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ISSN 1982-3541

Belo Horizonte-MG
2008, Vol. X, nº 1, 105-118

Subsídios da obra “Comportamento Verbal” de


B. F. Skinner para a terapia analítico-comportamental

Subsidies of B. F. Skinner’s book


“Verbal Behavior” for behavior analytic therapy

Sonia Beatriz Meyer


Claudia Oshiro
Juliana C. Donadone
Rejane Coan Ferretti Mayer
Departamento de Psicologia Clínica da USP
Roosevelt Starling
Universidade Federal de São João Del-Rei
Departamento de Psicologia Clínica da USP

Resumo

Os conceitos de causalidade múltipla, de autoclíticos e de edição podem auxiliar o terapeuta analítico-


comportamental a conduzir avaliações funcionais e a intervir. Ao avaliar, ele leva em consideração que o
conteúdo das falas de clientes tem múltipla determinação e presta atenção a sutilezas de autoclíticos e de
edições. Usa autoclíticos para promover bom relacionamento e adesão à terapia e para ensinar o cliente a
descrever seu comportamento e controles. Respaldado na noção de causalidade múltipla, pode trabalhar
com metáforas, fantasias e alegorias, e pode fornecer estimulação suplementar para fortalecer respostas
do cliente já existentes, porém fracas. Discute-se que a lógica do trabalho clínico é diferente do da análise
experimental do comportamento e que diferentes análises de comportamento podem ser apropriadas para
se alcançar objetivos terapêuticos.

Palavras-chave: Causalidade múltipla, Autoclíticos, Edição, Terapia analítico-comportamental.

Abstract

Concepts of multiple causation, autoclitics and edition help behavior analytic therapists to conduct functional
evaluations and to intervene. In evaluating the therapist takes into account that verbalization of clients
have multiple determination and pays attention to subtleties of autoclitics and editions. He uses autoclitics
to promote a good therapeutic relationship, adherence to treatment and to teach the client to describe his
behavior and its controlling variables. Metaphors, fantasies and allegories are possible interventions based
on multiple causation notion. Therapists can provide supplementary stimulation to strengthen existing but
weak responses. The logic of clinical work being different from experimental analysis of behavior and that
different contingencies analysis may be appropriate are discussed.

Key-words: Multiple causation, Autoclitics, Edition, Behavior analytic therapy.

 Texto desenvolvido a partir da disciplina Subsídios da Obra “Comportamento Verbal” de Skinner para Clínica Comportamental,
ministrada pela Profa. Dra.Sonia Beatriz Meyer no Departamento de Psicologia Clínica da USP no 1º semestre de 2006. Além dos
autores participaram Fernanda Libardi, Michele Oliveira-Silva e Robson Faggiani.
 E-mail: sbmeyer@usp.br

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O livro “Comportamento Verbal” de que falamos em seguida, como “eu não es-
Skinner (1957) propõe um modelo explicati- tou preocupada com as notas do meu filho”,
vo para a compreensão de episódios compor- entretanto, o autoclítico de negação envolve a
tamentais complexos e aponta sutilezas na questão de que a resposta está forte por algu-
identificação de variáveis controladoras. A ma razão. d) Autoclíticos podem quantificar,
condução da terapia analítico-comportamen- como “pode-se dizer sempre que...”.
tal poderá ser aprimorada se o terapeuta uti- A função autoclítica também pode
lizar em seu trabalho a taxonomia e conceitos ser exercida por um olhar malicioso ou certo
da proposta analítica de Skinner (1957). Sele- tom de voz ou uma risada nervosa. O com-
cionamos três dos conceitos de Skinner para portamento verbal bruto, sem ou com poucos
uma análise das possibilidades que estes po- autoclíticos, dificilmente é emitido, uma vez
dem trazer para o desempenho terapêutico: que a fala seria menos inteligível. Pode ocor-
1) causalidade múltipla, 2) autoclíticos e 3) rer na produção verbal de uma pessoa sob
edição do comportamento verbal. Tais con- controle de alguma operação estabelecedora
ceitos podem dar subsídios para as tarefas de (por exemplo, pressão de tempo) ou em uma
(a) avaliação, e (b) intervenção terapêutica. criança na qual o repertório verbal ainda é in-
Uma breve revisão dos conceitos é apresen- cipiente ou está comprometido, tal como nas
tada a seguir. falas de indivíduos com transtornos do de-
senvolvimento (p. ex. autismo) e nas falas de
1) Causalidade múltipla: O comportamento alguns esquizofrênicos. Ocorre também nos
verbal usualmente possui múltiplas fontes de e-mails lacônicos. Entretanto, a comunidade
controle. Uma única resposta pode ser função verbal reforça composições completas, com
de mais de uma variável e uma única variável autoclíticos que ampliem as possibilidades
usualmente afeta mais de uma resposta. de obter reforçamento positivo liberado pelo
ouvinte das mesmas. Portanto, o autoclítico
2) Autoclíticos: O autoclítico é um compor- pode ser compreendido como indicador de
tamento verbal que depende de e modifica força e circunstâncias que controlam a produ-
os efeitos de outro comportamento verbal. O ção do comportamento verbal. É uma catego-
autoclítico pode alterar a resposta do ouvinte ria de comportamento verbal que traz infor-
aos operantes verbais que ele acompanha de mações ou pistas sobre as relações de controle
diversas formas: a) descrevendo-os, b) como e elementos de força do comportamento.
mandos, c) qualificando-os (negando ou afir-
mando), d) quantificando-os. Assim, a) auto- 3) Edição: No processo de produção do com-
clíticos descritivos descrevem o próprio com- portamento verbal, respostas podem ser re-
portamento verbal, podendo informar: o que jeitadas ou liberadas pelo falante, de acor-
determinou a resposta, como “estou vendo do com os efeitos que esta manipulação já
o trânsito carregado” ou “ouvi no rádio que exerceu e, portanto, poderia exercer sobre o
o trânsito está péssimo”; um estado interno, ouvinte, por meio da edição. Esta é uma ativi-
como “senti muito medo”; ou as fontes da- dade adicional do falante. O comportamento
quele comportamento, como “fulano me disse verbal escrito pode afetar o falante antes de
que...”. A função de tais autoclíticos é simples- chegar até o ouvinte e assim pode ser corta-
mente indicar ao ouvinte as condições sob as do, rasurado, cancelado, arrancado, editado.
quais o comportamento está sendo emitido. Já no comportamento verbal vocal a edição é
b) Há autoclíticos que podem funcionar como mais efêmera e de difícil descrição. Podemos
mandos para o ouvinte como “preste bastante observá-la por meio de algum comportamen-
atenção!”. c) Os autoclíticos qualificadores mu- to restritivo tal como morder os lábios, colo-
dam o valor de determinada resposta e assim car a mão na boca, morder a língua, esconder
a reação do ouvinte. Podemos negar algo o rosto com as mãos ou algum objeto (bolsa,

