Você está na página 1de 1

A CARONA (boleia)

As distancias na Amazônia são enormes, tanto faz que se ande de barco ou carro. Atualmente
utilizo mais o carro. Recentemente estive no encontro do clero na sede da diocese, que fica a
180 km de distância.

Na volta para casa, entrando numa vila que faz parte da paróquia que atendo, reduzi a
velocidade e, de repente, saiu da beira da estrada uma mulher correndo e gesticulando na
minha direção. Parei o carro e esperei, pensando que fosse uma comunitária desejando falar
de algum assunto referente à capela. A senhora chega perto do carro e logo dispara:

- Me dê logo uma carona que eu não estou para ir agora neste sol quente para minha
casa. Não sou doida. Olhe, fica a 2km daqui, não é longe. Me dê logo a carona.

Fiquei sem reação, não sabendo se havia de rir ou ficar bravo pelo jeito de pedir a carona.

- Está certo mulher, entre logo aí.

A mulher entrou, foi falando de sua família e de sua roça. Como era perto, a conversa foi curta.
Ao descer do carro, com a mão na porta, foi bendizendo o padre com toda a fé e convicção:

- Deus abençoe o senhor, a sua viagem, a sua mulher, os seus filhos, os seus negócios...

- Está bem mulher, agradeço a benção.

Seguindo viagem fui matutando naquele episódio aparentemente insignificante, mas que me
deu o que pensar. Imaginem, venho eu naquele carrão, curtindo aquele rock, egoisticamente
só e aparece uma pessoa que reivindica o que é seu de direito. Não pede, não diz por favor.
Exige como um direito adquirido e como fosse meu dever satisfazer esse direito.

Tenho espaço para quatro pessoas, tenho um bem que me sobra e ela não tem. A senhora tem
o direito de reivindicar o que de direito lhe pertence. Carro que me sobra, carro que lhe falta.

Lembrei-me da encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco quando no nº 119 diz:

“Nos primeiros séculos da fé cristã, vários sábios desenvolveram um sentido universal na sua
reflexão sobre o destino comum dos bens criados. Isto levou a pensar que, se alguém não tem
o necessário para viver com dignidade, é porque outrem se está a apropriar do que lhe é
devido. São João Crisóstomo resume isso, dizendo que, «não fazer os pobres participar dos
próprios bens, é roubar e tirar-lhes a vida; não são nossos, mas deles, os bens que
aferrolhamos». E São Gregório Magno di-lo assim: «Quando damos aos indigentes o que lhes é
necessário, não oferecemos o que é nosso; limitamo-nos a restituir o que lhes pertence».”

Obrigado mulher por me ter feito tamanho favor. Neste momento entendi o espírito da
resposta que o povo dá:

-Esta casa É SUA?

- Não, É NOSSA.

Você também pode gostar