de seus direitos em amplos aspectos.
Foram abordados o Direito Civil, com discussões sobre divórcio,
guarda dos filhos, pensão alimentícia e alienação parental, do
Direito Penal, abordando em especial a Lei Maria da Penha – Lei
11.340/06, e discutindo também a questão do feminismo em suas
107
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

diferentes vertentes e possibilidades.


O projeto teve o importante intuito de oferecer uma
explicação simples e didática do feminismo, mostrando para as
pessoas – homens e mulheres – que este é um movimento que
tem como ideal acabar com o sexismo, com a exploração sexista
e com a opressão (HOOKS, 2019). Assim, pretendeu-se abordar
quanto a importância de se construir um movimento feminista de
massa, sendo que este deve ser disseminado para o maior número
de pessoas possíveis, como famílias, amigos, comunidades e etc.,
tanto homens quanto mulheres, pois o movimento feminista é para
todos.
Essas discussões se realizaram através de palestras (sendo que
estas foram distribuídas de modo que os temas fossem divididos em
várias reuniões, para que assim esses fossem melhor expostos e para
que houvesse tempo para abrir debates, discussões e até mesmo
para que fosse possível elucidar dúvidas jurídicas dos ouvintes) e
também através de algumas conversas na rádio (haja vista que uma
das senhoras coordenadoras do CIAMPAR possui um horário em
uma rádio local) que conseguiram atingir um número maior de
mulheres de forma mais cômoda. Estes temas que foram debatidos
foram escolhidos em conjunto com as autoridades do CIAMPAR,
que relataram a necessidade de discussão desses assuntos com as
mulheres e toda a comunidade.
Durante o desenvolvimento do projeto foram apresentadas
por meio de exposição oral, com uso de recursos visuais (vídeos,
power point) e entrega de flyers, sempre buscando a melhor maneira
de aproximar as apresentadoras ao público, permitindo uma
maior eficiência na compreensão das informações apresentadas e
possibilitando que houvesse um diálogo com os participantes, a
fim de dar efetividade aos objetivos almejados. Para tanto, também
foram realizadas entrevistas em rádio local, objetivando que um
maior número de mulheres pudesse obter informações sobre seus
direitos. Nesses momentos foram abordadas as mesmas questões
que foram passadas nas palestras.
108
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Dessa forma, foi o principal foco, durante a execução do


projeto, demonstrar para a comunidade da região que o movimento
feminista se trata de uma busca para o livre movimento de todos
e todas, em quaisquer partes e que está em curso, alterando
realidades e conquistando mudanças, sendo que ainda mudará
muito mais. Nesse sentido, abordando essa temática do feminismo
e seus conceitos, o grupo objetivou dialogar, em conjunto com o
CIAMPAR, sobre a importância do feminismo como instrumento
de empoderamento das mulheres, demonstrando os resultados
positivos que podem ser obtidos na vida delas e de seus familiares.
Desse modo, o projeto partiu da compreensão de que
por mais que se tente mudar os desequilíbrios das relações entre
homens e mulheres na esfera jurídica, é na esfera pública que a
mudança precisa realmente acontecer, e por isso esse debate é tão
importante. Não obstante existirem leis importantes e necessárias
que buscam equilibrar as desigualdades de gênero, inclusive sendo
necessária a regulamentação para outras situações que ainda são
pautadas de controversas e ausentes de normatização, é preciso que
haja uma análise da situação como um todo, além de um debate
para que se possa entender por que esses desequilíbrios acontecem
e, então, encontrar qual a melhor maneira de mudar essa situação,
que não seja apenas através da criação de leis.
Vislumbra-se, portanto, e a relevância do projeto abordado,
a partir do momento em que se constata que muitas mulheres não
possuem consciência e conhecimento de seus próprios direitos, o
que corrobora para a naturalização da violência, não somente a
física, mas também aquela que advém da ausência de conhecimento
do amparo legal. É possível observar que o avanço social não tem
acompanhado os avanços legislativos, portanto, tão importante
quanto ter uma legislação protetiva e eficiente em relação aos
direitos da mulher é levar até as principais destinatárias o arcabouço
necessário que lhes deem voz.
Nesse ínterim, muitas mulheres ainda se encontram em uma
situação de não conhecimento quando se trata dos seus direitos,
sendo que mesmo após grandes avanços legislativos, marcados,
109
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

por exemplo, com a promulgação da Constituição de 1988, que


reconhece a igualdade entre homens e mulheres na vida pública
e privada, em particular na relação conjugal, e, também, a Lei
Maria da Penha como forma protetiva da mulher contra violência
doméstica, ainda existem lacunas jurídicas e sociais que acabam
dificultando a sua efetividade plena, o que prejudica alcançar a
igualdade de gênero e, consequentemente, a ascensão social dessas
mulheres.
A violência contra a mulher, praticada nas relações
interpessoais onde agressores utilizam da violência como forma
de exercer o poder sobre a mulher, em diversos aspectos (social,
patrimonial, sexual, física, psicológica), e, em muitos destes casos,
as mulheres não chegam a ter conhecimento dos direitos que as
cercam. Por estes motivos, o acesso à justiça, em não raras situações,
é dificultado antes mesmo de dar início a uma demanda judicial,
seja na esfera cível ou penal, ante a ausência de conhecimento
jurídico. Sendo assim, é notável que quando denúncias de violência
não chegam, quando mulheres sustentam sozinhas seus filhos sem
qualquer ajuda financeira do ex companheiro, talvez não seja por
seu livre arbítrio, mas sim porque foram silenciadas em decorrência
da ausência de informação e formação.
O projeto, portanto, além de ter sido baseado em uma
temática atual e que vem sofrendo diariamente mudanças, abordou
questões com relevância social e que podem, efetivamente, gerar
mudanças práticas na vida das pessoas, possibilitando o acesso a
questões que, para muitos, são inalcançáveis, devido às condições
sociais. Ficou demonstrado que o direito das mulheres merece
e deve ser conhecido por todos e por todas, visto que, apesar de
existirem conquistas, a luta ainda é necessária para que deixe de
ser adotado qualquer tipo de ação ou posicionamento que leve
o gênero feminino a uma posição de inferioridade na sociedade.
Nesse sentido, o projeto de inserção social teve como um de
seus objetivos levar conhecimento jurídico e sanar dúvidas sobre
direitos das mulheres, feminismo e também questões jurídicas, no
intuito de possibilitar uma contribuição positiva como forma de
110
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

empoderamento das mulheres na luta e na reivindicação de seus


direitos, que atualmente é tão importante na busca da igualdade
de gênero.

4 Considerações finais

Conforme abordado, o Projeto de Inserção Social


desenvolvido em conjunto ao CIAMPAR – Centro Integrado de
Apoio à Mulher de Pouso Alegre e Região, teve como objetivo a
realização de atividades destinadas ao esclarecimento das mulheres
sobre os seus direitos, apresentando a estas questões relevantes que
se encontram em pauta em nossa sociedade atualmente, explicando
do que se trata o movimento feminista e o seu papel na conquista
de muitas garantias, sendo algumas dessas tratadas pela legislação
brasileira. Deste modo, com a utilização dos conhecimentos
adquiridos no Programa de Pós-graduação em Direito, Mestrado,
da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM, o grupo
pretendeu a transformação em práticas que fossem socialmente
importantes e modificadoras da realidade.
Tal pretensão foi concretizada a partir do esclarecimento
de questões jurídicas sobre divórcio, guarda dos filhos, alienação
parental e violência contra a mulher, com foco nas conquistas
trazidas pela Lei Maria da Penha, analisando e debatendo as formas
de violência sofridas pelas mulheres, que não é somente a violência
física, bem como as formas de amparo estabelecidas por lei. Foram
realizadas, ainda, intervenções na mídia, com o auxílio da Rádio
Cidadã de Pouso Alegre (90.9 FM), com a finalidade de difundir
informações sobre feminismo e direitos da mulher.
Com isso, o projeto apresentou como objetivo trazer às
mulheres conhecimentos necessários de direitos básicos que lhes
envolvem, que as auxiliem na solução de problemas sociais pelos
quais são atingidas, e procurando demonstrar a existência de órgãos
e instituições de auxílio disponíveis e muitas vezes desconhecidos,
como órgãos de amparo e assistência social, sendo o CIAMPAR e a
própria Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM, exemplos
111
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

disto. Foi considerado, portanto, como objetivo do projeto de


inserção social, realizar, de forma clara e dinâmica, um debate sobre
o feminismo e a legislação brasileira que envolvesse diretamente
as mulheres de Pouso Alegre e região, as incentivando para que
conheçam os seus direitos e, caso esses sejam violados, possam
procurar órgãos competentes para lhes ajudarem e garantirem que
não haja mais violações e restrições, mas sim a preservação das leis
existentes que tratem da matéria.
Os eventos realizados através do projeto contaram com a
participação de um público variado, desde mulheres de terceira
idade até mulheres muito jovens, além de contar com o apoio do
CIAMPAR, que presta assistência a mulheres que vivenciaram
situações de violência psicológica ou física, auxiliando para que
estas possam reconstruir suas vidas. Observamos pelo trabalho
desenvolvido, que efetivamente as mulheres ainda não possuem
pleno conhecimento de seus direitos, um problema comum
enfrentado pelo Brasil, nem todos tem acesso as informações ou
ao apoio que necessita. Posto isto, entendemos que efetivamente a
discussão e reflexão a respeito deste tema é de suma importância para
a inclusão destas mulheres, com fulcro em promover a igualdade,
direito constitucionalmente assegurado a todos, mas que na prática
muitas vezes não é respeitado.
Diante disso, conclui-se então que a inserção social realizada
conseguiu contribuir para levar até as mulheres participantes das
palestras e ouvintes da rádio, um pouco sobre o feminismo e o
saber jurídico, por meio de uma linguagem clara e acessível a
todos. O objetivo pretendido e observado é o afloramento de um
empoderamento feminino, a produção de novas visões a respeito de
temáticas jurídicas tão presentes no cotidiano de qualquer cidadã,
mas que somente poucos detém o conhecimento.

Referências

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos Todos Feministas.


Trad. Christina Baum. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
112
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

AVELAR, Lúcia. Mulheres na elite política brasileira. 2ª Ed.


São Paulo: Fundação Konrad Adenauer: Editora da Unesp, 2001.
BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da democracia
no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018.
BITTENCOURT, Ila Barbosa; VEIGA, Ricardo Macellaro.
Olhar atual da cláusula fundamental da dignidade da pessoa
humana. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v.
90, 2015.
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Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 117-133, dez.
2003.
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gênero. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p.
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Fem. FGV – EAESP. Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 47-71, jan./abr.
2004.
GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São
Paulo: Claridade, 2015.
HOOKS, Bell. O feminismo é para todo mundo: políticas
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PITANGUY, Jacqueline. A carta das mulheres brasileiras aos
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contexto. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019.
RIBEIRO, Djamila. Feminismo negro para um novo marco
civilizatório. SUR – Revista Internacional de Direitos
113
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Humanos, São Paulo, v. 13, n. 24, p. 99-104, dez. 2016.


SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana
e direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2015.
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo
no Brasil e outros ensaios. São Paulo: Editora Alameda, 2017.
TERRA, Bibiana; TITO, Bianca. Igualdade de gênero na
Constituição Federal de 1988: o movimento feminista brasileiro
e a conquista do princípio da igualdade. Revista de Gênero,
Sexualidade e Direito, v. 7, p. 112-129, 2021.
Capítulo 8
A FORMAÇÃO DAS ONDAS FEMINISTAS E SUAS
REIVINDICAÇÕES NA LUTA PELOS DIREITOS
DAS MULHERES

Laura Melo Cabral


Gabriela Colomé Moreira
Aline Antunes Gomes

1 Considerações iniciais

O feminismo no decorrer de sua história, reivindicou


igualdade de direitos políticos, civis e sociais. Nos dias
de hoje, no cenário de movimento político e global, o feminismo
revela pautas perseverantes e unificadoras de desenvolvimento
dos direitos das mulheres, o que imputa a qualidade de sujeitos
de direitos às mulheres, em caráter aparentemente essencialista e
universal. 
As manifestações se generalizaram por diversos países
do mundo e consistiu a emergência de novas subjetividades e
estratégias de organização política. Diante disso, foi um marco para
os movimentos sociais e, especialmente, para o feminismo.
Todos os momentos históricos têm suas características,
e, com elas, novos pensamentos nascem e impulsionam uma
ação transformadora na sociedade. Nessa situação, as mulheres
constituíram movimentos, conhecidos como ondas feministas,
sendo uma forma de unir, e, assim, exigir e conquistar a libertação
feminina.
Portanto, o presente artigo busca tratar das ondas feministas
e as reivindicações e interpretações sob seu espaço. Em sua primeira
parte, a análise é sobre a mulher nas ondas feministas. Em um
segundo momento será elencado as reivindicações e interpretações
116
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

sob seu espaço. Por fim, a configuração de uma quarta onda


feminista.
O método é o dedutivo, e a presente pesquisa realizada
para o desenvolvimento do trabalho, bibliográfica, com o objetivo
de reunir conteúdos que servirão de base para a construção da
indagação proposta, a partir da temática abordada. O levantamento
bibliográfico é realizado a partir da análise de livros, artigos,
periódicos, textos disponíveis em sites, e demais meios eletrônicos.

2 A mulher na primeira e segunda onda do feminismo e as


reivindicações e interpretações sob seu espaço

Na segunda metade do século XX, entre a década de 60


e 70, tem-se grandes mobilizações sociais, que resultaram em um
alargamento do campo político no mundo ocidental. É nessa
perspectiva que manifestações se espalharam pelo mundo, no qual
novos movimentos sociais reivindicavam outras formas de exercício
de poder e críticas tanto ao capitalismo quanto ao socialismo. Esse
período é marcado pelos movimentos sociais, mas, principalmente,
pelo feminismo.
De acordo com Martins (2015, p. 232), as lutas das
mulheres já estava se desencadeando:
[...] Desde o fim do século XIX, com as revoltas do operariado
e o movimento sufragista, os princípios de liberdade e
igualdade de oportunidades difundidos pelas revoluções
burguesas passaram a ser exigidos pelas mulheres, geralmente
excluídas dos processos de efetividade desses direitos. O século
das revoluções teria deixado esse legado aos séculos seguintes:
a reivindicação das mulheres aos seus direitos de cidadania,
que se materializou em uma ação política organizada com
discurso próprio e especificidade na luta das mulheres. Assim,
as primeiras pautas desses movimentos, pertencentes ao que
se denomina primeira onda do feminismo, apresentavam
reivindicações por melhores condições de trabalho, como
salário, redução da jornada e salubridade, e pela conquista
de direitos políticos – de votar e representar interesses nos
parlamentos.
117
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

À vista disso, a primeira onda feminista é marcada pela


atuação das suffragettes na Inglaterra, na qual mulheres reivindicam
seus direitos femininos à educação e ao trabalho em suas áreas de
formação. Desse modo, no primeiro momento, repara-se que,
apenas mulheres da classe burguesa defendiam seus direitos, uma vez
que, haviam tido acesso a educação. Entre outras reinvindicações,
tem-se o divórcio e à participação na política. Segundo Franchini
(2017, p. 04), “As primeiras reivindicações feministas foram, então,
por esses direitos que, à época, eram considerados básicos: o voto,
a participação política e na vida pública”.
Já no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, a
primeira onda feminista acompanha esta tendência europeia de
exigir direitos trabalhistas e políticos. Martins (2015, p. 233) expõe
que eram “Lideradas por Bertha Lutz, bióloga e destacada cientista,
as suffragettes brasileiras conquistaram o direito ao voto em 1932”.
Ressalta-se, ainda, que desde a primeira onda feminista,
as mulheres negras feministas surgiram trazendo questões sobre
a interseccionalidade1, termo designado por Kimberlé Crenshaw
(1959), estudiosa afro-estadunidense, que se referia aos sistemas
discriminatórios, analisando a condição da mulher sob um aspecto
racista (MARQUES, 2006). Há também, a ativista dos direitos da
mulher e abolicionista-africana, Sojouner Truth, nome adotado a
partir de 1843 por Isabella Baumfree tendo como seu discurso mais
conhecido, o chamado: “E eu não sou uma mulher? ”.
Outra importante escritora, ativista política e feminista
foi Simone de Beauvoir, em 1949, que trouxe novas demandas
e pautas a partir da publicação de “O segundo sexo”. Consoante
Martins (2015, p. 233), ela foi “Responsável pela rearticulação
do feminismo europeu após a Segunda Guerra Mundial, o texto
explicita de que forma a mulher se constituiu como a ‘outra’ em

1 “[...] interseccionalidade constituí-se em ferramenta teórico-metodológica


fundamental para ativistas e teóricas feministas comprometidas com análises que
desvelem os processos de interação entre relações de poder e categorias como classe,
gênero e raça em contextos individuais, práticas coletivas e arranjos culturais/
institucionais [...]” (RODRIGUES, 2013, p. 07).
118
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

relação ao homem, sem que desta relação resultasse reciprocidade”.


Nesse contexto, percebe-se que, apesar de haver uma
ampliação e visibilidade das mulheres no âmbito político, a partir
da conquista de direitos sociais e políticos, os homens continuam
como detentores do poder e das coisas. Beauvoir (1961, p. 9), em
seu livro “O segundo sexo” destaca bem isso:
Um homem não teria a ideia de escrever um livro sobre a
situação singular que ocupam os machos na humanidade. Se
quero definir-me, sou obrigada inicialmente a declarar: “sou
uma mulher”. Essa verdade constitui o fundo sobre o qual se
erguerá qualquer outra afirmação. Um homem não começa
nunca por se apresentar como um indivíduo de determinado
sexo: que seja homem é natural. É de maneira formal, nos
registros dos cartórios ou nas declarações de identidade que
as rubricas, masculino, feminino, aparecem como simétricas.
A relação dos dois sexos não é a de duas eletricidades, de dois
pólos. O homem representa a um tempo o positivo e o neutro,
a ponto de dizermos “os homens” para designar os seres
humanos (...). A mulher aparece como o negativo, de modo
que toda determinação lhe é imputada como limitação, sem
reciprocidade.
A segunda onda feminista, ressurge nas décadas de 1960 e
1970, e prolonga-se até meados dos anos 90 do século XX, quando
a categoria mulher é pluralizada, e propiciam discussões acerca
da sexualidade e direitos reprodutivos das mulheres. Segundo
Franchini (2017, p. 06):
Foi nessa época que foram iniciados uma série de estudos
focados na condição da mulher, onde começou-se a construir
uma teoria-base, uma teoria raiz sobre a opressão feminina.
Muito por isso, geralmente, quando nos referimos ao
feminismo de segunda onda, costumamos querer dizer mais
especificamente do que chamamos de feminismo radical (de
raiz), um movimento que teve seu início (e sua fase mais ativa)
nas décadas de 60 e de 70, pois toda a movimentação feminista
daquela época foi pautada na teoria radical que versa sobre a
nossa condição de exploradas por conta do nosso sexo e das
nossas funções reprodutivas.
Como se vê, a sexualidade foi discutida e pautada em uma
119
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

teoria radical, a fim de evidenciar a exploração da condição das


mulheres por conta do sexo e questões reprodutivas. Debate-
se, assim, o ponto no qual a sexualidade perde o domínio
eminentemente privado e passa a ser compreendida como uma
relação de poder entre os sexos, uma vez que, os direitos políticos
e civis já estavam em processo de consolidação em diversos países
ocidentais, havendo uma tendência a entender, naquele momento,
as desigualdades entre os sexos. Desse modo, conduziu-se a um
aspecto em que a sexualidade teria uma essência política, sendo
parte constituinte do patriarcalismo, destinando-se, assim, ao
universo da intimidade e sexualidade das mulheres, o campo da
vida privada, e como este influenciaria o espaço público. Conforme
Dietz (1999, p. 3):
As feministas há muito tempo reconheceram como imperativo
o trabalho de procurar, definir e criticar a complexa realidade
que dirige nosso modo de pensar, os valores que defendemos
e as relações que compartilhamos, especialmente no que se
refere ao gênero. Se o contexto é o que conta, o feminismo,
em suas diversas formas, está obrigado a descobrir o que nos
rodeia e a nos revelar as relações de poder que constituem as
criaturas que vamos ser. ‘“O pessoal é político’ é o credo desta
prática com sentido crítico”.
É nesse cenário que se discute acerca das consequências do
patriarcalismo na vida privada, no qual a problemática se salienta
nas relações familiares e domésticas. O patriarcalismo influencia,
assim, desde a vida privada da mulher, caracterizando-se pela
autoridade do homem sobre a mulher e os filhos, o que, por sua vez,
repercute nas demais esferas, na cultura machista, na legislação e na
política. “Os relacionamentos interpessoais e, consequentemente, a
personalidade, também são marcados pela dominação e violência
que têm sua origem na cultura e instituições do patriarcalismo”
(CASTELLS, 2013, p. 169).
Portanto, nota-se que, enquanto a primeira onda feminista
ecoava por diversos lugares do mundo, por mulheres que
reivindicavam a participação no espaço público, por condições
igualitárias no mundo do trabalho, pelo poder do voto e da
120
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

participação política, a segunda onda feminista, preocupava-se


em entender o espaço privado da mulher, e como este repercutia
nas outras esferas de sua vida. Assim, entender o espaço privado
demonstrou-se essencial, pois, era dele que as demais desigualdades
se expandiam.

3 A mulher na terceira onda

A terceira onda feminista surgiu nos anos de 1990, que


foram conhecidas por numerosas mudanças profundas, como, na
Europa, em uma conjuntura histórica da queda do muro de Berlim
e o fim da União Soviética, além das ditaduras da América Latina
que começaram a se desfazer, e paralelas a esses avanços político-
sociais, ocorreu a evolução da tecnologia, que resultou na revolução
da internet, bem como o progresso nos meios de comunicação.
Nesse contexto Franchini (2017, p.12 ) esclarece:
[...] associamos o início da terceira onda ao surgimento de
movimentos punk femininos, cuja ideologia girava em torno
da completa negação a corporativismos e da defesa do “faça
você mesmo” (do it yourself). São essas mesmas garotas punk
que lançaram o termo riot grrrl (garota rebelde, em tradução
livre) e introduziram a confecção e a estética dos zines ao
feminismo. Esses zines tratavam de assuntos como estupro, o
patriarcado, a sexualidade, e o empoderamento feminino.
Na terceira onda feminista passou-se a discutir acerca da
existência da identidade de gênero, e esta como fundamental para
a caracterização de um projeto político vasto, com significativos
impactos sociais. Por consequência, a categoria mulher e a natureza
feminina mantêm-se sendo manejadas como táticas políticas capazes
de fazer frente à construída dissipação da mulher e do feminismo,
dentro da diferença acolhida por teóricos pós-estruturalistas
(COSTA, 2002).
Os riscos do conceito “essencialismo”, por exemplo,
requer uma nova revisão e debate sobre, visto que, trata-se sobre
um conceito mutável e contingente e, no início da terceira onda,
admite-se o seu surgimento, a fim de promover reflexões sobre
121
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

a questão da identidade em relação ao sujeito do feminismo,


tornando-se importante nesta esfera o questionamento sobre os
atores sociais, seus espaços, formas de atuação e quais seus efeitos.
As pós-estruturalistas desconstruíram a mulher, concedendo
o caráter de ficção e indeterminação. A categoria irrestrita seria,
a partir dessa perspectiva, reacionária e imprópria, por refletir a
“concepção humanista do sujeito feminino, centrada, unificada
e autêntica, amarrada a sua identidade essencial como mulher”
(ALCOFF apud COSTA, 2002, p. 68).
As feministas da terceira onda foram capazes de garantir
a obrigação da articulação das variadas posições de sujeito e,
juntamente, identificar tanto o caráter histórico-discursivo
da categoria “mulheres”, assim como o potencial positivo das
heterogeneidades e pluralidades. “Dessa forma, as feministas da
última década do século XX admitiram a instabilidade semântica
do conceito, mas mantiveram a convicção nas reivindicações
identitárias e na ação política”. (MARTINS, 2015, p. 237).
Pode-se dizer que a história do sujeito do feminismo transita
da construção para a desconstrução e, contemporaneamente,
para a reconstrução, pautada na instabilidade. Segundo a
escritora indiana Gayatri Spivak, invocações públicas da
categoria “mulher” são expressões de um “essencialismo
positivo” ou de um “essencialismo estratégico”, que apenas se
efetiva por meio da postura de vigilância e do reconhecimento
da utilidade daquilo que se critica. Além disso, a autora
reforça a imprescindibilidade do sujeito, agora materializado
e determinado. “Embora a história da Europa como Sujeito
seja narrada pela lei, pela economia política e pela ideologia
do Ocidente, esse sujeito oculto alega não ter ‘nenhuma
determinação geopolítica’. Assim, a tão difundida crítica ao
sujeito soberano realmente inaugura um Sujeito” (SPIVAK,
2010, p. 21).
O feminismo igualitário é, consequentemente, um dos
relevantes alvos de opiniões da terceira onda. Luce Irigaray, um dos
importantes nomes do feminismo da diferença, creditou durante
a terceira onda, acerca da subversão da linguagem masculina, na
escritura feminina e na geração de um saber próprio das mulheres.
122
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Esta escolha passou a interpretar a mulher de um sentindo


essencialista, que não simboliza aprisioná-la ao seu corpo, mas
resgatá-la das idealizações autoritárias realizadas pelos homens
(FUSS, 1989). Nesse mesmo sentido, Martins (2015, p. 239):
As proposições em defesa da categoria “mulheres” apresentam-
se, desse modo, como capazes de gerar inteligibilidades
compartilhadas e a produção de programas políticos
de identidade e alteridade entre as mulheres, ainda que
profundamente diferentes. Reconhecidas as diferenças, a
preservação das identidades opera-se por mecanismos teóricos
e políticos que exigem significativos esforços para a produção
de “efeitos totalizantes”. [...] É preciso reconhecer que não há
identidade social completa e permanentemente adquirida.
Nessa perspectiva, as diferentes posições do sujeito não estão
necessariamente vinculadas, mas no campo da política há
discursos que tratam da articulação desde diferentes pontos
de partida.
A escapatória para os impasses teóricos em relação à
existência de alguma base identitária para a política feminista está
na descrição de “mulher” como posicionalidade, analisando-se a
posição como identidade politicamente assumida e invariavelmente
ligada à localização do sujeito. A posicionalidade no que se refere
aos aspectos sociais, culturais, geográficos, econômicos e sexuais,
objetiva esclarecer a visão que é feita do mundo e na qual para agir
(MARTINS, 2015).
Portanto, a identidade é entendida como um dever, uma
procura e um objetivo de luta e não de maneira de concessão
ou preexistência. Em razão disto, as dificuldades do movimento
feminista na contemporaneidade apresentam positivamente
identidades nas margens, nos entre-lugares e nos espaços de
incertezas. Compreendendo as subjetividades alternativas e
firmando reconhecimento.

