Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
momentos conceituais. Merece destacar como se posicionam em Continuando a montagem do livro, Maria José dos Santos, Maria
relação as competências na profissionalização docente, apontadas na Alice Me10 e Maria de Fátima da Costa Gonçalves apresentam estudo
legislação educacional nos anos 90. Concordam com o posicionamento sobre USOS PEDAGÓGICOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS 11A
dos autores apresentados, e acrescentam ser necessária a elaboração de INFORMAÇÃO E DA COI\/IUNICAÇÃO NA ESCOLA e chamam
competências já no nível inicial e como se desenvolvem na construção a atenção para o papel dessas tecnologias como ferramentas, sei-vindo
de fonte de produtividade na elaboração de conhecimentos sobre os
da profissionalização numa perspectiva histórico-cultural.
próprios conhecimentos. A seguir, e sob essa ótica, elas chegain à sala
Já Raimundo Santos de Castro e Lélia Cristina Silveira de
de aiila, mas os dados mostram que embora haja muito a explorar, os
Moraes estudam as CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES EM
professores demonstram uma posição crítica e vigilante quanto ao uso
FORMACÃO com enfoque na Licenciatura em Matemática e
indiscriminado dessas tecnologias na escola.
apontam implicações para o cotidiano do desenvolvimento curricular
No capítulo intitulado CONCEPÇÕES DE LEITURA DE
das aulas de matemática, ressaltando posições mais recentes que
ALUNOS DA 8" SÉRIE D O ENSINO FUNDAMENTAL, &faria
tentam colocá-la no contexto das demais ciências. Defendem a
Teresa de Sousa Sei-pa e César Augusto Castro, após cliscoi-i-erem e
perspectiva da Filosofia da Educação Matemática que consiste num
analisarem dados sobre alguns eixos interpretativos com relação às
pensar abrangente, sistemático, analítico, crítico e reflexivo sobre os I
práticas leitoras escolares, apontam a necessidade da escola trabalhar as I
i
objetos da matemática. práticas leitoras, de modo que a leitura possa extrapolar os limites dela
Mais uma vez, o IFMA é objeto de estudo, no capítulo que trata mesma, levando o aluno a perceber, conhecer e analisar a realidade,
de CURRICULO INTEGRADO, da autoria de Eliane Maria Pinto podendo ir além do próprio horizonte do autor. j
Pedrosa. Nele, a autora analisa o PROEJA a partir do nível de integração Já Angélica Maria Frazão de Souza apresenta estudo sobre
dos conhecimentos da formação geral aos da formação específica. o PROJETO ESCOLA ATIVA NA PERCEPÇÃO D O SEU
Conclui, propondo a mudança dos paradigmas epistemológicos e CORPO DOCENTE E DA EQUIPE TÉCNICO-PEDAGÓGICA.
pedagógicos que contribuem para a dicotomia entre teoria e prática, Após pesquisa e análise criteriosas, nas quais registra experiência
que impede o diálogo entre os campos do conhecimento. desenvolvida no Maranhão, aponta a vivência dos atores envolvidos
Segundo Luciana Rocha Cavalcante e César Augusto Castro, no no Projeto que, mesmo importado e de caráter compensatório,
estudo sobre o ENSINO DA LINGUA INGLESA: COMPONENTES apresenta avanços no que diz respeito a melhoria do processo ensino/
DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS PARA O EXERCICIO DA CRITICA, aprendizagem, a participação da comunidade nas atividades da escola,
o que adquire maior relevância é a posição dos entrevistados sobre a conscientização dos professores para a necessidade de formação.
o uso da língua inglesa como instrumento de comunicação entre os Concluindo o elenco de capítulos, Carlos Erick Brito de
POVOS, preservando, no entanto, os valores locais que levam em conta o Sousa e Antônio Paulino de Sousa mostram como se processam
reconhecimento das diferenças para a construção da própria cidadania. as RELAÇÕES ENTRE JORNALISMO, DIVULGAÇÃO
No texto ETNIA, RAÇA E IDENTIDADE: PONTOS E CON- CIENTIFICA E EDUCAÇÃO, colocando o currículo no meio da
TRAPONTOS NO CURRICULO ESCOLAR, Sueli Borges Pereira cena, como dispositivo muito mais amplo do que um rol de disciplinas.
situa o currículo numa perspectiva polissêmica, optando, pois, por um Destacam também a utilização crescente dos recursos midiáticos
estudo em que processos e agentes se entrecruzam no desenrolar da na sala de aula, incluindo-se, aí, uma forma de reduzir a "hegemonia"
própria ação educativa, produzindo e construindo identidades. dos livros didáticos.
14 CURR~CULO
ESCOLAR
c;irninho, formar trabalhadores com competências e habilidades para flexibilidade e rapidez, a fim de atender a demandas dinâmicas que se
alinhar o país na trilha das muclancas tecnológicas mundiais. diversificam em qualidade e quantidade, não para que o trabalhador
Nesse processo, a educação escolar detém um papel central pois participe como sujeito na construção de uma sociedade em que o re-
"a própria prática pedagógica é entendida, assim, como uma tecnolo- sultado da produção material e cultural esteja disponível para todos,
gi,", como explica Lopes (2008, p. 20). Analisando esse processo na mas para ajustar-se aos imperativos dessa nova ordem.
perspectiva de NIuller (apucl LOPES, 2008, p. 20), a autora declara Ao tratar da reforma do ensino médio, o Parecer CEB/CNE
que "é pela etlucação que se busca, socialmente, formar trabalhadores 15/98 indica coadunar-se com essa tendência por entender que
com as altas habiliclades e a capacidade de inovação entendidas como C.. ) essa racionalidade supõe que, n u m mundo e m que a
essenciais para sustentar os modelos tecnológicos de produção vigen- tecnologia revoluciona todos os âmbitos da vida, e, ao disse-
tes. Argumenta-se nesse contexto, que há necessidade de formação de minar informação, amplia as possibilidades de escolha mas
habilidades e competências mais complexas, supostamente garantidas também a incerteza, a identidade autônoma se constitui a
por uma cclucaç,?~que inter-relacione as disciplinas escolares." partir da ética, da estética e da política, mas precisa estar an-
corada e m conhecimentos e competências C.. ). Não é por
A reforma curricular do ensino médio incorpora um discurso que acaso que essas mesmas competências estão entre as mais
segue a direção acima inclicacla, ou seja, o discurso oficial expresso, valorizadas pelas novas formas de produção pós-industrial
entre outros documentos, nos Parâmetros Curriculares Nacionais para que se instalam nas economias contemporâneas. (BRASIL,
o Ensino Médio (PCNEM), comporta determinados princípios curri- 1998b, p. 67-68)
cularcs como intcrdisciplinaridacle, contextualização e currículo por Ainda no âmbito da legislação, a Resolução CEB/CNE 03/98,
competências, os quais alicerçam, sob o ponto de vista oficial, uma que trata da referida reforma, ancora-se em iguais pressupostos, ao
formação escolar que busca integrar a educação e o mundo do traba-
acrescentar que
lho.
A proporção que o trabalho vai sendo amplificado pelo avanço C...) a organização do currículo deve ser coerente com prin-
tecnológico mais as diferenças de qualificação deixam de ser aparen- cípios estéticos, políticos e éticos, abrangendo a estética da
sensibilidade, que deverá substituir a da repetição e padro-
tes. Isto porque o domínio do conteúdo e do processo do trabalho por nização, estimulando a criatividade, o espírito inventivo, a
um único trabalhador, característico do processo artesanal, se trans- curiosidade pelo inusitado, e a afetividade, bem como fa-
fere para o conjunto de trabalhadores, dissolvendo-se em u m grande cilitar a constituição da identidades capazes d e suportar a
número de habilidades genéricas que permitem a mobilidade da força inquietação, conviver com o incerto e o imprevisível C.. )
(BRASIL, 1998a, p. 102)
de trabalhht'..Ao mesmo tempo, amplia-se a necessidade do desenvol-
vimento de um conjunto de habilidades, comportamentos e atitudes A recomendação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o
que possibilitem a constituição de um corpo coletivo de trabalho or- Ensino Médio - DCNEM - para que a construção do currículo se
ganizado, harmônico, integrado e competente, capaz de recompor a dê de forma a prever estratégias que, entre outros objetivos, ajudem
unidade do processo produtivo rompida pela parcelarização. o estudante a "suportar a inquietação" remete-nos a questionamentos
Para tanto, é preciso outros tipos de orientações pedagógicas, de- sobre o quê, de fato, inquieta o jovem contemporâneo: o desemprego?
terminadas pelas transformações que ocorrem no mundo do trabalho, 1 os baixos salários? a violência? as constantes e diversificadas formas
para atender As demandas cla revolução tecnológica com seus profun- 1 de corrupção? Enfim, u m interminável rol de fatores que concluzem a
dos impactos sobre a vida social. O objetivo a ser seguido leva em con- i
vida dos jovens na trilha da insegurança.
ta a capacidade para lidar com a incerteza, substituindo a rigidez por 1
A leitura daquelas orientações e determinações legais leva-nos a 3 MUDANÇAS NA EDUCAÇAO PROFISSIONAL DE
inferir que a organização curricular do ensino médio deva ter como NIVEL MÉDIO:ecos da reforma
escopo conduzir os jovens a participação nos processos de transforma-
ção que ocorrem na contemporaneidade, momento em que eles mes- Como estamos acentuando, aparecem na reforma do ensino mé-
mos se transformam tomando consciência do seu papel no mundo ao dio os conceitos de competência, flexibilidade e outros, como autono-
prepararem-se para se inserir no mercado de trabalho. A ênfase posta mia (dos centros escolares), superação do conhecimento fragmentado,
no desenvolvimento de variadas habilidades e na aquisição de compe- liberdade (de escolha de instituições escolares). Esses conceitos encon-
tências no processo formativo do jovem, assenta-se, pois, na lógica do tram ressonância nas características da reestruturação produtiva, na
mercado, que se funda na idéia de valorização de tais requisitos como descentralização das grandes corporações industriais, na autonomia
condição imprescindível para sair-se bem e garantir o seu lugar ao sol relativa de cada fábrica (em decorrência do processo de desterritoria-
nesse mundo de exacerbada competição. Assim, um viés tem perme- lização das unidades de produção ou de montagem), na flexibilidade
ado, naquelas determinações, o conceito de trabalho na perspectiva da organização produtiva para se ajustar a variabilidade de mercados
interdisciplinar e contextualizada: a flexibilidade na organização do e consumidores.
trabalho; a exigência de formação de trabalhadores polivalentes, criati- Sobre essa questão, ou seja, da relação entre a configuração que
vos, cooperativos e capazes de desenvolver toda sua potencialidade de toma o mundo do trabalho, nas duas últimas décadas do século XX e
aprendizagem e de trabalho; a emergência da "política da incerteza, do atualmente, e os requerimentos exigidos a educação escolar, Martins
inusitado, do imprevisível e da diferença"; a eleição do conhecimento (2000, p. 72) analisa que
como a mola propulsora deste atual momento de desenvolvimento do C...} invariavelmente, as orientações que vigoram internacio-
capitalismo. nalmente - sejam elaboradas por organismos multilaterais,
sejam aquelas adotadas nos programas de reformas da edu-
O discurso oficial dá mostras de conter aquele viés: por um lado, cação de determinados países - retomam a discussão reali-
podemos interpretar o conceito de trabalho na perspectiva interdis- zada pelas diretrizes tecnicistas internacionais dos anos 70
ciplinar e contextualizada como próximo a vertentes legitimadas por sobre o ajuste necessário que os sistemas de ensino devem
educadores críticos; no entanto, por outro, a interdisciplinaridade e a sofrer para atender as novas demandas do mundo do traba-
lho, estabelecendo uma relação linear e, por isso mesmo,
contextualização, tal como divulgadas oficialmente, demonstram afas- perigosa, entre essas mudanças - muitas vezes equivocada-
tar-se do âmbito da cultura mais ampla, restringindo-se a aspectos da mente compreendidas como rupturas de paradigmas no âm-
formação de performances que serão validadas nos exames centraliza- bito econômico, social e cultural - e as políticas de formação
de recursos humanos aptos a enfrentá-las.
dos e nos processos de trabalho.
Nesse contexto, os novos modelos de produção industrial, sua re- De fato, observando-se o Relatório sobre o Desenvolvimento
lação com as mudanças de ritmo, necessidades e preferências dos con- Mundial, o Banco Mundial, ao discutir especificamente as aptidões
sumidores, bem como as estratégias de competição e de melhora da exigidas para o desenvolvimento, retoma a concepção de capital hu-
qualidade das empresas exigem da escola compromissos para formar mano, que vigorou fortemente nos 60 e 70 do século XX, e afirma que
jovens educandos, se não todos pelo menos parcelas desse segmento,
{...} a educação é essencial para o aumento da produtivida-
com conhecimentos que estejam de acordo com as atuais orientações , de individual. A educação geral dota a criança de habilidades
econômicas. I que podem ser mais tarde transferidas de u m trabalho para
outro, e dos instrumentos intelectuais básicos, necessários
20 CURR~CULO
ESCOLAR
para a continuação do aprendizado. A educação aurrienta a sionalmente; o nível tecnológico - que requeria escolaridade e m nível
capacidade de desempenl-iai. tarefas normais, de processar de ensino médio completo, com o fim de dar forinação tecnológica
e utilizar informações e de adaptar-se a novas tecnologias
e práticas de produção. (BANCO MUNDIAL apucl TOI\/I-
em nível superior. (BRASIL, 2001)
MASI, PVARDE, HADDAD, 1996, p. 42). Convém salientar, antes de qualquer incursão nos princípios
orientadores da reforma, que tal dicotomia foi posteriormente mo-
Tais concepções sobre o papel que cabe à educação desempenhar dificada, embora não totalmente suprimida, pelo decreto federal
e m u m mundo e m constantes transformações que repercutem sobre 5.154/2004 que imprimiu uma nova organização curricular a educa-
o mundo do trabalho, rebatem, inevitavelmente, na própria organiza- ção profissional. Mas ambos os decretos, bem como o conjunto da
ção curricular de cursos destinados a formação/qualificação do traba- legislação que disciplina a reforma desse nível de ensino, seguem res-
lhador, condição a que o Brasil não está isento. paldados na necessidade de uma imperiosa mudança nos currículos
Assim, é pertinente observar que a Reforma do Ensino Médio escolares, entendida como condição essencial para adaptar as pessoas
preconiza u m aluno formado de tal modo a estar apto para exercer as as mudanças mundiais e m curso, mormente as que afetam os proces-
funções do futuro, que exigem: capacidade de abstração; desenvolvi- sos de trabalho e suas tecnologias. Lopes (2008) analisa que a valori-
mento de pensamento sistêmico complexo e interrelacionado; habi- zação da idéia de que o mundo mudou constitui u m dos principais
lidade de experimentação e capacidade de colaboração; trabalho em mecanismos de legitimação das políticas curriculares para o ensino
equipe, interação com os pares. médio no Brasil, ou seja, tal entendimento tem força para legitimar
Neste ponto, é oportuno destacar os princípios básicos orientado- propostas curriculares "inovadoras" originadas e m espaços oficiais em
res da reforma do ensino médio, ou seja, da forma como veio se deli- que ocorrem as suas formulações.
neando ao final da década de 1990, que pelo decreto federal 2.208/97 Os princípios orientadores da educação profissional encontram-
propugnava a separação entre educação profissional e ensino médio, se no Parecer CNE/CEB n. 16/99 e têm respaldo na LDB 9.394/96
nos seguintes termos: (art. 2" e 39). Sob o argumento de propiciar a articulação da educa-
ção profissional de nível técnico com o ensino médio (propedêutico),
{...) a rearticulação curricular entre o ensino médio e a edu- determinados princípios básicos vão estar na raiz da educação profis-
cação profissional de nível técnico orienta-se por dois eixos
complementares: devolver ao ensino médio a missão e carga
sional: respeito aos valores estéticos, políticos e éticos (estética da sen-
l-iorária mínima de educação geral, que inclui a preparação sibilidade e da identidade, política de igualdade); desenvolvimento de
básica para o trabalho, e direcionar os cursos técnicos para a competências para a laboralidade; identidade dos perfis profissionais
forrriação profissional e m uma sociedade em constante mu- de conclusão; atualização permanente dos cursos e currículos; autono-
'h-tação.(BRASIL, 2004)
mia da escola para definir, executar e avaliar seus projetos pedagógi-
Trata-se, pois, de uma radical separação entre o ensino profissio- cos; flexibilidade, interdisciplinaridade e contextualização.
nal e o ensino propedêutico, gerando também uma radical separação Flexibilidade, interdisciplinaridade e contextualização são prin-
na organização curricular dessas modalidades de ensino, principal- cípios que aparecem com elevada aderência entre si. A construção
mente no que tange ao ensino de nível técnico. Esse decreto instituiu de currículos e a sua gestão, entre outros aspectos, refletem e se ar-
três níveis na educação profissional: o nível básico - que prescindia de ticulam, segundo aquele Parecer, a autonomia das instituições res-
qualquer escolaridade prévia, destinado a qualificação e reprofissio- ponsáveis pela educação profissional, com reflexos também no pro-
nalização de trabalhadores; o nível técnico - destinado a egressos do jeto pedagógico, dado que este projeto passará pelo crivo dos agentes
ensino médio ou a aqueles em curso, com o fim de habilitá-los profis- educacionais desde a sua elaboração até a avaliação. Assim, por esse
CURR~CULO
ESCOLAR
Parecer, é conferida as instituições escolares ampla autonomia e flexi- médio que deverá promover a "preparação básica para o trabalho e a
bilidade para construir o currículo do curso profissional, contextuali- cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser
zado com a realidade do mundo do trabalho. Em sendo assim, a livre capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação
oferta de cursos pelas instituições de educação profissional pautam-se ou aperfeiçoamento posteriores". (BRASIL/LDB, Art. 35,II).
nas demandas não só do mercado, mas também das pessoas e da socie-
dade. Ainda, segundo o Parecer CNE/CEB N. 16/99, a autonomia e
flexibilidade das instituições formadoras conferem a essas instituições
a capacidade de buscarem formas de integração em diferentes campos
de estudo, rompendo com a segmentação e o fracionamento, típicos A educação, entendida como instituição formal, não tem, neces-
da organização curricular por disciplinas. Trata-se, em suma, de ado- sariamente, a atribuição de gerar trabalho nem emprego. Novos postos
tar formas interdisciplinares na organização do conhecimento escolar de trabalho e o aumento do número de emprego dependem de proces-
adequadas ao desenvolvimento das competências demandadas pelo sos estruturais de organização da produção, da estrutura do mercado
mundo do trabalho. de trabalho, da estrutura ocupacional e dos mecanismos macroeconô-
Os documentos orientadores não fazem, porém, referência as micos e políticos que regulam o funcionamento das economias, nos
graves questões que afetam a dinâmica da vida em sociedade. A dis- âmbitos nacional e internacional. Dessa forma, o discurso muito di-
cussão sobre a gravidade dos problemas relacionados aos elevados ín- fundido em sociedades que defendem a necessidade de formação dos
dices de repetência e de evasão, frequentes nesse nível de ensino, a jovens com base em novos conhecimentos e competências, de modo a
escassez de emprego para os egressos, entre outros, é substituída pela poderem interagir com as profundas mudanças socioeconômicas, tec-
visão otimista de que a escola preparará, competentemente, o jovem nológicas e culturais da contemporaneidade, está relacionado e afina-
para o mercado de trabalho. do com os requisitos do atual contexto produtivo.
Trata-se de um modelo teórico que elabora os seus argumentos O fato de a escola não poder desconhecer as exigências da produ-
com demasiada ênfase em dimensões individualistas mescladas, con- ção não significa que deva se submeter passivamente a racionalidade
traditoriamente, com outras excessivamente "universalistas", abstrain- econômica vigente. Ao contrário, a par da inevitável (e necessária) "ins-
do as peculiaridades das comunidades e do momento sócio-histórico trumentação" dos jovens para que sobrevivam no mundo real, torna-se
em que foi formulado. Para Santomé (1996), em discursos como esses , fundamental que a escola ensine a "leitura desse mundo" (FREIRE,
o ser humano aparece desvinculado de aspectos essenciais, como suas i 1994),ou, em outras palavras, que o significado do trabalho, a partir do
dimensões sócio-culturais e histórico-geográficas. Neles, segundo o 1 enfoque interdisciplinar e contextualizado, possibilite a compreensão
autor, não é enfatizado como essas variáveis exercem um papel deci- i histórica das relações estruturantes do mundo econômico-social, de
forma que a sociedade seja percebida como passível de ser transfor-
sivo na aquisição do conhecimento interdisciplinar e contextualizado. i
Nesse sentido, as injustiças sociais, a distribuição desigual mada.
do saber e das riquezas e bens econômicos, a desigualdade nas pos- Este é, sem dúvida, um dos elementos mais complexos das de-
sibilidades de acesso a um mercado de trabalho restrito, não ocupam mandas da escola em relação ao trabalho e, consequentemente, das
lugar como preocupações nos documentos oficiais. Isto porque as demandas pelos princípios da interdisciplinaridade e da contextuali-
complexas questões que afetam a dinâmica social têm sido reduzidas zação, pois há divergentes posicionamentos de que a escola - em vista
a algumas formulações na legislação sobre a educação formal, que pre- de suas determinações históricas e sociais - possa exercer esse papel.
conizam, dentre outras, determinadas finalidades, como a do ensino Nesse sentido, é possível pensar em formas diferenciadas de expressão
24 ESCOLAR
CURR~CULO DIMENSÓES
PEDAGOGICAS E POL~TICAS 25
do currículo: o ~rescrito,oficial, e aquele que ocorre no cotidiano da C.. } a educação brasileira limitou-se, ao longo de sua histó-
ria, a atender aos interesses das elites, visando forinai; entre
escola, considerado como o currículo real, capaz de incorporar as ex-
elas, os dirigentes, e tendo-se voltado para o povo apenas no
periências do mundo do trabalho. Evidentemente essas expressões de limite {...} de inculcação ideológica para direcionar a esco-
currículo nem sempre convergem ou articulam-se. lha dos dirigentes. (SAVIANI, 1997, p. 56).
