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Organizadoras

Elen de Fátima Lago Barros Costa


Lícia Cristina Araújo da Hora
Ana Paula Ribeiro de Sousa

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
E TECNOLÓGICA NO MARANHÃO
ASPECTOS DA HISTÓRIA EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO PÚBLICO

1ª Edição

São Luís -MA


2022
Organizadoras
Elen de Fátima Lago Barros Costa
Lícia Cristina Araújo da Hora
Ana Paula Ribeiro de Sousa

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
E TECNOLÓGICA NO MARANHÃO
ASPECTOS DA HISTÓRIA EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO PÚBLICO

1ª Edição

São Luís - MA
2022
INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO

Carlos Cesar Teixeira Ferreira


Reitor
Rogério de Mesquita Teles
Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação
Maron Stanley Silva Oliveira Gomes
Pró-Reitoria de Ensino e Assuntos Estudantis
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Pró-Reitoria de Extensão
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Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional
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C837e

Educação Profissional e Tecnológica no Maranhão: aspectos da história em


instituições de ensino público / Organizadores Elen de Fática Lago Barros Costa;
Lícia Cristina Araújo da Hora; Ana Paula Ribeiro de Sousa - . São Luís, MA:
EDIFMA, 2022.

350 f.
ISBN 978-65-5815-045-9

1. Educação Profissional. 2. Instituto Federal do Maranhão. 3.Ensino –


Pesquisa – Extensão. 4 Instituto Estadual de Educação Ciência e Tecnologia 5.
Agropecuária – IFMA 6 Política Pública – Mulheres Mil 7 Práticas Docentes –
Modalidade EJA I. Título.
CDU 377 (812.1)
Conselho Editorial da Editora do IFMA
Presidente
Saulo Cardoso
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Rogério de Mesquita Teles
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Ciências Humanas
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Engenharias
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Barbara Chaves Aguiar Barbosa
Ciências Agrárias
Josilene Lima Serra
Nayra Nascimento Bomfim Fernandes
Linguística, Letras e Artes
Reginaldo Nascimento Neto
Luis Rodolfo Cabral Sales
Ciências da Saúde
Raffaelle Andressa dos Santos Araújo
Ciências Sociais Aplicadas
Johnny Herberthy Martins Ferreira
Nilvanete Gomes de Lima
Revisão
Nereida Viana Dourado
SUMÁRIO

8 PREFÁCIO

23 DO ASSISTENCIALISMO À EMANCIPAÇÃO: a mutação na


institucionalidade da Rede Federal e o papel da educação profissional e
tecnológica

40 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: transformações e avanços,


da gênese aos 10 anos de uma nova institucionalidade

67 RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE:


práticas de ensino, pesquisa e extensão no contexto do projeto Memorial
IFMA

97 A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO,


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições
aprendidas e questões para o futuro

126 DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso


técnico de nível médio em Agropecuária ofertado pelo IFMA –
Campus São Luís-Maracanã

156 O PROGRAMA MULHERES MIL COMO POLÍTICA


PÚBLICA DE EDUCAÇÃO PARA MULHER: perspectivas para
emancipação feminina?
169 LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE
EJA NO PROEJA IFMA

197 TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL


DO MARANHAO: MUDANÇAS NA NATUREZA DO TRABALHO
DO PROFESSOR

229 O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO


PROFISSIONAL DE PROFESSORES NO BRASIL: dilemas do perfil
da formação profissional do professor

262 PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO


ENSINO MÉDIO

288 DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO


INTEGRADO NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO:
uma breve leitura histórica dos embates políticos

320 A EXPERIÊNCIA DE CENTROS DE ENSINO MÉDIO E


EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE:
escolas ponto de desenvolvimento territorial
PREFÁCIO

Os pesquisadores reunidos nessa coletânea compartilham um compromisso


fundamental: problematizar a educação profissional que permanece historicamente
constituída como um dos problemas mais complexos, me atrevo a dizer: o nó
górdio da educação brasileira. Apesar dos esforços empreendidos por gestores,
professores, pesquisadores e estudantes, para que se efetive uma alternativa
de ensino médio compatível com o ideário de formação humana das gerações
que nos sucedem e que necessitam construir os fundamentos de seu projeto de
emancipação, tem-se distanciado a educação profissional da concretização desse
projeto. Diante das circunstâncias históricas, predominantemente, desfavoráveis
à educação e o desenvolvimento dos jovens, desde os anos 1930 do século XX,
até as primeiras décadas do século XXI, apreende- se na história do Brasil um
movimento de afirmação e ao mesmo tempo de negação de direitos às crianças,
aos adolescentes e jovens.
Quando se identifica a educação profissional como um dos mais
complexos problemas da educação nacional, pretende-se tornar evidente as
raízes dessa complexidade. A historicidade da educação profissional tem sua
origem, ainda nos anos 1930, como uma política de educação efetivada em
sintonia com as demandas da industrialização que emergia no país, em pleno
período da Ditadura Vargas.
Posteriormente, no contexto de outro período ditatorial imposto pelos
governos militares, em aliança com setores empresariais, ocorre a implantação
de uma nova proposta de educação profissionalizante, por meio da promulgação
da Lei n.º 5.692/71. Repetiu-se nesse período da ditadura empresarial-militar a
articulação orgânica entre a educação profissional e o projeto de desenvolvimento
associado ao capital monopolista, que impôs as condicionalidades técnico-
burocráticas e políticas sobre a educação em todos os níveis, inclusive nas
universidades, com o advento da Lei n.º 5.540/68.

8 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Após o encerramento do período ditatorial, durante a transição para um
regime “democrático liberal restrito”, inscreveram-se na Constituição Federal e,
posteriormente, nos anos 1990, na última LDB promulgada, em 1996, os princípios,
bases e diretrizes que constituem parâmetros jurídico-políticos, administrativos
e pedagógicos, para que se concretizasse o reconhecimento da importância de se
assegurar a educação infantil, a universalização do ensino fundamental e garantir
o direito e a obrigatoriedade do Estado ofertar o ensino médio aos adolescentes e
jovens, na faixa etária relativa a esse nível de escolarização.
Sabe-se, porém, que a distância entre os fundamentos legais e a sua
materialidade concreta sempre se tornou evidente, em matéria de direitos
humanos, sociais, educacionais e econômicos no Brasil, tornando “letra morta”
o conteúdo da Constituição, da LDB e dos Planos Nacionais de Educação, no
tocante aos recursos para o financiamento da educação pública e a constituição
de um sistema nacional de educação, de fato, democrático, articulado e orgânico
para a integração dos três níveis de ensino.
Entretanto, essa constatação não elimina a positividade de processos de
educação profissional que se consagraram em instituições históricas, no Brasil,
como os Centros de Educação Profissional da Rede Federal, posteriormente
transformados em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, nos
Institutos Estaduais e nas Universidades Públicas. Assim, os resultados alcançados
ao longo da última década mostram-se significativos, embora ainda insuficientes
frente ao dimensionamento das demandas reprimidas em termos de atendimento
às necessidades básicas, desde à infância até a idade adulta, na perspectiva do
desenvolvimento humano, em seu sentido mais amplo, compreendido a partir da
concepção de omnilateralidade1.

PREFÁCIO 9
Os dados de matrículas, desde a educação infantil até o ensino médio,
indicam o descumprimento das metas do PNE (2014-2024) e como se mantém o
déficit de atendimento à população escolarizável1.

A matrícula na educação básica brasileira em 2018 foi de 48,5


milhões, sendo 39,5 milhões nas redes públicas (81%). Embora
tenha havido redução no quantitativo nos últimos anos – 8,6%
a menos de 2007 para 2018 – o déficit de cobertura revela a
desproteção do direito à educação de 3,3 milhões de crianças
e jovens de zero a 17 anos, considerando as metas do PNE.
Esse déficit pode chegar a 8,9 milhões, se considerarmos os 5,6
milhões de jovens e adultos de 18 a 24 anos que não concluíram
a educação básica e não frequentam escola. Em 2018, a taxa de
atendimento das crianças de zero a três anos de idade ficou
em 35,7%, distante da meta de 50%, e na pré-escola, a meta
de universalização tampouco foi alcançada, com índice de
atendimento de 93,8%, ou seja, mais de 407 mil crianças sem
atendimento (FINEDUCA, p.19).
Esse quadro desfavorável ao avanço da educação brasileira e ao
desenvolvimento do país tem raízes profundas na história, passando pelo modo
como se constituiu a nação, resultante da exploração colonial da riqueza e da
população nativa, até a sua subordinação ao sistema mundial capitalista, que na
atualidade tem produzido consequências profundas sobre o desenvolvimento
econômico, político e social do Brasil, impondo um retrocesso sem precedentes
nas condições de vida da maioria da população nacional. Destacando-se
esses efeitos sobre a educação básica, faz- se ênfase sobre a imposição da

1 Em contraposição à unilateralidade, Marx (2013) afirma a necessidade de desenvolver todas as


potencialidades do trabalhador e torná-lo, assim um homem omnilateral (MANACORDA, 2000), o que seria
alcançado por meio da educação politécnica na escola dos trabalhadores, promovendo o desenvolvimento
humano integral dos indivíduos em todas as dimensões da vida: cultural, social e do trabalho. (BRAZOROTTO,
2021, p. 99). Ver: BRAZOROTTO, Cíntia Magno. A desigualdade de acesso ao ensino profissional
no Brasil e na Alemanha. Marília: Lutas Anticapital, 2021.

Dados obtidos: FINEDUCA. Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação. Não e hora
de retroceder no FUNDEB. Nota Técnica de 20 de julho de 2020.

10 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


contrarreforma iniciada em 2018, com a promulgação da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), tendo a efetiva intervenção do setor privado por meio de
suas corporações e instituições dedicadas à filantropia, como nos indicam Tarlau
e Moeller (2020)2.

Em nossa análise, argumentamos que esse processo acelerado


de elaboração e aprovação de uma política pública resultou da
prática do consenso por filantropia, quando recursos materiais,
produção de conhecimento, poder da mídia e redes formais
e informais são usados por fundações privadas para obter
um consenso entre múltiplos atores sociais e institucionais
em apoio a uma determinada política pública, a despeito de
tensões significativas, transformando a política pública em
questão numa iniciativa amplamente aceita. Baseado nas
teorias de Antonio Gramsci (1971b) sobre relações Estado-
sociedade civil, o conceito de consenso por filantropia
demonstra como as fundações filantrópicas tornaram-se atores
contemporâneos importantes no estabelecimento de novos
blocos hegemônicos na educação, em diferentes geografias
(TARLAU, MOELLER, 2020, p. 554).

Dialogando com elementos desse contexto de elevada complexidade, o


conjunto de autores dos capítulos da presente coletânea dedicam-se a analisar
diversas dimensões da educação profissional, no nível médio e no nível
superior, a partir de perspectivas que se colocam num continuum ontológico e
epistemológico, do ponto de vista da historicidade da construção científica do
pensamento educacional.
Estão contidas elaborações de alguns dos autores articuladas à historicidade
das instituições que ofertam educação profissional, como se destaca no artigo
de Alberes Cavalcanti, ao descrever a mutação institucional ocorrida na Rede

2 TARLAU, Rebecca; MOELLER, Kathryn. O consenso por filantropia. Como uma


fundação privada estabeleceu a BNCC no Brasil. Currículo sem Fronteiras, v. 20, n. 2, p. 553-
603, maio/ago. 2020 . Disponível em: www.curriculosemfronteiras.org. Acesso em 02 de jul. 2021.

PREFÁCIO 11
Federal, dando ênfase ao papel da Educação Profissional e Tecnológica dos
Institutos Federais de Educação, mas, também problematizando a concepção de
Ensino Médio Integrado, “a partir das mudanças educacionais que estão em curso
desde a Reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017), a Base Nacional Comum
Curricular – BNCC (Resolução CNE nº 04/2018), as Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica - DCNEPT
(Resolução CNE/CP Nº 1/2021)”. No artigo de José Costa e Marise Piedade são
analisados os avanços e retrocessos do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia em sua trajetória de uma década de funcionamento, demonstrando
um processo de consolidação de paradigmas institucionais absorvidos, a partir
das políticas do governo federal por meio de planos, programas e projetos que
tiveram sua implantação assegurada, principalmente, no Maranhão, com a
rápida expansão dos campi em 18 cidades até 2017. Também estão contidas as
informações sobre os demais Estados, permitindo compreender a diversidade
das experiências em diferentes regiões do país, no que se refere à educação
profissional na rede federal de educação.
Adotando uma vertente mais centrada na história e na memória do Instituto
Federal de Educação do Maranhão, a partir da celebração do seu centenário e da
instituição do Projeto
Memorial IFMA, Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus
Campos Lima recuperam dimensões do “saber-fazer acadêmico” para analisar
a importância do IFMA na história da educação maranhense, o que fortalece o
reconhecimento do trabalho de formação de jovens no passado e no presente,
contribuindo para a construção da memória da instituição articulada com a
comunidade, no que se refere à produção do conhecimento e dos vínculos afetivos
que se estabelecem, de forma criativa e crítica, como afirmam as autoras.
Ainda a partir da perspectiva de resgate da gênese e desenvolvimento
inicial de uma instituição de educação profissional, em âmbito estadual, Jhonatan
Almada dedica-se à história recente do Instituto Estadual de Educação, Ciência e

12 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Tecnologia do Maranhão (IEMA), tendo participado de sua criação e elaboração
do projeto inaugural, cujo objetivo é ampliar o atendimento aos jovens em
idade de escolarização no ensino médio profissionalizante. Analisando o quadro
do Estado do Maranhão, em relação a esse atendimento, o autor destaca que o
déficit de educação profissional é muito grande, pois de 360 mil matrículas no
nível médio, apenas 10,7%, ou seja, 38 mil encontram-se em cursos de educação
profissional. Por essa razão, o governo do Estado do Maranhão assumiu como
prioridade essa modalidade de educação, definindo a aplicação de 350 milhões
para a sua expansão até 2022.
Procedendo à aplicação de outro vértice de análise sobre a educação
profissional e fazendo uso do método que se deriva do materialismo histórico-
dialético, Vespasiano da Hora e Gilberto Alves priorizam uma pesquisa sobre os
impactos do Curso Técnico de Agropecuária, ofertado na modalidade EAD, pela
Rede e-Tec do Brasil, ofertado pela antiga Escola Agrotécnica, já na condição
de Instituto Federal do Maranhão. Na realidade, a questão que desencadeia a
pesquisa junto aos egressos da primeira turma do curso, iniciado em 2009 e
finalizado em 2011, diz respeito ao problema da empregabilidade.
De fato, nem sempre ocorre esse tipo de pesquisa, como procedimento que
poderia anteceder a oferta da educação profissional, razão pela qual a análise que
parte da premissa da relação estabelecida, entre escola e mercado na sociedade
capitalista, deixa entrever as desconexões produzidas pelo próprio modo de
desenvolvimento do capitalismo no Brasil, evidenciadas no aumento da taxa de
desemprego, apesar de se sucederem as reformas da educação profissional.
Também analisando, do ponto de vista histórico e crítico, um dos programas
de qualificação ofertados pelo IFMA, o Programa Mulheres Mil (PROMIL),
Zeila Albuquerque e Diomar Motta esclarecem a gênese do Programa,
situando a iniciativa historicamente, relacionando-a às recomendações sobre
Desenvolvimento Social da Cúpula Mundial. Assim, as autoras resgatam as
primeiras articulações do Programa com as experiências realizadas por mulheres

PREFÁCIO 13
em outros países, mas, em 2014, o PROMIL passa a integrar o PRONATEC. As
autoras explicitam a articulação internacional do programa.

Conforme o guia metodológico do Programa (BRASIL,


2011a), o Mulheres Mil nasce de uma parceria com os
colleges canadenses, por meio da Agência Canadense para o
Desenvolvimento Internacional (CIDA/ACDI) e a Associação
dos Colleges Comunitários do Canadá (ACCC) e Colleges
parceiros, tendo como referência metodológica a Avaliação e
Reconhecimento de Aprendizagem Prévia (ARAP) do sistema
de educação canadense. O financiamento do Programa fica
a cargo do Ministério da Educação, por meio da Secretaria
de Educação Profissional e Tecnológica, sendo os Institutos
Federais os responsáveis pela execução.

Zeila Albuquerque e Diomar Motta centraram sua análise na categoria de


gênero, de modo a estabelecer uma correlação entre a implementação de uma
política pública destinada ao universo feminino e a contribuição efetiva desse
processo para a emancipação de mulheres que ocupam, de modo geral, um lugar
subalternizado na sociedade patriarcal, machista e capitalista, na qual prevalece
como critério de reconhecimento e valorização, tornarem-se produtivas, ainda que
a essa realidade não corresponda, ao fim e ao cabo, a sua autonomia e exercício
de uma cidadania crítica e ativa.
As autoras, após a realização da pesquisa, constataram que o programa
promoveu uma elevação da qualificação e da autoestima das mulheres
participantes dos cursos, no entanto reiteram o impacto do dado da realidade
que decorre da lógica do capital, ao afirmar que o programa não poderia “sanar
problemas históricos pertinentes às questões de gênero, educação e trabalho”.
Outra contribuição para que se compreenda a lógica do processo de
ampliação da oferta da educação profissional no IFMA, sob diferentes perspectivas,
desde a EJA até os cursos de graduação e pós-graduação, em nível superior, está
contida no artigo de Vânia Mondego e Antonio Germano Magalhães Júnior,

14 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


trazendo à baila um recorte de pesquisa mais ampla para o doutorado em que
tratou das Memórias de práticas docentes no PROEJA: IFMA campus São Luís
-Monte Castelo. Os autores explicitam que o objetivo da pesquisa foi “conhecer
as práticas docentes no PROEJA no IFMA Campus São Luís-Monte Castelo e de
como fizeram para superar os desafios para atuarem no Programa visto ser uma
inovação na Educação Profissional (EP)”.
O destaque para a dimensão da prática docente amplia os estudos que
procuram reconhecer de que modo os professores do IFMA, ainda que não tenham
sido qualificados para esses programas inovadores de qualificação profissional,
introduzidos pelas políticas educacionais do governo federal nos anos de 2007 a
2014, realizaram suas práticas pedagógicas, no sentido de acolher, incentivar e
qualificar grupos de estudantes que, em geral, estavam fora do cotidiano escolar,
há muito tempo. São relatadas as adversidades de educadores e educandos nessa
experiência de realização de cursos de qualificação profissional.
As mudanças introduzidas na prática do trabalho docente, após a expansão
da rede de educação profissional e tecnológica, por meio dos Institutos Federais
de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs), foram também analisadas por Elen
de Fátima Lago Costa e Maria Cristina dos Santos, ao apresentarem no seu
artigo um recorte dos resultados de pesquisa em nível de
doutorado. Sua pesquisa abrangeu as fontes bibliográficas e documentais,
além do levantamento empírico realizado nos campi São Luís-Monte Castelo,
São Luís-Maracanã e São Luís-Centro Histórico do IFMA.
As autoras adotaram o materialismo histórico-dialético para realizarem
a pesquisa e elaborarem suas análises, compreendendo que a educação está
inserida no contexto da crise do capitalismo e, portanto, do Estado. Mas, “o
sistema econômico traz, em sua gênese, formas de autorregulação que garantem
a sua reprodução, tornando-o um modo de produção hegemônico”. Por essa
razão, as reformas ou melhor as contrarreformas adotadas nas instituições de
educação profissional e tecnológica precisam ser compreendidas como espaço

PREFÁCIO 15
das contradições que se avolumam no atual modo de produção capitalista, que
requer ao mesmo tempo a qualificação e precarização dos trabalhadores, inclusive
dos próprios docentes, como ficam evidentes nos resultados da pesquisa aqui
relatada pelas autoras.
Esse fio que tece ao mesmo tempo uma rede de educação profissional, em
nível superior, para a qualificação de jovens no ensino médio e superior, envolve
os docentes num processo de adaptação aos impactos das mudanças históricas
na sua formação profissional, como bem demonstram Ana Paula Ribeiro de
Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva em seu artigo.
A partir de uma análise histórico-crítica derivada do materialismo histórico-
dialético, os autores elaboram a historicidade da formação dos professores no
Brasil, enfatizando o modo como ela vai se modificando, ao longo do processo
de desenvolvimento do país, sob a lógica da concepção do Estado acerca da
educação pública, desde o período colonial. Realizando o percurso histórico,
desde os primórdios da formação de professores nos anos 1920, nos Cursos
Normais oferecidos de nível médio, e, posteriormente, nos cursos de formação
docente em nível superior, os autores vão se deter sobretudo, nas reformas dos
anos 1990 que atingem profundamente os cursos de formação de professores, em
todos os níveis. Por essa razão, afirmam os autores que:

Nesse cenário, são definidas as políticas de formação de


professores “também de novo tipo” (MACEDO, 2020), “no
sentido de que esses trabalhadores também se adaptem às
novas exigências do mundo da produção e, dessa forma,
sejam responsáveis pela formação do trabalhador de novo
tipo” (IDEM, p. 65), afeitos às constantes mudanças e
instabilidades geradas por uma base produtiva flexível,
automatizada e globalizada.

