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O Beijo do Incubus
Copyright © 2016 R. B. MUTTY
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução não autorizada.
Capa:
© Can Stock Photo / artofphoto
Design da capa:
R. B. Mutty
Sumário
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 2.5
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Epílogo
Outros títulos por R. B. Mutty
O Amante do Tritão – Amostra
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 01
Miguel
Eu apertei meus olhos, irritado com as luzinhas piscantes. Aquela boate estúpida com
certeza não era meu lugar.
Evitando a pista de dança como se fosse a morte, eu me escorei no balcão do bar e pedi
qualquer coisa, desde que fosse bem forte.
Um cara bêbado se aproximou de mim com aquele olhar de quem me comia com os
olhos. Eu o dispensei e desci o copo de vodka no segundo em que o bartender me serviu.
Só bebendo para aguentar essa desgraça de lugar.
Eu bati o copo na mesa, tossindo para o cheiro horrível e gosto pior ainda. Droga, como
eu queria ir embora. Duas da manhã de sábado e eu ali, me embebedando como um
adolescente enquanto meu Netflix e meu sofá macio me esperavam, em casa. Nunca mais
deixaria Rosier me convencer de nada. Eu precisava superar o Érico, mas esse não me parecia
o jeito certo.
Mais um cara veio babar pra cima de mim. Que saco. Eu nem era tão atlético assim, e
sentei justamente para esconder minha bunda, que diziam ser a melhor parte do meu corpo.
Talvez fosse meu cabelo? Rosier sugeriu que eu escovasse as mechas ruivas para trás e
expusesse meus olhos verdes, e eu obedeci como um cachorrinho. Que diferença fazia a cor
dos meus olhos naquele subsolo escuro fedendo a gelo seco?
Eu fechei os botões de cima da camisa e me levantei, deixando o novo pretendente
falando sozinho. Esses caras não eram feios mas... O Érico talvez voltasse, não é? Nós
terminamos há apenas três meses. Nesse tempo eu hibernei na mansão do Rosier como um
imprestável, até ele me convencer, sei lá como, que amassar uns caras era a chave da
felicidade.
Não sei porque eu ainda escutava o Rosier, mas pelo menos entrei na única boate que
ele me proibiu de frequentar. Eu conseguia ser um pouquinho rebelde.
Eu vasculhava meus bolsos pela minha carteira, quando bati o ombro em um cara e
quase me arrebentei no chão. O cara segurou meus braços antes que eu caísse.
"Cuidado aí, bonitão." Ele lambeu os lábios, deixando os longos cabelos loiro escuro
caírem sobre o rosto. Seus olhos se afiaram para mim como agulhas, brilhando azuis mesmo
naquela escuridão multicolorida. "Ei, te vi no bar, antes. O da bunda gostosa. Posso dar umas
mordiscadas, lá no fundo?"
Eu abri a boca em indignação. De todas as cantadas, essa foi de longe a mais rude.
Ainda assim, meu coração disparou. O rosto do cara era lindo, talvez o mais bonito daquele
lugar, mas a calça jeans enorme e o capuz do moletom preto sobre a cabeça lhe davam um
aspecto de meliante. Um estudante de Direito não se envolvia com gente perigosa.
"Talvez depois" Respondi, chocado comigo mesmo. Eu deveria ter empurrado esse
idiota e livrado meus braços que, pensando bem, ele não havia soltado desde que tropecei.
Suas mãos firmes nos meus bíceps faziam meu peito disparar, algo em mim desejava que ele
me puxasse contra o corpo dele, e me apalpasse todo.
O cara desceu os olhos por mim e subiu de novo, me encarando sedutoramente. Um
olhar lindo, do tipo que arqueava acompanhando o sorriso. A forma como ele lambeu os dentes
brancos e perfeitos me aqueceu de um jeito estranho. Talvez fosse a bebida. Sim, com certeza
era a bebida.
Quando meu coração já relampejava, ansioso por um contato mais próximo, o cara
soltou meus braços e recuou alguns passos, me mandando uma piscadinha.
"Me procura, quando mudar de ideia." Ele desapareceu na pista de dança, em meio à
multidão.
Meu corpo pareceu pegar fogo, e eu senti o instinto primal de perseguí-lo e me jogar
aos seus pés. Mas assim que ele desapareceu de vista eu percebi a estupidez em tentar isso.
Confuso e assustado com minhas próprias atitudes, eu esfreguei os braços onde ele
havia me segurado. Certo, isso foi estranho. Um motivo a mais para eu desaparecer dali.
Empurrei a multidão em direção à saída e entrei na fila para pagar.
Quando chegou minha vez, qualquer fogo que ainda houvesse no meu corpo tornou-se
gelo.
"Sérgio?" Perguntei, meu estômago borbulhando em um nervosismo insuportável.
"Não acredito." Atrás do caixa, Sérgio abriu um sorriso sincero, mas meio
desconfortável. Ele estendeu o braço pelo buraco de passar o dinheiro e tentou apertar minha
mão, mas eu recuei. "Miguel, não te vejo há meses. Que bom te ver saindo, depois que..."
Vencido pelo desconforto, Sérgio recolheu a mão, baixou a cabeça e me entregou o
troco. Eu não consegui nem pegar as moedas. Meu coração latejava mais alto que a música.
Sérgio. Esqueci que ele e Érico pretendiam abrir uma boate. Nunca imaginei que fosse
essa.
"Como está o Érico?" Perguntei, minha voz tremendo de um jeito patético. Eu devia ter
sumido dali, com troco ou sem. Mas como eu poderia? Eu não via o Érico desde que ele me
trocou por esse empresário ridículo.
Alguém apareceu pelos fundos do balcão.
"Ei docinho, já repus as caixas do estoque, então quando..." Ele ergueu os olhos pra
mim e seu lindo sorriso se desmanchou, assim como qualquer traço da minha auto-estima. "Oi,
Miguel." Ele me disse.
Cabelos bagunçados, olhos castanho-claros, quase dourados, e um irresistível sotaque
hispânico. Meu Érico, por quem jurei meu amor tantas mil vezes. Meu Érico, que agora
chamava o moreno sem sal de 'docinho'. Ele nunca me chamou de nada além de 'Miguel'.
As luzes piscantes se misturaram na minha visão borrada pelas lágrimas. Eu recuei
enquanto Sérgio e Érico trocaram um olhar de constrangimento. Só podia ser um pesadelo.
Quando eu acordasse, Érico estaria ao meu lado me dizendo coisas lindas.
Exceto que não. As alianças douradas nos dedos dos dois me lembravam que eu era um
idiota. Um idiota que aos vinte anos se embebedava em boates enquanto o ex já noivava com
outro cara, e realizava o sonho de ter seu próprio negócio.
Érico tentou falar alguma coisa, e eu corri. Corri para fora e pelas ruas úmidas e vazias
da madrugada até as pernas doerem, e meu coração não aguentar mais.
Arfando e soluçando, eu me escorei na parede de um prédio, ao lado de um beco
escuro.
Droga, eu estava tendo uma recaída. Tentei pegar o celular no bolso da calça, mas
minhas mãos tremiam, e eu chorava tanto que não conseguiria achar o número do Rosier.
Passos solitários ecoaram pela calçada. Desconfiado sobre quem seria àquela hora, eu
me virei na direção do som, secando as lágrimas com as mangas da camisa. Meu peito doía
como se bombeasse vinagre e ainda assim eu desejava que fosse o Érico. Desejava vê-lo
correndo para mim, implorando pelo meu perdão e prometendo que tudo seria diferente.
Mas claro que não era o Érico. Conforme se aproximava na ruela escura, eu reconheci
sua silhueta. Calças largas demais, capuz do moletom preto sobre a cabeça. O grosseirão de
antes.
"O quê você quer?" Perguntei. Só faltava esse cara me assaltar, depois de tudo isso.
Alto e sensual, o cara parou na minha frente e baixou o olhar para o meu.
Eu recuei alguns passos até perceber que adentrava o beco escuro. Eu me apoiei na
parede deixando ele se aproximar, meu peito acelerando a cada passo dele na minha direção. E
não era pelo medo.
Depois de ter visto o Érico, como esse cara ainda conseguia mexer comigo?
O cara puxou algo do próprio bolso e bateu com ele na minha testa. Eu apertei os olhos,
mas era algo macio e pequeno.
"Sua carteira. Você esqueceu." Falou ele, com uma voz macia e bonita que eu não havia
percebido, naquela barulheira.
Eu tomei a carteira das mãos dele e meu rosto se aqueceu. Droga, minha primeira saída
em meses, e eu só estava me envergonhando.
"Me agarra." Sussurrei, como se minhas cordas vocais tivessem vida própria.
"Como assim?" Perguntou ele, com um tom confuso. Mas o passo que ele deu à frente
demonstrava que ele havia entendido, e muito bem. O peito dele pressionou de leve contra o
meu.
"Me agarra. Beija. Sei lá. Não me importo mais." Eu encostei a cabeça na parede e
deixei que visse meu rosto, mesmo sabendo que as lágrimas voltaram.
Rosier estava certo. O amor era uma ilusão estúpida. Estava na hora de eu abandoná-lo.
O cara baixou o rosto, e seus lábios tocaram os meus, tão macios e quentes.
Eu arqueei as costas, me deixando envolver por suas carícias. As mãos do cara
passearam por mim, esfregando-se aos lados da minha cintura e subindo minha camisa,
enquanto sua língua ameaçava penetrar minha boca, sem forçar. Para um bandido grosseirão,
esse cara sabia respeitar meu ritmo.
E nossa, como beijava bem. Meu primeiro beijo em alguém que não fosse Érico, e eu
precisava me conter para não gemer. Eu relaxei a mandíbula e deixei sua língua me invadir,
explorando cada canto da minha boca. Se esse cara continuasse me beijando assim, eu
começaria a me despir.
Meu corpo ardia em tesão e calor. Era tão inexplicável quanto delicioso.
Eu erguia as mãos para desabotoar a camisa quando o cara afastou os lábios e sorriu
para mim. Ele tocou os lábios molhados no ouvido.
"Você quer se apaixonar de novo?" Ele me perguntou.
Eu franzi a testa. Que raios de pergunta era essa?
"Um mês. É tudo o que preciso." Ele continuou. "Em trinta dias serei o amor da sua
vida."
O quê?
Finalmente percebi a situação patética em que me encontrava. Aquele não era eu. O
Miguel estudante sério de Direito nunca estaria numa ruela escura, às três da manhã, trocando
beijos com um cara mal-educado e vestido como um bandido.
"Obrigado pela carteira." Eu empurrei ele para o lado e segui no meu caminho para
casa.
Trinta dias para me apaixonar? Que ridículo. O amor não era para mim.
Eu nunca mais conseguiria amar alguém.
Capítulo 02
Miguel
Após dar um longo depoimento da noite anterior, eu mergulhei na piscina do Rosier até
o pescoço e tentei me acalmar.
"E é por isso que eu nunca mais vou te ouvir." Completei, estapeando água sobre ele.
Em sua espreguiçadeira, Rosier esfregou as gotas d'água pelos gomos de músculo em
sua barriga, não querendo estragar seu bronzeamento impecável. Mesmo que os óculos escuros
escondessem sua expressão, um sorrisinho discreto mostrava o quanto ele se divertia.
"Não vá ao Estrela da Noite, eu disse, e o quê você fez? A culpa não foi minha, mon
ami. Você precisa sair mais. Ou pelo menos voltar para sua casa."
"Está me mandando embora?" Perguntei.
"Você sabe que não." Ele ergueu o óculos e piscou para mim, com seus olhos cinza de
longos cílios. Eu sabia que ele estava implicando comigo. Rosier carregava no sotaque francês
quando estava sendo um idiota. "Você precisa sair dessa, Mi. Estou preocupado."
Eu me debrucei na borda da piscina e bufei, aborrecido. Odiava quando Rosier estava
certo, e ele geralmente estava. Ele sempre foi como um irmão, desde que éramos crianças. Nós
costumávamos brincar juntos, e escalar árvores, e essas coisas, até Rosier herdar uma fortuna
do avô, aos quinze anos. Por esse motivo e outro que não quero lembrar, ele transformou sua
personalidade. Mas eu o aceitava do jeito que era.
Rosier era mais que um francês elegante, loiro e promíscuo. Ele era meu melhor amigo.
"No próximo sábado vou com você." Falou Rosier, exatamente como eu temia. "Você
ficou muito tempo longe do jogo, Mi. Vamos passar o rodo em qualquer festa que formos.
Você vai beijar até sua boca cair, e quem sabe até..."
"Teve esse outro cara." Eu encostei a testa na parede da piscina, escondendo o
vermelhão no rosto. Contar a Rosier seria uma péssima idéia. Mas quando consegui manter
segredos com ele?
Rosier demorou a responder, e eu sabia que estava abrindo um sorriso de orelha a
orelha, com os olhos cintilando em fascínio e as mãos tremendo de expectativa.
"Quem?" Perguntou ele, sem disfarçar a empolgação extrema na voz.
Quem? Como assim, quem? Meu Deus, eu nem sabia o nome do cara. Rosier riria de
mim até o fim dos tempos. Miguel, o ruivo quietinho, corrompido pelo bad boy misterioso.
"Esquece o que eu disse." Falei, como se isso fosse ser possível. "Ele era estranho."
"Estranho como? Ele te beijou? Quero cada detalhe."
Meu corpo ferveu com a palavra 'beijou', e eu me senti atordoado. Sempre que pensava
no beijo a lembrança vinha nublada como em um sonho, e então vinham os espasmos de calor.
Droga, eu não devia mesmo ter contado. Por quê meu peito disparava, só de pensar
nele? Aquela voz grossa e provocativa ainda ecoava nos meus ouvidos. Em trinta dias serei o
amor da sua vida. Só podia ser um lunático.
"Foi... bom." Sussurrei, sentindo o rosto arder. "Bom e... gostoso, eu acho? Não me
faça contar."
Um estouro molhado me fez encolher em surpresa. Eu olhei para trás, ondulando para
cima e para baixo pela água agitada.
"Rosier, avise antes de saltar na piscina!"
Rosier emergiu e agitou os cabelos molhados. Ele nadou até mim e apoiou as mãos na
borda, uma para cada lado dos meus ombros. Seu sorriso era tão largo quanto eu previa.
"Onde ele mora? Chegou a conhecer a casa dele, ou o levou para a sua?"
"O quê? Não! Nós nos beijamos por uns dois minutos, e eu fui embora. Não vou voltar
pra a minha casa, Rosier. Os quadros estão por todas as paredes."
"Eu já me ofereci para jogar tudo fora. Você é fofo, Mi. Se quiser morar comigo para
sempre, precisa apenas me pedir." Rosier acariciou o lado do meu rosto, encolhendo o sorriso
para uma expressão mais caridosa.
Eu revirei os olhos, e observei a mansão logo adiante. Quinze quartos, e nenhum deles
isolado dos gemidos escandalosos do Rosier e seus muitos amantes. Uma orgia por noite,
como ele podia aguentar disso? Eu deixaria a mansão imediatamente, se tivesse coragem de
voltar.
Percebendo o quanto Rosier continha sua empolgação, resolvi jogar mais um osso.
"O cabelo do cara era como uma cascata cor-de-palha, que deslizava do capuz ao peito.
E eu nunca vi um sorriso como o dele, tão afiado e travesso, e ao mesmo tempo tão bonito. E
as roupas eram enormes, mas ele parecia ser magro. O Érico é tão musculoso, não faz sentido
eu gostar de um magricelo, não é?"
Rosier soltou uma risadinha, e eu percebi que eu também estava sorrindo. Eu
desmanchei meu sorriso, mas Rosier já havia retornado ao modo empolgação total.
"Precisamos reencontrar esse cara." Falou ele, feliz como uma criança na manhã de
Natal. "Qual o nome dele? Onde ele trabalha? Pegou o número?"
Eu cobri o rosto com as mãos e balancei a cabeça. "Não me faz voltar na boate, por
favor."
Rosier apertou a mão molhada no meu ombro, mas nada me convenceria após aquela
noite de pesadelo. Eu só beijei o cara estranho por simples desespero. Rosier devia saber. Não
valia a pena esbarrar no Érico apenas para reencontrá-lo.
"Vou manter o casalzinho idiota bem ocupado, caso eles apareçam. Você volte lá
sábado que vem, e consiga o nome daquele cara." Rosier deu um peteleco no meu nariz.
Eu massageei o nariz ao som das risadas do Rosier. Mesmo fisicamente, nós éramos tão
diferentes. Anos de academia com personal trainers e tratamentos cosméticos caros deixaram
Rosier como um modelo de cuecas. Peito pronunciado, barriga seca e firme, bíceps saltados,
coxas fortes e bunda redonda e empinada. O corpo de um bilionário com tempo demais para
cuidar da aparência. Nem a enorme cicatriz em seu peito reduzia sua beleza.
Enquanto isso, meus músculos murcharam nos meses de depressão e eu era branco
demais, com sardas nos ombros. Talvez devesse frequentar a academia da mansão mais vezes.
Meu único atributo positivo parecia ser minha bunda, e eu odiava isso.
Você quer se apaixonar de novo? Em trinta dias, serei o amor da sua vida.
Eu massageei a testa, sentindo a tontura voltar. Precisava esquecer aquele cara, não
correr atrás dele.
Eu mergulhei para escapar de Rosier, bati as pernas em torno da piscina e deitei sobre a
água, assistindo as nuvens passarem sobre mim. Todos os eu-te-amo do Érico não foram nada.
Meu amor incondicional não foi nada. Ninguém poderia mudar essa realidade.
"O amor não serve pra nada." Falei.
"É isso aí." Rosier coçou a cicatriz vertical em seu peito, me assistindo nadar. "O amor
é apenas uma mentira."
Capítulo 2.5
Prólogo - Thanos
Eu vasculhei a pista de dança, verifiquei cada banco do bar, e até espreitei as cabines
dos banheiros.
Maldição, que perda de tempo!
Eu soquei a cabine do banheiro e voltei à pista de dança, chutando o que encontrasse
pela frente.
Trinta dias para apaixonar algum cara e eu desperdicei sete deles, esperando que o
ruivinho voltasse naquela boate, sábado seguinte.
Eu sentei num desses sofás grudentos e fedendo a cerveja e deitei o rosto nas mãos.
Calma, Thanos. Ainda haviam três semanas. Eu podia conquistar outro cara e enfim me
tornaria um anjo, ao invés do escravo sexual de um príncipe dos demônios.
Nesse ritmo eu perderia mesmo a aposta.
Puta que o pariu! Miguel parecia ser um alvo tão fácil. Quieto, tímido, e com uma aura
triste que era tão provocadora quanto sensual. Os documentos na carteira me revelaram apenas
seu nome.
Eu não sabia o que fazer. Meu bom senso me mandava desistir, e algo desconhecido
insistia em me fazer esperar. Eu até deixei meu endereço entre as notas de dinheiro dele, como
um adolescente estúpido.
Como eu era idiota. Claro que Miguel não visitaria minha casa, ele era fácil, não burro.
O dramalhão que ele fez ao encontrar o gerente confirmava o quanto seria simples seduzí-lo.
Eram nos corações vazios que eu encontrava meu espaço, e atacava.
Ainda assim, era estranho que eu pensasse tanto nele. Eu poderia encontrar outros
corações desamparados se procurasse, mas depois de conhecer Miguel eu simplesmente
desisti.
"Oi, misterioso." Um moreno de voz afetada piscou pra mim, girando o martini em seu
copo. "Tá sozinho?"
"Sai." Falei, emputecido demais para lidar com essas bichas mal-comidas.
Indignado, o cara jogou o martini na minha cara, empinou o rosto e foi embora.
Eu gritei de dor nos olhos, secando a bebida com as mangas do moletom. Filho da puta.
Fodam-se esses caras, e foda-se esse maldito bar. Caçar homens era muito mais divertido
quando não havia um prazo, e quando eu não precisava me vestir como um delinquente dos
anos noventa.
A sensação dos lábios do Miguel nos meus voltou à minha memória. Ainda me
surpreendia que tivesse sido ele a me provocar e seduzir. Não parecia combinar com sua
personalidade. Mas nem a pau que eu reclamaria. Foi um dos meus melhores beijos, e eu
geralmente tô pouco me fodendo pra preliminares.
Eu deitei a testa nas mãos. Calma, Thanos. Miguel é apenas um alvo, dos tantos que
você já teve. Você estava apenas nervoso com a aposta, e o tempo no deserto de vento te
desorientou. A falta de sexo te fez ver coisas que não existem.
Isso mesmo, trouxas que entregavam o coração aos outros nunca teriam meu respeito.
Eu precisava apenas aceitar minha derrota com o ruivinho trágico e pescar um novo alvo.
Meu peito apertou, como sempre apertava ao pensar em novos alvos. Odiava admitir,
mas algo no beijo desesperado e cheio de necessidade do Miguel mexeu comigo. E se o prazo
acabasse sem que nos reencontrássemos?
O batidão funk que estremecia o salão diminuiu, e o apito de um microfone me fez
eriçar os lábios. Merda, eu precisava de música, não do discurso idiota de algum DJ.
"Atenção cara sexy de capuz." Falou um homem de sotaque francês "Se estiver aí, meu
amigo quer ter uma palavrinha com você."
"Rosier, eu vou te matar!" Falou uma segunda voz, que eu reconheci. Os sons de sopro
e batidas no microfone ecoaram pelo salão, assim como as risadas do primeiro cara. Houve um
bipe agudo, e a música voltou ao normal.
Eu arqueei as sobrancelhas, e me virei para a plataforma do DJ, que ficava sobre um
mezanino contornado por luzes neon. O DJ reclamava com dois homens, e eu definitivamente
conhecia um deles.
Meu coração bateu tão forte que eu segurei o peito do moletom. Miguel. Miguel estava
aqui.
Eu corri em direção às escadas. Quando subi o primeiro degrau ele já estava descendo,
e nossos olhares se cruzaram.
O tempo pareceu parar e o único som passou a ser o do meu coração, tentando saltar
para fora do peito.
Ridículo, eu sei.
"É esse o tal cara gostoso?" O francês loiro acotovelou Miguel, rindo travessamente.
"Que é isso, Mi? Desde quando você tem bom gosto?"
Miguel não respondeu. O olhar dele manteve-se no meu de tal forma que meu corpo se
aqueceu, como se cada célula minha ansiasse por seus lindos olhos verdes e cabelo ruivo, que
ele agora usava bagunçado para o lado, o que só o deixava mais sexy.
Se Miguel não aceitasse ser meu alvo, eu não sei o que eu faria.
Percebendo nosso congelamento mútuo, o Francês riu e deu uns tapas nas costas do
Miguel. "Estarei na pista de dança. Não me decepcione." Ele desceu as escadas, passando por
mim.
Mesmo sozinhos, nós continuamos travados. Eu abri a boca para falar algo, e Miguel
falou junto e nós dois silenciamos de novo.
Miguel sorriu para mim com seus lindos dentes brancos e lábios tão rosados que eu
ansiava por beijá-los ali mesmo.
"Você gosta mesmo dessa boate." Ele brincou com o cabelo.
A música trocou para outra, ainda mais alta. Estávamos ao lado das caixas de som do
DJ, conversar ali seria estúpido.
"Quer ir lá fora?" Perguntei.
"Quero, por favor." Respondeu ele, com ansiedade na voz..
****
No fim nós não só deixamos a boate como caminhamos algumas quadras, até a ruela
solitária e fria da última vez.
Miguel andava alguns passos à minha frente, e a visão fervia meu sangue. Ele não
vestia calças tão apertadas, da última vez. Aquela bundinha empinada e firme parecia coisa de
filme. Não combinava com o nerd sofredor e deslocado que bebia sozinho na semana passada.
A idéia de que ele se vestiu assim para me encontrar ferveu meu sangue ainda mais.
Miguel apoiou as costas na entrada do beco, me fitando com um olhar brilhante e
envergonhado.
"Me desculpe pelo microfone. Eu tentei parar o Rosier, mas ele..."
"Você tem um bom amigo." Eu toquei o pescoço de Miguel e afaguei suavemente,
testando meus limites com todo o cuidado.. "E aquela boate é uma merda. Só voltei para
esperar alguém."
Para minha surpresa, Miguel inclinou o pescoço e me deixou acariciá-lo livremente. "E
quem é o homem de sorte?" Perguntou ele, com um sorrisinho que tentava ser travesso.
Como resposta, eu desci as mãos até seu quadril e o beijei nos lábios, esperando pouco
até invadí-lo com a língua. Os gemidos de Miguel ameaçavam me enlouquecer. Seu perfume
de amêndoa invadia minhas narinas, me convidando a descer beijos pelo seu pescoço. E foi o
que eu fiz.
Gemendo alto quando passei a língua na curva do seu pescoço, Miguel ergueu uma
perna e laçou por trás da minha coxa. Eu arfei de surpresa e prazer, embora estivesse
apreensivo. Não queria Miguel percebendo minha ereção, mas desse jeito seria impossível.
Cedendo aos meus impulsos, eu colei meu corpo ao dele e o segurei pelas nádegas
durinhas e perfeitas, deixando que passasse as duas pernas ao meu redor. Eu o ergui até nivelar
nossos lábios, e quase gemi eu mesmo ao percebê-lo tão duro quanto eu.
Eu afastei nossos lábios, arfando pesado. "Quer ir pra outro lugar?"
Vermelho e ofegante, Miguel discordou com a cabeça e voltou a me beijar.
Enlouquecido pelo tesão e também bastante confuso, eu me deixei levar por sua língua
faminta. Beijar Miguel de novo foi meu único pensamento dos últimos sete dias. E isso estava
sendo muito melhor que qualquer imaginação.
Eu acariciei seus glúteos e o beijei perto da orelha. Seu queixo arredondado, sua pele
alva e macia, tudo em Miguel parecia projetado a me provocar.
A qualquer momento algum de seus beijos seria o de amor verdadeiro.
A qualquer momento eu me livraria do inferno, e me tornaria um anjo.
A qualquer momento Miguel morreria.
"O que é isso?" Perguntou Miguel, olhando para cima.
Fervendo demais para raciocinar, eu demorei a entender. Meu capuz estava quase
caindo.
Na minha pressa para cobrir a cabeça, eu soltei as nádegas do Miguel, e ele caiu.
"Ai!" Ele se agarrou na parede, quase caindo de bunda no chão. "O que houve?"
"Desculpa." Falei, tentando esconder o nervosismo com um sorriso confiante. Eu puxei
o capuz até quase cobrir o rosto. "É melhor eu ir."
"Tão cedo?" Perguntou Miguel. Os olhos dele cintilaram em uma tristeza contida.
"Perdão, eu não quis ir tão rápido, eu só..."
Eu dei um passo para trás, sentindo desaparecer o aroma gostoso de amêndoas. Eu iria
matar Miguel. Precisava fazer isso. Eu só... não queria terminar tudo agora.
"Não sou nenhum assassino." Falei. De certa forma, era uma completa mentira. "Pode
me visitar quando quiser. Eu te espero de novo, lá em casa."
Miguel franziu a testa. "Te visitar? E como assim, me esperar de novo?"
Eu contraí as pálpebras e ri, percebendo o quanto fui idiota.
"Verifique a sua carteira." Falei. “Estarei livre amanhã à tarde.”
Enquanto eu me afastava, Miguel gritou por mim. "Meu nome é Miguel Bellomi! Eu
ainda não sei seu nome!"
Eu ri e me virei para ele. "Meu nome é Thanos Desipio. Espero te conhecer melhor,
Miguel."
Capítulo 04
Thanos
Eu não sabia o que esperar da casa do Thanos, mas não imaginava um lugar tão...
normal. A entrada dava direto para a sala de estar, com um sofá branco e uma TV de tela
plana, algumas pinturas genéricas nas paredes e um balcão na parede oposta, dando vista à
cozinha americana. Duas portas adiante indicavam o que deviam ser o banheiro e o único
quarto.
Eu absorvi cada detalhe daquele lugar, tentando me distrair da pessoa bem à minha
frente.
Uma semana inteira pensando em Thanos. O interesse inicial do Rosier já havia se
tornado horror, pois eu não conseguia falar de outra coisa. Os cabelos escorridos e longos, os
olhos azuis e penetrantes... Isso sem contar no nosso reencontro. Meus lábios ainda
formigavam só em lembrar de seus beijos.
Nunca imaginei que Thanos tivesse escondido seu endereço entre meus cartões de
crédito. Quando contei ao Rosier ele quis me bater, eu não havia lhe contado a parte da carteira
esquecida, então ele não tinha como desconfiar.
Agora que estávamos sob o mesmo teto eu apenas suava frio e mexia os dedos como
um neurótico, sem saber o que fazer com as mãos.
Mesmo em casa, Thanos usava o mesmo moletom preto e calças largas. Que preguiça
de comprar roupas novas. A camisa cor de vinho e calças embaraçosamente justas que Rosier
me fez vestir me faziam sentir inadequado para a ocasião.
"Hum... senta aí, ou sei lá" Thanos coçou o pescoço. "Vou fazer um café."
Assim que ouvi sua voz, o calorão voltou. Uma onda elétrica intensa e selvagem nublou
minha visão e me fez querer uma única coisa. O corpo de Thanos colado ao meu, nossos
suores se misturando numa paixão infinita e ardente.
Meu peito disparou, e eu corri para Thanos jogando-me em seus braços. Ele me olhou
assustado quando eu segurei seu pulso e selei meus lábios nos dele. O calor de Thanos era
como oxigênio. Eu precisava provar dele, sentir sua língua contra a minha, ou eu iria sufocar.
Thanos gemeu na minha boca, mais parecendo um resmungo. Afagando meu pescoço
com a mão livre, ele afastou os lábios.
"Por quê quis saber onde Lúcio morava?" Ele me perguntou, em um tom aborrecido.
Eu franzi a testa, precisando de um tempo para entender. Quando percebi o mal
entendido, comecei a rir.
"Rosier me trouxe de carro. Ele ia me esperar alguns minutos, para caso tudo desse
errado. Perguntei, porque talvez Rosier lhe desse uma carona."
Thanos baixou os olhos para os meus, fazendo a exata expressão de quem havia sido
estúpido, e sabia disso.