A falta de clareza teórica da relação entre educação e trabalho,
De fato, em nosso país o dualismo se firma como uma marca pre-
bem como as condições que se dão no interior das relações sociais de
sente em todos os aspectos da vida social, associado a uma sociedade
produção capitalista contribuem para que as representações entre es-
escravista e a processos discriminatórios sobre o trabalho manual.
cola e trabalho expressem visões ambíguas e idealizadas. De um lado,
Pelo caráter que assumiu ao longo da história da educação no
estão as representações que denotam negatividade, mediante a subes- Brasil, o Ensino Médio constituiu-se particularmente vulnerável a de-
timação da escola e a s~~pervalorização da experiência, dos saberes e do sigualdade social, como bem o explica Kuenzer (2001, p. 26):
savoir-faire adquiridos no mundo do trabalho. De fato, muitos acre-
ditam que a imersão em atividades de trabalho constitui a "verdadeira
C.. } assim é que já se tem demonstrado ser a dualidade es-
trutural a categoria explicativa da constituição do Ensino
escola". De outro lado, estáo as visões idealizadas que superestimam Médio e profissional no Brasil, já que, desde o surgimento
a importância da escola como veículo de formação profissional e de da primeira iniciativa estatal nessa área, até o presente, sem-
ingresso no mercado, ainda que exista um divórcio entre o que é ensi- pre se constituíran~duas redes, uina profissional e outra de
educação geral, para atender as necessidades socialmente
nado na instituição escolar e os desafios a ser enfrentados no mundo definidas pela divisão social e técnica do trabalho.
do trabalho.
Tais representações em relação ao trabalho e a escola não são Temos como bem elucidativo esse entendimento sobre a consti-
falsas nem verdadeiras, contudo merecem uma discussão mais apro- tuição do Ensino Médio no Brasil, pois esse nível de ensino se pautou
fiindada, haja vista representarem, as vezes, visões estereotipadas e em sua trajetória por uma nítida demarcação, destinando o ensino
l-educionistas processos históricos compleros. A noção de trabalho profi~sionalàqueles que no mundo do trabalho exerceriam funções
e as diferentes formas coilcretas de sua efetivação são históricas, isto de caráter instrumental (funções de execução) e aos que, por sua posi-
é, vão se constr~~inclo e reconstruindo ao longo da história das socie- çáo social e econômica, destinava-se um ensino de caráter intelectual,
uma educação mais geral, reafirmando, assim, a formação em nível
dacles humanas, variando de acordo com os modos de organização da
médio a própria demarcação inerente a divisão estrutural entre capital
produção e da distribuição de riqueza e poder.
e trabalho, marcante no sistema produtivo taylorista-fordista.
A escol? também é uma instituição humana e como tal criada e
Ao analisar essa questão, Cury (1996) afirma que o Ensino Médio,
recriada historicamente. Se hoje o imaginário social a entende como
expressando um momento em que se cruzariam idade, competência,
uma instituição que tem por função preparar os jovens para o ingresso mercado de trabalho e proximidade da maioridade civil, expõe um nó
no mercado de trabalho, historicamente a constituição da escola, em nas relações sociais no ~ ~ manifestando
~ ~ i l , seu dual e elitista,
suas origens, não esteve vinculada 3 formação para o trabalho. Como mesmo das funções que ]hes são historicamente a
uma instituição da sociedade, ela foi criada Para Preparar grupos se- função formativa, a pl-opedêutica e a profissionalizante. A propedêu-
letos de pessoas para o exercício do comando, do poder e da direção tica de elites, cuja expressão se dá nos estratos supe1-ioresde uma so-
social. ciedade agrária e hierarquizada, incontestavelmente deixou seqüelas
Assim, concordamos que , até hoje. A função propedêutica, dentro desse modelo, tem um nítido
sentido elitista e de privilégio, com destinação social explícita.
26 CURR~CULO
ESCOLAR DIMENSÕESPEDAGÓGICASE POL~TICAS 27
Contudo, pelas mudanças ocorridas no mundo do trabalho atrela- Tais princípios acompanham os desdobramentos da reforma com
o decreto federal no 5.154/04 e legislação complementar, mas atentan-
das a globalização da economia e a reestruturação produtiva, as velhas
do-se agora para proceder a uma articulação entre ediicação profissio-
formas tayloristas/fordistas deixam de ser dominantes. Instaura-se
nal técnica de nivel medio e o ensino medio, de modo a corrigir dis-
um novo discurso que se refere a um trabalhador de novo tipo para
torções nas relações entre essas modalidades de ensino, aprofundadas
todos os setores da economia, com capacidades intelectuais que lhe
pela legislação anterior.
permitam adaptar-se a produção flexível. Evidentemente, essas novas
Pela legislação atual não são dois cursos, desenvolvendo-se lado
determinações mudariam o eixo da educação média e profissional, se a lado, mas, trata-se, sim, segundo a concepção oficial, de um curso
assegurada para todos, o que na realidade ainda não ocorre. único na medida em que o curso de educação profissional técnica de
As mudanças preconizadas, características das sociedades capi- nivel medio seia realizado de forma integrada com o ensino medio.
talistas, e com maior vigor nas economias dependentes a partir dos Um novo arranjo curricular, então, é peça fundamental para levar a
anos 90 do século XX, têm ampla repercussão nos sistemas de ensino, termo a relação necessária entre conhecimentos e suas aplicações,
mormente no ensino médio. No Brasil, as repercussões incidem na preceituando a legislação que todos os componentes curriculares "de-
estrutura e organização curriculares, sob o respaldo de uma legislação vem receber tratamento integrado, nos termos do projeto pedagógico
que confere a esse nivel de ensino novas configurações, ora proceden- da institiiição de ensino." (CORDÃO, 2005, p.103).
do a uma espécie de retorno a velha dicotomia - ensino profissional x
ensino propedêutico, ao instituir três níveis na educação profissional, 5 CONSIDERAÇOES FINAIS
sem a necessária vinculação a educação geral - ora tentando superar a
antiga demarcação entre essas duas "modalidades" de ensino. A formação básica para o trabalho em uma sociedade tecnológi-
A reforma do Ensino Médio (parecer CNE/CEB n. 16/99), ao ca, tal como prescrita na Resolução CEB/CNE 03/98, pouco con-
enfatizar a organização curricular flexível adota em seu discurso que a tribuiu para entendimentos esclarecedores quanto aos princípios da
organização curricular é uma prerrogativa da escola, que por essa via interdisciplinaridade e contextualização e sua relação com a constru-
atende a individualidade dos alunos, focada no desenvolvimento de ção do saber sobre o trabalho em sua dimensão histórico-concreta. É
competências profissionais (gerais e especificas). Essa forma de organi-
' por essa dimensão que o homem apreende, compreende e transforma
zação curricular está profundamente relacionada, segundo o espírito i uma dada realidade ao mesmo tempo em que é transformado por ela.
da reforma, a uma maior responsabilidade da escola para que proceda
a adequa& da oferta de cursos as necessidades individuais, sociais e
i O Parecer da ANPEd (1997) sobre o Plano Nacional de Educa-
ção, que esteve em vigor de 2001 a 2010, já advertia que a interdis-
do mercado, como já destacado. Esse modo de contextualização da ciplinaridade e a contextualização não podem ser confundidas com
oferta de cursos se estende ao próprio processo de aprendizagem no polivalência naquela reforma do ensino medio. Segundo esse Parecer,
sentido de relacionar conteúdos e contextos. Assim, todo esse proceç- polivalência só pode significar o empobrecimento na transmissão do
so, que envolve flexibilidade, contextualização, desenvolvimento de conhecimento, supõe a ampliação da capacidade do trabalhador para
competências, encontraria uma espécie de síntese numa organização aplicar vários conhecimentos, sem que haja mudança qualitativa des-
curricular que se pretende interdisciplinar, ou seja, buscando "formas se conhecimento.
integradoras de tratamento de estudos de diferentes campos, orienta- Para enfrentar o caráter dinâmico do desenvolvimento cientifi-
co-tecnológico, o trabalhador passa a desempenhar diferentes tarefas
dos para o desenvolvimento das competências objetivadas pelo curso."
usando distintos conhecimentos, sem que isso signifique superar o
(CORDÃO, 2005, p. 83)
CURR~CULO
ESCOLAR D I M E N S ~ EPEDAGÓGICAS
S E POL~TICAS
28 2 c)
carater de parcialidade e fiagmentaç50 dessas práticas ou de compre- Nestes casos, o ti-abalho vivo é subsumido ao trabalho marto, "b-
ender a realidade. ietivado, que cor~ol-ificao conhecimento. Assim, à medida em que
segundo Machado (19941, a polivalência significa uma trabalhador é separado dos meios de produção, ele é transformado
zação formalista com fins instrumentais pragmáticos, calcada no prin- perdendo, com isso, a capacidade de intervencão Subjetiva
,,ipio I>ositivistada soma das partes. Não Significa, necessariamente? 'Orn a erradicado dos ofícios que se completa com a s u b s u n ç ~ odo
um conhecimento interdisciplinar e contextualizado sobre o trabalho ao capital, 011 seja, com O uso capitalista das niáquinas.
para ser um trabalhador polivalente bastam 0s conhecimentos de~reendemos7o processo de trabalho se torna inteira-
ricos disponíveis, permanecendo a ciência como que é exterior e
mente objetivado pelo emprego da mjquina e ocorre uma separação
estranho a esse trabalhador. Coino ressalta Mal-x (39557 P. z19): radica1entre trabalho e conhecimento. "O trabalho se torna uma ação
(,.., a que abriga os membros inanimados das má- mecânica c a ciência se ~ 0 1 0 fora ~ subjetividade de quem iraba-
~ 0 da
um
quinas (...) 2 agirem conforme sua finalidade, lha: foi pensada em outro local {...)". (NAPOLEONI apud cERIa*-
autômato, não existe na consciência do operário, mas atua,
N071994, p. 173). Disso decori-e que
através da máquina, com poder estranho sobre ele, como
poCler da própria máquina. {...I atualmente, 0 operário cstá despossuído de tudo: tanto
do saber quanto do poder sobre a produção, {...I na verdacle,
D~~~~modo, a polivalência se apóia no USO pragmático da ciência, a automatização e a informática, contrariamente às profe-
(...) sujeitaildo o c o n h e c i m c n t ~a mera instrumentaçáo utl- tias, não liberam OS trabalhadores das tarefas fastidiosas e
litarista e o trabalhador a processos de adaptaçso definidos rePetitivas. Ao contrário, a automatização desqualifica o tra.
por regras prescritas com anterioridade. O saber vivo do tra- balllo. (GORZ, 1982, p. 153)
balllo 6 cncamyado pela lógica conceitual formalista, que
o sintetiza, codifica e congela ao transformá-lo em "softwa- Na Perspectiva marxista, O trabalho se torna alienado ausên-
a mais nova expressjo do trabalho morto. (MACHADO, ã o parte dos trabalhadores. isso significa
cia dos meios de ~ l - o d u ~da
1994, p. 20) que a tecnológica não é a sociedade mais democratica em
ao conhecimento. Trata-se de algo novo que não modifica a es-
Embora os avanços tecriológicos estejam a ~ e r m e a or mundo do
trabalho, é conveniente assinalar qiie nem todos 0s que manejam as sência de novas forlnas de acumulação capitalista, as quais lhe trazem
"OvoS 'Ontornos. Isto porque
novas tecnologias têm o contefido flexibilizado. OS digitadores, Por
desempenham uma mesma atividade, cansativa e mecânica, {...) o Processo de transição de um a outro tipo de sociedade
durante todO o tempo da jornada de trabalho. Além disso7 nem bdos i é continuo e descontiiluo ao mesmo tempo; às
tCino conteiido de trabalho de forma interdisciplinar e contextualiza- 1 qualitativas sucedem m~idançasquantitativas, j ciriergência
da, fi o caso dos trabalhadores que executam funções simples
' de novos elementos sobrevém a continuidade de antigas for.
mas, mostmndo que se ti-ata de um processo complexo, de
observar alarmes, aç luzes de painéis e a execução de ações previamen- lnterpenetração, onde contradições já existentes se repóem
te estabe]ecidas, segundo as prescrições técnicas. essa forllla, exclui- i e se elltrelaiam com outras novas. (MACHADO, 1994, p. 13)
se a possibilidade de em decisões sobre planeiamento e 1
A tecno1ógica surge quando a sociedade industrial ain-
organização e execiição. Isto pol-que 0 conhecimento se reveste de
pequenos fragmentos, desvinculados dos princípios da interdisci~li- da "O
' Seesgotou no caso dos países subdesenvolvidos ela se esboça
llal-idade e da c o n t e x t u a ~ i z a ç ~Opera-se,
o~ assim, um movimento de em meio a graves d i s t o r ~ ~ee acentua
s OS descompassos de tempo e de
t
30 CURR~CULO
ESCOLAR
No caso do Brasil, que possui uma formação capitalista caracteri- tecnologicos produzidos pela humanidade. Por outro lado, a nova or-
ganização e as novas tecnologias são, também, mais dependentes do
zada por um processo de industrialização que ainda não se desenvol-
trabalhador: dependem do seu interesse, motivação, responsabilidade,
veu suficientemente, pode-se verificar um desenvolvimento desigual
atenção, capacitação, participação, etc.
no que se refere aos avanços tecnológicos em vários setores da econo-
mia. Em conseqiiência, dois pólos marcam a absorção do conhecimen- É nesse contexto que o ensino medio no Brasil, face aos avanços
to interdisciplinar e contextualizado pelo trabalhador, principalmente tecnológicos e a reestruturação produtiva, se reformularia a partir dos
no que tange aos requisitos da sua qualificação e posição no mundo anos 90, abraçando a retórica dominante que propunha aos sistemas
da produção. de ensino propiciarem uma formação geral e polivalente para favorecer
Em um desses pólos encontra-se o trabalhador, fruto do proces- a aquisição de competências gerais e tansferíveis. Assim, consagrando-
so de industrialização, caracterizado por salário e nivel educacional se a velha dualidade - ensino profissional x ensino propedêutico - uma
baixos, instabilidade no emprego e no desempenho de funções que nova estrutura curricular entrou em cena para o desenvolvimento de
requerem pouca ou nenhuma prévia qualificação. Trata-se de setores competências básicas, "com ênfase em uma metodologia que privile-
sociais que sofrem processos de desenraizamento, seja por meio de fre- gia o protagonismo do aluno, a integração entre as disciplinas e a con- t
quentes migrações, seja em decorrência das alternâncias de trabalho, textualiração dos conteúdos disciplinares." (ZIBAS, 2005, p. 10). 1
das instabilidades das moradias e de várias outras carências sociais. Embora, a reforma desse nivel de ensino tenha demonstrado i
No outro pólo, percebemos o surgimento de um novo tipo de tra- alguns avanços na década seguinte (anos 2000) quanto aos seus des-
balhador, que desfruta de salários e nível educacional mais altos, goza dobramentos e concepções sobre formas de relações entre o ensino
de relativa estabilidade no trabalho, constituindo-se em uma espécie médio e a educação profissional técnica de nivel medio, os princip~os
de aristocracia técnica. Essa situação de aparente superioridade não é, que a norteiam, em especial os da contextualização e da interdiscipli-
entretanto, condição suficiente para uma maior consciência e dispo- naridade ainda carecem, na prática, de uma maior vinculação a vida
sição para o desempenho de um papel ativo nas disputas pelos inte- social e produtiva. Portanto, quando a reforma, na sua versáo a luz do
resses dos trabalhadores, nem tampouco se constitui condição para a Decreto 5.154/2004, empresta acentuada ênfase à formação integra-
inserção em um processo de trabalho contextualizado e caracterizado, da, entendendo-se ai estarem embutidos aqueles principios, pressupo-
também, como interdisciplinar. (MACHADO, 1994) mos e queremos, como Ciavatta (2005, p. 84):
Manifestam-se, porém, outras formas de desenraizamento pró-
{...) que a educação geral se torne parte inseparável da educa-
prias desse segmento, decorrentes da forma como se dão a produção e
ção profissional em todos os campos onde se dá a preparação
a aplicação ttcnológica, desvinculadas de uma política socioeconômi- para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos proces-
ca e cultural dentro de uma perspectiva de totalidade para a sociedade. sos educativos como a formação inicial, como o ensino técni-
Assim, o acesso a informações técnicas por si, sem uma visão ampliada co, tecnológico ou superior. Significa que buscamos enfocar
da realidade, em suas várias dimensões, não garante uma efetiva com- 1 o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar a
dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar
preensáo do trabalho que se executa e do mundo no qual a atividade i a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar traba-
está inserida, ou seja, um trabalho que possa ser caracterizado como lhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos.
interdisciplinar e contextualizado.
Em consequência, ambos os pólos encontram-se dentro de hori- Entretanto, a realização concreta desses principios nem sempre
consegue ultrapassar o terreno do discurso oficial de onde foi formulado.
zontes estreitos e alienados. Sobrevém, assim, o sentimento de impo.
Estudiosos, como Lopes (2004,2008);Frigotto (2004,2005);Ramos (2004,
tência e de incerteza quanto ao futuro, apesar dos enormes recursos
32 CURR~CULO
ESCOLAR
2005); Ciavatta (2004,2005);Kiienzer (2001),entre outros, têm produzido CURY, Carlos Roberto Jamil. O ensino médio no Brasil: histórico
importantes análises, fruto de pesquisas realizadas em que discutem a re- e perspectivas. In: Seminário Internacional de Políticas Públicas do
forma do ensino médio em sua articulação com as mudanças no mundo Ensino Médio. CONSED/Secretaria de Educação do Estado de São
do trabalho e em suas implicações para o campo do currículo. Paulo, 1996 (Xerox)
Entendemos que, embora necessárias, as reformas em qualquer FREIRE, Paulo. O trabalho em educação considerado em três
nível de ensino, não são capazes de produzir por si mesmas as soluções dimensões. 111: NOGUEIRA, Adriano (Org.). Contribuições da
para os complexos problemas educacionais. 0 s principios norteadores interdisciplinaridade para a ciência, para a educação, para o trabalho
da reforma do ensino médio, sacramentados pela legislação, consti- sindical. Petrópolis: Vozes, 1994
tuem formas de regulação da educação, os quais quase sempre são
gerados por instâncias de poder externas ao Brasil. Portanto, por essa GERMANO, José Willi~igton.Estado militar e educação no Brasil:
lógica entende-se a submissão da educação a principios do mercado 1964-1985.São Paulo: Cortez, UNICAMP, 1994
em detrimento das reais necessidades do trabalhador. GORZ, André. Adeus ao proletariado: para além do socialismo. Rio
dc Janeiro: Forense Uiliversitária, 1982
KUENZER, Acacia Z. (Org.). Ensino Médio: construindo uma
proposta para os que vivem do trabalho. São Paulo: Cortez, 2001
LOPES, Alice C. Políticas de integração curricular. Rio de Janeiro:
ANPED. Associação Nacional sobre Pesquisa e Pós-Graduação em
EdUERJ, 2008
Educação. Parecer sobre a proposta do MEC para o Plano Nacional
de Educação. São Paulo: ANPEd, 1997 . Conhecimento escolar: ciência e cotidiano. Rio de Janeiro.
BRASIL. Lei no 9.394/1996. Estabelece as diretrizes e bases da EdUERJ, 1999
educaçáo nacional. Diário Oficial da União, dez./1996 MACHADO, Lucília R. S. (Org.). Trabalho e educação. Campinas:
I
. CNE/CEB. Resolução no 03/1998. Institui as Diretrizes 1 Papirus, 1994
Curi-iculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, DF, 199Ea ! MARTINS, Angela Maria. Diretrizes curriculares nacionais para o
ensino médio: avaliação de documento. Cadernos de Pesquisa, São
. CNE/CEB. Parecer no 15/98. Brasília, DF, 1998b j
Paulo: Fundação Carlos Chagas, n 109, março/2000
. MEC/CNE. Diretrizes Curriculares Nacionais: educaçáo
básica. BrasíQa, 2004 MARX, Karl. O s Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1985
CIAVATTA, Maria. A formação integrada: a escola e o trabalho como SANTOME, Jurjo T. E1 curriculum oculto. Madri: Morata, 1996
lugares de memória e de identidade. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; SAVIANI, Demerval. A nova lei da educação: trajetória, limites e
CIAVATTA, Maria, RAMOS, Marise (Orgs.).Ensino médio integrado: perspectivas. Campinas: Autores Associados, 1997
concepções e contradições. São Paulo: Cortez, 2005
TOMMASI, Livia de; LVARDE, Mirian J.; HADDAD, Sergio (Orgs.).
CORDÃO, Francisco Aparecido. A educaçáo profissional no Brasil. In: O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez,
PARDAL, Luis; VENTURA, Alexandre; DIAS, Carlos (Orgs.): Ensino 1996
médio e ensino técnico no Brasil e em Portugal: raízes históricas e
panorama atual. Campinas, SP: Autores Associados, 2005 - (Coleção ZIBAS, Dagmar M. L. A reforma do ensino médio nos anos de
educação contemporânea) 1990: o parto da montanha e as novas perspectivas. In: PARDAL,
34 CURR~CULO
ESCOLAR
1 O DISCURSO CURRICULAR
porém esta é distinta da destinada as elites, ou seia, a existência de Este tecnicismo, aperfei~oado por Ralph Tyler na metade do sécu-
lo XX - em 1949 (DOLL JR, 1997) - foi desenvolvido posteriormente
duas escolas, uma para a elite e outra para o proletariado, torna-se
por outros autores que focam o currículo nos objetivos com~ortamen-
uma necessidade econômica. Tal situação é amplamente discutida na - -
0
"- ar ., & %
vi , a ? O
'da0 3
c. 2 (o +g, O
" Q T Y E
r 0 3 Ei
O ,,a:%
zg.",:a
$3E 3
2. E
a
o-." ei d
ZEi o as
w'd 2 " ,
o ggFg
Zr, ,4,
g a03
2 2,
n,, 3 "
3 N 7
" O
"c.g g ""'
2 gy 0
8 o
-5 . 0
3-s c s
qa-
&. 2
,
a'do
" O S "
a g õ e
29 20
.o
I,g' (o Fk
P 3 3 *
> ? oa?.
g s a o
3 2$3 a g ~
"õ
,,l 2. l y: 0s
, 2.22 a o
c 30,QIO
W % n i ,-.o
g ~ n ; g ~3 z
3 W g 5 ' o g>
,E 3 O.
E&"
3 6.0s V: a O.%
v: 3 ' : ' . a 3 -
w o oz:=.
2.k.CdO 2 ,,
0 o 3 ?O.
C y8
c0 w.2
xa
g 3- ni
, G G 3 0 W ~ .
