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A NOVA CASA/A ESCOLA

Nova casa ao lado do Centro Paroquial e do cemitério velho. Ruas por todo o lado. Rua
para o jogo da bola, rua para o escola, rua para o Espírito Santo, rua para a Eira. Um
nunca acabar de ruas. A rua da escola e a rua que dava para o rio e Jogo da bola eram
separadas por duas enormes oliveiras e tinha um desnível bastante acentuado entre elas.

A rua do rio levava para o divertimento, a alegria da praia da mosca. A rua de cima
levava para o martírio da escola, principalmente quando a professora era uma fera.
Tivemos professoras compreensivas, tivemos professoras exigentes e tivemos
professoras feras. Algumas casadas, a maioria solteira. Algumas permaneceram solteiras
por toda a vida, outras casaram anos mais tarde.

A casa de altos e baixos tinha duas escadarias, uma que dava para a rua e a outra para o
quintal. Quartos em cima, taberna em baixo. O café, a mercearia, a cozinha de cima a
sala e outras ampliações foram construções e adaptações posteriores, conforme se ia
necessitando e tendo algum dinheiro.

Mas vamos à questão da escola. A entrada na escola aconteceu quando morávamos no


Vale. Fui tirar as medidas para a bata na casa do tio Manuel Martins de Janeiro de
Baixo. Uma das filhas era costureira e costurava o fardamento da escola. Todos tinham
uma bata.

A primeira classe foi tranquila. Agora a segunda classe, já morando ao lado do centro
paroquial, foi um terror para mim e todos os alunos da escola de baixo. A professora era
o terror. Já tínhamos televisão no café e eu ficava vendo televisão até mais tarde, ou
ajudando no serviço do café. Vinha o sono na escola. Algumas vezes levava com a água
do jarro das flores pela cara. Ou a unha da professora se cravava ferozmente na minha
orelha ou de qualquer outro aluno.

Algumas crianças não queriam de jeito nenhum ir para a escola, eram levadas
arrastadas, outras borravam-se todos de medo pelo caminho. Coitada da criança que era
chamada ao quadro. Coitada da que errava na ardósia a conta ou fazia um erro no
ditado. Terror dos terrores era o dia da tabuada. Reguada para todo o lado quando não se
tinha a cantilena na ponta da língua.

- Preciso de uma régua nova, disse a professora Cruela.

- Meu avô é capaz de fazer uma régua para a senhora Professora. Vou dizer a ele.

Olhar mortífero de toda a escola na direção da menina que se ofereceu para trazer uma
régua nova. Era uma traição.

Alguns dias depois.

-Meu avô já fez a régua. Está aqui. E ele mandou dizer que não é nada.
Começa a aula. ABC com a primeira classe, ditado para a segunda, tabuada para a
terceira, montanhas e rios de Portugal para a quarta. No meio da aula a neta do
carpinteiro gaguejou numa resposta. Expectativa na sala. A professora levanta da mesa
de régua em riste e... zás. Primeira reguada naquela que trouxera a régua.

- Bem feito, pensaram todos na sua cabeça.

Depois da aula foi rir da cara da coitada que queria agradar à professora e foi a primeira
a apanhar. Era bem feito mesmo.

A professora era tão fera que nem a sobrinha e afilhada poupava. Um dia, numa ida ao
quadro, a coitada apanhou tanto com uma cana que todos na sala ficaram com muita
pena. Mas não havia nada a fazer. Na sala de aula a professora era a lei. Havia que
obedecer e calar.

Como já disse também tivemos professoras serenas e capazes de ensinar sem impor o
terror dentro de sala. A terceira e quarta classe as fiz tranquilamente com uma
professora exigente e justa, que também usava a régua, mas de uma forma totalmente
diferente e muito raramente.

A monotonia da escola se atenuava quando os ciganos acampavam bem na frente da


escola, no meio das oliveiras. A canalha chegava cedo para observar a maneira de viver
dos ciganos, o modo como falavam, a roupa que vestiam, como se sentavam. O recreio
também se passava nesta observação daquele grupo estranho, sem eira nem beira. Não
havia interação entre os dois grupos. Era pura contemplação de um grupo estranho que
despertava muita desconfiança. Os grandes diziam que eram ladrões e enganadores. Não
se podia tocar no que eles tocassem senão a mão ficava cheia de verrugas.

Quando não acampava ali, gostavam de acampar lá para a Cova da Alagoa perto de um
curral que o Tio Manuel Lúcio tinha por ali. Alguns usavam o palheiro para dormir e
subiam por uma escada de madeira que depois não tínhamos coragem de usar por causa
das verrugas.

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