Quanto mais Thanos corava, mais eu ria. Me agradava saber que a energia intensa e
misteriosa entre nós dois não afetava apenas a mim.
"Esquece o café, vamos pro sofá." Falei, com uma voz erótica que eu não sabia ter. Eu
beijei a curva quente de seu pescoço cheio de desejo incontido, movendo meu corpo em gestos
tão promíscuos que não me reconhecia. Eu queimava por dentro, ansiando continuar de onde
paramos ontem. Na casa de Thanos não haveriam limites.
Eu vim com a intenção de me desculpar pelo exagero de ontem, e agora isso me parecia
absurdo. Como eu pude querer conversar com ele? Apenas seu corpo forte me importava. "Me
segura como fez ontem. Quero mais." Falei, já arfando em expectativa.
Com o corpo colado ao meu, Thanos alcançou meus lábios outra vez, me fazendo
relampejar por dentro. Os lábios dele curvaram em um sorriso.
Ele me observou com seus lindos olhos azul-celestes e piscou para mim. Uma onda
elétrica arrepiou meu corpo.
Meu rosto ardeu de vergonha quando me percebi na ponta dos pés, esfregando minha
virilha contra a dele e ainda segurando seu pulso agressivamente. Ah, meu Deus. Eu apareci
para pedir desculpas e o ataquei de novo, qual era o meu problema?
"Perdão, perdão!" Eu me afastei, com os olhos molhados de vexame e horror. "Não sei
porque faço isso, juro que não sou assim, eu só..."
Thanos riu, se aproximou do meu rosto e me deu um selinho. "Eu acredito."
Com o coração saindo pela boca, eu assisti Thanos passar o café e nos servir. Eu lacei
meus dedos na xícara quente, tentando me acalmar com o calor e o aroma gostoso de café.
Minha libido com Érico nunca saiu do normal. Podíamos transar uma vez por semana
ou cinco, e eu não morreria de falta nem me enjoaria pelo excesso. Três meses sem sexo não
pareciam o suficiente para me transformar num ninfomaníaco. Eu nem pensava em outros
relacionamentos antes de encontrar Thanos pela primeira vez.
"Quando você disse que me apaixonaria..." Falei, pensando alto. A proposta de Thanos
ecoava na minha cabeça como um disco riscado.
Escorado na bancada da pia, Thanos apertou os lábios, pensativo. Seus olhos cintilaram
para mim como duas safiras.
"Falei sério. Antes que novembro chegue ao fim, vou te fazer me amar." Ele engoliu
seco, e o café ondulou com o tremor de suas mãos. "Se quiser, é claro."
Eu sorri com o canto do lábio. Algo em Thanos me parecia diferente, mas a palavra
amor queimava meu peito de forma horrível. No que dependesse de mim, a desilusão que tive
com Érico não se repetiria.
Precisei desviar o olhar do lindo semblante de Thanos, ou tive certeza que aceitaria sua
proposta absurda. Que péssima idéia tocar nesse assunto. Se eu começasse a chorar, Thanos
me jogaria para fora.
Uma coisa escura presa na porta da geladeira distraiu minha angústia. Uma pena negra?
Eu puxei a pena e a observei. Nunca vi uma tão grande e bonita. O reflexo avermelhado
cintilava conforme a girava entre os dedos.
"Você faz macumba?" Perguntei brincando, mas o pavor na expressão de Thanos me
fez considerar se não acertei em cheio.
Percebendo que ele congelou no lugar, eu abri a porta da geladeira, torcendo para não
encontrar o resto da galinha. Não encontrei nada. Literalmente nada. Aliás, havia uma caixa de
leite que eu sacudi, e estava vazia. "Alguém precisa fazer compras."
"Não preciso comer." Falou ele, com a voz tremida e engasgada. "Deveríamos nos
conhecer melhor, não acha? Por quê não vemos um filme?"
Eu murchei os lábios em um asterisco, e beberiquei meu café. Agora que parei de me
esfregar no Thanos, quem estava sendo estranho era ele.
"Olha, Thanos. Você me encontrou num momento vulnerável, e isso lhe causou uma
impressão errada de mim. Não costumo ser chorão e carente." Falei, tentando parecer calmo.
Por mais que o convite me agradasse, meu coração não aguentaria assistir filmes com outro
homem. "Café, diversão e palavras macias não vão abrir meu coração." Não uma segunda vez.
Thanos murchou os lábios e estalou a língua nos dentes. Ele deixou a xícara na pia e
retornou à sala, a passos ríspidos.
Confuso, eu deixei minha xícara sobre a dele, guardei a pena no bolso da camisa e o
segui.
"Thanos..." Eu o encontrei andando em círculos pela sala, apertando as mãos atrás da
cabeça, em frustração absoluta.
"Tenho apenas mais vinte e dois dias! Quero dizer... posso te fazer me amar em vinte e
dois dias." Thanos veio até mim e segurou minhas mãos contra seu peito, me fitando cheio de
ansiedade e uma pontinha de... pânico? "Me deixe tentar, por favor."
Meu coração deu um salto, e eu quase disse sim na hora. Eu não podia deixar meus
sentimentos me traírem. Thanos e eu mal nos conhecíamos, era impossível que ele estivesse
apaixonado, não era? Eu só iria me machucar de novo.
Ainda assim, que um homem tão lindo me desejasse dessa forma... Eu podia ceder só
um pouco. Não. Eu queria ceder.
"Podemos apenas sair?" Perguntei, tentando não ronronar de prazer ao toque macio de
Thanos nas minhas mãos. Eu me aproximei um passo, querendo sentir seu calor. "Vamos ter
encontros. Nos conhecer fazendo coisas juntos."
Thanos soltou o ar devagar, e passou uma mão por trás dos meus ombros, colando meu
rosto em seu peito quente. "Por quanto tempo?" Ele me perguntou.
Eu dei de ombros. Como se isso importasse. As carícias de Thanos me faziam desejar
que fosse para sempre, mas eu não seria trouxa.
Tudo termina.
"Acho que não tenho escolha." Ele beijou meu ouvido, evitando, sem perceber, que eu
tivesse outra crise de choro. "Onde quer ter nosso primeiro encontro?"
Meus lábios se esticaram, e eu ri contra o peito dele. Eu ergui meus olhos para Thanos e
lambi os lábios, travessamente.
"Você tem uma chance de adivinhar."
Capítulo 06
Miguel
"...e então nós adicionamos uns cinco potes diferentes de maionese e fomos buscar um
terceiro carrinho, porque os primeiros dois..."
Eu interrompi meu discurso e joguei água na cara do Rosier, que já estava olhando pro
céu de novo, sorrindo como um besta.
Rosier resmungou quando os respingos molharam a pena que dei à ele. Ele debateu os
pés na borda da piscina, tentando me afogar em um mini-tsunami.
"Eu estou te ouvindo!" Falou ele, agitando a pena para secá-la. "Um encontro no
supermercado. Eu ri tanto que minhas costelas ainda dóem."
Eu fiz um biquinho e continuei. "Enfim. Quando enchemos o terceiro carrinho o
Thanos me prensou de novo, dessa vez na prateleira de sopas. Uma senhorinha flagrou nosso
beijo e nós tivemos que..."
O olhar de Rosier já estava no céu azul e brilhante do final de outubro. Ele suspirou
longamente e jogou os cachos loiros para o lado, como num ensaio fotográfico.
Eu também suspirei. Em frustração.
"Está bem. Me conta sobre sua maldita transa de ontem." Resmunguei.
O olhar de Rosier se iluminou e ele se dependurou na borda da piscina, quase caindo
sobre mim. Seu sorriso brilhava de uma orelha à outra.
"Não foi uma transa, Mi. Foi o melhor sexo de toda a minha vida. Onde aquele homem
esteve, todo esse tempo? Ele transa como um demônio."
Eu arqueei a sobrancelha, levemente curioso. A intensa vida sexual do Rosier não me
interessava em nada, mas eu nunca o vi tão empolgado sobre sexo. Ou sobre qualquer coisa.
"Um demônio, é?" Perguntei, instigando-o a continuar logo. Eu queria falar sobre o
Thanos, sobre o quanto me diverti com ele ontem à tarde. Sobre como ele foi gentil e não
tentou me forçar a nada, nem quando nos enroscamos sob as cobertas e assistimos três
temporadas de Breaking Bad, até o sono nos derrotar.
Mesmo lavado no cloro da piscina eu ainda sentia o cheiro de Thanos em mim. Um
aroma de desodorante masculino comum, mas que se misturava ao cheiro natural dele de um
jeito tão único, que eu não conseguia esquecer.
Opa, agora quem não estava ouvindo era eu.
"...cinco vezes, Mi. Cinco vezes, numa única noite, e a energia dele não dava sinais de
esgotar. E eu implorava, como nunca implorei antes. Aquele aroma de orquídeas parecia
penetrar minha pele, como um feromônio que me fazia continuar para sempre." Rosier
observou a pena com um olhar deslumbrado, e deu uma longa fungada na ponta. "Quase sinto
o cheiro dele, nessa coisa. Acha que pode ser dele? Uma caneta-pena, como daquelas antigas?"
Eu sorri com o canto do lábio. "Quem usaria uma caneta-pena nos dias de..." Um
arrepio percorreu meu corpo. "Espera, você está falando do primo do Thanos?"
Rosier riu, admirando o brilho sobrenatural da pena, sob o sol.
"Então eles são primos? Quando Lúcio me encontrou te esperando cheguei a pensar
mesmo que ele só queria conhecer a cidade. Em meia hora estávamos no meu quarto e..."
Rosier estremeceu em um calafrio intenso. "...ai, mon ami. As coisas que ele sabe fazer..."
Rosier riu de novo, mas eu não achei graça alguma. Ele vivia pelo prazer sem
consequências, e quebrava corações como um confeiteiro quebrava ovos. Quando ele sabotasse
o primo do Thanos, o problema com certeza respingaria em mim.
"Rosier, você precisa terminar com ele." Falei, afundando na piscina até o queixo para
esfriar minha raiva.
Rosier saiu de seu estado aéreo por um segundo, percebeu minha expressão de
incômodo e desatou a gargalhar.
"Relaxa, Mi. Você sabe que não transo duas vezes com o mesmo cara. Foi uma noite
sensacional, mas que ficará na memória, como todas as outras."
Eu torci meu lábio, não muito convencido, mas Rosier estava certo. Para alguém que
não queria um relacionamento com Thanos, eu me preocupava demais.
Você quer se apaixonar de novo?
Eu mergulhei e exalei sob a água, soltando uma cortina de bolhas. Quando eu me
esqueceria disso?
Thanos era tão diferente de Érico. Érico nunca veria diversão em empilhar caixas de
macarrão como um castelo de cartas e depois apostar corrida de carrinho de compras, num
supermercado, às onze da noite. Érico estudava administração, e tinha horários regrados até
para transar. Meia noite já estaria dormindo. Mas ele também me conhecia como ninguém,
sabia o que eu pensava antes mesmo de eu falar, e eu também lia a mente dele.
Menos na parte do estou te trocando por outro mais competente e esperto. Essa parte
me pegou de surpresa, completamente.
Eu emergi e joguei mais água no rosto, disfarçando minhas lágrimas. Thanos nunca me
conheceria como Érico conheceu. A atração inexplicável dele por mim o faria se divertir com
qualquer coisa, provavelmente. Dando a chance, em dois meses ele me acharia um completo
tédio. Thanos era diferente demais.
Talvez tão diferente, que não me largasse como Érico fez.
Ridículo. Eu não podia estar mesmo considerando a proposta dele.
"Ele me disse que nunca se apaixonou." Pensei em voz alta e, para meu azar, dessa vez
Rosier me ouviu.
"Ainda bem. Digo, é disso que você precisa agora, Mi. Diversão, risadas e muito, muito
sexo. Qual o tamanho dele, falando nisso? Porque o Lúcio, mon Dieu, eu nunca pensei que..."
Eu mergulhei minhas orelhas, escolhendo proteger a inocência que me restava. O
excesso de informação de Rosier entrou como um borbulhar difuso nos meus ouvidos, e eu
refleti sobre as primeiras palavras dele.
Tudo bem mesmo, alguém nunca se apaixonar? E por quê Thanos me contou isso? Pela
proposta dele, eu o imaginava como um delinquente rude por fora, e um romântico incorrigível
por dentro. Talvez ele fosse mesmo cem por cento delinquente, e quisesse apenas brincar com
meus sentimentos, por diversão.
Estranhamente, por mais plausível que essa teoria fosse, nenhuma célula dentro de mim
acreditava que Thanos fosse capaz de me magoar.
Meu coração bateu forte, como quando Thanos me beijou sob os cobertores macios, e
como quando ele alisou meu cabelo e elogiou minha aparência, entre um episódio e outro de
Breaking Bad.
Posso te fazer me amar em vinte e dois dias. Por favor, me deixe tentar.
Eu esfreguei meus cabelos molhados, gritei embaixo d'água e emergi, à beira de
sufocar.
Droga, eu estava prestes a cometer um erro, não estava?
Capítulo 07
Thanos
Eu vasculhei as duzentas sacolas que se erguiam da minha mesa de jantar até quase o
teto. Minhas mãos percorreram algo frio, e eu encontrei um pacote de salsichas.
Puta merda, cinco horas guardando compras, e eu ainda encontrava comida refrigerada.
Suspirando em cansaço, eu contornei o balcão até a cozinha e abri a porta da geladeira,
derrubando uma quantidade absurda de laticínios, legumes e potes de iogurte.
Eu lutei para socar tudo de volta, como num jogo de Tetris. Devia ter aceitado a ajuda
do Miguel, mas não. Eu precisava ter sido um cavalheiro e dito que guardaria tudo depois.
Um sorriso involuntário se formou nos meus lábios ao lembrar da nossa maratona de
Netflix. Miguel se encaixava tão perfeitamente contra o meu peito que parecíamos duas
metades de uma coisa só. Eu nunca dormi de conchinha quando era vivo. Pensei que dormir
sem transar me deixaria insuportável hoje, mas eu não conseguia desmanchar meu sorriso.
Infelizmente, um estalo familiar atrás de mim me lembrou que sim, eu conseguia
desmanchar meu sorriso muito bem.
O familiar turbilhão de penas, fumaça e sombras se formou atrás de mim. A fumaça se
dissipou e Lúcio apareceu em seu lugar.
"Você não cansa de voltar?" Rosnei, forçando as costas contra a porta da geladeira.
Lúcio bateu uma pena solta de seu impecável casaco vermelho. "Papai está
insuportável. Subindo pelas paredes, por causa do pergaminho que desapareceu." Ele soltou o
ar, aborrecido, e logo retornou ao modo sorridente e idiota que eu detestava desde o começo.
"Além do mais, preciso contar a alguém sobre meu encontro de ontem. Humanos são fracos e
inferiores, eu sei, mas o homem com quem saí..."
"Não quero saber." Eu passei pelo Lúcio de volta à sala.
Lúcio me seguiu e se aterrorizou com a pilha de compras.
"O que é isso?" Ele esganiçou a voz, em choque.
"Resultado do encontro mais esquisito da minha vida."
Eu sorri de novo. Lembrando dos amassos que trocamos, e da alegria do Miguel ao me
detalhar o uso de ingredientes que eu nunca havia visto. Tudo sobre ontem foi tão estranho,
quanto perfeito.
"Como pagou tudo isso? Posso ter hipnotizado o síndico para manter sua casa
disponível, mas o banco não cancelou sua conta?"
"Sou um demônio, Lúcio. Posso passar alguns cheques sem fundo." Além do mais, eu
logo desapareceria do plano dos vivos. Para sempre.
E meu poder de sedução decidiria se eu iria para cima, ou para baixo.
"Preciso mesmo matar um humano?" Perguntei, sentindo meu peito espremer.
"Se um mortal apaixonado beijar um incubus, ele morre. É como funciona."
"E se eu apaixonar um imortal, ainda posso me tornar um anjo?" Perguntei.
Lúcio vasculhou as sacolas até encontrar as maçãs. Ele deu uma larga mordida e gemeu
de prazer, ainda mais alegre que o normal. "Não tente, Thanos. Você é gostoso, mas minha
atração por você é apenas física."
Eu avermelhei de raiva. "Não estou insinuando isso, seu príncipe estúpido! Só quero me
tornar um anjo e esquecer sua cara, de preferência sem matar ninguém." Especialmente o
Miguel.
Lúcio terminou sua maçã, com um bom humor inabalável.
"Se te consola, ao tornar-se um anjo, não nos veremos mais. Os bastardinhos
branquelos são invisíveis às criaturas dos outros planos." Lúcio sorriu para mim, todo
arrogante e contente. "Como eu ia dizendo, o humano de ontem era fenomenal. Vinte e dois
incubus e seis succubus no meu harém, e foi este humano quem me fez ver estrelas. Ele
suplicava por mais tão sedento e necessitado, que o meu corpo..."
Uma música tocou no meu bolso, no celular que comprei ontem. Meu peito disparou
porque só podia ser uma pessoa. Eu tomei o celular nas mãos e apreciei aquele lindo ruivo de
olhos verdes, que fazia um vê para a foto com uma expressão tão tímida quanto feliz.
"Quem é?" Lúcio se jogou sobre mim, tentando ver a tela. Suas asas abanando batiam
pelos meus móveis, esvoaçando as sacolas vazias por toda a sala. "É o Rosier?"
Eu revirei os olhos e atendi o celular. "Oi, Miguel."
Miguel gaguejou alguma coisa, e eu ri através do meu largo sorriso.
"Thanos, oi. Você atendeu, mesmo." Ele disse, enfim. Eu podia até imaginá-lo
encolhido em sua cama com o celular grudado no ouvido e um vermelho intenso em seu
rostinho alvo. "Eu, hum, o quê está fazendo?"
"Guardando compras, e suportando o meu primo." Falei, empurrando Lúcio para longe
e ignorando os recados que ele tentava me passar. "Como foi sua aula?"
"Terminou agora pouco." Miguel riu, gradualmente mais relaxado. "Quer fazer alguma
coisa?"
Meu coração pulsou. Miguel, me chamando para sair? Não o imaginava com tanta
iniciativa.
Eu engoli seco, e tentei conter a alegria no meu interior. Manipular o coração dos
homens era minha profissão. Se Miguel decidiu me convidar, era porque confiava demais no
meu sim. Eu precisava me fazer de indisponível para mantê-lo interessado.
"Não sei, hoje fica difícil." Me forcei a falar. "Verei na minha agenda, e talvez
amanhã..."
Lúcio arrancou o celular da minha mão e correu antes que eu pudesse entender o que
aconteceu.
"Miguel, oi! O Rosier está com você?" Perguntou ele. Eu me joguei no celular e Lúcio
me interceptou, metendo a asa na minha cara. "Ótima idéia! Claro que vou. Sim, estaremos lá!
Manda um beijo pro Rosier. Pare de rir, eu falei sério."
Quando eu enfim me livrei daquelas malditas asas, Lúcio me entregou o celular, já
desligado.
Ele sorriu para mim, agitando a cauda como um cachorro histérico.
"Arrume-se decentemente. Teremos um encontro duplo."
Eu arregalei os olhos, paralizado. Lúcio baixou meu capuz e cobriu meus chifres com
um fedora preto.
Embora estivesse indignado, eu agradeci Lúcio internamente. Graças a ele eu
reencontraria Miguel. Meu peito trepidou numa expectativa que eu não sabia ser capaz de
sentir.
Lúcio tirou uma escovinha do bolso e penteou o cabelo. Suas asas, chifres e cauda
desapareceram como ontem, o deixando indistinguível de um humano comum.
"Como você faz isso?" Perguntei, apertando a cauda que eu mantinha enrolada ao redor
da perna.
"Isso o quê?" Pelo sorriso travesso, era óbvio que Lúcio sabia muito bem.
"Me ensina. Miguel não pode me ver assim." Pedi, engolindo meu orgulho.
Lúcio jogou a escova em algum lugar do sofá e passou a mão por trás do meu ombro,
me empurrando até a porta.
"Que diversão haveria nisso?" Perguntou ele, com a voz distorcida pelas risadas.
"Vamos, não podemos deixar nossos rapazes esperando.”
Capítulo 08
Thanos
Eu abri os olhos para o teto do meu quarto, e logo me lembrei do pesadelo horrível que
eu tive. Fotos do Érico por toda a parte, Lúcifer estremecendo minha sala, e Thanos se
revelando um demônio.
Um toque no pescoço me fez engasgar em susto. Thanos estava deitado ao meu lado.
"Você está melhor?" Ele perguntou.
Eu ergui os olhos até o topo da cabeça dele, e uma lágrima desceu ao longo do meu
nariz. Era verdade, mesmo.
Contendo uma crise de choro, eu ergui a mão até aquelas coisas. Os olhos de Thanos
acompanharam meu movimento hesitante mas, assim como quando tirei seu chapéu, ele não
tentou me impedir.
Eu deslizei os dedos por um dos chifres. Era muito duro, áspero e frio. Eu desci até a
base, confirmando que ele surgia da pele, provavelmente ligado ao crânio. No fundo eu queria
acreditar que fosse uma tiara, mas realmente não era.
"Deixa eu ver o resto." Pedi.
"O resto?" Thanos virou na cama, ficando de frente para mim. Seu olhar tremulava,
mas eu não entendia o medo dele. Eu quem deveria estar aterrorizado. O demônio era ele, não
eu.
Talvez fosse o estado de choque, mas eu sentia apenas curiosidade e um pouco de raiva.
"Seu rabo e asas. Você é como eles, não é?"
Thanos suspirou, e levantou da cama. "Sou um incubus há pouco tempo, não sei se
posso brotar asas, mas..."
Thanos soltou os botões e as largas calças jeans cederam aos tornozelos. Ele virou de
costas, revelando uma longa cauda que escapava por um furo na cueca branca.
Eu sentei para observar aquela coisa, que Thanos abanava para demonstrar que era de
verdade. Meu senso comum me mandava gritar, arremessar coisas e ligar para um exorcista,
mas eu só conseguia pensar que, hum, a bunda do Thanos era mais gostosa do que eu
imaginava.
Quando estiquei a mão para tocar a cauda, Thanos contraiu os ombros, enrolou a cauda
da perna e subiu as calças, num movimento rápido.
"Se nunca mais quiser me ver, eu entendo." Falou Thanos.
"Você tem poderes, também?" Eu já não sabia se estava curioso, se queria questioná-lo
por desconfiança, ou se simplesmente havia enlouquecido.
Thanos deitou ao meu lado como antes, sobre os lençóis brancos e limpos que ele
provavelmente havia arrumado para mim.
"Fui transformado um dia antes de te conhecer, eu não sei." Thanos torceu o lábio,
talvez vasculhando a memória, talvez escolhendo como me enganar.
"Thanos, por sua culpa Lúcifer quebrou meus bibelôs importados e meu melhor amigo
está transando com o príncipe do inferno. Você pode responder melhor que isso."
Thanos enterrou a cara no travesseiro. "Eu te enfeiticei, tá bom? Não foi de propósito.
Eu consertei as coisas assim que descobri como. Ok, eu deixei você se esfregar em mim um
pouquinho mais, mas te desenfeiticei no mesmo dia, eu juro."
Eu abri a boca, em choque. A memória da primeira semana voltou com força, e tudo
começou a fazer sentido.
"Seu... seu safado!" Eu apertei a orelha dele, o fazendo olhar para mim. "Eu pensei em
você por uma semana inteira, e não foi tipo 'ah, que cara bonito eu beijei na festa'. Não! Uma
semana inteira tendo dez ereções por dia, a maioria durante a aula! Eu passava mais tempo no
banheiro da faculdade do que..."
Quando percebi as besteiras que estava falando, meu rosto queimou de vergonha e eu
calei a boca.
Inicialmente assustado, Thanos relaxou os músculos e esboçou um sorriso.
"Eu também pensei em você. Pensei de um jeito normal, claro, mas eu voltei praquela
boate horrorosa por um motivo."
Thanos corou suavemente, e qualquer traço de raiva desapareceu de mim.
"Fico feliz em ter voltado lá, também." Eu me aproximei e roçei meus lábios nos dele.
"Não esconda mais nada de mim."
Ao invés de responder, Thanos se virou para cima, desviando os lábios dos meus.
"Você têm aula amanhã, e eu preciso ter uma longa conversa com o Lúcio. É melhor
dormirmos."
Eu murchei os lábios, frustrado. Depois de tudo o que aconteceu, Thanos não ia nem
contar por que Lúcifer queria a alma dele? Ele pensava que poderia me desconversar e dormir?
Eu parecia ser tão bonzinho assim?
"Quero mexer na sua cauda." Falei. Pelo menos essa migalha eu merecia ter.
Thanos reabriu os olhos num instante e me fitou com o canto do olhar. "Não."
O nervosismo dele apemas me atiçou. "Por favor."
Thanos pensou por alguns segundos e bufou, descendo as calças e virando de bruços.
Ele abraçou o travesseiro e deitou o rosto nele.
"Não aperte e não tente dobrar." Falou ele, como se eu fosse capaz de machucá-lo.
Ele desenrolou a cauda da perna e a deixou esticar.
Eu resolvi me deixar à vontade, e sentei sobre as coxas de Thanos, com um joelho para
cada lado. Minhas mãos suavam em expectativa e ansiedade enquanto eu aproximava a ponta
dos dedos.
E então eu segurei, apertando perto da ponta triangular.
Thanos estremeceu e arfou contra o travesseiro, mas meu fascínio por aquela coisa me
fez ignorá-lo. A cauda era tão longa quanto as pernas de Thanos, e tinha sua mesma
temperatura corporal. A textura era muito macia e agradável, como um bastão de veludo.
Aos poucos eu consegui relaxar, e quase me acostumar à ideia de que eu estava saindo
com um demônio. Eu segurei próximo à ponta com uma mão, e com a outra eu desci de cima a
baixo ao longo da extensão, brincando com a textura.
Thanos tremia sob mim, os músculos fortes de suas coxas se contraíam e eu podia ouvir
sua respiração abafada.
Heheh, o que aconteceria se eu tocasse a ponta?
Eu subi a mão que mantinha a cauda erguida, até tocar o triângulo final. Eu deslizei
meu polegar sobre a superfície achatada percebendo que era tão aveludada quanto o resto. A
ponta era afiada e dura. Eu girei o indicador sobre ela, sem conseguir dobrar.
Só então percebi o quanto Thanos se debatia, sob mim. Ele ainda estava de cuecas e
com aquele moletom ridículo, e abraçava meu travesseiro com força, pressionando-o contra o
rosto. Eu só podia ver o vermelho em seu pescoço, quase oculto sob as mechas longas.
"Isso é bom?" Perguntei, ainda alisando a longa cauda de cima a baixo. Era viciante
como estourar plástico-bolha. A textura fazia cócegas nas minhas mãos.
Thanos balançou a cabeça, tremendo cada vez mais. Eu ri. Ele não parecia estar
odiando.
Eu baixei os olhos para as nádegas dele e meu rosto aqueceu. Eu queria tocar, mas
Thanos já parecia no limite de sua paciência, e eu ainda queria me vingar por ter me enganado
sobre seu 'primo'.
Discretamente, eu levei a ponta triangular aos meus lábios, e dei uma longa lambida. A
sensação do veludo na minha língua era esquisita, e não tinha gosto de nada. Mas o triângulo
pareceu tremer, me instigando a lamber de novo.
"N-não." Thanos gemeu, arqueando as costas e esfregando as pernas uma na outra.
Eu abri um sorriso travesso, me divertindo demais. Prestes a rir, eu soprei contra a
ponta molhada, fazendo toda a cauda extremecer, como em um arrepio violento.
Thanos gemeu alto, e ainda mais quando eu voltei a lamber, passando a língua pela
borda afiada.
Eu me endireitei sobre as coxas dele, antes que ele percebesse meu corpo reagindo. Os
gemidos desesperados de Thanos causavam ondas de calor dentro de mim. O que aconteceria
se eu colocasse a cauda dentro da boca?
Tão excitado quanto me divertindo, eu abri a boca e puxei a ponta para dentro.
Antes que eu fechasse meus lábios, Thanos arrancou a cauda das minhas mãos e girou o
corpo, me derrubando para o lado. Eu nunca vi ele tão vermelho e envergonhado.
Thanos envolveu a cauda nas mãos como uma mãe protegendo o filhote.
"Vai. Dormir." Ele rosnou, ainda estremecendo. Assim que baixei os olhos para a frente
da cueca dele, Thanos virou para o outro lado, soltando um grunhido frustrado.
Eu torci o lábio, levemente indignado, e deitei virando para o lado oposto. Poxa, eu só
estava brincando.
Quando eu estava quase apagando, Thanos virou para mim e me abraçou, de conchinha.
Um sorriso enorme se formou nos meus lábios, e eu fingi continuar dormindo. Não demorou
muito para que a respiração quente de Thanos e suas pernas laçadas nas minhas me
adormecessem em um sono confortável e feliz.
Capítulo 11
Miguel
Foram dois dias de trabalho intenso após o fim das aulas, mas a casa finalmente estava
limpa.
Eu sequei o suor da testa e joguei o pano na pia, apreciando o reluzir do meu fogão de
oito bocas e da mesa metálica onde eu costumava passar horas inventando pratos. Parecia uma
cozinha daqueles dos programas de culinária. E o melhor: Nenhuma foto, bilhetinho ou fio de
cabelo do Érico em lugar algum. Thanos inspecionou cada canto e se livrou de tudo, como um
detetive profissional.
Minha casa finalmente era só minha, e a sensação era bem menos agoniante do que eu
esperava. Na verdade, eu não conseguia parar de sorrir.
Thanos não parecia tão tranquilo.
"Três pias. Vinte e oito panelas. Um forno de pizza!" Thanos circulou os olhos pela
cozinha, ainda embasbacado com a quantidade de equipamentos.
"Meus pais quiseram me agradar." Sorri, acariciando meu liquidificador profissional
como um filho que eu enfim reencontrei. "Mas eu larguei a Faculdade de Gastronomia. Preciso
me tornar alguém mais sério."
Thanos sentou na bancada da pia, abanando a cauda por um furo atrás da calça. "O que
uma coisa tem a ver com outra?" Ele me perguntou.