4 A configuração de uma quarta onda feminista

O feminismo está presente na sociedade como um todo,


desde a academia aos movimentos sociais, e principalmente,
123
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

na internet, sendo está última um importante instrumento para


a discussão, impulsionando o assunto para diversos contextos,
explorando seus temas, pensadoras, e suas vertentes teóricas
(radical, liberal, interseccional, marxista ou socialista etc.).
É nessa perspectiva, que se afigura uma quarta onda
feminista, que ainda se encontra em curso, mas que apresenta
algumas características bem específicas, sendo a tecnologia e o uso
em massa das redes sociais as que mais se destacam, visto que, há
um aprofundamento de discussões sobre identidade e corpo, por
exemplo, trazendo novas visibilidades e debates. Conforme Toledo
(2017, p. 05):
As novas tecnologias de comunicação redimensionaram os
movimentos sociais, tanto em relação às formas de organização,
quanto à acessibilidade. Para o feminismo, o mundo digital
possibilitou a expansão e o acesso quase ilimitado ao seu
discurso, empoderando ainda mais mulheres, permitindo um
novo lugar de fala.
Não é mais possível, assim, ignorar o fenômeno das novas
mídias sociais na construção de uma sociedade, especialmente no
que se refere a formação de identidades coletivas entre os jovens
(BAQUERO; BAQUERO; MORAIS, 2016, p. 992). Assim, a
internet possibilita uma maior elaboração e divulgação de ideias,
uma vez que, todos possuem acesso, e podem criar e divulgar
textos e vídeos e compartilhá-los para as redes sociais. Tem-se como
exemplo, o exposto por Perez e Ricoldi (2019, p. 09):
[...] nas redes sociais digitais são recorrentes as campanhas
que defendem a igualdade de direitos e oportunidades para
as mulheres. Tais campanhas são criadas por indivíduos ou
pequenos grupos e compartilhadas por muitas mulheres,
possibilitando a construção de identidades feministas entre
as usuárias das redes. Nesse sentido a rede digital possibilita
a massificação do que é o feminismo (ainda que não a
massificação das feministas). [...].
É nesse ponto, que Felgueiras (2017, p. 119), dispõe que,
a quarta onda feminista no Brasil é formada por “jovens militantes
que foram criadas já na era digital e que compreendem o alcance
124
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

desta ferramenta de comunicação e sabem muito bem como


utilizá-la”. Desse modo, a internet possibilitou a criação de uma
comunidade de mulheres feministas, remodelando, também, a
forma como a militância atua: “Os movimentos sociais também
foram transformados e desafiados pelas novas tecnologias tendo
que repensar suas estratégias de militância, além de problematizar
os seus novos papéis dentro de um território ainda inexplorado e
digital.” (AZEVEDO, 2017, p. 25).
Assim, os movimentos sociais como um todo se
reorganizaram, a fim de utilizar a internet como uma nova estratégia
de disseminação de ideias e militância. Outrossim, o feminismo
se propagou de tal forma, que começaram a ser apontadas, por
exemplo, de forma frequente, questões como:
[...] a cultura do estupro, a representação da mulher na
mídia, os abusos vivenciados no ambiente de trabalho e
nas universidades, e a postura de denúncia e de recusa
ao silenciamento. As palavras-chave da quarta onda são
“liberdade” e “igualdade”, independentemente do que isso
signifique (FRANCHINI, 2017, p. 16).
Compreende-se assim, que as mídias sociais são exploradas ao
máximo, relatando histórias, militância, conscientizando mulheres
de todas as idades acerca da cultura machista e patriarcalista
existente.
Outra característica predominante é o interseccionalismo,
termo designado anteriormente na primeira onda feminista por
Kimberlé Crenshaw, em seu primeiro texto “Demarginalizing
the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of
Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist
Politics”, publicado em 1989, e que vem se popularizando
rapidamente entre as militantes brasileiras. Como visto, o
interseccionalismo “Traz consigo a ideia de superação de um
feminismo branco e de classe média das ondas anteriores,
conjugando elementos identitários como raça, gênero, classe,
sexualidade, deficiência, etc.” (PEREZ; RICOLDI, 2018, p. 16).
Sob tal ótica, discute-se a respeito ao fato de que, todas
125
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

as mulheres estão, de algum modo, subjugadas ao peso da


discriminação de gênero, raça, classe, etnia, religião, entre outros.
Segundo Crenshaw (2002, p. 177):
A interseccionalidade é uma conceituação do problema que
busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da
interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata
especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo,
a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam
desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de
mulheres, raças, etnias, classes e outras.
Por último, destaca-se os coletivos feministas como uma
terceira característica da quarta onda a ser discutida, visto que,
são grupos de mulheres feministas que pensam em ações para
impactar a sociedade e, em geral, ressaltam um caráter horizontal
e autônomo, encontrando-se como movimentos independentes
de discursos políticos e, capazes de agregar múltiplas demandas e
debates. Consoante o destacado por Perez e Ricoldi (2018, p. 18-
19), os coletivos feministas possuem como principal intuito:
[...] ampliar a compreensão do fenômeno, foram investigados
todos os coletivos que possuíam páginas na rede social digital
mais utilizada no Brasil: o Facebook. Na busca, utilizou-
se primeiramente o descritor "coletivo" e "coletiva" no mês
de junho de 2017. O banco de dados foi formado por 725
páginas de coletivos. Desse total, 39,9% atuavam com temas
relacionados às artes (teatro, dança e organização de eventos
culturais). Em segundo lugar, o tema mais presente nos
coletivos era o feminismo (19%, ou 138 páginas). Coletivos
que se mobilizavam em torno de questões ambientais (também
incluídos coletivos que defendem a causa animal e saúde dos
indivíduos) ou assuntos ligados aos grupos LGBT’s, assim
como no combate ao racismo, movimentos estudantis e acesso
a cidades tinham em tono de 4% a 8% páginas cada um.
Diante disso, nota-se que, a internet possibilita, em um
primeiro momento, aos coletivos feministas, um espaço de troca,
em que as mulheres passam ter voz, possibilitando uma maior
discussão, aprendizado e compartilhamento de histórias e da luta
feminista. Assim, a internet ampliou esse espaço, e propiciou a troca
entre pessoas desconhecidas que se encontraram por uma finalidade
126
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

em comum e objetivam fazer parte de coletivos, a fim de propagar


o feminismo, entre outras temáticas de grande importância, tais
como, a interseccionalidade, e para tanto, não é preciso encontros
formais e ou presenciais.

5 Considerações finais

O presente estudo atingiu os objetivos propostos ao passo que


abordou sobre as ondas feministas, bem como suas reivindicações e
interpretações sob seu espaço. No primeiro momento, notam-se as
distintas fases de discriminação e sua amplificação de gênero, para
garantir que todas as mulheres sejam reconhecidas como sujeito de
direitos.
Em vista disso, destaca-se a relevância do movimento
feminista, no que se refere à luta pelos direitos das mulheres, uma
vez que o movimento proporcionou diversas conquistas com a
ajuda de suas manifestações.
Na primeira onda, as reinvindicações se deram no âmbito dos
direitos sociais e políticas. Na segunda onda, as lutas se direcionaram
para os direitos sexuais e reprodutivos, bem como a dicotomia
entre o público e o privado. Já na terceira onda, as manifestações
pautaram-se em questões identitárias e no feminismo igualitário.
E, na quarta onda, que, ainda, segue ocorrendo no momento atual,
busca um aprofundamento das lutas pela identidade e o corpo,
tendo como base a liberdade e a igualdade.
Além disso, ressalta-se, no contexto da quarta onda,
o importante papel das novas tecnologias de informação e
comunicação, que possibilitaram uma reorganização dos
movimentos sociais, que passaram a utilizar o espaço da internet
como esfera de discussão, impulsionando as lutas sociais e as redes
identitárias, a partir de coletivos e microesferas públicas de debates
constantes, especialmente nas redes sociais.
127
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Referências

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Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

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=1632407238&Signature=U8dXTjoXsRLcTD0jQHzLsfGfhZk
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Capítulo 9
INTERSECCIONALIDADE E MOVIMENTOS
FEMINISTAS: UMA ANÁLISE DA OBRA
“MULHERES, RAÇA E CLASSE” DE ANGELA
DAVIS

Bibiana Terra

1 Considerações Iniciais

“Mulheres, raça e classe” foi originalmente publicado


em 1981 por Angela Davis, mulher, negra, feminista, marxista
e militante estadunidense. Angela Davis é conhecida por ser um
símbolo de luta, de resistência, de militância pelos direitos das
mulheres e contra a discriminação social e racial nos Estados
Unidos, engajando-se desde nova na luta pelos direitos civis dos
afro-americanos e contribuindo de forma destacada para discussões
sobre racismo, feminismo, sistema prisional, capitalismo,
comunismo, luta de classes, entre outros.
A autora foi militante do Partido Comunista dos Estados
Unidos e do Partido Panteras Negras, o que já dá uma ideia dos
seus pressupostos intelectuais. Assim, ela é uma pensadora de
esquerda em termos políticos, mas não de uma maneira ortodoxa,
justamente porque ela faz críticas ao pensamento marxista clássico.
Na década de 1970 ela foi presa, tendo ficado mundialmente
conhecida pela mobilização “Free Angela Davis” – Libertem Angela
Davis (DAVIS, 2019).
No que diz respeito especificamente a sua obra “Mulheres,
raça e classe”, a ser analisada no presente artigo, este trata-se de um
livro dividido em 13 capítulos no qual, a partir de uma perspectiva
histórica, a autora vai desenvolvendo uma análise crítica dos
movimentos feministas nos Estados Unidos, contando a saga do
132
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

povo negro; o legado da escravidão na vida da mulher negra; da sua


posição na sociedade; sobre os movimentos antiescravagistas; sobre
a emancipação feminina e as suas consequências para as mulheres
negras; campanhas pelos direitos trabalhistas das mulheres; sobre
as perspectivas de educação para as mulheres negras e suas lutas
pelo acesso a esse direito; a luta pelo sufrágio e contra a segregação
racial; sobre a mulher negra no ambiente de trabalho e nas tarefas
domésticas; sobre questões de direito reprodutivo e controle
de natalidade; de que forma os movimentos políticos tais como
o capitalismo e o socialismo atuaram nas questões sociais; entre
outros temas vinculados a estes (DAVIS, 2016).
Diante disso, essa pesquisa tem como objetivo central
analisar a obra “Mulheres, raça e classe” de Angela Davis, de modo
a investigar a interseccionalidade e o pensamento feminista em seus
escritos. Nesse sentido, os seus objetivos específicos se dividem em
dois, sendo que cada um deles corresponde a um tópico desse artigo,
sendo eles: primeiramente, apresentar o contexto, pressupostos e
referências de Angela Davis para compor a sua obra; em segundo
lugar, será analisada especificamente a obra “Mulheres, raça e
classe” destacando suas partes mais relevantes para as discussões
interseccionais e dos movimentos feministas. Para a sua realização
será utilizada a metodologia da pesquisa bibliográfica, sendo que
o trabalho se justifica pela importância de investigações que levem
em conta as interseccionalidades, os feminismos e o pensamento de
Angela Davis.

2 O contexto, pressupostos e referências da obra “Mulheres,


raça e classe”

Para compor a obra “Mulheres, raça e classe”, originalmente


publicada em 1981, Angela Davis parte do problema central de
que gênero, raça e classe são conceitos que precisam ser analisados
de forma interseccional. Ela argumenta que não se pode pensar
nessas categorias de forma isolada, pois as lutas contra as opressões
atravessam umas às outras, afirmando que racismo e gênero estão
133
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

intrinsicamente ligados às questões de classe.


Diante disso, primeiramente, cumpre aqui apresentar
o conceito de interseccionalidade. Esse é um termo que foi
originalmente cunhado pela autora afro-americana Kimberlé
Crenshaw, mas que também foi desenvolvido por diversas outras
autoras, tais como Bell Hooks, Patrícia Hill Collins, Angela Davis,
Lélia González, dentre outras. Trata-se de um conceito que auxilia
na compreensão de que diferentes grupos sociais estão em posições
vulneráveis, pois sofrem múltiplas e simultâneas opressões e, assim,
se encaixam em mais de um tipo de identidade que é historicamente
subordinada. Nesse sentido, gênero, raça, classe, sexualidade,
orientação sexual, nacionalidade, etc., precisam ser analisados em
suas diversas sobreposições (CRENSHAW, 1989, p. 139-140).
Diante disso, pode-se compreender que a obra de Angela
Davis, a partir da interseccionalidade, faz uma análise social a partir
do feminismo interseccional, retratando as lutas das mulheres
negras pelos seus direitos civis e contra as opressões, abordando
quanto a importância de se fazer um entrelaçamento entre esses
três conceitos (gênero, raça e classe), pois estão intrinsicamente
conectados. A autora deixa destacado que se qualquer um desses
conceitos for ignorado, isso tornaria a análise incompleta e muito
mais superficial do que uma análise interseccional entre eles.
Angela Davis argumenta que as lutas sociais ganhariam muito
através dessa intersecção entre feminismo, antirracismo e luta de
classes, fundamentais para entender como o machismo e o racismo
estrutural se acumulam (TERRA; LUZ; RESENDE, 2020).
Assim, ao longo de sua obra, é possível compreender
que a autora critica, de forma pontual, a ideia marxista de que a
categoria classe é um elemento universal para se poder analisar
todas as situações possíveis, como se este fosse o elemento mais
importante pelo qual se pode pensar a sociedade. A autora entende
esse como um elemento importante sim, mas não como o único
elemento pelo qual se pode enxergar a sociedade, ela acredita que
se deve pensar em termos de classe, mas também em termos de
gênero e raça, pois estes são três elementos que se interseccionam
134
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

e se influenciam mutuamente. A obra é abordada a partir de um


contexto estadunidense, especialmente até a década de 1980,
havendo então um lapso temporal de mais de 30 anos até a presente
data, no entanto, as colocações da autora são muito pertinentes e
contemporâneas.
Para compor “Mulheres, raça e classe”, Angela Davis resgata
importantes autores e personagens da história do povo negro para
discutir as diversas opressões (de gênero, raça e classe) sofridas pelas
mulheres ao longo dos anos. Nesse sentido, no que diz respeito
ao contexto intelectual da obra, Angela Davis traz diversos autores
para dialogarem com ela ao longo do desenvolvimento do seu texto,
como, por exemplo, Frederick Douglass, Sarah Grimké e Angelina
Grimké, Barbara Wertheimer, Samuel Sillen, Eleanor Flexner,
Elizabeth Cady Stanton, Susan B. Anthony, Miriam Gurko, Ida
B. Wells, entre tantos outros que enchem as páginas do livro de
referencial bibliográfico.
Angela Davis defende nessa obra a tese de que o feminismo
precisa ser interseccional, mostrando que os conceitos de gênero,
raça e classe estão interseccionados e que influenciam entre si. Para
defender seu argumento ela expõe como a luta contra as opressões
atravessam umas às outras, sendo que para lutar contra uma forma
de dominação não há como ser conivente com quaisquer outras
dominações existentes. Para expor e defender a sua tese, Angela
Davis desenvolve a sua obra em treze capítulos que se articulam
em torno do eixo gênero, raça e classe, cujas principais percepções
serão abaixo retratadas.

3 A obra “Mulheres, raça e classe”

Ao iniciar a sua obra Angela Davis aborda acerca da


escravidão (o que remete diretamente aos conceitos de raça e classe) e
do legado deixado por esse período sombrio na história dos Estados
Unidos. Diante disso, a autora chama a atenção para a falta de
estudos e dados históricos que vão além da questão da sexualização,
objetificação, do estupro e da promiscuidade das mulheres negras
135
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

escravizadas, criticando a historiografia estadunidense por não


retratar de forma realista a vida dessas mulheres (DAVIS, 2016, p.
16).
Ainda, ela aborda quanto as opressões sofridas pelas
mulheres negras no período da escravidão, afirmando que o sistema
escravista definia os negros como propriedades, sendo que as
mulheres eram vistas, não menos do que os homens negros, como
“unidades de trabalho lucrativas”. Assim, no que dizia respeito ao
trabalho, a força e a produtividade elas eram trabalhadoras tanto
quanto eles pois, para os seus proprietários, nessas situações elas
poderiam ser encaradas como desprovidas de gênero (DAVIS,
2016, p. 17). No entanto, Angela Davis destaca que quando era
conveniente para os proprietários de escravos, eles se lembravam
da condição de mulheres delas e então elas também sofriam de
uma forma diferente, porque ainda eram vítimas de abuso sexual
e outros maus tratos que somente poderiam ser infligidos a elas
(DAVIS, 2016, p. 19).
Assim, nas palavras da autora:
A postura dos senhores em relação às escravas era regida pela
conveniência: quando era lucrativo explorá-las como se fossem
homens, eram vistas como desprovidas de gênero; mas, quando
podiam ser exploradas, punidas e reprimidas de modos cabíveis
apenas às mulheres, elas eram reduzidas exclusivamente à sua
condição de fêmeas (DAVIS, 2016, p. 19).
No que diz respeito a essa exploração da mulher negra e aos
abusos sofridos por elas, Angela Davis (2016, p. 19) destaca que
quando a abolição do tráfico internacional de mão de obra escrava
passou a ser ameaçada, os proprietários de escravos passaram a
contar com a reprodução natural para repor e ampliar essa mão de
obra e, diante disso, a capacidade reprodutiva das escravas passou a
ser valorizada.
Nas décadas que precederam a Guerra Civil, as mulheres
negras passaram a ser cada vez mais avaliadas em função de sua
fertilidade (ou da falta dela): aquela com potencial para ter dez,
doze, catorze ou mais filhos era cobiçada como um verdadeiro
tesouro. Mas isso não significa que, como mães, as mulheres
136
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

negras gozassem de uma condição mais respeitável do que a


que tinham como trabalhadoras. A exaltação ideológica da
maternidade – tão popular no século XIX – não se estendia
às escravas. Na verdade, aos olhos de seus proprietários, elas
não eram realmente mães; eram apenas instrumentos que
garantiam a ampliação da força de trabalho escrava. Elas
eram “reprodutoras” – animais cujo valor monetário podia
ser calculado com precisão a partir de sua capacidade de se
multiplicar (DAVIS, 2016, p. 19).
Diante dessas afirmações de Angela Davis, pode-se refletir
quanto ao fato de que as mulheres negras realizavam os mesmos
trabalhos que os homens e sofriam as mesmas punições que eles
(açoites, chibatas, entre outros) e, além disso, elas ainda eram
estupradas e exploradas sexualmente, sendo que só se lembravam
que elas eram mulheres quando era conveniente aos seus senhores.
Assim, essas mulheres eram usadas como instrumentos para ampliar
a força de trabalho, pois eram usadas não para dar filhos para os
seus patrões, mas para gerarem mais escravos (porque mesmo que
os filhos acabassem sendo de seus patrões eles nunca eram legítimos
ou assumidos, eram apenas mais um número dentro da força de
trabalho escravo).
Nesse contexto, a autora passa então a dar ênfase a um
incipiente movimento feminista antiescravagista que surge no
século XIX com a industrialização da economia, sendo retratado
o apoio das mulheres brancas na luta pelo abolicionismo. Sendo
assim, Davis destaca como a mulher perfeita (a mulher branca,
conforme a racionalidade racista) era retratada como a mãe
perfeita, seu lugar era na casa, no âmbito doméstico e nunca na
esfera política, lugar reservado exclusivamente aos homens ricos e
brancos (DAVIS, 2016, p. 44).
O lugar das mulheres era mesmo em casa – mas não apenas
porque elas pariam e criavam as crianças ou porque atendiam
às necessidades do marido. Elas eram trabalhadoras produtivas
no contexto da economia doméstica, e seu trabalho não era
menos respeitado do que o de seus companheiros. Quando a
produção manufatureira se transferiu da casa para a fábrica, a
ideologia da feminilidade começou a forjar a esposa e a mãe
137
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

como modelos ideais. No papel de trabalhadoras, ao menos as


mulheres gozavam de igualdade econômica, mas como esposas
eram destinadas a se tornar apêndices de seus companheiros,
serviçais de seus maridos. No papel de mães, eram definidas
como instrumentos passivos para a reposição da vida humana.
A situação da dona de casa branca era cheia de contradições. E
era inevitável que houvesse resistência (DAVIS, 2016, p. 45).
Assim, a população negra estava profundamente insatisfeita
com o seu destino de escravidão e estavam determinados a resistir e
lutar contra essas opressões. Ainda nessa época, as mulheres brancas
e de melhores condições começaram a lutar pelo direito à educação
e por uma carreira fora de casa, dando o seu apoio ao movimento
abolicionista (DAVIS, 2016, p.46-47). Angela Davis (2016, p.
57) afirma então que o movimento pelos direitos das mulheres foi
inspirado – ou, provocado – pela intolerável supremacia masculina
no interior da campanha antiescravagista. As mulheres aspiravam
serem livres não apenas da opressão racista, mas também da
dominação sexista.
Ainda, a autora retrata a união e os distanciamentos de
mulheres brancas e negras na luta antiescravagista, afirmando que
ao longo dos anos 1850 as mulheres se viram atraídas na campanha
por igualdade, no entanto, por muitas vezes, elas não conseguiam
manter esse apoio, devido ao abismo social que as separava. Ainda
assim, Angela Davis afirma que por mais que as primeiras militantes
pelos direitos das mulheres tenham sido omissas em relação as
condições das mulheres negras, “os ecos do novo movimento de
mulheres foram ouvidos por toda a luta organizada pela libertação
negra” (DAVIS, 2016, p. 69).
Angela Davis demonstra então que a união de mulheres
brancas e negras no século XIX em prol da abolição da escravidão
e dos direitos dos afro-americanos foi aos poucos sendo substituída
pelo distanciamento entre elas, como em contextos como a luta
pelo sufrágio feminino e dos direitos trabalhistas. Nesse panorama,
a autora aborda a questão do racismo dentro do movimento
sufragista feminino, que não considerava as pautas das mulheres
negras e que pressupunha uma “universalidade” das mulheres.
138
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

A partir de diversos relatos históricos Angela Davis


demostra como a disputa política pelo direito ao voto dos homens
negros significou um distanciamento das mulheres brancas da
causa antiescravagista, que em períodos anteriores elas tinham
apoiado com entusiasmo. As mulheres brancas argumentavam que
a concessão do direito de voto aos homens negros dificultaria a
conquista pelo sufrágio feminino.
No primeiro encontro anual da Associação pela Igualdade de
Direitos, em maio de 1867, Elizabeth Cady Stanton reverberou
fortemente o argumento de Henry Ward Beecher de que era
muito mais importante que as mulheres (isto é, as mulheres
brancas anglo-saxãs) recebessem o direito ao voto do que os
homens negros. A questão principal dessa convenção era a
iminente extensão do direito de voto aos homens negros – e
se as pessoas que defendiam os direitos das mulheres estavam
dispostas a apoiar o sufrágio negro mesmo se as mulheres não
obtivessem tal direito ao mesmo tempo. Elizabeth Cady Staton
e outras mulheres acreditavam que, como a emancipação
havia, a seus olhos, “igualado” a população negra às mulheres
brancas, o voto tornaria os homens negros superiores a elas
(DAVIS, 2016, p. 81).
A autora evidencia então como o movimento sufragista
foi, por muitas vezes durante a história americana, um movimento
racista. Homens negros e mulheres queriam ter o direito de votar,
porém as mulheres brancas eram contra esses homens terem o seu
direito de votar porque acreditavam que o voto tornaria os homens
negros superiores a elas e, assim, elas se opunham ferrenhamente
ao sufrágio negro.
Depois dessa análise, em sua obra, Angela Davis passa então
a analisar dados e fazer reflexões sobre a predominância de mulheres
negras nos serviços domésticos e a pouca representatividade que
as mulheres negras têm em outros tipos de empregos. Ela afirma
que depois de um quarto de século de “liberdade”, um grande
número de mulheres negras ainda trabalhava no campo, sendo
que as poucas mulheres que conseguiram se desvincular deste tipo
de trabalho não conseguiram encontrar novas oportunidades – “a
menos que preferissem, por exemplo, lavar roupas em casa para
139
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

diversas famílias brancas em vez de realizar serviços domésticos


variados para uma única família branca” (DAVIS, 2016, p. 95).
Assim, Davis ressalta que por quase um século um número
significativo de mulheres negras foi incapaz de escapar às tarefas
domésticas. Nesse sentido, em uma outra obra da mesma autora
(“Mulheres, cultura e política”) ela destaca que a experiência de
mulheres brancas de classe média com as opressões sexistas se
dão de uma forma isolada de questões econômicas e raciais. Já as
mulheres da classe trabalhadora experimentam um machismo que
está marcado pelo contexto da exploração de classe. E as mulheres
negras, por sua vez, vivenciam a opressão de gênero nas conjunturas
do racismo (DAVIS, 2017, p. 37).
Em “Mulheres, raça e classe” um outro ponto bastante
destacado por Angela Davis diz respeito a busca pelo direito
à educação. Ela aborda o papel da educação na formação da
consciência crítica da população negra escravizada e recém livre dos
Estados Unidos. A autora apresenta a educação como ferramenta
de transformação social e de esperança para uma população sem
perspectivas de esperança com relação ao futuro, argumentando
que, para além das reivindicações pelo sufrágio, essa população
reivindicava também pelo seu direito à educação. Sendo assim,
a autora retrata que no que tange ao direito à educação para a
população negra, este foi um período que as mulheres brancas se
unem novamente as negras, na luta do povo negro por educação.
Davis (2016, p. 110) destaca que “os exemplos mais marcantes de
sororidade que as mulheres brancas tinham em relação às mulheres
negras estão associados à histórica luta do povo negro por educação”.
Angela Davis retoma então a discussão da luta pelo sufrágio
feminino, na qual ela faz um resgate histórico sobre esse período.
Assim, a autora faz uma releitura crítica sempre associada ao
movimento negro que lutava em um contexto pós-abolição e contra
a segregação racial. Ela aborda como esta luta era relacionada com as
questões de raça, tendo ela ganhado mais força com os movimentos
associativos, porém que ainda existia uma superioridade dos brancos
em relação a população negra. Desse modo, ela aborda quanto a
140
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

proliferação ainda mais intensa de ideias claramente racistas nas


fileiras das campanhas sufragistas. Nesse sentido, Davis (2016, p.
134) destaca que:
Entretanto, ao contrário das mulheres brancas, que também
se uniram à campanha abolicionista, as mulheres negras eram
motivadas menos por preocupações com a caridade ou por
princípios morais gerais do que pelas necessidades palpáveis
de sobrevivência de seu povo. Os anos 1890 foram os mais
difíceis para a população negra desde a abolição da escravatura,
e as mulheres se sentiam naturalmente obrigadas a se juntar à
luta de resistência de seu povo. Foi em reação à desenfreada
onda de linchamentos e ao abuso sexual indiscriminado de
mulheres negras que as primeiras associações de mulheres
negras foram estabelecidas (DAVIS, 2016, p. 134).
Nesse contexto, Angela Davis aborda a história do
movimento sufragista através da conscientização dos direitos das
mulheres trabalhadoras. Ela retrata que, por mais que as sufragistas
tenham tentado persuadir as líderes operárias a protestar contra a
não concessão do voto às mulheres, as trabalhadoras estavam muito
mais preocupadas com os seus problemas imediatos – tais como
melhores salários, jornadas reduzidas, condições de trabalho, entre
outros (DAVIS, 2016, p. 146).
“Mulher” era o critério, mas nem toda mulher parecia estar
qualificada. As mulheres negras, claro, eram praticamente
invisíveis no interior da longa campanha pelo sufrágio
feminino. Quanto às mulheres brancas da classe trabalhadora,
as líderes sufragistas provavelmente ficaram impressionadas,
no início, com os seus esforços de organização e sua militância.
Mas, como se viu depois, as próprias trabalhadoras não
abraçaram a causa do sufrágio feminino com entusiasmo
(DAVIS, 2016, p. 146).
As líderes do movimento sufragista demoraram para
conseguir o apoio das operárias e das mulheres negras na luta pelo
voto porque essas mulheres operárias e/ou negras não conseguiam
enxergar como o voto poderia influenciar na vida delas. Assim,
elas tinham como objetivo reivindicar por melhores condições de
trabalho, salários melhores, jornadas de trabalho reduzidas e elas
141
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