E é justamente sobre a concepção da formação dos trabalhadores em

16 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


sintonia com as transformações ocorridas no mundo do trabalho, que Maria José
Cardozo conduz os leitores a fazerem uma imersão no processo de mundialização
do capital, para compreenderem as transformações que se impõem na formação
profissional e na organização do trabalho, por meio de práticas educacionais,
cada vez mais assemelhadas às formas de gestão das empresas nas quais,
posteriormente, são submetidos os trabalhadores a um processo continuado de
precarização do trabalho. Ainda que eles sejam também instados a uma formação
profissional continuada para o aperfeiçoamento de sua produção, esse esforço não
corresponde à melhoria das condições de trabalho, mas concorre para a ampliação
da extração de mais-valia, pela diversidade de formas de gestão do trabalho pelo
capital, conforme demonstra a autora ao recorrer à análise de Harvey.

Do ponto de vista do emprego Harvey (1992) destaca que


essa configuração da organização do trabalho provocou uma
heterogeneidade de condições de trabalhos, direitos e salários,
dividindo os trabalhadores nos seguintes grupos: central
(empregados em tempo integral); periféricos (trabalhadores em
regime de tempo integral, porém, com habilidades e atributos
facilmente encontráveis no mercado de trabalho); trabalhadores
com qualificações pouco valorizadas no mercado de trabalho,
em regime de tempo parcial, trabalhadores eventuais, com
contratos de trabalho por tempo determinado, subcontratados;
autônomos e desempregados.

E é nesse “contexto de precarização, flexibilização e perda de direitos


trabalhistas” que a autora vai tratar da contrarreforma do Ensino Médio, imposta
pela Lei n.º 13.415 que estabeleceu as diretrizes para o “novo” ensino médio.
A autora destaca a participação efetiva das corporações do terceiro setor nas
definições da estrutura curricular incluída na BNCC. Entre outras instituições
do setor privado, destacaram-se: Fundação Victor Civita, o Instituto Unibanco,
Fundação Itaú Social, Instituto Ayrton Senna e Instituto Península. Estabelecida
essa intervenção do setor privado na política educacional do país, ficaram

PREFÁCIO 17
explicitados os objetivos do “novo” ensino médio, mais uma vez atrelados aos
interesses do mercado globalizado, portanto configurando a educação profissional
distanciada das concepções que foram disseminadas pelos educadores, durante os
debates do Capítulo da Educação da Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação.
Uma das concepções mais caras para os educadores que procuram resgatar
o rico debate dos anos 1980, é a concepção de Politecnia, completamente alijada
pelo Decreto nº. 2.208, de 1997, promulgado no governo de Fernando Henrique
Cardoso. No artigo de Lícia da Hora, estão confrontadas as concepções que
se originaram nos debates e elaborações do campo de educadores progressistas,
justamente, para definir princípios na Constituição de 1988 e na LDB, cuja
proposição inicial se fez em meados dos anos 1980, sendo aprovada somente
em 1996 e, também, distanciando-se dos fundamentos da perspectiva histórico-
crítica expressos em conceitos centrais, como politecnia, omnilateralidade e
escola unitária.
Lícia da Hora atualiza esse debate e os movimentos de resistência, em nível
nacional e local, em relação ao Decreto n.º 2.208/97, posteriormente sobre o Decreto
n.º 5.154, de 2004, promulgado no governo Lula e considerado pelos educadores
progressistas como uma mediação, uma travessia que poderia ensejar o resgate
da concepção mais avançada até então, ancorada na Pedagogia Socialista. Essa
travessia não se deu na direção almejada e os Institutos Federais acabaram, na sua
grande maioria reféns de uma proposta curricular que aprofundou as articulações
com o setor empresarial.
O cerne dessas disputas em nível nacional e, particularmente, no IFMA,
foi priorizado pela autora, para sustentar referências necessárias e urgentes de
serem retomadas, após a definição do “Novo” Ensino Médio, derivado da BNCC
e definido pela aprovação do Decreto n.º 5.154 no atual cenário de reformas e
os desafios aos educadores e trabalhadores da educação de modo geral diante da
Base Nacional Curricular (2017, 2018) e as Diretrizes Curriculares para Educação
Profissional (2021)”.

18 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


A autora, Lícia da Hora, explicita sua preocupação com o fato de sequer
ter sido implantada, pelo menos, a concepção de Ensino Médio Integrado na
rede federal do Maranhão, como uma forma de superação dos limites dados,
historicamente, pelo processo de atrelamento dos IFs às demandas do mercado
e às diretrizes do MEC. Na atualidade, esse atrelamento significa a ingerência
plena dos Institutos das corporações privadas na definição e implementação da
“Nova” “Velha” concepção de Ensino Médio, cada vez mais restrita em termos
de conteúdo curricular que possa favorecer o desenvolvimento dos jovens, de
forma ampliada, em termos de domínio da ciência, da cultura e da tecnologia.
Lícia da Hora insiste na tese de que as novas gerações precisam compreender
essa disputa que se expressa no debate sobre o Ensino Médio Integrado e afirma:

Para as novas gerações de educadores que ingressam


nos Institutos Federais a partir da transformação de sua
institucionalidade e sob a reorganização dos currículos dos
cursos com base no “novo” Decreto, como veremos a seguir, é
imprescindível entender as disputas do passado para construir
as lutas urgentes e necessárias do presente.

Essa mesma perspectiva de construção de outras possibilidades para


as novas gerações, tem sido o leitmotiv de Maria Regina Martins Cabral,
na condição de Diretora do Formação - Centro de Apoio à Educação Básica,
autora do artigo que finaliza essa coletânea. No seu artigo, a autora relata uma
experiência considerada bem-sucedida, na região da baixada maranhense, em
que essa organização compartilhou com as Secretarias Municipais de Educação,
no período de 2004 a 2017, a implantação e o funcionamento dos Centros de
Ensino Médio e Educação Profissional (CEMP), como Escolas Pontos de
Desenvolvimento Territorial (EPDT).
Embora os municípios tenham que priorizar a educação infantil e o ensino
fundamental, o Portal da Educação da Baixada que integrava nove Secretarias de
Educação municipais, após seminários de debate com especialistas do Formação,
concluíram que deveriam assumir o desafio de implantarem Centros de Ensino

PREFÁCIO 19
Médio, diante da crítica situação dos jovens que encerrando o nível fundamental,
ficavam sem possibilidade de continuar a sua escolarização.
A implantação dos CEMPs, como relata a autora, foi antecedida por
uma pesquisa com a juventude da região da baixada e diante dos resultados
alcançados foram realizados seminários para debater com a juventude as
perspectivas dos cursos a serem priorizado em cada município. Além desse
período preparatório à implantação, foram realizados seminários de formação
dos professores para compreenderem a urgência de um ensino médio integrado
que permitisse aos jovens, ao mesmo tempo uma formação ampla e consistente
e a formação profissional. É a própria autora, Maria Regina Cabral, que afirma a
abrangência da concepção da matriz curricular, que seria construída por meio de
um trabalho coletivo dos professores, diretores das escolas, gestores municipais
e especialistas do Formação.
O Projeto Educativo do CEMP foi sendo construído de modo a contemplar
o desdobramento do próprio desenho curricular inovador, elaborado como
uma resposta aos anseios dos jovens em relação à educação e ao trabalho no
território, tal como apontavam os dados da pesquisa. Com a perspectiva de que
era necessário potencializar a educação dos jovens quando, afinal, depois de
um longo processo seletivo eles alcançam o nível do ensino médio foi adotado
um princípio teórico-metodológico que permitia expandir as possibilidades de
formação mais ampla e mais consistente da juventude, mediante a realização de
uma prática de trabalho pedagógico centrado no princípio da indissociabilidade
do ensino, da pesquisa e da extensão. Esse princípio, adotado para o nível do
ensino superior, foi antecipado para a organização do currículo e das situações
educativas de caráter teórico-prático desenvolvidas no cotidiano da escola, de
tal modo que os jovens pudessem se reconhecer como sujeitos de um processo
de formação, em que se relacionam consigo mesmo, com seus pares, com suas
famílias e com a sua cidade.
O relato da autora embora não possa abarcar a complexidade do processo

20 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


que se materializou nas cidades em que funcionaram os Cemps, traz uma análise
relevante sobre uma experiência que foi inclusive avaliada progressivamente,
por meio da realização de eventos como os Encontros Estaduais sobre Políticas
Públicas e Juventude, em que foram priorizados os temas relativos à Educação
e Trabalho, com a participação de especialistas de organizações externas, como
Unicef, Unesco, Ministério da Educação, por meio do Coordenador do Ensino
Médio e pesquisadores de várias universidades brasileiras.
Apesar desse percurso inovador e relevante para o desenvolvimento da
juventude da baixada maranhense, a autora relata que, ao serem estadualizados,
os Centros de Ensino Médio e Educação Profissional tiveram a sua matriz
curricular desconstruída, pois deixou de ser considerada pela Secretaria de
Educação do Estado, como uma referência que poderia ter gerado até mesmo
um amplo movimento, em nível do Maranhão, para o avanço da compreensão
teórico- prática sobre o Ensino Médio Integrado.
Essa experiência deixa evidente que a opção pelo aligeiramento do
ensino médio e os ataques feitos à ciência e às instituições de ensino superior
são consequências visíveis, do ponto de vista material, cultural e espiritual, do
processo de luta de classes na sociedade capitalista. Como afirmam (SANTOS,
LIMA FILHO, NOVAIS, 2021, p. 33)3

A opção da classe dirigente para atender as necessidades do lucro


capitalista e, portanto, disponibilizar para a classe trabalhadora a
possibilidade de que ela tenha a profissionalização minimamente
necessária. As exigências principais dessa precarização
profissionalizante têm como objetivo garantir os imperativos
imediatos da reprodução do capital. Como essa exigência
capitalista burguesa e qualitativamente diferente das necessidades
nascidas com o surgimento da luta de classes, quando se dividiu

3 Educação profissional no Brasil do século XXI : políticas, críticas e perspectivas : vol. 1 / José
Deribaldo Gomes dos Santos, Domingos Leite Lima Filho, Henrique Tahan Novaes (organizadores). –
Marília: Oficina Universitária ; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2021.

PREFÁCIO 21
a educação em dois ramos (amplo e restrito), a solução que a
classe detentora dos meios de produção capitalistas encontra
para a problemática educativa e, necessariamente, outra: opera
uma dicotomia dentro de uma dualidade. Explicando melhor:
a burguesia decadente separa o que já é dual, ou seja, cria uma
dicotomia dentro de uma dualidade. Para usarmos os termos de
George Amaral (2020), a dicotomia e a expressão fenomênica
da dualidade estrutural na educação
No conjunto da presente coletânea, os artigos apresentados trazem um
amplo espectro de perspectivas, concepções, proposições o que indica a elevada
complexidade do debate sobre a educação profissional, atravessada pela história
de um país, em que se consolidou uma fratura estrutural originada da forma de
organização da sociedade de classes, tal como se configurou no Brasil, desde a
constituição da Primeira República.
Ultrapassar os limites dessa situação histórica se apresenta como uma
hipótese possível e um desafio concreto para todas as educadoras e todos os
educadores-militantes que se comprometeram, durante a sua prática de trabalho
pedagógico com o ideário da emancipação humana, portanto com a superação
dos limites da escola capitalista para promover o desenvolvimento omnilateral
das novas gerações, no sentido da construção de outra sociedade possível.

São Luís, 30 de julho de 2021.


Maria de Fatima Felix Rosar

22 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


DO ASSISTENCIALISMO À EMANCIPAÇÃO: A MUTAÇÃO NA
INSTITUCIONALIDADE DA REDE FEDERAL E O PAPEL DA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

Alberes de Siqueira Cavalcanti4


1. Introdução

O presente texto tem por objetivo discutir e teorizar sobre o papel da


Educação Profissional e Tecnológica de Nível Médio (EPTNM) na formação
da classe trabalhadora, desde o processo histórico que resultou na criação dos
Institutos Federais de Educação (IFs). A discussão que apresento sobre a EPTNM
no contexto da Rede Federal, persegue a seguinte problematização: como se deu o
processo histórico de institucionalidade da educação profissional na esfera federal
em nosso país? Quais foram as mudanças e marcos significativos até a criação
dos Institutos Federais? Qual o papel que a Educação Profissional desempenhou
ao longo desse percurso histórico de mutação institucional?
Para desenvolver o tema proposto, organizei o texto em dois tópicos
sequenciais: Institucionalidade em mutação – onde busco refletir sobre o percurso
histórico que resultará na criação dos IFs, destacando o vínculo entre o modelo
econômico e político e as transformações na institucionalidade da Rede Federal
de Educação Profissional e Tecnológica; Institutos Federais e Ensino Médio
Integrado – onde advogo a oferta do Ensino Médio Integrado (EMI) nos IFs não
apenas como mais uma entre as outras formas (subsequente e concomitante),
mas sim como a proposta político-pedagógica definidora e caracterizadora da
identidade dos IFs e da docência exercida no âmbito dessas instituições públicas
federais de educação profissional. Quando faço a discussão sobre os IFs e o
Ensino Médio Integrado tenho como preocupação as mudanças educacionais que

4 Doutor em Educação em Ciências. Professor do Instituto Federal Educação, Ciência e


Tecnologia do Maranhão (IFMA).

23
estão em curso desde a Reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017), a Base
Nacional Comum Curricular – BNCC (Resolução CNE nº 04/2018), as Diretrizes
Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica -
DCNEPT (Resolução CNE/CP Nº 1/2021). Os IFs seguirão essas mudanças? O
que essas mudanças representam para a EPTN no contexto dos IFs? O objetivo
do texto não é discutir os documentos supracitados, mas apresentar uma reflexão
que sinalize para a incompatibilidade dos mesmos com a proposta de educação
profissional dos IFs, especialmente quando observamos historicamente o percurso
da educação profissional em nosso país.

2. Institucionalidade em mutação

Nesse primeiro momento, quero trazer à reflexão alguns elementos


de ordem histórica e legal que irão desembocar na criação dos Institutos
Federais de Educação e que contribuem para caracterizar os Institutos Federais
e nortear a oferta da EPTN e a atuação docente no âmbito dessas instituições
públicas. Certamente o percurso histórico em que a educação profissional foi
se constituindo e consolidando em nosso país é complexo e diversificado, não
sendo o meu objetivo aqui explorar a história da educação profissional no Brasil;
mas tão somente demarcar a emergência das instituições federais de educação
profissional e a diferenciação dos Institutos Federais no que diz respeito a esse
campo educacional. Vale ressaltar que a referência histórica nos ajuda a evitar o
equívoco das análises educacionais apontado por Frigotto (2010):

Um dos equívocos mais recorrentes nas análises da educação


no Brasil, em todos os seus níveis e modalidades, tem sido o
de tratá-la em si mesma e não como constituída e constituinte
de um projeto, situado em uma sociedade cindida em classe,
frações de classes e grupos sociais desiguais e com marcas
históricas específicas (FRIGOTTO, 2010, p. 25).

24 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Alberes de Siqueira Cavalcanti

De tal forma, ao discutirmos a EPTNM nos Institutos Federais de Educação


não podemos abstrair ou isolar tal discussão de “uma sociedade cindida em
classe, frações de classes e grupos sociais desiguais”. Ao contrário, ao estudarmos
a história da educação no Brasil, de forma geral ou especificamente da educação
profissional, não será difícil a constatação de um longo processo histórico marcado
pela exclusão da classe trabalhadora da educação escolar ou então inserida desde
uma perspectiva redutora e utilitária em favor de nossas elites. Para Ferreira
Jr. (2010, p. 13), “[...] a educação brasileira, até o momento, manteve-se em
perfeita sintonia com o processo de desenvolvimento econômico autoritário e
concentrador de renda, historicamente, imposto à sociedade brasileira”. De tal
forma, “elitismo e exclusão formam o binômio” histórico da educação brasileira.
Podemos compreender que historicamente os IFs são herdeiros ou
recebem o legado de um longo processo de institucionalização da educação
profissional no Brasil. Se fizermos uma retrospectiva histórica, veremos o
desencadear desse processo de institucionalização da educação profissional
desde a perspectiva de uma política pública republicana e federativa do Estado
brasileiro que remonta a criação de dezenove “Escolas de Aprendizes Artífices”,
em 23 de setembro de 1909, por força do Decreto Presidencial n.º 7.566, pelo
presidente Nilo Peçanha.

Distribuídas por todo o território nacional, [as Escolas de


Aprendizes Artífices] tinham como missão oferecer aos menos
favorecidos qualificação que lhes possibilitasse o afastamento da
marginalidade e o ingresso no mercado de trabalho. Como expõe
o próprio Decreto: “é necessário, não só habilitar os filhos dos
desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico
e intelectual, como fazer-lhes adquirir hábitos de trabalho
profícuo, que os afastará da ociosidade ignorante, escola do vício
e do crime”. [...] não resta nenhuma dúvida quanto ao caráter
assistencialista dessa nova instituição (PAIVA, 2013, p. 36).