"Cozinhar é estúpido, não é? Érico insistiu numa carreira mais respeitável. E Direito
nem é tão ruim assim. Eu talvez seja um bom advogado, um dia."
Os lábios de Thanos se afinaram em uma linha. Ele balançou as pernas, pensativo.
Droga, talvez eu devesse mesmo vender essas coisas. Ele devia achar tudo isso tão ridículo.
"Quando eu era criança, minha mãe sempre fazia meus bolos de aniversário." Ele disse.
"Bolo de morango, daqueles com camadas de leite condensado e chantili, e um monte de
merengue e chocolate granulado em cima. Era meu bolo favorito."
Eu franzi a testa, sem saber onde ele queria chegar.
"Eu adoraria provar um bolo assim de novo" Ele continuou. "Você sabe fazer?"
"Se eu sei fazer?" Eu sorri com o canto do lábio e segurei os lados da cintura,
orgulhoso. "Eu era o melhor da turma, nas aulas de sobremesa. Faço qualquer bolo de olhos
vendados."
“Então faça.” Thanos riu e enroscou a cauda no meu pulso, me puxando para seus
braços. "Eu mal posso esperar."
Eu deixei ele me abraçar, e aninhei a cabeça em seu peito, sentindo a ansiedade me
engolir. Ele queria mesmo que eu cozinhasse pra ele? Érico sempre brigava pelo tempo que eu
passava na cozinha. Ele ganhava o bastante para vivermos de tele-entrega e restaurantes.
Droga, quando eu esqueceria aquele desgraçado?
"Vamos buscar as compras na sua casa, e passar no mercadinho aqui perto. Farei o
melhor bolo que você já provou."
Thanos concordou com um sorriso sincero, mesmo ao perceber o quanto minhas mãos
tremiam.
****
A visita ao mercadinho ocorreu sem transtornos. O lugar era pequeno demais para
Thanos agarrar minha bunda, mas ele bem que tentou quando me abaixei para alcançar os
morangos.
Não sei se foi intencional da parte do Thanos, mas quando voltamos para minha casa eu
já estava feliz e tranquilo.
"Conseguiu encontrar o Lúcio?" Perguntei, enquanto organizava as latas sobre a mesa.
"Rosier não para de falar nele. Primeiro brigava comigo por tê-lo chamado ao parque, e agora
por não saber onde ele está."
"Desapareceu. Deve estar no tal palácio dele. No inferno." Thanos suspirou. "Você está
lidando bem demais com essa situação."
"Você não é uma pessoa ruim, Thanos. Se Lúcio é seu amigo, tenho certeza que tudo
vai se resolver." Falei, encontrando o tubo de chantili e o pacote de morangos. As frutas
reluziam vermelhas e frescas sob o filme plástico.
"Eu não seria tão otimista."
Eu fui até Thanos e cutuquei um morango em seus lábios rosados e lindos. "Não
entendo o quê você viu em mim, Thanos, mas eu quero corresponder seus sentimentos."
Thanos mordeu um cantinho do morango e eu mordi o outro, dando-lhe um beijinho
adocicado. "Você ainda tem doze dias, mas acho que vencerá sua aposta ainda antes."
Minhas palavras fizeram Thanos estremecer. Eu engoli minha metade do morango e
lambi os lábios, assistindo ele fazer o mesmo. Thanos era tão fofo.
Eu esperei Thanos me abraçar e cobrir de beijos, como ele fazia ao ser provocado, mas
Thanos se manteve estático. Será que falei algo errado?
Oh, bem, já eram quase dez da noite. Eu precisava pelo menos por o bolo para assar.
"Por quê Lúcifer quer te levar de volta, afinal?" Eu medi a farinha e o fermento e bati
com com os ovos e o açúcar, numa tigela. O aroma doce me encheu de nostalgia. "Digo, eu já
entendi que Lúcio te transformou, mas nunca ouvi falar em outros demônios morando entre os
vivos. Como você veio parar aqui?"
"Eu... eu tenho assuntos a resolver."
"Assuntos pendentes, tipo nos filmes? Você resolve seu problema e vira um anjo, ou
coisa assim?"
Thanos demorou alguns segundos. "Precisa de ajuda com o bolo?"
Um arrepio de nervosismo esfriou minha espinha. "Por que mudou de assunto? Você
pretende me abandonar, é isso?"
Thanos estremeceu. "Não, claro que não! Como você disse, tudo vai se resolver."
Em meu nervosismo, o batedor escorregou da minha mão e uma gota de massa
respingou no meu rosto. Eu devia estar sendo louco. Thanos era um incubus e eu aqui, agindo
naturalmente. Eu não podia nem determinar a idade dele, ou por que ele foi parar no inferno, e
também não tinha coragem de perguntar.
Enquanto eu batia o bolo na tigela sobre a mesa, Thanos envolveu os braços no meu
peito, por trás de mim. O corpo dele pressionou contra minhas costas me fazendo arfar.
"Eu vou dar um jeito. Prometo." Thanos inclinou o pescoço sobre meu ombro e lambeu
a gota no meu rosto.
Eu virei o pescoço para beijá-lo, e ele se afastou.
"Está gostoso?" Perguntei, meio sem graça.
"Uma delícia." Thanos desceu as mãos até minha cintura e subiu minha camisa,
alisando diretamente a minha pele. "Não quer ajuda mesmo?"
Eu gemi baixinho, prensado entre a borda da mesa e o quadril dele. "Você podia bater
pra mim." Eu avermelhei. "o bolo, quero dizer."
Ao invés de se afastar, Thanos tomou o batedor e a tigela das minhas mãos e passou a
mexer de um jeito desajeitado, com o torso ainda colado às minhas costas.
Ah, meu Deus. Meu sangue parecia prestes a ferver. Por algum motivo Thanos nunca
tentou nada comigo, e isso sensibilizava meus nervos a cada dia.
"Mais rápido, com delicadeza." Instruí, ciente do duplo sentido em tudo o que eu
falava.
Thanos girou o batedor rapidamente contra a tigela, revirando a massa amarelada e
inundando a cozinha num aroma delicioso de baunilha. O movimento agitava seu corpo atrás
de mim, roçando sua virilha contra a minha bunda.
"Assim está bom?" Perguntou ele.
"Continua." Eu fechei os olhos, sem saber para o que estava respondendo.
Thanos respirou pesado no esforço de bater o bolo e me prensou ainda mais, fazendo
meu volume esfregar contra a borda da mesa. Algo duro cutucava a base das minhas costas. O
safado estava mesmo me torturando.
"Já chega." Miei, deitando os cotovelos na mesa. Meu corpo inflamava, e minhas
pernas começavam a perder as forças.
Thanos soltou a tigela mais adiante, mas continuou atrás de mim. Ele desceu as mãos
pelo meu quadril e apertou minhas nádegas, empinando-as até algo duro roçar entre elas,
através das nossas calças.
Eu gemi alto e deitei a cabeça nas mãos, rebolando contra ele. Não sei como chegamos
nisso, mas eu queria. Ah, meu Deus, como eu queria.
Enquanto se esfregava atrás de mim, Thanos deitou o peito nas minhas costas e tocou
os lábios no meu ouvido.
"Não mexa mais na minha cauda." Ele sussurrou, e se afastou de mim logo depois.
Com os olhos do tamanho da cara e o volume nas calças enrijecido como pedra, eu
assisti Thanos deixar a cozinha, segurando-se para não rir.
Mas que filho da puta.
Capítulo 12
Thanos
Assim que deixei a cozinha eu disparei para fora da casa e continuei correndo, só
parando para descansar duas quadras adiante.
Com o rosto queimando e o corpo ainda mais quente, eu sequei o suor que vertia da
minha testa, arfando pesado e lutando para pensar em qualquer coisa, qualquer coisa que não
fosse Miguel suplicando por mim, rebolando sua bundinha perfeita no meu pau.
Acho que consegui disfarçar bem, mas puta merda, eu quase não resisti dessa vez.
"Lúcio!" Eu gritei para o ar, vagando pela rua vazia que nem um louco. "Lúcio, eu sei
que você pode me ouvir! Apareça, seu desgraçado!"
Para minha surpresa, um tornado negro realmente se formou logo adiante, num espaço
estreito entre dois prédios.
"Não tenho tempo agora!" Falou Lúcio, apressadamente. "Você tem dez segundos."
"Você precisa cancelar a maldição." Falei, ainda tentando me acalmar. "Não posso
matar ele. Você sabe que... que roupas são essas?" Perguntei, percebendo um casaco vermelho
cravejado de distintivos dourados e faixas, botas de couro preto e um quepe militar com
buracos para os chifres. Ele parecia quase respeitável.
"Estou tentando limpar sua barra, então me agradeça." Sussurrou Lúcio, como se
alguém fosse nos ouvir. "Papai me encarregou como Sub-General. Vou agradá-lo um tempo, e
ele vai esquecer essa história."
Eu arqueei uma sobrancelha, surpreso. O príncipe arrogante, me ajudando?
"Miguel tá louco por mim, o quê eu faço? Outro dia foi minha cauda, e hoje... você
precisa resolver isso."
Lúcio baixou o olhar para a barraca armada entre as minhas pernas e eriçou o lábio. "Se
você me invocou pra resolver isso aí, vou quebrar seu pescoço."
Eu corei e cobri minha ereção com as mãos. "Você sabe do quê estou falando! Um
único beijo de amor, e ele morre! Conserte isso!"
Lúcio andou em círculos, quase histérico. "Escuta, o ritual é complicado, tem partes
que..." Lúcio segurou a cabeça e gemeu. "Ele percebeu, preciso ir."
"Não, espera!" Eu estiquei a mão no turbilhão escuro, mas já era tarde. Lúcio havia
desaparecido.
Eu chutei o cascalho do chão, urrando de raiva. Maldição!
****
Quando voltei para a casa, um cheiro morno e delicioso de bolo penetrou minhas
narinas, me fazendo salivar. Era a primeira vez que cozinhavam qualquer coisa pra mim, e
Miguel acreditou mesmo que eu tive uma mãe que me fazia bolo, e que não era uma louca
drogada que foi presa aos meus dois anos de idade, me fazendo ir para um orfanato.
Por mais emocionado que eu estivesse, não podia parecer empolgado demais. Miguel
pensaria que eu estava fingindo.
"Você voltou." Miguel sorriu e correu para os meus braços. "O bolo está assando, mas
só vou decorar amanhã." Ele bocejou. "São duas da manhã."
A tranquilidade de Miguel comigo me fez torcer o lábio, desconfiado. No lugar dele, eu
estaria jogando coisas pela casa toda.
"Me desculpe por antes." Falei, afagando seus cabelos macios e sentindo o aroma doce
de baunilha impregnado em suas roupas.
"Não estou nada chateado, pelo contrário." Miguel beijou meu pescoço, e eu senti seus
lábios formarem um sorriso. "Você não deveria mexer com meu lado vingativo."
Meu sangue gelou.
"Vamos dormir, tudo bem?" Falei, com um sorriso nervoso.
"Vai na frente, preciso terminar a louça." O sorrisinho fino de Miguel me causou um
arrepio.
Assim que entrei no quarto eu apaguei a luz, me joguei no colchão macio e virei para o
teto, exausto e pensativo. Se Miguel gostasse de mim ainda mais, meus beijos acabariam por
matá-lo. Se eu continuasse o evitando, ele ficaria ressentido. Por um lado, era bom que ele
afastasse. Mas meu peito doía só de imaginá-lo decepcionado comigo.
Eu não sabia o quanto Miguel gostava de mim, mas o que eu mesmo sentia? A sensação
de querer protegê-lo e de sorrir só de ouví-lo dizer meu nome eram estranhas e novas. Ainda
assim, em nenhum cenário possível nós continuaríamos juntos, e faltavam apenas doze dias
para a inevitável separação. Eu não podia mesmo fazer nada?
A dor no peito me agoniava. Eu precisava resolver isso em partes. Se Lúcio não
estivesse mentindo, ele resolveria o problema com o pai dele, e poderia anular minha
maldição. Eu precisava apenas não beijar Miguel até tudo se esclarecer.
A porta do quarto se abriu, e a silhueta de Miguel apareceu contra a luz do corredor.
Eu apertei os olhos, me acostumando à claridade. Miguel estava nu? Não, ele vestia
cuecas, mas havia um objeto longo e grosso na mão dele, e seu sorriso estremecia meus ossos.
Um passo à frente do outro, Miguel se aproximou de mim, rindo macio e agitando o
objeto no ar. Um tubo de alguma coisa.
Eu recuei na cama, até sentar contra a cabeceira. "Miguel, vamos conversar sobre antes,
tudo bem?"
Miguel engatinhou sobre mim, e não pude evitar que meu corpo reagisse. Era a
primeira vez que o via sem roupas. Suas costas eram firmes e um pouco musculosas, formando
um vinco na linha da coluna.
"Vamos ver quem provoca quem, dessa vez." Miguel lambeu os lábios e balançou o
tubo em frente ao meu rosto. Chantili?
Eu suei frio, tentando me lembrar quando o enfeiticei de novo, por acidente. Não, eu
definitivamente não pisquei para ele. Miguel pressionava seu pau ereto nos meus joelhos por
conta própria.
Eu temi que Miguel tentasse me beijar, mas fiquei curioso demais para mandá-lo parar.
Independente da minha falta de reação, Miguel se manteve parado sobre mim, e eu
percebi que tremia. Preocupado, eu procurei o interruptor do abajur e acendi.
O sorriso de Miguel havia desaparecido. Ele me encarava tão vermelho e embaraçado
que eu estourei de rir imediatamente.
"Não banque o dominador psicopata se é tímido demais pra isso!" Falei, tentando parar
de rir, mas a risada escapava pelos meus lábios fechados. A cara de Miguel estava
inesquecível.
Petrificado sobre mim como um coelho assustado, Miguel deixou o tubo cair no
colchão e murchou o corpo. "Eu treinei minhas frases no banheiro, mas chegou na hora e eu..."
Ele deitou a cabeça no meu peito, como se prestes a chorar. "Desculpa."
Eu afaguei o cabelo do Miguel, profundamente aliviado. Esse realmente era o Miguel
que eu conhecia, e por quem eu... nutria sentimentos que não sabia o nome.
Mesmo aliviado, uma parte de mim gritava em profunda decepção. Chantili. Havia uma
criatividade em Miguel que eu adoraria explorar, se pudesse.
"Não estou bravo, só um pouco surpreso." Falei, acariciando o pescoço de Miguel e
apreciando seus arrepios. "Teria sido divertido."
Miguel enfim relaxou o bastante para deitar ao meu lado. Ele escondeu a ereção com o
travesseiro e me olhou com um tristeza.
"Tudo bem, eu sei que foi estúpido." Miguel forçou um sorriso. "Obrigado por não
brigar comigo."
Eu engoli minhas risadas, subindo e descendo os dedos pelo peito nu e liso de Miguel.
Como eu era um idiota. Isso não era apenas sobre fazer sexo, não é?
Deitado na cama, eu torci o corpo e me livrei do moletom e da camiseta por baixo.
Foda-se a maldição. Eu saberia me controlar.
"O quê está fazendo?" Perguntou Miguel.
Eu peguei o tubo e esguichei um arco de chantili no meio do meu peito, estremecendo
para a sensação gelada.
"Oh, droga, me sujei de chantili. Como sou desastrado." Falei, entoando a voz como um
ator dramático.
Adoravelmente confuso, Miguel subiu os olhos da listra de chantili para o meu rosto.
Ele sorriu ao entender onde eu queria chegar.
"Precisamos dar um jeito nisso." disse ele, ficando de quatro e engatinhando sobre mim.
Ele acariciou meu peito com os dedos antes de descer com o rosto.
Miguel pôs a língua para fora e limpou toda listra branca com uma longa lambida.
O calor e umidade da língua de Miguel me fez estremecer. Eu mordi o lábio para não
gemer e descobri que gostava, e muito, de vê-lo me lamber como um gatinho faminto.
Após mais duas lambidas, quando eu já estava bem limpo, Miguel ergueu o rosto e
engoliu o chantili bem devagar, me olhando nos olhos.
Eu teria que ser o cara mais hétero do planeta para não endurecer no mesmo instante.
Quando percebi eu já estava apertando o tubo de novo, criando uma segunda linha que ia do
meio do meu peito ao pescoço.
Miguel sorriu, cada vez mais à vontade em me tocar. Percebi que ele nunca havia me
visto sem camisa, e parecia gostar dos meus músculos pouco pronunciados, mas firmes. Às
vezes ele descia os olhos para o triângulo de pêlos loiros na borda da minha calça, mas seu
interesse, claro, estava no creme branco e doce.
Miguel subiu a língua pela parte menos sensível do meu peito, mas meu pescoço era
mais delicado. Quando Miguel me lambeu ali, eu gemi alto. Ele percebeu e se manteve na
curva entre o ombro e o pescoço, me beijando e chupando muito depois de já ter me limpado.
Com certeza eu ficaria marcado, mas foda-se. Eu abracei as costas despidas de Miguel e
respirei pesado, deixando que continuasse.
Desde que ele não beijasse meus lábios, ficaria tudo bem.
Quando percebi, Miguel já estava totalmente sobre mim, ajoelhado de cada lado da
minha cintura. Eu ergui o tubo sobre meu peito outra vez, mas ele tomou o chantili das minhas
mãos.
Com um sorriso cada vez mais devasso, Miguel fez duas espirais brancas sobre meus
mamilos.
Estremecendo para o frio e para o que estava por vir, eu engoli seco. Ok, a situação
estava meio que saindo do meu controle.
"Escuta, Miguel, acho que nós já--ah!" Miguel não só lambeu meu mamilo, como
mordiscou de leve. Por milagre eu consegui apenas gemer, porquê eu teria gritado. Meus
nervos se afloravam mais e mais a cada segundo, e eu sentia o volume do Miguel contra a
minha coxa sempre que ele se abaixava.
Eu precisava mandá-lo parar, mas puta que o pariu, aquela língua era ágil. Meu pau
latejava violentamente dentro das calças, implorando para ser solto.
Sempre que eu abria a boca para mandar Miguel parar, ele ia de um mamilo a outro e
arranhava meus lados com a força exata para me enlouquecer. Eu cravei as unhas os lençóis,
tentando falar algo que não fossem gemidos vergonhosos. Nós não podíamos ir adiante, eu não
podia deixar Miguel se apaixonar por mim.
Espremendo os olhos de prazer, eu ouvi o tubo de spray chiar, esfriando minha barriga.
Eu forcei uma fresta dos meus olhos a se abrir, tremendo apesar do calor febril na minha pele.
Miguel lambeu os lábios melados de creme, obviamente adorando minhas reações.
Uma nova listra branca ondulava pelos meus músculos abdominais e terminava logo abaixo do
umbigo, onde meus pêlos começavam.
Com um sorriso provocativo, Miguel cruzou seu olhar com o meu e engatinhou para
trás. Ele baixou o rosto e chupou meu primeiro gomo de músculo, fazendo um som molhado
de beijo.
Eu apertei a mão na boca, segurando um gemido. Se ele fosse fazer isso nos quatro
gominhos, eu iria gozar. Minha barriga era sensível demais.
Miguel seguiu lambendo os músculos da minha barriga, beijando e chupando as linhas
de chantili. Ele desceu uma mão sobre a minha calça e massageou centímetros ao lado da
minha ereção.
Eu arqueei as costas, vermelho e respirando cada vez mais raso. Queria aquela mão só
um pouquinho para o lado, mexendo no meu pau, mas era óbvio que Miguel queria me
torturar.
Aquela era a vingança dele, afinal.
Percebendo minha ansiedade, Miguel chegou ao último músculo esbranquiçado e
chupou o chantili, terminando com uma mordida. A mão dele moveu-se pertinho de onde meu
membro pulsava, esmagado sob a cueca.
"Faz. Por favor, faz." Eu supliquei, para minha própria humilhação.
Miguel riu travessamente, esquecendo qualquer timidez. Eu podia ver em seus olhos o
quanto se sentia libertado e feliz.
"Você acha que vai ser tão fácil?" Perguntou ele, desabotoando minhas calças. "Você
esfrega minha bunda, me faz arfar de tesão, e vai embora. Precisei me masturbar no banheiro,
sabia? Me masturbei pensando em como você iria pagar, e gozei tendo uma ideia muito
gostosa."
A confiança do Miguel ampliava tão rápido que era assustador e excitante. Eu deitei a
cabeça sobre as mãos e tentei relaxar os músculos, decidindo ver até onde ele iria.
Miguel desceu as minhas calças até os pés e jogou no chão, me deixando apenas de
cueca. Ele se ajoelhou entre as minhas pernas e segurou meu pau através do tecido. Seus olhos
brilhavam atentos, como se ele quisesse memorizar aquele momento.
Eu gemi macio, arqueando o quadril contra a mão dele, tentando que ele pelo menos me
masturbasse. Estava muito perto de gozar, não queria que fosse de um jeito humilhante.
Mas Miguel não me masturbou, ele soltou meu pau e desceu minha cueca devagar,
saboreando a visão.
Meu pau saltou pra fora, extremamente duro. Era maior que a média, e um tanto grosso.
A ponta avermelhada brilhava em pré-gozo, pulsando em expectativa enquanto eu tremia,
contendo meu orgasmo. Quando Miguel pararia de me estudar, e me entregaria o que eu
precisava?
Miguel me alcançou o tubo de chantili, com o sorriso mais devasso até então. "Faz uma
banana split pra mim."
Eu mordi o lábio e obedeci, traçando uma listra de chantili ao longo do meu pau e
espiralando ao chegar na glande, como num sorvete de casquinha.
"Tá bom assim?" Eu perguntei, espremendo as pernas uma na outra para não gozar. Os
olhos de Miguel no meu corpo nu me enlouqueciam.
Assim que ele cansasse dessa loucura, eu comeria sua bundinha perfeita por horas e
horas.
Sorrindo satisfeito, Miguel segurou a base do meu pau e desceu o rosto. Ele deu uma
longa lambida ao longo da base e engoliu o chantili devagar, me olhando nos olhos.
"Pode gozar, se quiser. Vou limpar tudinho." Ele lambeu os lábios esbranquiçados, me
provocando.
"E perder um boquete desses?" Perguntei, com a voz tremida.
Miguel pareceu gostar da resposta, porque me lambeu de novo e passou a língua pela
glande, chupando a grande bola de chantili e me mordiscando ao redor do orifício da ponta.
Ele também tremia de ansiedade, como se implorasse pra sentir meu gozo naqueles lábios cor
de rosa.
Eu gemi e gritei, me torcendo na cama enquanto assistia meu pau sumir e reaparecer de
dentro daqueles lábios ágeis. Minha glande roçava na textura do céu da boca do Miguel e batia
no fundo da garganta, indo e vindo sobre sua língua acelerada.
"Tô quase." Avisei, tendo espasmos.
Miguel curvou os lábios ao redor do meu pau, sorrindo. Ele afastou o rosto antes que eu
gozasse e agarrou minha cauda, com uma expressão de vitória.
"Você vai gozar assim."
Eu arregalei os olhos. "Você não pode estar falan... Aah!"
Segurando minha cauda pro alto, Miguel envolveu os dedos da outra mão e subiu e
desceu, firme e rápido como se me masturbasse.
Eu gemi como uma moça, tremendo e sem conseguir mandá-lo parar. Mas que
desgraçado, de novo isso? Ele não podia...
Miguel desceu a mão cada vez mais, até massagear a base, bem perto da minha entrada.
Eu gritei de prazer e mordi o lábio, tentando não me envergonhar ainda mais. Ele ria da minha
reação exagerada, como se fosse uma brincadeira. Não tinha como imaginar o que eu
realmente sentia.
As ondas de prazer eletrizavam minha espinha, passando direto pela minha bunda. Eu
odiava isso. Eu deveria estar arrombando aquela bundinha gostosa do Miguel, e não arfando e
implorando pelo contrário.
Miguel lambeu os lábios, passando a observar minha reação lá embaixo. Pelo sorriso
dele ao ver o quanto abri as pernas, ele já devia ter percebido o que estava acontecendo.
"Você é uma delícia." Falou ele, e desceu a mão ainda mais, tocando a ponta dos dedos
dentro das minhas nádegas.
Só o toque me fez gemer longamente. Eu enterrei as unhas no lençol, extasiado e
desejando demais ser preenchido por ele. Mas eu nunca dei pra nenhum cara, eu era ativo e
sempre fui!
Ainda assim, meu corpo pareceu ter vida própria. Eu encostei os joelhos no peito,
fitando o olhar desejoso de Miguel enquanto minhas pupilas dilatavam em expectativa. Mas
ele apenas girava o dedo pelo lado de fora, apreciando as pulsadas que isso causava no meu
pau.
"E-eu nunca fiz assim." Falei, envergonhado pelo tremor na minha voz, e pela situação
toda.
Miguel sorriu como se ganhasse uma aposta. Ele mordeu o lábio de baixo. "Tem
lubrificante na gavetinha da estante. Você decide como vamos usar."
Vermelho e respirando raso, eu me estiquei para abrir a gaveta.
Enquanto pegava o sachê, Miguel enterrou a pontinha do dedo, me fazendo tremer.
Pelo volume pulsante na cueca dele, ele já havia determinado os rumos daquela noite. E a
sensação elétrica e quente latejando pela minha bunda me deixava à beira de implorar.
Eu alcancei o sachê a ele, como um putinho bem dominado. Se vergonha matasse, eu já
teria morrido dez vezes. "Não me machuca muito."
"Do jeito que você está, não vou nem precisar te preparar." Miguel ajeitou-se entre as
minhas nádegas e desceu a cueca, revelando um pau clarinho de ponta rosada. Era um pouco
grande, mas não tanto quanto o meu.
Eu abracei meus joelhos, querendo chorar de vexame enquanto ele abria o sachê e
espalhava na mão. mesmo sem estímulo na cauda eu ainda pulsava estranho lá atrás, como se
estivesse prestes a gozar, mas precisasse ser preenchido pra isso.
Miguel espalhou o lubrificante no próprio pau, assistindo minha ansiedade com a
alegria de quem estava em um parque de diversões.
"Pede." Ele sorriu malvado.
"Eu não vou pedir nada!" Gritei, vermelho como um tomate.
"Tudo bem. Eu posso gozar apenas te observando nessa posição."
E ele começou se masturbar lentamente, como um psicopata sexual. Maldição, ele
falava sério? Eu duro como uma tora, estremecendo e expondo minha bunda da forma mais
humilhante possível, e ele ainda queria que eu pedisse? Nem pensar.
"Desculpa por antes." Falei, tentando fazer o Miguel não-sádico voltar.
"Eu te desculpo." Miguel acariciou minha nádega com a mão livre, arrancando um
gemidinho obsceno dos meus lábios. "Mas ainda não te ouvi pedir."
Mas que safado. Se ele contasse isso pra alguém, eu me enforcaria.
"Por favor." Sussurrei.
"Por favor o quê?" Ele baixou o pau e esfregou a glande lubrificada na minha bunda.
"...Por favor me come." Eu escondi o rosto com as mãos, queimando de vergonha.
Miguel soltou uma risadinha, também avermelhando enquanto erguia meu quadril.
Uma pressão morna alargou a minha entrada, lentamente. Eu contraí os ombros, me
contendo para não gritar de dor. Eu senti cada centímetro pulsar para dentro e me preencher,
até a virilha do Miguel esquentar minha bunda.
Miguel acariciou minhas coxas esperando eu me acostumar, gemendo de um jeito que
quase me deu um orgasmo. Eu não tinha coragem de ver, mas Miguel devia estar adorando, e
isso me enlouquecia.
"Ah, você é macio lá dentro." Ele ofegou, num tom de voz delicioso. “Você gosta
assim?"
"Não me envergonha ainda mais." Implorei, com as mãos no rosto.
Miguel enfim parou de falar e tirou o pau até metade do caminho. Ele meteu de volta
todo de uma vez, batendo a virilha na minha bunda.
Eu dei um grito daqueles que só existem em filme pornô. Puta merda, isso era bom. Eu
queria mais. Eu queria Miguel me empalando pra sempre.
Miguel continuou indo e vindo, com as mãos firmes no meu quadril. Seus gemidos de
êxtase me excitavam tanto quanto aquele pau quente roçando a minha próstata. Meu corpo
formigava, quente e elétrico ao mesmo tempo.
"Mais rápido." Supliquei, insaciável. Eu espiei por entre os dedos, e vi Miguel
aumentar o ritmo e me arrombar violentamente, fazendo seu pau sumir dentro de mim em sons
úmidos e eróticos.
Meu corpo se contorceu e eu gritei de prazer, gozando um jato intenso sobre a minha
barriga.
Miguel abriu um sorriso cansado e continuou me invadindo com uma virilidade que eu
nunca imaginaria existir nele.
Eu apertei a mão na boca tentando calar meus sons vergonhosos, e pra piorar meu pau
continuava duro. Se Miguel não terminasse logo, eu iria gozar de novo.
E claro que o Miguel percebeu isso, esse completo pervertido.
Sem parar de me comer, Miguel deitou-se sobre mim e me abraçou. Eu o abracei de
volta, laçando os dedos em seus cabelos macios e cheirando a baunilha. Naquela posição ele
me penetrava ainda mais fundo, e eu podia sentir sua respiração errática e quente contra o meu
pescoço.
"Isso é muito bom." Falei, abandonando minha dignidade. Eu queria gozar de novo, e
mostrar pro Miguel o quanto ele era bom em me satisfazer.
Miguel beijou e chupou meu pescoço, e desceu uma mão até o meu pau. Ele mexeu na
glande toda escorregadia de gozo, me fazendo espremer a bunda enquanto gemia seu nome.
Nós dois arfamos no mesmo ritmo e eu logo gozei de novo, descendo arranhões pelas suas
costas.
As mãos do Miguel se cobriram com meu gozo quente. Eu senti ele latejar dentro de
mim, liberando um jato bem lá no fundo. Nós nos abraçamos com força, estremecendo em um
prazer enlouquecedor.
Miguel reduziu o ritmo das investidas, até parar. Quando ele soltou o abraço, eu mal
conseguia respirar.
