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ALMAS PENADAS

A noite caiu e ele naquela hesitação. Terminara o turno. Tinha dois dias de
folga pela frente. A vontade de os passar na casa dos pais, lá na aleia, era
enorme. Mas fizera-se noite muito depressa eu caminho era cheio de
assombrações. Nem um colega naquela noite para o acompanhar.

Encheu-se de coragem e saiu do couto mineiro a passos largos disposto a


chegar quanto antes. O importante era chegar antes da meia -noite, porque era
a partir dessa hora que as almas penadas apareciam com mais frequência.

Com a taleiga ao ombro, o gasômetro na mão e as botas ferradas galgou


terreno com o coração a mil. Aquilo não lhe saía da cabeça: o problema era um
último local que teria de passar, a Baralha. Ali, dizia-se, perto da capela
aparecia uma alma penada que atacava todo o viandante noturno.

Finalmente chegou ao Esteiro. Viu que a taberna ainda estava aberta. Sem
vontade de beber, pensando no último trecho que estava ali bem na frente,
depois da Portela, pediu um copo de vinho, sentou no banco de madeira e foi
conversando com o taberneiro.

Naquele momento a vontade era pedir um lugar para dormir e passar ali a
noite. Foi conversando, tomando o vinho sem vontade, matutando no que
fazer. Estava tão perto. Como justificar o pedido? Mostrar ao taberneiro que
estava com medo de prosseguir a viagem? Mostrar que não era homem?
Mas…e a alma penada?

Finalmente levantou-se, pagou e meteu-se ao caminho, mas com uma aflição


na boca do estômago. Subiu até ao alto das voltas de Janeiro e foi baixando
em direção à Baralha, última etapa do percurso antes de chegar na casa do
Abílio e da Maria do Patrocínio.

Perto da Capela da Baralha olhou para o Oldeiro e se apavorou. Não era uma
alma penada, eram várias caminhando lentamente. O que fazer? Voltar para o
Esteiro? Entrar na capela e esperar o amanhecer? O problema é que a capela
era exatamente o lugar das almas penadas. Com certeza entrariam ali antes do
raiar do dia.

Com o coração na boca foi caminhando lentamente e sempre de olho nas


almas penadas que se passeavam pela beira do rio. Ai meu Deus, espero que
não me pressintam e eu possa sair logo daqui sem ser visto. Parecia ser
levado pelos ares, quase não pisava na terra. O pavor aumentou, quase
desmaiava de medo.

Ousou olhar mais uma vez para o lado das almas e aí viu alguma coisa
estranha. Parecia que no meio estava a tia Justina. Mas que é isto?
Perguntava-se a si mesmo.

Tia Justina é você?

Sou eu Acácio. Ando aqui com as ovelhas a pelar no oldeiro, comem melhor
agora.

Ah! tia Justina o medo que eu tive. Pensava que eram um monte de almas
penadas.

Nada disso. São as minhas ovelhas. Vai logo Acácio que se faz tarde. Eu
também vou logo meter as ovelhas no curral. Já estão fartas. Boa noite.

Boa noite, tia Justina

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JOSE CORTES DOS REIS ANTUNES

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