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Dedicatória

Dedico este livro a você que, independente do que aconteceu na sua vida,
aprendeu que perdoar é o caminho certo.
...
Alguns me amam tanto que chegam a me idolatrar. Outros me odeiam
tanto que me amaldiçoam, e alguns, simplesmente não acreditam na minha
existência.
Bem... Eu existo, só para deixar isso claro.
Meu trabalho nem sempre é fácil, alguns acontecimentos eu não gostaria
de definir, mas é para isso que eu existo, afinal. Para fazer você virar aquela
esquina no momento exato, ou se molhar quando não esperava que a chuva fosse
cair. Ou até mesmo, se atrasar naquele dia em que o ônibus foi assaltado. A sua
vida já vem predestinada, assim que você nasce, e eu apenas vou cuidando para
que tudo ocorra bem, no seu determinado tempo. Mas quando me deparei com
esse casal, e me dei conta de onde estava os levando, percebi que essa era uma
história que deveria ser contada.
Uma das minhas preferidas, entre tantas em que eu meto meu dedo por
aí...
— Ei, cara, o que está fazendo? — Cabelos claros encaracolados e asas
brancas, entram na minha linha de visão.
— Ei, Cupido! — Cumprimentei meu amigo. — Vou começar a assistir
uma história agora!
— Qual? — Ele largou seu arco e flecha ao meu lado, em cima do sofá.
— A do Felipe e da Camila. — Falei animado.
— Ah, essa é a minha favorita. — Ele suspirou emocionando. —
Lembro-me até hoje quando os atingi com as minhas flechas de amor, naquele
dia da boat...
— Cala boca, Cupido! — Joguei uma almofada na sua cara. — Odeio
quando você começa a dar spoiler. — Bufei irritado.
— Ai, cara, desculpe! — Ele esfregou a bochecha, onde a almofada o
atingiu. — Começa logo, então. Vou pegar a pipoca! — Falou já animado e eu
apertei o botão de play.
Prólogo
Um ano atrás
Felipe

— Ei, Felipe!
— Opa, brother! — Jorge se aproximou de mim, me cumprimentando
num movimento ensaiado que só nós dois sabíamos.
Aquela noite estava quente e agitada. Compramos bebidas e ouvíamos
música no último volume. Nossa turma sempre se reunia para festejar e
azucrinar durante a madrugada. Todos já estavam bêbados e chapados há essa
hora, o que não era novidade. No entanto a nossa maior diversão eram os rachas.
Tinha pegado escondido a SUV prata do meu pai, e torrado mil e
quinhentos reais, até agora. Hoje como sempre, a festa era por minha conta.
— Que tal um pega? — Jorge indagou. Seus olhos vidrados e suas
pupilas dilatadas, iguais as minhas.
— Não sei cara, tô meio chapado. — Eu dei um riso por entre os dentes,
pois era o máximo que conseguia fazer.
Eu literalmente estava mal, me sentia zonzo e completamente engraçado.
Essa felicidade momentânea que a droga te leva, te deixando leve e extasiado,
era o maior barato. O tipo de sensação que te deixa nas nuvens, e um pouco da
dor vai embora. Eu sabia que assim que o efeito passasse tudo voltaria, e eu teria
que aguentar o fardo de ser um Vasconcelos. De ser o herdeiro de uma das
maiores empresas do Rio de Janeiro, e ser cobrado constantemente em ser
excelente em tudo que eu fazia.
— Que é isso, cara? Você é o melhor. Tá com medo de perder pra mim?
— Jorge deu de brincadeira um soco leve no meu ombro esquerdo.
— Vai, amor. Vou ficar na torcida! — Michele disse, olhando nos meus
olhos. Seus longos cílios balançando conforme ela piscava, seus olhos vermelhos
vidrados e suas bochechas acompanhavam o tom avermelhado. “Ela estava
chapadinha”. Seus braços estavam enroscados em meu corpo que estava
encostado no carro. Sua coxa fazendo uma leve carícia nas minhas bolas.
“Ela é gostosa pra caralho”.
Aqueles olhos pretos como a noite, e seus cabelos tingidos de vermelho
vivo, sempre a deixava com aparência de uma verdadeira atriz pornô, e as
roupinhas que ela usa, só servem para me deixar de pau duro, sempre.
— Só por que você pediu, gata! — Sorri para ela, que devolveu o gesto
me beijando profundamente, passando as mãos pelo meu corpo e já deixando
minhas partes baixas em sentido de “alerta”.
— Ganha para mim! — Ela diz com seu sorriso safado.
Sorrio maliciosamente.
“Eu iria ganhar, e com certeza ganharei muito mais do que isso essa
noite”.
Entrei na SUV, enquanto Jorge pegou seu Audi. Estacionamos lado a
lado no semáforo. Como era madrugada, a avenida estava livre de carros e a
escuridão preenchia a noite, somente as luzes dos postes criavam focos de luzes
no asfalto. A turma se reuniu na calçada, gritando em torcida. O timbre alto da
música do Hardwell, zunia nos meus ouvidos, fazendo até os vidros do meu
carro tremerem. Michele veio ao meio da pista, entre os dois carros, os pneus
zuniam e os motores roncavam. A fumaça dos pneus que rodavam em contato
com o asfalto estava se alastrando, e o cheiro de borracha queimada infiltrando-
se nas minhas narinas.
Eu amava essa sensação, essa adrenalina que corre pelas veias sempre
antes da largada. O corpo fica em êxtase total, e o coração batendo em um
compasso que vai acelerando gradativamente, igual ao velocímetro. Essa
sensação inebriante era melhor do que a da vitória.
Michele tirou a blusa, ficando somente com um sutiã preto meia taça. “O
meu preferido, a propósito”. E agitou a blusa sobre a cabeça, dando a largada.
Acelerei o carro a toda velocidade, disparamos pela avenida. Jorge
manteve o carro próximo ao meu. Puxei a quinta marcha, chegando a 200 por
hora. As luzes dos postes e as luzes que eu via na minha cabeça deixavam tudo
mais excitante. Não conseguia tirar o sorriso do meu rosto. Essa alucinação, essa
vibração que meu corpo exalava. A maconha tinha tomado conta dos meus
sentidos, fazendo-me sentir que eu poderia voar com o carro, e nada, nem
ninguém, me venceria. A droga me transformou na porra de um super-herói. Ser
jovem é uma das vantagens de poder fazer idiotices sem arrependimentos. Sem
culpa. Sempre ter a desculpa de que os erros só são cometidos por que somos
jovens demais. Era isso que eu achava. Era essa a desculpa que eu dava.
Estava quase chegando ao destino final, a rótula no fim da avenida,
quando notei que uma sombra vinha em direção ao carro. Não consegui
distinguir se aquilo era real ou era minha mente projetando luzes e sombras na
minha frente. Um estrondoso baque contra o carro me assustou. Pisei no pedal
do freio rapidamente, e freei o carro o máximo que consegui. O carro derrapou
na pista fazendo um estrondoso barulho, enquanto meu coração batia
freneticamente e meu corpo suava e eu só conseguia rir. Eu ri. Eu estava na
maior onda. O corpo rolou no asfalto quando o carro parou a metros do acidente.
Olhei pelo retrovisor e vi o corpo caído no asfalto, e continuei a rir, até que, um
lampejo de consciência me atingiu. Então fechei os olhos fortemente até eles
doerem e rezei para que o corpo caído no asfalto tivesse desaparecido, que fosse
apenas um distúrbio da minha mente que havia sido criado pelo efeito da droga.
Porém quando os reabri, o corpo estava lá ainda inerte.
Então me dei conta de que eu tinha acabado de matar uma pessoa.
Capítulo 01
Dias atuais
Camila

— Cheguei, mãe! — Gritei, largando minha bolsa e livros no sofá
vermelho desgastado.
Nossa casa é pequena e humilde. Moro na periferia com minha mãe e
meu irmãozinho, desde que nasci. Sempre acreditei que apesar de ser pobre, para
mim nada poderia ser mais luxuoso do que um lar, uma família e um amor. E
isso eu tinha. Quer dizer... Só faltava a parte do amor. Eu me considero a típica
boba apaixonada que sonha com amores eternos, e um mundo melhor. Mas
quem não sonha, não é?
— Mamãe ainda não chegou! — Disse-me Léo, entrando na sala usando
um calção com estampa dos Mickey mouse, que era seu desenho favorito, e
comendo bolacha com leite em uma tigela de vidro azul.
— Hoje era dia de faxina na casa do senhor Artur? Perguntei,
caminhando até ele.
— Acho que não. — Ele chacoalhou a cabeça. — Mamãe disse que iria
procurar mais um emprego! — Ele disse mexendo a seu mingau de bolacha com
a colher. Sentou-se no sofá com a tigela no colo, e ligou a televisão no canal de
desenho, que infelizmente, era apenas um monte de chuviscos e linhas. Nossa
televisão era antiga e já não funcionava muito bem.
Entretanto, o que Léo falou me deixou preocupada. Mamãe não podia
trabalhar mais, ela já trabalhava de empregada doméstica em quatro casas
diferentes. Por esse motivo, Léo tinha que ficar sozinho no período da manhã,
enquanto eu ainda estava na escola e mamãe trabalhando. Não se pode deixar
uma criança com sete anos sozinha em casa. Apesar de Léo ser bem responsável
para sua idade, ele ainda é apenas uma criança. Ele teve que aprender cedo
demais a ser o homem da casa, depois que meu pai morreu há um ano.
— Você não vai para escola hoje? — Questiono, analisando sua
despreocupação com a hora. — Você já almoçou?
— Esi é meo almçu! — Ele falou com a boca cheia, erguendo sua tigela.
Ele engoliu a comida. — Hoje não tem aula! Sorriu satisfeito.
Lembro-me de quando eu tinha essa idade, e odiava ir para a escola,
odiava os temas de casa e os professores. Mas depois que você cresce, você
percebe como o estudo é importante. Somente com ele, alguém como eu,
consegue ser alguém na vida. Meu sonho é me tornar advogada, para assim
poder fazer justiça, fazer alguma diferença no mundo. Para ajudar a colocar na
prisão pessoas como a que matou meu pai, que acham que só por que são ricas
podem comprar tudo. Compram a polícia, compram os advogados, compram o
juiz, compram sua liberdade. E o que acontece como pessoas como meu pai e a
minha família? Simples. Morem, sendo apenas vítimas de uma sociedade injusta,
antiética e corrupta, que sempre dará mais valor para o dinheiro.
Sempre que me lembro disso, tenho vontade de sair e fazer justiça. Achar
o maldito ser de merda que matou meu pai, e matá-lo com as próprias mãos.
Meu pai não era um exemplo de pai, eu sei. Ele era alcoólatra, no entanto seu
problema sempre foi somente com a bebida, ele nunca tinha feito mal para mim,
meu irmão ou sequer erguido à voz para minha mãe. Ele trabalhava duro como
pedreiro, e sempre dizia que um dia ele construiria a casa dos nossos sonhos, e
que nos daria a vida que sempre merecemos ter. Até que naquela noite, ele saiu
para ir ao bar no outro lado da cidade, e nunca mais voltou. Nossos sonhos
nunca foram realizados, e suas promessas nunca foram cumpridas, e agora,
viramos uma família incompleta. Um pedaço tinha sido arrancado de nós, como
num jogo de quebra cabeça quando está faltando uma peça. Mesmo sabendo que
um dia a morte chega, é difícil aceitar quando ela leva alguém que você ama.
— Venha, vou fazer algo decente para nós almoçar. — Falei e andei em
direção à cozinha, sentindo meu coração apertado no peito por causa das
lembranças de meu pai.
— Macarrão? — Léo pediu animado, me seguindo.
— Vamos ver se ainda tem! — Sorrio para ele, passando a mão nos seus
cabelos enrolados. É o pequeno sorriso doce dele que me faz ser forte, e não
desabar pela saudade que sinto de papai.
Fiz o resto de macarrão que tinha. Precisamos com urgência fazer
compras, a geladeira já estava vazia. Dividimos o macarrão, e depois do almoço
Léo me ajudou com a louça e a limpeza da casa. Ouvimos som no último
volume, cantando as músicas do nosso ídolo, Charlie Brown Jr, enquanto eu
limpava a sala e Léo tirava o pó da estante. Minha mãe sempre o ensinou desde
pequeno, que mesmo ele sendo homem, seus deveres eram os mesmos que os
meus. Num mundo tão machista era preciso que desde pequenos aprendessem
que todos têm os mesmos direitos e deveres, e apesar de ele ser uma criança,
sempre mantinha suas coisas organizadas, e seus calçados limpos sem que
ninguém precisasse mandar. Ele é um ótimo menino.
Depois do serviço, Léo foi brincar na rua e eu fui tomar banho. Os
vizinhos estavam discutindo pela segunda vez no dia, desde que cheguei em
casa. Seu André e a dona Mara que moravam na casa ao lado da minha, sempre
brigavam aos berros, a vizinhança inteira escutava. Todos já sabiam que seu
André tinha uma amante, e que dona Mara queimava a comida de propósito.
Mesmo assim não se separavam, ou não conseguiam se separar. Nunca entendi
aquela relação entre tapas e beijos que os dois mantinham.
Entrei no nosso pequeno banheiro feito de cimento bruto, e liguei o
chuveiro que só tinha as temperaturas “congelando” ou “pelando”, como Léo
costuma chamar. E apesar de eu limpar o banheiro usando alvejante com cheiro
de lavanda, ainda assim, o cheiro de mofo se sobressaía no banheiro. A água
escoria lenta e sem pressão pelo meu corpo, fazendo-me me lavar rapidamente,
pois já sabia o que iria acontecer. Lavei os cabelos e como sempre, quando
chegou a hora de enxaguar, a água acabou. Já estava acostumada com isso.
Tomar banho em etapas, já era cotidiano do meu dia. Daqui algumas horas a
água voltava, mas o problema era você nunca saber quando ela terminaria e
quando voltaria.
Saí do chuveiro com uma toalha enrolada ao meu corpo, e comecei a
secar o cabelo com uma toalha extra, enquanto andava em direção ao meu
quarto. Foi quando escutei tiros. Meu corpo congelou, e a toalha que eu segurava
caiu de minhas mãos. Os sons dos tiros pareciam ecoarem distantes, mas eu
sabia que estavam pertos. Pertos o suficiente para me fazer entrar em pânico.
“Léo”.
Saí correndo enrolada na toalha, tremendo de medo e com o coração
pulando do peito. Abri a porta da minha casa, me sentindo totalmente atordoada.
Minha pele se arrepiou pelo vento e pela sensação de medo. Saí na calçada e
avistei Léo subindo correndo, em direção a nossa casa. A polícia tinha chegado a
nossa vila e trocava tiros com a gangue do W. Como sempre, esse era outro rito
diário. Wesley Oliveira era o chefe da gangue, com apenas vinte anos de idade
ele era um dos maiores traficantes da área. Todos o chamavam de W, mas eu
sempre o chamei de Wes. Não podia acreditar no que ele tinha se transformado.
O menino de olhos castanhos e cabelos cacheados que brincava comigo
escalando os pés de laranjeira, e soltando pipa no moro, agora era um bandido.
Nunca que naquele olhar inocente, naquela pequena criança, eu acreditaria que
acabaria se tornando um traficante. Mas o mundo em que nascemos não é justo
com a gente, ou você entra nele, ou ele entra em você.
— Corra, Léo! — Gritei aflita, vendo as balas perdidas ricochetearem
pelo chão.
Léo vinha apressadamente, correndo o máximo que suas perninhas finas
conseguiam, seu rosto em pleno pavor. Ao tropeçar acabou perdendo um
chinelo, e derrubou seu caminhãozinho de brinquedo no chão. Seu único
brinquedo. Ele parou e olhou para trás, em completa contradição.
— Venha! — Gritei totalmente apavorada.
Graças a Deus ele me escutou, e seguiu deixando o brinquedo para trás,
seu rosto miúdo, molhado pelas lágrimas constantes que rolavam sem parar.
Uma criança nunca deveria ter que decidir entre um brinquedo ou sua
vida. Uma criança com apenas sete anos, não deveria ter que passar por isso.
A cinco passos de distância de mim, pulei e agarrei-o, jogando nossos
corpos dentro de casa. As motos da gangue e o carro da polícia passaram em alta
velocidade, trocando tiros e gritando. Quase nos atropelando. Uma bala perdida
acertou o vaso de cerâmica ao lado da porta. Praticamente ao nosso lado.
Abracei Léo com força, seu corpo pequeno em cima do meu trepidava
com os existentes soluços. Choramos juntos, apavorados, por alguns minutos.
Essa não era a vida que deveríamos ter. Essa é a vida que ninguém
merecia ter.
“O ser humano deveria viver e não sobreviver”.
Capítulo 02
Dias atuais
Felipe

— Seja bem-vindo, senhor Felipe! — Paulo curvou-se numa reverência,
como se eu fosse um rei.
Eu não era um rei, e odiava ser tratado assim, mas era assim que todos
me tratavam. Quando você tem dinheiro, as pessoas acham que você é um ser
imortal e superior a elas. Elas não entendem que somos exatamente iguais,
apenas pessoas que vão morrer e virar cinzas.
— Oi, Paulo. Olá, Rosa! — Cumprimentei os dois com um sorriso
significativo.
Eu gostava dos nossos empregados, praticamente fui criado por eles.
Sempre acreditei que eles eram mais minha família do que meus próprios pais.
Rosa, nossa governanta, cuidou de mim desde que eu era um bebê, ela trocou
minhas fraldas, me colocou para dormir e me deu o carinho que nunca recebi da
minha mãe. Já Paulo, nosso mordomo, foi o cara que me deu a minha primeira
revista pornô, e isso era algo que eu jamais me esqueceria.
Peguei minha mala do chão, quando o táxi foi embora. Samara abriu a
porta da nossa mansão, com um sorriso enorme estampado no rosto.
“Pelo menos alguém da minha família estava esperando ansioso pela
minha chegada”.
Minha irmã mais velha desceu a escadaria de mármore, correndo em
minha direção, pulou no meu pescoço me dando um abraço apertado.
— Eu estava morrendo de saudades, pirralho! — Ela disse sorrindo, e
lágrimas apareceram no canto dos seus olhos.
Apesar de eu ser somente dois anos mais novo do que ela, ela sempre me
incomodava, me chamando de pirralho, bebê, feto, nanico, neném, criancinha.
Etc...
— Como vai, Samy!
Ela se desgrudou de mim, e me encarou com olhos marejados.
— Agora estou ótima. Recuperei minha outra metade! — Ela sorri, e
uma lágrima escorre na sua face. Limpei a lágrima de seu rosto com meu polegar
e dei um beijo no alto da sua testa. Mesmo sendo mais novo, eu era mais alto do
que ela.
Apesar de sermos irmãos, não éramos nada parecidos. Samara tinha
cabelos castanhos claros e olhos verdes, iguais aos da nossa mãe, já eu, tinha
cabelos pretos e olhos azuis, como os do nosso pai. E o tempo que passei fora
me fez perceber que minha irmã estava mais magra, muito mais magra. Não que
ela fosse gorda antes, ela sempre foi linda, mas agora não chegava a pesar
cinquenta quilos pelo que pude provar quando a abracei.
— Como você está magra! — Digo, analisando-a. Ela me encara
horrorizada, como se eu tivesse chamando-a de baranga.
— Apenas chegou e já está mentindo para mim? Eu sei que estou uma
baleia! — Ela se empertigou, colocando as mãos na cintura.
— Só você que acha. — Digo, e dou de ombros. — Cadê papai e
mamãe?
— Papai está na Expensive, como sempre, e mamãe na aula de yoga! —
Ela dá de ombros.
— É bom saber que eles estavam vibrando de alegria com a minha volta!
— Sorrio ironicamente, e Samara me devolve um sorriso triste.
***
Depois do acidente há um ano, meu pai comprou minha liberdade. E
como eu era menor de idade, e meu pai deu uma pequena quantia no valor de
400 mil reais para o juiz, que me sentenciou com apenas alguns meses de
serviços comunitários, e um ano na clínica de reabilitação, eu estava bem. Meu
pai teve a capacidade de comprar até mesmo os repórteres para que meu nome,
ou melhor, meu sobrenome não fosse divulgado, assim a empresa Expensive e o
sobrenome Vasconcelos, estariam salvos da difamação. Assim o senhor Miguel
Vasconcelos, estava a salvo da vergonha que seu filho lhe causou. Nisso, eu
tinha que concordar com ele, pois sentia vergonha da pessoa que eu era. Tinha
vergonha do que eu fiz. Fui enviado para uma clínica de reabilitação para me
livrar das drogas, isso era verdade, e meu pai só havia contado essa versão para
os nossos familiares. Às vezes, sinto nojo de mim mesmo. Eu matei uma pessoa
e é só isso que eu ganho como castigo? Um ano limpando rua e pichação de
muros, um ano dormindo e comendo do bom e do melhor, um ano num lugar que
nada aprendi. Isso não é justiça. Quando morrer, tenho certeza que o inferno
estará me esperando de portas abertas e o diabo com um lugar reservado ao seu
lado, exclusivo para mim.
Entro no meu antigo quarto, que aparenta estar exatamente igual, com
meu pôster do filme Se beber não case e meu violão pendurado acima da
cabeceira da cama. Minha televisão de tela plana, meu XBOX e meu
computador, estavam exatamente nos mesmos lugares. Tudo arrumado,
esperando por mim. Larguei minhas malas no chão e suspirei. Não um suspiro de
alívio por estar em casa, se é que posso considerar esse lugar um lar, mas sim,
um suspiro de frustração, daqueles angustiados que ficam presos na garganta.
— É... Eu estou de volta! — Falo a mim mesmo.
Entro no meu banheiro que está impecavelmente limpo, ele tem lindos
porcelanatos brancos cobrindo as paredes e piso, senti falta do meu banheiro no
tempo que fiquei na clínica, principalmente da minha hidromassagem. Ligo a
hidromassagem, e, por alguns segundos, só observo a água escorrer para dentro
da banheira. Vendo-a tão pura e cristalina, desejo ser como a água, mas isso era o
extremo oposto de mim. Eu me considerava tão escuro quanto à noite e tão sujo
quanto um monte de lixo.
Tirei minhas roupas, e coloquei meu IPod na cuba do banheiro com a
música O dia que não terminou do Detonautas, tocando alto. Somente a
música me acalmava um pouco, e me fazia esquecer e relaxar. Entrei na banheira
curtindo o som, deixando a água morna tomar conta do meu corpo. Imergi
literalmente na água, deixando todos meus pesadelos e dores do passado se
lavarem de mim. Entretanto aquilo era uma sujeira impossível de ser lavada,
tudo já estava impregnado no meu ser. Como em flashes, as lembranças do dia
do acidente me atormentavam, e a dor e culpa, me consumiam.
“Quem era aquele pobre homem que matei? Ele deveria ter família,
filhos que agora tinham perdido o pai. No que transformei aquela família? No
que me transformei? Sou um merda de um assassino”.
***
Após o banho, desço para o jantar, a mesa farta esperava por mim. Paulo
me cumprimentou com um aceno de cabeça que eu retribuí da mesma maneira.
Sentei no meu antigo lugar, a direita da cadeira do meu pai, que sentava na ponta
da mesa. Ele ainda não tinha chegado, ninguém ainda havia chegado. Após
algum tempo, Samara foi a primeira a chegar, ela usava um lindo vestido com
flores coloridas e estava com a aparência impecável. Samara tinha se tornado
uma linda mulher. Tenho orgulho de tê-la como irmã. Ela sorriu e sentou na
segunda cadeira a esquerda de meu pai, assim que Paulo puxou sua cadeira de
modo cavalheiresco. Enquanto esperávamos, Samara me contou que estava
adorando a faculdade de medicina, e que optaria pela parte de pediatria, pois ela
adorava crianças. Disse-me que estava namorando um rapaz chamado Marcelo
Guimarães, herdeiro de uma companhia de peças automotivas, e que tinham se
conhecido quando ele veio fazer uma visita na Expensive.
— Papai está feliz com isso. Ele acha que meu relacionamento com
Marcelo será ótimo para os negócios! — Samara diz, sorrindo.
Sorrio para ela, mas por dentro estava completamente triste. “Um
relacionamento para deixar nosso pai feliz? Um relacionamento por interesse?
Minha irmã não merece isso”.
— Mas você o ama, Samy? — Questiono, a olhando nos olhos.
Minha pergunta a afetou, pois ela me olhou com olhos arregalados e
sorriu tristemente. Acho que nem ela mesma tinha se feito essa pergunta.
— Estamos nos conhecendo. — Por fim ela diz, dando de ombros.
Papai e mamãe chegam à sala de jantar, discutindo. Pelo jeito, as coisas
não haviam mudado muito por aqui.
— Não quero saber, Sara! — meu pai falou exasperado. — Doar dinheiro
para um bando de crianças nojentas? Você acha que estou ficando louco?
— Mas se você fizer essa pequena doação de dez mil reais para a
entidade, o nome da empresa aparecerá na mídia. Você ganhará prestígio! —
Minha mãe tentou manipulá-lo.
Apesar de não ser uma boa mãe, ela era engajada em temas sociais, mas
não por que ela era uma cidadã com bom coração, mas sim, por que suas amigas
faziam esse tipo de trabalho social e ela tinha que mostrar que também tinha
dinheiro.
— Mas... — Ele parou de falar e pensou no argumento de minha mãe. —
Ok, somente dez mil! — bufou. — E não me peça mais nada. Sem essas crianças
analfabetas hoje, que adultos trabalharão para nós no futuro?
Pensei por um instante no que meu pai disse, e mesmo achando aquilo
um absurdo, conclui que ele disse a mais pura verdade. Sem classe baixa, quem
trabalharia para a classe alta? Um mundo cheio de injustiças e desigualdade. Era
nesse mundo em que vivíamos, afinal.
Quando notaram a minha presença na sala, mamãe veio e me abraçou.
Não um abraço de uma mãe que estava com saudade do filho, mas sim, um
abraço contido como se ela estivesse com medo de mim. Como se eu fosse um
estranho. Meu pai apenas me deu uma batida no ombro, o que foi pior ainda.
— E aí rapaz?
Assenti, enquanto Rosa colocava nossos pratos de comidas a nossa
frente. Jantamos sem trocar nenhuma palavra.
Eu tinha acabado de voltar a fazer parte de uma família faz de conta.
Uma família de aparência e status.
A famosa família Vasconcelos.
Capítulo 03

Camila

Mamãe chegou em casa por volta das sete horas da noite, já estava escuro
lá fora. Ela segurava uma sacola de compras nas mãos.
— Oi, amores! — Cumprimenta ao fechar a porta.
Nem deu tempo de ela conseguir largar a sacola no chão, pois Léo já
estava enroscado em sua cintura.
— Estava com saudade, mamãe. — Ele diz puxando a cabeça dela para
baixo para poder dar-lhe um beijo no rosto.
— Eu também, meu amor, eu também. — Ela sorri.
Eu podia ver no seu olhar como ela estava cansada, mas ela não queria
demostrar isso para nós. Então sorria, como se seu trabalho fosse tudo que ela
sempre sonhou.
— Já fez a janta, querida? — Pergunta olhando em direção a mesa posta.
— Obrigada. — Ela falou me beijando no rosto.
— De nada, mãe.
— Recebi 20 reais da faxina de hoje, passei no mercadinho da esquina e
comprei leite e pão. Faltava mais alguma coisa, Camila? — Fala e larga a sacola
em cima do sofá.
— Precisamos fazer compras quando possível. — Não quis dizer a ela
que estávamos praticamente sem comida. Ela me deu um olhar compreensivo, já
percebendo que a situação não estava nada boa.
— Vou tomar banho! Tem água hoje? — Questiona.
— Sim, voltou faz uma meia hora!
***
Jantamos um típico prato brasileiro, feijão com arroz. Contamos para
mamãe o que havia acontecido hoje à tarde, e ela instantaneamente começou a
chorar e se culpar.
— Léo podia ter morrido! — Falou entre os soluços. — Até quando meu
Deus, será assim? — Ela lamenta, olhando para cima.
Nunca entendi porque minha mãe tinha o costume de culpar Deus pelo
mal no mundo, a culpa não era dele, e sim, dos próprios seres humanos. São os
seres humanos que matam, são os seres humanos que poluem, são os seres
humanos que roubam e estrupam, são os seres humanos que agridem e batem,
são os seres humanos que banalizam e vandalizam o mundo.
“Os seres humanos são o próprio mal do mundo”.
Léo me olhou com olhos cheios de lágrimas contidas. Segurei sua
pequena mão e a da minha mãe e os acalmei dizendo que estava tudo bem, que
tudo ficaria bem. Não era fácil para eles, eu podia compreender, meu irmão era
apenas uma criança, que pouco compreendia do mundo em que vivíamos. Eu
rezava para que ele se tornasse um bom homem, que não acabasse indo para as
drogas ou virando bandido. E minha mãe, pobre coitada, era apenas uma
trabalhadora tentando dar o melhor para seus filhos. Ela é uma mulher forte e
batalhadora, merece muito mais do que ficar limpando privada de gente grã-fina.
Olhei para eles sentindo meu coração completamente despedaçado no peito, sem
saber o que fazer para ajudar a minha família.

Às nove horas da noite, mamãe sentou no sofá para assistir novela.
“Odeio novela”. Aquelas histórias sem nexos, que sempre tem um final feliz,
histórias sem verdade. Aquilo é apenas mais um monte de babaquice que passam
na televisão para te deixar mais alienado. Mas minha mãe gostava, e essa era
uma das poucas coisas que ela podia fazer sem gastar dinheiro. Então, não a
culpava por gostar daquilo. Fui para meu quarto, acompanhada por Léo. Todas
as noites, eu o ajudava com os deveres de casa e o ensinava matemática, a
matéria que ele mais tinha dificuldade. Ele era um ótimo aluno, assim como eu.
Mamãe sempre foi muito rigorosa com a nossa educação, apesar de não
estudarmos nas melhores escolas, ela sempre achava uma maneira de pagar por
livros e aulas particulares. A filha do senhor Artur, foi minha professora
particular por cinco meses, me ensinando inglês. Minha mãe pagou todas as
aulas, fazendo faxina na casa do senhor Arthur. Por isso me sinto no dever de
honrar todo o trabalho que ela teve, tentando ajudar e ensinar Léo tudo o que eu
sei.
— Léo, me escute. Só vou ensiná-lo mais uma vez. — O encaro, ele já
está deitado de bruços sobre a minha cama, nossos livros espalhados sobre a
colcha amarela.
— Mas não adianta. Eu odeio subtração! — Ele bufa. — Subtração é tão
chata que até a palavra parece idiota! — Resmunga,
Dou risada de sua expressão zangada.
— Você vai aprender, é só ter um pouco de paciência! — Sentada ao seu
lado, coloco a mão no seu ombro. — Vamos lá, só mais uma vez! — Sorrio o
incentivando, ele assente meio a contragosto.
Depois de três tentativas de diminuir dezoito de trinta e dois, Léo deu um
pulo e me abraçou. Rimos e comemoramos.
— Eu sou um gênio! — Ele gritou. — Não... Um gênio não, sou um
super gênio! — Ele agora pulava na minha cama, gritando excessivamente
animado.
— Você é uma ótima professora, Camila. — Mamãe entra no meu quarto,
sorrindo, olhando com olhos brilhantes para mim e Léo. — Agora super gênio
Leonardo, é hora de escovar os dentes e ir para a cama.
— Tá bom, mãe, mas não precisa me chamar de Leonardo. — Ele fala
descendo da cama, fazendo beicinho. — Parece até que eu vou começar a cantar
“É o amor... que meche com a minha cabeça e me deixa assim...” — Ele faz
uma linda encenação abrindo os braços e colocando a mão no coração. Mamãe e
eu rimos.
— Ainda bem que é Zezé de Camargo e Luciano que cantam essa
música, e não o Leonardo. — Mamãe diz ainda rindo.
— Ainda bem que você é fã do Leonardo, e não desse Zezé. Já imaginou
meu nome ser Zezé? — Léo diz sério, chacoalhando a cabeça em negação. Então
nós três começamos a rir em gargalhadas altas.
De repente tudo ficou escuro, fazendo-nos ficar em silêncio total. A luz
tinha acabado. Esse era outro acontecimento normal do meu cotidiano. Sorte a
nossa, que não precisávamos da luz para dormir.
No dia seguinte, fui para escola que ficava na vila, o ano letivo estava só
começando e esse seria meu último ano no ensino médio. Infelizmente no
próximo ano, só conseguiria ir para a faculdade de direito se conseguisse uma
bolsa. Mas eu tinha minhas esperanças.
Passando por uma lanchonete na volta para casa, vi uma plaquinha
grudada na porta.
Contrata-se garçonete meio período
Meu corpo se encheu de alegria, se conseguisse o emprego ali, poderia
ajudar mamãe com as compras do mês. Entrei sorridente na lanchonete, sabendo
que essa era a oportunidade que eu precisava para ajudar minha família. Uma
senhora simpática era a dona do lugar, ela me recepcionou e conversamos por
um tempo. Ela elogiou a minha educação e disse que tinha gostado muito de
mim. Expliquei a ela que era menor de idade, mas que logo faria dezoito anos,
que morava perto dali e que minha família precisava do dinheiro. Ela me
contratou. Começaria a trabalhar ali no período da noite, para que de manhã
pudesse continuar a estudar. O salário não era muito, mas ela disse que as
gorjetas eram boas, gente rica vinha ali.
Cheguei em casa, horas mais tarde, completamente extasiada com a
notícia. Nem acreditava que tinha conseguido. Estava louca de ansiedade para
contar para mamãe e Léo. Quando entrei em casa, Léo estava sentado no sofá
com uma carta na mão. Ele sorria e balançava o envelope no ar.
— O que é isso? — Perguntei, assim que larguei meus livros no sofá.
— Uma carta para você. — Ele me entregou sorrindo de orelha a orelha.
— É a carta da São Nicolau. — Explicou.
Peguei a carta e a abri em segundos. Meu coração batia freneticamente, e
meus dedos tremiam ao abrir o envelope. Começo desse ano, tinha feito uma
prova regional para tentar uma bolsa para cursar o último ano do ensino médio
numa das maiores e mais caras escolas do Rio de Janeiro. A São Nicolau. Se
conseguisse estudar nessa escola, seria muito mais fácil conseguir uma bolsa na
faculdade. O estudo ali era mil vezes melhor do que na minha escola atual.
Senhorita Camila Alves
Temos o orgulho de contemplá-la, com uma bolsa de estudos integral
para o último ano do ensino médio em nossa escola.
Sua média na prova regional foi a mais alta que já vimos. Você atingiu
a média de 9,78 pontos.
Teremos orgulho em tê-la como nossa aluna a partir da semana que
vem. Envie seus documentos por e-mail para confirmação da bolsa integral e
seu cadastro.
Aguardamos
Atenciosamente Diretoria da Escola particular São Nicolau
Dei um grito estridente que fez eco dentro de casa. Léo já sabendo sobre
o que se tratava, pois eu não parava de falar sobre essa bolsa há meses, pulou em
meu pescoço me abraçando tão fortemente que quase me estrangulou.
Até que enfim as coisas estavam melhorando para mim. As coisas iriam
melhorar para a minha família.
De noite quando mamãe chegou, contei a ela as boas notícias.
Comemoramos, porém mamãe disse que queria conversar pessoalmente com a
dona Juva, que era a dona da lanchonete, e ir conhecer pessoalmente a escola
onde eu estudaria na próxima semana. Minha mãe sempre preocupada, sempre
sendo a melhor mãe do mundo.
Capítulo 04
Felipe

Jorge havia me ligado mais cedo, convidando-me para tomar uma
cervejinha. Estava com saudade dos meus amigos e claro, de Michele. “Será que
ela ainda tinha aqueles cabelos tingidos de vermelho?”
O fim de semana chegou, e como tínhamos combinado, fui encontrá-lo
no seu apartamento. Estacionei meu Jeep preto, em frente ao prédio. Toquei o
interfone do último andar. “É claro que Jorge morava na cobertura”. Assim que
ele permitiu minha entrada, peguei o elevador. “Porque elevadores têm essas
musiquinhas horríveis?” O elevador subiu três andares, e parou para uma loira
fantástica entrar. Ela sorriu. Analisei. Bolsa de grife, saltos caros, brincos de
argola, blusa decotada cor de rosa e mascando chicletes, a típica patricinha.
Lanço um sorriso amigável para ela. Ela me analisa descaradamente, e quando
me olhou nos olhos, só faltou se jogar em cima de mim. “Sexo no elevador?
Unnn, não era má ideia”. Ainda mais para alguém como eu, que tinha passado
um ano inteiro, sem usar o meu garoto.
— Qual seu nome, gato? — Ela perguntou chegando mais perto. Estendo
minha mão para ela, e me apresento.
— Prazer, senhorita, meu nome é Felipe Vasconcelos! — Ela estende sua
mão para mim e me dá um beijo no meu rosto, muito próximo da minha boca.
— Prazer. Acho que é mais do que prazer, afinal. Não acredito que estou
conhecendo o tão famoso herdeiro da Expensive! — Ela bateu os cílios, e eu
fiquei com meu ar presunçoso. Bem no fundo, eu gostava disso.
Falar meu nome para as mulheres era um meio fácil de fazê-las molhar a
calcinha. Assim que ligavam meu sobrenome a empresa do meu pai, e a minha
conta bancária “gorda”, era como se eu já fizesse-as ter um orgasmo. Ser rico era
um imã de mulheres. Pena que eram todas interesseiras.
— E qual seu nome, baby? — Pergunto, inclinando meu corpo
sugestivamente para ela.
— Pode me chamar de Pri. — Ela sorri.
— Ok, Pri. Qual seu andar?
— A cobertura. Eu estou indo para a sua festa! — Ela sorri constrangida.
— Minha festa? — Franzo o cenho confuso.
— Jorge me convidou. — Ela estoura uma bola de chicletes para fora da
boca, e pisca para mim.
Chegamos à cobertura. Portas de vidro se abriram mostrando um
verdadeiro harém. Mulheres dançavam vestidas em pouco pano, luzes vermelhas
e azuis piscavam e um Dj embalava a noite, transformando aquele apartamento
em uma incrível balada. Jorge me enxergou de longe. Eu maneei a cabeça para
ele, e pedi movendo os lábios “o que é isso tudo?” Ele respondeu da mesma
maneira “pra você”, e ergueu uma garrafa de Eisenbahn. Sorrio largamente. Ele
sabia que eu realmente estava precisando disso. Antigamente, eu costumava ser
o maior festeiro e pegador da turma. Eu tinha mudado, mas nem por isso me
tornei outra pessoa. Continuo sendo eu, continuo tendo os mesmos gostos.
— E aí, cara! — Jorge para na minha frente, e fizemos nossa batida de
mão ensaiada, e nos abraçamos. — Como você está?
— Estou bem, mano. Agora estou bem! — Respondo, feliz por
reencontrar meu amigo.
— Vejo que já conheceu a Pri!
Ele olha para a loira que ainda estava do meu lado, me seguindo como
um cachorrinho salivando, ou no caso, uma cadelinha.
— Sim. Todas suas vizinhas são tão gostosas assim? — Pergunto,
olhando Pri de cima a baixo.
— A Pri é a mais! — Jorge diz agarrando-a pela cintura.
— Acho bom mesmo. — Ela sorri para Jorge.
— E a Michele? — Pergunto.
Eu precisava vê-la. Eu sempre fui um cafajeste, mas a Michele era minha
outra metade, ela era a vadia do meu cafajeste.
— Bem... Preciso te contar uma coisa, cara! — Ele fala baixando a
postura, e soltando a cintura de Pri. — Michele e eu...
— Amor!
Eu poderia reconhecer aquela voz em qualquer lugar. Aquela voz enviou
instantaneamente arrepios pelo meu corpo.
“Michele”.
Ela se aproximou por trás de Jorge e o abraçou, beijando seu pescoço.
Fiquei sem reação mediante a forma íntima como ela o tratou, eles sempre foram
amigos, mas não assim. “No entanto o que eu queria? Que ela tivesse me
esperado por um ano? Por um maldito ano? Mas ela não precisava sair dando
para o meu melhor amigo. Sempre soube que ela era uma vadia, agora tenho
certeza”.
Tentei manter a calma, mas meu corpo ficou tenso. Quando os olhos
negros dela encontraram os meus, ela ficou constrangida e assustada. Largou o
corpo de Jorge e ficou do seu lado.
— Oi, Fe. Como você está?
— Bem. E vejo que você também! — Os encaro com desgosto sem
conseguir esconder minha raiva.
— Pois é, aconteceu! — Ela dá um sorriso amarelo.
— Não se preocupem, estou feliz por vocês! — Tentei soar indiferente.
“Que grande mentiroso”.
— Além do mais, Jorge já me arrumou uma excelente companhia para
hoje! — Puxo Pri pela cintura, e a abraço.
Todos sorriem falsamente. Por hoje a loira vagaba serviria.
— Vamos aproveitar a minha festa. Cadê a minha Eisenbahn? — Indago,
puxando Pri em direção a um bar improvisado, criado na sala de Jorge.
E quando eu estou começando a acreditar que vou virar uma nova
pessoa, vem o destino e me nocauteia, e simplesmente meu botão “babaca”, fica
verde.
Não era uma da manhã e eu já estava completamente bêbado. Tinha me
transformado no “eu” de um ano atrás e tentado afogar as mágoas com cerveja.
Pri rebolava no meu colo, com a sua saia tapando poucos centímetros da sua
bunda redonda. Todos ao nosso redor estavam vidrados e embalados pela dança,
algumas garotas dançavam juntas, literalmente num tipo de orgia. Jorge sentou-
se do meu lado, com Michele a tira colo. Que já não tinha cabelos vermelhos,
agora eram pretos.
— Tá afim, cara? — Jorge me cutuca. Olho para o baseado que ele me
oferece, e raiva simplesmente brota de mim.
— Você ainda usa isso, Jorge? Depois do que você viu que me
aconteceu! — Vocifero.
— Cara, é só um baseado. — Ele dá de ombros. — E eu nem uso mais,
esse é de Michele.
— Foi só um baseado que me fez matar aquele cara. Você sabe disso,
você estava lá! — Falo passando as mãos no meu cabelo, frustrado. — Vamos
sair daqui, gatinha? — Digo para Pri que assente dando um sorriso safado. Puxo
Pri pela cintura e saímos do apartamento.
Não consegui olhar para trás, não consegui dizer adeus. As lembranças
daquele dia voltaram como um balde de água sendo despejado sobre mim. Eles
ainda tinham coragem de me oferecer aquilo, mesmo sabendo o que aquilo fez
com a minha vida. Eles não eram meus amigos. Mas eu estava bêbado demais
para decidir qualquer coisa nesse momento.
— Vamos fazer nossa própria festa, gato? — Pri fala de um jeito
manhoso no meu ouvido, passando a mão pelo meu abdômen, e parando com o
dedo bem no cós da minha calça. Meu pau responde ao toque. O elevador parou
no andar dela. Então, sem pestanejar, ela me empurra para seu apartamento,
tirando sua blusa e a jogando no chão.
Nada melhor do que sexo para me fazer esquecer-se de tudo.
Capítulo 05
Camila

— Boa noite, dona Juva. Estou pronta para começar! — Sorrio
amigavelmente para minha nova patroa. A senhora de meia idade, robusta,
lembrava minha vó. Gostei dela de cara, e acho que ela também tinha alguma
empatia por mim.
— Que bom que chegou cedo, Camila. Esse aqui é seu uniforme. Vista-o
no banheiro, e seja responsável para que ele esteja sempre impecável. Depois
que estiver devidamente trajada, recepcione os clientes e anote os pedidos.
Certo? — Ela instrui.
Assinto, e pego o embrulho de sua mão. Dirigi-me para o banheiro dos
funcionários que ficava perto da cozinha. Usava uma calça jeans, e uma camiseta
simples branca, vesti o avental vermelho com a escrita “Lanchonete da Juva”,
que estava dentro do embrulho. Arrumei meus cabelos num coque alto, para
manter os fios de cabelos indesejados longe dos pratos dos clientes. Esse era
meu primeiro dia de serviço. Eu nem acreditava nisso. Iria dar meu melhor para
que eu pudesse ajudar minha mãe.
Naquela noite atendi seis mesas, para uma segunda feira, até que a
lanchonete estava bem movimentada. E como dona Juva tinha me alertado,
realmente vinha gente da grana ali. Na minha primeira noite consegui vinte e
cinco reais de gorjeta, e ainda por cima, dona Juva me deu o resto de fritas para
levar para casa.
Às dez horas da noite cheguei em casa com meus trocados e a sacolinha
com batatinhas fritas, que já estavam frias. Encontrei mamãe me esperando na
sala, com um sorriso imenso no rosto.
— Boa noite, mãe!
— Filha que bom que chegou bem. — Ela senta no sofá, pois estava
deitada assistindo sua novela. — A única parte do seu emprego que não gostei,
foi do horário. Acho que vou pedir para o Victor começar a ir te buscar e te
trazer para casa!
— Sério, mãe? O Victor? — Dou um riso entre dentes —Vic não me
salvaria nem de uma barata!
— Mas pelo menos ele é homem... Quer dizer, tem aparência de homem.
— Ela se encabula.
— Deixa que eu falo com ele. Não precisa se preocupar, eu sei cuidar de
mim! — Sorrio para ela, e me sento ao seu lado no sofá. — Trouxe fritas e o
dinheiro da gorjeta, toma!
Entreguei para mamãe o dinheiro que havia ganhado.
— Filha, esse é seu dinheiro. Quero que fique com ele para você! — Ela
empurrou minha mão fechada que segurava o dinheiro na minha direção.
— Mas você precisa mais, o Léo precisa mais. Compre comida. Prometo
que quando estiver bem financeiramente, eu gasto um pouco do dinheiro
comigo, está bem?
Por alguns segundos ela me encarou, mas ela sabia que não adiantava me
contradizer sobre isso, eu sei o quanto eles precisam do dinheiro e mesmo sendo
pouco, já ajudava. Por fim, ela assentiu e pegou o dinheiro da minha mão.
Guardei o embrulho de batatinhas na geladeira e fui tomar banho. Antes
de ir para meu quarto me vestir, vou até o quarto de mamãe, onde Léo dormia no
colchão ao lado da cama de solteiro de mamãe. Ele dormia todo torto e com a
coberta toda embolada ao seu redor, mas parecia estar em paz, tranquilo em seus
sonhos de criança. Era nesse momento que ele podia ser uma criança normal que
vivia em um mundo bom, pelo menos em seus sonhos. Nesse mundo em que
vivíamos era tão fácil se perder, apesar da educação dos pais, muitos ainda são
levados para o lado do crime, ou pior, são mortos. Mas aqui na segurança de seus
sonhos, Léo podia ter seu mundo perfeito.
Me abaixo ao seu lado e dou um beijo na sua bochecha, tento arrumar a
coberta sobre ele, mas ele se move e suspira.
— Boa noite, Camila. — Ele sussurra sonolento, virando-se de lado e
chupando seu polegar.
— Boa noite, Léo.
No meu quarto, visto minha camiseta velha e desbotada do Nirvana e
uma calcinha, deito-me na minha cama, tentando achar uma posição confortável
para dormir. Fecho os olhos, e penso nas coisas boas que estavam acontecendo, e
rezei agradecendo a Deus pelas coisas que eu já tinha e pelas que estava prestes
a conseguir. Gratidão, era o que eu sentia no momento.
Tentei relaxar profundamente para o sono vir, mas o barulho da vila não
me deixava pregar os olhos. Gente brigando, carro de som passando na rua com
a música alta, tiros podiam ser ouvidos ao longe, uma barulheira infernal.
Fazendo-me revirar na cama desconfortavelmente.
Sempre acreditei em céu e inferno. Sei que o céu fica lá em cima, e que o
inferno não fica abaixo de nós, pois para mim, já estamos vivendo nele.
***
Uma semana já tinha se passado, dona Juva havia elogiado meu serviço e
organização na lanchonete. Mamãe até mesmo, deixou de trabalhar em uma casa
no período da manhã para poder ficar com Léo, o que eu achei excelente.
Também já tinha conseguido enviar meu cadastro para a São Nicolau e já estava
tudo pronto para eu começar os estudos na próxima segunda-feira. Tudo estava
perfeito.
Hoje como era sábado, estava trabalhando desde o período da manhã na
lanchonete e iria trabalhar até a noite.
— Oi, gostosa!
A voz fina de Vic me assustou, pois estava organizando o balcão de
atendimento de joelhos. Levantei jogando o pano sobre o ombro, e limpando o
suor da testa com as costas da minha mão.
— Oi, Vic. — Falo dando um ávido suspiro.
— Nossa... Que animação em me ver! — Ele diz, rolando os olhos e
colocando suas mãos na cintura.
Ele usava calça jeans justa e camiseta baby look verde água, que
acentuava sua pele escura e sua cabeça raspada. Victor Oliveira era meu único
amigo, desde que comecei no primeiro ano do ensino médio, Victor tem sido
meu parceiro. Para mim ele sempre foi Victor, até que um dia me contou que
queria ser Vic, então eu fiz o que todo amigo deve fazer, o apoiei, pois, sua
família não sabe de sua opção sexual.
— Nem vem sua bicha louca. Eu sei que você tem planos malignos
quando você está com esse olhar e, principalmente, com esse sorriso. — O
encaro, semicerrando os olhos.
— Pois acertou em cheio. — Ele pisca — Até que horas você trabalha
aqui hoje?
— Até as nove, por que comecei mais cedo hoje.
— Excelente. Às dez horas passo na sua casa. Hoje vamos comemorar!
— Ele bate palminhas, alegremente.
— Comemorar o quê? — Pergunto confusa e apoiei-me no balcão, o
encarando.
— Seu emprego, sua escola nova, seu amigo mais divo. Sei lá, qualquer
coisa. Só quero dançar. Por favor, Camila? Faz tanto tempo que não saímos. —
Ele faz beicinho e une as mãos me implorando.
Às vezes, era engraçado ver esse negão forte e alto, fazendo essa cara de
inocente e beicinho, mas era exatamente essa cara que sempre ganhava meu
coração.
—Tudo bem. — Falo revirando os olhos, mas um sorriso se espalha em
minha face.
***
Às dez horas em ponto, escuto uma batida na porta da minha casa, e tinha
certeza que era Vic. Eu já estava pronta para ir sei lá onde fôssemos. Minha
roupa de sair era sempre a mesma.
— Boa noite, gata. Como a diva aqui está? — Vic perguntou animado,
dando um giro de 360 graus, quando eu abri a porta.
— Está magnífica como sempre! — Eu rio.
Ele usava uma camisa social azul marinho, com mini florzinhas brancas
estampadas, calça preta e sapatos lustrosos.
— Obrigado. E você por que ainda não está pronta? — Ele analisa
minhas roupas.
— Mas eu estou! — Falo, olhando para meu visual, analisando o que
havia de errado. Eu usava minha melhor calça jeans, meus tênis Vans brancos
encardidos que minha mãe tinha ganhado como doação da filha do senhor
Arthur, e um moletom comprido. “Tudo perfeito”.
A boca de Vic se abriu em um grande “O” e ele chacoalhou a cabeça
negativamente, como se eu fosse uma visagem.
— Dona Camila Alves, a senhorita acha mesmo que vai sair vestida
assim comigo? Vamos já trocar essa roupa. Tá mais parecendo que você vai ficar
em casa assistindo a filmes, do que indo a uma balada cheia de gatinhos.
— Mas eu não vou usar nada curto. Estou com frio! — Falo cruzando os
braços, e me virando em direção ao meu quarto, enquanto contra minha vontade,
Vic me empurrava pelos ombros.
Entro no meu quarto e abro as portas do meu guarda roupa, que na
verdade era só um armário velho de duas portas. Eu não tinha muitas roupas e
nem muito espaço no meu quarto, então isso servia.
Vic me empurrou para o lado e começou a tirar todas as minhas poucas
roupas organizadas e devidamente dobradas, atirando as em cima da minha
cama. Sempre tive Toc por organização, e só de vê-lo fazendo aquilo, já estava
me deixando nervosa.
— Essa não. — Ele segurou uma blusinha vermelha. — Eca, essa é
horrível!
Sentei na cama e esperei, enquanto ele jogava blusas na minha cara.
— Você realmente já usou isso?
Ele chacoalha na minha frente uma blusa verde musgo, com babados e
rendas de gola alta. Acho que minha mãe tinha ganhado de alguma patroa dela.
Uma patroa bem velha, pelo jeito.
Eu comecei a rir de seu olhar de pânico pela blusa horrenda.
— Não. — Falo em meio aos risos.
— Graças à santinha do bom gosto! — Vic diz, fazendo um gesto de
colocar a mão no coração e suspira aliviado.
Depois de muita briga, Vic decidiu que eu iria usar uma blusa azul larga
de ombro caído. E quanto aos meus jeans e tênis, nada poderia ser feito, era o
melhor que eu tinha para sair.
— Afinal, aonde vamos? — Pergunto, me sentindo estressada por tanta
confusão só para sair de casa.
— Na One. — Ele sorri maliciosamente.
— A One é de gente rica, não temos dinheiro para ir lá. — Protesto.
— Não se preocupe, chuchu. Um amigo meu, pôs nossos nomes na lista.
Bufo, rolando os olhos.
Victor tinha um carro. Bem... não era exatamente um carro, mas rodava.
Seu Fiat Uno zero cinza, com a pintura enferrujada e cano de descarga furado era
nosso meio de transporte por onde quer que fôssemos. Ele estacionou uma
quadra pra baixo da entrada da boate, para que pudéssemos chegar à balada a pé,
ele não queria que nos vissem na sua lata velha. Algo que achei muito
desnecessário. Nós tínhamos um carro pelo menos, tem gente que nem tem.
A fila estava enorme, e podia se escutar aqui de fora o som alto que zunia
lá dentro. Ouvir a batida da música, até que me deixou mais empolgada. Eu
amava dançar. Dançar era a forma que eu encontrava para extravasar a raiva e a
dor quando elas resolviam dar as caras. Esperamos quase uma hora e meia na
fila interminável, minhas pernas já doíam quando chegou a nossa vez de entrar.
O segurança vestido em terno chique e com uns dois metros de altura, nos
encarou e nos analisou dos pés à cabeça, de modo bem grotesco.
— Desculpe, mas vocês não poderão entrar. — Sua voz foi ríspida, quase
como se ele estivesse chispando dois cachorros do seu caminho.
— Como assim? — Vic pergunta tomando uma postura ofendida. —
Nossos nomes estão na lista. Certo?
— Sim, o problema não é o nome de vocês e sim, as roupas da sua
amiga. — Ele me olha de cima a baixo.
— Me deixa ver se entendi. Você está me dizendo que só por que minha
amiga não está vestida como uma dessas piranhas que entraram aí, nós não
podemos nos divertir?
— Desculpe, são regras da casa. Os clientes devem estar com roupas
apropriadas para a balada.
— Só por que minha amiga não está de bunda de fora e de salto quinze
ela não pode se divertir? Vai à merda, cara! — Vic gesticulou com as mãos no ar
e mostrou o dedo do meio para o segurança.
— Calma Vic, deixe pra lá. Vamos embora! — Falo, o segurando pelo
braço.
— Não! Quem esse babaca pensa que é?
— Ele só está fazendo o trabalho dele, Vic. Vamos embora, por favor?
Nesse momento as pessoas da fila começaram a reclamar da nossa
demora, algumas até mesmo nos insultaram. Não dei bola, só não queria que Vic
brigasse com ninguém. Não gosto de confusão, mas parece que por algum
motivo sobrenatural, a confusão me perseguia.
— O que está acontecendo aqui? — Uma voz grave retumbou.
Virei-me para ver um rapaz muito bonito e muito bem arrumado, se
aproximar de nós. Ele nos encarou e vi quando seu olhar prendeu no de Vic. Sua
voz intensa, mostrando autoridade.
— Desculpe, senhor. — O segurança se aprumou. — Esses dois estão
querendo entrar na balada vestidos inadequadamente.
— Não entendo o que há de inadequado neles, Samuel, nenhum está nu!
O segurança ficou sem jeito e coçou a garganta pedindo desculpas.
— Deixei-nos passar. Pelo que posso perceber a garota aí não precisar
estar nua para ser bonita.
— Certo senhor, me desculpe.
Analiso o rapaz sendo chamado de senhor, ele provavelmente era apenas
um pouco mais velho do que eu, e já era dono de uma boate como essas. Além
de simpático ele era muito bonito, Vic quase não controlou seu sorriso para o
rapaz, que retribuiu da mesma maneira.
— Obrigada. — Sussurrei para ele. Ele assentiu, sorrindo.
Capítulo 06
Felipe

Uma semana havia se passado, e o fim de semana chegado novamente.
Eu odiei a semana que havia se passado, ir para a escola e ter que repetir o
último ano do ensino médio, era um saco. Mas tudo parecia normal, todos me
tratavam como se eu não tivesse ficado fora durante um ano. Eu ainda era o rei,
acima de tudo.
Depois de receber a ligação de Jorge para ir à One, que era a melhor
balada da cidade, que como ele mesmo costumava dizer “eu nunca seria dono de
uma espelunca” decidi que hoje iria tirar o atrasado, e beber todas, e
principalmente, pegar todas. Jorge era quase tão rico quanto eu, dono de uma das
baladas mais famosas da cidade, ele retinha um bom lucro. Ele era esperto, e
uniu o que ele mais gostava de fazer, com o que podia deixá-lo cada vez mais
rico. Eu estava ainda irritado com ele, mas não podia ficar lamentando por
Michele, eu sempre soube como ela era, então obviamente, a culpa não era
somente dele.
Cheguei lá e entrei pela entrada detrás, a que Jorge me mandou usar para
não pegar fila. Encontrei-o no camarote, no piso superior da boate. Sofás em
couro preto estavam dispostos e mesas de centro com balde de gelo com
Chandons. Luzes piscavam e o DJ agitava o pessoal. A vista aqui de cima era
fantástica, dando uma visão privilegiada de todo o lugar. Jorge estava debruçado
na grade olhando para a pista. Aproximei-me dele e olhei para a maré de corpos
embalados pela música eletrônica.
— E aí, cara?
— Que bom que você veio. Achei que depois de sábado, você tinha
ficado bravo comigo. — Ele diz.
— Não. Está tudo bem. Só não quero que você me ofereça mais nenhuma
porcaria. — Ele assentiu.
— Aquilo era de Michele, ela continua usando, mas eu parei depois do
que aconteceu com você. E sobre Michele... tem uma coisa que eu preciso falar.
— Não precisa. Eu entendo. Vamos deixar isso quieto. Ok? — Ele
assentiu, e eu sorrio. Não me importava mais nada, se Michele queria ficar com
ele, que fosse então. Eu precisava de uma vida nova e companhias novas. —
Muitas gostosas hoje? Pergunto, olhando para algumas garotas que dançam
sensualmente na pista.
— Várias, mas tem uma em especial. Quando você a ver, tenho certeza
que vai gostar. Encontrei ela e o amigo na entrada. — Explica.
— Onde ela está? — Pergunto, já me interessando. Eu sabia que Jorge
tinha um bom gosto para mulheres, então sabia que ele deveria estar certo.
— Ali! — Ele aponta para o meio da multidão dançarina. — A de blusa
azul e calça jeans, dançando com o cara negro.
Procurei por um momento com o olhar, mas logo a vi.
Ela se destacava.
Não somente por sua beleza, mas também pela forma como dançava.
Seus cabelos loiros compridos chacoalhavam de um lado para o outro,
conforme ela se movimentava. Ela mantinha seus olhos fechados absorvendo a
música, suas mãos acima da cabeça se movimentando lentamente. Quando ela
baixou os braços, à manga da blusa azul desceu junto, mostrando um ombro nu e
uma clavícula magra e sexy.
“Caramba”.
Ela não precisava de nada para ser sexy, somente o modo como ela
dançava já me fazia querê-la para mim. Eu continuei olhando para ela,
completamente hipnotizado. Algo estranho aconteceu, como se eu não
conseguisse tirar os olhos dela, estava totalmente absorvido pela forma e curvas
de seu corpo. Porém quando ela abriu os olhos, e olhou diretamente para mim e
um sorriso se espalhou por seus lábios, minha respiração se prendeu nos meus
pulmões. Era como se ela tivesse ouvido meus pensamentos e tivesse sido
atraída direto para mim.
— Pela sua cara, dá para ver que eu estava certo. —Jorge riu.
E eu só continuei a olhá-la, sem conseguir desgrudar meus olhos de seu
corpo em movimento.
Capítulo 07
Camila

— Você viu o cara gostoso que está com o outro cara gostoso? — Vic
perguntou, falando no meu ouvido para que eu escutasse acima da música.
Ergui meu olhar para o piso superior na boate, meus olhos se prenderam
em um rapaz de cabelos pretos e olhos azuis intensos. Não somente o azul do seu
olhar, mas também a intensidade a qual ele me olhava, me deixou arrepiada. Sua
franja tampava um pouco seus cílios tornando seu olhar sombrio e sensual, e sua
barba crescida, deixava seu rosto mais másculo e a mandíbula forte. Sorri para
ele. Que pareceu impressionado pela minha atitude. Senti algo estranho ao
encará-lo, como se algo nele me chamasse.
Ele e o cara que era o dono da boate, conversaram. Depois disso, os dois
olharam em minha direção e sorriram.
— Agora eu vi! — Sussurro de volta no ouvido de Vic.
— O de cabelo escuro pelo jeito gostou de você.
— Será? — Pergunto, mordendo o lábio inferior.
— Pelo jeito que ele estava te olhando, parecia até que você estava no
cio.
— Credo, Vic! — Coloco a mão na boca para abafar o riso.
— É sério! — Ele piscou para mim. — Oh, my God! Eu amo essa música! —
Vic praticamente gritou quando ouviu a música do Black Eyed Peas - I Gotta
Feeling, tocar. Ele sorriu e me puxou para dançar com ele.
Eu ri, pulei e dancei até minhas pernas estarem doloridas. Meu fôlego já
estava entrecortado e pequenas gotículas de suor escorriam pelo meu rosto. Parei
somente quando senti um cutucão no ombro, virei-me para encarar o garçom que
sorria como se eu fosse uma rainha.
— Oi! — Falo, alegremente.
— O senhor Jorge e seu amigo convidaram vocês para se juntarem a eles
no camarote superior, e mandaram esses drinks para vocês.
Lanço um olhar de soslaio para o andar superior, e vejo que o cara do
cabelo escuro nos observa. Encarei-o e sorri, fazendo um aceno de cabeça.
— Não, muito obrigada. — Digo, voltando minha atenção para o
garçom, negando com a cabeça.
— O quê? —Vic me encara estupefato. — É claro que eu quero a bebida!
— Ele rola os olhos para mim, pegando uma taça com um líquido cor de rosa da
bandeja do garçom. — Vamos Camila, hoje nós precisamos nos divertir!
— Ok! — Reviro os olhos, por que Victor deve ter um superpoder de me
fazer concordar com qualquer coisa que ele diz. Pego um drink da bandeja, viro
o líquido num gole e devolvo a minha taça para o garçom.
— Calma aí, menina, é para a gente se divertir e não morrer bêbados
numa vala.
Eu rio de Vic, e ele acaba rindo também.
— Manda um recado para o seu chefe, que se ele quiser, que venha
convidar pessoalmente. — Pisco para o garçom, me sentindo um pouco mais
corajosa do que o normal, acho que a bebida foi diretamente para o meu cérebro.
O garçom que era até bonitinho, assentiu e suas bochechas coraram. “Que
fofinho”.
Começou a tocar Enrique Iglesias - Tonight (I'm F**kin You). “Perfeito”.
Essa música tinha uma pegada sensual que fez meu corpo todo se acender,
completamente entusiasmada para dançar.
— Vamos dançar! — Eu gritei, puxando Vic junto a mim, que me
encarou rindo.
— Vamos lá, popozuda!
Rebolei e dancei a batida da música me sentindo mais solta do que
normalmente eu era. Aquele drink, já tinha tomado um pouco de meus sentidos,
me fazendo ficar menos tímida. Volte e meia eu jogava um olhar para o cara de
cabelo escuro e sorria, pois, sabia que ele estaria me olhando. E ele sempre
estava. Porém, vi quando uma loira muito bonita se agarrou a ele, e percebi que
tinha perdido qualquer chance.
“Não era pra ser”, pensei comigo.
Virei-me de costas para eles, enquanto a bunda de Vic subia e descia na
minha frente, embalada pela batida eletrônica da música. Eu adorava Vic assim,
sendo ele mesmo. Era bom ir a lugares onde ninguém o conhecia, assim ele
soltava a diva que existia dentro dele. A Beyonce brasileira como ele costuma se
chamar. Apesar de eu sempre dizer para ele, que não importava o que os outros
pensassem, deveríamos ser felizes da nossa maneira, por nossas escolhas, e o
resto que se foda.
Depois de algumas músicas sem prestar atenção no cara, virei-me e olhei
para cima, mas ele não estava mais lá. Parei e fiquei procurando por alguns
minutos com o olhar pela multidão para ver onde ele estava. Talvez tivesse ido
embora com a loira gostosona. E com esse pensamento senti uma pontada de...
Tristeza?
— Procurando por alguém?
Uma voz rouca, grave e sexy pra caralho sussurrou no pé do meu ouvido,
chegando por trás de mim.
Virei-me num pulo para encarar de perto, quem me encarava a noite toda.
— Você! — Exclamo desacreditada, e acabo tropeçando nele com o
susto. Ele me segurou pelos pulsos, me puxando contra seu peito para me
equilibrar.
— Sim, eu! — Ele sorri, e não um sorriso qualquer, estava mais para um
sorriso capaz de abrir até os portões do céu.
Olhando-me profundamente, e nossos corpos colados e bocas a poucos
centímetros de distância, minhas pernas amoleceram feito gelatina. Com seu
sorriso branco e perfeitamente alinhado, uma pequena e discreta covinha se
formou de um lado no seu sorriso maroto, me deixando atordoada.
— Não. Quer diz... Hã...
— Calma, linda, depois de todo esse seu teatrinho, achei que me quisesse
aqui. Você mesma mandou o garçom avisar. — Ele piscou.
Saí de seu aperto, e dei um passo para trás meio incomodada pelo jeito
intimidante e sedutor que ele exalava. Ele era muito, mas muito mais gostoso de
perto. Usava uma camiseta preta justa e calças jeans preta. Sua altura e postura
me faziam parecer uma anã próxima a ele. Ele era uma muralha em forma de
homem.
— Bom... é que achei que você estivesse com a loira. — Falei tentando
soar casual, mesmo que por dentro eu estive uma pilha de nervos.
— Eu nunca estou com ninguém, meu bem. — Ele diz mantendo seu
sorriso.
— É que eu e meu amigo estamos indo.
— Estamos? — Vic questiona chegando perto de nós, e eu dou um pisão
discreto no pé dele. “Nunca sabe ficar quieto”.
Olhei para o cara, constrangida, e minhas bochechas esquentaram
repentinamente. Eu não sabia mentir, nunca fui boa nisso.
— Ora, ora, me atiça e agora quer fugir. — Ele chacoalha a cabeça, como
se eu fosse uma menina má.
— Não. É sério, eu preciso ir para casa, minha mãe deve estar
preocupada. — Movo o peso do meu corpo de uma perna para a outra, ele me
deixava muito nervosa.
— Eu posso te levar, então? — Ofereceu.
— Não, nós estamos de carro. — Falo rapidamente.
— Certo, tudo bem, então. — Ele chacoalha a cabeça para tirar a franja
de seus olhos, mantendo um sorriso de quem sabia que eu estava mentindo. — Já
percebi que você gosta de bancar a difícil. — Ele dá um passo à frente, e coloca
uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha, meu corpo se tensiona pelo seu
toque repentino. Fechando o espaço entre nós, ele sussurra no meu ouvido. — Só
não esqueça que a próxima vez que você dançar daquele jeito para mim, se
certifique de estar no meu quarto, pelada.
Assim que ele se afasta, dá um sorriso demoníaco, olho para ele
completamente pasma.
“Quem esse cara pensa que é? O rei da cocada preta?”
Me empertigo e puxo Vic pelo braço, e esbarro no cara com minha
melhor postura de ofendida, apesar de que, puta merda, suas palavras não tinham
me ofendido em nada, e sim, me excitado pra caramba.
Capítulo 08
Felipe