"Aposto que conseguiria te fazer gozar de novo." Miguel secou o suor da testa e saiu de
mim, apreciando meu pau a meio mastro.
Nublado pelo êxtase e pelo cansaço, eu cobri minha cara com o travesseiro. A vergonha
voltou toda de uma vez.
"Miguel, por tudo o que é sagrado, vai dormir."
Capítulo 13
Miguel
****
"Ele está no seu amigo? Por que não me ligou?" Thanos levantou do sofá num salto, e
vestiu os tênis.
"O que pretende fazer?" Perguntei, terminando a última das fatias de bolo.
"Não é óbvio? Vou arrebentar aquele cara até ele explicar o que está acontecendo."
Eu segurei a mão do Thanos antes que ele deixasse a casa. Descobrir os motivos de
Lúcifer era uma prioridade, mas arrancar Lúcio da cama do Rosier não nos ajudaria.
Além disso, algo nas reações de Thanos me incomodava cada vez mais.
"Thanos, tem algo que você não está me contando?" Perguntei.
Thanos parou de tentar fugir e virou-se para mim. Ele acariciou meu rosto com uma
delicadeza que, por algum motivo, quase me fez chorar.
"O que te faz perguntar isso?" Perguntou ele, com o olhar trêmulo.
Você não me beijou hoje, eu quis dizer. Mas como eu reclamaria de algo assim sem
parecer carente e neurótico?
"Se você é mesmo um Incubus, não deveria morar no inferno? Pelo que entendi,
Incubus são soldados de Lúcifer, mas você nem conhecia ele."
Thanos engoliu seco, e eu senti a mão em meu rosto estremecer. Ele abriu a boca como
se fosse falar algo, mas se manteve quieto.
"Se está mentindo pra mim, quero que me diga." Continuei, juntando toda a minha
coragem. "Eu não menti sobre estar me apaixonando, Thanos. Por favor seja sincero comigo, o
que te trouxe até mim?"
Desta vez o medo no olhar de Thanos fez meu sangue gelar, e eu me arrependi de ter
aberto a boca. Thanos me fazia tão feliz. Se eu pudesse ser feliz assim pra sempre eu não me
importaria de viver uma mentira.
No fundo eu só queria aqueles lábios macios nos meus.
"Quem me transformou foi Lúcio, já te disse isso. Eu não conhecia Lúcifer, e pelo visto
não sirvo como soldado. Talvez minha alma não seja do tipo certo, eu sei tanto quanto você."
Eu torci o lábio, percebendo o quanto ele desviou da pergunta. Mas se a alma de
Thanos realmente corria perigo, eu deveria me preocupar com isso antes dos meus
sentimentos.
"Se você não é um soldado, te tornaremos um." Sugeri, devolvendo as carícias em seu
queixo firme e suave. "Não quero obstáculos entre nós, Thanos. Quero que fique comigo para
sempre."
As últimas palavras meio que escaparam sem querer. O jeito ríspido como Thanos se
afastou de mim fez borbulhar meu estômago. Ah, meu Deus. Eu o conhecia há duas semanas e
já falava em para sempre, qual o problema comigo?
"Olha Miguel, sobre isso, tem algo que eu..."
Eu me joguei em Thanos e abracei apertado, meu peito trepidando tanto que eu me
continha para não chorar. Droga minha carência ia estragar tudo. Ele devia me achar um louco.
"Desculpa, desculpa!" Supliquei, enterrando o rosto no tecido macio do moletom.
"Esquece o que eu disse. Tive um dia cansativo, só isso."
Thanos soltou o ar bem lentamente. O alívio quando ele afagou minha cabeça fez meus
olhos molharem.
"Acha que consigo me tornar um soldado?" Ele perguntou.
Eu ergui o rosto e sorri para ele.
"Nós podemos tentar."
Capítulo 14
Miguel
Escolhi o pátio da minha casa como campo de treinamento. Havia um vasto gramado
com umas poucas laranjeiras nos cantos, e muros altos. Thanos não precisaria esconder os
chifres ali.
Aliás, precisávamos de privácidade por vários motivos. Motivos divertidos e deliciosos.
Vestir Thanos como os incubus dos livros famosos foi a melhor ideia que eu já tive.
Meu rosto se aqueceu tanto que eu precisei segurar o nariz, ou teria uma hemorragia.
No gramado verde, iluminado pelo por-do-sol, Thanos deu mais uma voltinha, exibindo
seu mini-shorts de vinil preto, meia-arrastão com salto plataforma, uma larga coleira com
espetos prateados e uma blusinha preta tão curta que revelava metade dos seus mamilos.
Ao ver o sorrisão no meu rosto, Thanos avermelhou ainda mais e encolheu a cauda
entre as pernas. "Por que estou vestido assim?"
"Pelo que pesquisei, Incubus são demônios do prazer. Não podemos treiná-lo como
incubus sem vestí-lo como um, não é?" Falei da forma mais convincente possível.
Thanos murchou os lábios, pouco convencido. "Não quero te assustar, mas temos
apenas dez dias. É melhor que isso funcione."
Eu concordei e abri o livro de demonologia que comprei pela internet.
"Incubus é a vesão masculina da Succubus. Também chamado de íncubo, seu nome
vem do latim incubare, que significa deitando por cima." Eu tentei não rir, mas foi impossível.
"Irônico."
"Podemos pular as apresentações." Resmungou Thanos, adoravelmente vermelho. Ele
se escorou numa das minhas laranjeiras e bufou, contemplando as primeiras estrelas.
Eu me contive para não puxar o celular e tirar mil fotos. Thanos parecia um modelo de
revista masoquista gay.
"...Os poderes de um Incubus variam entre diferentes mitologias, mas dentre os traços
comuns encontramos: Hipnose, alta capacidade de sedução..." A lembrança do nosso primeiro
encontro arrepiou meu pescoço. "...agilidade ampliada, fertilidade extrema... um, com essa não
precisamos nos preocupar... ah, aqui. Incubus podem voar, atacar com a cauda, chifres e asas, e
incinerar vítimas manipulando o fogo do próprio inferno."
"Quem escreve essas bobagens?" Thanos arqueou a sobrancelha.
Eu ri. Realmente parecia bobo, especialmente os últimos poderes. Beijo da morte?
Troca de almas? Quem acreditaria nisso?
"É o que temos, então vamos tentar." Eu apontei para a pequena árvore vinte passos
adiante. "Tenta incinerar aquela laranjeira."
Thanos revirou os olhos e pôs a mão na cintura, arrebitando ainda mais sua bundinha
semi-exposta. Ao perceber que eu não sairia dali até ele tentar, ele estendeu a mão com a
palma aberta.
"Eu me sinto muito, muito estúpido fazendo isso." Falou ele. "O que eu faço? Grito o
nome de algum golpe?"
"Sim! Grita algo do tipo 'bola de fogo'!"
Thanos revirou os olhos pela milésima vez e encarou a árvore por entre os dedos
esticados. "Bola de fogo!"
Eu fechei os punhos em expectativa, mas nada aconteceu.
"Bola de fogo!" Thanos tentou de novo, e a árvore continuou inteira.
Nós dois nos encaramos em um longo silêncio constrangedor. Thanos avermelhou tanto
que parecia um dos diabos clássicos, das pinturas medievais.
"Eu vou descer desse salto, vestir roupas normais, e nós dois vamos fingir que essa
noite nunca aconteceu." Disse ele, já desafivelando a coleira do pescoço.
"Acha que Lúcio pode nos ajudar?" Eu comecei a me sentir mal, não sei se por vestir
Thanos assim, ou por ele não ter gostado das roupas.
"Talvez, mas duvido que ele queira. Aquele príncipe arrogante só pensa na própria
diversão."
"Está me chamando de egoísta? Assim eu me ofendo." Falou uma terceira voz.
Trajando seu longo casaco vermelho, Lúcio sentava no topo do muro, nos observando
com um sorriso deliciado.
Thanos tentou cobrir o corpo com as mãos. "Há quanto tempo você está aí?"
"Amei as roupas." Lúcio desceu e deslizou um dedo ao longo do braço de Thanos. "Eu
pretendia te vestir exatamente assim."
"Pretendia, é?" Thanos fuzilou ele com o olhar.
A proximidade entre os dois me incomodava, mas após meu surto de ontem eu
precisava me manter na linha.
Lúcio alargou o sorriso e passou o braço pelos ombros de Thanos. "Ah, meu querido
Thanos. Acho que estou amando."
"Vou quebrar cada um dos seus dentes." Rosnou Thanos.
Lúcio parecia alegre como se andasse sobre nuvens. "Não falo de você. Falo do
verdadeiro amor. Estive conversando com Rosier, hoje. Resolvi desmanchar meu harém."
"Harém?" Perguntei, mas os dois me ignoraram.
"Como assim, desmanchar?" Os olhos de Thanos tremularam. "O que vai acontecer
comigo?"
"Relaxe, meus outros incubus foram realocados para novas... profissões. Rosier é tudo
o que eu preciso para ser feliz." Lúcio riu alto, dando tapinhas nas costas de Thanos. "É uma
pena, não é? Te vendo assim, eu quase quero mudar de ideia."
"Lúcio, em dez dias alguma coisa vai acontecer comigo, e eu preciso saber o quê."
Falou Thanos. "Como uso os meus poderes?"
O sorriso de Lúcio diminuiu um pouco.
"Almas diferentes possuem talentos diferentes. Não exijo poderes dos meus escravos,
mas você sequer brotou asas. Manipulação de fogo é um feitiço avançado."
"Alguém me explica o que está acontecendo, por favor?" Pedi, mas era como se eu
fosse invisível.
"Quais minhas chances como soldado do seu pai?" Perguntou Thanos.
Lúcio alisou o cabelo pelo meio dos chifres, reflexivo.
"Nossos inimigos são anjos. Capacidade de vôo é o requisito mínimo, e é improvável
que você brote asas em tão pouco tempo. Não se preocupe, a parte do harém que entreguei ao
exército do papai deve acalmá-lo o suficiente."
"Não sinto firmeza na sua voz, além do mais..." Thanos me abraçou, apertando meu
rosto contra seu peito de um jeito tão carinhoso que era suspeito. Pelo mover de sua respiração
era óbvio que ele sussurrava algo que eu não podia ouvir.
"Como eu já disse, o ritual é complicado..." Respondeu Lúcio, e em seguida sussurrou
alguma coisa?
Eu ouvi o bater de asas e me soltei de Thanos a tempo de ver Lúcio voar
graciosamente, tornando a pousar sobre o muro. Ele estalou os dedos, e com apenas isso um
clarão alaranjado ofuscou meus olhos.
A laranjeira ardia em chamas, envolta por uma esfera de fogo que queimava seu alvo e
nada mais.
"Adorei assistir seu treinamento, meu querido Thanos." Lúcio riu e esticou suas longas
asas negras, batendo-as até levitar do muro e desaparecer no céu escuro da noite.
Voltei a olhar para a laranjeira e havia ali apenas um torrão preto, no formato do tronco.
Nunca vi fogo consumir tudo tão rápido. E Lúcio o invocou com tanta facilidade.
"Você ainda vai me dizer que não está escondendo nada?" Eu solucei no meio da frase.
Thanos afagou o lado do meu pescoço, e demorou a responder.
"Não, não estou escondendo nada."
Eu sorri, e o salgado das lágrimas entrou na minha boca. Eu sabia que Thanos estava
mentindo, e também sabia que eu iria deixar passar, e fingir que estava tudo bem.
Por que o amor precisava doer tanto?
Capítulo 15
Thanos
Assim que acordei eu estiquei o braço para o lado, percebendo o espaço vazio.
As lembranças da noite anterior vieram, fazendo meu peito latejar.
Eu esfreguei os olhos tentando acordar, e o sonho gostoso que tive com Miguel aos
poucos se tornou uma realidade amarga. Até ontem eu apenas omitia algumas informações,
mas graças ao Lúcio agora eu estava simplesmente mentindo.
Não só fiz o Miguel chorar como ele me pediu para ir embora da casa dele. Droga,
como eu era um imbecil.
Eu me levantei, tomei um banho rápido e comecei a me vestir, enroscando a cauda na
perna antes de subir a calça jeans, e por último vestindo o meu chapéu sobre os chifres.
Por mais que Miguel estivesse certo em se ressentir, eu lhe devia desculpas. Se eu
corresse, poderia encontrá-lo no campus da faculdade a tempo de almoçarmos juntos.
Enquanto esperava o ônibus eu refleti sobre o tamanho da confusão de ontem. Certo,
talvez Lúcifer não consumisse minha alma, mas 'talvez' não era bom o suficiente. Eu só estaria
seguro ascendendo aos céus, e para isso precisava fazer Miguel me amar, e também conseguir
que Lúcio cancelasse a maldição sobre ele morrer ao me beijar.
Saber que em nove dias eu e Miguel nos separaríamos queimava meu coração, mas era
melhor assim. Um vigarista como eu apenas machucaria alguém doce como ele, e
tecnicamente eu havia morrido. Não pertencia mais ao plano do meio.
Por mais que eu quisesse tê-lo sempre comigo, eu podia apenas rorcer que Miguel
seguisse uma vida feliz, e me encontrasse no céu quando sua vida terrena se esgotasse.
O ônibus chegou, e em poucos minutos eu desci no campus da faculdade. O prédio do
Direito não devia ser difícil de encontrar.
Meu peito bateu forte e dolorido conforme eu me locomovia entre a multidão de
estudantes, desacostumado a sair durante o dia. E se Miguel não quisesse me ver? Ele nunca
me convidou para vir aqui, e comentava pouco sobre as aulas, ao nos reencontrarmos de noite.
Minhas pernas estremeceram. Eu conhecia esse truque. Para o namorado diurno, eu
trabalhava de noite, para o namorado da noite, eu estudava de dia. Eu sempre desconversava ao
me perguntarem, e mudava o assunto para algo do meu interesse.
Um medo horrível tomou conta de mim, e tive vontade de sair correndo.
Quando já me preparava para fugir, avistei um grupo de jovens de terno e gravata em
frente a um prédio alto e bonito, daqueles com pilares de mármore na frente. Eles conversavam
entre si animadamente, e eu reconheci um deles.
Miguel me viu ao mesmo tempo, e meu coração saltou. Ufa, ele não estava com um
amante, mas como ele reagiria a mim, no meio dos colegas?
Somado a isso, desde quando ele se vestia assim?
Miguel sorriu, pediu licença aos colegas e veio até mim sem hesitar, carregando sua
maleta de couro e mantendo uma postura reta e elegante. O terno cinza com gravata verde,
sapatos de verniz e cabelo escovado baixo lhe deixavam tão diferente. Sério, adulto e
infinitamente sexy.
Não que Miguel não fosse sexy de calça jeans e camisa, mas puta merda. Descobri um
fetiche novo.
"Thanos, o que veio fazer aqui?" Perguntou ele, com olhos brilhantes e um sorriso tão
contente que meu coração derreteu, levando embora qualquer preocupação.
Eu sorri, e percebi que o grupo de engomadinhos olhava para nós. "Despeça-se com
calma, eu posso esperar."
Miguel avermelhou. "Eu... um..."
Eu franzi a testa, e comecei a rir, mantendo uma distância respeitável entre nós. "Não
precisa me apresentar. Eu posso aguardar na parada. Ou voltar pra casa, se preferir."
"Não, não é isso." Miguel baixou a cabeça, falando engasgado. "Eu falei pra todo
mundo do meu namorado loiro e bonitão, e agora eles te viram, e nós... desculpa, eu sei que
não definimos nada, ainda."
Eu arregalei os olhos, mais do que surpreso. "Você quer me apresentar como seu
namorado?"
Miguel fez que sim com a cabeça.
Uma emoção desconhecida tomou conta de mim. Meu peito se aqueceu e eu quis rir, e
chorar, tudo ao mesmo tempo.
Eu ergui o queixo de Miguel com os dedos e beijei sua testa. "Me apresenta pros seus
colegas."
O sorriso de Miguel se iluminou ainda mais. Ele enlaçou seus dedos nos meus e me
puxou para o meio do grupo.
Eu apertei a mão deles e conversei enquanto Miguel repetia que sim, eu era o namorado
de quem ele tanto falou. Aparentemente alguns me consideravam um amigo imaginário.
Após alguns minutos socializando, eu e Miguel nos despedimos e ele me conduziu
pelos gramados verdes e floridos do campus, sempre de mãos dadas comigo.
"Você está lindo." Falei.
"Ah, isso." Miguel brincou com o nó da gravata, corando. "Assistimos uma audiência,
hoje. Precisei me vestir assim."
Seguimos andando em silêncio por mais algum tempo.
"Você me prefere como antes, ou assim?" Miguel me perguntou. Pelo tom de voz, eu
não podia responder qualquer bobagem.
"Gosto de qualquer jeito. E você, como prefere?"
Miguel apertou minha mão e a maleta que carregava na outra, baixando o rosto.
"Eu já deveria estar de férias. Aqueles meus colegas fazem estágio naquele fórum,
enquanto eu não consigo nem estágio, e estou sempre de recuperação."
Eu afinei os lábios, acariciando a mão de Miguel para animá-lo.
"É um curso dificil, vai dar tudo certo no final."
"Não, não vai. Já estou no quarto semestre, e olha isso." Miguel abriu a maleta e me
alcançou uns papéis.
Eu folheei cada um, me assustando com os números vermelhos de cima. Eu larguei a
escola no fundamental, mas sabia que C e C+ eram notas bem ruins. Algumas provas valiam
ainda menos.
"Érico dizia que eu era burro. Talvez eu seja, mesmo." Miguel sorriu para mim, com os
olhos molhados. "Desculpa te contar isso só agora. Te deixei pensar que namorava um futuro
advogado."
"Por quê você passa por isso? E por dois anos? Que merda, Miguel." Eu devolvi as
provas dele, queimando de ódio e tentando disfarçar. Não queria Miguel pensando que minha
raiva vinha dele. "Você pelo menos gosta desse curso?"
"Eu demorava porque ficava chorando, antes de voltar pra casa. Desculpa, eu sei que é
super ridículo."
Meu peito latejou. Até que ponto aquele ex imbecil estragou a cabeça do Miguel?
"Fico feliz que tenha me contado. E não é estúpido." Eu passei o dedo pelo seu rosto
molhado. "Vamos conversar com calma, tudo bem? Onde você costuma almoçar?"
Contendo-se para não chorar, Miguel apontou para um prédio de vidro e metal, logo
adiante. O prédio da Faculdade de Gastronomia.
****
As cigarras ainda cantavam lá fora quando acordei, sentindo cócegas nos meus lábios.
Grunhindo de sono, eu abri uma fenda dos olhos, avistando o rosto adormecido do
Miguel quase colado no meu. Seus lábios roçavam contra a minha boca.
"Ah!" Eu gritei engasgado e recuei num salto, me enroscando nos cobertores e quase
caindo do sofá. O susto foi o bastante para me acordar completamente.
Isso foi perigoso.
"O quê foi?" Perguntou Miguel, todo amolecido. Ele tinha bons motivos para estar
cansado. "Tá cedo".
Eu olhei pro relógio do celular. Seis da manhã, mas depois de um susto desses eu não
dormiria mais. Já arrisquei a vida do Miguel muito mais do que deveria, ao longo da
madrugada.
Eu não sabia se Miguel me amava ou não, mas não pretendia descobrir da pior forma.
"Desculpa, volta a dormir." Sussurrei, subindo o corpo até aninhá-lo em meu peito. As
roupas do Miguel ainda estavam penduradas no encosto do sofá e espalhadas por todo o chão,
como as minhas.
Eu sorri e brinquei com suas mechas ruivas, me deleitando com o doce aroma de
perfume que se misturava ao seu cheiro natural. Os ombros brancos e sardentos de Miguel
brilhavam sutilmente, ainda cobertos de suor.
Passar a noite com outra pessoa teria sido algo impensável, antes de Miguel. Eu
migrava de um namorado ao outro, otimizando meu tempo e me deitando com vários por
semana. Eu vivia pela adrenalina em não poder ser descoberto. Nunca me imaginei sorrindo
por acordar ao lado de alguém.
Até as esquisitices do Miguel, como transar, cozinhar duas da madrugada e transar de
novo, só me faziam rir e desejar fazer outras vezes.
Não que a idéia do macarrão pós-sexo tenha sido ótima, como meu estômago dolorido
insistia em me lembrar.
"Já volto." Eu toquei os lábios na testa do Miguel e esperei pacientemente ele soltar
minha cauda e apagar de novo.
Eu deixei a sala em direção ao banheiro, apertando minha barriga que borbulhava em
espasmos de dor. Talvez eu tenha passado dos meus limites. Mas Miguel foi tão gentil e
paciente. Minha bunda não doía tanto quanto da primeira vez.
Meu rosto avermelhou ao lembrar. Fizemos todas as posições que eu conhecia, e outras
que tenho quase certeza que Miguel inventou no improviso. Meu corpo de incubus realmente
possuía virilidade infinita, e Miguel se aproveitou disso até desmaiar de sono.
Uma pontada violenta dobrou meu corpo, me fazendo conter um grito. Droga, essa dor
não era normal.
"Bom dia, meu querido Thanos."
A voz do Lúcio gelou meus ossos. Mas o que porra? Eu olhei para a cozinha e ele não
estava ali, então virei de costas. Ele deixava meu quarto, bocejando. Aquela calça de pijama
era minha?
"Lúcio, você não tem casa?" Perguntei, envergonhado a ponto de esquecer a dor. Eu
não vestia nada além das minhas cuecas pretas, e meu cabelo se espetava em todas as direções,
enroscado nos meus chifres.
"Papai me enche o saco. Comandar as tropas é chato demais, e ele ainda me perturba
sobre o pergaminho." Lúcio deu uma risadinha. "É agora que você me pergunta há quanto
tempo estou aqui."
Suor frio desceu pelo meu pescoço. "Você nos ouviu?"
"Eu te ouvi, mais precisamente." Lúcio tremia os lábios, segurando o riso. Ele virou de
costas e rebolou, esfregando os lados da cintura. "Oh, Miguel, mais fundo. Ah, sim, bem aí.
Ah!"
Eu abri a boca, querendo que aquilo fosse um pesadelo. "Não foi bem assim."
"Quando Rosier me contou eu achei estranho. Digo, eu adoro o melhor dos dois
mundos, mas nunca pensei que você fosse tão... passivo."
"Eu não sou passivo!" Eu cobri a boca, ao perceber que estava gritando. "Não sei como
continua acontecendo, mas Miguel muda de personalidade, durante a noite."
"Não estou julgando, meu querido. Pela minha experiência, os tímidos são os que mais
surpreendem. Os vizinhos, por outro lado, talvez precisem de terapia."
"Eu não gritei tão alto assim, gritei?" Meu rosto parecia pegar fogo. Maldito príncipe
estúpido. Não era culpa minha que Miguel soubesse ser tão perfeito. E eu também fui ativo...
deixar ele me cavalgar conta como ser ativo, não conta?
Lúcio deixou uma risada escapar, mas desmanchou o sorriso depois. "Deixando isso de
lado, voltei por um motivo, você sabe."
Eu engoli seco e avistei Miguel, que ainda dormia profundamente, no sofá. Eu puxei
Lúcio até a cozinha.
"Quase matei ele, agora pouco. Preciso que cancele sua maldição estúpida. Você não é
mau, Lúcio, e eu sei que não me quer mais no seu harém idiota."
Lúcio agitou sua cauda nervosamente.
"Presta atenção. Assim como outros demônios de média e alta hierarquia, incubus são
anjos caídos, e é por isso que podem visitar o plano dos vivos. A transformação é instável no
primeiro mês, o que permite que alguns se tornem anjos. É uma brecha no sistema que poucos
conhecem."
"Por quê está me contando isso?" Perguntei. A forma como Lúcio se escorou no balcão
e esfregou a testa me fez estremecer. Nunca o vi tão sério.
"Existe essa coisa chamada entropia espiriual. Uma alma não pode simplesmente deixar
o inferno. É preciso haver uma troca" Lúcio soltou o ar lentamente. "A possibilidade de não
matar Miguel nunca existiu. Você matará Miguel, e ocupará o lugar no céu que seria dele."
Eu arregalei os olhos, e senti minhas pernas enfraquecerem.
"O quê?" Perguntei.
"O Inferno é meu reino. Prometo que a alma de Miguel receberá o melhor tratamento."
Eu soquei a porta da geladeira, sentindo meu sangue ebulir.
"Você é ridículo! Acha que vou condenar a alma do Miguel por umas asinhas brancas e
uma auréola estúpida?"
"Papai vai aparecer a qualquer momento, e vai dissolver sua alma para obter um novo
pergaminho." Os olhos vermelhos de Lúcio cintilaram em tristeza. "Por favor, não corra esse
risco."
Eu baixei o rosto e ri, saindo de mim.
"Você me mandou apaixonar um humano, e eu fiz!" Gritei. "Um beijo de amor
verdadeiro, e eu cairia fora daquele seu maldito reino! E agora que o humano está babando por
mim eu não..."
"Do quê está falando, Thanos?"
A voz de Miguel congelou minha espinha. Eu me virei para a entrada da cozinha e o
avistei, vestindo apenas um lençol na cintura. Seu rosto estava pálido e aterrorizado, como se
acordasse de um pesadelo. Ou como se tivesse mergulhado em um.
"Você me enganou? Para se tornar um anjo?" Perguntou ele, com lágrimas nos olhos.
"Claro que não" Lúcio respondeu por mim. "Apenas discutíamos um filme em que..."
Eu estendi a mão, calando a boca do príncipe estúpido.
"Sim. É verdade. Fui trazido ao plano dos vivos para apaixonar um humano e matá-lo.
É como eu ascenderia aos céus."
O sofrimento no olhar de Miguel me fez querer morrer.
"Eu... hahah. Você é bom mesmo em enganar as pessoas. Pensei mesmo que você
gostasse de mim."
"Mas eu gosto, e muito!" Eu corri até Miguel e sequei suas lágrimas com os dedos. "Por
isso não posso te beijar, Miguel. Se eu..."
Um estrondo violento apitou nos meus ouvidos, e eu caí no chão. Uma queimação
violenta fez meu nariz latejar e sangrar, encharcando meus lábios com o gosto metálico de
sangue. Miguel havia me socado?
Com o punho fechado e a respiração pesada e rápida, Miguel eriçou os lábios para mim,
claramente considerando me chutar.
"Não me procura mais, seu mentiroso desgraçado! Eu te odeio!" Gritou ele, e correu
para fora da cozinha.
Minhas pernas tremiam demais para que eu levantasse. Eu não podia acreditar no que
estava acontecendo.
Mesmo que eu pudesse impedir Miguel, eu sabia que a razão era dele.
Apenas quando a porta de entrada abriu e bateu que meu corpo começou a reagir. Eu
apoiei as mãos no chão e solucei, sentindo meu coração rasgar-se ao meio. Minhas lágrimas
pingaram sobre as minhas coxas em meio às gotas de sangue do meu nariz, que ainda
sangrava.
"Miguel..." Chamei, em completo desespero.
Lúcio apertou meu ombro.
"Você ainda tem oito dias, nós ainda podemos..."
"Cala a boca!" Gritei, tentando me levantar. A maldita dor no estômago pareceu descer
às minhas pernas. "Cansei da sua aposta imbecil! Cansei de..."
Minha visão dobrou, e eu segurei minha barriga, gritando e me torcendo no chão
gelado. Meu estômago parecia querer se abrir.
"Thanos? Thanos, meu querido, o que houve?" Lúcio correu até o fogão, e verificou as
panelas do macarrão que jantamos de madrugada. "Vocês dois comeram isso? Thanos, quanta
comida humana você consumiu?"
Eu tentei responder, mas a dor não permitia. Miguel parecia tão feliz cozinhando, eu
não podia... deixar de...
Lúcio passou os braços por baixo de mim e me ergueu, deitando-me contra seu peito.
"Sua alma começou a descolar." Falou ele, com a voz tremendo. "É o oposto do que
deveríamos fazer, mas preciso te levar de volta."
Mal conseguindo manter os olhos abertos, eu avistei um turbilhão cinza se formar ao
nosso redor. No tempo de um piscar, estávamos em um lugar que eu nunca havia visto.
Capítulo 17
Miguel
"Mon ami, já são três da tarde. Deixa o mordomo trazer seu almoço, por favor?"
Eu abracei o travesseiro, me encolhendo em posição fetal como uma lagarta num casulo
de cobertores.
"Não estou com fome." Falei, conseguindo não soluçar dessa vez.
Rosier sentou ao meu lado e afastou minha franja, tentando ver meu rosto.
Eu me encolhi ainda mais. Devia estar todo inchado e grudento de lágrimas. Conter
minha choradeira na presença de Rosier fazia doer meus pulmões. Este podia ser o quarto dele,
mas eu precisava ficar sozinho.
Como fui idiota em acreditar em outra pessoa. Depois do que Érico fez, eu deveria ter
criado cérebro. E ainda por cima eu estava desabando de novo, encharcando o travesseiro com
Rosier bem do meu lado. Eu não queria preocupar seu coração frágil.
"Me deixa sozinho, Rosier." Pedi. "Quero chorar até morrer."
Rosier soltou o ar lentamente e arrancou minhas cobertas num gesto brusco, me
fazendo girar no colchão e cair no carpete fofo, tão surpreso que minhas lágrimas travaram.
"Qual o seu problema, Rosier?" Gritei, enraivecido. "Se não quiser ser meu amigo eu
posso ir para a minha casa!"
Ao invés de se revoltar, Rosier apenas cruzou os braços pacientemente, e esperou eu
me acalmar antes de responder.
"O Érico foi o Érico, mon ami. Thanos é um cara decente, você não vai se esconder
aqui até ele sumir."
Ouvir os dois nomes na mesma frase foi demais pra mim. Eu abracei meus joelhos e
deixei as lágrimas voltarem. Meu peito e meu rosto queimavam tanto que eu mal conseguia
respirar.
Se pelo menos Érico estivesse ali, me dizendo exatamente como reagir. Mas ele nunca
ia voltar, óbvio. Foi por ele ter me largado que eu entrei nessa confusão.
Desde que o Érico saiu pela minha porta da frente e entrou no carro do Sérgio, que eu
não me sentia tão sozinho.