3 % C P a3 C
E g w 3 n CP n
gm$g3E3
8 ae~e z.8
a n DI
5~ @ ,.ao
n 2'3 w 3
E.0 ni n
0s n -.s3 0
*z5'
~s Z E . 8 ,
g.5 6 E;g-?.E.c,,
?.a80 c
?
o O r o
.Ia5 y g
42 CURR~CULO
ESCOLAR DIMENSOESPEDAGÓGICASE POL~TICAS 43
ções práticas. A aquisição desses procedimentos está além tências numa perspectiva reprodutora e aliada ao pensamento tradi-
da esfera das relações de poder e de seus posicionamentos cional, observa-se que o uso do termo competência, mesmo existindo
diferenciais e desiguais, ainda q u e a forma que essas realiza- possibilidades de resistência, concorre para a manutenção do discurso
ções possam assumir não esteja claramente fora das relações
de poder. Nessa perspectiva, os procedimentos que consti- dominante, pendendo para este último. A autora ainda critica os docu-
tuem uma determinada competência podem ser considera- mentos oficiais, dentre eles os PCNEM que, por exemplo:
dos como sociais: a negociação da ordem social como práti-
ca, estruturação cognitiva, aquisição da linguagem e novas Para a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, estas
elaborações culturais com base nas que existiam. (BERNS- ultimas adquirem u m sentido mais utilitarista e superficial
quando se propõe sua inclusão n o currículo com o fim de
TEIN, 2003, p. 77)
"aplicar as tecnologias da comunicação" o u "entender o im-
pacto das tecnologias de comunicação". Não se requer, por
Assim, Bernstein (2003) apresenta comparação entre dois mode- exemplo, a competência de problematizar a gênese de tais
los pedagógicos (competência e desempenho) denominando sua sín- tecnologias e as implicações políticas, econômicas e cultu-
tese de conhecimento recontextualizado. Ao modelo de competência rais dessa disseminação. (SILVA, 2008, p. 139) [grifos da au-
associou as pedagogias invisíveis (currículo fortemente classificado) e tora].
ao modelo de desempenho as pedagogias visíveis (currículo fracamen- A competência profissional, dessa forma, passa a ser um discurso
te classificado), que correspondem respectivamente as pedagogias tra- parcial a serviço de interesses particulares, sofrendo disputas mesmo
dicionais e progressistas, estas últimas, mais próxima as pedagogias dentro dos meios produtivos atendo-se apenas a sua parte não crítica.
não diretivas. Ao contrário, a mesma seria de grande valia para desvelar as proble-
Em Bernstein (2003), encontramos um autor que se utiliza do matizações que a autora cita em relação às tecnologias e seu contexto
discurso da competência de forma crítica. Portanto, não é possível ge- curricular. Diante deste cenário, especificamente o brasileiro, buscou-
neralizar o termo competência, dentro do discurso educacional, como se discutir acerca de um tipo específico de competência, a leitora, em
tradicional e ou voltado apenas para a dominação. Então, Macedo um cenário de educação profissional (ROSTAS, 2009). Para tanto,
(2002) ao apresentar suas observações acerca do discurso curricular recorreu-se aos documentos oficiais que preconizam o currículo nesta
nacional com relação a competência, demonstra que este discurso, área do conhecimento.
mesmo que aparentemente ideológico, pode ser usado de forma críti-
ca para a emancipação cidadã. 3 COMPETÊNCIAS,COMPETÊNCIALEITORA E A
Silva (2008) assevera que o discurso educacional por competên- EDUCAÇÁO PROFISSIONAL - UM ESTUDO NO IFMA
cias alia-se a&idiscurso hegemônico dominante onde
A noção de competências é tomada como prescrição nucle- Em estudo realizado no Instituto Federal de Educação, Ciência
ar da organização curricular, favorecida também e m virtude e Tecnologia do Maranhão - IFMA (ROSTAS, 2009), buscou-se ana-
de sua proximidade com a idéia de competição e competiti- lisar o planejamento dos docentes de Língua Portuguesa1 objetivan-
vidade. O caráter a-histórico de suas formulações originais do identificar sua prática no que diz respeito ao desenvolvimento de
facilmente se articula ao discurso das novas demandas de
formação para o trabalho, bases das justificativas da reorien- competência leitora, a luz dos indicadores estabelecidos no Exame
tação curricular. (p. 145). Nacional do Ensino Médio - ENEM. Ao recorrer aos documentos de
A autora refere-se a reforma curricular nacional ocorrida na déca- ' Do universo de 6 (seis) docentes que atuam em 14 (quatorze) turmas de cursos técnicos
da de 90. Embora a perspectiva de Silva encerre o discurso de compe- integrados ao Ensino Médio, 5 (cinco) participaram da pesquisa.
44 CURR~CULO
ESCOLAR
mentais, este último aparece sem muita ênfase. Na última evidência: Analisa recursos e mecanismos verbais, gráficos e
Língua Portuguesa, nas diversas figurativos de construção do hipertexto;
"Identifica as regularidades das diferentes variedades Linguísticas, re- 2a situações de interação sócio-
conhecendo os valores sociais a elas associadas, para usá-las de forma e comunicativa, considerando Identifica características dos diferentes gêneros
II 3a tanto as práticas discursivas em textuais em função do universo temático e da forma
adequada nas situações de interação social" (ROSTAS, 2009, p. 157).
de estruturação;
Ao analisar tal evidência, percebe-se ainda o termo "forma adequada" i geral como as especificidades
de gêneros textuais utilizados na
como sendo a norma culta, Tal documento apresenta indícios, pelo área profissional de ... Identifica as regularidades das diferentes variedades
Linguísticas, reconhecendo os valores sociais a elas
menos em sua forma, de constituir-se e m um instrumento que possa associadas, para usá-las de forma adequada nas
vir (ou não) a alinhar-se com as perspectivas críticas do currículo ou situações de interação social.
oferecer subsídjos para uma educação emancipadora de forma inten- Fonte: Rostas (2009, p. 156)
cional, pois remete-se ao reconhecimento de "valores sociais".
Mesmo tomando como referência a interpretação de Perrenoud
' Documento utilizado como matriz para o planejamento curricular na disciplina Língua
para o termo competência: "capacidade de mobilizar diversos recursos
Portuguesa, elaborado pelos docentes pertencentes ao Departamento Acadêmico de Letras cognitivos para enfrentar um tipo de situação" (2000, p. 15), percebe-
- DAL do IFMA. se que necessariamente ao estipular competências a serem alcançadas
A integração com a educação profissional dá-se em turmas que recebem ao mesmo tempo a para mensurar a aprendizagem dos alunos, estruturam-se situações de
educação propedêutica relativa ao Ensino Médio e a educação profissional. Participaram aprendizagem em que devam ser alcançadas as competências. Assim,
da pesquisa os docentes que atuam nos cursos técnicos em: Design Gráfico, Design de
Produtos, Eletrotécnica, Eletrônica, Informática, Alimentos e Telecomunicações. Estas
uma vez alcançada uma competência, esta já se encontra contempla-
turmas são de alunos que ingressaram no ano de 2009. da. Portanto, o que se verificou no estudo (ROSTAS, 2009) é que o
planejamento dos docentes necessitava de revisão ou, pelo menos, um coniza a contextualização como necessária para a prática curricular.
aprofundamento sobre as temáticas. Neste caso, os professores infor- Da mesma forma, a contextualização está implícita no discurso, mas
maram realizar planejamento detalhado, inclusive interdisciplinar, po- falta sua materialidade nos documentos de planejamento do espaço
rém não houve acesso a outros documentos, ou mesmo declarações em estudo.
destes, que explicitassem com clareza suas práticas. Apesar disto, há uma evidente contradição quando se constatou
I
Com relação a interdisciplinaridade, o estudo evidenciou que, que o IFMA apresenta
embora o texto do documento deixe em aberto a área de conhecimen- i
to específica de cada curso no que se trate da competência textual i
[..Iíndices d e proficiência, avaliados pelo ENEM, acima da
média regional, tem-se que esta instituição equipara-se com
(dentro dela está inserida a competência leitora), as práticas declaradas I, as grandes escolas privadas tidas como centro d e excelên-
no discurso docente (através de questionários aplicados) evidenciam cia. No final do mês d e abril de 2009, o INEP apresentou
um distanciamento do discurso interdisciplinar. O que os docentes 1
i os resultados do E N E M 2008. No âmbito estadual, o IFMA
aparece e m 9' lugar no ranking4, com uma média geral de
declaram como prática interdisciplinar suscita dúvidas. Nesse sentido, 64,5 pontos, acima da média nacional5 (49,5). Isso demons-
observou-se que !
I
tra que o caminho percorrido pelos docentes se dirige para
os padrões impostos para o exame, mesmo não explicitando
[...] Tal enfoque desperta uma dúvida em relação a prática do- isso em seus planos ou documentos gerais. (ROSTAS, 2009,
cente, pois na questão 07, por exemplo, ao serem questionados p. 166).
se utilizam textos de livros de disciplinas técnicas ou de outras
áreas do conhecimento, nenhum informou utilizar com frequ- Como relatado, há uma contradição entre o percebido no desem-
ência, o que pode se tornar uma contradição, pois se propõem penho dos alunos egressos desses cursos - refletido resultados acima
institucionalmente e m focar os gêneros inerentes a profissão e
fazem pouco uso (ou chegam a não utilizar - Professor 6) dos
da média regional e nacional no ENEM - e o planejamento que não
materiais que podem aproximar os alunos desse gênero discur- se encontrava plenamente elaborado conforme as necessidades de um
sivo que lhe será necessário durante o seu desenvolvimento no documento deste porte em conjunto com o que se verificou nas en-
curso profissionalizante e, posteriormente, em sua vida profis- trevistas dos docentes - não possuem unidade nas suas práticas de
sional. (ROSTAS,2009, p. 155-6). ensino -,os resultados do exame nacional apontam para uma prática
Embora os documentos oficiais (PCNEM) e o discurso dos do- que oportuniza bons resultados.
centes valorizem a prática interdisciplinar, respostas como esta acima Tal situação evidencia um comportamento característico do cur-
demonstraraqo quão é distante a prática docente da interdisciplinari- rículo, pois este se constitui em um
dade concebida por Santomé (1998, p. 73) como: elo entre a declaração d e princípios gerais e sua tradução
operacional, entre a teoria educacional e a prática pedagó-
C..] algo diferente, que reúne estudos complementares de di- gica, entre o planejamento e a ação, entre o que é prescrito
versos especialistas em um contexto de estudo de âmbito mais e o que realmente sucede nas salas de aula [..Io currículo
coletivo. A interdisciplinaridade implica em uma vontade e traduz e concretiza a orientação do sistema educacional.
compromisso de elaborar u m contexto mais geral, no qual cada (COLL, 1999, p. 33-34).
uma das disciplinas em contato são por sua vez modificadas e
passam a depender claramente umas das outras.
Disponível em <http://i1nirante.globo.com/noticias/pagina197907.shtml> Acesso em:
Se há uma intenção de praticar a interdisciplinaridade, ela não 06/05/2009.
é evidenciada. Além disso, o discurso oficial (PCNEM) também pre- Disponível em Acesso
~http://mediasenem.mec.gov.br/enen~MediasEscoa/ em:
06/05/2009.
48 CURR~CULO
ESCOLAR
Por ser este elo, o planejamento faz parte do currículo maior que tico (SAVIANI, 2008). Portanto, não foi possível perceber
tal criticidade no discurso expresso tanto nos questionários
é o projeto pedagógico do curso, que os professores declararam, a ex-
quanto no texto do "documento geral': (ROSTAS,2009, p.
ceção de um, utilizar como referência para seu planejamento indivi- 165-166).
dual (ROSTAS, 2009). Dessa forma, percebe-se que o planejamento da
disciplina foca o conteúdo, secundarizando o contexto de formação Mesmo considerando a prática destes docentes como tendendo a
profissional. corrente tradicional do pensamento curricular, o que o estudo trouxe
O fato de a disciplina Língua Portuguesa ter sido objeto desta de evidência foi o desempenho dos alunos do IFMA acima da média,
análise não encerra somente a ela a responsabilidade do desenvolvi- tanto regional como nacional, no ENEM, sendo uma contradição, per-
mento da competência leitora, tal realização conta com a colaboração cebe-se então, que uma prática não pode ser enquadrada como "pura"
de outras disciplinas, inclusive as profissionalizantes. Assim, atribuir numa classificação do currículo. Dessa forma, o hibridismo (MOREI-
sucesso ou fracasso na consecução da competência leitora somente RA; MACEDO, 1999) que se observa no discurso oficial acaba sendo
aos docentes de Língua Portuguesa seria um erro metodológico, po- refletido na prática.
rém reconhece-se sua participação neste caminho.
Com relação às práticas dos docentes, percebe-se certa fragmen- 4 CONSIDERAÇÕESFINAIS
I
trária deste pensamento, o discurso dominante prescreve GERMANO, José Willington. Estado militar e educação no Brasil. 2.
adaptação ao mercado e a ordem. O discurso predominante ed. São Paulo: Cortez, 1994.
[..I
é o de "competência para o mercado de trabalho". (SOU-
SA; ROSTAS, 2008, p. 21). HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 5. ed. Rio
de Janeiro: DP&A, 2001.
Esta pedagogia libertaria não aparece claramente nos documen- LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elisabeth. O pensamento
tos oficiais e na prática dos docentes observados no estudo (ROSTAS, curricular no Brasil. In: LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elisabeth
2009). O que se percebe, então, é o curriculo fortemente classificado (Orgs.).Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002.
que colabora para a alienação. De certa maneira, o sucesso dos alu- p. 13-54- (Série cultura, memória e currículo, 2)
nos no ENEM, que hoje é porta de entrada para a educação superior
pública e gratuita, traz em seu contexto a possibilidade de criar maio- LOPES, Alice Casimiro. Parâmetros curriculares para o ensino médio:
res oportunidades de emprego e renda, mas com relação a sua visão quando a integração perde seu potencial crítico. In: LOPES, Alice
Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Disciplinas e integração curricular:
crítica, não é possível afirmar o mesmo, pois o estudo não encontrou
história e políticas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 145-176.
elerrientos explícitos para esta possibilidade.
LYWARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 10. ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 2008.
REFERÊNCIAS MACEDO, Elizabeth. Currículo e competências. In: LOPES, Alice
BERNSTEIN, Basil. A pedagogização do conhecimento: estudos Casimiro; MACEDO, Elizabeth (Orgs.). Disciplinas e integração
sobre recontextualização. Cadernos de Pesquisa. 2003,n.120, pp. 75- curricular: história e políticas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 115-143.
110. MOREIRA, Antonio Flávio B. Multiculturalismo, currículo e formação
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio de professores. In: MOREIRA, Antonio Flavio B. (Org.) Currículo:
- PCNEM. Brasília, DF: MEC - Secretaria de Educação Média e políticas e práticas. Campinas: Papirus, 1999. p. 81-96
Tecnológica, 1999. MOREIRA, Antonio Flávio B; MACEDO, Elisabeth. Faz sentido
CAMBI, Franco. História da pedagogia. Tradução de Álvaro ainda o conceito de transferência cultural? In: MOREIRA, Antonio
Lorencini. São Paulo: Editora UNESP, 1999. Flavio B. (Org.). Currículo: políticas e práticas. Campinas: Papirus,
1999. p. 11-28
COLL, César. Psicologia e currículo: uma aproximação
psicopedag6gica i elaboração do currículo escolar. São Paulo: Ática, MOREIRA, Antonio Flávio B. A crise da teoria curricular crítica.
1999. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.) O currículo nos limiares
contemporâneos. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999b. p. 11-36.
CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova
Fronteira da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, MOREIRA, Antonio Flávio B; SILVA, Tomaz Tadeu da. Sociologia e
1986. teoria crítica do currículo: uma introdução. In: MOREIRA, Antonio
Flavio B.; SILVA, Tomaz Tadeu da (orgs.). Currículo, cultura e
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições sociedade. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
Graal, 1979.
PACHECO, José Augusto. Políticas curriculares: referenciais para
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. - 17. ed. - Rio de Janeiro:
análise. Porto Alegre: Artmed, 2003.
Paz e Terra, 1987.
52 CURR~CULO
ESCOLAR
O modelo curricular concebido por Ralph Tyler, segundo Silva técnico-científico da sociedade. Em nome do progresso, do desenvol-
(2004), centra-se em questões de organização e desenvolvimento curri- vimento social, constrói-se uma visão científica das relações sociais e
cular e tal com em Bobbitt o currículo é uma questão de técnica. Em- das relações de produção, tendo como consequência o emprego de
bora Bobbitt e Tyler apresentassem enfoques específicos, eles tinham técnicas através das quais se controlam todas as variáveis do processo
um ponto em comum - o mundo do trabalho como eixo integrador educativo, econômico e social.
da escola com a sociedade. Bobbitt enfatizava a eficiência burocrática Nos anos 1970, apareceram livros, ensaios, textos teóricos que pu-
na administração escolar através do planejamento e organização do seram em dúvida o mérito do pensamento e a estrutura organizacional
currículo. da educação liberal de tendências: tecnicista (defesa da escola eficaz)
0 s modelos tecnocráticos, como os de Bobbitt e Tyler, e os mode- e humanista (liberdade na escola). Esses textos procuravam ir além
do paradigma tradicional e revelavam a função ideológica desempe-
los mais progressistas de curriculo, como os de Dewey, que emergiram
no início do século XX, nos Estados Unidos, constituíam, de certa for- ~ nhada pelo currículo. Evidenciavam o caráter de aceitação, ajuste e
ma, uma reação ao currículo clássico, humanista, que havia dominado , adaptação, das tendências tradicionais de currículo. Nenhuma dessas
a educação secundária desde sua institucionalização. Esse curriculo tendências questionava a estrutura da sociedade capitalista, tampouco
o papel da escola na manutenção e preservação dessa sociedade. Os
era herdeiro do currículo das chamadas "artes liberais" que, vindo da
antiguidade clássica, se estabeleceu na educação universitária da Ida- 1
I textos surgidos, então, revelavam autores em oposição a ordem que
de Média e do Renascimento. Obviamente, o currículo clássico huma- aceita as injustiças, as desigualdades sociais. Entre esses autores, po-
nista tinha, trazia implícita, uma "teoria" do currículo. Basicamente, 1 demos destacar (YOUNG, 1984); (GIROUX, 1983); (ALTHUSSER,
nesse modelo, o objetivo era introduzir os estudantes ao repertório das 1971); (APPLE, 1982). Esses autores denunciavam o papel da escola
grandes obras literárias e artísticas das heranças clássica grega e latina, 1 . e do curriculo na reprodução da estrutura social. A ideia era propagar
incluindo o domínio das respectivas línguas. a construção de uma escola e um currículo que correspondessem aos
Fundamentando-nos nos estudos realizados, podemos situar os interesses dos grupos dominados.
modelos de currículo que encontramos em Bobbitt (1918),Tyler (1949) Segundo Moreira (1990), os estudos de Michael Apple e Henry
e até mesmo o "modelo progressista" de Dewey (1902), no âmbito das Giroux (representantes americanos da tendência crítica curricular),
ciências empírico-experimentais, fundamentadas no positivismo. Es- num primeiro momento, apontavam para a análise da relação entre
ses modelos de currículo não estavam preocupados em fazer qualquer economia, estado, ideologia, poder e cultura. Isso mostrava o avanço
tipo de questionamento relativo aos arranjos econômicos, sociais e dessa abordagem em relação as anteriores, consideradas por eles con-
educacionais existentes. As formas dominantes de conhecimento, ou servadoras pela postura acrítica em relação a situação socioeconômi-
a forma social dominante não eram pontos de reflexão nos projetos ca, a época. Acreditavam que, analisando de forma crítica as práticas
curriculares. Ao tomar o status quo como parâmetro desejável, as te- curriculares, seria possível transpô-las para o conjunto da sociedade, e
orias tradicionais de currículo se preocupavam com as formas de or- assim, promover a mudança nas atitudes, nas consciências.
ganizar e elaborar o curriculo; restringiam-se a atividade técnica de Teóricos dessa linha de pensamento, como Henry Giroux (1992),
como fazer o currículo. A forma de se trabalhar o conhecimento no Michael Apple (2006), buscavam identificar que fatores contribuíam
âmbito dessa concepção curricular tem servido muito mais a lógica para a exclusão socioeconômica, política e cultural da maioria da po-
acumulativa e excludente do capital do que à proposição de melho- pulação. Com base nessas análises, esses pesquisadores direcionaram
res condições de vida. O interesse prático desse tipo de currículo, e seus estudos para o currículo, com a finalidade de conhecer e desmis-
do conhecimento que é vinculado relaciona-se ao desenvolvimento tificar as influências e mediações da cultura, do poder, da resistência,
58 CURR~CULO
ESCOLAR PEDAGÓGICASE POL~TICAS
DIMENS~ES 59
da economia e da ideologia que acreditavam estarem presentes na sua condições que permitam as pessoas conferirem sentido e utilidade ao
elaboração e operacionalização. Ou seja, estavam preocupados com que aprendem, compreenderem o mundo e trabalharem por uma so-
o exame das relações entre o currículo e todas essas dimensões que ciedade cujos fundamentos democráticos sejam mais vividos.
permeiam a vida em sociedade. Para a superação dos arranjos sociais dominantes, Giroux (1986)
Em concordância com a crítica neomarxista, Michael Apple evidencia a necessidade da resistência via uma pedagogia e um cur-
(2006) elabora uma análise crítica do currículo. Para ele, é preciso iden- rículo que contenham conteúdo politico e crítico, que possibilitem
tificarmos os vínculos que existem entre as estruturas econômicas e aos indivíduos se tornarem cônscios do poder e do controle exercidos
sociais, já que elas são mediadas por processos que acontecem no cam- pelas instituições e estruturas sociais e trabalhem para transformá-las.
po da educação e do currículo e, aí, são legalmente produzidos. "As te- Neles, as práticas curriculares são percebidas como práxis, no sentido
orias, diretrizes e práticas envolvidas na educação não são só técnicas. de formularem-se no movimento ação-reflexão-ação.
São intrinsecamente éticas e políticas" (APPLE, 2005, p. 41). A concepção crítica sobre o curriculo toma como principal ele-
O que acontece na educação e no currículo não pode ser ingenu- mento de análise os efeitos, os sentidos, os significados construídos
amente concluído como resultado do funcionamento puro e simples por meio das ações educativas.
da economia. Vários outros fatores são determinantes desses aconte- As teorias críticas sobre o currículo, em contraste, começam
cimentos. Nesse sentido, concordamos com Antonio Gramsci (1968) por colocar em questão precisamente os pressupostos dos
quando analisa o campo social, como um campo eivado de contradi- presentes arranjos sociais e educacionais. As teorias críti-
ções, no qual os grupos dominantes são obrigados a constantemente cas desconfiam do status quo, responsabilizando-o pelas
desigualdades e injustiças sociais. [...I As teorias críticas são
recorrer a um processo bem elaborado de convencimento ideológico teorias de desco fiança, questionamento e transformação ra-
para manter e exercer seu domínio sobre os grupos dominados. É nes- dical (SILVA, 2004, p. 30).
se processo que o currículo se transforma em espaço de transmissão
dos conteúdos culturais hegemônicos. É assim que a dominação eco- O pensamento contemporâneo coloca em questionamento as
nômica se transforma em hegemonia cultural, em senso comum. En- narrativas críticas fundamentadas na teorização marxista de currículo
tendemos que o currículo tem papel preponderante na reprodução ou sugerindo uma análise textual de currículo. Assim, o currículo é conce-
na transformação da cultura e da sociedade. bido como um texto entendido a partir dos seus significados culturais.