O dia já estava amanhecendo, quando cheguei em casa. Tomei uma
ducha rápida e deitei na minha cama, usando somente uma cueca boxer
vermelha. Rolei por algum tempo na cama, sem conseguir pregar o olho. Por
algum motivo, àquela garota loira tinha me deixado intrigado.
“Como uma garota qualquer, estava me fazendo perder o sono?”
Por fim adormeci, lembrando-se de como ela dançava, dos movimentos
dos seus quadris, de seus lábios carnudos e perfeitos e de seus olhos verdes
cristalinos.
Sonhei imaginando ela dançando em cima de mim, remexendo aqueles
quadris em cima do meu pau. Imaginei-a tirando a sua blusa azul, puxando a
lentamente pelo ombro, mostrando seus abundantes seios, que se destacavam na
blusa fina. E sorrindo. Ela não precisava de maquiagem, acho que nem mesmo
estava usando. Ela já era sexy, seu sorriso era sua arma. Uma arma que, pelo
visto, tinha me atingido em cheio.
Acordei de tarde, com os raios de sol que se infiltravam pela cortina do
meu quarto, me atingindo o rosto. Levantei suado, e com a minha cueca esticada,
pois meu pau estava duro por tantos sonhos que eu tive com a loirinha.
Chacoalhei a cabeça em negação para mim mesmo, e ri do meu pouco alto
controle. Saí do meu quarto com minha toalha de banho pendurada no ombro e
desci para a piscina. A tarde estava linda, e me refrescar seria bom de todas as
maneiras. Encontrei Samara, deitada em uma espreguiçadeira tomando banho de
sol.
— E aí, pirralho. — Ela diz tirando seus óculos escuros.
— Oi. Cadê papai e mamãe? — Pergunto, largando a toalha na
espreguiçadeira, ao seu lado.
— Foram passar o dia no clube.
— E você, por que não foi junto?
— Para quê? Para vê-los fazendo de conta que são um casal perfeito?
Assenti dando de ombros, ela tinha razão. Virei-me e andei até a piscina
e mergulhei na água fria, sentindo a temperatura contra meu corpo quente.
Quando emergi, Paulo estava na beira da piscina. Nosso mordomo sempre foi
muito eficiente, sua postura sempre culta dava a impressão de que ele fosse mais
velho, apesar de eu saber que ele não tinha nem 35 anos.
— Boa tarde, Felipe. Gostaria de um lanche?
— Ótima ideia, Paulo. Traga-me um sanduíche de peito de peru e queijo
provolone defumado, e um suco de laranja.
— Também quero um suco, Paulo. — Samara gritou.
— Sim, senhorita.
Paulo se retirou, e Samara levantou e ligou seu iPod colocando as
músicas do Coldplay para tocar. Sentei na beira da piscina e chacoalhei os
cabelos para tirar a água.
— Está parecendo um cachorro! — Samara ri, e eu sorrio para ela. Ela
senta do meu lado e coloca seus pés na água.
— Sabe... Estou com vontade de arrumar meu próprio canto. — Passei a
mão sobre o cabelo para retirar as gotas de água que ainda caiam no meu rosto.
— Já vi que o tempo que passei fora não mudou papai e mamãe. Tenho certeza
que eles não se importarão.
— Eu também estava pensando em me mudar. Chega uma hora que você
quer se ver livre, né? — Samara fala e eu assinto.
— Não quero me ver livre de você, Samy. Não me entenda mal, mas
deles quero distância total. O ano que passei fora, longe daqui, fizeram muito
bem para mim.
— Entendo. — Ela mexe o pé brincando com a água.
Paulo apareceu com nossos sucos numa bandeja, largou do nosso lado e
me entregou o sanduíche.
— Mas alguma coisa?
— Não. Obrigada, Paulo. — Samy, responde.
Fiz que não, já com a boca cheia de sanduíche.
***
De noite fiz algumas ligações, e consegui um apartamento não muito
longe da escola, como já era maior de idade poderia morar sozinho sem
problemas. Graças a Deus me veria livre, dessa prisão sem muros.
Capítulo 09
Camila

Passei aquele domingo, irritada comigo mesma. O cara de cabelo escuro
tinha feito um grande estrago na minha mente, pois não conseguia tirá-lo da
minha cabeça. E o pior de tudo era que, eu nem sabia o nome dele.
Eu havia levantado cedo, pois todo domingo íamos à igreja, depois
fomos almoçar na casa da vovó Dalva. Ela tinha feito um incrível risoto, tive
que repetir duas vezes e Léo, nem se fale, comeu muito mais do que cabia no seu
pequeno estômago. Eu adoro a casa da minha vó, por que era retirada da vila,
dando a impressão de que em alguns cantos da terra, ainda podia se viver em
paz. Lá tinha uma pequena floresta atrás da casa dela, onde tinha um banquinho
e muitas flores, e do outro lado uma incrível vista para o mar. A residência era
simples, e todos os móveis humildes, mas o amor e respeito que um sentia pelo
outro quando estávamos juntos, era admirável.
Após o almoço, brinquei com Léo no balanço de cipó que tinha ali na
árvore maior do quintal. De tarde vovó tinha feito pudim de leite condensado.
“O meu preferido”. Porém, a todo instante me lembrava da noite anterior, ou
melhor, do cara do sorriso e olhos mais intimidadores que já vi.
“Como um simples olhar e um pequeno sorriso podem ter me deixado
assim?”
Claro, que eu nunca mais o veria. Primeiro, por que nunca mais iria á
One, segundo, por que, onde eu encontraria um garoto como ele? Rico.
Suspirei.
— O que você tem, Camila? — Mamãe perguntou, com o semblante
preocupado.
— Nada. — Suspirei.
— Mas está parecendo que acordou no mundo da lua. O que você tem?
— Ela me encarou sentada no banquinho em frente ao balanço, enquanto eu
balançava Léo.
— Só estou preocupada com a nova escola. — Dei de ombros. No fundo
também estava preocupada com isso, pois eu sabia que seria uma nova escola
totalmente diferente da minha atual, estava com medo de não me encaixar.
— Não se preocupe. Você é uma ótima aluna e uma menina adorável.
Tenho certeza que fará muitos amigos.
— Espero que assim seja.
***
De noite encontrei Vic na lanchonete.
— Oi, gata.
— Oi, Vic! — Ele me deu um beijo no rosto. Usava uma regata vermelha
e bermuda floral.
— Caramba, não consigo esquecer os caras gatos de ontem. — Ele disse
se sentando numa banqueta em frente ao balcão de atendimento.
— Nem me fale. — Suspirei.
— Vamos à One de novo, então? — Seu sorriso cobriu grande parte de
seu rosto.
— Nem pensar. — Falei imediatamente, chacoalhando a cabeça.
— Por que não?
— Um cara como aquele, provavelmente só quer me comer, rico, bonito
daquele jeito, tenho certeza que ele não se interessaria por alguém como eu.
Pobre! — Chacoalhei a cabeça enfatizando o que eu queria dizer.
— Isso não é tudo, Camila. Você é linda, inteligente e tem um coração
muito bom, nunca vou encontrar uma amiga igual a você. Então acho que se um
cara como aquele, não se apaixonasse por você, quem estaria perdendo, seria ele.
Sorri com o comentário de Vic, ele sempre sabia o que dizer.
— Você deveria seguir seus próprios conselhos, Vic. — Me debrucei no
balcão em frente a ele.
— Não é bem assim, é aquele caso “Não faça o que eu faço, mas faça o
que eu digo”, e para mim não funcionam da mesma maneira. Não quando se é
pobre, negro e gay. — Ele sorriu tristemente.
— Não fale assim. Você está se reprimindo e sendo preconceituoso com
si próprio. Além de se limitar, isso é inadmissível. Você não pode deixar que seu
pior inimigo, viva dentro de você. — Falei com convicção, achando o fato dele
se denegrir tanto, ser um absurdo.
— Obrigado. — Ele abriu um largo sorriso.
— Pelo quê? — Erguia as sobrancelhas.
— Por ser minha melhor amiga. — Ele disse com sinceridade e eu não
pude conter o sorriso.
— Eu sempre estarei aqui para você, Vic. — Peguei na sua mão e a
apertei.
Nesse momento, um grupo com quatro rapazes entraram na lanchonete.
Já tinha visto eles antes, eram lá da vila. E principalmente, já conhecia as
histórias sobre eles, eram de um grupo sem respeito e que só queria confusão.
Completos arruaceiros.
Percebi quando o olhar de Vic estremeceu ao reconhecer o grupo.
— Vejam só, a bichinha fez uma amiga. — Um deles riu e apontou pra
Vic, eles chegaram junto a nós, rindo presunçosamente. Vic apenas se encolheu.
Um cara nojento usando uma touca e óculos escuros, me encarou como
se estivesse me despindo com o olhar. Rangi os dentes pelo modo que ele falou
com Vic.
— O que os babacas querem? — Indaguei, não medindo minha audácia.
— Uh, lá lá, ela é nervosinha. — O cara chegou mais perto e pegou no
meu braço. — Tenho certeza que o babaca aqui te faria gritar. — Ele riu.
— Só se for de pavor. Me larga seu idiota! — Falei puxando meu braço.
Vic se levantou e se pôs na minha frente.
— A deixem em paz! — Ele gritou.
— O bambe tá achando que pode nos pôr medo. — Ele falou para os
outros três, rindo alto. —Você já não entendeu o que podemos fazer com você?
O corpo de Vic se tensionou na minha frente. Esses caras já tinham feito
mal a ele antes, mesmo assim ele estava os enfrentando por mim.
— O que está acontecendo aqui? — A voz da dona Juva chamou a
atenção dos caras.
— Nada, senhora. Só estávamos cumprimentando um antigo amigo.
— Certo, se não querem nada, vão embora.
— Nos vemos por aí, crioulo boiola.
Vic engoliu em seco. Eu fiquei com medo por ele. O que esses panacas
pensavam que eram? Os reis do mundo?
Cutuquei seu braço, quando percebi que Vic quase nem respirava, mesmo
os caras já tendo ido embora.
— Vic, você está bem?
Ele não se mexeu, e senti seu corpo estremecer ao meu toque.
— Ei, Vic, vamos até a polícia?
— Você acha que eu já não fui? — Ele perguntou com a voz entrecortada
pelo medo.
Eu saí detrás do balcão e parei na sua frente. Não sabia o que dizer, ou o
que fazer para ajudá-lo. Olhei em seus olhos que estavam marejados, então o
abracei, tentando tomar um pouco da sua dor para mim. Era a primeira vez que
via meu melhor amigo assim, indefeso. Ele nunca era assim, sempre foi alegre
sem deixar se abater, mesmo com todas as dificuldades e preconceitos que tinha
que enfrentar em sua vida. Mas esses caras, tinham o ferido muito mais com
palavras do que se tivessem usado facas.

Saí da lanchonete tarde da noite, não fazia muito tempo que Vic tinha
ido. Não conseguia parar de pensar em Vic e em como ele saiu abalado dali. Não
queria deixá-lo sozinho, mas eu precisava cumprir meu expediente. Não podia
correr o risco de perder meu emprego, fazendo somente uma semana que havia
conseguindo-o. Mesmo assim, durante meu serviço não consegui parar de pensar
em uma maneira de poder ajudá-lo.
Andei três quadras da avenida, o céu já escuro, apenas as estrelas e o luar
iluminavam o caminho. Não havia luzes nos postes, os arruaceiros quebravam
todas. Um cachorro latiu do lado de dentro de um portão, e eu quase tive um
enfarte com susto que levei, mas quando percebi que o animal não me atacaria,
fiquei calma. Sempre gostei de animais, mas somente daqueles que fossem
menores a trinta centímetros de altura.
Os barulhos de tiros começaram, vindos de alguma quadra mais acima.
Uma mulher desceu a estrada a minha frente correndo, fugindo do tiroteio. Sua
cara envolvida por uma expressão de espanto.
— É melhor fazer outro caminho, menina! — Ela gritou, enquanto
passava por mim apressada.
Virei e voltei por onde eu vinha. O que era uma droga, pois mais duas
quadras e eu estaria em casa, e agora teria que voltar todo o caminho e subir pela
rua que não era muito movimenta.
Pior do que estar andando sozinha à noite, é ser mulher. Os casos de
estrupo aqui na vila são absurdos. Esse pensamento me arrepiou. Ajeitei minha
bolsa no braço, respirei fundo e tomei coragem.
“Chutar nas bolas. Chutar nas bolas. Chutar nas bolas”. Eu repetia
mentalmente para mim mesma.
Subia a rua deserta e escura repetindo meu mantra. Chutar as bolas dos
agressores era a forma mais fácil de conseguir fugir. Era o que minha mãe tinha
me ensinado. Já esfregava uma mão na outra, pelo nervosismo que me consumia.
Eu estava com medo, tinha que admitir. O que uma menina de 17 anos poderia
fazer?
— Chutar nas bolas. — Repeti para mim mesma, agora em voz alta.
Andei mais alguns passos, quando um barulho me chamou a atenção, não
um barulho qualquer, mas sim, um choro. Segui me escondendo atrás da parede
lateral de um prédio antigo e observei o beco escuro.
— Você sabe o que faremos com você. Certo?
— Por favor, me deixem em paz.
A voz de Vic invadiu meu cérebro e o pânico tomou conta de mim,
instantaneamente.
“Oh, Não”.
Eles começaram a bater nele, pelas sombras pude reconhecer os quatro
rapazes de hoje mais cedo. Essa rua passava na ida para a casa de Vic, eles
devem ter esperado ele aqui. O encurralado. Unindo toda a coragem em mim, saí
detrás do muro e gritei.
— Larguem ele! Eu já chamei a polícia! — Gritei apavorada, mas
torcendo que a minha mentira um tanto arriscada, funcionasse, pois nem celular
eu tinha. Mas não pensei na hora, precisava ajudar Vic de alguma maneira.
— Vejam só, se não é a bonitinha lá da lanchonete. — Eles riram, me
observando. Meu coração batia tão forte no peito que não pude esconder o medo
que havia em mim.
— Camila, fuja daqui! — Vic tentou gritar, mas sua voz saiu fraca. Ele
limpou seu nariz com a mão, que já estava todo ensanguentado. Seu olho
inchado, e sua camisa havia sido rasgada.
— Peguem ela! — O idiota gritou.
Dois caras com boné na cabeça e roupas escuras me cercaram. O
primeiro se aproximou tentando me encurralar, e usando minha força chutei suas
bolas, ele caiu de joelhos no chão, contorcendo-se.
— Sua vadiazinha! — Ele resmungou.
Mas o plano que eu tinha, não incluía mais um cara. Quando percebi que
minha felicidade por ter acertado um deles, foi precipitada demais, pois o outro
já me prendia me segurando pelo braço, fiquei apavorada. Ele me pressionou,
me empurrando até a parede, minha bolsa caiu no chão. Uma de suas mãos tapou
minha boca.
Eu era fraca, inútil e agora seria apenas mais uma vítima.
— Vou adorar foder essa sua bundinha. — O cara disse no pé do meu
ouvido, sua ereção já esfregando contra minha bunda. Meu corpo se tensionou e
se encheu de pavor.
— Pegue leve, eu também quero me divertir. — Outro deles que não vi
qual era, disse rindo. O medo fluiu através de minhas veias, e as lágrimas
apareceram nos meus olhos.
O cara que estava no chão pelo chute que dei em suas bolas, se levantou
e veio em minha direção, sem pestanejar ele acertou um soco na minha cara.
Como meu rosto já estava encostado contra a parede de concreto, minha cabeça
escorregou para trás com o baque, e o cimento bruto foi arranhando a pele da
minha bochecha. Fazendo doer muito mais do que apenas o soco faria.
Eles riram. E eu gemi de dor.
— Deixa ela ir. Vocês só querem a mim. —Vic disse, já com dificuldade
pelos machucados.
— Agora queremos os dois.
Então o cara acertou mais um soco em Vic fazendo sangue jorrar de sua
boca. Ele caiu de cabeça no chão.
Nesse instante percebi que estávamos perdidos. Eles matariam Vic e a
mim. Seriamos apenas mais duas vítimas que provavelmente a polícia não daria
muita atenção. Dois corpos encontrados no beco, como muitos. Simples corpos
sem vida e sem valor.
Quando já estava me conformando que não havia o que fazer, eu vi a luz
no fim do túnel. E literalmente vi. A luz dos faróis de um carro invadiu o beco,
um cara desceu do banco do motorista, segurando uma espécie de taco de
beisebol.
Em passos rápidos, ele se aproximou do cara que me prendia e o
arrancou de cima de mim. Eu caí de joelhos e me encolhi junto à parede, meu
corpo tremendo. Olhei para ver quem era o nosso salvador e me deparei com o
dono da boate, o cara que tinha autorizado nós a entrar. Ele viu Vic caído, e seu
rosto se enfureceu. Ele deu uma tacada em um dos idiotas que tentou atacar,
outro fugiu pulando o muro e o último tentou lutar. O pior de todos, o mais
sádico, ele merecia apanhar, não somente apanhar, mas morrer. Eles trocaram
alguns socos e o taco de beisebol caiu no chão. Eu levantei e o peguei, enquanto
eles se socavam. Envolvi o taco firme em minhas mãos, as sentindo soarem e o
taco tremer. O cara acertou um chute forte no dono da boate, que caiu no chão,
contorcendo-se, então usando toda minha coragem, dei um passo à frente e
cheguei atrás do idiota, e acertei uma tacada na cabeça dele, deixando-o
desmaiado no chão. O taco de beisebol caiu da minha mão, igual o corpo do
cara, fazendo um barulho estranho ao entrar em contato com o chão.
O dono da boate, me olhou admirado e me fez o sinal de positivo com a
cabeça. Eu me sentia corajosa nesse momento. Essa hora a gente percebe o que
o medo é capaz de fazer, ele te deixa forte, te faz corajoso e te instiga a fazer
coisas que jamais poderia fazer.
Corri até Vic, e me ajoelhei ao seu lado. Ele estava respirando, porém,
seu rosto estava bastante machucado.
— Vic, fala comigo! — Passei a mão no seu rosto, limpando o sangue.
— Preciso de uma viatura na Rua Canários, na quadra da loja Sembel. —
Escutei o cara falar. Ele estava no celular chamando a polícia.
Assim que desligou, ele prendeu os três caras que estavam desacordados,
os amarrando com suas próprias jaquetas, os três idiotas ficaram lá, desmaiados.
Ruim, foi um deles ter conseguido fugir.
— Você está bem? — Ele disse aproximando-se de nós.
— Estou, mas Vic, não sei. — Falei olhando para meu amigo desmaiado,
e lágrimas começaram a rolar, desesperadamente.
— Esses canalhas homo fóbicos, vão pagar pelo que fizeram! — O cara
disse determinado.
Não entendi como ele sabia da opção sexual de Vic, sendo que nunca
havia visto eles juntos, e Vic não aparentava ser gay, e nem mesmo usava roupas
extravagantes para passar essa impressão para o cara. Aquilo me deixou curiosa.
Mas isso não era minha prioridade no momento e sim, Vic.
— Chame uma ambulância, por favor. — Minha voz saiu num grunhido,
minhas mãos tremiam e meu coração estava em pedaços no peito.
— Já está a caminho.
***
Cheguei em casa passada dá uma hora da manhã, minha cabeça estava
dolorida e meu corpo cansado. Tive que ir à delegacia para dar depoimento e
fazer o boletim de ocorrência, por sorte, não precisei ficar no hospital, apenas
meu rosto tinha um arranhão. Esse tinha sido o estrago físico, mas o estrago
interno tinha sido grande. Os pensamentos de tudo o que poderia ter acontecido
hoje, e de que eu poderia estar morta nesse momento, me deixou abalada. Vic foi
para o hospital com ferimentos leves na cabeça, e com um braço quebrado.
Agradeci toda a ajuda do dono da boate, que fez questão de pagar um táxi pra eu
voltar segura para casa, e todo o tratamento de Vic, enquanto ele estivesse no
hospital.
Quando abri a porta, minha mãe e Léo me olharam aliviados. Correram
ao meu encontro e me abraçaram, e minha única reação foi chorar. Chorar
desesperadamente.
— O que aconteceu? — Minha mãe perguntou, fungando no meu
pescoço. — Eu estava preocupada, liguei para dona Juva ali do orelhão e ela me
disse que já fazia três horas que você tinha saído para vir para casa. Onde você
estava, Camila?
— Uns caras atacaram a mim e o Vic, ele está no hospital, mãe. Só por
que é gay. Você entende? Esses seres de merda não aceitam ver as pessoas
felizes.
Eu sentia o ódio fluir através de mim, não entendo o que leva as pessoas
a serem assim. Serem horríveis com seus semelhantes. Não é por que uma
pessoa não tem o mesmo gosto, opinião ou se veste como você, que ela merece
sofrer e ser tratada como lixo. Ninguém merece sofrer. Para mim a terra sempre
será o inferno, pena que somente alguns mereciam estar aqui.
— Meu Deus, filha! Graças a deus vocês estão bem.
— Sorte foi um cara ter nos ajudado. Às vezes, acho que Deus não age
com as próprias mãos, ele apenas coloca pessoas boas no nosso caminho.
Minha mãe concordou e me abraçou me confortando.
Depois de conversar muito e todos se acalmarem, fui para o banho com a
intenção de lavar todo o dia terrível de mim. O pior era que amanhã, eu
começava na nova escola e já iria aparecer lá com cara de zumbi. Não que eu me
importasse com isso, mas eu realmente queria fazer amigos lá.
Liguei o chuveiro esperando a água me relaxar, o que pra minha tristeza,
não aconteceu.
Não tinha água.
Capítulo 10
Felipe


O som da guitarra da música Smells like team spirit do Nirvana, me
acordou, zunindo alto do meu IPhone. Era minha música despertador. Só uma
música assim, para me acordar na segunda de manhã, quando eu ainda me sentia
de ressaca. Levantei e tomei uma ducha fria, vesti uma calça preta, blusa branca
de manga comprida que remanguei até os cotovelos. Ajeitei meu cabelo de
forma que parecesse que eu não havia ajeitado, e coloquei minha correntinha de
ouro, que sempre usava e que havia ganhado da minha avó. A única pessoa boa
nessa família, mas que agora tinha partido para um mundo muito melhor do que
esse.
Saí do quarto encontrando Samara, saindo do seu quarto do outro lado do
corredor.
— Bom dia, pirralho! — Ela riu, segurando seus livros.
— E aí.
—Vai quebrar muitos corações esse ano? — Ela perguntou rindo,
analisando meu visual.
— Só os que deixarem serem quebrados. — Eu pisquei. — Você sabe
que eu sempre aviso elas...
— Mas elas nunca te escutam. — Ela terminou minha frase e eu sorri.
Eu sabia que eu não era um cara legal com as mulheres, mas nunca
nenhuma me inspirou a ser diferente e acredito que nunca isso vá acontecer, nem
mesmo Michele conseguiu, e ela sempre foi a minha preferida.
Descemos as escadas conversando sobre o estágio no hospital que
Samara havia conseguido. Ela estava tão feliz com isso, mas não queria contar
para nossos pais que ela teria que cuidar de inválidos em hospitais públicos.
Meus pais pagaram a faculdade de medicina dela para ela se tornar uma médica
particular e ter prestígio. Entretanto eu via que para Samara não importava onde
trabalharia, desde que estive ajudando e salvando vidas. Ela amava o que fazia.
Eu sempre quis ter um propósito na vida também, mas quando você é um ex
drogado e sabe que matou uma pessoa por isso, você nunca mais encontra algo
pra fazer de bom. Parece uma maldição, um fardo que te acompanha e não te
deixa viver, e eu sei o nome disso — é culpa. A culpa me corrói, e eu tento achar
um modo de viver com isso, mas em cada festa e bebedeira, em cada transa
casual, eu sei que me afundo mais. Porém, eu mereço isso. Mereço-me sentir
assim como um lixo, por que eu sou um lixo.
Os burburinhos já podiam ser ouvidos da sala, eu havia chegado apenas a
uma semana e já tinha ouvido meus pais discutirem muito mais do que eu me
lembro. Eles estavam numa crise de casamento terrível. E só não se separavam
por causa do status social, mesmo minha mãe sabendo que meu pai dormia com
a secretária e mesmo meu pai sabendo que a yoga da minha mãe, demorava
muito mais que o normal.
— Chega Sara! Não quero mais falar sobre isso!
— Ok! — Ela bufou, batendo os pés no chão.
Os encarei da escada, vendo aquele casal de estranho que dividiam a
mesma casa, me encarrarem, Samara ao meu lado estava tensa os encarando. Ela
não era como eu, ela não se envolvia em nada, ela não tinha opinião. Talvez
tivesse medo, mas eu não.
— Porque vocês ainda vivem juntos? — Eu gritei exasperado. — É por
isso que eu vou emborra dessa casa, não quero mais viver nesse faz de conta
infeliz.
— O que você está falando, Felipe? — Meu pai me encarou desfiando-
me, o que não me intimidou e o encarei.
— Comprei um apartamento ontem, vou me mudar assim que assinar os
papéis.
— E posso saber com que dinheiro você comprou?
Ele me encarou presunçoso, ele achava que somente ele tinha dinheiro e
que eu viveria sempre a mercê da sua boa vontade.
— Não se preocupe pai, não gastei seu dinheiro. Tenho a minha
poupança inteira do ano passado pra gastar como eu quiser.
— Menino ingrato. Você sabe o que eu tive que fazer por você no ano
passado? A vergonha que você me causou?
— Não foi a você que eu envergonhei pai, foi seu nome. E quer saber?
Não me arrependo disso. Que a Expensive exploda! — Gritei e sai em passos
largos, sem olhar para trás, se ficasse ali por mais um minuto, provavelmente
acabaria batendo no meu próprio pai.
Entrei no Audi A3 e liguei o som a todo volume, a música do Linkin
Park – Pepercut, explodiu nos autofalantes. Música alta era o que precisava no
momento.
Quando estacionei o carro no estacionamento privativo da escola, já
havia me acalmado um pouco. Às vezes, sentia como se eu ainda precisasse de
um trago de maconha para me acalmar. Um trago pra me anestesiar. Sentia como
se o mundo de merda em que eu vivia, sempre me levava a ser ruim, e a fazer o
que era condenável. Mesmo eu tentando fazer o certo, algo sempre me levava ao
errado. No entanto me controlei, e reprimi aquela vontade abrasadora, pois não
imaginei que veria lindos cabelos loiros, passando pela frente do meu carro.
Sorri, observando-a.
— Bem... Talvez esse ano escolar, seja melhor do que eu imaginei. —
Falei para mim mesmo. e desliguei o som.
Capítulo 11
Camila


Acordei de manhã, sentindo que ao invés de dormir, eu tinha passado a
noite carregando sacos com vinte quilos de batata. Eu estava acabada de
canseira. Além do corpo dolorido, tive um sono inquieto, sonhando com aqueles
malditos caras arrogantes. Só de me lembrar deles, meu sangue fervia.
Olhei para o despertador vendo que o ponteiro já chegava às sete da
manhã, o que me dizia que além de atrasada, eu não poderia visitar Vic no
hospital. Levantei às pressas, torcendo para que a água já tivesse voltado. Entrei
embaixo do chuveiro, e nunca fiquei tão feliz em ver essas pequenas gotas de
água gelada, cair do chuveiro. Um banho faria muito bem para mim, eu
precisava acordar e me livrar do suor do meu corpo pelos pesadelos
aterrorizantes.
Minutos depois, encarei meu guarda roupa, analisando o que vestir. Nada
parecia bom o suficiente para não passar uma má impressão no primeiro dia de
aula. Eu sei que aquela escola é cheia de riquinhos e eu sei que sou pobre, só não
queria deixar isso evidente logo de cara. Optei por meus jeans, que usei no
sábado na boate e meus Vans velhos. Procurei umas blusinhas, vendo que
nenhuma servia, muito a contragosto, vesti um baby look branco que já estava
transparente e com algumas bolinhas de tão velha que era, mas essa era a melhor
opção que eu tinha. Passei um gloss labial e deixei os cabelos soltos, assim eles
cairiam para frente, escondendo um pouco da minha blusa velha.
— Está linda, querida. — Mamãe disse enquanto arrumava a mesa de
café da manhã.
— Obrigada. Por que tudo isso? — Olhei, vendo uma mesa mais farta do
que normalmente tínhamos. Tinha pão, banana, café e leite e algum tipo de
geleia, e uns biscoitos.
— Queria que você comesse bem. Ontem eu sei que foi difícil pra você e
você tem ajudado tanto em casa, não sei como agradecer. Você é a melhor filha
do mundo, Camila.
— Não precisa agradecer, mãe. Nós somos uma família e é isso que uma
família faz, se ajuda. — A abracei apertado, já lutando contra as lágrimas, eu era
muito sentimental. Tinha a capacidade de chorar até assistindo propaganda de
sabão em pó. Eu ficava com dó das pobres mães que tinham que lavar as roupas
cheias de barro dos filhos.
Sentei-me à mesa e tomamos um café, no qual eu fiquei muito satisfeita.
Nunca fui do tipo que se preocupava com o peso, comia o que bem queria.
Quando você quase não pode escolher o que comer ou não tem dinheiro para
comprar as comidas que tem vontade, quando aparece uma oportunidade de você
encher a pança, simplesmente, você não recusa.
Saí de casa com minha bolsa e livros, estava pisando nas nuvens de tão
feliz que me sentia. O ruim seria ter que levantar cedo todo dia para pegar o
ônibus até a escola. O ônibus passava numa quadra de distância da minha casa, o
ponto não era longe, o que era pelo menos, uma vantagem.
Contei meus trocados.
— Sete reais e vinte centavos. Perfeito!
Poderia pagar a passagem e ainda comprar um lanche na escola, se
tivesse fome.
Andei distraída pela calçada, quando alguém me cutucou. Virei-me num
pulo com o susto que levei. Ontem tinha sido uma experiência bem
traumatizante para mim, e com certeza começaria a tomar mais cuidado, porém
esse pensamento foi inútil quando alguém tão facilmente me surpreendeu.
Quando olhei para baixo vi uma criança, uma menina muito pequena.
Deveria ser mais nova do que Léo.
— Oi, como é seu nome? — Perguntei.
— Carla. — Ela disse timidamente.
— O que você quer, Carla?
— Você tem uma moedinha, tia?
Meu coração se partiu ao meio, quando notei a situação em que ela
estava. De pé descalça e um vestido rasgado e sujo, ela ruía uma unha, o que me
fazia perceber que estava morrendo de fome. Ela fungava mostrando que seu
nariz estava entupido. O que essa pobre criança não passava morando na rua.
Meus olhos se encheram de lágrimas.
Abaixei-me ficando no seu nível.
— Onde está sua mãe, querida? — Perguntei docemente.
— Ela saiu com um tio. — Ela continuou a roer a unha do seu polegar.
Minha boca se abriu em um grande “O”. Muitas mães trabalhavam como
prostitutas para sustentar os filhos. Algo muito normal aqui na vila, e que podia
ser notado a cada esquina que se passava. Mas muitas só tinham essa opção, mas
quem pagava por isso eram as pobres crianças inocentes.
— Venha, vou comprar algo pra você comer.
Atravessei a rua segurando firme a pequena mão da menininha.
“Como um ser tão pequeno, um anjinho, poderia estar passando por
tudo isso? Será que ela merecia uma vida assim?”
Eu podia perceber que ela era esperta, que poderia ter um grande futuro
se ela soubesse que poderia ter um. Nessas horas eu me indignava com o tipo de
mundo em que vivíamos, com o tipo de injustiça que muitos sofriam. Chegava a
ser indignante ver o sofrimento de alguns.
Entramos num mercadinho e fomos até a mini padaria que havia lá
dentro. De cara, percebi seus olhinhos brilharam ao ver um enroladinho de
salsicha.
— Você quer esse? — Perguntei, apontando para o salgado.
Ela chacoalhou a cabeça afirmativamente, sem tirar o polegar da sua
boca.
— Pode me ver um desses. — Eu disse para a menina que cuidava a
padaria. Ela me entregou o salgado e quando eu o alcancei para a menininha, ela
atacou a comida como se sua vida dependesse de cada mordida, e talvez
dependesse.
Engoli em seco, vendo-a comer. Ela quase se afogou na pressa de engolir
o alimento. Então passei numa prateleira e comprei mais um pacote de biscoito e
um caixa de leite. Talvez eu não tivesse muito para ajudá-la, mas o pouco que eu
tinha, era muito para ela.
Após pagar as compras e entregar para ela, perguntei onde ela morava.
— Ali! — Ela apontou para cima, assim que saímos do mercado. Para
um barracão caindo aos pedaços, da estrada dava para ver ele acima do moro.
Parte do telhado era coberto por lona preta, que já estava rasgada.
—Tudo bem. — Olhei para ela sorrindo, mas por dentro meu coração
estava partido. — Amanhã de manhã, me encontra aqui de novo, que eu te trago
mais comida. Ok?
Ela assentiu sorrindo, com a boca cheia de bolacha. E aquele sorriso valia
todo o dinheiro do mundo, mesmo que agora eu tivesse que andar até chegar à
escola e passar fome no intervalo.
Cheguei apressada na escola nova, a minha nova amiga, me fez me
atrasar um pouco. A escola era tudo como eu imaginava. Limpa, grande e linda.
Haviam tantos carros estacionados, que parecia ter algum tipo de evento social
ali, então percebi que eram dos próprios alunos. Os que já tinham carteira de
motorista pelo menos, alguns ainda eram deixados em frente à escola por seus
pais em seus incríveis carros caros. Por um momento, senti falta de encontrar
Vic no portão da minha antiga escola, ele sempre me esperava para que
entrássemos na sala de aula juntos, e com certeza sentiria mais falta ainda da
professora Stela, ela era uma ótima professora, e não ensinava apenas língua
portuguesa, ela ensinava com o coração. Contudo, eu teria que aprender que de
agora em diante as coisas seriam diferentes, e que, mesmo sentido falta deles, a
escola São Nicolau me daria o benefício de conseguir uma bolsa na faculdade, e
para mim isso era o principal no momento.
Entrei me esquivando das pessoas o máximo que consegui, faltava pouco
pra aula começar e eu ainda nem tinha me apresentado na diretoria. Andei às
pressas, vendo que todo mundo me olhava e cochichava algo, principalmente
após analisar-me dos pés à cabeça. Claro que perto das roupas que elas usavam,
eu estava parecendo uma mendiga. Não importava se eu colocasse minha melhor
roupa, nunca chegaria a ficar igual a elas. Pareciam que todas tinham acabado de
sair de um shopping e dado uma passadinha no salão.
Encontrei a sala da diretoria por conta própria, o que foi um alívio, pois
não aguentava mais todos aqueles olhares e risadinhas pra cima de mim. Eu
sabia que não seria fácil, mas também achei que não me incomodaria tanto.
— Bom dia. — Falei para a senhora vestida impecavelmente em uma
blusa azul e cabelos presos, que estava do outro lado do balcão da diretoria.
— Bom dia. Quem é você? — Ela me analisou dos pés à cabeça, como
todos estavam fazendo lá fora. “Genial!”
— Sou a bolsista.
— Unnn. — Ela disse e pareceu não se importar muito com isso. Digitou
algo no computador e pegou um papel da impressora.
— Aqui, seu horário. — Me entregou o papel.
— Obrigada!
— Espero que entenda que a partir de agora você estuda em uma escola
de alto nível, e mesmo sendo bolsista deverá usar roupas adequadas.
Engoli em seco e assenti. Mas o modo que ela disse “bolsista” me fez
entender que ela acabava de chama de “pobre”.
Saí da diretoria encarando meus próprios pés, não sabia onde me enfiar.
Já era a segunda vez que alguém me alertava do meu modo de vestir.
“Será que isso realmente importa tanto assim? Será que o meu cérebro
não tem mais valor do que alguns metros de tecido?”
Suspirei frustrada.
Estava tão distraída, que quando senti, já era tarde demais. Meu corpo se
chocou contra alguém, e eu caio de joelhos, espalhando meus livros no chão.
“Ah, não, logo no primeiro dia”.
Comecei a juntar meus livros do chão, sem coragem de olhar para cima.
Não queria correr o risco de criar inimizades no primeiro dia de aula, para ser
mais exata, nos primeiros minutos dentro da escola. Entretanto, meus olhos
acabaram se detendo em um par de botas de combate. Meus olhos se arregalaram
em surpresa, e foram subindo pelas pernas de quem estava em pé na minha
frente.
Calça preta, camisa branca e incríveis olhos azuis.
Capítulo 12
Camila


—Você? — Inquiri incrédula.
Não conseguia processar e nem acreditar em quem estava em pé na
minha frente. Fiquei com aquela expressão de surpresa na cara, que me fazia
parecer um peixe baiacu.
O cara da boate com seu sorriso presunçoso, estava ali parado, me
lançando o mesmo sorriso, pelo qual fiquei sonhando.
— Sempre fui acostumado com garotas correndo atrás de mim, mas
nunca, literalmente, uma havia caído aos meus pés. — Ele disse me encarando, o
que me fez ficar mais nervosa do que já estava.
— Me desculpa... Eu... eu não fiz por querer. — Respondi.
Ele se abaixou ficando do meu nível e eu congelei, quase sem respirar.
Ele se aproximou tão lentamente e me encarando tão intensamente, que por um
instante pensei que ele fosse me beijar. Então ele se esquivou, desviando do meu
braço e pegou ao meu lado minha lista de horários. Sem me entregar, ele a
analisou e sorriu.
— Temos a primeira aula juntos. — Falou animado.
Isso seria um grande problema, um imenso problema. Daquele tipo de
problema que parece uma bola de neve que só vai aumentando, eu já podia
prever.
Ele levantou e me estendeu a mão. Encarei sua mão em dúvida.
— Qual é? Eu não mordo. Pelo menos ainda não. — Ele deu uma
piscadela e sorriu.
“Ok”.
Agora, meu corpo estava começando a atravessar altas temperaturas, já
podia sentir o suor na minha testa.
Agarrei sua mão com firmeza, talvez se mostrasse a ele que não estava
interessada no seu joguinho, ele me deixaria em paz. Mas ele era esperto, e ao
puxar minha mão, fez isso com uma dose de força a mais, me fazendo trombar
contra ele, contra seu peito. Apoiei minhas mãos no seu peito, não sabendo se o
empurrava pra longe ou se o puxava para mais perto. Encarei seus olhos,
enquanto respirava com dificuldade. O que ele me disse na boate, ainda ficava
piscando na minha mente. Seu olhar tão penetrante, analisou cada parte da minha
face, assim como eu estava fazendo exatamente com ele. Analisei cada
centímetro de pele, a forma do nariz, a mandíbula quadrada e a barba bem-feita,
a sobrancelha grossa e os lábios perfeitos e carnudos, mas os olhos era o que me
chamaram mais atenção. O azul tão claro como o céu, com várias raízes mais
claras ainda, quase os deixando cinzas. Apenas sua íris preta no meio de todo
aquele céu azul.
“Eram perfeitos”.
Dei um passo para trás, antes que fizesse algo que me arrependesse
depois. Ajeitei-me, arrumando a alça da minha bolsa no meu ombro e segurando
meus livros firmes contra meu peito. Virei-me de costas para ele e segui alguns
passos em busca de ar, racionalidade e minha sala. Mas quando dei o terceiro
passo, lembrei-me de que não sabia nada sobre a escola, onde ficavam as salas e
nem sequer, os banheiros. A escola era enorme, não conseguiria achar minha sala
sozinha. E ainda por cima estava atrasada.
Suspirei frustrada. Virei para encará-lo.
— Você pode me ajudar a chegar à sala de aula? Eu já devo estar
atrasada. —Suspirei.
— Claro. — Ele apenas disse.
Ele veio até mim e começamos a andar pelo corredor. Era estranho estar
tão próxima dele. Sua presença, seu calor me perturbava, me deixava nervosa e
ansiosa. Algumas pessoas encararam um pouco mais agora, mas além de
cochichar, suas caras eram de espanto.
“Eu sei que ele é demais pra mim, ok”.
Após dobrar para a esquerda em dois corredores e passar por um
bebedouro de água, ele parou.
— Aqui! — Ele apontou para uma sala com o número três na porta. —
Aula de sociologia.
— Obrigada, não sei como te agradecer. — Falei, me sentindo realmente
agradecida. Nunca teria encontrado sozinha.
Ele sorriu maliciosamente. E eu acabei de perceber que esse sorriso
significava que aí vinha bomba.
— Eu sei. — Seu sorriso se expandiu. — Você ainda me deve uma dança.
Lembra?
Ele empurrou a porta da sala com mão para eu entrar, e eu fiquei parada o
encarando, totalmente envergonhada.
Dançar pelada para ele, estava fora de cogitação. Mas por que isso me
parecia tão tentador?
Capítulo 13
Felipe


A sala já estava lotada, e o professor Edgar já estava em sua mesa.
— Vejo que continua o mesmo, senhor Vasconcelos. Sempre atrasado. —
Ele me encarou através de seus óculos de lente, e bufou.
— É Felipe! — Falei rispidamente.
O professor assentiu, mas sua cara me dizia que não gostou do meu tom.
— Espero que esse ano, não tenhamos o infortúnio de não o ter conosco.
— Ele disse ironicamente.
Eu e o professor Edgar não nos dávamos muito bem, ainda mais quando,
no ano retrasado ele pegou eu e alguns colegas, fumando um baseado atrás do
colégio.
— Não se preocupe com isso, professor. Tenho certeza que esse ano será
muito divertido. — Falei encarando os cabelos loiros da garota na minha frente,
que ainda estava parada.
— E a senhorita, quem é? — Ele olhou para a loirinha.
Eu percebi o modo como ela estava constrangida em frente à turma, ela
não gostava de atenção, o que era algo quase impossível dela não obter, pois com
esse corpo e rosto, tenho certeza que por onde passasse muitos a olhassem.
— Sou Camila Alves, bolsista. — Respondeu quase em um sussurro.
— Certo. É bom tê-la aqui e uma honra, querida.
Ela assentiu, eu não podia ver seu rosto, pois estava posicionado atrás
dela, mas jogo minhas bolas que ela corou.
— A nossa querida Camila, conseguiu uma bolsa na nossa escola através
de uma prova regional, onde ela praticamente gabaritou. — O professor Edgar
falou se dirigindo para a turma. Depois virou-se para ela. — Espero que possa
passar um pouco do seu conhecimento para todos.
— Obrigada, senhor.
— Podem se sentar! — O professor Edgar mostrou dois assentos vagos à
frente.
As mesas eram dispostas em duplas, o professor Edgar sempre dizia que
a aula de sociologia era para aprender a sermos sociais, então deveríamos
compartilhar nossas mesas formando duplas. O corpo de Camila parou no
corredor, ela encarrou os assentos vazios, seus ombros caíram derrotados quando
ela percebeu que faria dupla comigo, o que no caso, não me importei nadinha e
achei engraçada sua frustração. Eu sabia que a deixava constrangida e não podia
perder essa chance.
— Não se preocupe, Camila. — Disse seu nome quase cantarolando. —
Te darei um prazo para me pagar! — Falei ao pé do seu ouvido, seu corpo se
tensionou na minha frente. Eu sabia que mexia com ela, o que além de me
divertir, me deixava excitado pra cacete.
Ela sentou-se na cadeira que ficava ao lado da parede, se mantendo
afastada de mim, o máximo que conseguiu. Pegou seus materiais e colocou na
sua mesa, organizando tudo. Eu despejei meu caderno e puxei minha caneta do
bolso e encarei o professor.
— Então, queridos alunos, semana passada a aula foi para nos
conhecermos. Agora a coisa vai ficar mais séria. Esse ano quero que vocês
façam um trabalho em dupla sobre algum tema social, e me apresentem no fim
do bimestre. Que fique claro, que esse trabalho valera cinquenta por cento da
nota final de vocês. Então cumprimentem seus parceiros ao lado e se esforcem.
Percebi que Camila engoliu em seco e suspirou. Eu só consegui sorrir.
— É linda, acho que agora seremos eu e você. — Falei a encarando, com
meu sorriso intacto no rosto. Ela encarava o professor, mas de repente suas mãos
estavam em punhos sobre a mesa.
— Escute bem... — Ela falou rispidamente, quase me dando um susto
por sua atitude. — Eu preciso ir muito bem esse ano, não sou rica o suficiente
para pagar uma faculdade e acredito que você já tenha uma paga. Então será que
seria possível você não me azucrinar? Pois tudo depende desse ano para mim.
Ok?
Eu assenti percebendo como isso era importante para ela. Mas não gostei
do jeito que me julgou por eu ser rico.
— Só não me julgue dessa maneira, você não me conhece! — Bufei e ela
percebeu que me deixou ofendido. Então suspirou.
— Desculpa, tá. Também não gosto quando fazem isso comigo, quando
me julgam sem me conhecerem. Prometo que não farei com você. — Ela me
olhou e levemente sorriu.
E eu só consegui ficar encarando-a, notando como seu rosto era angelical
e seus olhos verdes tão claros que pareciam água cristalina, seus lábios rosados
em formato coração e a franja grande que contornava seu rosto. Então desviei o
meu olhar do seu rapidamente.
“Oh não, aquilo me assustou. Eu estou perdido”.
Capítulo 14
Camila

O intervalo, graças a Deus, chegou. Eu nem pude respirar direito,
enquanto estava naquela sala de aula. Ficar ao lado daquele cara, me
desconcertava. O seu perfume ficava me atingindo a cada instante, e ficou na
minha mente até mesmo agora, enquanto estou aqui escondida no banheiro, ele
parece me perseguir. Não posso ter nenhum interesse num cara como esse, ele é
problema, eu sei. Ele é daquele tipo de cara, que praticamente vem com uma
faixa escrita na testa “mantenha distância”. Joguei água no meu rosto, e suspirei.
A porta do banheiro se abriu, e um trio de garotas entraram. Suas roupas e
cabelos pretos faziam-nas parecerem cantoras de rock com exagerados saltos
altos.
— Ei! — Uma delas disse. — Você é a de quem estão falando, certo?
Dei de ombros. Não sabia de quem estavam falando.
— Olha se eu fosse você, eu nem respirava nessa escola. Na verdade,
voltaria para a caverna de onde você veio e me escondia lá. — A garota com
olhos pretos me encarou.
Engoli em seco.
— Eu não sei o que fiz pra você. — Disse.
— Você existe, esse é o problema.
“Ótimo, já consegui arrumar inimigas e nem compreendia o porquê.”
— E, menina, com essa sua blusinha aí, eu nem limpava o chão, não que
eu precise né! — E caíram na risada.
— Provavelmente quebrariam a unha. Certo? — Falei ironicamente, elas
me lançaram olhares ameaçadores.
A de cabelo e olhos pretos se aproximou de mim, com ar de
superioridade na cara.
— Deixe Felipe em paz. Ok? Já vi você jogando seu ar de vadia de
periferia pra ele. Mas ele é meu!
A encarei sem baixar a guarda, e me lembrei de tê-la visto abraçada com
o cara dono da boate. Achei que ele era namorado dela e não Felipe.
— Olha, eu não quero confusão. Só vim pra cá para estudar e não tenho
interesse em nenhum garoto, muito menos em um que se acha o rei da cocada
preta. Então vê se me erra, garota!
— Que bom que estamos entendidas. — Ela me lançou um olhar de
soslaio e um sorrisinho, enquanto saia do banheiro acompanhas por suas cópias.
Voltei a me encarar no espelho.
— Certo, Camila. Você vai vencer esse ano, e vai se tornar uma grande
advogada um dia. Tá bom, garota!
Então dei o sorriso mais falso que já dei na minha vida, e o pior de tudo,
era que havia sido dirigido para mim mesma.
Porque eu estava me enganando? Eu nunca entraria numa faculdade ou
me vestiria como uma delas. E já me dei conta disso, assim, logo no primeiro
dia. Achei que seria mais fácil. Achei que teria uma chance. Suspirei frustrada.
Por sorte, minhas aulas seguintes não envolveram um par de olhos azuis.
Então pude me concentrar e respirar normalmente. Saí da escola assim que o
sinal tocou, apressada passei correndo pelo corredor. Se eu fosse rápida o
suficiente, pegaria o ônibus e iria até o hospital ver Vic e ainda daria tempo de
chegar ao trabalho, sem estar atrasada. Teria que ficar sem comer, mas garanto
que dona Juva me daria algum lanche que sobrasse, após eu contar o ocorrido de
ontem e explicar a situação.
Corri atravessando o pátio, quando escutei uma freada brusca junto a
mim. Parei olhando para o lado com o coração disparado. O trio de piranhas
estava no carro que freou em cima de mim, e provavelmente foi de propósito.
Trinquei os dentes de raiva.
— Desculpa, queridinha. — A morena gritou e as outras começaram a rir.
Ela deu ré e manobrou passando na minha frente me encarando, a música
alta ecoando do carro.
Após sofrer um quase atropelamento e uma grave crise de raiva, suspirei
e andei até a calçada. Um ônibus que ia sentido norte, onde ficava o hospital,
passava bem ali. Então era só esperar. Sentei no banco do ponto de lotação e
apoiei meus livros no colo. Algumas pessoas esperavam também. Alguns
minutos depois e uma grande SUV estacionou em frente ao ponto de ônibus, o
vidro do passageiro se abriu, então um largo sorriso se iluminou lá dentro.
— Ei!
— Ei! — Respondi.
— Estou indo ver seu amigo. Quer ir? — O cara dono da boate
perguntou.
O encarei estupefata. Esse cara só pode estar me perseguindo. Não posso
confiar nele, mesmo ele tendo nos ajudado, nunca ninguém é bonzinho assim
sem algum interesse.
— Não precisa estou indo de lotação.
“Que droga Camila, você não sabe nem dar uma desculpa aceitável”.
O cara me encarou com o cenho franzido.
— É queee... Tenho que voltar para o serviço depois.
“E ainda não ajudou”.
— Não se preocupe, não sou como aqueles caras. — Ele disse mantendo
um sorriso amigável.
Pensei em dúvida, o encarando. Ele realmente não parecia uma pessoa
ruim, ele havia nos ajudado e vi o quanto aqueles caras o deixaram irritado. O
ônibus se aproximou, peguei minha carteira para tirar os trocados, então... Puta
merda. Esqueci que eu não tinha mais nem um tostão, dei tudo para a menininha.
— Ok. Obrigada, então. — Falei, entrando no carro, com um sorriso
amarelo, enquanto guardava minha carteira vazia.
— Não tem de quê. — Ele disse sorrindo.
— Eu nem pude te agradecer direito sobre ontem. Então... Muito
obrigada, mesmo. Não consigo nem imaginar o que poderia ter acontecido, caso
você não tivesse aparecido.
— Não fiz mais do que meu dever. Odeio esse tipo de gente, me dá nojo.
— Ele manobrou para a estrada.
— Eu entendo. Não sei como alguém consegue ferir outra pessoa só por
ela ser diferente. — Falei sentido a raiva me atingir.
— Ser diferente nem sempre é ruim.
— Verdade. — Falei, enquanto ele dirigia calmamente.
— Como é seu nome? — Perguntei.
— Jorge, prazer, e o seu?
— Camila.
Ele era um rapaz muito bonito e parecia ter uns vinte anos.
— Você é dono daquele lugar?
— Sou. — Ele riu, arqueando um canto da boca.
— Nossa, deve ser incrível ser tão novo e tão rico. — Falei
impressionada.
— Tem suas desvantagens também.
— Nunca vi ninguém reclamar de ter dinheiro. — Eu ri, ele também
sorriu.
— Não estou dizendo que não gosto do dinheiro, apenas não gosto do
nível que ele nos leva. Ter um status na sociedade implica muitas vezes, nas suas
escolhas particulares. Nem sempre podemos ser ou ter o que queremos. — Ele
deu um suspiro triste.
O encarei analisando. Ele era todo arrumado e ajeitadinho. O cabelo
penteado para o lado, uma camisa social com pequenas bolinhas e calças justas,
um relógio brilhava no seu pulso direito.
“Unnn, ajeitadinho demais”.
Ele estacionou no hospital e entramos, demos nossos nomes para a
enfermeira que nos levou até o quarto de Vic. Jorge tinha feito questão de pagar
o quarto particular e todos os medicamentos que Victor precisasse.
Quando entramos no quarto, Vic estava sentado, assistindo a um
programa na TV, mas quando nos viu, abriu um sorriso enorme. Seus dentes
brancos sempre reluziam mais brilhantes pelo contraste de sua pele escura, era
quase um tratamento de clareamento instantâneo que se formava cada vez que
ele sorria, o que eu achava o máximo.
— Você veio. — Ele sorriu, mas o sorriso não foi dirigido a mim e sim, a
Jorge. Algo estava acontecendo ali, meu sexto sentido nunca falha.
Jorge sentou se ao lado de Vic, e pegou sua mão num gesto carinhoso.
— Não poderia não o ver. — Jorge disse gentilmente.
— Ok. Podem me explicar? — Perguntei intrigada, com a mão na
cintura.
Jorge se virou para mim e sorriu e Vic fez o mesmo.
— Promete que não contará a ninguém? — Jorge indagou.
— Por quê? — Perguntei, já entendendo o que estava acontecendo.
— Alguém como eu, não pode ser o que eu sou. Entende?
— Há quanto tempo isso acontece? Por que não me contou, Vic?
Eu estava magoada agora, Vic nunca me escondeu nada e agora estava
mentindo para mim. Escondendo um super namorado.
— Foi muito rápido, Camila. Eu nem sabia se era real, até que Jorge me
convidou pra ir à boate dele, naquele dia. — Jorge era o amigo da lista, pensei
comigo. — A gente já tinha se falado antes, minha mãe era babá dele. — Ele
encarou Jorge, sorrindo como se lembrassem de coisas que só eles entendiam. —
E foi assim, um sorriso ali, um oi aqui. — Ele me encarou preocupado. — Mas
ninguém pode saber. Entendeu? Estragaria o futuro de Jorge.
Concordei com a cabeça.
— Mas eu te vi aquele dia na boate com uma garota morena. — Falei
acusatoriamente para Jorge.
“A mesma piranha que me atacou hoje no banheiro”, não falei isso alto.
— Sim, Michele, é minha namorada faz de conta. — Ele deu de ombros.
— Descobri que eu sou gay, faz um pouco mais de um ano. Todo mundo sempre
me teve como o pegador, o cara fodão e rico que pode ter tudo o que quer. Mas
eu não tinha tudo que queria, sempre vivi uma mentira. Quando conheci Victor
foi como se eu me reencontrasse. Michele apenas me ajuda a esconder a
verdade, e me usa pra ganhar algum status.
Abri a boca em um grande “o”. Eu via o quanto os dois estavam felizes e
fiquei muito feliz por Vic ter achado alguém. Dava para ver nos olhares que
trocavam e na forma como se acariciavam que o amor ali, estava completamente
infiltrado. Quase podia ver os coraçõezinhos sobre a cabeça dos dois. Fui até o
lado da cama de Vic e peguei a mãos dos dois, que estavam entrelaçadas e
coloquei entre as minhas.
— Prometo aos dois, que se depender de mim, ninguém estragará o
futuro de vocês.
Capítulo 15
Felipe


— Que droga, Jorge. Que droga! — Eu gritei, socando o volante.
Já não chega ele ter roubado Michele de mim e agora quer roubar até a
loirinha.
Quando ela entrou no carro dele sorrindo, percebi quão tolo fui. Eles já
estavam trocando sorrisinhos aquele dia da boate. Eu lembro muito bem. Uma
raiva mordaz se infiltrou em mim, e só consegui ver preto na frente. Apertei o
volante tão firme que até os nós dos meus dedos ficaram brancos.
“Mas o que eu tenho haver com isso também, porra? O que está
acontecendo comigo? Não. Me nego estar com ciúme. Não pode ser”. Bufei
completamente frustrado.
Liguei o carro e manobrei, e então liguei uma música alta, só a música
me acalmava. Um rock pesado era o suficiente para acabar com os sussurros da
minha mente. Dirigi em alta velocidade, e praticamente no piloto automático, até
chegar em casa. Mesmo a música estando aos estrondos, o sorriso de Camila
piscava na minha mente.
Quando cheguei em casa, fui recebido na porta por Rosa.
— Bom dia, senhor Felipe, o almoço já está servido.
— Obrigado! — Passei por ela, e subi as escadarias de mármore branco,
até meu quarto. Não queria almoçar com minha família, muito menos ficar
ouvido briguinhas e cutucas do meu pai e mãe.
Indo em direção ao meu quarto, escutei um som estranho vindo do quarto
de Samara. Andei até lá, vendo que ela não estava no seu quarto, mas o barulho
vinha dali. Então presumi que ela estava no banheiro.
Fui até a porta do banheiro e bati.
— Samy, você tá bem?
O som de alguém vomitando era o que eu ouvia.
— Samy? — Perguntei de novo.
— Tô bem! Só me dá um minuto. — Ela respondeu.
Quando ela já se demorava em abrir a porta, e eu já estava com a
intenção de abrir a porta na marra, ela saiu do banheiro. Seus olhos
lacrimejavam e ela limpava a boca.
— Você tem certeza que está bem? — Perguntei preocupado.
— Tenho, só passei mal, ok?
— Você já almoçou?
— Sim. Comi algo antes.
— Deveria comer mais alguma coisa para reforçar as energias. Você deve
ter vomitado tudo o que comeu.
Então ela sorriu.
— Exatamente. — Ela piscou.
— Você não precisa disso, Samara. — Adverti.
— Ah, não? — Ela perguntou ironicamente. — Diga isso pra mamãe. Ela
fica me comparando com a filha da Lorena. A garota é linda, eu tenho que
admitir, mas mamãe disse que eu preciso ficar igual a ela.
— Você não precisa Samara, você é linda assim.
— Só quero agradar mamãe. Quando eu chegar ao peso certo, eu paro.
Eu posso me controlar. Por favor? Tá.
Ela me encarou suplicante.
Se ser filho de dona Sara não era fácil para mim, imagina para minha
irmã. Minha mãe fez a coitadinha desde pequena a aprender a se portar, se vestir
e se maquiar como uma dama. Samara não vivia, não tinha seus próprios
desejos, nem sequer opinião própria. Já eu, sempre fui o filho rebelde, aquele
que fazia o que queria. Eu vi como Samara foi criada, não iria deixar eles me
manipularem assim. Por sorte, ela encontrou a medicina como seu escape disso,
mas ainda assim, mamãe conseguia atormentá-la com algo tão banal e fútil.
— Ok. Só prometa para mim que vai se cuidar, está bem? — Ela
assentiu.
A puxei num abraço apertado. Ela não precisava emagrecer nem uma
grama, ela já estava muito magra e mesmo que fosse obesa, ainda assim, ela
seria perfeita para mim.
Mais tarde a batida na porta do meu quarto me acordou, eu gostava de
tirar um cochilo no período da tarde, depois que voltava da academia. Era
entediante ficar sem fazer nada.
— Posso entrar? — A voz de Samara chamou.
— Sim. — Falei me espreguiçando.
— Ei, você já leu sobre isso? — Ela chacoalhou um jornal em minha
direção.
Chacoalhei a cabeça em negação, nem sequer havia cogitando do que se
tratava.
— Olha! — Ela me entregou o jornal, seus olhos arregalados.
Na primeira página uma grande foto do juiz que me sentenciou a fazer os
serviços comunitários estava ali, com a grande manchete, escrito:
Juiz é descoberto em esquema de corrupção: Todos seus casos
fechados entre dois anos serão abertos para processos de nova investigação.
Engoli em seco, sabendo o que isso significava. Depois de um ano, eu
ainda poderia ser preso e provavelmente agora, não só por matar um homem,
mas também por corromper o juiz.
— Não se preocupe por enquanto. Vai demorar um tempo até chegarem a
mim. Só não fala para o seu Miguel ainda. Ok? — Falei.
— Tudo bem, mas acredito que papai logo descobrirá.
Capítulo 16
Camila

Mais um dia de aula, apenas o segundo dia de um ano letivo inteiro. “Ah,
meu Deus, me dê forças para aguentar”.
Vesti a mesma calça que usei ontem e meu tênis, e uma regata rosa bebê,
e amarrei os cabelos, prendendo-os em um alto rabo de cavalo.
— Camila! — Chamou Léo, entrando no meu quarto.
— Oi, cara.
— Posso te pedir uma coisa?
Pelo seu olhar e jeito acanhado, eu sabia que vinha bomba.
— Claro!
— É que tem uma menina na minha sala e eu... Eu acho que eu gosto
dela. — Ele disse timidamente, movendo o peso do corpo de um pé para o outro.
— Gosta?
Sentei na minha cama e bati do meu lado, para ele se juntar a mim. Ele
veio acanhado e se sentou ao meu lado.
— Não sei, eu gosto de como ela prende o cabelo em chuquinhas e
escreve com a mão esquerda.
— Ela é canhota, então?
— Não, ela é bonita! — Ele me olhou nervoso. Eu ri.
— Canhoto é quem escreve somente com mão esquerda, Léo.
— Ah, entendi. Então ela é canhota sim. Bem... Eu queria saber como eu
faço para ela gosta de mim também, por que tudo que eu tentei não funcionou
muito bem. — Ele baixou olhar triste, fazendo suas bochechas gordas e rosadas
ressaltarem no seu rosto.
— E quais foram suas tentativas até agora?
— Bem... — Ele pensou por um momento, coçando o queixo. — Teve a
vez que eu me ofereci para ajudá-la com o caderno, mas o negócio era cheio de
fitinhas e frufrus e quando eu vi, ele tinha caído no chão e sujado. Ela ficou
muito brava comigo. — Ele chacoalhou a cabeça, com uma expressão
engraçada. — E na segunda tentativa, eu fiz um desenho pra ela, igual ao que
nós estamos estudando em artes, era um retrato. Mas eu acho que eu não sou
muito bom com desenho quanto mamãe é, por que ela pegou meu desenho, o
amassou e jogou em mim.
— Mas por que ela faria isso? Duvido que seu desenho tenha ficado tão
ruim assim.
— É que eu desenhei um cachorrinho, e pintei de marrom igual aos
cabelos dela. Eu disse que era um retrato dela. — Ele falou estufando o peito,
orgulhoso.
Eu comecei a rir sem poder me conter.
— Por que você tá rindo? — Ele pediu confuso.
— Léo, você entendeu o que é um retrato?
— Claro. É um desenho que é feito para a pessoa. — Ele colocou as
mãos no colo.
— Não, meu amor, é um desenho da pessoa. Ela pensou que você a
achou parecida com um cachorro.
A cara de espanto de Léo, só me fez rir mais.
— E o que eu faço agora? — Ele perguntou aflito.
— Escreva um bilhete para ela, diga que sente muito e que você gosta do
cabelo dela como você me disse agora, e sabe o jardim da dona Mara? — Ele
concordou com a cabeça. — Lá tem umas rosas lindas.
— Entendi.
— Peça para dona Mara a rosa, não vá pegar sem permissão, entendeu?
Ela vai te dar quando você explicar a situação.
Ele assentiu e saiu feliz do meu quarto.
Lembro-me dessa minha faze, quando estamos descobrindo o primeiro
amor. Você não entende muito bem como funciona, só sabe que gosta da pessoa
mais do que das outras. Meu primeiro amor foi Wes. Não nos separávamos por
nada, passávamos a maior parte do dia brincando juntos. Até o sexto ano, ele foi
à escola, e mesmo eu dizendo que eu o ajudaria nas matérias em que ele tinha
dificuldade, ele parou de estudar. Por um tempo, ele continuou sendo o Wes que
eu conhecia, até que o mundo o tirou de mim, da sua família, e de um futuro
bom.
Tomei café com mamãe e Léo. Mesmo mamãe não trabalhando mais no
período da manhã para ficar com Léo, ela levantava cedo para preparar o café da
manhã para mim, para que comêssemos uma refeição juntos, pelo menos.
A batida na porta nos surpreendeu.
Levantei e a abri, Wes esperava do outro lado com um largo sorriso.
“Pensando no diabo”.
— Ei, amor. — Ele disse, erguendo uma mão para passar em meu rosto.
— Oi, Wes, e não me chame de amor. — Bati em sua mão, sem deixar
que me tocasse. — Já esqueceu que eu não namoro bandido?
— Uma vez você gostava. — Ele deu de ombros.
— Uma vez quando você não era assim. — Fiz sinal com o dedo
apontando para seu peito.
— Oi, Wes. — Minha mãe o cumprimentou, ainda sentada a mesa.
— Como vai dona Vanuza? Precisando de alguma coisa? Gás, água, luz
alguma coisa? — Ele perguntou, com cara de quem era um super-herói ou o
maior benfeitor do mundo.
Era assim que o esquema funcionava, Wes era o rei do moro por que
ajudava todo mundo, ele dava o que a pessoa precisava no momento. Com seu
jeito doce e sorriso inocente, ele transmitia segurança e tranquilidade para os
moradores da vila. Mas as pessoas não se davam conta de que o que ele dava
com uma mão, ele tirava com a outra. Ele as manipulava a tão modo, que elas
sempre acreditavam que ele fazia o bem, e enquanto não o incomodassem por
seus trabalhos na área e ele os ajudasse, tudo estava bem. Eu não engoli nunca
essa história de bom moço, entendi muito bem os esquemas de Wes ou W, mas
enquanto ele ficasse longe de Léo, para mim ainda era relevante aceitar suas
atitudes.
— Não obrigada, Wes. Agora Camila está trabalhando, estamos nos
virando bem. — Ela disse e ele me encarou.
— Trabalhando? — Perguntou para mim erguendo uma sobrancelha, e eu
dei de ombros. — Que boa notícia. E onde você trabalha, amor?
— Não te interessa. — Bufei.
— Ela trabalha na lanchonete da dona Juva. — Minha mãe disse.
“Droga, mãe!”
— Unnn. — Wes sorriu. — Te vejo por lá, então.
— Certo, até mais. — Falei ironicamente. — E da próxima vez, troque
tiros com a polícia, longe da minha casa. — Disse bufando.
Ele pegou meu rosto pressionando minhas bochechas com apenas uma
mão, e apertou fazendo minha boca fazer um bico.
— Adoro quando você fica nervosinha, nunca vou me esquecer do jeito
que seu corpo se conectava ao meu. — Disse num sussurro.
Ele me largou e deu uma piscadela antes de virar as costas e sair.
Wes conseguia o que queria, e se não conseguisse na hora, ele acharia
meio para ter um fim. Tudo com ele era Sim. Ninguém dizia não para ele, até eu
decidir fazer o contrário. Há dois anos, Wes me pediu em namoro, eu aceitei por
que não tinha conseguido dissolver a paixonite que tinha por ele. Ele era bonito e
ainda é, com sua pele bronzeada, cabelos cacheados e olhos escuros, escuros
infelizmente como a alma que ele agora tinha. A alma que ele mesmo
corrompeu. Ele tinha virado um babaca, arrogante. Nas primeiras semanas, ele
tentou me compelir a perder a virgindade com ele, mas eu disse não. Ele foi
longe demais, me agarrando e me pressionando para que eu dormisse com ele,
ele me disse que algo do tipo, Léo ser atropelado ou minha mãe ser atingida por
uma bala perdida, era algo que ele poderia fazer acontecer. Então eu dormi com
ele, e me arrependo muito. Eu tinha apenas quinze anos e sonhava em encontrar
o príncipe encantado, eu achava que era ele, até descobrir que ele era um sapo
nojento que nunca se transformaria em um príncipe. Mas de sapo, ele virou rei.
Rei do moro. Ele começou a sair com outras garotas e eu disse que não queria
mais ficar com ele. Fiquei com medo dele tentar fazer algo pra minha família,
mas ele simplesmente me disse que um dia eu voltaria implorando por ele, e
bem...até agora, isso ainda não me passou pela cabeça.
Antes de sair de casa, fiz um sanduíche e arrumei um litrinho vazio de
coca cola, com um pouco de leite. Assim que dobrei a esquina, lá estava Carla,
esperando por mim, com seu sorriso doce de menina.
Capítulo 17
Felipe