DO ASSISTENCIALISMO À EMANCIPAÇÃO: a mutação na institucionalidade da Rede


Federal e o papel da educação profissional e tecnológica 25
A criação das Escolas de Aprendizes Artífices ao mesmo tempo que
evidenciou o redirecionamento da educação profissional no Brasil, “pois
ampliou o seu horizonte de atuação para atender necessidades emergentes dos
empreendimentos nos campos da agricultura e da indústria” (RAMOS, 2014, p.
25), também representou a demarcação histórica da chamada dualidade estrutural
da educação brasileira. Para Moura (2007), essa dualidade estrutural histórica
da educação básica no Brasil se manifesta principalmente na sua etapa final e
caracteriza-se pela bifurcação na oferta educacional “[...] entre cultura geral e
cultura técnica; e formação acadêmica/ academicista e formação profissional/
formação para mercado” (MOURA, 2007, p. 5). De fato, desde as Escolas de
Aprendizes Artífices tem-se uma perspectiva de formação profissional destinada
à classe trabalhadores, “os filhos das elites certamente não queriam uma formação
para operários ou contramestres” (PAIVA, 2013, p. 36).
O que vemos historicamente após a criação das Escolas de Aprendizes e
Artífices é que os sucessivos governos federais promoveram mudanças nessas
instituições federais voltadas para a educação profissional, mais para demarcar
um território político de cada governo do que propriamente trazer transformações
significativas e substanciais na concepção e no papel que a educação profissional
poderia desempenhar na formação da classe trabalhadora, ou seja, a perspectiva
continuaria sendo de preparação de mão-de-obra e permanência da dualidade
estrutural com a educação profissional sendo reduzida à preparação técnica e
ao controle social dos trabalhadores, obviamente com formas cada vez mais
sofisticadas e com exigência de qua- lificação profissional que atendessem as
mudanças dos setores produtivos (especialmente o setor industrial).
Assim, veremos na Era Vargas a mudança das Escolas de Aprendizes e
Artífices para os Liceus Industriais. Em 14 de novembro de 1930, o governo
Vargas já havia criado o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública,
que passa a ter entre as suas atribuições a gestão das Escolas de Aprendizes e
Artífices. E, em 1937, a Lei n. 378 “[..] deu nova organização ao Ministério da

26 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Alberes de Siqueira Cavalcanti

Educação e no mesmo bojo transforma as Escolas de Aprendizes e Artífices em


Liceus Industriais, destinados ao ensino profissional de todos os ramos e graus”
(PAIVA, 2013, p. 38). Vale ressaltar que, em 10 de novembro de 1937, houve o
golpe que instaurou o Estado Novo, iniciando o período ditatorial da Era Vargas.
Na década de 1940, veremos outras mudanças nessas instituições federais
e na oferta da educação profissional no Brasil, implementadas pelo Ministro da
Educação e Saúde, Gustavo Capanema. Em 25 de fevereiro de 1942, o Decreto
n.º 4.127 estabelece as bases de organização da rede federal de estabelecimentos
de ensino industrial, transformando os Liceus Industriais em Escolas Técnicas
e Industriais. Além disso, ocorreu a chamada Reforma Capanema a partir
da publicação de vários decretos-leis, conhecidos como as Leis Orgânicas da
Educação Nacional, que modificaram o sistema educacional brasileiro. Lembrando
com Romanelli (1999) que as Leis Orgânicas foram decretadas entre os anos de
1942 e 1946, portanto, algumas foram feitas após a queda de Vargas e o fim
do Estado Novo, no Governo Provisório, com José Linhares como presidente e
Raul Leitão da Cunha como ministro da educação. Para a educação profissional
vale ressaltar os seguintes decretos: o Decreto-lei nº 4.073/42 – Lei Orgânica do
Ensino Industrial; o Decreto-lei nº 4.048/1942 que cria o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI); o Decreto-lei nº 6.141/43 – Lei Orgânica do
Ensino Comercial; o Decreto-lei nº 9.613/46 – Lei Orgânica do Ensino Agrícola.
O que observamos nesse contexto histórico é que o Brasil republicano se
urbanizava e industrializava. Portanto, um período de transição para um modelo
produtivo urbano industrial, que demandava, por um lado, a preparação mais
qualificada de mão de obra especialmente para o setor industrial e, por outro
lado, o controle social dos filhos da classe trabalhadora e em situação de risco
social. De tal forma, a educação profissional passa a ter um papel relevante no
cenário educacional brasileiro, atendendo os três setores da economia (indústria,
comércio e agricultura) desde uma perspectiva do modelo econômico brasileiro
que estava sendo gestado na Era Vargas. Ressalte-se ainda que com a criação

DO ASSISTENCIALISMO À EMANCIPAÇÃO: a mutação na institucionalidade da Rede


Federal e o papel da educação profissional e tecnológica 27
do SENAI (que dará origem ao Sistema “S”) o governo federal passa a engajar
o setor produtivo na formação de mão de obra. Mas nas mudanças promovidas
pela Reforma Capanema a questão central da dualidade estrutural da educação
brasileira permaneceu inalterada,

[...] as camadas populares passaram a procurar mais as escolas


primárias e as escolas profissionais. O ensino profissional [...]
após a promulgação das leis orgânicas, passou a ministrar cursos
de formação, de duração semelhantes à do ensino secundário,
e cursos de aprendizagem, de preparo rápido, além dos cursos
de especialização e aperfeiçoamento, de duração variável
(ROMANELLI, 1999, p. 168).

Se no governo Vargas os Liceus Industriais foram transformados em


Escolas Técnicas e Industriais, outra mudança iria ocorrer com essas instituições
federais durante o governo de Juscelino Kubitschek, tendo Clovis Salgado à
frente do Ministério da Educação e Cultura. O De- creto nº 47.038, de 16 de
outubro de 1959, passou a regulamentar o ensino industrial; as Escolas Técnicas
e Industriais foram transformadas em autarquias federais, as Escolas Técnicas
Federais que compõem a rede federal de estabelecimento de ensino industrial
do Ministério da Educação e Cultura. Enquanto autarquias, as Escolas Técnicas
passam a gozar de “personalidade jurídica própria e autonomia didática,
administrativa técnica e financeira” (Art. 56). Mais uma vez a transformação
na instituição federal de ensino responsável pela educação profissional ocorre
desde a perspectiva do modelo de desenvolvimento claramente assumido pelo
mandatário governamental da vez.
O governo de Juscelino Kubitschek é marcado pelo nacional-
desenvolvimentismo, tendo no setor industrial a sua grande aposta para o projeto
dos “50 anos em 5”. Para Ramos (2014), a transição de Vargas para Kubitschek
é marcada pelo abandono de um projeto político orientado para criação de um
sistema capitalista nacional, em favor de um projeto político de desenvolvimento

28 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Alberes de Siqueira Cavalcanti

econômico dependente, formando-se uma burguesia industrial brasileira de forma


subordinada àquela internacional.

O contexto econômico-político desenvolvimentista, reunindo


o projeto dos 50 anos em 5, de JK, com seu Plano de Metas,
é assinalado como relevante para a política de educação
profissional no país, inclusive por pavimentar a associação
com o capital estrangeiro e os diversos acordos internacionais
que possibilitaram a instituição de programas fundamentais
para a implantação, a expansão e a consolidação da educação
profissional e tecnológica no Brasil (RAMOS, 2014, p. 15).

Consolidadas como importantes instituições de educação profissional


em todo o território nacional, a rede de Escolas Técnicas Federais passaria
por outra mudança na sua institucionalidade quando, em 1971, ‘se configurou
um projeto ainda mais ousado, tal como a transformação de algumas delas
em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET)” (RAMOS, 2014, p.
30). A Lei n.º 6.545, de 30 de junho de 1978, transformaria as Escolas Técnicas
Federais de Minas Gerais, do Paraná e Celso Suckow da Fonseca em Centros
Federais de Educação Tecnológica, já com o país em plena ditadura militar,
estando à presidência o general Ernesto Geisel e Euro Brandão como ministro
da Educação e Cultura. De acordo com a referida lei, os CEFETs são autarquias
de regime especial, vinculadas ao Ministério da Educação e Cultura, detentoras
de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didática e disciplinar. Com
os CEFETs ampliou-se o papel educacional das instituições federais de educação
profissional e tecnológica, passando a atuar em outros níveis e modalidades de
ensino, inclusive com a oferta de licenciaturas curtas e plenas, cursos de graduação
e pós-graduação, cursos de extensão e pesquisas na área técnica industrial.
O golpe civil militar de 1964 teve obviamente consequências negativas
profundas e duradouras na sociedade brasileira, aumentando o grau de
dependência nacional aos Estados Unidos, implementando um regime ditatorial

DO ASSISTENCIALISMO À EMANCIPAÇÃO: a mutação na institucionalidade da Rede


Federal e o papel da educação profissional e tecnológica 29
violento que utilizou a tortura, a perseguição política e a censura como modus
operandi e que teve na educação uma estratégia para se atingir a meta do chamado
milagre econômico, reforçando o modelo desenvolvimentista dependente. Nesse
contexto, o regime militar realizou uma reforma educacional com a Lei n.º 5.692
de 1971, Reforma de Ensino de 1º e 2º graus, tornando compulsória a educação
profissional para o 2º grau.

Com a obrigatoriedade da profissionalização no 2º grau,


o fato de as escolas técnicas federais serem referência
na oferta do ensino profissionalizante fez com que essas
fossem procuradas para estabelecer convênios com outras
instituições, visando à oferta da parte especial do currículo
das habilitações técnicas. Com isto, além do aumento de sua
clientela, vários descontentamentos advieram das relações
com outros sistemas de ensino impostos por essa política,
que restringia a autonomia dessas escolas e colocava para
elas novas responsabilidades que podiam comprometer a
qualidade de seus serviços (RAMOS, 2014, p. 33).

O fim da ditadura militar e a redemocratização emergiu a discussão sobre


a finalidade das Escolas Técnicas e dos CEFETs por segmentos conservadores e
progressistas, os primeiros criticavam aos altos custos dessas instituições e o seu
distanciamento do mercado de trabalho; os segundos questionavam a concentração
de recursos públicos em instituições que serviam ao capital, com atendimento
seletivo e restrito à população (RAMOS, 2014). Observa-se nesse cenário duas
perspectivas e concepções de educação profissional que iria permanecer na Rede
Federal, uma mais tecnicista e economicista, alinhada ao mercado; outra mais
progressista voltada para a formação humana e suas múltiplas dimensões.
A Lei n.º 8.948, de 8 de dezembro de 1994, ao mesmo tempo que instituiu
o Sistema Nacional de Educação Tecnológica, transformou as Escolas Técnicas
Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica. O interessante é
observar que prevaleceu o processo de “cetefização”, como uma forma de
resistência da rede federal.

30 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Alberes de Siqueira Cavalcanti

[...] a transformação das Escolas Técnicas Federais em


CEFET’s pretendia evitar seu sucateamento, por dificultar
tentativas de estadualização (transferência para os sistemas
estaduais), senaização (transferência para Senai) ou
privatização (transferência para o mercado). Isto se vinculava,
especialmente, à implantação do ensino superior, que
condicionaria sua permanência no sistema federal de ensino
(RAMOS, 2014, p. 36).

3. Institutos federais e ensino médio integrado

Todo o percurso anteriormente apresentado sobre as mudanças na


institucionalidade da Rede Federal de EPT terá um desfecho histórico com mais
uma transformação ocorrida durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e a
gestão de Fernando Haddad no Ministério da Educação. Em 29 de dezembro de
2008, foi sancionada a Lei n.º 11.892 que instituiu, no âmbito do sistema federal
de ensino, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
(REFPT), vinculada ao Ministério da Educação e criou os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia (IFs). Pela lei, a REFPT é composta pelos IFs; a
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR); os Centros Federais de
Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ) e de Minas Gerais
(CEFET-MG); as Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais. Como
se observa, nem todas as instituições federais aceitaram ser transformadas em IFs.
A referida lei equiparou os IFs às universidades federais e os definiu como:

[...] instituições de educação superior, básica e profis-


sional, pluricurriculares e multicampi, especializados na
oferta de educação profissional e tecnológica nas dife-
rentes modalidades de ensino, com base na conjugação
de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas
práticas pedagógicas (BRASIL, 2008).

DO ASSISTENCIALISMO À EMANCIPAÇÃO: a mutação na institucionalidade da Rede


Federal e o papel da educação profissional e tecnológica 31
O primeiro objetivo definido pela Lei n.º 11.892/2008 para os IFs é o de
“ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na
forma de cursos integrados” (Art. 7º, I). Essa forma de ensino só foi possível,
porque, anteriormente, o governo Lula tinha revogado o Decreto nº 2.208/1997
promulgado no governo de Fernando Henrique Cardoso, na gestão do ministro
Paulo Renato Souza. O Decreto n.º 2.208/1997 regulamentava os artigos sobre
educação profissional da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional), estabelecendo uma clara dissociação ente a Educação Profissional e o
Ensino Médio. Com o Decreto n.º 5.154/2004, o governo Lula possibilitou que a
Educação Profissional de nível médio fosse integrada ao Ensino Médio e foi essa
perspectiva que passou a compor de forma prioritária a proposta de educação
profissional e tecnológica pretendida pelos IFs.
Por certo, no campo das disputas de projetos e concepções de EPT, a
perspectiva do Ensino Médio Integrado5 representou uma vitória dos segmentos
progressistas que advogam que a educação profissional e tecnológica não seja
reduzida à formação monotécnica, que visa a especialização de técnicos para
atender a demanda de mão de obra do mercado de trabalho, em detrimento
da formação humana e científica. Ou seja, a monotecnia reforça a dualidade
estrutural anteriormente descrita, dicotomizando a formação técnico-profissional
e a formação propedêutica humanística e científica. No lugar da monotecnia, a
concepção do Ensino Médio Integrado está alicerçada na politecnia como uma
possibilidade de superação da dualidade educacional e processo educacional
emancipatório para a classe trabalhadora.

5 “Cabe ressaltar que as expressões cursos integrados, cursos técnicos integrados ou


ensino médio integrado referem- se ao que a LDB denomina de educação profissional técnica
de nível médio na forma articulada ao ensino médio. [...] Considerando o disposto no art. 8° da
Lei n°. 11.892/2008, os IFs devem ofertar, no mínimo, 50% das vagas para cursos técnicos com
prioridade de oferta para cursos técnicos integrados, o que seria mais de 50% das vagas de Cursos
Técnicos.” (DIRETRIZES INDUTORAS, 2018, p. 4)

32 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Alberes de Siqueira Cavalcanti

Uma educação dessa natureza precisa ser politécnica; isto


é, uma educação que, ao propiciar aos sujeitos o acesso aos
conhecimentos e à cultura construídos pela humanidade,
propicie a realização de escolhas e a construção de caminhos
para a produção da vida. Esse caminho é o trabalho. O trabalho
no seu sentido mais amplo, como realização e produção
humana, mas também o trabalho como práxis econômica
(RAMOS, 2008, p. 2).

Obviamente que também os IFs não são campos neutros e homogêneos


de oferta da EPT, sendo perceptível a coexistência de projetos e concepções
distintas e que, no contexto atual, com todas as mudanças educacionais em curso
desde o governo de Michel Temer ao de Jair Bolsonaro (dentre as quais destaco
a Reforma do Ensino Médio Lei nº 13.415/2017; a Base Nacional Comum
Curricular - BNCC - Resolução CNE nº 04/2018; as Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica - DCNEPT -
Resolução CNE/CP Nº 1/2021).
A própria institucionalidade dos IFs e, especialmente, o Ensino Médio
Integrado sofrem ameaças: na sua autonomia institucional (intervenções no
processo de eleição de diretores e reitores); na sua organização curricular, na
prática e formação docentes pela perspectiva apresentada na BNCC (Resolução
CNE nº 04/2018) e as DCNEPT (Resolução CNE/CP Nº 1/2021).
Vê-se no contexto atual a reposição de dois projetos educacionais e sociais
historicamente em disputa. Um projeto de perspectiva liberal, diretamente ligado
aos interesses do capital, mais pragmático, mercadológico, levando adiante uma
reforma educacional curricular protagonizada pelo mundo empresarial (Todos
pela Educação, Fundações ligadas a bancos e empresas). A perspectiva dessa
reforma empresarial da educação é obviamente adequar o campo educacional as
políticas neoliberais e ao momento histórico da produção flexível e da Indústria
4.0. Tal perspectiva educacional tende a se materializar nos IFs em textos
de documentos e iniciativas pedagógicas desde a pedagogia das competências e

DO ASSISTENCIALISMO À EMANCIPAÇÃO: a mutação na institucionalidade da Rede


Federal e o papel da educação profissional e tecnológica 33
a educação empreendedora. Outro projeto de perspectiva progressista e crítica,
que busca se vincular aos interesses da classe trabalhadora e à proposição de
uma reforma educacional emancipatória, faz a crítica à submissão da educação
aos interesses de mercado, defendendo o protagonismo dos sujeitos envolvidos
historicamente com a educação, professores, gestores, técnicos em educação
e estudantes, entidades representativas. Tal perspectiva educacional tende a se
materializar desde o currículo integrado e a formação integrada, sendo o Ensino
Médio Integrado a sua melhor expressão.
Devemos, portanto, nos perguntar qual educação profissional e tecnológica
deverá nortear a institucionalidade dos IFs? Sob qual perspectiva e concepção se
dará a formação do trabalhador? Se quisermos manter a sua inspiração original
e a coerência com um projeto de educação emancipatória, devemos reportar à
citação que segue:

Entende-se que essa formação do trabalhador seja capaz de tornar


esse cidadão um agente político, para compreender a realidade
e ser capaz de ultrapassar os obstáculos que ela apresenta; de
pensar e agir na perspectiva de possibilitar as transformações
políticas, econômicas, culturais e sociais imprescindíveis para
a construção de outro mundo possível. [...] A educação para o
trabalho nessa perspectiva entende-se como potencializadora
do ser humano, enquanto integralidade, no desenvolvimento de
sua capacidade de gerar conhecimentos a partir de uma prática
interativa com a realidade, na perspectiva de sua emancipação
(BRASIL, 2010. p. 33-34).

Tal concepção de educação profissional e tecnológica não é de forma alguma


compatível com a perspectiva apresentada pela reforma empresarial da educação
que está em curso - manifesta dentre outras iniciativas na Reforma do Ensino
Médio, na BNCC e nas novas DCNEPT. Essas iniciativas são orgânicas, não
podem ser tomadas isoladamente, mas como parte de um mesmo e amplo projeto
de reforma da educação, cujo cerne repousa na flexibilização e fragmentação dos

34 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Alberes de Siqueira Cavalcanti

processos de formação escolar para que passe a responder às demandas de um


novo mercado de trabalho flexível e instável.
A forma como estão estruturados os itinerários formativos desde a Reforma
do Ensino Médio e a organização curricular da BNCC e das novas DCNEPT,
indica claramente a fragmentação e a flexibilização curricular, que impossibilita
qualquer perspectiva pedagógica de currículo integrado e dilui os componentes
curriculares em áreas comuns, com exceção de Matemática e Português, causando
a ilusão de articulação e interdisciplinaridade, quando na verdade o que se cria
é a supressão de conhecimentos e desvalorização da docência, empobrecendo o
currículo e possibilitando arranjos formativos de toda ordem desde que reduzam
os investimentos públicos com a educação.
Outros dois aspectos penso ser importante destacar na oferta do EMI pelos
Institutos Federais: a verticalização e a articulação ensino-pesquisa-extensão. O
primeiro aspecto deve ser analisado a partir do Art. 6º da Lei nº 11.892/2008, que
define as finalidades e características dos IFs e reza o seguinte: “III - promover
a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e
educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os
recursos de gestão”.
Ou seja, a integração e a verticalização cumprem a mesma finalidade e
característica da institucionalidade dos Institutos Federais. Os IFs ao mesmo
tempo em que devem promover a integração entre educação básica e educação
profissional, devem também viabilizar a verticalização dessa integração entre
educação básica e educação profissional na direção do ensino superior. De tal
forma que este quesito me parece ser fundamental para, ao se concretizar, por
fim, a dualidade estrutural da educação e garantir o direito à educação na sua
forma mais ampla à classe trabalhadora, e isso também é emancipação.
O outro aspecto, a articulação entre ensino-pesquisa-extensão, também
tem o amparo na lei de criação dos IFs no Art. 6º § § VII e VII e Art. 7º
conforme segue:

DO ASSISTENCIALISMO À EMANCIPAÇÃO: a mutação na institucionalidade da Rede


Federal e o papel da educação profissional e tecnológica 35
III - realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento
de soluções técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios
à comunidade;
IV - desenvolver atividades de extensão de acordo com os
princípios e finalidades da educação profissional e tecnológica,
em articulação com o mundo do trabalho e os segmentos
sociais, e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão
de conhecimentos científicos e tecnológicos.

Observa-se que é perfeitamente possível numa perspectiva pedagógica


de oferta de cursos de Ensino Médio Integrado a articulação entre ensino-
pesquisa-extensão “de acordo com os princípios e finalidades da educação
profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e os
segmentos sociais”6. Tem-se aqui um vasto e rico campo pedagógico e didático
para que se se desenvolvam trabalhos coletivos e interdisciplinares a partir do
próprio contexto e objeto dos cursos integrados. É necessário para isso que
a instituição garanta espaços de planejamento e articulação dessas iniciativas
de ensino-pesquisa-extensão, não ficando apenas como algo dependente da
vontade ou iniciativa individual docente. O compromisso e a viabilidade é
prioritariamente institucional.
Portanto, o caminho coerente para os IFs é a busca de consolidação da
educação profissional técnica de nível médio na forma articulada ao ensino
médio, o EMI. Ao fazer tal defesa, obviamente tenho ciência que nem tudo são
flores e que existem obstáculos internos e externos aos IFs para a concretização
de projetos curriculares integrados que vão desde a falta de condições objetivas
para o exercício da docência, passando pela ausência de formação continuada,
planejamento coletivo, disputas por espaços e legitimação de projetos
institucionais a cortes orçamentários para a educação. Mas esses obstáculos
apenas reforçam a compreensão de que a adoção do Ensino Médio Integrado se

6 Ressalte-se que o texto da lei fala em “mundo do trabalho”, mais amplo e socialmente
aberto; e não “mercado de trabalho”, mais restrito e direcionado ao setor produtivo.

36 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Alberes de Siqueira Cavalcanti

constitui em desafio e construção contínua para a própria instituição e todos os


sujeitos envolvidos, na busca de superação da dualidade educacional e de um
projeto de educação que considere a formação humana integral e não fragmentos
de itinerários formativos.