Assim, entendemos que o currículo não é um conjunto de co- O curriculo deve fazer com que, na escola, se criem oportunidades do
nhecimentos neutros e desinteressados, mas são conhecimentos situ- exercício de ações democráticas, de participação coletiva, de não só
ados, datadot'historicamente e que esse é um conjunto contestado e pensar a contradição mas agir por contradição. Neste estudo, conso-
conflituoso de práticas. A sua organização resulta de um processo que lidamos a ideia de que os professores devem ser vistos como pessoas
traduz os objetivos particulares das classes e grupos no poder. Essas ativas e envolvidas nas atividades de crítica, a serviço da construção
múltiplas determinações que nos são postas requerem que o currículo da emancipação e da liberdade e não como técnicos ou burocratas.
e a ação educativa promovam a necessidade de transformar essa reali- Nesse sentido, compreendemos o currículo como o espaço politico-
dade. O currículo não deve se limitar a disciplinas, a saberes que deve- pedagógico, processo ativo de construção e de validação de saberes,
rão ser ensinados, que fazem da memorização a sua base fundamental; vozes, cultura, normas e valores que produzem e reproduzem práticas
o ensino não deve estar divorciado da vida; a escola não deverá estar de construção do conhecimento nos diversos contextos.
fechada para o mundo, perpetuando uma educação livresca e conti- Com efeito, ainda que a crença na emancipação possa parecer
nuamente alheia as realidades que a circundam. A educação deve criar incompatível com alguns modelos vigentes de curriculo e que os mo-
CURR~CULO
ESCOLAR
t
66 CURR~CULO
ESCOLAR
A formação inicial significa a preparação formal do docente nos colocaria próximos das exigências de mudanças curriculares e de
numa instituição. É o começo da socialização profissional (IMBER- formação, hoje, valorizadas.
NÓN, 2006). É o momento da internalização de princípios e regras
práticas; da relação teoria e prática, básico para a construção de um 3 CONSIDERAÇÕESFINAIS
conhecimento pedagógico especializado.
A formação inicial deve capacitar o professor com conheciinen- Historicamente, os currículos de formação de professores sempre
tos científicos, culturais, contextuais, psicopedagógicos e pessoais. estiveram em estreita relação com o contexto político e econômico,
Essa preparação consistente prepara-o para assumir a tarefa educativa constituindo-se em um conjunto articulado de elementos e de aspec-
em toda sua complexidade, a prática sendo pensada e refletida com tos técnicos, práticos e político-pedagógicos que exigem uma postu-
a flexibilidade e o rigor prudente, isto é, direcionando suas ações em ra ética, que estabeleça a relação entre as várias dimensões presen-
uma fundamentação válida para evitar cair no paradoxo de ensinar tes num processo formativo. No contexto das reformas educacionais
e não ensinar, ou em uma falta de responsabilidade social e política o discurso da profissionalização é tomado como desenvolvimento de
( I M B E R N ~ N2006).
, competência.
A estrutura da formação inicial deve oferecer as bases que possi- A ênfase na profissionalização docente, centrada na aquisição
bilitem uma análise global das situações educativas. de competências, não tem contribuído para uma formação sólida do
professor e tem favorecido a desprofissionalização da ação educativa. A
É preciso estabelecer um preparo que proporcione um co-
base epistemológica que sustenta o currículo por competência submete
nhecimento válido e gere uma atitude interativa e dialética
que leve a valorizar a necessidade de uma atualização per- o processo de formação do professor à lógica do mercado no contexto
manente em função das mudanças que se produzem; a criar da racionalidade técnica/instrumental. Fundamentar os currículos de
estratégias e métodos de intervenção, cooperação, análise, formação de professores no desenvolvimento de competências nos
reflexão; a construir um estilo rigoroso e investigativo (IM- leva a suspeitar que os mesmos estão orientados por uma política
BERNÓN,2006, p. 61).
curricular neoliberal cujas características são: o foco no mercado e no
Um currículo para a formação inicial (conhecimento profissio- indivíduo, desarticulação na formação inicial e continuada, a presença
nal) deverá proporcionar experiências interdisciplinares que façam de diferentes matrizes epistemológicas que fundamentam a definição
com que os futuros professores apreendam conhecimentos e proce- e construção de competências, bem como seus distintos conceitos.
dimentos relativos as disciplinas. Sendo assim, observamos que tal Assim, para assumir a perspectiva de um currículo por competência,
currículo 'eteverá criar espaços para a mudança, e que a tradição, o é preciso partir de uma elaboração clara do sentido das competências
conhecimento ideologizado e costumes cristalizados não sejam obs- a serem formadas no nível inicial e como elas vão se desenvolvendo
táculos e não impeçam que se realize uma prática cujo elemento no sentido da construção da profissionalização numa perspectiva
essencial seja a consciência crítica. O desenvolvimento desse cur- histórico-cultural.
rículo facilitará a superação do modelo hegemônico de formação. O processo de profissionalização é histórico e envolve o empenho
A organização curricular interdisciplinar tem o potencial de nos da categoria para promover uma mudança tanto no trabalho pedagó-
afastar de uma estrutura disciplinar e da organização sequencial gico que desenvolve, quanto do seu status social. Não se trata de um
dos conteúdos. Ao valorizarmos a integração entre conhecimentos movimento linear e hierárquico, tampouco de uma questão simples-
e procedimentos, a ênfase nos processos de aquisição dos saberes e mente técnica. A profissionalização de professores e do magistério
a valorização da experiência de alunos e professores, dentre outros, como um todo, deve ser o resultado da articulação, de esforços, no
CURR~CULO
ESCOLAR
1 A GUISA DE INTRODUÇÃO
nômeno que ora se apresenta possibilidades de descrição na tentativa 3 REFLEXÕES SOBRE ENSINAR E APRENDER: a
de analisá-lo e compreendê-lo em seus significados possíveis. Matemática em foco
Segundo Franco e Ghedin (2008), se o método propõe os funda-
Em sentido amplo, ensinar é assegurar a propagação do saber.
mentos para o exercício de uma investigação, os procedimentos e/ou
técnicas são as bases de consolidação do processo investigativo e, por- 'kté há pouco tempo, ensinar era sinônimo de transmitir informações
tanto, a afirmação de sua cientificidade. Em sendo a realidade dotada [...Iv (MICOTTI, 1999, p. 154).Neste contexto, ensinar Matemática re-
de sentido, a investigação deve dispor de instrumentos que apreen- sumia-se apenas ao simples transferir, repetir e memorizar definições
dam tal realidade e, sobretudo, que possibilitem melhor interpretação e conceitos sem a menor preocupação se houve ou não a compreensão
e análise de suas múltiplas significações e representações. dos aspectos que dão ao ato educativo algum significado.
Como forma de aprofundamento na realidade estudada, na ten- Ao longo de séculos as idéias pedagógicas foram evoluindo. No
tativa de emergir em tais relações, foi proposto enquanto procedimen- que se refere a Matemática, esta evolução culminou com o surgi-
to metodológico a entrevista semi-estruturada por entender que a mento de uma "[ ...] região de inquérito e de significação que vem se
mesma pode proporcionar a aproximação necessária sobre a maneira constituindo ao longo da história da Educação Ocidental" (BICUDO,
como os futuros professores de Matemática concebem o saber mate- 2006, p. 13) denominada Filosofia da Educação Matemática. Esta se
mático em sala de aula. constitui em um campo promissor de pesquisas e desenvolvimento de
Como sujeitos da pesquisa, foram investigados estudantes con- metodologias para o ensino e o aprendizado da Matemática, ou seja,
cludentes do Curso de Licenciatura em Matemática do Centro Fe- uma Educação Matemática.
deral de Educação Tecnológica do Maranhão - CEFET/MA. Para Na Filosofia da Educação Matemática, os objetos matemáticos
seleção e definição do número de estudantes sujeitos da pesquisa, são vistos como processo e não somente produto da mente humana.
decidiu-se pela participação dos estudantes do curso de Licenciatura "Sob a ótica do valor dos objetos matemáticos ou da Matemática, a
em Matemática que defenderam monografia no segundo semestre de Filosofia da Educação Matemática aborda a questão da posição dessa
2008, devido ao fato da proximidade dos mesmos com o engaiamento ciência no currículo escolar, na forma pela qual é valorizada pela socie-
no mercado de trabalho. De acordo com o Departamento de Gradu-
dade" (BICUDO, 1999, p. 27).
ação da Instituição, até dezembro de 2008, era prevista a defesa de
A Filosofia da Educação Matemática parte do princípio de um
monografia de 21 (vinte e um) estudantes.
pensar abrangente e sistemático sobre o fazer cognitivo da Matemáti-
A escolha do CEFET-MA como lócus da pesquisa não se deu por
ca. Trata-se da ação de pensar sobre o conhecimento matemático de
acaso. Foi l h a d o em consideração o fato de a Instituição ser recente
modo analítico, crítico e reflexivo. Consiste em interrogar os fins e os
na formação de professores e, principalmente, do pesquisador ter sido
estudante da Instituição por duas vezes, no ensino técnico de nível meios da aprendizagem Matemática e colocar em prática respostas as
médio e no ensino superior, no Curso de Licenciatura em Matemá- questões que são postas sobre a sua validade, ou seja, sobre a validade
tica. Além disso, exerceu a função de professor substituto junto ao da realidade dos objetos matemáticos.
Departamento de Matemática ministrando aulas nos Cursos Técni- Assim, a Filosofia da Educação Matemática tem por base a Filo-
cos, Ensino Médio e no Curso de Licenciatura em Matemática e já sofia da Matemática, onde se procura entender a natureza dos objetos
muito recentemente ter sido efetivado após habilitação em concurso matemáticos, e a Filosofia da Educação, onde se pretende buscar com-
público de provas e títulos. Possuindo, portanto, uma estreita relação preender a natureza do ensino e da aprendizagem. Enfim, constitui-se
acadêmica e profissional com a Instituição. enquanto reflexão sobre o que se tem feito no ensinar e no aprender
128 CURR~CULO
ESCOLAR
assumir um caráter reprodutor, é possível que ele engendre interesses A de Ação, porque também aqui, na escolha das melhores
maneiras de agir, se jogam decisões do foro profissional e do
emancipatórios. foro pessoal. Todos sabemos que certas técnicas e métodos
Para facilitar a compreensão das Teorias Críticas e Pós-Crítica de 'colam' melhor com a nossa maneira de ser do que outros.
Currículo, utilizava uma técnica irititulada "O abrigo antinuclear", de Todos sabemos que o sucesso ou o insucesso de certas expe-
autoria anônima, em que os alunos eram levados a selecionar pessoas riências 'marcam a nossa postura pedagógica, fazendo-nos
sentir bem ou mal com esta ou aquela maneira de trabalhar
com as mais diversas características, seja religiosa, sexual, étnico-ra- na sala de aula.
cial, profissional, faixa etária etc., para construírem uma vida em outro
planeta, uma vez que o planeta Terra seria devastado por uma bomba. A de Autoconsciência, porque e m última análise tudo se de-
cide no processo d e reflexão que o professor leva a cabo so-
Conseguia problematizar com os alunos de uma forma bastante bre sua própria ação. É uma dimensão decisiva na profissão
lúdica, como as escolhas estavam marcadas pelas visões de mundo de docente, na medida e m que a mudança e a inovação peda-
cada u m e aproveitava aquela euforia, em que cada u m queria se de- gógica estão intimamente dependentes deste pensamento
fender de suas próprias visões, para fazer a ponte para a concepção reflexivo.
crítica de currículo, estabelecendo as relações entre currículo e poder, Nesse sentido, venho cruzando o meu eu pessoal com o meu pro-
currículo e ideologia e, de uma forma mais detida, sobre o multicultu- fissional, pois a partir desse trabalho me posicionei como uma profes-
ralismo e o interculturalismo no campo da educação. sora negra que, outrora pelos idos da adolescência não se reconhecia
Naquela oportunidade discutia a questão do multiculturalismo como tal, isto é, como negra, haja vista que foi nesse período da minha
e interculturalisrno como uma necessidade de integração de minorias vida que mais me escondia de mim mesma. Qual seria o papel da es-
sociais étnicas e culturais no processo de escolarização, cujo desafio cola e do currículo nesse processo? Qual a relação dos conhecimen-
do Currículo Intercultural seria o de realizar a capacidade da educação tos distribuídos na escola com a minha questão identitária, sobretudo
para acolher a diversidade (SACRISTAN, 1995). Uma das temáticas étnico-racial?
que vieram ii tona nesse processo foi sobre as relações raciais no Brasil Nos debates atuais sobre currículo, ganha centralidade os temas
em que apesar de todos os estudos mostrando o contrário, ainda pre- etnia e raça. Considerando que etnia está relacionada ao conjunto de
dominava, em boa parte dos alunos, a concepção de que o Brasil é um características culturais como língua, religião, costumes, tradições,
paraíso racial. sentimento de lugar (HALL, 2001) e raça que, em geral, é o termo re-
A época, uma questão foi se apresentando e foi sendo delineada servado para identificações baseadas e m características físicas, como a
cor da pele, a visão de curriculo que faz sentido é aquela que vai para
e hoje está muito mais dimensionada. Por que e u estava sendo tão
além de uma concepção como elenco de objetivos e rol de conteúdos.
influenciada G l a s questões contemporâneas de currículo, sobretudo
Com efeito, para entender as relações entre currículo, etnia e
pela questão étnico-racial, postas pelo multiculturalismo e intercultu-
raça faz sentido aquelas concepções que questionam a suposta neu-
ralismo?
tralidade do currículo, deste modo, enfatizo que o curriculo forja sub-
Retomo Nóvoa (2007, p.16) para entender o processo identitário
jetividades e nesse processo, são marginalizadas as identidades que são
dos professores, os três AAA: A de Adesão; A de ação e A de Autocons-
historicamente destituídas de poder como as mulheres, os homossexu-
ciência. O autor assim caracteriza:
ais, e notadamente, a dos negros.
A de Adesão, porque ser professor implica sempre adesão a Assim, a partir desses elementos construídos na minha prática
princípios e a valores, a adoção de projetos, u m investimento
pedagógica como professora de Currículos e Programas e que em mo-
positivo nas potencialidades das crianças e jovens.
132 CURR~CULO
ESCOLAR
tão racial nos momentos específicos, datas comemorativas Essa [..I". dade de participar de um movimento em prol da construção de pro-
prática é superficial, centrada em episódios descontextualizados. Essa postas curriculares. O grupo de especialistas formado num primeiro
forma de tratamento de conteúdos é o que Santomé (1998)chama de momento por representantes dos diversos níveis e modalidades cen-
"currículo de turistas", ou seja, o trabalho é feito esporadicamente, por t r o ~sua preocupação inicialmente em delimitar o seu papel como
exemplo, um dia por ano, em temas, como a luta contra os preconcei- grupo de sistematização no que tange as intenções da proposta a qual
tos racistas etc. foi intitulada marco conceitual.
Esses relatos nos demonstraram que o que predomina no con- Outras preocupações foram sendo suscitadas durante o percurso,
texto estudado é uma lógica linear e eurocêntrica de organização dos tais como: Existe e é qual o sentido de se elaborar propostas curricula-
currículos, mas isso não significa que seja a única. A seguir, delineio res? A resposta residiu na necessidade de se buscar uma unidade para
outra lógica de organização vivenciada na escola Mario Andreazza. a Rede Municipal de ensino. E como ficaria a questão da autonomia e
a singularidade das escolas nesse processo? A autonomia seria garanti-
4 ETNIA, RAÇA E IDENTIDADE: a outra face do curriculo da pela participação dos professores na elaboração das propostas.
I
Uma pergunta-chave surgiu que, particularmente a mim angus-
Como o currículo está instalado nas escolas quanto a seleção dos 1 tiava, afinal quem decide ou quem deveria decidir o currículo? A res-
conhecimentos e organização curricular? Esta indagação emergiu e posta construida vai em parte ao encontro do comentário de Sacristán
me acompanha ao longo do percurso acadêmico e profissional. As in- (2000, p. 21 3),
dagações sobre curriculo vieram da nova consciência identitária e pro-
fissional, que me levou a repensar as lógicas e valores que estruturam I...] é evidente que a competência de construir curriculo não
é exdusiva dos/as professores/as, porque as decisões impli-
a organização curricular. cadas ultrapassam a responsabilidades destes, e circunstan-
Inicialmente, e preciso esclarecer que o termo currículo e polissê- cialmente, porque podem não dispor dos instrumentos e da
mico. Faço opção por um enfoque critico e amplo de Currículo o qual competência para fazê-lo. A própria necessidade de ordenar
...I
pode ser entendido da seguinte maneira: "[ o curriculo é um âmbito o sistema educativo e a de realizar algum controle sobre seu
funcionamento faz com que este tema necessariamente es-
de interação no qual se entrecruzam processos, agentes e âmbitos di- cape do âmbito dos docentes.
versos que, num verdadeiro e complexo processo social, dão significa-
do prático e real ao mesmo [...]" (SACRISTÁN; GOMEZ, 2000, p.129). Essa tarefa de construção de propostas c ~ r r i c u l a r e steve
~ ~ inicio
Partindo dessa concepção, cabe delinear uma experiência que em 2004, coincidindo com outros movimentos de formação continua-
contribuiu &ira a escola alterar a sua dinâmica curricular. Experiência da desenvolvidos na Rede Municipal de Ensino, a partir do programa
esta que se insere como necessidade da escola, mas também insere "São Luis te quero lendo e escrevendo", da formação continuada com
numa dinâmica muito mais ampla, como reflexo da política educacio- a assessoria da Abaporu e da formação sobre africanidades coordena-
nal da Rede Municipal de Ensino de São Luis na primeira gestão do da pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades
então secretário Moacir Feitosa frente a Secretaria de Educação. (CEERT)intitulada "A cor da cultura7:
Como especialista em educação2' da Rede Municipal de Ensino,
atuando na sistematização de propostas curriculares, tive a oportuni-
2' Especialista em educação é o cargo ocupado por pessoas com formação em pedagogia ou
com pós-graduação na área da educação.
138 CURRÍCULOESCOLAR
Destaco como legado dessas formações nos documentos das pro- que as escolas pudessem ser protagonistas no desenvolvimento do
currículo.
postas, três aspectos importantes: a tônica que as propostas deram
aos projetos didáticos como princípio organizativo dos conteúdos es- Apesar da legislação educacional, por meio da Lei 9.394/96 em
seu artigo 12, ressalvar que as escolas devem observar as normas co-
colares, a compreensão da flexibilidade do tempo escolar, sobretudo
muns do seu sistema de ensino, ampara a autonomia da escola na ela-
para aqueles que estão no inicio do seu processo de alfabetização bem
boração da sua proposta pedagógica.
como a valorização das diferenças étnico-raciais manifestadas pelos su-
Como dito, a escola Mário Andreazza, a certa altura do ano leti-
jeitos do processo educativo.
vo, precisamente no segundo semestre, inovou ultrapassando o cará-
Nesse sentido, posso afirmar que a proposta tinha como preocu-
ter utilitarista do conhecimento levantando uma problemática con-
pação central, tanto a questão sobre o que e como os professores en-
cernente as imagens do bairro da Liberdade no contexto da sociedade
sinam, quanto a forma e o que os alunos aprendem. O grau de acom-
ludovicense e maranhense.
panhamento da prática na escola eram as próprias formações que se
Convém fazer um breve resumo sobre o bairro da Liberdade. A
davam com os coordenadores pedagógicos e depois destes com os ges-
origem do bairro da Liberdade se deu a partir da construção do Mata-
tores e professores da escola.
douro Modelo de São Luis, pela Lei 260/1918. O bairro foi ampliado,
Não poderia garantir com fidedignidade se as escolas municipais
hoje sendo composto pela Rua Nossa Senhora das Graças, conjunto
concretizaram a partir das tarefas escolares as intenções declaradas
PROMORAR, Mangue Seco, Camboa e a Rua da Vala. O bairro foi
nas propostas curriculares. Embora o foco da minha pesquisa não fos-
povoado por famílias que vieram do interior, um contingente sienifica-
se o impacto dessas políticas na prática dos professores, como pesqui- . 7 - -
tivo de pessoas negras, cuja origem está atrelada a construção do ma-
sadora pude constatar que, por meio de uma experiência de projetos
tadouro modelo de São Luis o qual foi respaldado pela Lei 260/1918
didáticos que ali naquelas experiências, de certa forma, a questão da
da Câmara Municipal de São Luis, capital do Estado do Maranhso.
identidade dos alunos teve um relativo espaço.
O bairro enfrenta vários problemas de ordem de infra-estrutura e de
A literatura educacional crítica (APLLE, 1999; GIROUX, 1999;
segurança.