não conseguiam ver como o voto as ajudaria a conseguir isso. As


mulheres brancas do movimento sufragista, por não viverem essa
realidade também não conseguiam convencê-las de que o voto era
uma importante arma política.
Como as mulheres trabalhadoras bem sabiam, seus pais, irmãos,
maridos e filhos que exerciam o direito de voto continuavam a
ser miseravelmente explorados por seus ricos empregadores. A
igualdade política não abrira a porta da igualdade econômica
(DAVIS, 2016, p. 146).
A partir do momento que esses grupos de mulheres
perceberam que o voto poderia ser uma arma para conquistarem
melhores condições de trabalho, elas aderiram ao movimento
sufragista.
Essa nova perspectiva no interior da campanha pelo sufrágio
feminino evidenciava a influência crescente do movimento
socialista. De fato, as mulheres socialistas trouxeram uma
nova energia para o movimento sufragista e defenderam uma
visão de luta que vinha das experiências de suas irmãs da classe
trabalhadora (DAVIS, 2016, p. 148-149).
Angela Davis (2016, p. 155-156) afirma que à medida
que as reivindicações por igualdade feminina se fortaleciam, as
mulheres se viam cada vez mais atraídas para a luta por mudança
social, demostrando como o Partido Socialista, sendo o principal
defensor do marxismo por um longo tempo, apoiou a batalha pela
igualdade das mulheres. A autora passa então a abordar sobre a
criação do mito do estuprador negro, que entende que os homens
negros teriam uma certa propensão natural maior do que os
homens brancos não apenas para a relação sexual mas também para
a violência (DAVIS, 2016, p. 177). Angela Davis demonstra como
este foi um raciocínio construído ao longo do tempo, sendo que
isto passou a ser propagado como se fosse uma verdade biológica. A
autora ainda conecta isso com a ideia de que a mulher negra também
seria mais propensa a hipersexualização ou a promiscuidade – o que
demostra como esse é um mito totalmente racista e sexista (por
também refletir nas mulheres).
Angela Davis argumenta que os dados que afirmavam que
142
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

o homem negro seria predisposto a estuprar mulheres brancas era


irreal, sendo que muitas denúncias de mulheres brancas alegando
terem sido estupradas por eles eram falsas.1
Na história dos Estados Unidos, a acusação fraudulenta de
estupro se destaca como um dos artifícios mais impiedosos
criados pelo racismo. O mito do estuprador negro tem sido
invocado sistematicamente sempre que as recorrentes ondas
de violência e terror contra a comunidade negra exigem
justificativas convincentes (DAVIS, 2016, p. 177-178).
A autora ainda faz uma relação entre esse mito do homem
negro como estuprador ao fenômeno dos linchamentos nos Estados
Unidos, já que no século XX, no Sul do país, as pessoas pregavam
pelo linchamento da população negra, utilizando-se dos estupros
como uma justificativa para tanto.
Mas os linchamentos, reservados durante a escravidão aos
abolicionistas brancos, provavam ser uma arma política valiosa.
Antes que os linchamentos pudessem ser consolidados como
uma instituição popularmente aceita, entretanto, a barbaridade
e o horror que representavam precisavam ser justificados
de maneira convincente. Essas foram as circunstâncias que
engendraram o mito do estuprador negro – pois a acusação de
estupro acabou por se tornar a mais poderosa entre as várias
tentativas de legitimar os linchamentos de pessoas negras.
(DAVIS, 2016, p. 188-189).
Junto com o mito do estuprador negro, do homem que não
consegue se segurar diante de mulheres, vem a ideia da mulher
negra, aquela retratada como lasciva, insaciável, que é fácil, o que
também acaba justificando o estupro dos homens brancos para com
as mulheres negras – as opressões de gênero e raça interseccionadas.
Isso demostra o caráter racista da sociedade americana e como esses
pensamentos servem para perpetuar a violência, seja dos estupros
ou dos linchamentos.
A seguir, em sua obra, Angela Davis passa a abordar sobre
aborto, controle de natalidade, direitos reprodutivos e sua ligação
1 Destaca-se aqui que Angela Davis em sua obra se refere ao contexto da década de
70 e 80 nos Estados Unidos, não diminuindo as alegações verdadeiras e legítimas de
mulheres que sofreram abusos sexuais.
143
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

com o racismo nos Estados Unidos. A autora aponta a diferença


na necessidade do aborto dependendo da classe ou da raça das
mulheres e também dependendo da época. Nesse sentindo, ela
afirma que o aborto entre as mulheres escravas tinha índices muitos
altos porque era uma forma de resistência a escravização, a mulher
se negava a ter um filho porque aquele filho ia simplesmente sofrer
e ser obrigado a trabalhar, a ser explorado e escravizado. Assim, o
aborto para as mulheres negras escravizadas tinha um significado
diferente do que ele tinha para as mulheres brancas de classe média
(DAVIS, 2016, p. 205).
Angela Davis cita Margareth Sanger (feminista idealizadora
do anticoncepcional) para tratar a respeito do controle de
natalidade e direitos reprodutivos, abordando sobre o movimento
feminista e sobre o processo de defesa ao aborto e a “maternidade
voluntária”. Davis aborda que Sanger, por sua experiência como
enfermeira popular, jurou lutar pelo acesso aos contraceptivos e era
compromissada com a causa anticapitalista. No entanto, tempos
depois, ela passou a defender o controle de natalidade pelo abraçar
da ideologia racista e eugênica (DAVIS, 2016, p. 213-216).
A autora ainda argumenta que nos Estados Unidos
houveram leis que autorizavam a esterilização de mulheres negras
– ou seja, isso era institucionalizado. Durante algumas décadas
essas esterilizações foram justificadas pela ideia de não misturar as
raças, pelo medo da “supremacia negra” e pela ideia da eugenia,
pois as famílias brancas estavam tendo uma queda no número
de natalidade, fazendo com que o governo americano pensasse
na ocorrência de uma supremacia negra, pois as mulheres negras
continuavam tendo vários filhos. Diante disso, os procedimentos
de esterilizações foram vistos como um meio de coibir o aumento
da população negra nos Estados Unidos – o que mostra como essa
era uma atitude marcadamente racista de controle populacional
(DAVIS, 2016, p. 210-212).
No desfecho de sua obra, já no capítulo final, Angela Davis
faz uma análise crítica do que significa para as mulheres terem que
exercer o trabalho doméstico, refletindo acerca dos aspectos de
144
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

desigualdades de gênero que acontecem no íntimo, dentro de casa,


nos espaços domésticos (DAVIS, 2016, p. 225). Ela aborda quanto
a impossibilidade de as mulheres saírem de casa para trabalhar visto
que são elas as responsáveis “sociais” pelo serviço doméstico e como
isso atrapalha não somente na luta das mulheres por igualdade de
gênero, mas também intelectualmente, psicologicamente e etc.
Diante disso, a autora enfatiza em relação a invisibilidade das
tarefas domésticas e o seu não reconhecimento como trabalho,
demostrando então a sua natureza opressora. Assim, conforme
pontuado por uma outra autora, Silvia Federici, destaca-se o caráter
invisível do trabalho doméstico (FEDERICI, 2019), sendo que
Davis (2016, p. 228) aponta que:
Nas sociedades capitalistas avançadas, por outro lado, o
trabalho doméstico, orientado pela ideia de servir e realizado
pelas donas de casa, que raramente produzem algo tangível
com seu trabalho, diminui o prestígio social das mulheres em
geral. No fim das contas, a dona de casa, de acordo com a
ideologia burguesa, é simplesmente a serva de seu marido para
a vida toda.
Para finalizar sua obra, a autora traz então algumas propostas
anticapitalistas para a solução desse problema. Para tanto, ela
atribui a responsabilidade ao Estado, afirmando que é ele que
deve intervir no íntimo e promover soluções para que as mulheres
saiam desse papel de responsáveis pelo serviço doméstico. Durante
a defesa da sua tese Angela Davis se utiliza de dados históricos e
de dados empíricos para corroborar seus argumentos, utilizando-se
inclusive de relatos pessoais de diversas mulheres negras. A autora
alerta ainda que é necessário que estes dados sejam bem analisados
pois, no que diz respeito a história do povo negro, muitos deles
são irreais pois foram sempre pautados a partir de uma perspectiva
sexista estadunidense (ou seja, a partir de uma vertente masculina).

4 Considerações finais

No tocante as principais conclusões da obra, a intersecção


proposta por Angela Davis entre os conceitos de gênero, raça e
145
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

classe são fundamentais para que se possa entender que não pode
haver um feminismo sem que ele seja interseccional, porque cada
mulher, dentro do contexto em que vive – racial, de classe, de
orientação sexual, ou qualquer outro – tem o seu histórico e suas
especificidades. Assim, a autora mostra que não se é possível pensar
nessas categorias de forma isolada.
Pode-se concluir, então, que a autora faz um entrelaçamento
entre os componentes econômicos, políticos e ideológicos do modo
de produção escravista e capitalista, mostrando como os diversos
tipos de opressão se entrecruzam na sustentação de projetos de
dominação de classe. Angela Davis, em diversas partes da obra,
mostra como o movimento feminista branco estava longe da
realidade das mulheres negras e que durante vários momentos elas
estiveram afastadas – em alguns momentos elas estiveram juntas
– mas em diversos momentos havia um distanciamento entre elas
pela falta de compreensão das necessidades especificas da mulher
negra e também por causa do racismo.
A autora formula a sua tese de forma bastante clara e
compreensível, conseguindo se fazer entender ao longo da sua
explicação. Ela é objetiva, argumentativa e também de fácil
entendimento, apresentando diversas notas de referência ao
longo do texto para que este possa ser entendido de modo geral.
Os argumentos que a autora utiliza são bastante consistentes e
convincentes, haja vista que ela se utiliza de fundamentos históricos
e depoimentos de personagens reais da história para corroborar a
sua tese.
No que diz respeito aos dados utilizados pela autora no
decorrer de sua obra, esses são bastante adequados, no entanto,
insta relembrar, a autora deixa relatado a sua critica em relação ao
silêncio da historiografia estadunidense em relação as mulheres
negras no período da escravidão, afirmando que faltam alguns
olhares e trabalhos que explorem a situação específica e realística
das mulheres escravizadas. A abordagem escolhida pela autora
permite que a tese seja amplamente discutida, conduzindo o
leitor a uma necessária reflexão e compreensão dos movimentos
146
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

feministas, mostrando que esta é uma leitura fundamental para


compreender a intersecção de raça, classe e gênero, não sendo mais
cabíveis discussões que se atenham apenas a dualismos, tais como,
mulher/homem, branco/negro, rico/pobre.

Referências

CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of


Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination
Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of
Chicago Legal Forum: Vol. 1989: Iss. 1, p. 139-167, Article 8.
DAVIS, Angela. Angela Davis: uma autobiografia. Trad. Heci
Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2019.
DAVIS, Angela. Mulheres, cultura e política. Trad. Heci Regina
Candiani. São Paulo: Boitempo, 2017.
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Trad. Heci Regina
Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016.
FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho
doméstico, reprodução e luta feminista. Trad. Coletivo Sycorax.
São Paulo: Elefante, 2019.
TERRA, Bibiana de Paiva; LUZ, Cícero Krupp; RESENDE,
Adriano. Machismo ou Racismo? A interseccionalidade como
resposta à hierarquia de opressões. Revista ESFERAS, Revista
Interprogramas de Pós-graduação em Comunicação do Centro
Oeste, v. 18, p. 50-59, 2020.
Capítulo 10
MULHERES PROTOGANISTAS DA HISTÓRIA:
UM DISCURSO SOBRE GÊNERO x DIREITOS

Karina Dias da Silva


Denise Regina Quaresma da Silva
Glauce Stumpf

1 Considerações iniciais

O Brasil é um país marcado por lutas, e as mulheres


sempre foram as maiores vítimas, pois trazem consigo
um fardo histórico do período patriarcado, ainda vivo e presente no
contexto social. Ressaltar mulheres que vem lutando, mostrando
sua cara, sua voz, deixando seu marca histórica, precisam ser
lembradas. O estudo busca problematizar sobre: Quem são as
mulheres protagonistas que vem reescrevendo a história na luta por
direitos? E como, objetivo geral destacou-se, investigar mulheres de
diferentes etnias, protagonista, que vem deixando sua marca através
de sua história para inspirar outras mulheres. Assim, os objetivos
específicos: a) identificar mulheres protagonistas que vem deixando
sua marca; b) investigar o legato e luta das mulheres; c) analisar
ditos e controversas da Declaração Universal dos Direitos Humano.
O percurso metodológico, trata-se de uma pesquisa
qualitativa, exploratória, através de fundamentação teórica em
livros, artigos e documentos.

2 Mulheres indígenas construindo a nova história

Ao longo do contexto histórico brasileiro, sempre existiu


mulheres brasileiras que lutaram pelos direitos de igualdades
em diferentes épocas. Em relação aos índios habitantes antes do
148
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

descobrimento do Brasil, estima-se em torno de 5 milhões divididos


em tribos, onde todos/as se reportavam ao chefe/homem de sua
tribo correspondente. Conectados em meio a natureza, viviam da
pesca e da caça, mulheres cuidavam do lar e das crianças e homens
do sustento e construção de ocas. Para Amante (2019), as mulheres
indígenas sofreram com a chegada dos portugueses, muitas foram
roubadas de suas tribos para servir os europeus colonizadores,
forçadas a ser arrumadeiras, esposas, prostitutas e outras funções
destinadas a mulher. Neste sentido, já se passaram 521 anos desde
o descobrimento do Brasil, e ainda assim, atualmente as mulheres
seguem na sua luta na busca pela dignidade e direitos iguais com
equidade. Direito de liberdade, de ser mulher, ser respeitada,
reconhecida e valorizada profissionalmente.
As lutas das mulheres indígenas são muitas, pela terra,
água limpa, direitos básicos como a continuidade de viver sua
cultura entre outros. A figura 1, abaixo é baseada na reportagem de
Amantes (2019);
Figura: 1 Representatividade das mulheres indígenas

Fonte: Elaborado pela autora. Imagens: Disponível em: https://catarinas.


info/43-mulheres-indigenas-do-brasil-e-da-america-latina-para-se-inspirar/.
Acesso em: 24 abr 2021.

Segundo, Amante (2019), existe em média 43 mulheres


149
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

indígenas que vem fazendo história no Brasil, para promover a


igualdade e justiça na preservação de suas culturas e costumes.

2.1 As quilombolas e seu protagonismo histórico

As comunidades quilombolas1 deixaram a sua marca


de lutas na história brasileira, escravos fugitivos formaram suas
próprias comunidades, na busca por dignidade e trabalho. A luta
das mulheres foi mais sofrida, mesmo após a escravidão, as mulheres
acumularam funções domésticas do lar, filhos, roça, animais, além
de outros trabalhos pesados como quebrar coco e ainda trabalhar
fora. Para Bernadete Pacífico, matriarca quilombola, moradora da
comunidade de Pitanga dos Palmares no estado da Bahia, sentiu na
pele o sofrimento da mulher negra, refugiada e, retrata “a violência
que sofremos é uma violência pelo fato de sermos mulheres, essa é
a primeira violência”.  Dona Bernadete relata ter vivido a violência
de diversas formas, física, psíquica e moral além de outras que
envolvem racismo, família, religião, território. Nesse sentido, “que
as mulheres quilombolas do Brasil, realizaram, em Brasília-DF,
entre os dias 13 e 15 de maio de 2014, o I Encontro Nacional, com
o objetivo de consolidar a luta pela terra, avaliar as políticas públicas
e promover o diálogo entre as várias organizações quilombolas do
Brasil” (CONAQ, 2021).

2.2 Mulheres guerreiras reconstruindo a história

Uma mulher negra, americana, educadora, ativista, escritora


conhecida mundialmente que se inspirou na obra brasileira do
educador Paulo Freire, teve seu livro publicado no Brasil em 2013
“Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade”, a

1 Quilombolas são os descendentes e remanescentes de comunidades formadas por


escravizados fugitivos (os quilombos), entre o século XVI e o ano de 1888 (quando
houve a abolição da escravatura), no Brasil. Disponível em: https://brasilescola.uol.
com.br/sociologia/quilombolas.htm#:~:text=Quilombolas%20s%C3%A3o%20
os%20descendentes%20e,da%20escravatura)%2C%20no%20Brasil. Acesso em: 26
abr 2021.
150
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

autora se chama Bell Hooks, feminista que retratou em seus livros


as hierarquias de gênero das mulheres negra, “sempre estiveram
no nível mais baixo. O status inferior nessa cultura é reservado
aos julgados incapazes de mobilidade social por serem vistos em
termos sexistas, racistas e classistas como deficientes incompetentes
e inferiores”. Publicou também livros infantis como: Meu crespo é
de rainha em 2018 e Minha dança tem história em 2019 (SILVA,
2021)2. A escrita Bell Hooks promoveu a liberdade e luta pelas
mulheres negras que ainda sofrem com o racismo e classismo.
Evidencia-se outra mulher guerreira, negra e escritora que
retratou sua história de vida da favela, Carolina Maria de Jesus.
Mineira, teve sua obra conhecida nacionalmente com a publicação
do livro Quarto de despejo: diário de uma favelada, onde contou
sua história dos tempos em que viveu na favela no estado de São
Paulo. Assim, a Casa de alvenaria (1961); Diário de Bitita (1986);
Meu estranho diário (1996) são algumas de suas obras. Carolina
faleceu em 1977, sendo considerada uma importante escritora, que
deixou sua marca na história brasileira, na busca de visibilidades de
muitas mulheres negras. (SOUZA, 2021).
A biografia retrata uma mulher negra, gay, pobre e feminista,
Marielle Francisco da Silva (1979 a 2018), foi vereadora do estado
do Rio de Janeiro, lutou em prol dos direitos humanos, na busca de
políticas públicas para mulheres, negros e público LGBTI, não calou
sua língua para denunciar o abuso de poder por parte da segurança
pública do Rio de Janeiro. Mulher pobre, trabalhou como faxineira,
vendedora ambulante, dançarina, anos mais tarde, graduou-se em
Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro  (PUC-Rio), e fez mestrado em Administração Pública,
em sua dissertação voltava sua análise para a política da segurança
pública, às chamadas UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) do
Rio de Janeiro. (FUKS, 2020).
As vozes das mulheres muitas vezes são silenciadas de
2 Revista Pensar a Educação em Pauta: Um jornal para a educação brasileira. Disponível
em: http://pensaraeducacao.com.br/pensaraeducacaoempauta/aprendendo-a-
transgredir-um-convite-a-leitura-de-bell-hooks/. Acesso em: 05 Jun 2021.
151
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

diversas formas pelo abuso de poder, no caso de Marielle Franco,


não foi diferente. Nesse sentido, “línguas selvagens não podem
ser domadas” fala da mexicana Anzalduá, que sofreu preconceito
por não falar corretamente inglês na escola, e usar o seu espanhol
chicano criado nas divisas de fronteiras para se comunicar com
pessoas de outros países. (ANZALDUÁ, 2009 p. 306).
No caso de Marielle Franco, sua língua selvagem, sua voz,
foram caladas, por buscar justiça e denunciar os abusos de poder
de policiais, que já vinham sendo observados há bastante tempo,
conforme descreve Marielle em sua análise de dissertação.
[...] trata-se de um período histórico no qual se ampliam várias
desigualdades, principalmente as determinadas pelas retiradas
de direitos e as que são produto da ampliação da discriminação
e da criminalização de jovens pobres e das mulheres, sobretudo
as negras e pobres (FRANCO, 2017 p.89).
Anzalduá (2009), ao falar de si mesma, sobre o preconceito
que sofreu por ser mexicanas e não falar corretamente o inglês e o
espanhol, ressalta não calar-se mais e, não ter vergonha de si, da voz,
“indígena, espanhola, branca. Eu vou ter minha língua de serpente
– minha voz de mulher, minha voz sexual, minha voz de poeta.
Eu vou superar a tradição de silêncio”. (p.312). Assim, Marielle
Franco, vereadora, socióloga usou a sua voz, gritou, criticou,
denunciou, sendo porta voz de muitas pessoas, principalmente de
mulheres na busca por dignidade e direitos. Infelizmente sua voz
foi calada, mulher negra assassinada por lutar por direitos humanos
e, quebrar o silêncio.

2.3 Gênero x Direitos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH),


é um documento paradoxal3, histórico mundial, abrange sobre os
Direitos Humanos, que diz universalizar todos, sem discriminação.
De fato, é difícil generalizar as pessoas, suas culturas, tradições,

3 DICIONÁRIO DE PORTUGUÊS ONLINE. Paradoxal: fundamentada em


algo. disponível em: https://www.dicio.com.br/paradoxal. Acesso em: 22 abr 2021.
152
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

identidades de gênero, colocar todos num pacote e dizer que somos


todos iguais. Não somos livres e não nascemos livres, a construção
da liberdade humana perpassa pela cultura, costumes sociais.
Volta-se ao passado para compreender a criação deste documento,
a DUDH “foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas
em dezembro de 1948, sendo a primeira vez na história que um
compromisso global entre países foi firmado com uma proposta de
direitos semelhantes para todos”. (DUDH e ODS, 2018).
Cabe ressaltar, que a DUDH possui uma abrangência
voltada para América Latina e Brasil, criada em um período após
a segunda guerra mundial (1939 e 1945) e holocausto (1941
e 1945), por isso, ganhou sentindo universal com o intuito de
promover a paz, combater as desigualdades entre as nações. Assim,
a figura abaixo é um recorte da cartilha – Declaração Universal dos
Direitos Humanos (DUDH) e os Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS), do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos
Humanos. Conforme a figura 2 abaixo,
Figura 2 - Cartilha da DUDH e ODS

Fonte: Cartilha DUDH e ODS. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-


br/centrais-de-conteudo/declaracao-universal-dudh/cartilha-dudh-e-ods.pdf.
Acesso em: 21 abr 2021.

Importante salientar, que o sujeito de direitos não é universal


porque de fato não inclui todos/todas. Se realmente incluísse todos/
todas não existiria movimentos socais, lutas de muitas pessoas em
busca de direitos. O que é universal é padronizado e, por isso, não
inclui todos/as.
A figura acima, apresenta uma falsa ideia de “igualdade de
153
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

direitos” porque não contempla todos/as, e o mesmo documento


(cartilha DUDH e ODS), apresenta controvérsias ao citar a
certidão de nascimento como posse de direitos a qualquer pessoa e
reconhece a exclusão de povos, comunidades, privados de liberdade
entre outros conforme aponta a figura 3 abaixo,
Figura 3 - Descrição da Cartilha da DUDH e ODS

Fonte: Cartilha DUDH e ODS. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-


br/centrais-de-conteudo/declaracao-universal-dudh/cartilha-dudh-e-ods.pdf.
Acesso em: 21 abr 2021.

Segundo Silva (2013), “todos é um todos de inclusão liberal


e capitalista. Desse modo, universaliza-se o homem que nasceu
livre, que por sua vez é aquele que vota e pode ser votado, do sexo
masculino e que detém a propriedade dos meios de produção”
(p.420). O sentido de todos no contexto atual, apresenta uma
limitação restritiva, considerando aspectos culturais e identitários.
Assim, o “reconhecimento da dicotomia eu/outro fica difícil pensar
que o todos de fato possa incluir a todos”. Neste sentido, “pensar
na existência de um todos de fato universal, como uma verdade
absoluta ou mesmo um ideal a ser seguido é desconsiderar e anular
as diferenças em/entre nossas culturas e sociedades, como se isso
fosse possível” (p.422).
De fato a indicação de todos, “mostram que mulheres,
crianças, deficientes físicos, minorias étnicas, presidiários e
154
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

indígenas não estavam incluídos nesse sujeito-de-direito universal,


no pré-construído da DUDH”. Assim, não se apropria do sentido
tão universal se pensarmos “todos os homens, toda humanidade,
todos os povos, não seria necessário essa verdadeira movimentação
de pré-construídos ao longo da história”. (SILVA, 2013, p.425).
O discurso para todos no sentindo universal produz
uma falsa ilusão de abrangência de todas as diferentes culturas,
comunidades, sujeitos, percebível pela cartilha DUDH e ODS,
inclusão e exclusão do sujeito de direito universal (SILVA, 2013).
Assim, ressaltando a importância de políticas públicas que
de fato inclua todos/todas sem discriminação, observa-se a não
inclusão de temáticas em documentos educacionais, como forma
de exclusão das diferenças culturais, sociais e de gênero.

3 Considerações finais

Através do estudo, buscou-se responder ao problema de


pesquisa, quem são as mulheres protagonistas que vem reescrevendo
a história na luta por direitos? Neste sentido, a pesquisa identificou
mulheres de diferentes etnias, até então ocultas, que passaram ser
conhecidas pela sua história, sem medo, enfrentaram preconceitos
e não calaram suas línguas para falar o que pensam, o que sentem,
sendo protagonistas de sua própria história, além de recontar a
história do Brasil por um outro viés. Triste a realidade de Marielle
Franco, que apesar de sua morte deixou seu legado inspirador.
Para responder ao objetivo geral: investigar mulheres de
diferentes etnias, protagonista, que vem deixando sua marca através
de sua história para inspirar outras mulheres. A pesquisa evidenciou
mulheres indígenas, quilombolas, negras, brancas, escritoras,
estudantes, professora, enfim grandes profissionais que deixaram
seu legado e, ainda continuam inspirando outras mulheres.
Respondendo aos objetivos específicos: a) identificar
mulheres protagonistas, evidenciou-se a indígena Célia, doutoranda
em Antropologia, Carolina Maria de Jesus e Bell Hooks escritoras,
155
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Bernadete Pacífico matriarca quilombola, exemplo de vida e de luta


na defesa das mulheres. Assim, como a vereadora assassinada do RJ,
Marielle Franco, ficou conhecida pelo seu trabalho após sua morte.
Para responder ao segundo objetivo específico, b) investigar o legato
e luta das mulheres, ressalta-se a própria história de vida de cada
uma delas, de certa forma ainda é oculta, ficaram conhecidas pelo
seu trabalho, pela sua luta por direitos. Para responde ao último
objetivo, c) analisar ditos e controversas da Declaração Universal
dos Direitos Humano, evidenciou que o sujeito de direitos não
é universal porque de fato não inclui todos/todas. O Universal é
padronizado para poucos, excluindo aqueles que não tem uma
“certidão de nascimento” documento legal de acordo com a cartilha
da DUDH.
Assim, existe muitas mulheres como eu, você, nós que de
alguma forma buscamos não só reescrever a história, mas sim fazer
prevalecer nossos direitos, que ainda parece não ter saído do papel.