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caderno, agasalho) ou por meio da utilização condições que parecem afetar esses e outros
de autoclíticos apropriados, que aumentam comportamentos investigados pelo clínico,
e modulam seu efeito sobre o ouvinte. Por mas nem sempre há precisão e correspondên-
exemplo, expressar um “riso nervoso” ou cia entre o relato e as contingências que de
usar frases do tipo “Eu não sei se deveria fa- fato controlam suas respostas.
lar isto”, “Não é bem isto que eu quis dizer”, Entretanto, terapias verbais têm aju-
“Não estou achando a melhor resposta”, na dado por volta de 75% das pessoas que pro-
emissão de uma resposta, são indícios de que, curam psicoterapia (Lambert, 2001). Isso pode
possivelmente, deve ter ocorrido, encoberta- ser o resultado de modelagem, quando res-
mente, uma revisão e/ou recapitulação. postas, verbais ou não, da mesma classe que
Uma das razões para a rejeição de as da queixa ocorrem na interação terapêuti-
uma resposta pelo falante é o fato de ela ter ca e são diretamente conseqüenciadas; outra
sido anteriormente punida. A punição não possibilidade (não excludente) é a de que o
enfraquece diretamente a resposta, ela forta- terapeuta é capaz de identificar variáveis de
lece formas incompatíveis de resposta. Rejei- controle relevantes no comportamento verbal
tar uma resposta reduz a estimulação aversi- do cliente. O terapeuta pode ser considerado
va condicionada gerada por ela e é reforça- um observador especialmente treinado para
da por isso. Por exemplo, tapar a boca com levantar hipóteses sobre o que controla o
a mão para prevenir uma resposta falada ou comportamento de seu cliente. O fato de a te-
dizer algo em seu lugar pode ser entendido rapia verbal incidir sobre relatos verbais e não
como uma esquiva. sobre a emissão do comportamento ao qual o
relato se refere não é sempre ou necessaria-
1. Causalidade múltipla, autoclíticos e edi- mente uma limitação. Em várias ocasiões, é
ção na avaliação do comportamento no con- justamente o exame dos prováveis controles
texto clínico do relato do cliente o dado mais importante
a ser observado. Por exemplo, uma terapeuta
As tarefas do analista do comporta- perguntou para seu cliente adolescente sobre
mento, na clínica ou em qualquer outro am- o relacionamento dele com o pai e ele não
biente de intervenção, são identificar uma respondeu. A terapeuta voltou a perguntar e
resposta ou classe de respostas que, se muda- ao invés de resposta ouviu: “meus pais não
da, produzirá efeitos considerados de impor- consideram você como minha médica, acham
tância e identificar as variáveis que controlam que psicólogo não serve para nada”. Em vez
a resposta ou a classe de respostas seleciona- de perguntar por que os pais dele tinham essa
da para então derivar uma intervenção que opinião, ela perguntou “Por que você está me
produza tal mudança. Os instrumentos bási- dizendo isso agora?”. Após uma breve pausa
cos dos analistas de comportamento são a ob- ele começou a falar do pai. Num outro exem-
servação direta do comportamento e de seus plo, uma mãe, ao ser informada que seu filho
controles e a manipulação dessas variáveis não seria mais atendido por causa de faltas
de controle. Tais instrumentos não estão tão excessivas após ela não ter cumprido combi-
facilmente disponíveis ao terapeuta analíti- nações feitas para solucionar o problema das
co-comportamental quando se encontra com faltas, teve como primeira reação justificar-se:
seu cliente, geralmente apenas uma vez por “A culpa não foi minha, paguei minha vizi-
semana, durante 50 minutos. As respostas ou nha para trazê-lo, ela que não trouxe”. Após
classe de respostas com as quais ele vai traba- a resposta da terapeuta de que ela entendia,
lhar não estão necessariamente presentes na mas que agora não seria mais possível ofe-
interação terapêutica, dificultando a alteração recer terapia ao filho, ela passou a suplicar:
direta de suas contingências mantenedoras. “Por favor, ele precisa muito do atendimento,
Usualmente, o cliente relata suas queixas e as por favor, me ajude”. Na seqüência da nega-