MCLAREN 1997; ARROYO, 2011, SACRISTÁN, 1995, 1999), desta-
Por outro lado, o bairro apresenta uma variedade de manifesta-
ca o quanto o Currículo conforma os sujeitos da ação educativa, tan-
ções culturais, tais como: cacuria, bumba-meu-boi, o tradicional sota-
to os docentes como os alunos. Forja suas vidas, produz identidades.
que de zabumba, tambor de crioula e movimentos de rua como o hih
Deste modo, tanto os conhecimentos, como a forma de ordenamento
hop, capoeira, grupos de dança e de teatro etc.
e organizaçãodesses conhecimentos mexem com as vidas dos profes-
iMas, informalmente, o que se sabe é que o bairro e rechaçado,
sores e dos alunos.
visto os acontecimentos negativos ocorridos ali, como a violência. e
Numa outra lógica, diferente daquela anteriormente relatada,
que se sobrepõem aos positivos. Reporto-me a discriminacão alie o
numa linha mais emancipatória, o Iócus da pesquisa desenvolveu no > -
-L--
bairro sofre por ser considerado como um dos mais violentos da cidade
mesmo ano da minha pesquisa, um trabalho que extrapolou a lógi-
de São Luis. E esta a visão dominante que se tem do bairro e. oossi-
ca instrumental de selecionar e de organizar os conteúdos escolares. ,x - - - -
velmente, e esta a identidade que marca os alunos da escola Mário
Constatamos no universo estudado um clima de reinvenção dos currí-
Andreazza, como argumenta uma professora:
culos o qual traduz a concepção de currículo como interação de dife-
rentes agentes e contextos. Considero que, ao propiciar o aperfeiçoa- Você olha qualquer um desses meninos aqui na Liberdade
mento dos seus profissionais a Rede Municipal de ensino possibilitou e acha que eles sâo agressivos, mas na verdade eles estão
Ressalto que a iniciativa, apesar de pontual, é relevante, unia vez que
mostranclo uma autodefesa, então eles se identificam da-
quele jeito. Essa autodefesa e do meio para o meio. O meio a escola incluiu no processo curricular experiências siiigiilares clos alu-
cleterniina a identidade deles. O meio influencia de forma nos, articulando a cultura vivida do aluno com a ciiltura escolar. bles-
negativa. mo não acompanhando a origem da discussão acerca do projeto, posso
arriscar em dizer que a escola incorpomu, niesmo que de forma nâo
Laurenti e Barros (2000), comentando Seve (apud JAQUES ano tão explícita para os professores, para os alunos e gestores, as dinien-
1998), ressalta que a identidade pode ser entendida como uma forma sões da educação multi e intercultural.
sócio-histórica de individualidade. O contexto social fornece as condi- A primeira observação que destaco se refere ao conteúdo por pro-
ções para os mais variados modos e alternativas de identidade. por temáticas em torno das formas e estilos de casa dos moradores do
Com efeito, como diz Brandão (1990, p.37): bairro, do artesanato, das manifestações culturais e os tipos de lazer
Os acontecimentos da vida de cada pessoa geram sobre ela oferecidos aos moradores, o destaque ao gosto musical predominante
a formação de uma lenta imagem de si mesma, uma viva entre os moradores, que é o reggae roots, dentre outras. Enfim, são
imagem que aos poucos se coiistrói ao longo de experiências temas bastante pertinentes, uma vez que o objetivo geral era caiacte-
de trocas com os outros: a mãe, os pais, a família, a parentela, rizar o bairro numa perspectiva positiva.
os amigos de infáncia e as sucessivas ampliações de outros
círculos de outros: outros sujeitos investidos de seus senti- Outro aspecto que merece ser relevado é a pesquisa como priiici-
mentos, outras pessoas investidas de seus nomes, posições e pio educativo que permeou o desenvolvimento dos projetos. Ademais,
regras sociais de atuação. a escola resolveu abrir suas portas para a comuniclade e tornar publico,
daí o sentido de feira cultural, o resultado da procl~içãodo conheci-
Nesse sentido, é que destaco a iniciativa da escola Mário Andre- inento coletivamente construido. Aliás, a própria comunidade foi co-
azza por ter decidido naquele ano, 2006, e ter inovado com processos autora na produção do conhecimento.
curriculares por meio de projetos didáticos que visaram a afirmação Banks (apud CANDAU, 2002) sustenta ein cinco pilares a edu-
identitária dos alunos, como observou uma professora: cação multi e intercultural: a integraçáo de coiiteúdo, o processo de
A gente, inclusive aqui na escola, nós temos uma feira cul- construção do conhecimento, pedagogia da equidade, i-edução do pre-
tural que a gente vai trabalhar em novembro sobre o bairro conceito e uma cultura escolar e estrutura social que reforcem o em-
da Liberdade, que e um dos bairros de maior quantidade de poderamento de diferentes gruiios.
negros, que sou daqui, eu já estudei um pouco, e um bairro L
A redução do preconceito focaliza atitudes em relação a raça e Como contraponto, no mesmo espaço, o trabalho escolar se re-
velou critico e com indagações girando em torno da identidade dos
como elas podem ser modificadas por meio de métodos de ensino e
recursos didáticos. Uma cultura escolar e estrutura social que refor- alunos.
cem o empoderamento de diferentes grupos seria um processo de re- Em face do legado que os estudos da Teoria Critica trouxeram e
estruturação da cultura e organização da escola, para que os alunos dos avanços da legislação educacional brasileira no trato da diversida-
de diversos grupos étnicos, raciais e sociais possam experimentar a de cultural, para mim se impõe uma tarefa de aprofundar os estudos
equidade educacional e o reforço do seu poder na escola. dos processos curricrilares, tendo em vista a afirmação de identidades
Considero que esse projeto curricular vivenciado pela escola se dos negros, por meio da pesquisa que estou desenvolvendo em função
aproximou dos pilares de uma edricação tal como formulados por do doutorado, no Programa de Educação: Currículo, da PUC de São
Banks, tendo como centralidade os alunos. Sendo assim, houve uma Paulo.
preocupação, talvez não tão evidente, dos alunos serem reconhecidos Como forma de reforçar a seriedade e importância dessas ques-
como sujeitos de direitos, visto que tal trabalho pontecializou a iden- tões, indico para aqueles que ainda não se debruçaram nessa leitura,
tidade dos alunos a partir do conhecimento local, dos valores e da me- sob a ótica psicossocial, o livro Pele Negra Mbscaras Brancas de Frantz
mória resgatadas a partir do histórico do bairro. Fanon (2008), em que o autor expressa muito bem os efeitos psíqui-
Segundo Arroyo (2011), somente partindo do reconhecimento cos da visão negativa ou estereotipada da identidade dos negros. Esse
dos alunos como sujeitos de direitos, se estará em condições de ques- autor enfatiza a importância da memória, da história, da cultura e da
tionar o trato seletivo e segmentado em que ainda se estruturam os identidade coletiva do negro. Nesse sentido, os sistemas educativos
conteúdos. são desafiados, cada vez mais, a implementar políticas no âmbito de
ações afirmativas e do Currículo Escolar.
5 CONSIDERAÇÕESFINAIS
Neste texto, focalizei algumas constatações de que há um clima
propicio a nível teórico e empirico para serem repensados os currículos
escolares. Partir de uma reflexão em torno da minha prática pedagógi- APLLE, Michael W. Educação e poder. Tradução de Maria Cristina
ca evocando a minha memória, a minha história e a minha identidade Monteiro. Porto Alegre: Artes lMedicas, 1999.
no percurso escolar que não potencializou a imagem positiva como ARROYO, Miguel. Educandos e educadores: seus direitos e currículo.
-.
negra. A ques7ão que se impôs naquele momento, como professora- Uisponivel em: c wwwportal.mec.eov.br/seb/arquivos/pdfEnsfund/
pesquisadora, foi a de investigar qual o tratamento dado pelo currículo indan4udf > . Acesso em 14 mar. 201 1.
escolar as questões étnico-racial.
I BRANDÃO, R. C. Identidade e etnia: construção da pessoa e
Como desdobramento verifiquei como as visões dos professores
resistência cultural. São Paulo: Brasiliense, 1990.
estão entrelaçadas com as suas práticas pedagógico-curriculareç, quan-
to ao modo como concebem as relações raciais no Brasil, ao modo BRASIL.. Ministério da Educação e do Desporto. Lei de Diretrizes
como percebem o curriculo, a cultura, entre outros. Por essa via, con- e Bases da Educação Nacional. Lei no. 9394, de 20 de dezembro de
clui que predominam deturpações e silenciamentos quanto ao racis- 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasilia,
mo e a afirmação étnico-racial é prejudicada numa lógica tradicional DE 1996.
de organização curricular.
144 CURR~CULO
ESCOLAR
23 Empregamos a noção de uso balizadas em Certeau (2008, p. 94, grifo do autor), em que o
consumidor cultural durante o uso ou consumo de objetos sociais fabrica formas próprias
de consumo destes produtos. É [...I uma produção de tipo totalmente diverso, qualificada
como "consumo", que tem como característica suas astúcias, seu esfarelamento em
conformidade com as ocasiões, [...I. Afirma ainda que os consumidores dos bens culturais
durante os usos podem subverter a partir de dentro a ordem natural estabelecida pelos
fabricantes dos produtos, não rejeitando-as ou transformando-as, mas produzindo maneiras
próprias de empregá-las.
24 [...I chamaremos novas tecnologias da informação e da comunicação às tecnologias de
redes infomáticas, aos dispositivos que interagem com elas e seus recursos. Televisões,
rádios, reprodutores de vídeo, materiais impressos e outras 'tecnologias convencionais'
[...I. (MARTINEZ, 2004, p. 96, grifo do autor).
w
m ma amei ~ 2 s
2 g
o Pe, V:%,gNCD3
R R l p O 2. c. m 2
3 oCD:oo3u
& L.2 o a.a " E ' E a ( =C
;gD-g aCD =pj
E " Y o 3 a m m . s V : j
-
K.." K3. 2 ,2cogg
gg Nt;. CDt3ei vi
O o ao. 3 $
3 'i. Ew . r5 oe1gw
, g g
c 8
3 UQ
a
CD
g
F. CD, v
*E.%
3 0
, O 25vi zoe GE " 3. 15
3.: a 3
,, 3 ~ 8 g
3 3 g
5:. , , g 3g3 ~a ~p - . ~
g. ge "e,
O ei3.a 3 s 'Y
E.8 5% $Fg,qg,Y:
53"UR
E. 0 0 n ' 3 2 s . g
a a
23.0 a 9
vi 3 oco c CDa o 0 3a Z
E0.J g C D d %c e3 i e i "vi vi
o"- Fo".
-. e ~ g .a ~
F o
2 eioz.2c. vi r
"e5;F F-2,:2:0 a
ri O %e,
C Y:
8.0 ,
e 2. &S.:
E. a a*-Z'
F N a 2 E.
+IaK
E e - 0 CD3 v
a E o o E.
0 3 m,
go o5' Ca 2
z se3G 0.: 2 . ?2
C D C V S g i $
.;=E 3CDoei
-0 EU %, 9. a v ir r - 3
e, m o 3 -. CD CD o o w
:%o g ei - 3 o CDQ
3 -. - 'Li E E Z ' 3 3 v
eD"z.5
Y-. -. < g o o O g ;
gg ,. E
3: ir.
w
g-3 3gy.g-
F
J ?gw g
e:'$
a o
0'3 o
~ E
'0
W W
CD O
3 " O
=+ i. o e.? g
2 q 2.
z-e: ~ 058
3 ' $ $ o: + B
gà",,E.
a 5 5
g ' ~ ' " ~
Z'E'25g
r 2 1 5 . g $.
g o z a -a
$ :.ggyg
z.2 h W . l
$ oe 2: "
h o1 "g
-.o
9 sg b g
0. %l 5,
V)" ,
F
-Fz?oO
o v%
e g
e rn
- g . - w Z J g
% a$SOg.
~ " \ ~ 0 0 9
Gw$-.-.co..
8 4 5.2.
0 0 8
,g Cs n8agv 2, ,
$ 3 E-2
z1 9 5sa
g 58 0g 3 . 9g0
g " 5 -8g
ríl 5.
0
3p grn.Y
. .: 0 . a
0
gsgE"1
152 CURRÍCULO
ESCOLAR
No bojo dessas discussões, a educação é apontada como uma de metas, as respostas que precisam ser dadas a outrem, por meio de
--- formas. senão a principal, capaz de superar as mazelas sociais en-
das -
relatórios e estatísticas (CERTEAU, 2008).
frentadas principalmente nos países em desenvolvimento. Assim, as Assim, há de se pensar a escola não somente com base no que ela
politicas públicas implantadas no Brasil a partir da década de 1990, possui, mas a partir das formas como estão sendo utilizados os equipa-
principalmente na hrea educacional, se encontram imbuídas dos ob- mentos existentes, das maneiras de fazer que estejam sendo produzi-
ietivos tracados em reuniões e conferências de âmbito mundial que das em sua utilização. Desta feita, ao pensarmos estas maneiras como
v - -
congregam interesses diversos de nações com niveis e hierarquias to- sendo operações próprias, elaboradas pelos usuários a partir das con-
talmente antagônicos. dições que estão postas no espaço social, ou seja, na escola30,podemos
No Brasil, as políticas implementadas a partir deste período põem observar que nem sempre estas correspondem exatamente aos objeti-
em curso um conjunto de reformas no sentido dc atender às prerro- vos traçados nos programas oficiais.
gativas demandadas pela nova ordem econômica global. Destacamos, Ao sinalizar para a possibilidade de os usuários - alunos e profes-
dentre outras, o Programa Sociedade da Informação (BRASIL, 2000a)) sores - poderem produzir e desenvolver, no âmbito da escola, muneiras
a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de fazer próprias que lhes garantam não renunciar completamente a
- LDBEN no 9394/96, a implantação dos Parâmetros Curriculares Na- política implantada (as vezes por não ter como corresponder exata-
cionais e das Diretrizes Curriculares para os difercntcs níveis de ensi- mente ao que ela propõe), Certeau permite inferir a existência de uma
no, tudo isto em virtude da centralidade do papel da educação. outra realidade, a partir de uma nova visão de consumo.
A escola pública brasileira, o trabalho docente nela desenvolvido Em vista disto, consideradas as condições dos usuários, tal produ-
e a presença das NTIC implantadas principalmente através da política ção nem sempre pode significar o entendimento completo das regras
de expansão dos Laboratórios e kits tecnológicos nas escolas encon- do jogo ao ponto de burlá-las, mas não deixam de ser possibilidade de
tram-se imbuídos de um discurso imposto pelas leis mercadológicas criar formas de reapropriação deste produto, permitindo assim a sua
que subjazem as relações estabelecidas numa sociedade capitalista em ressignificação.
qiie a relação p r o d u ~ ã o i o n s u m o ~
embora
~, propague que as oportu- O Estado3', pelo poder que lhe é atribuído e através das agências
nidades são dirigidas a todos, produz diferentes formas de exclusão. que lhe representam, impõe normas e cstabelece, através de progra-
Em contraponto, Certeau (2008) sublinha o consumo a partir de mas, leis ou decretos, uma forma de pensar. No caso desta análise, cria
uma perspectiva de ressignificação do produto pelos usuários, o que a necessidade de aquisição da linguagem e do saber das NTIC como
pode sinalizar, diante da possibilidade de reinventar o cotidiano, o de- condição de exercício da cidadania.
senvo1vimen"to de tciticas possíveis de subverter a ordem vigente, sem Essa imposição se torna imperativa, principalmente porque o
negá-la totalmente ou renunciar a ela, a criação de novas alternativas mercado atual possui novas exigências em relação a ocupação de car-
de convivência no espaço social sem ser dele excluídos.
A implantação de laboratórios de infurinática, ciências, ou o sim- O' Escola é entendida aqui no sentido empregado por Bourdieu (1996, p. 19, grifos do autor),
ples fato de equipar as escolas com kits de TV, DVD, antena digital não apenas como um espaço geográfico, mas sim um espaço social, pois "C ...I
é construído
e outros equipamentos tecnológicos muitas vezes se constituem em de tal modo que os agentes ou grupos são aí distribuídos em função de sua posição nas
distribuições estatísticas de acordo com os doisprincfpios de dijkrenciação C.. ] o capital
estratégias que objetivam responder simplesmente ao cumprimento econômico e o capital cultural. [...Im.
I ' Segundo Bourdieu (1996), uin dos principais poderes do Estado é o de produzir e
2J Segundo Serpa (2009) a sociedade contemporânea é identificada com o binômio produção-
consumo, caracterizado pelo caráter manipulativo da produção dos bens materiais e nas impor, principalmente através da escola, categorias de pensamento que utilizamos,
relações de produção de conheciiiiento. espontaneainente, como naturais a todas as coisas do mundo e do próprio Estado.
gos nas empresas. Hoje não se precisa mais de especialistas em deter- [...I
um conjunto decididamente heterogêneo que engloba
minada área específica, mas de pessoas com capacidade e flexibilidade discursos, instituições, organizações arquitetônicas,decisões
regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados
para adaptar-se a situações diferenciadas e assumir funções diferentes, científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. [...I
de acordo com as necessidades da empresa. o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. [..I é a
O poder atribuído a presença das NTIC, justificado principal- rede que se pode estabelecer entre estes elementos.
mente pela velocidade e pelo volume de informações produzido por Esses dispositivos são um discurso que sublinha a urgência de in-
estas, estabelecem novos desafios para a educação. Isto também im- serção da linguagem das tecnologias na educação como fator fulcral
põe novos parâmetros para a formação dos cidadãos, o que subtende para a formação do cidadão para viver na chamada sociedade da infor-
uma reestruturação no processo ensino e aprendizagem, já que um mação, que não tem mais espaço para o simples acúmulo de conheci-
currículo baseado no acúmulo de conhecimentos não responde mais mentos.
aos ditames da nova ordem econômica (BRASIL, 2000b). A política de reforma educacional, entre elas a do Ensino Mé-
Destarte, o Estado, por meio principalmente do MEC, agência dio, traduz, na urgência demandada pela aquisição da linguagem das
responsável pelo planejamento e divulgação de programas e políticas tecnologias, todo o poder de um arbitrário cultural dominante que se
para a área educacional, em parceria com demais instituições estaduais impõe. A imposição desse arbitrário cultural, materializada nos dispo-
e municipais, promove a reforma curricular do Ensino Médio, que sitivos legais e na distribuição de laboratórios e equipamentos nas es-
traz no discurso veiculado nos dispositivos centrais - PCNEM3! colas, carece de ser entendida, portanto, a partir das formas que estão
e DCNEM33- de implantação da reforma a urgência de acesso da sendo criadas, inventadas pelos usuários destas na sua utilização. As
educação brasileira a linguagem das novas tecnologias. ações estabelecidas na escola pelos grupos distintos que a compõem
Assim, os PCNEM e as DCNEM, enquanto discurso, têm o seu definem novos usos do produto, balizados nas condições reais de seus
usuários e do espaço escolar.
ponto de emergência nas discussões travadas em torno das mudanças
Ao subverterem a ordem imposta, os usuários produzem maneiras
operadas pela revolução tecnológica e trazem em seu texto a urgência
de fazer e, assim, de absorver as políticas implantadas, se reaproprian-
de uma nova concepção educacional que se volte para atender as de-
do destas, sem, contanto, renunciar a elas, tendo em vista não pode-
mandas sociais em vigor (FOUCAULT, 1979).
rem atender exatamente aos objetivos pré-estabelecidos.
Neste estudo, tomamos esses documentos como dispositivos, por
As NTIC são inseridas na escola pelo Estado. Os professores as
compreendermos, a exemplo do que diz Foucault (1979, p. 244), que
h.
utilizam pedagogicamente, por meio do trabalho docente, algumas ve-
se constituem em:
zes atendendo às recomendações estabelecidas e, outras, adequando-
as as suas próprias necessidades.
O documento de reforma do currículo do Ensino Médio - PCNEM - após um série de
reuniões e estudos foi encaminhado para o Conselho Nacional de Educação (CNE) em [...I A uma produção racionalizada, expansionista, além de
07 de julho de 1997 para obtenção de parecer. Em 1/06/1998, pelo Parecer no 15/98, da centralizada, barulhenta e espetacular, corresponde outra
Câmara de Educação Básica, foi aprovado o parecer anterior do Conselho Nacional de produção, qualificada de 'consumo': esta é astuciosa, é dis-
Educação. (BRASIL, 2000b). persa, mas ao mesmo tempo ela se insinua ubiquamente,
Documento que apresenta propostas de regulamentação da base curricular e de organização silenciosa e quase invisível, pois não se faz notar com produ-
do Ensino Médio. Encaminhado pelo Ministro da Educação e do Desporto para a Câmara tos próprios mas nas maneiras de emflregar os produtos im-
de Educação Básica (CEB) para a apreciação e deliberação em 07/07/97 pelo Aviso no 307. postos por uma ordem econômica dominante (CERTEAU,
Foi instituída em 26 de junho de 1998 pela Resolução CEB no 3. (BRASIL, 2000b) 2008, p. 38, grifos do autor).
I DIMENSÕES PEDAGÓGICASE POL~TICAS 157
156 CURR~CULO
ESCOLAR
34 '1...I segundo fontes recolhidas por Vinton Cerf, em junho de 1999, a internet conectava E ainda neste outro depoimento: "A internet, porque nos dá um
cerca de 63 milhões de computadores-servidores, 950 milhões de terminais telefônicos, 5 retorno mais rápido, você clicou, você acha ... você anda, viaja o mun-
milhões de domínios do nível 2 , 3 , 6 milhões de sítios da web, e era usada por 179 milhões
de pessoas em mais de 200 países". (CASTELLS, 1999, p. 431-432).
do todo [..I7'
(professora Jasmim - Português).
'jVimo\
Vi
" E m c
8 89"3
! = C E.w
Q o E C
g E,"- LL
2 2*. -.E
Ihe3C g-
%a2., n 0
-
c o zg
0
2 gg3 g
z
s o u *
* g o01 .e,
o
zo oa , g a
o.. <:;o
Vi
a , $ N S .
7-0 c 3
&u s 2 g
5 zig
T o
: z 2.
g " N o
-* m m
p o z 1 g
z c " o g
E o w E
c m
Ch
w ? o .