Referências

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indigenas-do-brasil-e-da-america-latina-para-se-inspirar/. Acesso
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Traduzido por: Pinto, Joana Plaza. Santos. Karla Cristina dos.
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UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa, no 39, p. 297-
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comunidades negras rurais quilombolas. Disponível em: http://
conaq.org.br/. Acesso em: 26 abr 2021.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS
156
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

– DUDH e os OBJETIVO DO DESENVOLVIMENTO


SUSTENTÁVEL – ODS – AVANÇOS E DESAFIOS. GOV.BR
– outubro 2018. Disponível em: Cartilha - Declaração Universal
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Sustentável — Português (Brasil) (www.gov.br). Acesso em: 21
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FRANCO. Marielle. A emergência da vida para superar o
anestesiamento social frente à retirada de direitos: o momento
pós-golpe pelo olhar de uma feminista, negra e favelada.
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SILVA. Alexandra Lima. Aprendendo a transgredir: um
convite à leitura de bell hooks Pensar a Educação em pauta:
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transgredir-um-convite-a-leitura-de-bell-hooks/. Acesso em 25 abr
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SILVA. Diego Barbosa da. A contradição discursiva no processo
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SOUZA, Warley. Carolina Maria de Jesus. Brasil Escola.
Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/carolina-
maria-jesus.htm. Acesso em 25 de abril de 2021.
Capítulo 11
A SITUAÇÃO DA MULHER NA LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA: UMA REVISÃO HISTÓRICA

Katiussa Richter
Tiago Anderson Brutti
Gabriela Dickel das Chagas

1 Considerações iniciais

A desigualdade de gênero é um problema que existe há


séculos, submetendo as mulheres à inferiorização moral,
intelectual e física. Na mitologia grega, por exemplo, segundo Puleo
(2004, n.p.), contava-se que, devido à “curiosidade própria de seu
sexo”, Pandora teria aberto a caixa de todos os males do mundo
e, por isso, as mulheres eram responsáveis por desencadear todo
tipo de desgraça. Ainda conforme Puleo (2004, n.p.), “na tradição
judaico-cristã, o relato da expulsão do Paraíso tem essa função. Eva
é a Pandora judaico-cristã porque, por sua culpa, fomos desterrados
do Paraíso”.
A realidade é que o patriarcado e o machismo fazem com
que os homens nasçam e cresçam em meio a uma cultura que os
coloca em posição privilegiada em relação às mulheres. Nas palavras
de Saffioti (1987, p. 79): “[...] tome-se, por exemplo, a questão da
violência masculina contra a mulher. Dada sua formação de macho,
o homem julga-se no direito de espancar sua mulher. Esta, educada
que foi para submeter-se aos desejos masculinos, toma este ‘destino’
como natural”.
Desse modo, forma-se a ideia segunda a qual os homens são
“seres superiores” e fortes, enquanto as mulheres são seres frágeis,
que nascem apenas para cuidar do lar, do marido e dos filhos. Em
seu livro, Beauvoir (1970, p. 10) cita grandes pensadores que se
158
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

referem à mulher como um ser irrelevante e inferior:


“A fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades”,
diz Aristóteles. “Devemos considerar o caráter das mulheres
como sofrendo de certa deficiência natural”. E Sto. Tomás,
depois dele, decreta que a mulher é um homem incompleto,
um ser “ocasional”.
Ainda segundo Beauvoir (1970, p. 10), as mulheres nunca
foram vistas como seres autônomos e, por isso, tendem a ver a si
mesmas através da visão dos homens. Beauvoir (1970, p. 09), que
tanto contribuiu para o início das revoluções feministas com seu
livro “O segundo Sexo”, relatou:
Agastou-me, por vezes, no curso de conversações abstratas,
ouvir os homens dizerem-se: “Você pensa assim porque é uma
mulher”. Mas eu sabia que minha única defesa era responder:
“penso-o porque é verdadeiro”, eliminando assim minha
subjetividade.
Durante muito tempo as mulheres não eram vistas como
seres titulares de direitos e, motivadas a combater o sistema
patriarcal, a opressão e a violência, no século XIX sugiram as
primeiras ondas dos movimentos feministas. A partir de teve início
uma longa e sinuosa caminhada em busca de criar e assegurar
direitos às mulheres, assim como melhorar suas condições de vida.
À vista deste contexto histórico e cultural, a presente
pesquisa, partindo do entendimento do direito enquanto uma
instância que evidencia os valores predominantes no interior das
sociedades, investiga a evolução da situação da mulher face a
legislação brasileira, procurando demonstrar a forma como todo
um período de discriminação e violência legalmente legitimadas
contribuiu para a formação de um imaginário social que coloca
a mulher em posição desprivilegiada. Trata-se, portanto, de uma
pesquisa descritiva-interpretativa de procedimento bibliográfico,
na medida em que se pretendeu expor as raízes legais e históricas da
desigualdade de gênero no Brasil.
159
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

2 As mulheres na legislação nacional

Compreende-se que o direito pertence ao mundo cultural,


tendo em vista que se constituí em obra humana projetada em
vistas de determinados valores. Reale (1961, p. 78) afirma “é
fato histórico-cultural, ou produto de vida humana objetivada,
somente enquanto o factum do homem se integra normativamente
no sentido de certos valores”. Desse modo, o direito tem forma
de norma, que é seu momento conclusivo, carregada de valores
escolhidos pela sociedade como merecedores de especial proteção.
Não é, portanto, todo fato social que é também jurídico, mas
somente os que correspondem aqueles valores. À vista disso, o
direito é “[...] una obra humana social (hecho) de forma normativa
encaminada a Ia realización de unos valores” (RECASÉN SICHES,
1959, apud REALE, 1961, p. 73).
O fenômeno jurídico é resultado das experiências humanas
no âmbito de determinas circunstâncias sócio-históricas que
favorecem a prevalência de alguns valores em relação a outros. Em
razão disso, a norma é constantemente plasmada pelas alterações
de ordem social, as quais deve corresponder. O direito, portanto, é
a esfera de realização concreta de valores predominantes, conforme
afirma Martins-Costa (2002, p. 94) “o fenômeno jurídico, porque se
desenvolve no ‘tempo axiológico’ está necessariamente relacionado
aos valores prevalentemente significantes de cada tempo cultural”,
assim, a dimensão valorativa não é sobressalente ao direito, como
mero fim deste, mas é nuclear a ele. Igualmente, evidencia-se a
marca da historicidade presente no fenômeno jurídico, não sendo
um dado acabado, mas construído e modificado ao longo da
experiência humana.
As legislações mais antigas, dos séculos XIX e XX,
demonstram e legitimam a disparidade entre homens e mulheres,
assim como a submissão e subordinação que sempre foram impostas
ao sexo feminino. Na Constituição Imperial de 1824, de acordo
com Marinela (2016, n.p.), sequer foi cogitada a participação da
mulher na esfera pública.
160
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Esse documento definiu quem eram os cidadãos, ou seja,


aqueles que poderiam participar das questões do Estado, e as
mulheres foram excluídas dessa possibilidade. Foram excluídas,
também, do acesso à educação qualificada, uma vez que não
podiam frequentar as mesmas escolas que os homens. Havia escolas
destinadas a receber mulheres, mas a instrução ali ofertada eram
muito aquém daquela entregue aos homens. As alunas aprendiam
tão somente acerca dos trabalhos domésticos, cântico e artesanato.
A ideia era formar indivíduos dóceis, servis e agradáveis. Essa
postura de manter a população feminina afastada de conhecimentos
diversos também pode ser lida como uma forma de conservar e
fortalecer a sua situação de subjugamento.
Na Constituição da República de 1889, a mulher só foi
lembrada quanto à filiação ilegítima, mostrando o desprezo com
relação ao sexo feminino. Em 1890 foi promulgada a lei sobre o
casamento civil, estabelecendo que, dentre os efeitos do casamento,
estava investir o marido do direito de fixar o domicílio da família,
de autorizar a profissão da mulher e dirigir a educação dos filhos.
O Código Civil de 1916, por seu turno, outorgou ao
marido a função de chefe da sociedade conjugal. Estabeleceu
também que a mulher casada era relativamente incapaz aos atos
da vida civil, sendo permitido ao marido anular as ações da esposa
quando não estivessem de acordo com sua vontade. Por óbvio,
essa sujeição limitava o crescimento intelectual feminino, já que
não existia liberdade para agir de forma autônoma.
Foi somente no ano de 1932 que as mulheres obtiveram
direito ao voto. A Constituição Federal de 1934 foi um grande
marco, pois, segundo Marinela (2016, n.p.), “[...] após mais de
cem anos de constitucionalismo homem e mulher são colocados em
pé de igualdade na definição de cidadania no texto constitucional
de 1934”.
Em 1940, o Código Penal tipificou o crime de estupro, no
entanto, o tipo penal só se caracterizava quando praticado contra
“mulher honesta”. Ocorre que o estuprador poderia solicitar a
161
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

extinção da sua punibilidade caso se casasse com a mulher estuprada.


Portanto, o bem protegido não era a mulher, e sim os costumes e a
moral da época.
De acordo com Bezerra (2016, n.p.), na década de 1950,
a Organização das Nações Unidas (ONU), sensibilizou-se com a
violência doméstica sofrida pelas mulheres e criou a Comissão de
Status da Mulher que, entre os anos de 1949 e 1962, formulou
uma série de tratados baseados em provisões da Carta das Nações
Unidas. Nesses tratados foram afirmados expressamente os direitos
igualitários entre homens e mulheres.
Na década de 1960, o livro “O segundo sexo”, de
Beauvoir, influenciou muitos movimentos feministas, uma vez
que evidenciou que a sobreposição do homem com relação à
mulher era uma construção social e não uma questão biológica.
Nas palavras de Pinafi (2007, n.p.):
Ao questionar a construção social da diferença entre os sexos
e os campos de articulação de poder, as feministas criaram
o conceito de gênero, abrindo assim, portas para se analisar
o binômio dominação-exploração construído ao longo dos
tempos.
Em 1979, foi criado um dos principais documentos
internacionais que visam à proteção dos direitos das mulheres:
a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, adotada pela Assembleia Geral
da Organização das Nações Unidas. No Brasil, foi incorporada ao
ordenamento jurídico pelo Decreto Legislativo nº 93, de 14 de
novembro de 1983, e promulgada pelo decreto n.º 89.406, de 1º
de fevereiro de 1984. De acordo com Montebello (2000, p. 162):
A Convenção da ONU sobre a Mulher apresenta uma série de
dispositivos tutelares dos direitos das mulheres à participação
na vida pública e política do país, às mesmas oportunidades
de emprego e igual remuneração, à influência decisiva nos
assuntos relativos ao casamento e às relações familiares, assim
como outros direitos civis, políticos, econômicos e sociais.
Conforme leciona Montebello (2000, p. 165), a Convenção
162
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

de Belém do Pará insere-se no sistema regional-especial de proteção


aos direitos humanos. Em seu preâmbulo, a convenção dispõe que
“a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e
uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais
entre mulheres e homens” (1996, n.p.).
Paralelamente a estas inovações legais, os movimentos
feministas eram acusados pela “destruição da família tradicional”.
No entanto, com seu crescimento no Brasil, surgiu, em 1981, no
Rio de Janeiro, o “SOS Mulher”. Segundo Pinafi (2007), o objetivo
era construir um espaço de atendimento às mulheres vítimas de
violência, além de ser um ambienta favorável à reflexão e promoção
de mudanças nas condições de vida das mulheres atendidas. Essa
iniciativa foi adotado também por outras capitais, como São Paulo
e Porto Alegre.
Segundo Santos (2011, n.p.), a intensa e exitosa politização
da temática da violência contra a mulher, promovida pelo SOS
Mulher e, também, pelo movimento de mulheres em geral, fez
com que fosse criado o Conselho Estadual da Condição Feminina,
em São Paulo. Este Conselho propunha a formulação de políticas
públicas que promovessem o atendimento integral às vítimas de
violência, abrangendo as áreas de segurança pública e assistências
social e psicológica.
Em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição
Federal, inaugurando um novo capítulo na luta das mulheres. O
documento tem o postulado da isonomia bastante presente, trazendo
de maneira expressa a igualdade entre homens e mulheres no que
tange a direitos e obrigações. A Constituição também consagra
a proibição de discriminação entre os filhos, sejam eles oriundos
ou não da relação matrimonial. Acerca dos arranjos familiares,
o documento estabelece a igualdade entre todas as entidades
familiares, na medida em que rompe com a ideia de que família
é apenas a união formal entre homem e mulher, reconhecendo
expressamente proteção à união estável e a comunidade formada
pelo pai ou pela mão com seus descendentes.
163
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

No que diz respeito especificamente à condição da mulher,


a Constituição proíbe a discriminação por motivo de sexo no
mercado de trabalho, trata a proteção à maternidade como um
direito social, resguarda o direito das presidiárias de amamentarem
seus filhos, reconhece o planejamento familiar como uma livre
decisão do casal e institui o dever do Estado de coibir a violência
no âmbito das relações familiares.
É principalmente a partir da promulgação da Constituição,
em 1988, que passaram a ser produzidas normas específicas voltadas
à proteção da mulher, especialmente aquelas que se encontram em
situação de violência. Conforme documento do Centro Feminista
de Estudos e Assessoria (2006, p. 14), “[...] a Constituição acolheu
a ampla maioria das demandas dos movimentos de mulheres e é
uma das mais avançadas no mundo”. Ela prevê a igualdade e a
justiça como valores principais, assim como a igualdade jurídica
entre homens e mulheres. Em seu artigo 5º, caput, estão previstas
as garantias e direitos fundamentais dos brasileiros:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição.
Embora a Constituição Federal de 1988 tenha sido
transformadora e extremamente importante para a luta das mulheres
e, mesmo tendo previsto expressamente a igualdade entre homens e
mulheres, a mera positivação desse direito não foi suficiente para a
erradicação da discriminação e violência contra o gênero feminino.
O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (2006, n.p.) aponta:
Entretanto, é sabido que o texto da lei não é suficiente para
a garantia do exercício da cidadania, principalmente para
os segmentos mais discriminados da população. Em alguns
casos, os conflitos decorrentes das disparidades de interesses
e necessidades que permeiam as relações sociais impedem,
de diferentes maneiras, a efetivação do acesso aos direitos
universais. Assim, o conhecimento da legislação vigente
164
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

constitui um primeiro passo para a definição de estratégias


políticas orientadas para o enfrentamento e superação das
desigualdades que marcam as relações de gênero.
Ainda assim, a legislação é uma das principais formas de
combate à discriminação, desigualdade, violência e opressão. Nesse
sentido, tem-se a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria
da Penha. A norma criou mecanismos para coibir e prevenir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, dando concretude à
dispositivo Constitucional (§ 8o do art. 226).
A Lei de 2006, assim como a Lei do Feminicídio, de 2015,
não criou qualquer tipo penal novo, mas deu um tratamento
distinto à violência cometida contra mulher, tendo em vista o seu
alto grau de incidência. Dentre as novidades trazidas pela Lei Maria
da Penha está o afastamento da competência dos juizados especiais
para crimes dessa natureza e a definição de violência doméstica,
entendida como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que
lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial” (BRASIL, 2006). A norma estabelece
também como esta violência pode se manifestar: fisicamente,
psicologicamente, sexualmente, moralmente e patrimonialmente.
Com fundamentos muito similares aos da criação da
Lei 11.340/2006, houve, em 2015, a promulgação da Lei do
Feminicídio. Essa norma alterou o Código Penal, incluindo o
feminicídio como uma modalidade de homicídio qualificado.
Entende-se por feminicídio o homicídio praticado contra a mulher
por razões da condição do sexo feminino
Mais recentemente, em 2018, houve a edição da Lei da
Importunação Sexual. A norma altera o código penal fazendo
constar o crime de importunação sexual, definido como todo ato
libidinoso na presença de alguém, que não seja consensual e que
tenha o objetivo de satisfação de desejo de cunho sexual. Essa
conduta anteriormente era considerada uma contravenção penal e,
portanto, recebia um tratamento mais brando.
165
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

3 Considerações finais

Percorrido esse trajeto histórico, é possível perceber o


quanto se avançou no sentido de reconhecimento e proteção
aos direitos das mulheres, bem como na criação de mecanismos
voltados a sua proteção contra as mais diversas formas de violência.
Estas conquistas sempre demandaram uma atuação constante e
vigilante das mulheres e dos movimentos feministas.
No entanto, ainda há muito a ser conquistado, especialmente
no que se refere a igualdade material, tendo em vista, por exemplo,
as situações em que as mulheres desempenham o mesmo trabalho
que os homens, mas são remuneradas com um salário inferior ao
masculino. No mesmo sentido, a representatividade política das
mulheres ainda permanece baixa, em que pese a obrigatoriedade
constante na Lei eleitoral (Lei no 9.504/97) de os partidos políticos
reservarem no mínimo de 30 e o máximo de 70% das vagas para
candidaturas de cada sexo.
O que resta evidenciado, por esta leitura histórica acerca
da condição feminina na legislação nacional, está relacionado a
todo aquele período em que a mulher esteve subjugada, que não
era reconhecida como portadora de direitos, que tinha toda a sua
existência condicionada ao domínio de outras pessoas e, quando
sua única função limitava-se, quase que exclusivamente, a realização
de tarefas domésticas, não podendo participar das atividades que se
desenvolviam no ambiente externo ao lar.
Essa situação, que tinha respaldo legal e que se estendeu
por tanto tempo, acabou por contribuir para a construção social
da figura da mulher. Todo aquele longo período de vigência de leis
discriminatórias, que punham a mulher em situação de inferioridade
reflete até a contemporaneidade, uma vez que contribui para
consolidar, no meio social, ideias e comportamentos machistas,
que, tendo em vista essa profunda raiz histórica requerem tanto
esforço para a sua superação
O senso comum ainda tem como referência valores
166
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

semelhantes àqueles contemplados nos antigos códigos legais. Esses


valores, francamente desfavoráveis à mulher, foram sucessivamente
reinseridos nas legislações subsequentes até se tornarem tão
naturalizados que passaram a ser reproduzidos automaticamente,
transformando-se numa espécie de “conhecimento difuso” que se
manifesta ainda que seja contrário a legislação hoje vigente.
Em razão dessa construção histórica, embora atualmente as
mulheres ocupem cada vez mais espaço, nas mais diversas áreas de
atuação, o lugar simbólico reservado à mulher não sofreu grandes
alterações, continuando muito associado aquela função maternal,
de dona de casa e única responsável pelas tarefas domésticas.

Referências

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BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. 1970.
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Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

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Capítulo 12
DILEMAS SOCIOJURÍDICOS DAS
FAMÍLIAS TRANSNACIONAIS NO BRASIL: A
DIMENSIONALIDADE DA MULHER

Paola Pagote Dall’Omo


Camila Rocha
Odisseia Aparecida Paludo Fontana
Silvia Ozelame Rigo Moschetta

1 Considerações Iniciais

O s movimentos migratórios internacionais aumentaram


consideravelmente em decorrência da globalização.
As razões que impulsionaram esse processo estão diretamente
associadas aos contextos de crise, seja de caráter econômico,
ambiental, social, jurídico ou político. Diante de tal situação,
inúmeras pessoas buscam modificar suas conjunturas, vendo no ato
de migrar uma oportunidade para transformar a própria realidade
e a de seus familiares. Ao almejar mudanças, os imigrantes acabam
se deslocando de forma transfronteiriça e em massa, deixando suas
famílias no país de origem. Diante desse contexto intrafamiliar na
ambiência da migração, algumas categorias se apresentaram no
ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no Direito de Família:
as famílias transnacionais.
Este trabalho discorre sobre os imigrantes transnacionais
que se encontram no Brasil em decorrência do processo migratório,
tendo este como problema de pesquisa: quais os impasses
sociojurídicos enfrentados pelos imigrantes no país de acolhimento?
Desta maneira, o objetivo central da pesquisa está em explicitar
os impasses vivenciados por esses indivíduos e suas famílias.
Especificamente, o estudo trará contextualizações sobre o processo
172
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

migratório transnacional, com abordagens e conceituações acerca


das famílias transnacionais, buscando realizar um panorama sobre
esse modelo familiar no Brasil, além de identificar as motivações
que promovem a migração.
Ao final, serão expostos os principais desafios das famílias
transnacionais no Brasil no que tange ao mercado de trabalho,
regularização legal no País, socialização dos imigrantes nesta nova
localidade, aprendizagem de um novo idioma e reunião familiar com
os demais membros. Sobre o aspecto metodológico, a metodologia
aplicada é a dedutiva, com a perspectiva qualitativa e utilização de
referencial bibliográfico inerente à temática.

2 O processo migratório e a transnacionalidade

A migração se caracteriza como uma prática inerente ao


ser humano. Desse modo, em virtude das dificuldades enfrentadas
diante dos contextos de crise, de motivações ambiental, social,
econômica, bem como a existência de guerras e demais situações de
violência, as pessoas são influenciadas a se deslocar, seja de forma
conjunta, em grupos, comunidades, ou individualmente, a fim de
encontrar melhores circunstâncias em comparação a sua realidade
(DELFIM, 2019).
De acordo com dados da Organização Internacional das
Migrações (OIM, 2021), até metade do ano de 2020, estima-se
que 280,6 milhões de pessoas são migrantes internacionais. Para
Salim (2016), a migração é vista como um fenômeno complexo,
com inúmeras determinações, e de caráter essencialmente social. Ao
considerar todas as pluralidades das relações humanas em contextos
sociais distintos, o ato de migrar demonstra suas particularidades,
que interagem e afetam de maneira diferente os indivíduos ou
grupos sociais que compõem esse processo.
É importante ressaltar que a questão da subsistência
familiar é um quesito relevante para o ato de migrar, fazendo o
imigrante cruzar fronteiras e transitar entre várias culturas, sendo,
173
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

então, uma maneira encontrada no interior das relações familiares


num projeto para solucionar ou trazer melhorias às suas condições
(VASCONCELOS, 2013). No entanto, os fatores econômicos, por
si só, são insuficientes para compreender o fenômeno migratório
sob uma perspectiva específica. À vista disso, é essencial observar
os demais contextos vigentes em um determinado recorte histórico
(CASTLES, 2010).
As migrações internacionais passaram a ser vistas como
um movimento de deslocamento de um fluxo de pessoas, que
buscam sair de determinado local a outro, gerando transformações
sociais no espaço; e a globalização é a responsável por essa troca
de costumes, hábitos, experiências, mercadorias e culturas entre
os povos. A seiva que percorre a globalização é proporcionar
um expansivo compartilhamento de dados e informações acerca
de oportunidades e referências de qualidade de vida obtidas em
nações modernas. A partir dessa premissa, a migração se torna um
anseio ainda mais evidente aos migrantes, que buscam aproveitar
as comodidades aparentes de outras localidades fora do seu país de
origem; contudo, esses padrões advindos do processo migratório
internacional demonstram as diferenças econômicas e sociais dos
Estados, além de explicitarem a desigualdade vigente (MARTINE,
2005).
Para Cruz e Piffer (2019), a transnacionalidade se trata de
poder modificar as concepções sobre as relações transpassantes, que
acabam por afetar de forma direta ou indireta o contexto social, por
contrair alta abrangência, tendo em vista que não atendem espaços
territoriais já anteriormente definidos. Antes, havia um isolamento
e um rompimento quase completo do imigrante com sua nação
local, sem a manutenção dos laços afetivos, culturais e sociais;
todavia, atualmente, devido aos meios de comunicação um pouco
mais evoluídos e à facilidade na mobilidade, esse migrante pode
manter contato e aproximação com seus familiares (CARVALHO;
CARVALHO, 2017).
Assim, a referida transnacionalidade cria um movimento
denominado pela doutrina de “rede migratória”, pois é capaz de
174
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

fornecer ao migrante a manutenção dos costumes, culturas e demais


aspectos sociais com o país de origem. Com essa interconexão,
mesmo estando em território diferente do que nasceu, o vínculo
permanece presente, e novos são elaborados no local de acolhimento
(PILAU SOBRINHO; SIRIANNI; PIFFER, 2014). Tais questões
serão exploradas a partir do panorama migratório, sobretudo no
Brasil.

3 Panorama migratório brasileiro e as famílias transnacionais

Em relatório anual efetuado pelo Observatório das Migrações


Internacionais (CAVALCANTI; OLIVEIRA; MACEDO, 2020),
entre o ano de 2011 e 2019, os imigrantes registrados no Brasil
perpassam o total de 1.085.673 pessoas – ressalta-se que esse
número elevado se refere apenas aos que obtiveram registro no País.
Dessa totalidade registrada, existem 399.372 mulheres migrantes
em território brasileiro. Ainda, constatou-se a predominância
no ano de 2019 para as nacionalidades venezuelana e haitiana.
Com relação às nacionalidades dos imigrantes que se mudam
ao Brasil, entre 2010 e 2019, segundo o Sistema de Registro
Nacional Migratório (SISMIGRA) da Polícia Federal, adentraram
ao território nacional e efetuaram registro indivíduos ou grupos
provenientes principalmente dos seguintes países: Argentina,
Bolívia, China, Colômbia, Haiti, Paraguai, Peru, Senegal, Uruguai
e Venezuela (CAVALCANTI; OLIVEIRA; MACEDO, 2020).
Ao expor estes números expressivos de imigrantes presentes
no Brasil, pode-se observar a transnacionalidade impactando
diretamente o cenário familiar. A legislação migratória brasileira
assegura legalmente que essas pessoas tenham direito a igualdade,
segurança, propriedade, inviolabilidade do direito à vida, liberdades
civil, social, cultural e econômica. Também, estão assegurados
o direito à reunião familiar do migrante, de circular em todo o
território nacional, de promover associações com finalidade lícita;
podem ter acesso a serviços públicos de saúde, previdência e
assistência social, acesso à justiça, acesso à educação pública, sendo
175
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

vedada a discriminação pela condição migratória (BRASIL, 2017).