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tiva a próxima resposta já foi em tom bastan- irritada e mal humorada, coloquei a bota justa-
te diferente, foi agressiva: “Mas a diretora da mente para dar um chute na canela de alguém”
escola disse que não estava adiantando, e que enquanto falava mal de médicos e de terapias,
eu só estava gastando meu dinheiro com ôni- exemplifica uma ocorrência de verbalização
bus”. Ao examinar os prováveis controles do que provavelmente indica a presença de uma
relato da mãe, verifica-se que a contradição variável de controle não explicitada, relacio-
entre pedir a continuação da terapia dizendo nada à mudança de terapeuta. Atentar-se ao
que o menino precisava de muita ajuda e afir- fato de que respostas verbais do cliente pos-
mar que o tratamento não estava adiantando suem múltiplas fontes de controle, entender
indica uma alta probabilidade de causalidade que diferentes respostas podem ter a mesma
múltipla. função e que qualquer amostra de compor-
Na maior parte do tempo, em terapia, tamento verbal é função de muitas variáveis
o cliente fala. O que é dito é considerado tato operando ao mesmo tempo pode ser o dife-
quando o cliente relata o que lhe aconteceu rencial entre terapeutas.
(Kohlenberg & Tsai, 2001) e está acontecendo Exemplo de causalidade múltipla: Em um
sem que nenhuma variável distorça o relato. caso de uma mulher com queixas de pânico, o
(A definição de tato proposta por Kohlen- procedimento de exposição foi aplicado, com
berg e Tsai (2001) está sendo adotada por sua sucesso, para resolver o medo de levar o filho
maior aplicabilidade à situação clínica. En- à escola. Após as férias da terapeuta, a cliente
tretanto, ela difere daquela dada por Skinner relatou que outros medos estavam muito in-
(1957), de o tato ser controlado apenas “por tensos, com exceção daquele tratado. O relato
um objeto particular ou um acontecimento estava em contradição com os resultados par-
ou propriedade do objeto ou acontecimen- ciais obtidos no primeiro semestre, em que
to”, uma vez que o acontecimento já ficou no houve descrições de redução em freqüência e
passado). Aquilo que é dito pode ter outras intensidade de diversos medos, como o de ir
funções, como a de mando, conforme exem- a shopping centers. Essa discrepância foi um
plificado adiante. indicador de que poderia haver outras variá-
veis controlando o relato, ou seja, um indica-
1.1. Causalidade múltipla na avaliação dor de causalidade múltipla. A falta de me-
O terapeuta pode aumentar suas pos- lhora, após um mês de ausência da terapeuta,
sibilidades de sucesso na tarefa de avaliação poderia ter sido tanto um tato descrevendo a
se ele levar em conta a noção de causalidade ocorrência de medos intensos, como também
múltipla apresentada por Skinner. Alguns um mando, indicando uma necessidade de
terapeutas, especialmente os iniciantes, pa- continuação da terapia. O relato de melhora
recem ficar mais sob controle do conteúdo no comportamento trabalhado pela terapeu-
apresentado nas falas do cliente do que sob ta poderia ser entendido também como outra
um conjunto maior de indicadores verbais e forma do mesmo mando (necessidade de con-
não-verbais. Mas a complexidade das intera- tinuação da terapia) ao indicar que ela estava
ções possibilita que muitas variáveis influen- gostando do trabalho da terapeuta e queria
ciem o que é dito ao clínico e uma intervenção continuar. A partir da observação de que mais
baseada apenas no conteúdo pode ser inefi- de uma variável poderia estar controlando o
ciente, por não ter levado em conta as variá- comportamento da cliente, uma nova hipóte-
veis adicionais. se pode ser levantada, a de dependência. Essa
A ocorrência de lapsos, de ironia e de hipótese ganhou força pelo fato de já terem
invenção poética são resultados da causalida- aparecido, no semestre anterior, indicadores
de múltipla do comportamento verbal. A fala
O paradigma de equivalência de estímulos também é capaz
de uma cliente numa primeira sessão com de explicar que uma única resposta pode ser função de mais
uma nova terapeuta “hoje estou especialmente de uma variável e que uma única variável usualmente afeta
mais de uma resposta.

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de dependência, ou seja, de respostas com é difícil de ser avaliada, já que, pela definição
aparente função de produzir cuidados espe- de causalidade múltipla, as variáveis de con-
ciais por parte de familiares e profissionais da trole podem não podem ser isoláveis.
saúde. Possivelmente a produção de cuida-
dos especiais não foi a variável responsável 1.2. Autoclíticos na avaliação
pela instalação de respostas de pânico, mas Além de estar atento à existência de
esses cuidados poderiam estar contribuindo vários determinantes do conteúdo e da for-
para sua manutenção. ma das verbalizações, o terapeuta (enquanto
A noção de causalidade múltipla pode ouvinte na relação terapêutica) pode se bene-
ser empregada para entender o papel da esti- ficiar da análise dos autoclíticos presentes na
mulação suplementar na terapia. Quando as fala de seus clientes. Por meio da análise dos
contingências são complexas, nem sempre o autoclíticos empregados pelo cliente, o clínico
comportamento é afetado por todos os seus pode: a) identificar o tipo de operante verbal
antecedentes e conseqüentes, por suas múl- que o acompanha. A ocorrência de um tato
tiplas causas. Propriedades específicas da pode ser identificada a partir de autoclíticos
condição estimuladora podem controlar com presentes na fala do cliente como no exemplo:
maior ou menor força o comportamento. O “Meu chefe não gosta de mim. Ele me disse isso
que é dito em terapia pode ter a propriedade ontem quando me despediu”. A ocorrência de
de fornecer estimulação suplementar para que provável tato distorcido, no sentido de que
respostas já existentes no repertório do clien- a fala é controlada por variáveis diferentes
te aumentem sua probabilidade de ocorrer daquelas indicadas em seu conteúdo, pode
(Meyer, 2000). ser identificada no exemplo: “Meu chefe não
Ao levar em conta a existência de res- gosta de mim. Eu acho isso porque ele conversa
postas e causas múltiplas, o terapeuta estará mais com os outros funcionários e também porque
necessariamente interpretando (assim como eu sei que ninguém gosta de mim”. A ocorrên-
fez Skinner; seu livro “Comportamento Ver- cia de um mando é indicada por autoclíticos
bal” é considerado por ele mesmo um exer- como em: “Queria que essa fase passasse... Como
cício de interpretação). Uma das formas de faço? Me ajude!”; b) identificar quais variá-
interpretação é a seleção que o terapeuta faz veis podem estar exercendo controle sobre
de comportamentos-alvo e das prováveis va- o comportamento do cliente quando ele faz
riáveis de controle, seleção que pode ser bas- relações entre eventos, como por exemplo:
tante idiossincrática. Wilson e Evans (1983) “Quero procurar meus antigos amigos, mas não
forneceram suporte empírico apresentando vou... Tenho pensamentos contra minha mãe como
dados de que há falta de concordância entre se ela fosse culpada... Parece que eu uso esses pen-
terapeutas comportamentais ao realizarem samentos contra minha mãe como uma desculpa,
análises de casos. Entretanto, há condições porque, caso eu tenha conseqüências ruins por não
que favorecem a possível exatidão de uma procurar meus amigos, eu tenho em quem jogar a
interpretação: elas podem ser feitas imedia- culpa e não preciso assumir a responsabilidade por
tamente após a ocorrência dos relatos, o que essas conseqüências, entende?”; c) identificar o
permite que o terapeuta permaneça em con- estado de força de uma resposta, como num
tato com as circunstâncias que rodeiam o re- exemplo de autoclítico de fraqueza: “Eu acho
lato e, ao continuar interagindo com o cliente, que ela estava falando mal da minha casa sim...”;
pode obter informações adicionais que legi- ou num exemplo de autoclítico de força: “Eu
timem a interpretação. Ele pode conduzir vou, mas eu tenho certeza absoluta que vai ser hor-
“mini-experimentos” para adicionar força rível pra mim...”; d) identificar a existência de
a uma hipótese (Sturmey, 1996). Mas o tera- um fraco controle por regras e um forte con-
peuta não deve esquecer que interpretações trole por reforçamento negativo: “Eu concordo
são apenas hipóteses e que a validade delas
 Os trechos sublinhados são os autoclíticos exemplificados..