4. Considerações finais

O caminho para a REFPT e os IFs não é a adequação e a subsunção à reforma


empresarial da educação. A REFPT (e muitos Ifs) possui uma história secular e já
passou por várias mudanças e embates, tendo no momento atual mais consciência
histórica e crítica do seu papel na educação profissional e tecnológica em nosso
país. Os IFs construíram uma expertise na atuação da educação profissional e
tecnológica, possuem quadros profissionais qualificados nas mais diversas áreas
do conhecimento. Como outras instituições públicas também têm seus problemas,
muitos deles originados por cortes orçamentários. Mas não há motivos – a não
ser por desconhecimento, imposição ou ilusão ideológica – para que docentes,
pesquisadores, pedagogos, técnicos em educação e todos que fazem os Institutos
Federais ser instituições públicas bem sucedidas pedagogicamente e reconhecidas
socialmente, caírem no engodo da reforma empresarial da educação.
Nem toda mudança sinaliza mudar para melhor, muitas vezes muda-se
para retroceder e há reformas que deformam. Portanto, o caminho é resistir e
não abrir mão do que já foi conquistado e construído em termos progressistas
na educação profissional; buscar formas de fortalecer, consolidar, qualificar e
melhorar o que se faz na educação profissional nos IFs. E, nesse sentido, o
currículo integrado expresso nos seus cursos, especialmente no Ensino Médio
Integrado; a gestão democrática e participativa; o planejamento coletivo
e a formação continuada são desafios e construções contínuas que devem
organicamente constituir essa institucionalidade.

DO ASSISTENCIALISMO À EMANCIPAÇÃO: a mutação na institucionalidade da Rede


Federal e o papel da educação profissional e tecnológica 37
REFERÊNCIAS

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e Tecnologia um novo modelo em educação profissional e tecnológica:
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dmdocuments/livreto_institutos.pdf. Acesso em: 13 jan. 2020.

BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de


Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia e dá outras providências. Brasília: Câmara dos
Deputados, 2008.

Diretrizes Indutoras para a Oferta de Cursos Técnicos Integrados ao Ensino


Médio na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.
Fórum de Dirigentes de Ensino – FDE/CONIF, 2018.

FERREIRA Jr. Amarilio. História da Educação brasileira: da Colônia ao século


XX. São Carlos: EdUFSCar, 2010. Disponível em: https://www.researchgate.net/
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seculo_XX. Acesso em: 10 dez. 2020.

MOURA, Dante Henrique. Educação básica e educação profissional e tecnológica:


dualidade histórica e perspectivas de integração. Holos, ano 23, vol. 2, 2007,
p. 4-30. Disponível em: http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/
view/11. Acesso em: 19 mar. 2021.

38 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


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PAIVA, Francisco da Silva. Ensino técnico: uma breve história. Revista


Húmus, Mai/Jun/Jul/Ago. 2013, nº 8, p. 35-49. Disponível em: http://www.
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ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 23. ed.


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RAMOS, Marise Nogueira. Concepção do Ensino Médio Integrado. [S. l.]:


2008. Disponível em: http://forumeja.org.br/go/sites/forumeja.org.br.go/fi- les/
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RAMOS, Marise Nogueira. História e política da educação profissional.


Curitiba: Instituto Federal do Paraná, 2014. (Col. Formação pedagógica, vol. 5).

DO ASSISTENCIALISMO À EMANCIPAÇÃO: a mutação na institucionalidade da Rede


Federal e o papel da educação profissional e tecnológica 39
INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: TRANSFORMAÇÕES
E AVANÇOS, DA GÊNESE AOS 10 ANOS DE UMA NOVA
INSTITUCIONALIDADE

José Ferreira Costa7 Marise Piedade Carvalho8

1. Introdução

A trajetória das Instituições Federais ofertantes da Educação Profissional


e Tecnológica do Maranhão é marcada por muitos processos de mudanças
nas instituições, com alterações de nomes e razão social, com repercussão
nas atividades das instituições em sua institucionalidade, mantendo, contudo,
a identidade na oferta do ensino técnico-profissional. Em suas histórias de
século de existência, a mais recente e mais abrangente ocorreu, em 2008,
através da conexão integrativa entre quatro Autarquias Federais. Três delas,
com vocação para o ensino agrícola: a Escola Agrotécnica Federal de São Luís,
a Escola Agrotécnica Federal de Codó e a Escola Agrotécnica Federal de São
Raimundo das Mangabeiras, e, um Centro Federal de Educação Tecnológica
do Maranhão (CEFET-MA). Esta, remanescente das centenárias Escolas de
Aprendizes Artífices (EAA), de perfil industrial, criadas no início do século
passado pelo então Presidente Nilo Peçanha, através de Decreto nº 7.566, de
23 de setembro de 1909.
O propósito deste artigo é analisar fatos jurídico-políticos e sociais
que propiciaram a integração das extintas Autarquias Federais e o impacto
no contexto da oferta de oportunidades de formação através da Educação

7 Doutorando em Ciências da Educação, Mestre em Educação e Professor do Instituto


Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA).
8 Doutora em Educação em Ciências e Matemática. Professora do Instituto Federal de
Educção, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA).

40 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


José Ferreira Costa e Marise Piedade Carvalho

Profissional e Tecnológica no Estado do Maranhão, da sua gênese aos dez anos


da sua implantação. Tem como ponto de partida a integração das antigas escolas
federais, o pressuposto da modernização da gestão articulada em rede assumido
pela nova institucionalidade (IFMA), repercutindo em ações educativas por meio
do ensino, pesquisa aplicada e extensão.
Para o Ministério da Educação (MEC), a transformação das quatro autarquias
federais independentes em uma única Unidade Gestora, significou racionalização
da gestão para obter mais eficiência, eficácia e efetividade. Conforme Grilo
(2019), essa acepção assenta na Teoria da Burocracia de Max Weber, que parte
da estrutura formal da organização [...] para alcançar a máxima eficiência.
Sob essa concepção e uma macroestrutura formalizada, o MEC concebeu
encaminhar soluções em bloco, no complexo processo das políticas educacionais
e racionalização de recursos humanos e financeiros, sendo preservada autonomia
a cada ex-Autarquia para propor políticas, oferecer cursos, eleger seus dirigentes,
e definir prioridades na gestão.

2. Metodologia

A metodologia adotada no presente estudo consistiu no levantamento


bibliográfico e documental, tendo como método, a análise sobre os dados
pesquisados junto ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Maranhão (IFMA), à Plataforma Nilo Peçanha (PNP) e ao site e-Contas/Portal
TCU. Considerando-se um universo de dados que guarda infinitos elementos e
informações, impossíveis de serem analisados no limite de um artigo, a opção
metodológica foi partir da visão gerencial do MEC acerca da transformação da
Rede Federal, utilizando indicadores de expansão como número de matrícula, de
professores, novos campi instalados, custo aluno/ano, identificando o impacto do
Plano de Expansão, promovido pelo governo federal no período dos 10 primeiros
anos da rede IFMA, no Estado do Maranhão.
INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: transformações e avanços, da gênese aos
10 anos de uma nova institucionalidade 41
3. A rede federal na linha do tempo

A ideia de Rede Federal foi introduzida com o Ato do Presidente Nilo


Peçanha (Decreto nº. 7.566/1909), que criou pelo mesmo decreto 19 escolas
com o mesmo perfil didático, administrativo, financeiro, com a gestão a cargo do
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Vale ressaltar, que o conceito
orientador da criação dessas escolas de ofícios foi propiciar condições de vida
aos jovens, cognominados “desfavorecidos da fortuna” (BRASIL, 1909, p.
6975), a quem faltava um ofício para ter acesso ao emprego e renda. As escolas
receberam o nome de Escola de Aprendizes Artífices (EAA), sendo instalada
uma por Estado. A Unidade do “Maranhão foi inaugurada no dia 16 de janeiro de
1910” (FONSECA, 1986, v. 4, p. 54).
O modelo Instituto Federal se constitui em linha sucessória próximo de
completar cem anos após a criação das Escolas de Aprendizes Artífices, as quais
receberam historicamente outras denominações. De EAAs foram transformadas
em Liceus Industriais, Escolas Técnicas Federais e Centros Federais de Educação
Tecnológica (CEFETs).
A nova institucionalidade das escolas federais criada pelo Ministério da
Educação em 2008, teve por finalidade propiciar a reorganização da Rede Federal
de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) que no curso da
história se diversificou com a inclusão das Escolas Agrotécnicas Federais (EAF)
e das Escolas Técnicas vinculadas a Universidades Federais. Desse modo, o MEC
se propôs a tornar realidade o antigo sonho da verticalização na oferta de níveis
de ensino por essas Escolas Federais e pelos Centros Tecnológicos Federais;
caminho percorrido pela Universidade Federal Tecnológica do Paraná, unidade
criada pelo citado decreto de 1909, que passou por sucessivas transformações
e adaptações até atingir o status de universidade voltada para a Educação
Profissional e Tecnológica.
As mudanças sociais e econômicas marcadas pelo acelerado

42 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


José Ferreira Costa e Marise Piedade Carvalho

desenvolvimento científico e tecnológico, pela intensificação do uso de novas


tecnologias nos processos produtivos, por novas relações sociais de trabalho
e pelo aumento da competividade dos mercados impuseram novas exigências
para a formação e qualificação dos trabalhadores. Um trabalhador cada vez mais
qualificado, capaz de compreender e operar as constantes inovações tecnológicas
compõe o perfil exigido (DUPAS, 1999; ANTUNES, 1999; FRIGOTTO, 1998),
contudo, segundo esses mesmos autores, pouca ou nenhuma preocupação com
uma sólida formação profissional dos futuros trabalhadores, nas dimensões
técnica do trabalho, da ciência e da cidadania.
Para o MEC, essa conjuntura demandava uma proposta de organização
institucional capaz de atuar em rede, constituindo um espaço colaborativo entre
os participantes. Conforme Silva (2006, p. 1), o atual estágio de desenvolvimento
no mundo competitivo orienta para formação de grupos, “no sentindo de
estabelecer parcerias e estreitar sinergias no sentido de alcançar os propósitos
a que se propõem”. Foi esta a lógica que levou o MEC a extinguir antigas
Autarquias Federais, transformando-as, para integrar a Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica - RFEPCT- constituída por 35 Institutos
Federais, dois CEFETs e o Colégio Pedro II.
O passo seguinte seria a execução de um ousado Plano de Expansão
dessa Rede, cuja proposta e execução caberiam a um ex-aluno do ensino técnico
profissional, Luís Inácio Lula da Silva. A chegada de Lula à Presidência da
República fez renascer a esperança de uma formação profissional integrada a
formação geral, pensada e compartilhada entre as Instituições da educação
profissional, Centrais Sindicais e o segmento docente, os quais avistam uma
oportunidade da expansão do parque escolar voltado para o ensino técnico e
tecnológico no país, pautado em uma nova racionalidade no contexto de uma
formação humana e integral.
Entre os pesquisadores e educadores estudiosos da educação profissional,
renova-se o sonho de uma (re) conceituação desse segmento de ensino centenário
INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: transformações e avanços, da gênese aos
10 anos de uma nova institucionalidade 43
que, apesar da sua contribuição com a educação, nasceu trazendo a expressão de
conotação preconceituosa qual seja, de um segmento de educação para pobres
“adquirir hábitos de trabalho profícuo” (BRASIL, 1909, p. 6975).
A realidade dessa centenária instituição, pelo fato de compor a realidade
social global, não fica isenta das contradições próprias desta última. Ao longo de
toda sua história, nas diversas etapas e modelos que foi adotando, a prática vem
se mantendo paralela à promessa de emancipação dos sujeitos de sua formação,
conforme preveem planos e projetos educacionais institucionais.
O ano de 2005 passa a representar um novo marco temporal importante
na história da educação profissional no Brasil, com uma série de acontecimentos
jurídico-políticos iniciados pela SETEC/MEC, órgão responsável pela gestão
do sistema da educação profissional e tecnológica, visando, (i) a preparação de
jovens trabalhadores a ingressarem no mercado de trabalho; (ii) a modernização
da estrutura administrativa das Autarquias Federais desse segmento; (iii)
a implantação de um modelo gerencial mais leve, reduzindo instâncias e
remodelando rotinas administrativas para torná-la ágil e eficiente na condução
das políticas públicas de Educação para o Trabalho e (iv) criar as condições
objetivas para implantação de um amplo programa de expansão.
Nessa perspectiva, cria-se a primeira Universidade Federal Tecnológica
no Estado do Paraná (UTFPR), mediante a transformação do CEFET-PR (Lei nº
11.184/05), que se tornou um fato simbólico na trajetória da educação profissional
e tecnológica do Brasil.
No mês de novembro desse ano, o Presidente Lula da Silva sanciona a Lei
nº 11.195, de 18 de novembro de 2005, que dá nova redação a dispositivos da Lei
nº. 8.948/94, que proibia expansão da oferta de educação profissional através da
criação de novas Unidade de Ensino Técnico Profissional. Com esse Ato, Lula
retira a proibição e cria as condições objetivas para a retomada da expansão da
Rede Federal em todo o país.
Como nem todos os Estados atendiam ao critério mínimo do plano, qual
seja o de ter pelo menos uma unidade de ensino técnico por Estado vinculada ao

44 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


José Ferreira Costa e Marise Piedade Carvalho

Ministério da Educação, a providência seguinte foi a criação de 5 (cinco) Escolas


Técnicas Federais nos Estados do Acre, Amapá, Mato Grosso do Sul, Brasília,
Canoas no Rio Grande do Sul e três Escolas Agrotécnicas Federais em Marabá-
PA, Nova Andradina-MS e São Raimundo das Mangabeiras no Maranhão.
Esta se tornou mais tarde uma das Autarquias Federais signatárias da Proposta
de transformação e integração das instituições federais de ensino técnico do
Maranhão para constituir o IFMA, passando a condição de campus, cujo nome
do município São Raimundo das Mangabeiras continua como a sua identificação.
Com a criação da UTFPR que, por um lado representou avanço nas
lutas e conquistas do conjunto da educação profissional e tecnológica, com a
transformação do CEFET-PR em Universidade Federal especializada no ramo
tecnológico, ampliando o acesso a programas de pós- graduação, a Pesquisa
e Extensão, por outro lado, desperta nas outras unidades da Rede Federal o
interesse por status semelhante, ao mesmo tempo em que provoca a mobilização
das instituições que, por meio de seus dirigentes e por representantes da classe
política de cada estado, passam a ‘bater às portas’ do MEC, pleiteando igualdade
de tratamento alcançado pela UTFPR.
Os Estados do Acre, Amapá, Rondônia, Tocantins e o Distrito Federal
que contavam com Escolas Agrotécnicas e Escolas Técnicas, queriam ter suas
unidades de ensino transformadas em CEFETs, enquanto Estados como Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Maranhão e Bahia que já contavam com CEFETs históricos
pares do CEFET-PR, pleiteavam a transformação em Universidade Tecnológica.
Nesse contexto, aparentemente tumultuado do ponto de vista tático, em que
as instituições vinculadas a SETEC/MEC disputavam espaços no mesmo campo,
com interesses ora divergentes, ora convergentes, o MEC, na gestão do Ministro
Fernando Haddad, se antecipa e propõe a criação de uma nova institucionalidade,
inspirada no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Havia o entendimento
de que por ser um bom exemplo de Instituição de ensino superior dedicada à
área tecnológica, seria possível atender às aspirações das instituições nacionais
INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: transformações e avanços, da gênese aos
10 anos de uma nova institucionalidade 45
e de suas comunidades escolares, sem se afastar da concepção da educação
profissional técnica e tecnológica.
Pela proposta do MEC, a rede federal haveria de passar por uma
desconstrução do antigo modelo fragmentado, de Escolas Técnicas, Escolas
Técnicas vinculadas a Universidades Federais, Escolas Agrotécnicas e CEFETs,
reagrupando essas instituições numa única Autarquia que se chamaria Instituto
Federal. Essa proposta foi a que prosperou após intensos e calorosos debates nas
bases das instituições.

3.1 Tensões na preparação da histórica integração

Com o plano de criação dos Institutos traçado, o MEC, através da


Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica realiza a Chamada Pública
MEC/SETEC Nº 002/2007, convocando as Instituições federais a ela vinculadas,
a se articularem no sentido de encontrar a melhor formação e integração por
Estado, para se tornar célula mãe de cada novo Instituto Federal.
Esse processo passou por debates e discussões internas nos segmentos,
docente, discente e técnico-administrativo em busca do consenso. No princípio,
verificaram-se opiniões divergentes entre os membros do núcleo dirigente, assim
como, nos segmentos das comunidades internas. O ponto agudo nas discussões foi
compreender aspectos quanto ao futuro sustentável do novo modelo institucional.
Nesse contexto, foi possível observar incertezas e dúvidas quanto às
vantagens e desvantagens numa possível descaraterização da Rede Federal e na
função social da educação profissional técnica e tecnológica. Desde a situação
funcional dos professores, o quantitativo e demanda por novos quadros docente e
administrativo para atender às necessidades desse novo modelo, plano de carreira,
garantia de financiamento da educação profissional considerando o projeto de
expansão da Rede, tudo foi discutido e consensuado.
Outro ponto de tensão nas discussões, tornando-se um dos mais difíceis de

46 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


José Ferreira Costa e Marise Piedade Carvalho

consenso foi a nova condição jurídica e de gestão das Escolas Agrotécnicas, então
Autarquias Federais, que, a partir da integração com Escolas Técnicas ou Centros
Federais de Educação Tecnológica, perderiam a condição de autônomas para se
integrarem a um novo projeto institucional, sendo transformadas em campus, o
que soava como um rebaixamento na visão gerencial.
Em dois Estados, Rio de Janeiro e Minas Gerais, os debates e discussões
com envolvimento de alunos, professores e outras representações vinculadas à
educação, decidiram não aderir à proposta do MEC, permanecendo no modelo
CEFET, possivelmente apostando em aguardar o passo da história que lhes
elevaria à condição de Universidade Tecnológica. O Maranhão, Bahia e os
demais CEFETs, inclusive Escolas Técnicas, Agrotécnicas e Escolas Técnicas
vinculadas às Universidades Federais aprovaram a proposta do MEC e passaram
a estudar a melhor conexão integrativa com seus pares.
Circunstâncias e características históricas, culturais e sociais de
determinados Estados e regiões, arranjos produtivos diferenciados e definidos
pelo predomínio de Comércio, Indústria, Agricultura, por exemplo, suscitaram
a criação de dois ou mais institutos por Estado. Em Goiás, que antes da reforma
contava com três Centros Federais de Educação Tecnológica e uma EAF, a
organização dos institutos nesse Estado, com profundas diferenças em seus
arranjos produtivos e culturais, mostrou a necessidade de constituição de dois
Institutos Federais: o Instituto Federal Goiano, mediante a integração entre as
antigas autarquias federais instaladas no interior do Estado, CEFET Rio Verde,
CEFET Urutaí e a Escola Agrotécnica Federal de Ceres, as quais tinham projetos
politico-pedagógicos centrados no ensino Agrícola e, o Instituto Federal de Goiás,
de concepção voltada para a vida urbana, constituído mediante a transformação
do Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás.
Casos inusitados vão acontecer nos Estados do Rio de Janeiro e Minas
Gerais, em que foram respeitadas as decisões da comunidade para manterem suas
instituiçõesno modelo CEFET. O Estado do Rio que antes da reforma contava
INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: transformações e avanços, da gênese aos
10 anos de uma nova institucionalidade 47
com três Centros Federais de Educação Tecnológica: o Celso Suckow da Fonseca
(CEFET-RJ), o CEFET Química de Nilópolis e o CEFET Campos da cidade de
Campos dos Goytacazes, pela vontade da comunidade, garantiu a continuação
do CEFET-RJ, que não sofreu alterações e foi mantido na Rede Federal, porém,
criou dois Institutos Federais: o Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ),
mediante transformação do Centro Federal de Educação Tecnológica de Química
de Nilópolis (CEFET Química) e o Instituto Federal Fluminense (IFF), com a
transformação do CEFET Campus.
Antes da reforma e organização da Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica, o Estado de Minas Gerais já contava com uma apreciável
representação entre as instituições do ensino profissionalizante, sendo cinco
Centros Federais de Educação Tecnológica e sete Escolas Agrotécnicas Federais.
Com o plano de reorganização da Rede Federal, o CEFET- MG, também por
opção da sua comunidade, permanece na Rede Federal como Centro Federal de
Educação Tecnológica e criam-se 5 (cinco) Institutos Federais, conforme Art. 5º
da Lei n.º 11.892/08:

Art. 5º. (XIII) Instituto Federal de Minas Gerais, mediante


integração dos Centros Federais de Educação Tecnológica
de Ouro Preto e de Bambuí, e da Escola Agrotécnica Federal
de São João Evangelista; (XIV) - Instituto Federal do Norte
de Minas Gerais, mediante integração do Centro Federal de
Educação Tecnológica de Januária e da Escola Agrotécnica
Federal de Salinas; (XV) - Instituto Federal do Sudeste de
Minas Gerais, mediante integração do Centro Federal de
Educação Tecnológica de Rio Pomba e da Escola Agrotécnica
Federal de Barbacena; (XVI) - Instituto Federal do Sul de Minas
Gerais, mediante integração das Escolas Agrotécnicas Federais
de Inconfidentes, de Machado e de Muzambinho; (XVII) -
Instituto Federal do Triângulo Mineiro, mediante integração
do Centro Federal de Educação Tecnológica de Uberaba e da
Escola Agrotécnica Federal de Uberlândia (grifo nosso).