A aula de educação física era minha matéria preferida, e não apenas por
eu adorar movimentar o corpo com os exercícios, mas sim, pelos minúsculos
shorts que as garotas usavam. Cada uma com um mais curto e chamativo do que
o da outra, uma tentando chamar mais a atenção do que a outra.
Sentei na arquibancada, observando a professora Jane, usando seu
habitual agasalho de tactel, organizando as garotas no meio do ginásio. Os outros
garotos, assim como eu, estavam sentados na arquibancada. Hoje era o dia da
escolha das dançarinas que apresentariam o show de verão. Um tipo de
comemoração que todo ano era feita na escola pela chegada do verão e um rito
em agradecimento a São Nicolau. As garotas praticamente se matavam para
fazerem parte do show, era a data mais esperada do ano. Na qual elas usavam
uniformes iguais e justos e apresentavam uma dança para o público. Nos últimos
anos, Michele havia sido a líder das garotas e as coreografias acabaram se
tornando um pouco sensuais demais. O que eu não me importei, claro. Mas eu
tinha perdido a do ano passado, então não tinha ideia de como seria a desse ano.
Cabelos longos e loiros presos em um rabo de cavalo, me chamaram
atenção, no mesmo instante em que ela entrou no ginásio. Ela andava encolhida,
tentando esconder seus peitos com seu livro, o que para mim foi um grande
infortúnio.
Ela se apresentou para a professora, e ao contrário de todas as garotas ali
presentes, ela usava jeans. Não conseguia escutar o que a professora falava a ela,
por causa dos burburinhos dos caras ao meu redor. Pelo olhar de Camila para as
outras garotas, pude perceber que a professora não iria deixá-la dançar usando
aquela calça. Eu já tinha visto ela dançar, era encantador, ela era simplesmente
magnífica. Então tinha que fazer alguma coisa. E uma ideia me veio à cabeça.
— Achados e perdidos! — Gritei por cima das cabeças dos caras, que se
viraram para me encarar. Eu dei de ombros.
Elas me escutaram também e o olhar de Camila encontrou o meu, sua
expressão era confusa e apavorada, o que me fez sorrir. Então a professora falou
algo para ela, mesmo assim ela não desviou o olhar de mim e eu não desviei meu
olhar do dela. Por fim, ela acabou assentindo para a professora e saiu correndo
dali.
As garotas começaram suas apresentações, cada uma apresentava uma
música de sua escolha e uma coreografia. Os caras estavam animados do meu
lado, todos aplaudiam, assobiavam e torciam pelas melhores, ou mais gostosas.
Quando Michele se apresentou, juro que achei que ela iria subir a arquibancada
engatinhando e sentaria no meu colo e daria para mim bem ali, mas a professora
a interrompeu. Michele nunca tirava aquele sorriso presunçoso do rosto, ela
sabia que era gostosa. E agora ela estava com Jorge que além dela, queria
Camila também.
Enfureci-me.
Camila entrou às pressas de novo, usava um calção de tactel preto meio
folgado para ela e bem curto, o que me deu uma excelente visão de suas pernas
tornadas e canelas finas. Ela tinha um leve bronzeado fazendo sua pele parecer
café com leite, um pouco mais de leite do que café, tudo contrastando com seus
cabelos loiros finos e olhos verdes água, um deleite para os olhos de qualquer
um.
— Cara, a novata é gostosa! — Escutei um dos caras cochichar para o
outro, que assentiu analisando Camila e sorrindo.
“Será que o corpo dele se quebraria em muitos pedacinhos se eu o
empurrasse dessa altura?”
Desviei meu olhar dos caras, antes que eu furasse algum deles com o
olhar penetrante que eu jogava em suas costas.
Mais duas garotas se apresentaram, Camila estava ao lado da professora e
tentava convencê-la a algo. No entanto, não conseguiu. Ela baixou a cabeça e os
ombros desanimados. Parecia nervosa e trocava o peso do corpo de um pé para
ou outro, sem parar. “Será que ela não queria se apresentar?”
Quando chegou sua vez, ela seguiu até o meio do ginásio, podia ver
como seu corpo estava tenso e suas bochechas rosadas. A música da Pitty - Me
adora começou a tocar. Diferente de todas as outras garotas, ela escolheu uma
música de rock, o que me surpreendeu, ou nem tanto, pra falar a verdade. Eu já
havia percebido que Camila era diferente das outras garotas. Ela parou no meio
do ginásio escutando a música. Percebi que ela estava sentindo a música, a
absorvendo, assim como fez no dia da boate. Ela começou a dançar um tipo de
balé, e mexendo o corpo em movimentos lentos e concentrados. Ela sabia o que
estava fazendo e eu também sabia. Eu tinha visto. Ela dançou, rodopiou, e
encantou não só a mim, mas a todos os garotos que ficaram calados a
observando dançar.
Quando a música terminou, Camila em um movimento final perfeito,
pousou no meio da pista do ginásio, seu peito se movimentava rapidamente,
então ela abriu os olhos e sorriu, igual na noite da boate. E como naquele dia, eu
estava me rendendo a ela, me rendendo ao seu sorriso. A plateia levantou em
aplausos, a professora sorria, e algumas garotas bateram palmas, outras apenas
baixaram a guarda e Michele, aparentava estar com bastante raiva. A professora
cumprimentou Camila que sorriu envergonhada. E novamente, aposto minhas
bolas que ela é a escolhida.
A professora Jane, virou-se para nós com seu sorriso perverso. “Aí, vinha
bomba. Maldição”.
— Bom, rapazes, esse ano vocês também participarão do show. —
Imediatamente, uma explosão de insultos vindos dos caras, invadiu o ginásio. —
Silêncio! — Ela gritou. E os rapazes pararam. — Resolvemos fazer algo
diferente dos outros anos, e depois desse espetáculo que Camila nos apresentou,
precisamos de um par para ela.
— Mas ninguém sabe dançar assim. — Um cara gritou.
— Eu nem mesmo consigo me alongar. — Outro cochichou.
— Vocês não precisam necessariamente dançar com ela, mas terei que
escolher um de vocês para ajudá-la. Vocês podem optar por cantar, tocar um
instrumento, criar uma música para ela dançar, qualquer coisa. Desde que sejam
juntos.
— Eu adoraria tocar meu instrumento pra ela. — Um falou baixinho para
o colega, sorrindo. O que me fez levantar e dar um tapa na sua nuca, ele olhou
para trás com olhar ameaçador, mas assim que me viu, bufou e se virou para
frente. “Idiota!”
O resto dos garotos se entreolharam, todos apavorados. Eu suspirei.
Primeiro, por que não deixaria um idiota desses passar algum tempo com
ela. Segundo, por que eu queria passar algum tempo com ela. E terceiro, por que
eu já sabia o que fazer.
Me levantei, e os olhos de Camila prenderam os meus. Eu sorri pra ela.
Ela baixou o olhar. Todos os caras me encararam, admirados.
— Ei, professora, acredito que nenhum dos cavalheiros estão dispostos a
pagarem esse mico, mas eu como o grande benfeitor que sou, me prontifico em
ajudar Camila.
— Excelente Felipe, é bom saber que retornou esse ano disposto a
recuperar seu ano perdido. Então está descido, esse ano Felipe e Camila farão o
show para nós.
E mais uma explosão de assovios, gritos e salva de palmas, invadiu o
ginásio.
Capítulo 18
Camila

“Cacete! Isso não pode ser”.
Saí do ginásio, apressada para trocar esse micro shorts que usava. Nunca
havia visto um depósito de achados e perdidos com tanta coisa, muito menos,
um em que eu pudesse fazer compras e sair muito mais bem vestida dali, do que
com as roupas que eu tenho em casa. Isso me fez perceber como o mundo eu que
eu vivia era diferente desse, e como minha antiga escola era totalmente ao
contrario dessa. Na minha antiga escola tinha até mesmo um segurança que
ficava revistando os alunos para ver se ninguém entrava armado ou com alguma
droga ilícita. Sempre tive em mente que de 40 alunos que estudavam comigo na
mesma sala de aula, 10% conseguiriam se dar bem na vida, 25% seria preso
antes de terminar o ensino médio, outros 25% acabariam se tornando pais antes
de terminar o ensino médio, outros 10% abandonaria a escola e os outros últimos
30% acabaria morto. Era horrível, mas era assim. Dou garças a deus por ter
conseguido fazer parte dos 10% que teriam uma chance na vida.
Um cutucão no meu braço me fez virar num pulo.
— O quê? — Gritei assustada, pois estava muito distraída com meus
pensamentos.
— Sou eu. — O sorriso de Felipe se espalhou.
— Ah! — Disse ruborizando.
— Então, agora que seremos parceiros de show e de sociologia, acho que
nós nos veremos bastante. — Ele sorriu, se encolhendo de um jeito despojado,
com as mãos no bolso. — Quando podemos começar? Temos muita coisa pra
fazer.
Assenti.
— Não sei como faremos isso. — Suspirei. — Eu saio daqui e vou direto
para o trabalho, e fico lá todo dia até às nove ou dez horas da noite. No fim de
semana, só tenho o domingo livre e somente até às cinco da tarde, depois
trabalho também.
— Você trabalha? — Ele pediu incrédulo.
— Ao contrário de alguns, eu preciso. — Dei de ombros.
— Tudo bem, podemos nos encontrar no domingo, então.
— Tudo bem. — Sorri. — Eu preciso me trocar, se você não se importa.
— Tentei ser educada com ele, que parecia estar sendo legal também. E
passaríamos a ter que conviver, então não poderia jogar toda minha raiva nele só
por que ele era bonito, gostoso e rico. Passei por ele, indo em direção ao
banheiro, mas antes que pudesse dar três passos, ele segurou meu braço e seu
toque foi como um choque em mim.
— Mas eu me importo. — Ele falou baixinho, sua voz saindo rouca e
sensual. — Adoraria vê-la usando esse calção na aula de sociologia, onde eu
poderia passar minhas mãos em suas coxas por debaixo da mesa, sem que
alguém visse.
Eu engoli em seco, e meu corpo ferveu de raiva, por que eu odiava que
tentassem me dominar. Já estava cansada de ter caras como Wes no meu pé que
se achavam os machões, e agora me vem esse tal de Felipe.
Tomando coragem, o encarei.
— Olha aqui... Eu não sou esse tipo de garota, ok? Não saio abrindo as
pernas pra qualquer um com um sorriso bonito. Então para de falar esse tipo de
coisa. Porra! — Gritei exasperada.
Ele afrouxou o aperto do meu braço, e me encarou surpreso.
— Então você gosta do meu sorriso? — Ele sorriu. — Vai dizer que você
não gosta?
Eu bufei e revirei os olhos e não respondi. Saí dali, por que apesar de
tudo, eu gostava e isso que me deixava irritada, e puta da vida.
“Tenha algum senso de autopreservação Camila!”
Minutos mais tarde, entrei na sala de sociologia, já devidamente vestida.
Havia devolvido o short que depois percebi ser original da Adidas, o que
provavelmente custava mais do que todas as roupas que eu estava usando. Dei de
cara com Felipe já sentado no seu lugar, o que me fez querer dar meia volta e
sair dali correndo. Pois percebi que para passar pra o meu lado do assento, eu
teria que passar por ele. E já provando como ele era, duvido que essa manobra
fosse algo fácil de realizar. Baixei a cabeça tentando não o encarar. Algo em seus
olhos sempre me deixava um pouco mais nervosa do que naturalmente ela já me
deixava.
— Você pode me dar licença? — Perguntei, ainda com a cabeça baixa.
— Claro! — Ele cantarolou divertido, e eu suspirei aliviada.
No entanto, ao invés dele puxar sua cadeira para frente para que eu
pudesse passar por trás, ele a empurrou para trás, deixando suas pernas no meio
do meu caminho. Todos nos observavam, eu podia sentir os olhos na minha nuca
e escutar os cochichos. Os malditos cochichos.
Endireitei meu corpo e tranquei o ar nos pulmões, talvez se ficasse sem
respirar e mante-se meu corpo bem paradinho, eu conseguiria não me encostar
nele. Virei-me de costas para ele, pois não queria que ele visse o rubor que se
formava nas minhas bochechas.
“Está quase lá, está quase lá”. Repeti para mim mesma mentalmente,
enquanto dava passinhos de formiga.
Mas como nada podia ser fácil na minha vida. O pé dele foi para o meio
do meu caminho, e algo me dizia que era de propósito, me fazendo cair sentada
no seu colo.
“Cara, ele estava duro? Puta merda!”
Instantaneamente dei um gritinho agudo.
— Opa desculpa! — Ele levantou as mãos no ar.
Levantei do seu colo num pulo e sentei no meu lugar, provavelmente eu
estava mais vermelha do que a bandeira da china. Todos na turma riram, menos
Michele que me fuzilou com o olhar. Agora entendia que ele não namorava
Jorge de verdade e que ela não era tão vadia assim por esse motivo, mesmo
assim eu não gostava dela e pelo seu olhar furioso dirigido a mim, senti que o
sentimento era recíproco.
— Vou pedir para trocar de parceiro! — Eu disse furiosa, encarando
Felipe ao meu lado, com meu melhor olhar ameaçador.
— Ei, boneca, não adianta. Você já está presa a mim, não tem mais para
onde fugir! — Então ele sorriu, agora mostrando covinhas se formando ao lado
de um sorriso malicioso.
E com certeza eu estava presa a ele. “Puta merda!”
Capítulo 19
Felipe

Saí da academia, com um pensamento meio idiota. Não adiantava o
quanto eu tenha tentado me livrar dos pensamentos, não conseguia esquecer o
modo como Camila dançava. Ela não simplesmente dançava, ela trasbordava a
música de si. Aquilo me deixou meio abobado. Nem mesmo ficar olhando para
as garotas da academia que insistiam em fazer agachamento bem na minha
frente, não conseguiu desvencilhar as imagens de Camila da minha mente.
Entrei no Audi A3 com o corpo suado, o dia estava lindo e o sol brilhava
alto. Coloquei meus óculos escuros e liguei AC/DC - Back in Black no rádio.
Movimentei a cabeça aos sons da batida da música.
“Adoro esses caras”.
Dirigi seis quilômetros, para passar na lanchonete da dona Juva, o único
lugar do mundo que vende um pão de queijo que provavelmente é feito pelas
próprias mãos de Deus. Ah, e como eu senti falta desses pãezinhos.
Estacionei o carro e desci, algumas garotas cochicharam ao passar por
mim e sorriram. Sorri para elas, e praticamente elas se derreteram. Não entendo
o porquê as mulheres são assim, basta ver um carro caro, um corpo bonito e um
sorrisinho e pronto, elas te dão o que você quiser. Talvez nós homens nãos
sejamos tão diferentes, sempre analiso de cara o tamanho do peito e da bunda e
depois olho para o rosto, se for bonita eu pego. Mas com Camila foi diferente, a
primeira coisa que se infiltrou na minha mente foi seu sorriso e o olhar que ela
jogou para mim aquele dia na boate. O modo como ela dançava com os olhos
fechados não importando quem a visse, mas eu estava vendo, e porra, ela era
demais.
— E de novo estou pensando em Camila. — Falei para mim mesmo e
chacoalhei a cabeça em negação, rindo do quão idiota eu sou.
Dona Juva a senhora que era dona do estabelecimento, assim que me viu
entrar, deu um enorme sorriso.
— Vejamos, quem é vivo sempre aparece! — Ela me cumprimentou
saindo de trás do balcão de atendimento e me abraçando. Dona Juva era aquele
tipo de tia, que você adquire por afinidade. Eu e Jorge vínhamos até aqui pelo
menos duas vezes na semana para comer pão de queijo.
— É já estava na hora, né?
— Sim, até me preocupei quando meu cliente fiel de anos, não apareceu
mais. Nem mesmo Jorge veio muito aqui nesse ano que se passou.
— Pois é, não foi fácil, mas tive que ficar um tempo fora cuidando da
saúde.
— Mas está bem agora? — Ela me lançou um olhar preocupado.
— Sim. Tudo já está resolvido.
— Que ótimo garoto, é bom tê-lo de volta.
— Não consigo viver sem os pães de queijo da senhora.
— Veio na hora certa garoto, estão saindo do forno agora.
— Quero dois e mais um pra viagem.
Ela sorriu.
Ela tinha o cabelo escuro que já começava a aparecer sinais da velhice,
era bem robusta e baixinha. Uma mulher com bom coração e que me tratava
muito melhor do que minha própria mãe.
— Camila! — Ela gritou, e meu corpo estremeceu só em ouvir o nome.
“Cara, você tem que parar com isso. Existem no mínimo 122467773456
de Camilas no mundo”.
— Camila! — Gritou novamente. — Ela é nova aqui, e apesar de muito
eficiente e esforçada, a coitadinha é meio atrapalhada. A contratei por que fiquei
com dó da moça, ela perdeu seu pai ano passado e a família dela é bem humilde.
— Dona Juva explicou calmamente, e eu assenti.
Em um segundo a porta de trás do balcão abriu em um estrondo. Eu e
dona Juva encaramos o barulho, assustados. Encarei, e Camila, a minha Camila,
saiu de lá. Olhei chocado.
— Estou aqui dona Juv... — Ela parou de falar assim que seus olhos se
grudaram aos meus, e eu praticamente congelei a encarando.
Ela usava um avental vermelho que cobria a sua blusa de baixo, deixando
seus braços a mostra, delineando sua cintura e demarcando sua clavícula
delicada e ombros. Seus cabelos estavam arrumados em um coque bagunçado
com alguns fios caindo em seu rosto, sua pela clara estava rosada nas bochechas,
levemente úmidas de suor. Aquela imagem dela foi direta pro meu pau.
“Carraca, ela é muito sexy”.
Ela andou até nós, sem desviar o olhar do meu.
— Sim, conheça Felipe, o nosso cliente dos pães de queijo.
— Eu já o conheço. — Ela disse desviando o olhar de mim. Então eu
pude voltar a soltar o ar. Sorte que eu estava de óculos escuros, pois se não, ela
teria visto o olhar animal com que eu cobiçava seu corpo. Engoli em seco e
assumi minha postura de homem decente, para tentar esconder o Neandertal em
que eu estava me transformando. “O que essa garota está fazendo comigo,
porra? Pra me deixar tão nervoso”.
— Oi, Camila. — Eu disse, cauteloso. Ela voltou a me encarar e uma
mecha de seu cabelo caiu sobre seus olhos, ela no mesmo instante assoprou uma
lufada de ar, fazendo a mecha flutuar para o lugar. Ela não respondeu e nem me
olhou.
— Ele quer três pães de queijo, dois para comer aqui e um para levar. —
Dona Juva instruiu. Ela assentiu e entrou pela porta da cozinha.
— Sente-se garoto. De onde conhece a Camila?
Sentamos numa mesinha próxima da entrada, carros trafegavam na rua, e
pessoas passavam conversando na calçada, algumas no telefone.
— Estudamos juntos.
— Ah, ela me contou que conseguiu uma bolsa na São Nicolau, ela
merece, é uma boa menina.
“A senhora não imagina o quão boa ela é. Em todos os sentidos”. Pensei
comigo.
Conversamos sobre Jorge e minha família e os filhos de dona Juva, que
haviam se mudado com a própria família pra outro estado. A coitada quase
chorou ao falar na saudade que estava sentindo dos netos, mas por sorte um de
seus filhos, o Gabriel tinha ficado na cidade para cuidar da mãe.
Após alguns minutos, Camila saiu de trás do balcão, com uma bandeja
nas mãos. Ela havia ajeitado o cabelo, fazendo os fios ficarem mais firmes. Não
consegui desgrudar o olhar dela até ela chegar à minha mesa. Dona Juva deve ter
percebido como eu a cobiçava.
— Ela não é garota para você, Felipe. — Ela sussurrou para que só eu
ouvisse.
E eu sabia que ela não era para mim, sabia que provavelmente eu
quebraria seu coração com alguma atitude idiota, ou simplesmente por ser o cara
que eu sou.
Capítulo 20
Camila


“Até no meu serviço? O que eu fiz para merecer isso senhor?”
Parei encarando meu reflexo no vidro do forno na minha frente, arrumei
meus cabelos desamarrando e os amarando novamente. Mas não ajudou a
melhorar a situação de cara vermelha igual ao pimentão em que eu me
encontrava. Retirei os pães de queijo do forno e queimei um dedo sem querer.
“Droga”.
Endireitei-me e alertei a mim mesma que não iria me apaixonar por um
sorriso bonito, corpo gostoso, frases sedutoras e perfume envolvente.
“Ah, porra!”
Saí de trás do balcão segurando a bandeja, praticamente sem respirar. Se
eu abrisse a boca, provavelmente a baba escorreria. “Como ele pôde me deixar
assim em apenas dois dias?”
Ele usava uma regata preta que deixava seus ombros largos e fortes a
mostra, calção cinza de moletom folgado que mostrava o barrado de sua cueca
Calvin Clain, e óculos escuros, o deixando gostoso pra caralho. E o modo que
ele me encarava, eu sabia que estava me analisando por debaixo daquelas lentes
escuras.
— Aqui! — Eu praticamente grunhi de nervosismo, e entreguei o
pratinho com dois pães de queijo e o pacotinho de papel pardo com o outro para
ele levar. — Mais alguma coisa pra comer?
Seu corpo se encolheu, mas deu um sorriso sem mostrar os dentes,
somente acentuado suas covinhas, e chacoalhou a cabeça em negação.
— Mais tarde, talvez! — Ele me encarou, baixou os óculos e deu uma
piscadela. O que me fez perceber que minha frase foi um tanto insinuante.
“Sério, Deus para com isso! Não sou feita de ferro”.
— Que isso Felipe, passou tanto tempo fora, traga um café para mim e
para ele, por conta da casa. Temos muito que conversar. Você precisa me contar
como foi lá na clínica.
“Clínica? Que clínica? Será que ele tinha algum tipo de doença?”
— Não é algo que eu goste de me lembrar, e com certeza é um tempo que
não deixarei nunca mais voltar para mim.
— Meu sobrinho passou por isso também, mas graças a Deus ele está
livre das drogas. Sabemos que não é fácil, mas também não é tão difícil. Certo?
Ele maneia a cabeça.
— Ei, Camila? — Dona Juva me encarou, franzindo o cenho. — Nossos
cafés.
— Ah, sim! Já trago, desculpa. — Virei-me e sai dali apressadamente.
Felipe era viciado? Por que um cara como ele que tem tudo, joga sua
vida fora usando drogas? Nunca vou entender como alguém acaba com a vida
assim. Ele tem tudo o que precisa, o que quer, para que? Por quê? Os caras da
vila a gente até entende, eles não têm como fugir do destino e se drogar é a
maneira de, ou se matar mais rápido ou fugir desse inferno. Mas alguém como
Felipe não precisa disso.
Antes de entrar na cozinha, joguei um olhar de soslaio para Felipe e
percebi que ele ainda me fitava. Não pude conter e nem sei por que, mas dei um
leve sorriso.
***
Depois de uma hora, Dona Juva me chamou de volta. Eu tinha ficado na
cozinha lavando as louças sujas e me demorei tanto nesse serviço para não
precisar voltar lá pra fora, que a panela que eu esfregava estava correndo um
sério risco de ser furada pela intensidade das minhas esfregadas.
Sequei as mãos num pano seco e segui porta a fora. Procurei na mesa
onde dona Juva e Felipe estavam sentados e suspirei aliviada, em ver que ele já
tinha partido.
— O que foi dona Juva?
— Já pode limpar a mesa, querida.
Assenti e tirei o pano do bolso do meu avental para limpar a mesa. O
telefone começou a tocar e dona Juva levantou-se para atender. Pus-me a
trabalhar empilhando as xícaras e os pratinhos, mas os óculos de Felipe estavam
ali junto com o embrulho do pão de queijo.
“Droga, ele deve ter ido ao banheiro”.
Olhei ao redor, a lanchonete estava parada hoje para uma terça-feira à
tarde, somente um casal namorando e comendo açaí na tigela, estavam sentados
num canto retirado da lanchonete. E como Raissa ainda não havia chegado para
me ajudar com o atendimento, eu estava sozinha. Pois seu horário normalmente
era do período das seis horas da tarde em diante, assim eu vinha um pouco mais
cedo e podia ir embora mais cedo por causa da aula no dia seguinte, então ela
fica me cobrindo até a hora da lanchonete fechar. O que normalmente dona Juva
dizia ser perto da uma da madrugada.
— Ei! — Felipe chamou atrás de mim, me fazendo virar num pulo. —
Isso é meu.
Entreguei-lhe os óculos escuros, ele deu um passo à frente. Encarei-o,
olhando para cima, pois eu era muito menor do que ele. Minha mãe sempre me
disse que eu era miúda, o que eu não concordava. Ela sempre dizia que nossa
descendência italiana me fazia ser branquinha e loira, mas que o sangue
mexicano também corria em minhas veias por causa da descendência do meu
pai, fazendo me ser um tanto nervosinha. Meu pai dizia que mesmo eu
parecendo mais com minha mãe fisicamente, eu era idêntica a ele na
personalidade. Essa mistura fez com que meu corpo fosse distribuído de uma
maneira bem gratificante, sendo que meus 65 kg eram bem distribuídos em 1, 63
de altura. Mesmo assim, olhando para Felipe, me sentia indefesa aqui embaixo.
—Te vejo amanhã? — Disse para ele.
— Bem, talvez agora eu tenha mais um motivo para vir até a lanchonete
da dona Juva, além dos pães de queijo.
Não pude me conter e sorri.
“Sim, idiota você sorriu”.
Ele encarou minha boca, enquanto eu encarava seus olhos. Ele se
aproximou mais, praticamente grudando nossos corpos. Mordi o lábio em
antecipação, meu coração começava a acelerar no peito quase explodindo pela
boca. Ele passou a mão pela minha cintura, me puxando.
“Ele ia me beijar”.
“Ele vai me beijar”.
E eu estou deixando isso acontecer, como se estivesse sendo hipnotizada
pelo seu maldito sorriso e pelos seus olhos azuis intensos.
— Camila, preciso de você aqui! — Dona Juva chamou. E nós nos
separamos constrangedoramente.
Eu suspirei aliviada, pois meu coração acabou de ser salvo pela dona
Juva.
Capítulo 21
Felipe

“Ela ia me beijar”.
Ela estava tão próxima a mim que podia sentir seu perfume doce, como
bala de morango. Aposto que tudo nela era doce. Meu pau também gostou da
proximidade do seu cheiro e do pensamento de sentir o seu sabor.
Eu tinha certo vício, certo costume de entrar no carro e ligar o som, por
isso a música do Reação em cadeia - Eu não pertenço a você, tocava baixo
agora. E depois do quase beijo, eu precisava de algo para me acalmar. Liguei o
ar condicionado no gelado, tentando esfriar meu corpo que de repente se
aqueceu como se eu tivesse voltado à vida. Mas não era o suficiente, eu
precisava de ar, então abri as janelas deixando o vento bater no meu rosto, então
respirei. Meu corpo foi resfriando.
Estava tão desatento e perturbado por Camila, que não percebi e dobrei a
rua para a esquerda, parando na sinaleira. Foi quando me dei conta de que não
era qualquer sinaleira, era “A sinaleira”.
Olhei para o lado, me lembrando de Jorge e dos roncos dos carros e de
Michele dando a largada, e literalmente voltei aquele dia. Sentindo o cheiro da
fumaça e borracha queimada, senti a adrenalina e a droga que me deixava zonzo.
Tudo ali tão real. Assim como a dor, agonizante. Tão real. Eu tinha evitado
passar por essa rua, não queria me lembrar do homem caído no asfalto, ou da
poça de sangue que havia se formado ao seu redor, ou muito menos, de que eu
era um mostro. Meu desejo era poder apagar esse pedaço da minha vida, com
uma borracha, mas quando se comete um erro, você o carrega pela vida inteira.
Uma buzina soou de repente, tirando-me de meus devaneios. Senti uma
falta instantânea daquela sensação de adrenalina, daquela sensação que
anestesiava a dor, de me sentir um super-herói, mas agora o que me chamava, o
que estava me transformando eu um viciado da porra, não era mais a droga, e
sim, Camila. Eu não podia fazer isso com ela. Não podia destruir a vida dela. Ela
merecia alguém muito melhor do que eu. O problema é que meu único vício era
a droga, até que ela apareceu, e me viciei nela. “Como posso tirá-la de meus
pensamentos?”
Meu celular tocou assim que estacionei em casa. Peguei meu iPhone de
cima do assento do passageiro.
— Alô!
— Boa tarde, Senhor Vasconcelos. — Revirei os olhos, odiava que me
chamassem assim. — Os papéis do seu apartamento estão prontos para a
assinatura.
— Excelente. Quando posso assinar?
— Se tiver disponibilidade, poderá me encontrar no seu novo
apartamento ainda hoje. E se preferir, já se mudar.
— Certo. Obrigado. Encontre-me às oito horas lá então.
— Ok. Até mais.
Entrei em casa encontrando Samara saindo para sua aula.
— Ei, mano.
— Ei. Como você tá?
— Estou ótima. E você?
— Tô legal, eu acho. Você chega que horas?
— Só perto da meia noite. Por quê?
— Vou me mudar hoje. — Olhei para meu relógio no pulso. Eram quase
sete horas da noite. — Para ser mais exato, agora!
— Como assim? — Mamãe gritou atrás de mim. Eu me virei para
encará-la.
— Estou indo assinar os papéis do meu apartamento, e já vou morar lá de
hoje em diante.
— Você realmente acha que um mimadinho igual a você, vai conseguir
morar sozinho? Você não sabe fritar um ovo. — Mamãe me olhou
acusatoriamente.
— Eu me viro, sempre me virei. Não lembra que você nunca estava
presente? E a propósito, nem você sabe fritar um ovo. — Falei rispidamente.
— Olha aqui garoto, você não pode me tratar assim, eu sou a sua...
— Mãe? É isso mesmo que você ia dizer? — Ri ironicamente. — Rosa
foi muito mais minha mãe do que você, não queria se fazer agora. Nem sei
mesmo por que você se importa.
— É claro que me importo. Você é meu filho, e a festa de aniversário de
Samara está próxima, quero você aqui. Será um dia para que nossa família seja
vista na mídia.
— Ah, então é isso, sempre o status social. — Eu ri amargamente. —
Você está usando a própria festa da sua filha como modo de ganhar algum status
social, isso chega a ser nojento, mãe.
“Como ela consegue agir como uma vaca, assim?”
Virei-me subindo pisando firme os degraus da escadaria, não conseguiria
mais ficar um segundo dentro dessa casa.
— Desculpa. — Samara disse segurando minha mão. O olhar dela cheio
de lágrimas contidas, me fez me entristecer. Não era culpa dela.
— Não é sua culpa, Samara. Só não deveria deixar que te usem desse
jeito. — Falei e ela assentiu.
— Vou te ligar. — Ela prometeu.
— Obrigado.
Entrei em meu quarto e arrumei uma pequena mala, com algumas roupas.
Arranquei meu pôster do Se beber não case e o enrolei enfiando na mala. Tirei
meu violão da parede e saí daquela casa que me fazia me sentir sufocado.
Entrei no carro e dirigi quase uma hora, quanto mais longe o apartamento
fosse daquele lugar, melhor era para mim.
Quando encontrei o prédio de alto padrão estacionei o carro em frente à
entrada. O prédio era todo revestido por espelhos, com uma fachada com jardim
que tinha uma cascata feita em uma das paredes criando um ambiente quase
lúdico. Comprei o mais caro que encontrei na região, mas só tinha o visto por
fotos na internet, e pessoalmente ele era muito mais exuberante.
Um rapaz se aproximou, vestido de manobrista.
— Boa noite senhor, já estávamos o esperando. Levarei seu carro para o
estacionamento privativo.
— Sim, claro. — Entreguei as chaves do Audi A3. —Tem alguém pra me
ajudar a levar minhas coisas pra cima? — Perguntei.
Ele pegou o walk talk que estava acoplado ao seu cinto.
— João, desça para ajudar a pegar as coisas do senhor Vasconcelos.
— É Felipe. — Falei asperamente. O rapaz apenas me deu um aceno de
cabeça.
Assim que subi com o elevador, encontrei na porta do meu apartamento
de número 610, uma loira estonteante que provavelmente era a corretora com
quem falei mais cedo pelo celular, pelo modo que estava vestida em uma saia
lápis e blusa apertada.
— Boa noite, Felipe, sou Clara, a corretora com quem você falou hoje
mais cedo.
Ela tinha um sorriso no rosto e me estendeu a mão de modo educado.
Não parecia ser tão mais velha do que eu, ou era bem conservada.
— Boa noite, Clara.
— Venha, vamos conhecer seu novo lar.
Sorri mentalmente com a pronúncia da palavra Lar, uma palavra tão
pequena mais com um significado infinito. Nunca considerei minha casa um lar,
apenas um local onde bem... Eu estava preso. Agora talvez, pela primeira vez na
minha vida, eu poderia ter um Lar.
A corretora seguiu na minha frente, sua saia se movia conforme ela
balançava o traseiro enquanto caminhava. Curvas perfeitas, ela tinha.
— Essas são suas chaves. — Ela me entregou um cartão magnético.
— Excelente.
Quando ela abriu a porta do meu apartamento, fiquei até meio
emocionado. O lugar era tudo o que eu imaginava, espaçoso, básico e prático.
Composto por uma sala ampla de estar com uma televisão de tela plana, uma
lareira elétrica do lado esquerdo, com um enorme sofá de couro marrom na
frente. A cozinha era em ambiente conjugado com uma ótima bancada e ilha ao
meio, armários todos escuros e com muito metal. Ela foi entrando e me
mostrando todo o ambiente, andava na minha frente enquanto me explicava
todos os luxos que a casa poderia oferecer. O longo corredor dava para um hall e
três portas, sendo que numa delas, estava à suíte principal que tinha até uma
jacuzzi, a outra era uma suíte simples e a última porta era um banheiro social
bem amplo. Tudo perfeito e cada centavo pago, muito bem gasto.
Entramos na suíte principal que continha uma cama king size com
lençóis escuros, uma mini sala de estar com televisão, um closet e o banheiro
com a jacuzzi. Após inspecionar todo o ambiente, e sair de dentro do banheiro,
me virei para a corretora para agradecê-la pelo excelente trabalho, mas acredito
que ela era muito profissional, pois no exato momento em que a olhei, meu
queixo caiu. Ela tinha tirado a blusa colada, deixando seus grandes seios à
mostra, largado os cabelos que caíram como cascata sobre seus ombros de um
modo sensual, então sorrindo e com bochechas coradas ela ousou dizer.
— Podemos inaugurar a jacuzzi?
E eu claro, como não sou feito de ferro, dei um passo à frente e agarrei a
loira com um braço. O estresse ainda corria no meu corpo pela briga com a
minha mãe, horas mais cedo. Eu só queria esquecer aquele sentimento de culpa
que havia dentro de mim e que me martirizava cada vez que eu pensava no que
eu fiz. Queria esquecer-se da família de merda que eu tinha e do ser de merda
que eu era. Então não pensei, apenas tomei a loira que se ofereceu de bom grado
a mim, e fizemos sexo por horas, na jacuzzi principalmente.
Depois de algum tempo, ela foi embora, levando meu cheque no valor do
apartamento e uma pequena gorjeta pelo seu trabalho extra. Porém, assim que
ela se foi, me deixando no meio da sala, eu dei um giro e olhei para todo aquele
ambiente enorme, e em instantes um sentimento estranho me fez me sentir mal.
O apartamento não era tão perfeito quanto eu imaginei, era silencioso demais,
grande demais e eu estava sozinho. Mas o que mais me perturbou, foi que ao
mesmo tempo em que transava com uma loira, eu só consegui imaginar outra
loira de olhos verdes na minha cabeça, e agora, eu só queria que ela estivesse
aqui comigo.
Capítulo 22
Camila

Cheguei em casa, cansada não só fisicamente, mas também
psicologicamente. Trabalhar tendo Felipe no mesmo ambiente em que o meu, foi
quase uma tortura. Não sei quanto tempo vou aguentar. É como se algo me
puxasse para ele, como uma linha invisível. Não consigo ficar brava com ele,
somente sentir isso, essa atração enlouquecedora. Algo estranho para mim que
nunca fui assim. Eu sei que me considero uma boba apaixonada que sonha em
encontrar o amor verdadeiro, mas nunca achei que sentisse algo assim, esse
desejo entorpecente. Isto está acabando comigo.
Mamãe estava preparando um sanduíche, quando entrei na cozinha.
Infelizmente, bati meu dedo mindinho do pé, no canto do balcão da pia. Por
nossa cozinha ser muito pequena, os armários e o balcão ficavam espremidos,
assim como quem estava na cozinha.
— Droga! — Gritei enfurecida.
— Menina, não me assuste assim. — Mamãe disse colocando a mão no
coração e acabou derrubando a faca no chão, pelo susto que levou.
— Desculpa, mãe, é que parasse que meu dedinho ama a quina desse
balcão. Eles têm um caso de anos — Ergui meu pé e massageei meu dedo, minha
mãe riu. — Vou tomar banho, depois eu venho comer algo, tá bom?
— Quer que eu já prepare um sanduíche para você? — Ela disse, se
levantado detrás do balcão, com a faca na mão.
Assenti.
— Pão e mortadela? — Perguntou.
— Pode ser. — Eu dei um meio sorriso.
Nunca fui fã de embutidos, mas pelo rosto de minha mãe, percebi que o
pão com mortadela era a única coisa que havia para comer. Então não recusei
para não a deixar triste.
— Léo quer falar com você, algo importante pelo que entendi. — Ela
cortou uma fatia de pão e fez o mesmo processo com a mortadela.
— Onde ele está?
— No seu quarto, te esperando. — Ela sorriu.
Virei e fui até meu quarto, Léo estava sentado na minha cama de costas
para a porta, quando entrei.
— E ai! — Falei.
Ele se virou num pulo e correu me abraçar.
— Ei, o que foi?
Dei alguns passos para trás, para me equilibrar pelo modo brusco que ele
literalmente pulou em mim. Passei a mão em seus cabelos castanhos que ainda
estavam úmidos do banho.
— Ela... Ela gostou da flor! — Seus olhinhos chegavam a brilhar e eu
não pude deixar de sorrir.
— Ela seria boba se não gostasse. O que ela disse? — Perguntei, fazendo
carinho nos seus cabelos.
— Nada, mas ela sorriu. — Ele tinha um sorriso de orelha a orelha no
rosto. — Eu queria te pedir mais uma coisa se você não se importa. — Ele disse
dando um passo para trás, me encarando com as bochechas rosadas de um jeito
tímido.
— Claro. O que você quer?
— Me empresta um dinheiro para eu comprar um presente pra ela? Eu
prometo que quando eu começar a trabalhar, eu te devolvo.
Eu ri com a sua enorme promessa, e ri mais ainda de sua cara de quem
realmente iria cumpri-la.
— Eu te empresto sim. O que você vai comprar?
— Não sei, pensei em chocolate. A mamãe adora os chocolates que
ganha do papai. — Ele falou animado, mas em um lampejo baixou o rostinho,
fitando o chão. — Ganhava, quer dizer. — Ele suspirou.
Ele sentia tanta falta de papai quanto eu. Papai partiu quando nós mais
precisávamos dele. Léo a cada dia se torna um homem e precisa dos conselhos
de um pai e eu só queria poder voltar a ganhar aquele abraço apertado e beijo na
testa que ele todo dia me dava antes de eu ir dormir. Ele sempre dizia que eu
sempre seria sua menininha não importando se eu tivesse setenta anos ou uma
dúzia de filhos, toda noite ele iria me dar um beijo de boa noite. Às vezes eu
sinto, ainda o sinto me beijando e me sussurrando boa noite, antes de eu apagar
no meu sono profundo. Sei que é um sonho, mas é tão real que realmente parece
que ele está ali. Até mesmo quando ele chegava em casa bêbado, ele não deixava
de cumprir seu ritual, ele era um bom homem e um ótimo pai. E não o culpo por
tentar se afogar na bebida, se eu fosse um pai de família tentando dar um futuro
para seus filhos num mundo de merda como o qual nós vivemos, provavelmente
eu seria assim, eu teria suas atitudes. Não deve ser fácil aguentar toda a pressão
de tentar ser um bom pai, de ter que trabalhar por horas e ainda sorrir. Num
mundo como o nosso, as dificuldades não são apenas testes, são a prova final.
— Venha aqui.
O puxei de novo para meus braços, sua cabeça e cabeleira bagunçada se
apoiaram na minha barriga, então eu fiz carinho em seus cabelos os bagunçando
ainda mais, e quando percebi, uma lágrima já escoria pelo meu rosto e juro que
senti meu pai ali, sussurrando seu “Boa noite, minha pequena”, para mim.
“Como eu o queria aqui!”
Após conversar por mais alguns minutos com Léo, entrei no chuveiro.
Um banho refrescaria meu corpo e minha mente. Por sorte a água estava quente
e apesar do calor que fazia no Rio de janeiro ultimamente, o banho quente era a
melhor maneira de relaxar.
Assim que fechei meus olhos e senti a água escorrer por meus cabelos
compridos, me lembrei de Felipe. A semana estava acabando e domingo
chegando, teria que fazer dois trabalhos de escola com ele. Até agora não
entendo como consegui me apresentar em frente à turma hoje, não havia
preparado nada e nem sabia o que fazer. Pelo que havia visto das duas colegas
que se apresentaram antes de mim, o que eu dancei era simples e sem graça. O
pior de tudo ainda não foi à vergonha por todo mundo estar me olhando, mas
sim, por que eu sabia que ele estava me olhando. Não conseguia tirar da cabeça
suas palavras e promessas. Bem... Na verdade, a minha dívida em dançar para
ele. Algo que obviamente, eu nunca faria estritamente para ele. Mas ali, naquele
momento, eu dancei não me importando com os outros, por que eu estava
dançando para ele. O que mais me impressionou foi sua atitude em se oferecer
para fazer par comigo. E me deixou intrigada o que ele poderia fazer para me
auxiliar.
Terminei meu banho, imersa em pensamentos confusos e que cada vez
me faziam ficar mais nervosa e ansiosa, algo completamente controverso, sendo
que, eu me sentia nervosa por ter que ficar com ele e ansiava exatamente por
isso.
***
Dois dias já haviam se passado, não tive mais nenhuma aula com Felipe,
o que foi uma benção divina e ao mesmo tempo um castigo.
“Como é possível me sentir assim?”
Suspirei pela terceira vez, me olhando no espelho do banheiro feminino,
local que eu já havia adotado como “lugar para me esconder no intervalo”. Meu
jeito simples não tinha causado uma boa impressão, ainda mais para o grupinho
da Michele. Aonde eu ia, eu ouvia sua risada de hiena, e alguma piadinha era
falada num tom alto demais, para que eu escutasse. Algo do tipo “a gata
borralheira chegou” ou “lá vem à favelada” ou ainda “Vamos fazer caridade e
doar roupas para a nossa colega mendiga”. Juro que eu tentei relevar, mas já
estava no meu limite. Nunca fui de brigar por extremamente nada. Resolver os
problemas conversando é o modo mais racional, não sou um animal para estar
me envolvendo em brigas, mas ultimamente, minha paciência estava indo para o
ralo.
Entrei em um dos compartimentos do banheiro, para fazer xixi. Escutei
uma forte batida na porta, como se alguém tivesse sido empurrado.
— A baleia tropeçou. — Ouvi a voz de Michele, seguida por uma maré
de risadas, que mais pareciam relinchos de éguas.
Quando saí do banheiro, uma menina estava sentada no chão com as
costas apoiadas na parede, sua cabeça abaixada até os joelhos que estavam
dobrados. O barulho do seu choro era algo que me deixou triste e com uma
tremenda raiva, que a cada dia brotava mais.
— O que aconteceu? — Abaixei-me junto à menina, seus cabelos
castanhos enrolados pareciam pequenas molinhas.
— Não aconteceu nada. — Ela falou baixo em meio as lágrimas.
— Não deixe elas te afetarem assim.
— Você não entende, se a Michele diz, todo mundo concorda.
Ela ergueu seu olhar encontrando meu rosto. Ela tinha lindos olhos
amendoados e bochechas redondas e rosadas, um pequeno nariz arrebitado. Sua
blusa era fina, mas comprida, tampando todo seu corpo encolhido. Ela não era
feia ou uma baleia como Michele a chamou, ela era linda com uma beleza
exótica que a tornava não só bonita, mas também diferente daquele monte de
“Mortícia Adams” que praticamente eram um monte de clones.
— Eu não concordo. — Eu disse brandamente para ela, que arregalou os
olhos, surpresa. — Não concordo que você seja uma baleia, assim como não
concordo que sou uma mendiga. Eu sei que apesar de ser pobre, tenho muitas
qualidades que Michele não tem. E uma delas é a boa visão, por que para mim
você é linda.
Ela sorriu de um jeito tímido, seus olhos reluziram com as poucas
lágrimas que ainda escoriam em sua face.
— Venha? — Estendi minha mão para ela, que fitou a mesma por alguns
segundos e assim quando decidiu, apertou minha mão e eu a puxei para cima.
— Prazer, sou Camila e você?
— Stefany Reis.
— Bem... Stefany, acho que temos uma coisa em comum, nós duas não
gostamos de Michele e seu grupinho. — Ela assentiu sorrindo.
— Achei que eu fosse à única que não as idolatrava.
— Elas não merecem isso.
— E a propósito, obrigada.
— Não foi nada, agora você terá uma aliada contra ela. — Pisquei e
Stefany Sorriu.
Ela era bem mais alta e robusta do que eu, mesmo assim senti que ela era
frágil e delicada e que precisava de uma amiga, tanto quanto eu.
Capítulo 24
Felipe


Liguei de manhã para Samara, para avisá-la que estava bem e me
virando. Tinha feito algumas compras no mercado, tudo enlatado e pronto para
ser comido, é claro. Nunca precisei realmente me virar, mas aprenderia. Sempre
se tem a primeira vez para tudo.
O apartamento ainda parecia vazio, assim como eu me sentia, e não ver
Camila nos dois dias que se seguiram, só ajudou no modo como eu me senti. Um
tanto estranho para ser sincero, sentir falta de alguém que eu mal conhecia. Mas
mais estranho ainda era, o jeito que me sentia, nunca me senti assim em relação
a uma garota. Estava ansioso para vê-la, mas também não queria ir até a
lanchonete da dona Juva, onde eu agora sabia que ela trabalhava, e que já era um
local que eu costumava frequentar, e apesar de saber que lá eu poderia matar
essa ansiedade, ficaria muito na cara que eu estava interessado nela, se essa for à
palavra correta em se usar. Sim... Eu só estou interessado nela. Ficaria estranho
aparecer lá, não quero que ela pense que sou um perseguidor ou algo assim. Eu a
vi na escola hoje mais cedo, indo para o banheiro das garotas. Ela fica lá até a
aula recomeçar, não me dando chance de poder falar com ela. Não me dando a
chance de pelo menos vê-la de longe.
Esperei-a no estacionamento, o dia estava quente, então optei em não
usar minhas roupas pretas tradicionais. Estava usando uma camiseta azul e
calças jeans mais básicas, hoje. Fitei o céu por algum tempo, sem me importar
com o que acontecia ao meu redor. Eu adoro olhar para o céu, a forma como as
nuvens se movem parecendo estar dançando entre si, e como o azul do céu é tão
pacífico, me dando a sensação de tranquilidade. Algo que eu passei a admirar.
Sempre fui de gostar de coisas simples e ver o que o simples tem de especial.
Analisar cada coisa ao meu redor era algo que fazia frequentemente, eu
praticamente enlouqueceria se ficasse preso e não pudesse ver o céu, ou as
estrelas ou escutar o barulho que os insetos fazem. E só de imaginar ficar
realmente preso, já sinto a angustia crescer dentro do meu peito em saber que era
assim que eu deveria estar, e essa condição logo mudará pelo que li nos jornais.
Mas esses são pensamentos que devo trancar, e me concentrar somente no azul
do céu e nos olhos verdes de Camila. Por enquanto.
Escutei umas risadinhas e de cara percebi que Michele se aproximava.
Baixei meu olhar do céu para encontrá-la caminhando como uma onça
espreitando a presa, em minha direção.
— Oi, Fe.
— Oi. — Respondi simplesmente.
— Falei com sua mãe ontem na boutique Belle Femme, ela me contou
que você está morando sozinho.
— Sim, estou. — Falei sem muito interesse em dar satisfação da minha
vida para alguém que me trocou tão facilmente.
— E você não quer uma companhia? — Ela falou de um jeito manhoso,
dando um passo à frente e passando o dedo indicador no meu peitoral.
— Não é má ideia. — Falei dando um sorrisinho malicioso e ela deu
mais um passo à frente, fechando o espaço entre nós. — Pena que agora, você
está com o Jorge! — Eu me desapoiei do carro em que estava escorado e me
desviei de Michele e passei por ela, indo de encontro a Camila, que descia as
escadas da saída da escola. Ouvi um suspiro irritado de Michele e só consegui
sorrir.
Andei até Camila, que ainda não havia me notado, ela conversava
distraidamente com uma menina do primeiro ano, se eu não me engano. Camila
usava uma calça jeans rasgada no joelho, all stars pretos surrados e uma
camiseta enorme do Nirvana que cobria boa parte de seu corpo, seus cabelos em
um coque bagunçado.
“Linda, inteligente e com bom gosto musical. O que falta para ela ser
perfeita? Nada”.
— Oi, Camila, posso falar com você?
Ela parou de falar com sua amiga quando notou minha presença, seus
olhos se arregalaram com o susto que levou quando me viu, o que me fez sorrir
pelo modo que suas bochechas ficaram rosas, quase instantaneamente.
— Sim. O que você quer?
Ela parou, mas ficou mexendo o pé direito em um gesto de abanar o pé
discretamente. Eu a deixo nervosa e eu gosto disso.
— Precisamos nos encontrar para começar a trabalhar nos nossos dois
projetos. — Ergui dois dedos.
— Ah, sim... Eu ia falar com você sobre isso.
— Posso ir a sua casa no domingo, então?
— Certo. Tudo bem! — Ela sorriu. — Combinamos, então.
Eu fiz uma reverência de modo cavalheiresco, que fez as duas garotas
sorrirem. E claro, não pude deixar de admirar o sorriso de Camila alguns
segundos a mais do que eu deveria. Voltei andando para meu carro um pouco
mais alegre. Michele ainda continuava parada lá, me fuzilando com os olhos.
Achei que depois de minha resposta atrevida para ela, ela sumiria dali. Pelo jeito
estava enganado.
— Michele? — Perguntei, franzindo o cenho.
Ela saiu da frente da porta do motorista, eu abri a porta para entrar, mas
ela empurrou a porta novamente, eu me virei para ela sem entender o que ela
fazia e em segundos ela já estava pendurada no meu pescoço, me beijando. O
gosto de seus lábios e seu perfume ainda eram os mesmos. E o modo sensual que
sua língua trabalhava para entrar na minha boca, assim como suas mãos pelos
meus braços, era uma espécie de incentivo para que eu continuasse a beijando.
Mas apesar de tudo o que era físico ser exatamente como antes, o emocional era
completamente diferente, não senti a mesma paixão, a conexão ou o até mesmo
o desejo que sentia as outras vezes. Era apenas um beijo com uma estranha. Uma
estranha que agora era a namorada do meu melhor amigo.
E eu tinha outro interesse, ultimamente.
Capítulo 25
Camila

Meu corpo travou, meu coração acelerou no peito e eu tive que desviar o
olhar do beijo caliente que Michele dava em Felipe. Ela não sabia interpretar o
papel de namorada. Jorge já tinha tantos problemas e mesmo sendo tudo mentira,
ainda assim era uma traição.
— O que foi, Camila? — Stefany parou a alguns passos na minha frente
e se virou me encarando, assim que percebeu que eu não a acompanhava.
— Eu estou bem. — Falei e chacoalhei a cabeça em negação.
Felipe não era nada meu, nada além de meu parceiro de trabalho. Não
deveria me sentir tão mal em vê-lo com outra. Mas me senti, é estranho e
confuso. Não quero gostar dele, não quero nada com ele, mas cada célula do
meu corpo agora poderia literalmente matar Michele.
O que mais me deixou aborrecida foi o fato de esse alguém ser Michele,
ela era uma piranha, uma vadia, uma... Arg!
Continuamos nosso caminho até o carro de Stefany, que gentilmente me
ofereceu uma carona até a lanchonete da dona Juva. Stefany era fantástica, e
tinha um senso de humor incrível, e era super doce. Era fácil tê-la como amiga, e
já a considerava assim, uma amiga. Ela me contou o porquê Michele implicava
com ela e o motivo me deixou ainda mais irritada com aquela piranha,
desgraçada, vaca, cachorraaa... “Ufaa, o ódio ainda não passou”.
Assim que Stefany começou a estudar na São Nicolau, o pai dela
comprou um carro tão caro que eu não sei nem pronunciar o nome, e claro que
Michele ficou com inveja. O pai de Stefany é médico cardiologista e a mãe dela
é dentista, eles têm muita grana, muito mais do que a família de Michele, pelo
que Stefany me explicou. E por esse motivo, ela começou a ofender Stefany e a
tentar rebaixá-la para que ninguém fosse amiga dela. Stefany se sentiu tão mal
que pediu para o pai trocar o carro por um de menor valor, mesmo assim os
insultos e piadinhas nunca mais acabaram.
O dia estava tão quente que resolvi desamarrar meu coque bagunçado e
erguer os cabelos em um alto rabo de cavalo, quando uma voz enjoada guinchou
ao meu lado.
— Então Camila, espero que tenha entendido qual é seu lugar e pelo jeito
as duas porquinhas já fizeram até amizade. Estão indo para o chiqueiro? — Ela
falou de um jeito irônico e deu uma gargalhada e aquilo só fez meus nervos
ferverem.
— Cala a boca, Michele! — Eu esbravejei. Ela imediatamente me
encarou surpresa. — Não sei o que você tem contra mim, já disse que não me
importa. Então vá gastar seu dinheiro com um transplante de cérebro, por que
burra do jeito que você é, já deu para perceber que você não entendeu nada do
que eu disse. — Eu gritei furiosa.
Ela me encarou chocada e se empertigou, achei que ela fosse ficar com
medo, ou sei lá, pelo menos sair dali sem o seu sorriso sínico na cara, mas ela
simplesmente deu um sorriso com lábios fechados e me olhou intensamente.
— Você não sabe com quem está brincando! — Então se virou e saiu
com sua postura de vencedora em direção ao seu carro.
Foi ótimo ela ter saído dali, por que se ela não tivesse se retirado, minha
mão voaria na sua cara de égua.
Stefany colocou a mão no meu ombro num gesto de me acalmar, eu nem
havia notado que minhas mãos estavam em punhos fechados coladas ao lado do
meu corpo. Meu coração batia freneticamente e sentia a raiva preencher cada
espaço do meu corpo.
— Calma, ela só está com ciúme.
— Ciúme de mim? Por quê? Eu não tenho grana. — Falei, rispidamente.
— Felipe era seu ex, e todo mundo já percebeu que ele está interessado
em você.
— Mas eu não estou interessada nele! — Esbravejei.
— Tem certeza disso? Pois sua careta de irritação ao vê-los se beijar,
disse bem ao contrário. — Ela disse, me encarando.
Suspirei sabendo que eu não tinha a quem enganar, não estava
conseguindo nem enganar a mim mesma. Sempre fui uma pessoa que demostra
sentimentos muito facilmente, ou é oito ou oitenta. Ou eu amo ou odeio. E
acredito que Felipe tem me deixado numa zona entre quarenta e cinquenta,
alternando constantemente.
Stefany adorou o local onde eu trabalhava, dava pra ver que ela gostava
de comer. Mas e quem não gosta, não é mesmo? Comer deveria ser considerado
uma das maravilhas do mundo. Ela ficou comigo na lanchonete até perto das três
horas da tarde e depois foi para o curso de francês que a mãe tinha obrigado ela a
fazer. Pude perceber que Stefany não gostava muito das obrigações que tinha
que fazer, mas fazia mesmo assim, pois amava seus pais e queria vê-los felizes.
Hoje como era sexta feira, a lanchonete estava movimentada, muitos
trabalhadores saiam depois do expediente para fazer um happy hour por aqui. O
que transformava a lanchonete quase num bar ou botequim. Eu gostava disso,
essas noites estavam me rendendo altas gorjetas. Primeiro porque o pessoal que
vinha tinha grana, e segundo por que a maioria saia daqui bêbado e nem via a
quantia de gorjeta que me dava.
Amanhã cedo, Jorge me buscaria aqui em frente à lanchonete para irmos
buscar Vic no hospital, ele daria alta pela manhã. Fiquei tão feliz com essa
notícia que quase não contive minha alegria durante o trabalho. Vic estava bem,
mas do que bem, e agora além de Vic, eu tinha Jorge como amigo também.
Cheguei em casa esgotada, a canseira em meu corpo era evidente pelo
modo que eu praticamente me arrastei para o chuveiro. Mamãe já estava
dormindo, ela já começou a se acostumar com meu horário do serviço e a confiar
em dona Juva, depois de muitas conversas e tratos em sempre avisá-la de
qualquer coisa e se principalmente, eu fosse me atrasar ou algo assim. “Ah, e
sempre avisá-la quando eu cheguei em casa, também”. Ela tinha ficado muito
assustada o dia em que Vic e eu fomos parar no hospital. Eu a recém tinha
conseguido um emprego que poderia ser considerado noturno pelo horário tardio
que chegava em casa e ainda por cima não tenho um celular pra me comunicar
com ela. Isso era ruim, mas agora já estávamos nos acostumando, eu prometi que
tomaria cuidado e na minha bolsa comecei a levar uma faca, objeto ao qual eu
não saberia muito usar e que acredito que não me salvaria de um bandido
armado, mas para que minha mãe ficasse tranquila, eu prometi que não tiraria da
bolsa.
Assim que saí do banheiro, passei no quarto de mamãe e Léo, e sussurrei
para que Léo não acordasse.
— Cheguei, mãe. Te amo! — Ela se moveu nas cobertas e a cama de
solteiro de metal, rangeu.
— Que bom, querida. Tem sopa na geladeira se estiver com fome.
— Obrigada. Boa noite.
Antes de sair fui até Léo e dei um beijo em sua têmpora, e como sempre
ele respondeu em um miúdo sussurro.
— Boa noite, Camila.
Vesti-me com meu pijama velho de bolinhas azuis de manga comprida e
um calção de algodão azul. Sentei na minha cama e abri a bolsa para contar o
valor da grana que havia ganhado essas semanas.
Folhei as notas e desamassei algumas. Fiquei surpresa em saber que uma
nota que parecia ser de dois reais, era uma de cem, acho que quem a me deu
também pensou que fosse de dois reais. Nunca havia recebido gorjeta tão grande,
deveria ser engano, realmente. No total havia juntado 162 reais e 35 centavos em
gorjetas, nessas duas semanas. Deitei na cama extasiada, em duas semanas de
serviço eu já poderia até mesmo fazer algumas comprinhas, algo que eu estava
precisando desesperadamente, e não de um modo fútil. Nunca fui uma garota
louca por compras, mas quando suas melhores roupas são uma camiseta preta
desbotada do Nirvana, e uma regata azul desgastada nas costuras, você tem que
se render as lojas e gastar um pouco de dinheiro. Antes que você esteja andando
por aí e as peças de roupas comecem a se desfazer em seu corpo.
***
No dia seguinte, esperei Jorge pontualmente às sete horas da manhã, na
lanchonete da dona Juva como havíamos combinado. Antes de partimos, ele
tomou café e me ofereceu um também, ele e dona Juva conversaram um pouco
assim como ela fez com Felipe no outro dia. Pelo que pude entender eles dois
sempre vinham aqui, eram clientes dos pães de queijo.
Não pude deixar de notar como Jorge era simpático e educado com todo
mundo, desde aquele dia no hospital o modo como ele era paciente com as
enfermeiras e médicos e como trata dona Juva de um jeito tão especial. Vic tinha
acertado em cheio.
O dia estava lindo, o sol brilhava alto e o calor já podia ser sentido na
pele, apesar de ser ainda oito horas da manhã. Aqui no Rio é assim, ou faz calor
ou faz calor. Eu como já previa o calor abundante do dia, me precavi vestindo
um vestido floral até os joelhos que antigamente era da minha mãe, ele era uma
antiguidade, mas eu o amava. Jorge também estava neutro, sem todas suas
roupas de cara cheio da grana. Uma camiseta simples e calção. Eu nunca
desconfiaria que ele fosse gay, o modo como se porta e se veste não dá nenhuma
pista sobre sua opção sexual, e acho que ele faz isso de propósito, para que
ninguém realmente perceba. Não que eu acredite que ele fosse do tipo que sairia
por aí coberto de glitter, mesmo assim, sinto que isso é ruim para ele e que ele se
reprime o tempo todo.
Vic estava nada menos do que radiante, quando chagamos ao hospital. Os
dias no hospital não afetaram sua autoestima em nada, nem mesmo o fato de
uma mancha roxa ainda ser visível em seu olho esquerdo, por sorte a tala do
braço já havia sido retirada. De novo, agradeci a Jorge por ter nos ajudado,
nunca saberia como recompensá-lo, tenho certeza que se não fosse por ele, nem
Vic e nem eu estaria aqui para contar história. Só o pensamento do que poderia
ter acontecido conosco naquele dia, já deixava todos meus pelos arrepiados.
Jorge deu um largo sorriso para Vic que retribuiu da mesma maneira, Vic
usava uma calça jeans e uma camiseta vermelha que Jorge havia trazido para ele.
A família de Vic não se importou em vir ver o filho. Vic me contou que sempre
foi maltratado e que seu medo em lhes contar sobre sua opção sexual era por ter
sofrido anos a pressão do seu pai em ser mais “homem”. Vic não conseguia
atender as expectativas do pai e cada vez mais seus pais foram se afastando dele.
Ele me contou uma vez que o dia em que me conheceu e eu estendi minha mão
para ele e dei todo o apoio que ele precisava, foi como se eu fosse um anjo que o
salvou, pois Vic tinha o pensamento de suicídio já enfiado na cabeça. Planejava
fazer aquilo, naquele dia. E agora que Jorge apareceu em sua vida, eu vejo como
ele está realmente feliz, antes ele fazia de conta que era feliz, era uma felicidade
falsa criada na sua cabeça para tentar esquecer todas as angustias. Fico revoltada
com pais assim, filhos são filhos independente de suas escolhas. Uma mãe e um
pai são a única base que uma criança tem para se formar e se tornar um adulto
saudável. Vic é meu melhor amigo e eu farei qualquer coisa para apoiá-lo e
ajudá-lo. Ele é um excelente rapaz, e ser gay não é uma doença ou um problema
como muitas pessoas acreditam, é apenas uma forma de amor diferente e ser
diferente não é algo ruim. Sempre levo no pensamento que devemos amar sobre
todas as coisas, independente a quem, contanto que isso nos faça bem.
— Obrigado, Camila, por ter vindo junto. Não sei o que eu faria se eu
não tivesse uma amiga como você.
— Não se preocupe, eu não aguentava mais de saudade da minha diva.
Abraçamo-nos em um abraço apertado, meu tamanho minúsculo perto do
corpo exuberante e alto de Vic, me passava conforto. Jorge se juntou ao abraço e
praticamente fizeram um sanduíche de mim. Mas eu gostei disso, gostei do amor
e da amizade que resplandeceram naquele momento, e sabia que queria
encontrar algo assim para mim, que fizesse meus olhos brilharem e minhas mãos
tremerem, iguais às de Vic ao ver Jorge quando entrou no quarto.
***
Jorge dirigia tranquilamente com uma de suas mãos apoiadas na perna de
Vic, os dois se olhavam sorrateiramente e sorriam, não pude deixar de não sorrir
também como a forma que os dois eram fofos juntos. Eu estava sentada no
banco detrás e para dar privacidade para o casal, me escorei no vidro da janela e
observei a cidade. Era tranquilo ver as nuvens no céu, iluminado pelo sol que já
se sobressaía alto no céu, acima das nuvens. E as pessoas caminhando na
calçada, cada uma com seu propósito, com seus afazeres e suas vidas, com seus
planos e sonhos. Um mundo tão simples e parecia tão bonito, parecia tão
diferente do lugar onde eu vivia, onde as pessoas só tinham problemas, e até
mesmo o sol parecia não brilhar tanto.
— Camila? Você faria isso? — Jorge perguntou me tirando de meus
devaneios.
— O quê? Desculpa estava distraída. Não entendi o que você perguntou,
Jorge.
— Michele terminou o namoro faz de conta comigo, não entendi muito
bem o motivo, mas tem a ver com Felipe, eu tenho certeza. Eu sempre soube que
ela ainda se arrastaria para ele e eu não a culpo, ele é ótimo. Mas agora ela me
deixou na mão. — A sinaleira fechou, o carro parou e ele me encarou do banco
da frente, seu semblante preocupado. — Eu não posso aparecer por aí sem uma
garota ao meu lado. Eu sou Jorge o pegador, infelizmente. — Ele sorriu
tristemente.
— Você faria isso por nós, Camila? — Vic perguntou.
— Vocês querem que eu seja a namorada do Jorge, é isso? — Perguntei
surpresa. Eles chacoalharam a cabeça afirmativamente ao mesmo tempo.
— Não vejo quem seja melhor do que você. Você é nossa amiga, é linda
e pode nos ajudar a nos encobrir. — Vic argumentou depois que percebeu que
minha expressão não mudava.
— Faz isso pela gente. Por favor? — Jorge insistiu.
Os dois me encaravam suplicantes, eu não podia dizer não. Eu tinha
prometido que os ajudaria e nunca desfaria essa promessa.
— Tá bom. — Falei sorrindo. — Mas eu quero um pedido de namoro,
por que eu nunca tive um. — Fiz um beicinho.
Vic começou a bater palminhas e a se remexer no banco, já Jorge, baixou
seus ombros que estavam tensos e movimentou a cabeça num gesto de
agradecimento.
— Vou providenciar esse pedido. — Ele prometeu.
— Temos que comemorar! — Vic disse alegremente. — Eu nem acredito
que agora tudo será mais fácil. — Ele pegou a mão de Jorge e trouxe até seus
lábios, a beijando, o que fez Jorge sorrir para ele.
— Venham na One, hoje à noite. Vou mandar Samuel deixá-los entrar
assim que chegarem. — Jorge falou.
— Vamos, Camila? — Vic me encarou com aquele sorriso, que ele sabia
que me ganhava.
— Me diz o que eu não faço por você? — Falei dando de ombros. Ele
sorriu. A sinaleira abriu e Jorge continuou a dirigir.
— Jorge, se ela vai ser sua namorada, precisamos arrumar umas roupas
melhorzinhas para ela. Ela só tem blusa verde cocô no guarda-roupa! — Vic fez
uma expressão de nojo.
— Gente eu não posso gastar muito dinheiro com roupas. — Falei
apreensiva.
— E você não vai gastar, eu vou. — Jorge disse com convicção.
— Não, Jorge. Não precisa fazer isso. Eu tenho uns trocados e estou
ajudando vocês por que eu quero, não em troca de qualquer coisa.
— Não adianta recusar. Já está decidido. — Ele gesticulou a mão no ar.
— Nenhuma namorada minha vai sair comigo usando blusa verde cocô. — Ele
disse seriamente.
Nós três caímos na gargalhada.
Capítulo 26
Felipe