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com você, eu sei que eu deveria fazer isso, mas pra engajar em atividades que poderiam produ-
mim é muito difícil sair com pessoas diferentes de zir reforços positivos. Nota-se que ele estava
mim” e, e) identificar a condição emocional com dificuldades de falar dos acontecimentos
ou estado motivacional do cliente: “Eu preciso da semana e falar de outros assuntos foi um
muito continuar na terapia, com você ou com qual- operante forte, provavelmente uma tentativa
quer outro terapeuta”; “Esses dias eu tô arrasada de se esquivar de punições vindas da audiên-
por causa das coisas que a minha irmã me disse, cia (terapeuta). A resposta foi emitida embora
sabe?” Esse último exemplo, caso formulado recheada de autoclíticos.
de outra forma, poderia evocar uma respos-
ta diferente do terapeuta: “Essa semana minha T: Como foi sua semana?
irmã me falou que ela pretende sair de casa.” A C: Foi boa, eu estava vindo de carro, a A. é
presença do autoclítico, no primeiro caso, di- um saco, briga comigo a toda hora, porque
reciona a atenção do terapeuta para o efeito eu sou assim, não gosto de ninguém me
que a fala da irmã teve. castrando, já chega a época da militância,
eu deixei claro para ela que eu não gosto
1.2.1. Autoclíticos na avaliação da interação desse negócio de casamento, as pessoas fo-
terapêutica ram criadas por Deus para serem livres, e
Os trechos de terapia transcritos a se- você tem que ter sua individualidade, eu
guir indicam a possibilidade de o terapeuta na verdade, queria morar com mais pes-
observar diretamente a ocorrência de com- soas, não me importo de ajudar pessoas de
portamentos, de evocá-los e de conseqüen- rua, se quiserem morar comigo, sabe, uma
ciá-los. Esta é a forma de intervenção privi- coisa meio comunista, porque esse sistema
legiada pela Psicoterapia Analítica Funcional que está vigorando é um absurdo, depois
(PAF) proposta por Kohlenberg e Tsai (2001) que eu vi o Lula de gravata, percebi que ele
que consideram que a modelagem direta dos tinha se vendido (...).(comportamento
comportamentos em sessão é, para alguns ca- verbal vocal forte, incompatível com o
sos, a melhor forma de intervenção terapêuti- falar da semana).
ca. Além da modelagem, a relação estabeleci- T: R. perguntei como tinha sido sua sema-
da entre terapeuta-cliente pode ser uma das na. Foi tudo bem?
variáveis relevantes para facilitar mudanças C: Então (voz baixa),... (silêncio). Acho
comportamentais, uma vez que as análises que foi mais ou menos. Quer dizer, não foi
verbais feitas na interação com o terapeuta tão boa. Dormi e assisti TV todos os dias
podem controlar o responder do cliente fora (...) (resposta emitida depois de vários
da clínica (Ver, por exemplo, Amorim, 2001; autoclíticos).
Beckert, 2005; Donadone, 2004 para estudos
sobre consistência ou não das relações falar/ Em terapia, clientes que usam excessi-
fazer/falar). vamente os autoclíticos podem estar ameni-
“Eu estou muito cansada hoje, quase que zando uma resposta que tem probabilidade
eu não vim aqui (terapia)” é uma frase típica de ser punida, indicando a presença de uma
que pode ter mais de uma função. Pode ser audiência potencialmente punitiva. O tera-
apenas uma descrição, um tato do seu estado peuta pode ter se estabelecido como uma
físico ou um pedido, um mando disfarçado: audiência aversiva, que sinaliza punição, ou,
“não quero falar hoje”, “não retome aquele tema ainda, o terapeuta não conseguiu até o mo-
da semana passada”. A qual das funções o tera- mento reverter ou diminuir os efeitos produ-
peuta responde pode não ser irrelevante para zidos por uma história de aversividade.
o progresso da terapia. O exemplo a seguir mostra o que pa-
O diálogo abaixo é de um terapeuta e rece ser um exercício do falante para evitar
seu cliente depressivo com dificuldades de se a punição. Embora a resposta em que conta