"Não tem volta, eu bati nele, quebrei aquele narizinho fofo." Lembrar de todo o sangue
me fez chorar ainda mais. "E você não me entendeu? Ele só estava me usando para virar um
anjo. Ele pretendia me matar, Rosier!"
"Se ele pretendia te matar, já teria feito isso." Rosier sentou no chão ao meu lado e me
abraçou. "Tire o resto do dia para chorar, mas amanhã você vai atrás daquele homem, ou vou
beliscar sua bunda."
A ameaça ridícula quase me fez rir. Eu ergui os olhos pro Rosier, esperando que minha
aparência não o assustasse.
"Não está falando isso por causa do Lúcio, não é?" Eu confiava no Rosier como um
irmão, mas precisava ter certeza.
Compreensivelmente, Rosier se indignou tanto que ele de fato beliscou a minha nádega,
por cima do pijama.
"Não tenho nada com aquele demônio obsecado." Ele torceu os dedos e me fez gritar.
"Como pode pensar isso do seu amigo?"
"Desculpa, desculpa!" Gemi, até ele me soltar. "Eu quero ter entendido errado. Mas se
o objetivo do Thanos sempre foi tornar-se um anjo, ele nunca planejou continuar comigo."
"Você não pode ter certeza disso, e é por isso que vocês vão se reencontrar e conversar
como adultos. Se ele realmente queria te matar, eu mesmo faço ele em pedacinhos pra você."
Rosier sorriu de um jeito fraternal, tornando quase suportável a dor no meu peito. Ele passou o
braço atrás das minhas costas e me deitou no seu ombro. "Visitaremos ele amanhã e lidaremos
com essa história direito, tudo bem?"
Eu funguei pesado e fiz que sim com a cabeça antes de soluçar de novo, que nem um
desesperado. Eu machuquei o Thanos, mas eu amava ele tanto. Se ele realmente queria me
matar, eu não suportaria. Toda a minha energia foi gasta em superar o Érico, e agora eu já
considerava ligar pra ele, implorando que largasse o Sérgio e me aceitasse de volta.
Como eu podia ser tão patético?
"O que o Lúcio disse sobre isso?" Perguntei, sem evitar encharcar a camisa do Rosier.
"Ele é um espírito livre e selvagem como eu, mon ami, ainda não apareceu. Maldito
homem." Ele sussurrou a última parte, bufando.
Eu suspirei. Não aguentaria me lamentar por mais tantos meses, mas minhas forças
haviam se esgotado. Érico me largou, Thanos se aproximou por interesse... o que havia de
errado comigo?
Com Thanos eu descobri a felicidade em poder ser eu mesmo. Ele aceitava tudo, e
gostava de mim por quem eu era, sem nunca me julgar. Não podia ser só fingimento, eu queria
acreditar que não era.
"Talvez eu queira comer alguma coisa." Falei. Eu precisava ser forte, ou pelo menos
um pouquinho otimista.
Rosier riu, beijou minha testa e balançou o sininho dos criados.
"Você vai adorar. Escalopes à bechamel com purê de alho e ceviche. Os criados
conhecem o seu paladar."
Eu forcei um sorriso e sequei as lágrimas. "Na verdade eu preferia um potão de
sorvete."
Rosier riu, e me ajudou a levantar. O mordomo já aparecia com diversos pratos, sobre
um carrinho de metal.
"Pode levar de volta, Icanor. Eu e o Mi vamos à sorveteria." Disse ele ao mordomo.
"Prepararei imediatamente trajes de passeio aos patrões." O mordomo prestou
reverência e logo deixou o quarto.
Eu abri a boca para reclamar, mas pelo sorriso levemente ameaçador de Rosier ele não
aceitaria mais um pingo dos meus resmungos.
Droga, os freezers da mansão eram forrados de sorvete, ele precisava mesmo me fazer
sair?
****
Eu me mantive emburrado por todo o trajeto da limusine, mas, agora que estávamos ali,
naquela agradável sorveteria com mesinhas à beira do lago, eu podia entender as intenções do
Rosier.
Aquele era o parque que Thanos odiava, sim, mas para mim e Rosier aquela sorveteria
significava muito mais.
Eu suspirei o ar puro e aromatizado pelas árvores floridas, e saboreei outra colherada do
sundae de dez bolas que eu pedi. Horas depois da briga com Thanos, e eu já me sentia um
pouquinho menos péssimo.
Rosier pediu um sundae comum. Ele mastigava seu canudinho de biscoito com um
sorriso calmo, observando um grupo de crianças que ria animadamente, enquanto perseguia os
patos à beira do lago.
Eu também brincava de perseguir patos no dia em que conheci Rosier, quinze anos
atrás. Na época foi eu quem convenci meus pais a pagar um sorvete para ele. Pelos trapos que
ele vestia e pelo brilho maravilhado em seus olhos, talvez tenha sido o primeiro sorvete da vida
dele.
Desde o primeiro dia, Rosier e eu nos tornamos inseparáveis.
"Obrigado por ter me feito sair de casa." Falei.
Rosier riu, com um olhar perdido e nostálgico. "Não pode ser sempre você a ficar me
reerguendo."
Eu sorri, tomado pela mesma nostalgia. Muitas lembranças doíam, mas a maioria dos
meus momentos com Rosier eu guardava com carinho.
Rosier se espreguiçou em sua cadeira, claramente feliz em estar ali comigo.
"Quando herdei sozinho a fortuna do vovô, minha família me largou. Mas você ficou
comigo, Mi. Não saiu do meu lado, mesmo depois de tantas cirurgias."
Rosier esfregou o peito através da camisa, e eu abaixei o rosto. Era exatamente essa
parte que eu não queria lembrar.
"Não fiz isso esperando algo em troca. Você é meu melhor amigo, Rosier."
"E é por isso que você não precisa pedir desculpas, nem agradecer. Eu vou sempre te
ajudar, Mi. Se o Thanos é o cara certo, vou até o fim do inferno buscar aquele desgraçado, e
entregá-lo à você numa bandeja de prata."
Se eu ainda tivesse lágrimas, teria derramado algumas. Eu não merecia um amigo como
Rosier. Ele era o melhor dos melhores.
"Eu também arrastaria o Lúcio, se você soubesse ser mais sincero." Eu agitei minha
colher no ar, com um sorriso travesso nos lábios.
"Sincero?" Rosier riu alto "Estou sendo sincero, mon ami. A vida é muito curta para se
dormir com o mesmo cara duas vezes."
"Entretanto, depois do Lúcio, não vi mais ninguém frequentar sua mansão."
Rosier corou suavemente, e seu olhar tornou-se triste.
"Não posso me aproximar dele, Mi. Não seria justo." Ele forçou um sorriso. "Além do
mais, já viu quantos gostosões existem no Tinder? Essa cidade é como um menu degustação."
"Eu me aproximei de você e nunca me arrependi." Meu comentário dissolveu o sorriso
do Rosier. "E se Lúcio for sua pessoa certa? Tente uma vez na vida ouvir seu coração."
Rosier revirou os olhos. "Mi, por favor. Meu coração não é mais meu há muitos anos."
Meus braços arrepiaram em terror. Eu quase ouvia de novo o apito dos aparelhos
médicos.
"Não brinca com isso. Você sabe do que estou falando."
"É você quem não sabe do que estou falando, Mi. Você nunca soube." O olhar de
Rosier escureceu por uma fração de segundo.
Eu franzi a testa e tentei ler a expressão do Rosier, que recuperou seu sorriso perdido
para o nada. Ele era tão enigmático e confuso, às vezes.
"Faremos o seguinte. Eu ligo para o Thanos agora, se você prometer ter um encontro
normal com o Lúcio. Com direito a andar de mãos dadas, e trocar beijinhos."
Rosier alargou os olhos. "Você não está falando sério."
"Ah, eu nunca falei tão sério." Eu brandi meu celular no ar, estremecendo em
nervosismo. Ok, eu não queria fazer isso de jeito nenhum, mas pelo menos eu não seria o único
à beira de um ataque histérico.
Eu e Rosier ficamos nos encarando por um bom tempo, como num jogo de pisca-
último.
"Tá bom, liga pro seu maldito macho." Rosier bufou, como se não acreditasse nas
próprias palavras. "Mas você está me empurrando pro filho do próprio Satanás, e eu não vou
deixar isso barato."
"Como se Thanos não fosse um demônio, também. Não faz cara de surpresa, eu sei que
você sabe."
"Só liga pra ele. E sem chorar, não pareça desesperado."
"Sim, mamãe." Eu revirei os olhos e encontrei o número dele na agenda. A foto que
apareceu durante a chamada tamboreou meu coração. Thanos nem sabia que fotografei ele
dormindo, após a noite do chantili. Seu rosto parecia tão calmo e satisfeito que não pude evitar.
Ele era tão lindo.
Droga, Thanos nem havia atendido, e eu já estava chorando.
"Que demora." Rosier comentou, após um silêncio que parecia infinito.
No meu ouvido, o celular amplificava meu pânico a cada apito não atendido. Eu era o
único contato do Thanos. Ele sempre atendia rápido.
Sua ligação está sendo transferida para a caixa postal e estará sujeita à cobrança
após...
Eu desliguei a chamada com as mãos tremendo, e minhas lágrimas pingaram na tela.
"Ele já me trocou por outro." Falei, e imediatamente desabei a chorar.
Capítulo 18
Thanos
Se não fosse a cama no centro, eu nunca diria que aquele espaço enorme era um quarto.
Haviam diversos armários de madeira escura, quadros e esculturas de temática demoníaca,
equipamentos estranhos feitos de aço, correntes e couro e até uma piscina de água
avermelhada, com uma constante cachoeira de som calmo e relaxante. A luz avermelhada das
centenas de velas dava um ar promíscuo àquele lugar.
Lúcio me deitou naquela enorme cama. O cheiro de canela e orquídeas impregnado no
travesseiro me fez perceber que era a cama dele.
Eu tentei reclamar, mas minha voz tornou-se um grito agoniado, e eu voltei a apertar
meu estômago.
Maldição, nunca senti tanta dor.
"Avisei para se manter longe de comida humana. É venenosa para nós assim como
nosso ar é venenoso aos vivos." Lúcio vasculhou os milhares de frascos em sua penteadeira,
calmamente. "Agora que retornamos você vai melhorar logo, mas isso aqui acelerará o
processo."
Lúcio chacoalhou um pequeno frasco de cristal, com um líquido preto e translúcido no
interior. Ele sentou ao meu lado e cutucou meu joelho, sinalizando que eu tentasse esticar o
corpo.
"O que é isso?" Gemi, nada confortável em deitar seminu e vulnerável na cama no
príncipe estúpido.
"Óleo de Obelisco. Vamos recosturar sua alma no corpo de Incubus." Lúcio forçou
minhas coxas para baixo, expondo minha barriga que latejava, como se pegasse fogo.
Ele virou um filete do óleo negro próximo ao meu umbigo, deixou o frasco sobre a
mesinha de cabeceira, e começou a me massagear.
No começo eu urrei de dor, os dedos de Lúcio pareciam agulhas em minha pele
aflorada, mas em poucos segundos a dor tornou-se suportável.
Minha respiração começou a acalmar e eu relaxei os músculos, enfim percebendo o
conforto daquele colchão macio, e o geladinho gostoso dos lençóis de cetim vermelho.
"Sua barriga é tão durinha. Se não fosse meu amor pelo Rosier, eu me sentiria
torturado." Lúcio riu, admirando as quatro saliências de músculo enquanto alisava óleo por
entre cada uma.
Eu franzi a testa para o comentário. Preferia não pensar na esquisitisse dessa situação,
afinal eu também tinha o...
"Puta merda, o Miguel." Eu bati as mãos na minha testa, só então percebendo o quanto
minha cara ardia.
"Cuidado com o rosto. Seu nariz consertará em minutos, se parar de mexer." Lúcio me
alcançou o lencinho de seu casaco, e subiu a massagem da barriga para o meu peito. O calor
sobrenatural do óleo penetrou minha pele, transformando a dor num formigamento relaxante.
"Ele disse que me odeia." Solucei, limpando o sangue e as lágrimas com o lencinho. "O
quê eu faço agora?"
"Por enquanto você descansa. Seu corpo só estabilizará amanhã, e preciso pensar em
como distrair o papai."
"Amanhã?" Gritei, apalpando os lençóis. "Cadê meu celular? Preciso ligar pra ele."
"Acha que temos sinal por aqui?"
Meu coração apertou dolorosamente. Um dia inteiro sem ver Miguel? Eu precisava me
desculpar. Precisava que ele me abraçasse e perdoasse por tudo.
Eu te odeio, ele me disse, com lágrimas em seu rostinho lindo. Em poucas semanas fiz
ele chorar duas vezes. Que fracasso de namorado eu consegui me tornar.
"Me leva de volta. Agora." Eu falei, tentando me levantar da cama. Minha visão borrou
imediatamente, e Lúcio me empurrou a deitar de novo.
"Você fica aí. Eu mesmo volto, e esclareço tudo com..."
Alguém bateu na porta do quarto. Meu sangue gelou ao imaginar que fosse Lúcifer.
Pelo temor no olhar de Lúcio, essa possibilidade era bem real.
Mas quem entrou foi um demônio magrinho e baixo, com aparência de dezesseis anos.
Olhos azuis e cabelos loiro-platinados, quase brancos. Os chifres e cauda eram iguais aos
meus, mas ele também possuía asas negras. Suas minúsculas roupas de vinil preto me
lembravam a noite embaraçosa no pátio do Miguel. Ele também usava um aventalzinho rosa e
uma vassoura nas mãos.
"Mestre, Lorde Lúcifer exige sua presença na sala do trono."
Lúcio bufou, e secou a mão oleosa no lencinho que devolvi. "Aquele velho não sabe me
deixar em paz." Ele se levantou e entregou o frasco ao garoto. "Obrigado, Gideon. Por favor,
continue o tratamento por mim."
O garoto fez um beicinho irritado e bateu a vassoura no chão.
"Primeiro me deixa de faxineiro, agora sou garoto de recados e médico, também?"
Gideon grudou o corpo no de Lúcio e inclinou o pescoço para olhá-lo nos olhos, de um jeito
suplicante. "Sinto sua falta, mestre. Por favor, me aceite de volta."
Lúcio afagou os cabelos quase brancos de Gideon.
"Não existe mais harém, Gideon. Meu coração pertence ao Rosier, agora."
"O mestre entrega seu coração a quem merecer, mas meu corpo sempre será do mestre,
não é?" Gideon deitou a cabeça no peito de Lúcio.
"Eu preciso ver o papai. Conversamos depois, está bem?" Lúcio passou por ele. "Seja
gentil com Thanos. Ele é importante para mim."
Lúcio fechou a porta, me deixando sozinho com Gideon.
Eu deitei a cabeça nas mãos, incerto sobre como lidar com aquela situação. Eu nem
conhecia o garoto, e ele já me encarava em ódio profundo.
"Ótimo. Eu massageio o recém-chegado, também. Em uma semana estarei limpando as
latrinas com as mãos." Ele jogou a vassoura no chão e se aproximou de mim enquanto virava
óleo nas mãos. Ele parecia menos disposto a me massagear, e mais disposto a enterrar o punho
na minha bunda.
"Olha, Gideon, eu mesmo posso fazer isso." Falei, agitando as mãos e recuando na
cama.
"Deita quieto, ou eu te faço aquietar." Ele rosnou, subindo sobre mim com a agilidade
de um gato. "Nunca desobedeci uma ordem do mestre, e essa não será a primeira."
Eu considerei tentar sair correndo, mas assim que Gideon agarrou minha barriga, ele
passou a me massagear delicadamente. Sua postura e espressão facial não condiziam em nada
com a delicadeza de seus dedos. Era meio aterrorizante.
Mais confortável do que eu gostaria de admitir, eu relaxei nos travesseiros macios e
deixei ele continuar.
Eu vasculhei minha mente pensando em algum assunto, sem descolar os olhos daquele
par de asas emplumadas e escuras que ele abanava, para enfatizar seu desagrado. Talvez eu
devesse fazer amizade, antes de perguntar?
Antes que eu falasse, o garoto me interrompeu.
"Você é o novo brinquedo do mestre?" Ele perguntou.
"Não. Digo, eu iria ser, agora não sei mais."
"Como um cara como você conseguiu falhar na aposta? Digo, alguns não conseguem
apaixonar o humano, outros não conseguem matá-lo depois. Mas a maioria passa,
especialmente os mais bonitões."
"E em qual parte você não passou?" Perguntei.
O garoto riu, orgulhoso.
"Eu nunca tentei. Quando mestre Lúcio me resgatou do lago de sangue ele me ofereceu
o joguinho dele. Escolhi serví-lo." Ele alargou um sorriso confiante e abanou a cauda. "Eu fui
o primeiro do harém."
"Você escolheu ser escravo dele?"
"Você é cego? Não vê o quanto ele é lindo? E carismático? E bondoso?" Gideon
apertou as unhas na minha barriga, entretido com os próprios pensamentos.
Eu ri, começando a gostar desse tal de Gideon. Eu não precisaria manipulá-lo, mas
melhor ser cauteloso. Meu futuro com Miguel dependia do que eu conseguisse extrair dele.
"Ainda tenho sete dias, com meu humano. Sem o harém, não sei para onde iria se eu
falhasse. Um incubus sem asas não deve ser muito útil." Tentei, calculando cada palavra.
Gideon riu, me dispensando com um gesto da mão.
"Quanta bobagem. Metade do harém do mestre nunca brotou asas, e ainda assim estão
por toda parte. Uma das favoritas trabalha na cozinha e odeia cada minuto, mas o que posso
fazer? O mestre nos mimava demais."
"Você tem asas, e não parece estar muito melhor." Eu olhei para o avental, que não
combinava em nada com o resto da roupa.
"Nem me fale. Mas asas são o básico do básico. Apenas as almas mais fracas não
podem voar. Quando eu brotei as minhas..."
"Espera, você também não tinha asas, no começo?" Eu não podia perder essa brecha.
Arriscando ou não, era essa a parte que me interessava.
Para meu nervosismo, Gideon encolheu os ombros, e suas mãos tremeram na minha
barriga. Seus olhos cintilaram numa expressão de tristeza.
"Não quero falar sobre isso."
Como se pisasse em ovos, eu escolhi minhas próximas sílabas. Esse garoto era um
incubus, como eu. E conseguiu brotar asas. Eu precisava descobrir como.
"Eu adoraria poder voar, também. Deve ser divertido."
"Não, você não quer ter asas. É bom que não tenha, significa que você não tem
maldade." Gideon esticou as próprias asas e as observou como se fossem pedras amarradas no
corpo.
"Como assim, não tenho maldade?"
Gideon parou a massagem e sentou do meu lado, me estudando com seus olhos grandes
e juvenis.
Após um longo suspiro, ele acariciou os lençóis de cetim, e começou a falar.
"Quando o mestre me transformou em incubus e me trouxe, éramos só nós dois. Eu
servia o mestre. Realizava seus desejos mais bobos e os mais estranhos sem nunca hesitar. Mas
o mestre não se satisfez comigo, e começou a trazer outros. Logo eu me tornei só mais um, em
um harém que passava de vinte. O mestre não usava todos ao mesmo tempo, óbvio, e me
encarregou como líder do harém. Eu sabia o que o mestre desejava, antes que ele mesmo
soubesse. Eu planejava a programação da noite, e trazia os membros mais adequados à cada
atividade. Entende? Eu não organizava orgias, entende? Eu projetava arte."
Eu arqueei minha sobrancelha, tentando não transparecer o quanto achava isso
estranho.
Gideon baixou o rosto, entristecendo.
"Claro que, como líder, eu sempre participava. Eu queria dar prazer ao mestre, fazer ele
feliz com o corpo que ele me deu. Mas cada vez mais ele me ignorava. Os incubus mais novos
passaram a ser mais fortes, intensos, e musculosos. Os gostos do mestre mudaram e ele me
descartou como um brinquedo velho."
"Você já tinha asas, nessa parte?"
"Não. Eu era apenas um garoto tímido competindo com estátuas gregas espetaculares,
como você." Gideon coçou a nuca, encabulado. "O mestre simplesmente me esqueceu, então
bolei um plano. Numa das noites eu deveria ter chamado seis membros, conforme a
programação que escrevi, mas eu apareci sozinho. O mestre já aguardava despido em sua
cama, lindo e calmo como as ondas do rio Styx. Ele estranhou me ver desacompanhado.
Onde estão os outros? Ele me perguntou, mas eu apenas tranquei a porta, deixei cair
minhas roupas e sorri cheio de maldade. O mestre arregalou os olhos em surpresa, quando me
joguei em cima dele. Ele soube na hora o que iria acontecer."
Apesar do sorriso, o olhar de Gideon tornou-se trágico e sombrio. Eu não soube o que
pensar, nem muito menos o que responder. Algo naquela história não encaixava muito bem.
"O mestre nunca me puniu, pelo contrário, passou a me dar mais atenção. As asas
apareceram logo na manhã seguinte, pesando as minhas costas." Gideon agarrou um chumaço
de penas e arrancou, fazendo respingar sangue. "Meu castigo por ter violentado o mestre."
Eu abri a boca, assistindo-o soltar as penas ensanguentadas pelo colchão, com um olhar
vazio.
"Escuta, Gideon. Não me leve à mal, mas o Lúcio poderia te quebrar ao meio sem
nenhum esforço. Não acho que ele tenha interpretado da mesma forma."
Gideon secou uma lágrima e me olhou como se eu fosse um idiota.
"Por quê você quer ter asas?"
Eu suspirei lentamente. Se Gideon conseguia ser tão sincero comigo, eu precisava fazer
o mesmo.
"Lúcifer vai me matar. Ele pretende usar meu corpo de incubus numa alma mais forte."
"Mais soldados? Eles estão por toda a parte ultimamente, mas o inferno tem vivido em
paz há séculos!"
"Não sei sobre isso. Mas eu preciso de asas, e preciso ser forte como um soldado. Lúcio
vai sofrer muito se eu morrer, e meu humano também."
Gideon torceu o lábio, pensativo. "O quanto esse humano gosta de você?"
"Ele me ama e..." Minha voz engasgou. "...eu também amo ele, eu acho."
Gideon riu, dessa vez de forma sombria. Ele se curvou e deitou o corpo sobre mim,
serpenteando sobre a minha barriga oleosa até se acomodar, com o rosto pertinho do meu.
"Perfeito. Posso conseguir asas para você também." Ele disse, e uma sensação esquisita
me fez arfar, eletrizado por faíscas de prazer. Gideon enroscou sua longa cauda na minha e
atritou uma contra a outra. A sensação era indescritível. Minha pele se arrepiou.
"Não. Para com isso!" Supliquei, perdendo as forças. A carícia na minha cauda aflorava
cada nervo do meu corpo, especialmente lá atrás. Gideon subiu a mão oleosa para o meu
mamilo, e o simples toque me fez gemer.
"Você nunca fez com outro incubus?" Gideon soltou uma risadinha fascinada, e beijou
meu pescoço. "Vou lhe dar a honra de ser seu primeiro. Enquanto isso concentre-se em
lembrar do humano. No quanto vai destruir seu coração quando contar o que fizemos."
Eu tentei me debater, mas o óleo também anestesiava meus músculos. Me restava
apenas gemer, enquanto Gideon deslizava o quadril ossudo pela camada de óleo entre nós dois,
fazendo meu corpo pulsar contra a minha vontade.
"O poder de um incubus nasce da maldade. Quebre o coração do humano e talvez você
até consiga manipular fogo, como os nobres." Falou ele, também começando a ofegar.
Meu corpo inflamou, mais de raiva que de prazer. Gideon demonstrava fácil toda a sua
experiência. Ele mal havia me tocado, e eu já começava a me perder em sensações intensas.
Mas nem fodendo que eu iria tão longe por uns poderes estúpidos.
"Sai de cima de mim!" Eu reuni todas as minhas forças e empurrei Gideon para trás.
Pequeno e leve demais, ele caiu no lado oposto do quarto.
"Ai..." Ele massageou a cabeça, e me fuzilou com um olhar magoado. "Estou tentando
te ajudar, seu babaca!"
"Você é retardado? Eu amo o Miguel, eu disse! Não vou trair ele com ninguém!"
Gideon fez um beicinho indignado e ferido, e eu quase me senti mal por ele.
Esse incubus era meio idiota, mas não parecia ser ruim. Poderes demoníacos e
crueldade não dependiam um do outro tanto quanto Gideon imaginava.
"Vai reclamar de mim pro mestre?" Perguntou ele, cheio de medo na voz.
Eu sorri e apontei para a minha barriga brilhante de óleo. A dor havia desaparecido
completamente. "Direi que você é um excelente massagista."
Gideon abriu um sorriso brilhante e se levantou. As roupas dele também brilhavam,
completamente besuntadas após sua tentativa ridícula de me seduzir. "Eu faço massagens ainda
melhores, com o meu..."
"Não termine essa frase." Eu ri, levemente assustado. Se tudo desse errado e eu fizesse
parte do harém do Lúcio, eu podia imaginar Gideon e eu como bons amigos. "Ah, mais uma
pergunta. Como volto para o Miguel?"
"Não posso ajudar com isso. Apenas os nobres podem teleportar entre planos." Gideon
ergueu a vassoura com a cauda e deixou o quarto, todo contente. "Ah, como você é legal, vou
dar uma dica. Existe um meio de tornar-se anjo sem matar ninguém. "
Eu arregalei meus olhos, sentando na cama em um salto. "Existe?"
"Apenas mortais podem morrer, não concorda? Mas não tente me conquistar, bonitão.
Meu corpinho gostoso e a minha alma são todinhos do mestre Lúcio."
Eu suspirei em frustração, enquanto Gideon fechava a porta. Um conselho desses não
me ajudaria em nada.
Sozinho no quarto, eu me levantei e debrucei na janela, me assustando com a paisagem.
Pela altura e pelas torres vizinhas, estávamos em um castelo negro, com espetos e
gárgulas nos telhados. Iluminada pelo céu vermelho e sem sol, havia uma imensa construção
de pedra ao longe, com barras em todas as janelas e muros com arame farpado. Mais além
havia apenas chão de terra rachada, até onde a vista alcançava.
Que merda. Gideon não foi útil como esperava que fosse. O jeito era esperar Lúcio, e
reencontrar Miguel o quanto antes.
Capítulo 19
Thanos
****
Eu inalei o aroma gostoso do chá de cidreira, bebendo da minha xícara enquanto Lúcio
e Rosier provavam meus biscoitinhos de gengibre.
Montar a mesa de jardim foi uma boa idéia. Com o estresse dos últimos dias, um
lanchinho sob o vento fresco do fim da tarde me permitia descansar. E a companhia de Rosier
e Lúcio me agradava.
Passos adiante, em meio às laranjeiras do pátio, Thanos treinava socos e chutes no ar. O
casaco exagerado que Lúcio lhe presenteou esvoaçava a cada voadora e golpe de cauda.
Tadinho, ele já treinava há cinco horas e, até agora, nem sinal de asas ou faíscas.
"Não posso mesmo oferecer uns chocolates?" Perguntei ao Lúcio, apontando para as
trufas de avelã que preparei mais cedo. "Ele parece tão cansado."
"Já expliquei, ele não pode." Lúcio descansou sua xícara na mesa com a graciosidade
de um monarca. "Uma pena. Sua culinária humana é magnífica."
Percebendo o olhar distraído de Rosier, Lúcio deslizou dois dedos pelo lado da orelha
dele e cheirou seu cabelo macio. "Não concorda, amor?"
Rosier se arrepiou tanto que quase deixou a xícara cair. "Não me chama assim!" Falou
ele, vermelho como o pôr-do-sol.
Os esforços de Rosier em não ser abraçado me fizeram rir. Ele cumpriu mesmo sua
promessa em sair com Lúcio, mais cedo naquele dia. Não sei onde foram, mas percebi que
Rosier vestia um anel de rubi no dedo indicador, com padrão de caveiras na parte da argola.
Ele nunca vestiu acessórios antes.
Lúcio conseguiu arrancar um beijinho de Rosier, que simplesmente não conseguia
manter-se bravo. Ele começou a rir e abraçou o pescoço de Lúcio, deixando-se beijar várias
vezes. A cada beijo ele correspondia um pouquinho mais.
Sem querer distraí-los eu retornei à cozinha, e separei pratinhos de sobremesa. Ainda
havia o bolo de morango, e acho que me superei neste aqui. Chantili deixava tudo mais
interessante.
Ah, como eu queria que Thanos provasse. Mas saber que ele se envenenou comendo
meus pratos ainda me aborrecia. Ele devia ter me dito alguma coisa.
Enquanto eu ajeitava o morango central até ficar perfeito, Lúcio entrou na minha
cozinha, desacompanhado.
"Não precisam se interromper." Falei, eu mesmo um pouco corado. "Vim apenas buscar
a sobremesa."
Lúcio sentou na bancada da pia. Ele cruzou os braços e me encarou pensativo,
abanando a ponta da cauda.
"Sou um cara otimista, meu querido Miguel. Mais do que deveria..." Ele disse, com
uma expressão que eu não soube ler direito. "...mas minhas esperanças com o Rosier se
esgotavam aos poucos, até hoje cedo. Você fez alguma coisa, para ele me procurar."
Eu sorri, um tanto orgulhoso de mim mesmo. "Talvez. Como foi seu encontro?"
Lúcio se manteve sério e afinou seus olhos de íris avermelhadas.
"Eu pretendia escravizar seu querido Thanos. E não teria movido um dedo quando ele
tentasse te matar. Sem falar que sou o príncipe do inferno, filho do grandioso Lúcifer. Por que
me ajudou?"
Eu ri baixinho, enfim entendendo onde ele queria chegar.
"Você certamente já descobriu a cicatriz no peito do Rosier, e as pilhas de remédios."
Falei.
Lúcio estreitou os ombros e engoliu seco.
"Quanto tempo ele ainda tem?"
"Os médicos disseram cinco anos, seis anos atrás, então não sei." Eu ajeitei o morango
central de novo, que insistia em se inclinar. "Ele voltou à fila de transplantes esse ano. Espero
que tenha a mesma sorte uma segunda vez."