48 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


José Ferreira Costa e Marise Piedade Carvalho

Além dos exemplos citados, apenas Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul
e Santa Catarina, pelas suas características e circunstâncias históricas, políticas,
culturais e sociais receberam mais de um Instituto Federal, elevando para 35,
os Institutos Federais que constituem a Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica.

3.2 A rede estadual constituída pelo IFMA

O exemplo da organização dos Institutos Federais em Rede, no âmbito


nacional é seguido pelo IFMA, que constituiu no território maranhense uma
Rede Estadual pluricurricular e multicampi, a qual conta com uma unidade de
administração central, a Reitoria, localizada na cidade de São Luís e unidades sub-
regionais distribuídas nos vários municípios sedes, cujo campus é individualmente
identificado pelo nome da cidade ou município onde geograficamente se localiza.
No documento Proposta de Constituição que torna oficial a adesão do
CEFET- MA e as EAF Codó, São Luís e São Raimundo das Mangabeiras ao
modelo Instituto Federal (INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO, 2008,
p.9), consta a lista das Unidades de ensino profissional em funcionamento no
Estado, conforme Quadro 1.

INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: transformações e avanços, da gênese aos


10 anos de uma nova institucionalidade 49
Quadro 1 - Lista de Campus IFMA na fase da Implantação

Campus Monte Castelo São Luís Em funcionamento


(CEFET-Sede)
Campus Imperatriz Imperatriz Em funcionamento
(UNED-Imperatriz)
Campus Zé Doca Zé Doca Em funcionamento
(UNED- Zé Doca)
Campus Buriticupu Buriticupu Em funcionamento
(UNED- Buriticupu)

Campus São Luís-Maracanã São Luís Em funcionamento


(EAF São Luís - Sede)
Campus Codó Codó Em funcionamento
(EAF Codó - Sede)
Campus Centro Histórico São Luís Em funcionamento
(UNED-São Luís) a partir de 2008
Campus Açailândia Açailândia Em funcionamento
(UNED-Açailândia) a partir de 2008
Campus Santa Santa Inês Em funcionamento
(UNED - Santa Inês) a partir de 2008
Campus São Rdo das Mangabeiras São Raimundo das Em Implantação
(EAF - São Rdo das Mangabeiras) Mangabeiras

Fonte: IFMA, Proposta de Constituição.

Nessa fase, são dez campi em funcionamento, dos quais, sete pertenciam
ao CEFET- MA, então denominados Unidade de Ensino Descentralizada (Uned),
e três escolas Agrotécnicas: uma EAF no município de Codó, uma EAF na capital
São Luís e uma EAF no município de São Raimundo das Mangabeiras. Esta
última, constando como campus em implantação.

50 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


José Ferreira Costa e Marise Piedade Carvalho

3.3 A relação entre o Instituto Federal do Maranhão, a educação


profissional e a sociedade

De acordo com o Relatório de Gestão do IFMA, exercício de 2009,


encaminhado ao Tribunal de Contas da União (TCU), no primeiro ano da gestão
integrada, as matrículas de alunos dos campi anteriormente pertencentes ao
CEFET-MA somavam 5.863 alunos, o que corresponde a 72,5% das matrículas.
A EAF São Luís participava com 1.752 matrículas; ou 21,5% e a EAF Codó com
478 matrículas ou 6% do total de alunos matriculados. A EAF de São Raimundo
das Mangabeiras, conforme citado acima, não pontuava, visto que, ainda se
encontrava em fase de implantação. O relatório mostra em síntese, o desempenho
operacional da nova Instituição através de dados quantitativos utilizados para
aferição da eficiência e eficácia pela gestão.
Vale ressaltar, que os métodos empregados na avaliação dos indicadores
de eficiência, eficácia e efetividade adotados pelo IFMA, seguem os mesmos
padrões daqueles utilizados por entidades do setor privado, ou por organizações
de gestão pública. Segundo as quais, os indicadores cumprem papel relevante no
desenvolvimento de qualquer organização, auxiliando no planejamento e nas
definições das políticas de investimentos e manutenção. De acordo com Antico
e Jannuzzi (2019) os indicadores de gestão cumprem objetivos fundamentais
para dimensionar as transformações ocorridas, o cumprimento de metas e a
economicidade do processo, o que favorece a tomada de decisões. No tocante
a verificação de resultados, esses autores defendem que: “a avaliação de um
programa público requer indicadores que possam dimensionar o grau de
cumprimento dos objetivos dos mesmos (eficácia), o nível de utilização de
recursos frente aos custos em disponibilizá-los (eficiência) e a efetividade social”
(ANTICO; JANNUZZI, 2019, p. 19).
Em face disto, o IFMA empenhado com sua visão institucional de “ser
uma instituição de excelência em ensino, pesquisa e extensão, de referência
INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: transformações e avanços, da gênese aos
10 anos de uma nova institucionalidade 51
nacional e internacional, indutora do desenvolvimento do Estado do Maranhão”
(INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO, 2014, p.20), mantém na sua
estrutura um Pesquisador Institucional, posto de trabalho que, segundo o Instituto
Federal do Sudeste de Minas Gerais (2019, on-line), “é o interlocutor entre a
instituição e o Ministério da Educação”, para avaliar indicadores acadêmicos e de
gestão administrativa. A finalidade é identificar avanços e recuos nos resultados
obtidos através das ações institucionais, bem como acompanhar o cumprimento
de objetivos estabelecidos no Termo de Acordo de Metas, assinado em 2010, por
seus dirigentes e o ministério da educação, constante de uma lista de compromissos
“a serem atingidas em curto prazo, até 2013 [...] médio prazo até 2016 e longo
prazo 2022 “. (BRASIL, 2010a, p.3).
Por esse acordo de compromissos de parte-a-parte, cabe ao IFMA e a todas
as instituições da RFEPCT signatárias do documento, assumirem compromissos
e dar cumprimento a 19 metas:

[...] 1. Índice de eficiência da Instituição 2. Índice de eficácia


da Instituição Alcance da meta mínima de 80% de eficácia
da Instituição 3. Alunos matriculados em relação à força
de trabalho Alcance da relação de 20 alunos regularmente
matriculados nos cursos presenciais por professor. 4.
Matrículas nos cursos técnicos; 5. Matrículas para a formação
de professores e Licenciaturas; 6. Vagas e matrículas PROEJA
Compromisso da oferta de curso de PROEJA (técnico e FIC);
7. Programa de Melhoria da Qualidade da Educação Básica;
8. Programa de Formação Inicial e Continuada; 9. Oferta de
Cursos a Distância; 10. Forma de acesso ao ensino técnico
[...] assentadas em ações afirmativas; 11. Forma de acesso
ao ensino superior [...] assentadas em ações afirmativas; 12.
Forma de acesso às Licenciaturas; 13. Programas de apoio a
estudantes [...] tendo como pressuposto a inclusão de grupos
em desvantagem social; 14. Pesquisa e Inovação; 15. Projetos

52 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


José Ferreira Costa e Marise Piedade Carvalho

de Ação Social; 16. Núcleo de Inovação Tecnológica; 17.


Programas de Ensino, Pesquisa e Extensão intercampi e
interinstitucionais; 18. SIMEC, SISTec e Sistema de Registro
de Preços do MEC; 19. SIGA-EPT Adesão ao sistema SIGA-
EPT [...] (BRASIL, 2010, p.3-4).

Não cabe analisar estas metas nos limites deste artigo, contudo, será
feita uma reflexão sobre três aspectos destacados pela gestão: (i) avanços e
transformações ocorridas a partir da organização da rede IFMA e suas ações;
(ii) a proximidade entre metas pretendidas e alcançadas sobre a qual identifica a
eficácia da política de gestão adotada e a (iii) economicidade ou gestão de custos,
com base na qual, se busca produzir mais com menos recursos.
Ressalta-se que, embora os indicadores se mostrem eficientes como
instrumentos de análise na perspectiva institucional, ao favorecer a apreensão
do contexto educacional em que cada campus do IFMA desenvolve seu trabalho,
tais indicadores, por si só, não são capazes de apreender a complexa realidade do
ensino, pesquisa e extensão. Os mesmos são pautados mais pelo ajuste da gestão
entre o investimento financeiro e o quantitativo de ingressantes e concluintes
nos cursos oferecidos na instituição, e menos pelo aspecto pedagógico, pelo
princípio formativo que está em Marx, na omnilateralidade. Como lembra Sousa
Jr. (2009, n.p). As referências da educação em Marx são assentadas na ruptura
com o homem unilateral da sociedade capitalista:

[...] para Marx, a formação omnilateral é centrada na formação


humana que se opõe a formação unilateral, que por sua vez,
é provocada pelo trabalho alienado, pela divisão do trabalho,
pela reificação e pelas relações burguesas estranhadas, enfim.

Para esse autor, educação deve ser vista na perspectiva da formação


humana com foco nos aspectos de formação do ser social que se manifestam nos
campos da moral, da ética, do fazer prático, da criação intelectual, artística, da
afetividade, da sensibilidade, da emoção, etc.
INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: transformações e avanços, da gênese aos
10 anos de uma nova institucionalidade 53
No caso concreto, tomando como marco o ano de 2009 (Relatório de
Gestão como fonte), no primeiro ano de funcionamento do IFMA, observa-se
o interesse da comunidade pelos cursos ofertados, seja pela gratuidade, seja por
indício do processo de ensino- aprendizagem praticado na instituição. O Quadro
2 demonstra a procura por vagas na instituição, onde se destaca o Campus Monte
Castelo com preferência superior a 10 candidatos/vaga, mostrando que essa
unidade continua sendo a principal opção dos candidatos ao ensino profissional
e tecnológico do Estado. No primeiro processo seletivo, o IFMA ofereceu 3.461
vagas, um aumento de 42% (quarenta e dois por cento) em relação às matrículas
anteriores, inscreveram-se para esse processo seletivo um total de 20.259
candidatos, demonstrando forte interesse da classe estudantil por uma vaga na
instituição, conforme Quadro 2.

Quadro 2 - Relação Candidato /Vaga

Ano 2009
Campus
Inscrições Vagas Ofertadas Índice Percentual

Monte Castelo 10.659 1061 10,05


Imperatriz 2.121 440 4,82
Zé Doca 934 934 3,89
Buriticupu 360 360 1,00
Açailândia 692 200 3,46
Centro Histórico 635 160 3,97
Santa Inês 943 943 5,89
Alcântara 105 105 1,31
Codó 874 200 4,37
Maracanã 2.936 560 5,24
São Raimundo das - - -
Mangabeiras
Total 20.259 3.461 5,85

Fonte: Relatório de Gestão do IFMA 2009.

54 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


José Ferreira Costa e Marise Piedade Carvalho

O desafio institucional consistia em manter e melhorar os indicadores


educacionais vigentes, com impacto na vida das pessoas por meio da educação,
elevando o número de matrículas e oferta de cursos pautados na melhoria do
ensino e economicidade, com valorização do investimento realizado. Entre as 19
metas acordadas no plano, o destaque foi para o alcance da relação 20 alunos por
professor, definido na Meta – III, do citado Acordo, que definira:

Alcance da relação de 20 alunos regularmente matriculados


nos cursos presenciais por professor considerando-se, para
efeito deste Termo de Acordo de Metas e Compromissos,
os alunos dos cursos técnicos de nível médio (integrado,
concomitante e subsequente), PROEJA, cursos de graduação
(CST, licenciatura, bacharelado), de pós-graduação (lato
sensu e stricto-sensu) e de Formação Inicial e Continuada,
em relação a todo quadro de professores ativos na Instituição
(BRASIL, 2010a, p.3).

Conforme o Relatório de Gestão do exercício 2009 (INSTITUTO


FEDERAL DO MARANHÃO, 2010), a instituição contava com 632 professores
e 8.092 alunos matriculados, relação aluno/professor, ainda distante da meta
pretendida nesse indicador.
Nos anos seguintes, essa relação de proporcionalidade apresentou
crescimento com a dinâmica de investimentos na Educação Profissional prevista
no Plano de Reestruturação e Expansão da Rede Federal, Fase – II, lançada pelo
Ministério da educação, ainda no ano de 2007, por meio da Chamada Pública
SETEC/MEC nº 001/2007. Por essa ação, o MEC propôs a criação de 150 novas
Unidades em quatro anos. O IFMA e o Estado do Maranhão receberam 8 (oito)
campi, sendo instalados nos municípios de Alcântara, Bacabal, Barreirinhas, Barra
do Corda, Caxias, Pinheiro, São João dos Patos e Timon, cujos investimentos
impactaram na matrícula, assim como na relação professor/aluno, com a oferta
de ensino técnico profissional integrado ao ensino médio e o ensino superior.
INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: transformações e avanços, da gênese aos
10 anos de uma nova institucionalidade 55
Adiante, com a edição da Expansão Fase – III, em 2011, e a previsão do
MEC em criar mais 208 unidades até 2014, o IFMA receberia mais 8 (oito) campi,
os quais foram instalados nas cidades de Coelho Neto, Grajaú, Pedreiras, São José
de Ribamar, Viana, Araioses, Itapecuru-Mirim, Presidente Dutra, alcançando o
quantitativo de 26 pontos de presença.
Todas essas Unidades criadas entre 2007–2014 foram dimensionadas
obedecendo um padrão com área construída para 1.200 alunos, 60 professores
e 40 técnicos administrativos; com estrutura para laboratórios, biblioteca, áreas
de administração, vivência social, de esportes e um Plano de Desenvolvimento
Institucional, no qual está previsto que regionalmente a instituição “deve garantir
a sintonia com os arranjos produtivos socioculturais locais” (INSTITUTO
FEDERAL DO MARANHÃO, 2014, p. 29). Quanto ao critério de seleção das
cidades sedes das novas Unidades, estes haviam sido definidos na Chamada
Pública 001/2007, explicitada a seguir:

A definição das localidades contempladas orientou-se por uma


abordagem multidisciplinar, fundamentada em análise crítica
de variáveis geográficas, demográficas, socioambientais,
econômicas e culturais, com destaque para as seguintes
finalidades: a) distribuição territorial equilibrada das novas
unidades de ensino; b) cobertura do maior número possível de
mesorregiões em cada Unidade da Federação; c) proximidade
das novas unidades de ensino aos Arranjos Produtivos Locais
instalados e em desenvolvimento; d) interiorização da oferta
pública de educação profissional e de ensino superior; e) redução
dos fluxos migratórios originados nas regiões interioranas com
destino aos principais centros urbanos; f) aproveitamento de
infraestruturas físicas existentes; g) identificação de potenciais
parcerias (BRASIL, 2007a, p.1).

A escolha da localização dos campi pelo IFMA incluiu, ainda, o critério


do programa “Territórios da Cidadania”, o qual defende “garantia de direitos

56 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


José Ferreira Costa e Marise Piedade Carvalho

sociais voltados às regiões do país que mais precisam” (BRASIL, 2008, p.5).
De acordo com o Quadro 3, esses campi localizam-se em 23 das 32 Regiões de
Planejamento instituídas pelo Governo Estado (MARANHÃO, 2007, p.1).

Quadro 3 – IFMA: distribuição dos campi por Região

REGIÃO de PLANEJAMENTO CAMPUS


1. Chapada das Mesas Porto Franco*, Carolina*.
2. Ilha do Maranhão São José de Ribamar, São Luís Centro
Histórico, Maracanã, Monte Castelo.
3. Pré-Amazônia Presidente Dutra.
4. Serras Grajaú.
5. Alpercatas Colinas**
6. Alto Turi Zé Doca.
7. Baixo Balsas São Raimundo das Mangabeiras.
8. Baixo Itapecuru Itapecuru-Mirim.
9. Baixo Munim Rosário*
10. Litoral Ocidental Mirinzal**
11. Região do Mearim Bacabal, Vitorino Freire**
12. Médio Mearim Pedreiras.
13. Médio Parnaíba Timon.
14. Pericumã Alcântara, Pinheiro.
15. Pindaré Santa Inês.
16. Sertão Maranhense São João dos Patos.
17. Tocantins Imperatriz.
18. Carajás Açailândia, Buriticupu.
19. Cocais Codó.
20. Guajajaras Barra do Corda
21. Lagos Viana.
22. Lençóis Maranhenses Barreirinhas.
23. Timbiras Caxias, Coelho Neto.

Fonte: Pesquisa documental do autor.


INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: transformações e avanços, da gênese aos
10 anos de uma nova institucionalidade 57
4. Discussões e resultados

Decorridos 10 (dez) anos da criação do IFMA, uma instituição singular


por sua concepção curricular que articula o ensino desde o nível médio-técnico
ao superior e à pós- graduação, ao se debruçar sobre os dados coletados nas
plataformas Nilo Peçanha referente aos anos de 2017 e 2018; sobre os Relatórios
de Contas Anuais do IFMA de 2009 a 2018 e sobre o e-Contas Portal TCU de 2009
a 2018, observa-se que são palpáveis os avanços e as transformações ocorridas
nessa instituição, bem como os impactos sociais com a capilaridade da Rede
Estadual do IFMA. Seu Projeto Político Institucional (PPI) aponta uma nova
ordem instituída pela educação, com centralidade no desenvolvimento da pessoa;
no preparo para o exercício da cidadania e na qualificação para o trabalho.
No Quadro – 4, a relação custo/aluno/professor do IFMA na série histórica
(2009 – 2018), tendo por foco a evolução do quantitativo de alunos, relativamente
a professores, bem como o custo/ano de cada aluno, atesta resultados satisfatórios.
Vale ressaltar o que dispõe o Termo de Acordo de Metas assinado pelo
IFMA junto ao MEC, com o compromisso de ser atingido em curto, médio e
longo prazos. O IFMA foi uma das Instituições que bateram as metas antes do
prazo. Observa-se que o acordo (MEC, 2010a, p.3) tem como parâmetro temporal
o ano 2016 para aferição do cumprimento das metas. No que se refere a relação
aluno/professor, o pretendido era atingir 90% da meta de 20 alunos por professor.
Essa meta foi atingida 100% e até superou a marca pretendida.
No que tange a eficiência, verifica-se por meio dos dados do ano referência
2016, que neste ano, o custo de cada aluno representou (Quadro – 4) R$ 11.711,00,
(onze mil setecentos e onze reais) valor bem abaixo do custo aluno/ano de 2009,
mostrando uma economia de 4,5% (quatro e meio por cento) por aluno/ano.

58 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


José Ferreira Costa e Marise Piedade Carvalho

Quadro 4 – Relação Custo/Aluno/Professor do IFMA - Série Histórica.


ANO 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

ALUNO 8.092 10.933 16.655 24.179 33.067 29.398 31.099 36.703 31.960 34.197

PROF. 632 642 973,5 1.135,5 1.240,5 1.091,5 1.171,5 1.409,5 1.737 1.796

MÉDIA 12,8 17,4 17,12 21,29 26,66 27,03 26,54 26,04 18,39 19,04

CUSTO 12.267 11.965 10.048 8.177 7.377 9.659 11.200 11.711 15.735 16.201

Fonte: Relatórios de Gestão TCU e Plataforma Nilo Peçanha.