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que abandonou a faculdade tenha ocorrido, importante para o terapeuta investigar que
fica claro o uso de autoclíticos com a função variável poderia ter controlado a edição, con-
provável de reduzir a ameaça de punição. O siderando que esta variável poderia também
riso nervoso observado nessa fala indica para exercer controle sobre outros comportamen-
o ouvinte que o falante sentiu o efeito da pu- tos do cliente. O terapeuta pode, a partir da
nição, mas que, apesar disso, está emitindo a observação de uma possível edição, levantar
resposta. hipóteses sobre variáveis relacionadas à aver-
sividade de certos eventos, ao perfeccionis-
C: Ai, eu preciso te contar uma coisa (au- mo, autocrítica, história de punição ou auto-
toclítico), acho que você vai ficar brava co- observação deficiente.
migo. Vai até jogar o seu caderninho no No exemplo a seguir, a edição indi-
chão (riso nervoso - autoclítico). cada pela expressão “não foi bem isso o que
T: O que é? Pode contar, não estou aqui eu quis dizer” propiciou ao terapeuta (T) in-
para te punir. vestigar qual a variável relevante a ser consi-
C: É que estava ficando muito puxado pra derada quando a cliente (C) relatou que não
mim, eu estava muito cansada, não estava gostava de ficar sozinha. Uma interpretação
dando conta (riso nervoso - autoclítico). possível seria a de que sua fala não era ape-
T: Me diz, vai em frente. nas sobre solidão, mas também sobre contro-
C: Então vai, não vai jogar seu caderninho lar o comportamento do namorado.
em mim (risos nervosos - autoclítico).
T: Tudo bem. C: Eu amo ele, não quero ficar sem ele, é
C: Eu decidi largar a faculdade... (silên- ele que não entende nada. Foi muito difícil
cio). quando ele estava na Alemanha; eu não
consigo ficar sozinha.
A avaliação pode ser conduzida pela T: E o que você pretende fazer?
observação e registro da variação no número C: Agora que ele chegou estamos bem, mas
de autoclíticos de um mesmo cliente, quando eu vou fazer de tudo para ficar um ano na
fala de assuntos diferentes. Temas apresenta- Itália, e não entendo porque ele faz cara
dos com muitos autoclíticos podem indicar feia, é minha carreira, quero ir e ninguém
história de punição ou punição apresentada, vai me impedir.
mesmo que inadvertidamente, pelo terapeu- T: (com uma expressão de dúvida) Você
ta. Um número pequeno de autoclíticos pre- quer ficar um ano fora, longe de seu na-
sentes nas falas de cliente e terapeuta pode morado?
indicar a estabilidade da relação. O relato C: Não foi bem isso que eu quis dizer, eu
do cliente a seguir sugere que a terapeuta se sinto falta dele sim, mas também preciso
tornou uma audiência não-punitiva e que a me desenvolver profissionalmente e ele faz
suavização autoclítica pelo cliente não se faz cara feia.
mais necessária: “É, eu tenho percebido que eu T: Você mesma falou que não consegue
gosto mesmo de ser o centro das atenções. Tenho ficar sozinha, que foi muito difícil quan-
percebido que sou invejoso em outras situações do ele estava fora, não entendi sua colo-
também. Acho horrível ter que admitir ser invejo- cação...
so, eu que sempre me considerei tão altruísta!”. C: Estou sendo confusa, já percebi que não
falo coisa com coisa. Mas você entendeu
1.3. Edição na avaliação errado, não era bem isso que eu queria di-
O desempenho do terapeuta pode se zer, tipo assim, que eu não consigo ficar
tornar mais eficaz se ele observar ocorrências longe dele, eu quis dizer que é difícil ficar
de edição apresentadas pelo cliente. A fala longe, mas que eu consigo agora.
presumidamente editada pode ser uma ‘dica’ T: E se ele passar no mestrado e for morar

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em outra cidade? conseguiu se estabelecer como interlocutora.


C: Ah, isso é uma outra história. Você não Aparentemente, a cliente editava muito do
está entendendo o que eu estou falando. que era relatado em terapia. Com o estabe-
T: Me desculpa, só gostaria que você fosse lecimento de uma boa relação terapêutica, a
mais clara. edição deixou de ser tão freqüente e ela pas-
C: Ah, meu, ele já viajou e agora é minha sou a relatar dados relevantes relacionados
vez, mas ele tem que ficar quieto no canto a eventos aversivos. A edição, mas agora já
dele me esperando (silêncio). Eu sei que anunciada, passou a acontecer apenas quan-
estou sendo egoísta, mas é isso mesmo, do a cliente entrava em temas sobre episódios
agora é minha vez. de possível despersonalização.

O episódio verbal a seguir exemplifica C: “Na quinta aconteceu uma coisa (tom
uma provável edição de uma criança: de voz alterado), eu vou te contar hoje,
mas vou omitir, porque eu não vou ficar
C: “A professora falou que eu não tinha na sua mão, vulnerável, porque você tem
feito lição de casa e eu disse que tinha feito o poder de me internar e isso me matará
[resposta socialmente aceita]. Eu fiquei por dentro”.
nervosa e saí da classe e então tomei uma T: “Hum hum”.
advertência. Eu disse mais coisas (tom de C: “(respira fundo, silêncio). Aconteceu
voz baixo)” [Provável ocorrência de aquilo de novo comigo (voz trêmula).
edição]. Aquelas sensações (...)”.
T: “Que mais você disse?” [O terapeuta
insatisfeito com o relato anterior, pro- A falta de edição ocorre em lapsos, nas
cura fazer com que o cliente dê outra falas com tom excessivamente alto, ríspido,
resposta mais precisa]. incompleto ou repetitivo e pode indicar ao te-
C: “Eu esqueci” [Tentativa de esquiva, rapeuta quais variáveis parecem ter força no
possível edição]. controle do comportamento observado.
T: “Você tinha feito lição de casa?” [Blo- Em suma, se o terapeuta levar em
queio de esquiva]. consideração que as falas de seu cliente po-
C: “Não tinha feito” [Resposta não edi- dem ter múltipla determinação e se ele esti-
tada]. ver atento ao controle sutil dos autoclíticos, às
indicações de edições e à sua eventual ausên-
No caso do cliente que, no contexto te- cia, ele pode desenvolver um repertório dis-
rapêutico, fala muito de um assunto, pode-se criminativo refinado para identificar as variá-
levantar a hipótese desta fala ser uma forma veis de controle das produções verbais do seu
de edição ou esquiva. O falar muito de um cliente. Os conceitos da obra “Comportamen-
assunto pode estar deslocando outras respos- to Verbal” podem ser utilizados para auxiliar
tas que poderiam ser passíveis de punição, ou na avaliação funcional dos casos clínicos.
seja, falar muito de um assunto é incompatí-
vel com o falar de outro tema. Como exem- 2. Comportamento Verbal como instrumen-
plo, pode-se citar um caso de uma cliente com to de intervenção
uma história de punições de comportamentos
de intimidade e que apresentava dificuldades Grande parte da atividade do tera-
de estabelecer um relacionamento com a tera- peuta consiste em elaborar intervenções que
peuta. Passava boa parte da sessão teorizan- sejam bem sucedidas, ou seja, intervenções
do sobre o mundo, o universo, a vida, a psico- que favoreçam a adesão ao tratamento e ge-
logia, falando praticamente sem interrupções. rem mudanças no comportamento do cliente.
Foi com bastante dificuldade que a terapeuta As intervenções que possuem baixo caráter