Diante do fluxo migratório global existente, criou-se
um novo conceito para essas famílias: são reconhecidas como
transnacionais. A família transnacional é uma construção social,
cujos membros vivem separados uns dos outros, uma vez que as
pessoas residem em países distintos. Nessa nova dinâmica familiar,
é possível constatar que a afetividade se faz presente mesmo dada a
distância, e permanecem unidos, com os sentimentos de coletividade
e unidade presentes (BRYCESON; VUORELA, 2002).
Em sua contribuição, Kebbe, Machado e Silva (2008)
apontam que, ao estudar-se essa modalidade familiar em discussão,
percebem-se aperfeiçoados os parâmetros das ideias de identidade
nacional, social, cultural e senso de comunidade elaborados pelos
imigrantes, que se arriscando no processo migratório devido
a genocídios, guerras, migrações forçadas, além de políticas
autoritárias ocorridas ao redor do globo.
Com esse enfoque de suporte, há um enlace com a
comunidade para que haja a manutenção da língua do país de
origem, edificação capaz de proporcionar ajuda mútua entre os
indivíduos, perpassando a criação de espaços globais e estruturados
que possam agregar essa rede (BRITO, 2010). Para Cazarotto e
Mejía (2017), observa-se a existência de princípios que regulam as
configurações das famílias transnacionais, pautados especialmente
no fluxo de informações com os demais membros da família e em
recursos monetários dos imigrantes. Em primeiro aspecto, a troca
e o compartilhamento de dados e informações são absolutamente
relevantes para a manutenção do vínculo familiar.
Apesar da distância física e geográfica atribuída aos
familiares, verifica-se que a manutenção da conexão afetiva,
independentemente das fronteiras transpassadas, é fundamental
para seus integrantes. Sobre a importância das tecnologias para as
famílias transnacionais, as autoras Glícia Paula Resende e Vitória
Aparecida Machado Trindade (2020, não paginado) trazem uma
perspectiva pautada no entendimento de Alejandro Portes:
176
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

[...] o fenômeno do transnacionalismo teve grande impulso


com “o advento das tecnologias na área dos transportes e
das telecomunicações, que vieram facilitar enormemente
a comunicação rápida das fronteiras nacionais e a grandes
distâncias”. Portanto, com os avanços tecnológicos e assim
a grande facilidade de comunicação com pessoas de várias
regiões do mundo, além da grande taxa de migração, as
famílias transnacionais têm aumentado cada vez mais.
Ainda sobre o tema, Bacigalupe (2012) explicita que as
famílias de imigrantes passaram a usufruir das chamadas “TICs”
(tecnologias da informação e comunicação) como um modo de
ultrapassar as fronteiras e barreiras geográficas nacionais em que se
encontram, com a finalidade de aumentar sua conexão, identidade
e meio de vida. Fazem parte das ferramentas tecnológicas softwares
sociais ou ferramentas de mídias como o Facebook, Twitter, Youtube,
Linkedin e Flickr, bem como aparatos de áudio, como o Skype, além
do uso dos telefones celulares. Quanto à remessa de valores, no
entendimento do autor Joseph Handerson (2015), o envio dos
recursos financeiros apresenta implicações sobre quem permaneceu,
havendo expectativas daqueles membros familiares que estão no
país de origem, que veem o imigrante como um indivíduo bem-
sucedido, que saiu de determinado local e contém estabilidade em
uma nação distinta.
Para Brito (2010), aqueles que realizam a mobilidade
espacial, mudando-se de um local para outro, enfrentam diversas
questões no país de acolhimento, referentes a um sentimento
de nostalgia em relação ao antigo local, onde viviam, receio de
engajar-se no meio social, restringindo-se a determinado coletivo
ou comunidades, trazendo, por vezes, indicadores capazes de
demonstrar uma determina recusa consciente de se instalar de
forma permanente no novo país.
Nesse sentido, as trajetórias migratórias devem ser vistas
de modo que a dimensão familiar seja observada sob a ótica do
membro da família que permaneceu e, também, de quem saiu.
Essa caminhada apresenta motivos e transformações que ocorrem
durante o processo, para que assim sejam analisados os fatores para
177
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

planejar as etapas migratórias, principalmente averiguando o ciclo


de vida da família (PERES, 2014). Ainda, devem ser observados os
obstáculos que os migrantes enfrentam quando saem do seu país de
origem até chegar ao país de destino.

4 Desafios enfrentados pelos migrantes e membros das famílias


transnacionais

Os migrantes, como transnacionais, de maneira geral, saem


de seus países de origem a fim de contribuir para uma melhor
qualidade de vida de seus familiares, sendo os membros da família
um alicerce na busca por condições dignas. Embora a Lei n.
13.445/2017 tenha proporcionado melhorias teóricas à situação
dos imigrantes, na prática, diferentemente, os embates e desafios
vivenciados pelos imigrantes transnacionais são inúmeros no Brasil.
A regularização jurídica desses indivíduos é um exemplo
de tais dilemas. Atualmente, o Governo Federal requer que, para
realizar o registro como estrangeiro no País e obter a denominada
Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM), é preciso se
enquadrar nos seguintes quesitos: imigrante com visto temporário,
imigrante que contenha a autorização de residência deferida, com
decisão devidamente publicada no Diário Oficial da União, ou que
já tenha sido reconhecido pelos órgãos competentes como apátrida,
refugiado ou asilado (BRASIL, 2021).
Para essa solicitação, as documentações irão variar conforme
a classificação obtida pelo imigrante e de acordo com as portarias
interministeriais que abordam a regularização migratória. Salienta-
se que há diversas tipologias e documentos a serem auferidos
pelos imigrantes, como é o caso da autorização de residência para
fins laborais, ou solicitação de vistos consoante o caso fático do
imigrante. Desse modo, podem ser estabelecidos diferentes tipos de
vistos; dentre eles, destaca-se o denominado “visto humanitário”.
Essa espécie foi criada devido à imigração haitiana ao País
posteriormente à tragédia ocorrida no ano de 2010, quando um
terremoto acabou por destruir consideravelmente aquele Estado.
178
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Por meio do Conselho Nacional de Imigração, na Resolução 97,


restou estabelecido que esse tipo de visto era de cunho especial,
sendo temporário, de até dois anos, podendo-se, a depender da
situação, alterá-lo para a categoria de “visto permanente”.
Posteriormente, os migrantes provenientes da Síria tiveram
direito a recorrer a essa categoria diante da guerra civil vivida naquele
país, sendo necessário ter acesso a um documento de viagem válido,
certificado internacional de imunização, comprovante de meio de
transporte no território brasileiro, além da certidão de antecedentes
criminais. Ainda, os imigrantes venezuelanos também passaram a
ser abarcados nessa modalidade após o contexto de crise vivido
(GOMES, 2021). Além das burocracias constantes no processo
de regularização do imigrante, com a ida dele a diversos órgãos
para requerer tudo que lhe é solicitado, existe a problemática
quanto ao custo das documentações, como nas hipóteses em que se
exigem certidões de antecedentes criminais advindo(a)s do país de
origem e também de todos os lugares que a pessoa residiu no país
de acolhimento, bem como o acesso aos sistemas eletrônicos para
solicitar documentação (VALENTE, 2018).
Também, um aspecto a ser devidamente considerado no
que tange aos desafios vivenciados pelos imigrantes transnacionais
e suas famílias é o da sua inserção no mercado de trabalho. Cruz
e Piffer (2019) acreditam que os trabalhadores que compõem as
migrações transnacionais têm suas garantias reduzidas nesse sistema
produtivo, além de serem inseridos em contextos desfavoráveis,
como o de pobreza. Nesse sentido, é imprescindível analisar o
mercado de trabalho para os imigrantes sob a perspectiva de
gênero. No entendimento de Cazarotto e Mejía (2017), existem
condições mais desfavoráveis às mulheres, tendo em vista que
são mais excluídas que os homens, por vezes nem conseguindo se
estabelecer em empregos, ou sendo desligadas. No mais, o meio
empresarial prefere contratar homens, para não arcar com a licença-
maternidade.
A partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios realizada pelo IBGE no ano de 2015, estima-se que
179
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

o trabalho informal é maior entre as mulheres, 43,8%; já entre os


homens, são 39%. A faixa etária mais expressiva de trabalhadoras
de sexo feminino que se encontram em labor informal é a entre
20 e 29 anos (CAVALCANTI; OLIVEIRA; MACEDO, 2020).
Para as mulheres, há dificuldades em ter que se deslocar do seu país
de origem devido ao trabalho. Em observância às mães biológicas,
que deixam seus filhos no país de origem, verifica-se a questão da
profunda tristeza, com abalos emocionais capazes de proporcionar
uma espécie de trauma, especialmente se vêm enfrentando
dificuldades no país de acolhimento (CAZAROTTO; MEJÍA,
2017).
Nesta perspectiva, o Estado brasileiro também deve se
responsabilizar por assegurar respeito às garantias do trabalhador
imigrante ilegal em sua relação laboral com os particulares,
buscando impedir violações de direitos trabalhistas dessa categoria,
que se encontra em situação de vulnerabilidade, uma vez que,
ao chegarem ao país de acolhimento, contêm geralmente poucas
economias e podem acabar trabalhando em locais insalubres, com
propostas indignas, e até mesmo sob trabalho escravo (DE LIMA;
SILVA, 2017).
Outra situação vivida que se apresenta como desafio
para os imigrantes está no idioma, já que a língua portuguesa
detém especificidades. Cazarotto e Mejía (2017), ao realizarem
estudo com mulheres haitianas, compreenderam que muitas
contêm resistência para aprender o idioma, o que as prejudica na
integração à sociedade de acolhimento. Para Cá e Mendes (2020),
a aprendizagem do idioma é vista como um recurso essencial nesse
processo de integração nos espaços compartilhados e para a inserção
no mercado de trabalho. Além disso, conseguir compreender e
reproduzir o idioma traz a possibilidade de o imigrante solucionar
seus entraves cotidianos. Sob este viés, a comunicação garante a
melhoria de qualidade de vida e integração social, já que aprender o
idioma se trata de uma questão de sobrevivência, para atendimento
de necessidades tidas como básicas, para conseguir dialogar e ter
acesso à nova cultura, tradições e valores do país de acolhimento
180
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

(BALESTRO; PEREIRA, 2019). Apesar da relevância em aprender


o idioma do país acolhimento, é indispensável que se mantenha a
língua nativa dos imigrantes, já que a preservação da identidade
cultural ocorre também nestas circunstâncias.
Por conseguinte, Bizon e Camargo (2018) compreendem
a necessidade de efetuar ações em direção à institucionalização de
políticas de acolhimento que não minimizem as particularidades
do processo migratório, as respectivas construções socioculturais e
sociolinguísticas, que fazem parte do indivíduo. Nesta prerrogativa
de vulnerabilidade por vezes enfrentada pelos imigrantes, estão
também a discriminação social e o preconceito vividos no cotidiano.
Na visão de Camargo e Herédia (2018), que realizaram um estudo
sobre a temática no município de Caxias do Sul (RS), a hostilidade
aos imigrantes se refere à inserção deles nos espaços da cidade;
nesses locais, existem ações inapropriadas e conflitos ocasionados
pela população local, muito embora seja uma região colonizada por
“imigrantes”.
Embora a legislação migratória responsável por reger essa
população promova uma proteção aos imigrantes, há uma crescente
prática racista, preconceituosa e xenofóbica no Brasil, especialmente
por considerar-se, por vezes, tais fatos como brincadeiras.
Contudo, o desrespeito tem aumentado, principalmente devido
aos novos imigrantes internacionais serem, em sua maioria,
negros (FERNANDES; SILVA, 2017). Ainda, há a problemática
envolvida no processo de separação entre os membros das famílias
transnacionais. De acordo com pesquisas realizadas, Dias e Schuler
(2016) explicam que tal separação familiar pode afetar os filhos de
maneira negativa, já que consideram ter sido deixados para trás,
ainda que venham a se reunir novamente com sua família. No
mais, foi possível verificar que, devido ao aumento da migração
feminina, a responsabilidade para prover os cuidados necessários às
crianças passam a ser das avós.
A reunião familiar, embora seja um objetivo de parcela
considerável dos imigrantes que se deslocam, nem sempre é
atendida. Segundo dados obtidos pelo sistema Sismigra, apenas
181
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

22% das mulheres que se encontram registradas no Brasil buscaram


esse recurso para se locomover até outro país (CAVALCANTI;
OLIVEIRA; MACEDO, 2020).
Conclui-se que os principais desafios enfrentados pelos
imigrantes e suas famílias se referem ao idioma, ao mercado de
trabalho, a ter condições e localidade apropriadas para moradia,
formar-se, regularizar-se no País, saúde, preconceito e segurança
social (DE LIMA; SILVA, 2017). Também, salienta-se que o
Brasil, atualmente, não dispõe de um cenário favorável sequer aos
nacionais, tampouco à população migratória. Apesar de este país
de acolhimento não oferecer condições favoráveis, é necessário
um empenho, de maneira conjunta e plena, para fornecer mais
condições dignas de sobrevivência a essa população, inclusive às
mulheres migrantes.

5 Considerações finais

Neste trabalho, restou demonstrado que as famílias


transnacionais representam um novo modelo familiar diante do
contexto de migração vivenciado devido à globalização, e com a
finalidade de alterar sua realidade e sair da situação de crise, seja
ela de caráter ambiental, social, motivada por guerras ou conflitos
no país de origem ou fatores econômicos buscam alternativas. Ao
realizar-se um panorama sobre os obstáculos e desafios enfrentados
pela população que migra, observa-se que os fatores econômicos e a
escassez de recursos financeiros, a dificuldade em obter regularização
legal no Brasil, a inserção no mercado de trabalho e nos círculos
sociais, a aprendizagem de um novo idioma, bem como lidar com
questões de preconceito em virtude da raça/etnia, são dificuldades
que se fazem presentes em suas realidades.
Todos esses contextos sociojurídicos interferem de
maneira direta na vida dos imigrantes que residem no Brasil,
independentemente de suas nacionalidades. Em primeiro aspecto,
ressalta-se que os fatores econômicos e as questões laborais estão
diretamente associados, uma vez que muitos vêm ao país de
182
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

acolhimento visando o próprio sustento e de sua família que


permaneceu no local de origem, por meio das remessas financeiras.
Quanto à aprendizagem da língua portuguesa, ainda há muitos
desafios a serem enfrentados, uma vez que a linguagem é ferramenta
indispensável para inseri-los nos meios sociais e para que realizem
as atividades cotidianas sem maiores problemas.
Por meio da realização de atos promovidos por políticas
públicas e pela sociedade civil, essa conjuntura tem sido modificada,
especialmente com os ensinos de língua portuguesa nas instituições
de ensino universitário. A promoção de atitudes que tragam uma
inclusão ao imigrante transnacional também deve ser aplicada
na esfera social, já que existem condutas discriminatórias e
absolutamente reprováveis para com esses indivíduos. No que
se refere à regularização jurídica dos imigrantes no Brasil, há
diversos entraves a serem aprimorados, haja vistos os empecilhos
burocráticos e as portarias interministeriais insuficientes para os
casos de migração no País. A legislação brasileira obteve melhorias
nos direitos e garantias dos imigrantes com a promulgação da
Lei n. 13.445/2017, no entanto, os aparatos legais que atendem
essas questões regulatórias ainda estão muito restritos às portarias
extraídas do Governo Federal.
Por fim, o processo migratório das famílias transnacionais
adquire uma multiplicidade de fatores, circunstâncias e modos
para sua efetivação, devendo o Estado de acolhimento ter uma
percepção atenta às necessidades, empenhando-se em solucionar
as problemáticas existentes, além de estar voltado à inclusão dos
imigrantes na sociedade, inclusive das mulheres, fazendo com que
se sintam parte do país de acolhimento.

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Capítulo 13
TOLERÂNCIA DA SOCIEDADE À VIOLÊNCIA
CONTRA AS MULHERES NO BRASIL

Aline Viviane Bach


Vanessa Steigleder Neubauer
Deivid Jonas Silva da Veiga

1 Considerações iniciais

O presente artigo tem como objetivo principal fazer uma


análise crítica em relação a tolerância da violência
contra a mulher presente na sociedade brasileira, visando encontrar
caminhos que auxiliem no encontro de uma solução.
Alguns podem se perguntar o porquê da violência contra a
mulher ser tão enraizada no Brasil. A resposta pode parecer mais
complexa do que de fato se apresenta, afinal, uma sociedade que
descende e ainda se mantem em um sistema patriarcal, onde a
mulher só passou a ter direito ao voto a partir do ano de 1932
(ARQUIVO NACIONAL, 2018), antes disso, as mulheres eram
consideradas inferiores, objetos a serem adquiridos e descartados
quando e como os homens desejassem.
Elas não tinham voz, para escolher com quem e quando se
casariam, ou para denunciar a violência doméstica e abusos sofridos
dentro dos lares que as tinham sido impostos. Até fevereiro de
2005, existia no Código Penal brasileiro um dispositivo no qual se
estipulava que a punibilidade do agente seria extinta se a vítima se
casasse com o agressor ou com terceiro (Artigo 107, VII e VIII do
CP). Com estes e outros exemplos, podemos ver como a violência
contra a mulher sempre esteve presente em nossa sociedade. Uma
visível quebra dos Direitos Humanos que ainda é tolerada por
grande parte da sociedade.
188
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

2 Tolerância da sociedade à violência contra as mulheres no


Brasil

Quando se discute a tolerância da sociedade com relação a


violência contra a mulher, se reporta a todas àquelas instituições que,
ao falharem em garantir seus direitos e colaborarem com padrões
discriminatórios, acabam por tolerar tal violência e desigualdade.
Essas injustiças têm início no momento em que a crença
popular delega a mulher a um casamento “tradicional”, onde ela é
a dona de casa que cria os filhos, enquanto o marido trabalha e à
ele precisa pedir permissão para que possa fazer, comprar ou vestir
algo.
Este modo de pensar foi estabelecido no momento de criação
do Brasil, um país nascido e desenvolvido encima do racismo e do
patriarcado. Quando observado por este ponto de vista fica mais
fácil para identificar-se a tolerância à violência contra a mulher e
o quanto ela é enraizada e resistente às mudanças necessárias em
nossa sociedade.
Em seu artigo “Tolerância social à violência contra as
mulheres no Brasil”, Gisele da Silva Ferreira, apresenta a seguinte
frase: “Embora o brasileiro expresse intolerância à violência contra
a mulher, atribui, ao mesmo tempo, parte da culpa dos estupros
às suas vítimas e discorda que casos de violência doméstica devam
ganhar publicidade” (FERREIRA, 2014, p. 3).
No mesmo artigo Gisele nos mostra outro ponto de sua
pesquisa, onde o maior percentual de pessoas que concordam com
a afirmação de que “mulheres que usam roupas que mostram o
corpo merecem ser atacadas”, é das próprias mulheres, sendo 27,3%
contra 23,4% dos homens entrevistados (FERREIRA, 2014, p. 3).
São nestes momentos em que percebe-se que esta crença
está tão arraigada na sociedade, que até mesmo as possíveis vítimas
culpam umas às outras.
A sociedade ainda compreende em sua maioria, que o
grupo familiar deve ser composto por um casal heterossexual, onde
189
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

o homem é o chefe da casa e a mulher deve se submeter a suas


vontades. Deste mesmo ponto brotam frases populares, tais como:
“Em briga de marido e mulher não se mete a colher.”, “A mulher tem
que se dar o respeito.”, “Ela provocou.”, “Ela queria isso”. As referidas
frases são consideradas desculpas, na maior parte das vezes aceitas
pela maioria da população, em casos de violência doméstica, assedio
e estupro.
O SIPS (Sistema de Indicações de Percepção Social),
realizou uma pesquisa sobre a tolerância social à violência contra as
mulheres em 2014, apresentando os seguintes dados:
‘Homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia’.
Concordaram com esta afirmação, total ou parcialmente,
91% dos entrevistados[...] 78% dos 3.810 entrevistados
concordaram totalmente com a prisão para maridos que
batem em suas esposas. Além disso, 89% tenderam a discordar
da afirmação ‘um homem pode xingar e gritar com sua própria
mulher’. (FONTOURA et al, 2014, p. 3).
Constata-se na referida pesquisa que vários entrevistados
favoráveis a punição dos agressores, tendem a mudar suas respostas
conforme as perguntas avançam.
[...] 58%, concordaram, total ou parcialmente, que ‘se as
mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros’. E 63%
concordaram, total ou parcialmente, que ‘casos de violência
dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da
família’. Também, 89% dos entrevistados tenderam a concordar
que ‘a roupa suja deve ser lavada em casa’; e 82% que ‘em briga
de marido e mulher não se mete a colher’. (FONTOURA et al,
2014, p. 3).
Ou seja, mesmo após os entrevistados concordarem que
as mulheres agredidas devem ser protegidas e seus agressores
condenados, os mesmos acreditam que os casais devem resolver
seus próprios problemas e aquelas mulheres oprimidas, agredidas e
estupradas deveriam se “comportar” melhor, para evitar tais crimes.
Com este e outros argumentos a pesquisa do SIPS apresenta
que a tolerância à violência contra a mulher ainda é extremamente
presente na sociedade brasileira.
190
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Além das consequências físicas que decorrem da violência


sofrida pelas mulheres, sua saúde mental é altamente afetada.
“Dentre as mulheres adultas vítimas de violência, as consequências
possíveis podem ser o suicídio, problemas ginecológicos, gravides
indesejada, complicações na gravidez, aborto e a possibilidade de
contagio com DST’s e/ou HIV/AIDS.” (CRUZ, 2019, p. 2533).
No Brasil foram criadas as delegacias especializadas no
atendimento à mulher, estas delegacias são focadas ao combate à
violência contra a mulher, além de oferecer um melhor atendimento
a elas nestes casos. Entretanto:
No estado de São Paulo, e no Brasil, as DDM não ficam abertas
ao público em tempo integral, o que faz com que os casos
de violência ocorridos durante a semana após as 18:00 horas
e aos sábados, domingos e feriados sejam formalizados em
Delegacias Civis e encaminhados para as DDM no próximo
dia útil. (MACHADO et al, 2020, p. 484).
Como se observa, as delegacias de defesa da mulher (DDM)
não estão abertas em tempo integral, fazendo com que as vítimas
se desloquem até a delegacia civil mais próxima, a qual muitas
vezes não está preparada para acolhê-las. Nestes casos, nota-se
que as delegacias civis passam a abordar as ocorrências de maneira
generalizada, sem se ater a especificidades do caso, bem como as
prerrogativas de atendimento e proteção especial a mulher.
Estes fatos se propagaram até meados de 2016, quando na
cidade de São Paulo, a primeira Delegacia de Defesa da Mulher
passou a ficar aberta 24 horas por dia, 7 dias por semana, esta mesma
delegacia que foi a pioneira no município, especializada em defesa
da mulher, inaugurada em 1985. Esta foi mais uma conquista do
movimento feminista na busca pelos direitos das mulheres.
Porém os serviços prestados, até mesmo nas DDM, por muito
tempo foram fortemente orientados pela lógica da conciliação
do casal, e os problemas considerados de menor poder
ofensivo, diminuindo a gravidade e visibilidade da violência
contra a mulher. (MACHADO et al, 2020, p. 484).
Ou seja, desde a criação das DDMs, os oficiais orientavam
191
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

os casais para a conciliação de casal, o que tirava a visibilidade da


verdadeira magnitude dos casos de violência contra a mulher. Para
que seja simplificado, os oficiais mandavam as vítimas de volta para
suas casas com seus agressores, para que eles se “acertassem”.
Esta situação veio a mudar em 07 de agosto de 2006, quando
a Lei nº 11.340 (popular Lei Maria da Penha) foi sancionada, após
este dia os casos de violência foram tratados com maior importância.
Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o
do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher,
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais
ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às
mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Artigo
1º, § 1º da Lei nº 11.340/06 (BRASIL, 2006).
Como se denota da leitura do referido parágrafo, agora as
mulheres vítimas de violência teriam apoio e assistência por parte
do Poder Público, sendo considerado o primeiro passo no combate
à estes crimes.
Mais um passo foi dado no dia 09 de março de 2015,
oportunidade onde entrava em vigor a Lei do Feminicídio (Lei nº
13.104, de 09 de março de 2015), qualificando o assassinato de
mulheres por serem mulheres. A lei considera feminicídio, quando
o assassinato envolve violência doméstica e/ou familiar, menosprezo
ou discriminação pela condição da vítima como mulher.
Estas leis vieram para combater crimes institucionalizados
desde o nascimento do Brasil.
Passa-se a análise da cultura do estupro que se propaga
até os dias atuais. No período do “descobrimento” (lê-se invasão)
do Brasil, aqueles que aqui chegaram, não vieram em paz, eles
chegaram escravizando e estuprando a população nativa, bem
como as escravas trazidas do outro continente.
192
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Neste sentido, um país que se diz berço de diversas culturas


e etnias, teve sua evolução a partir da escravidão e do abuso das
escravas, onde na visão do senhorio a mulher não era mais do
que uma unidade de trabalho lucrativa, que não era vista como a
mulher casta, que protegia, criava os filhos e era dona de casa. Isso
não acontecia apenas no Brasil, mas no mundo todo, como nos
mostra Angela Davis em seu livro Mulheres, Raça e Classe.
Mas as mulheres também sofriam de forma diferente, porque
eram vítimas de abuso sexual e outros maus-tratos bárbaros
que só poderiam ser infligidos a elas. A postura dos senhores
em relação às escravas era regida pela conveniência: quando
era lucrativo explorá-las como se fossem homens, eram
vistas como desprovidas de gênero; mas, quando podiam ser
exploradas, punidas e reprimidas de modos cabíveis apenas às
mulheres, elas eram reduzidas exclusivamente à sua condição
de fêmeas. (DAVIS, 1981, p. 25).
Esta situação se propagou até o começo da abolição da
escravatura, quando a situação ficou ainda mais precária, ocasião
em que as mulheres escravas passaram a ser vistas como maquinas
de procriação. Já que o tráfico negreiro estava sendo proibido em
todo o mundo, os senhores de escravos precisavam de uma forma
mais viável de conseguir seus “produtos”. Sendo assim, por que não
reproduzir as escravas como animais?
No Brasil não foi diferente do restante do mundo, as
mulheres negras passaram pela mesma experiência. Ainda ressalta-
se que a tão louvada miscigenação no país também foi um fruto
destes estupros sistemáticos cometidos contra essas mulheres e essa
tentativa de romantização da miscigenação é usada para esconder a
violência empregada contra elas.
Como se pode ver no artigo publicado pela Carta Capital
no dia 08 de junho de 2016:
Mulheres negras escravizadas foram violadas sistematicamente
no período colonial. E, atualmente, ainda é esse o grupo o
mais violentado, também em caso de violência doméstica.
Segundo dados da Unicef na pesquisa Violência Sexual, o perfil
das mulheres e meninas exploradas sexualmente aponta para a
193
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

exclusão social desse grupo. (CARTA CAPITAL, 2016).


Ademais, ao analisar-se a violência doméstica no Brasil,
percebe-se que muitas das mulheres que sofrem com a referida
violência não sabem identificar quando se encontram em um
relacionamento abusivo até que o mesmo chegue a violência física
de fato, e algumas nem mesmo quando se encontram nesta situação.
Um relacionamento abusivo discorre de um ciclo espiral
ascendente de violência como nos mostra a psicóloga Lenore
Walker, que se divide em Lua de mel onde se encontra os momentos
de paixão, presentes e reconciliação, tensão quando começam os
insultos, a humilhação, gritos, ameaças, controle, isolamento dos
amigos e familiares, medo e descumprimento de promessas, até
que chega na agressão, que começa com um empurrão um pouco
mais forte, beliscões, puxões de cabelo, sufocamento, arremesso
de objetos, tapas, chutes e espancamentos (INSTITUTO MARIA
DA PENHA, 2018).
Estes ciclo se repete cada vez com mais frequência até que
por fim o agressor mata a vítima. Estes pontos acontecem em três
fases:
Primeiramente o agressor se torna facilmente irritável e
estressado, culpa a vítima por tudo que acontece e busca amedrontá-
la, onde a mesma busca de todas as formas não irritá-lo; Na segunda
fase se encontra o ápice da violência, que chega quando o agressor
explode e tensão se materializa nos atos elencados anteriormente.
Neste ponto que ocorre a denúncia, obviamente se a vítima não
acabar por vir a óbito por decorrência do ocorrido; Após os pontos
elencados vem o período em que o agressor se “arrepende” e
promete que irá mudar, eles buscam reconciliação e acaba muitas
vezes convencendo a vítima de que realmente irá melhorar, o que
obviamente não ocorre.
Além deste ciclo vicioso, as mulheres vítimas de violência,
muitas vezes temem denunciar por medo de retaliação do agressor
ou ao agressor. O que torna ainda mais difícil a denúncia. Isso claro,
sem mencionar a pressão da sociedade com relação às vítimas, onde
194
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

muitos ainda acreditam que as mesmas “gostam de apanhar” ou


“fizeram algo para merecer” tais crimes.
Poder-se-á continuar expor fatos durante páginas e mais
páginas, entretanto, observa-se que não será necessário, afinal os
aqui expostos nos exemplificam mais que o suficiente.