-o z -
162 CURR~CULO
ESCOLAR
Comentando a este respeito, Silva (2005a, p. 74) externa a sua Interessante observarmos que, nas afirmações em A06, cujo en-
preocupação ao assinalar o triste quadro que ocupa a leitura no ensino tendimento de leitura e atribuído a interpretação do texto, o que per-
de Língua Portuguesa: a de servir como pretexto para exercícios de cebemos, ao longo das observações que realizamos para este estudo,
regras gramaticais e redação. é que, para esses sujeitos, a interpretação e a compreensão são sinô-
É nesse encaminhamento da leitura, permeado por normas gra- nimos. Desse modo, a leitura como interpretação ou compreensão é
maticais, aumento de vocabulário, motivação para redação que, aos extrair o entendimento literal do discurso escrito.
poucos, o ato de ler, visto por esse prisma, se torna um modelo a ser Sobre esses depoimentos, vale aqui fazermos uma reflexão: se a
seguido nessa disciplina. Por conseguinte, e assim que as atividades leitura para esses informantes é interpretação da mensagem escrita,
leitoras perdem o seu verdadeiro sentido na prática escolar. I
3 RESULTADOS DAS AVALIAÇÕESLEITORAS: algumas elementares, insuficientes para a série que frequentavam. Por outro
reflexões lado, no mesmo ano, apenas 10,3% desses estudantes apresentaram
habilidades leitoras compatíveis ou avançadas para o término da escola-
Diante do exposto, é importante lembrarmos e refletirmos aqui rização, sendo que o índice reduziu-se ainda mais, para 9,3 %, em 2003.
sobre os resultados da pesquisa internacional elaborada pelo programa Na verdade, as cifras são preocupantes, pois percebemos que há
,
Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) que no ano de 2000 teve de fato uma necessidade premente de coadunar todos os esforços pos-
como foco central a compreensão leitora de alunos e alunas na faixa síveis no sentido de adentrarmos nessa questão das práticas leitoras
etária de quinze anos e que totalizou com a participação de 32 países35. escolares e apreendermos todo o seu acontecer em sala de aula. Dian-
Lamentavelmente, os resultados apreendidos nessa avaliação evi- te do exposto, como explicar então que o educando com oito ou nove
denciaram a posição do Brasil no último lugar em compara,-cao aos anos de escolarização apresente habilidades de leitura tão insignifi-
outros países participantes. Os nossos educandos não conseguiram cantes para um aluno que, passou pelas séries iniciais em que obteve
atingir os níveis dois (02) e três (03) - níveis que identificavam, respec- o contato e experiências com as práticas leitoras escolares a fim de se
tivamente, informações que podiam ser deduzidas a partir do texto situar no "mundo da cultura letrada". Finalidade essa presente no dis-
bem como o reconhecimento das relações entre várias informações curso pedagógico escolar.
contidas no texto. Em relação aos resultados da Prova Brasil, divulgados em julho
Parece inegável que o desempenho dos estudantes brasileiros nos de 2006, vemos que os estudantes da 4" série em Lingua Portuguesa
testes do Pisa evidenciou uma manifestação do aprendizado da leitura (ênfase em leitura) obtiveram notas que deveriam ser comuns na la
no contexto escolar e que, de certa forma, os impossibilitou de res- 1 série. Já os alunos da 8" série, com muita dificuldade, conseguiram
ponderem a questões associadas ao desenvolvimento do raciocínio, do alcançar os conteúdos da 4^ série. Esses resultados mostraram que os
pensamento crítico, da capacidade de pensar, analisar e criticar, como i alunos da 8" série estão concluindo esse nível de escolarização, domi-
também de conhecerem verdadeiramente a função da leitura na vida nando apenas o conteúdo da 4" série. Em Língua Portuguesa (foco em
e na sociedade. I leitura), isso demonstra que os educandos, no término da educaçáo
Nessa mesma perspectiva, seguem os resultados da pesquisa a i básica obrigatória, não conseguem interpretar uma noticia de jornal e,
nível nacional36sobre compreensão leitora divulgados pelo Ministério ) tampouco, identificar a idéia principal de um texto.
de Educação e Cultura (MEC) e realizados pelo Sistema Nacional de Não obstante, os resultados das pesquisas sobre leitura apresen-
I
Avaliação da Educação Básica (Saeb)37nos anos de 2001 e 2003. Os
tadas aqui, a nível internacional, nacional e local evidenciam uma si-
dados apontam que no ano de 2001,25% dos estudantes da 8" série do tuação de contraste manifestada pela instituição escolar Percebemos,
ensino fundamedtal apresentaram desempenho crítico e muito crítico
em Língua Portuguesa, com ênfase na compreensão de textos. Na ver-
i cada vez mais, que o educando está distante do mundo leitor e, conse-
dade, esses alunos e alunas desenvolveram habilidades leitoras muito
i qüentemente, da sociedade letrada, na medida em que não consegue
1
i realizar o ato de ler de sua cultura dentro de uma abordagem reflexiva,
i racional que o verdadeiro processo de leitura exige.
j5 Finlândia, Canadá, Holanda, Nova Zelândia, Austrália, Irlanda, Coréia do Sul, Reino !
Unido, Japão, Suécia, Áustria, Bélgica, Islândia, Noruega, França, Estados Unidos, Na verdade, tomando como base os resultados das pesquisas leito-
Dinamarca, Suíça, Espanha, República Checa, Itália, Alemanha, Liechtenstein, Hungria, ras há muito que comentar, questionar e refletir, pois os sucessivos re-
Polônia, Grécia, Portugal, Federação Rússia, Letônia, Luxemburgo, México e Brasil. sultados se aproximam bastante um do outro. A situação leitora ainda
i
Cf., O sítio inep.gov.br. , se mantém insatisfatória. Diante da observação dos fatos, é notório que
37 A portaria ministerial 93 1de 2005 alterou o nome do Sistema Nacional de Avaliação da
a competência de ler e interpretar textos vêm revelando-se de forma
Educação Básica (Saeb) para Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb).
E.
+
5.
-
5'
04
E:,
VJ
n
O
?
176 CURR~CULO
ESCOLAR
outros autores e personagens ou se diferenciar deles, viver volvimento de competências e habilidades, a própria evolução do co-
outras aventuras, inteirar-se de outras histórias, descobrir ou- nhecimento numa velocidade sem precedentes e a tecnologia com os
tras formas de utilizar a linguagem para criar novos sentidos.
seus saltos cada vez mais frequentes.
Tendo em vista a formação desse leitor escolar, temos que estar Não é por acaso que os dados informacionais do Pisa, Saeb e Pro-
va Brasil resgataram uma realidade leitora que denuncia, entre outros
preparados para as diversas formas de resistências. E, nessa luta, é
fatores, a memorização, a repetição, a passividade, o conformismo e a
necessário e fundamental trabalharmos as práticas leitoras escolares
reprodução nas atitudes leitoras dos nossos educandos frente ao texto
voltadas para uma aprendizagem que suscite nos educandos o auto-
escrito. A leitura na escola resgata, pois, o seu passado no presente em
questionamento, a crítica e a consciência. Do contrário, estaremos que o aprender a ler se encerra na tecnologia da codificação e descodi-
formando decifradores e ledores da cultura escrita. ficação da língua escrita, sem nenhuma preocupação com a formação
crítica do leitor. Por outro lado, essas avaliações leitoras constituem-
se formas de acompanharmos a evolução da realidade educacional do
país em todos os níveis e a partir daí estabelecer as políticas públicas
O ato de ler sempre envolve apreensão, apropriação e transfor- necessárias para melhorar a qualidade na leitura da educação básica.
mação de significados pelos indivíduos, independentemente do tipo Nesse sentido, a pesquisa realizada mostrou u m expressivo nú-
de leitura a ser abordada. Se trabalhada e direcionada mediante uma I mero de educandos que concebem o ato de ler apenas como o en-
perspectiva crítica, facilita a reflexão, o confronto dos significados des- i tendimento das idéias do discurso escrito, reproduzindo o significado
I
velados bem como a busca da verdade. I previsto pelo autor. Tal fato demonstra que esses educandos não estão
Ao fazermos essas considerações, reafirmamos a necessidade de capacitados para realizarem o ato de ler dentro de uma abordagem
trabalharmos as práticas leitoras escolares de forma que a leitura de , reflexiva que os leve a análise, questionamento, interpretação, produ-
um texto não se restrinja aos limites dela mesma, mas que remeta o i zindo assim novos e possíveis significados ao discurso escrito. Portan-
leitor para a percepção, conhecimento e análise da realidade. Ora, ao i to, a leitura como é trabalhada no âmbito escolar acaba promovendo
buscarmos a compreensão de um texto, não podemos nos limitar aos i a aquisição de hábitos e comportamentos e não o desenvolvimento da
horizontes da mensagem do autor, temos que reagir, questionar, pro- / consciência e do espírito crítico dos educandos.
blematizar as informações recebidas a luz das nossas experiências e co- ! Desta maneira, os depoimentos dos educandos sobre leitura
nhecimentos prévios. É dessa forma que podemos construir u m novo i apontam para uma didática que subverta a leitura, transformando-a
texto, o texto do leitor, criado pela interação dos referenciais evocados 1 num ato cognitivo capaz de possibilitar o alargamento dos horizontes
pelo texto e pelas.experiências do leitor. i1 dos educandos e que se afaste, por outro lado, de um passado leitor
É nessa perspectiva que os nossos educandos aprenderão a ler sig- demasiado distante, mas que se torna tão presente nas práticas leitoras
nificativamente e não de forma mecânica. Entretanto, ao falarmos de escolares de nossos professores, professoras, alunos e alunas. As conse-
leitura escolarizada no Brasil, não podemos perder de vista o processo / qüências sociais e políticas do direcionamento que segue a leitura nas
escolas investigadas são extremamente nefastas para os nossos sujeitos
histórico de nossa sociedade. Um processo que, no período Colonial,
1 leitores como indivíduos e cidadãos tanto no presente como no futu-
concedeu um encaminhamento dogmático, conservador e unilateral
às práticas leitoras escolares. Um processo leitor que, apesar de vários I ro. E assim, esses educandos podem ficar cada vez mais distantes das
séculos de civilização, ainda é possível observarmos a sua presença em / exigências solicitadas pelas avaliações internacionais e nacionais sobre
meio a tantos avanços e progressos realizados no campo da leitura, a
interdisciplinaridade, a contextualização do conhecimento, o desen-
1j compreensão leitora. E, ao que tudo indica, permanecerão afastados,
outrossim, da sociedade letrada.
178 CURR~CULO
ESCOLAR
Acreditamos que cabe a escola e aos profissionais da educação SILVA, Ezequiel Theodoro da. Elementos de pedagogia da leitura. 3.
que estão no dia-a-dia na prática da sala de aula assumirem a orienta- ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
ção para uma leitura reflexiva que envolva os diversos níveis de com- . Leitura e realidade brasileira. 5. ed. Porto Alegre: Mercado
preensão. E, mais ainda, entendemos que o ato de ler não é aquele que Aberto, 1997.
se circunscreve unicamente no reconhecimento e repetição do saber
SILVA, Lilian Lopez Martins. A escolarização do leitor: a didática da
já construído, mas aquela que seja capaz de ultrapassar os limites do
destruição da leitura. 1984. 112f Dissertação (Mestrado em Educação)
texto, de preencher os vazios textuais e de construir a significação glo-
- Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1984.
bal da linguagem
- - escrita. O u seja, concebemos, aqui, a leitura como
uma atividade dinâmica de construção e desconstrução de sentidos SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas.
no texto que enriquece e amplia o significado primeiro daquilo que Revista Brasileira de Educação, n. 25, jan. /fev. /mar. /abr. /2004.
é lido. E nesse contexto, a escola deveria ser o espaço privilegiado de p. 9.
construção de leitores mais críticos e abertos as várias possibilidades
'OLÉ, Isabel- Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: ARTMED,
de sentido existentes em um discurso escrito. Isso significa dizermos 1998, 194p.
que a escola pode também produzir leitores críticos, criativos. Para
tanto, é essencial fundar a sua prática em atividades leitoras que ultra-
passem a mera repetitividade e a descodificação da linguagem escrita.
" Cepa1 - Comissão Econômica para a América Latina e Caribel Unesco-Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
'3 m =r
% e u
O p : " Z Z ( - , "O o
z.ba
w.
B, 2 s
u rn a 3
g g 2 - s 3 g o
p,5;$ E.: - g
O.? " " 0 L=ç
Qpe, 0 9 8 g
" a 3 g'g " 3
" " $' g $ E
'C1Qi'$ < g
O - S w?" g-g
";%R "O09 c & $
-.a 8 m m a
E-" g 5 2;.
$a 2-. 2, Zz $Z $ 2
0.8 8,g gg'
g ~ m " : , 2'~e
95: a o
E)"'
" 2 &8 .8a . ;.g
L = G 3
n j g ~9 ~
.; E a ,o 5 -.
= a 0 - , v i
ío"
O
E$. a
. ' a 2
O -0"
gsg Dl" 2
"E 0.Z cO& : E 2
v1
.;
a
-C d" &, a& og 3
=r
~o: , e
f mo., 3 . ; o l
' m o "6
$
.i00 5
g 8g
P ~ -, OSm 9 a
5-09 G a
-.
-.
E3 g ig. r. ; g 8
O 6'
" P 2 y:
184 CURR~CULO
ESCOLAR
As concepções da Estratégia Metodológica do Projeto Escola Ati- cunho pedagógico tornavam-se desafios, considerando a realidade de
va são baseadas na compreensão de que é possível alcançar mudanças alguns professores e supervisores, que não tinham sequer a formação
no ensino com a melhoria da prática docente e, consequentemente, em magisterio e vários deles, comprovadamente, eram leigos.
com aprendizagem dos alunos das classes multisseriadas. Para tanto, A partir da articulação política com os organismos internacionais,
nessa estratégia, o aluno é considerado como sujeito e centro do pro- da decisão política dos gestores da educação no estado e da adesão dos
cesso ensino aprendizagem; o currículo é pertinente e relacionado a municípios, foi implantado o Projeto Escola Ativa, com propósitos de
sua vida; o calendário e o sistema de promoção são flexíveis; a avalia- minimizar as desigualdades e o déficit causados pela falta de qualidade
ção é realizada de forma processual e a recuperação funciona como do ensino ofertado nas classes multisseriadas rurais.
uma ação paralela (COLBERT, 1987, p. 15). Nesse contexto, reafirma-se que a implantação da Estratégia Me-
Segundo seus mentores, a Estratégia Metodológica do Escola todológica do Projeto Escola Ativa gerou grandes inquietações, tendo
Ativa fundamenta-se em princípios que valorizam a educação voltada em vista os resquícios das práticas pedagógicas antigas e as dificulda-
para o desenvolvimento de valores éticos, morais, cívicos e democrá- des pela falta de formação específica para o exercício do magisterio.
ticos e para o fortalecimento do vínculo escola-família-comunidade. A complexidade do processo, a experiência na implantação e exe-
Adaptadas a realidade brasileira, as intenções educacionais do Es- cução de um projeto social de cunho compensatório, no modelo do
cola Ativa concretizam-se por meio de objetivos como o de ofertar as Escola Ativa, no Maranhão, no ano de 1997, mais especificamente em
escolas multisseriadas uma metodologia adequada e com custos mais três municípios da Baixada Ocidental maranhense: Bequimão, São
baixos que a n u ~ l e a ç ã o promover
~~; a participação dos pais nos aspec- João Batista e Viana, suscitavam, também, questionamentos e refle-
tos pedagógicos e administrativos da escola; melhorar a qualidade do xões no que se refere a prática pedagógica de professores e supervi-
Ensino Fundamental da 1" a 4"série ministrado nas escolas multisse- sores.
riadas.
Por inferência, é possível supor que os responsáveis pela condu- 2 o PROJETOESCOLA ATIVA NA PERCEPÇÃODOS SEUS
ção da educação no estado acreditavam que, com a adoção de nova po- PROFESSORES, SUPERVISORES E COORDENADORES
lítica educacional para as classes multisseriadas, mais especificamente
com a implantação Projeto Escola Ativa, seriam processadas mudan- No atual contexto sócio-histórico em que a profissão docente se
ças significativas na prática pedagógica dos professores e superviso- insere, o profissional da educação vem sendo convidado a re-elaborar
res dessas classes o que provocaria alterações no quadro identificado o seu perfil e reconceituar a sua atividade e a sua competência. Esse
na pesquisa $-que se faz referência nesta Introdução. Notadamente, processo se apresenta dinâmico, para atender as necessidades do de-
ocorreriam rupturas em relação a prática exercida, até então, por esses senvolvimento humano e do sistema.
docentes em suas escolas.
O Projeto Escola Ativa, conforme pesquisas realizadas no decor-
Registra-se,contudo, que a aceitação as modificações "im~ostas"
rer da constru~ãodeste estudo, deixa clara sua intenção em ao
pelo estado, com a implantação de O Projeto Escola Ativa7 na prática
pedagógica, não foi passiva, visto que elas Causaram conflitos e inse- profissional que desenvolve sua prática pedagógica, por meio de sua
guranças a esses profissionais da educação municipal. As questões de estratégia metodológica. Buscando compreender como 0s professores
e s u ~ e r v i ~ o rdo
e s Projeto Escola Ativa exercem sua prática pedagógica
realizou-se a pesquisa de campo e obtiveram-se no pronunciamento
" Nucleação - Denominação criada para identificar escolas que reúnem ou agrupam várias
escolas isoladas em uma única localidade.
186 CURR~CULO
ESCOLAR
dos docentes e do quadro técnico-pedagógico informações sobre os Não tenho problemas porque tenho meu transporte e rece-
bo assistência do supervisor. (P6)
seguintes itens:
- as condições de trabalho dos protagonistas da pesquisa e nível de Procurou-se, também, nos questionários aplicados, perceber as
aproveitamento dos alunos na ótica dos professores; dificuldades encontradas na aplicação da estratégia metodológica do
- a formação, a experiência e a rotina pedagógica do Projeto Esco- Projeto Escola Ativa, o nível de satisfação e os aspectos inerentes a
la Ativa na opinião dos protagonistas da pesquisa; aprendizagem do aluno. Todos esses itens foram analisados tendo
- uma análise e uma avaliação da Estratégia Metodológica Escola como referência as respostas dos sujeitos da pesquisa.
Ativa, o olhar do observador descortinando a realidade. Nessa ótica, perguntou-se aos professores sobre os aspectos de
aprendizagem em que os alunos apresentam maior aproveitamento.
a) As condições d e trabalho dos protagonistas da pesquisa e De todos os pesquisados 66% indicaram leitura e escrita, enquanto
nível de aproveitamento dos alunos na ótica dos professores que 34% evidenciaram que os alunos se destacam mais em domínio
das operações matemáticas, socialização e conhecimentos gerais.
Os dados coletados sobre a organização das classes em que os
A pesquisa buscou saber, ainda, a opinião dos supervisores, quan-
professores trabalham, revelaram que as escolas atendem a alunos do
to ao nível de satisfação demonstrado pelos alunos e pelos professores
Ensino Fundamental de l a a 4" série, com maior número de alunos I
com o Projeto Escola Ativa. D e acordo com os três supervisores pes-
(aproximadamente com 22) em média 45 % nas duas primeiras séries, quisados, os alunos estão satisfeitos com o Projeto, esse mesmo uni-
na faixa etária entre 7 e 10 anos. , verso corresponde ao nível de satisfação dos professores com o Projeto
No universo pesquisado colheu-se que 85 % das turmas pesquisa-
Escola Ativa.
das, em um total de 10 turmas, estão organizadas com alunos da 1 5
Os supervisores acrescentam que a satisfação dos professores
4" série e 15% das classes estão organizadas com duas séries apenas e i com o Projeto é percebida pela dedicação e empenho com que estes
funcionam em dois turnos. 1 I executam suas atividades, com compromisso e responsabilidade em
Dos 10 professores questionados sobre as dificuldades de traba- 1
sala de aula e nas ações com a comunidade, atitudes compatíveis com
lhar na zona rural de Viana obtivemos as seguintes dados: I
os objetivos do Projeto.
Eu moro na própria comunidade, mas as vezes é difícil por- Buscou-se saber sobre a estrutura física das escolas e 100% dos
que tenho pouco material para trabalhar. (Pl) I
pesquisados reconhecem que estas precisam ser mais bem adequadas,
1
Não moro na comunidade, mas gosto de trabalhar na zona apesar das reformas sofridas nesses anos. Os dados indicaram que, na
h.
rural, só é difícil no inverno e quando não tem todo material totalidade das escolas pesquisadas, apenas 50% possuem instalações
que preciso. (P2) sanitárias adequadas. No que diz respeito às questões referentes a ilu-
I
Não tenho muitas dificuldades e chego bem cedo a escola. minação das salas e ventilação foram consideradas adequadas, contu-
(P3) do, em todas as escolas o quesito bebedouro foi revelado como ina-
1
Só fico triste porque às vezes chego tarde, pela distância de dequado, pela inexistência desse equipamento, essencial a saúde da
minha casa. (P4) I
comunidade escolar.
Quanto aos recursos didáticos e eletrodomésticos, os superviso-
Trabalhar na zona rural me agrada. O problema, às vezes, é res pontuaram que a ausência desses, de certa forma, constitui-se em
a falta de recursos didáticos, papel e outros materiais para o
cantinho de aprendizagem. (P5) : impedimento para algumas ações, e logo acrescentam que há neces-
188 CURR~CULO
ESCOLAR
sidade de aquisição dos mesmos. Explicaram ainda que, em ação con- Faz-se menção, também, a outro aspecto bem visível na orienta-
junta com a comunidade escolar e em parceria com a equipe técnica, ção oferecida ao profissional da educação em sua ação docente, trata-
procuram não permitir que essa dificuldade venha impedir o desenvol- -se da incumbência dada a esse docente no sentido de que seja refle-
vimento das atividades nas escolas. xivo na sua prática pedagógica: "[ ...I pensar é o esforço intencional
D e certa forma, a postura explicitada pelos sujeitos da pesquisa para descobrir as relações específicas entre uma coisa que fazemos e
reflete a "inculcação" de uma prática vivenciada na formação ofere- a conseqüência que resulta, de modo a haver continuidade entre am-
cida pelo Projeto, quando lhes atribuem a responsabilidade pelo su- bas" (DEWEY, 1959, p. 159). Convém ressaltar que as idéias do liberal
cesso do Escola Ativa de forma que buscam solucionar situações que Jonh Dewey, acerca da ação reflexiva e da experiência, permanecem
venham prejudicar a eficácia do Projeto. atuais e, ainda hoje, são discutidas nas concepções formuladas pelos
estudiosos Schon e Tardif.
b) A formação, a experiência e a rotina pedagógica d o Projeto No Projeto Escola Ativa, a formação de professores deve se voltar,
Escola Ativa na opinião dos pesquisados pois, para experiências significativas, uma vez que tais experiências
têm valor educativo. Nessa ótica, a preparação dos docentes tem papel
Na pesquisa de campo, os supervisores foram questionados sobre fundamental na implementação da Estratégia Metodológica do proje-
a capacitação dos professores do Projeto da Escola Ativa e estes res- to Escola Ativa.
ponderam que é processual e envolve toda a comunidade escolar. Nes- Conforme Colbert (1987) afirma, a capacitação inicial precisa ser
se sentido, percebeu-se que todos os professores tiveram capacitação vivencial para garantir a efetiva qualidade do Projeto, que, por sua vez,
inicial, e e m relação à capacitação contínua, as informações revelaram é responsável pela melhoria das práticas pedagógicas e, como conse-
que, de acordo com 100% dos professores, o processo de retroalimen- qüência, da aprendizagem dos alunos. Para essa autora, os professo-
tação e capacitação continuada, realizam-se em sistemáticos encontros res das escolas multisseriadas precisam saber inovar, criar e incentivar
mensais, os microcentros, nos quais são feitas oficinas de aprendiza- seu público, pois têm como desafio alunos com diferentes ritmos de
gem para, entre outras ações, procederem à troca d e experiências. Con- aprendizagem e com heterogeneidade etária existente e m função das
forme Dewey (1976, p. 31), a experiência não se processa apenas dentro elevadas taxas de repetência e do ingresso tardio de muitas crianças,
da pessoa: "Toda experiência genuína tem um lado ativo, que muda de nas escolas. Destaca, ainda, a importância de o professor dominar os
algum modo as condições objetivas em que as experiências se passam". conteúdos das áreas de ensino, uma vez que um dos objetivos do Pro-
Compreender as idéias que norteiam essa (não tão) nova forma de jeto centraliza-se na aquisição da leitura e da escrita e cálculos inate-
pensar a aprtsndizagem e, dentre elas, a idéia de experiência no pen- máticos, dentre outros.
samento d e Dewey, é uma das significativas contribuições herdadas Para tanto, o Projeto requer que os professores estejam prepara-
pelo Projeto Escola Ativa, explorada na Estratégia Metodológica com dos para desenvolver sua prática pedagógica a partir do planejamento
a característica denominada de respeito às experiências (conhecimen- pautado nos componentes curriculares e nos planos de aula compatí-
to prévio) anteriores a chegada na escola. veis com os alunos. E na elaboração, o planejamento precisa, sempre,
Nos estudos realizados ficou patente a ênfase dada a experiência considerar a heterogeneidade da sala de aula, uma vez que trabalha
como ponto de partida para a aquisição de conhecimentos tanto para com várias séries e com alunos de faixa etária diferenciada, devendo,
o professor, no processo da formação inicial para a prática docente em para tanto utilizar-se de sua experiência pedagógica, de modo a tornar
classes multisseriadas, quanto para o aluno em sala de aula. os alunos estimulados e participativos no processo educativo.