O Instituto Federal do Maranhão atuando no Ensino, Pesquisa Científica


e Tecnológica e na Extensão, chega ao décimo ano de funcionamento com
marcas positivas, uma força de trabalho docente composta por 1.796 professores,
mobilizada para oferecer 506 cursos (PNP, 2019, aba Cursos), elevando as
matrículas para 34.197 alunos, em vários níveis e modalidades.
Entre as ações educativas sobre as quais ocorreu maior avanço nessa fase
“inicial”, encontra-se a Educação a Distância (EaD). Nessa área, o IFMA fundou
uma estrutura constituída de um núcleo gestor, o Centro de Referência Tecnológica
(CERTEC), responsável pela política de EaD. O CERTEC funciona como centro
de apoio à operacionalização dos projetos e/ou programas que, em colaboração
com os Campi, planeja e acompanha cursos na modalidade EaD. Com o apoio do
CERTEC, essa modalidade estendeu-se a vários municípios. Segundo o Relatório
de Gestão (IFMA, 2017, p.81), o IFMA ofereceu oportunidades de Educação a
Distância, com polos presenciais, em 42 municípios maranhenses.
O ensino superior presencial é outro segmento que passou por grandes
transformações. Na fase da constituição do IFMA, a oferta de ensino superior era
restrita ao CEFET sede e a Uned Imperatriz. Com a nova institucionalidade e os
investimentos ocorridos em pessoal e novas instalações, a instituição encerrou o
ano de 2017 com 18 campi em funcionamento, oferta de 61 cursos em 26 áreas
INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: transformações e avanços, da gênese aos
10 anos de uma nova institucionalidade 59
distintas (PROEN/IFMA, 2018). Vale ressaltar que na maioria dessas cidades do
interior, até a chegada do IFMA não havia oferta desse nível de ensino.
Os campi Codó e São Luís Maracanã com origem nas extintas Escolas
Agrotécnicas Federais, antes da organização da Rede RFEPCT e sua conexão
integrativa ao IFMA, integravam o conjunto de Autarquias que lutava pela
transformação para CEFET a fim de ter acesso ao ensino superior. Com o ato
criador do IFMA, essas aspirações foram satisfeitas.
O campus Codó, que, em 2008, oferecia apenas 402 vagas em cursos
de Educação Profissional Técnica integrada ao ensino médio, expandiu suas
matrículas no nível médio e implantou o ensino superior. Segundo Santos (2018,
p.70), em 2015, dos 1.339 alunos matriculados, 56% (cinquenta e seis por cento)
eram do ensino superior. O campus São Luís Maracanã, que, em 2009, tinha oferta
de cursos restrita ao nível médio, passou a oferecer cursos em nível superior. Sem
desprezar o foco no ensino técnico-profissional de nível médio, chegou a ofertar,
em 2018, cinco cursos superiores: Agronomia, Ciências Agrárias, Tecnologia em
Alimentos, Educação no Campo e Zootecnia.

5. Considerações finais

O espaço de um artigo é circunscrito quando se trata de alcançar o conjunto


de elementos que de fato possam contribuir para uma análise acerca de avanços,
transformações e impactos sociais e educacionais causados por uma determinada
política pública, a exemplo do que este se propõe acerca do IFMA aos 10 anos
da sua criação.
Nessa perspectiva, inúmeras outras questões surgem como
prolongamento das discussões e dos resultados alcançados no contexto da
investigação realizada. Por isso, fica a sugestão para que as respostas a esses
questionamentos sejam buscadas por meio de novos estudos aqui suscitados,
tendo este como ponto de partida.

60 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


José Ferreira Costa e Marise Piedade Carvalho

Sem pretensão de esgotar a análise em torno do objeto, entendemos que


a organização e a estrutura que deram origem ao IFMA, resultaram em avanços
na primeira década do seu funcionamento. Veio com o IFMA novos pontos de
presença da Educação Profissional e Tecnológica, campi distribuídos em várias
regiões do estado, ampliação da oferta de cursos e vagas nos níveis técnico e
de graduação, além da abertura de novos postos de trabalho para o magistério,
mediante concursos públicos. São indicadores de desenvolvimento a partir da
política educacional implantado pelo IFMA, com ações afirmativas, inclusão de
alunos de baixa renda, cotas raciais e a geração de emprego.
A despeito do curto espaço para análise de muitos dados encontrados
na pesquisa, não resta dúvida que a integração entre as Escolas Agrotécnicas
Federais e o CEFET-MA, que deu origem ao Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Maranhão, assegurou, nos primeiros 10 (dez) anos
de funcionamento, avanços e transformações no contexto educacional, social,
cultural e na formação profissional da população maranhense, seja (i) pela
verticalização do ensino, que além do nível médio técnico passou a ofertar cursos
em nível superior, com espaços para pesquisa e extensão; seja (ii) pela expansão
que ocorreu entre 2009 e 2018, com a instalação de 18 (dezoito) campi em todo
o Estado do Maranhão, oferecendo 61 cursos, em 26 áreas do saber profissional,
tecnológico e na formação de professores.

INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: transformações e avanços, da gênese aos


10 anos de uma nova institucionalidade 61
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66 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE:
PRÁTICAS DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO NO CONTEXTO
DO PROJETO MEMORIAL IFMA

Creudecy Costa da Silva 9


Terezinha de Jesus Campos de Lima10

1. Introdução

O Projeto Centro de Preservação da Memória do Instituto Federal de


Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – MEMORIAL IFMA – ação
em andamento desde o ano de 2015, integra o rol de projetos estratégicos do
Instituto Federal do Maranhão e funciona nas dependências do Campus São
Luís-Centro Histórico na área central da capital maranhense. Seus objetivos são
pesquisar, identificar, catalogar, conservar e disponibilizar o patrimônio escolar
material e imaterial da educação profissional do Maranhão remanescente do
século XX para pesquisadores e público em geral. Elaborado por um grupo de
servidores, o projeto busca também a criação e implantação de uma política de
preservação da memória institucional no âmbito da Rede Federal de Educação
Profissional do Maranhão.
A motivação inicial do projeto se deu com as comemorações do Centenário
da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, ocasião em que foi
inaugurada, no Campus São Luís-Centro Histórico – CCH, uma Galeria que recebeu

9 Mestra em Ciências Sociais pela (UFMA). Líder do Grupo de Pesquisa História, Cultura e
Patrimônio (GPHCP/IFMA). Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Maranhão (IFMA).
10 Doutora em Educação e Mestra em Gerontologia (Unicamp). Professora do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA). Líder do Grupo de Pesquisa Velhice, Cultura
e Sociedade (GEVCS/IFMA). Membro do Grupo de Pesquisa História, Cultura e Patrimônio (GPHCP –
Linha Patrimônio, Memória e Envelhecimento). Membro da Rede de Pesquisadores de Turismo, Patrimônio
e Políticas Públicas da Pan-Amazônia (TPP PAN-AMAZÔNIA) (UFPA).

67
uma coleção de fotografias, além do lançamento de um selo comemorativo11. Em
anos posteriores a Galeria foi fechada, cedendo espaço para outras demandas do
CCH e, somente em 2014 essas fotografias, emolduradas em telas de vidro e
bronze, foram expostas no Saguão Principal do Campus, reforçando a ideia de
preservação da memória Institucional.
Em 2015, o mesmo grupo de servidores elaborou um projeto que foi
submetido ao Edital n° 26/2015 – ADOC da Fundação de Amparo à Pesquisa
e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA12)
intitulado Centro de Preservação da Memória do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Maranhão – MEMORIAL/IFMA, cujo recurso
financeiro foi de fundamental importância para a realização das ações previstas
nele e denominadas de Fase I. Na ocasião, foram realizadas um conjunto de
ações voltadas para o mapeamento, catalogação, higienização e divulgação das
coleções que formam o acervo do Memorial, a saber: Museológico - composto
por peças de mobília, louças, objetos religiosos, troféus, medalhas, selos e itens
históricos ligados à identidade institucional; Documental - documentos oficiais
ligados à instituição; Fotográfico - coleção de fotografias diversas (atos, desfiles,
rotina escolar, eventos educativos, culturais etc.; e, Audiovisuais - filmes,
documentários, gravações, registros de exposições e ações da escola.
Pela diversidade das coleções, o acervo em questão é fonte privilegiada
para o conhecimento da história da Educação Profissional no Estado. Embora este
seja um meio de conhecimento sobre períodos anteriores da história do Instituto
Federal do Maranhão, é necessário atentar que tais objetos, hoje museológicos,
faziam parte do cotidiano do espaço escolar, portanto, carregados de valores e
ideologias da sociedade de então, como alerta Sanfelice (2007):

11 Em 2009 a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica comemorou seu Centenário,


culminando também com a transformação dos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), Escolas
Técnicas e Agrotécnicas Federais (ETFs e EAFs) e Escolas Técnicas vinculadas às Universidades em
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
12 FAPEMA – Edital ADOC – 04290 – 2015.

68 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

No interior das instituições há um quebra-cabeça a ser


decifrado. Uma vez dentro da instituição, trata-se de se fazer
o jogo das peças em busca dos seus respectivos lugares.
Legislação, padrões disciplinares, conteúdos escolares,
relações de poder, ordenamento do cotidiano, uso dos espaços,
docentes, alunos e infinitas outras coisas ali se cruzam. Pode-se
dizer que uma instituição escolar ou educativa é a síntese de
múltiplas determinações, de variadíssimas instâncias (política,
econômica, cultural, religiosa, da educação geral, moral,
ideológica etc) que agem e interagem entre si, acomodando-se
dialeticamente de maneira tal que daí resulte uma identidade
(SANFELICE, 2007, p. 77).

Nesse sentido, cumpre dizer que os referenciais teórico-metodológicos


que embasaram a concepção do projeto e a implementação de todas as ações
realizadas até os dias atuais, seguem autores que se dedicam à temática
de museus, da memória, da história e do patrimônio cultural, dentre eles o
museólogo Mário Chagas (2007, p. 10) que, ao afirmar que os museus estimulam
a criatividade, mexe com as afetividades e atiça o pensamento crítico. É um
entendimento que corrobora a ideia de que esses espaços são apropriados
para o desenvolvimento de ações de ensino, pesquisa e extensão com foco na
preservação e fortalecimento da memória institucional para jovens estudantes e
também para a sociedade em geral.
Nesses termos, o Memorial IFMA, enquanto um lugar de memória13,
criado e desenvolvido dentro da academia, constitui-se como espaço propício
para o desenvolvimento de uma educação voltada para os patrimônios (material
e imaterial) por ser um território, por excelência, de produção e construção de
conhecimento. Ademais, essa é uma forma de compartilhar com o Estado e a
Sociedade Civil Organizada a responsabilidade pela preservação de bens públicos14

13 Esse termo está sendo usado no sentido atribuído por Pierre Nora em sua obra “Entre Memória e
História: a problemática dos lugares”.
14 Bens públicos são todos aqueles que, de qualquer natureza e a qualquer título, pertencem às

RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,


pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 69
que carregam consigo parte de uma memória pertencente a uma coletividade,
nisto referimo-nos à memória da Educação Profissional do Maranhão. Aqui são
significativas as palavras de Chagas (2007):

Durante longo tempo os museus serviram apenas para preservar


os registros de memória e a visão de mundo das classes mais
abastadas; de igual modo funcionaram como dispositivos
ideológicos do Estado e também para disciplinar e controlar o
passado, o presente e o futuro das sociedades em movimento.
Na atualidade, ao lado dessas práticas clássicas um fenômeno
novo já pode ser observado (CHAGAS, 2007, p. 10).

Assim, se na atualidade os museus desempenham esse papel,


historicamente nem sempre foi assim. Contudo, esses chamados
lugares de memória, vêm adquirindo, também, no cenário brasileiro
e dentro da própria Rede Federal de Educação Profissional15
, relativa importância como espaços de produção de conhecimento e de diálogo
com a comunidade. Trata-se de espaços que dialogam, hoje, não somente com
questões do passado, mais com questões do presente e, se projetam como
auxiliares na solução de problemas como a perda de memória e de referencial no
âmbito da sociedade atual.
Ao abordar o tema da memória neste trabalho, a escolha do aporte
teórico recaiu sobre autores já referendados como Maurice Halbwachs16, que ao

pessoas jurídicas de direito público, sejam elas federativas, como a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, sejam da Administração descentralizada, como as autarquias, nestas incluindo-se as fundações
de direito público e as associações públicas.
15 Ver trabalho como o de Zuleide Simas da Silveira, O Centro de Memória do CEFET/Rio de
Janeiro: fotografia e formação profissional.
16 A noção de memória utilizada neste trabalho está apoiada nas considerações de Maurice
Halbwachs que acredita na existência dos seguintes tipos de memória: coletiva, individual e histórica. A
primeira está relacionada a uma história vivida, na qual o passado permanece vivo na consciência de um
grupo social. Esta noção é contraposta à histórica que seria uma forma de conhecimento do passado exterior
ao domínio do vivido. Ver HALBWACHS, 2004, p. 57-94.

70 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

estudar os quadros sociais da memória entendeu que estes eram a combinação


das lembranças individuais de vários membros de uma mesma sociedade
(HALBWACHS, 2004). Por este ângulo, os trabalhos com a memória ultrapassam
as individualidades, atingindo o coletivo, pois, ainda de acordo com o supracitado
autor, a memória individual possui relação de dependência com os grupos dos
quais fazem ou fizeram parte. Logo, não se compreende o pensamento individual
sem o recolocar no pensamento do grupo correspondente. Aliás, o ponto de vista
de Halbwachs é o de que:

Um homem, para evocar seu próprio passado, tem frequentemente


necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele se
reporta a pontos de referência que existem fora dele, e que
são fixados pela sociedade. Mais ainda, o funcionamento da
memória individual não é possível sem esses instrumentos que
são as palavras e as ideias, que o indivíduo não inventou e que
emprestou de seu meio (HALBWACHS, 2004, p.54).

A necessidade de fazer uso dessa teoria é por acreditar, como Halbwachs,


que a memória coletiva é o alicerce, a base, que dá sentido para a vida de uma
instituição e que os acervos museológicos são carregados de significados que
lhes foram atribuídos pelos sujeitos que a construíram e a constroem. Por
isso, compreendemos que preservar esse patrimônio material e imaterial17
possibilita que a instituição se reconheça e/ou seja reconhecida ao longo de sua
trajetória, constituindo uma identidade sólida passível de identificação pelos
indivíduos que a compõem e pela sociedade que a rodeia.
Deve-se considerar ainda que, a memória, individual ou coletiva, é
necessária à atualização da percepção da realidade, e é o que torna possível a

17 Os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social
que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas,
musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais
coletivas). A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio
cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial.

RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,


pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 71
compreensão das transformações operadas, seja na sociedade como um todo ou
no interior de uma instituição centenária como o IFMA. Um relato baseado na
memória é uma forma de superar lacunas, desfragmentando o passado e buscando
criar uma conexão com o presente. É a possibilidade de se compreender como a
instituição de outrora é percebida, vivenciada e reconstruída por aqueles que dão
sentido à sua própria existência.
Dentre outros autores utilizados para o embasamento da realização das
ações de ensino, pesquisa e extensão do Memorial IFMA, destaca-se ainda Ecléa
Bosi que, assim como Halbwachs, acredita que “a lembrança é a sobrevivência
do passado’’. O passado, conservando-se no espírito de cada ser humano, aflora
à consciência na forma de imagens-lembrança” (2003, p.63). E, na maior parte
das vezes:

Lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar,


com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. A
memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar
da sobrevivência do passado, “tal como foi” e que se daria
no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem
construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição,
no conjunto de representações que povoam nossa consciência
atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato
antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na
infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque
nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas ideias, nossos
juízos de realidade e de valor (BOSI, 2003, p.57).

Nesses termos, o IFMA que aflora das lembranças dos indivíduos (ex-
alunos, servidores aposentados e sociedade em geral) ao terem contato com as
coleções/acervos que se encontram sob os cuidados do Memorial IFMA, não
é mais o mesmo que marcou seus cotidianos no passado (ETFMA, CEFET),
mas a reconstrução delas com dados emprestados do presente. Assim, por
meio da memória é possível construir/reconstruir narrativas que contemplem

72 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

representações do Instituto Federal do Maranhão em tempos passados, pois, de


um lado, a memória se apoia no passado vivido e, do outro, ela se conserva no
grupo, como afirma Halbwachs.
Com efeito, assim como a memória, a História também é marcada pelo
tempo, fato que a torna fragmentada e assinalada por múltiplos movimentos,
traduzidos por mudanças lentas ou abruptas. Na maior parte das vezes, esses
processos, contraditórios entre si, acontecem simultaneamente e se integram a
uma mesma dinâmica histórica. “São os denominados conflitos da História, que o
marxismo conceituou como luta de classe e que, em tempos contemporâneos, têm
sido identificados como contradições intrínsecas à própria condição do homem
como ser social” (DELGADO, 2010, p. 15).
Retomando a história e o papel do Memorial IFMA, vale destacar
que é esse aparato centrado no campo da relação entre história, educação
e memória subsidiado pelos aportes até aqui expostos que vem espelhando e
norteando as experiências desenvolvidas no projeto que, alçado à condição de
projeto estratégico tem suas ações e práticas educativas alinhadas ao Plano de
Desenvolvimento Institucional (PDI) nos seguintes pontos: (1) fortalecimento da
imagem institucional; (2) ampliação e integração do ensino, pesquisa e extensão;
e (3) aprimoramento da comunicação interna e externa.
Destarte, é este enfoque que expressa o objetivo do presente artigo em
apresentar parte de um conjunto de ações do Projeto Memorial IFMA localizadas
nas dimensões do saber-fazer acadêmico, à luz de uma reflexão continuada e
ampliada com a adição de outros teóricos em que se pondera também sobre tempo,
expansão e ausência de políticas. A intenção é, por conseguinte, chamar atenção
para essas questões anteriormente à revisitação das Fases I e II do Memorial
IFMA que reverberam uma linha passado – presente constituída das marcas
e dos marcos desta instituição centenária, que é parte da história da educação
profissional maranhense e brasileira.

RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,


pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 73
2. Fragmentação da memória: tempo, expansão e ausência de políticas

Como frisado, o tempo é um dos pilares que sustentam as ações desenvolvidas


pelo Projeto Memorial IFMA por se tratar de uma instituição centenária, cuja
trajetória histórica lhe conferiu uma feição diferenciada em momentos distintos de
sua existência. Atualmente, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Maranhão é formado por 29 Campi, sendo 3 (três) em São Luís e os demais
localizados em municípios do Estado. À vista disso, não tem como negar que o
tempo distancia, cada vez mais, aquela que teve início, em 1909, no bairro do
Diamante, na capital maranhense, denominada de Escola de Aprendizes Artífices18
– que em décadas posteriores foi chamada de Liceu Industrial de São Luís (1937),
Escola Técnica Federal de São Luís (1942), Escola Técnica Federal do Maranhão
(1965), Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão (CEFET-MA)
(1989) – daquela que hoje é conhecida e reconhecida como IFMA desde 2008. São
mais de um século de história marcados pelas mudanças e transformações advindas
da sociedade, mas, sobretudo, daquelas decorrentes de políticos governamentais
ao longo desse período.
É possível afirmar que o distanciamento entre esses diversos períodos,
do hoje, Instituto Federal do Maranhão, se deu a partir de alguns elementos
passíveis de serem identificados e aqui destacamos o tempo, a expansão da
Rede Federal e a ausência de uma política de preservação da memória. Esse
tripé alavancou o distanciamento e a falta de diálogo entre esses diversos
momentos, embora marcados por características diferenciadas, mas que fazem
parte de uma mesma Instituição.
Para Ciro Flamarion Cardoso (2018, p.10), a noção de tempo é pertinente
para as Ciências Sociais e Humanas e que este, “é capital, tanto científica, como

18 A instituição funcionou inicialmente no bairro do Diamante, localizado na cidade de São Luís, no


prédio que abrigou a extinta Casa de Educandos e Artífices do Maranhão. Ver CASTRO 2009, p. 60.

74 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

existencialmente”; já Norbert Elias diz que “[...] o tempo não se deixa ver, tocar,
ouvir, saborear, nem respirar como um odor” (ELIAS, 1998, p. 7). Entretanto, os
dois autores concordam que apesar de aparentemente abstrato, o tempo é uma
vivência concreta e se apresenta como categoria central da dinâmica da história.
Daí ser fundamental para o entendimento de estudos como este que se propõem a
analisar e reconstruir uma trajetória que aos poucos vem se esvaindo no tempo. A
esse respeito esclarece Cardoso:

A revolução trazida ao pensamento científico por teorias como


a relatividade e a mecânica quântica não se limita [...] a [seus]
aspectos [...] específicos. Modifica toda a visão de mundo e,
por conseguinte, provoca também transformações radicais
nas tendências da filosofia das ciências, fortalecendo ou, pelo
contrário, enfraquecendo ou destruindo escolas de pensamento
anteriormente existentes, provocando o aparecimento de
correntes novas [...]. Tudo isto cria um ambiente geral de
pensamento − em termos globais e também quanto a problemas
específicos, como o do tempo que nos ocupa agora − que não pode
deixar de influir sobre os historiadores, os quais forçosamente
participam da visão de mundo de sua sociedade e de sua época,
nas suas múltiplas variantes (CARDOSO, 2018, p. 11).