3 Direitos Humanos das mulheres

Os primeiros passos para a aquisição de direitos para as


mulheres se deram na Revolução Francesa em 1789, onde elas
buscavam depois de anos de submissão serem reconhecidas como
seres humanos com direitos iguais aos já adquiridos pelos homens
em prol da liberdade.
Quanto a Revolução Francesa, esta teve como estopim a
miséria e as condições precárias em que o povo se encontrava frente
a monarquia absolutista negligente, a referida revolução tinha
como objetivo dar poder ao povo. Ao fim da mesma, a Assembleia
Constituinte cancelou os direitos feudais e promulgou a Declaração
dos Direitos do Homem em 26 de agosto de 1789, na França.
Foi neste ponto em que pela primeira vez na história foram
proclamados direitos fundamentais do homem.
O segundo grande marco foi logo após a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), onde se originou e foi aprovada pela ONU
(Organização das Nações Unidas) a Declaração Universal dos
Direitos Humanos em 10 de dezembro de 1948. De acordo com
Bobbio:
Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter
a certeza histórica de que a humanidade – toda humanidade
– partilha alguns valores comuns; e podemos, finalmente,
crer na universalidade dos valores, no único sentido em que
tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em
que universal significa não algo dado objetivamente, mas
algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens.
(BOBBIO, 2004, p. 28)
Os movimentos feministas que surgiram no decorrer da
195
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Revolução Francesa, e se espalharam pelo mundo ao longo do


tempo, tinham como objetivo a libertação da mulher do jugo de
submissa ao homem.
Foi neste ponto em que as mulheres passaram a verdadeira
e ativamente a lutar por seus direitos a participar das discussões
políticas e filosóficas, da vida pública, no trabalho e na educação.
Entre os movimentos feministas podemos citar o mais
icônico de todos, o movimento sufragista, que surgiu entre o fim
do século XIX e o início do século XX, para lutar pelo direito das
mulheres ao sufrágio (voto).
O movimento sufragista representou também a primeira
onda do feminismo. As mulheres que haviam estudado –
em geral, filhas da classe burguesa – estavam reivindicando
os direitos femininos à educação, ao trabalho em suas
áreas de formação (vale lembrar que as mulheres pobres
já trabalhavam nas indústrias e nas manufaturas há pelo
menos 200 anos), ao divórcio e à participação política. O
movimento sufragista foi o ápice dessa luta e, por isso, marcou
a história do feminismo como o primeiro grande movimento
pela luta contra o sexismo e a favor da igualdade de gênero.
(PORFÍRIO, 202-)
No ano de 1910, foi realizada a primeira Jornada
Internacional da Mulher, que iniciou a tradição do dia 08 de
março, em que as mulheres buscam pela autonomia e buscam
emancipação.
Conforme discorre Deitos e Bavaresco (2019, p. 31):
Nos anos 1960, principalmente em alguns países da Europa e nos
EUA, as mulheres, juntamente com estudantes, participaram
de grandes mobilizações populares que questionaram as formas
de autoritarismo e ações militaristas sobre a vida e a dignidade
humana. Esses movimentos feministas tinham como objetivos
a reivindicação do direito ao aborto, a defesa da maternidade e
a denúncia da jornada intensiva de trabalho.
No Brasil a mulher passou a ter seus direitos gradualmente,
como pode-se ver na linha do tempo elaborada pelo portal
eletrônico Nossa Causa (2020):
196
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

1827 – Meninas são liberadas para frequentarem a escola.


Hoje, as mulheres brasileiras representam a maioria no acesso a
formação superior (cerca de 25%); 1832 – A obra “Direitos das
Mulheres e Injustiças dos Homens” é publicada. A autora Nísia
Floresta desafiou as tradições e costumes da sociedade para que
conseguisse publicá-lo;
1879 – Mulheres conquistam o direito ao acesso às
faculdades. Mesmo com toda a opressão sofrida por elas, ainda
perseveraram e hoje continuam realizando seus objetivos; 1910 –
O primeiro partido político feminino é criado. Seu objetivo era a
defesa do direito ao voto e emancipação das mulheres na sociedade;
1932 – Mulheres conquistam o direito ao voto. O sufrágio feminino
foi garantido pelo primeiro Código Eleitoral brasileiro, mais uma
vitória da luta das mulheres;
1962 – É criado o Estatuto da Mulher Casada. Em 27 de
agosto de 1962, a Lei nº 4.212 permitiu que mulheres casadas
não precisassem de autorização do marido para trabalhar, a partir
deste ponto, elas começaram a ter direito à herança e finalmente
a chance de pedir a guarda de seus filhos em caso de separação;
1974 – Mulheres conquistam o direito de portarem um cartão de
crédito. Antes disso elas precisavam da autorização de um homem
da família para assinar o contrato no banco;
1977 – A Lei do Divórcio é aprovada. Após a aprovação da
lei 6.515/1977 é que elas poderia sair de um casamento, antes disso
mesmo aquelas em relacionamentos abusivos deveriam permanecer
com seus maridos; 1979 – Mulheres garantem o direito à prática
do futebol. Antes disso as mulheres não poderiam praticar esportes
incompatíveis com suas “condições femininas”;
1985 – É criada a primeira Delegacia da Mulher. A
Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM) surge
em São Paulo, e logo depois, outras unidades são criadas no restante
do país; 1988 – A Constituição Brasileira passa a reconhecer as
mulheres como iguais aos homens. Apenas neste ano as mulheres
passaram a ser vistas como iguais aos homens;
197
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

2002 – “Falta da virgindade” deixa de ser crime. Até


este ponto a mulher não ser virgem antes de seu casamento era
considerado crime; 2006 – É sancionada a Lei Maria da Penha.
Como mencionado anteriormente neste mesmo artigo, a lei veio
para proteger as mulheres contra a violência doméstica. Esta lei
foi criada após as múltiplas tentativas de homicídio sofridas pela
farmacêutica Maria da Penha por seu então marido. Levou 20 anos
de luta para que esta lei fosse criada;
2015 – É aprovada a Lei do Feminicídio. No dia 09 de março
de 2015, foi sancionada a Lei nº 13.104; 2018 – A importunação
sexual feminina passou a ser considerada crime. Ou seja, assedio
passou a ser crime com a Lei nº 13.178/2018. Com os pontos
elencados neste artigo fica claro a luta da mulher por seus direitos e
a evolução dos direitos humanos para acolhê-la.

4 Índices de violência contra a mulher no Brasil e alguns casos


relacionados

Para exemplificar os pontos deste artigo, agora serão


apontados alguns dos índices de violência contra a mulher
publicados no Brasil e alguns de seus casos mais famosos.
De acordo com o Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios) referente a 2009, a cada ano, cerca de 1,3 milhão
de mulheres são agredidas no Brasil (CERQUEIRA; MOURA;
PASINATO, 2019). Além do mais os dados da referida pesquisa
expressam: “[...] o índice de violência contra mulheres que integram
a população economicamente ativa (52,2%) é praticamente o
dobro do registrado pelas que não compõem o mercado de trabalho
(24,9%)” (CERQUEIRA; MOURA; PASINATO, 2019).
Já segundo Bond e Aguiar (2020) repórteres da Agência
Brasil, em São Paulo a violência contra a mulher aumentou 44% e
22% em 12 outros estados durante a pandemia de COVID-19. Na
mesma reportagem é mostrado que em São Paulo:
[...] o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) informa
198
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

que o total de socorros prestados passou de 6.775 para 9.817,


na comparação entre março de 2019 e março de 2020. A
quantidade de feminicídios também subiu no estado, de 13
para 19 casos (46,2%).(BOND; AGUIAR, 2020)
Já informações do website Brasil de Fato, apresenta em uma
de suas reportagens sobre o assunto que uma mulher é morta a cada
nove horas durante a pandemia no Brasil (OLIVEIRA, 2020).
Com relação aos índices de estupros no Brasil, os dados são
ainda mais alarmantes, pois de acordo com Bond e Franco (2020)
os dados relatados do 1º semestre de 2020 são absurdos: 110.791
mulheres sofreram violência física em 2020 (-9,9% em comparação
com 2019); 238.174 mulheres foram ameaçadas em 2020 (-15,8%
em comparação com 2019); 7.455 mulheres foram estupradas
em 2020 (-22,6% em comparação com 2019); 14.746 estupros
de vulnerável ocorreram em 2020 (3,8% a mais em comparação
com 2019); 147.379 ligações feitas ao 190 denunciando casos de
violência doméstica (-9,9% em comparação com 2019);
O Ministério Público do Paraná publicou uma matéria na
qual diz que a maioria das vítimas de estupro são menores de 13
anos (COSTA; MASSALLI, 2019). Estas e outras estatísticas nos
mostram que mesmo com a diminuição dos casos com relação a
2019, os números ainda são assombrosos e muito pouco vem sendo
fazendo para que isso mude.
Por fim, será mostrado três dos casos mais famosos de
violência doméstica e sexual que ocorreram nas últimas décadas.
Caso Maria da Penha: em 1983, Maria da Penha foi
vítima de dupla tentativa de homicídio (feminicídio ainda não era
tipificado como crime na época) por parte de seu então marido
Marco Antonio Heredia Viveiros (INSTITUTO MARIA DA
PENHA, 2018). O mesmo efetuou em primeiro lugar um disparo
que atingiu suas costas enquanto a vítima dormia. Como resultado
a mesma ficou paraplégica.
No entanto, Marco disse à polícia que tudo não se passava
de uma tentativa de assalto, o que obviamente foi desmentido após
199
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

a perícia. Quatro meses depois, quando Maria voltou para casa após
ter sido submetida a duas cirurgias, internações e tratamentos, ele a
manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la
durante o banho.
Mesmo após a vítima descobrir que o marido era quem
estava por trás dos atentados, ela só conseguiu sair da casa com
a ajuda de seus familiares que viram a gravidade da situação em
conseguiram apoio jurídico.
No primeiro julgamento de Marco Antônio ocorrido em
1991, o mesmo foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas saiu do
fórum em liberdade. O segundo julgamento só foi realizado em
1996, no qual o ex-marido foi sentenciado a 10 anos e 6 meses de
prisão, no entanto por irregularidades processuais, mais uma vez a
sentença não foi cumprida.
Em 1998, o caso de Maria da Penha tomou conhecimento
internacional, onde o mesmo foi denunciado a Comissão
Interamericana de Direitos humanos da Organização dos Estados
Americanos (CIDH/OEA). Mesmo assim o Estado brasileiro não
se pronunciou e permaneceu omisso.
Por fim em 2001, após receber quatro ofícios da CIDH/
OEA, o Estado foi responsabilizado por negligencia, omissão
e tolerância em relação à violência doméstica. E foi instruído a
tomar as devidas medidas para que o caso se resolvesse e o réu fosse
sentenciado, e para que casos futuros não voltassem a ocorrer.
Outro caso, ocorreu recentemente no ano de 2020
no Espirito Santo, onde uma menina de 10 anos vinha sendo
estuprada pelo tio desde os seus seis anos de idade, a criança acabou
engravidando e concordou juntamente com seus responsáveis com
a realização de um aborto (CABETTE; BARBOSA, 2020).
Esta decisão não foi aceita por grupos radicais e inclusive
por alguns representantes do atual governo do Brasil, houveram
protestos em frente ao hospital que realizaria o procedimento e o
nome da vítima foi divulgado por pessoas que se denominavam
“ativistas pró-vida” na internet.
200
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

O último caso a ser apresentado é o de Mariana Ferrer, a


jovem foi dopada e estuprada em um clube em 2018, a vítima tinha
21 anos na época e era virgem (G1 SANTA CATARINA, 2020).
A mesma estava trabalhando no clube, quando foi dopada e
estuprada em um camarim. O processo discorreu ao longo de dois
anos e teve um julgamento horrível, no qual o advogado do réu
humilhou a vítima mostrando fotos de trabalhos anteriores onde
a mesma aparecia em “posições ginecológicas” de acordo com o
mesmo e estava agindo como vítima depois do ocorrido.
O juiz e o promotor mesmo após a vítima implorar para
que o advogado do réu parasse de humilhá-la, não disseram uma
palavra em sua defesa e o caso foi encerrado com causa ganha para
o réu em decorrência de falta de provas do crime de estupro de
vulnerável.

5 Considerações finais

Por fim, conclui-se que o presente artigo serve para


apresentar a infeliz existência da tolerância à violência contra a
mulher no Brasil, ocorrendo mesmo que de forma “velada”, onde as
vítimas continuam a ser culpadas por crimes cometidos contra elas.
As mesmas são criticadas quando denunciam os crimes e quando
não o fazem.
Mesmo assim a luta das mulheres continua para que estes
fatos venham a ser mudados com o decorrer do tempo, ainda que
seja um longo caminho à ser percorrido.

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Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
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Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

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Capítuo 14
A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER SOB A PERSPECTIVA DA
REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA

Luiza Eduarda Prola Carpes


Aline Sattes Salviano
Carla Rosane da Silva Tavares Alves
Tiago Anderson Brutti
Daiane Caroline Tanski

1 Considerações iniciais

O presente estudo propõe analisar a violência doméstica


contra a mulher à luz do atual contexto social brasileiro.
Serão abordados os supostos motivos que desencadeiam a violência
e as consequência para a vítima da agressão. Neste sentido,
serão feitos alguns apontamentos acerca da Lei nº 11.340/2006,
denominada Lei Maria da Penha, explanando sobre os conceitos
básicos constantes nesta legislação.
O texto também apresenta dados atuais da violência
doméstica contra a mulher, levantados pelo Fórum de Segurança
Pública e pelo Instituto de Pesquisa Aplicada. Evidencia-se que,
pesar dos 15 anos de existência da Lei Maria da Penha e dos
mecanismos legais de proteção à mulher, bem como da criação
de algumas políticas públicas voltadas para a defesa das mulheres,
a violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher permanece
sendo fenômeno atual.
A perspectiva abordada por este texto busca contribuir
com a comunidade científica e acadêmica no sentido de produzir e
desenvolver maiores conhecimentos sobre o fenômeno da violência
206
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

doméstica contra a mulher. Compreende-se que é fundamental


para o enfrentamento a essa prática, o reconhecimento acerca das
consequências psicológicas que a violência ocasiona na vida da
mulher que sofre essa forma de agressão. Assim, serão destacadas,
neste artigo, as formas de intervenção criadas pelo Estado para
contribuir com a minimização do sofrimento psíquico da mulher.
Para tanto, o desenvolvimento deste trabalho fundamenta-
se na revisão bibliográfica, na medida em que foram consultados
documentos já publicados a respeito do tema, sobretudo leis,
jurisprudência e doutrinas. As conclusões desta pesquisa qualitativa
têm como base o método hipotético-dedutivo.

2 Aspectos psicológicos da vítima de violência doméstica e


familiar

A violência é uma triste realidade existente na sociedade


brasileira e, como é possível observar, sua incidência vem
aumentando gradativamente com o passar dos anos. Nesse cenário,
cabe destacar a violência doméstica e familiar contra a mulher, que
pode ser compreendida como maus-tratos infringidos as mulheres
tendo em vista a sua situação de vulnerabilidade, assim como ocorre
com as crianças e os idosos.
Esses sujeitos estão inseridos no rol de pessoas em situação
de vulnerabilidade, uma vez que são indivíduos que possuem
pouco espaço para fazer ressoar suas demandas e, em razão
disso, enfrentam certa dificuldade para se emancipar diante da
coletividade. A conjuntura a que estão submetidas essas pessoas
também é perpassada por marcadores de gênero, raça e outros
aspectos que ilustram uma fragilidade maior em relação à violação
de direitos. De acordo com isso, Couto (2017, p. 32) trás dados
sobre a violência contra a mulher em relacionamentos amorosos:
De acordo com o DataSenado, menos de 40% das vítimas
afirma ter procurado alguma instância de ajuda, seja esta
oficial ou não, após a primeira agressão. As demais afirmam
não ter procurado ajuda alguma ou então ter buscado auxílio
207
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

somente a partir da terceira agressão (21% e 32% dos casos,


respectivamente). Uma pesquisa realizada pelo Instituto Avon
em parceria com o Data Popular em novembro de 201462
revelou que, dentre a mulheres de 16 a 24 anos, 60% já
sofreram alguma espécie de violência em relacionamentos
amorosos.
As repercussões da violência na vida da mulher vitimada
são enormes, pois a agressão sofrida pelas mulheres gera impactos
significativos em sua saúde física e mental. O Ministério da Saúde
vem, ao longo dos anos, implementando políticas e normatizando
ações de prevenção e tratamento das consequências decorrentes
da violência contra as mulheres, uma vez que são consequências
frequentes e que causam sérias repercussões no seu estado físico,
psíquico e no âmbito social em que está inserida a vítima.
Ao denunciar esse delito, as vítimas apontam que,
geralmente, não há “justificativa” para o início da agressão. Afirmam
que, depois que o hábito da violência se instaura, qualquer atitude
ou palavra dispensada pela vítima é motivo suficiente para que o
agressor inicie o evento de violência.
Quando a vítima percebe que desconhece o motivo pelo
qual está sofrendo esse abuso, normalmente reconhece que o
companheiro simplesmente desenvolveu o hábito de se dirigir
a ela de forma a humilhá-la ou violentá-la, dessa forma, como
Couto (2017, p. 33) afirma: “Ocorre, assim, o cerceamento de sua
dignidade pessoal, refletido em uma desumanização: ela se torna
o objeto do qual o agressor se utiliza para afirmar seu poder e/
ou satisfazer seus ímpetos sexuais”. Assim, é possível verificar que
também há a violência sexual contra a mulher, que Couto destaca
o seguinte:
Essa espécie de violência se mostra ainda mais difícil de
identificar, uma vez que não se torna evidente no espaço público.
Persiste a dificuldade de algumas mulheres em se verem como
vítimas de violência sexual quando esta é perpetrada por um
companheiro devido ao fato de elas encararem o sexo como
dever seu dentro de um relacionamento, ainda que a despeito
de sua vontade ou até mesmo contra ela. Essa percepção se
208
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

relaciona ao fato de a sexualidade feminina não ser valorizada


socialmente, fazendo com que seus desejos não sejam o foco na
dinâmica sexual. (COUTO, 2017, p. 35)
Essa forma de violência acarreta às vítimas um estado mental
confuso, sensação de insegurança, medo e ansiedade. Evidencia-se
que, no âmbito dessas relações, as questões relacionadas ao domínio
e ao poder que o homem acredita possuir em relação à mulher estão
muito presentes.
De acordo com Di Saval (2019), esse é um comportamento
comum nos homens que sofrem o transtorno do narcisismo, pois,
geralmente, eles passam a tratar a sua companheira como um
“acessório” e não como um ser humano. Nesse sentido Di Saval
(2019, p. 38) explica:
Desde tenra idade, muitos de nós fomos ensinados a identificar
maus-tratos físicos e insultos verbais diretos, mas com alguns
tipos de narcisistas, dentro do amplo espectro em que eles se
encaixam, o abuso não é tão óbvio. A pessoa provavelmente
nem entenderia que estava em um relacionamento abusivo
até muito tempo depois de ele ter acabado. [...] Por meio da
idealização personalizada, da desvalorização sutil e metódica até
o golpe final do descarte, uma pessoa complicada dessas pode
efetivamente destruir o senso de identidade de qualquer alvo
escolhido por ele. Isso será pior principalmente para as pessoas
que carreguem consigo alguns problemas de autoestima e que
não conheçam muito bem a elas mesmas. Para quem estiver do
lado de fora, poderá até parecer que você “perdeu” à medida
que o indivíduo narcisista em questão for dando da sua vida o
fora tranquilo, calmo e saltitante. Só você, porém, saberá o que
realmente aconteceu, e somente o tempo acabará mostrando
que o último dia da relação foi exatamente o primeiro dia
fora do “cativeiro”. Mas para isso, como dissemos, demandará
tempo. Pois um fim de relação, mesmo com um vampiro
ególatra desses ainda deixa o sabor amargo da rejeição e da
solidão.
Geralmente, o espaço intrafamiliar, nessas situações, não
se configura como um ambiente homogêneo e harmônico. As
interações realizadas nesse âmbito, via de regra, estão entrelaçadas e
imbricadas com condicionamentos e normatizações marcadas por
209
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

três contradições básicas: o gênero, a raça/etnia e a classe social. Essas


determinantes costumam mesclar e potencializar a configuração da
violência doméstica.
Além disso, percebe-se um comportamento que se repete
nesses casos, como a não percepção da violência como algo incomum
(COUTO, 2017), configurando este como um dos motivos para
a ausência de denúncia em diversos casos de violência doméstica
contra a mulher, entre outros motivos pelos quais as mulheres
deixam de denunciar o delito e que Couto (2017, p. 32) menciona:
(...) a vergonha que se relaciona à admissão pública de uma
agressão doméstica; e entraves de ordem objetiva, como a falta
de instâncias confiáveis para relatar o ocorrido, ou mesmo a
crença na ineficácia de uma denúncia. O medo do agressor, no
entanto, emerge como principal fator apontado por mulheres
para não formalizar uma denúncia (74% das mulheres, de
acordo com o DataSenado).
O reconhecimento desses fatores é necessário para a
descoberta de novas possibilidades de intervenções do poder
público, pois pontuando o motivo pelo qual a mulher deixa de
denunciar, o poder público pode atuar de forma a ajudar estas
mulheres que sofrem determinada violência, que acaba constituindo
um problema de ordem social e de saúde pública. Desse modo,
Oliveira (2007, p. 7) explica:
Assim, estudar essa perspectiva a partir desta ótica é importante
não somente no nível de conhecimento e exploração do
fenômeno, mas também no que seus resultados e intervenções
possam contribuir para minimizar o sofrimento psíquico da
mulher. Para fazer realmente frente à violência doméstica
é necessário dar continuidade à integração das unidades
de proteção à mulher, maior divulgação nos meios de
comunicação com o intuito de prevenir a violência e promover
a saúde da mulher, para que ela se sinta apoiada e encontre
equipe multiprofissional competente e integrada que lhe ajude
a sair do ciclo de violência (OLIVEIRA, 2007, p. 7).
Constata-se que quando mais sujeitas a esse conjunto
de desigualdades, maiores são as possibilidades de as mulheres
se tornarem vulneráveis à degradação de sua integridade física e
210
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

emocional. Nesse sentido, a condição mental das mulheres resta


fragilizada pelas “idas e vindas” que o “relacionamento amoroso”
acaba tendo, pela esperança em mudanças no comportamento do
agressor, tendo em vista as promessas normalmente tecidas por ele.

3 A Legislação de proteção à mulher vítima de violência


doméstica

A Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha,


recebeu este nome em homenagem à Maria da Penha Maia
Fernandes, mulher que sofreu constantes agressões de seu marido,
as quais lhe provocaram inúmeras sequelas físicas e traumas
psicológicos.
A lei foi sancionada em 07 de agosto de 2006 e determina,
e determina, já em seu 1º artigo, a criação de mecanismos para
coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher,
punir os agressores, erradicar e prevenir as agressões. Nesse sentido,
Couto (2017, p. 63):
A Lei 11.340/2006 traz, em seu art. 3.º, que devem ser
asseguradas condições para que as mulheres exerçam de forma
efetiva uma ampla gama de direitos: à vida, à segurança, à
saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao
acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania,
à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar
e comunitária, cabendo, de acordo com o § 2.º do mesmo
artigo, à família, à sociedade e ao poder público a criação das
condições necessárias para o exercício de tais direitos.
Nessa esteira, mesmo com a vigência de legislações
protetivas, segundo o Instituto de Pesquisa Aplicada (2020, p. 37),
em 2018, 68% das mulheres assassinadas eram negras. Outro índice
alarmante, coletado pelo Fórum de Segurança Pública (2020, p.
4) diz respeito ao feminicídio contra meninas e mulheres durante
a pandemia da Covid-19. O documento aponta que a incidência
deste crime teve um crescimento de 22,2% em relação aos anos
anteriores. A pesquisa da entidade desenvolveu-se em 12 estados da
federação e indicou que, entre março e abril de 2019, 117 mulheres
211
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

foram vítimas do homicídio em razão de gênero, número que saltou


para 143 vítimas entre março e abril de 2020.
Em vista das transformações sociais e da ocupação cada vez
maior de espaços pela mulher, evidencia-se que a persistência da
violência de gênero relaciona-se a fatores culturais. No imaginário
social, em grande parte, as mulheres estão relacionadas a padrões
de submissão e, em decorrência disso, ocorre o fortalecimento da
discriminação e da violência contra a mulher.
No que tange ao conhecimento popular da Lei Maria
da Penha, conforme afirma Couto (2017, p. 79) “em pesquisas
realizadas pelo DataSenado apontam que 99,1% das brasileiras
conhecem ou já ouviram falar da Lei Maria da Penha. Portanto, a
Lei 11.340/2006 caminha bem no que se refere à sua difusão”.
Apesar do alto índice de conhecimento da legislação, a
violência doméstica continua ocorrendo tanto dentro ou quanto
fora do ambiente familiar, sendo que o agressor pode ser parente
em linha reta ou colateral da vítima. Também podem figurar como
sujeitos ativos do crime os familiares mais distantes e os parentes
por afinidades. O artigo 7º da Lei 11.340/2006 estabelece que a
violência pode se manifestar na forma física, psicológica, sexual,
patrimonial e moral.
Com relação aos tipos de violência, o artigo 7º da Lei
(BRASIL, 2006) conceitua: a violência física como qualquer
conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da mulher; a
violência psicológica é traduzida como qualquer conduta que causa
dano emocional e diminuição da autoestima; a agressão sexual é
manifesta em toda conduta que constranja a mulher a presenciar,
manter ou participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso de força; a violência patrimonial
é caracterizada por toda conduta que configure retenção, subtração,
destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho,
documentos pessoais, bens, entre outros. Por fim, a violência moral
é toda a conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Nesse sentido, as medidas protetivas figuram entre os
212
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

principais meios de amparo às mulheres em situação de violência e


seus dependentes. Elas podem ser solicitadas e aplicadas a qualquer
momento, em conjunto ou separadamente, sempre que a segurança
da ofendida exigir. A solicitação da medida feita à autoridade
policial ou do Ministério Público deverá ser encaminhada ao agente
judiciário responsável, que decidirá sobre o pedido no prazo de 48
horas (BRASIL, 2006). De acordo com Couto (2017, p. 81):
A Lei 11.340/2006 é frequentemente apontada como símbolo
máximo da luta contra a violência doméstica no Brasil. Porém,
por tratar-se de uma iniciativa legislativa, requer uma densa
rede institucional que permita a efetiva implementação de
suas medidas, não sendo possível que ela, sozinha, alcance seus
objetivos para além do simbolismo. Faz-se necessário tratar
brevemente dos instrumentos nacionais de enfrentamento
da violência contra a mulher e também das iniciativas de
enfrentamento já existentes quando da promulgação da
Lei e que com ela emergiram em importância e ganharam
reconhecimento.
Assim, ocorrendo qualquer tipo de violência familiar
e doméstica contra a mulher, a vítima poderá ir até a delegacia
mais próxima para efetuar o registro de ocorrência em desfavor do
agressor. Neste sentido, destaca-se a notável importância, para as
mulheres, das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher,
conforme ressalta Souza e Cortes (2014, p. 1):
As delegacias Especializadas de Atendimento às mulheres
(Deams) são um marco na luta feminista: elas materializam o
reconhecimento da violência contra mulheres como um crime
e implicam a responsabilização do Estado no que se refere à
implementação de políticas que permitam o combate a esse
fenômeno.
A procura pelos meios de proteção contra a violência para
algumas mulheres tornaram-se um empecilho, uma vez que diversos
fatores contribuem para a vítima decidir sobre a realização, ou não,
da denúncia. Dentre esses fatores, podem ser destacados falta de
apoio de familiares e amigos, o medo, a dependência emocional e
financeira ou, até mesmo, a dificuldade de vislumbrar futuros longe
da violência. Deste modo, frequentemente, o agressor se aproveita
213
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

da situação criada por ele mesmo e ameaça a vítima para que não
o denuncie.
Além das Delegacias, existem outros lugares para buscar
ajuda, como, por exemplo, Unidades de Saúde, Defensoria Pública
Estadual, Polícia Militar, Centro de Referência da Assistência
Social, Centro de Referência de Atendimento à Mulher, Centro
de Referência Especializada em Assistência Social (ROSSETO;
SAUER, 2020)
Neste sentido, também merecem destaque as campanhas
“Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica” e “Máscara Roxa”,
essas ações têm o intuito de facilitar o resgate de mulheres em
situação de violência. A mulher deve desenhar um “X” na palma
da mãe e mostrá-la a um atendente de farmácia, ou solicitar uma
máscara roxa, essas condutas funcionam como códigos para que o
profissional comunique à polícia (RITT, 2020).