190 ESCOLAR
CURR~CULO
Colbert (1987) ressalta, ainda, que esses profissionais precisam vivência de uma democracia efetiva. São uma estratégia que deve ter a
exercitar a observação a fim de proceder a avaliação do desempenho participação efetiva de todos os envolvidos, desde o planejamento ate
dos educandos, compreendendo, nessa ação, um momento para aju- a execução do encontro.
dar ao aluno e não para puni-lo. Questionaram-se os supervisores e professores das escolas pesqui-
O modelo pedagógico baseado no Projeto Escola Ativa requer sadas sobre o funcionamento desses microcentros, e eles afirmaram
que a escola promova a participação de todos, exercite o pensamento que trabalham no planejamento e coordenação dos encontros, sendo
crítico, a criatividade, a cooperação e uma educação personalizada. que os mesmos acontecem mensalmente e funcionam de maneira a
Dessa forma, são necessários professores capacitados dentro de uma , promover a troca de experiências e a construção de novos conheci-
nova proposta pedagógica, com profissionais capazes de lidar com as mentos. As opiniões foram expressas pelos supervisores da seguinte
diferenças existentes nas salas multisseriadas. I
forma:
Na pesquisa, perguntou-se também sobre o nível de satisfação I1 Na elaboração e planejamento dos microcentros, são inclu-
dos sujeitos da pesquisa com a implantação do Projeto Escola Ativa e I
ídos momentos de reflexão que são planejados, principal-
mente, com o objetivo de promover, através da socialização,
os professores e supervisores afirmam estarem satisfeitos com a imple-
mentação da metodologia. Não obstante, são perceptíveis limitações
I o intercâmbio de experiências entre os professores. (SI)
I
a estudar mais e me permitem dialogar com meus colegas,
Desse modo, o rendimento do educador é acompanhado pelo su-
além da confraternização que ocorre neles. (P6) pervisor de cada escola em que trabalha com o professor, analisando
a aprendizagem dos alunos e propondo nas intervenções realizadas
Pelas respostas, destaca-se que na opinião de 100% dos profes- atividades para os que apresentem maiores dificuldades, de forma que
sores os microcentros desempenham satisfatoriamente sua função. os alunos possam avançar em seu próprio ritmo e o professor melhorar
Os docentes explicitaram que a proposta dos microcentros, além de em seu rendimento profissional.
promover o intercâmbio de experiências, permite que os professores Na opinião dos supervisores entrevistados, o rendimento dos
socializem as ações que desenvolvem nas escolas que participam do professores é satisfatório. Conforme esses profissionais, o resultado
Projeto, destacando seus êxitos e dificuldades, ademais de incentiva- se efetiva pelo trabalho conjunto realizado por toda a equipe técni-
rem o espírito solidário na busca de soluções para resolver as dificulda- ca de supervisão, que no planejamento programa as ações de forma
des apresentadas por cada participante. a contribuir com a prática pedagógica dos professores. Acrescentam,
As informações captadas, na pesquisa de campo, permitiu-nos também, que se preocupam em valorizar o trabalho desse profissional,
perceber que há parceria entre supervisor e professor. Esses demons- pela responsabilidade e compromisso com que eles desenvolvem suas
tram companheirismo e solidariedade entre eles e os professores mos- atividades, pelo estímulo a leitura, a troca de livros, e na efetivação dos
traram-se satisfeitos com a assistência pedagógica dos supervisores nas microcentros, que, na opinião dos supervisores, contribui para melho-
escolas. rar o desempenho docente.
O sistemático acompanhamento pedagógico pode permitir que
os supervisoi-es avaliem o nível de aprendizagem dos alunos e, con- 3 O FUNCIONAMENTO DO PROJETOESCOLA ATIVA NA
sequentemente, balizem a prática pedagógica dos professores. Essa CONCEPÇÃODOS COORDENADORES
sistemática possibilita, ainda, a esses profissionais prestarem as orien-
tações e intervenções necessárias aos docentes em sua ação pedagógi- Para que se percebesse o nível de funcionamento do referido Pro-
ca. Conforme dados registrados no diário de campo, pode-se perceber jeto, realizaram-se entrevistas com as coordenadoras estadual e mu-
que o supervisor usa um relatório de acompanhamento cujos dados a nicipal do Projeto, que revelaram aspectos importantes em nível do
serem registrados relacionam-se aos componentes, elementos e instru- Maranhão. Explicita-se, contudo, que não serão apresentadas todas
mentos do Projeto. Registrou-se, ainda, que o preenchimento desse nesse artigo.
instrumento ocorre no momento da estada do supervisor na escola, e Ao serem questionadas sobre as mudanças nas equipes em conse-
a proporção quaele vai observando a ação do professor vai registrando qüência de mudanças políticas, responderam:
em seu relatório.
Infelizmente, falo isso não apenas e m relação ao Maranhão,
Um dos objetivos propostos pelo Projeto Escola Ativa diz respeito
falo em âmbito nacional. Costumo sempre dizer aos nossos
a função do supervisor como relevante nas situações de aprendizagem professores e supervisores que, infelizmente, somos u m país
dos alunos na sala de aula, e para melhorar o rendimento escolar do de dois anos, pois de dois em dois anos temos uma eleição: é
aluno e do profissional em sua prática pedagógica. Os dados e infor- para presidente, governador, para prefeito e, com essas mu-
inações coletados revelaram que para todos os professores entrevis- danças, dá-se uma quebra haja vista a mudança constante da
equipe que não é nomeada, é contratada. Considero como
tados, o acompanhamento realizado pela supervisão contribui para a
pontos fundamentais para o sucesso da estratégia a continui-
melhoria da gestão escolar e para os trabalhos que desenvolvem na sala dade de equipe que já conhece esse trabalho. A estratégia é
de aula.
CURR~CULO
ESCOLAR
muito boa, desde que se tenha uma forte visão política, uma colegas - profissionais da educação, um convite às comunidades, aos
credibilidade e uma construção da memória do município. pais e aos profissionais da educação no sentido de que esses reconhe-
Infelizmente, os municípios ainda não têm consciência da çam seus direitos.
importância de construir sua memória, e para nós que es-
Pelas possíveis leituras supramencionadas, se percebe na coor-
tamos acompanhando essa situação, tendo que reconstruir
sempre a memória do Projeto nos municípios, torna-se difí-
denadora (Cl) uma insatisfação com o sistema e embora esteja atu-
cil até fazer uma avaliação. (Cl) ando nele não esta acomodada a este. Contrariamente, sugere que
os profissionais e comunidades procurem melhorar suas vidas, procu-
Neste sentido, a coordenadora (Cl) complementa sua fala: rem garantir aos seus alunos o direito à educaçáo com qualidade, sem
A preocupação das pessoas que fazem o Escola Ativa, princi- submissão, não apenas reproduzindo ordens. O que, de certa forma,
palmente dos professores, quando ocorrem as eleições, se ex- implica contradição aos preceitos do Projeto Escola Ativa que busca
pi-ess~~em questionamentos do tipo "nós vamos sair?", "nós assegurar educação de qualidade para qualquer cidadão. Corrobora
vamos continuar?". Frente a essas situações, é preciso que as
com essa concepção a coordenadora (C2)cuja resposta traz elementos
comunidades trabalhem no sentido de exigir que os profes-
sores permaneçam nas escolas, uma vez que a metodologia indicativos desse posicionamento:
está clando certo. Logo, esses professores precisam perma-
necer e dar continuidade ao que está dando certo. Até em Há uma quebra quando ocorrem essas mudanças. A cada
nível de governo do estado, as mudanças são grandes, muda mudança há um recomeçar. Em Viana, não tivemos tantas
o governo, muda o secretário, muda o coordenador, muda quebras porque o prefeito que levou o Projeto Escola Ativa
tudo. E necessário que as políticas públicas sejam realmente governou durante oito anos e depois elegeu seu candidato
efetivadas, como política educacional e o pilar principal, no e a continuidade dessa ação para classes multisseriadas foi
meu entender, é acreditar, é a voz do povo, é o social e o fa- garantida. Uma descontinuidade ocorre quando o professor,
zer política fazendo valer os nossos direitos e as crianças pre- que já foi capacitado, pede para ser transferido para outro
cisam disso. Acrescento que estamos vivendo, no momento, local. Acredito que precisamos ter mais consciência do nosso
situações difíceis com a mudança de prefeitos, pois alguns papel como educadores. (C2)
secretários ao saírem da secretaria deram sumiço em docu-
Perguntou-se aos entrevistados se gostariam de comentar mais
mentos, deixando o município e o Projeto sem memória.
Demonstro ainda minha insatisfação com as posições politi- sobre a estratégia metodológica do Projeto Escola Ativa e eles pronta-
queiras de alguns municípios que escolhem os supervisores mente responderam:
pela contribuição política que esses oferecem. Não observo
nenhuma mudança em nossos dirigentes políticos. Como Eu hoje escutei um depoimento de um professor, em rela-
''disse anteriormente, precisamos reivindicar nossos direitos ção a essa transformação social que o homem precisa ter.
Precisa ter consciência crítica, e achei interessante o que ele
como cidadãos. (CI)
colocava. "Antigamente as crianças que estudavam na zona
rural ficavam à margem de tudo o que acontecia na sede.
A coordenadora 1, em suas respostas, demonstra que percebe a Hoje quem está fazendo a diferença, nos municípios, são
escola como um espaço social de disputa hegemônica, na qual, pela exatamente essas crianças que estão nas escolas dos povoa-
ação pedagógica, torna-se possível promover uma tomada de consci- dos e, boa parte delas, são crianças que estudam na Escola
ência, para melhorar a qualidade de vida dos alunos via professor/ Ativa com a metodologia dessa escola. Na verdade, nós não
temos outra metodologia que venha atender as necessida-
escola; é uin convite para a conquista de direitos e, consequentemen-
des das classes multisseriadas rurais e que faça realmente a
te, da libertação. Sua fala revela uma percepção critica da realidade. E transformação social que tanto alinejainos".
possível inferir da postura da entrevistada um tom de alerta para seus
196 CURR~CULO
ESCOLAR
É necessário ressaltar que o estudo realizado sobre a prática pe- Os pesquisados revelam satisfação em relação ao trabalho desen-
volvido, acreditam que a adoção do Projeto vem mudando, de forma
dagógica desses profissionais foi feito a partir da forma como estes se
significativa a aprendizagem dos alunos e suas práticas pedagógicas,
percebem. São suas falas que direcionam todo o possível olhar e as
apesar dos desafios e das criticas que fazem ao Projeto. Na voz dos
consequentes inferências que foram feitas.
Como conseqüência da referida análise, pôde-se perceber que: pesquisados, não se identificam, apenas, idealizações ou aceitação
- As condições de trabalho dos docentes ainda são precárias e, em-
passiva do Projeto. Muito ao contrário, há consciência de que o Esco-
la Ativa, embora com limitações de ordens diversas, contribui para o
bora tenha alterado um pouco a infraestrutura das escolas, este fator
crescimento dos alunos e dos próprios profissionais.
não é o único ou o mais importante, porém, é essencial para mensurar
as mudanças na atuação dos docentes. Em relação a equipamentos Como se deduz das falas e dos resultados, em que pese a inevitável
eletrônicos e eletrodomésticos, a prefeitura não tem correspondido ao critica aos projetos de cunho compensatório, como o Projeto Escola
compromisso assumido quando da implantação do Projeto. Quanto Ativa, cujas bases políticas assentam-se no liberalismo, revestidos e in-
aos recursos didáticos, as escolas multisseriadas do município de Via- seridos na atual percepção neoliberal, avanços foram identificados na
na contam com todos os elementos do componente curricular. pesquisa, no que diz respeito a melhoria do processo ensino aprendi-
- No que se refere a categoria formação / experiência / rotinas, zagem, a reversão de indicadores negativos, a participação da comuni-
a Estratégia agilizou a busca pela formação e pela qualificação pro- dade nas atividades da escola, a sensibilização do professor em buscar
fissional, a ponto de um quadro docente com pouco ou nenhuma formação, a tomada de consciência de classe por parte dos sujeitos da
formação, em três anos, tornar-se qualificado, pelo menos em nivel pesquisa e, principalmente, a visão destes quanto ao próprio Projeto.
médio (magistério). Atualmente, cinco dos seis pesquisados têm nivel Tais constatações excluem das análises o risco de um determinis-
superior. mo econômico e político, as vezes sedutor, mas que tende a reduzir as
- Sobre suas práticas pedagógicas, esses profissionais aprenderam relações humanas a maniqueísmos perigosos.
a planejar e avaliar, bem como se tornaram mais interessados e com- Finalmente, pretende-se que este trabalho represente o encon-
prometidos com a sua ação pedagógica. Novos valores foram constru- tro de uma prática alicerçada na formação profissional somada a uma
ídos e exercitados pelos docentes, tais como: respeito em relação ao reflexão desta realidade. Espera-se que esta pesquisa possa contribuir
aluno e a ele mesmo e também o reconhecimento de sua função como para o conhecimento da realidade educacional do Maranhão e tam-
mediador do processo ensino aprendizagem e o exercício constante na bém para a melhoria da prática dos profissionais do Projeto Escola
participação em formação continuada. Ativa.
A pesquisa'~evelou,contudo, movimentos que se articulam ou se
explicam dialeticamente. Se de um lado essa Estratégia não consegue
romper com a lógica do sistema capitalista que se mantém, sobretudo,
porque se apóia em uma concepção reprodutivista de educação, mes-
mo que, em alguns pontos rompa com o sentido da adequação pura e ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. 3.
simplesmente do aluno, do professor e até da comunidade aos ditames ed. Lisboa: Editorial Presença, 1974.
da classe dominante; por outro lado, os procedimentos metodológicos BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução.
possibilitam, aos envolvidos no processo, vivências que lhes permitem Tradução de Reynaldo Bairão. 3.ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco
perceber a necessidade de transformação social para que mudanças se Alves, 1992.
operem em suas vidas. Extrapolam, assim, aos objetivos do sistema.
ESCOLAR
CURR~CUCO
cias, o que implica em questões éticas e em constrangimentos, porém, cacionais Anísio Teixeira (Inep) do Ministério da Educação (MEC).
onde notamos também que o jornalismo representa uma atividade Esta avaliação visa oferecer subsídios para a análise da qualidade do
intelectual e criativa, podendo servir como fonte de conhecimento, ensino ministrado nas escolas públicas, conforme as metas esperadas
inclusive para a educação. Apresentamos as diferentes estratégias de pelo MEC, e comparações com rendimentos de outras escolas. Nessa
divulgação da ciência e discutimos suas contribuições e perspectivas investigação, acessando os resultados das escolas da Rede Pública Mu-
para o campo da educação. Por fim, voltamos o nosso foco aos elemen- nicipal de São Luís - MA, chegamos a Unidade de Ensino Básico (U.
tos captados no espaço escolar, a partir do contato com os sujeitos da E. B.) Ministro Carlos Madeira, localizada no bairro Anjo da Guarda,
pesquisa, sob os quais buscamos perceber como se caracterizam e são cuja opção para a realização da pesquisa, englobou as séries iniciais do
representadas a utilização da mídia na sala de aula, a realização e a Ensino Fundamental (mais precisamente o II Ciclo do Ensino Funda-
participação em atividades de divulgação científica. mental - terceira e quarta séries, esta última avaliada pela Prova Brasil).
A preocupação com estas questões vem do interesse que temos Para a consecução de nossos objetivos, procedemos as seguintes ativi-
pelo campo jornalístico e suas relações com outros campos, entre es- dades: observação do cotidiano da escola e conversas informais com
tes o da educação, e os benefícios ou prejuízos que oferece enquanto funcionários e gestores para complementação de dados e melhor des-
forma de visibilidade dos acontecimentos que destaca na cena públi- crição do espaço escolar; realização de entrevistas semi-estruturadas
ca e como fonte de conhecimento das coisas do mundo. A inserção com professores do I1 Ciclo do Ensino Fundamental; entrevistas semi-
no campo educacional tem como objetivo avaliar qual a participação estruturadas e proposição de atividade envolvendo leitura e confecção
desses canais informais de divulgação da ciência no contexto escolar, de um desenho por estudantes do mesmo ciclo de Ensino.
especialmente no caso de revistas que postulam sua participação na Os seis professores (sendo apenas um homem) entrevistados
escola, seja nas atividades desenvolvidas em sala de aula ou na busca exercem unicamente a atividade docente, têm entre seis e vinte e
por leituras complementares por parte dos estudantes e dos professo- dois anos de magistério, são formados em cursos de Pedagogia e Li-
res, pois trabalham com a perspectiva de uma comunicação científi- cenciaturas, exceto uma professora (Curso Normal/Magistério); já os
ca voltada para a educação. São poucos os estudos sobre divulgação
doze estudantes que participaram da entrevista e atividades propos-
científica no Maranhão, e principalmente os que se detêm sobre a
tas, possuem entre nove e dez anos, sendo apenas uma com treze
importância dessas atividades voltadas para o âmbito escolar formal.
(residem no Anjo da Guarda ou adjacentes). Para a manutenção de
A carência de pesquisas e também a falta de levantamentos a respeito
sigilo sobre a identidade, adotamos os códigos "P" para professores e
das formas de utilização e condições de utilização dessas publicações,
"E" para estudantes, acompanhados de um número (P1 a P6 e E1 a
no contexto edukacional da cidade de São Luís - MA, incitam ao inte-
E12) que corresponde a ordem em que foram entrevistados. As en-
resse por esta pesquisa e denotam a relevância para a concatenação de
dados sobre este cenário. trevistas e demais atividades aconteceram no próprio espaço escolar;
Para a realização de nossa pesquisa de campo47,procuramos uma todas foram transcritas para possibilitar as análises do material tex-
escola que tivesse participado da Prova Brasil e obtido bons resulta- tual. Os participantes maiores de idade e pais ou responsáveis dos
dos, conforme os itens considerados por esta avaliação do rendimento participantes menores de idade assinaram Termo de Consentimento
escolar realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu- Livre e Esclarecido, permitindo a disponibilização dos dados obtidos
pela pesquisa, conforme os procedimentos das normas vigentes na
Resolução No. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da
47 O campo é entendido aqui na perspectiva atribuída por Minayo (1998), referindo-se à
abrangência em termos empíricos do recorte teórico de nosso objeto de investigação Saúde e complementares.
206 CURR~CULO
ESCOLAR
vender notícias e gerar lucro. Enquanto maneira de obter conheci- Em relação as práticas de divulgação da ciência pela mídia, po-
mento sobre o mundo, as notícias se situam no patamar que Traqui- demos observar sua participação na educação não formal (em sua
na (1993, p. 168) chama de "acordo de cavalheiros" entre jornalistas e produção e difusão de conhecimentos) e na educação formal, com as
leitores, ou seja, o "[ ...I respeito dessa fronteira que torna possível a práticas de Educomunicação48ou mídias na educação, voltadas para o
leitura das notícias enquanto índice do real7'. âmbito escolar. Estas práticas visam contribuir ao ensino dos conteú-
dos formais das disciplinas escolares ou a outras atividades educativas
desenvolvidas nesses espaços. Nessa perspectiva, apesar de notarmos
3 DIVULGAÇÃOCIENTIFICA,JORNALISMO
CIENTIFICOE EDUCAÇÃO que, em alguns casos, as potencialidades midiáticas são exploradas
sem preocupação com a formação dos indivíduos, estes mesmos espa-
A divulgação da ciência está presente em vários espaços e subme- ços podem ser aproveitados pela divulgação científica nas diferentes
tida a diferentes condições de produção, uma vez que existem diversas linguagens e recursos que as modalidades midiáticas podem nos ofe-
formas e suportes para difundir este tipo de conhecimento ao público recer. Se houver cuidado com o teor do que é divulgado e com a pos-
não especializado. Pode ser realizada nos museus e centros de ciência, sibilidade de educar através dos meios, com ética e responsabilidade,
parques zoobotânicos, aquários, planetários, laboratórios de divulga- a mídia pode ser aproveitada como importante espaço de divulgação
ção científica, livros, revistas (entre estas as de divulgação científica), da ciência.
jornais, televisão, rádio, Internet, exposições e feiras de ciências, cine- Dentre as diversas estratégias de divulgação científica, a preocu-
ma e peças de teatro, literatura de cordel, Histórias em Quadrinhos pação com o conteúdo a ser produzido para as crianças assume pa-
- HQs etc. As expectativas em torno da criação e implementação de pel fundamental nesse processo, principalmente quando possuímos
espaços de divulgação científica é que, ao mesmo tempo, possam reu- o compromisso de contribuir para o contexto educativo, para a for-
nir atividades de aprendizagem ativa, lúdica e de lazer. mação destes indivíduos. Para a divulgação científica dirigida ao pú-
blico infantil são utilizados recursos específicos, que visam adaptar a
Diante disto, devemos ter na divulgação científica, a preocupação
linguagem e o nível de dificuldade das propostas de acordo com a re-
e m fazer conhecer o mundo da ciência, a percepção de que é preciso
presentação que o divulgador faz do destinatário-criança (ZAMBONI,
educar para a formação de cidadãos, para despertar as questões éticas
2001). Como indica Massarani (2005), o público infantil tem grande
de suas ações e participação mais decisiva nas escolhas que dizem res-
capacidade de lidar com temas de ciência, contudo, cabe o questio-
peito ao próprio futuro. Há toda uma rede que vem se organizando no namento se temos explorado adequadamente a capacidade infantil,
Brasil, a qual pode ser percebida pelos materiais de divulgação, livros uma vez que a transmissão do conteúdo científico é feita, em certos
e encontroddebates promovidos por associações como a Associação casos, de modo inadequado. A preocupação com o esclarecimento dos
Brasileira de Jornalismo Científico - ABJC, Associação Brasileira de conceitos científicos nos parece essencial para integrar as crianças no
Divulgação Científica - Abradic, Sociedade Brasileira para o Progres- conhecimento fornecido pela divulgação científica, inclusive como
so da Ciência - SBPC, Associação Brasileira de Centros e Museus de forma de inseri-las no processo de produção de novos conhecimentos.