Na noite passada, quando minha campainha tocou, não imaginava quem
poderia ser. Ninguém além de Samara sabia onde eu morava, e como fazia
apenas dez minutos que havia falado com ela pelo celular, duvido que fosse ela
quem estivesse na porta do meu apartamento. Por um instante, me lembrei da
corretora que me deu excelentes boas vindas, mas acredito que ela não voltaria
para me ver novamente. Ela só queria sexo com o famoso herdeiro da
Expensive, ela não queria nada, além disso. E isso ela já teve.
Quando abri a porta, cabelos escuros e um sorriso sedutor estavam na
minha frente. Michele logo deu um passo à frente, empurrando-me para dentro
da sala, aos tropeços fui andando para trás e acabei esbarando no sofá. Como ela
descobriu onde eu moro, eu não sei. No entanto, se eu aprendi uma coisa sobre
as mulheres, é que, quando elas querem alguma coisa, elas dão um jeito de
conseguir.
Ela parou na minha frente, e abriu o casaco longo que usava e que não
fazia sentido algum pelo calor que a noite ainda fazia. Mas quando ela abriu e o
retirou devagarinho e largou lentamente no chão, eu percebi o motivo do casaco
grosso. Ela estava somente de lingerie. Uma lingerie preta, muito parecida com a
antiga que ela usava e que era minha preferida, mas dessa vez uma cinta liga
acompanhava o conjunto.
— Sou sua. — Ela disse de um jeito manhoso. Eu levantei e me ajeitei.
Eu usava um calção e estava sem camisa, a recém tinha tomado banho.
— Você é de Jorge. — Disse, secamente.
— Não mais, nós terminamos. Eu quero você, sempre quis você.
Ela deu um passo à frente fechando o espaço entre nós, seus dedos
tatearam meu peito nu e traçaram uma linha invisível até chegarem ao cós do
meu calção. Atrevidamente ela abriu o botão e baixou o zíper, se ajoelhou na
minha frente e baixou o meu calção segurando os pelas laterais. Ela sorriu
maliciosamente e agarrou meu pau, quando percebeu que eu não usava cueca.
Assim, sem pestanejar ela começou uma sedutora brincadeira em massagear,
apertar e lamber. Eu quis me ver livre dela, eu quis empurra-la para longe de
mim, mas não podia, pois logo meu corpo começou a responder ao seu ataque,
acredito que não haja homem no mundo que resistiria. Sua boca deslizou por
meu pau uma vez, duas vezes e na terceira vez, eu já segurava seus cabelos com
minha mão esquerda, que já se enrolavam em meus dedos e a ajudava a mover
sua cabeça.
Mais forte, mais fundo, mais duro e assim a noite se sucedeu.
Agora já é perto das dez horas da manhã, ela ainda dorme na minha
cama, enrolada nos meus lençóis. E eu não consegui ficar lá, nem mesmo
consegui dormir direito. Sentia-me estranho, como se eu tivesse traído meu
amigo e traído meus próprios sentimentos. Jorge não pensou nisso quando
resolveu pegar Michele. Eu também agora não deveria me importar, mas me
importava.
A xícara de café quente em minha mão começou a aquecer a pele da
minha palma, que envolvia a porcelana. A fumaça saia embaçando o vidro da
janela em que eu estava escorado, olhando o mundo lá fora. Meus pensamentos
vagaram para um par de olhos verdes que pareciam estar me olhando através do
vidro, algo impossível e que me fazia ter certeza ser apenas minha imaginação,
pois meu apartamento ficava no sexto andar do prédio. Mesmo assim, imaginá-la
ali, de algum modo, me fez sorrir.
Um estrondo forte lá embaixo na rua, me tirou de meus devaneios. Um
acidente de carro aconteceu bem na avenida que passava em frente ao prédio.
Então em instantes meus pensamentos foram para o lugar mais sombrio da
minha mente, o lugar que eu constantemente tentava reprimir. O homem que
matei. O barulho que o corpo fez ao se chocar contra o carro começou a ecoar na
minha mente, se alastrando num zunido alto. O vislumbre do corpo
ensanguentado caído no chão, as luzes das sirenes piscando me deixando tonto e
até mesmo o cheiro da gasolina e da fumaça dos pneus. Tudo me recordando o
monstro que eu era, o monstro que eu sou. Um assassino que não havia como ser
perdoado. Deus nunca me perdoaria, por que eu mesmo não conseguia me
perdoar. Eu merecia essa dor, merecia que essa culpa me consumisse.
Senti dedos tocando meu ombro e me virei, ainda com o corpo tenso
pelos pensamentos agonizantes. Michele estava nua e sorrindo. A tomei em
meus braços e a levei para cama, sem pensar. Então a tive ali como eu quis.
Nada melhor do que sexo para esquecer-se dos problemas.
O calor no quarto já era abundante quando meu celular tocou. Tateei com
a mão até encontrá-lo em cima do criado mudo ao lado da cama. O visor do
celular me dizia que já eram 11h26min da manhã. Senti meu estômago roncar,
ainda não havia comido o café da manhã e provavelmente nem comeria, sendo
que agora já estava na hora do almoço. O visor além de mostrar a hora, mostrava
o nome de Jorge piscando na tela. Estranho era pouco para chamar a situação,
sendo que eu estava na cama com a ex dele nua, que era minha ex.
— E aí, cara? — Ele disse animado.
— Oi, Jorge. Tudo bem?
— Só queria te convidar para vir a One hoje.
— Claro que vou. Está tudo bem?
— Sim, claro. A Michele terminou comigo. Hoje quero comemorar. —
Ele falou alegremente.
— Na verdade cara, ela está aqui comigo. — Falei, olhando a dormir na
cama.
— Eu imaginei. Ela nunca esqueceu de você. — Ele não parecia bravo,
nem sequer chocado com isso. Como se fosse algo que ela já soubesse.
— Você está bem com isso?
— Estou. Eu já tenho um estepe.
— Entendi.
Eu posso dizer que eu sempre fui um galinha, mas Jorge sempre iria
ganhar o prêmio de primeiro lugar. Desde que eu o conheço, o cara sempre
estava com uma garota, nunca ficou solteiro. Na verdade, ele namorava uma e
mais umas mil. As garotas pareciam gostar dele e serem atraídas como imãs. Eu
era diferente, eu já deixava claro que não queria nada com elas, e se elas
quisessem alguma coisa comigo deveria ser sexo e ponto. Nunca as enganei, mas
Jorge fazia isso. Mesmo assim, eu nunca vi uma ex dele que não mantivesse
contado ou que tivesse ficado magoada ou brava após o termino. Acho que todas
as mulheres são loucas.
— Então te espero lá, traga Michele. — Ele disse animado.
O celular ficou mudo e eu pensei em como isso foi fácil.
Fácil demais. Estranho demais.
Capítulo 27
Camila

Jorge e Vic, me fizeram comprar umas cinco peças de roupas, por sorte
tudo era usável e combinava comigo, menos é claro, o par de saltos altos que Vic
insistiu que eu deveria usar. Como tudo foi presente, e eu deveria interpretar um
papel, relutante aceitei. Na verdade, foi à primeira vez na minha vida em que
comprei mais do que uma peça de roupa nova, e me senti muito feliz. Não posso
mais culpar as mulheres ricas por gastarem seu dinheiro com isso. É a melhor
felicidade momentânea que já senti.
Almoçamos os três juntos, e às duas horas fui para a lanchonete. Hoje
começaria mais cedo por que queria sair mais cedo. Vic praticamente me deu
uma sentença de morte se às nove horas da noite, eu já não estive em casa de
banho tomado esperando por ele. Ele iria até lá para me ajudar a me arrumar.
Falei com dona Juva que sorriu deu jeito terno para mim, quando disse
que precisava sair mais cedo por que iria sair com um garoto. Não gostava de
mentir para ela, por isso disse a verdade. Raissa iria cobrir meu turno, e depois
eu pagaria para ela as horas extras ou devolveria ao favor quando ela precisasse.
Raissa era uma ótima colega de trabalho e muito prestativa, e adorava fazer uma
hora extra pra conseguir mais dinheiro, ainda mais sendo que ela era mãe solteira
e tinha um filho de três anos para criar. Eu gostava dela, ela era uma mulher
batalhadora, me lembrava de minha mãe.
O dia foi corrido, como é um sábado quente, o povo saiu para passear. A
lanchonete estava cheia e eu cambaleava de uma mesa para outra, anotando
pedidos e entregando pedidos. Dona Juva chegou a contratar mais uma
cozinheira para ajudá-la na cozinha. E eu fiquei responsável em montar os açaís
na tigela. “Jesus, não entendo como alguém come isso! Tem gosto de terra”. E
posso comprovar, por que comi terra quando era pequena quando cai de um
escorregador e fui parar direto num monte de barro. No fim da tarde, já tinha
mais açaí nos meus cabelos e roupas do que nas tigelas.
Cheguei em casa as oito e quarenta e cinco, meu coração acelerado pela
corrida que eu fiz para chegar mais rápido. Abri a porta num estrondo, fazendo
até mamãe e Léo se assustarem.
— Ah, filha, é você! — Ela colocou a mão no coração e o seu semblante
relaxou, assim que percebeu que era eu. — Que bom que veio cedo.
Eu parei, e tomei fôlego para falar.
— Eu vooou sa... r com Vic e... amigo. Tu... o bem? — Falei, as palavras
saíram de minha boca, entrecortadas, pela respiração ofegante.
— Sim. Tudo bem. Eu gosto quando você aproveita sua juventude. E se
Vic vai com você, fico mais tranquila.
— Mas e eu?
Léo exclamou fazendo beiço e cruzando os braços, sentado no chão. Ele
estava brincando com seus minis soldadinhos de plástico.
— O que tem Léo? — Perguntei, sentindo minha respiração voltar ao
normal.
— Eu quase nem a vejo mais. Já faz dois dias que você não lê para mim.
— Ele fez beicinho.
— Desculpa, meu anjo. Eu juro que amanhã vamos passar o dia juntos.
Tudo bem?
— Promessa de mindinho? — Ele perguntou com seus olhos suplicantes.
Eu assenti e estendi minha mão em direção a sua, unimos os mindinhos.
— Eu prometo. — Eu disse com convicção.
Para Léo a promessa de mindinho, era algo que jamais poderia ser
quebrada. Era algo solene e irremediável.
Ele sorriu satisfeito.
***
Tomei um banho rápido, e quando voltei ao meu quarto, enrolada na
toalha, Vic já estava a postos me esperando sentado em minha cama.
— Está atrasada! — Ele disse apontando com o indicador para seu pulso,
onde não havia relógio algum. De modo a indicar meu atraso.
Revirei os olhos.
— Vista isso!
Ele me jogou uma saia preta com babados na barra e uma blusinha na cor
rosa bebê que parecia ser de seda de verdade, provavelmente era.
Assenti e abri minha gaveta procurando uma calcinha e um sutiã.
— Você não pode usar lingerie com essas roupas.
Virei-me para encarar Vic, chocada.
— Como assim? — Franzi o cenho.
— A calcinha vai marcar na saia que é de couro, e a blusinha de seda tem
alça fina, vai aparecer a alça do sutiã.
Olhei para ele apavorada. Não me imaginaria sem roupa de baixo, nunca.
Mas pelo olhar ameaçador de Vic para mim, eu entendi que não tinha escolha.
Bufei, frustrada.
— Às vezes, eu acho que na sua outra vida, você era uma vadia. — Eu
disse indignada, vestindo a saia, com a toalha ainda enrolada no meu corpo.
Ele sorriu maliciosamente para mim, e dando de ombros, disse:
— Querida, eu sou uma vadia, nessa vida.
Revirei os olhos.
***
Chegamos a One às 11 horas da noite, durante todo o trajeto de carro até
aqui, fiquei puxando minha saia para baixo e com as pernas tão fechadas que já
estava me dando câimbra. Tínhamos encontrado Jorge numa esquina antes da
lanchonete da dona Juva, e agora os dois pombinhos estavam no banco da frente
de mãos dadas, arrumados e com olhos brilhantes. E eu aqui com minhas
bochechas cor de rosa de vergonha, maquiada e sem calcinha.
Entramos pela porta principal, e o melhor de tudo foi a sensação de
passar por aquela fila enorme e entrar direto. Quando o segurança da outra noite
nos viu e seu olhar encontrou o de Jorge, ele levemente os arregalou em
surpresa, mas sem demostrar mais do que isso em sua reação, nos saudou com
um “boa noite”, mais precisamente a Jorge do que a mim e a Vic, e nos deixou
passar.
Subimos os degraus de uma enorme escadaria de mármore, que levava
até o camarote principal. Jorge e Vic a minha frente, e eu praticamente congelei
quando o pensamento de que o pessoal lá embaixo podia me ver nu, me atingiu.
Subi um pouco mais rápido e sentei imediatamente num banco de couro preto
cruzando as pernas. Nesse instante, um garçom chegou e pediu a Jorge o que ele
tomaria essa noite.
— Budweiser. E para meus convidados, pode trazer o que for do agrado
deles.
— Ok, senhor.
Vic e Jorge mantinham certa distância, mas sem nunca deixar de trocar
piscadelas ou sorrisinhos. Somente um idiota não notaria algo. O garçom veio
até mim, e eu institivamente forcei mais as pernas juntas, uma com a outra.
— Para senhorita e para o senhor, o que desejam?
— Para mim vodca com gelo. — Vic disse ao meu lado.
Eu pensei por um instante, nunca bebi antes, nunca fui de encher a cara
por que não tinha idade para isso. Uma vez meu pai me deu um gole de cerveja e
teve outra que Wes me fez tomar um negócio forte que desceu queimando por
minha garganta, não sabia o que era e odiei aquilo. Tenho certeza que nunca
mais quero tomar aquilo. Aquele dia que vim na boate, porém gostei do drinque
que o garçom me ofereceu em nome de Felipe. O mais estranho de tudo, era que
o garçom não fez menção alguma em pedir minha identidade, nem sequer me
analisou para descobrir qual idade eu tinha. Claro, que maquiada e arrumada
desse jeito, eu deveria parecer mais velha. Então dei de ombros.
— Quero aquela que tomei no outro dia Vic, sabe o nome?
— Martini com cerejas, docinho igual a você. — Ele disse sorrindo.
Eu sorri.
O garçom anotou os pedidos e saiu. O Dj tocava música eletrônica e a
boate ligeiramente foi enchendo. Fui até a beirada do camarote, me segurando no
ferro gelado que nos mantinha seguros lá em cima, uma espécie de barra de
proteção, e fiquei analisando as pessoas lá embaixo dançando. Era tão diferente
quando se estava aqui em cima, e via tudo do alto. Era possível ver cada rosto,
cada movimento e beijos dados e sendo roubados no meio da multidão. Todos
envolvidos pela música e dançando de um modo sexual, aquilo transbordava
desejo a quem olhasse. Fiquei corada com o pensamento, e sorri com meu
constrangimento inocente. “Como eu sou boba”.
Logo na entrada, algo me chamou a atenção, um amontoado de pessoas
abriu espaço e começaram a cumprimentar alguém, e esse alguém era nada mais
nada menos do que Felipe. Ele sorria e chacoalhava a cabeça cumprimentando
garotos e garotas que o barravam, mais garotas, afinal. Mas atrás dele vinha uma
moça de cabelos escuros com sua mão entrelaçada na dele. “Michele”. Meu
sangue ferveu ao vê-los juntos tão amigavelmente, muito amigavelmente. Os
olhos de Felipe encontraram os meus e seu semblante se arregalou em surpresa,
talvez até chocado, mas de onde eu estava não dava para ter certeza. Nesse
momento, Jorge se posicionou atrás de mim, prendendo-me com um braço em
cada lado de minha cintura e me entregou uma taça com o líquido avermelhado
que eu pedi antes.
— Obrigada. — Virei-me entre seus braços para olhá-lo e ele sorriu.
Ele estava lindo hoje, com sua camisa vermelha remangada até a altura
dos cotovelos e calças jeans, seu perfume forte invadia minhas narinas. Tomei
um gole da taça, e quase gemi de prazer em provar o doce e o aroma que a
bebida tinha. Vic chegou ao nosso lado e sorriu. Uma de suas mãos escorregou
por detrás das costas de Jorge, bem discretamente, mas foi o que bastou para
Jorge olhar para Vic e sorrir, e somente eu perceber.
Capítulo 28
Felipe


“Não. Ela não”.
“Não pode ser ela”.
Puxei a mão de Michele um pouco mais forte para me apressar em subir
até o camarote principal e tirar minhas dúvidas. Ao nosso redor as pessoas que
me conheciam e conheciam Michele nos cumprimentavam. Michele obviamente
estava adorando a atenção. Éramos um casal novamente, um casal numa relação
baseada em sexo e status. Nesse momento percebi como eu era parecido com
meus pais, e me enojei disso.
Subi cada degrau com o coração martelando mais forte. Michele atrás de
mim protestou, mas me neguei a parar até chegar lá em cima.
Quando adentrei no camarote, Jorge estava abraçando a loira e o cara
negro cochichava algo no ouvido da mesma. Assim que notaram a nossa
presença, se viraram e nos encararam. Mas como se eu tivesse levado um tiro,
seus olhos verdes se infiltraram em mim, me causando uma dor mais
insuportável do que se realmente tivesse sido baleado. Quase dei um passo para
trás e fugi, mas Michele logo se aprumou ao meu lado e seguiu em direção dos
três, me puxando junto.
— Vejam só, a gata borralheira virou cinderela. — Disse ela com
desdém.
— Olá, Michele. — Camila disse e tomou um gole de sua bebida.
— E aí cara, tudo bem? — Jorge cumprimentou.
Jorge saiu de perto de Camila e veio até mim. Fizemos nosso aperto de
mão ensaiado, eu com um pouco menos de vontade do que o habitual.
— Michele, veio comigo. — Fiz um gesto com a cabeça, apontando
Michele que agora estava sentada no sofá preto mexendo no seu celular
despreocupadamente. Sua roupa toda preta e sua meia arrastão, mostravam
muito de sua bunda.
— Tudo bem. Vocês fazem um belo casal. — Ele disse dando de ombros.
— Duvido. — Bufei.
Ele sorriu.
— Eu trouxe uma gata também. Lembra-se da loirinha da outra noite?
Então, tô pegando.
Tive que engolir em seco para não dar um soco na cara de Jorge. Eles só
estavam ficando, certo? Logo ele a deixaria como sempre fazia. Meu sangue
ferveu ao imaginá-los juntos. Desviei o olhar dele, parando meus olhos em
Camila, antes que acertasse um soco em Jorge. Ela estava apoiada na barra de
proteção, olhando para baixo, seu amigo ao seu lado. Ela usava uma saia preta
justa e curta, me fazendo ter uma ótima visão de sua bunda redonda e quadris
largos. Sua cintura estreita e os ombros sendo delineados pela blusa rosa que
usava, seus cabelos amarrados no alto da cabeça. Nunca a vi tão linda antes. Ela
conversava com o amigo, e como se soubesse que eu estava a observando, ela
virou o rosto discretamente para mim, e quando percebeu que eu também a
observava, virou o rosto rapidamente.
— Ei, cara. — Jorge chamou, me tirando da hipnose causada por Camila.
— O quê? — Perguntei frustrado.
— Uma Budweiser? — Jorge segurava uma cerveja para mim.
— Ah, sim, claro.
— Vou roubar sua companheira e levá-la para a pista de dança. — O cara
negro que eu não sabia o nome, chegou junto a nós com a mão entrelaçada na de
Camila.
Até aquele ato me deu raiva, já Jorge pareceu não se importar de outro
cara estar levando Camila para dançar.
Ele deu de ombros.
— Já encontro vocês lá embaixo. — Disse simplesmente.
Camila passou por mim quase esbarando no meu ombro, usava salto alto,
por isso estava mais alta. Suas bochechas estavam rosadas. Ela não me encarou,
seu olhar fixo no chão. Ao passar deixou um rastro de seu perfume doce, tão
doce que parecia mel.
Respirei fundo e peguei a Budweiser da mão de Jorge e bebi a cerveja em
poucos goles. Essa garota seria minha perdição, ela me frustrava ao tal ponto que
me perturbava e me tinha envolvido em algum tipo de magia que estava me
fazendo ficar hipnotizado por ela.
***
Já eram quase duas da madrugada, Michele se pendurou a mim como um
carrapato, seu hálito de vodca o tempo inteiro chegando ao meu nariz. Ela já
estava bêbada e falava enrolado tentando soar sensual. Sua situação não era boa,
mas Michele era acostumada a beber desse jeito, então a ajudei andar até o sofá
do camarote e coloquei-a sentada no sofá para que ela pudesse tirar um cochilo.
Tirei minha blusa e a cobri para que dormisse bem. Mesmo ela sendo uma vadia
viciada, eu não podia simplesmente tratá-la mal, nós tivemos algo no passado e
pelo menos para mim, foi bom enquanto durou.
Andei até a barra de proteção e me apoiei nela, observando o movimento
lá em baixo, em segundos avistei Camila, o cara negro e Jorge dançando. Os dois
faziam um sanduíche de Camila que dançava sem se importar com os caras
passando a mão em seu corpo, ela rebolava e mantinha as mãos acima da cabeça,
um sorriso travesso aparecia em seus lábios, ela parecia estar bêbada, pois ela
jamais dançaria assim, pelo que pude perceber dela.
Senti todo meu corpo se acender, como se eles tivessem usando-a,
tivessem corrompendo-a, mas ela não parecia se importar. Na verdade, eu não
deveria me importar. Mas o que eu sentia com certeza não era apenas raiva ou
preocupação, e sim, inveja. Eu queria dançar com ela daquele jeito, e agora,
Jorge tinha tirado ela de mim. Fechei os olhos me sentindo frustrado e me virei
para não olhar mais para eles. Michele já estava deitada no sofá dormindo e
roncando de bêbada. Revirei os olhos e entornei mais uma garrafa de cerveja,
percebendo que esta noite para mim tinha acabado.
Alguns minutos depois, Camila apareceu no camarote e tropeçou no
último degrau, caindo de joelhos na minha frente.
— Você está bem? — Perguntei imediatamente a segurando pela mão,
tentando levantá-la. Ela deu uma gargalhada alta e me encarou, se levantando
com dificuldade, seu corpo mole feito gelatina.
— Você é lindo, sabia? — Ela cambaleou, mas permaneceu em pé.
Seu rosto estava corado e seu suor era evidente em parte de seu rosto,
rente ao cabelo. Ela ria de um jeito fofo, mas eu sabia que aquilo era sinal de
embriaguez.
— Eu sou lindo, então? — Eu a segurei em meus braços para que ela se
mantivesse em pé e ri.
— Sim. Vocês dois. Os dois Felipes. — Ela sorriu, olhando para o meu
lado, que não tinha ninguém.
Ela com certeza estava bêbada.
— Ai, eu preciso tirar essas sandálias. — Ela se livrou de mim e
cambaleou até um sofá. Sentou-se de um jeito estranho e se abaixou tentando
tirar as sandálias. Ela lutou com o fecho por um tempo, então seus ombros
caíram derrotados e ela levantou o rosto me encarando.
— Me ajuda? — Perguntou fazendo beicinho, quando um soluço escapou
de seus lábios. Até bêbada ela era fofa.
Nunca me imaginei de joelhos em frente a uma mulher, mas aqui estava
eu, segurando seu tornozelo fino. Sua pele macia e quente sob meu toque, a
sandália de cor clara em finas tiras prendia seu pé pequeno. Tudo nela era
pequeno e doce. Tirei suas sandálias, e as larguei ao lado do sofá. Nesse instante,
ela apoiou uma mão no meu ombro e eu ergui meu rosto para vê-la.
— Obrigada. — Ela sorriu. — Você se importa de me levar pra casa? Eu
não estou me sentindo bem. — Outro soluço escapou de seus lábios e seu rosto
ficou esverdeado.
— Sim, eu te levo. Você quer que eu avise Jorge?
— Ele e Vic forammm. Ic, Ic! — Ela deu outro soluço e começou a rir.
— Tudo bem. Você tá muito mal. Vamos, depois eu ligo para ele.
Apoiei-a no meu ombro e joguei um olhar de soslaio para Michele que
estava roncando no sofá. Ela ficaria bem ali, já Camila parecia que a qualquer
instante iria vomitar por todo o camarote.
Desci às escadas e procurei com o olhar Jorge ou o amigo dela, mas não
os encontrei.
***
Camila vomitou duas vezes antes de entrar no meu carro, ajudei-a a ficar
de pé e segurei sua franja, enquanto ela botava tudo para fora. Depois que
conseguir colocá-la no assento do passageiro, ela apoiou a cabeça no banco e
fechou os olhos. Afivelei o cinto de segurança nela e a encarei, mesmo estando
com o cabelo desengrenhado e estando toda torta, ela estava linda. Linda de um
jeito que jamais tinha imaginado que alguém pudesse ser, ainda mais depois de
ver a pessoa vomitando.
Eu já manobrava o carro em direção ao asfalto, quando me lembrei de
algo importante.
— Camila? Camila, onde você mora? — Segurei sua mão a
chacoalhando gentilmente.
— Na vila. — Ela respondeu num sussurro.
— Mas aonde na vila? — Perguntei.
— Me deixa dormir mais um pouco, mãe. — Ela se mexeu no banco,
sem abrir os olhos.
— Mãe? — Eu ri.
Mas logo meu sorriso se desfez. “O que eu vou fazer com ela agora? Pra
onde vou levá-la?” Não tenho ideia onde seja sua casa. Tínhamos combinado de
nos encontrar na lanchonete da dona Juva amanhã de manhã para fazer o
trabalho da escola. Então num lampejo de consciência, percebi que minha única
alternativa, no entanto, era levá-la para minha casa, até sua bebedeira passar. E
isso não era uma boa ideia.
“Puta que pariu, essa a pior ideia que eu já tive!”
Subi até meu apartamento segurando Camila no colo. Ela era magrinha,
fácil de carregar. Enquanto a segurava no colo dentro do elevador, esperando ele
chegar ao meu andar, ela apoiou a cabeça no meu ombro e sorriu.
— Obrigada. — Sussurrou e seus olhos abriram e fecharam lentamente.
Ela era indescritivelmente linda, e até mesmo bêbada e sonolenta, ela
parecia um anjo.
— Droga, isso é uma péssima ideia, Felipe! — Falei para mim mesmo.
Entramos no meu apartamento e eu a levei até o banheiro, ela precisava
de uma ducha fria e um café quente para o porre passar. Coloquei-a sentada no
vaso sanitário. Ela estava meio desajeitada e ainda sorria abobalhada.
— Eu já disse como você é lindo? — Ela perguntou sorrindo.
— Sim, você já disse.
Não pude não rir, pessoas bêbadas eram engraçadas, só não era
engraçado quando você era a pessoa bêbada.
— Eu já disse que sonho em te beijar? — Ela sussurrou com seus olhos
fechados.
Meus olhos se arregalaram para ela e foram atraídos diretamente para sua
boca. Ela sorria. E aquela confissão foi um choque que passou por cada parte de
minhas células, até dar uma descarga elétrica no meu coração. Cada segundo que
passava com ela, estava mais difícil me segurar. Nunca me senti tão amarrado
por uma garota, era como se ela tivesse conseguido se infiltrar em mim de uma
maneira impossível de tirá-la dos meus pensamentos e meus desejos.
Ela começou a puxar a blusa para cima, desajeitadamente.
— Deixa que eu te ajude. — Eu disse, ela suspirou e esticou os braços
pra cima, o melhor que conseguiu fazer.
Peguei a barra da sua blusinha e a puxei lentamente para não a machucar,
ela parecia tão delicada e indefesa. E algo em mim sabia que era meu dever
cuidar dela. Porém, dei um passo para trás como se tivesse levado um tapa no
rosto, seus seios redondos e cheios estavam bem na minha frente, me
convidando a pegá-los.
— Ah, não. Você está sem sutiã? — Perguntei aflito, envergonhado, mas
sem conseguir tirar meus olhos de seus peitos.
Ela riu, então tampou os seios quando se deu conta disso. Mesmo bêbada
era uma boa menina.
— E sem calcinha. — Ela lamentou.
Meus olhos se arregalaram mais, e os dela também quando me encarou.
As palavras saíram de sua boca sem que ela percebesse, estava bêbada demais
para ter processado essa informação tão valiosa.
“Meu Deus, dê-me forças”.
Suspirei.
— Vou deixar você tomar banho, tá bom. Eu vou ficar aqui na porta do
lado de fora te esperando. Qualquer coisa é só me chamar. Você consegue?
— Uhunn. — Ela se levantou e andou até o box, ainda cobrindo seus
seios com as mãos e usando sua saia.
Saí do banheiro, e me apoiei na porta do banheiro, com o pau duro e o
coração martelando. Escorreguei pela porta e sentei me encostando-se a ela,
fechei os olhos e percebi como trazê-la ali foi uma má ideia. Foi realmente uma
péssima ideia.
Alguns minutos depois, ela ainda não tinha terminado, comecei a ficar
preocupado.
— Camila, você está bem?
Nenhuma resposta.
— Camila? — Bati na porta.
Nada.
Não aguentei o medo de que ela podia ter caído e batido a cabeça, ou ter
desmaiado. A preocupação foi grande demais, então eu abri a porta num baque.
Ela estava bem e de costas, mas terminava de enrolar a toalha ao seu
redor. Uma enrolada que ficou torta e quase mostrava sua bunda para mim. Ela
foi se virar e acabou escorregando e caiu sobre mim, que a firmei. Ela deu um
soluço, e riu.
“Isso é sério senhor? Eu sou homem porra, e você faz uma mulher dessa
cair em cima de mim?”
Tive que usar todo meu autocontrole para não arrancar aquela toalha dela
e me afundar nela, enquanto ela gemia meu nome apoiada na parede do
bainheiro. Suspirei desolado.
“Pensamentos errados, Felipe!”
— Você vai fica bem, vem!
A segurei e a conduzi até meu quarto. Achei uma cueca samba canção
minha e uma camiseta. Só isso serviria nela.
— Você consegue se vestir? — Perguntei analisando-a.
Ela assentiu.
Deixei-a sozinha ainda apreensivo. Fui até minha cozinha e preparei um
café forte para ela, depois de alguns minutos ela apareceu ainda com as
bochechas rosadas e o cabelo úmido, usando minha cueca e a minha camiseta,
seus mamilos rígidos visíveis através do tecido.
“Puta saco, sexy pra caramba”.
Tive que desviar o olhar.
— Senta aqui! — apontei para a banqueta da cozinha. Ela veio e sentou
no banco a minha frente, onde eu havia indicado. — Beba.
Ela pegou o café de minhas mãos e o tomou em poucos goles. Depois de
um tempo ela disse.
— Eu estou cansada.
— Quer deitar um pouco?
Ela concordou. A apoiei em meus braços e a levei até minha cama, ela
deitou-se e eu a cobri com o edredom cinza. Ela parecia serena e tranquila com
seus olhos fechados e boca entreaberta. Eu bem, não sabia muito o que fazer
tendo ela ali. Nunca tinha passado pela situação em que tivesse uma garota na
minha cama com qual eu não fosse transar.
Passei minhas mãos pelo seu cabelo, e acabei descendo com a mão até a
sua bochecha, e fiz um leve carinho. Ela deu um leve sorriso tranquilo, e eu
continuei descendo com a mão por seu ombro, e delineando sua cintura com a
ponta dos dedos, até parar no começo de seu quadril coberto pelo edredom cinza.
Todos os pensamentos de todas as posições sexuais possíveis que eu poderia
fazer com ela, invadiram minha mente.
— Você realmente é um cara de merda, Felipe! — Eu disse a mim
mesmo.
“Seu aproveitador da porra”.
Com esse pensamento, tirei minha mão do corpo dela rapidamente e saí
do quarto. Iria dormir no sofá, pois eu sabia que um lado meu, não iria conseguir
se controlar por muito tempo, mesmo que amanhã eu acordasse com um sério
caso de bolas roxas. E essa noite estava se provando ser um verdadeiro teste
enviado por Deus, e eu não iria deixar que minha nota de cavalheirismo, fosse
zero.
Capítulo 29
Camila

Acordei, mas não abri os olhos, fiquei navegando em pensamentos e em
todos os sonhos maravilhosos que tive com Felipe. Ele sorrindo para mim, me
abraçando, me carregando no colo e me fazendo cafuné. E até mesmo um sonho
esquisito onde ele me dava banho e me colocava para dormir. Hoje eu iria vê-lo
para começarmos o trabalho de sociologia, e também tinha prometido a Léo que
passaria um tempo com ele, mas antes de tudo isso, tinha que me aprontar para ir
à igreja com mamãe e Léo, como fazíamos em todos os domingos de manhã.
Abri meus olhos aflita com o pensamento de que o sol já estava quente na minha
pele e mamãe ainda não havia me chamado. Porém ao me ver num quarto
completamente diferente do meu, entrei em pânico.
“Onde eu estou? Cadê minhas coisas? E minhas roupas?” Pensei
olhando para mim mesma enquanto ficava em pé.
“De quem é essa camiseta e essa cueca? Aí, meu Deus!”
A luz forte do dia entrava pela janela, não reconheci nada naquele local.
Seria a casa de Jorge?
Andei lentamente, olhando ao redor, tentando descobrir onde eu estava.
“Será que fui sequestrada?”
Abri a porta do quarto devagar, e olhei a sala de estar que era conjugada
com a cozinha. Um lugar chique e muito caro pelo que pude notar. No sofá
marrom que estava de costas para mim, notei um pé caindo para fora do mesmo.
Andei até lá, apreensiva e tensa, e quando meus olhos se detiveram em
quem estava dormindo ali, tive que tapar a boca com a mão para não gritar.
“Os sonhos não eram sonhos!”
Felipe dormia todo desajeitado no sofá, sem camisa e sem calça, somente
de cueca boxer preta. Seus braços levantados sobre a cabeça, me dando a visão
de seu peitoral forte e tanquinho sexy. Ele se moveu ainda dormindo, virando a
cabeça para mim, assim pude ter uma visão privilegiada do seu rosto. Aquele
rosto majestoso e mandíbula delineada, sua barba contornando o queixo o
deixando mais sexy, como se fosse possível. Ele baixou um braço e sua mão foi
parar em cima de seu membro rígido, que se destacava sob a cueca esticada. Ele
acariciou seu membro e sussurrou.
— Camila. — Enquanto dormia em seu sono profundo.
Eu quase tive um treco. Literalmente um troço. Todos meus sentidos
ficaram em choque. Dei um passo para trás, sem acreditar que ele estava tendo
um sonho comigo. Um sonho erótico comigo.
“Cacete!”
Dei mais um passo para trás, completamente atordoada, e esse foi meu
erro, por que algo pinicou minha bunda, me fazendo dar um pulo pra frente e
cair sobre o corpo de Felipe no sofá.
Felipe acordou assustado, me agarrando fortemente pelos pulsos, mas
quando ele percebeu que era eu, seu semblante relaxou.
— Camila, o que você está fazendo? — Sua expressão era confusa, e
mesmo assim, magnífica logo de manhã.
Meus peitos estavam em contado com seu abdômen, e meus pés,
encostando-se aos dele, e eu podia sentir toda sua ereção na minha coxa. E não
era pouca coisa. Aquilo só me fez ficar mais constrangida ainda.
— Eu... Eu... — Gaguejei sem saber o que falar. Não conseguia nem
processar nada na minha mente, tendo Felipe assim, tão perto de mim.
— Algo pinicou minha bunda. — Por fim sussurrei, constrangida.
Ele me olhou especulativo, então virei à cabeça para o lado, reparando
que em cima de sua mesa de centro, havia uma planta verde com espinhos. Um
cacto.
“Um maldito vasinho de cactos”.
Eu comecei a rir, sem parar, e Felipe virou o rosto olhando para onde eu
olhava, e assim que percebeu do que se tratava, começou a rir também. Rimos
alto por alguns segundos, sem que conseguíssemos nos conter. Pude sentir seu
abdominal se chacoalhar e vibrar embaixo de mim, por causa de suas
gargalhadas. Ele ainda não tinha largado meus pulsos, mas não conseguíamos
parar de rir. Nem sei bem do que ríamos. Da situação? Do constrangimento? Não
sei, mas era uma sensação boa.
Num instante, nossos olhos se encontraram e os risos sessaram
instantaneamente, a pupila de seus olhos se dilatou e eu senti seu membro rígido
se mover na minha coxa, ficando maior. Um gemido escapou de meus lábios e
eu tive que morder o mesmo para não acabar gemendo mais alto. Aquele
contado com seu corpo estava me matando, estava aquecendo cada parte de
mim, me excitava saber que ele estava excitado. “Excitado por mim”. Seus olhos
não deixaram os meus e a antecipação começou a martelar como pregos
pontudos na minha mente. As mãos deles soltaram meus pulsos e desceram
lentamente por minha cintura, seus dedos fortes, apertando-me junto a ele. Ele
lambeu os lábios e desceu mais a mão sobre meus quadris, me pressionando
mais junto ao seu corpo. Ele se moveu, fazendo-me sentir sua ereção mais
próxima de onde eu queria que ela estivesse. Fazendo-me gemer baixinho e uma
espécie de rugido sair de seus lábios.
Quando nossas bocas já estavam a dez centímetros de distância, uma
distância tão próxima, mas ao mesmo tempo tão distante, a canção de um celular
nos interrompeu. Eu me ajeitei e levantei num pulo, recobrando a consciência,
literalmente. Felipe também pareceu constrangido quando percebeu como sua
cueca estava esticada. Eu desviei o olhar de seu “pacote”, sentindo minhas
bochechas aquecerem drasticamente, ele se sentou e pegou seu celular da mesa
de centro.
Ele atendeu.
— Alô? Sim. Jorge... Ela tá aqui. — Ele me olhou.
Aquilo fez minha mente dar um giro. Todos os pensamento e promessas
que eu fiz, sendo infiltradas em mim. Eu não posso ficar com Felipe, eu sou a
namorada de Jorge. Não posso. “O que eu estava fazendo? Eu estou ficando
louca?” Eu ia transar com Felipe ali mesmo no sofá. As sensações que
percorriam meu corpo agora, me alertavam que era exatamente isso que eu faria.
Estava parada, observando Felipe falar ao telefone, eu não escutava o que
ele falava, parecia que um zunido tinha tomado posse do meu cérebro. E ele só
me encarava com uma expressão de preocupação, raiva ou medo. Não pude
compreender. Toda minha pele ainda estava arrepiada, cada célula ainda queria
pular nele e acabar com essa coceira que sentia no corpo todo. Esse pinicar
desconfortável. Mas eu não podia, eu devia isso aos meus amigos. Uma
promessa que eu jamais iria quebrar. Virei-me de costas para Felipe e voltei até o
quarto para procurar minhas roupas e sair dali, antes que fosse tarde demais.
Capítulo 30
Felipe

— Ela está bem Jorge, eu juro cara. Não fiz nada com ela. Ela
praticamente desmaiou na cama de bêbada que estava. Eu não sabia onde ela
morava!
— Você tinha que ter me avisado. O amigo dela e eu estávamos
apavorados! — Seu tom era brusco ao telefone.
— Eu vou levá-la para a casa agora.
— Acho isso muito útil. — Ele falou asperamente. — Não sabia que
agora iriamos compartilhar as namoradas. — Ele disse ameaçadoramente e
desligou o celular na minha cara.
Nunca tinha visto Jorge tão preocupado assim, talvez ele gostasse
realmente de Camila. Eu bufei frustrado e levantei do sofá, jogando o celular
com força em cima da mesa de centro. Passei a mão no meu pau tentando
acalmá-lo e arrumá-lo, pra que não ficasse evidente o meu tesão. O que não
adiantava muito, sendo que Camila já tinha visto o estrago.
Andei até meu quarto, e ela estava sentada na minha cama fitando o
chão. Quando percebeu minha presença, seu olhar caiu para meu corpo e depois
encarou meu rosto. Disfarcei colocando minha mão em frente ao meu “garoto”
para tentar não deixá-lo tão evidente.
— Onde estão minhas roupas? — Ela perguntou. — Por que estou com
essas roupas? — Ela puxou minha camiseta que estava usando, de seu peito.
— Você passou mal na boate ontem, não achei o seu amigo ou Jorge e fui
te ajudar, mas você estava muito mal e vomitou. Então me pediu par te trazer
para casa, mas você não falava coisa com coisa. Então te trouxe pra cá, até você
melhorar, você tomou um banho e um café e adormeceu na minha cama.
Sua expressão continha surpresa, vergonha. Suas bochechas ficaram
coradas, ela baixou o olhar.
— Eu nunca havia bebido antes daquele jeito.
— Sempre se tem a primeira vez. — Eu disse sorrindo. — Não se
preocupe, você só fez fiasco aqui em casa.
— O que eu fiz? — Ela perguntou apavorada, me encarando.
— Só disse algumas verdades. — Dei de ombros.
— Verdades? — Ela perguntou chacoalhando a cabeça em negação. — É
tudo mentira, se eu falei qualquer loucura, é tudo mentira. Eu estava bêbada, não
leve nada em consideração. — Disse nervosa.
Aquilo me deixou triste e meus ombros se abaixaram, em sentido de
derrotado. Eu tinha gostado de saber que ela sonhava em me beijar e que me
achava lindo, mas era mentira. Dizem que somente bêbados e crianças, falam a
verdade, no entanto talvez esse não fosse o caso de Camila.
— Tudo bem. Jorge me ligou agora, disse que seu amigo estava
preocupado, até escutei a voz dele através da ligação dizendo que cortaria meu
pau. — Eu ri. — Acho melhor te levar para casa.
— Sim. Minha mãe deve estar muito preocupada. Nunca fiquei fora
assim, ainda mais depois do ocorrido no outro dia.
Virei-me e fui até o closet para colocar uma roupa. Eu podia sentir os
olhos de Camila percorrer meu corpo discretamente, mas suas bochechas cor de
rosa me faziam crer que ela gostava do que via e isso me deixou um pouco mais
feliz. No entanto, fiquei preocupado em saber qual havia sido o ocorrido que ela
falava.
— Liga pra ela. — Falei de dentro do closet, puxei uma calça jeans preta,
como várias que eu tinha, e uma camiseta cinza simples.
— Eu não tenho celular e nem ela.
Saí do closet, já devidamente vestido e fiquei encarando-a, estupefato.
“Quem em pleno século 21 não tem celular?”
— Não me olhe desse jeito, apenas prefiro gastar dinheiro com comida, e
não com algo fútil como um celular.
— Mas não é algo fútil, agora você está precisando de um! — Ela pensou
no que eu disse e maneou a cabeça.
— Talvez eu compre. — Bufou.
— Vou até o banheiro pegar suas roupas.
— Obrigada.
***
Camila apareceu na cozinha após alguns minutos, usando sua saia e sua
blusinha rosa da noite anterior. O que me fazia ter um leve ataque cardíaco em
saber que ela não usava nada, além disso. Ela parecia envergonhada, tanto que
achei que pudesse ler meus pensamentos impróprios que eu estava começando a
ter com ela.
— Pronta? — Perguntei.
— Sim. E obrigada de novo.
— Não tem de que.
“Na verdade, foi um prazer ver seus seios e ter você em cima de mim”.
— Você sabe me dizer onde estão minhas sandálias? — Ela encarrou seus
pés.
— Estão no meu carro. Eu te ajudei a tirá-las, elas devem ter ficado atrás
do assento.
— Você deve ter tido um trabalhão comigo. — Ela deu um riso
constrangido.
— “Trabalhão eu tive para não fazer nada contigo”.
— O que você disse? — Ela perguntou. Eu tossi falsamente. Não era pra
ter saído em voz alta.
— Não foi trabalho algum, foi isso que eu disse. — Falei, tentando
disfarçar.
— Unnn. — Ela deu um passo à frente, olhando ao redor. — Linda sua
casa.
— Obrigado. É nova, me mudei essa semana. — Falei abrindo a porta da
frente para ela passar.
— E seus pais? — Ela passou por mim, com os ombros encolhidos.
— Ficaram na mansão. — Disse, já apertando o botão vermelho que
chamava o elevador.
— Por que resolveu morar sozinho sendo tão novo? — Ela me encarou.
— Minha família é estressante. Melhor sozinho do que mal
acompanhado. — Pisquei pra ela. — Na verdade, eu sempre estive sozinho lá
também. — Dei de ombros enquanto entravamos no elevador. Ela abriu a boca
em um “O”.
***
Dirigi quase meia hora até chegar à vila, a música Patience do Guns and
Roses tocava baixinho. Camila estava olhando pela janela, sua mão sobre seu
colo, mas ela não parecia estar relaxada. Estava retesada, os dedos brincando
entre si, nervosamente. “Será que sua mãe era muito rígida com ela?”
— Nós já estamos chegando? — Perguntei.
Ela virou o rosto me encarando, aqueles olhos verdes claros pareciam
mais brilhantes conforme a luz do sol batia neles.
— Sim, suba por essa rua de calçamento, é a antepenúltima casa antes de
chegar ao começo do bairro vila Lobos. Uma casa azul escuro com a porta
marrom. Não tem portão.
Assenti.
Continuei o trajeto, reparando no local, nunca estive aqui. O máximo do
lugar aonde eu ia, era a lanchonete da dona Juva, mas fica em uma divisa com o
bairro nobre. Umas seis quadras longe daqui. Após alguns minutos, Camila
disse:
— Melhor não deixar seu carro lá na frente, pode ser perigoso.
— Ok. Mas se é perigoso para um carro, deve ser perigoso pra você. Por
que moram aqui?
— Minha família não é rica, Felipe. Meu pai morreu e minha mãe
trabalha como faxineira, só agora eu consegui um emprego, mesmo assim, não é
algo que possa me fazer comprar uma casa em outro bairro menos perigoso, por
assim dizer.
— Entendo.
Nunca parei para pensar na realidade das outras pessoas, sempre estive
muito ocupado reclamando da minha própria vida, mas olhando para Camila,
pude ver que a vida dela era mais difícil do que a minha, em muitos aspectos.
Pelo menos ela não tinha a culpa de ter matado um homem dentro de si.
Não tinha muita opção de onde deixar meu carro, a rua que passava em
frente à casa de Camila era estreita, quase um beco. Algo que me fez ter
arrepios. Deixei o carro em frente à porta da sua casa, a porta que ficava de
frente para a calçada. Ela desembarcou rapidamente do carro e abriu a porta de
casa. Eu desembarquei e fiquei escorado no carro. Algumas pessoas que
passavam por ali me encararam especulativamente e analisaram meu carro.
Assim que deram alguns passos, ouvi o rapaz e a moça cochicharem entre si.
— A filha da dona Vanuza deve tá ganhando muito dinheiro no seu novo
emprego.
— Só não sabia que os clientes agora, traziam as putas na porta de casa.
Aqueles comentários me fizeram ficar vermelho de raiva, tive que me
segurar para não arranjar confusão ali. Por sorte eles logo se afastaram.
Camila deixou a porta da casa aberta e quando olhei lá dentro, ela estava
abraçada em sua mãe e em um menino pequeno, que estava agarrado em sua
cintura. Tive vontade de sair dali e deixá-los em seu momento íntimo. Eu parecia
um intruso. Mas tínhamos combinado de hoje começar nossos projetos, então só
me restava esperar ali.
— Nunca mais faça isso, Camila! — A mãe dela disse, não em um tom
áspero, mas sim, aliviado e preocupado.
— Nunca mais! — O menino pequeno falou em um tom bravo, o que me
fez sorrir de seu ar de homem adulto.
— Não vou, eu juro. Não sei o que aconteceu. Sorte que Felipe me
ajudou. Me desculpem.
— Quem é Felipe? — O menino perguntou.
Nesse momento, o menino se desvencilhou do abraço em grupo e me
encarou de dentro da casa, os olhos de Camila e de sua mãe voaram até mim.
Sua mãe pareceu surpresa, e o menino me jogava um olhar meio ameaçador.
Andei até a porta e fiquei parado, olhando para o menino.
— Esse é Felipe? — O menino perguntou para Camila, dando alguns
passos em minha direção, parou bem na minha frente e com o rosto erguido, me
encarou com olhos semicerrados.
— Sim, Léo. Mãe, esse é Felipe. Meu colega.
“Colega? Nem amigo, poxa, tudo que eu fiz? Ou melhor, tudo que eu não
fiz, merecia mais que isso”.
— Ei, cara? Tudo bem? — Disse sorrindo para o menino.
Olhei para o menino que ainda não tinha baixado a guarda, ele não me
respondeu, só me analisou. Já sua mãe, educadamente, me estendeu a mão. Ela
era bonita como Camila, com cabelos loiros mais escuros e cortados até a altura
dos ombros, ela era alta e tinha olhos verdes, mas seu rosto era cansado e sua
postura parecia que levava 100 quilos nas costas, suas bochechas ficaram
rosadas e ela deu um sorriso tímido.
— Se soubesse que teríamos visita, tinha vestido algo melhor. Obrigada
por trazer Camila. — Ela disse, olhando para sua blusa laranjada, então começou
a passar a mão tentando ajeitar os vincos no tecido.
— Sou só um colega tentando ajudar. — Pronunciei a palavra Colega um
pouco mais alto e encarei Camila, ela me olhou e seu corpo ficou tenso, então
desviei meu olhar e encarei sua mãe que estava na minha frente. — Ela não
passou muito bem ontem, e como eu não achei o cara negro nem Jorge para
ajudá-la e não sabia onde ela morava, eu a levei para minha casa e cuidei dela.
Mas não se preocupe, eu dormi no sofá, senhora. — Olhei novamente para
Camila que agora fitava o rosto da mãe. — Nunca faria nenhum mal a ela! — Os
olhos de Camila, correram por minha direção e imediatamente foram para um
ponto fixo no chão, suas bochechas vermelhas como pimentões.
— Quais são as suas intenções com a minha irmã? — O menino
perguntou, cruzando os braços, ele usava um calção dos Mickey mouse e estava
sem camisa. Ao cruzar os braços, firmou seus músculos para parecerem maiores.
Um verdadeiro protetor cuidando de sua família. Mas seus pequenos braços
finos não tinham tantos músculos assim, o que o deixou com uma aparecia muito
engraçada. Camila veio ao seu lado, e deu um toque de leve no ombro do irmão.
— Para com isso, Léo.
— Papai iria agir assim! — Ele respondeu, estufando o peito.
O olhar dos dois, travaram uma disputa triste entre si, suas posturas se
baixaram e Camila deu um sorriso tão triste que quase me fez agarrá-la e
consolá-la, mas então ela abraçou o irmão e passou a mão nos seus cabelos, os
bracinhos dele arrodearam sua cintura e ele encostou sua cabeça na barriga dela.
— Agora que perdemos a missa, só nos basta ir para a casa da vovó.
Você virá conosco, Felipe? — A mãe de Camila perguntou.
Não sabia o que responder mediante ao olhar furtivo que Camila jogou
para sua mãe, não pude compreender se ela queria ou não, que eu fosse lá.
— Ele só veio até aqui hoje, mãe, porque temos um trabalho de aula para
fazer. — Ela falou.
— Então já que é quase hora do almoço, vamos na casa da vovó, depois
vocês estudam. Tudo bem?
A mãe de Camila me encarou e eu não tive outro motivo para discordar.
— Por mim, tudo bem. — Falei dando um sorriso. — Eu iria almoçar
Nissin Miojo mesmo.
— Tá bom, eu só vou trocar de roupa! — Camila disse soltando o ar que
segurava nos pulmões, ela se dirigiu por uma porta e desapareceu.
— Então, Felipe, sente-se. — A mãe de Camila me apontou o sofá
vermelho desbotado.
Sentei-me com ela ao meu lado. Léo o irmão de Camila acompanhava-
me com o olhar cada movimento que eu fazia. Observei a casa de Camila, pelo
pouco que podia ver ali, tudo era simples, limpo e organizado, tudo no seu
devido lugar. Em frente ao sofá tinha uma estante com uma televisão antiga, e
muitos porta-retratos dispostos nas prateleiras com fotos deles em família.
Algumas de Camila ainda criança, com cabelos loirinhos cacheados e sem o
dente da frente, um anjo em forma de criança. Pude ver algumas da família
completa, quando o pai de Camila ainda estava vivo. Nas paredes alguns
quadros pendurados, todos com paisagens lindas, mas de nenhum artista que eu
conhecesse. Embora as pinturas fossem lindíssimas, nunca entendi muito de
obras de arte, mas minha mãe tinha várias espalhadas pela casa e tenho certeza
que ela pagaria uma fortuna para ter algumas dessas que cobriam as paredes da
sala de Camila.
— Quem é o pintor? — Perguntei, e a mãe de Camila ruborizou, com seu
olhar fixo nas obras.
— São minhas. — Respondeu.
— São lindas, parabéns. Nunca tinha visto pinturas de paisagem com
tanta expressão por trás delas. O modo como você usa as cores tornando tudo
mais real é magnífico.
— Nossa, obrigada. Eu amava pintar, era algo que eu fazia antes de meu
esposo falecer. — Ela sorriu tristemente, e desviou seu olhar das obras para uma
foto em família, onde o pai de Camila estava com os filhos no colo.
— Eu sinto muito. — Disse, sinceramente.
Ela assentiu baixando o olhar.
— Como ele morreu? — Perguntei.
Camila não falava muito do pai, mas eu sabia que ele era importante para
ela pelo modo como a vi falar dele antes e consolar o irmão agora.
— Há um... — Ela começou a falar.
— Estou pronta, vamos? — Camila apareceu na porta, usando uma calça
jeans e um moletom largo, seu cabelo coberto por uma touca.
— Nossa, Camila, parece até que está fazendo zero grau lá fora! — A
mãe dela falou, encarando a filha.
E com certeza tive que concordar com a mãe dela. O dia não estava tão
quente, mas também não estava tão frio a ponto de usar touca. A cor acinzentada
do moletom deixou sua pele mais clara e a touca vermelha, ajudou seus cabelos
emoldurarem seu rosto perfeitamente, mesmo assim, toda coberta, ela estava
linda. Ainda mais depois que eu tinha visto tudo que ela escondia por debaixo da
roupa.
“Aqueles peitos, jamais saíram da minha mente”.
Ofereci-me para irmos com meu carro. A princípio eles não quiseram,
mas depois que eu insisti um pouco, aceitaram. O irmão de Camila parecia
radiante, quando sentou no banco traseiro de couro e abriu a janela colocando a
cabeça para fora, parecia estar se divertindo, já a mãe de Camila sentou se muito
tensa, parecia estar com medo que os bancos do carro a consumissem. Já Camila
parecia estar um pouco irritada ao meu lado, e eu não entendi o motivo.
Após vinte minutos andando de carro pelo lado sudeste da cidade,
chegamos ao bosque, algo que eu nem imaginava ter escondido ali, na grande
cidade do Rio de Janeiro. Um lugar tão lindo que fazia até parecer ser feito com
magia. O pequeno chalé tinha um gramado verde na frente, de um lado a floresta
e do outro uma vista linda para o mar.
Assim que estacionei o carro em frente à casa, uma senhora miúda de
cabelos brancos com um lencinho de flores na cabeça, veio nos receber. A
princípio ficou meio esguia, mas assim que Léo desembarcou do carro e correu
em direção à avó, ela começou a sorrir.
***
O cheiro de comida fez meu estômago roncar, assim que entramos na
casa. A senhora era muito simpática, e logo me senti em casa, como se sempre
tivesse vindo ali. A casa dela era tudo o que eu imaginava de uma casa de avó
comum. Comum eu digo, por que a minha avó que ainda estava viva, mora num
tríplex que tem até elevador. A casa era toda encantadora, com papel de parede
de florzinha e aquele ar de vintage, com cheiro de chá por toda a casa.
Surpreendeu-me ela morar sozinha, sendo tão idosa.
— Não precisa me chamar de senhora rapaz, apenas Rute.
— Tudo bem, Rute. — Sorri.
Sentei a mesa com Léo na minha frente, ele ainda me olhava de um jeito
estranho.
— Ei, cara, você gosta de vídeo game? — Ele me encarou desconfiado,
mas logo sorriu.
— Gosto de GTA. — Ele disse, olhando para o prato na sua frente,
mexendo com o garfo, fazendo o garfo riscar o vidro.
— Você já jogou o cinco? — Perguntei.
— Ainda não, só o San Andreas. Você tem o cinco? — Ele me encarou,
esperançoso.
— Tenho sim. Um dia desses você pode ir com Camila na minha casa
para nós jogar. — E eu acabei de ganhar o garoto. “High Five para mim,
senhores!” E minha ideia de fazer seu irmão gostar de mim, com certeza faria
Camila gostar de mim.
— Seria o máximo! — Ele sorriu, mas logo voltou a focar na sua
brincadeira de mexer o garfo.
As mulheres entraram na sala de jantar, cada uma com uma travessa de
comida, tudo com um cheiro maravilhoso que estava fazendo minha barriga dar
pulos e roncar feito um motor de carro antigo. Elas sorriam quando se sentaram
à mesa, Camila sentou-se ao meu lado.
— Tire a touca Camila, vamos rezar. — Dona Vanuza, a mãe de Camila
disse.
Ela retirou a touca a colocando sobre o colo, e ajeitou um pouco os
cabelos.
— Na verdade, não sei por que ela está usando tanta roupa hoje. Se eu
tivesse esse corpo ainda, mostraria um pouco mais de pele. Você não acha rapaz?
— A avó de Camila me pediu e eu instantaneamente fiquei envergonhado por
todos os pensamentos indecentes que passaram na minha mente num momento
tão familiar quanto esse. Então minha única reação foi assentir de leve. Mas eu
tinha que concordar, apesar de Camila ficar linda com qualquer coisa.
Eles estenderam suas mãos, cada um pegando a mão de seu vizinho ao
lado, formando um círculo de mãos dadas. Camila estendeu a sua mão para mim
e quando a toquei, senti quase um pequeno choque me atingir. Minha mão estava
suando frio agora, e só torci para que ela não sentisse. A minha outra mão foi
entrelaçada com a da vovó Rute, que já tinha ganhado meu coração,
completamente. E assim, ela começou a agradecer a Deus pela comida em
abundância.
Fechei meus olhos e pensei em todos os motivos que deveria agradecer,
ultimamente eu só reclamava e me martirizava, mas vendo como essas pessoas
sofreram na vida e mesmo assim, amavam uns aos outros, é algo que eu devo
admitir, me causou inveja. E me fez perceber que apesar de todo o dinheiro que
eu tinha, eu realmente nunca tive amor. Nunca tive nada. Não que eu merecesse
ter alguma coisa desse tipo. Sufoquei esses pensamentos tão fundos na minha
mente que tive que engolir em seco, como se estivesse tentando engolir meu
próprio rancor. Por que talvez eu merecesse, talvez um dia eu pudesse ser
perdoado.
Capítulo 31
Camila


Ajudei mamãe a lavar a louça, enquanto vovó contava mais algumas
histórias sobre as façanhas de meu avô por este mundo, para Felipe. Meu avô era
um explorador e viajou para onde seu coração mandava, até que um dia seu
coração já fraco, deixou de bater por suas aventuras.
— Vamos no balanço? — Léo perguntou, puxando minha blusa.
— Vamos, meu amor.
Eu tinha prometido que hoje ficaria com ele, então assim que terminei,
enxuguei as mãos no pano e puxei Felipe pelo braço arrastando-o junto comigo.
Vi que Léo me deu olhar de canto de olho, mas não podia deixar Felipe a tarde
toda com a minha avó. E meu plano de me vestir dos pés à cabeça, com o intuito
de que todos os arrepios que eu sentia perto dele, sessassem, estava quase
funcionando. “Quase” por que tudo em mim pinicava, como se estivesse com
frio, sofrendo um choque ou sei lá, não conseguia definir. Mas sempre que eu
olhava pra ele, lá estava essa sensação e depois do acontecimento dessa manhã,
parece que tudo se intensificou. Então passar um pouco de calor, era aceitável.
Fomos até os fundos da casa, onde o nosso balaço de cipó estava
pendurado na árvore mais alta do quintal. Léo sentou-se e eu comecei a embalá-
lo. Felipe sentou no banquinho a nossa frente, sorrindo para mim com seus
dentes alinhados e covinhas aparecendo em meio à barba malfeita. Quase não
consegui disfarçar o formigamento na minha barriga, então firmei os olhos na
nuca de Léo e continuei a embalá-lo, como se minha vida dependesse disso.
— Vamos cantar? — Léo falou animado.
— O que você quer cantar, Léo? — Sorri.
Meu irmão adorava cantar enquanto se embalava, às vezes, cantávamos
tão alto e tão desafinadamente que vovó saia de dentro de casa e vinha nos
mandar calar a boca.
— Charlie Brown, ué. — Ele riu.
— Tá bom — eu ri. — Comece. — Eu disse.
Ele começou a cantar a música do Charlie Brown Jr - Ela vai voltar, e
Felipe sorriu em surpresa, Léo não era nem um cantor, mas nos amávamos
Charlie Brown Jr. Comecei a cantar junto, me desligado do mundo e fechando os
olhos. De repente, Felipe puxou meu braço e me segurou pela cintura. Eu abri os
olhos assustada, mas o sorriso de Felipe, me fez sorrir.
— Continua... — Ele me incitou a cantar e começou a cantarolar na
minha orelha também.
Na parte em que dizia “deixa eu te levar pra ver o mundo baby, deixa eu
te mostrar o melhor que eu possa ser”, sua voz me causou aqueles arrepios pelo
corpo, que não importava se eu estive usando uma burca ainda estaria arrepiada.
Seu hálito quente no meu pescoço, quase me fez amolecer em seus braços e
fiquei inebriada com a sensação do por que ele cantou assim para mim.
Ele me rodopiou e sorriu, quando terminamos a música.
— Agora é sua vez, Camila! — Eu olhei para Léo parado no balanço,
seus pezinhos nem alcançavam o chão.
Fui até ele, saindo do aperto de Felipe, o que me causou uma estranha
sensação de perda. Sentei-me no balanço no lugar em que Léo acabara de
levantar. Ele foi atrás de mim e começou a me empurrar com sua pouca força,
me fazia mal apena balançar alguns centímetros para frente.
Felipe ficou parado a minha frente, sorrindo vendo Léo e eu brincar.
Minha mãe apareceu no quintal e chamou Léo para que ele contasse a vovó
sobre a nota dez que tirou na última prova de matemática e como meu irmão
agora era um super gênio, ele foi com muito prazer. Deixando-me sozinha com
Felipe.
— Deixa eu te embalar? — Felipe perguntou, me analisando no balanço.
Assenti já sentindo minhas bochechas pegarem fogo.
Suas mãos grandes encostaram firmemente nas minhas costas, seu
polegar roçando minha costela. Ele empurrou lentamente, mas com sua força o
balanço foi muito mais alto, me segurei mais firme e ele continuou a me embalar
mais alto. Comecei a rir, sem conseguir parar. A sensação era maravilhosa como
se eu estivesse voando. Era bom voltar a ser criança, pelo menos por alguns
minutos. Felipe começou a rir também, e a me embalar mais alto. Minhas pernas
chacoalhavam no ar e minha cabeça pendia para trás para que assim, eu pudesse
sentir o vento. “Simplesmente maravilhoso”. Mas então em uma fração de
segundos, eu escutei um craccc, e quando percebi já era tarde demais. O galho
em que o balanço estava preso, se partiu, me derrubando em cima de Felipe. Caí
de costas sobre ele e o galho a alguns metros de nós. Meu coração disparou
freneticamente, e mais ainda quando senti Felipe me segurando em seus braços.
— Você está bem? — Ele perguntou assustado.
— Sim... Acho que sim.
— Pelo menos eu estava aqui para amortecer a queda. — Ele riu.
— Oh, me desculpe! — Comecei a me levantar e me virei, estendendo
minha mão para Felipe. A sua camiseta cinza tinha subido um pouco, mostrando
sua região V e abdômen tanquinho, eu arfei.
— Pela sua cara, você não está muito bem. — Ele me olhou desconfiado,
assim que ficou de pé, passando a mão no seu traseiro para tirar as folhas da
árvore. Ruborizei. Ele levantou a mão até meu rosto, tirou uma mecha do meu
cabelo do rosto colocando no lugar e ajeitou minha touca.
— Linda como sempre. — Ele sussurrou e sua mão permaneceu na
minha bochecha acariciando lentamente. Senti cada parte de mim se mover em
sua direção, como se ele fosse um imã me puxando.
— Vocês estão bem? — Minha mãe apareceu no quintal com olhos
arregalados. Virei-me num pulo, me afastando de Felipe.
— Sim, sim. Ainda bem que Léo não estava mais no balanço. — Falei
disfarçadamente.
Vovó e Léo apareceram logo atrás dela.
— Esse galho já estava mais velho do que eu. — Vovó disse, e Léo fez
uma careta de tristeza.
***
Depois do acidente com o balanço, Felipe, Léo e eu fomos até a praia.
Antigamente era o que Léo e eu fazíamos com meu pai. Léo e eu gostávamos de
vir até aqui e fazer castelinho de areia ou enterrar nossos pés o mais fundo que
conseguíssemos na areia. Depois que papai morreu, paramos de vir aqui. As
lembranças dele sorrindo para nós, e rindo por suas roupas estarem cheias de
areia ou até mesmo quando Léo jogava água em nós, era demais para mim. Mas
hoje, por algum motivo que não sabia explicar, senti vontade de vir até a praia.
Sempre fui fã do mar, e em como ele pode ser tão grande e esconder outro
mundo dentro do nosso próprio mundo. É simplesmente magnífico, e somente
hoje, me dei conta de quanto senti falta de estar aqui e apreciá-lo.
Léo corria a nossa frente rodopiando e chutando a areia, Felipe estava
descontraído, sem suas insinuações habituais. Ele fitava o mar tranquilamente.
Nós havíamos tirado nossos calçados e andávamos de pés descalços sobre a areia
fofa. Resolvi tirar a touca e a blusa enorme de moletom, não fazia sentindo
algum vir até a praia vestida com se morasse num iglu.
— Então, já pensou em algo para nossos trabalhos escolares? — Felipe
perguntou.
— Estou tendo umas ideias, mas não sei bem o que faremos com a parte
da apresentação de dança. Por acaso você também dança? — Perguntei o
encarando. Ele tinha se prontificado em me ajudar, talvez já tivesse algo bolado
para a apresentação.
— Não sou dançarino. — Ele riu. — Mas adoro música. Sei tocar alguns
instrumentos, mas tenho paixão pelo som do violão. A melodia, as cordas, tudo
me deixa mais calmo, como se me tirasse da realidade.
— Sei como é isso!
“É como me sinto com você”. Eu pensei essa parte, sem coragem de
dizer em voz alta.
— Então pensei que, talvez, eu pudesse tocar algo e você dançar, talvez
cantar. Não sei. O que você acha?
— Além de tocar, você canta? Uau.
— Não sou nenhum Kurt Cobain, mas sei enrolar, você ouviu antes.
— Sim, ouvi, mas eu adoraria ouvi-lo cantar, realmente.
— Você poderia ir até minha casa hoje. Eu poderia tocar e cantar pra
você. — Ele falou animado.
— Eu não acho uma boa ideia, depois de tudo que aconteceu esse fim de
semana... — Falei isso alto demais, sem me dar conta de que ele escutava e que
agora, sabia como me sentia sobre os quase beijos e o fato de eu ter visto seu
tesão. — E eu também não posso, por que começo a trabalhar às cinco da tarde.
Ele me olhou especulativo e sorriu assentindo.
— Ok. Teremos tempo para isso. — Deu de ombros.
— Ei, Camila, olha o que eu sei fazer! — Léo gritou e olhei para ele que
agora virava uma sequência de estrelinhas sobre a areia. Na terceira estrelinha
ele parou de pé, como um ginasta olímpico e limpou as mãos na bermuda que
tinha areia grudada nelas.
— Nossa, Léo. Fantástico! — Falei sorrindo e bati palmas.
— Fantástico não! — Ele chacoalhou a cabeça, então ergueu os braços
para cima. — Eu sou super, esqueceu?
Eu ri.
— Ok. Foi super, Léo.
— Ele parece um ótimo menino, quantos anos ele tem? — Perguntou
Felipe, sorrindo para meu irmão.
— Sim, ele é. Tem só sete.
Léo continuou sua brincadeira na nossa frente, e eu chutei um montinho
de areia, sentido os granulados pinicarem meu pé.
— Você tem irmãos? — Perguntei.
— Só uma irmã, o nome dela é Samara. A única parte boa da minha
família. — Ele chutou a areia também.
— Ela também estuda na São Nicolau?
— Não, ela é mais velha, já está na faculdade de medicina. Se não fosse
por ela, juro que já teria sumido do Rio.
— Por quê? — Perguntei, confusa.
— Minha família é horrível, Camila. Todos acham que por eu ser o
herdeiro da Expensive e ter todo o dinheiro que tenho, eu sou feliz. Mas sabe...
Eu vi a felicidade de outro modo hoje, quando a vi com sua família. Isso é ser
feliz de verdade.
Nós paramos de caminhar e segurei sua mão para confortá-lo.
— Você sempre será bem-vindo aqui. Percebi que minha avó e até
mesmo Léo, que não é fácil, gostaram de você.
Ele apertou a minha mão mais forte e sorriu.
— Obrigado. — Ele disse e eu sorri. — Que tal darmos um mergulho? —
Ele soltou minha mão e me deu um esbarrão com o braço.
— O quê? — Falei surpresa.
— Nadar. — Felipe me encarou com ar brincalhão.
— Não, estou sem biquíni. — Disse, olhando para o mar. Percebendo que
hoje o dia estava propício para um banho de mar.
— Vamos sem roupa, então.
— Não. Obrigada. — Eu ri, chacoalhando a cabeça.
Felipe me encarou, agora com olhos mais intensos, do tipo que me fez
recuar por que eu sabia o que isso significava. Em questão de segundos, ele
juntou minhas pernas e me atirou sobre o ombro e em passos largos, correu em
direção ao mar.
— Não, Felipe! — Eu gritei socando suas costas. — Eu vou me molhar.
— Mas essa é a intenção.
Léo correu atrás de nós rindo sem parar.
— Joga ela, Felipe! — O traidor gritou.
— Agora vocês formaram um complô contra mim? Como assim? — Eu
disse sem parar de rir.
Eles riram.
Então Felipe parou, e me soltou, fazendo cada parte do meu corpo
deslizar junto ao dele. Quando meus pés se encostaram na areia, a senti molhada
sob meus pés, mas não havia água, apenas as ondas que chegavam até ali e
deixavam seu rastro. Meus olhos encontraram os de Felipe e ele segurou meu
rosto erguido.
— Eu nunca faria nada que você não quisesse. — Ele olhou para meus
lábios. — Nada que você não pedisse para eu fazer.
Meu coração acelerou no meu peito, minha regata fina azul claro que eu
usava, estava molhada pelo suor. O tecido fino subia e descia conforme minha
respiração ficava mais acelerada.
— Eu poderia beijar você, se você pedisse. — Ele se inclinou para frente
fazendo-me trancar o ar nos pulmões, então sussurrou no meu ouvido. — Ou
fodê-la. É só me pedir.
Eu engoli em seco e uma das minhas mãos involuntariamente tocou seu
peito, pude sentir sua respiração tão acelerada quanto a minha, pude sentir seus
músculos e a batida de seu coração. Como se minha mão tivesse ganhado vida
própria, eu agarrei sua camiseta e eu o puxei para mais perto, com o tecido
enrolado firmemente em minha mão. Sua boca se aproximou tanto da minha que
podia quase sentir seu gosto, através do ar.
Só que de repente, Felipe e eu fomos parar dentro da água. Léo começou
a rir sem parar, enquanto eu levantava do chão com as calças molhadas e a bunda
dolorida e Felipe havia caído de joelhos molhando suas calças também.
— Léo, por que você fez isso? — Eu gritei. — Agora você vai ver.
Depois de uma longa corrida atrás de Léo que chorava de tanto rir, Felipe
e eu desistimos de alcançá-lo. Crianças não são movidas a pilha, são movidas a
uma bateria infinita. Por fim, acho que o empurrão de Léo serviu para alguma
coisa.
Esfriar meu corpo que estava entrando em combustão.
Capítulo 32
Felipe