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Subsídios da obra “Comportamento Verbal” de
B. F. Skinner para a terapia analítico-comportamental

aversivo têm maiores chances de ser aceitas uma variável importante e intervenções que
pelos clientes e podem, então, produzir re- intensifiquem tal contato provavelmente pro-
sultados. Essa afirmação está baseada no co- duzirão resultados importantes para o pro-
nhecimento dos princípios de aprendizagem cesso terapêutico.
e na literatura sobre a relação terapêutica que
vem mostrando que o estabelecimento satis- 2.2. Autoclíticos na intervenção
fatório da relação terapeuta-cliente durante Instalar autoclíticos descritivos, forne-
o processo psicoterápico prediz bons resul- cer modelos, sinalizar prováveis funções do
tados terapêuticos (Meyer & Vermes, 2001). comportamento do cliente analisando os au-
Constituir-se como uma audiência não-pu- toclíticos empregados, suavizar intervenções
nitiva é considerada uma tarefa terapêutica potencialmente aversivas são intervenções
relevante, como sugere Skinner (1953), uma que se valem do conceito de autoclítico.
vez que uma história comportamental com Segundo Skinner (1986), os autoclíti-
ampla ação de contingências aversivas pare- cos podem funcionar como instruções ao ou-
ce ser uma das causas da procura de terapia. vinte que o ajudam a se comportar de uma
Nestas circunstâncias, caberia ao terapeuta maneira que torna mais provável a obtenção
intervir procurando diminuir essa estimula- de conseqüências reforçadoras e a promoção
ção, tornando-se uma importante fonte refor- de conseqüências reforçadoras pelo falante.
çadora positiva para o cliente. Instalar autoclíticos descritivos pode
O emprego da edição e o uso de au- ser uma intervenção útil, levando-se em
toclíticos pelo terapeuta podem auxiliar na conta que boa parte dos clientes não possui
constituição de uma audiência não-punitiva. repertório autodescritivo refinado (e.g. Koh-
As intervenções propostas podem ser menos lenberg & Tsai, 2001), pois as contingências
aversivas e mais facilmente aceitas. Por exem- necessárias para o seu desenvolvimento só
plo, a Psicoterapia Analítica Funcional (PAF) ocorrem quando a comunidade da qual o
de Kohlenberg e Tsai (2001) tem muitas vezes cliente participa faz perguntas do tipo: ‘O que
um caráter aversivo e as falas PAF do terapeu- foi que você disse?’, ‘Você disse isso?’, ‘Por
ta podem ser mais produtivas se o terapeuta que você disse isso?’, e essas perguntas nem
usar autoclíticos e editar seu relato a fim de sempre são feitas. Quando o terapeuta ensina
modular o efeito da sua intervenção sobre o o cliente a descrever o próprio comportamen-
ouvinte. E nesse sentido é que terapeutas às to ou o de terceiros, está, em última instância,
vezes dizem antes de uma intervenção: “Vou instalando autoclíticos descritivos no repertó-
fazer o papel de advogado do diabo...”. rio verbal do cliente. Este repertório, por sua
vez, vai permitir ao terapeuta ter acesso às
2.1. Causalidade múltipla na intervenção variáveis controladoras do comportamento
A noção de causalidade múltipla for- do cliente, vai ampliar o repertório de auto-
nece ao terapeuta analítico-comportamental observação do cliente e, conseqüentemente,
respaldo teórico para trabalhar com metáfo- de suas respostas autodescritivas, o que pode
ras, fantasias e alegorias (Banaco, 2001; Re- facilitar a identificação das variáveis contro-
gra, 2001), na medida em que uma mesma ladoras do próprio comportamento.
variável pode produzir múltiplas respostas O emprego pelo terapeuta de alguns
e as metáforas, fantasias, alegorias seriam tipos de autoclíticos pode servir não só de
uma das respostas múltiplas. A vantagem do modelo para o cliente analisar o seu próprio
recurso é diminuir o caráter aversivo de al- comportamento como ter ainda outra função:
guns temas e o cliente poder ter um primeiro a de modelo para formas efetivas de relacio-
contato com tópicos difíceis. Já o cliente que namento interpessoal.
apenas se comunica por metáforas pode estar O autoclítico emitido pelo cliente pode
dando indícios de que está em contato com ser pontuado na sessão e ser uma intervenção

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sutil como no exemplo abaixo: eliciar respondentes indesejados e enfraque-