4 Considerações finais

Através desta pesquisa foi possível observar a alta


incidência da violência contra a mulher na sociedade brasileira, e o
agravamento do problema no período de isolamento social. Além
disso, também se constatou as consequências psicológicas na vida
da mulher que sofre a violência doméstica e familiar. Também foi
possível explanar sobre a legislação protetiva, particularmente, a Lei
nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha e os mecanismos
de defesa constituídos pelo Governo e pela sociedade, para combate
a esse tipo de violência.
No entanto, como afirma Couto (2017, p. 78) “mostra-
se difícil medir a efetividade da Lei Maria da Penha para além de
seu sentido simbólico” e com isso, concluiu-se que as políticas
públicas existentes não são suficientes para erradicar a violência
de gênero. Os índices de violência contra a mulher não estão
diminuindo na sociedade brasileira atual, exigindo a continuidade
e o fortalecimento de ações preventivas e repressivas.
214
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Assim, aponta-se para a necessidade da integração das


unidades de proteção à mulher e da maior divulgação nos meios
de comunicação. É preciso que a mulher em situação de violência,
além de ter conhecimento acerca de seus direitos, sinta-se apoiada
em suas decisões para que consiga reestabelecer sua autonomia e
encerrar o ciclo de violência.

Referências

BRASIL. Presidência da República. Lei n. 11.340, de 7 de agosto


de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica
e familiar contra a mulher. Diário Oficial da União. Poder
Executivo, Brasília, DF, 8 ago. 2006, Seção 1, p. 1. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/
lei/l11340.htm. Acesso em: 25 set. 2021.
CERQUEIRA, Daniel; BUENO, Samira. Atlas da Violência.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 2020. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-
violencia-2020. Acesso em: 25 set. 2021.
Couto, Maria Cláudia Girotto do. Lei Maria da Penha e
princípio da subsidiariedade: diálogo entre um direito penal
mínimo e as demandas de proteção contra a violência de
gênero no Brasil. São Paulo: IBCCRIM, 2017.
FORÚM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA.
Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19. ed. 2.
São Paulo, 2020. Disponível em: https://forumseguranca.org.
br/wp-content/uploads/2020/06/violencia-domestica-covid-19-
ed02-v5.pdf. Acesso em: 25 set. 2021.
INSTITUTO MARIA DA PENHA. Quem é Maria da Penha.
2018. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/
quem-e-maria-da-penha.html. Acesso em: 25 set. 2021.
OLIVEIRA, R. C. O conceito de implicação e a pesquisa-
intervenção institucionalista. In: Psicologia e sociedade, 2007.
215
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

RITT, Caroline Fockink; RITT, Eduardo. Violência doméstica


contra as mulheres: uma necessária reflexão sobre suas causas
e efeitos, bem como as formas de seu enfrentamento. 2020.
EDUNISC. 1ed. Disponível em: https://repositorio.unisc.br/
jspui/handle/11624/2904. Acesso em: 26 set. 2021.
ROSSETO, Maíra (Coord.), SAUER, Ana Gabrieli et al.
Violência contra a mulher no contexto da pandemia: como
posso ajudar? Chapecó: Ed. do Autor. 2020. 60 p. (Cartilhas
Educativas; v.1, n.2). Acesso em: 26 set. 2021.
SAVAL, Di. 40 Sinais para você identificar (e se livrar) de um
relacionamento ABUSIVO: Quando uma história de AMOR
se transforma em um conto de TERROR. Editora C&T Books,
2019.
SOUZA, Lídio de; CORTEZ, Mirian Beccheri. A delegacia
da mulher perante as normas e leis para o enfrentamento
da violência contra a mulher: um estudo de caso. Revista de
Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 3, p. 01-1, maio
2014. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0034-76122014000300005. Acesso em: 25 set.
2021.
Capítulo 15
ENFOQUE ACESSÍVEL PARA APRENDIZAGEM
PROFUNDA: EDUCAÇÃO SEXUAL A PARTIR DO
SERIADO SEX EDUCATION

Tricieli Radaelli Fernandes

1 Considerações iniciais

A educação brasileira vem sofrendo retrocessos alarmantes


no que toca a gênero e orientação sexual. As temáticas
nunca foram abordadas da forma devida no percurso histórico-
educacional e, ainda, com a ascensão ultraconservadora e religiosa,
a pauta foi propositalmente retirada da Base Nacional Comum
Curricular. Diante disto, veiculam-se objetivos claros de uma
política governamental fundamentada na exclusão do gênero
feminino e da comunidade LGBTQIA+ das esferas sociais, bem
como a invisibilidade de suas formas de existência.
Partindo desses pressupostos, infere-se que a educação
sexual vigente consiste ineficiente a contemplar as necessidades dos
educandos. Em razão disso, se estabelece a seguinte inquietação:
ao contrapor a presença de outras sexualidades na conjuntura
exibida no seriado Sex Education à realidade do ensino brasileiro,
a introdução de disciplina específica de educação sexual na Base
Nacional Comum Curricular possibilitaria uma aprendizagem
eficiente para precaver a violência de gênero?
Buscar-se-á dissertar, comparando os contextos educacionais
do Brasil ao exibido na série Sex Education, no que se refere à
educação sexual e o espectro de outras sexualidades, indicando
aspectos semelhantes e diferentes. Utilizar-se-á tal paralelo para
refletir sobre a implementação de disciplina de educação sexual na
Base Nacional Comum Curricular, com objetivo de melhoria no
218
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

diálogo e aprendizagem acerca do tema, tal qual sua efetividade na


prevenção de violência de gênero.
O estudo do tema proposto oportuniza-se com base no
método dedutivo, verificado em lógica descendente, à proporção
que premissas maiores auxiliam na inferência de premissas menores.
Tendo em consideração o contraste entre os âmbitos educacionais
exibidos na série Sex Education e o brasileiro, adentram o trabalho
outros componentes como a inclusão de disciplina de educação
sexual na Base Nacional Comum Curricular, priorizando a melhoria
na interlocução com as crianças e jovens na temática da sexualidade
e todos os seus reflexos.
Explora-se exatamente o ramo da exiguidade no diálogo
entre pais e professores, respectivamente com seus filhos e
educandos, assim como os efeitos nocivos da fragilidade desse
relacionamento, como a supressão da liberdade de ser, da produção
da identidade e as inúmeras violências enfrentadas pela mulher
e comunidade LGBTQIA+. Todos esses aspectos surgem com
intenção de provocar inquietações e complementar o debate que
pode vir a ocorrer.
Ao passo que a pesquisa se concentra em disposição
bibliográfica, quanto ao método de procedimento, aderir-se-á o
monográfico, visto que o trabalho se baseia em obras de autores
que dominam o conteúdo pesquisado. Concernente à técnica de
pesquisa, usufruir-se-á da documentação indireta, valendo-se de
livros, artigos, revistas e referências bibliográficas necessárias para
melhor exposição das ideias aventadas. Isto posto, o emprego dessa
metodologia possibilitará todo o desenvolvimento do trabalho, que
possui como eixo central a dificuldade de comunicação quando a
matéria é sexualidade e os hiatos deixados pela mesma.
Apoiando-se nesta metodologia, o trabalho seguirá a
seguinte organização, em uma primeira seção deter-se-á em
comparar o ambiente pedagógico do seriado Sex Education com
a realidade brasileira no que tange à educação sexual, suscitando
equivalências e distinções. Em momento posterior, buscar-se-á em
219
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

analisar a viabilidade da inserção de disciplina de educação sexual


na Base Nacional Comum Curricular e o propósito de melhoria no
diálogo e aprendizagem a respeito da sexualidade e suas vertentes.
Em um último ponto, oportunizar-se-á demonstrar como a
educação sexual aplicada de forma adequada pode interferir na
prevenção de violência de gênero.

2 Sex Education e a didática na educação sexual

Em tempos nos quais a pós-modernidade impera através


de características marcantes, como a volatilidade nas relações
(BAUMAN, 2011, p. 10) por exemplo, algumas questões importantes
deixam de ser pautadas. Ao não existir um aprofundamento nos
vínculos sociais, sejam eles familiares, afetivos ou educacionais, as
lacunas deixadas pela ausência de diálogo são preenchidas por tabus
e ideias distorcidas do real. É o caso da sexualidade e os múltiplos
conteúdos que podem ser abordados a partir dela. A censura que
a ronda começa desde a criança no seio familiar, se estendendo até
a vida adulta, haja vista o desenvolvimento realizado na escola ser
deficitário perto da exigência do assunto.
De pronto, é necessário considerar a trama base do seriado.
O ambiente da escola Moordale em Sex Education, no qual se
passa a maior parte do enredo, possui alunos na fase adolescente
em plena ebulição hormonal e curiosidade a tudo que se associa
à sexualidade. Em razão disso, o jovem Otis Milburn, filho de
terapeutas sexuais, ao observar que a escola se refere à sexualidade
de modo ultrapassado, decide começar uma clínica de apoio sexual
dentro da escola. Como consequência disso, a série expõe problemas
sexuais dos mais diversos tipos, desde a orientação sexual, até a
aceitação do próprio corpo.
Por mais que a apresentação da série pareça caricata demais
ou até mesmo apelativa, é exatamente no impacto causado ao
telespectador que a reflexões podem surgir. Ao vislumbrar a escola
como um meio pelo qual o poder age como técnica de controle
disciplinar, da mesma maneira que em outros nichos sociais,
220
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

surgem efeitos voltados ao ajustamento de condutas visando


garantir relações de dominação (FOUCAULT, 1988, p. 131-132).
O seriado manifesta claramente esse liame em todas as temporadas,
quando a instituição tenta frequentemente frear as individualidades
dos alunos, a fim de contê-los.
Deste modo, a série aponta a contraposição de duas
necessidades principais: o interesse de descoberta dos alunos, que
se encontram em construção de suas identidades e, por outro lado,
a imposição de controle por parte da instituição. Ainda, Moordale
evidencia seu total despreparo em lidar com as experiências sexuais
dos alunos, pois tem à frente da direção escolar o estereótipo do
homem branco, regido por valores conservadores, cissexual, fruto
da sociedade patriarcal que transfere as frustrações pessoais para
sua família e, consequentemente, para a maneira de administrar
a instituição. Soma-se a isso, personagens construídos fora dos
clichês adolescentes cinematográficos, trazendo mais veracidade
aos seus conflitos.
O jeito como o seriado dialoga com o telespectador,
sugerindo a sexualidade como parte da vida das pessoas, sejam elas
jovens ou adultas, evidencia que não é possível separar este segmento
da identidade do restante da vida. Em alguma altura da existência,
surgirá um desafio relativo a ela que deverá ser encarado. Neste
sentido, a obra dispõe muito bem sobre os conflitos dos personagens,
que além de precisarem resolvê-los, estão inseridos num espaço que
não presta a mínima base de apoio a eles. As duas realidades que
parecem antagônicas em um primeiro momento, assemelham-se
quando se atenta ao fato que menos de 20% das escolas públicas
brasileiras possuem educação sexual (MARANHÃO, 2019).
Isto se deve em muito, à onda de conservadorismo emergente,
a qual respinga significativamente na agenda da educação sexual. E
isso não ocorre ao acaso, pois parte-se do pressuposto do vínculo
indissolúvel entre poder e saber. Todo o campo de saberes decorre
de uma combinação de poderes (FOUCAULT, 1999, p. 31) e, no
caso em tela, a ausência do saber sexual, também incorre em um
poder que precisa desta supressão para gerir-se. Basta ver a estrutura
221
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

social atual, na qual o patriarcalismo exerce domínio mediante a


concepção simbólica de mitos (GARCIA, 2011, p. 17). Ressalte-se
que o poder aqui tratado também significa o saber no tocante a si
mesmo, aos limites e possibilidades do próprio corpo e, também,
do corpo de outrem.
A restrição aos saberes sexuais demonstra-se relevante
ferramenta para mantença da conjuntura social, alicerçada em
padrões hegemônicos e imobilidade de classes. Muito se fala do
cosmopolitismo e os riscos aos padrões conservadores de família
tradicional ou masculinidade patriarcal. Não à toa, a política
da ansiedade sexual fundamenta-se na ameaça da sexualidade
à corrosão da família, elege o diferente com inimigo capaz de
destruir os papéis de gênero vistos como corretos e tradicionais
(STANLEY, 2019, p. 127). Por isso, a necessidade de cessar com
questionamentos e métodos educacionais que venham subverter a
ordem “natural” das coisas.
A analogia com Sex Education auxilia em colaborar com
a imprescindibilidade da educação sexual no círculo pedagógico,
demonstrando não haver muita distinção ao que acontece
em parte da trama, à medida que a falta de informação correta
leva os personagens a acreditarem em explicações distorcidas e
completamente inverídicas sobre o sexo. Verifica-se, tanto na ficção,
quanto na vida real, que em meio à tecnologia e redes sociais, os
jovens terão acesso a materiais que esclareçam suas dúvidas, isso é
inevitável. Então, o papel da escola deve ser de tomar a dianteira
da situação e passar as referências fundamentais a sanar as dúvidas
dos educandos.
Depois de inúmeros outros acontecimentos, o seriado levanta
reflexões muito pertinentes a respeito do quão perigoso pode ser
restringir o conhecimento a outras formas de sexualidade, gênero
e orientação sexual. Os estudantes, após enfrentarem seus dilemas
pessoais buscando a orientação correta, expõem a preponderância
de encarar a sexualidade com naturalidade, como algo intrínseco
à vida. No momento em que uma das personagens principais,
especialista em educação sexual, além de prestar orientação na
222
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

escola também auxilia os professores a explorarem a sexualidade


com tranquilidade, isso reflete imediatamente no comportamento
dos jovens.

2.1 Base Nacional Comum Curricular e o estudo das múltiplas


sexualidades

Desde meados de 2011 a educação brasileira vem sendo


alvo de setores conservadores e fundamentalistas religiosos. O
famigerado “kit gay” foi o argumento utilizado para vetar o projeto
Escola Sem Homofobia (ESH), que consoante seus apoiadores seria
responsável por “estimular o homossexualismo e a promiscuidade no
meio escolar (SOARES, 2015). Poderia ser cômico se, infelizmente,
não fosse verdade. As cartilhas elaboradas em parceria com o Fundo
Nacional de Desenvolvimento em Educação (FNDE), com objetivo
de incentivar o respeito à diversidade da identidade de gênero, foi
boicotado em mais uma demonstração de poder sustentada no
medo ao “diferente”.
As afirmações citadas acima podem ser avaliadas por duas
perspectivas principais. A primeira, já escancarada no sufixo “ismo”
da palavra homossexualismo, reiterando a narrativa deturpada de
que homossexualidade é algum tipo de doença e versar a respeito
colocaria os educandos em risco. No que tange à promiscuidade,
não é novidade alguma que quem encampa esse argumento possua
pouco conhecimento acerca de educação sexual e as vantagens
oportunizadas por ela. Em meio a essa estrutura social que tem
preferência em expor crianças e jovens aos riscos da ignorância,
a desprender-se de conceitos heteronormativos e preconceituosos,
que se alude a preponderância do presente trabalho.
Assim, ao contrapor distintos cenários e encontrando
convergências tangíveis, da mesma forma que o seriado encontrou
meios de satisfazer as indagações e curiosidades por intermédio
da educação, acredita-se que na realidade não pode ser diferente.
Ao examinar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a
qual ainda não teve sua implementação completa em decorrência
223
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

da pandemia de Covid-19, muitas deficiências sobre o tema


sexualidade foram encontradas. Primeiramente, inexiste disciplina
que se ocupe exclusivamente da sexualidade e suas ramificações.
Em seguida, ela somente será estudada no oitavo ano do ensino
fundamental. Além disso, ela sequer é citada no currículo do ensino
médio (BASE, 2017).
Conforme se observa pelo viés da analítica do poder, fica
nítido seu funcionamento, tanto nos macroprocessos, onde a
omissão da sexualidade na matriz curricular é medida institucional
deliberada, quanto nos microprocessos, no caso dos resultados
desastrosos que a negligência causa na vida íntima de cada um.
Micro e macro processos se retroalimentam, um acaba por nutrir o
outro (SAFFIOTI, 1999, p. 86). Não trazer à pauta a sexualidade
já nos primeiros anos do ensino fundamental, onde muitas crianças
chegam ao espaço pedagógico sem base familiar de educação sexual,
conforme dado levantado em pesquisa (CARTILHA, 2021), e
não o expor apropriadamente no ensino médio corrobora para a
manutenção de um ciclo de violência.
Existem alguns projetos de lei postulando a inserção da
matéria como obrigatória ao ensino, contudo estão paralisados e sem
perspectiva de prosseguimento devido ao crescimento contundente
de bases conservadoras e religiosas no Congresso Nacional e,
evidentemente, por ser contrária a agenda dessas bancadas. Não
a acrescentar como disciplina obrigatória na BNCC significa não
cuidar das crianças e adolescentes, pois a abordagem atual que
apenas trata superficialmente é comprovadamente ineficaz. A
temática é extremamente relevante para o cenário social, pois versa
essencialmente acerca da vida, despontando em violência, doenças,
traumas profundos, entre outros.
A BNCC tem por finalidade ser um documento norteador
dos currículos escolares no Brasil, instituída pela Resolução do
Conselho Nacional de Educação nº 2, de dezembro de 2017
(BRASIL, 2017), possui caráter obrigatório. Do mesmo modo que
outras normas infraconstitucionais preveem diretrizes estruturantes
para a BNCC, a principal lei que rege a normativa é a Constituição
224
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Federal. Segundo ela, em seu art. 205, a educação deve ser


promovida por toda a sociedade, visando o desenvolvimento da
pessoa para o exercício da cidadania (BRASIL, 1988).
Veja-se, além de a Carta Magna propor a responsabilidade
coletiva pela educação, compreende a imprescindibilidade da
composição cidadã como um de seus objetivos. Desse modo,
visando dar suporte ao Estado Democrático de Direito, a plena
atividade da cidadania é essencial e apenas pode ser alcançada
com esforços que englobem a todos, sem exceção. Não somente,
dispositivos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a
Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo de
Ensino (1960), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Racial (1968) e a Convenção
para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (1979), também abarcam a incorporação dos debates de
gênero na educação (DAHER, 2018).
As sexualidades dissidentes vêm sendo perseguidas
desde o fortalecimento do neoconservadorismo. No Brasil, são
frequentemente atacadas pela extrema direita e seus seguidores. Se
a educação não se ocupar de mecanismos protetores das diferentes
identidades de gênero, continuar-se-á privando as pessoas de seu
modo de existir. À vista disso, compreende-se que uma mudança
profunda relativamente aos direitos das variadas sexualidades,
passe, sem desvios, pela consolidação da introdução de disciplina
de educação sexual no BNCC.

2.2 Educação sexual e violência de gênero

No ano em que a Lei Maria da Penha completou 15 anos de


existência (Lei nº 11.340/2006), mais um direito foi conquistado
em relação à violência de gênero no Brasil. A violência psicológica
foi tipificada penalmente, ou seja, fora incluída no Código Penal
Brasileiro. Agora, ameaças, constrangimentos, humilhações ou
métodos que causem prejuízo à saúde psicológica da mulher
poderão ser punidos com reclusão (CÂMARA, 2021). Ademais,
225
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

destaca-se ao tratar da violência de gênero, o análogo resguardo


a transgêneros, transsexuais, homossexuais, em razão do caráter
extensivo da Lei Maria da Penha (RODAS, 2017).
Ainda que a legislação seja um marco de avanço na proteção
à mulher, talvez se questione o porquê de os índices continuarem
muito expressivos. Certamente, a lei não é a única ferramenta capaz
de diminuir as altíssimas taxas de violência de gênero no Brasil, fosse
por isso, os indicadores não seriam elevados no país reconhecido
pela Organização das Nações Unidas (ONU) por possuir uma das
três melhores legislações no mundo aptas ao enfrentamento da
violência doméstica e familiar (SOTERO, 2021). Então, de fronte
ao exposto, infere-se que o problema não consiste na efetividade da
legislação, porém em outros elementos sociais tão influentes nesta
seara. Por tal razão, o presente artigo frisa tanto o valor da educação.
Não por acaso, o Brasil teve aumento de 73,5% em casos de
violência contra as mulheres em 2021 (BUENO, et. al, 2021, p. 16),
taxa que possuiu considerável elevação na pandemia. No entanto
e, lamentavelmente, essa ocorrência se relaciona à naturalização da
violência no país, o qual convive diariamente com ela (SAFFIOTI,
2004, p. 17), enraizada na composição social brasileira, sendo até
mesmo banalizada. É interessante a reflexão sobre esse convívio dos
brasileiros com a violência, porquê apoiando-se em uma análise da
elaboração social da realidade, “o homem em coletividade produz o
mundo social, transforma a realidade em uma realidade objetiva e,
dialeticamente, essa mesma realidade o produz” (BUDÓ, 2013, p.
31). Essa ligação em ciclo, homem e realidade produzida, reforça a
reprodução da violência em variados campos sociais.
O cerne da questão se encontra na instituição da violência.
Uma das razões para o êxito de sua circulação é a formação
simbólica, nem sempre expressa ou tangível e, muitas vezes sútil.
Essa configuração ocorre na concepção ideológica, no plano do
pensamento, resultando na estruturação de classe e raça. A cultura
hegemônica fomenta o estabelecimento do predomínio de alguns
interesses mediante outros (BOURIEU, 1989, p. 10), no caso em
tela, a preponderância de um gênero perante o outro, masculino no
226
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

que concerne ao feminino. A perspectiva de Pierre Bourdieu, aponta


a ramificação da violência nos mais diferentes nichos e, auxilia no
entendimento da organização social patriarcal mencionada no
início do trabalho.
Corresponde dizer que a organização social é nociva ao
gênero feminino e não, necessariamente, os homens. Vive-se em um
sistema alimentado por poderes hegemônicos capazes de subjugar
e colocar os corpos femininos como alvo (SAFFIOTI; ALMEIDA,
1995, p. 03), conjectura que dificulta ainda mais a quebra do ciclo.
A dimensão alcançada pela violência ultrapassa múltiplas barreiras,
produz uma fragmentação abrupta na integridade da vítima, qual
seja, física, psíquica, sexual, moral (SAFFIOTI, 2004, p. 17).
As consequências dessa ruptura se estendem a toda sociedade,
implicando responsabilidade de natureza igual, a todos.
Assim como os(as) agressores(as) são punidos(as) legalmente,
o Estado e seus representantes possuem responsabilidade em gerir
políticas públicas que contemplem sexualidade e gênero. Já a
família e a escola como espaços de escuta e acolhimento, tem dever
fundamental em se engajar para que não se chegue, por exemplo,
a alarmante porcentagem de 76,5% de casos de violência sexual
praticados contra crianças e adolescentes (PROVENZI, 2020).
Número em crescimento no período pandêmico.
O espectro da violência é rico, reverbera inclusive em outras
questões além das referidas, como gravidez precoce e infecção por
doenças sexualmente transmissíveis. Como paradigma, menciona-
se a proporção de um em cada sete bebês que nascem no Brasil
serem filhos de mães adolescentes (REFLEXÕES, 2021). Estatística
que pode ser evitada com atitudes proativas na educação sexual.
Da mesma forma, alude-se que pode ser impedido o contágio de
64,9% dos jovens entre 15 a 19 anos por Infecções Sexualmente
Transmissíveis, de acordo com pesquisa divulgada pela Universidade
de São Paulo (USP) em abril deste ano (LOURENÇO, 2021).
Todos esses fatores são fruto de um problema comum,
o tratamento em desacordo com a atualidade que é dado a
227
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

sexualidade. Ressaltando, ademais, que as complicações advindas


da exígua educação sexual brasileira são não exaustivas, não
se findando unicamente nos fatores assinalados. O machismo
estruturante é, outrossim, uma das raízes da violência de gênero
no Brasil. Na ausência de dados mais recentes, consoante pesquisa
divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
em 2014, 58,4% concordam totalmente e 23,5% concordam
parcialmente que “em briga de marido e mulher, não se mete a
colher” (OSÓRIO; FONTOURA, 2014). Essa exposição ratifica
a lógica social brasileira misógina tolerante à violência de gênero.
Frente a complexidade da temática, reitera-se a pertinência
em se discutir a sexualidade e o leque de assuntos provindos dela
na sociedade, nos âmbitos acadêmicos e familiares. Não somente,
é preciso enfrentar os tabus, mitos e deturpações que ocorrem
nesse aspecto, muitos deles construídos historicamente, segundo
concepções religiosas e conservadoras e, até o momento, mantidos
e reiterados. Para o estabelecimento de uma sociedade mais justa e
que preserve os Direitos Humanos, a valorização da vida começa,
primordialmente, no igual reconhecimento da educação e do papel
dos educadores enquanto transformadores de realidades.

3 Considerações finais

A partir do que se disse, é possível concluir a preponderância


de uma educação emancipadora em todos os aspectos. Tentou-se,
brevemente, expor um recorte no tocante a gênero, sexualidade
e educação. Bem como, mostrar com que expressividade a
ausência de educação adequada a sanar as carências de crianças e
adolescentes pode ser prejudicial a eles, igualmente, à sociedade em
sua totalidade. Perceber e interpretar as múltiplas facetas desse país
tão diverso em sua composição, auxilia no aperfeiçoamento dos
profissionais educadores no manejo com as complexas situações
que podem surgir.
Outrossim, ao realizar um paralelo com o seriado Sex
Education, procurou se aproximar deste recurso característico da
228
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

pós-modernidade, a mídia social. Considerando sua importância


e presença no cotidiano das crianças e jovens, o alcance que
a série possui não pode ser ignorado e ao invés de orientar-se
por um caminho arcaico, a opção tem potencial de melhorar a
aprendizagem acerca do tema. Ao passo que se apropria de artifícios
contemporâneos de comunicação, se alargam as possibilidades de
escuta e atenção, oportunizando a educação.
Frisa-se, em suma, que a legislação sozinha não é capaz
de frear os abusos cometidos em relação a diversidade de gênero.
Contudo, acredita-se na força transformadora da educação, para
mudar pensamentos, subverter conjunturas sociais pré-estabelecidas
e libertar. A mudança na BNCC é um passo inicial, com estímulo
suficiente para mobilizar a desconstrução de conceitos assimétricos
e sistêmicos na representação dos gêneros. Não se pode executar
a cidadania enquanto tamanha desigualdade de gênero existir, a
sociedade brasileira precisa estender o conceito de humanidade a
mais corpos para real exercício da democracia.