"Por isso nos juntou? Apaixoná-lo pelo filho de Lúcifer ainda é melhor que deixá-lo
morrer sozinho?"
Contendo a sensação amarga no meu estômago, eu sorri para ele e escondi minha dor
bem lá no fundo.
"Eu tenho esse dom estranho de ver boas intenções nas pessoas. Digo, não é um poder
mágico, nem nada assim, apenas algo que Rosier costumava me dizer. Quando eu te vi aquela
vez, no sofá do Thanos, eu soube na hora que você não era ruim, Lúcio."
"Ainda pensa isso agora, quando me recusei a treinar ele? Há quatro dias do fim do
prazo?"
"Rosier tem seus motivos para manter-se emocionalmente distante, e eu tenho motivos
para querer que Thanos sobreviva. Você também tem suas próprias motivações, Lúcio. Não te
acho ruim por isso."
Lúcio me encarou como se não acreditasse. Ele respirou fundo e olhou para o teto,
movendo os lábios como se pensasse muito bem no que iria falar. Mas ele se manteve quieto.
Eu toquei seu joelho, e sorri para ele.
"Thanos me contou tudo o que aconteceu. Sobre você tê-lo resgatado, e tratado o
envenenamento. Ele também contou que a maioria do seu harém não é alado, uma
característica dos incubus mais fracos. Mas é do inferno que estamos falando, então o que seria
essa fraqueza?"
Lúcio estremeceu, assustado como se eu penetrasse dentro de sua alma. Thanos não
percebeu quando me contou os discursos exagerados do outro incubus, mas para mim tudo se
tornou claro.
"Incubus e succubus costumavam ser criaturas de beleza e sensualidade." Falou Lúcio.
"Utilizá-los como armas é uma afronta à tudo o que o inferno representa. Desencadear uma
guerra é exatamente o que os anjos querem, mas o papai não percebe isso."
"Então você impediu a criação de soldados, transformando outro tipo de alma. Mas não
foi uma escolha aleatória, foi?"
Pelo temor nos olhos de Lúcio, eu estava certo. Talvez eu tivesse mesmo um dom
especial?
"Já conversamos o suficiente." Lúcio se levantou e apressou-se de volta ao pátio.
Eu o segurei pela mão.
"Você não quer ver Thanos como um soldado, e eu também não. Mas em quatro dias
seu pai dissolverá a alma dele. Você é o único que pode ajudá-lo."
Lúcio suspirou. "Nunca daria tempo."
Eu apertei a mão dele com força. "Pretende abandonar uma alma com chance de
salvação?"
Lúcio e eu nos encaramos por um longo momento.
Após o que pareceram vários minutos, Lúcio esfregou a ponte do nariz, suspirando.
"Posso ensinar o básico, mas..."
Meus olhos brilharam, e eu me joguei no corpo alto de Lúcio, abraçando sua cintura.
"Obrigado." Exclamei, sentindo que poderia chorar de alegria.
Posso ter me enganado sobre Érico, mas meus amigos mereciam toda a minha
confiança, e meu amado Thanos também.
****
****
****
Após dez horas de treino, Lúcio enfim me deixou descansar. Eu me estiquei na cadeira
de jardim entre Miguel e o amigo dele, recuperando o fôlego.
"Mais água, Thanos?" Rosier tentou me servir, mas eu peguei o jarro gelado e virei na
cabeça. "Oh, mon ami. Pelo menos temos sorvete."
"Você melhorou muito, hoje." O sorriso de Miguel acalmou meu peito. Ele me estendeu
uma colherinha do seu sorvete, mas, infelizmente, lembrou que eu não podia comer.
Maldição. Mesmo que eu nunca sentisse fome eu mataria por algo gelado, nesse calor.
Mas se Miguel podia aguentar o tédio em me assistir treinar, eu podia suportar o desconforto
do verão. Um demônio reclamando do calor seria simplesmente ridículo.
"Sim, fizemos progresso." O elogio de Lúcio me surpreendeu. "Você quase me acertou
umas... duas vezes."
"Uma delas porque você veio me beijar." Rosier fez um biquinho e Lúcio repetiu o ato,
todo satisfeito. "Tudo isso para Thanos conseguir asas, eu entendi bem? Me parece esforço
demais, não importa o tamanho dos seus fetiches, Mi."
Miguel engasgou no sorvete. "Não é fetiche meu. Thanos precisa de asas para
podermos nos reencontrar."
"Ah, ainda bem, pois eu lhe diria que asas só atrapalham." Falou Rosier, e logo
percebeu o olhar chocado e indignado do Lúcio. "Mas elas têm sua utilidade, como o guidão
de uma bicicleta." Ele deu um sorrisinho que revelou bem o que ele queria dizer.
Eu arregalei os olhos e corei. Miguel já me dominava completamente, na cama.
Imagina se tivesse onde se agarrar.
Lucio agitou suas asas, orgulhosamente. "Isso me lembra dos nossos planos de hoje,
amor."
Rosier concordou com a cabeça. "Se gostou do cinema, espere até conhecer a sala de
vídeo da minha mansão."
Os dois se levantaram e eu e Miguel nos entreolhamos, em choque.
"Vocês não podem ir! Lúcio, e o treinamento do Thanos? São recem três da tarde!"
Falou Miguel.
"Thanos precisa se recuperar." Falou Lúcio, erguendo o indicador quando tentei
discordar. "Sim, você precisa. Papai não vai querer um incubus que mal consegue se erguer."
Eu murchei os lábios, tentando não transparecer meu orgulho ferido.
"E minhas asas? Quando vou conseguir?" Eu tentei me levantar para impedir Lúcio,
mas minhas pernas não se moviam.
Lúcio olhou para mim e depois para Miguel, que aguardava ansiosamente a mesma
resposta.
"Amanhã conversaremos sobre isso." Falou ele, num tom de voz tão sério que me
torceu o estômago.
Merda! Com todo o meu esforço, eu realmente não iria conseguir?
Lúcio partiu com Rosier e eu espremi meus punhos sobre a mesa até esbranquiçarem.
Miguel os cobriu com suas mãos macias e sorriu para mim.
“Lúcio está certo. Se descansar agora, estará bem quando Lúcifer aparecer.” Falou ele.
"Posso preparar seu banho?"
Eu nunca quis tanto pedir desculpas e desabar em lágrimas, mas eu apenas sorri de
volta, e disse que sim. Miguel estava dando tudo de si por mim, ele não merecia ver meu
desespero.
"Vou encher a banheira." Miguel beijou minha testa. "Acha que consegue se lavar
sozinho?"
"Eu não sou um inválido só porque..." O sorrisinho de Miguel me fez engolir minhas
palavras. "...hum. Talvez eu precise de ajuda."
"Eu comprei uma lufa nova, daquelas importadas. E uns óleos aromáticos." Ele
sussurrou no meu ouvido.
Uma risada nervosa escapou da minha boca. Eu não iria sobreviver. Miguel detonaria a
única parte de mim que ainda não ardia.
E eu mal podia esperar.
"Acha que cabemos os dois, naquela banheira?" Perguntei, me levantando com esforço.
"Claro que sim." Miguel lambeu os lábios, com um sorriso pervertido. "A ideia é
justamente..."
Um súbito vendaval esvoaçou meu cabelo, e fez voar os guardanapos da mesa de chá.
Eu me virei para trás, estranhando a mudança de tempo. Não era um simples vento. Um
tornado negro se formava no centro do pátio, entre as laranjeiras sobreviventes e o gramado
semi-destruído.
Miguel segurou meu braço, tão surpreso quanto eu. "Lúcio?"
A escuridão espiral se dispersou, e meu sangue tornou-se gelo ao perceber quem era.
Alto e muito musculoso, queixo quadrado, três pares de asas e uma imensa espada no
cinto do casaco. Lúcifer virou-se para nós, com um olhar tão ameaçador quanto da primeira
vez.
Eu puxei Miguel para trás de mim, colocando-me entre ele e Lúcifer. Não fazia sentido.
Deveríamos ter um dia inteiro.
"Outro incubus sem asas." Lúcifer expôs os dentes para mim, em desprezo. "Meu filho
tolo insiste em transformar os mais medíocres."
Cada passo de Lúcifer em nossa direção parecia estremecer o mundo ao meu redor, ou
talvez fossem minhas pernas, ameaçando ceder.
"Thanos não é medíocre!" Miguel tentou passar por mim, e eu estendi meus braços para
bloqueá-lo. "Você quer um soldado, não quer? Ele será perfeito para o seu exército!"
A audácia de Miguel travou Lúcifer no lugar. Para meu horror, ele conseguiu mesmo
atrair a atenção do imperador dos demônios, que gargalhou alto e satisfeito.
"Este lixo, um soldado?" Lúcifer desembainhou a espada. A lâmina prateada brilhou
laranja sob os últimos raios de sol. "O bonitinho é apenas um capricho do meu filho tolo.
Afaste-se dele, humano. Vim apenas para buscá-lo."
Parecendo esquecer-se do bom senso, Miguel abraçou minha cintura por trás. Droga, o
que ele queria, ser morto comigo?
"Thanos não é fraco. Ele treinou muito." Eu diria que Miguel mentia muito bem mas, o
conhecendo, ele realmente acreditava nisso. O que só fazia meu coração doer.
"Ridículo. A alma dele será dissolvida num novo pergaminho, que criará um soldado
adequado." Lúcifer se aproximou casualmente e me puxou pelo braço. Eu me mantive no
lugar, precisava proteger o Miguel. "Não me teste, incubus. Lúcio teve seu tempo para brincar
de casinha no plano dos vivos. Agora você vem comigo."
Eu engoli seco, considerando enfrentá-lo. Miguel não merecia um fracote como eu, mas
que chances qualquer um teria contra o imperador do Inferno?
"Miguel será deixado em paz?" Perguntei.
"Que uso eu teria para um humano? Assistí-lo se envenenar nos gases do Inferno?"
Lúcifer tentou me puxar de novo, e dessa vez foi Miguel quem me segurou no lugar,
firmemente agarrado à minha cintura.
"Não encosta nele!" Gritou Miguel. "Eu amo o Thanos, e ele também me ama. A alma
dele continua onde está!"
A expressão embaraçada em Lúcifer me fez corar. Droga, Miguel enlouqueceu? Ou só
queria ganhar tempo até Lúcio me salvar ainda mais uma vez?
Lúcifer arqueou a sobrancelha para mim, como se eu fosse estúpido.
"Um humano apaixonado, e você ainda assim não se tornou um anjo. Meu filho
encontra cada perdedor..." Lúcifer soltou uma risadinha cheia de escárnio e largou meu braço.
"E ainda quer ser um soldado. Que piada."
Eu estremeci, gastando toda a minha coragem para não tomar Miguel em meus braços e
sair correndo.
Distraído pelo meu próprio medo, nem percebi Miguel me soltar. Antes que pudesse
impedí-lo, ele correu aos pés de Lúcifer e se ajoelhou em súplica, encostando a testa no chão.
"Senhor Lúcifer, eu imploro, dê uma chance à ele. Permita que ele continue vivo,
servindo ao seu exército."
"Miguel, levanta daí!" Eu rosnei, mais furioso comigo mesmo que com elle. Miguel não
deveria ter que passar por isso. Que merda de namorado eu era.
Lúcifer gargalhou de novo, e retornou para o centro do pátio, no ponto onde ele surgiu.
Por um minúsculo segundo pensei que ele partiria, mas ele ergueu sua espada aos céus, e nos
encarou com um sorriso de diversão que lembrava vagamente o sorriso de Lúcio.
"Um soldado, este pedaço de nada? Pois bem. Um imperador deve ser justo, lhe darei a
chance de tentar." Falou ele.
Eu ajudei Miguel a se levantar e nós nos abraçamos, observando o céu escurecer e um
novo tornado se formar ao redor da espada de Lúcifer.
"O quê é isso?" Perguntei, protegendo o corpo trêmulo de Miguel contra o meu.
O tornado se dissipou, e duas criaturas pousaram de cada lado de Lúcifer. Pela forma
eram uma mulher e um homem, mas a pele cinza e dedos longos e afiados como agulhas lhes
dava um aspecto monstruoso. Além de cauda e chifres pretos iguais aos meus, eles possuíam
longas asas negras, que eles debatiam em tom de ameaça.
Os demônios nos observaram com seus olhos completamente vermelhos e brilhantes,
expondo os dentes afiados através de um constante sorriso sem lábios.
"Alichino e Calcabrina." Falou Lúcio. "Almas cruéis e sombrias transbordando em
poder demoníaco, como deveria ser com qualquer demônio."
As criaturas chiaram como cobras e abanaram suas caudas, aparentemente contentes
com o elogio. O que parecia um homem, Alichino, aproximou-se de nós babando e farejando o
ar, como um cão de caça.
Eu arregalei meus olhos em horror absoluto. Essas coisas que mal lembravam pessoas
eram uma succubus e um incubus, como eu? Não, não podia ser.
"Aqui está sua chance, incubus." Lúcifer riu do terror em nossos olhos. "Derrote pelo
menos um deles, e você terá seu cargo em meu exército."
Meu peito saltou em doses iguais de esperança e terror. Como soldado, eu poderia
visitar Miguel no plano dos vivos.
Hesitante e ignorando as objeções desesperadas de Miguel, eu o empurrei para trás e
me aproximei dos dois oponentes. Eu assumi a posição de combate que Lúcio me ensinou.
"Thanos, não!" Miguel tentou correr até mim e eu ergui a mão, para que não viesse.
Eu fuzilei Lúcifer com meu olhar mais determinado.
"Uma vaga em seu exército, e a promessa de que Miguel ficará seguro." Falei.
"Perfeito." O sorriso de Lúcifer se afinou para os dois soldados, cheio de malícia.
"Destruam ele."
Os dois dispararam na minha direção, rápidos como um borrão de luz cinza.
"Cuidado!" Gritou Miguel.
Eu me abaixei e senti o vento do primeiro golpe flamular meu cabelo. Ok, foi um bom
começo, eu só...
A succubus pareceu surgir do nada. Antes que eu piscasse ela já havia cravado as garras
dos pés nas minhas costelas. O impacto me lançou contra a árvore chamuscada, partindo-a ao
meio. Eu segui voando e bati contra o muro de concreto, colando nele por alguns segundos
antes de cair no chão.
Eu gemi em profunda agonia. A dor me impedia de erguer a boca do gramado. O lado
do meu peito latejava violentamente, como se minhas costelas tivessem se esfarelado.
Nem pensar que eu seria derrotado assim.
Eu consegui erguer o rosto, mas não avistei ninguém, minha visão escureceu, eu via
apenas um borrão duplicado enquanto minha consciência se apagava.
"Thanos, acorda. Thanos! Lá em cima!" Os gritos de Miguel me devolveram à
realidade.
Reunindo forças não sei de onde, eu rolei para o lado e ouvi um estrondo onde eu
recém estava. A dupla de demônios havia mergulhado sobre mim com tanta agressividade que
abriram um buraco no chão, onde agora estavam entalados, até os tornozelos.
Eu me apoiei na parede, e de algum jeito me levantei. Eu precisava aproveitar a
oportunidade.
Enquanto Alichino debatia os pés para se soltar, eu desferi meu melhor soco de direita.
Ele inclinou a cabeça e desviou sem esforço.
Sem me deixar frustrar, eu soquei de novo e de novo. Mesmo preso, aquele filho-da-
puta era rápido. Minha pouca energia se gastava rapidamente, e eu sentia uma hemorragia se
espalhar, onde fui chutado.
Após uns dez socos, eu cedi meus braços, e tossi engasgado. Respingos vermelhos de
sangue pontilharam o rosto de Alichino, que riu de mim, nada impressionado.
Droga. Eu era tão fraco que morreria na frente de Miguel? Minha visão mal focalizava
no incubus, e a succubus... Espera, cadê a Calcabrina, ou sei lá o nome?
Uma pressão horrível envolveu meu pescoço e me ergueu no ar.
"Devo enfforcá-lo, messtre?" Sibilou a succubus, espremendo a cauda até afundá-la em
meu pomo-de-adão.
Eu tentei gritar, ou respirar, mas era inútil. Mesmo os gritos de Miguel tornaram-se um
zunido distante.
"Precisamos dele vivo, para o ritual de transferência." Lúcifer embainhou a espada,
tranquilo como se tivesse assistido a luta mais previsível do mundo. "Excelente trabalho.
Vamos voltar."
Calcabrina me arrastou pela lama até Lúcifer, onde Alichino já aguardava. O vendaval
de teletransporte elevou-se ao nosso redor.
Calcabrina afrouxou a cauda o bastante para que eu respirasse, e eu ergui os olhos, sem
conseguir avistar Miguel além da poeira escura. Maldição, eu nem consegui dizer adeus, mas
pelo menos ele ficaria bem.
"Vocês não vão levá-lo!" Gritou Miguel, saltando no centro do tornado e agarrando-se à
Lúcifer.
Nem a surpresa extrema impediu minha consciência de deslizar. Eu fechei os olhos e
apaguei, derrotado pelos meus ferimentos.
Capítulo 22
Miguel
"Você consegue, Thanos!" Miguel gritou, e em seguida tossiu outro rio de sangue.
Maldição, eu precisava resolver isso logo.
No limite da minha velocidade, eu girei o cotovelo na cara daquele cinzento imbecil,
mas mais uma vez ele desviou, desaparecendo como um borrão de sombras.
Eu respirei pesado, sentindo o suor verter do meu rosto. Eu não conseguiria manter este
ritmo por muito mais tempo.
Aterrorizado, Miguel olhou para cima de mim. Eu acompanhei seus olhos, e avistei
Alichino sobrevoando, muito acima do meu alcance. Em sua mão havia um brilho alaranjado e
intenso. Fogo do inferno.
Eu expandi meus olhos em terror. Como eu o impediria, daquela distância?
Alichino riu, sibilante como uma cobra "Qual o problema, incubuss? Não conssegue me
alcançar?" Ele expandiu o fogo em sua mão, e mirou em mim.
Sentindo o estômago revirar, eu me afastei de Miguel. Pelo menos ele não queimaria
junto comigo.
Quando eu já fechava os olhos, me preparando para a dor, algo colidiu contra Alichino.
Algo tão rápido que parecia um trovão negro.
"Ele não consegue, mas eu consigo!" Bravou Gideon, desabando com Alichino contra o
chão de pedra.
Alichino rachou as lajotas com a cabeça, e soltou um grito dolorido.
Eu quase suspirei em alívio, quando percebi o estado de Gideon. Seu rosto adolescente
vertia sangue, através de vários cortes na testa. O corpo semi-exposto estava coberto por
arranhões e hematomas e um de seus chifres havia se partido. Ele não parecia capaz de se
erguer de cima de Alichino.
Pirralho desgraçado. Quantas vezes ele pretendia me salvar?
Antes que Alichino acordasse, eu disparei e peguei Gideon no colo, deitando seu corpo
leve contra meu peito.
Eu podia ser fraco, mas não permitiria que ninguém morresse por mim.
"Me solta!" Gideon se debateu no meu colo, enquanto eu corria com ele para junto de
Miguel. "Preciso proteger vocês, me deixa fazer isso!"
"Cala a boca! Acha que Lúcio iria querer você se suicidando por ele?"
"Cala a boca você!" Gideon debateu as asas, tentando se soltar. "Não tem nada, nada,
nada que eu não faça pelo mestre!"
"Essa luta é minha." Eu sentei Gideon no chão. "Proteja o Miguel enquanto eu termino
isso."
Alichino recuperou a consciência e se levantou. A forma como ele olhou para mim e
para Gideon gelou meus ossos, mas eu não estremeci. Desta vez, eu mataria esse desgraçado.
"Você tessta minha paciência, Gideon." Alichino revirou os olhos, e preparou uma
segunda bola de fogo. "Um ssimpless prosstituto deveria esstar na cama do ffilho do Lorde. É
ssua única sserventia."
Eu assumi minha postura de combate, e algo estapeou minha cara, me fazendo cair
sentado. Gideon bateu sua cauda no meu nariz, e agora avançava à minha frente, com um olhar
tão emputecido que ele quase parecia maior de idade.
"Sua luta não é com esse babaca asqueroso." Gideon secou o sangue da testa e
espreguiçou as asas, encarando Alichino como se não fosse um terço de seu tamanho. Ele
apontou para o lado, me fitando com o canto do olhar. "Aquele canto da muralha esconde uma
escada de manutenção. Não me façam fazer isso por nada."
Eu olhei para Alichino, e depois para Miguel, que parecia tão assustado quanto eu.
Miguel, Lúcio, e até Gideon... Todos me defendiam e me protegiam como se eu fosse
um inútil, e eu realmente era. Se pelo menos eu pudesse brotar asas, ou fazer qualquer coisa!
Qual era o problema com a minha alma, afinal?
"Vamos." Eu peguei a mão de Miguel, me prometendo que nunca mais precisaria ser
salvo.
"Não me faça te esspancar maiss, prosstituto." Alichino falou para Gideon. "O que um
incubuss fracasssado pode fazer?"
"Um só, não muita coisa." Gideon pôs os dedos nos lábios e assobiou alto. "Mas
experimente lidar com trinta."
Uma revoada negra escureceu o céu. Dezenas de incubus e succubus, todos vestindo as
mesmas mini-roupas de vinil.
Os trinta demônios de beleza exagerada e sorrisos determinados se alinharam aos lados
de Gideon, alguns pousando colegas que, como eu, não podiam voar. Eles estenderam os
braços e as asas em sincronia perfeita, formando uma parede entre Alichino e nós.
Entendendo o recado, eu e Miguel corremos em direção à muralha.
"Eless esstão fugindo, sseus prosstitutos glorifficados."
Gideon riu alto.
"Prostitutos? Eu sou o orgulhoso líder de harém do Mestre Lúcio. Nós somos muito
mais que um corpinho bonito." Gideon assobiou de novo, e o que se seguiu foi um barulho
ensurdecedor de gritos, explosões, e asas se debatendo.
Nem Miguel nem eu ousamos olhar para trás.
Miguel tossiu de novo, diminuindo o ritmo de seus passos. O rosto dele já estava como
papel, e ver seus lábios tão azulados me enchia de desespero.
Ele apenas protestaria se eu pedisse, então eu o forcei em meus braços, e segui correndo
com ele em meu colo.
"Eu estou bem." Ele resmungou, tossindo de novo.
Eu ignorei e corri no auge da minha velocidade. De fato, uma coluna de alças de ferro
brotavam da muralha de pedra, no canto que Gideon indicou.
"Sobe nas minhas costas." Eu deixei Miguel no chão, e escalei os primeiros degraus.
"São só uns vinte metros." Falou Miguel, sempre teimoso como uma mula. "Eu te sigo
logo atrás."
Eu bufei e comecei a escalar. Até Miguel parecia mais valente que eu. Se eu ainda não
me rendi, era porque ele valia mais que a minha própria vida. E ainda assim eu não conseguia
protegê-lo sozinho.
"Outra pena." Falou Miguel, num tom surpreso.
"O quê?" Perguntei, tentando olhar para baixo.
"Não, nada."
Eu dei de ombros, e continuei subindo.
O topo da muralha devia ter um metro de largura, e parapeitos bem baixos. Eu ajudei
Miguel a se erguer, e observei a vista impressionante. No pátio de onde viemos, Uma confusão
de corpos esbeltos e plumas erguia uma nuvem de poeira. Eu não queria pensar no que eram os
sons de explosões e flashes vermelhos, que vinham sempre seguidos de gritos.
No lado oposto, o castelo negro se revelava muito maior do que parecia ser, ao longe.
Pela vista da janela de Lúcio, ele morava em alguma daquelas torres, provavelmente na
segunda mais alta.
"Como descemos?" Miguel agarrou-se em mim para debruçar-se na beirada. Não havia
escada do outro lado.
Eu olhei ao redor, e avistei um trecho da muralha muito adiante, que se conectava com
o castelo. Seriam uns bons dois quilômetros andando nesse trecho estreito.
"Numa escala de um a dez, o quanto você tem medo de altura?" Perguntei.
Miguel me abraçou apertado. "Nove?"
Eu suspirei, lacei meus dedos nas mãos dele, e beijei seu rostinho lindo.
"Vou precisar que se esforce um pouco." Falei, me sentindo culpado. Miguel não
parecia nada bem.
Miguel sorriu e encostou o corpo em mim. Seus lábios gelados tocaram meu pescoço
em um beijo doce e frágil.
"Vamos dar o fora daqui." Ele forçou um sorriso.
Eu concordei com a cabeça, e nós dois seguimos pelo topo da muralha, tentando não
olhar para o chão de terra árida e pedra que nos esperava de cada lado.
"Alichino, aquele impresstável."
Uma voz feminina congelou meu sangue. Eu me virei para encontrar Calcabrina logo
atrás de nós. Ela observava o pátio de onde viemos.
Eu fiz o mesmo, e percebi que o combate havia encerrado. O corpo cinza de Alichino
jazia entre vários outros corpos, que eu não conseguia identificar daquela distância.
"Não quero lutar com você." Falei.
Calcabrina gargalhou, e expandiu as asas de forma ameaçadora. "Claro que não quer."
Eu engoli seco, e empurrei Miguel na direção do castelo.
"Miguel, uma vez na vida me obedeça, e corra."
"Mas..." Miguel tentou segurar meu braço, e se interrompeu. "Por favor, fica bem."
Eu ouvi os passos de Miguel se afastando e sorri para Calcabrina, forçando uma
expressão de autoconfiança. "Vou te mandar pra junto do seu colega."
"Tá certo." Calcabrina riu, e esticou seus dedos de agulha na minha direção. Sua cauda
tremulava como a de uma cobra prestes a dar o bote.
Eu não podia me deixar abater. Foram necessários trinta incubus melhores que eu para
derrotar Alichino, e naquele terreno estreito qualquer tropeção seria a minha morte. Mas
Miguel dependia de mim. Se eu morresse aqui, se eu deixasse Lúcifer me dissolver, Miguel
seria consumido pelo veneno.
Eu não permitiria que isso acontecesse.
Calcabrina disparou sobre mim, e eu sobre ela. Eu chutei mirando no pescoço, e ela
desviou facilmente, contra-atacando e metendo as garras no meu rosto. Eu pulei para trás,
conseguindo desviar.
Merda, a luta com Alichino havia me cansado. Eu nunca venceria na base da força
bruta. Eu precisava de um plano, o que aquele idiota do Lúcio faria, no meu lugar?
Calcabrina chutou minhas costelas no lugar da primeira vez. Eu bloqueei com o braço,
mas a dor me desequilibrou. Meus pés patinaram pela beirada, e eu girei os braços, tentando
me cair.
Assim que o segundo chute veio eu me impulsionei com a cauda, saltando por cima e
retornando ao topo. Como eu pensava, eu não me tornei muito mais ágil, desde o primeiro
confronto. Assim como Alichino, Calcabrina agora menosprezava minhas habilidades,
desinteressada em me combater com seriedade.
Meu peito disparava em adrenalina e medo. Pensa, Thanos. Lúcio não me treinou para
que eu brotasse asas, mas para que eu conseguisse lutar, apesar de não tê-las.
Um bom soldado torna sua fraqueza em força.
Como uma serpente dando o bote, Calcabrina se lançou sobre mim. Eu me abaixei e
rolei por baixo do ataque, usando a cauda para me levantar o mais rápido possível. Isso.
Calcabrina estava de costas para mim. Suas asas se agitaram enquanto ela se reequilibrava.
Gritando de raiva e exaustão, eu corri e saltei sobre ela, girando a perna para baixo.
Meu calcanhar bateu no cotovelo da asa, e eu ouvi um estalo.
Calcabrina urrou de dor, Segurando a asa que agora se dependurava, ao lado do corpo.
"Maldito! Desgraçado!" Ela berrou, apertando a asa em profundo sofrimento.
Ofegante, eu sabia que era cedo para comemorar. Calcabrina continuava sendo
imensamente forte, e agora ela estava emputecida.
Eu dei as costas para ela e corri, tentando não pensar na altura e na facilidade que ela
teria em me atacar, assim que se recuperasse.
Enfraquecido como estava, Miguel corria devagar o bastante para que logo eu o
alcançasse.
"Thanos!" Miguel abriu um sorriso surpreso e emocionado.
"Continua correndo." Eu agarrei sua mão e passei por ele, puxando-o comigo.
A parte da muralha conectando o presídio com o castelo foi se aproximando, revelando
um portão aberto. Talvez essa loucura desse certo. No quarto de Lúcio estaríamos seguros.
Uma explosão logo atrás de nós estremeceu o muro. Miguel tropeçou, e por pouco não
caímos os dois, lá embaixo.
Sentindo arrepios na espinha, eu me virei. Onde recém haviamos passado havia agora
um buraco, iluminado por brasas alaranjadas de Fogo do Inferno.
Arrastando uma asa, Calcabrina se aproximava de nós, suas mãos brilhando ao formar
mais duas daquelas malditas bolas de fogo.
Miguel gritou e se abraçou em mim. Naquela posição nunca conseguiríamos fugir, e
derrotar aquela succubus estava muito além da minha capacidade.
"Me beija, Thanos." Miguel ergueu seus olhos de esmeralda para mim.
"Não fala besteira, numa hora dessas."
"Falo sério. Se você virar um anjo, você pode fugir." Miguel curvou os lábios azulados
em um sorriso. "Você ainda pode se salvar."
Meu peito apertou, e meus olhos se encheram de lágrimas. Maldição! Essa era mesmo a
única saída? Eu me revoltei com Miguel antes, mas eu mesmo me recusava a viver, se
precisasse matá-lo para isso.
Se pelo menos minhas asas brotassem! Até aquele pirralho irritante havia conseguido,
mas como? Gideon pensava ser um castigo por violentar Lúcio, mas ele só podia estar
enganado. Lúcio sentia carinho por Gideon, e Gideon...
Não tem nada, nada, nada que eu não faça pelo mestre!
Assistindo Calcabrina mirar seu golpe, eu arregalei meus olhos. Seria isso? Eu não teria
outra chance, se estivesse errado.
"Miguel, você confia em mim?" Eu perguntei, olhando para os rochedos muito, muito
abaixo.
"Claro que confio. Eu te amo, Thanos."