Ofereci uma carona para Camila até a lanchonete da dona Juva. Eu
queria aproveitar para comprar alguns pães de queijo, mas também era uma
ótima desculpa para passar mais algum tempo com ela.
Camila tinha tomado banho e usava uma calça jeans e uma camiseta baby
look preta. Seu cabelo ainda úmido, preso numa trança lateral. O cheiro de seu
perfume invadia o carro, como se o ar fosse somente feito dele. Não era forte,
era fantástico. Doce como ela. Se eu pudesse defini-la em uma palavra, seria
doce. Camila era do tipo de garota que é doce por fora e por dentro. E isso ela
provou a mim, quando antes de vir para o serviço na lanchonete, preparou um
lanche com as comidas que haviam sobrado do almoço na casa da avó, e o
estregou para uma menina muito pequena, uma criança de rua, suja e magricela.
E apesar de Camila estar limpa e pronta para trabalhar, ela não recuou quando a
criança a abraçou forte, ela retribuiu o abraço e até mesmo, beijou a testa da
pobre criança.
— Quem ela é? — Perguntei quando Camila havia entrado no carro. E
ela apenas respondeu:
— Um ser inocente que precisa de ajuda.
Aquela atitude dela, quase me fez entregar meu próprio carro para a
pobre menininha. Ver a realidade de algumas pessoas me deixou abalado. “Por
que uns tem tanto e outros tem tão pouco? Será que isso é um tipo de
porcentagem universal, na qual se você é rico deve ser infeliz e se for pobre
feliz?” E quando digo isso, sei do que estou falando, pois eu vi o olhar daquela
criança ao pegar a trouxinha de lanche, seus olhos resplandeciam de alegria em
ter comida. Era diferente do olhar que minha mãe lançava para meu pai, apesar
dela estar usando uma bolsa da Gucci, seu olhar era de rancor, tristeza e até
mesmo ódio.
Então essa atitude de Camila, só me fez ficar mais apaixonado. Sim... Já
não podia mais negar. Eu estou completamente apaixonado por ela. Na verdade,
acho que me apaixonei por ela no instante em que a vi dançar naquela boate, há
duas semanas. Tão pouco tempo se passou, mas para mim era como se nós nos
conhecêssemos há anos. Era fácil estar com ela. Ela não era do tipo de garota
que eu transaria e ficaria rezando para que fosse embora. Não... Com ela eu
jamais faria isso, eu queria ficar com ela. Queria ser o melhor de mim, para ela.
— O que foi? — Ela pediu sorrindo, me tirando do transe em que eu
praticamente a secava com o olhar, enquanto ela atendia os clientes.
Agora parada na minha mesa e me encarando com seu sorriso delicado,
ela quase me fez me ajoelhar e me declarar aqui mesmo para ela. Ela largou os
pães de queijo na minha frente, e no mesmo instante que eu falei “Você é tão
doce” tão baixo que somente eu fui capaz de escutar, seus olhos correram sobre
meu ombro e percebi que seu corpo se tensionou e sua postura se encolheu,
como se ela estivesse com medo.
Virei-me para ver o que a afligiu, e me deparei com um rapaz que entrava
pela porta da lanchonete. O cara tinha um cabelo encaracolado, era alto e usava
roupas caras. Dois outros caras vinham logo atrás, suas aparências parecidas,
com cabelos raspados e roupas da Oakley. Armas enfiadas em suas cintas, não
muito escondidas. Percebi pelo modo como andavam que as armas estavam
assim expostas, por que eram pra serem vistas.
— Vejam quem está aqui. Meu docinho!
O cara do cabelo cacheado se aproximou de Camila e a agarrou pela
cintura, ele beijou sua bochecha, e o rosto de Camila se contraiu como se ela
tivesse chupado limão. Percebi que ela não gostava desse rapaz, mas o conhecia.
Então me levantei adquirindo uma postura protetora ao seu lado. Visivelmente
podia ser notado que eu era bem mais alto que o rapaz e mais encorpado
também, mas minha aparência não pareceu afetar o ego do cacheadinho que
tinha um sorriso sínico estampado no rosto.
— Vejo que arranjou um segurança. Um rostinho lindo como você,
realmente deve se cuidar. — Ele me encarou, ainda com seu sorriso patético.
— O que você quer Wes? — O tom de Camila foi áspero.
— Meu antigo apelido! — Ele a encarou. — Adorava quando você
gemia meu nome, enquanto eu te comia. — Ele falou sorrindo, mas pronunciou a
última frase com seu olhar dirigido a mim. Como para provar que ele já a tinha,
que ela era dele.
“Você está tão enganado, idiota!”
Fechei as mãos em punho ao lado do corpo para controlar a raiva que
começava a tomar conta de mim. O encarei, estufando o peito e o fuzilando com
o olhar.
— Ah, sim, com certeza eu gemia. Era de repulsa, seu bandido. —
Camila respondeu, irritada.
— Não fale assim comigo! — Ele deu um passo à frente em direção de
Camila. — Você sempre gostou do bandido, aqui. — Ele sorriu, chegando mais
perto. Eu dei um passo, ficando quase na frente de Camila. — Você sabe. Não
negue a si mesma. Se eu quisesse, você abriria as pernas aqui mesmo para mim.
E com isso, foi como se uma nuvem negra se apoderasse de mim. Entrei
em frente ao idiota cacheado, deixando o corpo de Camila protegido atrás de
mim. E disparei um soco em sua mandíbula. Ele cambaleou para trás sem
perceber o que o atingia. Numa fração de segundos, ouvi gritos e tiros. O grito
de Camila ressaltou alto quando, um punho atingiu meu rosto. Um dos caras me
segurou por trás pelo braço e o outro me enfiou uma arma na cara, mirando entre
o meio dos meus olhos.
— Não queira bancar o herói mauricinho. Você não faz ideia com quem
está se metendo. — Ele limpou o canto da boca que escorria sangue e cuspiu no
chão do estabelecimento.
— Wes, o deixe em paz. — Camila falou ao meu lado, segurando o braço
do idiota.
As pessoas ao redor estavam apavoradas, algumas tinham fugido e outras
haviam se encolhido num canto. Eu só encarei a ponta daquela arma mirada para
mim, sem deixar o medo me atingir. A raiva era muito maior, e se alastrava em
ondas pelo meu corpo.
Nesse momento dona Juva apareceu saindo da cozinha, sua postura
ríspida. Ela já estava acostumada a ter que lidar com todo tipo de gente, eu
acredito.
— Não quero confusão no meu bar W. Você tem seu negócio, eu tenho o
meu. — Ela disse num tom autoritário.
— Não se preocupe dona Juva, enquanto a senhora pagar a sua
porcentagem de ganhos por mês a mim, não tem com o que se preocupar. Pena
que seu cliente resolveu bancar o herói. — Ele disse, a encarando e o sorriso
sínico voltou.
— Ele não fez por querer, só estava defendendo Camila que é minha
funcionária, ou seja, não quero que você a importune. — Dona Juva vociferou,
mantendo sua autoridade.
— Tudo bem. — Ele disse a dona Juva. — Eu já tive o que queria de
Camila, você pode ficar com a sobra, mas eu sei que um dia ela se arrastará de
volta para mim. — Ele me encarou rindo e eu me atirei para frente pronto para
atacar novamente, mesmo tendo uma arma apontada para minha cabeça. A raiva
era tanta em mim, que minha coragem se sobressaiu ao medo.
— Tá tudo bem, Felipe. — Camila me olhou tristemente, seu olhar cheio
de preocupação e medo. — Nos deixem em paz.
— Certo, docinho. Nos vemos por aí. E a propósito, como está Léo?
— Não é da sua conta! — Camila trincou os dentes.
— De você eu já tive o que queria, agora é a vez dele. — Ele piscou.
E com isso os caras me soltaram e Camila se pôs a minha frente, não
como se quisesse me defender, mas sim, me impedir de atacar. Eles viraram de
costas e saíram. Encarei os ombros de Camila a minha frente que pareceram
relaxar com a saída deles.
Assim que os idiotas saíram da lanchonete, os clientes voltaram para suas
mesas, os que fugiram infelizmente, não pagaram a conta, causando algum
prejuízo para dona Juva.
Quando encostei minha mão no braço de Camila, foi como se tivesse a
tirando de um transe ou de uma lembrança ruim. Ela se virou e me encarou, seu
rosto pálido e seu corpo tenso, então ela me abraçou firme. A mantive em meus
braços a apertando firme e senti quando suas lágrimas começaram a rolar pelo
seu rosto, molhando minha camiseta. Seu corpo tremeu junto ao meu peito. Ela
era delicada, tão indefesa em meus braços. E nesse momento meu único desejo
era matar aquele idiota.
Capítulo 33
Camila

“Wes é um mostro”.
— Não chore! Venha, vamos sentar ali.
Felipe me segurava em seus braços, seu aconchego era uma ótima
maneira de afastar as lembranças ruins. Lembranças às quais eu queria esquecer.
Ele passou a mão no meu cabelo, tirando as mechas do meu rosto molhado pelas
lágrimas e apontou para uma mesa retirada. Ele deu um aceno com a cabeça para
dona Juva, como para pedir permissão para me tirar do serviço. Dona Juva
apenas assentiu.
Assim que sentei, Felipe puxou uma cadeira bem próxima de mim, sendo
que mesmo sentada fiquei entre suas pernas, onde eu podia continuar abraçada a
ele.
— Quem era aquele idiota? — Ele perguntou no meu ouvido, num tom
brando, seus braços me confortando. Ele ainda parecia tenso e irritado.
Limpei algumas lágrimas do meu rosto, esfregando o dorso de minha
mão no olho. O encarei, quando minha visão se focou.
Eu tinha vergonha de admitir que um dia já tinha sido apaixonada por
aquele ser nojento. Ser de merda. Um bandido. Fechei os olhos para não ver a
expressão de Felipe quando eu falasse. Tomei coragem e falei lamentando.
— Um ex namorado. — Suspirei, e abri os olhos para ver o rosto de
Felipe. Ele me analisava, sério. — Eu o odeio! — Completei.
— Porque você o deixa te tratar assim?
— Não tenho alternativa. Ele é... bem... É o rei do moro. Ele ameaça tirar
Léo de mim, transformá-lo em um laranja. Eu tenho medo que Léo se perca.
Acabe virando um drogado ou um traficante! — Falei e as lágrimas voltaram.
Felipe pegou na minha mão fazendo um leve carinho. — Eu tenho tanto medo,
ele é um ótimo garoto, e nessa nossa vida é muito fácil partir pra esse lado. —
Funguei.
— Eu entendo seu receio. Já passei por isso e não desejo a ninguém.
— Já passou? — Perguntei franzindo o cenho, limpando os olhos
novamente.
— Sim, ano passado fui para uma clínica de reabilitação. Sou um ex
drogado, Camila. — Ele sorriu tristemente.
Abri a boca em um “o”. Eu me lembro da conversa dele com dona Juva
no outro dia, mas a confirmação disso, ainda assim, me deixou chocada.
— Você não parece ter sofrido com drogas, nem mesmo parece ter
motivos para usá-las. — Falei.
— Quando você vive no meu mundo, onde seus pais estão nem aí pra
você, quando seus amigos só querem curtir e gastar toda a grana que puderem, e
você precisa manter um status social para agradar a todos, é mais fácil ficar o
tempo inteiro chapado. É um modo de viver outra realidade, da dor no meu peito
não latejar tanto.
Aquela resposta me deixou mais surpresa ainda.
— Eu entendo o que é querer viver outra realidade. — Falei pegando sua
mão na minha. Eu precisava de algum conforto para falar de meu pai. Era difícil,
muito difícil. — Depois que meu pai morreu num acidente, tudo virou cinza,
nada mais importava. Eu não sei o que fazer, ele era tudo para nós. O porto
seguro da nossa família, mas assim, de uma hora pra outra, ele se foi. Mas ao
invés de me drogar para esquecer de que eu não o tinha mais ali, eu olhava para
Léo e minha mãe e encontrava neles, a força que eu precisava pra aguentar a dor.
Eu tinha que ser forte por eles. — Falei encarando-o, algumas lágrimas ainda
rolavam de meus olhos.
— Eu posso ver por que eles a amam tanto. Você é ótima Camila, nunca
conheci alguém com um coração tão bom quanto o seu. — Ele sorriu para mim,
e eu me obriguei a devolver um sorriso tímido. — E você não tem ideia, eu me
arrependo muito de tudo que eu fiz. — Seu olhar desviou do meu, indo direto
para o chão, seus olhos se encheram de lágrimas contidas. — A droga me fez
cometer meus piores erros. Eu acordava no dia seguinte e nem me lembrava das
coisas que havia feito. Era horrível acordar e olhar para mim mesmo no espelho
e nem reconhecer quem eu era. — Ele voltou a me encarar, e eu apertei sua mão
na minha para confortá-lo. — Mesmo assim, às vezes, ainda sinto vontade de
sentir aquela sensação alucinante, que amortecia tudo. Então me lembro do que
aquela sensação me fez fazer e me firmo no pensamento de que eu não preciso
mais disso, por que agora, eu tenho você.
Ele arregalou os olhos, como se suas palavras tivessem saído sem ele
perceber, o que me fez também ficar surpresa.
— Eu não quis dizer nesse sentido. — Ele se apressou em se explicar e
fez um gesto apontando entre mim e ele. — Apenas eu gosto de estar com você.
— Tudo bem, eu também gosto de estar com você, Felipe.
“Muito mais do que eu deveria”.
— Bem... Eu não sei se Jorge comentou algo com você, mas sábado que
vem, tem uma festa na minha casa, quer dizer, na casa de meus pais. — Ele
chacoalhou a cabeça. — Gostaria que você fosse. Acho que será mais fácil se
você estiver lá. Jorge provavelmente irá.
— Ah, sim, ele comentou algo comigo sobre uma festa, mas não sabia
que era na sua casa. — Eu disse, me recompondo.
— Então você irá? — Ele perguntou, um sorriso tímido aparecendo em
seus lábios.
— Acho que estarei lá! — Eu disse e sorri. Ele abriu mais o sorriso, o
que fez meu coração dar uma batida alta demais.
— Você vai ficar bem?
— Sim, vou voltar para o trabalho. Não posso correr o risco de dona Juva
me mandar embora. Preciso muito desse emprego. — Falei, olhando para dona
Juva que estava no balcão, ela sorriu para mim.
— Não se preocupe, dá para ver que ela adora você.
— Ela é ótima.
— E como você vai para casa? Quer que eu venha te buscar. Não quero
que você corra o risco de encontrar aquele babaca, se estiver sozinha.
— Obrigada, mas não precisa se preocupar, provavelmente Jorge vem até
aqui, daqui um pouco.
— Ah, sim, claro! — Ele engoliu em seco e seu olhar se entristeceu, ele
passou a mão nos cabelos, de um modo frustrado.
— Obrigada por se importar. — Disse.
***
Depois que Felipe foi embora, trabalhei duro e tentei não pensar em
nada. Eu queria esquecer o fato de Wes ter vindo me ver, e do fato de eu estar tão
atraída por Felipe que já estava difícil de esconder. E principalmente do fato que
eu tinha feito uma promessa a dois amigos e deveria cumprir.
Vic e Jorge apareceram por volta das nove da noite, eu já esperava por
eles.
— Ei, chuchu. — Vic falou, dando um beijo no meu rosto.
— Oi, Vic, oi, Jorge.
— É assim que eu você cumprimenta seu bofe, querida? — Jorge falou
se empertigando e Vic riu.
— O que vocês querem que eu faça? Aqui não tem ninguém que conhece
Jorge mesmo. — Falei dando de ombros.
— Só estou te incomodando, amor. — Jorge disse, rindo.
Rolei os olhos.
— Vocês vão comer algo? — Perguntei aos pombinhos.
— Depois da nossa maratona de sexo quente, estou faminto. — Jorge
disse sorrindo.
Eu coloquei a mão na boca pra conter a gargalhada. Os dois trocaram um
olhar malicioso e deram de ombros.
— Ele é um animal, você tinha que ver! — Vic disse próximo do meu
ouvido ao passar por mim e sentar-se à mesa onde eu e Felipe estávamos horas
atrás.
— Vocês são impossíveis. — Eu comecei a rir.
— Pare de ser tão puritana, Camila. Logo você vai encontrar sua metade
da laranja. — Vic disse pegando o cardápio da minha mão.
Ele sempre analisava o cardápio e pedia a mesma coisa, sanduíche de
peito de peru, sem o tomate. Só pra me fazer ficar parada na sua mesa como uma
idiota.
— Como vou encontrar minha metade da laranja, se como você mesmo
disse, eu sou um chuchu. — Eu disse fazendo beicinho.
Nós três começamos a rir.
— Chuchu, seria uma ótima fantasia para ela. — Jorge disse, ainda se
chacoalhando pelas gargalhadas.
— Fantasia? — Falei surpresa, limpando o canto dos olhos.
— Sim, a festa que te falei sábado, é a fantasia. — Vic disse.
— Essa festa será na casa de Felipe, certo?
— Sim, é aniversário da irmã dele. Os Vasconcelos são conhecidos por
suas extravagâncias em suas comemorações. E bem... Lá eu terei a honra de
anunciar meu namoro oficial com Camila Alves. — Jorge falou, me dando uma
piscadela.
— Oh!
— Sim, por isso você deve estar perfeita. — Vic disse, sorrindo. — Eu
até já achei minha fantasia.
— E qual será? — Perguntei animada.
— Eu vou de Prince. — Vic respondeu.
— E você Jorge?
— Elvis. — Ele disse dando de ombros.
— Legal, já que vocês vão com temas de cantores, eu poderia ir de
Madona. O que acham?
— Vamos ver. Amanhã depois da aula vamos procurar fantasias, então
chuchu! — Vic bateu palminhas. — E a propósito, me vê meu sanduíche de
peito de peru, sem o tomate.
“Eu não disse!” Revirei os olhos, sorrindo.
Capítulo 34
Felipe

Cheguei em casa, sem conseguir tirar o pensamento de como aquele cara
idiota fez mal a Camila, eu queria achá-lo e fazê-lo pagar por deixá-la
amedrontada. Ela é um anjo. Ela é meu anjo, e anjos não devem sofrer.
Sinto como se a cada dia estivesse me ligando mais a ela. E não sei se
isso é bom ou ruim, por que sinto que logo o telefone vai tocar e a justiça vai
chegar até mim. Antes eu não tinha motivos para lutar, para querer ficar livre,
mas agora não posso deixá-la. Ela é minha nova droga, meu novo vício. Fiquei
tão preocupado com ela, que só consegui dormir depois de ligar para Jorge e me
certificar de que ele a tinha levado para casa em segurança. Contei-lhe sobre o
ocorrido de hoje mais cedo e ele me disse que ela não havia comentado nada.
Mas entendi o motivo, esse era o jeito de Camila, ela é do tipo de pessoa que se
preocupa com todos, menos consigo mesma e não quer ver ninguém triste.
Naquela noite, sonhei que Camila apareceu no meu quarto. Ela estava
vestida de anjo e me envolveu em seus braços e me deu um beijo doce. Me disse
que eu seria perdoado, que eu não era um assassino e que merecia ser feliz.
Acordei no meio da noite com o coração retumbando no peito e o suor evidente
em meu rosto. Aquele sonho mexeu comigo de todas as maneiras possíveis.
Talvez, somente uma vez, uma pontada de esperança me invadiu e aquele
sentimento de rancor foi deixado um pouquinho de lado. Então limpei o suor da
testa com as costas da minha mão e desabei na cama sorrindo, por que pela
primeira vez em uma noite, eu não dormiria como um assassino, mas sim, como
alguém que buscaria o perdão.
Na manhã seguinte, levantei animado. Troquei-me colocando uma calça
de lavagem escura com uns rasgos no joelho e uma regata azul, meu colar
favorito de ouro pendurado no pescoço e arrumei meus cabelos de maneira que
eles parecessem que eu não tinha os arrumados.
Quando cheguei na escola, encontrei Michele no corredor. E antes
mesmo de entrar na sala de sociologia, a qual já havia se tornado minha matéria
preferida, somente pelo fato de Camila sentar ao meu lado, mesmo que eu
tivesse que aguentar o professor Edgar e suas alfinetadas, Michele me abraçou e
depositou um selinho sobre meus lábios, ato o qual eu repudiei e me afastei.
Depois de nosso encontro de sexo no meu apartamento, ela deve ter achado que
voltamos numa boa, ela não havia se ligado que eu a tinha a deixado na boate
por que não queria nada com ela. Eu não quero mais nada com ela, nem mesmo
amizade. Estou tentando manter distância e não atender suas ligações, já disse a
ela que não voltaremos a ficar juntos novamente, mas ela é bem persistente
quando quer alguma coisa, e no momento, eu sou a “coisa”.
Minha ansiedade era tanta que meu sorriso não me deixava esconder a
felicidade que brotava de mim, ainda mais quando entrei na sala de aula e lá
estava ela. Com seu rosto delicado voltado para baixo, analisando intensamente
seu caderno, seus cabelos em cachos soltos caindo sobre seu nariz. No mesmo
instante, ela fez aquele negócio de soprar a mecha e ela se mover para o lugar
certo. Ela distraidamente colocou o polegar na boca e mordiscou como se
estivesse preocupada com alguma coisa.
— Oi, Felipe, me dá licença! — Meu colega de sala, Eduardo, me
cutucou no braço. Eu nem tinha percebido que estava parado em frente à porta,
feito uma estátua, sessando o caminho dos meus colegas.
— Sim, desculpe-me!
Andei até o meu lugar, com os olhos de Camila grudados nos meus, seu
sorriso tímido. Desabei na cadeira ao seu lado.
— Bom dia! — Ela disse sorrindo.
— Oi. — Sorri.
Sentei preguiçosamente no meu lugar e fiz o que eu fazia todas as
manhãs. Recostei-me no assento e cruzei as pernas esticadas para frente e
despejei meu caderno e caneta em cima da mesa.
— Então, o que está te deixando preocupada? — Perguntei, encarando-a.
— Como você sabe? — Ela perguntou erguendo as sobrancelhas.
— Bem... Quando você está nervosa ou preocupada, você junta às
sobrancelhas e morde o polegar e não se dá ao trabalho de mover a mecha de seu
cabelo com a mão, apenas o assopra como se estivesse suspirando. Já vi você
agir assim algumas vezes.
Ela me encarou e suas bochechas ficar num tom rosado, ela baixou o
olhar e não me respondeu. Talvez estivesse pensando que eu era um tipo de
maníaco por perceber tantos detalhes e manias dela. “Mas como não ficar
fascinado com seu modo tão natural de ser?”
— E então? — Perguntei erguendo as sobrancelhas, esperando ela me dar
uma resposta.
— É que tive uma ideia para o nosso trabalho de sociologia, mas não sei
se é uma ideia boa.
— Por quê? O que seria?
— Que tal se criarmos uma ONG ou algo nesse sentido, para as crianças
da minha vila, como Carla e Léo? Onde eles pudessem aprender algo, como
dançar, cantar, pintar qualquer coisa que os fizesse sair das ruas. Tenho certeza
que podemos fazer dar certo. O que você acha? E não estaremos fazendo isso
somente pela nota, mas por algo de verdade. Entende? Algo que vale a pena.
E ali estava mais um dos motivos que fazia meu coração ficar mais
acelerado no peito, minhas mãos suarem e eu perder a fala. Ela é incrível.
Incrível de todas as maneiras. Linda, inteligente e tem um bom coração, e cada
minuto ao seu lado, acredito que estou caindo mais nessa armadilha, chamada
Amor.
— E então? — Ela ergueu as sobrancelhas usando a mesma expressão
que fiz a recém.
— Acho fantástico, podemos convidar mais alguns alunos que queiram
ensinar alguma coisa. E assim além de ajudarmos o próximo, estaremos
adquirindo experiência. — Falei animado.
Ela abriu um grande sorriso em resposta.
Começamos a trabalhar no nosso projeto. Precisávamos encontrar um
local e alunos dispostos a ensinar algo e claro, crianças da vila que quisessem
aprender e assim terem a chance de terem um futuro melhor.
E ver o quanto Camila estava animada com isso, me deixou feliz. Então
percebi que você só sabe o que é o amor, quando a sua felicidade só existe
quando vê o outro feliz.
Capítulo 35
Camila


Quando saí da escola hoje de meio dia, senti um aperto no peito ao deixar
Felipe. Antes dele entrar em seu carro e seguir seu caminho, ele depositou um
beijo em minha bochecha e deu aquele sorriso que era todo covinhas, que
sempre me fazia corar e ficar nervosa. Sinto que a cada dia estou me ligando
mais a ele. E quando ele tentou se abrir comigo ontem na padaria, pelas coisas
horríveis que a droga fez com ele e o quanto ele estava arrependido e o quanto
isso o afetou, só me fez gostar mais dele. Ele não merece se sentir assim. Ele
pode até fazer de conta que tem pinta de cara marrento, mas seu coração
trasborda amor. Eu vi isso quando o observei olhar para a Carla no outro dia e
agora na aula de sociologia, quando ele ficou tão animado quanto eu em criar
esse projeto. Ele é lindo, inteligente e tem um bom coração.
Assim que dobrei a esquina, lá estavam Jorge e Vic me esperando no
SUV, íamos a uma loja de fantasias. O que me deixou bem animada. Sempre
quis me fantasiar de alguma coisa, mas nunca tive a oportunidade.
Ao chegar na lanchonete horas mais tarde, Dona Juva veio até mim.
— Camila, hoje é segunda e o dia está chuvoso. Já são quase três da tarde
e nenhum cliente apareceu. Você não precisa trabalhar hoje, ainda mais depois
do que a aconteceu ontem. — Ela disse calmamente.
Meus olhos se arregalaram e instintivamente fiquei apavorada. Ela
deveria estar furiosa pela cena que Wes e eu protagonizamos ontem. E o fato de
eu ter ficado abalada e chorando durante o serviço não deve ter me ajudado em
nada.
— Não me mande embora dona Juva, eu juro que vou trabalhar o dobro.
— Implorei, aflita.
— Não menina, e quem disse que estou te mandando embora? Só hoje
você não precisa trabalhar. Vou manter o estabelecimento fechado. Você está se
mostrando muito competente. Não se preocupe com isso.
Soltei o ar que prendia nos pulmões, me sentindo muito aliviada.
— Graças a Deus!
Dona Juva começou a rir e chacoalhar a cabeça.
Organizamos as coisas e a cozinha e começamos a fechar o
estabelecimento. As trovoadas lá fora ficaram mais intensas, e o vento fazia as
folhas das árvores da calçada ali da frente, voarem em pequenos redemoinhos.
Não deu dois minutos para que a garoa fraca se transformasse em uma
tempestade torrencial, e minha preocupação principal era de como eu chegaria
em casa sem parecer um pinto molhado.
Assim que dona Juva trancou com cadeado a última porta, fiquei
encostada na parede lateral, embaixo da parte coberta da lanchonete.
— Como você vai para casa, Camila? — Dona Juva perguntou, fechando
seu casaco.
— Não se preocupe dona Juva, logo a chuva passa. Sabe como são essas
chuvas de verão.
— Você vai ficar bem de certeza? Você pode ir até minha casa se preferir.
Até a chuva passar.
— Não precisa se preocupar, não quero incomodá-la. Obrigada por tudo,
dona Juva.
— Ok, então, menina. Se cuide, até manhã.
— Até!
Ela abriu o guarda-chuva que tinha uma seleção de flores estampadas,
assim como todas as suas roupas, dona Juva fazia o estilo de perua chique. O que
fazia suas produções de look serem um misto de animal print e estampas florais.
Ela travessou a rua correndo em um trote lento, indo em direção à quadra
seguinte, onde ficava sua casa, perto dali.
Alguns minutos se passaram, e se passaram e se passaram, e eu já estava
molhada e arrepiada de frio. Essa chuva idiota não estava amenizando. Meu
jeans estava molhado até os joelhos e uma goteira estupida ficava pingando
sobre minha cabeça, molhando meu cabelo, e como eu não tinha para onde ir, a
goteira estupida, ainda era a melhor opção. Os carros passavam fazendo a água
do asfalto respingar em mim, só para agravar a situação de pinto molhado que eu
já me encontrava. O tempo nublado fazia parecer que já estava anoitecendo,
tanto que até a iluminação dos postes ali da rua acenderam mais cedo, pelo
menos os que estavam inteiros.
Quando percebi que teria que enfrentar a chuva para chegar em casa, um
carro parou na minha frente, encostando no meio fio da calçada e me jogando
água até a cintura.
— Seu filho da puta!! — Eu gritei.
O vidro da janela do passageiro abriu, e Felipe me olhou com um meio
sorriso, apesar de seus olhos estarem me analisando preocupado.
— Ei, me desculpa. O que aconteceu? — Ele gritou alto, em meio ao
barulho da chuva e carros que passavam.
— Choveu, foi isso que aconteceu! — Gritei, bufando.
— Estou falando sério.
— Fechamos mais cedo, estou esperando a chuva passar.
— Vou ficar sem meus pães de queijo, então. — Ele riu.
“Sério? Eu estou completamente encharcada e ele está preocupado com
seus malditos pães de queijo?”
— Infelizmente. — Falei ironizando e revirando os olhos.
— O que você está fazendo aqui ainda? Toda molhada?
Nesse momento, cruzei os braços ao redor do corpo para tentar manter o
frio longe, um trovão soou alto e me fez dar um pulo, e me encolher mais junto a
parede. Tudo isso enquanto meus dentes batiam um no outro, como se fossem
uma britadeira. Infelizmente, meu Jeans estava molhado e usando somente uma
blusinha de alcinha para me aquecer, não era o suficiente para manter o frio
longe.
— Você está tremendo, Camila! Venha, vou te levar para casa.
— Não precisa, vou esperar a chuva passar.
— Você já olhou para o céu? Não vai parar de chover tão cedo. E pare de
ser tão teimosa e ponha essa bunda dentro do carro agora, antes que eu vá aí te
buscar. — Ele gritou, exasperado.
E para comprovar o que Felipe acabou de dizer, um raio cortou o céu
iluminando o local, seguido pelo forte estrondo do trovão.
— Tudo bem. — Falei, deixando minha teimosia de lado e encarando
meu salvador sorridente.
Entrei no carro, tremendo. Felipe aumentou o ar condicionado para ficar
mais quente e me alcançou uma blusa dele.
— Obrigada.
— Se enxugue com a minha blusa, senão vai ficar resfriada.
Assenti e passei sua blusa sobre meu rosto, e no mesmo instante, senti o
perfume de Felipe me invadir. O cheiro era tão bom que demorei um pouco mais
em enxugar o rosto.
Olhei para Felipe que cantarolava baixinho uma canção, a qual reconheci
sendo Have you ever seen the rain? - Do Creedence Clearwater.
— Sério? Bela música para se ouvir num dia como hoje. — Eu ri.
— Eu nem tinha percebido! — Ele deu de ombros e aumentou o som, e
continuou cantarolando.
***
Ele dirigiu as seis quadras até parar em frente à minha casa.
— Obrigada por me trazer. — Eu disse.
— Não tem de que. — Ele sorriu mostrando suas covinhas.
Suspirei e desci do carro, deixando a contragosto, sua blusa com seu
perfume sobre o assento. Eu queria esse cheiro sempre em volta de mim, e esse
pensamento, me assustou.
Assim que tentei abrir a porta da minha casa, a maçaneta se moveu, mas
a porta não abriu. Eu estava trancada para o lado de fora de casa e ficando
totalmente parecida com um pinto encharcado.
— Entre de volta! — O som da voz de Felipe ecoou sobre a trovoada.
Virei-me e pulei para dentro do carro, sem pestanejar.
— Não tem ninguém em casa e eu estou sem a chave! — Ele abriu a
boca em um grande “o” e então essa expressão foi mudando, até se transformar
em um sorriso acolhedor.
— Venha até a minha casa. Fique lá até a hora que você precisar e depois
eu te trago.
— Eu vou te incomodar, eu posso ir até a casa de Vic.
— Vic? — Ele franziu o cenho.
— Meu amigo negro.
— Unnn. Mas a gente poderia usar esse tempo para discutir sobre outro
negócio. — Ele ergueu as sobrancelhas sugestivamente e eu revirei os olhos. —
Estou falando do trabalho, o da apresentação. Lembra que eu queria te mostrar
como eu canto?
— Sim, é uma boa ideia afinal, mas eu já estou toda molhada.
Aquele sorriso malicioso de Felipe apareceu de novo.
“O que há de errado com essas insinuações e trocadilhos?”
— Não se preocupe com isso. Você já usou roupas minhas outro dia.
Lembra? — Ele piscou.
Baixei o olhar envergonhada, lembrando-me. Na verdade, tentando
lembrar o que eu teria feito e as coisas que eu poderia ter dito naquela noite
quando estava fora de mim. Por fim, assenti e ele sorriu satisfeito.
Chegamos ao apartamento de Felipe algum tempo depois, que me
explicou que estava na academia e que tinha resolvido passar na lanchonete
comer um pão de queijo. “Sorte a minha”. Ele deveria erguer muito peso
mesmo, para ter um corpo tão bonito, e braços tão largos e músculos definidos e
ainda tinha aquele tanquinho sexy, que eu tive o privilégio de ver enquanto ele
dormia no sofá.
— Aqui!
Ele me entregou uma camiseta branca e uma cueca samba canção
vermelha, com o barrado branco da Calvin Klein. Fui até o banheiro social, e
pude perceber mais claramente como tudo era limpo, chique e caro e, diferente
da minha casa. O banheiro era magnífico, tanto que acho que eu poderia viver
ali. Além do fato que era três vezes maior do que meu próprio quarto. Tomei um
banho demorado com água quente, que me fez desfrutar de cada gota, era tão
bom não se preocupar se a água iria acabar. Depois vesti as roupas e me perdi
em longos suspiros, ao sentir o perfume de Felipe novamente, mas agora estava
impregnado na camiseta que eu vestia. Por sorte ficou boa em mim, grande, mas
boa. E a cueca ficou parecendo um shortinho que acabou ficando um pouco
folgado na cintura.
— Fiz um café para você. — Ele disse quando o encontrei na cozinha.
— Ah, obrigada. — Eu disse pegando a xícara de sua mão, nossos dedos
se tocaram e a vontade de que ele me agarrasse agora, tomou conta de mim. Eu,
infelizmente, sou muito tímida para dar o primeiro passo. “Mas que porra de
primeiro passo eu estou pensando? Eu sou namorada de Jorge. Lembra
Camila?”
Dei um passo para trás e segurei a xícara apertando-a entre meus dedos.
— Você está bem? — Ele perguntou me analisando.
— Sim. — Falei num grunhido.
— Vou tomar um banho, por que eu suei feito um porco na academia e
devo estar cheirando igual a um gamba morto, então fique à vontade. — Ele riu
e fez um gesto indicando a sala e ao redor. — Eu já volto.
“Ah! Se ele soubesse que seu cheiro não parecia em nada com um gamba
morto e que o vendo assim, com essa regata branca, me fazia querer lamber
cada gota de suor de seu corpo. Unnn!”
Demorei-me um pouco, explorando a sala, vendo como a casa ainda
estava meio vazia, não tinham porta-retratos, nem nada que representasse Felipe.
Então sentei no sofá e fiquei analisando a plantinha que tinha na mesa de centro,
o cacto que me fez pular em cima de Felipe e que quase nos fez nos beijar.
Pousei a mão sobre a minha perna, enquanto tomava goles do café quente e
forte. Senti o calor aumentar, mas acredito que não era devido ao café quente e
sim, as lembranças que a pequena plantinha causou em mim. Fazendo-me
lembrar de como meu corpo se encaixou ao corpo de Felipe perfeitamente, em
cada músculo que pude sentir, em seu membro rígido esfregando em meu ventre
e em seus lábios prontos para me beijar. Fechei os olhos e mordi o lábio,
deixando as lembranças, me levarem. Um pequeno gemido involuntário escapou
de meus lábios.
— Ah, porra! O que você está fazendo?
Abri meus olhos em completo choque, minha mão tinha subido de minha
coxa e eu esfregava entre minhas pernas. A xícara de café, se não fosse feita de
porcelana, provavelmente estaria quebrada pela força que eu a segurava.
— Ah, desculpe eu...
“Ah, merda! O que eu vou dizer? Que estava tendo pensamentos eróticos
com ele? Que só o pensamento estava me levando à loucura? Ah, não, nem a
porra”.
Então dei de ombros e mantive meu rosto o mais inexpressivo que
consegui.
— Nada. Não estava fazendo nada. — Eu levantei e pousei a xícara na
mesa e tentei agir como se realmente eu não estivesse fazendo nada, mas tenho
certeza que o calor de minhas bochechas, me entregava.
Felipe tinha vestido uma calça preta, e uma camiseta preta, seus cabelos
estavam molhados, e ele segurava um violão marrom. Sua expressão era séria, e
seu pomo de adão subiu e desceu, ele se empertigou como se estivesse
envergonhado e vi quando seu olhar foi do sofá atrás de mim e para a plantinha
em cima da mesa. Então tive a certeza de que ele sabia exatamente o que eu
estava fazendo. Suspirei.
Seus olhos se fixaram em mim, e eu percebi que ficar com ele sozinha,
não era uma boa ideia. Era aquele tipo de ideia que eu sabia que já estava se
transformando numa bola de neve, e que provavelmente se derreteria, pelo calor
que estava começando a fazer aqui.
Capítulo 36
Felipe

“Oh, porra!”
Tenho certeza de que ela estava lembrando-se do ocorrido no outro dia. A
nossa cena do sofá. Eu sei, por que aquele pequeno cacto se tornou a minha
planta preferida no mundo. Cada vez que eu sentava no sofá e olhava para
aquela pequena planta em cima da mesa de centro, me lembrava de Camila e em
como eu a queria. “E puta merda, o que eu tinha na cabeça quando dei minha
camiseta branca para ela vestir?” Isso foi uma péssima ideia. Na verdade, não
consegui definir, pois era uma boa ideia pelo fato dela ter ficado incrivelmente
sexy nela e ruim pelo mesmo motivo.
Me movi em direção ao sofá e ao passar por ela senti seu perfume pular
até mim, me envolvendo pelo doce aroma. Seu cabelo ainda estava úmido e ela
havia amarrado de um jeito desajeitado no topo da cabeça. Sentei no sofá e me
foquei no violão, antes que meu autocontrole se esvaísse.
— Vou tocar para você. Estava pensando que no trabalho, eu poderia
tocar e cantar e você dançar. O que acha? — Disse, afinando as cordas do violão
e fazendo o possível para não olhá-la. Estava começando a ficar difícil manter
minha concentração.
— Não sei, vai que você seja péssimo. — Ela disse, e quando levantei
meus olhos para ver se ela estava mesmo falando sério, ela estava mordendo o
lábio para não rir.
— Melhor você tirar suas conclusões, então. — Pisquei e sorri.
Camila estava em pé a minha frente, suas pernas cruzadas e os braços
também. Não sei se minha escolha de música foi boa, pois era óbvia demais,
mesmo assim, fechei os olhos e toquei como eu sempre fazia. Com o coração.
Wicked Game do Chris Issak foi minha música escolhida e quando cheguei ao
refrão, abri os olhos para ver a expressão de Camila, para saber se ela tinha
gostado de mim cantando. Era importante para mim que ela gostasse. Mas assim
que abri os olhos e vi Camila, meu coração acelerou e eu errei uma nota no
violão. Ela estava dançando. Dançando com seus olhos fechados, e os braços
erguidos sobre a cabeça, seus movimentos lentos e concentrados. Movia seus
quadris num embalo sensual. Ela absorvia a música tão facilmente, e vê-la
assim, me fez cantar mais alto e tocar com mais intensidade. Ela continuou seus
passos lentos e sensuais e meus olhos correram para cada parte de seu corpo,
para cada curva, cada centímetro de pele. Fui tomado por uma onda de
admiração que preencheu todo meu ser, que me sugou de tal maneira que era
impossível tirar meus olhos dela. Ela virou de costas para mim, e continuou
movendo os braços erguidos, a minha camiseta que ela vestia, subiu com o
movimento, mostrando sua bunda perfeita na minha cueca. Ela era um tesão. E
assim que ela se virou e deslizou as mãos sobre a lateral de sua cintura e passou
pelo seu ventre tão sensualmente, eu praticamente arfei. Ela era sexy sem
perceber, e isso a deixava mais maravilhosa ainda. O fato dela não fazer isso
para me seduzir, mas sim, por que era o próprio jeito natural dela, embalada pela
música. Meu pulso começou a latejar e senti cada célula do meu corpo me
impulsionando para ela. Essa sensação foi tão enlouquecedora que me fez ter a
certeza de que se não a tivesse nesse exato momento, eu morreria. Camila era
minha droga, meu vício, meu entorpecente, e agora eu era o maldito de um
viciado vidrado por uma dose de Camila. Não aguentei mais essa sensação sendo
reprimida dentro de mim, e larguei o violão ao meu lado no sofá. Ela abriu os
olhos instantaneamente e parou de dançar, no instante que a música sessou. Em
passos rápidos, eu estava junto a ela, parado em sua frente, sentindo todo seu
perfume me atingir. Meu coração batia tão forte que tive medo dela perceber
meu nervosismo, minha ansiedade por ela.
— Cumpriu sua dívida. Dançou para mim. Agora só falta você estar
pelada! — Falei sentido o ar ser sugado de mim e lambi meus lábios que já
estavam secos.
Ela olhou diretamente para minha boca, e suas bochechas rosadas só me
encheram ainda mais de tesão. Minha mão foi para sua nuca e dei um passo à
frente para chegar mais perto, sem desgrudar meu olhar de seu rosto. Eu estava
decidido, eu estava louco por ela. Me sentia tão necessitado dela que chegava a
doer.
Ela me encarou.
— Você é inexplicavelmente incrível. — Ela disse tomando fôlego.
— E você é insuportavelmente irresistível.
Sem aguentar mais, pousei meus lábios nos seus, e pude saborear seus
lábios doces e macios tanto quanto eu imaginei que seriam. Minha língua
explorou sua boca, enquanto a dela retribuía. Quase não acreditei que ela
também me beijava com necessidade, com fúria e vontade, parecíamos dois
viciados que tinham passado muito tempo na reabilitação. Meus braços a
envolveram e passei uma mão sobre sua perna a puxando para que ficasse na
altura da minha cintura. Ela pressionou contra mim e um gemido escapou de sua
boca, e eu respondi numa espécie de rugido. Suas mãos foram para meus
cabelos, os puxando com urgência. Eu tirei minha boca da sua, somente para
poder apreciar o gosto do seu pescoço e lamber o lóbulo da sua orelha e poder
comprovar que ela era doce. Seu gosto, seu cheiro, tudo tão doce, me deixando
completamente inebriado. Drogado. Seus seios pressionaram contra meu peito e
eu baixei uma mão para apalpá-los, ela gemeu, e aquilo só foi mais lenha para a
fogueira que começava a queimar entre nós, num calor intenso.
Capítulo 37
Camila


Felipe me segurou firme, puxando minha outra perna ao redor de sua
cintura. Eu as apertei firmes ao seu redor, e me segurei em seus ombros largos,
enquanto ele me beijava. Seu membro pressionando em mim, o que me fazia me
esfregar contra seu corpo com mais vontade. Ele foi caminhando aos tropeços
comigo em seu colo, sem nunca parar de me beijar, lamber e me provocar, o que
estava me deixando louca. Ele me pressionou contra uma parede do corredor, só
para poder pegar meus seios com as duas mãos. Segurei-me em seus cabelos e
ergui o peito para frente, me entregando completamente a ele. Sua mão foi até a
barra da minha camiseta, e ele a puxou para cima e a atirou no chão, e olhou
para meus peitos com um sorriso de ampla devoção, o que me deixou mais
excitada. Ele lambeu e mordiscou meu mamilo, até me fazer gemer alto. Ele
movia seu quadril num movimento de vai e vem, me incitando a gemer e ficar
mais fora de mim.
— Felipe, oh, por favor!
Eu gemi em prazer quando ele mordeu e assoprou a ponta de meu seio.
Ergui a cabeça para trás, apoiando-a na parede, enquanto ele se deliciava em
meus seios.
— Você não tem ideia o quanto eu sonhei em prová-los. São perfeitos.
Você é perfeita! — Ele falou me tomando em seus braços novamente e nos levou
aos tropeços, até seu quarto.
Reconheci o local pela minha estada ali no outro dia. Tudo continuava
igual. Ele me pousou no chão, não diminuindo nossa distância. Segurando meu
rosto entre suas mãos, ele beijou cada parte da minha face, o que me fez rir.
— Você é tão doce. Minha doce Camila.
Eu dei um passo à frente, vetando qualquer espaço que pudesse haver
entre nós. Pousei meus lábios nos seus delicadamente e olhando em seus olhos
pronunciei as palavras que estavam engasgadas na minha garganta por um
tempo. Por um tempo que parecia ter sido desperdiçado.
— Eu quero você, Felipe.
E naquele momento não me importava nada, somente ele e eu. Só
existíamos nos dois no mundo. E saber que ele me queria também, me deixava
pisando nas nuvens.
— Você tem que pedir o que você quer, lembra? — Ele deu um sorriso
maroto. — O que você quer que eu faça, Camila? — Falou num tom sedutor ao
pé do meu ouvido, e plantou um beijo bem embaixo na parte sensível da minha
orelha. Esse gesto levou arrepios que desceram pela minha coluna, me deixando
entorpecida.
Deslizei minha mão por seu peito, até a barra da sua camiseta e a puxei
para cima, deixando seu peito nu. Nossos peitos subiam e desciam rapidamente
na mesma intensidade, nossos corações batendo na mesma sincronia, criando
nossa própria música de fundo. Os dois queriam isso mais do que qualquer coisa.
Eu podia sentir que necessitava dele, como se estivesse me afogando e ele fosse
à única fonte de ar existente no mundo.
— Peça-me, Camila.
Eu poderia dizer “faça amor comigo, Felipe”, mas acho que ainda não
estamos prontos para fazer amor. Amor era algo muito forte. Então arrecadando
toda a coragem dentro de mim e deixando a timidez de lado, olhei em seus olhos
azuis magníficos e falei:
— Me foda, Felipe.
— Meu Deus! Eu estou corrompendo meu anjo. Eu devo ser muito mau!
— Ele abriu o sorriso mais delicioso que podia dar, daqueles que literalmente faz
molhar a calcinha.
Ele me beijou com muito mais vontade, me levou até a cama, me
acariciando sem parar. Minhas mãos exploravam seu peito e agarravam seu
cabelo, enquanto suas mãos apertavam meus seios e desciam entre minhas
coxas.
Ele retirou a cueca dele que eu usava, tirando-a lentamente e beijando
cada parte da minha cintura até os dedos do meu pé. Ele me observou nua na
cama, o que me deixou constrangida, mas seu olhar de desejo fez minha timidez
ir embora e me senti meio devassa, naquele momento. Ele tirou suas calças, e eu
observei cada movimento que seus braços e músculos faziam enquanto ele a
tirava e colocava a camisinha. Ele deitou sobre mim na cama, sem nunca cortar
seu olhar penetrante do meu. O peso do seu corpo, me pressionou contra o
colchão, gemi, sem conseguir me conter, quando senti seu membro em mim.
— Eu te quero tanto! — Ele disse beijando meu pescoço.
Ele segurou meu rosto entre suas mãos, seus cotovelos apoiados no
colchão. Ele me beijou sedento, forte e preciso. E se afundou completamente em
mim.
E assim a tarde chuvosa se sucedeu, diferente do que eu imaginei e muito
melhor do que pensei que seria. Transamos duas vezes e foi incrivelmente
maravilhoso e satisfatório, mas diferente do que eu pedi, com todas as palavras
“me foda”, Felipe fez tudo mais calmo, mais delicado e fez meu peito se encher
de emoção. Diferente das vezes que dormi com Wes, estar com Felipe me
deixava feliz, me transportava para outra dimensão. Foi então que percebi que o
retumbar do meu peito que soava mais alto em cada beijo que ele depositava em
meus lábios, que em todas suas insinuações e toques roubados, e todos seus
sorrisos maliciosos que eu amava insuportavelmente, era devido a todo o amor
que sentia por ele.
Eu estou completamente apaixonada por Felipe.
Capítulo 38
Felipe

Acordei e senti a respiração calma de Camila em meu pescoço, ela estava
abraçada em mim e sua cabeça apoiada em meu ombro. Depois do sexo,
acabamos pegando no sono. O clima chuvoso estava propício para um cochilo à
tarde. As cortinas das janelas do meu quarto estavam abertas, mostrando que lá
fora ainda chovia e os relâmpagos cortavam o céu, trazendo flashes de
luminosidade para dentro do quarto. Ter Camila aqui, era quase tão surreal que
acredito que em qualquer instante vou acordar e perceber que tudo o que
aconteceu foi apenas um sonho. Um sonho tão maravilhoso que me concentrei e
fechei os olhos para não ter perigo de não ser verdade, de não acordar desse
paraíso. Mas então, senti que ela se moveu sobre meu peito, se aconchegando
mais em mim. “Não era um sonho, ela estava realmente em meus braços”. Abri
os olhos e a encarei dormindo serena. Ergui o braço e apoiei a mão em seu rosto,
fazendo carinho e sentindo toda a delicadeza de sua pele macia. Continuei a
traçar calmamente meu dedo pela pele de Camila, delineando seu pescoço, seu
ombro e seu braço, sentindo cada traço seu. Ela era de uma beleza inimaginável,
e literalmente me lembrou de um anjo com seus olhos fechados e cílios grossos,
cabelos loiros enrolados espalhados pelo pescoço e caídos em direção ao ombro,
suas bochechas levemente rosadas e os lábios macios e delineados em formato
de coração, entreabertos. Seus olhos verdes cristalinos se abriram, e ela sorriu e
eu quase virei gelatina. Aquele sorriso foi exatamente o que precisava para fazer
meu coração acelerar e aquela eletricidade quase tangível, me puxar junto a ela.
Linda era pouco para defini-la nesse momento. Seu rosto de quem tinha feito
sexo, misturado com suas feições de anjo, era um deleite para meu coração e me
deixava de pau duro.
— Oi. — Ela sussurrou sonolenta e passou o braço por cima do meu
peito, me abraçando.
— Oi. — Eu disse e pousei minha mão em sua cintura. Seus olhos
correram pelas janelas assim que um relâmpago chamou sua atenção. O tempo
estava escuro lá fora mostrando que já era noite.
— Você sabe que horas são? — Ele perguntou sussurrando.
Não respondi de imediato, e me estiquei para pegar o iPhone que estava
no criado-mudo ao lado da cama. Cliquei no botão lateral do aparelho e quando
a luz acendeu no visor, mostrava que eram 19h21min.
— É sete e vinte um, ainda. — Eu falei soltando um suspiro de alívio,
por que assim ela poderia ficar um pouco mais comigo.
— Acho que eu deveria ir para casa. — Ela me olhou nos olhos, mas
falou não como se tivesse falado para mim e mais como se tivesse falando para
si mesma.
— Não. Fica mais um pouco, eu gosto de ter você aqui. — Falei,
apertando meus dedos em sua cintura.
Ela desviou o olhar de mim e senti que algo a preocupou.
— O que foi? — Perguntei, tentando analisar qualquer expressão
diferente em seu rosto, mas ela não transparecia nada.
— Nada. É que eu também gostei de ficar aqui com você. — Ela disse e
deu sútil sorriso. Eu sorri.
— Então fique aqui comigo. — Falei, puxando a mais junto de mim, se é
que fosse possível.
Eu queria que ela entendesse os significados velados de minhas palavras.
Eu a queria tanto que doía. Doía por que eu sabia que ela não merecia alguém
como eu, mas eu sou muito egoísta para deixá-la. Sou um viciado incapaz de se
curar de seu vício chamado Camila. Ainda mais depois que a provei e a sensação
que ela me causou, foi mais inebriante do que qualquer entorpecente que já
experimentei.
— Eu não posso. — Ela disse e fitou meu peito.
— Por quê?
— Por que eu fiz uma promessa! E o que acabou de acontecer aqui, me
fez perceber que eu estou descumprindo-a a cada segundo que continuo aqui
com você. Eu sinto muito, mas eu não posso ficar. — Sua voz num lamento
triste.
— Que promessa é essa? Não namorar um idiota como eu? — Perguntei
e dei um riso falso, para disfarçar o nervosismo que começava a tomar conta de
mim.
— Você não é idiota! — Ela me olhou e sorriu, então seu semblante em
segundos voltou a ficar triste. — E é uma promessa e um segredo, um segredo
que não é meu para poder compartilhar com você.
— Eu entendo masss...
“Eu não entendo é nada, que porra de promessa é essa?”
Ela me olhou tão tristemente que acabei percebendo que sua escolha não
era o que ela queria, mas sim, o que ela precisava fazer.
— Tudo bem. — Suspirei. — Mas me prometa que você não vai se
afastar de mim, eu preciso de você.
— Eu prometo. Apesar de que minhas promessas no momento não têm
muito valor, já que estou descumprindo uma neste exato momento.
Aquilo me deixou tão irritado. O que quer que fosse eu sabia que era
importante para ela, mas era algo que estava tirando-a de mim, então decidi que
não era uma coisa boa.
— Minha mãe já chegou em casa a essa hora. Você pode me levar?
— Eu posso, mas não quero. Só para deixar claro. — Eu pisquei pra ela,
que sorriu. — Vou pegar suas roupas na secadora! — Falei e me movi da cama,
levantando-me para me vestir.
— Obrigada, Felipe. Você não sabe o quanto você significa para mim. —
Ela falou me encarando deitada na cama e minha única vontade foi de voltar
para aquela cama com ela e passar o resto da minha vida ali. Sem nada, ninguém
e nenhuma promessa estupida para tirá-la de mim.
— Se for o tanto que você significa para mim, pode ter certeza Camila,
que eu sei o quanto! — Ela sorriu e eu saí do quarto antes que resolvesse amarrá-
la na cama e tê-la como minha prisioneira e sua promessa que se foda.
Capítulo 39
Camila

Não consegui pregar os olhos durante a noite toda. Primeiro, por que seu
André e dona Mara estavam numa discussão tenebrosa, e segundo por que,
Felipe invadiu tanto minha mente que mesmo eu estando aqui no meu quarto,
conseguia sentir o cheiro dele, como se eles estivesse aqui comigo. Sei que foi
um erro o que deixei que acontecesse, e não estou falando somente do sexo, mas
também de deixar meu coração tomar a frente ao invés do meu cérebro. “Como
posso estar apaixonada por Felipe e poder ficar com ele, quando tenho que
fazer de conta que sou a namorada de seu melhor amigo?” Não posso
descumprir minha promessa. Eu tenho que ajudar Vic e Jorge, só não consigo
entender por que eu acho isso tão errado, tão banal. Eu queria ser um pouco
menos correta e esquecer essa promessa. Mas eu não posso fazer isso, eu amo
meus amigos, contudo o problema é que também amo Felipe. Minha mente
estava tão confusa que a única coisa que conseguia fazer era rolar de um lado
para o outro na cama.
“Por que algo tão errado parece ser tão certo?”
Enfiei a cabeça no meio dos meus travesseiros e suspirei, desolada. Por
fim decidi que aniquilaria meu coração e que deixaria somente a razão me
comandar, decidi que Felipe e eu seriamos apenas amigos, e que manteria minha
promessa acima de tudo. Mesmo que meu coração doesse.
Na semana que se seguiu, fugi de Felipe como o diabo foge da cruz. Até
mesmo quando ele foi à lanchonete atrás de seus pães de queijo, eu me escondi
na cozinha e fiz Raissa o atender.
— Agora entendi esse seu vermelhão! — Raissa sorriu para mim ao
voltar para a cozinha.
Ela sempre mantinha seus cabelos pintados em vermelho vivo, amarrados
no topo da cabeça, o que fazia sua pele bronzeada parecer mais morena. E
provavelmente meu nervosismo estava-me fazendo ficar da cor dos cabelos dela,
agora.
— O que você quer dizer? — Perguntei juntando as sobrancelhas.
— O cara é um deus grego, Camila! — Ela disse abrindo a boca,
praticamente salivando, e começou a se abanar com mão.
— Ele é! — Eu ri.
“Tive que concordar”.
— Então garota, vai lá! — Ela me chispou com a mão.
— Não posso fazer isso, apesar de querer, eu não posso. É errado! —
Chacoalhei a cabeça em negação para mim mesma.
— Ei, não é errado se te faz feliz! — Ela disse colocando uma mão no
meu ombro.
Eu soltei um longo suspiro.
— Minhas belezas, tem mais dois pedidos de açaí e uma Banana Split. —
Dona Juva entrou na cozinha, falando alto, carregando seu bloquinho de pedidos.
— Certo, já farei! — Eu disse, agradecendo pela distração que preparar
horríveis açaís com gosto de terra, me dariam.
— Felipe pediu de você, Camila. — Dona Juva disse, abrindo o freezer
para pegar o açaí.
— Pediu? — Indaguei animada, sem conseguir me conter.
“Será que eu conseguia soar mais como uma adolescente apaixonada?
Não. Acho que não. Afff!”
— Sim, acho que hoje ele não veio aqui pelo pão de queijo! — Ela deu
de ombros. — Ele não parava de olhar para a porta da cozinha. Quase achei que
fosse derretê-la com o olhar. — Ela deu um risinho.
Meu coração acelerou e meu corpo tremeu, com uma onda de excitação.
“Mas o que eu poderia fazer? Ah, se ele soubesse que a minha vontade era de
atravessar aquela porta e me jogar em seus braços”.
— Já percebi que algo está acontecendo aqui. Na verdade, desde o
primeiro dia que Felipe apareceu! — Ela semicerrou os olhos me olhando
diretamente. —Vocês se gostam. — Ela disse acusatoriamente.
— Ele não gosta de mim! — Chacoalhei a cabeça.
Então Raissa disse:
— Você não é cega pelo que eu percebi Camila! Aquele homem gostoso
lá fora, está louquinho por você.
— Mas eu não posso ficar com ele, por que amanhã Jorge vai me
apresentar como sua namorada.
As duas ficaram chocadas e falaram em uníssono: — Jorge?
— Tem certeza, Camila? — Raissa indagou.
— Sim.
— E eu achando que ele tinha um negócio com Vic. — Ela chacoalhou a
cabeça e riu.
— Mas ele tem!
E quando percebi já era tarde demais e já tinha falado. Então somente
pelo fato de que precisava muitooo desabafar, expliquei a elas a situação. E
bem... Apesar das caras e bocas que fizeram do tipo “Sério?” ou “Nem brinca”
enquanto eu falava, elas compreenderam meus motivos. Porém não acharam
correto eu deixar minha felicidade de lado, para deixar meus amigos felizes.
Dona Juva até argumentou que eles têm outras opções de manter o namoro
sigiloso, se isso é tão importante para eles, mas que eu nunca vou amar alguém
como amo Felipe, novamente. E aquelas palavras praticamente perfuraram meu
peito, por que eu sabia que elas estavam totalmente corretas.
No dia seguinte, era a festa na casa da família Vasconcelos, e bem, eu
sabia que Felipe estaria lá. E depois do que aconteceu entre a gente, eu não sabia
o que dizer ou como agir, ou o que fazer. E o fato de eu ter fugido dele a semana
inteira, só demostrava o quanto eu estava perturbada com isso. Ele deveria
querer uma resposta, e eu não sabia o que dizer.
“O que eu diria? Que não posso ficar perto dele por que o amo demais?
Que é melhor não nos vermos por que se não vou querer repetir tudo o que
fizemos no outro dia? Não, acho que não”.
Dona Juva permitiu que eu não trabalhasse no sábado à noite, iria
compensar o horário no domingo à tarde. Assim, quando Vic e Jorge chegaram à
minha casa para me buscar, eu já estava terminado de colocar minha fantasia.
Vic me ajudou com um pouco de maquiagem, que ele havia trazido, passando
blush nas minhas bochechas e batom nos meus lábios. Eu nunca fui boa com
maquiagem e ter um amigo gay que adorava bancar o maquiador profissional era
ótimo, além do mais, Vic tinha talento para isso. Quando me olhei no espelho,
sorri satisfeita, por que de todas as fantasias que provei, essa era a que eu tinha
realmente me apaixonado. Vic estava hilário fantasiado de Prince e Jorge, um
perfeito Elvis, até mesmo seu cabelo natural penteado com um topete, ficou
espetacular com a fantasia.
Quando chegamos à festa uma hora mais tarde, eu ainda não estava
preparada pra ver Felipe. Meu corpo todo, e principalmente meu coração, queria
sair numa corrida alucinante de encontro a ele, porém minha mente e bom senso
faziam-me focar determinada, em que eu não podia ficar com ele. Então mandei
Vic e Jorge irem na frente, com a desculpa de que minha calcinha tinha entrado
no meio da bunda e eu precisava arrumar, sem que eles presenciassem a cena.
Eles saíram rindo de mim que comecei a rir também.
“Não tinha uma desculpa melhor para dar Camila?”
Minutos depois e meu coração ainda teimava em retumbar alto no peito.
Não estava adiantando contar até dez ou ter o mero pensamento que Felipe
faltaria ao aniversário da irmã, claro que isso não aconteceria. Estava me
sentindo como se fosse uma pré-adolescente descobrindo seu primeiro amor. E
minhas pobres unhas estavam sofrendo por isso, já que agora eu praticamente
triturava minhas unhas com os dentes de tanto nervosismo que me batia.
Esfreguei minhas mãos uma na outra, decidida a me livrar do nervosismo, e
suspirei fundo. Tomei coragem e me dirigi até o salão de festas da casa dos
Vasconcelos, determinada a manter meu coração fechado e meu cérebro
raciocinando.
O lugar estava rodeado de carros caros, e homens de preto ficavam
cuidando e recepcionando as pessoas que chegavam na portaria. Assim que dei
meu nome que estava na lista, passei por uma porta que dava acesso para uma
escadaria que levava a um piso inferior. E foi lá do topo, que eu reconheci
Felipe, fiquei parada o observando. Ele estava de costas para mim, mas eu
reconheceria seu cabelo e sua postura de qualquer lugar. Ele estava falando com
uma moça muito linda de cabelos castanhos, Jorge e Vic estavam ali, junto com
eles.
A moça reparou em mim aqui em cima e sorriu, ela cochichou algo para
Felipe que se virou. Ele me encarou aqui no alto da escadaria, seus olhos azuis
intensos brilhando para mim. E bastou apenas um olhar para que aquela
sensação que me puxava para ele, percorresse meu corpo. Meu coração disparou
em um compasso de frenéticas batidas, e nesse momento percebi que não
importava o que eu tentasse fazer, o quanto tentasse fugir e negar, Felipe estava
infiltrado em mim, em cada célula de meu corpo, em cada canto do meu cérebro
e principalmente, naquele espaço do meu coração que eu havia trancado
completamente.
Capítulo 40
Felipe