Ciências - ABCMC e outras, que visa o reconhecimento e melhor ela-
boração da divulgação científica praticada em feiras, centros e museus 48 Quando abordamos a Educomunicação, tratamos tanto da comunicação voltada para a
de ciências, nos meios de comunicação de massa e outros espaços não educação como da educação voltada para a comunicação (entendimento e critica). Esta
formais de aprendizagem. área também se preocupa pelo desenvolvimento teórico para entender este relacionamento.
Ver mais em Soares (2000) e Schaun (2002).
210 CURR~CULO
ESCOLAR DIMENSÕES
PEDAGÓGICAS
E POL~TICAS 21 1
É sob esta perspectiva que "[...I a divulgação científica bem feita pode O fato de o jornalismo científico tratar de temas referentes as
ser um instrumento útil para a consolidação de uma cultura científica" ciências, a nosso ver, já o aproxima dos conteúdos trabalhados no
(MASSARANI, 2005, p. 8). Aí reside fator primordial que deve pautar contexto escolar, no entanto, sobre esta produção que visa divulgar
o incentivo as atividades de divulgação científica para este público. a ciéncia através da mídia também rondam interesses, as produções
A preocupação com a didaticidade é fator de extrema importân- seguem determinadas linhas editoriais e as construções jornalísticas
cia, uma vez que é fundamental tornar a estruturação e organização estão direcionadas a vencer a concorrência e se tornarem produtos
do texto mais apropriadas a aprendizagem dos conteúdos por esse pú- vendáveis. Desse modo, alertamos que deve haver uma leitura crítica
blico, onde a linguagem utilizada tenta se aproximar da forma como dessas produções, mesmo das que têm como "finalidade" contribuir
se expressam, observam e comunicam o mundo, estimulando a valo- para a educação. A construção do conhecimei~tocientífico no âinbito
rização de seus conhecimentos prévios. O destinatário-criança tem, escolar, a partir da utilização destes dispositivos midiáticos, deve ser
então, a possibilidade de ser protagonista de seu próprio processo de um processo em que os alunos tenham participação ativa na leitura e
interpretação dos textos apresentados, reconfigurando-os na constru-
aprendizagem, dialogando com outras fontes de conhecimento, refor-
ção dos seus próprios textos. Os professores precisam estar preparados
mulando-as e criando um novo conhecimento.
para discutir o processo de produção da mídia, em linguagem adequa-
Quando discutimos sobre as relações entre jornalismo e educa-
da a faixa etária e ao entendimento dos alunos, e incentivar a produ-
ção, pensamos tanto do ponto de vista das contribuições que os produ-
ção coletiva do novo conhecimento a ser gerado por estas atividades.
tos jornalísticos podem ter ao serem utilizados como complemento aos
Além de servirem de fonte para atividades alternativas de leitura
assuntos trabalhados nas disciplinas escolares, como da possibilidade
e de contato com a divulgação científica, os textos jornalísticos podem
do jornalismo funcionar como espaço de formação ao fazer parte de
apresentar algumas semelhanças em relação ao discurso didático, en-
situações não formais de aprendizagem, em virtude do caráter didáti- tretanto, as condições de produção destes dois discursos são bastante
co de sua linguagem e pela possibilidade do público entrar em contato diferentes. O discurso jornalístico assim como o didático está relacio-
com novos conhecimentos. No jornalismo científico, especialmente nado a produção de um discurso em direção ao outro, há a preocupa-
nas produções voltadas para a educação, esse caráter formador está ção de tornar determinado assunto mais acessível a um público espe-
presente nas possibilidades de divulgação de conhecimentos. Tendo cífico, sem perder de vista os conteúdos que lhe originaram. Porém,
em vista sua utilização, é necessário contextualizar o processo de pro- para cada uma destas atividades (jornalismo e ensino) são exigjdas nu-
dução jornalística (educar para a crítica da mídia) ao aproveitá-la em ances performativas particulares, associadas aos seus diferentes objeti-
atividades de ensino-aprendizagem (educar com e pela mídia). vos, ou seja, conforme os destinatários e as condições de produção são
Considerando os currículos escolares como dispositivos mais am- modificadas as estratégias de didaticidade e de exposição dos temas
plos que o rol de disciplinas e conteúdos de um determinado nível de abordados.
ensino, percebemos assim como Fischer (2002) que as práticas midi-
áticas e seus produtos estão diretamente relacionados aos currículos 4 DISCURSOS SOBRE JORNALISMO,DIVULGAÇÃO
escolares. Além disso, é cada vez mais frequente a utilização de recur- CIENTIFICA E PRÁTICASDE LEITURA NO
sos midiáticos nas salas de aula, o que leva a questionamentos se essa CONTEXTO ESCOLAR - - -
por Andrade e Marques (2006), que consideram o professor como um ao Parque Botânico, mesmo morando nas proximidades ou passando
agente que procura "insumos" para trabalhar a sua leitura e a leitura de pelo local no caminho para a escola todos os dias; contudo, eles con-
seus alunos, procurando-os em diferentes materiais (jornais, revistas, tam com várias fontes para ajudá-los na construção de seu imaginário
Internet, etc.) e utilizando-os na preparação e execução de suas aulas. sobre como deve ser o local e o que pode ser aprendido nas atividades
Os professores reconhecem que as atividades de divulgação cien- de divulgação por lá realizadas.
tífica são uma oportunidade ímpar para os alunos saírem um pouco Os museus são outros espaços de divulgação dos conhecimentos
da rotina de sala de aula e entrarem em contato com o aprendizado científicos, sob os qiiais são criadas muitas expectativas por quem ainda
em atividades práticas. Estabelecem assim, a prerrogativa de que os não teve a oportunidade de vivenciar a ida a uma exposição museológi-
conhecimentos comumente trabalhados em sala de aula são teóricos, ca. Das doze crianças, apenas uma já havia ido a um museu. E6 relata
como se houvesse uma dissociação entre teoria e prática, como se o a experiência que vivenciou no museu; a confusão feita (entre rochas
contato com determinadas informações contidas nos materiais didá- e fósseis) revela um problema de adequação da linguagem que pode
ticos, como os livros, por exemplo, não fornecesse a "real dimensão" ter acontecido durante a exposição pelo(s) guia(s) que conduzia(m) o
sobre os tipos de conhecimento abordados. Podemos situar, em con- grupo. Como se tratava de uma visita destinada a adultos, os organiza-
trapartida, que a sala de aula também pode ser o espaço de confron- dores da recepção ao grupo podem não ter previsto que, entre o grupo,
tar, problematizar questões e conceitos vistos nas atividades realizadas poderia ir alguma criança (na ocasião foram duas). Assim, mesmo que
em espaços de divulgaçáo cientifica. As atividades de vivência dos co- possa ter havido algum tipo de improviso para saciar a curiosidade das
duas meninas, não conseguiu evitar a associação de E6 ao referencial
nhecimentos nos espaços e estratégias de divulgaçáo científica não se
que já possuía de que aquilo que foi exposto se trata de uma pedra.
põem em sentido oposto as atividades de vivência dos conhecimentos
Este episódio nos apoia a reforçar a necessidade de preocupação nas
em salas de aula. Há entre ambas, relações de confronto e de comple-
atividades de divulgação cientifica para o público infantil, com o intui-
mentaridade, de aproximações e distanciamentos; os conhecimentos
to de tornar essa aprendizagem importante para o desenvolvimento
teórico-práticos estão presentes nestas e em outras oportunidades de
cognitivo e inseri-los nas práticas da cultura científica.
ensino-aprendizagem.
Solicitamos aos alunos, após entregarmos revistas de divulgação
As atividades de divulgação científica fazem parte do cotidiano
científica para cada um, que nos avisassem quando já haviam selecio-
das crianças, mesmo daquelas que nunca as vivenciaram, mas já o fize-
ram virtualmente. Museus, centros e laboratórios de ciência, parques nado o texto que iriam proceder a leitura. A escolha era livre, mas pe-
zoobotânicos, feiras de ciências e de leitura (envolvendo também os díamos que estes nos avisassem para que pudéssemos fazer o registro.
conteúdos científicos) e outros espaços com a mesma linha de atua- Assim que terminassem a leitura e achassem que já haviam compre-
ção fazem parte dos "passeios" e "visitas7'das escolas, mesmo que de endido o que era dito pelo texto, eles nos avisavam e entregávamos,
modo esporádico ou raramente realizados. Estes espaços também são a cada um, uma folha para que fizessem um desenho representando
conhecidos/reconhecidos pelo público infantil nas revistas, jornais e o texto que haviam acabado de ler. Foram colocados lápis coloridos a
nos programas de TV que assistem, entre estes os telejornais, progra- disposição das crianças, caso desejassem usá-los em seus desenhos. As
mas de variedades ou entretenimento e desenhos, principalmente. folhas tinham dados de identificação apenas para controle do inves-
O Parque Botânico Vale, localizado no bairro do Anjo da Guar- tigador, os quais foram retirados quando passaram a ser identificadas
da, em São Luís - MA, é um dos mais citados pelos estudantes como pelos códigos que os estudantes receberam, conforme a ordem das
um local onde podem visitar e aprender mais sobre os assuntos de entrevistas. As duas atividades foram retomadas na primeira parte da
ciências. Algumas das crianças ainda não tiveram a oportunidade de ir entrevista (servindo inclusive como uma forma de aquecimento para
216 CURR~CULO
ESCOLAR
o restante da conversa), em que as crianças explicavam o que haviam sentando a abelha em seu ambiente natural. A personificação do ani-
desenhado, o que tinham entendido do texto e estabeleciam a ponte mal, algo comum nas ilustrações que atraem o público infantil e com
entre estas duas formas de linguagem, apresentando os novos conhe- as quais se identificam, foi representada na revista e permaneceu na
cimentos construídos por elas. criação de E4. De maneira semelhante, E10 também relacionou, em
Concordamos com Chartier (2009) quando indica que existem sua criação, as informações dos textos e ilustrações da revista com os
várias maneiras de ler e, portanto, sua coleta deve levar em considera- conhecimentos de sua própria biblioteca. O desenho foi colorido rea-
ção o cruzamento dos protocolos de leitura que se mostram adequa- listicamente, tentando se aproximar dos instrumentos, da forma como
dos aos diferentes grupos de leitores, com os traços e representações a criança os concebe. E11 e E12 desenharam crianças, modificando o
de suas práticas. Partindo desse pressuposto, escolhemos para o desen- sentido das ilustrações que tomaram por base, onde não existiam as
volvimento da atividade um protocolo de leitura (revista de divulgação figuras acrescentadas. Estas representações demonstram uma aproxi-
científica para crianças) adequado ao público infantil, a realização de mação com seus conceitos vivenciais, pois apresentam uma imagem de
um desenho (forma de expressão que se constitui um traço marcante que as crianças participam ativamente da realidade, reverberando suas
nessa etapa da vida), para a partir daí, tentarmos inferir a respeito de percepções sobre o seu próprio mundo, o mundo infantil, construído
seus posicionamentos, sobre suas próprias experiências, como a parti- (e habitado) pelas crianças.
cipação dos discursos e práticas da divulgação científica no contexto E3 foi um dos que se encantou pelo texto que escolheu para ler,
escolar podem corroborar para a inserção desse público nos discursos achando interessante a profissão de naturalista, a qual não existe mais
e práticas da cultura científica. na atualidade. Ele comentou sobre as atividades que o profissional
A maioria das crianças escolheu como tema para o seu desenho executava e a importância deste tipo de trabalho para a conservação
o mesmo utilizado pelo autor do texto de divulgação lido. Da mesma da natureza. No momento em que conversávamos sobre os espaços
forma que em relação ao tema, alguns alunos também ficaram presos que realizam atividades de divulgação científica, fez uma associação
as ilustrações originais que acompanhavam os textos que escolheram entre o Parque Botânico e como o naturalista trabalharia num local
para ler. Todavia, isto não impediu que eles dessem novos sentidos como aquele. O salto de E3 nos mostra como as crianças são capazes
ao incluir novas cores, elementos que não existiam nas ilustrações de estabelecer complexas relações a partir dos conhecimentos de seu
que lhes serviram de base, ou que partes das ilustrações tivessem suas repertório cultural, associando diferentes elementos, estabelecendo
posições modificadas nas novas produções. Em alguns desenhos, aos comparações e analogias, se reportando a outras situações, fornecen-
elementos das figuras que tomaram como ponto de partida para suas do explicações sobre os fenômenos e acontecimentos ao seu redor.
"criações" eram"mesc1adas representações que fazem parte do repertó- Alguns textos tentam transportar as crianças para além de imagens
rio de conhecimentos destes estudantes. cristalizadas que elas possuam sobre determinada questão, almejando
E4 foi uma das crianças que mais aproximou o desenho de sua superar estes lugares-comuns. O artigo escolhido por E11 segue essa
realidade, realizando uma associação com o que Goulemot (2009)de- proposta e mesmo com a tentativa em fugir do lugar-comum, ele
nomina de nossa própria biblioteca. Segundo este autor, há uma rela- continuou com a representação que já possuía sobre a Amazônia, a
ção de complementaridade, em que a nossa biblioteca trabalha o texto qual para ele faz sentido. O tipo de leitura previsto pelo autor não
que nos é oferecido, e em compensação, o texto lido trabalha a própria foi totalmente realizado neste caso; situação parecida ocorreu com
biblioteca. Para ele, "[ . .I a cada leitura, o que foi lido muda de sentido, a interpretação de E7. Inferindo sobre este problema, notamos que
torna-se outro. É uma forma de troca7'(GOULEMOT, 2009, p. 116).A nem sempre a linguagem está de acordo com a variedade de faixas
menina acrescentou elementos como sol, nuvens e vegetação, repre- etárias a que a revista se destina, cujos assuntos podem interessar ao
218 CURR~CULO
ESCOLAR
público de diferentes maneiras, conforme os níveis de curiosidade e dutos midiáticos e na realidade escolar maranhense, incitando discus-
compreensão. sões sobre as questões levantadas a partir de nossas abordagens. Em
As crianças consultam suas próprias bibliotecas para tentar estabe- virtude da carência de estudos que envolvam as interfaces entre estas
lecer uma relação entre aquilo que estão lendo e os conhecimentos que áreas em nosso contexto, as perspectivas aqui apontadas podem servir
possuem sobre o assunto. No caso de E5, as ideias do texto foram enri- como estratégia de propulsão para a continuidade deste diálogo, inclu-
quecidas, em suas explicações, com as informações que já sabia sobre a sive percebendo estas inquietações sob novos enfoques.
formação das chuvas e o que ocorre durante o processo de evaporação, Demonstramos que o campo jornalístico é um campo de lutas,
algo que não era abordado diretamente pelo pequeno artigo. Estamos em que há uma busca "interminável" pelas notícias, bens cuja dura-
de acordo com Gouvêa (2005),quando explica que as crianças realizam ção é bastante rápida, pois têm validade até que outros acontecimen-
leituras interpretativas e conseguem se situar em diferentes posições no tos passem a atrair as atenções e aquelas sejam esquecidas. Quando
texto, sendo determinadas pelas leituras de outros textos. E6 também tratamos deste campo, estamos diante de uma realidade paradoxal,
realiza uma leitura interpretativa, situando a explicação de seu desenho pois ao mesmo tempo há uma série de pressões e constrangimentos,
diante das leituras que já possui sobre a realidade abordada, as quais e os profissionais buscam superar ou burlar estas restrições para des-
refletem no seu posicionamento. A perspicácia desta estudante em pontar como uma classe de intelectuais que possa trabalhar 'áutono-
demonstrar sua postura diante da realidade, a fez interpretar o texto mamente", com criatividade e perseguindo seus ideais de fidelidade
de maneira bem diferente das possibilidades previstas. Goulemot nos aos acontecimentos que destacam na cena pública, atendendo ao
explica que a relação de entendimento e o prazer que nutrimos em rela- interesse público. É certamente um desafio, mas que estes agentes
ção a um texto não têm origem, necessariamente, na coincidência entre precisam enfrentar para garantir mais ética e responsabilidade às suas
..I
o sentido desejado e o sentido percebido, visto que "[ ler é dar um produções, atingindo seu papel de fortalecedores da democracia tal
sentido de conjunto, uma globalização e uma articulação aos sentidos
como vislumbra Bucci (2000). A partir desta luta, em buscar meios
produzidos pelas seqüências. Não é encontrar o sentido desejado pelo
mais sérios de tratar e divulgar as informações com maior comprome-
autor" (GOULEMOT, 2009, p. 108).O aprendizado destes conhecimen-
timento e respeito as fontes e aos cidadãos, que o jornalismo poderá
tos envolve uma socialização nas práticas científicas, nas representações
tomar para si a função de servir como uma possibilidade que ofereça
simbólicas próprias da cultura científica. Assim, cabe a inserção destas
maior segurança na aquisição de conhecimentos, contribuindo para a
diferentes oportunidades (e com mais frequência) no contexto escolar,
educação e formação crítica dos indivíduos.
tendo em vista as contribuições que tais atividades podem oferecer ao
enricluecimentò".(nosentido de problematização) dos assuntos trabalha- No contexto escolar da Rede Pública Municipal de São Luís,
dos no espaço escolar, confrontando-os e/ou complementando-os. nosso diálogo com os professores e estudantes do I1 Ciclo do Ensino
Fundamental da U. E. B. Ministro Carlos Madeira procurou situar,
especialmente, as relações das crianças com os textos e atividades de
5 CONSIDERAÇÕESFINAIS
divulgação científica, a presença da mídia em seus cotidianos e as per-
Buscamos ao longo deste trabalho estabelecer as relações exis- cepções das possibilidades de aprendizagem que podem oferecer, e
tentes entre jornalismo, divulgação científica e educação, nas suas di- a apropriação/criação de novos conhecimentos. Percebemos que as
versas estratégias e nos discursos e práticas do contexto escolar. Esta produções midiáticas estão presentes em vários momentos no cotidia-
iniciativa mostrou-se importante ao despertar para os cenários em que no dos estudantes, que têm acesso a diversas informações disponibili-
este relacionamento se manifesta, principalmente no âmbito dos pro- zadas pelos meios de comunicação; acreditamos que nestas atividades
220 CURR~CULO
ESCOLAR
há a possibilidade de adquirir novos conhecimentos. Apreendemos Temos ciência das limitações de nosso trabalho e esperamos ter
dos discursos apresentados que algumas das atividades realizadas se contribuído para o desvelamento das relações entre jornalismo, divul-
aproximam das proposições educomunicacionais, o que consideramos gação científica e educação a partir do recorte feito e dos pontos de
vista que analisamos. Acreditamos que as atividades de divulgação po-
um ponto bastante válido, tendo em vista a inserção destes "insumos"
dem contribuir para a educação, inclusive as capitaneadas pela ação da
em oportunidades de ensino-aprendizagem.
mídia; além disso, estas possibilidades repercutem no espaço escolar
Pudemos constatar que, para os professores, a possibilidade de
nas práticas de leitura, nos discursos, nas possibilidades de construção
participação em atividades de divulgação funcionaria como uma opor-
de conhecimentos e nas perspectivas para o futuro, contudo, os estu-
tunidade de os estudantes aprenderem de modo prático, através de
dantes carecem de mais oportunidades de vivenciar estes momentos
experimentações o que veem de forma teórica nos conteúdos traba- que contribuem para a sua inserção numa cultura científica.
lhados em sala de aula. A respeito disto, consideramos que entre as
atividades desenvolvidas nos espaços de divulgação científica e as
realizadas na escola não existe esta suposta dicotomia entre teoria e
prática, uma vez que estes conhecimentos estão presentes em ambas
as oportunidades de ensino-aprendizagem. Notamos também que as ANDRADE, Inez Barcellos; MARTINS, Isabel. Discursos de
atividades de divulgação científica fazem parte do cotidiano das crian- professores de Ciências sobre leitura. Investigação em Ensino de
ças, mesmo daquelas que nunca as vivenciaram, mas já o fizeram vir- Ciências, Porto Alegre, v. 11, n. 2, ago. 2006.
tualmente. Acreditamos ser importante oportunizar a participação das . GASKELL, George (Org.). Pesquisa qualitativa com texto,
crianças nestas atividades, principalmente quando forem organizadas imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.
especificamente para as suas faixas etárias, pois se trata de uma fase
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas lingüísticas: o que falar
importante para despertar a relevância do aprendizado dos conheci-
quer dizer. São Paulo: EDUSP, 1996.
mentos científicos e para estimular novas posturas diante dos proble-
mas sociais, ambientais e políticos que lhes são apresentados em seus . Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
cotidianos. . A escola conservadora: as desigualdades frente a escola e a
A partir das atividades propostas, concluímos que: as crianças cultura. In: NOGUEIRA, Maria A.; CATANI, Afrânio (Org.). Escritos
aprendem o que é concernente ao seu desenvolvimento intelectual e de Educação - Pierre Bourdieu. Petrópolis: Vozes, 2007. (Ciências
afetivo (GOUVÊIP, 2005); os estudantes fazem leituras interpretativas, Sociais da Educação). p. 39-64.
realizando associaçóes com suas próprias bibliotecas (GOULEMOT, BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. São Paulo:
2009), sendo capazes de estabelecer complexas relações a partir dos Brasiliense, 2003.
conhecimentos de seu repertório cultural; as representações se aproxi- BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais.
mam de seus conceitos vivenciais, em que as crianças participam ativa- Brasília: MEC/SEF, 1998.
mente da realidade; mesmo com a tentativa dos autores dos textos em
BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo: Companhia
fugir de lugares-comuns, alguns alunos continuaram com as represen-
das Letras, 2000.
tações que já possuíam; enfim, as ideias presentes nos textos ganharam
novos sentidos, se movimentaram ao entrarem em contato com suas bi- BUENO, Wilson. Jornalismo Científico no Brasil: aspectos teóricos e
bliotecas pessoais, desenvolvimento cognitivo e capacidades criativas. políticos. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da USP, 1988.
divulgação científica para o público infanto-juvenil. Rio de Janeiro:
Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, 2008. p. 20-31. i
TRAQUINA, Nelson. (Org.).Jornalismo: questões, teorias e "estórias". ?
Lisboa: Vega, 1993. (Coleção Comunicação e Linguagens).
<
. Teorias do Jornalismo, porque as notícias são como são. v.
1. Florianópolis: Insular, 2005.
ZAMBONI, Lílian Márcia S. Cientistas, Jornalistas e a Divulgação
Científica: subjetividade e heterogeneidade no discurso da divulgação
científica. São Paulo: Autores Associados, 2001.