"Então se agarre em mim, e pule."
Calcabrina lançou seu golpe e eu saltei para fora da muralha, na direção do abismo. A
explosão ensurdecedora lançou ondas de calor nas minhas costas.
Eu abracei Miguel com firmeza, enquanto ele gritava em desespero. O chão crescia sob
nós, revelando as pontas afiadas dos rochedos.
Apertando os olhos, eu desejei do fundo da minha alma que Miguel se salvasse. Tudo
bem que eu me arrebentasse nas pedras, mas ele precisava viver.
Pelo Miguel eu faria qualquer coisa, porque eu o amava mais do que tudo.
O vento pareceu soprar ao contrário, nos travando no meio da queda. Eu arfei de dor,
segurando Miguel com toda a força para que não escorregasse.
O chão aproximou-se cada vez mais devagar, e nós deslizamos para a frente, em pleno
ar. O som de asas batendo logo acima me aterrorizou, até eu notar que o som vinha das minhas
costas.
"Thanos, você..." Miguel olhou para cima, com seus olhos verdes e brilhantes. "Você
está voando!"
Eu o quê? Eu virei o pescoço para olhar e me desestabilizei, quase nos derrubando de
novo. Plumas negras agitavam-se e ventavam atrás de mim, nos erguendo no ar. Músculos que
eu nunca tive antes trabalhavam instintivamente, nos fazendo subir.
"Eu tô voando mesmo!" Eu sorri, e logo desmanchei o sorriso, em pânico. "Eu não sei
voar!"
Miguel me abraçou firme, e começou a rir, parecendo esquecer o medo de altura.
"Estamos voando!" Ele gritou, feliz como uma criança. "Uhuuul!"
Eu comecei a me acostumar com meus novos músculos, tornando o vôo mais macio. Eu
subi alto, nos afastando das pedras até nos erguer acima da muralha. A brisa fresca do céu
soprava contra a minha pele.
Calcabrina urrou de raiva, lançando mais uma pequena bola de fogo. O golpe passou
longe, já estávamos longe demais, e ela parecia exausta.
"Você é o melhor." Miguel mordiscou meu pescoço, fora de si de tanta felicidade.
Eu ri, e nos espiralei pelo ar, apreciando o vento e a liberdade. Mas o sangue nas roupas
de Miguel não me deixavam esquecer nossa prioridade.
Precisávamos encontrar Lúcio o quanto antes.
Capítulo 24
Miguel
****
Quando a luz diminuiu e eu consegui abrir os olhos, todo o interior do templo ardia em
chamas.
Meu queixo caiu em espanto. O fogo amarelo vivo queimava o chão e as paredes de
pedra como se fossem papel, transformando tudo em cinzas negras e mergulhando o recinto
fechado numa névoa enegrecida.
No centro do salão, o corpo imobilizado de Thanos era lentamente cercado pelo
incêndio.
"Thanos!" Eu gritei e corri até ele, mas Gideon segurou meu braço.
"Não é seguro. Confia no mestre." Falou o garoto.
Confiar no Lúcio? Depois dele tentar matar o Thanos?
Eu tentei fazer sentido daquela situação caótica, e minha tosse piorou. Eu caí e Gideon
me segurou em seus bracinhos finos.
"Seu filho tolo! Tem idéia do que destruiu?" Lúcifer gritou para Lúcio, que
concentrava-se em gesticular as mãos em frente ao corpo de Thanos.
"Construa um segundo altar de sacrifício, veja se me importo." Lúcio sussurrou algo
entre dois dedos, enfraquecendo o brilho sobre Thanos. "Mas com meu melhor amigo e meu
namorado você não vai se meter."
"Quanta audácia. Você continua igual a ela!" Lúcifer esbravejou.
Não sei do que eles falavam, mas o último comentário fez Lúcio sorrir. Ele estendeu as
mãos num gesto brusco, e as serpentes de luz sobre Thanos rasgaram-se ao meio.
"Traga o humano, Gideon." Lúcio tomou Thanos em seus braços enquanto Lúcifer
ainda gritava desaforos.
Gideon me ajudou até Lúcio. Nós nos agarramos em seu casaco extravagante e uma
cortina de vento e sombras nos envolveu.
Num piscar de olhos, nós quatro estávamos noutro lugar. Um lugar tão familiar que eu
sorri, querendo rir de emoção.
A mansão do Rosier.
****
****
Eu acordei num espasmo, respirando engasgado como se tivesse passado horas sob a
água.
Onde eu estava? Eu amassei a grama vermelha e molhada entre meus dedos, logo
reconhecendo o quintal da mansão do Rosier. Minha memória voltava aos poucos, em flashes
rápidos e confusos.
Lúcifer esteve aqui. E algo sobre a espada dele. E os gritos de Lúcio, e Miguel...
Eu olhei para baixo e percebi uma imensa mancha de sangue, que ia do ombro ao peito.
A pele por baixo estava intacta, ainda mais saudável que quando voltamos do inferno.
O que estava acontecendo?
E então tudo voltou de uma vez.
"Miguel?" Eu me virei para trás.
Em meio aos arbustos florais de Rosier, Lúcio abraçava alguma coisa, ajoelhado no
chão. Ele chorava. Eu nunca vi Lúcio chorando.
"Lúcio, cadê o Miguel?" Eu me aproximei, querendo que minhas lembranças fossem
apenas um sonho ruim. Aliás, só poderiam ser. Lúcifer enterrou sua espada em mim, e eu
empurrei Miguel no último segundo. Mas eu estaria morto se fosse verdade, não é?
Quando percebi o quê - ou quem - estava nos braços de Lúcio, eu corri até ele.
"Miguel!" Eu caí de joelhos ao lado de Lúcio.
Os lindos olhos de Miguel estavam fechados, e sua pele tornou-se branca como papel,
exceto pelos lábios roxos.
Eu segurei sua mão inerte, e deixei as lágrimas caírem sobre seu rosto. Não podia ser
verdade.
Miguel estava morto.
"O que aconteceu, Lúcio? O quê?" Eu solucei. "Me deixa segurar ele. Por favor."
Lúcio me ignorou, ele acariciou o rosto gelado de Miguel enquanto chorava, tanto
quanto eu.
"Eu vou encontrar sua alma." Sussurrou Lúcio. "Vou lhe conseguir uma boa vida, lá
embaixo. Eu devo isso ao Thanos."
Eu fervi de raiva e de dor.
"Não me ignora, Lúcio! Me entrega o Miguel, me deixa sozinho com ele!"
Eu agarrei o ombro de Lúcio, e minha mão atravessou seu corpo.
O quê?
Um bater de asas se aproximou, e eu ergui o rosto. Gideon trazia Rosier com ele. Os
dois pousaram e Rosier correu para Miguel, completamente aterrorizado.
"Miguel!" Rosier cobriu a boca, tremendo. "O que aconteceu? Ele não está morto,
está?"
Os três falaram entre si, chorando muito.
"Rosier, amor. Me desculpa." Falou Lúcio.
Rosier abraçou Miguel e aninhou contra seu corpo, chorando desesperadamente.
"Eu confiei em vocês!" Ele gritou. "Eu confiei em vocês porquê o Mi confiou, e ele
nunca erra sobre ninguém. Cadê aquele desgraçado do Thanos? Eu vou matar ele, eu juro que
vou."
Lúcio tentou abraçar Rosier e levou um soco no peito como resposta. Lúcio ignorou os
socos e o envolveu em seus braços até Rosier ceder, chorando em seu ombro.
Eu assisti a cena, horrorizado e confuso.
"Alguém me explica o que aconteceu!" Gritei, e até Gideon me ignorou, lamentando
quieto a alguns passos de distância.
"Miguel fez o que fez pelo Thanos. Não odeie ele." Lúcio afagou o cabelo de Rosier,
que chorava de cortar o coração. "Miguel terá uma boa vida no meu reino. Te prometo isso."
"Dá pra alguém me ouvir?" Eu bati minhas asas com impaciência, e um brilho branco
chamou minha atenção.
Eu saltei com o susto e estendi minhas asas para a frente, percebendo uma camada de
penas brancas e luminosas. Sob elas, as últimas penas pretas terminavam de cair.
"Que porra é essa?" Gaguejei, enfim entendendo o que aconteceu. Eu passei a mão atrás
de mim, sem sentir a cauda, e ergui os dedos acima da cabeça.
Meus chifres haviam desaparecido, e havia uma argola flutuando. Uma auréola?
Não!!!
"O mestre não vai usar o poder dele?" Perguntou Gideon, enquanto Rosier deitava
Miguel sobre o gramado florido. "O poder de ver os anjos?"
Lúcio secou as lágrimas de Rosier com o dedo, e beijou-lhe o rosto.
"Esgotei minhas energias contra os soldados do papai. Por enquanto, não podemos nem
voltar." Ele suspirou em tristeza. "E não adiantaria, de qualquer forma. Thanos já deve ter
atravessado o portal."
"Você foi meu melhor amigo, Miguel. Não vou te esquecer nunca." Rosier afagou seus
cabelos ruivos, e descansou suas mãos cruzadas sobre o peito. "Me diz que vou poder revê-lo,
Lúcio."
"Eu o tornarei um demônio de baixa hierarquia. Papai não terá problemas com isso,
mas não serei capaz de sustentá-lo neste plano."
Rosier chorou sobre o corpo de Miguel, e eu ainda mais, assistindo tudo de longe.
Então era isso? Eu nunca mais veria ele?
Eu me ajoelhei entre todos e tentei erguer a cabeça do Miguel no meu colo, mas minhas
mãos o atravessavam. Eu já não podia sentir a textura de sua pele, ou o frio de suas mãos.
"Miguel, seu idiota!" Gritei, tomado pela raiva. "Você disse que viveríamos juntos, e aí
faz um sacrifício estúpido desses?"
Eu solucei, pingando lágrimas nas minhas pernas. Se pelo menos eu não fosse tão fraco.
Se eu tivesse me tornado um soldado, ou vencido Lúcifer, Miguel viveria feliz ao meu lado.
Mais uma vez tive que ser protegido. E Miguel precisou morrer pra isso.
Minha última pena negra ondulou até o chão e desapareceu, tornando minhas asas
plenamente brancas.
Um retângulo de luz branca iluminou a noite, bem alto no céu, conectando-se a mim
através de uma longa escada translúcida.
Nem a pau que eu subiria essa porra de escada. Eu não queria ser um anjo. Não quando
isso custou a vida do meu Miguel.
Independente da minha vontade, o portal de luz começou a me atrair como um ímã. Eu
forcei meu corpo a manter-se com Miguel, mas era impossível.
Eu bati minhas asas brancas e gritei de raiva, assistindo meus pés se arrastarem para
trás. Mesmo lutando com toda a minha força, o portal me sugava sem esforço algum.
Aquela energia incompreensível me elevou, afastando-me de Miguel cada vez mais. Ele
tornou-se um pontinho entre as flores do vasto jardim.
"Miguel, eu te amo." Eu gritei. "Eu vou te amar pra sempre. Esteja onde estiver, não
esqueça de mim!"
Lúcio pareceu ter um arrepio e virou o rosto, mais ou menos na minha direção.
"Eu prometo que ele será feliz!" Lúcio gritou para mim. "Tenha uma boa vida, lá em
cima!"
O portal me sugou e eu apertei os olhos, deixando a luz me engolir.
Capítulo 30
Thanos
****
****
Eu sobrevoei a cidade, buscando o endereço que Lúcio indicou. O sol coloria os prédios
em tons alaranjados, anunciando o fim da tarde.
Felizmente, não demorei a encontrar o lugar. Eu pousei naquela ruela deserta, sentindo
que era vagamente familiar.
Logo no meu primeiro passo, uma pontada na coxa me fez gemer. Eu massageei a
marca do açoite, esperando que parasse de doer. Sandalfon pegou pesado comigo, dessa vez.
Geralmente eu encontrava Lúcio uma vez por mês, tempo o bastante para me curar dos
castigos. Comunicar-se com um demônio era considerada uma ofença grave, não importava
que Lúcio fosse meu amigo. Pelo menos os anjos nunca descobriram de quem ele era filho, ou
não sei o que fariam comigo.
Em cinco anos, era de se esperar que me acostumasse com as dez chicotadas mensais,
mas já ganhei fama como aquele anjo de asas cinzas que está sempre arrebentado.
Mesmo conhecendo as leis, Lúcio insistiu em me reencontrar no dia seguinte, ou seja,
hoje. Minhas nádegas ainda estavam listadas de vermelho, e eu não queria imaginar como seria
apanhar ainda machucado. Era bom que ele tivesse bons motivos. Não tive nem tempo de re-
clarear minhas asas.
Quando cheguei em frente ao lugar, meu coração deu um pulo. Foi nesse beco frio e
escuro que troquei uns amassos com Miguel, na noite em que nos conhecemos.
Eu toquei a parede gelada, mas para mim parecia quente como se Miguel ainda
estivesse ali. Meus olhos esquentaram e transbordaram. Por que Lúcio seria tão sádico em me
lembrar desse lugar?
O sol logo terminou de se por, e eu sequei o rosto ao ver alguém sair do beco.
Geralmente o príncipe metido aparecia em seu tornado de sombras, mas dessa vez ele veio à
pé.
Eu disfarcei minha dor ao máximo e me aproximei dele, esperando que usasse seu
feitiço.
Lúcio observou o sol, e quando o último raio se ocultou atrás dos prédios, ele estendeu
a mão para o alto.
"Revelação." Falou ele.
O chão se iluminou vermelho e vívido sob nós, e o olhar de Lúcio enfim encontrou o
meu.
"O que é tão importante?" Perguntei. Não esconderia meu incômodo em ser açoitado
duas vezes em dois dias.
O sorriso enorme nos lábios de Lúcio me deixou desconfiado. Com os anos nossos
encontros deixaram de ser aquele poço de emoções e recadinhos, e passou a ser mera troca de
informações e notícias. Nós ainda éramos melhores amigos, mas faz tempo que não via Lúcio
tão empolgado em me ver.
"Vai ficar só me olhando e rindo?" Cruzei os braços, agitando minhas asas cinza com
impaciência.
"Fica aqui, não se mexa. Volto em alguns minutos. Ou não." Ele correu de volta aos
fundos do beco.
Eu abri a boca, procurando palavrões fortes o bastante para gritar à ele. O desgraçado
me chamou aqui para sumir? Ele sabia o que Sandalfon iria fazer comigo!
Os passos de Lúcio ecoaram de volta. Ótimo, pelo menos ele não demorou tan...
Meus olhos se expandiram, e eu pensei estar vendo uma miragem. Aquele não era
Lúcio. Um demônio mais baixo que ele se aproximava de mim. Cauda longa, asas negras e
chifres medianos despontando dos cabelos cor-de-ferrugem.
Eu me aproximei de Miguel, tremendo e hesitando como se vivesse um sonho e não
quisesse acordar. Ele continuava igual, apesar das partes demoníacas. Seus lindos olhos verdes
cintilavam vívidos e lindos como eu me lembrava.
Miguel parou à minha frente e tocou meu rosto com seus dedos suaves e delicados. O
calor de seu carinho confirmou a realidade.
Com lágrimas descendo pelo rosto e incapaz de formar palavras, eu estendi meus
braços para abraçá-lo, mas ele me interrompeu, com um sorriso emocionado e feliz em seu
rostinho doce.
"Se eu te abraçar não consigo soltar mais, e temos pouco tempo." Ele disse.
Eu concordei, com o peito dolorido. Mesmo se esforçando ao máximo, Lúcio só me
manteria visível por uns três minutos.
"Você fica lindo como incubus." Eu disse, tentando me controlar. "Lindas plumas."
Miguel agitou suas asas, meio encabulado. "Você fica bem como anjo, também. Não sei
se consigo elogiar a túnica."
"Por favor, não elogie. Eu me assustaria com o seu mau gosto."
Nós dois rimos. Miguel mantinha a mesma voz, o mesmo cabelo sedoso, os mesmos
gestos delicados das mãos.
"Sabe, existe um boato estranho, sobre os incubus." Ele me disse, com um sorriso
humilde. "Dizem que se formos beijados pouco após nossa transformação, nos tornaremos
anjos. Mas precisaria ser um beijo de amor verdadeiro."
Eu contive o riso e dei de ombros, meu coração pulsando quente e intenso. "Já ouvi
falar. O apaixonado morre depois, não é?"
"Pois é, não é péssimo?" Miguel torceu o lábio num beicinho fofo. "Eu precisaria de
alguém que já morreu. Sabe onde encontro alguém assim?"
Eu dei um passo à frente e passei a mão pelos cabelos sedosos de Miguel,
aproximando-o de mim.
"Acho que conheço um cara." Eu roçei meus lábios nos dele, sentindo o calor de sua
respiração rápida.
Miguel laçou as mãos atrás do meu pescoço e ergueu-se nas pontas dos pés.
"Acho que eu também." Ele disse, e apertou seus lábios úmidos nos meus.
Epílogo
Thanos
Ágil como um gavião, Miguel voou para o topo da sinaleira, suas asas brancas
cintilando sob a luz do sol.
"Thanos, é o caminhão vermelho!" Falou ele, apontando para o veículo que se
aproximava do cruzamento.
No sentido atravessado, um ônibus escolar também se aproximava.
Eu agitei minhas asas e voei até a janela do motorista do caminhão, que dormia com
uma garrafa de tequila sobre o colo.
"Moço, ei moço, acorda!" Eu gritei para o motorista bêbado, sem sucesso. Droga,
Miguel penetrava nos sonhos deles com tanta facilidade, quando eu conseguiria?
Esforçando-me para não cair, eu inflamei meu poder angelical, desejando que o idiota
pelo menos tirasse o pé do acelerador.
O motorista roncou, exalando um bafão de cachaça na minha cara. Não, isso também
não funcionou. Precisaríamos de uma solução drástica.
Eu me joguei para dentro da cabine, usando os limites do meu poder para conseguir
agarrar o humano idiota sem atravessá-lo. Gritando com o esforço, eu ergui a perna dele e
mudei do acelerador para o freio.
O solavanco me fez bater contra o vidro, mas ei, eu consegui parar o caminhão!
Eu me arrastei para fora, atordoado mas orgulhoso. Miguel enlouqueceria por mim,
dessa vez. Consegui salvar um ônibus cheio de criancinhas!
Estranhando a vista, eu procurei o cruzamento, meio confuso. Já haviamos passado por
ele, e em nenhum momento o caminhão colidiu com o ônibus, conforme Miguel viu em sua
Premonição.
O ônibus também havia parado, mas bem antes do semáforo. O motorista desceu para
verificar os pneus, gritando de raiva ao percebê-los todos furados.
De cima do ônibus, Miguel sorriu e acenou para mim. Ele voou até a calçada onde eu
estava com um sorriso empolgado nos lábios.
"Você parou o caminhão mesmo!" Ele me agarrou e beijou. "Estou orgulhoso."
"Orgulhoso? Foi você quem salvou as crianças!" Resmunguei. Não queria descontar
minha incompetência no Miguel, mas era difícil não me frustrar comigo mesmo.
Desde que tornou-se um anjo, Miguel revelou um poder assombroso. Ele possuía vários
feitiços angelicais avançados, e conseguia prever desastres com vários minutos de
antecedência.
"Você salvou o caminhoneiro de se chocar contra aquele hotel de luxo, isso não é
pouco." Falou Miguel, com a voz um pouquinho magoada.
"Desculpa." Eu tomei Miguel nos meus braços e o beijei, nossos corpos brilhando
suavemente enquanto absorvíamos as Boas Intenções do nosso resgate. "Você também foi
incrível. Estourar os pneus do ônibus? Eu não esperaria menos do nosso futuro arcanjo."
As asas cintilantes de Miguel estremeceram.
"Não me lembra. Só de pensar na cerimônia de amanhã, já fico todo arrepiado."
Eu ri, e afaguei o pescoço do Miguel para acalmá-lo. No fundo eu me sentia culpado
em vê-lo tanto tempo como anjo-da-guarda. Quando Miguel soube dos açoitamentos ele
insistiu em se tornar meu supervisor, assim poderia fazer vista grossa a todas as minhas
mancadas.
Mais uma vez, era ele quem me protegia.
"Vai dar tudo certo." Eu beijei sua testa e afaguei suas plumas brancas. "Você será um
excelente arcanjo e terá sua prória tropa de anjos da guarda protegendo essa cidade."
Miguel ronronou macio, abraçadinho em mim. Ele adorava uma boa massagem nas
asas.
"Sabe que só aceitei quando pude escolher meu assistente, não é? Eu não suportaria que
ficássemos longe."
"Mesmo Sandalfon demorou cem anos para tornar-se um arcanjo, e você conseguirá em
apenas vinte. Seja menos humilde."
Miguel deslizou os dedos nas minhas costas, logo abaixo das asas, e seu olhar tornou-se
escurecido e sombrio. As marcas de açoitamento desapareceram poucas semanas após a
chegada dele, e ainda assim Miguel traçava com os dedos onde cada uma costumava estar.
"Eles danificaram algo que é meu." O olhar dele tornou-se ainda mais opaco e frio.
"Eles não deveriam mexer com meu lado vingativo."
Eu ri, tentando não parecer nervoso. Cada vez que Miguel repetia isso, eu acreditava
um pouco mais que ele não estava brincando.
Não sabia o que me aguardava como assistente de arcanjo, mas com Miguel do meu
lado, eu me sentia capaz de qualquer coisa. Até minhas asas se mantinham mais ou menos
brancas, eu era quase um anjo decente.
Miguel mordiscou meu pescoço, todo manhoso, e olhou para o céu azulado, de poucas
nuvens.
"Ainda temos tempo." Disse ele.
"Tempo para quê?"
Miguel me largou e voou reto para cima, espiralando pelos céus com agilidade e graça.
Eu o segui e nós pousamos no terraço do hotel de luxo.
Já sobrevoei esse edifício algumas vezes. Havia uma piscina, um quiosque, e várias
daquelas cadeiras de praia e cabanas brancas com camas e almofadas. Não havia ninguém ali
naquele momento.
Miguel jogou-se numa das camas e sorriu para mim, todo devasso.
"Não. Nem pensar." Eu agitei as mãos, em protesto. "Sua cerimônia de promoção é
amanhã. O que os superiores vão pensar, se suas asas escurecerem?"
"A opinião deles não me interessa." Miguel me chamou com o dedo, acomodando-se
nas almofadas.
"Mas... mas o Sandalfon..." Eu estremeci. A proteção de Miguel só me ajudaria até
certo ponto. Os anjos já me fuzilavam com os olhos sempre que o magnífico Miguel aparecia
com asas escurecidas, o que pensariam se eu fizesse isso antes da cerimônia?
"Sandalfon que tente se meter com esse nephilim, aqui." Miguel afinou os olhos para
mim. "Venha, por favor? Há quanto tempo não cometemos um pecadinho?"
"...Dois dias?" Respondi, entrando na cabana com ele e suando frio ao entender a
situação.
Para Miguel isso não era sobre fazer sexo. Era sobre demarcar seu futuro território.
Não que eu tivesse objeções... eu acho.
Assim que estive ao alcance, Miguel puxou a gola da minha túnica e meteu a língua na
minha boca, já abrindo as pernas sob mim. Eu arfei contra os lábios dele ao perceber que não
vestia nada sob a túnica.
Eu deslizei a mão pela sua perna, até chegar em seu membro enrijecido. Os gemidinhos
de Miguel logo me deixaram tão duro quanto ele.
"Tira essa roupa." Eu sussurrei em seu ouvido, já fazendo o mesmo com as minhas.
Miguel passou a túnica pelo pescoço, revelando seu corpo clarinho e salpicado de
sardas. Demônios e anjos nunca envelheciam, então Miguel mantinha-se viril e delicioso, seu
peitoral brilhando sutilmente pelo suor da excitação.
Eu deitei meu corpo despido no dele, beijando-o intensamente. Meu Miguel. Desde o
minuto em que ele tornou-se um anjo, o céu se tornou literalmente o meu paraíso.
Arfando macio, Miguel circulou as pernas na minha cintura, chupando e lambendo
meus lábios cheio de provocação. Os pensamentos impuros escureciam as bordas de suas
penas rapidamente.
Eu lambi meus dedos e levei para a fenda nas nádegas dele, mas Miguel segurou minha
mão.
"Não. Quero assim mesmo. Me faz gritar."
"Vai doer." Eu recolhi a mão e lacei meus dedos nos dele, aos lados de seu corpo. Se
algo não mudou em Miguel, eram as esquisitices. Não havia uma vez em que ele não exigia
algo de mim, e isso me excitava demais.
Miguel esfregou a bunda na ponta do meu pau, impaciente, e eu o penetrei num único
movimento do quadril.
Eu gemi contra o pescoço do Miguel. Penetrá-lo sem preparo me fazia sentir cada
texturazinha do seu interior. Os gritos de dor me aterrorizaram um pouco nas primeiras vezes
em que ele quis brutalidade, mas agora eu entendia o quanto ele gostava. Só não entendia por
quê.
Algo quebrou em Miguel quando ele soube tudo o que fizeram comigo.
"Posso começar?" Perguntei, esperando-o se acostumar.
Miguel arqueou-se sob mim, mordendo o lábio de um jeito fofo. Seu pau rígido vertia
pré-gozo sobre a barriga e ele cravava as unhas nas almofadas, tanto pela dor quanto pelo
prazer.
"Começa." Ele gemeu.
Eu entrei e saí em ritmo rápido, abraçando-me nele e sentindo o suor de seu corpo me
umedecer. A colônia de hortências no cabelo de Miguel invadiu meus sentidos, era meu
perfume favorito, então ele usava sempre.
Miguel desceu as unhas pelos meus ombros, me fazendo ofegar e aumentar a
velocidade. "M-me faz gozar." Ele suplicou, com lágrimas de êxtase descendo pelo rosto
vermelho. Meu membro raspava áspero contra seu interior.
Eu inclinei o corpo, fazendo meu pau apertar naquele ponto que o faria gritar. E Miguel
gritou mesmo, além do prazer e da dor, alto como se quisesse ser ouvido por todos. Nem dois
movimentos depois, ele gozou contra a minha barriga, me fazendo deslizar sobre ele e espalhar
o líquido branco entre nós dois.
Minhas pernas estremeceram e eu também alcancei o clímax, incapaz de resistir aos
gemidos extasiados do Miguel. Lavado em gozo, meu pau saiu muito mais fácil do que entrou.
Eu deitei ao lado do Miguel, arfando pesado assim como ele. Pelo sorriso deleitado em
seus lábios, eu me lembrei que pelo menos isso eu sabia fazer direito.
"Nossa, isso foi... Eu te amo. Demais." Miguel riu satisfeito, abraçando meu corpo
suado.
"Você não vai nem andar reto, amanhã." Respondi, preocupado. Um pouco a mais de
força, e Miguel teria sangrado.
Miguel riu e beijou meu pescoço, nos cobrindo com suas asas que agora estavam
pontilhadas de cinza. Perto das minhas asas, que agora tingiam-se de cinza-escuro, aquilo não
era nada. Mas eu não entendia o esforço de Miguel em ferir a própria reputação.
Ignorando meus pensamentos, eu afaguei os cabelos ruivos de Miguel e beijei sua testa.
Eu não precisava entendê-lo para amá-lo. Ele sempre seria minha razão de existir.
Lá fora, o azul do céu escurecia em tons cor-de-rosa e laranja.
"Já está quase na hora." Ele nos lembrou.
Eu concordei, e o ajudei a sair da cabana. Como eu previa Miguel estava andando meio
torto, mas foi escolha dele. Eu lhe joguei sua túnica e vesti a minha.
"Escuta, se o Sandalfon perguntar sobre as suas asas..." Falei, hesitante.
"Vou dizer que você me fodeu no seco, e que foi uma delícia." Miguel passou por mim,
sério e determinado. "Vem, vamos nos atrasar."
Eu assisti Miguel alçar vôo, tentando compreender o que se passava na cabeça dele.
Mas este definitivamente não era o momento para questioná-lo.
Miguel aguardava este dia há muitos anos.
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O Amante do Tritão – Amostra
Capítulo 01
Eu sentei sobre a prancha de surfe e assisti o cara da namorada ruiva tentar acender a
fogueira. Não lembrava o nome dele, nem da maioria daqueles surfistas.
Já faziam semanas desde minha mudança forçada para Orla das Sereias, e as coisas
não estavam indo bem. Eu era péssimo em fazer amizades, ainda mais com pessoas tão
diferentes de mim. Pela primeira vez nos meus dezoito anos de vida eu pisava numa praia, e ali
todos pareciam ser surfistas, ou namoradas de surfistas, ou donos de lojas de surfe.
Tentando me enturmar, meu irmão até emprestou sua famosa prancha amarela, com a
qual já ganhou dezenas de campeonatos. Eu apreciava a boa intenção, mas não teria coragem
de usar algo tão precioso.
Desistindo de participar da conversa, esperei que todos corressem para o mar e fiquei
na areia, assistindo meus novos amigos demonstrarem suas habilidades no surfe. Que coisa
mais chata.
O sol terminava de se pôr quando o loirão líder do grupo conseguiu enfim acender a
fogueira. Outro cara ajeitou o violão no colo e começou a cantar sertanejo, e todo mundo se
balançou lentamente ao ritmo da música, enquanto se passavam um baseado e baforejavam
uma fumaça esverdeada. As latinhas de cerveja se acumulavam pelo chão.
Nossa, aquelas pessoas não tinham nada a ver comigo. Mas que escolha eu tinha? Meu
irmão teve a bondade de me aceitar na casa dele quando nosso pai pai me expulsou por ser
gay. Não queria preocupar o Alisson parecendo um recluso desajustado.
“Aceita, Gabe?” A pergunta da garota ao lado me devolveu à realidade. Ele me
oferecia um cigarrinho de maconha já pela metade.
Eu forcei um sorriso e aceitei, dando uma curta tragada antes de passar adiante.
Odiava ficar chapado, mas se fosse para passar a noite com um bando de surfistas
maconheiros, eu preferia me anestesiar também.