Uma semana inteira sem vê-la, ou melhor, sem ela me deixar vê-la. Eu
sabia que ela estava fugindo de mim, e o único pensamento do por que ela fez
isso, era sobre nós termos dormido juntos. Ela prometeu que não se afastaria,
mas aí estava ela, fugindo de mim como se eu fosse um incomodo, uma pedra no
sapato.
“Espero que hoje pelo menos, ela venha à festa”.
Minha decisão de fantasia foi meio idiota, mas foi útil no intuído de
irritar minha mãe. Enquanto ela estava vestida de rainha da Escócia, meu pai de
rei Luís XV e Samara com um lindo vestido representando a princesa Isabel, eu
estava usando um terno totalmente preto, blusa preta e gravata preta e segurava
um tridente vermelho. No conjunto havia também um par de chifres vermelhos,
o qual eu optei em não usar. Eu era o diabo. “O perfeito diabo”, como minha
mãe concluiu, irritada quando me viu. A versão de príncipe encantado que ela
queria que eu usasse não me faria dar esse sorriso, ao ver seu rosto vermelho de
raiva.
Quando a festa começou, os convidados começaram se aglomerar no
nosso salão de festas. Minha mãe havia gastado uma fortuna com a decoração,
que tinha flores até no teto do salão, acompanhados por enormes lustres. A
iluminação e o DJ traziam um toque mais contemporâneo para a festa. Em pouco
tempo, vi um pouco de tudo, uma mistura de fantasias inusitadas. Tinha Fred
Flintstone, os Três Mosqueteiros, Maicon Jacson, fada, tigresa, e até uma versão
muito sexy de uma Alice no país das maravilhas. Minha irmã tinha convidado
todos seus amigos e socialites, minha mãe era toda sorrisos e meu pai só se
gabava de sua fortuna. Os garçons serviam bebidas e aperitivos.
Já era a oitava taça de champanhe que eu tomava, e já começava a me
sentir bem alegre, quando senti um toque no meu braço. Virei para encarar Jorge
fantasiado de Elvis Presley e ao seu lado o cara negro que agora sabia ter o nome
de Victor, fantasiado de Prince. Procurei com o olhar e percebi que Camila não
estava com eles. “Será que ela tinha resolvido não vir? O que eu tinha feito de
errado?”
— Ei, cara, que fantasia é essa? O poderoso chefão? — Jorge perguntou
rindo.
— Eu sou o diabo! — Eu disse fazendo uma reverência e sorrindo como
se eu realmente fosse o dono do inferno.
— Oh, mas o diabo usa um collant vermelho e rabinho! — Jorge caiu na
gargalhada fazendo o Prince ao seu lado, acompanhá-lo na zoação.
— Bem... Apesar de parecer tentador, prefiro ser um diabo mais contido.
— Eu ri.
— Felipe, você poderia me ajudar com a mamãe? — Samara me puxou
pelo braço, ela estava deslumbrante em sua fantasia. Seu vestido cor de rosa, a
deixava com um tom de pele lindo. — Ela quer que eu faça um discurso lá na
frente, eu não queria nem essa festa! — Samara bufou, seu rosto agora,
adquirindo um tom vermelho.
— Vai lá e faz de conta que está bêbada, a deixe constrangida. — Falei
rindo.
— Eu não posso fazer isso. — Ela deu um risinho.
— Não pode, ou não quer? — Falei levantando as sobrancelhas, ela
sorriu em cumplicidade.
Os olhos de Samara subiram por cima do meu ombro, encarando algo
atrás de mim, seu sorriso se intensificando em seu rosto.
— Que linda! Vejamos que alguém parece ter combinado as fantasias,
Senhor Diabo. — Ela disse com ironia, e riu.
— Quem? Nós não... — Eu a encarei confuso, mas me virei para poder
ver do que ela falava, e foi então que minhas palavras foram consumidas pelo ar
que ficou trancado nos meus pulmões. Como se todo oxigênio que existisse no
mundo tivesse sumido. Ela usava um vestido branco fluido até nos pés, o cabelo
loiro em cascatas rodeando seu delicado rosto, uma coroa de flores brancas no
topo da cabeça, e incríveis assas feitas de algodão e renda, saiam de suas costas.
Camila era um anjo.
“Meu anjo”.
Ela desceu às escadas, e eu só consegui ficar pasmo a olhando. Camila
chegou à minha frente, um sorriso tímido em seus lábios, suas bochechas
rosadas, a deixando imensuravelmente bela. Eu queria pegar sua mão e tirá-la
dali, para que assim, somente eu pudesse ter o privilégio de contemplar sua
beleza.
— Você está linda, amor! — Jorge se juntou a Camila a minha frente, ele
plantou um beijo na sua têmpora. Senti um gosto amargo na boca, e meu corpo
inteiro se retesar.
— Obrigada, Elvis. — Ela o encarou e disse em tom de brincadeira.
— Eu fiz um ótimo trabalho, não? — Vic, o cara negro falou.
— Sim, ela está perfeita! — Eu disse, ainda encarando Camila sem
conseguir desviar o olhar, ela estava mais perfeita do que no meu sonho. Logo
me aprumei, quando percebi que falei em voz alta.
Camila correu o olhar sobre mim, sua expressão um tanto constrangida,
talvez chocada. Jorge pareceu não ouvir o que eu disse, ou fez de conta que não
ouviu. Prefiro pensar que foi o primeiro.
— Então, nessa disputa de bem contra o mal, quem vence? — Camila me
perguntou sorrindo.
Eu sorri todo abobalhado.
— Não sei, mas acredito que como o bem sempre vence, provavelmente
você ganharia.
“Assim como já ganhou meu coração”.
Ela concordou sorrindo e desviou o olhar para o teto do salão, sua
expressão fascinada, analisando todas as flores coloridas suspensas no ar. E eu
observei seu rosto, tão delicado, tão belo. Seus longos cílios batiam
tranquilamente em cada piscar de olhos que dava, e sua pele rosada nas
bochechas a fazia ficar com um ar de inocência que me deixou hipnotizado.
Neste momento para mim, ao lado da palavra Perfeição no dicionário, só poderia
ser encontrada uma foto de Camila. Ela era a completa definição de Perfeição,
em todos os sentidos.
Samara deu um passo ao meu lado, esbarando no meu ombro, e sussurrou
no meu ouvido.
— A baba tá escorrendo! — Olhei pra ela assustado e ela riu. — Vou
pegar algumas bebidas, já volto. — Ela disse e piscou para mim.
— Claro! — Falei tentando me recompor.
— Eu vou junto, preciso de uns petiscos. — Jorge falou e Vic seguiu
caminhando junto deles, sorrindo.
— Ele não desgruda mais de vocês, né? — Disse apontando para o
amigo de Camila, que parecia muito feliz.
— Minha mãe só me deixa sair, se ele estiver comigo. Vic é tipo um
irmão mais velho, eu acho! — Ela sorriu, olhando para o amigo, que estava
agora ao lado de Jorge pegando alguns petiscos na mesa de Buffet.
— Unnn. Entendo! — Desviei meu olhar deles, para voltar a olhar
Camila.
Observei ao redor, música tocava e os casais dançavam tranquilos.
— Você quer dançar? — Eu perguntei, e ela me encarou pensativa. Ela
desviou o olhar de mim para Jorge e depois me olhou de novo, como se estivesse
em contradição, estivesse indecisa. Suas bochechas ficaram mais rosas, então ela
chacoalhou a cabeça afirmativamente. Quase suspirei aliviado.
— Tudo bem.
Eu sorri e enlacei sua mão na minha, largando o tridente vermelho em
cima de uma mesa próxima. Caminhamos até a multidão dançarina que
dançavam uma música lenta. Assim que nos posicionamos no meio da pista,
outra música começou a tocar. The Reason do Hoobastank, soava numa
melodia perfeita e sensual. Dei graças a Deus por ter sido minha irmã a fazer a
playlist de músicas, por que se fosse minha mãe, só ouviríamos Roberto Carlos e
apesar dele ser o rei, eu preferia um milhão de vezes um bom rock.
Embalamo-nos calmamente aos sons da batida da música, as mãos de
Camila apoiadas no meu pescoço e as minhas ao redor de sua cintura. Nossos
corpos próximos e respirações agitadas.
—Você está linda. — Sussurrei próxima do seu ouvido para que ela
ouvisse acima da música.
— Obrigada, você também. — Ela respondeu.
Segurei-a mais firme em meus braços, e senti como se somente nós dois
estivéssemos dançando ali, nos embalando. Meu coração estava acelerando
conforme o nervosismo e a ansiedade tomavam conta de mim, e cada pedaço de
meu corpo parecia estar sendo puxado para o dela, como um imã. Eu queria
poder abraçá-la e nunca mais soltar. Queria dar pause nesse momento para que
ele nunca tivesse fim. Encostei meu nariz na curva de seu pescoço, e senti seu
perfume me envolvendo, me chamando, me drogando. Suas mãos apertaram
meus ombros e eu apertei seu corpo contra o meu. Levantei meus lábios na
altura de seu ouvido novamente, sendo consumido pela necessidade de senti-la,
cheirá-la e prová-la. E tive que me segurar para não morder o lóbulo da sua
orelha e arrastar minha língua pelo seu pescoço, como eu fiz no outro dia,
enquanto a tinha na minha cama. Então resolvi me concentrar na música que
tocava e comecei a cantarolar junto com Doug Robb, antes que fizesse algo
inapropriado. E quando me dei conta de que a música dizia tudo o que eu queria
poder dizer em voz alta para Camila, comecei a cantarolar no seu ouvido, como
se ela estivesse entendendo e pudesse me responder.
Não sou uma pessoa perfeita
Há muitas coisas que eu gostaria de não ter feito
Mas eu continuo aprendendo
Nunca quis fazer aquelas coisas a você
E então tenho de dizer, antes de partir
Que só quero que você saiba

Encontrei uma razão para mim


Para mudar quem eu costumava ser
Uma razão pra começar tudo de novo
E a razão é você

Senti o corpo de Camila se retesar, e ela diminuiu os movimentos de
dança, então sussurrou no meu ouvido:
— O que você está fazendo? O que você quer dizer com isso? Por que
está fazendo isso comigo, Felipe?
Todo ar que eu tinha nos pulmões se esvaiu, e o choque correu pelo meu
corpo. “Ela tinha entendido tudo que eu havia cantado?”
— Você entendeu a letra? — Cochichei de volta, surpreso.
— Sou fluente em inglês, aprendi ano passado com a filha de um chefe
da minha mãe. Mas isso não vem ao caso. O que você quer dizer com isso,
Felipe?
Eu suspirei e encarei Camila, que me analisava procurando qualquer
expressão em meu rosto. Um misto de angustia e raiva passava por seu belo
rosto. E apesar de me sentir a porra de um egoísta, pois eu sabia que ela não
merecia alguém como eu, eu falei o que estava engasgado na minha garganta, me
matando sufocado. As palavras estavam amarradas no meu coração, e somente
se fossem ditas, meu coração poderia voltar a bater.
— Eu, eu estou... — Suspirei. — Eu estou apaixonado por você. — Falei
olhando-a nos olhos.
Ela piscou várias vezes, parecendo confusa pelas minhas palavras e
chacoalhou a cabeça lentamente desacreditada, e suas bochechas, como sempre,
coraram. Seus olhos se grudaram nos meus e desceram para meus lábios. Meu
coração tinha sido desamarrado e agora batia alucinado no meu peito. Ela
começou a se afastar, mas eu segurei sua mão e a encarei profundamente, e
comecei a me aproximar do seu rosto lentamente, e ela por incrível e mais irreal
que pareça, não se afastou de mim.
“Ela vai me beijar? Ela não vai sair correndo? Ela não vai correr em
direção a Jorge pedindo socorro?”
Fechei meus olhos, e abri minha boca passando a língua nos meus lábios,
prontos para recebê-la. Eu estava pronto para torná-la minha.
“Ela queria ser minha. Eu quero que ela seja minha”.
Então em segundos, meu mundo desabou, quando Camila foi tirada de
meus braços, abruptamente. O cara negro me fuzilou com o olhar, então ele
voltou-se para Camila e sussurrou algo no ouvido dela, com uma expressão
zangada. O corpo de Camila murchou, como uma flor que é deixada no sol sem
água. Ela procurou Jorge com o olhar e depois encarou o cara na frente dela e
por fim, seu olhar parou em mim, seus olhos marejados. Não entendi o que
aquele idiota tinha falado para ela, mas dei um passo à frente pronto para acabar
com ele. Seja o que fosse, fez Camila ficar triste. Seja o que fosse, estava
tirando-a de mim. No entanto ela chacoalhou a cabeça em negação. Eu parei no
caminho a encarando, ela continuou a chacoalhar sua cabeça e senti que pelo seu
olhar, ela tentava me dizer alguma coisa. Ela se virou e seguiu em direção a
Jorge, que esperava em frente aos convidados, que já tinham parado de dançar.
Ela seguiu até lá ao lado de Jorge, ele cochichou algo em seu ouvido e então ele
sorriu e ela retribuiu timidamente.
— Boa noite a todos. Desculpe-me atrapalhar a festa da nossa querida
Samara Vasconcelos, mas gostaria de apresentar-lhes alguém muito importante
para mim. Alguém que entrou em minha vida e me deu motivos para começar a
ser feliz. Quero que conheçam oficialmente minha namorada, Camila Alves.
Fiquei em choque, a adrenalina correndo por minhas veias. Jorge nunca
havia feito isso com nenhuma outra garota, Camila deveria ser importante para
ele. Meu corpo foi arrebatado por um turbilhão de emoções desenfreadas. Dei
um passo para trás como se tivesse levado um tiro, ou um raio tivesse caído na
minha cabeça. Toda dor e rancor me consumiram de uma maneira mortal. Jorge
a abraçou e depositou um selinho em seus lábios, e senti meu coração quase
parar de bater com a dor que o atravessou. Foi então que descobri que o amor é
uma merda. O Amor tem o poder de te consumir por inteiro e com somente uma
dose, ele é capaz de te matar. E eu estava morrendo, morrendo por amá-la.
— Ei, vamos sair daqui? — Michele apareceu ao meu lado, usando uma
versão de fantasia de coelhinha da Playboy. Ela segurou meu braço, quase que
instantaneamente tive vontade de puxar meu braço do seu aperto, mas quando
olhei para frente e vi como o novo casalzinho estava feliz, e eu estava aqui, todo
quebrado, olhei para Michele e sabia que ela seria minha válvula de escape.
— Tem um baseado aí? — Eu perguntei, sentindo meu sangue ferver.
Ela sorriu, afirmativamente. Então saímos pela porta da frente, e eu nem
sequer olhei para trás.
O amor pode transformar-nos no melhor que podemos ser, mas quando
nosso coração é partido, nos tornamos a pior versão de nós mesmos.
***
Eu estava sentado no chão, com as costas apoiadas no meu sofá. Apoiei
minha mão no chão para tentar levantar, mas algo me pinicou. Quando olhei ao
meu lado para ver o que tinha me machucado, a visão embasada de um pequeno
vasinho de cactos que estava quebrado no chão, me chamou a atenção. Um
pequeno corte causado pelo vaso de cerâmica quebrado fez, minha mão arder e
percebi que tinha acabado de cortar a palma da minha mão. Olhei para meu
peito, percebendo que eu estava sem camisa, e somente de cueca, tinha vômito
em cima de mim. “Seria meu o vômito?” E quando levantei meu olhar e encarei
minha sala, me assustei com a confusão que se manifestava ali. Tudo estava
quebrado, revirado e eu nem me lembrava de o que tinha acontecido, e de que
talvez possa ter sido eu, a ter feito tudo isso. Tudo na minha cabeça lateja numa
espécie de borrão. “Que dia era hoje?” A droga me fazia esquecer, fazia doer
menos. Fazia meu coração machucado ser anestesiado.
Michele já havia ido embora, e eu nem sabia que hora isso tinha sido e se
ela realmente tinha ido. “Onde ela estava? O que tinha acontecido?” Mas
quando me lembrei de Camila e de toda a merda que aconteceu na festa de
Samara, eu só queria que essa sensação de amortecimento em meu corpo, jamais
passasse. Doía demais me lembrar de Jorge e Camila juntos, doía demais
lembrar-me do sorriso dela para ele, e de que agora ele deveria estar na cama
com ela. Que ela era dele, e não minha.
“Ela nunca foi minha”.
Foi quando batidas na porta, me deixaram um pouco mais alerta. As
batidas continuaram fortes, quase atravessando a madeira da porta. A porta se
abriu num estrondo e duas pessoas seguiram na minha direção, apressadamente.
— Oh, meu Deus, Jorge, ele está ali! — Samara se abaixou na minha
frente, sua mão tremia quando encostou na minha testa. — O que aconteceu,
Felipe? Você ficou preso aqui por dois dias! — Ela gritou.
Eu não conseguia responder, meus lábios estavam secos e meu peito
doía.
— Seus olhos estão vermelhos, você estava se chapando? Você sabe o
que essa porra fez contigo, Felipe? Por que fez isso? — Ela gritou, sua voz
fazendo um zunido na minha cabeça. Nunca tinha visto ela tão zangada.
— Calma, Samara. — Eu sussurrei.
— Foi você que deu isso a ele? — Ela perguntou, jogando um olhar
ameaçador para Jorge.
— Não, não fui eu. Eu juro. Parei de usar, mas Camila disse que o viu
saindo com Michele.
— Aquela vadia. Eu ainda mato aquela gótica ordinária! — Ela bufou.
— Venha, Felipe, você vai ficar bem! — Jorge colocou a mão no meu
braço para tentar me ajudar a levantar.
— Me solte, não quero nada que venha de você, nem sua ajuda. Você
acabou comigo. — Gritei exasperado, mesmo minha garganta estando doendo,
minha voz saiu estrangulada.
— Do que você está falando, Felipe? — Jorge perguntou, sua expressão
confusa.
— O que aconteceu? Diga-nos, Felipe! — Samara implorou, lágrimas
escorrendo por sua face.
Encarei minha irmã, pois não podia nem olhar para aquele ordinário.
— Sabe quando falamos sobre corações partidos no outro dia? — Eu
disse devagar, sentindo minha garganta arder.
— Já arranjou a próxima vítima, Felipe? Eu não acredito. — Ela me
observou irritada.
— Não, não é isso. O problema é que agora, o coração quebrado é o
meu. — Eu suspirei, lembrando-me de Camila.
— Por quê? — Ela perguntou me encarando desacreditada.
Acho que Felipe Vasconcelos estar na merda assim era realmente algo
difícil de acreditar. Ainda mais quando o motivo era uma mulher. Eu quase não
conseguia acreditar que poderia amar tanto alguém e isso fazia meu peito doer
mil vezes mais. “Eu quero ela, eu quero ela, eu quero ela”. Camila é minha, e
não importa o quanto eu me drogue, é dela que eu preciso. Não importa quanto
entorpecente eu use, eu necessito de uma dose de Camila.
— Por que esse idiota a roubou de mim! — Gritei, jogando um olhar de
morte para Jorge.
Eu queria me levantar, e socá-lo até seu rosto virar pó, mas meu corpo
estava anestesiado pela droga, pela bebida, por tudo eu acho, e eu não conseguia
me levantar. Ele pareceu chocado, então um relance de entendimento passou por
ele.
— Camila, você gosta de Camila? — Ele falou incrédulo.
— Vocês não entendem, eu não apenas gosto dela, eu AMO! — Eu gritei,
e lágrimas surgiram em meus olhos. Eu parecia patético assim, mas a dor estava
me matando, consumido cada pedaço do meu ser. Se meu pai me visse agora,
desse jeito deprimente, provavelmente sairia com alguma piada idiota. Mas
homens podem chorar, quando se tem um motivo para isso.
— Nunca senti algo tão forte por alguém, nem achei que Deus me
deixaria amar depois de tudo o que eu fiz, mas então eu conheci Camila, e a dor
e o rancor de ter matado um homem, começou a passar. Bastava eu ficar perto
dela e a dor ia embora. Eu não preciso mais de maconha, eu preciso dela. Mas
agora você a tirou de mim. — Eu falei arfando e senti meu corpo tremer, eu
estava fraco e me sentia mal. Mesmo assim, fechei minha mão em punho. Se eu
pudesse, eu acabaria com ele agora.
— Felipe, eu nunca imaginei! Camila é tão importante para mim quanto
é para você. Ela é minha melhor amiga.
— Eu não sei o que você fez a ela, mas ela disse que não podia ficar
comigo por causa de uma promessa estupida. E agora ela é sua namorada.
Os olhos de Jorge se arregalaram em choque.
— Eu já tirei coisas demais de você, Felipe. Se eu não tivesse te
incentivado aquela noite a correr, você não teria matado alguém. Se eu não
tivesse te influenciado a se drogar, você não teria acabado com sua vida. E agora
eu também não vou tirar isso de você. Não vou tirar a chance de você amar
alguém. Faça o tomar um banho, Samara. Eu vou buscar Camila. Tenho algo
muito importante para contar a vocês.
Ele saiu pela porta, sem nem esperar minha resposta. Samara, com
dificuldade, me ajudou a levantar e me guiou até o banheiro. Meu corpo doía e
eu literalmente estava fedendo, numa mistura de cheiro de mijo e vômito. Sentei
dentro da banheira no box, com dificuldade, sentindo-me fraco, enquanto
Samara me ajudou a me lavar, passando a mãos nos meus cabelos. A água quente
escorrendo pelo meu corpo, e as lágrimas se juntando com a água que corria pelo
ralo.
“O que eu fui fazer?”
A dor, o arrependimento e a culpa, me preencheram. Me drogar
novamente, não era a solução, mas foi a única que consegui pensar. A única que
era capaz de fazer meu coração em pedaços, se calmar. De fazer doer menos.
“Sempre doía tanto”.
— Acalme-se Felipe, tudo vai ficar bem.
E as lágrimas vieram sem aviso e com força total, me fazendo soluçar.
“Eu sempre estarei quebrado, mas agora, sem Camila, está impossível
de aguentar”.
Capítulo 41
Camila

Quando vi Felipe e Michele subindo pelas escadarias em direção à saída,
senti meu coração se partir. Talvez ele estivesse mentindo para mim quando
disse que me amava, essa era a fama que ele levava por aí. Felipe Vasconcelos
era o pegador que quebrava os corações das garotas. E eu estava caindo no seu
papo, ou melhor, já tinha ido para o abate. Era estranho sentir essa atração e ter a
esperança que comigo seria diferente. Ele era tão doce e me tratou tão bem, seus
beijos, seus toques, tudo me fazendo amá-lo mais.
“Será que era realmente mentira?”
Eu ia beijá-lo, nossos corpos eram mantidos juntos e sendo puxados um
para outro, através de uma linha invisível. Era algo tão incrível e transcendental
que me fazia crer que eu não estava imaginando, que Felipe realmente me amava
também. Mas quando Vic me puxou e pediu “O que você acha que está
fazendo? Seu namorado está no palco esperando a sua namorada se juntar a
ele.” Então quando olhei em direção a Jorge e a Vic, lembrei-me da promessa
que fiz aos dois, da promessa que eu iria cumprir. E aquela noite, simplesmente,
terminou para mim, literalmente era como se o mundo tivesse acabado. Ter que
subir até lá em cima e ver a expressão no rosto de Felipe, fez meu próprio
coração doer. Eu não queria fazê-lo sofrer, eu não queria sofrer, mas não tinha
alternativa.
Passei esses dias sem ver Felipe, e sem ter notícia dele. Era como se ele
tivesse sumido do mapa. Só conseguia imaginar que ele estava com Michele, e a
única coisa que eu conseguia fazer era me embrulhar nas minhas cobertas e
chorar baixinho até a canseira me levar para o mundo dos sonhos.
Dona Juva e Raissa já sabem de tudo o que aconteceu, não pude esconder
delas quando elas me pegaram chorando no banheiro, no dia anterior. Eu
esperava que ele vivesse até ali, que pelo menos me dissesse “oi, eu ainda estou
aqui”, mas ele não apareceu. E pela expressão no seu rosto, aquela expressão que
não sai do meu pensamento, eu sabia que ele jamais me perdoaria.
Limpava uma mesa, tirando duas xícaras e empilhando elas na bandeja,
quando senti um cutucão no meu braço. Virei-me assustada, encontrando Jorge
com o semblante preocupado.
— Ei. O que foi? — Perguntei.
— Felipe... Ele...
Meu corpo todo tremeu e senti que derrubaria a bandeja de minhas mãos,
mas Jorge a segurou antes que um estrago pudesse acontecer.
— Ele está bem? — Eu perguntei quase tendo um enfarte.
— Ele está bem, quer dizer, vai ficar depois que você vier comigo.
— Por quê? O que aconteceu?
— Vamos! Eu não posso ver meus dois melhores amigos assim, por
minha culpa. Já sou culpado demais por tornar a vida de Felipe infeliz, não quero
ter mais um motivo para isso. — Ele olhou para dona Juva que estava no balcão
de atendimento. — Camila precisa sair um pouco, tem algum problema?
— O que aconteceu? — Dona Juva perguntou assustada.
— Felipe precisa dela, é importante.
Ela assentiu.
— Tudo bem, espero que tudo se resolva.
Ele me puxou pelo braço e seguimos em direção ao seu carro. Jorge
estava me deixando preocupada, ele não me explicava o que tinha acontecido
com Felipe. O medo e apreensão de que ele pudesse estar ferido, estava me
deixando maluca. Eu não queria nem imaginar o que eu faria se algo acontecesse
a ele.
Minutos depois, quando pisei na porta de entrada do apartamento de
Felipe, levei a mão na boca, desacreditada, com o que tinha acontecido ali. Tudo
estava bagunçado e revirado, parecia que um tornado tinha passado por ali ou
que ele tinha sido assaltado.
— O que aconteceu? Ele foi assaltado? — Minhas mãos começaram a
tremer. — Ele está bem?
— Não. Foi ele que fez isso.
— Por quê? Porque ele faria isso? — Disse desacreditada.
— Ele usou maconha de novo. Ficou dois dias preso aqui,
completamente chapado.
— Oh, meu Deus! — Falei, já sentindo as lágrimas escorrem pelo meu
rosto. — Por que ele fez isso?
— Foi a única forma que ele encontrou, para não lembrar de você.
As palavras de Jorge, soaram profundas como uma faca sendo enfiada
em minhas entranhas. A culpa me consumiu, por fazer Felipe, voltar ao que ele
era.
— Camila, você chegou, graças a Deus! — Samara que descobri ser a
irmã dele, saiu do corredor, seu vestido azul claro, todo molhado. — Ele não
para de chorar e tremer, acho que está tendo um ataque, não sei o que fazer. Já
tentei acalmá-lo, mas ele só resmunga seu nome, sem parar. — Sua face coberta
por lágrimas, era evidente o medo no seu olhar.
— Onde ele está? — Perguntei, já andando em direção a ela.
— No banheiro de visita.
Passei correndo por ela, e entrei no banheiro bruscamente. Meu coração
se partiu mais um pouco, com a cena que meus olhos protagonizaram. Felipe
estava encolhido, sentado dentro da banheira. A água caia sobre seu corpo, e ele
se chacoalhava lentamente, abraçado em seus joelhos.
— Felipe! — Chamei cautelosa. Ele nem me olhou. — Felipe, eu estou
aqui!
Segui em direção a ele, e me ajoelhei a seu encontro. Ele parecia estar
inerte a tudo o que acontecia ao seu redor. Ele estava em choque, e eu só
conseguia ouvir um mero sussurro de seus lábios, dizendo Camila.
Passei a mão em seus cabelos, e senti seu corpo estremecer.
“Como ele pode ter chegado a esse ponto? O que aconteceu com ele? É
tudo culpa minha”.
Meu coração se quebrou em pedaços ao vê-lo tão indefeso. Era como se
o Felipe, alto e forte tivesse se transformado num pequeno garotinho. Em um
pequeno ser carente, que precisava de mim mais do que tudo no mundo. Não
pude aguentar a dor que invadiu meu peito, e as lágrimas começaram a rolar
intensamente pelo meu rosto.
— Eu estou aqui, meu amor!
E quando percebi, as palavras tinham saindo de minha boca, com uma
rajada de emoção que eu não pude conter. Lágrimas invadiram meus olhos com
mais intensidade e meu coração simplesmente, se comprimiu no peito. Ele parou
de se balançar e virou o rosto para mim, desacreditado, atordoado.
— Eu estou aqui. — Eu falei, e dei um sorriso tranquilizador, ainda
sentido as lágrimas rolarem pela minha bochecha.
Em segundos, até mesmo me assustando, ele me puxou para dentro da
banheira com ele, me mantendo abraçada em seu corpo molhado. A água
escorrendo quente agora, sobre mim também.
— Eu quero você Camila, eu preciso de você! Você é a única que faz
doer menos. Você é a única capaz de me fazer feliz. — Ele falou rapidamente,
quase sem respirar, como se as palavras em sua boca tivessem sufocando-o e ele
precisasse falá-las para sobreviver.
Ele segurava meu rosto entre o meio de suas mãos, e olhava para meu
rosto como se eu não estivesse ali, como se eu não fosse real. Seus olhos
estavam vermelhos, mas não sabia dizer se era por que ele chorava o por ter se
drogado.
— Eu amo você, Felipe. — Falei, com todas as letras. Falei sabendo que
isso seria para sempre. Falei tendo a certeza que era isso que eu sentia e
precisava.
Então ele me beijou, e eu o agarrei tão apertado com minhas mãos que
parecia querer que tudo aquilo também fosse real. Não parecia ser.
— Você foi o único que já me fez feliz, e que fez meu coração voltar à
vida. Eu te amo. Te amo, te amo, te amo. — Falei, dando-lhe vários beijos sobre
o rosto.
— Eu te amo como nunca achei capaz amar alguém! — Ele disse, e
começou a rir, seu olhar de descrença, agora se transformou em admiração, e
uma alegria avassaladora invadiu meu peito e comecei a rir junto com ele. Sem
conseguir acreditar que o amor pudesse causar uma sensação tão boa de
felicidade.
Nós continuamos a nos beijar e rir e chorar, tudo ao mesmo tempo, sem
querer que essa sensação de alegria sumisse de nós.
Ficamos longos minutos, um imerso no outro, aproveitando cada
sensação de nossos toques e beijos. Eu amava a textura da sua pele, a macieis de
seus lábios, a doçura de seu beijo, e a forma como ele fazia meu coração bater
loucamente no peito. E por fim, quando decidimos sair da banheira, meu
uniforme da lanchonete estava completamente ensopado.
Mas se um dia me perguntassem qual era a sensação de estar no céu, eu
saberia responder.
Capítulo 42
Felipe

“Podia ser real? Ela realmente poderia amar um assassino como eu?”
Claro que ela não sabia disso, e por enquanto eu não iria contar, ela poderia não
me amar se soubesse que matei um homem. Manteria esse segredo para mim, até
que fosse tarde demais para guardá-lo. Porém, agora quando o juiz me chamasse
para depor, eu teria motivos para querer ficar livre.
Eu tinha Camila.
Me senti um merda por tê-la deixando me ver assim. Eu estava horrível,
e nunca achei que deixaria alguém entrar tão fundo dentro do meu coração e ver
o lado mais sombrio da minha alma. Foi como se ela realmente fosse meu anjo
da guarda, a única capaz de me salvar. Ela foi à única que conseguiu tirar a
carapuça de desprezo que eu mantinha cobrindo a mim mesmo.
Ela acabou com a dor.
Depois de nos enxugarmos e Camila colocar uma roupa minha, saímos
de mãos dadas do corredor. Jorge e Samara estavam arrumando um pouco da
bagunça que eu havia feito. Juro não me lembrar de ter feito tudo isso, mas é isso
que a droga faz, ela faz você esquecer-se das piores coisas que você faz. Te
transforma num monstro sem emoções. Num maldito robô, sem consciência e
movido automaticamente pela idiotice.
Eles nos encararam, e Jorge olhou diretamente para as nossas mãos
entrelaçadas, e então sorriu. Achei que ele ficaria irado, que me jogaria aquele
abajur que segurava na mão, mas ao invés disso, ele sorriu e disse:
— É assim que deveria ter sido, sempre. Desde o começo.
— Você tem certeza disso, Jorge? Você já está preparado pra isso? —
Camila perguntou, apertando minha mão na dela, parecendo que independente
do que saísse da boca de Jorge, era eu quem ela escolheria.
E esse foi um gesto de conforto que fez meu coração vibrar, ela era
minha. Eu a encarei e não pude deixar de admirar sua beleza, mesmo ela estando
usando um enorme moletom meu. Mas seu rosto, sua expressão, me fez perceber
que ela estava preocupada. Preocupada com Jorge.
— Sim, eu estou. Não posso mais continuar mentindo, ainda mais
quando minto para mim mesmo. Eu quero ser feliz. — Ele deu um sorriso triste.
Camila assentiu e sorriu. E eu, não entendi nada.
“Do que ele estava falando?”
— Vamos nos sentar, acho que Jorge tem algo importante para te contar.
— Camila falou, me dando um sorriso tranquilizador, e eu assenti.
Seguimos passando por cima de vasos quebrados, almofadas jogadas e
cortinas despedaçadas, eu realmente tinha agido feito um louco. E sentia
vergonha de mim mesmo agora.
“Como pude ser tão idiota?”
Desviei o olhar da bagunça, e olhei para Camila, ela pareceu ler meus
pensamentos e disse:
— Está tudo bem. Você me fez ficar louca também. — Ela sorriu e eu
sorri.
Sentamos no sofá e Samara sentou-se num Puff próxima a nós. Eu havia
dado uma camiseta minha para ela também, para que não ficasse com o vestido
molhado e Jorge ficou em pé na nossa frente.
— Bem... Por onde eu começo? — Jorge pensou, tamborilando os dedos
no queixo. — Acho que no passado, depois de tudo o que aconteceu, e você foi
embora para a reabilitação, eu me senti meio vazio. Senti como se toda a minha
vida tivesse sido uma farsa, me senti culpado pelo que fiz você fazer, mas me dei
conta de que não estava só acabando com a sua vida, mas também com a minha.
Foi quando Vic entrou na minha vida, ele é filho da minha antiga babá. E quando
éramos crianças costumávamos brincar juntos, mas fazia muitos anos que não
nos víamos, até que dona Marcelina resolveu ir passear na nossa casa para me
levar um bolo de fubá que ela sempre fazia para mim, e Vic estava com ela. —
Ele sorriu. — Quando o vi, ou melhor, quando nossos olhares se encontraram, eu
senti o que tinha de errado comigo, ou o certo. Eu vinha tentando escapar do
mundo real, me acabando na bebida, drogas e mulheres, mas não era isso que eu
precisava. Eu precisava descobrir que no fundo, eu só fazia aquilo como uma
fachada para o que eu precisava demostrar ser, e não quem eu verdadeiramente
queria ser. Quem realmente eu sou. Então quando Vic respondeu as minhas
investidas e olhares, foi à primeira vez na vida que me senti real, uma pessoa de
verdade. Mas como você sabe, nós da alta sociedade temos que passar um status,
e o que meus pais achariam se eu dissesse que sou gay? Eles me amaldiçoariam.
— Ele baixou o olhar triste. — Então durante esse ano, mantive meu
relacionamento com Vic escondido, sempre achando uma garota para servir
como minha “namorada”, eu paguei Michele para namorar comigo. Ela sabia de
tudo. E Quando Camila aceitou nos ajudar depois que Michele me abandonou
com a esperança de voltar com você. Eu e Vic praticamente pulamos de
felicidade. Mas foi só hoje que eu percebi o que estava fazendo com vocês dois,
estava estragando a vida dos meus melhores amigos. E ainda estou escondendo
quem eu quero ser de verdade, quem eu sou de verdade. É por isso que eu
marquei um jantar na minha casa amanhã, para apresentar Vic para minha
família. E se eles não o aceitarem, vou mandá-los se foder. — Ele disse
determinado e sorriu, mas seus olhos estavam marejados.
Eu escutei tudo que Jorge me disse, com os olhos arregalados e a boca
aberta. No começo achei ser uma piada, mas quanto mais ele explicava e via
seus olhos brilharem ao falar em Vic, eu acreditava. E só agora me dei conta, de
que Vic sempre estava com ele, e em como eles agiam perto um do outro. Só
pode que eu estava cego que não percebi isso antes.
— Então você é gay? — Eu perguntei, fazendo a pergunta com a resposta
mais óbvia.
— Sou cara! Sim, eu sei, você deve estar chocado, mas Felipe, só agora
eu vou poder ser feliz.
Me levantei, e Jorge me encarou com a sobrancelha erguida, ele deu um
passo para trás como se eu estivesse ameaçando-o. Não era essa minha intenção.
Agora compreendi tudo o que havia acontecido, e tudo que Camila fez para
ajudá-los. Então sorri.
— Ei, brother, venha aqui. — Eu disse, estendendo meus braços pra ele,
então Jorge sorriu e nós nos abraçamos.
Capítulo 43
Três meses depois
Camila

Dizer que minha vida era “boa”, era quase uma afronta a mim mesma. Eu
me sentia extremamente feliz, pisando nas nuvens, por assim dizer. Felipe me
fazia feliz de uma forma avassaladora. Os meses que se seguiram, me fizeram
enxergar o mundo colorido, e parecia que tudo ao me redor acompanhavam essa
minha nova fase de felicidade. O mundo tinha se tornando um arco-íris.
Jorge havia contado para seus pais sobre seu romance com Vic, que
bem... acharam aquilo um horror, por que além de Vic ser negro, era pobre. Acho
que a parte do gay, nem era o que importava no final. Com isso, Jorge saiu de
casa e convidou Vic para morar com ele. Agora os dois pombinhos vivem
agarradinhos por aí, e ainda por cima, Jorge resolveu que vai reinaugurar a
balada dele a One, como uma balada LGTB. O que eu e Felipe apoiamos e
achamos o máximo.
Tem também nosso trabalho de sociologia, Felipe e eu achamos um lugar
para colocar o nosso projeto em andamento. A lanchonete da dona Juva era o
local perfeito, e na verdade foi ela que ofereceu o local, quando comentei que
estava procurando. Então, todas as segundas à tarde, a lanchonete fica fechada
para o público, e nós podemos dar os cursos para os meninos da vila. Tem aula
de dança dada por mim, aula de violão dada por Felipe, de francês e inglês dado
por Stefany, e até mesmo de manicure e maquiagem dada por Michele e seus
clones.
Sim... Depois que eu e Felipe começamos nosso relacionamento, Michele
ficou ainda mais brava comigo e as ofensas começaram a me atingir em um nível
extremo, mas isso não foi à gota da água, o pior era ouvir o jeito que ela falava
de Stefany ou até mesmo, de Victor e Jorge. Ela era uma cadela quando queria
ser. Então a um tempo atrás, eu resolvi levantar da cadeira na hora do intervalo, e
seguir em passos duros até a mesa onde ela e seu bando estavam dando seu
showzinho e se referindo a Vic e Jorge como viadinhos. Elas riam em voz alta, e
aquilo me deixou P da vida. Eu cheguei próxima a ela, que nem tinha reparado
em minha chegada e juntei-a pelo pescoço, sem dar a chance dela me parar. Ela
derrubou o refrigerante que segurava, o derramando no chão e em suas roupas,
ela nem teve tempo de reagir quando acabou escorregando no próprio
refrigerante e caiu de costas no chão. Eu não perdi tempo e montei em cima dela,
e disparei uma sequência de socos em sua cara. Até que o som do apito do
diretor explodiu nos meus ouvidos e senti os braços de Felipe, me puxarem para
cima. Sei que ele não estava bravo comigo, por que ele sussurrou no meu ouvido
“Essa é minha garota”. Naquele dia, ganhei uma advertência e Michele acabou
levando suspensão por uma semana, após eu explicar tudo o que ela vinha
fazendo contra Stefany e a mim. A política da escola era rígida na questão contra
o bullying, por isso ela levou a pior. E depois desse dia, ela vem agindo feito um
doce, e até mesmo se ofereceu para fazer parte da nossa equipe, ou seja, acho
que ela percebeu que com a favelada aqui, não se podia brincar. E acredito que o
inchaço no seu rosto e o olho roxo que ficaram evidente por dias, foram um
aviso bem dado do que eu podia fazer.
Se eu tenho ciúme de Felipe com ela? Não. Nem um pouquinho. Felipe
só tem olhos para mim. Às vezes, quando estou ensaiando os passos de dança
com as meninas, pego ele me observando, ele sorri daquele jeito que eu amo, e
eu sei que somente eu, ganho esse seu sorriso.
Léo está definitivamente me trocando por Felipe, agora os dois são os
melhores amigos do mundo. E Felipe virou um super também. E isso faz com
que Léo acabe nos flagrando em certos momentos inapropriados. Como foi o
caso de hoje à tarde.
Estávamos no meu quarto, deitados na minha cama. E uma das vantagens
da minha cama ser pequena é que eu tinha que ficar deitada praticamente em
cima de Felipe, ao contrário da cama dele, onde nos rolávamos de um lado para
o outro.
— Você é linda. — Ele disse tirando meu cabelo do meu rosto. Eu ri, ele
não cansava de dizer isso.
Ele me beijou docemente, e o que sempre começava com um beijo
inocente, sempre se aprofundava, fazendo o calor em meu corpo se espalhar e os
gemidos involuntários escapar por entre meus lábios.
Girando-me na cama, Felipe ficou em cima de mim e começou a passar a
mão sobre meus seios, enquanto eu agarrava seus cabelos firmemente. Ele
beijava meu pescoço até parar na beirada do meu decote e dar uma mordiscada
na minha pele, e eu amava isso.
— Será que Felipe pode me ajudar com o violão?
Travei o beijo na hora, quando escutei a voz de Léo dentro do meu
quarto. Encarei-o na porta, onde ele estava parado nos encarando
despreocupadamente.
Eu comecei a rir quando Felipe bufou frustrado.
— Ele já vai amor. — Falei docemente para Léo, tentando segurar o riso.
— Tá bom. — Léo deu de ombros.
— Espera lá na sala! — Eu disse, e Léo assentiu e saiu do quarto.
Eu me sentei na cama arrumando minhas roupas, Felipe se sentou
também e bufou, passando a mão nos cabelos, frustrado.
— O nome dele deveria ser empata foda. — Ele falou rabugento.
— Credo Felipe, não chame meu irmão assim de novo! — Eu falei
tentando parecer ameaçadora, mas acabei rindo.
***
No dia seguinte chegamos à escola juntos, e fomos direto para a sala de
sociologia, e logo depois teria Educação física. Porém, ao tocar o sinal para a
aula seguinte de Educação física, Felipe não se levantou da sua cadeira e quando
eu tentei empurrá-lo de brincadeira para ele sair do lugar, ele apenas ficou rindo,
com seu jeito despreocupado de sentar normalmente. Os alunos começaram a
sair da sala e o professor Edgar começou a arrumar seus livros e materiais para ir
para o seu intervalo.
— Vamos Felipe, nós vamos nos atrasar. Eu ainda tenho que tirar essa
saia e colocar o calção para fazer a aula de Educação física. — Disse
preocupada.
Eu olhei firme para seu rosto que estava fitando minhas pernas. Seu
sorriso se abrangeu, fazendo suas covinhas se aprofundarem e aquele sorriso
malicioso que fazia meu corpo se aquecer, aparecer. Então ele se aproximou do
meu rosto, e sussurrou no meu ouvido para que só eu escutasse.
— Não se preocupe. Para o exercício que vamos fazer, você nem vai
precisar tirar a saia, só a calcinha. — Ele me encarou, e seus olhos praticamente
estavam em chamas. Minhas bochechas aqueceram, assim como meu corpo
todo.
Era sempre assim, bastava uma palavra, uma insinuação ou esse maldito
sorriso safado e pronto, eu estava me derretendo.
Ele ficou arrumando seu material lentamente, e eu comecei a guardar
meus livros também. Sem coragem de olhar ao redor ou para ele.
“O que ele iria fazer, afinal?”
— Assim que vocês saírem, fechem a porta, por favor! — O professor
Edgar instruiu. E quando desgrudei meus olhos do caderno que eu estava quase
desintegrando com o olhar, percebi que todos os alunos já haviam saído da sala e
que agora o professor também estava indo, deixando eu e Felipe sozinhos.
— Nós já estamos indo, professor. — Felipe disse, num tom
despreocupado. O professor assentiu e eu sorri.
Assim que o professor saiu e fechou a porta, Felipe se virou para mim e
uma chama de desejo se manifestou em seus olhos.
— Achei que nunca mais iriam sair. Eu estava ficando louco olhando
para essas suas pernas. — Ele disse, eu sorri.
Ele se levantou abruptamente e me puxou pela cintura, colando meu
corpo ao seu, derrubando nossos materiais nessa manobra. Seus lábios tomaram
os meus com urgência.
Intenso, era pouco para descrever esse beijo. Era quase algo como animal
e sedento. Ele me ergueu sobre a minha mesa e se manteve no meio das minhas
pernas. Seu membro rígido tocando meu ventre. Ele puxou minha saia pra cima
e apoiou suas mãos cada uma de um lado do meu quadril. Começou a lamber
meu pescoço e brincar com o lóbulo da minha orelha, o que estava fazendo me
gemer. Passei a mão nas suas costas, o puxando mais junto a mim.
— Nós não podemos fazer isso na escola, Felipe! — Falei soltando uma
lufada de ar e outra.
— Podemos sim, quem manda você ser tão gostosa. Não vou aguentar
até de noite.
Ele me puxou da mesa e me virou de costas para ele, empurrando minha
coluna até que minha barriga se encostasse à mesa.
— O que você vai fazer?
— Shiiiiii!
Ele ergueu minha saia e baixou minha calcinha lentamente, até ela estar
caída aos meus pés. Ele deu um tapa na minha nádega direita, que me fez dar um
gritinho e depois beijou o lugar onde bateu. Sem se deter mais, ele enfiou um
dedo em mim e eu gemi, imersa em prazer. Ele continuou a brincadeira de vai e
vem com o dedo, enquanto a sua outra mão abriu o zíper de sua calça.
— Sempre pronta para mim. — Ele sussurrou.
Tirando o dedo de dentro de mim, e sem se demorar, ele me penetrou, me
preenchendo e me fazendo arfar em cada estocada brusca. Fazendo-me gemer
alto. Ele era impaciente, selvagem e rápido, mas o prazer era intenso, preciso e
avassalador. Pois a dor misturada com o medo de sermos pegos em flagra, me
deixou superexcitada.
— Eu sei que tá bom, mas geme baixinho. — Ele sussurrou próximo do
meu ouvido.
Eu mordi meus lábios para conter os gemidos insistentes. Mas os rugidos
baixos que Felipe dava, estavam me fazendo, tremer de excitação. Todo meu
corpo tremeu junto ao dele, até que gozamos juntos e foi à coisa mais surreal e
mais satisfatória que eu já fiz na vida.
E com certeza, eu nunca mais iria entrar naquela sala de aula novamente,
sem lembrar-me disso.
Capítulo 44
Felipe

— Quase três meses de namoro. Quem diria que o famoso Felipe
Vasconcelos seria fisgado, em? — Samara riu de mim e cutucou meu ombro.
Samy era muito mais que minha irmã, ela era minha conselheira e melhor
amiga. Só ela sabia tudo o que se passava na minha cabeça e como eu era
diferente em minhas diversas facetas. Ela e agora Camila. Então no mês passado
quando Samara acabou desmaiando por fraqueza, eu resolvi que mandaria
nossos pais a merda. Minha irmã quase morreu para minha mãe perceber que
estava acabando com sua filha. Samara estava com uma grave crise de bulimia, e
o caso estava se agravando cada vez mais. Naquele dia achei que perderia Samy
para sempre, por sorte, e pelo dinheiro do meu pai, o tratamento dela pode ser
pago e ela entrou para uma reabilitação. Eu sabia que tinha parte de culpa nisso,
pois a um tempo atrás lembro dela vomitando, e eu não fiz nada para impedir.
Entretanto Samara não me culpava por não a impedir, ela disse que era adulta
para tomar suas próprias decisões. Impressionou-me também, o fato de que
Marcelo Guimarães ao descobrir que minha irmã estava no hospital, apareceu
todo preocupado com ela. No começo não gostei nadinha disso, sou um irmão
ciumento, mas quando vi o sorriso de Samara quando viu que Marcelo tinha
vindo visitá-la, entendi que não importava o que eu dissesse, eles estavam
apaixonados. E depois que conheci Camila, sei muito bem o que isso significa. E
hoje, depois de um mês, ela já estava recuperada e principalmente, estava feliz.
E como a boa irmã que ela é, ela veio me ajudar a comprar um presente
para Camila. Queria dar-lhe algo especial, mas sabia que não era tudo que iria
agradar Camila, não que ela fosse o tipo de garota que queria ganhar coisas
caras, pois se não, seria fácil, era só comprar uma bolsa de grife e pronto, mas
ela era totalmente ao contrário, coisas simples pra ela, sãos as coisas principias.
E se eu aparecesse com uma bolsa cara, provavelmente ela me bateria com ela.
— Esse aqui Felipe, é lindo! — Samara apontou para um par de brincos
de diamantes.
— Não, ela iria jogar isso na minha cara e me mandar comprar o valor
gasto com isso, em comida para os mendigos! — Falei chacoalhando a cabeça.
Ela riu. — Sério, você conhece Camila, sabe que estou falando a verdade.
— Verdade. — Ela concordou. — Eu levei um olhar de morte por dar-lhe
um vestido no seu aniversário. Então acho que numa joalheria cara como essa
não vamos encontrar nada que a sua menina goste. — Ela coçou o queixo,
pensativa. — Venha, acho que já sei de algo. Vou te levar na loja de uma
conhecida, ela vende um pouco de tudo. Lá tem coisas diferentes e especiais,
assim como Camila.
— Onde fica?
***
Algumas horas depois, chagamos numa loja de fachada antiga que ficava
no outro lado da cidade, só esperava que as horas dentro do carro, em um
congestionamento, valessem a pena.
Entramos na loja que era uma espécie de antiquário. O lugar, apesar de
antigo, era requintado. Logo fomos atendidos por uma senhora e um senhor,
Samara explicou que eram o casal donos do lugar e até se cumprimentaram pelo
nome. O casal era simpático e pareciam felizes com seu empreendimento
esquisito.
Enquanto Samara conversava com a senhora sobre um vaso que ela havia
encomendado para dar de presente para mamãe, eu acabei caminhando pela loja.
Vendo os objetos de decoração, lindos e diferentes, percebi que o lugar tinha
realmente um pouco de tudo, e foi isso que me impressionou. Até que reparei
num balcão no fundo da loja, nele havia vários colares, anéis e brincos. Mas o
que me chamou a atenção, foi um pingente que se dividia ao meio, um coração
partido em dois. O colar era feito em madeira envernizada e com uma escrita
talhada a mão. Em um estava escrito: “Em todas as vidas” e no outro “Um
único amor”. Achei o colar perfeito, por que o que eu sentia por Camila, era
algo que parecia poder romper as barreiras do tempo e da vida. Eu sei que a amo
incondicionalmente, e sei que a amarei eternamente, meu amor por ela é algo tão
forte que é impossível de explicar.
Saí da loja com o pequeno pacotinho brilhante na minha mão, fiquei com
a primeira parte e a segunda eu daria a ela.
Ainda naquele dia, preparei um jantar para nós dois, em meu
apartamento. Na verdade, Camila fez o jantar e eu ajudei. Jantamos o seu
fricassê de frango incrível, e juro que se ela não tivesse feito eu me apaixonar
por ela com o seu sorriso, tenho certeza que me ganharia pela barriga. Ela é uma
excelente cozinheira.
—Vem, tenho uma surpresa pra você! — Peguei sua mão, e ela sorriu.
Fomos até a minha sala que agora já tinha sido devidamente reformada.
Ela sentou-se no sofá e eu peguei o meu violão, sentei-me ao seu lado,
ela me observava atenta, com expectativa do que eu faria a seguir. Então me
concentrei e cantei o refrão de uma música:
Como um anjo
Você apareceu na minha vida
Como um anjo
Repleto de ternura e de paixão oh oh...
Como um anjo
Encanto e sedução doce aventura
Hum que loucura você desabrochando no meu coração

Linda menina
Com olhar inocente, malícia, desejo e tentação
Que me cobre de amor e carícias vencendo a solidão
Só você pra me fazer feliz.
— Meu roqueiro cantando um sertanejinho? — Ela riu docemente. — O
que você fez com o meu Felipe? — Eu comecei a rir.
— Bem... Eu tinha pensado em catar Mc Catra, mas aí você iria
começara a mexer a bunda pra cima e pra baixo, e eu ia acabar me
desconcentrando.
Ela sorriu e me deu um soco leve no braço.
— Idiota! — Ela revirou os olhos.
— Ai! — Passei a mão no braço, rindo.
Ela podia ter cara de anjo, mas sabia me manipular com aquele sorriso,
como se fosse um maldito demônio.
Tirei do bolso do meu casaco o embrulhinho brilhante.
— Comprei isso pra você! — Disse, lhe entregando o pacotinho.
Ela abriu o pacotinho, curiosa, e seus olhos transpareceram surpresa
quando tirou de dentro do pacotinho a correntinha, a metade do coração de
madeira cintilando o marrom envernizado.
Ela segurou delicadamente, e leu a frase em voz alta.
— “Um único amor”. É lindo, eu amei, Felipe... Mas cadê a outra
metade?
Puxei a gola da minha camiseta para baixo, para mostrar a ela a metade
do coração que já estava pendurada em meu pescoço. Ela me observou atenta e
assim que viu o pingente, pegou-o com delicadeza e leu a frase entalhada.
— “Em todas as vidas”... — Ela me encarou, seus olhos marejados. —
“Um único amor”. — Então ela sorriu, quando uma lágrima escapou de seu olho
escorrendo lentamente pela sua bochecha. Eu a abracei firme em meus braços, e
ela envolveu seus braços no meu pescoço, nossos corações perto o suficiente
para baterem em sincronia. Como se fossem um só.
— Eu amei! — Ela sussurrou no meu ouvido. — Eu amo você, Felipe.
Com toda minha alma, eu amo você.
— Eu amo você, Camila. Em todas as minhas vidas você será sempre,
meu único amor. — Sussurrei com convicção, em resposta para ela, e senti seu
corpo inteiro tremer junto ao meu, em ondas de pura emoção que trasbordavam
amor. Um amor tão forte e puro que se misturava e passava de um para o outro,
me dando a certeza que nunca mais amaria alguém assim. Tão intensamente.
Mas eu tinha medo de acordar e tudo ser um simples sonho, no qual
Camila fosse apenas um anjo enviado para tornar minha vida de merda um
pouco melhor. Eu não conseguia acreditar em quão bom era amar, o quão bom
era ser amado. Achei que depois do que eu fiz nunca mais ninguém me amaria,
que eu nunca tivesse essa chance na vida. Mas se Deus estava me perdoando por
tudo que eu fiz, será que eu também poderia me perdoar? Será que Camila seria
capaz de me perdoar quando descobrisse o monstro que eu sou?
Então senti medo.
Medo de perder tudo o que é mais importante no mundo para mim.
“Camila”.
Capítulo 45
Camila

Em meu quarto no sábado à noite, estava me arrumando para a
inauguração da nova One repaginada. Coloquei meu vestido azul esvoaçante
tomara que caia e sandálias em tiras metalizadas, deixei o cabelo solto em ondas,
como se eu realmente nem tivesse o arrumado e usei um pouco de maquiagem,
um olho mais esfumado e um batom rose. Vic tinha me dado umas aulas, ele
realmente era ótimo nisso. Me senti linda na minha roupa nova, que a Samara
me deu de presente de aniversário na semana passada. Ela era maravilhosa e eu
entendia muito bem o porquê ela e Felipe se davam tão bem. Eles nem pareciam
ser filhos dos Vasconcelos, os quais eu tive o desprazer em conhecer. O pai de
Felipe, o senhor Miguel Vasconcelos é simplesmente a pessoa mais arrogante e
ignorante que já conheci e a mãe dele, a dona Sara, me causou um misto de dó e
nojo. Dó por que a coitada vive num mundinho criado por ela mesma, onde ela
acha que precisa manter uma aparência invejável, e nojo por que para manter
essa aparência invejável, ela pisa nas pessoas como se não fossem nada.
Neste instante, meu celular vibrou.
Sim... após uma discussão com Felipe, por eu me manter incomunicável
e isso se tornar um perigo para mim, acabei comprando um celular. O que até
minha mãe achou excelente e resolveu comprar um para ela também, assim nós
podíamos nos comunicar sempre que fosse preciso. E isso foi bom de várias
maneiras, nisso eu tinha que concordar com Felipe. Para mim não havia
felicidade maior do que acordar de manhã com uma mensagem de Felipe no
whatssap, que normalmente começava com: “Bom dia, meu amor”
acompanhado de: “Sonhei que você estava chupando meu pau” ou algo do
gênero. Ele até tentava ser romântico, mas era um caso perdido. E eu não posso
negar que adoro esse meu príncipe encantado pervertido.
Peguei meu celular de cima da minha cama, era uma mensagem de
Felipe.
As onze passo aí! Espero que use um vestido! Amo ficar te apalpando
enquanto dirijo! Te amo meu anjo <3
“Não disse?”
Escrevi uma mensagem pra ele.
Estarei pronta! Adoro você me apalpando! Te amo meu amor <3
Assim que enviei, ouvi um barulho na porta do meu quarto e me virei,
vendo Léo sorrindo para mim.
— Tá linda! — Ele disse.
— Obrigada, Léo. Venha cá meu amor! — O chamei com a mão, ele se
dirigiu até mim e me envolveu na cintura com seus bracinhos finos.
— Papai estaria orgulhoso de você. — Ele falou baixinho.
— Ele está orgulhoso de todos nós. Olha que família linda que nós
temos, Léo! — Ele me encarou, sem desgrudar da minha cintura, e sorriu. O
sorriso de criança mais doce que pudera dar.
— Verdade, ele deve estar feliz. Deve ser legal morar no céu e ver nós
aqui embaixo, igualzinho como nós vemos as formigas.
— Deve sim. — Sorri — E um dia, quando chegar a hora, nós vamos
estar lá junto com papai vendo esse mundo pequenininho. — Olhei em seus
olhinhos brilhantes e seu sorriso se abrangeu. — E como vão as coisas na
escola?
— Ah, tá tudo bem!
— Que bom, meu amor. Você sabe que apesar de papai não estar aqui,
você sempre terá eu, mamãe e agora, Felipe, para te ajudar no que for preciso.
Você sabe que nós te amamos muito.
— Eu sei sim, também amo vocês. Até mesmo o Felipe! — Ele riu e eu
sorri.
— Ele me disse que vocês marcaram um torneio de Playstation com os
meninos da vila.
— Sim, vou convidar até o Pablo, vai ser o máximo! Ainda mais o
prêmio sendo um jogo novinho do Super Mario Bros.
— Entre você e Felipe, não sei quem é mais criança!
— Ele! — Disse Léo, dando de ombro.
— Verdade! — Concordei rindo.
Uma hora mais tarde, Felipe me buscou em casa. Ele estava tenso quando
entrei no carro, como se estivesse imerso em pensamentos. Achei estranho, pois
normalmente ele sempre estava animado.
— O que você tem? — Perguntei enquanto colocava o cinto de
segurança.
— Nada, amor. Nada. Você está maravilhosa! — Ele sorriu, e suas
covinhas se destacaram em suas bochechas sob a barba bem-feita.
— Obrigada. — Disse e dei um sorriso tímido. — Tudo bem, então. Sabe
que você pode me contar tudo. Certo? — Ele assentiu, e aumentou o som do
rádio.
Eu já conhecia Felipe o suficiente para saber que quando ele estava
nervoso, ele gostava de ouvir música no último volume. E durante o trajeto
inteiro até chegarmos a boate, a música do CPM 22 – Um minuto para o fim
do mundo, praticamente fazia os vidros do carro zunirem, além disso, ele
parecia tenso e preocupado. “Será que ele estava tendo problemas com os pais
novamente?” Lembro-me da briga feia que tiveram no mês passado, por causa
do problema de Samara, achei que Felipe iria bater no pai. Seja o que for que
aconteceu, Felipe não quer me contar e isso me preocupa.
***
A boate estava o máximo, e literalmente estava cheia, os DJs embalavam
a noite e as luzes piscavam, tornando o ambiente festivo e convidativo. Jorge e
Vic estavam no camarote superior e assim que nos viram, fizeram sinal para
subirmos.
— Ei, cara! Estou orgulhoso de você. — Felipe disse a Jorge.
— Obrigado, brother.
— Você está linda, Camila! — Vic elogiou, me olhando dos pés à cabeça.
— Um chuchuzinho! — Eu ri.
— Você também não está nada mal, Vic! — Falei batendo palminhas para o seu
visual. Ele usava uma camisa vermelha, calça preta e sua careca brilhava mais
do que seus sapatos metalizados. Já Jorge continuava todo culto e impecável
com suas roupas de grife. Os dois formavam um casal tão perfeito, que assim
como eu e Felipe nos sentíamos, acredito que o amor deles também atravessará a
linha do tempo e de outras vidas. Todos deveriam ter esse direito, de encontrar o
verdadeiro amor, de ser amado e de amar. O amor é a coisa mais significativa no
mundo, a mais importante, e nada e ninguém, existem sem amor. Sem amor,
seria como se viéssemos ao mundo somente para existir e não para viver essa
vida, por isso acredito que as pessoas deveriam amar mais, independentes a
quem e julgar menos.
Às duas da manhã, dançávamos na pista de dança, ao som de Akcent - That's
My Name. Pulamos e jogamos as mãos sobre a cabeça, a multidão embalada
pela música, todos pulando e sorrindo. Eu amava isso, essa sensação que a
música traz pra você, essa alegria criada pelo seu corpo, um êxtase melhor do
que qualquer droga existente. Eu rebolava de um lado para o outro, e Felipe
passava as mãos sobre minha cintura, descendo e subindo lentamente. Nós já
estávamos suados e sorriamos feito bobos. Ele me girou, e eu fiquei de costas
contra seu corpo, esfreguei minha bunda em seu pênis, e já o senti duro e pronto.
Desci minha mão estrategicamente até chegar em cima de seu zíper, então
esfreguei a mão por cima da sua calça, apertando seu pênis. Ele segurou minha
cintura com mais força, e me puxou contra ele. Seu hálito arrepiou o meu
pescoço quando ele plantou um beijo ao pé do meu ouvido e eu só fiquei mais
excitada quando ele sussurrou:
— Logo você poderá fazer isso, quando eu estiver sem as calças.
Eu sorri. Adorava quando ele me falava algum tipo de sacanagem, e ele
sempre falava. Só que eu também aprendi algumas coisas, nesse tempo.
— Aposto que você prefere a minha boca, ao invés da minha mão.
— Unnn, meu anjo malvado. Adoro quando você banca a depravada.
— Estou aprendendo com o melhor.
Ele me rodopiou de novo e nossos corpos se colaram, automaticamente
passei minhas mãos sobre seu pescoço, abraçando-o e fazendo meus seios
esfregarem em seu peito. Sua camiseta preta justa, e o delicado colar feito de
madeira que ele usava pendurado em seu pescoço, o deixava com um visual
despojado, que eu amava. Amava o jeito que seu cabelo ficava despenteado
quando eu enfiava meus dedos no meio deles, e como ele dá aquele sorriso que
levemente arqueia somente um canto da boca, é quase como se ele fosse a última
barra de chocolate no mundo e eu estivesse na minha pior crise de TPM, ele é
inexplicavelmente gostoso.
Ele afundou o nariz no meu pescoço, a ponta gelada arrepiando cada
ponto tocado, ele deu um beijo molhado e inspirou meu perfume.
— Está decidido, você parece mel. Você é tão doce quanto mel.
Então mordiscou o lóbulo da minha orelha e eu comecei a ofegar. Ele
segurou meu rosto entre as mãos, seus olhos analisando minha face.
— Essa noite, prometa-me que você será minha? — Ele me olhou
suplicante, seu corpo até ficou tenso. No começo achei que era apenas uma de
suas frases depravadas para me fazer ficar excitada, mas com esse olhar, percebi
que tinha coisa a mais.
— Eu sou sua! Você sabe disse, serei sempre sua. — Eu disse afirmando
cada palavra.
Seu olhar analisou cada canto de pele do meu rosto, então ele me beijou
profundo e lentamente.
Capítulo 46
Felipe

Ontem de noite quando Samara bateu na porta do meu apartamento,
desesperada, foi como se meu mundo desabasse. Como se a minha felicidade
estivesse incomodando alguém lá de cima, e tudo que eu vinha temendo,
acontecesse.
— É amanhã, Felipe, amanhã! — Samara entrou no meu apartamento,
suas mãos tremiam e seu rosto estava vermelho de tanto que ela chorava.
— O que é amanhã, Samara? Me fale e pare de chorar! Você está me
assustando. — Entreguei-lhe o copo com água e açúcar que tinha ido buscar na
cozinha, após perceber seu estado. Ela chorava em soluços sem conseguir
proferir uma palavra. Ela se sentou no sofá, mas seu pequeno corpo ainda
tremia. Quando ela finalmente começou a respirar mais facilmente e eu
consegui fazê-la se acalmar. Ela falou:
— Amanhã... Amanhã é o julgamento Felipe, seu julgamento! — Ela mal
apena falou e já começou a chorar novamente. Meu corpo entrou em choque, e
tudo veio na minha mente como um soco. Um soco bem dado no meio da minha
cara. Camila, o que eu faria com Camila?
— Como eu só soube disso agora? — Perguntei exasperado.
— Papai já sabia, e como você está de briga com eles, ele não falou
nada. Ele quer que você vá preso, Felipe. Ele quer! — Ela disse entre os
soluços. — Mas por sorte eu ouvi a conversa dele com mamãe e consegui uma
advogada pro seu caso.
— Aquele desgraçado. Eu sabia que deveria ter dado uns socos na cara
daquele maldito. Que pai faz isso com um filho? Ele sempre me odiou, Samara,
por que eu nunca fiz o que ele mandou. Eu o odeio! — Segurei a almofada tão
apertada entre meus dedos que a rasguei e pequenas peninhas voaram para
cima.
— Se acalme, Felipe, ele ainda é nosso pai, infelizmente.
Eu bufei.
— E o que a advogada disse, Samara?
— Ela disse que você tem uma chance, pois você era menor de idade.
Mas como estava drogado não sei o que pode acontecer. — Ela continuou a
chorar, me sentei ao seu lado no sofá e a abracei.
— Vamos dar um jeito, Samara, nós vamos. Pare de chorar! Não quero
ver você triste.
— Mas o que eu farei se você for preso? Não posso perder você.
— Você não vai me perder, eu sempre vou ser seu irmão, e agora você
tem o Marcelo também.
— Você vai contar para Camila?
— E dizer o quê? Que eu matei um homem? Não, não quero ver a cara
dela quando ela descobrir isso, e se eu não for preso, ela nem descobrirá.
— Mas Felipe, ela te ama. Ela vai entender.
— Camila é boa demais, Samara. O coração dela é bom demais, se ela
descobrir que matei um homem, ela me odiaria para sempre.
E bem... Agora estou aqui com Camila adormecida em meus braços,
olhando para seu rosto angelical, tentando memorizar cada poro de seu belo
rosto.
Retirei uma mecha de seu cabelo e o coloquei atrás da orelha, ela
suspirou, imersa em seus sonhos tranquilos. Meu braço já está dormente, mas
não quero acordá-la, por isso nem que meu sangue pare de correr pelo meu braço
e eu tenha que amputá-lo, eu não vou movê-la daqui. Essa pode ser minha última
oportunidade de tê-la assim, por muito tempo. Não quero pensar que será assim,
mas e se for, não quero perder essa oportunidade de senti-la perto de mim. De
sentir seu cheiro e a macieis de sua pele na minha, de escutar seu coração bater
na melodia que eu mais amo.
Eu tenho esperança de que vou conseguir sair livre do julgamento
amanhã, pois como descobrimos ontem ao ligar para a advogada, o homem que
eu matei estava alcoolizado, e ele estava atravessando a rua, bêbado. Então pode
se considerar não ser totalmente minha culpa, e eu estou me agarrando a todo fio
de esperança que isso seja o suficiente para me deixar livre, ou que pelo menos,
minha sentença seja mínima.
Assim que o sol entrou pela cortina do meu quarto, eu sabia que estava
na hora de levantar e enfrentar o pior. Sentia-me cansado, pois me neguei a
dormir por nem sequer um instante, e agora preciso ir. Ir para um tribunal.
Deixar minha Camila aqui sozinha, mas com a esperança que voltarei para ela.
Deito Camila delicadamente, retirando meu braço do seu redor, ela se moveu,
mas não acordou. Levanto-me e tomo um banho apressado e me visto. Volto até
minha cama e dou um último beijo nos lábios doces de Camila. Lágrimas
surgem em meus olhos e eu as deixo virem, pois é a única forma de deixar o
medo sair. Agora eu não sinto medo em ser preso, eu sinto medo de perdê-la,
medo que ela me odeie para sempre após saber o que eu fiz.
Observo ela dormir por alguns segundo a mais, e percebo que o colar que
eu dei para ela, está depositado no meio do seu peito, bem em cima do coração,
o lugar que sempre deverá estar. Com toda a força que consigo arrecadar dentro
de mim, me despeço do grande amor da minha vida e do que pode ser a minha
última chance de vê-la.
Então sussurro antes de sair do quarto:
— Em todas as vidas, Camila, você será meu único amor.
Capítulo 47
Camila

Quando acordei e abri os olhos, vi a luz da manhã invadir o quarto e
sorri. Ontem, a noite foi simplesmente mágica. Espreguicei-me calmamente,
sentindo meus ossos fazerem um craccc em cada alongada que eu dava. A cama
de Felipe era maravilhosa e confortável, e apesar da cama ser assim, sempre
acreditei que minhas noites bem dormidas aqui, fossem por eu dormir nos braços
dele. Sentei na cama percebendo que Felipe não estava ao meu lado. Levanto-me
e me enrolo no lençol, o segurando sobre meu peito. Ando até o banheiro da
suíte e Felipe não está lá, saio do quarto e vou até a cozinha e dou uma espiada
no banheiro de visitas, e nada dele.
— Felipe? Ei, amor, onde você está? — Chamo, parando no meio da
sala.
Fico olhando de um lado para o outro, confusa. Felipe não estava no
apartamento. “Será que ele saiu?” Volto para o quarto e visto minha roupa da
noite anterior.
“Estranho ele sumir assim, eu senti que ele estava estranho ontem à
noite. O que poderia ter acontecido?”
Pego meu celular de cima do criado mudo e digito uma mensagem.
Oi amor, onde você está? Acordei e você não estava aqui. Estou
preocupada.
Clico em enviar mensagem e fico olhando para a tela do celular,
esperando que logo outra mensagem retorne, mas minutos se passam e nada,
nada acontece. Apenas uma foto minha e de Felipe brilhando na tela do celular e
o relógio digital, mostrando como o tempo estava correndo rápido. Comecei a
andar de um lado para o outro no quarto, pensando o que poderia ter acontecido.
“Será que aconteceu alguma coisa com Samara? Ou será que foi com os
pais dele? Ou pior ainda, Vic ou Jorge? Mas por que ele não me acordou? Se
ele tiver saído pra comprar pão de queijo e não me avisou, vou matar ele!”
De repente meu celular toca. A musiquinha, me tira do meu transe de
pensamentos. Atendo o celular imediatamente.
— Alô! — A voz da minha mãe me deixa preocupada. Pois se não era
Felipe, onde ele se meteu?
— Mãe? O que foi? — Pergunto apreensiva.
— Oi, meu amor, vem pra casa, preciso falar com você. — Sua voz
estava melancólica, como se ela tivesse chorando.
— Tudo bem. Já estou indo. Aconteceu alguma coisa com Léo ou com a
vovó?
— Não amor, não precisa se preocupar. Todos estão bem. Mas tenho que
te contar uma coisa. Venha logo, por favor!
— Ok. Estou indo, mãe.
“Primeiro Felipe some, e agora minha mãe age assim. O que está
acontecendo?”
Digito uma mensagem para Samara.
Felipe sumiu, ele está aí?
Em segundos uma mensagem de Samara, retorna.
Sim, não se preocupa. Eu precisei dele.
Suspirei aliviada, e então chamei um táxi.
Alguns minutos mais tarde, entrei em casa e encontrei minha mãe e Léo
abraçados no sofá.
— O que aconteceu? — Fui rapidamente em direção a eles.
— Venha aqui amor, venha aqui.
— O que foi, mãe? O que aconteceu? Diga-me se foi algo com a vovó!
— Não. — Ela sorriu. — Sabe que aquela velha é forte feito um touro.
— Ela podia estar tentando manter um sorriso nos lábios, mas podia ver seus
olhos marejados.
— Então o que foi? — Perguntei apreensiva.
— Um advogado me ligou. — Ela me encarou. — Explicou que o
processo de investigação da morte de seu pai foi reaberto, e que hoje à tarde vai
acontecer o julgamento do culpado, eles descobriram quem foi Camila, eles o
pegaram! — Seu sorriso se abrangeu e as lágrimas vieram, mas agora
compreendi que elas eram de alegria.
— Sério? Que coisa boa! — Não consegui conter a alegria que me
invadiu, abraço mamãe e Léo e as lágrimas tomam conta de mim também.
— Sim, até que enfim seu pai terá justiça.
“A justiça até que enfim está sendo feita. Meu pai poderá descansar
quando o culpado for condenado, quando o maldito culpado for julgado. Ele
merece apodrecer naquela prisão, para sempre. Obrigada meu Deus, tudo está
se encaminhando”
— Mas o advogado disse que seria melhor se não fôssemos ao
julgamento. — Minha mãe disse, me encarando preocupada, pois ela já
imaginava qual seria minha reação.
— Essa é a oportunidade de eu ver a cara daquele maldito, mãe! Eu não
vou deixar passar. Preciso descobrir quem foi o desgraçado que matou papai. —
Falei, sentindo o ódio percorrer minhas veias.
— Meu amor, — Mamãe segurou minha mão. — isso só vai servir para
abrir uma ferida que já foi curada.
— Não, mãe. Eu preciso! Preciso ver a cara desse ser horrível, que foi
capaz de tirar a vida do meu pai, de transformar nossas vidas num inferno. Ele
poderia estar aqui mãe. Você entende? — Eu não conseguia parar de chorar, por
todo ódio e rancor que eu sentia desse homem que matou meu pai. — Ele
poderia estar vivo e feliz aqui com a gente, mas por culpa desse ordinário, ele foi
tirado de nós. Agora você não tem seu marido, Léo e eu não temos mais um pai.
Tudo por culpa desse maldito homem. Se eu pudesse, mataria ele com as
próprias mãos. — Bufei e apertei a mão de minha mãe.
Ela assentiu, e eu suspirei.
Eu precisava estar pronta para vê-lo, pois a raiva que me preenchia neste
momento, estava se alastrando a cada minuto. Eu queria estar ciente e
concentrada quando eu o visse, pois queria dizer-lhe algumas palavras nada
bonitas.
Perto do meio dia, deixei mais uma mensagem para Felipe, pedindo o
que tinha acontecido com Samara e ainda não tinha recebido uma resposta.
Queria que ele fosse comigo ao julgamento, que me desse forças. Eu precisava
de Felipe agora mais do que nunca. Precisava do seu apoio, somente Felipe era
capaz de fazer doer menos.
Eu não gostava de falar sobre papai, era como se a ferida fosse aberta
cada vez que me lembrava dele, e como minha mãe disse, a ferida dela já estava
se curando, mas a minha, ainda não. Eu não podia falar em papai sem me
lembrar de que um assassino estava solto por aí, e que Léo não tinha um pai para
guiá-lo e que minha mãe não tinha um marido para amá-la, e que eu não tinha
meu pai para me proteger, por causa de um maldito ser de merda. Eu tinha
perdido meu pai, meu super-herói, meu protetor, isso não era justo. Isso me
deixava triste na mesma medida que me enchia de ódio.
O julgamento começava às duas da tarde. Arrumei-me e pedi uma carona
para Vic, que me levou até o tribunal. Ele se prontificou a ficar comigo até tudo
passar, pois nem Felipe e nem Samara retornaram minhas ligações e mensagens.
Eu estava preocupada com Felipe, mas agora eu precisava enfrentar o homem
que matou meu pai, e Felipe teria que esperar. Mamãe preferiu ficar em casa
com Léo, pois ele era muito pequeno para passar por isso e entender o que estava
acontecendo.
Algum tempo depois, quando o julgamento estava prestes a começar,
entramos na enorme sala e um policial nos instruiu em qual lugar deveríamos
ficar. Vic e eu sentamos bem atrás, aguardado. Meus dedos se retorciam no colo
pelo nervosismo que começava a tomar conta de mim. Depois de todo esse
tempo, eu o veria, descobriria quem tirou meu pai de mim. Então sentia uma
mistura de ódio, mágoa e até mesmo, curiosidade dentro de mim. Vic, duas
vezes se levantou e buscou um copo de água para mim, tentando me acalmar,
mas era tudo inútil.
A sala foi enchendo com o júri, até que o promotor e a advogada de
defesa entraram. Por fim, o juiz entrou, ele usava a tradicional vestimenta preta
de juiz, seus cabelos já grisalhos, mas apesar da idade avançada, ele parecia
respeitável e intimidador. Sempre quis fazer faculdade de direito, mas nunca me
imaginei ser uma juíza, acho algo muito complicado, uma responsabilidade
muito grande para uma pessoa. É quase como se o juiz fosse uma espécie de
Deus, que é capaz de decidir o destino de uma pessoa. É algo que não quero para
mim.
A sala ficou em silêncio, assim que o juiz começou a falar.
— Então, devido ao infortúnio de que, o juiz Stevan Magalhães, que foi
corrupto, e que já teve sua sentença imposta, todos seus casos foram reabertos.
Então seguimos para darmos início ao caso número 32. Caso da vítima Henrique
Alves, encontrado morto por atropelamento na Rua Herbert Moreira, esquina
com Rua Mendes, na noite do dia 23 de janeiro de 2009. Dado as testemunhas
que o senhor Henrique saiu de sua casa às 7 horas da noite, para ir ao um bar no
lado leste da cidade. A ambulância chegou ao local do acidente por volta das 3
horas da madrugada, encontrando a vítima caída ao chão, e o carro do réu a dez
metros de distância do corpo. Sendo que o réu foi diagnosticado com alto teor de
alucinógeno no sangue, assim como a vítima também tinha teor alcoólico duas
vezes maior que o permitido pela lei. Advogada de defesa pode se levantar e
apresentar o réu.
Olhei fixamente para a porta, cada segundo, meu coração martelando
mais alto, mais rápido, mais agonizado no meu peito. Eu veria o rosto do homem
que matou meu pai. E eu queria que o pior acontecesse com ele, que ele ficasse o
resto da vida na prisão. Meu sangue fervia, e sentia o ódio se expandir pelo meu
corpo.
— Tragam o réu. — A voz da advogada anunciou lá da frente, mas eu
não conseguia desviar meus olhos da porta enorme feita em madeira do tribunal.
As portas abriram, e dois policiais entraram. Como eu estava bem atrás,
não pude ver o rosto do assassino imediatamente, os policiais e algumas outras
pessoas atrapalharam minha visão. Ele caminhou com os policiais até na frente
do tribunal. Eu me levantei para tentar ver melhor, ver seu rosto, mas não
consegui, ele estava de costas. Por um momento, um pensamento ruim me
atravessou, e a imagem de Felipe veio a minha mente. Ignorei esse sentimento
angustiante que me perturbou.
— Seguiremos agora com o caso número 32. Promotor, temos
testemunhas do caso? — o Juiz falou.
— Temos uma testemunha, o motorista da ambulância que atendeu o
caso. Ele foi o primeiro a chegar ao local, devido a uma ligação feita de um
telefone público. — O promotor respondeu. — Chamo para depoimento, o
motorista José Medeiros.
Então um homem de meia idade, se levantou lá na frente e andou até o
juiz. Ele fez o juramente de dizer somente a verdade e a advogada de defesa
começou a questioná-lo.
— Naquela noite, o senhor encontrou a vítima já falecida?
— Sim, chequei seus sinais vitais e infelizmente ele já estava morto
quando chegamos.
— E o motorista do carro, como se encontrava?
— Ele não havia saído do carro, estava em estado de choque. Chequei
seus sinais vitais e percebi que ele estava totalmente sob o efeito da droga. Ele
nem deveria saber o que estava acontecendo. No local só havia o carro dele, a
rua estava vazia.
— A vítima também foi diagnosticada com alto teor alcoólico no
organismo. Certo?
— Sim.
— Após o socorro, qual foi o procedimento?
— Chamamos a polícia que levou o acusado para a delegacia, antes
disso, demos um soro para ele se recuperar do choque e levamos a vítima de
ambulância para o hospital e entramos em contato com os parentes para avisar
do ocorrido.
— Certo, obrigada Senhor José Medeiros.
O homem assentiu.
Eu estava tão nervosa e ansiosa que o interrogatório com o motorista da
ambulância parecia estar demorando uma eternidade. Estava com meus dedos
entrelaçados no colo, e os segurava tão apertados que os nós dos meus dedos já
estavam brancos.
— Agora chamamos o réu para depor. Advogado de acusação, por favor.
— O juiz indicou.
Meu coração deu um salto no peito e eu trinquei os dentes com força,
tentando manter o controle para não explodir agora mesmo, um monte de
palavrões a esse maldito ser de merda.
— Senhor Felipe Vasconcelos, favor dirija-se a tribuna.