Nesse sentido, o tempo apresenta-se como um movimento possuidor de


múltiplas faces e com características e ritmos diferenciados que, se inserido
na trajetória de uma Instituição como o IFMA, implica em continuidades e
descontinuidades. É um processo em eterno curso e em permanente devir,
interferindo em visões sobre o passado e avaliações sobre o presente. Assim sendo,
o olhar para o IFMA de outrora, traz em si a marca da historicidade.
Seria possível dizer que a História é a consciência do passado no tempo?
Não sabemos responder, mas reconhece-se que esta possui um grande desafio
que consiste na busca incessante de conhecer o passado, utilizando-se dos lastros
(como aqueles encontrados nos espaços museais) do que passou, pois estes servem
como suportes da consciência do ser humano, como assinalou Ecléa Bosi:
RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,
pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 75
Destruindo os suportes materiais da memória, a sociedade
capitalista bloqueou os caminhos da lembrança, arrancou seus
marcos e apagou seus rastros. “A memória das sociedades
antigas se apoiava na estabilidade espacial e na confiança
em que os seres de nossa convivência não se perderiam,
não se afastariam. Constituíam-se valores ligados à práxis
coletiva como a vizinhança versus mobilidade), a família
larga, extensa iversus ilhamento da família restrita), apego
a certas coisas, a certos objetos biográficos (versus objeto
de consumo). Eis aí, alguns arrimos em que a memória se
apoiava” (BOSI, 2003 p.18).

O tempo presente possibilita ao ser humano dimensionar a temporalidade


em seus múltiplos movimentos ancorados pelos resquícios deixados por tempos
passados. Segundo Marc Bloch (2001), “é preciso desenrolar a bobina ao
contrário, partir do hoje para mergulhar no passado e assim reconhecê-lo”. Nesse
sentido, espaços museológicos como o Memorial IFMA são potencialmente
acionadores desse passado por oferecerem através de suas diversas ações pontes
capazes de estabelecer uma conexão tempos anteriores.
Com isso, queremos dizer que a identidade que cada escola e seus
professores, gestores, funcionários e alunos constroem é um processo dinâmico,
sujeito permanentemente à reformulação relativa às novas vivências, às relações
que estabelecem. De outra parte, esse processo está fortemente enraizado na
cultura do tempo e do lugar onde os sujeitos sociais se inserem e na história que
se produziu a partir da realidade vivenciada, que constitui ela mesma “um lugar
de memória”, da forma teorizada por Pierre Nora (1993)19.

Os lugares de memória pertencem a dois domínios, que a tornam


interessante, mas também complexa: simples e ambíguos,
naturais e artificiais, imediatamente oferecidos à mais sensível
experiência e, ao mesmo tempo, sobressaindo da mais abstrata

19 O termo está sendo utilizado da forma pensada por Pierre Nora (1993), ou seja, como lugares
materiais onde a memória social se ancora e pode ser apreendida pelos sentidos.

76 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

elaboração. São lugares, com efeito nos três sentidos da


palavra, material, simbólico e funcional, simultaneamente,
somente em graus diversos. Mesmo um lugar de aparência
puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar
de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica
(NORA, 1993, p. 21).

Neste ponto de vista, é possível dizer que lugares de memória são o espaço
de presenciar o momento histórico de cada período vivenciado pelo Instituto
Federal do Maranhão na fronteira entre o que ele foi nessas diversas etapas e o
que ele é na atualidade. Isto faz crer que a ausência de uma política institucional
de preservação da memória, contribuiu ainda mais para o esfacelamento dessa
memória já fragilizada pelo tempo.
A busca da identidade dessa instituição escolar é um compromisso do projeto
que busca, através de suas diversas ações envolvendo comunidade interna e externa,
fortalecer a imagem institucional que se encontra fragmentada. Defende-se que tal
fragmentação é também fruto do processo de ampliação da Rede Federal que criou
o Plano de Expansão da Educação Profissional, implantando escolas federais
profissionalizantes em Estados ainda desprovidos delas. Iniciado no ano de 200620
– visando alavancar o desenvolvimento de regiões geograficamente delimitadas
do interior do país por meio do incremento dos processos de escolarização e de
profissionalização de suas populações – o Plano de Expansão fez com que o
IFMA, até então constituído por 521 campi, passasse a ter 29 campi no Estado.

20 Em 2006, na intenção de alavancar o desenvolvimento do interior do país, por meio do incremento


dos processos de escolarização e de profissionalização de suas populações, o governo federal criou o Plano
de Expansão da Educação Profissional – Fase I, com a implantação de escolas federais profissionalizantes
em periferias de metrópoles e municípios distantes dos centros urbanos. No ano seguinte, veio a fase II,
com o objetivo de criar uma escola técnica em cada cidade-polo do país. A intenção era cobrir o maior
número possível de mesorregiões e consolidar o compromisso da educação profissional e tecnológica com
o desenvolvimento local e regional.
21 No ano de 1989, a Escola Técnica Federal do Maranhão foi transformada pela Lei nº 7.863 em
Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão (CEFET-MA), adquirindo também a competência
para ministrar cursos de graduação e de pós-graduação. Esse período de transformação em CEFET
propiciou o crescimento da instituição no Estado e levou à criação da Unidade de Ensino Descentralizada
de Imperatriz (UNED). No ano de 1994, a Lei Federal nº 8.984 instituiu no país o Sistema Nacional de

RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,


pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 77
Ademais, se por um lado a expansão possibilitou alcançar um maior
número de mesorregiões almejando consolidar o compromisso da educação
profissional e tecnológica com o desenvolvimento local e regional, por outro, este
processo parece ter fragilizado ainda mais a memória dessa instituição centenária.
Como, então, agir em benefício do diálogo entre questões do passado e questões
do presente pensando no que pode significar a instituição se reconhecer e/ou
ser reconhecida por sua identidade pelos indivíduos que a conformam e pela
sociedade que a cerca, tal como já discutido? É essa intencionalidade que rege
as práticas do Memorial IFMA como projeto que se coloca pela luta da criação
de uma política de memória, pela salvaguarda de acervos materiais e imateriais
vinculados ao Instituto e pela implantação de um espaço físico de referência para
a sua história secular.

3. Ações de ensino, pesquisa e extensão: fortalecendo a Imagem


Institucional, estimulando a interação entre os saberes e contribuindo com
a comunicação

O projeto Memorial IFMA atua de forma articulada nos três pilares da


educação – ensino, na pesquisa e na extensão – oportunizando a discentes do
ensino médio integrado e superior desenvolverem habilidades que os possam levar
a interligar teoria, prática e democratização do conhecimento com a comunidade
em geral. Assim apresentaremos algumas das ações e projetos selecionados para
compor este trabalho, uma escolha que se deu pela relevância das propostas e
pelo período de execução que lhes situa, ou seja, são aqui sublinhadas aquelas
realizadas mais recentemente.
Assim, iniciaremos como o Memorial IFMA Itinerante: preservação,
valorização e divulgação da Memória do Instituto Federal de Educação, Ciência

Educação Tecnológica, abrindo caminho para que as Escolas Agrotécnicas Federais também reivindicassem
sua integração ao sistema, o que efetivamente só ocorreu em 1999.

78 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

e Tecnologia do Maranhão (IFMA) - AÇÕES MULTICAMPI, um projeto de


caráter extensionista que tem como meta principal integrar e sensibilizar os campi
da Rede Federal de Educação Profissional do Maranhão sobre a importância e
urgência de cuidar da preservação da memória Institucional, não somente aquela
mais antiga, mas aquela que se encontra em pleno processo de construção.
A proposta do Memorial Itinerante é de abranger todos os 29 campi do
IFMA, orientada a uma execução por fases. A primeira edição, realizada em
março de 2021, foi dedicada aos campi da Região Metropolitana de São Luís:
São José de Ribamar, Alcântara, Centro Histórico, Maracanã e Monte Castelo.
Planejado inicialmente para acontecer na forma presencial, foi
especialmente reconfigurado para um formato remoto, mediado por tecnologias
da informação devido às limitações impostas pela pandemia da Covid-19. A
programação, baseada nos objetivos definidos, utilizou-se do acervo museológico,
fotográfico e da divulgação de pesquisas realizadas pela Equipe do Memorial
IFMA e ocorreu em dois dias, visando a não fadigar os participantes por ser
online. Contou com um público interno e externo em transmissão ao vivo pela
TV IFMA, via Plataforma YouTube, além de ter parte da programação exposta
em redes sociais (Instagram e Facebook) (Figura 1).
A referida programação contou com a exibição de vídeos de servidores
dos cinco campi envolvidos, relatando suas trajetórias vinculadas ao IFMA como
forma de valorização das memórias recentes e também como estímulo à criação
de laços identitários destas com aquelas mais distantes. As produções partiram
da crença de que essas memórias são passíveis de se encontrar, simbolicamente,
por sua constituição histórica, uma vez que esse encontro é formado pela
“memória dessas pessoas, que ajudam a construir a memória da organização e,
principalmente, fornecem subsídios para uma possível configuração documental
de seu retrospecto mnemônico” (COSTA; CELANO 2012).
Reforçando esse ponto de vista foi exibida a Exposição
Temática Heber Macambira: a narrativa de uma vida na tradição
RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,
pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 79
fotográfica, visibilizando a trajetória e o legado de Heber Macambira22
como fotógrafo oficial da então Escola Técnica Federal do Maranhão (ETFMA)
e fazendo uso de imagens pertencentes à coleção fotográfica da Instituição. O
projeto contou ainda com uma (01) mesa-redonda, intitulada Conservação em
Museus, integrando pesquisadores da UFMA e do IFMA com o objetivo de
instrumentalizar servidores dos campi envolvidos para as práticas de cuidado
com seus acervos. Na mesma direção foi realizada a Oficina de Experimentos
Fotográficos Reconstruindo Memórias: limpeza, higienização e guarda de
fotografias vernaculares, trazendo como foco o manuseio e o cuidado com esse
tipo de material.

Figura 1: Projeto Memorial IFMA Itinerante 2021: projeção de imagens


Fonte: Acervo Memorial IFMA, 2021.

Diante dessa ação, reforça-se a compreensão de que a memória é um


elemento eficaz e estruturante da identidade das instituições e se faz necessário

22 Heber Macambira Pinto foi técnico administrativo do IFMA, ingressou em 1968, na época Escola
Técnica Federal do Maranhão e faleceu em 2012. Ao iniciar a carreira na instituição começou registrando
atividades tidas como cotidianas do fazer escolar e com o passar do tempo tornou-se uma espécie de
“fotógrafo oficial”.

80 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

ampliar o olhar para esta memória que se apresenta como um forte componente
estratégico institucional na construção do pertencimento.
Outro projeto aqui destacado é o ACERVO E MEMÓRIA:
ESTUDO E PROPOSIÇÃO DE DIRETRIZES PARA PRESERVAÇÃO
DA COLEÇÃO DE LOUÇAS DO INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO MARANHÃO, pesquisa
de iniciação científica, cujo projeto foi elaborado e submetido ao Edital
do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)23
, justificando a importância de se estudar a Coleção de Louças pertencente ao
acervo museológico do IFMA para subsidiar futuras ações de ensino, pesquisa e
extensão.
O levantamento e o estudo do acervo museológico constituem uma
das etapas mais importantes para qualquer instituição que se preocupa com a
preservação de seu patrimônio, pois é a partir disto que se conhece de forma mais
específica cada objeto formador das diversas coleções. Nessa etapa, uma gama de
informações é levantada, tanto da situação atual, como daquelas referentes a usos
anteriores, formando uma espécie de dossiê sobre cada peça.
Formada por 231 (duzentas e trinta e uma) peças dentre açucareiros,
leiteiras, jarras e pratos com a logomarca da instituição das épocas de Escola
Técnica Federal do Maranhão e Centro Federal de Educação Tecnológica do
Maranhão (CEFET-MA) (Figura 2), buscou-se com a pesquisa investigar a
constituição material, usos e significados da coleção, compondo um banco de
dados sobre o acervo, além de apresentar diretrizes para a preservação da coleção.
Tais informações são de extrema relevância para o Memorial, uma vez que
auxiliarão tanto na prevenção de futuros danos aos objetos, como para agregar
mais informações nas exposições que chegarão aos visitantes. Assim, cada peça
passou, inicialmente, por uma observação direta na tentativa de compreender

23 EDITAL IFMA PRPGI Nº 05/2019 – PIBIC SUPERIOR 2019/2020.

RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,


pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 81
condições físicas e características básicas, além de limpeza preventiva realizada
com pincel apropriado e toalha de papel e algodão, pois:

Normalmente, a limpeza com água não deve ser necessária, a


menos que se acumule sujeira evidente, apesar do cuidado com
a manutenção da limpeza, e mesmo nesse caso a frequência não
deve ser maior que a cada 2 ou 3 anos… Enxugue os objetos
maiores com toques repetidos e delicados com a toalha de
papel. Objetos complexos como estatuetas devem ser deixados
secar por 24 horas antes de serem recolocados em suas posições
de exposição (TEIXEIRA, 2012, p. 29).

Nessa etapa, foi identificado no verso das peças informações sobre marca
e fabricante. As peças foram organizadas de acordo com a marca temporal de
cada uma, ou seja, no momento em que foram usadas especificamente em cada
momento da Instituição. Assim, as louças, especificamente as que não estavam em
exposição, mas sim guardadas, foram agrupadas por estampas e identificações que
remeteram a um período da Instituição.

Figura 2: Peças da Coleção Louças & Lembranças


Fonte: Acervo Memorial IFMA, 2021.

82 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

Ainda em relação aos cuidados e manuseios com as louças, Davison,


Winsor e Ball (2005, p. 28) chama atenção para a delicadeza do processo frisando
que “as partes douradas da peça não devem ser tocadas com as mãos e nem a
escova, pois com o tempo isso pode apagá-las”, devendo ainda serem examinados
cuidadosamente antes de qualquer manuseio. Outra informação importante é que
a coleção de louças, de acordo com a classificação dos fabricantes, é formada
por peças de faiança, faiança fina e porcelana, cujas empresas fabricantes foram
Oxford Brasil, Steatita, Motel Grade Porcelan, Germer, Polovi, SCHMIDT,
Porcela Lu, Pozzani, Mauá, Keramik Nadir.
Outra contribuição importante gerada pelo estudo foi a criação de uma
ficha catalográfica, trazendo informações quanto a nome, origem, forma/
dimensões, número de identificação, aquisição, marcas, inscrições e decoração
aplicadas às peças e a história delas. O modelo construído para o Memorial
IFMA foi adaptado daquele utilizado por Angélica Bosenbecker (2016), na
Reserva Técnica III, do Museu Municipal do Parque da Baronesa (Pelotas, RS).
Bosenbecker criou um sistema de numeração provisório/etiquetas para permitir
a contagem de todos os objetos que compõem o acervo do museu, resultando no
número exato de itens, orientação seguida pelo Memorial (Figura 3).

RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,


pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 83
Figura 3 - Numeração com a sigla do museu, identificador da coleção e número
de registro e modelo de Ficha Catalográfica
Fonte: Adaptado de Bosenbecker (2016).

O modelo de numeração, bipartido ou tripartido recupera três informações


que são fundamentais: a sigla da instituição, o número de registro e os
desdobramentos, quando existirem e tem se mostrado satisfatório nos Sistemas
de Numeração, daí ter sido definido como modelo para a identificação das peças
da coleção de louças do Memorial IFMA (Figura 4).

84 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

Figura 4: Louças com numeração provisória/em montagem


Fonte: Acervo Memorial IFMA, 2021.

Por mais sofisticado e complexo que seja um Sistema de Documentação


Museológica, ele se torna completamente inoperante se os objetos perdem seu
número de identificação. O número é a ponte entre o objeto e a sua documentação
(BAUER, 2013) e, portanto, a organização técnica do acervo é fundamental
como parte do trabalho desenvolvido com objetos formadores de uma história
institucional pela qual perpassam inúmeras memórias, que marcam a sociedade
em aspectos políticos, sociais, individuais e coletivos.
O estudo em destaque faz avançar o trabalho do Memorial em seus
objetivos primordiais de preservação da memória institucional e proporciona uma
nova interpretação deste acervo de louças. E, ao contribuir para a catalogação, o
produto da pesquisa favorece o uso no ambiente museológico contribuindo para
ampliar o conhecimento de visitantes internos (alunos, professores, servidores) e
visitantes externos.
Uma outra contribuição para os estudos sobre a educação profissional no
Maranhão é a pesquisa realizada, em 2019, através da Bolsa de Desenvolvimento
Institucional (BDI)24. Sob a denominação de FOTOGRAFIA E FORMAÇÃO
PROFISSIONAL: lugares, e práticas escolares pelas lentes do fotografo Heber

24 EDITAL PRPGI Nº 62/2018 - BOLSA DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL


(2018/2019).

RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,


pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 85
Macambira (1953-1985), o projeto, assim como os demais, é um desdobramento
do Projeto Centro de Preservação da Memória do Instituto Federal do Maranhão
que, na perspectiva de estimular a prática científica discente em assuntos de
interesse institucional, buscou mapear e classificar as fotografias do acervo Heber
Macambira25.
O supracitado acervo é composto de mais de 5 (cinco) mil fotografias.
Majoritariamente, as imagens são em preto e branco, mas há também
fotografias coloridas. As imagens datam do período de 1953 até 1985 e são
peças monocromáticas de dimensão média de 12 cm x 18 cm. Relacionado a
essa coleção estão ainda álbuns de papel encadernados com uso de espiral. O
mapeamento foi iniciado pelas fotografias individuais que se encontravam com
uma divisão prévia por ano de registro. Ressalta-se que tais peças encontram-
se armazenadas no Laboratório de Fotografia do IFMA-CCH, em caixas
brancas grandes com tampa em um ambiente com controle de temperatura,
ideal para preservação das imagens. Em termos operacionais, inicialmente o
processo de catalogação das imagens propriamente dito se deu em um espaço
do prédio anexo do Campus Centro Histórico - conhecido como CRA26
por equipe formada de alunos bolsistas, professores e voluntários (Figura 5).
Posteriormente, os trabalhos tiveram que ser deslocados para o Laboratório
de Fotografia do Campus São Luís-Centro Histórico que funciona na Sede
Administrativa do Campus, no Casarão 175, da Rua Afonso Pena, centro da
capital maranhense.

25 O acervo recebeu este nome em homenagem ao Sr. Heber Macambira Pinto, técnico administrativo
que ingressou na Instituição em 1968, na época Escola Técnica Federal do Maranhão. Descrito por colegas
de trabalho como sujeito calmo, perfeccionista e de acentuada paciência, tinha como hobby a fotografia.
Ao iniciar na instituição começou registrando atividades tidas como cotidianas do fazer escolar; contudo,
com o passar do tempo foi se tornando uma espécie de “fotógrafo oficial” à medida que passou a registrar/
eternizar com suas lentes eventos oficiais e não oficiais. Falecido em 2012, já aposentado, deixou um legado
“imensurável” para o enriquecimento de pesquisas da História e da memória da Educação Profissional do
Maranhão.
26 O Centro de Referência Azulejar de São Luís - CRA foi criado pela Lei nº LEI Nº 4735 DE 28 DE
DEZEMBRO DE 2006. Em 2014 o CRA passou a ser administrado pelo o IFMA através de um termo de
cessão e passou a abrigar parte do Campus São Luís Centro Histórico, incluindo o Memorial IFMA.

86 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

Figura 5: Visão de parte do acervo fotográfico sendo tratado e catalogado no prédio CRA (2018)
Fonte: Acervo Memorial IFMA, 2019.