A propósito, meu nome é Gabriel, mas me chamam de Gabe. Estou tentando dar
algum rumo à minha vida, ou pelo menos sair da fossa, como dizem. Nada em mim é
impressionante. Tenho cabelos castanho-claros, olhos azuis, peito estreito e poucos músculos,
embora me exercite todas as manhãs. Meu corpo não me orgulha muito, ainda mais
comparando com o meu irmão, então vestir apenas aquela bermuda me deixava meio
constrangido.
Digo, eu não estava fora de forma nem nada assim, mas aquelas pessoas eram tão mais
bonitas que eu. Todos bronzeados, com músculos duros e sorrisos radiantes. Surfe devia ser
um esporte divertidíssimo, porque todos riam animados após um domingo pegando ondas.
Todos, menos um. E era justamente aquele o cara que eu não conseguia tirar os olhos.
Dylan, o único que eu decorei o nome de imediato, era sensacional.
Dylan não parecia ser como os outros, talvez por isso me interessei desde o primeiro
luau. Cabelos cacheados pretos, queixo quadrado, peito largo e musculoso, e olhos de um
verde sobrenatural, quase iridescentes. Nunca vi alguém com um olhar tão incomum e tão
lindo. E ele sempre vestia apenas uma sunguinha azul, revelando a totalidade de suas coxas
grossas e firmes.
“Cala a boca, Michel. Deu problema da outra vez.” Uma das mulheres gargalhou, já
super chapada. A atenção do Dylan foi para a confusão na rodinha, então fiz o mesmo antes
que ele me percebesse babar por ele.
“Deu problema nada, foi divertido.” O tal de Michel era quem acendeu a fogueira. Ele
agitou o baseado no ar, gargalhando. “É o nosso ritual, e temos um recém-chegado. Porque
não?”
“Você é um idiota.” Outro cara riu, aquecendo os pés à frente das chamas. “Que acha,
Gabe? Vai mesmo jogar os dados?”
“Dados?” Perguntei, surpreso que soubessem meu nome. Geralmente me ignoravam, e
acho que só me deixavam ficar pois meu irmão era um surfista famoso na cidade.
“Carlos, não tem graça se perguntar. É um desafio. Ou ele aceita, ou para de andar
com a gente.” Michel afinou seus olhos avermelhados, com um sorrisinho felino.
Eu engoli seco e me inclinei para Dylan, que sentava ao meu lado. “Do que eles estão
falando?” Perguntei, comemorando por dentro ter conseguido falar com ele.
Dylan apenas baixou os olhos e estalou a língua nos dentes, com uma expressão
aborrecida. Poxa, eu me preparei para uma resposta estúpida, mas me ignorar era simplesmente
rude. Talvez os outros estivessem certos sobre Dylan ser um esquisitão.
“Esqueçam os malditos dados.” Falou Dylan, o que me surpreendeu. Seus olhos
cintilaram num brilho verde-esmeralda, iluminados pelo dourado da fogueira.
“Vejam só. A boneca muda sabe falar, quando é para defender o maridinho.” Michel
riu da própria piada, mas poucos riram junto. Eles sabiam pelo que passei para estar ali. “Você
nem surfa, Dylan. Na verdade, nunca te vi entrar no mar, e você também não cumpriu o
desafio. Por que raios anda com a gente?”
Dylan baixou o rosto e abraçou os próprios joelhos, com um olhar bravo e angustiado.
Eu não entendia o que estava acontecendo, mas se jogar dados fosse importante para continuar
no grupo, eu faria isso. Não podia preocupar meu irmão, e algo em mim dizia que aceitando o
desafio, eu conseguiria me aproximar de Dylan.
“Eu vou jogar.” Falei, o que fez os mais chapados me aplaudirem.
“Não aceite.” Uma mão quente e firme apertou meu braço.
Os olhos de Dylan cintilaram lindamente para mim, seus lábios avermelhados
apertados em uma linha. Como ele era lindo. Era impossível vê-lo tão de perto sem querer
provar sua boca e abraçar seu torso coberto de areia.
Nosso momento foi interrompido por Michel, que empurrou Dylan e o fez me soltar.
Michel pegou algo na coxa dele e observou à frente da lareira, rindo.
“Outra escama. Sério, Dylan, como consegue estar sempre coberto delas? Você é filho
de pescador?” Michel riu em deboche e jogou a coisa na areia. “Se nossa brincadeira te
incomoda procure outros amigos, seu palhaço.”
Eu peguei a coisa que Michel jogou, e bati a camada de areia. Era uma escama mesmo,
tão grande que eu não conseguia imaginar o tamanho do peixe. O brilho verde e iridescente me
lembrava alguma coisa.
Dois cubinhos foram jogados à minha frente, distraindo meus pensamentos.
“Estes são os dados.” Michel apontou para eles, orgulhoso como se estrelasse um
espetáculo. “As regras são simples. Você joga os dois, e precisa fazer o que é dito.”
“Michel, o garoto é um adolescente. Deixa ele em paz.” A garota ruiva riu, se
esfregando nos braços do namorado.
Todos me confundiam com um menor de idade pela minha altura e rosto liso, então
não me importei em corrigí-la. Mas eu não podia ser tímido para sempre.
“Já disse que vou jogar.” Eu fechei os dados nas mãos e agitei, ignorando a repreensão
no olhar do Dylan.
Ninguém nem respirava enquanto eu agitava as mãos. Quando lancei os dados a
rodinha jogou-se ao meu redor, ansiosa pelo resultado.
CHUPAR dizia o primeiro dado.
PÊNIS dizia o segundo.
Todos gargalharam, comentando que era o pior resultado possível. Dylan, o único que
não participava da histeria coletiva, suspirou tristemente.
Só então fui ser inteligente, e verificar os lados dos dados. O primeiro continha seis
ações, como beijar, lamber e morder, e o outro continha partes do corpo.
Meu sangue gelou. Não sabia no que me meti, mas sabia que estava fudido.
“E agora?” Perguntei, enquanto todos brindavam, bebiam e se chapavam, rindo de se
matar.
Michel Sentou ao meu lado na prancha do meu irmão, e passou o braço ao meu redor
como um amigo de longa data.
“Agora, meu querido Gabe, você vai fazer justamente isso. O pessoal se reúne aos
domingos. Até lá vamos querer o selfie.”
“...selfie?” Gaguejei, me encolhendo. Michel era alto e atlético, com longos cachos
loiros e pele muito bronzeada, mas já passava dos vinte e tantos anos. Eu preferia caras da
minha idade, como Dylan.
“Exatamente.” Michel alargou o sorriso. “Um selfie chupando o pau de alguém. Pode
ser qualquer um. Se conseguir isso, você será um membro oficial do grupo, que nem o
Alisson.”
Eu engoli seco ao ouvir o nome do meu irmão.
“Ok.” Eu disse. Tive a impressão de ouvir Dylan suspirar, ao meu lado.
“Você é o cara.” Michel me ofereceu o baseado de novo, e dessa vez eu aceitei com
um sorriso.
“Sou mesmo.” Falei, e dei uma longa tragada.
Capítulo 02
Acordei com a água salgada batendo no meu rosto. A fogueira havia se apagado,
inundada pela subida da maré.
Eu apertei minha cabeça dolorida e me levantei, atordoado e vendo o mundo girar.
Droga, eu fumei muito mais do que estava acostumado e nem imaginava o quanto havia
bebido. Dezenas de latinhas vazias flutuavam ao meu redor e eram carregadas para o mar.
“Michel? Dylan?” Eu olhei ao redor, cambaleando na areia encharcada.
Nada, além de umas gaivotas terminando de comer nossos salgadinhos. Pelo céu limpo
e acobreado já era madrugada.
Eu esfreguei atrás do pescoço, tentando acordar direito quando percebi algo que
arrepiou cada pelo do meu corpo. Me virei num salto e olhei para a areia.
A prancha do Alisson havia sumido.
Ai, que merda. Com o coração na garganta eu percorri os arredores. Meu irmão
ganhou um torneio nacional naquela prancha, ele iria se desesperar.
Eu já segurava o peito prestes a ter um infarto, quando avistei um pontinho amarelo
muito ao longe, em meio ao oceano de ondas calmas.
Puta merda, a prancha do Alisson. Sem pensar duas vezes eu me joguei no mar e
nadei. Nadei o mais rápido que conseguia, o que era quase nada. Eu nunca tive aulas de
natação, mas não podia ser tão difícil.
Não demorou até meus músculos queimarem pelo esforço. Eu tentei descansar os pés e
não alcancei o fundo. Atrás de mim a cidade era uma linha distante, e à minha frente a prancha
do Alisson ainda era só um pontinho, muito mais distante do que eu havia previsto. Ela
ondulava na direção de um rochedo preto.
Ofegando pesado, eu continuei nadando, mas a água começou a entrar na minha boca,
e eu perdi a força de vencer as ondas, sendo arrastado para trás mais do que avançava para a
frente.
A prancha ainda se afastava quando minhas forças se esgotaram. As ondas me
carregaram para o fundo, e meus pulmões queimaram com a água salgada.
****
Despertei aos poucos, sentindo algo macio contra os meus lábios. Eu abri uma fenda
dos olhos e me sobressaltei.
Um cara estava me beijando.
Eu tentei me afastar, mas uma alfinetada horrível no peito fez eu tossir pesado,
cuspindo litros de água nos pedregulhos onde eu estava deitado. Minha respiração chiava de
tão rápido que eu buscava ar, e todo o meu corpo tremia. Não foi um sonho? Eu realmente
afundei no oceano?
Meu pensamento logo voltou à prancha do Alisson. Eu ergui o rosto dolorido e em
pânico, e percebi que a bela prancha de estampados amarelos descansava ao meu lado, com o
cordão amarrado nas pedras.
“Você é meio louco.” Falou uma voz atrás de mim, que eu reconhecia. “Que humano
se jogaria nas ondas, sem saber nadar?”
Eu sentei com esforço e me virei para Dylan. A pressão quente ainda estava carimbada
nos meus lábios, o que me fez avermelhar.
Na verdade não avermelhei, eu peguei fogo. Dylan estava sentado à beira d’água, sem
vestir absolutamente nada. Ele retirou uma escama do tornozelo e jogou no mar, como se fosse
a coisa mais normal do mundo.
Um pensamento horrível passou na minha cabeça. Eu murchei os ombros, escondendo
o corpo atrás das mãos como se estivesse tão despido quanto ele.
“O que fez comigo, enquanto eu dormia?” Perguntei.
Dylan me fitou com seus lindos olhos iridescentes, e alisou os cachos para trás com os
dedos. “Te salvei, talvez? Você não estava exatamente dormindo.”
Eu baixei o rosto, envergonhado por pensar mal dele, e porque não conseguia parar de
olhar para aquele corpo rígido e dourado pelo sol. Seus mamilos castanhos me davam vontade
de morder, mesmo que eu nem soubesse a sensação. Nunca fiz mais que dar um selinho em
outro cara.
Só então percebi algo estranho. Digo, algo mais estranho que ter um homem delicioso
pelado na minha frente.
“Que lugar é esse?” Eu olhei ao redor. Haviam apenas pedras escuras e molhadas,
constantemente castigadas pelas ondas. O oceano se expandia à minha frente, iluminado pelo
céu azul, e um pontilhado minúsculo indicava uma cidade distante. Atrás de nós haviam
apenas mais pedras, que se apoiavam umas na outras e formavam uma caverna.
Dylan só ficou me olhando, descendo os olhos pelo meu corpo magrelo e voltando a
me encarar. Certo, ele realmente era meio esquisito. Não existia aquele ditado: beleza,
dinheiro, sanidade mental, escolha dois? Dylan devia ser rico, porque sanidade mental ele não
tinha muita, não.
“Escuta, Gabe...” Ele bufou e olhou pro nada, avermelhando. “Preciso que me
desculpe pelo que acontecer, eu não faço as regras. Te trouxe para cá porque não tive escolha.”
“Quê?” Eu abri um sorrisinho nervoso.
Dylan se levantou, e o sol do fim da tarde iluminou os gomos molhados de sua barriga.
Lambi os lábios involuntariamente, assistindo-o se aproximar de mim. Não queria
olhar para baixo, mas foi impossível agora que estávamos de frente. Minha primeira vez vendo
o pau de outro cara, e o do Dylan, mesmo flácido, era bem grande. Não havia nenhum pelinho,
assim como no resto de seu corpo.
Uma barraca se armou na minha bermuda, e minha posição não ajudava. Eu estava
sentado de pernas abertas, praticamente convidando Dylan a se ajoelhar entre elas. E foi o que
ele fez.
Dylan afagou meu rosto, mandando espasmos quentes pelo meu corpo.
“Eu te trouxe pra ilha. Desculpa, Gabe.” Seus olhos encontraram os meus, tão lindos
quanto doloridos. “Precisamos acasalar.”
“Quê??” Dessa vez eu gritei.
Só então lembrei do jogo dos dados e comecei a rir meio aliviado, mas não tanto
assim. Dylan já estava praticamente grudado em mim, e se aquele peito gostoso tocasse o meu,
virgem como eu era, eu passaria a maior das vergonhas.
“Eles te desafiaram, também?” Perguntei, querendo me afastar e ao mesmo tempo não
querendo. “Você precisa transar com alguém? Porque acasalar é uma escolha de palavras bem
estranha.”
“Entendo.” Os lábios de Dylan estavam tão próximos que sua respiração acariciava
meu rosto, quente e com o cheiro do mar. “Nesse caso, quer transar comigo?”
Meu coração saltou, e meu pau saltou, e meu corpo entrou em pane, parte dele
querendo correr, parte dele querendo me despir e gritar vem!.
Por algum milagre, meus instintos de fuga falaram mais alto e eu recuei, engatinhando
para trás até bater as costas num rochedo, encurralado. Não, não, não! Dylan podia ser
gostosíssimo, e misterioso, mas ele exalava um ar de insanidade que me fazia tremer. Nenhum
cara normal convidaria tão diretamente, não é? Ainda mais quando Dylan sabia que eu era
virgem, já havia contado a ele.
“Dylan, quando você diz transar...” Eu engoli seco, observando-o parado em meio às
pedras, como a mais linda estátua grega. “...você fala de fazer sexo, não é?”
Dylan soltou uma risadinha encabulada. “Falo de acasalar. É o nosso destino.”
Ceeeeerto. Hora de levantar e correr gritando pela vida. Ou era isso o que eu deveria
fazer mas meu pau já ardia dentro das calças, com seus próprios planos para aquela manhã.
Ai, e agora? Louco ou não, Dylan era gostoso demais, e eu já havia passado do prazo
para perder a virgindade. O meio das minhas pernas implorava por isso.
“Tudo bem.” Falei, tentado relaxar os músculos. “Mas vamos com calma, ok? Eu
nunca fiz isso.”
Dylan abriu um sorriso tão doce que meu coração acelerou. Ele sempre foi o cara
quieto e angustiado, vê-lo feliz ao se aproximar de mim e me estender a mão me fez querer
abraçá-lo e beijar seu corpo todo.
Eu alcancei minha mão à ele e deixei Dylan me levantar. Ele laçou seus dedos nos
meus e me conduziu para dentro da caverna.
“Serei tão gentil quanto quiser que eu seja. Você é meu predestinado, Gabriel.”
Ai, meu Deus. Eu estava com um péssimo pressentimento sobre isso.
Capítulo 03
A caverna era maior do que parecia ser, por dentro. Também haviam diversas
mobílias: um sofá-cama, estantes de livro, e diversos penduricalhos dourados nas paredes de
pedra escura, do tipo que pareciam resgatados de navios submersos. Havia também uma
piscina interna, que iluminava o interior num tom azul intenso e trêmulo.
Eu não esperaria um lar menos insano para um cara como Dylan.
Bem, pelo menos havia um clima aconchegante, e a mobília parecia confortável.
Talvez eu só estivesse nervoso em dar a bunda pela primeira vez.
Os braços do Dylan me contornaram por trás, envolvendo minha barriga. Eu soltei
todo o ar em um gemido excitado, sentindo seus biquinhos duros pressionarem as minhas
costas. Algo roçou na fenda da minha bermuda, e o ar me faltou completamente.
Minhas dúvidas sumiram. Eu queria demais dar, e precisava ser agora.
Dylan mordiscou minha orelha, me eletrizando por completo. “Onde prefere fazer?”
Eu rebolei contra a ereção dele, sentindo-a crescer até cutucar minhas bolas. Meu
corpo tremia e ardia em ansiedade.
“Onde quiser. Só me come.” Supliquei, sentindo o rosto queimar.
Dylan não me levou a lugar nenhum, só desceu a mão para dentro do meu calção. Seus
dedos envolveram meu mastro, e ele me masturbou devagarinho.
“Preciso de você prontinho pra mim.” Ele sussurrou no meu ouvido, com a voz úmida
e excitada.
Eu mordi o lábio, deixando gemidos altos escaparem. Aquilo era bom demais. Nunca
tive outro cara me tocando, muito menos um tão gostoso. Minhas pernas ameaçavam ceder,
mas Dylan me segurava firme, aumentando o ritmo aos poucos.
Não demorou e eu estremeci, gritando o nome do Dylan enquanto melava seus dedos.
Mesmo extasiado, senti o calor da vergonha quando Dylan tirou a mão toda suja de
dentro do meu calção. Eu não resisti nem meio minuto. Dylan devia estar rindo de mim, por
dentro.
Sem fazer comentários, Dylan apenas beijou meu ombro e brincou com o elástico do
meu calção.
“É a minha vez, agora.” Ele bateu na minha bunda com a virílha. “Deita ali. Vou fazer
bem gostoso.”
Com o coração na boca, eu deitei no sofá-cama, bagunçando os lençóis azuis sob as
costas. Não queria ser completamente submisso, então eu mesmo desci o calção... até metade
das nádegas.
Ah, eu estava morrendo de vergonha.
Dylan não pareceu ver meu desconforto, porque simplesmente livrou-me do calção
com um puxão e deitou sobre mim, já beijando meu peito.
“D-Dylan...” Eu arfei, sentindo a língua quente se aproximar do meu mamilo rosado.
Mesmo comigo empurrando sua cabeça para longe, Dylan continuava me mordiscando e meu
pau começava a reagir de novo. “...Dylan, mais devagar.”
“Posso te comer de quatro?”
“Não!” Eu o empurrei com força, até que sentasse sobre os meus joelhos. Meus olhos
umedeceram pelo medo. “Você disse que seria gentil.”
Dylan torceu o lábio, como se não fizesse ideia do que eu falava. Aquele cara também
era virgem? Não parecia ser. Dylan era lindo e muito confiante. Eu devia ser só mais um, entre
centenas de fodinhas rápidas.
Pensativo, Dylan observou os próprios dedos, ainda esbranquiçados e brilhando de
gozo, e pareceu ter uma ideia. Ele lambeu a mão com uma expressão tão extasiada que eu fervi
de tesão, assistindo. Ele chupou cada dedo até limpar bem, mas não parecia ter engolido. Ele
deu um sorrisinho safado e forçou minhas coxas para cima, até meus joelhos encostarem no
peito.
“Dylan, o que você... ah!!”
Dylan lambeu minha entrada, deslizou a língua para cima, e chupou minhas bolas
suavemente antes de descer de novo. Eu cravei as unhas no sofá, gritando e gemendo de
prazer. Recém havia gozado e meu pau já estava petrificado, apontando para cima enquanto
Dylan beijava lá atrás.
E então ele meteu a língua dentro, me alargando em movimentos molhados e quentes.
Senti escorrer algo molhado, e percebi que ele me preparava com meu próprio gozo, babando
minha entradinha enquanto circulava a língua lá no fundo.
Eu vi estrelas, torcendo os dedos dos pés enquanto Dylan me segurava firme naquela
posição vergonhosa. Aquilo era perfeito demais. A língua do Dylan roçava quente dentro de
mim, apertando um ponto que me fazia pegar fogo.
Quando pensei que não melhoraria, Dylan soltou uma das minhas coxas, e me fez
outra punhetinha, dessa vez já começando rápido.
Ai, meu Deus. Comecei a gritar como um ator pornô. Então isso que era transar?
Nunca senti nada tão bom.
E Dylan foi adiante. Ele soltou meu pau e tirou a língua de dentro. Antes que eu
reclamasse ele abocanhou meu pau com vontade, arranhando minhas ancas enquanto chupava
com dedicação.
Três chupadas. Foi o que eu aguentei antes de lavar a boca daquele gostosão louco
com outra leva de gozo.
Quando Dylan afastou os lábios do meu pau e olhou nos meus olhos, eu estava todo
desmontado.
“Melhorou?” Ele lambeu as gotas brancas do lábio, sorrindo travessamente.
Eu nem conseguia falar. Só fiz que sim com a cabeça, sentindo o suor escorrer do meu
corpo.
Dylan acariciou minha barriga, com um sorriso satisfeito. Ele observou meu umbigo, e
meu ventre magricelo.
“Fui agraciado com o predestinado perfeito.” Ele disse, com um brilho estranho no
olhar. O que ele queria dizer com predestinado, afinal?
“Continua.” Eu pedi, vermelho como um tomate. “Faz na posição que quiser.”
Dylan saiu de cima de mim, e eu entendi o recado, virando na cama e me apoiando nos
joelhos e nos cotovelos, com as pernas bem afastadas.
Eu espiei por cima do ombro, querendo ver a reação do Dylan ao me ver tão exposto.
Dylan me admirava como se eu fosse uma pintura numa galeria, com seus olhos
brilhando de forma tão empolgada quanto devassa. Naquela posição ele podia ver tudo, tudo
mesmo. Eu podia sentir minha entrada afrouxada pela língua dele, e a saliva escorrendo até
minhas bolas. Devia ser o cenário dos sonhos de qualquer ativo.
Ao invés de morrer de vergonha, enfim senti um certo orgulhinho. Se aquele deus
grego se encantava com meu corpo, eu não era tão sem-graça assim.
“Vem me tomar, vem.” Dei uma reboladinha, só pra ver o que ele faria. “Você vai ser
meu primeiro.”
Dylan afagou minhas nádegas, me arrancando um suspiro. Ele se encaixou entre as
minhas pernas e meteu um dedo lá dentro, brincando de me fazer gemer.
Eu abracei o travesseiro, gemendo abafado na fronha enquanto Dylan me fodia com o
dedo, indo e voltando de dentro do meu cuzinho virgem. Pelo tremor nas minhas pernas eu
logo iria gozar de novo, mas daquela vez queria um orgasmo de verdade.
Felizmente, antes que eu precisasse implorar, Dylan tirou o dedo e espaçou minhas
nádegas, agarrando com força até suas unhas afundarem deliciosamente na minha pele
aflorada.
Com a cara escondida na almofada, senti uma pressão alargando lá atrás. Meu anel
esticou dolorosamente, recebendo o pauzão do Dylan. Primeiro passou a glande arredondada e
lisa, depois o mastro, latejando grosso e quente. A cada centímetro da dolorosa invasão eu
sentia o ar desaparecer dos meus pulmões.
“Devagar.” Implorei, com a voz chorosa. Não imaginava que fosse doer tanto, eu me
sentia prestes a rasgar.
“Relaxe os músculos.” Ele disse, como se fosse fácil com aquela vara enorme me
penetrando.
“N-não consigo.” Dessa vez solucei no meio da frase. Droga, eu estava chorando, eu ia
estragar tudo.
Dylan se interrompeu, com metade do pau já dentro de mim. Ele inclinou até
pressionar seu peito quente contra as minhas costas, soltou minhas nádegas e deslizou as mãos
aos lados da minha barriga, subindo-as até o meu peito.
Eu gemi macio, dolorido e apreciando o carinho. Mas as mãos de Dylan seguiram
adiante, viris e firmes pela minha pele. Ele pinçou meus mamilos, e foi como tomar um
choque.
“Não...” Arfei, rebolando minha bunda dolorida enquanto Dylan brincava de puxar
meus bicos.
“Você não gosta?” Perguntou ele, bem pertinho do meu ouvido.
Se eu não gostava? Aquele machão deitou nas minhas costas pra beliscar meus
biquinhos sensíveis, tudo isso com o pau enterrado lá dentro. Eu me sentia numa tempestade
elétrica no centro de um vulcão.
Eu afastei os joelhos ainda mais para esfregar meu pau no sofá e conseguir aquele
prazerzinho que faltava. Eu acabava por me empalar no Dylan, fazendo isso, mas agora só
existia êxtase, e uma vontade imensa de ser arrombado à força.
Estremecendo todo, eu arrisquei tirar o rosto da almofada. Péssima idéia, porque tive
visão total das mãos do Dylan, ambas torcendo meus mamilos como se me ordenhasse. Aquela
visão dos sonhos era muito mais do que eu aguentava. Eu soltei um gemido gritado e ejaculei
nos lençóis, espremendo o mastro do Dylan num espasmo descontrolado.
Dylan também gemeu. Eu podia sentir o quanto ficar parado o torturava.
“Pode meter.” Falei, um pouquinho envergonhado. Minhas bolas doíam de tanto
gozar, mas eu sentia que estava só começando.
Ouvi a risadinha fofa do Dylan. Ele beijou meu ombro e tornou a agarrar minhas
ancas, erguendo-se das minhas costas.
“Eu não poderia desejar um predestinado melhor.” Disse ele, mas antes que eu
perguntasse ele retirou o pau até a pontinha e meteu todo de uma vez, com tanta força que
nossas peles estalaram molhado.
“Ai!” Eu gritei, mas não de dor. Eu... eu nem sabia o nome daquela sensação, mas ah,
meu Deus, eu queria mais.
E Dylan me deu muito, muito mais. Ele recuava e invadia cada vez mais rápido, se
enterrando dentro de mim quase que com brutalidade.
Eu gritei contra a almofada, alucinado pelas sensações tão intensas quanto
desconhecidas. Era como morrer de dor, e querer sofrer para sempre mesmo assim. Eu só
podia estar enlouquecendo. Queria que não parasse nunca, que Dylan me arrombasse até não
sobrar nada de mim.
“M-mais forte!” Não acredito que pedi isso em voz alta.
Dylan cravou as unhas nas minhas nádegas e as afastou ao limite. Ele mudou o ângulo
e me empalou de cima para baixo, enterrando-se tão profundamente que eu vi estrelas,
galáxias, e nem sei mais o quê. Eu gritei tanto que agradeci estarmos numa ilha isolada. Dylan
latejava dentro de mim cada vez mais quente, e meu desejo em ser preenchido por ele se
tornava insaciável.
Pensando bem, hum, não deveríamos estar usando camisinha? Aquilo podia ser
perigoso.
“Dylan... Dylan, por favor...” Miei, tentando mandá-lo gozar fora, mas só conseguia
soar como um putinho, implorando por mais surra de piroca.
Meus gemidos pareciam excitar o Dylan. Ele arranhou minhas nádegas e nós dois
arfamos juntos. Eu gozei uma quarta vez, sentindo seu líquido quente preencher meu interior,
até transbordar e escorrer pelas minhas coxas.
Quando Dylan saiu de mim, eu derreti nos lençóis. Eu queria mais. E eu não queria
nunca mais. Eu estava fora de mim.
Dylan deitou ao meu lado e deu um selinho em mim. Eu nem conseguia me mover,
não que eu quisesse evitar seus lábios.
“Espero ter satisfeito o meu predestinado.” Ele sorriu pra mim, com um brilho
reluzente e doce no olhar.
Eu tentei falar, mas o cansaço me derrotou. Adormeci abraçado em seu torso suado e
bem definido, mergulhado em um profundo relaxamento.
Capítulo 04
Eu agachei na piscina interna e lavei meu rosto. Segundo o bilhete que encontrei na
cama, Dylan precisava fazer compras no continente, então eu precisaria esperá-lo.
Aproveitei o tempo livre para observar sua casa, se é que podia chamar assim. Não
haviam equipamentos elétricos naquele lugar úmido, mas haviam muitos baús, alguns deles
com moedas de cobre e taças. Pensei brincando que todas aquelas tralhas fossem resgates de
navios, mas pela ferrugem e pelas cracas e algas secas, talvez fossem mesmo. A única fonte de
luz parecia ser a piscina, que refletia a luz do exterior. Como era pôr do sol ela brilhava em
tons cor-de-rosa. Era muito bonito.
Algo que não reparei antes, era o quanto o sofá-cama era novo. Diferente das
velharias, ele parecia nunca ter sido usado. Será que Dylan havia trocado de cama
recentemente? Senão, onde ele dormia? Quando acordei ele já havia partido.
Um borbulhar no meu estômago me fez correr para fora. Quase não tive tempo de
chegar no mar antes de avessar o conteúdo do meu estômago.
Droga. A cerveja e a maconha da festa realmente não me fizeram bem. Só podia
esperar que Dylan chegasse logo, de preferência com um lanchinho e...
Hum, pensando bem, como raios ele foi para o continente? A prancha do Alisson
continuava ancorada nas pedras, e eu com certeza não avistei nenhum barco. Dylan era muito
musculoso, mas será possível que tenha atravessado o oceano à nado? Orla das Sereias mal
podia ser vista, daquela distância.
Faminto e atormentado pelo enjôo incomum, eu sequei a boca e deitei nas confortáveis
pedras negras do exterior da caverna. Alisson devia estar à beira de um infarto, por eu ter
sumido. Assim que Dylan aparecesse eu pediria que me levasse pra casa.
Eu ouvi um estalo molhado e virei o rosto, me surpreendendo ao ver Dylan. Ele trajava
apenas sua sunguinha azul, e carregava uma bolsa de neoprene por cima do ombro.
“De onde você veio?” Perguntei, enjoado demais para me levantar. “Você trouxe
comida, espero.”
Dylan deixou a sacola ao meu lado e inclinou-se sobre mim. Ele deu um beijinho nos
meus lábios e sorriu com a doçura de um pão-de-mel.
Ok, ele era fofo, eu precisava admitir.
“Eu trouxe frutas e refrigerante. E uns remédios para enjôo. Logo volto com o jantar,
meu predestinado.”
Eu apenas concordei. Estava fraco demais para reclamar, e começava a me acostumar
com as insanidades do Dylan.
De repente percebi algo estranho e sentei rapidamente, virando-me para ele.
“Espera, como sabia que eu estava enjoado?”
Mas tudo o que ouvi foi o som da água reverberando contra as pedras. Dylan já havia
desaparecido.
****