Ao ouvir o nome, meu coração parou. Foi como se todo ar ao meu redor
sumisse e eu não pudesse respirar. Eu devo ter ouvido errado, devo estar
entrando em choque devido ao meu nervosismo. Deve ser algum tipo de pane
criada na minha mente pela vontade de que Felipe estivesse aqui comigo. Da
necessidade de ter ele aqui comigo.
“Não, não”.
“Não pode ser”.
“Eu ouvi errado. Certo?”
Minhas mãos começaram a tremer, e Vic se levantou ao meu lado. Seus
olhos arregalados olhando para frente.
— Oh, meu Deus, Camila! — Ele segurou meu braço tentando me parar,
mas eu já me espremia ao passar pelos espectadores e ir em direção ao tribunal.
O juiz falava com Felipe, meu Felipe. Eu não podia acreditar, isso não
podia ser real, eu precisava ver se era real.
Eu caminhei em direção ao tribunal, completamente desacreditada,
enquanto Felipe fazia o juramento.
— Você jura falar somente a verdade e nada mais que a verdade?
— Eu juro.
Um zumbindo começou a ecoar na minha cabeça, era como se eu tivesse
a ponto de desmaiar, de cair morta no chão. As lágrimas vieram com força,
fazendo minha visão ficar embasada. Eu não queria acreditar que era verdade,
mas ele estava ali.
— Felipeee! — Eu gritei como se minha garganta tivesse sido cortada,
ardia. Tudo dentro de mim ardia. O ar ficou tão denso que parecia escurecer ao
meu redor. Tudo virou um turbilhão de emoções dentro do meio peito.
Felipe se virou, e seu rosto inspecionou cada pedaço de mim, seu olhar
em choque, até parar no meu rosto. Encaramo-nos sem acreditar no que víamos.
Eu queria sumir dali, queria que ele sumisse dali, queria que isso não fosse
verdade. Era uma alucinação, só podia ser.
O juiz gritou:
— Quem é essa?
Um policial que já chegava junto a mim para tentar me deter, falou:
— A filha da vítima, senhor. Ela foi autorizada a assistir o julgamento.
Felipe não tinha desgrudado os olhos de mim, mas quando o policial
proferiu essas palavras, ele deu um passo para trás e chacoalhou a cabeça
negando, completamente atordoado. Parecia estar em choque, assim como eu.
“Todo esse tempo eu amei o homem que matou meu pai, o meu pai”.
“Oh, meu Deus!”
As lágrimas surgiam uma atrás da outra, sem cessar. O desespero me
invadiu, senti meu coração se partir e literalmente ser esmagado, pisoteado, até
se desintegrar. Meu corpo tremeu e eu não podia fazer nada. Nada para isso
parar.

— Se isso for um pesadelo, me faça acordar. — Eu disse em um sussurro
de lamento, lançando as palavras para o ar, em direção ao céu. Mas de repente a
dor e a raiva me consumiram por completo. — O que você fez, Felipe? Por que
mentiu para mim? — Eu gritei tão alto, que eu mesma me assustei com a
intensidade do meu rancor.
— Eu... E... Eu não sabia! — Ele começou a chorar, seu corpo tremendo
e seu rosto em completa agonia. Ele começou a andar em minha direção. — Eu
não sabia. Eu juro, Camila. Eu não sabia. Eu nunca soube.
— Você o matou! Você matou meu pai? Por que Felipe? Por que você?
Eu te amo Felipe e você acabou com a minha vida, com a minha felicidade! —
Eu gritei sem conseguir parar de chorar. A dor era tanta no meu peito que achei
que iria morrer nesse momento.
“Não... Eu tinha certeza que havia morrido nesse momento”.
Ele continuou vindo em minha direção e eu comecei a dar passos para
trás e chacoalhar a cabeça desacreditada, não conseguia acreditar que aquilo
podia ser real. Não. Não quero que isso seja real. Eu fui levada ao céu para quê?
Pra depois que chegasse lá descobrisse que era o inferno? Como posso amar o
homem que matou meu pai, e odiar o único que já foi capaz de me fazer feliz?
— Eu juro que eu não sabia. Eu te amo, Camila!
Ele levantou a mão tentando me tocar e eu andei para trás e gritei com
toda a força.
— Nãoo, não me toque! Você é um assassino. Você matou meu pai. Eu te
odeiooo!
Felipe chacoalhou a cabeça e as lágrimas rolaram por sua face, assim
como as minhas transbordavam dos meus olhas incessantemente. Ele caiu no
chão de joelhos com as mãos no rosto, seu corpo encolhido e tremendo.
Eu continuei me afastando olhando para o homem que amo e que odeio,
sem conseguir entender os sentimentos que brigavam dentro de mim. Virei-me,
completamente atordoada e comecei a correr em direção à porta, vendo todos
por onde eu passava me encarrarem assustados, especulativos e até mesmo,
tristes. Vic saiu de seu lugar e começou a me seguir, mas assim que eu empurrei
a porta em busca de ar, racionalidade e talvez, uma fuga para esse sonho ruim, eu
ouvi o grito estridente de Felipe.
— Eu me declaro culpado!
...
— Ai, gente, eu não gosto dessas partes tristes, tive até que assuar meu
nariz.
Limpei as lágrimas de meus olhos com a barra da minha blusa, olhei para
o lado, vendo que o cupido estava dormindo. Era do feitio dele sempre dormir
nas partes que não tinham amor e mais amor. Peguei uma almofada e joguei na
cara dele.
— Ei, por que fez isso, cara? — Ele se sentou no sofá rapidamente,
ajeitando seus cachinhos.
— Vai começar a segunda parte! — Disse a ele, dando de ombros.
— Eu dormi de novo? — Ele perguntou abrindo a boca e se
espreguiçando.
— Você sempre dorme e ainda por cima, ronca.
Ele roncava mais era até bonitinho, tipo aquele ronronar que os gatos
fazem.
— Eu não ronco. — Ele me encarou aborrecido. — E eu só vou
continuar assistindo se você passar um pouco pra frente, essa parte é muito
enrolada.
— Tá bom, tá bom! — Bufei. — Mas vai busca mais pipoca, então!
Capítulo 48
Sete anos depois
Camila

— Camila, me alcança aquelas pastas vermelhas com os documentos, por
favor!
— Claro, Marcia. Aqui! — Me estiquei até alcançar as cinco pastas
dispostas atrás de mim na prateleira. E entreguei-as a ela.
Marcia era minha chefa e deveria ser no mínimo uns 15 anos mais velha
do que eu, mas era tão linda que não aparentava. Seu cabelo escuro sempre
muito bem trançado em uma trança embutida, e suas roupas sofisticadas davam a
ela o ar de uma verdadeira mulher poderosa. A mulher que eu me inspirava a ser
um dia.
O escritório Lopez Advocacia pertencia a família de Marcia, é nesse
local que estou trabalhando agora como advogada, aqui é praticamente meu
segundo lar. Adoro meus colegas e minha chefa, a advogada mais famosa da
região, Marcia Lopez. Quando consegui meu estágio aqui, depois que me formei
na faculdade quase nem acreditei, e quando ela me disse que estava contratada
integralmente, quase tive um treco, meu sonho estava se realizando.
— Obrigada Camila, você é meu anjo. — Ela disse me dando uma
piscadela.
— De nada, Marcia!
Ela saiu do meu escritório, que bem, não passava de uma minúscula sala
com uma pequena janela no quinto andar de um prédio na Rua Pedro de Morais,
mas era meu escritório. E tentei deixá-lo com a minha cara, por isso, em cima da
minha pequena mesa em mogno tinham fotos da minha família, um incluído
papai e outra foto nossa atualmente, com Léo, eu e mamãe.
Meu expediente termina às 6 horas da tarde, e como quase todos os dias,
antes de ir para casa, eu passo pegar Léo e seus amigos no curso de inglês
avançado.
— Tchau, pessoal. — Falei para as secretárias assim que saí da minha
sala.
— Tchau, Camila, até amanhã. — Marcia disse do corredor. E Paula e
Marta responderam em uníssono. — Tchau, Camila!
— Ei, Camila. — Vinicius me parou, quando estava chegando ao
elevador.
— Oi, Vini. Eu estou indo, tenho que passar pegar meu irmão no
cursinho. — Falei já apertando o botão para chamar o elevador.
— Sim, mas e quanto ao nosso jantar? Que tal sábado? — Ele perguntou
esperançoso.
Vinicius era o tipo de cara que você sabia que deveria namorar, casar, ter
filhos e viver uma vida plena e feliz. Além de lindo, era inteligente, trabalhador
e esforçado. Com seu cabelo loiro claro e olhos amendoados, ele fazia algumas
mulheres aqui do prédio, suspirarem desoladas. Mas ele além de ter todas essas
qualidades, tinha a que eu achava mais importante, ele não era um galinha. Eu
quero dar uma chance a ele, mas quando penso em amor, em me envolver com
alguém, sinto que vou me machucar não importando o quão bom ele seja,
alguma coisa vai acontecer e eu vou sofrer. Todas as vezes que me apaixonei
foram assim, com Wes, com Felipe. Uma decepção atrás da outra. E depois que
Felipe deixou meu coração tão esmagadinho, quebrado em pequenos caquinhos,
eu não sei quanto tempo levará até eu juntá-los novamente e nem sei se algum
dia irei conseguir amar de novo.
— Talvez, eu vou ver e te ligo. Ok? — Falei docemente dando um
sorrisinho.
— Tudo bem, mas espero que dessa vez, seja sim. — Ele sorriu
esperançoso e eu entrei no elevador, praticamente parecendo um gato fugindo de
um pitbull bravo.
“O que eu tenho de errado? Por que não consigo dar uma chance para
ele?”
Ele é tão simpático e responsável e só um pouco mais velho do que eu.
Mas meu coração foi tão quebrado, tão massacrado por Felipe que durante esses
sete anos, eu nunca dei nenhuma chance ao amor. Eu até tentei, durante a
faculdade sai com alguns caras e sempre eu achava um defeito absurdo para não
sair outra vez com o cara. Vic chegou a me acusar de inventar alguns defeitos,
pois era impossível os caras serem tão ruins assim. E na verdade, não eram. Mas
foi como se Felipe tivesse levado tudo de mim, qualquer gota desse sentimento
chamado amor foi literalmente drenado do meu ser. Como se eu jamais pudesse
amar de novo, como se jamais pudesse amar alguém como amei ele. E isso além
de me entristecer, me aborrece.
***
Estacionei em frente ao cursinho. Léo saiu de dentro do estabelecimento
acompanhado por seus amigos, o Cabeça e o Xing ling. Como o próprio apelido
dizia, Xing ling tinha descendência chinesa, já o Cabeça, era negro e com
cabelos Black Power e Léo estava se transformando num rapazinho lindo com
seus cabelos castanhos enrolados. Logo as meninas começariam a rondar e eu
poderia perder meu irmão.
“Sim, eu sou uma irmã ciumenta”.
— Oi, meninos, como foi à aula hoje? — Léo embarcou no banco da
frente e os meninos no banco de trás.
— Foi legal! — Xing ling respondeu, com seu sotaque chinês. — Mas
Léo ficou de olho na Carla, a aula inteira.
— Na Carla? — Eu perguntei erguendo as sobrancelhas. — Coloquem os
cintos, meninos. — Eles puxaram os cintos de segurança e eu manobrei para a
via.
— Nada a ver! Você deve ter comido muito sushi com molho shoyu. —
Léo respondeu, rabugento.
— Dãr, eu nem gosto de sushi! — Ele mostrou a língua para Léo.
E eu comecei a rir.
— Nunca vi um chinês que não gostasse de sushi! — Falei rindo.
— Prefiro um hamburgão! — Xing Ling disse dando de ombros.
— Nisso eu tenho que concordar, é um nojo comer peixe cru! — O
Cabeça falou. — Prefiro até feijão com arroz!
Depois de deixar os meninos nas suas respectivas casas, chegamos ao
nosso apartamento. Depois que consegui o trabalho na advocacia, consegui
mudar para um apartamento de classe média próximo do serviço da minha mãe,
que agora havia começado a trabalhar numa galeria de artes, como secretária.
Apesar dela não querer mais pintar como ela fazia antigamente, trabalhar numa
galeria a deixava feliz. Ela amou o trabalho e eu fiquei feliz por ela estar feliz.
— Chegamos! — Larguei minha bolsa no balcão do hall, e Léo passou
por mim em passos rápidos, indo em direção à cozinha. — Calma, moço! — Eu
disse rindo.
— A conversa sobre comida, me deu fome. Será que sobrou aquele bolo
de carne de ontem? — Ele disse desaparecendo através da porta. Léo estava na
idade da pré-adolescência e se eu me lembro bem, é aquela idade que comida
nenhuma no mundo é suficiente.
— Oi, vocês chegaram! — Mamãe entrou na sala, usando um lindo
vestido floral.
— Oi, mãe, como foi no serviço?
— Tudo ótimo querida, seu Claudio está comprando mais uma obra de
arte pra expor. Agora acho que vai conseguir um Portinari.
— Sério mãe? Que legal. E seu Claudio ainda continua te cortejando? —
Perguntei rindo.
— Ai, aquele velho, se não fosse tão bonito e meu chefe, já tinha dado
umas bronca nele.
— Se não fosse tão bonito, em? — Eu cutuquei seu braço.
— Para Camila, e nem vem, você também ainda não deu uma chance
para o seu colega de trabalho.
— Você sabe que eu não estou pronta. — Bufei, mudando totalmente
minha expressão de alegre para aborrecida.
— Você precisa seguir em frente, Camila. Não esqueça que você tem
uma vida para ser vivida. — Ela me lançou um olhar reconfortante.
— Eu sei. Eu vou ligar pra ele qualquer dia desses. — Dei de ombros.
— Vo...cês duuuas são minhas, nen..ma vai namorar! — Léo chegou à
sala, devorando um pedaço de bolo de carne, e falando com a boca cheia.
— Ninguém está falando em namorar, só em sair com amigos! —
Mamãe disse e ele a fuzilou com o olhar.
— Pare de ser tão ciumento, garoto! — Mamãe falou, rolando os olhos.
— E a propósito, Vic e Jorge virão jantar aqui hoje à noite.
Léo engoliu a comida. — Será que a Carla vem?
— Provavelmente. — Eu respondi segurando o riso.
— Preciso ir tomar banho! Tchau. — Ele se virou e saiu às pressas para
o seu quarto.
— Ei, garoto, espera baixar essa comida antes de lavar o cabelo. —
Mamãe gritou. — Ele realmente tem uma paixonite por Carla. — Ela chacoalhou
a cabeça.
— Tem sim. — Concordei, sorrindo.
Quando Jorge e Vic foram morar juntos, não demorou muito tempo para
que os dois quisessem ter filhos, então quando conheceram a Carla, eles se
apaixonaram pela pequena garota. A mãe da Carla tinha morrido numa troca de
tiros envolvendo a gangue do W, assim que a polícia chegou ao local, levaram
Carla para a adoção, pois a pobre criança não tinha nenhum parente vivo, ou
disposto a ficar com ela. No dia seguinte, Jorge e Vic entraram com um pedido
de adoção e apenas alguns meses depois, a adoção foi liberada para eles. E
agora, depois de todo esse tempo, Carla se transformou na menina doce e linda
que sempre imaginei que se transformaria. Vic e Jorge estão se esforçando para
dar a ela um futuro digno e boa educação, e como a One não para de crescer,
dinheiro é o que não falta para eles pagarem a melhor faculdade que Carla queira
fazer. Eles formam uma família linda.
***
Vic e Jorge chegaram horas mais tarde para o jantar. Vic tinha aderido à
moda da braba bem-feita, e até que combinou com ele. Jorge continuava com seu
estilo sofisticado, acho que isso nunca mudaria, e Carla continua uma princesa,
com seus cabelos claros compridos e pele bronzeada.
Estava na cozinha pegando os pratos para pôr na mesa, quando Carla
pediu se eu queria ajuda. Agora com seus 13 anos ela é uma adolescente linda
que com certeza se transformará numa bela mulher.
— Obrigada, Carla. — Eu disse entregando a ela alguns pratos.
— De nada tia, mas eu... Eu queria falar com você na verdade. — Ela
disse envergonhada.
Me recostei na pia, e a observei, ela fitava o chão e seu peito subia e
descia apressadamente.
— O que foi querida? O que está te deixando nervosa?
— É que bem, eu queria falar com meus pais sobre isso, mas já foi uma
confusão no ano passado com a história da menstruação, então não quero nem
pensar no que eles farão quando descobrirem que eu estou apaixonada.
Eu sorri me lembrando do festão que Jorge e Vic fizeram para Carla, com
direito a brinde de champanhe e buque de flores, e até uma apresentação feita
pelos três, com passos ensaiados da música Run the World da Beyoncê, uma
comemoração fodastica por ela estar se tornando uma mulher. Achei aquilo o
máximo e foi uma das festas em que eu mais me diverti nos últimos tempos e
que com certeza entraria para a história da One.
— Você está apaixonada? — Ela concordou. — E quem seria o sortudo?
— Vamos falar que, hipoteticamente, ele se parece muito com Léo. —
Suas bochechas coraram e eu sorri.
— E qual a sua dúvida?
— Digamos que, hipoteticamente falando, será que um garoto como Léo
iria gostar de alguém como eu?
— E por que não gostaria? — Perguntei confusa.
— Não sei, mas me sinto insegura, ter dois pais é algo que assusta os
meninos.
— Não se preocupe com isso. Nem Jorge, nem Vic são do tipo de pais
que vão ficar armados esperando seu namorado. Eles vão ficar feliz por você, e
aposto que Léo também. — Seus olhos se arregalaram. — Não se preocupe, não
vou falar nada para ele. Quando você estiver pronta, você mesma falará de seus
sentimentos. Mas vocês são novos ainda, estão apenas na adolescência, tem
muito chão pela frente.
Ela sorriu.
— Obrigada, tia Camila.
Durante o jantar inteiro percebi como Léo olhava para ela, e ela olhava
para Léo, os dois eram tão fofos tentando disfarçar o quanto se gostavam. Esse
amor adolescente é tão gostoso de viver e curtir.
Depois do jantar, Vic e eu fomos até a sacada do apartamento, eu já tinha
percebido pelos olhares furtivos que ele jogava em minha direção durante o
jantar, que ele queria falar comigo.
— Então, como vão as coisas, meu chuchu! — Ele perguntou sorrindo,
estava debruçado no beiral da sacada. A noite estava quente e as estrelas
brilhavam alto no céu, e os carros passavam lá embaixo, num tráfego lento.
— Não me chame mais assim Vic, já deixei de ser um chuchu faz tempo.
— Eu ri, e me apoiei ao seu lado.
— Ah, agora vai me dizer que você se transformou numa velha
rabugenta aos vinte e cinco anos?
— Não é isso tá, é que chuchu eu não sou mais, talvez uma abóbora.
— Abóbora? — Ele riu. E eu não consegui conter o riso.
— É sério, Camila. Como estão às coisas? E eu não estou falando
financeiramente ou do trabalho, por que isso, eu sei que está tudo bem, quero
saber da parte do coração.
— A parte mais difícil, né?! — Eu suspirei e ele concordou. — Bem...
Essa parte está se reconstruindo aos poucos, eu acho.
— Mas já faz sete anos, Camila!
— Eu sei, eu sei que está demorando um pouco mais do que eu achava,
mas nada e nem ninguém vai ser igual novamente. Eu não sei o que acontece
comigo, Vic. — Bufei frustrada. — Eu deveria odiá-lo eternamente, deveria ter
esquecido ele, mas não consigo. Quanto mais eu tento mais eu sofro. É como se
tentasse arrancar uma parte de mim. Eu me odeio por causa disso. — Suspirei.
— Mas e quem disse que você precisa odiá-lo?
— Mas como eu posso amar o homem que matou meu pai? Você já
imaginou se um dia nós casássemos, e ele tivesse me esperando no altar? Eu
deveria estar entrando na igreja com meu pai para casar e só não vou, por que
estou casando com o homem que o matou. Você entende?
— Eu não estou dizendo que é pra você casar com ele. Só perdoá-lo.
Jorge foi semana passada visitá-lo, e você não tem ideia Camila, as coisas
horríveis que Jorge me contou, pelo que Felipe passou e está passando. Ele disse
que Felipe pediu de você.
— Eu não consigo perdoá-lo. Cada vez que me lembro dele, eu me
lembro do meu pai, e de que eu não tenho mais ele. — Suspirei.
— E assim do que adianta? Com esse rancor todo, você apenas não tem
nenhum dos dois.
— Eu sei que você está certo. Eu apenas não quero vê-lo, não quero
saber dele. Seria mais fácil se ele não existisse.
— Não diga isso. Eu passei por muita coisa até aprender que não se
importar com que os outros pensam é o que te faz realmente feliz. Então não
pense no que os outros acham, faça o que seu coração manda. E ainda por cima,
Jorge me falou que por bom comportamento, Felipe pode sair em condicional e
não ter que cumprir os dez anos, só depende da advogada e do juiz assinarem os
papéis.
— Nossa... — Chacoalhei a cabeça desacreditada. — Sabe, com isso, eu
não sei se fico com raiva por ele não cumprir sua pena pelo que fez com o meu
pai, ou feliz, por ele ser livre.
— Não se preocupe. Pelo estado que Jorge me falou que ele estava, ele já
pagou por tudo o que ele fez Camila. Só por não poder estar com você. — Ele
me encarou, sua expressão triste. — Você foi o castigo dele, Camila.
Capítulo 49
Felipe

“Dez anos, dez intermináveis anos”.
Quando recebi a notícia de que eu poderia sair da prisão três anos antes
da minha pena ser cumprida, eu quase nem acreditei. Esses foram os sete piores
anos da minha vida.
Durante esse tempo, passei a maioria do tempo na solitária, pois era a
única maneira que os guardas encontraram de me manter vivo. Depois que
descobri o que eu fiz, que eu havia matado o pai de Camila, a única solução que
achei para me redimir dessa merda toda, era me matando, e tentando acabar com
toda a dor que me consumiu de vez. Eu sabia que ela nunca me perdoaria, então
do que adiantaria viver?
A primeira tentativa foi um mês depois da sentença, tentei me matar me
enforcando na cela, usei os lençóis para fazer uma corda, mas o guarda que
vigiava durante a madrugada conseguiu me soltar antes que eu morresse. Eu
quase consegui naquela vez, senti o ar sumir dos meus pulmões e meu coração
se espremer no peito, meus dedos se torceram sofrendo pela falta de ar que
percorria as células do meu corpo. Mas aquilo não chegava nem perto da dor que
eu sentia por ser a causa do sofrimento de Camila. A segunda tentativa, foi
cortando os pulsos com uma lasca de madeira que arranquei da cama e afiei no
chão de concreto, até ela se transformar numa lâmina. Fiquei internado por duas
semanas, até estar apto a voltar para a prisão, essa vez, eu quase consegui, mas
talvez seja impossível matar algo que já está morto.
Mas então quando Samara apareceu no hospital e me contou que eu seria
tio, e que ela queria que o filho dela conhecesse o tio, o homem mais importante
na vida dela, eu tive que prometer a ela que não tentaria mais nenhuma
estupidez. Depois que fui preso, ela se juntou com Marcelo, e eu dou graças a
deus por ele ser um bom homem e estar fazendo minha irmã feliz. Ela vem me
visitar sempre que pode, mas ainda não tive a oportunidade de conhecer meu
sobrinho, o pequeno Enzo. Já meus pais, nunca mais falaram comigo e Samara
faz questão de não os visitar também, a família Vasconcelos chegou ao fim e se
desmanchou.
Com tudo o que aconteceu, passei quase todos os meus dias, sozinho
dentro desse quarto, somente com meus pensamentos. Pensamentos que me
levam sempre a uma só pessoa: Camila. Eu me odeio tanto por ter feito isso, por
não poder ter sido o que ela esperava que eu fosse. Eu simplesmente me
considero um monte de merda, que nunca, jamais irá ser perdoado. E amar a
única pessoa que me odeia acima de tudo no mundo, talvez seja a forma de
antecipar a minha ida para o inferno.
Então quando a advogada chegou para me avisar que na quinta feira eu
iria ser liberado em condicional, com o aval dela e do juiz, eu não sabia dizer se
estava aliviado por sair dali, ou aflito, por ter que enfrentar um mundo onde
Camila não me amasse. Um mundo sem ela.
Jorge, sempre vem me visitar também, e eu sei que ele é o único que tem
contato com Camila, e apesar de saber que ele não gosta muito de falar sobre ela,
eu não posso deixar de pedir, de saber se ela está bem. Descobri que ela
conseguiu tudo o que sonhava. Que se transformou numa advogada, e que
comprou um apartamento muito melhor no Rio de Janeiro e que vive com seu
irmão e sua mãe. Mas meu interesse principal era saber se ela estava com
alguém, e quando Jorge disse que não, uma sensação de alivio tomou conta de
mim. Mas não sei por que eu ficava-me engando, mesmo ela não tendo ninguém,
ela nunca mais seria minha.
E eu merecia sofrer por isso, merecia quebrar. Na verdade, eu estava tão
quebrado que nunca mais conseguiria juntar os pedaços de mim. Eu me sentia
como aqueles quebra-cabeças enormes com mais de mil peças que é quase
impossível de montar, e que sempre está faltando uma peça. Mas eu sabia qual
era a peça.
Era o amor de Camila.
Capítulo 50
Camila

Cheguei ao escritório exatamente às 07h41min da manhã. Como toda a
manhã, larguei minha bolsa em cima da cadeira que ficava ao lado da entrada da
porta, dei água para minhas plantas, um vaso de lírio branco e outro menor que
ficava em cima da mesa, com violetas, e abri as cortinas pra deixar o sol da
manhã entrar. Olhei pela janela reparando que o dia já começou a toda hoje. O
movimento na avenida estava intenso e eu sempre preferia sair cedo de casa
exatamente por isso, para não pegar congestionamento. Liguei o computador e
abri meus e-mails. Logo um e-mail de minha chefa Marcia, apareceu na minha
caixa de entrada.
Bom dia Camila
Desculpa ter que te pedir esse favor, mas é muito importante.
Acabei pegando uma gripe muito forte e tive que ir para o hospital.
Na minha sala tem uma pasta de um caso que hoje eu assinaria os papéis
para liberação de condicional de um réu. Você precisa ir no meu lugar e
assinar por mim. Qualquer coisa me deixe recado no whats, pois estarei
meio incomunicável enquanto estiver no hospital.
Lembre-se que você quem deve analisar o caso e assinar os papéis,
sem sua concessão o réu não será liberado.
Obrigada Camila.
ATT: Marcia Lopez
Digitei outro e-mail para ela.
Bom dia Marcia
Não precisa se preocupar. Qualquer coisa que precisar é só me
avisar.
Melhoras.
ATT: Camila Alves
Desliguei o computador e fui até a sala de Marcia, peguei as pastas e
expliquei para as secretárias o ocorrido. Passei para elas e para Vinicius os
afazeres do dia e me dirigi para o tribunal.
Cheguei lá e fui direto a sala do Juiz, que era uma espécie de câmara, na
qual fui escoltada por um policial. Ao entrar na sala, o juiz já estava lá me
esperando.
— Bom dia, vossa excelência. — Falei arrumando os papéis em cima da
mesa.
— Bom dia senhorita, onde está à advogada Lopez?
— Ela estava indisposta hoje senhor, e me pediu para assumir o caso no
seu lugar.
— Certo, tudo bem. A polícia me informou que o réu demorará alguns
minutos ainda para chegar, devido que estava preso na solitária.
— Mas como um réu que estava preso na solitária vai ser solto por bom
comportamento? — Aquilo me deixou confusa. Normalmente presos eram
colocados na solitária por má conduta.
— Ele estava preso na solitária, não por ser um presidiário violento, mas
sim, por que tentou se matar durante sua estadia na prisão, então os guardas
resolveram mantê-lo na solitária para impedir que se suicidasse.
— Nossa, que horror. Será que ele tem algum problema psicológico?
— Foram feitos testes, mas tudo indica que não. Você não deve estar a
par do caso, como a advogada Lopez estava, mas o rapaz...
O som do celular do juiz começou a soar alto.
— Me perdoe, mas preciso atender.
— Sim, claro, eu vou buscar um copo de água. Eu sei como essas coisas
demoram. — Ele sorriu para mim e assentiu.
Saí de dentro do local com a cabeça baixa. Estava distraída, pensando em
todos os motivos que levam uma pessoa a querer tirar a própria vida. Continuei
caminhando pensando em todas as possibilidades que poderia levar uma pessoa
a cometer suicídio, ter depressão, ou estar numa situação de vida que a morte é a
melhor saída, deve ser horrível. Nunca tinha parado para pensar, mas quando se
chega numa situação em que morrer é melhor do que viver é por que realmente a
coisa deve estar ruim. Por duas vezes eu acho que passei por isso, cheguei a
acreditar que a morte seria a melhor opção para mim, a primeira quando meu pai
morreu e a segunda quando descobri que havia sido Felipe quem tinha o matado,
mas eu tinha Léo e mamãe para me apoiarem, eles precisavam de mim, e nesse
momento eu percebi como ter apoio em momentos tristes como esses, é
importante.
E quando senti já era tarde demais. Meu corpo se chocou e eu caí de
joelhos no chão.
— Oh, meu Deus, me desculpe, eu não tinha visto. Eu estava distraída.
— Eu me levantei, ajeitando minhas roupas rapidamente.
— Você ainda continua caindo aos meus pés!
Aquela voz, aquela frase, foi como se eu tivesse levado um choque e
voltado há anos atrás. Uma corrente elétrica passou pelo meu corpo queimando e
ao mesmo tempo fazendo todo ele arder. Encarei Felipe na minha frente, sem
acreditar que era ele quem eu via. Seus olhos tão azuis continuavam os mesmos,
e aquele sorriso com covinhas também. Ele usava o macacão laranja da prisão e
atrás dele, o segurando, estava um policial que o empurrou indicando a direção.
Seus olhos brilharam para mim, e seu sorriso se desfez devagarinho, ele
se aprumou e passou por mim sendo escoltado pelo policial.
E eu fiquei sem reação, o olhando, enquanto eles entravam pela porta que
eu a recém havia saído.
Capítulo 51
Felipe

“Puta saco!”
Como ela está linda, apesar do cabelo estar mais curto, na altura dos
ombros, seus olhos verdes cristalinos continuam os mesmos. Sempre sonhei com
o dia que a veria novamente. Sempre sonhei com ela correndo em minha direção
e pulando em meus braços abertos, que eu envolveria seu corpo junto ao meu e a
giraria no ar, eu a beijaria, matando a saudade que estava acabando comigo, mas
não foi bem assim que aconteceu. O que eu imaginava era apenas um sonho
distante e impossível e não a realidade que acabara de acontecer.
Eu não acredito que ela simplesmente caiu aos meus pés, ela continua
desastrada. E o choque em vê-la, em sentir aquele perfume doce que
praticamente me invadiu, foi como um tiro que atravessou meu coração. Ela
ficou tão surpresa quanto eu, seus olhos percorreram meu rosto, identificando-
me, assim como fiz com ela. Ah, como eu queria abraçá-la e beijá-la, e dizer o
quanto eu estava com saudade, mas eu sabia que isso jamais aconteceria.
O policial que me escoltou me pôs sentado na frente do juiz que
terminava uma ligação. Assim que ele desligou o parelho, explicou a situação.
— Advogada que cuidou do seu caso, não pôde comparecer, por isso
mandou uma advogada de sua confiança no seu lugar. Só vamos esperar ela
voltar para darmos início ao protocolo e assinar os papéis.
“Eu precisava da assinatura de Camila para ter minha liberdade, foi
isso que eu entendi? Puta merda!”
Somente com o consenso do juiz e da advogada de defesa, eu poderia sair
em condicional da prisão. Mas eu sabia que Camila não assinaria aqueles papéis.
“Como ela poderia libertar o homem que matou seu pai?”
A porta se abriu alguns minutos depois, e Camila entrou na sala. Ela
deveria sentar ao meu lado como minha advogada de defesa, mas ela puxou a
cadeira o mais distante que conseguiu de mim e se sentou toda tensa, seu rosto
estava vermelho, mas não sabia dizer se era de raiva ou por que ela havia
chorado. Eu podia sentir que ela estava desconfortável com isso e que parecia
que a qualquer momento iria vomitar.
— Bem, como informei nesta manhã, eu vim como substituta e não tive
tempo de ler e ver sobre qual caso teria que dar o aval. Sinto que como a
advogada Marcia Lopez me pediu para avalizar essa diminuição de pena, eu
devo cumprir com o combinado. Mas preciso analisar o caso primeiro.
— Certo. — O juiz concordou. — O réu Felipe Vasconcelos está tendo
sua sentença diminuída por bom comportamento, após suas duas tentativas de
suicídio. — Camila me lançou um olhar furtivo, mas logo o desviou. — Assim o
deixamos na solitária por algum tempo, até ele perceber que o suicídio não era o
melhor caminho.
— Mas como vocês não o ajudaram? — Ela perguntou com um tom de
voz que eu pude identificar como preocupação? — Ele precisava de uma
psicóloga, algo assim!
Ela praticamente esbravejou e o juiz a encarou repreendendo sua atitude.
Por um momento, senti que ali estava a Camila que me amou, a Camila que senti
tanta saudade. A Camila que ainda estava impregnada no meu coração e em cada
pensamento que eu tive naquele lugar.
— Foi feito o que era melhor para o presidiário. Acho que você não está
apta a ajudar nesse caso, senhorita Camila Alves.
— Caso o senhor não saiba, Felipe Vasconcelos foi preso há sete anos
por dirigir drogado, e matar meu pai. Acho que não há ninguém melhor do que
eu, para dar esse aval. Apesar de ele ter tirado uma vida inocente, a vida do meu
pai. Eu quero continuar. — Ela disse firmemente, e vi que suas mãos que
estavam apoiadas em cima da mesa, se encolheram ao ponto de seus nós nos
dedos ficarem brancos.
O Juiz a encarou assustado quando ela pronunciou essas palavras, e
depois me encarou.
— Obrigado. — Eu sussurrei para ela. Ela se virou abruptamente me
encarando.
— Que fique claro Felipe, que isso não sou eu te perdoando, mas sim, o
certo a se fazer.
Com isso ela pegou a folha que o juiz segurava e assinou, empurrou a
cadeira para trás ao se levantar e saiu da sala, sem olhar para trás.
E com isso, eu não sabia se me sentia feliz ou infeliz. Ela nunca me
perdoaria. E eu nunca vou merecer o seu perdão, mas quando ela me encarou, eu
senti aquela corrente pulsar através de nós, seguindo uma em direção a outra,
pinicando cada parte do meu corpo e dando sinal de vida. Essa eletricidade
estava apagada, e assim, ao vê-la, ao senti-la tão perto de mim, foi como se tudo
voltasse, como se algo em mim vivesse novamente.
Capítulo 52
Camila

Saí da sala, segurando-me para não chorar. Mantive minha expressão
séria até chegar ao banheiro, e ali sim, pude desabar. Esses turbilhões de
emoções que me invadiram ao vê-lo eram quase impossíveis de aguentar. Meu
peito parecia que iria explodir a qualquer momento. Meu coração batia tão
rapidamente que acho que uma costela saiu do lugar, e não estou exagerando,
nunca imaginei vê-lo depois de tudo, e não estava preparada para isso agora. Fui
tomada pela aquela eletricidade que passava entre nós, e as lembranças que tanto
sufoquei voltaram com tudo, esmagando meu coração e invadindo meu cérebro.
Ele matou meu pai, mas sinto que ele se arrependeu. Claro que se arrependeu,
ele tentou se matar. Ele queria morrer por ter feito isso. Pra que prova maior?
Mas cada vez que pensava nele, imaginava meu pai morto, meu pai sendo tirado
de mim e em todas as coisas que perdi de fazer com ele. E agora, ao ver Felipe,
ao invés de sentir o ódio que eu vinha remoendo constantemente durante esses
sete anos, fui praticamente abatida pela saudade. Saudade de seu toque, do seu
beijo, de suas frases maliciosas, do seu perfume. “Como isso pode ser? Como
posso ainda amá-lo tão intensamente depois de tudo? Eu não quero amá-lo, não
devo amá-lo”. Eu não posso perdoá-lo, jamais me perdoaria se fizesse isso.
Então eu chorei, chorei e senti que cada gota de água que havia em meu corpo
estava sendo drenada através de lágrimas.
Quando me levantei do chão do banheiro quase uma hora depois, me
encarei no espelho e me deparei com meu rosto vermelho e inchado, e lágrimas
ainda escorrendo lentamente pela minha bochecha. Funguei e respirei fundo,
lavei o rosto e contei até dez, até meu corpo parar de tremer. Aprumei-me e
alisei minha camisa branca e saia lápis, e saí do banheiro com o pensamento de
que tudo que Felipe e eu tivemos ficou para trás, no passado. Mesmo sentido a
intensidade na qual ele me levava, eu sabia que me afastar dele para sempre, era
o certo a fazer.
Uma hora mais tarde, cheguei em casa. Mamãe ainda não tinha voltado
da galeria e Léo ainda estava na escola. Fui até meu quarto que era todo pintado
em azul céu, e larguei minha bolsa em cima da minha cama, que tinha uma
colcha azul escuro. Sentei na cama para tirar minhas sandálias de salto alto.
Horas se passaram e Felipe ainda invadia meus pensamentos. “Será que ele tem
onde ficar?” Ele tinha brigado com seus pais um tempo antes de ser preso, ele
não tinha para onde ir. “Será que Samara o ajudaria?” Eu não deveria estar
preocupada, mas apesar de tudo, ele foi o único que transformou meus dias
cinzas, num lindo arco-íris. O que vivemos foi lindo de várias maneiras, mas
ainda assim, sugou toda a vida de mim.
Tirei minhas roupas e tomei um banho demorado, sem conseguir para de
remoer no pensamento onde ele estava, se estava bem, e ao mesmo tempo, me
martirizando por estar preocupada com o homem que matou meu pai. Era tão
difícil, eu poderia colocar o Felipe que eu odiava extremamente de um lado e o
Felipe que eu amava incontrolavelmente, do outro.
“Por que ele não pode ser duas pessoas diferentes?”
Quando saí do chuveiro vesti-me com meu pijama e deitei na cama, não
tinha fome, só queria ficar sozinha com meus pensamentos. Porém assim que
deitei em minha cama e me embrulhei no conforto de minhas cobertas, alguém
bateu na minha porta.
— Filha você está aí?
— Sim, mãe.
— Posso entrar?
Pensei por alguns instantes. Não queria que ela me visse assim, mas eu
precisava de seu conforto agora.
—Tudo bem.
Ela abriu a porta devagar e quando seus olhos se prenderam a meu rosto,
seu semblante mudou de curiosa para preocupada.
— O que aconteceu, Camila? Não se sente bem, querida? — Ela andou
rapidamente até chegar na minha cama e ficou em pé me encarando. — Filha
você andou chorando? O que aconteceu?
E assim sem mais nem menos, as lágrimas que achei que tivessem
secado, voltaram abundantes. Mamãe logo se sentou ao meu lado e me
aconchegou em seus braços. Por alguns minutos ela deixou que eu chorasse em
seu ombro, sem fazer nenhuma pergunta.
— Calma, meu amor. — Ela disse, passando as mãos sobre meus
cabelos, enquanto meu coração quebrava mais um pouquinho.
Eu funguei fundo e limpei as lágrimas com a barra da manga de meu
pijama. Então contei tudo para mamãe, sobre o pedido da minha chefa e até de
eu ter ficado no banheiro chorando e meus motivos de ter feito tudo isso.
— Camila, eu sei que é difícil, mas eu acho que você fez o certo. Felipe
foi tão culpado quanto seu pai. Ele poderia estar chapado, eu sei, mas seu pai
atravessou a rua, bêbado. Os dois tiveram sua parcela de culpa. Eu sempre falava
pro seu pai, que um dia alguma coisa ruim iria acontecer por causa de suas
bebedeiras.
— Mas mãe, eu não posso amá-lo.
— Camila, — Ela passou a mão no meu rosto. — não mandamos no
coração. Você pode até tentar enganá-lo com seu cérebro, mas se o coração
tomar a frente, você nada, e nem ninguém poderá mudar isso. E filha... Eu vi
você durante esses sete anos, se isolando do mundo, se martirizando e sofrendo,
não quero ver você assim. Eu quero que você volte a ser aquela Camila alegre,
que sorria todo dia, que lutava pelos seus sonhos, e você era assim quando estava
com Felipe. Você pode tentar negar o quanto quiser, mas as mães têm um sexto
sentido, eu sempre soube desde a primeira vez que vi Felipe, que vocês eram
muito mais do que colegas. Ele te olhava como seu pai me olhava. Eu me
desculpo por não ter tido esta conversa antes com você e sinto muito por você
estar passando por tudo isso. Mas o destino é assim, nos prega uma peça e nos
impõe a prova para ver se somos merecedores de seja lá o que Deus planejou
para nós.
— Obrigada mãe, por não me culpar. — Eu a abracei novamente.
—Te culpar por amar? — Ela sorriu. — Jamais te culparia por tentar ser
feliz.
Ela me abraçou apertado e beijou minha testa, e apesar de eu ter 25 anos,
nesse momento, me senti a menininha da mamãe, a menininha que precisava de
conforto e paz.
No dia seguinte, levantei sentido uma leve dor na cabeça, parecia que
minha cabeça estava pesada, e sabia que isso era pela minha choradeira do dia
anterior. Troquei-me vestindo um vestido estilo envelope creme com rendas no
barrado e deixei meus cabelos soltos, calcei minhas sandálias e fiz uma leve
maquiagem. Chequei minha lista de afazeres para hoje, tinha somente alguns
papéis de intimação para transcrever e enviar, e algumas ligações para fazer.
Agradeci por hoje meu dia não estar cheio, o dia de ontem tinha esgotado
minhas energias da semana, talvez até do mês.
Tomei café com Léo e mamãe que também já se preparavam para seu
dia. E dei graças a deus pela família maravilhosa que eu tinha. Eles eram minha
única âncora, nessa minha vida confusa e enlouquecedora.
***
Meu celular começou a tocar e por sorte a sinaleira a minha frente ficou
vermelha, parei o carro e peguei meu celular da bolsa que estava no assento do
passageiro.
— Alô!
— Oi, Camila, como você está? — Vic perguntou.
— Eu estou bem.
— Jorge falou com Felipe ontem, soubemos de tudo o que aconteceu.
Você está bem com isso mesmo? Não minta para mim, menina.
— Não. Não estou Vic. — Falei suspirando. Eu não conseguia mentir
para meu melhor amigo.
— E o que você vai fazer agora?
— Eu não sei bem, mas de uma coisa eu já me decidi, vou esquecê-lo
completamente. Quero sair, encontrar alguém legal e me divertir. Deixar tudo o
que aconteceu no passado, acho que isso que eu vou fazer, Vic.
— É assim que se fala, garota. E se divertir é comigo mesmo! Sábado
vem na One, vamos dançar e beber. O que você acha?
Talvez sair não seja má ideia, talvez, dar um tempo para tudo isso e beber
algumas, seja o que eu estou precisando.
— Claro, eu vou sim, faz muito tempo que não me divirto e estou
precisando disso. Preciso desligar Vic, a sinaleira vai abrir. Beijos gostosos nessa
sua careca brilhante. Manda um beijo pra Carla. Até.
— Sim, pode deixar. Beijos minha loira.
Capítulo 53
Felipe

Ontem quando fui liberado e saí de dentro do prédio, Samara já me
esperava.
— Oi, pirralho, que saudade de te abraçar.
— Ei, Samara, tudo bem?
Nós nos abraçamos e eu a rodopiei no ar, apesar da minha irmã vir me
visitar sempre que possível, eu tive saudades desse contado, desse abraço que só
ela sabia dar. Nós choramos de alegria e sorrimos.
— Vem, tem alguém que está louco para te conhecer!
— O pequeno Enzo? — Perguntei, com olhos cheios de lágrimas de
alegria.
— Vamos irmão. Você agora tem a chance de recomeçar.
Embarquei no seu carro, ela dirigiu e eu fiquei só olhando pela janela,
observando tudo o que eu perdi, o que havia mudado na cidade. Prédios estavam
diferentes e casas haviam sido pintadas, ruas feitas e sinaleiras instaladas. Era
como se quando se é preso, você ficasse preso numa parte do tempo, e quando
finalmente sai de lá, tudo está diferente, até mesmo o cheiro do ar, e a cor do sol.
Tudo é diferente.
Por vezes eu acreditei que eu não aguentaria, mas encontrei na promessa
que fiz a Samara a força que eu precisava para conseguir sobreviver aquele
lugar.
— Fizeram uma pracinha no parque das arraras? — Perguntei.
— Sim, projeto do novo prefeito. — Samara explicou.
Assenti, vendo as crianças correndo no parque e os cachorros latindo em
direção aos bumerangues sendo atirados.
Samara, apesar de já ser mãe, continuava com sua beleza intacta, e
quanto mais velha ficava mais parecida com nossa mãe ela estava, mas somente
na aparência. Chegamos até sua casa, era uma casa enorme que ficava num
bairro chique e tranquilo. Ela tinha ganhado a herança de nossos pais, e Marcelo
como também era de uma família rica, dinheiro não era problema para eles.
Ela me acomodou num quarto de hóspedes, e me mostrou a casa.
— Samara, muito obrigado, mas eu prometo que será apenas por um
tempo.
— Não se preocupe com isso. Você é meu irmão e eu passei sete anos
sem tê-lo para mim, e o que eu menos quero no momento, é ver você partir
novamente. — Ela deu um doce sorriso.
— E onde está Enzo e Marcelo?
— Marcelo foi buscá-lo na escolinha. Já devem estar chegando. Vá
tomar um banho que eu vou preparar um jantar maravilhoso para comemorar sua
volta.
— Certo. — Sorri. — E obrigado de novo.
Voltei para o quarto e percebi que não tinha muitas coisas comigo, muitas
de minhas roupas antigas tinham ficado no meu apartamento antigo, o qual
Samara me fez o favor de cuidar. Então logo que eu arranjasse um emprego, eu
voltaria a morar lá.
Entrei no banheiro e retirei minha roupa, liguei o chuveiro e deixei a
água quente escorrer pelo meu corpo. Eu senti falta disso, de tomar um banho
demorado, sem me preocupar, senti falta de poder respirar um ar límpido e me
sentir livre. Era bom se sentir livre.
Lavei meu corpo, e segurei a espuma de lavar na minha mão, lavando
meus braços e ombros, e assim que vi os cortes que eu mesmo fiz em meus
pulsos, parei, deixando as lembranças de ter feito isso, me consumirem. As
cicatrizes eram espeças e em relevo alto sobre a pele de meus pulsos, eram
horríveis, mas também eram um aviso de que nem mesmo a morte, me salvaria
de todo mal que causei.
Samara tinha me arrumado umas roupas de Marcelo para eu vestir, que
ficaram boas. Por sorte, eu e Marcelo tínhamos uma estrutura corporal parecida.
Saí do quarto e encontrei-os na sala. E lá estava meu sobrinho, com seus quatro
anos e meio, ele era lindo e muito parecido com Samara.
— Ei garotão, vem aqui com o tio.
Ele sorriu para mim, e suas convinhas se aprofundaram nas suas
bochechas rosadas e gordas, seus dentinhos brancos se destacando no seu sorriso
doce. Ele estendeu os bracinhos para mim e eu o peguei do colo de Marcelo.
Eu sorri para o menino que me encarava especulativo e passando a
mãozinha no meu rosto sobre minha barba.
— Tio. — Ele disse com sua vozinha de criança.
— Isso garotão! — Eu fiz cócegas nele e ele riu.
— Ei, Felipe, é bom tê-lo aqui! — Marcelo cumprimentou.
— Obrigado Marcelo, e obrigado por cuidar da Samy para mim. — Eu
olhei para minha irmã que já estava com seus olhos marejados. Então ela veio e
me abraçou e puxou Marcelo para um abraço em grupo. E esse foi o momento
que depois de muito tempo, eu senti que eu tinha uma família de verdade. Uma
família que cuida e apoia, uma família que ajuda sem julgar e principalmente,
que se ama.
Depois do jantar delicioso que Samara tinha preparado e de muita
conversa, do tipo em que descobri que meus pais haviam ido para uma viajem
sem data para voltar, e tinham deixado a empresa Expensive para Marcelo
administrar, que Samara havia aberto um consultório de pediatria, e como eu já
havia visto e descoberto, que Camila tinha se formado em direito e agora
trabalhava em uma das mais renomadas advocacias do Rio, e que estava
morando em um prédio na área nobre. Fiquei tão feliz por ela ter saído daquele
fim de mundo onde morava, ela merecia algo bom e ela conseguiu, essa é minha
Camila, quer dizer... não minha, não mais.
— Alguém quer falar contigo! — Samara disse me alcançando o
telefone, depois que eu e Marcelo e Enzo estávamos na sala.
— Quem é? — Perguntei.
— Jorge.
Peguei o telefone e atendi. Jorge nunca deixou de ser meu amigo, de me
apoiar, ele se sentiu culpado por tudo que aconteceu também, mas não era culpa
dele. Sempre fui eu, o culpado de tudo.
— E aí cara? — Ele disse alegre.
— Ei, brother!
— Como estão as coisas?
—Tá tudo bem.
— Então a advogada te liberou, que ótimo.
— Sim é ótimo e você nem imagina quem era a advogada. — Falei,
quase engasgando só de me lembrar dela.
— Camila? — Ele perguntou despois de uns segundos.
— Sim, pense no choque que ela levou ao me ver, achei que ela não
assinaria aqueles papéis. — disse francamente, por que nunca pensei que Camila
fosse assina-los, eu me lembro do seu olhar e de suas palavras no dia do
julgamento, eu sentia a sua raiva por mim, achei que ela não fosse capaz de me
libertar.
— Nossa cara, deve ter sido uma barra. Mas Camila é boa, ela sabe o que
é o certo a fazer.
— Sim, ela sempre soube. — Suspirei.
— E o que você vai fazer de agora em diante?
— Não pensei muito sobre isso, mas quero achar um emprego e tocar a
vida com calma, perdi sete anos, agora tenho que recuperar.
— E Camila está envolvida nesses planos?
— Eu só quero que ela me perdoe, então poderei deixá-la em paz.
“Isso não é verdade, eu jamais poderia deixa-la em paz, ela nunca sairá
de meus pensamentos”.
— Entendo. Espero que isso aconteça. Mas vamos começar com uma
comemoração. Sábado venha a One. Vamos beber e conversar como nos velhos
tempos. Aposto que você está precisando disso.
— Claro, acho isso ótimo! Estou precisando consideravelmente de uma
cerveja. — Nós rimos.
Assim que desliguei o telefone resolvi ir me deitar, por que dormir,
duvido que conseguisse. Dei boa noite a todos e beijei meu sobrinho e minha
irmã. Deitei na cama alguns minutos depois, e deixei a cortina aberta para ver a
luz do luar entrar pela janela, e a lua brilhar.
“Senti falta disso também”.
Levantei-me e fui até a janela, e olhei para o céu tão escuro e tão lindo. É
engraçado como até mesmo a escuridão teu seu próprio encanto, sua beleza.
“Será que alguém tão escuro quanto eu poderia reencontrar a sua luz?”
Capítulo 54
Camila

No sábado à noite estava me arrumando para sair, como tinha combinado
com Vic, os encontraria na One. Coloquei um vestido justo branco de alcinha, e
deixei meus cabelos que agora mantinha o corte até os ombros, meio ondulados,
fiz uma maquiagem mais escura para a noite e passei um batom claro, nos pés,
um salto nude de tiras finas.
Quase meia noite, estacionei o carro em frente a One, o segurança, me
liberou assim que dei meu nome. Entrei na boate que estava toda repaginada, as
luzes piscavam a música alta embalava os corpos e todos sorriam e bebiam. Eu
comecei a me animar. Olhei lá em cima avistando Vic e Jorge no camarote
superior e subi até lá.
— Oi, como vocês estão? — Falei animada.
—Ei, Camila, que bom que você veio! — Vic disse me abraçando.
— Camila? — Jorge perguntou em um tom surpreso, o que achei
estranho.
“Será que ele queria ficar sozinho com Vic?”
— Oi, Jorge, tudo bem? Vic me convidou, achei que estava merecendo
um pouco de diversão e paz.
— Sim, claro. — Ele sorriu por entre os dentes. E Vic o encarou com um
olhar de repreensão. Não entendi o motivo.
— Você está magnifica, mon amour. — Vic elogiou, usando um sotaque
francês engraçado.
— Obrigada, aprendi com o melhor, ma cherie!
— Eu sei. — Ele riu. — Vamos beber?
— Pra já!
Vic me alcançou uma taça de champanhe e nos brindamos.
— A nova Camila!
— A nova Camila! — E viramos os drinks. Após vários drinks e
conversa fiada, Vic pegou minha mão e descemos para a pista de dança.
O Dj começou a tocar a música do Alok feat. Iro – Me & You. E eu
dancei ao ritmo da música, dancei deixando cada pedaço do meu corpo se
envolver pela batida da música. Fechei meus olhos e absorvi cada emoção que
retumbava no meu peito. A dor, a saudade, o ódio, o amor, tudo conflitando
dentro de mim e eu só dancei. Dancei tentando fazer tudo passar, tudo acabar.
Ninguém sabe, ninguém vê, ou sente o que eu sinto, percebe pelo que eu estou
passando e não quero que ninguém veja. Prefiro sofrer sozinha do que sentir o
olhar de pena sobre mim, aquele olhar acusatório da garota que se apaixonou
pelo assassino do pai.
E simples assim, quando as sensações, as emoções estavam tomando
conta de mim, eu abro os olhos e lá está ele. O homem que conseguiu me
reconstruir e ao mesmo tempo me destruir. Com apenas um olhar, ele me
transformou em sua marionete, fazendo meu corpo amolecer e somente ser capaz
de se mover se ele o conduzisse. Tudo o que sentia por ele voltou para mim, com
uma força avassaladora. E por um minuto, meu único pensamento foi me agarrar
ao seu pescoço e nunca mais soltá-lo. Eu queria beijá-lo, agarrá-lo, e matar a
saudade que me consumia, e o vendo assim, parado na minha frente me
observando, vendo seu cabelo bagunçado e me lembrando como os fios se
prendiam em meus dedos quando eu os enfiava entre eles, vendo o brilho do seu
olhar analisando-me e praticamente me despindo, vendo seu sorriso maroto e
discreto, aprofundando aquelas malditas covinhas, foi uma enxurrada de desejo e
luxúria tomando posse do meu corpo.
“E como um cara que fica preso sete anos, consegue ficar mais lindo do
que antes?”
Seu cabelo apesar de mais curto, ainda o deixava muito apetitoso e a
barba rala, me fez relembrar do pinicar dela na pele do meu corpo quando ele
beijava meu pescoço ou descia até o meio das minhas pernas. E isso me fez
relembrar de cada noite que passamos juntos, envolvidos nos braços um do
outro, em cada beijo e declaração de amor, em cada olhar roubado e sorriso
dado. E percebi que jamais tinha sido tão feliz na minha vida, e principalmente,
percebi o quanto queria isso de volta.
Ele deu um passo em minha direção, meu peito subia e descia
apressadamente, meu coração batendo em frenéticas batidas. Ele estendeu sua
mão para mim, ela tremia. Eu tremia.
Sua mão escorregou pelo meu braço, e por um instante senti como se a
boate inteira tivesse sumido de nosso redor, somente eu e ele estávamos ali,
embargados na sensação do toque. Ele se aproximou tão lentamente e olhando
tão fixamente para meu rosto que achei que fosse me beijar. Eu engoli em seco,
sentindo meu coração bater forte em meu peito e o nervosismo tomar conta de
mim. Ele desceu sua boca até meu ouvido, e ouvi quando ele inspirou
profundamente meu perfume, meu corpo se manteve tenso.
— Venha comigo, por favor? Eu preciso conversar com você, Camila.
A mera pronúncia do meu nome em sua boca fez todos meus pelos se
arrepiarem. Então como se aquele fio que existia entre nós, jamais tivesse sido
rompido, eu olhei no fundo dos seus olhos e apertei a sua mão.
Ele me levou por entre as pessoas, até desaparecermos num corredor da
boate que dava para uma sala secreta, um tipo de depósito para guardar
equipamentos de som.
Eu não sabia dizer se meu coração estava louco em meu peito pela
emoção de estar com ele, ou pelo fato de que eu não deveria estar com ele. Eu
não devo fazer isso, não devo me deixar envolver.
“Mas o que é isso que me puxa, que me faz ficar apreensiva e ansiosa,
nervosa e impaciente? Será que estou ficando louca?”
Ele soltou minha mão quando passei por ele pela porta. Ele se virou e
trancou a porta atrás de si. Quando me encarou, senti o ar ficar denso ao nosso
redor, como se tivesse uma chuva de eletricidade correndo pelo ar. Era tão forte
que não percebi que eu dava um passo à frente, um passo em sua direção.
— Eu preciso falar com você! Preciso muito explicar o que aconteceu.
Eu não consegui falar nada. Engoli em seco tentando me segurar, tentado
segurar as lágrimas e a dor. Era quase impossível de aguentar.
— Sete anos se passaram, Camila, e você conseguiu se tornar a mulher
fantástica que eu sempre soube que se transformaria. Estou tão orgulhoso da
minha Camila. — Ele engoliu em seco ao dizer isso. — Desculpa, é que para
mim, aqui dentro — ele apontou para o próprio peito. — nada mudou. Eu sei...
Eu sei, você me odeia. Eu me odeio. — Ele sorriu tristemente. — Mas só quero
que saiba que eu nunca soube quem era ele, que eu nunca imaginava que ele era
seu pai, e que jamais eu queria que aquilo tivesse acontecido. Eu sofri Camila,
sofri a cada dia depois daquele acidente ao saber que tinha tirado uma vida. Eu
podia ser um garoto de merda na época, mas eu nunca quis matar uma pessoa. E
isso me martirizava, acabava comigo a cada dia. Então você apareceu, e o que eu
achei ser impossível, aconteceu. Eu amei, eu amei tão intensamente que o que
está plantado no meu peito, adquiriu uma raiz muito forte. Pedir pra você me
perdoar, eu sei que é demais, mas eu só queria que você entendesse.
O encarei, vendo seus olhos brilharem com lágrimas contidas e seu corpo
tremer. Me virei de costas para ele, sem conseguir encará-lo. Tentei fazer essa
ligação sumir, tentei cortá-la sem olhá-lo nos olhos, mas ela estava ali,
trepidando no ar intensamente.
Senti seu corpo se aproximar do meu.
— Camila? Por favor, me diz alguma coisa. Nem que seja que você me
odeia, mas fale comigo. Prefiro escutar você me xingar do que nunca mais ouvir
a sua voz.
Eu suspirei e as lágrimas desabaram, sem que eu conseguisse mais
segurar.
— Por quê? Por que você faz isso comigo? — Eu gritei em meios aos
soluços.
— Desculpa, eu não quero te machucar!
— Mesmo que não seja sua intenção me machucar, você continua me
destruindo. Cada dia que se passou durante esses sete anos, você me destruiu,
Felipe. Me destruiu, saber que nunca mais poderia amá-lo, que não deveria amá-
lo. Me destruiu, saber que nunca mais teria seu corpo junto ao meu, ou que
sentiria o gosto dos seus lábios. Me destruiu, saber que eu tinha te perdido para
sempre e me destruiu mais ainda, saber que apesar de tudo, apesar de você ter
tirado meu pai de mim, eu ainda o amo.
Eu gritei sem conseguir me conter, deixando todo o ódio e paixão
falarem alto.
Então em questão de segundos, ele me puxou em seus braços e me girou,
fazendo-me me apoiar em seu peito. Ele me encarou e eu o encarei, nossos
rostos molhados pelas lágrimas. Me senti tão indefesa envolvida por seus braços
e ao mesmo tempo tão protegida, como se aquilo fosse certo, como se aquele
sempre tivesse sido o lugar que eu deveria estar. Então, me puxando e sem me
dar chances de escapar e sem hesitar, ele me beijou.
Um beijo urgente e preciso... Tão doloroso, mas significativo.
Como se fosse o primeiro e último beijo. Como se nossas vidas
dependessem disso, de que cada cantinho de nossos lábios percorressem o do
outro. Suas mãos foram para minha nuca e minha cintura, me mantendo presa no
lugar. Minhas mãos involuntariamente passaram por seu pescoço, minha boca e
língua trabalhando como se algo tivesse me possuído, e pude sentir o próprio sal
das nossas lágrimas durante nosso beijo. Meu coração e o dele, eu podia sentir
que estavam brigando entre si, para ver qual batia mais rápido, mais intenso mais
forte.
Mas de repente, tudo veio a mim como num baque confuso, e eu o
empurrei para longe. O encarei, sem acreditar que havia deixado me envolver,
sem acreditar que ainda o amava tão intensamente. E quando olhei eu seu rosto e
vi seus lábios inchados pelo beijo ardente e sedento, vi lágrimas em seu olhar, vi
esperança brotando de seus olhos. E então, eu acabei com isso. Eu não daria
esperanças a ele, sabendo que isso jamais poderia acontecer, que isso jamais
aconteceria novamente.
Dei um passo à frente e acertei um tapa em cheio no seu rosto. Ele
chacoalhou a cabeça, e senti a umidade das suas lágrimas na palma da minha
mão, ele me encarou confuso. Eu suspirei profundamente e me recompus, passei
por ele indo em direção a porta. E simplesmente disse, antes de sair e bater à
porta com força:
— Eu odeio amar você!
Capítulo 55
Felipe

Minutos foi o que eu tive, minutos foi o que bastou para não me aguentar
e o impulso de beijá-la tomar conta de mim. Camila, sempre será minha, por que
eu não quero tirá-la de mim. Quero mantê-la no meu coração e em cada espaço
de lembrança dos momentos mais felizes que já vivi na minha vida. Mas seu
olhar, o ódio que senti emanando dela, me perturbou. Ela está em contradição, e
isso eu posso entender, mas não posso fazer nada contra ao que sinto por ela, não
consigo. É impossível deixar de amá-la. É impossível tirá-la de mim.
Sai da boate, e fui direto para casa. Tinha pegado o carro de Samara
emprestado, e acabei dirigindo atordoado, sem conseguir tirar Camila do
pensamento. Aumentei o som do rádio no último volume com a música do
Reação em cadeia - Me odeie aos estrondos, o que fez as lágrimas que eu ainda
tentava segurar, trasbordarem incontrolavelmente.

