O que bem poderia ser um "Conto de Natal", na verdade é uma crônica, pois os acontecimentos contam as aventuras e desventuras do solitário autor, em uma véspera natalina. Ação, cenas de violência com índios, uma linda "Bond Girl" e a salvação pela cavalaria
O que bem poderia ser um "Conto de Natal", na verdade é uma crônica, pois os acontecimentos contam as aventuras e desventuras do solitário autor, em uma véspera natalina. Ação, cenas de violência com índios, uma linda "Bond Girl" e a salvação pela cavalaria
O que bem poderia ser um "Conto de Natal", na verdade é uma crônica, pois os acontecimentos contam as aventuras e desventuras do solitário autor, em uma véspera natalina. Ação, cenas de violência com índios, uma linda "Bond Girl" e a salvação pela cavalaria
Natal é feito de lembranças. Da infância e das alegrias em família, das
mentiras dos mais velhos, das cores cheiros e sabores à mesa, do bebericar furtivamente do copo de algum adulto desavisado, da tonturinha. Todos temos boas histórias de Natal pra contar. Eu, por exemplo estava nas minas, em meu período de garimpeiro. O casamento acabara naquele ano e, pelo primeira vez em muito tempo, não tinha família em minha volta. Fui pra dentro de um buraco pra esquecer de tudo, enquanto o tempo foi passando. Depois do almoço as pessoas já não retornavam à lida e, cada um com seu cada qual preparavam as festas em família. Decidi que não ficaria sozinho, pois seria um tanto deprê. Voltei ao hotel, onde só restava a família proprietária, tomei um banhão, vesti roupa de domingo e botei o pé na estrada, rumo a Chapecó, onde pelo menos eu conseguiria ver gente. Menos de 30km depois reparo que o mostrador do termômetro do jipe acusa sobre-aquecimento. Parei e esperei o carro esfriar e depois dirigi cautelosamente até Planalto, onde havia postos de serviços, para trocar os líquidos de arrefecimento. Feito isso me pus a passo e, na saída em direção a Nonoai, os índios colocaram crianças no meio da estrada, usando-as como barreira humana. Eu, já acostumado com os achaques daqueles caigangues paraguaios, sempre tinha moedas e balas de menta no painel e console pra ofertar. Não contava com o nervosismo do motorista do Corcel a minha frente, que em vez de parar, se atrapalhou e terminou por tocar o carro em cima dos indiozinhos, deixando o motor morrer, ato contínuo. Foi o que bastou para uma horda de caigangues embriagados surgirem de trás das macegas à beira da estrada brandindo bordunas e facões. O próximo veículo era o meu e eu sabia que tinha muito álcool naquelas cabeças silvícolas para eles discernirem o joio do trigo e me arranquei numa estratégica saída pela esquerda Deixei a mente apertar o acelerador ao limite da tábua serra acima, sem dó nem atenção para o termômetro que insistia em tilintar seu alarme. O problema de aquecimento não eram os líquidos e voltara a se manifestar. Nem pestanejei: seria trucidado se ali ficasse e me fui o mais distante possível. Até que o motor fundiu, meia-dúzia de km depois. Fim de tarde, fim de linha para quem antes só queria ir até a cidade, ver gente e tomar um porre. Estava eu no meio de duas reservas indígenas, com o motor de meu jipe fundido e sendo pedido pelos sinais de fumaça. Preciso acrescentar que estava em área fora de serviço de minha operadora de celular? A noite caía e eu ali parado, às margens da RS 406, entre duas reservas de índios que pediam meu escalpo. Subitamente, do nada, um carro na estrada, em sentido contrário, encosta e o motorista pergunta: “precisa de ajuda?” A mão amiga na hora necessária fez-se presente uma vez mais em minha vida. “Sim, se o amigo tiver um celular que pegue aqui me ajuda muito”, respondi ao anjo da guarda. Ele fez o comunicado pra dentro do carro, onde se amontoavam 7 pessoas e respondeu que o filho tinha sinal. O guri, então desceu e me alcançou o telefone, com o qual imediatamente liguei para Chapecó solicitando socorro à cavalaria. Agradeci, desejei Feliz Natal e já estava voltando para o outro lado da estrada onde aguardaria o reboque, quando meu anjo da guarda determinou: “pega tua mochila e vem conosco”. Tentei retrucar, mas ele definiu: “vens conosco. Sou da região e sei que se os índios te pegam aqui, incendeiam teu jipe, contigo dentro”. Não sei se era a voz da razão, mas pareceu ser e me fui com eles, em meio a outras 7 pessoas num Monza. Voltamos a Planalto e nos dirigimos à residência do contador local, que nos esperava com muita alegria, cortando cavacos para fazer fogo na churrasqueira. Fui me apresentar, ao que ele atalhou: “senta naquele banco, pega cerveja ali e relaxa. Em seguida vou ouvir tua história.” Ainda tentei me candidatar para cortar a madeira, mas ele encerrou de vez o assunto: “em minha casa visita não trabalha”. Pronto; sentei e bebi. Cervejinha vai, cervejinha vem e eu, que já estava esquecendo meu infortúnio vi chegar uma linda morena, vinte e poucos anos e pernas quilometricamente delineadas pelos shorts que vestia. Foi quando meu anfitrião sentou-se a meu lado e comentou que era a sobrinha que chegava do Pará, onde fazia academia militar da Marinha; era Capitã de Mar e Guerra, mas naquele momento ele estava interessado na minha história, a qual lhe contei com todos os detalhes. Ouviu atentamente e comentou que deixar o carro e esperar pelo socorro em sua casa foi a decisão mais acertada possível e reiterou o desejo para que eu me sentisse em casa. O álcool já estava fazendo isso por mim e me aproximei da morena, que a essas alturas já parecia uma “Bond Girl”. Já cheguei dizendo o quanto eu estava maravilhado com sua beleza e que estava mesmo precisando encontrar porto seguro em minha vida, quando ela colocou seu copo em minha mão, abriu a bolsa que trazia sobre o braço e mostrou a 45: “muito obrigado pelos elogios, mas sou oficial da Marinha Brasileira, não tenho tempo para xavecos e esse assunto termina aqui”. Sorriu, fechou a bolsa, pegou o copo e deu meia-volta nos lindos calcanhares. O que eu trazia nas calças começou a vibrar; era meu celular chamando. O socorro havia chegado. O jipe e minha dignidade estavam salvos, bem a tempo. O celular do filho de meu anjo da guarda valeu como o próprio Rintintim. Agradeci a todos me despedi, quando ganhei um vinho de produção própria de meu anfitrião e me fui tomar um porre em Chapecó, naquela noite em que eu bem merecia uma Missa do Galo.
Feliz Natal a todos e que vocês possam passar por tamanhas
possibilidades de felicidade sem necessitarem passar pelas encrencas em que me meto