cer a probabilidade de vir a exercer contro-
Ex: C: Eu quero emagrecer, mas é tão di- le sobre o comportamento do cliente. Então
fícil. Eu poderia ir na ginástica, mas não o mando pode ser dado de forma indireta,
tenho dinheiro. Talvez se eu procurasse com o uso de autoclítico tal como: ‘Será que
um nutricionista. Ah, mas ela ia passar não seria interessante se você a convidasse para ir
aquelas farinhas caras. Tem um médico ao cinema?’
endócrino muito bom, mas é tão careiro! E
só atende particular. 2.3. Edição na intervenção
T: Nossa! Quantos mas... Ter conhecimento sobre processos de
C: Risos. É, sempre tem um mas que me edição que podem estar ocorrendo na fala do
impede, né? cliente pode ajudar o terapeuta a elaborar in-
tervenções que favoreçam a discriminação do
O autoclítico mas é enfatizado pelo te- cliente sobre as variáveis que controlam o seu
rapeuta e pode ter funcionado como estimula- comportamento. No exemplo abaixo, a pala-
ção suplementar. Anteriormente já havia sido vra mãe é tão aversiva para a cliente que ela
feita uma intervenção mais direta ‘Parece que só consegue emitir a resposta ‘sirigaita’. O te-
você sempre coloca empecilhos’, que mesmo rapeuta aceita a resposta e dirige a atenção da
com o uso do autoclítico Parece, foi rejeitada cliente para a possível edição em andamento,
pela cliente. deixando explícita a variável aversiva.
A forma com que o terapeuta verbali-
za suas análises pode ter um efeito importan- T: Como foi esta história da sua mãe sair
te. Empregar expressões autoclíticas do tipo de casa?
“Não sei se eu estou sendo precipitado em fa- C: Sirigaita.
lar isso...” “Tá parecendo, até agora, que você T: Tá, sua mãe-sirigaita.
está me falando que...” “Será que o que você C: Sirigaita, não chamo ela de mãe e... ai,
está me dizendo não é...” parecem diminuir eu não quero falar sobre isto, deixa eu con-
possíveis impactos aversivos, aumentando a tinuar falando da tia. [edição].
receptividade do cliente e provendo um es- T: Tá certo, vamos deixar a mãe de lado
paço no qual ele pode concordar ou discor- por enquanto...
dar. Por exemplo, em um caso em que uma C: Você vai chamar ela de mãe, né?
cliente não admitia que precisasse “mudar”, a T: Você não suporta falar e nem ouvir a
terapeuta passou a usar os termos “adicionar palavra mãe?
habilidades ao seu repertório” e encontrou C: Não, não suporto nem ouvir falar
aceitação por parte da cliente. nela...
O uso de autoclíticos pelo terapeuta T: Tá certo, então, por enquanto, vamos fi-
pode suavizar o caráter diretivo de orienta- car com o ‘sirigaita’, mas uma hora vamos
ções dadas que não são aceitas por alguns ter que voltar nisso.
clientes. Para estes, o caráter aversivo de con- C: Eu sei, eu sei, mas não agora.
selhos e tarefas pode impedir a adesão ao tra-
tamento com possível abandono da terapia O excesso de edição pode ser um pro-
ou com resultados insatisfatórios (Bischoff & blema para alguns clientes altamente contro-
Tracey, 1995; Donadone, 2004). Por exemplo, lados por reforçadores sociais e, portanto,
quando um cliente tem dificuldade de en- alvo de intervenção do terapeuta; da mes-
frentamento e o terapeuta quer estimulá-lo a ma forma, a ausência de edição pode ser um
arriscar-se em situações novas, poderia emitir problema para outros clientes, aqueles pou-
um mando direto, ‘Você deve convidá-la para ir co controlados por reforçadores sociais ou
ao cinema’. Mas essa forma de mando poderia que apresentam respostas agressivas. Assim,

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B. F. Skinner para a terapia analítico-comportamental

ocorrências de edição podem ser tanto instru- deliberadamente pelo terapeuta. Uma última
mento de avaliação quanto alvo de interven- sugestão é a de que o terapeuta poderia po-
ções. E o mesmo pode ser dito com relação tencializar o efeito terapêutico da sessão ao
ao controle múltiplo de respostas e quanto ao descrever comportamentos não-verbais do
uso de autoclíticos. cliente, como por exemplo; “Você reparou
como você ficou irritado ao falar da sua mu-
3. Sugestões para terapeutas analítico-com- lher?”, “Você ficou emocionado ao falar sobre
portamentais esse tema”, ajudando-o a discriminar respos-
tas emocionais informativas da contingência
Algumas sugestões podem ser pro- (Cameschi & Abreu-Rodrigues, 2005). Ana-
postas para aprimorar a condução de uma lisar a produção verbal do cliente em termos
terapia analítico-comportamental. Uma de- de operantes verbais pode ajudar o terapeuta
las é a de que o terapeuta deve estar atento a analisar esta produção como função de va-
à topografia do comportamento e não só à riáveis óbvias e sutis, resultantes da história
sua função, pois a forma da resposta permite de vida do cliente, bem como da relação te-
inferir e testar uma possível edição (fala reti- rapêutica. Dessa forma, seu comportamento
cente, silêncio repentino, fala com muitos au- pode ficar sob controle não só de variáveis
toclíticos explicativos, ou falas do tipo: “não é óbvias, correspondentes à forma e ao conte-
bem isto”, “não estou achando a melhor res- údo da resposta do cliente, mas também das
posta”, riso nervoso). Outra sugestão é que o variáveis adicionais, que são sutis por não
terapeuta poderia ter ganhos interpretativos corresponderem à forma e ao conteúdo da
ao atentar para relatos sob provável contro- resposta do cliente.
le de reforçamento social. É bastante comum
que o cliente diga o que o terapeuta (supos- 4. Considerações teóricas e metodológicas
tamente) quer ouvir. Seus relatos podem ser da adoção da noção de causalidade múltipla
distorcidos na direção de comportamentos na clínica analítico-comportamental
socialmente esperados. O cliente pode exa-
gerar algum feito seu, descrever sentimentos Uma das atividades fundamentais do
positivos para uma situação que lhe foi aver- clínico na terapia analítico-comportamental
siva, dizer que implementou alguma tarefa é a de identificar as relações indivíduo-am-
ou refletiu sobre algo trabalhado em terapia biente decorrentes da história ambiental dos
quando na verdade não o fez. Perguntas do indivíduos para, a partir dessa identificação,
tipo: “E o que mais?” podem levar o cliente propor intervenções. Para estabelecer estas
a dar outras respostas, que não apenas aque- relações, o terapeuta formula perguntas e
la socialmente esperada, indicando também conduz observações durante as sessões, sobre
que o terapeuta não se “satisfez” com o que as ocasiões em que a resposta ocorre, sobre
o cliente falou e que está percebendo haver a própria resposta e sobre as conseqüências
outros fatos não relatados ou relatados incor- mantenedoras da resposta. Quando ele iden-
retamente. Outro aspecto a ser sugerido é que tifica que as relações são, possivelmente, de
o terapeuta esteja atento às suas próprias rea- dependência entre eventos, ele produz análi-
ções não-verbais que podem funcionar como ses comportamentais hipotéticas. Estas hipó-
fontes adicionais de controle. É bastante co- teses funcionais ganham força se as interven-
mum que clientes respondam a alterações ções nelas baseadas produzem as mudanças
até mesmo sutis do comportamento não-ver- comportamentais previstas. Por ter que se
bal do terapeuta. Um sorriso, um desvio de basear maciçamente em relatos verbais para
olhar, um olhar de estranhamento podem ter conduzir tal tarefa, o terapeuta deve levar em
conseqüência poderosa para o comportamen- consideração que uma decorrência dos com-
to do cliente na sessão e poderiam ser usados portamentos verbais serem controlados por