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Capítulo 16
A FALTA DE REPRESENTATIVIDADE DAS
MULHERES NEGRAS NO AMBIENTE
ACADÊMICO BRASILEIRO E SUAS
IMPLICAÇÕES

Maria Victória Pasquoto de Freitas


Celiena Santos Mânica

1 Considerações Iniciais

A s interseccionalidades de raça e gênero vêm ocupando


posição de destaque nos debates feministas, a partir do
reconhecimento de que mulheres negras ocupam espaço diverso
das mulheres brancas. A análise do tema da representatividade
da mulher negra na academia, remonta a um passado recente de
exploração e segregação racial, por isto, o problema que norteia a
presente pesquisa reside no questionamento: “Por que as mulheres
negras não estão nas universidades na mesma proporção que as
mulheres brancas?”. O objetivo geral da pesquisa foi contextualizar
historicamente as mulheres nos ambientes educacionais e posições
de poder e o objetivo específico foi verificar as políticas públicas
educacionais de incentivo e inserção da mulher negra na academia.
O método de abordagem adotado foi o dedutivo, partindo de
premissas gerais para específicas, com procedimento monográfico e
técnica de pesquisa indireta, utilizando de doutrinas, leis e artigos
relacionados ao tema.
A herança colonial ainda presente hodiernamente, coloca
as mulheres negras em posição de desvantagem social, criando uma
hierarquia piramidal, onde em primeiro está o homem branco,
a mulher branca, o homem negro e em último a mulher negra,
implicando diretamente nas posições sociais em que ela ocupa.
234
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

As políticas públicas de incentivo e inserção de mulheres


negras no ambiente acadêmico, visam reduzir as disparidades
sociais, abrindo espaços antes privilegiados e elitizados para novos
membros. As mulheres negras possuem peculiaridades próprias,
exigindo políticas que realmente atendam suas demandas,
para isso as interseccionalidades devem ser integradas às ações
governamentais.

2 A baixa escolaridade das mulheres negras e a falta de


representatividade em posições de poder

A pesada herança que a escravidão deixou no Brasil ainda


é uma sombra com a qual se convive. O preconceito contra a
população negra é um capítulo ainda não vencido na sociedade
brasileira, “o racismo é uma forma sistemática de discriminação
que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio
de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em
desvantagens ou privilégios para indivíduos [...]” (ALMEIDA,
2019, p.23). Desse sistema de discriminação resulta a exclusão
do povo negro que não tem acesso as mesmas oportunidades que
indivíduos não negros.
A maior parte da população pobre é negra, gerando
uma fragilidade nesta comunidade que ficará exposta à ataques,
”privação de liberdade econômica, na forma de pobreza extrema,
pode tornar a pessoa uma presa indefesa na violação de outros tipos
de liberdade.” (SEN, 2010, p. 17). A população negra é a parcela
com menor índice de escolaridade, a parcela que está inserida nos
maiores índices de violência e imersa na pobreza, o que impede esse
grupo de ser realmente livre, pois a exclusão os torna suscetíveis às
injustiças.
As mulheres negras sofrem duplamente, pois são mulheres
negras em um cenário social construído e mantido por uma maioria
masculina e branca. “Existe um olhar colonizador sobre nossos
corpos, saberes, produções [...]” (RIBEIRO, 2017, p.22). A criação
da representação da mulher a partir do olhar do homem indica uma
235
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

relação de dependência e incompletude. Uma cultura de hierarquia


imaginada, na qual a mulher está à mercê da aprovação da figura
masculina e para as mulheres negras este imaginário é ainda mais
cruel, pois estão vinculadas a uma concepção animalesca.
Estas mulheres precisam provar seu valor reiteradamente,
precisam ser perseverantes e resistentes apesar de todos os atos
discriminatórios e ataques pessoais. Desgastadas e em sua grande
parte não instrumentalizadas para reivindicar seus direitos
deixam de lutar por seu reconhecimento e se conformam com a
violação da sua dignidade. Como herança de um país escravocrata
ficaram os preconceitos e discriminações. “De acordo com
a ideologia dominante, a população negra era supostamente
incapaz de progressos intelectuais. Afinal, essas pessoas haviam
sido propriedade, naturalmente inferiores [...]” (DAVIS, 2016,
p.11). A cultura de que a mulher negra é incapaz de exercer tarefas
intelectuais está enraizada na sociedade brasileira e isso se comprova
mediante dados estatísticos os quais apontam a ausência de negras
nas academias.
No ensino superior existe uma grande desigualdade entre
as mulheres, segundo sua cor ou raça: 23,5% das mulheres brancas
têm ensino superior completo, um percentual 2,3 vezes maior
que o de mulheres pretas ou pardas (10,4%) que concluíram esse
nível de ensino, segundo dados do IBGE (2018). As mulheres
negras continuam a ocupar o lugar de quem não é dona de si, os
preconceitos as mantém presas na invisibilidade. O sexismo e o
racismo atuando juntos perpetuam uma representação da negra
como alguém inferior, disponível para servir. A servidão permanece
na realidade destas mulheres que sem muitas oportunidades acabam
sendo oprimidas pelo sistema e vivendo sem acesso a direitos básicos
como o da educação.
A educação é um dos instrumentos utilizados para a
promoção de um meio social igualitário. A construção de saberes
proporciona uma leitura inclusiva do mundo. Para o pleno
desenvolvimento, gozando da liberdade, o ser humano necessita
modificar profundamente as estruturas sociais. “O desenvolvimento
236
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

requer que se removam as principais fontes de privação de


liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas
e destituição social sistemática” (SEN, 2010, p.11). Em 2016,
segundo dados do IBGE na desagregação por cor ou raça, 30,7%
das pretas ou pardas de 15 a 17 anos de idade apresentaram atraso
escolar em relação ao ensino médio, face a 19,9% das mulheres
brancas. Este cenário, manutenção de privilégios de um lado e
pobreza extrema de outro, denota o quão distante a população
negra está de uma cidadania real.
Reconhecer que as mulheres negras vivem em uma situação
de subcidadania e que este grupo apresenta suas especificidades
é um começo na perspectiva da criação de políticas públicas
efetivas. “Se mulheres, sobretudo negras, estão num lugar de maior
vulnerabilidade social justamente porque essa sociedade produz
essas desigualdades, se não se olhar atentamente para elas, se
impossibilita o avanço de modo mais profundo” (RIBEIRO, 2019,
p.24). Ao não se pensar de forma direcionada para este grupo, se
exclui chances de sucesso das políticas públicas.
Em sociedades periféricas o papel do cidadão é construído
por malhas invisíveis, a população pobre se perpetua à margem da
sociedade e essa condição é mantida pelas elites que conservam esse
cidadão na marginalidade para assim tirar mais proveito dele. Neste
ciclo muitos são os mecanismos que possibilitam o fortalecimento e
permanência do racismo. Dados publicados em 2020 pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep), revelam que em 2017, a população negra correspondia
ainda a apenas 32% das pessoas com ensino superior concluído, em
contraste com 55,4% de participação na população total. Embora
tenham elevado a participação recente, mulheres negras com ensino
superior completo ainda são praticamente metade do contingente
de mulheres brancas nessa condição (BRASIL, 2020).
Apesar de dados que refletem claramente uma sociedade
que segrega este grupo, o tema não ganha visibilidade para ser
debatido. “As mulheres negras fazem parte de um contingente de
mulheres que não são rainhas de nada, que são retratadas como
237
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

antimusas da sociedade brasileira[...]”(CARNEIRO, 2003, p.50).


A aceitação dessa desvalorização e precarização das condições de
vida dessas mulheres gera a naturalização da desigualdade.
A carência educacional reflete a falta de posicionamento da
população negra frente a este problema. “A realidade social não
é visível nem compreensível a olho nu. Pode-se ver a pobreza e
a miséria de muitos e desconhecer as causas que produzem esse
estado” (SOUZA, 2017, p.33). O aprimoramento do indivíduo
está diretamente vinculado ao tipo de sociedade no qual ele
vive, uma vez que ambos se influenciam. Quanto mais acesso
ao aperfeiçoamento o indivíduo tiver, mais chances de haver a
construção de uma sociedade democrática exitosa. “[...] Ter mais
liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas
e para influenciar o mundo, questões centrais para o processo
de desenvolvimento” (SEN, 2010, p. 27).Os baixos índices de
escolaridade das mulheres negras e o afastamento da participação
social gera a falta de representatividade.
Sem muitos instrumentos de resistência vive-se a perpetuação
da cultura da exclusão, uma vez que esse grupo não tem seu acesso
à educação, não alcançam posições de poder e se tornam reféns
das decisões tomadas por outros. Desde 1995, o Brasil possui
legislação que prevê cotas eleitorais, reservando um percentual
de candidaturas em eleições proporcionais para as mulheres.
Segundo dados do IBGE, apesar da existência de cotas, em 2017,
o percentual de cadeiras ocupadas por mulheres em exercício no
Congresso Nacional era de 11,3%. No Senado Federal, composto
por eleições majoritárias, 16,0% dos senadores eram mulheres e,
na Câmara dos Deputados, composta por eleições proporcionais,
apenas 10,5% dos deputados federais eram mulheres. Dentre estas
mulheres, somente 37.2%eram negras ou pardas.
A escravidão que antes era visível, hoje açoita os negros de
outra maneira. Foram criados e compartilhados conceitos do valor
de certos indivíduos e grupos. Reproduzidos cotidianamente, essas
concepções definem o lugar que cada um deles vai ocupar. “Quando
falamos de direito à existência digna, à voz, estamos falando de
238
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

locus social, de como esse lugar imposto dificulta a possibilidade


de transcendência” (RIBEIRO, 2019, p.44). Continuamos em um
sistema de exclusão e tortura, com práticas remodeladas para se
tornarem imperceptíveis e manterem os cidadãos de menor valor
no local em que sempre estiveram, o da invisibilidade.
Em um ambiente próspero e com oportunidades, todos
os grupos pertencentes a uma comunidade têm de ser vistas
como ativamente envolvidas, participantes com voz e vez nas
decisões. “A questão da discussão pública e participação social é,
portanto, central para a elaboração de políticas em uma estrutura
democrática”(SEN, 2010, p. 137). Uma sociedade com liberdade
propicia caminhos de participação ao cidadão e então, com um
cidadão que dispõe de ferramentas para refletir e crescer, é possível
cultivar um ambiente democrático fortalecido.
Para uma sociedade minimamente igualitária é necessário
que se identifique as fragilidades nesse grupo e se direcione ações
para melhorar o índice de desenvolvimento humano. Neste
contexto os indicadores sociais são de grande relevância, pois
traduzirão a realidade em números, permitindo um mapeamento
específico que pode servir de base para análises, comparações
de diversos dados, estudos e a partir disso, a busca por soluções
eficazes. “Um diagnóstico socioeconômico que se proponha a ser
útil e propositivo para Políticas Públicas deve se caracterizar como
um estudo da situação social de uma determinada população”
(JANUZZI, 2014, p.35)
Quando problemas sociais forem debatidos nas
comunidades fragilizadas e mulheres negras ganharem visibilidade
na área intelectual, existirá um estímulo para que mais estudantes,
independentemente de cor, gênero ou classe, escolham a educação
como ferramenta de luta e crítica social.
239
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

3 Políticas públicas de incentivo e inserção educacional para


mulheres negras

Diante da percepção das desigualdades sociais, econômicas,


de gênero e raça que afetam as mulheres negras, e após diversas
lutas feministas e da população negra, reivindicando espaços no
ambiente laboral e educacional, o incentivo e a inserção educacional
de mulheres negras, passou a integrar as pautas governamentais.
O termo políticas públicas, foi popularizado dentre os
anos 1980 e 2000 no Brasil, e utilizado como sinônimo de ação
governamental e como uma ferramenta de atendimento a demandas
sociais. “Elas são o resultado do processo político, que se desenrola
sob o pano de fundo institucional e jurídico, e estão intimamente
ligados à cultura política e ao contexto social.” (SCHMIDT, 2018,
p. 122)
As políticas públicas voltadas às demandas das populações
negras são recentes, muito por conta da ideologia colonialista e
discriminatória presente por detrás das ações governamentais.
A Organização Criola é conhecida pela defesa e promoção dos
direitos das mulheres negras e uma de suas linhas de atuação
reside na instrumentalização deste público, visando emancipar
as mulheres e incentivá-las a criar um pensamento crítico, como
forma de enfrentamento ao racismo e diversos outros tipos de
discriminação, como também promovendo uma formação para
atuação em espaços públicos. (CRIOLA, 2021)
A Criola foi fundada no ano de 1992 e desde então atua
em prol de políticas públicas para mulheres negras, desde sua
formulação e implementação, até a fiscalização de programas
governamentais. Em 2010, a Criola lançou a Cartilha intitulada
“Políticas Públicas para as mulheres negras: passo a passo, defesa
monitoramento e avaliação de políticas públicas.” (WERNECK,
2010)
Nesta cartilha é possível observar a luta constante das
mulheres negras para alcançar a igualdade. Dentre inúmeros
240
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

problemas, como a diferenciação salarial, a desvalorização do


trabalho e a crescente feminização da pobreza, a organização aponta
as políticas públicas como elemento indispensável para se alcançar
a equidade. (CRIOLA, 2010)
As políticas públicas podem subdividir-se em políticas
universais, políticas focalizadas e ações afirmativas. As políticas
universais, destinam-se à atenção de direitos fundamentais, isto
é, elas visam atender os direitos mínimos de sobrevivência da
população. As políticas focalizadas são dirigidas a um grupo
específico, de acordo com sua necessidade. Por fim, as ações
afirmativas, também denominadas de discriminação positiva, tem
por fim alcançar a igualdade de grupos com realidades financeiras,
sociais, culturais, raciais e sexuais diferentes. (WERNECK, 2010)
Atualmente no Brasil, as políticas públicas de discriminação
positiva (cotas e bolsas), é uma das principais ferramentas de
incentivo e inserção de mulheres negras na academia. A política de
cotas surgiu em resposta a desigualdade histórica vivida por pessoas
negras, considerada uma medida de minimização de disparidades
sociais e inclusão da população negra em um espaço de saber
privilegiado.
Já é passada a hora de corrigirmos as desigualdades históricas
que incidem sobre o povo negro, construindo políticas públicas
específicas para esse segmento étnico/racial. Implementar ações
afirmativas é assumir a nossa diversidade cultural e construir
uma sociedade democrática que realmente se paute no direito
e na justiça social para todos (GOMES, 2003, p. 75).
As políticas educacionais tiveram início no ano de 1992 no
Brasil, as organizações não governamentais (ONGs), promoviam
cursos preparatórios para alunos carentes e/ou afrodescendentes.
No ano de 1999 foi promulgado o Projeto de Lei n. 289/99,
destinando 50% das vagas nas universidades públicas para
estudantes que cursaram todo o ensino fundamental e médio em
escolas da rede pública do Brasil, a partir dessa iniciativa, o debate
sobre a implementação de cotas específicas para pessoas negras foi
ampliada, abrangendo os estudantes que cursaram todo o ensino
241
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

fundamental e médio em escolas da rede pública.


Após o reconhecimento das ações afirmativas como
auxiliares na promoção da igualdade, diversas universidades criaram
uma política interna decotas, com a Lei n. 12.711, de 29 de agosto
de 2012 (BRASIL, 2012) as cotas foram institucionalizadas e a
partir disto a inserção da população negra no ensino superior e
sua luta por igualdade, ficaram ainda mais evidente na sociedade.
(CAVALCANTI et al, 2020)
Com a Lei n. 12.711/2012, as universidades tiveram um
prazo de quatro anos para se adequar a política de cotas, no ano de
2016 os institutos federais de ensino superior e técnico passaram a
destinar 50% das vagas para seleção de cotistas. (BRASIL, 2012)
A inclusão da população negra nas universidades por
meio das cotas raciais, surge como “[…] uma forma de alcançar o
coletivo da população por meio de biopolíticas que visam corrigir
as anomalias, como no caso do acesso da população negra à
universidade pública.” (CAVALCANTI et al, 2020, P. 7)
As políticas de cotas destinadas a população negra,
promoveram o ingresso de milhares de pessoas que não tinham
acesso a universidades. Contudo, essa ação deve ser aprimorada,
fornecendo assistência econômica para os mais necessitados, tendo
em vista que há certos grupos que mesmo com as cotas, não tem
possibilidades de prover o próprio sustento, tendo que escolher
entre ingressar no ensino superior ou trabalhar para sobreviver.
Ademais, quando se fala nas políticas públicas de incentivo
e inserção de mulheres negras na academia, deve-se levar em
consideração outros determinantes além da raça e classe, tendo em
vista que o Brasil ainda é um país muito marcado pelas desigualdades
de gênero.

4 Considerações finais

Os resultados preliminares da pesquisa, apontam que as


mulheres negras ocupam posições e espaços diferentes das mulheres
242
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

brancas, muito por conta das heranças coloniais, patriarcais e


racistas que ainda sobrevivem na sociedade atual e que fazem com
que alguns ambientes privilegiados sejam acessíveis somente a
brancos.
Com a criação de ações afirmativas e principalmente das
cotas, foi possível inserir a população negra na academia. Contudo,
necessário observar que mesmo com a formação em curso de
nível médio, superior ou técnico, as mulheres negras ainda estão
em desvantagem, pois reúnem elementos de raça e gênero, o que
dificulta sua inserção no mercado de trabalho e na academia.
A pirâmide social hierárquica ainda dita quais as pessoas
serão mais privilegiadas no Brasil, isto é, os cargos e a formação
de alto nível, ainda são destinados à população branca. As cotas
abriram o ensino técnico e superior para as pessoas negras, contudo
as pós-graduações, mestrados e doutorados ainda cultivam a
hegemonia branca.

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www.scielo.br/j/es/a/wQQ8dbKRR3MNZDJKp5cfZ4M/
abstract/?lang=pt>. Acessoem: 10 jul. 2021.
JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores socioeconômicos
na gestão pública. 3. ed. rev. atual. – Florianópolis:
Departamento de Ciências da Administração / UFSC; [Brasília]:
CAPES : UAB, 2014.
RIBEIRO, Djamila. Lugar de Fala (Feminismos Plurais). São
Paulo: Pólen Livros, 2019.
SCHMIDT, João P. Políticaspúblicas: aspectosconceituais,
metodológicos e abordagensteóricas. 2018. Revista do Direito.
Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 119-149, set/dez. 2018.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo:
Cia das Letras, 2000.
SOUZA, Jessé. Subcidadania brasileira: para entender o país
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WERNECK, Jurema. Políticaspúblicas para as mulheresnegras.
Passo a passo, defesa, monitoramento, e avaliação de
políticaspúblicas. Rio de Janeiro, Criola, 2010.Disponívelem:
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Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

<http://www.bibliotecadigital.abong.org.br/handle/11465/883>.
Acessoem: 11 jul. 2021.
SOBRE OS AUTORES E AUTORAS

Aline Antunes Gomes: Professora do Curso de Direito da


Universidade de Cruz Alta. Doutoranda em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: algomes@
unicruz.edu.br

Aline Sattes Salviano: Universidade de Cruz Alta, acadêmica do


curso de Direito, 10º semestre, e-mail: alinessalvino@hotmail.com

Aline Viviane Bach: Universidade de Cruz Alta, Curso de Direito.


E-mail: alinevivianebach@gmail.com

Bianca Tito: Mestra em Direito pela Faculdade de Direito do


Sul de Minas – FDSM, com ênfase em Constitucionalismo e
Democracia. E-mail: biancaberaldo_tito@outlook.com 

Bibiana Terra: Mestra em Direito pela Faculdade de Direito do


Sul de Minas – FDSM, com ênfase em Constitucionalismo e
Democracia. E-mail: bibianaterra@yahoo.com

Camila Rocha: Mestranda em Direito pela Universidade


Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail:
caamila.roch@gmail.com

Carla Rosane da Silva Tavares Alves: Universidade de Cruz Alta,


professora do PPG em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento
Social. E-mail: ctavares@unicruz.edu.br

Celiena Santos Mânica: Mestranda em Direitos Sociais e Políticas


Públicas pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.
Graduada em Direito pela Universidade de Erechim – URI.
Graduada em Letras Português, Inglês e respectivas literaturas
246
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

pela Universidade de Lajeado - UNIVATES. Professora da Escola


Educar-se (UNISC). Integrante do Grupo de Pesquisas Direito,
Cidadania e Políticas Públicas, cadastrado no CNPq coordenado
pela Profa. Dra. Marli M. Moraes da Costa. E-mail: manicaceliena@
yahoo.com.br

Cesar Albenes de Mendonça Cruz: Docente dos Programas de


Pós-graduação da Faculdade de direito de Vitória (FDV) e Escola de
Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM),
Vitória - ES. E-mail: cesar.cruz@emescam.br

Daiane Caroline Tanski: Mestranda em Práticas Socioculturais e


Desenvolvimento Social pela Universidade de Cruz Alta, bolsista
da CAPES. E-mail: daitans@hotmail.com

Dandara Roberta Soares Conceição: Graduanda do Curso


de Direito pela Universidade de Cruz Alta (Unicruz). E-mail:
dandarasconceicao@gmail.com

Deivid Jonas Silva da Veiga: Fundação Escola Superior do


Ministério Público, Programa de Pós-Graduação em Direito de
Família e Sucessões, Porto Alegre – RS. E-mail: deividveiga96@
gmail.com

Denise Regina Quaresma da Silva: Universidade LA SALLE,


Docente do PPG Saúde e Desenvolvimento Humano. E-mail:
denise.silva@unilasalle.edu.br

Eduarda Sampaio da Veiga: Acadêmica do 8° Semestre do Curso


de Direito – Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ). E-mail:
eduardasv33@hotmail.com

Eduardo Pinheiro Monteiro: Mestre em Políticas Públicas e


Desenvolvimento Local pela Escola de Ciências da Santa Casa
de Misericórdia de Vitória (EMESCAM), Vitória - ES. E-mail:
247
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

eduardo.virtual@hotmail.com

Gabriela Colomé Moreira: Universidade de Cruz Alta


(UNICRUZ), Curso de Graduação em Direito. E-mail: gabi_
mcolome@hotmail.com

Gabriela Dickel das Chagas: Mestranda no PPG em Práticas


Socioculturais e Desenvolvimento Social, na Universidade de Cruz
Alta. E-mail: gabrieladdchagas@gmail.com

Glauce Stumpf: Universidade LA SALLE, Doutoranda em


Educação. E-mail: glaucestumpf@hotmail.com

Julia Mendes Silva: Mestra em Direito pela Faculdade de Direito


do Sul de Minas – FDSM, com ênfase em Constitucionalismo e
Democracia. E-mail: juliamendes34@hotmail.com

Karina Dias da Silva: Universidade LA SALLE, Mestranda em


Educação. E-mail: karinadias.psicop@hotmail.com

Katiussa Richter: Acadêmica do curso de Direito da Universidade


de Cruz Alta. E-mail: katiussarichter@hotmaill.co

Kelven Marcelino Klein: Cursa Graduação em Serviço Social


na Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de
Vitória - ES (EMESCAM). E-mail: kelvenmklein@gmail.com

Laura Melo Cabral: Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ),


Curso de Graduação em Direito. E-mail: lauracabral2000@gmail.
com

Letícia Maria Pereira Siqueira: Graduanda em Direito pela


Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: leticia.maria.
pereira@uel.br
248
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Luiza Eduarda Prola Carpes: Universidade de Cruz Alta,


acadêmica do curso de Direito, 10º semestre, e-mail: luizaprola@
icloud.com

Maria Victória Pasquoto de Freitas: Universidade de Santa Cruz


do Sul (UNISC), membra do grupo de pesquisa Direito, Cidadania
e Políticas Públicas, Advogada, Mestra em Direito pela UNISC
e Pós-graduanda em arbitragem, conciliação e mediação pela
Faculdade Dom Alberto. Endereço eletrônico: victoriapasquoto@
hotmail.com

Mariana Figueira Fontoura: Mestranda em Práticas Socioculturais


e Desenvolvimento Social pela Universidade de Cruz Alta, bolsista
da CAPES. E-mail: marii_fonttoura@hotmail.com

Mariete Costa: Mestra em Direito pela Faculdade de Direito


do Sul de Minas – FDSM, com ênfase em Constitucionalismo e
Democracia. E-mail: russinha2000costa@gmail.com

Marina Helena Vieira da Silva: Mestra em Direito pela


Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM, com ênfase em
Constitucionalismo e Democracia. E-mail: marinahvsilva@gmail.
com

Nadyni Almeida de Almeida: Acadêmica do 10º Semestre do


Curso de Direito – Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ).
E-mail: almeidanadyni@gmail.com

Odisseia Aparecida Paludo Fontana: Doutora em Direito pela


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora
permanente do Programa de Mestrado Acadêmico em Direito da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó).
E-mail: odisseia@unochapeco.edu.br
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Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Paola Pagote Dall’Omo: Mestranda em Direito pela Universidade


Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail:
paolapagote@gmail.com

Raíssa Pedroso Becker de Lima: Discente do curso de Direito na


Universidade de Cruz Alta. E-mail: raissamil1@hotmail.com

Raquel Buzatti Souto: Professora do Curso de Direito da


UNICRUZ. Mestra em Desenvolvimento, linha de pesquisa
Direito, Cidadania e Desenvolvimento pela UNIJUI. Especialista
em Direito Constitucional pela UNIFRA. Líder do GPJUR.
Coordenadora do NPJ e do Balcão do Consumidor da UNICRUZ.
Advogada. E-mail: rsouto@unicruz.edu.br

Sabrina Figueira: Mestranda em Práticas Socioculturais e


Desenvolvimento Social pela Universidade de Cruz Alta, bolsista
da CAPES. E-mail: sabrinafiga@hotmail.com

Sabrina Veloso Leal Pereira: Mestra e Doutoranda em Práticas


Socioculturais e Desenvolvimento Social (Universidade de Cruz
Alta). Especialista em Direito Civil e Processual Civil (Fundação
Escola Superior do Ministério Público). Bacharela em Direito
(Universidade de Cruz Alta).

Sawara Gonçalves Santos: Graduanda em Direito pela Universidade


Estadual de Londrina (UEL). E-mail: sawara.goncalves@uel.br

Silvia Ozelame Rigo Moschetta: Doutora em Direito pela


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora
permanente do Programa de Mestrado Acadêmico em Direito da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó).
E-mail: silviaorm@unochapeco.edu.br

Tiago Anderson Brutti: Universidade de Cruz Alta, professor


do Curso de Direito e do PPG em Práticas Socioculturais e
250
Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II

Desenvolvimento Social. E-mail: tiagobrutti@hotmail.com

Tricieli Radaelli Fernandes: Graduada em Direito pela


Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões – URI
Campus Santiago/RS. E-mail: tricieli@gmail.com

Vanessa Steigleder Neubauer: Professora do Curso de Direito da


Unicruz. E-mail: vnaubauer@unicruz.edu.br

Virgínia Stern da Silva: Graduanda em Direito pela Universidade


Estadual de Londrina (UEL). E-mail: virginia.stern@uel.br

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