Me desgrace
Me odeie
Só nunca esqueça
Que eu amei você
Me difame, me odeie
Só nunca esqueça
Que eu amei você

Eu fui aos céus com você


E ao inferno também
Depois de ir às nuvens
Quase caímos no chão

Amar é muito fácil


Difícil é esquecer
Que um dia todo amor
Que tinha
Dei pra você

Se meu pai, o famoso Miguel Vasconcelos me visse nessa situação, tenho
certeza que diria: “Homem que é homem não chora, moleque!” Talvez homens
que nunca amaram não chorassem, mas eu sim, pois eu sei o que é ter o amor da
sua vida em suas mãos e em instantes vê-lo se desintegrar no ar. Partir sem que
você consiga fazer alguma coisa.
Deixei a dor inflar meu peito, e tentei me concentrar no que Camila me
disse: “Eu ainda o amo”. Ela ainda me amava, ainda sentia algo por mim,
mesmo dizendo que odiava sentir isso, o amor ainda estava lá. A sementinha
ainda estava plantada, só bastava regá-la pra que ganhasse vida, e mesmo eu
sabendo que as chances são mínimas de recuperá-la, lutar por amor é a guerra
que deve ser mais bem lutada e a batalha com a melhor vitória a ganhar.
Então resolvi dar um tempo, dar um tempo para ela perceber que o que
temos é mais forte do que qualquer ódio, mas forte do que qualquer dor, mágoa
ou rancor.
Eu simplesmente não vou parar de lutar por algo tão imortal assim.
Capítulo 56
Camila

Corri, sem conseguir olhar para trás.
Eu beijei Felipe e me sinto enjoada, enojada. Como posso ter feito isso?
Sinto como se eu mesma tivesse acabado de matar meu pai ou dançando sobre
seu tumulo.
Encontrei Vic dançando com Jorge.
— Como vocês deixaram isso acontecer? — Eu esbravejei.
Eles me encararam confusos, e assim que viram Felipe sair pela porta do
depósito atrás de mim, arregalaram os olhos, assustados.
— Camila, nos desculpe, não sabíamos que os dois viriam. Eu convidei
você e Jorge convidou Felipe. Não planejamos isso, eu sinto muito...
Eu suspirei fundo em completa frustração. Por que bem... Não era culpa
deles, fui eu quem o beijou. Eu sou a culpada de tudo. Eu sou a culpada de não
ter controle sobre meus sentimentos e de ainda amar a única pessoa que deveria
desprezar por toda minha vida.
— Ele me beijou! — Eu disse num tom que nem eu mesma reconheci.
Algo como arrependimento, surpresa e culpa — E eu deixei. — Por fim,
completei, desolada.
Os dois me encaram pasmos.
— Mas o que aconteceu? — Jorge exclamou, preocupado.
— É horrível ter que admitir isso, mas eu ainda o amo, mas não posso
fazer isso com meu pai.
Então me virei e saí da boate.
***
Uma semana havia se passado, mas sentia como se o beijo tivesse
acontecido há minutos. Eu o relembrava a cada instante, e sentia tudo vindo à
tona, e eu odiava isso. Odiava ser tão fraca e manipulada tão facilmente, por algo
que eu sei não ser real e impossível.
“Não vou trair meu pai”.
Uma batida na porta do meu escritório me tira de meus devaneios
torturantes.
— Oi. Pode entrar.
— Oi, Camila, como você está? — Marcia entra no meu pequeno
escritório, seu corpo sendo esculpido por um lindo vestido envelope azul, apesar
de estar deslumbrante como sempre, seu semblante de preocupação era evidente.
— Estou bem, estou bem.
Essa é mentira mais fácil que dizemos, e a maioria dos seres humanos já
a usou em algum momento. Assim como eu venho usando-a, durante esses sete
anos. É a mentira que contamos a nós mesmos. Eu nunca vou estar realmente
bem, depois de tudo.
— Não minta. Depois que fiz você passar por tudo aquilo semana
retrasada, estou me sentindo culpada por vê-la assim.
Eu contei tudo a Marcia, sobre o processo e quem era o réu, a coitada
ficou tão vermelha e tão nervosa que achei que teria que levá-la para o hospital
novamente, ela ficou horas repetindo a mim que não sabia, e que jamais teria
deixado isso acontecer se soubesse. E eu sei, não é culpa dela. É tudo culpa
desse destino de merda, que vem jogando com a minha cara ultimamente.
— Eu vou ficar bem, Marcia. Só preciso de um tempo até conseguir
absorver tudo.
—Talvez se você tirasse umas férias, viajar sempre me faz bem.
— Apesar de ser tentador, agora não posso. E o trabalho já me ajuda
muito no quesito me manter focada. Eu vou ficar bem, eu juro, não precisa se
preocupar.
— Você sabe que se precisar de qualquer coisa, eu estou aqui.
— Eu sei Marcia, por isso você é a melhor chefa do mundo. — Eu sorri e
seu sorriso se abrangeu, espalhando-se por suas bochechas.
— Tudo bem. Vou terminar de examinar um caso. É tão ruim quando
tenho que defender quem eu sei que é culpado. Me sinto uma merda fazendo
isso.
— Sim, é horrível. — Falei lembrando-me em como eu assinei aqueles
papéis tão facilmente, mesmo sabendo que Felipe era culpado.
***
Ao sair do escritório horas mais tarde, resolvi ligar pra Stefany. Sim,
minha antiga amiga do colegial. Stefany e eu nos tornamos grandes amigas, e
apesar de nossos trabalhos e vidas particulares nos tomarem tempo, sempre
arranjamos um meio de nos encontrar para matar a saudade. E do que eu mais
preciso hoje, é de uma amiga que me faça sorrir.
Antes de começar a dirigir, disco o número de Stefany no celular. Ao
segundo toque, ela atende.
— E aí, Camila?
— Oi, Stefany, podemos nos encontrar hoje?
— Acho que sim. Deixa-me só ver na agenda.
Stefany ao terminar o ensino médio, escreveu um livro de autoajuda para
pessoas que sofreram bullying ou algum trauma na infância. Seu livro chamado
“O bem que vem de dentro” fez tanto sucesso que agora ela dá palestras pelo
país inteiro, então sua agenda sempre está lotada. E no caso de Stefany, é aquele
caso que defino como algo ruim que vem para o bem. Todo sofrimento que ela
passou nas terríveis garras de Michele, a transformaram na mulher poderosa que
é hoje, e eu tenho orgulho por tê-la ajudado a passar por essa fase horrível em
sua vida, assim como ela me ajudou e me confortou, quando descobri tudo sobre
Felipe.
— Você consegue me encontrar na lanchonete da dona Juva? — Ela
pergunta.
— Sério?
— É que estou aqui perto, e tenho exatamente uma hora antes de ir para
uma entrevista online para meus seguidores do blog.
— Sim, tudo bem. Pode ser então. Até.

Ao estacionar o carro em frente à lanchonete, minutos mais tarde, olho
para todos os lados e o nervosismo toma conta de mim. Fazia muito tempo que
não voltava aqui, e tinha um motivo para isso. Não comprei o apartamento
praticamente do outro lado da cidade simplesmente por causa de ter um lugar
melhor para morar, mas sim, por que era o lugar mais longe daqui. Wes me
atormentou por um tempo. E além de ter Felipe enroscado em meu cérebro me
torturando, Wes decidiu que me queria de volta a qualquer custo. Acho que ele
por fim percebeu que eu jamais voltaria me arrastando para ele. Então ele me
perseguiu, me amedrontou e ameaçou fazer mal a Léo e minha mãe e até mesmo
a Vic. Foram meses difíceis, fugindo e me esquivando, sempre temendo que ele
me encontrasse ou pior, arrancasse Léo de mim. Num certo dia, que me lembro
como se fosse ontem, ele me prensou contra a parede da lanchonete, quando
dona Juva tinha saído. Ele me empurrou com força e me machucou, ele estava à
espreita, só esperando dona Juva sair para seu rito diário de ir à feira comprar
ingredientes. E assim que me viu sozinha e como uma presa fácil, ele atacou.
Seu corpo era quente sobre o meu, e apesar de um dia eu ter o amado, o que senti
naquele instante foi medo e nojo. Ele lambeu meu maxilar, subindo por minha
bochecha, até chegar rente ao meu cabelo, meu corpo tremia e mesmo eu
tentando empurrá-lo, eu era fraca e estava amedrontada.
— Você é minha Camila, só minha. E não importa o que você faça, isso
nunca mudará.
— Eu nunca serei sua. Me deixe em paz!
Nisso senti a pressão do meu corpo aliviar, quando Jorge chegou por trás
de Wes e o tirou de cima de mim, os dois trocaram socos e Vic chamou a polícia
que levou Wes por tentativa de agressão, e mesmo tendo várias passagens pela
polícia, depois de um tempo, ele foi liberado. E eu acabei fugindo, pedi dinheiro
emprestado para Jorge e comprei o apartamento. Era longe o suficiente para me
sentir segura, longe o suficiente pra esquecer que ele existia, mas agora voltando
aqui, às lembranças me mostram o quanto isso ainda me assusta.
Saio do carro e entro no estabelecimento que está cheio. Dona Juva assim
que me vê, vem apressada em minha direção com um sorriso nos lábios.
— Minha menina! — Eu jogo meus braços ao seu redor, e dou um abraço
apertado em seu corpo robusto.
— Como vai dona Juva?
— Estou ótima. Fico feliz que tenha vindo. Quanto tempo, em?
— Sim, faz tempo. E como vão as coisas por aqui?
— Vão ótimas. A polícia até que enfim, conseguiu dizimar a gangue do
W, numa troca tiros quase todos morreram, mas dizem que W está foragido. Mas
pelo menos não aparecerá por aqui em breve, de preferência nunca mais.
— Que notícia maravilhosa, dona Juva. — Respiro aliviada.
— Sim, venha, sente-se. Vamos tomar um café e conversar sobre a vida.
— Sim, claro. Stefany também está vindo pra cá!
— Não acredito, que coisa boa.
Assim que Stefany chega, eu e dona Juva já tínhamos colocado o papo
em dia, foi bom contar a ela como uma parte da minha vida estava boa. Ela
também me contou sobre a lanchonete que agora iria trocar de local, ela iria
transformar a lanchonete da dona Juva em Tequilla´s bar, onde teria música ao
vivo, entre outros diversos atrativos. Ela estava animada com o novo projeto, e
seu filho Gabriel, iria ajudá-la a administrar o bar. Ela estava radiante em poder
trabalhar com o filho e tê-lo mais perto. Depois que Stefany se juntou a nós,
conversamos mais um pouco, até eu contar a novidade de que Felipe havia saído
antes da prisão, e mesmo dona Juva sabendo que ele tinha matado meu pai, ela
ficou feliz por ele, Felipe sempre foi um rapaz bom para ela e ela o admirava.
Contei-lhes sobre a loucura que foi no dia do processo, e dona Juva ficou
atônita e respondeu:
— Camila, acho que o pior do que deixar um coração vazio, é deixar um
coração cheio da presença de alguém. Cheio de memorias e amor mal resolvido.
Um amor mal resolvido é egoísta, pois quer reviver aquela história independente
de o quanto o faça sofrer. Esse tipo de amor sufoca, destrói e aprisiona, mesmo
depois de ter ido embora, por que quando se ama verdadeiramente é impossível
desapegar. Isso só acontece uma vez na vida, e quando acontece, é para sempre.
— Eu sei dona Juva, concordo com a senhora. Mas eu fico com raiva
desse meu Deusinho ser tão ruim comigo, e me fazer sentir esse amor por quem
não deveria.
— Mas por que não deveria, Camila? — Stefany pergunta.
Ela está linda, sua silhueta de menina tinha desaparecido completamente,
após os anos, agora ela era uma mulher com curvas poderosas e cabelos
enrolados até o ombro, seus olhos continuavam os mesmos olhos expressivos
que a faziam ser linda de um jeito tão diferente. E eu percebi que quando ela
entrou no estabelecimento, cabeças viraram e homem tiveram seus corações se
acelerando por ela. Mas ela não parecia se importar com isso.
— Como posso amá-lo Stefany? Ele matou meu pai!
— Sim Camila, mas será que o amor não é capaz de superar o ódio que
você carrega aí dentro? — Ela apontou para o meio do meu peito.
— Eu não sei. Sinceramente, não sei. É uma contradição tão grande no
meu peito, que, às vezes, só queria encontrar outro alguém por quem eu sentisse
isso, alguém que me fizesse esquecê-lo.
— Mas então tente, veja se você consegue. Se você mesmo não
conseguir amar outra pessoa verá que é Felipe quem você deve perdoar. Eu me
lembro da última conversa que tivemos, em que você me contou empolgada
sobre o seu colega de trabalho. Vá lá, ele parece ser um bom partido. Dê uma
chance ao cara. — Ela disse animada e enfiou uma colherada de sorvete de
morango na boca.
Eu maneei a cabeça, e por fim concordei. Agora entendi por que Stefany
tinha se dado tão bem com seu livro e palestras de autoajuda. Ela sabia o que
dizer e o que fazer para ajudar.
— Concordo com Stefany. Você só saberá que é possível esquecê-lo, se
encontrar alguém que a faça amar ainda mais. Convide o rapaz, venham na
inauguração do Tequilla’s, será no próximo final de semana, mudamos para o
antigo bar do João. Ficou lindo, vocês verão. Você também está convida Stefany.
Traga o namorado! — Dona Juva, falou empolgada.
— Ah, dona Juva adoraria vir, mas tenho uma palestra em São Paulo. E
eu não tenho namorado, é namorada. — Stefany riu, e eu e dona Juva a
encaramos, chocadas.
— Como isso aconteceu, Stefany? — Perguntei sorrindo, feliz por minha
amiga. Eu realmente nunca havia a visto com ninguém e agora entendi o motivo
de seu desdém com os homens.
— Ela é minha empresária, e mesmo sendo antiético, eu senti aquelas
borboletas no estômago. — Ela sorriu.
— Nossa, estou muito feliz por você e louca para conhecê-la. Podemos
ver um dia para ir a One, com certeza Vic vai adorar conhecê-la também.
— Sim, estou com muita saudade daquele negão irresistível. — Ela disse
e nós rimos.
***
Antes de descer do meu carro quando estacionei na garagem do prédio,
pego meu celular e ligo pra Vinicius, antes que minha coragem e meu plano de
afastar meu coração e pensamento de Felipe, se evaporem.
— Alô, Vini? — Digo animada.
— Oi, Camila? Nunca achei que ouviria sua voz pelo telefone. — Ele riu.
Eu sorri.
— Bem, eu pensei em seus intermináveis convites. — eu ri — e resolvi
que se você ainda quiser, podemos sair no sábado quem vem.
— Isso é alguma pegadinha?
— Não. — Eu ri.
— Acho que vou jogar na loteria hoje, pelo jeito a sorte está ao meu
favor.
— É sério, quer sair comigo?
— Claro. Esperei quase cinco meses por isso. Aonde vamos madame?
— Ao um barzinho que irá inaugurar. A dona é uma antiga amiga minha,
podemos beber uma cerveja e conversar.
— Claro, excelente! Por que você me ligou? Tipo... Por que não falou
comigo amanhã no trabalho?
— Eu tomei coragem agora e resolvi que estava na hora de dar uma
chance ao meu perseguidor.
— Engraçadinha. — Ele riu.
— Até amanhã, Vini.
— Até.
Capítulo 57
Felipe

Procurar emprego quando se é ex-presidiário, é uma merda. Mesmo eu
tendo um dos sobrenomes mais renomados na cidade e ser filho do meu pai, a
parte no meu currículo que dizia que eu era ex-presidiário eliminava qualquer
chance de conseguir um emprego descente.
Samara até tentou me ajudar, ligando para uns contatos e cobrou alguns
favores, mas não foi tão fácil assim. Ninguém queria dar uma chance para o cara
que foi preso por matar alguém, e que ainda por cima usava drogas. Um
preconceito de merda. Um erro cometido no passado que te marca pela vida
inteira.
Dirigi e entreguei currículos a todos os estabelecimentos possíveis,
quando já era quase seis horas da tarde, já estava começando a aceitar até serviço
de lavador de pratos. Eu queria sair da casa da minha irmã e deixá-la viver sua
vida com sua família o mais rápido possível. Apesar de Marcelo ser gente boa, e
Samara ser a melhor irmã do mundo, eu era um intruso tirando a privacidade
deles. E precisava de um emprego par me manter, mesmo tendo um apartamento
para morar quando eu precisasse, como eu iria comprar comida e me manter?
Foi quando minha barriga roncou, e percebi que tinha passado o dia tão
imerso no meu dever em achar um emprego que esqueci até de me alimentar. E
quando percebi onde eu estava, resolvi fazer uma visita a alguém que há muito
tempo, eu não via e só esperava encontrar a lanchonete ainda funcionando.
Meus olhos brilharam ao ver a fachada da lanchonete da dona Juva,
manobrei e estacionei o carro e saí rapidamente. Entrei no estabelecimento já
sentido o cheiro dos pães de queijo invadirem minhas narinas.
“Quanto tempo. Vou comer uns dez!”
Dona Juva me recebeu como sempre, feliz por me ver e com os olhos
alegres. Eu senti saudade dessa velha senhora.
Conversamos por algum tempo e eu realmente comi seis pães de queijo e
quatro levaria para casa. Foi então que dona Juva me contou sobre a mudança da
lanchonete e que estavam a contratar um cantor para tocar música ao vivo. Eu
quase cuspi o pão de queijo da minha boca quando a ideia de fazer o que eu
sempre sonhei, veio diante dos meus olhos.
— Mas está difícil de achar um bom cantor, e que não me cobre uma
fortuna. — Ela explicou, num lamento triste. — Meu filho acha que música ao
vivo, trará mais clientes e é um diferencial para o bar. Mas não sei o que farei,
sendo que a inauguração é para amanhã!
— Tenho uma proposta para te fazer dona Juva. Estou desesperado
procurando um emprego e não é fácil achar um quando se é um ex-presidiário.
Eu sei tocar vilão desde que tinha doze anos, e amo cantar. Se a senhora me der
uma chance podemos fazer isso dar certo.
— Nossa... Felipe, isso seria maravilhoso! Eu me lembro das suas aulas
de violão para os meninos aqui da vila. Como não pensei nisso assim que eu te
vi? — Ela sorriu. — Podemos combinar uma porcentagem das vendas ou algo
assim, o que você acha?
— Negócio fechado, mas sinto que vou gastar todo o meu salário em pão
de queijo! — Ela riu e eu enfiei mais um pedaço de pão de queijo na boca.
Capítulo 58
Camila

Sábado foi um dia longo e entediante.
Mamãe trabalhava até o meio dia, e Léo tinha ido dormir na casa do
Cabeça, pra terminarem um trabalho de matemática. E eu, como tinha folga,
dormi até o café da manhã se transformar em almoço. Levantei, com aquela
preguiça que dá ao se dormir demais e comecei a fazer o almoço para esperar
Léo e mamãe.
Meio dia e meia o almoço estava servido, o primeiro a chegar foi Léo
que recebeu carona do pai do Cabeça e em seguida mamãe chegou com as
bochechas um tanto coradas.
Léo foi para o banho antes do almoço e mamãe sentou se na bancada da
cozinha, seu olhar distante, perdida em pensamentos.
— O que foi mãe? Mãeeee? — Estalei os dedos na frente de seus olhos,
ela me encarou assustada, saindo de seu transe de pensamentos.
— O que foi? — Ela perguntou assustada.
— Você está aí, toda corada, que pensamentos indecentes passam por
essa cabecinha? — eu ri e ela rolou os olhos.
— Seu Claudio, me convidou para sair e me deu um beijo no rosto. —
Ela falou rapidamente, como se tivesse cometido um grave pecado.
— Um beijo no rosto? — Exclamei surpresa. — E o que têm? Pela sua
cara achei que ele tivesse possuído o seu corpo. — Eu ri. Ela me olhou
estupefata.
— Que horror, Camila! Não fale assim. — Ela me repreendeu.
— Mãe, eu já te disse que seu Claudio é um cara bom. Dê uma chance
pra ele. Você é linda e merece, e se um beijo na bochecha te deixou assim, é por
que ele despertou alguma coisa aí dentro.
— Você está certa. Mas me preocupo com o que Léo vai pensar.
— Mãe, Léo quer vê-la feliz, e se seu Claudio te fizer feliz, ele vai
compreender. Saia com seu Claudio e se você ver que merece seguir em frente,
converse com Léo. Explique pra ele a situação, eu sei que ele é meio cabeça
dura, mais vai entender.
— Obrigada filha, você é meu anjo. — Eu sorri para ela.
Almoçamos os três juntos e eu tive a coragem de contar a eles que sairia
com Vini, mamãe ficou feliz por eu estar pelo menos tentando, e Léo deu de
ombros, mas disse que queria conhecer esse cara.
Passei a tarde assistindo os primeiros capítulos da primeira temporada de
The Vampire Diaries, apesar de já ter assistido a série completa, eu amava a
primeira temporada. E amava ainda mais ver o meu Damon Salvatore. Então
estou assistindo tudo de novo pela quinta vez. Depois fiz as unhas da mão e fui
para o banho. Tomei um longo e demorado banho e enquanto a água caia sobre
meus cabelos, comecei a pontilhar os motivos pelo qual eu deveria ficar com
Vini.
*Ele é lindo
*É inteligente
*É trabalhador
*Não é galinha
*Seu perfume é bom
*Ele gosta de mim
*Tem uma vida financeiramente estável
*Gosta de cachorro
Mesmo tentando, ainda em cada pensamento ao invés de ver Vini, eu via
Felipe, então lavei o rosto firmemente e Arg! Saí do chuveiro.
Me vesti em uma calça jeans justa e um body verde musgo que destacava
a cor dos meus olhos, ele tinha um decote profundo e valorizava minhas curvas.
Arrumei o cabelo dando batidas até ele ficar ondulado, e quase chanel. Maquiei-
me passando delineador, e um batom rosa claro, por fim, calcei meu scarpin
preto e peguei a bolsa. Assim que eu saio do quarto, Léo me entrou no corredor.
— Uau! O que você fez com a minha irmã? — Ele diz e faz uma
expressão de abobado, mas eu sei que é brincadeira.
Eu ri.
— Eu sei que isso é um elogio, pestinha!
— Linda como sempre! Bom encontro, Camila. Espero que encontre o
que está procurando. — Ele diz, com uma sinceridade que me emociona, então o
abraço.
— Eu também espero. — Eu pisco, quando o solto do meu abraço de
urso.
Vinicius me buscou em casa, ele estava lindo, usando uma camisa social
azul claro e calças jeans, seu perfume com um toque amadeirado preenchendo o
ar, sutilmente. Ele sorria para mim como se eu fosse a última mulher no mundo,
e me forcei em sorrir para ele e a tentar manter minha promessa de dar uma
chance a alguém. Ele era legal, por que não tentar então?
Chegamos ao Tequilla´s bar, que tinha uma fachada incrível, talhada em
madeira. O filho da dona Juva tinha feito um ótimo trabalho com o designer do
lugar. Lá dentro haviam várias mesinhas de madeira, e a iluminação criava um
ambiente aconchegante e romântico. Sentamos ao fundo do bar, e pedimos ao
garçom que era um rapaz novinho, duas cervejas e uma porção de fritas.
Vinicius era legal, e era fácil conversar com ele. Ele não era o tipo de
cara que se encantava por uma garota pelo tamanho dos seus peitos, eu gostava
disso nele, a forma como ele me olhava nos olhos ao falar comigo. Comemos as
fritas e bebemos. Seis cervejas depois, eu já me sentia mais aliviada e menos
tensa. Ri muito com as piadas idiotas de Vinicius e principalmente de suas
cantadas à moda antiga.
Já era quase dez horas da noite quando pedimos mais uma rodada de
cerveja, e o filho de dona Juva, o Gabriel, subiu no palco em frente ao bar para
fazer os agradecimentos e dar início ao show de música ao vivo.
Neste instante, corri para o banheiro, por que depois de seis cervejas
minha bexiga estava explodindo.
O banheiro ficava ao fundo do bar, e por sorte não tinha fila. Fiz minhas
necessidades e me encarei no espelho ao lavar as mãos, meu rosto rosado pela
bebida que percorria minha corrente sanguínea, e um pouco de suor abrangia
minha testa, o ambiente estava quente ali. Lavei o rosto, jogando um pouco de
água e dei uma retocada na maquiagem. “Perfeito”.
Ao sair, ouvi a música já sendo cantada ao vivo e imediatamente
reconheci a voz.
Aquela voz, rouca e sexy que era tão perturbadora era a mesma voz que
me dizia algumas sacanagens e me fazia corar, era a mesma voz que me
chamava em meus sonhos e me fazia ficar acordada por horas, era a voz que eu
sabia que no fundo seria impossível de esquecer.
Olhei em direção ao palco, Felipe estava sentado em uma banqueta no
meio do palco, tocando um violão marrom. Um foco de luz apontado para ele,
fazendo seu corpo parecer mais incrível. Ele estava usando uma camisa preta de
botão e calça jeans, seus olhos estavam fechados enquanto ele cantava I Still
love you do Josh Jenkins.
Eu ainda amo você, querida
Com cada polegada do meu coração
Mesmo quando não quero
Eu ainda amo você
Eu ainda amo você
Eu fecho os olhos e vejo seu rosto
Posso sentir o seu toque, quase posso provar
Eu menti para mim mesmo que eu estou ok
Mas o pensamento de você, ele me para

Ele cantava com emoção, e ele cantava muito bem, sempre amei ouvi-lo
cantar. Às vezes, ele cantarolava para mim até eu pegar no sono. E uma música
de amor e seus braços me aconchegando, era o que bastava antigamente para
tornar meu mundo perfeito.
Meu corpo travou e só conseguir ficar olhando-o, admirada. Apesar de
tê-lo ouvido cantar várias vezes, nunca tinha o visto tocar em frente ao público e
aquilo me deixou hipnotizada, até meio abobada. Assim que ele terminou essa
canção, o público explodiu em aplausos. Então ele falou:
— Obrigado, obrigado! Quero agradecer a chance que dona Juva e
Gabriel estão me dando, — ele encarou Gabriel que estava no balcão do bar e
acenou, — e gostaria de agora cantar uma canção de minha autoria, se vocês não
se importarem. — O público bateu palmas, incentivando. — Ok então, essa
canção eu escrevi para alguém que amei muito no passado, que ainda amo. —
Ele tossiu. — Essa canção já deveria ter sido cantada, há um tempo. Então
vamos lá.
Senti lágrimas pinicarem meus olhos e não consegui me mover. Eu sabia
que a canção era para mim, sabia que essa canção seria a mesma que ele teria
cantado para mim no dia da apresentação que nunca chegamos a fazer. Ele se
ajeitou na cadeira e começou a tocar o violão, um sorriso em seus lábios, seus
olhos brilhantes olhando para o violão.
Após algumas notas a voz dele ecoou rouca e magnífica, numa letra que
fez meu corpo inteiro tremer e meu coração pular.

Você é minha chance de ser feliz
É tão estranho te ver sorrir,
e descobrir tudo o que eu sempre quis
Você é minha razão,
Minha obsessão e a minha esperança

Eu não tinha nada e eu não era nada,
mas quando te conheci
pela primeira vez, eu quis ser tudo.
tudo aquilo que você procurava.

Por que em todas as vidas, você será meu único amor
Por que em todas as vidas, você será meu único amor
E mesmo depois de tudo
Mesmo depois de nada
Eu teria ficado ao seu lado até o fim do mundo.

As lágrimas escorreram pelo meu rosto sem que eu pudesse controlá-las.
A música era simplesmente perfeita, e se impregnou no meu coração. Todos no
bar estavam hipnotizados com o jeito que Felipe cantava, e o pior de tudo foi ver
que ao terminar a canção ele limpou uma lágrima perdida em sua face. Aquilo
me quebrou. Me deixou desolada.
“Ele me amava tanto assim?”
“Não!”
“Não! Eu não posso amá-lo. Não!”
Chacoalhei minha cabeça tentando recobrar minha consciência. Tentando
fazer o que era certo. Então andei até a minha mesa, sentindo meu corpo tremer
e tentando ignorar a vontade de olhar para o palco, parei na frente de Vinicius e
peguei na sua mão.
Esta noite, eu passaria com ele.
Capítulo 59
Felipe

Quando abri os olhos, meu olhar foi puxado para o fim do bar, e vi
cabelos loiros atravessarem a porta, saindo de mãos dadas com um sujeito. Meu
corpo se espremeu e senti o ar sumir de meus pulmões.
“Era ela!”
Eu podia senti-la.
O que tínhamos era tão forte que eu a sentia em qualquer lugar, era como
se algo nos ligasse e nos fizesse permanecer conectados, mas ao vê-la partir com
outro, meu coração também se partiu.
Capítulo 60
Camila

Chegamos ao apartamento de Vinicius e antes dele abrir a porta, eu já me
pendurava em seu pescoço, deixando bem claro quais eram minhas intenções.
Ele sorriu, quando eu o provoquei com o dedo, o passando em seu peito. Ele deu
um sorriso tentador e me puxou pela cintura, o beijo começou calmo, explorando
minha boca, mas logo sua língua brincou com a minha e o beijo se aprofundou.
Ele me prensou contra a parede e joguei minha cabeça para trás, sentido seus
beijos na pele do meu pescoço exposto. Seu membro já rígido, se esfregando
contra minha coxa e eu gemi em prazer. Ele me puxou para dentro do
apartamento e foi me levando aos tropeços, me segurando pela cintura, até onde
eu achei ser seu quarto. Ao chegarmos ao quarto, ele puxou minha blusa
deixando meus seios livres, eu tirei sua blusa e a soltei no chão, então o beijei
novamente com força, sugando seu lábio inferior e acariciando seu peito e
explorando seus ombros.
Felipe!
Ele me puxou mais junto do seu corpo e mordiscou minha orelha, e
depois lambeu e beijou meu pescoço.
Felipe!
Beijei seus lábios, e mordisquei o lábio inferior, possuída pelo desejo.
Felipe!
Estava completamente inebriada e extasiada pelo prazer. Fazia muito
tempo que eu não dormia com alguém. Na verdade, todas as transas de uma
noite que eu tive durante esses sete anos, foram uma praga. Nenhum homem se
comparava a Felipe.
Ele me juntou pela cintura e me conduziu até a cama, começou a tirar
meus jeans, e eu ri. Ele riu para mim, seus olhos azuis intensos me devorando
com o olhar, eu amava isso nele. Amava como Felipe sorria para mim e me
olhava admirado sempre antes de fazermos amor. Amava ver aquelas malditas
covinhas se aprofundando em suas bochechas por causa desse seu sorriso
demoníaco e tentador.
Mas assim, em instantes, num piscar de olhos, não era Felipe ali. Era
Vinicius.
Vinicius sorriu para mim, seu peito nu e seus cabelos loiros bagunçados.
Não existia mais covinhas e nem olhos azuis.
Eu me encolhi, no mesmo instante que minha mente recobrou a
consciência. Vinicius pareceu surpreso com minha atitude repentina.
— O que foi? — Ele perguntou.
— Eu...Eu... — Gaguejei.
Eu me encolhi mais e tampei meus seios com as mãos, sem entender o
que estava acontecendo na minha cabeça. Fui levada pela cerveja, pela
embriaguez e vi o que eu e meu coração desejávamos. Eu ansiava por Felipe. O
desejava incontrolavelmente. E pelo jeito, ninguém tomaria essa parte minha que
ele já era dono.
Eu levantei, e continuei chacoalhando a cabeça desacreditada. Não
conseguia acreditar que Felipe ainda me tinha assim. Ele era uma maldita droga,
e eu estava em abstinência a sete anos e o que eu mais precisava agora era de
uma dose de Felipe.
— O que foi Camila? Eu tenho camisinha. — Vinicius disse confuso, me
encarando e a sua “barraca armada” também.
Eu levantei e peguei minha blusa do chão, e comecei a vestir.
— Não é isso, desculpa Vini. Mas eu não posso. Você não é o cara certo
para mim! — Eu abotoei meu jeans.
— Mas nós estávamos... Você estava... — Ele falou confuso, e pude
entender o porquê, eu estava agindo como uma louca depravada. Eu queria que
ele fosse Felipe e agi como se ele realmente fosse. Meu corpo todo ansiava por
Felipe não por Vinicius.
— Não Vini, eu não posso fazer isso com meu coração.
Um lampejo de compreensão passou por seus olhos, e seus ombros
baixaram, derrotados.
O encarei com tanta pena, mas sabia que não podia usá-lo assim, não era
certo. Vini era bom demais e encontraria alguém que o fizesse feliz, que
realmente merecesse ser amada por ele.
Vini me levou até em casa e me deu beijo na bochecha antes que eu
saísse do carro, eu sorri e agradeci pela noite.
— Bem, pelo menos nós tentamos! — Ele disse e sorriu.
— Você e é um cara legal, Vini. Tem algumas mulheres por aí que dariam
tudo para encontrar um cara como você, olhe para os lados e dê uma chance.
— Obrigada, Camila. Você é ótima, e espero que ele te trate bem, e te
ame como você merece. — Ele disse com sinceridade, segurando minha mão.
— Como você sabe que existe um ele?
— Somente alguém apaixonado, age assim.
Eu saí do carro, ainda me sentindo atordoada e entrei em casa. No meu
quarto tirei minhas roupas e vesti minha camiseta velha do Nirvana, tem coisas
que nunca mudam. Deitei na minha cama, e me envolvi nas cobertas ainda
tentando entender o que havia acontecido comigo. E naquela noite, eu tive um
sonho com Felipe, um sonho no qual eu dizia sim no altar para ele.
Capítulo 61
Felipe

Depois que Camila saiu do bar naquela noite, algo dentro de mim parou.
Aquele rapaz que estava com ela, poderia ser a chance que ela precisava para ser
feliz. Minha cabeça girou com um turbilhão de pensamentos. Alguns bem
egoístas. Eu poderia deixá-la, sumir do Rio, ir para outra cidade e simplesmente
esquecê-la.
“Mas como você consegue esquecer e desistir tão facilmente da única
pessoa que já te fez feliz?”
Na terça-feira após sair da lanchonete da Dona Juva, fui para casa, quer
dizer, a casa de Samara e ao chegar lá, encontrei-os recebendo alguns amigos.
Me senti mal por chegar lá e tomar o espaço deles, então decidi que no dia
seguinte me mudaria para meu antigo apartamento. Eu já havia arrumado um
emprego e podia me manter, queria meu canto, minha paz.
Na quarta de manhã quando entrei no meu antigo apartamento, não
imaginei que seria completamente devastado pelas lembranças que aquele lugar
me despertou. Camila correndo na sala usando uma camiseta preta minha e sem
calcinha, enquanto eu corria atrás dela numa brincadeira de pega-pega. Ou
quando ela literalmente transformou o meio da minha sala em uma área de
acampamento, após eu contar-lhe que eu nunca havia ido acampar. “Ela era
demais”. Mas o pior foi quando entrei no meu antigo quarto e aquela cama, “ah,
aquela cama”, me trouxe tantas lembranças de Camila em meus braços
acordando sonolenta ou me dando beijos que fazia meu corpo todo se aquecer.
Ela sempre foi o sol da minha vida que havia chegado para iluminar a escuridão
que eu mantinha dentro do meu ser. Ainda naquela noite, tomando minha
habitual xícara de café preto, me escorrei na sacada e olhei para o céu escuro, e
apesar das luzes da cidade ofuscarem o brilho das estrelas, elas ainda estavam lá,
me fazendo crer que independente do quanto a escuridão consumisse o céu,
sempre haveria uma luz. E quando percebi uma estrela cadente cortar o céu, fiz o
pedido de que se um dia Deus permitisse, Camila iria me perdoar e assim, eu
mesmo poderia me perdoar.
“Talvez um dia virá que as coisas não serão tão ruins e as lembranças
que relembrei poderão ser revividas”.
Prometi a Deus e principalmente a mim mesmo que no domingo iria à
igreja, e começaria a me redimir por todos os pecados que cometi.
Capítulo 62
Camila

A semana seguinte se passou, e eu não tinha coragem de admitir a mim
mesma o que eu sentia. E a minha insistência em tentar negar o que estava
infiltrado em mim estava me matando. Era domingo e como em todos os
domingos, eu ia à missa com Léo e mamãe. Vesti-me, e senti minha cabeça
pesada pela ressaca causada pela bebedeira da noite anterior. Eu havia passado o
sábado à noite na companhia de um cara bem legal chamado Jack Daniels, mas
nada que duas aspirinas não resolvessem. Afundar as mágoas e os pensamentos
na bebida era uma coisa idiota a se fazer.
“Mas que opção eu tinha no momento?”
Tomei um café forte e fomos para a igreja.
Como sempre, todas as velhas senhoras amigas da minha mãe vieram nos
cumprimentar, e tenho que admitir que, apesar do dó que sentia de Léo, era
engraçado ver sua cara quando dona Teodora o beijava na bochecha e deixava
um pouco de baba pra trás.
Sentamos num banco mais a frente e o Padre Celso, nos cumprimentou
com um aceno de cabeça. A missa foi regida, pelo salmo 1 Coríntios 13:1-7, e
escutei atentamente o que o padre falava.
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse
amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e
toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os
montes, e não tivesse amor, nada seria.
E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres,
e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor,
nada disso me aproveitaria.
O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata
com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita,
não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

Parecia que o mundo estava conspirando para me fazer pensar em Felipe,
e acabei me lembrando do que senti no sábado retrasado quando o escutei cantar,
e as emoções tão fortes quando beijei Vinicius achando que fosse Felipe. Não
importa o quanto eu tenha tentado, o quanto eu queira odiá-lo, é impossível, é
algo mais forte do que eu.
“Eu o amo”.
Quando a missa terminou, me virei para sair da igreja, e lá estava ele
sentando no último banco. Nossos olhos se encontraram através dos fiéis que
saiam da igreja. Eu parei no meio do caminho e o encarei, meu coração
retumbando acelerado no peito.
Então, eu entendi que nada mais poderia ser feito.
Andei até ele, sem desgrudar meus olhos dos dele, ele pareceu se assustar
conforme eu avançava em sua direção, talvez tenha ficado intrigado com a
minha aproximação repentina. Logo parei na sua frente e segurei a sua mão, e
antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, o puxei para fora da igreja.
Gritei para Léo que os encontraria em casa, Léo viu Felipe, e
simplesmente sorriu dando um aceno de cabeça. Felipe retribuiu.
Andei em direção à praia, e Felipe me seguiu. Cada passo que eu dava,
meu coração martelava mais forte, minhas mãos tremiam e o nervosismo me
preenchia.
Parei no meio da praia, sentindo o calor do dia quente aquecer a pele do
meu rosto, olhei para o horizonte acima do mar e suspirei. Eu estava me
cansando de lutar por algo que parecia ser uma guerra já perdida.
— Isso precisa acabar, Felipe. — Falei firme, com o resto de força que
ainda tinha dentro de mim, mas no fundo não sabia dizer ao que me referia. Seria
acabar com a dor no meu peito? Ou com a vontade de beijá-lo? Ou com a agonia
de não me autorizar a amá-lo?
— Você não entende Camila, isso nunca vai acabar. É impossível acabar
com algo que já foi predestinado.
Suspirei fundo, e me virei para encará-lo. Ele usava uma camiseta azul e
calças pretas, seus ombros baixos e seus olhos brilhantes pela luz do sol que se
refletia neles, os deixando azuis intensos.
— O que você quer então, Felipe! — Falei, já sentindo as lágrimas
escorrerem pela minha face e o resto de força que existia dentro de mim para me
manter longe dele, se esvair.
Ele se aproximou de mim e levantou sua mão até tocar minha bochecha,
institivamente meu rosto se curvou em sua mão, buscado seu toque, seu carinho.
— Só quero poder te tocar e sentir seu abraço, inspirar seu perfume e
poder ver o seu sorriso e principalmente poder dizer olhando nos seus olhos, o
quanto eu te amo, Camila.
Minha mão parecia ter sido controlada por comando automático, ela foi
até seu peito e meus dedos se agarraram a sua camisa o trazendo mais perto de
mim. Levantei-me nas pontas dos pés e meus lábios encontraram os seus, tão
macios e quentes. Suas mãos rodearam minha cintura, me envolvendo e me
aconchegando ao seu corpo. Meu peito praticamente explodindo de emoção.
Senti falta de seus braços em mim, do seu cheiro, do gosto de seus lábios,
de tudo. “Senti falta dele”.
O beijo se intensificou, agora passando de saudade para a necessidade
que sentíamos um pelo outro. Ele não parou de me beijar, beijando cada canto do
meu rosto, cada pedacinho da minha pele. Meus braços foram para seu pescoço e
eu diminui o diminuto espaço entre nós. Seu corpo grande cobrindo o meu
pequeno. Ele continuava sendo o meu Felipe e eu continuava sendo a sua
Camila. E isso jamais mudaria, mesmo que esse nosso destino de merda, fosse
tudo errado.
E assim, sem pensarmos nas consequências, já estávamos deitados sobre
nossas roupas, debaixo da sombra de um coqueiro no meio da praia deserta. Seu
corpo me pressionando na areia, e seus dedos ágeis deslizando pela minha pele
quente.
— Eu senti tanta falta sua. — Ele falou, sua voz embargada de emoção,
e lágrimas brotaram de seus olhos. — Você não tem ideia o que eu passei longe
de você. — Ele sussurrou e eu passei a mão pelo seu rosto, sentindo sua barba
pinicar na minha mão.
— Nunca mais sentiremos saudades um do outro. — Falei com
convicção.
Então puxei sua camiseta para cima e parei o movimento no exato
momento em que vi seu colar, a metade igual a minha que eu ainda guardava na
gaveta da minha cômoda. Segurei o pingente firme em meus dedos e meus olhos
se encheram de lágrimas. Ele me encarou e sorriu.
— Eu nunca a tirei. Você sempre esteve comigo, Camila. Por que você
sempre será meu único amor, não importa quanto tempo passasse, você sempre
esteve aqui, — ele apontou para seu peito. — Como se tivesse sido tatuada em
meu coração.
Eu puxei seu rosto próximo do meu, sentindo minhas mãos tremulas e
meu coração palpitar alto no meu peito. E disse o que eu tanto sufocava dentro
de mim, o que tanto estava me matando por eu tentar negar durante todos esses
anos.
— Eu te amo Felipe, sempre vou amar.
Então ele me beijou. Um beijo intenso e de puro amor. Nunca imaginei
que um dia conseguiria perdoa-lo, nunca imaginei que ainda o amasse tão
incontrolavelmente. A emoção que corria através de nós era incrível, como se
estivéssemos nos ligando novamente. Como se nossas almas finalmente, por
tanto tempo separadas, estivessem se completando novamente.
Seus toques tão carinhosos sobre minha pele, e seus beijos pelo meu
pescoço e seios, me faziam gemer e ansiar por mais. Eu jamais me cansaria de
ser amada assim. E a partir de hoje, eu queria sentir isso durante todos os dias da
minha vida. Então fizemos amor e não foi somente no sentido do ato sexual, pois
praticamente o sentimento brotava de nossas veias e nos envolvia. Continuamos
imersos um no outro por horas, ao som das ondas do mar e das batidas de nossos
corações, sentido essa conexão entre nos estalar como se jamais tivesse sido
rompida.
Capítulo 63
Um mês depois
Camila

Um mês havia se passado, e eu nem acreditava que um peso enorme
tinha saído do meu coração. Eu o perdoei, realmente o perdoei. Eu o amava
acima de tudo. E quando contei a minha mãe e a todos, só ouvi coisas do tipo:
“até que enfim” ou “Já era tempo” e ainda “Vocês sempre se amaram”.
Aquele mês passei tão aérea e presa em pensamentos nos quais Felipe
abrangia todos eles, que não estava prestando atenção em muitas coisas. Marcia
até mesmo me incomodou dizendo que eu parecia uma garotinha apaixonada e
que estava muito feliz por mim. Eu só queria aproveitar Felipe, e deixar todo o
mal, brigas e incertezas para trás. Pela primeira vez em muito tempo, eu poderia
dizer com todas as letras que eu realmente estou feliz.
Felipe estava trabalhando no bar da dona Juva, durante o dia ele era
garçom e a noite encantava o público com sua voz. Ele era magnífico no palco, e
por muitas vezes o incentivei a procurar uma gravadora, mas ele me disse que
estava feliz assim, ele não queria mais viver sendo obrigado a passar uma
imagem para as pessoas, ele estava bem assim com sua vida simples e me tendo
ao seu lado.
Hoje saí do meu trabalho e como sempre, fui até o cursinho de Léo para
buscá-lo. Ele e Felipe se davam bem, muito bem a propósito, e eu também
adorei saber que tinha virado tia de um garotinho fofo chamado Enzo. Samara
me acolheu com braços abertos, sempre sendo uma boa pessoa. Sentia falta dela
também.
Estacionei o carro e buzinei lá na frente do cursinho de Léo e nada, dez
minutos já haviam se passados e Léo não tinha saído.
“Talvez ele já tivesse ido para casa mais cedo”.
Dirigi até em casa, pensativa.
“Por que Léo não me avisou? No mínimo pegou carona com o pai do
Cabeça”.
Quando cheguei, chamei Léo na entrada do hall e não tive resposta. Léo
não estava lá. Liguei para a mamãe, sentindo o nervosismo começar a me
preencher.
— Alô mãe, sabe onde o Léo está? Ele não estava no cursinho.
— Não filha, será que ele não foi na casa de uns dos colegas? — Ela
perguntou preocupada.
— Vou ligar para o Cabeça e para o Xing ling.
Desliguei o celular e em seguida, já disquei o número do telefone da casa
do Cabeça. Assim que o Cabeça atendeu e disse que Léo nem havia ido para o
cursinho hoje a tarde, minha mão tremeu e quase derrubei o celular, o
pressentimento de que algo ruim havia acontecido me bateu.
Liguei para Felipe, já sentindo meu coração acelerar e as lágrimas
surgirem.
— Léo sumiu, Felipe. Só pode ter sido o Wes. — Minha voz era um
grunhido de nervosismo.
Eu já havia contado tudo para Felipe, sobre os motivos que me levaram a
me mudar para tão longe. Já tínhamos até planejado que eu me mudaria para o
seu apartamento e que mamãe e Léo se mudariam para um apartamento vizinho
no prédio de Felipe que havia sido colocado para venda. Só faltava assinar
alguns papéis e fazer alguns ajustes para que nós estivéssemos realmente em
segurança.
— Mas como? Será que ele não foi na casa de outro amigo? — Ele
perguntou, sua voz pacífica tentando me manter calma.
— Não, Felipe. Eu sinto... Eu sinto que o Wes o pegou. — Falei em meio
aos soluços e lágrimas.
— Fique calma, amor, eu estou indo aí. Chame a polícia.
Assim que encerrei a chamada, uma mensagem piscou na tela do meu
celular. Era o número de Léo.
Lembra-se de mim docinho? Léo está sendo uma ótima companhia,
se quiser seu irmão de volta venha me encontrar. Você sabe onde eu estou.
Você adorava que eu te fodesse lá. Venha sozinha ou seu irmão morre.
Com o baque de emoções que me atingiu, acabei derrubando o celular
que se estraçalhou no chão em pedaços. Sem pensar, corri e peguei a chave do
carro e saí em disparada pela porta da frente.
Dirigi apavorada pela avenida, sentindo a adrenalina, raiva e medo se
apossarem de mim. O mundo parecia girar ao meu redor e o tempo correr mais
rápido.
“Obviamente ele estaria lá, como não pensei nisso antes”.
Se eu soubesse que Wes estaria se escondendo na cabana no meio do
bosque atrás da casa da vovó, já teria chamado à polícia. Era o lugar perfeito
para se esconder, ninguém conhecia aquele lugar, além dele e eu. Vovô tinha
construído aquela cabana, para servir de posto para suas aventuras, ele me levava
sempre lá, e aquela cabana tão mágica parecia se encaixar perfeitamente em suas
histórias de aventuras malucas. E com a morte da vovó há dois anos, aquele
lugar ficou vazio, sem que ninguém fosse lá, praticamente uma cabana
abandonada no meio do mato. Lembro-me quando Wes e eu fugíamos para lá
para brincar quando éramos crianças e depois quando já tínhamos crescido
íamos até lá para ficar namorando.
O céu já estava escurecendo quando parei o carro. Tive que deixar o
carro na estrada, pois o bosque era denso e somente a passagem por um caminho
estreito dava acesso até a cabana. Andei rápido, pulando pelos troncos e buracos
do caminho, meu coração martelando cada vez mais rápido no peito, e a
adrenalina tomando conta de mim.
Avistei a cabana que já havia sido tomada pelo mato. A luz da lua e a
escuridão a fazendo parecer assustadora. Ela era muito antiga e já estava em
ruínas. Assim que passei pela porta de entrada da cabana, avistei Léo, sentado,
amarrado numa cadeira e amordaçado no meio do que antigamente era uma sala.
O lugar estava caindo aos pedaços e o cheiro de mofo era forte no ar, mas
num canto no chão havia cobertores e alguns embrulhos de comida, dava pra
perceber que alguém estava usando aquele lugar para se esconder.
Corri até Léo que grilou os olhos assustado, ele tentou resmungar, mas eu
não compreendi o que ele tentava me falar, ele se chacoalhou na cadeira,
nervoso.
— Vai ficar tudo bem, Léo. — Eu disse, me sentindo aliviada por
encontrá-lo.
Segui em sua direção para tirá-lo dali, precisava salvar meu irmão. Tirá-
lo dessa situação agonizante, mas quando comecei a desamarrá-lo, senti algo
cutucar minha cabeça.
— Vire-se. — A voz profunda de Wes, invadiu meus ouvidos.
Encarei Léo, que agora tinha seu rostinho coberto por lágrimas. Respirei
fundo, tomando coragem e virei-me lentamente e encontrei Wes, mirando uma
arma diretamente para o meio do meu rosto. Sua aparência estava crítica, seus
olhos vermelhos e o forte cheio de álcool impregnava o ar, tive nojo, ânsia e
principalmente, medo.
— Saía de perto do moleque!
Dei dois passos longe de Léo, e Wes moveu a arma mirada em mim, me
acompanhando.
— Boa garota. — Ele sorriu malignamente. — Camila, você não sabe
tudo que eu tive que passar por você. Sua cadela ingrata. — Ele praticamente
cuspiu as palavras e me deu um tapa no rosto, tão forte que me fez cambalear
para trás. Léo gemeu na cadeira e se moveu frustrado, tentando se soltar, mas
nada podia fazer.
— Wes o que você quer? — Perguntei, passando minha mão na
bochecha, onde ele havia dado o tapa, ardia.
— O que eu quero? — Ele gritou, movendo e balançando a arma na
frente do meu rosto de um lado para o outro. — Eu quero você, sempre quis
você. Mas você sempre foi uma putinha ingrata! — Ele se movia nervoso, a
raiva tomando posse do seu corpo e o medo me invadindo, pelo modo louco que
ele estava agindo. — Eu cuidava da tua família, dava tudo que sua mãe
precisava, não deixava os outros traficantes chegarem perto de Léo. A porra da
única coisa que eu queria é que você fosse minha. Mas você me trocou, por
aquele mauricinho. Eu soube que ele já saiu da prisão, e que você já está abrindo
as pernas para ele novamente. E o mais engraçado disso tudo, é dele ter sido
preso. — Ele começou a rir feito um louco.
— Por que você diz isso?
— Você não sabe meu anjo? Seu pai já estava morto, o seu mauricinho só
foi acusado no meu lugar. — Ele riu, fazendo meu corpo se tensionar. —
Naquela noite em que seu pai morreu, minha gangue tinha o encontrado. Ele
estava devendo muito dinheiro por dívidas adquiridas por ser um bêbado de
merda, e eu ofereci dinheiro para ele pagar suas dívidas, mas queria uma coisa
em troca. — Ele encarou meu corpo de cima a baixo, fazendo meu corpo inteiro
se encolher e meus pelos se arrepiarem. — Eu queria você. Mas seu pai, aquele
merda, não quis ver sua filinha amada com um traficante. Então eu mandei
minha gangue dar uma bela sura nele. Ah, foi maravilhoso ver seu pai sangrando
e implorando por sua vida.
— Seu cretino, ordinário! — Eu gritei, e dei um passo em sua direção,
pronta para atacá-lo. Mas ele apontou a arma para Léo, que já chorava, me
fazendo parar.
— Você não quer isso docinho! — Ele chacoalhou a cabeça de um lado
para o outro.
Minha respiração estava acelerada no peito, e só consegui olhar para Léo
e ver meu irmão ali, tão indefeso. O que eu posso fazer para salvá-lo?
“Droga, droga, pense em algo Camila!”
— Então depois da sura, nós levamos seu pai para dar um passeio, e eu
achei divertido jogar o corpo dele em frente a um carro em movimento. Eu o
matei, Camila. Eu matei seu pai, e gostei muito da sensação de ter feito isso. E
agora vai ser a vez do seu irmão, se você se negar a ser minha.
As lágrimas escoriam pelo meu rosto incessantemente ao imaginar que
passei todo esse tempo odiando o cara errado. Que culpei Felipe por algo que ele
não fez, e que principalmente ele, passou sua vida se odiando por uma mentira,
por algo que ele jamais teria feito. Wes acabou não somente com a vida do meu
pai, mas fez minha vida e de Felipe, virar um inferno.
— Eu serei sua Wes, mas deixe Léo ir embora, ele é só uma criança. —
Disse em meio às lágrimas que tomaram conta de mim.
— Você está fiando maluca? O pirralho vai direto para a polícia.
— Ele não vai. Léo me ama e me escuta, ele vai fazer o que eu disser. —
Tentei falar com calma.
— Não tente me enganar sua putinha. — Ele andou rapidamente até
mim, e agarrou meu pescoço, me pressionando contra a parede e enfiou a ponta
da arma na minha boca, a senti na minha garganta, seu corpo me espremeu
contra a parede.
— Isso tudo é culpa sua! Você me deixou assim. Você fez isso comigo,
Camila. Você me transformou nisso. E agora eu preciso de você. — Ele movia a
cabeça de um lado para outro, seu corpo parecia estar em alta demência de
drogas, pelo modo elétrico e agitado que se movia. Seu bafo forte e odor
repugnante abrangeram minhas narinas, deveria fazer tempo que ele estava
escondido ali. Meu estômago se revirou ao imaginar tudo o que ele poderia fazer
comigo.
Ele retorceu o cano da arma na minha garganta, fazendo me inclinar o
pescoço para trás, e lágrimas saírem de meus olhos pelo esforço de manter
minha garganta aberta, estava me machucando. Ele começou a desbotoar minha
camisa.
— Você vai dá para mim, e você vai amar isso, Camila. Você vai me
amar, não é?
E numa fração de segundos ele foi arrancado de cima de mim. Felipe deu
um soco na cara dele, o fazendo cambalear e a arma cair longe, os dois
começaram uma briga trocando socos. Sangue explodiu do nariz de Wes, mas ele
acertou um soco em Felipe fazendo o bater na parede. Felipe tinha uma arma
também, mas quando ele a tirou do bolso de trás e apontou para o Wes, ele se
jogou contra Felipe fazendo a sua arma cair no chão. Então os dois começaram
uma troca de socos, e apesar de Wes estar em um estado demente, ele ainda
conseguia acertar alguns golpes em Felipe.
Felipe deve ter usado o GPS do celular de Léo para encontrá-lo.
“Por que não pensei nisso antes de vir até aqui e querer bancar a
heroína?”
Corri em direção a Léo, e o desamarrei e arranquei sua mordaça,
enquanto Felipe e Wes continuavam a trocar socos, chutes e golpes.
— Fuja, Camila! Saia daqui com Léo. — Felipe gritou, e eu e Léo nos
apressamos para sair pela porta da frente. E em questões de segundos, num golpe
de sorte por Felipe ter se distraído, Wes se abaixou e pegou uma das armas do
chão, mirando em mim e Léo.
E em instantes o som do tiro ecoou no meu cérebro.
Capítulo 64
Camila


Felipe pulou na frente de Léo o protegendo da bala, seu corpo caiu no
chão, enquanto o corpo de Léo e o meu foram arremessados para trás e Wes
apenas riu diabolicamente.
O gemido de dor que escapou pela boca de Felipe, fez meu coração
tremer. Olhei para seu peito e sangue já manchava de vermelho a sua camiseta
branca.
— Hoje você vai morrer. — Wes gritou, apontando a arma para Felipe.
Ele estava determinado a matá-lo e eu não deixaria isso acontecer. Eu já tinha
sofrido demais na minha vida, Wes já tinha tirado coisas demais de mim, ele não
faria mais isso.
Avistei a arma que era de Felipe no chão ao lado da porta, tomei coragem
e juntei a arma que estava próxima de mim, sentindo meus dedos envolveram o
aço frio. Minhas mãos tremeram ao apontar a arma para Wes, mas eu atirei, sem
hesitar. Atirei antes mesmo que Wes conseguisse tirar de mim mais alguém que
eu amasse. O tiro acertou Wes, sem que ele tivesse tempo de conseguir ver o que
atingia, o tiro foi certeiro, bem no meio do peito. Ele caiu de joelhos na minha
frente, seus olhos vidrados me encarando, e foi nesse instante que eu percebi que
tinha acabado de matar uma pessoa, mas isso não me deixou mal, me deu alivio,
pois Wes não poderia ser considerado uma pessoa, ele era um monstro. O corpo
caiu no chão e sangue escorreu ao seu redor, o encarei até ele dar seu último
suspiro, absorvendo a sensação de que agora ele jamais faria mal a outra pessoa,
jamais faria mal a mim novamente.
E então corri em direção a Felipe, caí de joelhos ao seu lado, apoiando
sua cabeça no meu colo, seus olhos piscando fracamente. Ele fez esforço, e um
vislumbre de sorriso apareceu em seus lábios.
— Você foi corajosa, minha menina. — Sua voz fraca, num sussurro.
— Não Felipe, fica comigo! Por favor! Corra Léo, vai chamar ajuda. —
Praticamente gritei para Léo que estava parado nos encarando. Ele estava
assustado e chorando.
Léo chacoalhou a cabeça como se tivesse percebido que tínhamos que
sermos fortes nesse momento, então ele assentiu determinado e saiu correndo
pela porta.
Felipe segurou minha mão.
— Não foi você Felipe, não foi você que matou meu pai. Foi Wes.
Seu sorriso se abrangeu, mas então ele tossiu e sangue escorreu de sua
boca.
— Agora eu estou em paz, Camila. Pois agora eu tenho a certeza que
você me ama e que eu não sou um assassino. Eu amo tanto você que chega a
doer. Só espero que na próxima vida, eu te encontre novamente, Camila. — Ele
disse, e eu chorei sem conseguir conter a aflição de perdê-lo novamente, mas
agora, eu sabia que seria para sempre.
Baixei meus lábios até os seus e o beijei delicadamente. Minha blusa e
minhas mãos já sujas por todo o sangue que escoria de seu peito. Mesmo que eu
tentasse estancar o sangue, nada parecia estar adiantando.
— Eu amo você, Felipe. — Falei, sentindo toda a dor e medo
preencherem meu peito.
Então ele respirou fundo e seus olhos se fecharam.
Epílogo
Camila

Sete meses haviam se passado, e a dor ainda permanecia no meu peito.
Hoje, diferente dos outros dias, era um dia triste, um dia de luto e que fazia meu
coração sangrar.
“O dia de sua morte”.
Estacionei o carro na entrada do cemitério, deixando minha bolsa em
cima do banco do passageiro e pegando o ramalhete de flores que eu trouxe.
Desembarquei do carro devagar, cuidando para não bater minha barriga, ela já
estava grande agora, e minhas roupas comuns não me serviam mais.
Andei devagar por entre as lápides, procurando a que eu queria encontrar.
O vento estava gelado agora, por ser fim de tarde e fazia meu vestido flutuar ao
meu redor. Lembro-me de que ele amava quando eu usava vestido, ele sempre
me dizia que eu parecia uma princesa. Sorri, imaginando como ele estaria feliz
agora.
Parei em frente ao túmulo, que por vezes ficava difícil eu conseguir
visitar, doía demais. As cicatrizes de sua morte ainda não haviam sido curadas,
acho que jamais seriam.
O nome do meu pai estava escrito grande no meio da lápide de cimento,
e flores já murchas dispostas em cima da grama. Tirei as antigas flores, as
trocando por novas.
As lágrimas surgiram, e como sempre, vinham sem aviso.
Passei a minha mão na minha barriga confortando o neném que se movia,
ele deveria ter percebido que eu estava triste. A recém saí do médico e descobri
que o bebê será um menino.
Sorri.
“Felipe ficará tão feliz ao descobrir isso”.
E quando eu menos espero, braços me envolvem e ele cheira a curva do
meu pescoço.
— Ei. — Digo sorrindo.
Nós havíamos combinado de nos encontrar aqui hoje, para contarmos
juntos a papai qual seria o sexo do bebê. Felipe por estar no trabalho também
ainda não sabia.
— Oi, amor! — Ele diz, e eu viro-me para ver Felipe com um sorriso de
orelha a orelha. — Como estão meus dois amores? — Ele pergunta colando seus
lábios nos meus, delicadamente.
— Estamos bem. — Passo a mão na minha barriga. — Diga olá para o
papai.
Felipe se abaixa ao nível da minha barriga e passa a mão sobre ela e logo
um chutinho aparece.
O bebê sempre parece saber quando Felipe se aproxima, pois ele
começava a se revirar na minha barriga. Era impressionante. Ele deve amá-lo
tanto quanto eu.
— Ele já parece amar você! — Falei sorrindo.
— Ele? — Felipe ajeita sua postura, seus olhos brilhando e sua expressão
especulativa.
— Sim, ele! — Eu concordo sorrindo.
Felipe sorri largamente e me abraça, depositando um beijo sobre meus
lábios.
— Então eu já decidi, — ele diz me olhando, contente. — o nome dele
será Henrique.
E o fato dele querer dar o nome do meu pai ao nosso filho, é apenas um
dos milhares de motivos que me faz amar Felipe tanto assim.
...
— É acabou! — Diz o Cupido, limpando as suas lágrimas do canto dos
olhos. — Cara, eu adoro esta história.
— Eu também, acho que fizemos um belo trabalho com essa, não é
mesmo?
— Sim, com certeza. — ele se levanta do sofá. — Agora preciso ir,
tenho trabalho a fazer, sabe como é né, alguns corações para flechar! — eu ri.
— Ok, até à próxima, Cupido.
— Até mais, Destino.
Ele sai pela porta, segurando seu arco e flecha, seus cachinhos dourados
balançando no ar.
Eu me levanto do sofá e encaro você que acompanhou essa história até
agora com a gente.
— E bem... Eu havia me esquecido de me apresentar, não é mesmo?
Então, eu sou o Destino. Pois é, trabalho difícil o meu, né? Mas eu adoro ser eu,
adoro ver que não importa as circunstâncias, as coisas sempre dão certo no final.
E a melhor parte do meu trabalho, é ver os amores verdadeiros tomarem forma,
ganharem vida e se encontrarem. — Suspiro. — Não importa se hoje, você ainda
não encontrou ninguém, talvez o que eu tenha determinado para você, aconteça
somente daqui alguns anos, — Dou de ombros. — e não venha me xingar agora,
quando chegar o dia certo, você entenderá por que tudo é do jeito que é.
— Então meu único conselho para você é que, acima de tudo, você ame.
Ame como se fosse à única coisa que você seja capaz de fazer, por que no final,
o seu diploma, seu emprego, o dinheiro, não importará nada. Só importará com
que intensidade você amou as pessoas ao seu redor e o quanto você se doou a
elas. Por isso seja como for, ame infinitamente como se não houvesse amanhã.
Ame agora, hoje e todos os dias. — Sorrio. — Até a próxima, Você!
Agradecimentos

Não foi fácil chegar até aqui.
Este foi um livro muito difícil de escrever. Teve alguns momentos que
tive que parar, suspirar profundamente para poder continuar. Eu chorei e senti a
dor dos personagens. Foi um livro que me fez pensar um pouco na importância
do amor e do perdão. Então não posso deixar de agradecer a você por ter lido e
sentindo todos esses sentimentos comigo.
Também gostaria de agradecer meu marido, Rafael Barp, por me mostrar
e viver comigo o sentimento amor.
A minha amiga, Nina Cavalcante por todo apoio e por sempre estar ao
meu lado. Você é o Vic da minha Camila.
E a Deus por sempre me reger e me iluminar.
Beijos de luz.

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