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múltiplas variáveis é a de que nenhuma aná- riáveis de controle. Um terapeuta pode iden-
lise comportamental pode ser considerada tificar e trabalhar a relação entre a variável
correta ou incorreta, apenas mais ou menos de controle  e a resposta selecionada e outro
completa. Diferentes analistas do compor- terapeuta pode identificar e trabalhar a rela-
tamento ou o mesmo analista em diferentes ção entre a variável de controle  e a mesma
momentos podem identificar diferentes con- resposta. Mesmo tendo produzido duas aná-
tingências num mesmo caso clínico e todas as lises comportamentais diferentes, os dois te-
contingências poderiam, eventualmente, ser rapeutas poderiam derivar procedimentos de
demonstradas. Não seria possível, então, afir- suas análises e obter mudanças de comporta-
mar que um determinado terapeuta, por ser, mento. Ainda um terceiro terapeuta poderia
por exemplo, inexperiente, produziu uma identificar, no mesmo caso, que a variável de
análise de comportamento incorreta. O cri- controle  está relacionada a outra resposta e
tério de acerto entre diferentes análises com- procedimentos efetivos também podem ser
portamentais é apenas pragmático, ou seja, a derivados dessa análise. Essa relação no dia-
melhor análise seria aquela que gera proce- grama indica que uma única variável usual-
dimentos que produzem os melhores resulta- mente afeta mais de uma resposta.
dos. Possivelmente análises mais abrangentes Com relação à possibilidade de con-
produzem resultados melhores e mais dura- dução de análises de comportamento expe-
douros, questão que deve ser investigada por rimentais em situação clínica, a afirmação de
pesquisas. Skinner (957, p. 8) contribui para essa dis-
O diagrama apresentado na Figura  cussão:
ilustra diferentes análises comportamentais
que poderiam ser identificadas por diferentes “nem o fato de que uma única resposta pode
ser controlada por mais de uma variável, nem
terapeutas ou pelo mesmo terapeuta em di-
o fato de que uma variável pode controlar mais
ferentes momentos, como, por exemplo, após do que uma resposta viola qualquer princípio
uma supervisão. Uma resposta sob análise do método científico. Daí não se segue que uma
pode ser função de mais de uma variável, o relação funcional específica não siga leis, nem
que está indicado, na figura, por quatro va- que o comportamento que ocorre em qualquer
dada situação não é totalmente determinado.

Figura 1. Diferentes análises comportamentais que poderiam ser formuladas em um mesmo caso indicando que a força
de uma única resposta pode ser função de mais de uma variável e que uma única variável usualmente afeta mais de
uma resposta.

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B. F. Skinner para a terapia analítico-comportamental

Isto simplesmente significa que nós precisa- mo quando o controle de variáveis é feito, a
mos ter certeza de que levamos em conta todas generalidade dos dados para a prática clínica
as variáveis relevantes ao fazer uma previsão
ou ao controlar o comportamento”.
é baixa, uma vez que o controle e manipula-
ção de variáveis tendem a tornar o contexto
Entretanto, duas perguntas se im- da pesquisa clínica numa situação artificial.
põem: Conseguimos levar em conta todas as Neno (2005) discutiu essas questões ao ana-
variáveis relevantes no trabalho clínico e na lisar o movimento internacional de validação
pesquisa clínica? E devemos isolar variáveis empírica das psicoterapias e o estudo da efi-
em trabalhos clínicos? cácia e efetividade dos tratamentos.
A resposta à primeira pergunta é Além disso, e em resposta à segun-
que o número de variáveis iniciais do cliente da pergunta, na prática clínica o método de
(como sexo, idade, tipo de problema, severi- trabalho por excelência é o de trabalhar com
dade), do terapeuta e a interação que ocorre múltiplas respostas e múltiplas causas. Ou
durante o processo terapêutico formam uma seja, a lógica do trabalho clínico é diferente
rede de relações que dificilmente se repete em da análise experimental do comportamento.
diferentes casos. Isso dificulta a acumulação Num experimento, selecionamos uma variá-
de estudos suficientes para a generalização vel independente e seus efeitos são observa-
dos resultados de procedimentos. E mesmo dos em uma variável dependente. As outras
quando são feitas tentativas de se isolar va- múltiplas variáveis têm seu efeito neutraliza-
riáveis em pesquisas experimentais clínicas, do. Na clínica, dificilmente trabalhamos com
com delineamento de grupo, os resultados uma única resposta e parece desejável que
obtidos têm sido criticados pelos praticantes assim seja. Geralmente, observamos e inves-
da psicoterapia por produzirem validade in- tigamos múltiplas respostas para evidenciar
terna, conseguirem responder a pergunta de uma classe ampla que será alvo da interven-
pesquisa, mas não validade externa. Ou seja, ção, com base na suposição de que o trabalho
ao se isolar variáveis, os casos estudados dife- com uma classe ampla de respostas produzi-
rem muito da prática clínica usual. rá maior generalidade e manutenção de re-
Isso não quer dizer que estudos expe- sultados terapêuticos. Também observamos e
rimentais, especialmente os com delineamen- testamos o efeito de múltiplas variáveis.
to de caso único, não devam ser conduzidos Concluindo, a leitura do livro Verbal
sobre a prática clínica. A sistematização do Behavior de Skinner (1957) nos parece extre-
que um clínico faz e o estabelecimento de mamente relevante para levantar reflexões
quais práticas produz resultados considera- como essas e certamente muitas outras análi-
dos satisfatórios têm importância e utilidade. ses e reflexões podem e devem ser desenvol-
Mas essa tarefa não é de fácil execução, e mes- vidas.

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Recebido em: 29/10/2007


Primeira decisão editorial em: 28/11/2007
Versão final em: 03/03/2008
Aceito para publicação em: 28/01/2008

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