O Laboratório é composto por materiais e equipamentos referentes ao


campo da fotografia e seu fazer artístico e profissional. A sala é climatizada
e possui iluminação própria, ideal para o tratamento e pesquisa nas e com as
imagens. Portas e janelas são vedadas, e assim há o controle da incidência de luz
nas imagens e, os instrumentos disponíveis no local (luzes, lupas, réguas dentre
outros) foram facilitadores no processo.
O processo de catalogação envolveu, além dos alunos bolsistas e
voluntários do IFMA, alunos do Curso de História da Universidade Federal do
Maranhão (UFMA)27 e o servidor aposentado Luiz Antônio Pinheiro Sobrinho28
, o Professor Sobrinho, também voluntário. Elaborou-se, com base na literatura
pertinente ao tema e sob a orientação de professores, uma Ficha Técnica descritiva
para a catalogação individual das mais de 5 (cinco) mil fotografias P&B (preto e

27 O Pibid é uma ação da Política Nacional de Formação de Professores do Ministério da Educação


(MEC) que visa proporcionar aos discentes na primeira metade do curso de licenciatura uma aproximação
prática com o cotidiano das escolas públicas de educação básica e com o contexto em que elas estão inseridas.
28 Luiz Antônio Pinheiro Sobrinho, servidor aposentado do IFMA que desde a década de 1950
buscou preservar a memória institucional através da implantação de um espaço de memória.

RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,


pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 87
branco). Visando celeridade no cumprimento das tarefas foi elaborada ainda uma
Ficha Técnica complementar com as seguintes informações: Nome do Bolsista;
Data [da catalogação]; Tipo (Individual/Série/Álbum); Ano [de registro da
fotografia]; Coleção ou Acervo; Dimensão; Legenda ou Agrupamento temático;
Número; Técnica; Estado (Ótimo/Bom/Ruim/Péssimo); Verso e Observação.
As informações contidas na ficha técnica buscaram abarcar, de um modo
geral, as características físicas das fotografias, assim como deram margem para
apontamentos dos elementos que compõem a cena de cada imagem. Nesta fase
de manuseio e identificação foi fundamental a ajuda do Professor Sobrinho que,
através de suas memórias e relatos orais, foi costurando cenas de eventos de
caráter cívico, esportivo, cerimoniais e cotidianos, fazendo aflorar traços da
Instituição em meados do século XX.
Aqui e diante de um trabalho que lida com memória, pertencente a uma ação
maior de preservação da memória, é importante fazer menção ao enriquecimento
da pesquisa proporcionado pelo viés intergeracional quando do encontro entre
jovens pesquisadores e aqueles cuja função social de lembrar é acentuada nessa
fase da vida humana. Segundo Ecléa Bosi lembra:

Há um momento em que o homem maduro deixa de ser um


membro ativo da sociedade, deixa de ser um propulsor da vida
presente do seu grupo: neste momento de velhice social resta-
lhe, no entanto, uma função própria: a de lembrar. A de ser
a memória da família, do grupo, da instituição, da sociedade
(BOSI, 2003, p. 63).

Consoante a autora, a velhice ativa a função social da memória e faz “crescer


a nitidez e o número das imagens de outrora, e esta faculdade de relembrar
exige um espírito desperto, a capacidade de não confundir a vida atual com a
que passou, de reconhecer as lembranças e opô-las às imagens de agora” (BOSI,
2003, p.81). Assim, ratificamos que os trabalhos com a memória possibilitam o

88 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

encontro com a história. Nesse diálogo entre a memória e a história, é possível


captar a dinâmica das situações vividas por servidores e alunos e os significados
que se desenvolveram no ambiente escolar (Figura 6).

Figura 6: Tratamento do acervo fotográfico: técnica e intergeracionalidade em pauta


Fonte: Acervo Memorial IFMA, 2019.

Olhar, ver e pensar são ações intrínseca e historicamente inseparáveis.


Assim, é possível afirmar que estas palavras traduzem o trabalho realizado pelo
Projeto Fotografia e Formação Profissional, tomando a fotografia como uma
fonte histórica capaz de ampliar o conhecimento sobre a história da educação
profissional do Maranhão. Trata-se, pois, de considerar que “o olhar fixado no
objeto fotográfico não é apenas uma característica do artefato, mas, um aspecto
do suporte que sustenta sua existência”. Cada registro é parte de uma história e
constitui ele próprio um princípio de memória” (CIAVATTA, 2002, p. 30). Assim,
a utilização desse acervo por pesquisadores significa a possibilidade de tirar da
obscuridade partes da história do IFMA.
Voltando a atenção para uma outra dimensão das atividades do Memorial
IFMA, destacamos as participações na Semana Nacional de Museus (SNM),
evento que se constitui de uma temporada cultural promovida pelo Instituto
Brasileiro de Museus (IBRAM) em comemoração ao Dia Internacional de
Museus (18 de maio).
RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,
pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 89
No destaque da 16ª SNM do IBRAM, ocorrida no ano de 2016, sob a
temática central Museus Hiperconectados, novas abordagens, novos públicos,
a participação do IFMA teve como fio condutor a Exposição Memorial IFMA:
Conexões de Memórias/Arquivo Vivo: acervo em transformação29.
Como as demais práticas do Memorial IFMA, buscou-se através dessa
ação promover o acesso da comunidade interna e externa às coleções que formam
o acervo do Instituto. Assim, a coordenação, juntamente, com uma equipe
multidisciplinar formada por professores, alunos do ensino médio integrado,
superior e ex-alunos planejaram e executaram a Exposição em maio de 2016 na
Galeria do CRA - Campus São Luís Centro Histórico (Figura 7).

Figura 7: Imagens da Exposição Memorial IFMA: Conexões de Memórias na SNM, 2016.


Fonte: Acervo Memorial IFMA, 2016.

A exposição discutiu as modificações no conceito de arquivo no contexto


atual, tomando como ponto de partida a conectividade, a cultura e a arte
contemporânea em relação à maneira como o Memorial IFMA vem construindo
e reconstruindo conexões entre passado e presente em diálogo com seus

29 A curadoria da exposição foi realizada pelos servidores do IFMA - CCH Diego Jorge Lobato
Ferreira e Andrea Luisa Frazão Silva.

90 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

antigos e novos públicos; apropriando-se de acervos tidos como tradicionais e


transformando-os em simulacros.
Dialogando com o conceito de “Mal de Arquivo” proposto pelo filósofo
Jacques Derrida30 – para quem o arquivo é lacunar, incompleto e sempre aberto
a novas e constantes reescrituras – a Exposição Memorial IFMA: Conexões
de Memórias apresentou 10 (dez) instalações artísticas que, de forma diversa,
incorporaram temas e procedimentos que dizem respeito ao arquivo e ao banco
de dados em sua relação com a história, a memória e o esquecimento articulado
a dois vetores principais: acervos e apropriação de documentos da história
institucional do IFMA e arquivo aberto - uma página em branco.

Figura 8: Imagens da Exposição Memorial IFMA: Conexões de Memórias na SNM, 2016


Fonte: Acervo Memorial IFMA, 2016.

30 Em Mal de Arquivo: uma impressão freudiana (2001), obra publicada em francês em 1995,
Derrida irá explorar não apenas o duplo sentido de arkhé como origem e como comando ou poder, mas
relacionar a noção de arquivo com a memória pessoal e histórica a partir da consideração da obra de Freud
e de um episódio da vida do pai da psicanálise lembrado pelo historiador israelense, radicado nos Estados
Unidos, Yosef Hayim Yerushalmi. Para tanto, Derrida irá evidenciar os deslocamentos que ele observa no
texto freudiano Moisés e o Monoteísmo, Freud’s Moses, Judaism Terminable and Interminable (Moisés de
Freud: Judaísmo terminável e interminável) (SOLIS, 2014. p. 375).

RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,


pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 91
Neste contexto de apresentação de conteúdos ilustrativos de práticas que
vem fortalecendo o avanço do trabalho do Memorial IFMA, está em jogo o
campo da relação entre história, educação e memória. Uma dinâmica fruto de
muitas forças e esforços voltados para a identidade que se projeta na trajetória
histórica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão.

4. Considerações finais

O Projeto MEMORIAL IFMA tem como missão preservar a memória


do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão mediante
ações de salvaguarda, pesquisa e divulgação do acervo material e imaterial da
instituição, sobretudo, aquele remanescente de meados do século XX. Nessa
pretensão firma-se o trabalho ampliado para a implementação de uma política de
preservação dessa memória e a criação de um local que seja referência para expor
a história da Educação Profissional no Estado no âmbito da Rede Federal.
Enquanto projeto estratégico do IFMA em alinhamento com o PDI da
instituição, o Memorial desenvolve projetos/ações articuladas entre o ensino,
a pesquisa e a extensão com o objetivo de fortalecer a imagem, integrar os
conhecimentos e melhorar a comunicação interna e externa, uma espécie de rede
capaz de desfragmentar e reforçar a identidade do Instituto na atualidade. Nesse
sentido, deve-se considerar que a identidade depende, em parte, da organização
desses fragmentos, organização que varia conforme os momentos e as situações.
Como citado, no caso do Instituto Federal do Maranhão, evidencia-se a
ausência de uma Política de Memória, capaz de amenizar o processo de desgaste
próprio de tempo, como destacado anteriormente (instituição centenária), mas
sobretudo, pelas diversas mudanças advindas da política educacional do país,
impactando, inclusive na nomenclatura institucional. Outro fator destacado como
contribuidor para esse enfraquecimento foi o próprio processo de expansão da
Rede Federal iniciado em 2006, fazendo com que a instituição passasse de 05

92 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Creudecy Costa da Silva e Terezinha de Jesus Campos de Lima

para 29 campi.
Os fragmentos dessa memória, coleções de louças, documentos oficiais,
fotografias, relatos orais, dentre outros, é o material que dispomos para a
reconstrução aproximada da memória do Instituto em momentos específicos de
sua trajetória ao longo do século XX e sobre sua identidade coletiva. Embora
saibamos que esses objetos, hoje, museificados e os relatos orais coletados de
servidores aposentados não dão conta de abarcar a complexidade da história,
abrindo espaço para as memórias silenciadas no sentido atribuído por Michael
Pollak. Nesse sentido, não há uma identidade, mas tantas identidades quantas
forem as memórias individuais ou coletivas preservadas pelos indivíduos ou
pelos grupos sociais.
Mediante essa forma de pensar, o acervo descrito tem funcionado como
uma espécie de fio condutor utilizado nas diversas ações educativas elaboradas
e executadas pelo projeto Memorial IFMA desde sua criação em 2015. Essas
produções expressam um pouco da riqueza do acervo e sua relevância para a
história da instituição e da educação profissional do Maranhão. Ao mesmo tempo,
é fundamental destacar a necessidade de ampliação dos estudos e pesquisas no
âmbito de tal escopo em distintas frentes, dada a diversidade de objetos que
podem ser constituídos e investigados.

RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E BUSCA DE IDENTIDADE: práticas de ensino,


pesquisa e extensão no contexto do Projeto Memorial 93
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96 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO,
CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: LIÇÕES
APRENDIDAS E QUESTÕES PARA O FUTURO

Jhonatan Almada

1. Introdução

A educação secundária na América Latina se caracteriza pela alta proporção


de adolescentes que interrompem sua trajetória escolar antes de finalizar o nível
e a baixa proporção de egressos com aprendizagens pertinentes e significativas.
O Brasil não é diferente. Dados estatísticos referem que 46 de cada 100
jovens não concluem o ensino médio até os 19 anos. O que nos dá a dimensão
do desafio para que nossos jovens tenham trajetórias bem-sucedidas em toda a
educação básica.
Os mais pobres dependem da escola pública, a classe média também. Pelo
menos 31,8% das matrículas apontam para nível socioeconômico médio e 23,1%
médio-alto. É lamentável que isso não se transforme em energia cívica pela sua
melhoria, mas sim em ataques contra os professores, escolas e universidades.
Existe correlação entre nível socioeconômico e aprendizagem. Os mais
pobres aprendem pouco. Os mais ricos aprendem muito. Para os primeiros ainda
temos a reprovação e o abandono. Para os segundos, a progressão e o sucesso
escolar. A crise de aprendizagem é perceptível quando 64 de cada 100 jovens que
conseguem concluir o ensino médio no Brasil, concluem sem aprender o básico
de língua portuguesa (70,9%) e de matemática (90,9%).
Em face de tal problema a educação se torna uma máquina de enganação
e reprodução das desigualdades, frustrando sonhos e vidas de nossas crianças e
jovens. Este foi o ponto de partida para esta reflexão.
Estamos desafiados a garanti-la como direito e a torná-la responsiva

97
à realidade contemporânea. Este capítulo está organizado em três partes, na
primeira refletimos sobre a educação integral, na segunda tratamos das lições
derivadas da experiência do Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia
do Maranhão e por fim, pontuamos questões para o futuro dessa instituição.

2. Educação integral

Anísio Teixeira compreendeu como ninguém o que deveria ser feito na


escola pública brasileira, por isso foi perseguido e teve a morte engendrada pela
Ditadura Militar de 1964. Todos nós somos eternos devedores das experiências
educacionais de Anísio e quando um dia nossa escola pública for de excelência,
a ele devemos prestar reconhecimento.
Tratar de Anísio Teixeira demanda abordar o tema da educação integral.
Tenho estudado este tema em trabalhos anteriores e penso ser útil resgatar aqui a
conceituação construída (ALMADA & LIMA, 2013; ALMADA & ALMADA,
2018). A conceituação emerge em quatro sentidos atribuídos para a educação
integral:
i. Educação integral: referimo-nos a ideia de
que cada estudante tenha uma formação mais completa possível,
formação essa que vá além dos conhecimentos tradicionalmente
veiculados pela escola e possa abranger as dimensões intelectual,
artística, físico-corporal e tecnológica, o que demanda maior tempo
e possivelmente articulação com outros espaços educativos.

ii. Educação de Tempo Integral: referimo-nos


a ideia de ampliação da jornada escolar, para além do espaço da
escola, mas não necessariamente que nessa jornada se implemente
uma educação integral.

98 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Jhonatan Almada

iii. Escola de Tempo Integral: referimo-nos ainda a


ideia de ampliação da jornada escolar, restrita ao espaço da escola,
mas da mesma forma não implica na implementação de uma
educação integral.

iv. Educação Integral de Tempo Integral: referimo-


nos que a ideia de educação integral, já explicitada, só pode ser
desenvolvida em tempo integral.

Anísio Teixeira é o responsável pela primeira e mais importante experiência


de educação integral. A educação defendida e experienciada por este educador
no Centro Educacional Carneiro Ribeiro (Salvador, Bahia), na década de 1950,
implica em um programa amplo que envolve leitura, aritmética e escrita, ciências
físicas, artes industriais, desenho, música, dança e educação física, saúde e
alimento à criança. O programa era desenvolvido em dois espaços: nas Escolas-
Classe, as atividades tradicionalmente escolares e as demais na Escola-Parque,
durante o contraturno escolar.
Darcy Ribeiro foi discípulo de Anísio Teixeira. A experiência dos Centros
Integrados de Educação Pública (CIEP) criados na década de 1980, por ele no
Rio de Janeiro, durante o governo Leonel Brizola, são inspirados na experiência
de Anísio. O projeto dos CIEPs tinha como objetivo justamente, possibilitar
uma educação completa e de qualidade aos estudantes oriundos das classes
trabalhadoras.
O objetivo dos CIEPs era proporcionar educação, esportes, assistência
médica, alimentação e atividades culturais variadas, em instituições colocadas fora
da rede educacional regular, estas escolas obedeciam a um projeto arquitetônico
uniforme desenvolvido por Oscar Niemeyer.
Diferentemente das experiências de Anísio Teixeira que separavam as
atividades escolares tradicionais e as atividades complementares em espaços

A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
99
diferentes (Escolas-classe e Escola-Parque), o projeto de Darcy Ribeiro
unificava em um mesmo espaço (CIEP) todas as atividades. Portanto, o projeto
se aproximava mais de uma educação integral em tempo integral.
Refletindo sobre essas duas experiências e as críticas que sofreram durante
e depois de sua implementação me veem à mente a grande contribuição de Carlos
Matus para a arte do governo (MATUS, 1996).
A gestão política, a gestão macroeconômica e a gestão dos problemas têm
crivos de eficácia formal/técnica e eficácia material/política. Ignorar a política
é barbárie tecnocrática. Ignorar a economia é a barbárie política. Ignorar os
problemas é a barbárie gerencial.
O desafio é encontrar um balanço global que seja positivo e equilibrado,
evidenciando a qualidade da gestão do governo. E, infelizmente, nossos
governantes não são o exemplo da ponderação e, em geral, tomam suas decisões
privilegiando um ou outro aspecto dos defendidos por Carlos Matus. As políticas
educacionais, em face disso, são as primeiras a experimentarem essa intemperança.
Somos limitados. Nosso mundo é do tamanho dos conceitos que
conhecemos. O que é certo? Não existe solução de problema que seja
exclusivamente técnica, também não existe solução exclusivamente política.
É um desrespeito à inteligência alheia construir explicações parciais sobre
problemas complexos, os argumentos de base não se sustentam e para funcionar
precisam excluir os atores-chave.
Quando a população brasileira teve expressivo crescimento demográfico
em meados do século XX, a solução de gênio foi abrir escolas de tempo parcial,
arremedo que não viceja na maioria dos países avançados. A elite quando se vê
enredada em um problema cria soluções doidas demais para o povo, não para si.
A massificação do tempo parcial em escolas públicas precárias é
prova disso e prevalece até hoje. A ignorância rotunda daqueles que nunca
estudaram em tais escolas, as conhecendo de passagem, presidiu as decisões
de política educacional.

100 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Jhonatan Almada

Anísio Teixeira aos 46 anos criou a Escola Parque como uma das mais
importantes experiências de turno integral da história da educação, tal projeto
mereceu reconhecimento internacional e projetou este intelectual como um
dos melhores quadros de sua geração. Os Governos seguintes tentaram matar o
projeto, mas ele sobrevive e devido a sua relevância, o Ano Letivo da Bahia ainda
é aberto no auditório do Centro.
Darcy Ribeiro aos 61 anos, inspirado no projeto de Anísio, criou os Centros
Integrados de Educação Pública (CIEPs). Investimento sério e projeto ousado
que levantou fortíssima oposição, sempre se naturalizou educação pobre para os
pobres. Se você deseja transformar a vida dos excluídos lhes dê a educação mais
avançada existente, assim pensava Anísio e Darcy, no que estou de pleno acordo.
Os CIEPs não tiveram o mesmo destino da Escola Parque, os governos
seguintes ao de Brizola alegaram os altos custos como o centro do argumento
para sua gradual desativação. Darcy em sua entrevista ao Programa Roda Viva
da TV Cultura e no livro “Educação como prioridade” questionava: “fazer
economia com crianças?” e “Um dos grandes fracassos do Brasil, como povo e
como civilização, tem sido nossa incapacidade de criarmos uma escola pública
honesta e eficiente”.
As ideias demoram muito a serem aceitas no Brasil, mas há essa retórica
econômica e fiscal contra os excluídos, o que nos impede de romper esse círculo
de desigualdade, pobreza e violência.
Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro foram combatidos por suas ideias,
desrespeitados enquanto profissionais e ignorados na tomada de decisões, os
projetos que criaram foram interrompidos, boicotados ou desvirtuados. A história
às vezes nos consola. Aqueles que os combateram receberam o esquecimento
como prêmio.
Essas ideias não morreram, os Centros de Atenção Integral à Criança e ao
Adolescente-CAICs, o Ensino Médio Inovador, o Programa de Escolas de Tempo

A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
101
Integral, o Programa Mais Educação e o Novo Ensino Médio são exemplos de
programas que almejam ou almejaram ampliar a oferta de educação integral no
Brasil, o traço comum a todos eles é dificilmente ultrapassarem as fronteiras
temporais do governo que os criou.
O ponto central levantado contra a educação integral é o mais óbvio, ela é
mais cara, claro que é. Educação pública e de qualidade deve ser gratuita, o que
não significa barata.
O relatório “Education at a Glance 2019” pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE nos mostra como o
financiamento da educação no Brasil está aquém (OECD, 2019). Tal relatório
é um dos documentos mais influentes para as políticas educacionais dos países,
sejam membros ou não dessa organização.
Um dos dados mais emblemáticos é o custo-aluno, o Brasil gasta abaixo
da média da OCDE quanto à educação básica, enquanto nosso país investe 4,1
mil dólares-ano por aluno do ensino médio técnico, os países-membros da OCDE
investem 10 mil dólares.
Enquanto nas escolas regulares ou de tempo integral sem educação
profissional, os professores se limitam aos da BNCC, bem como, os laboratórios
a ela vinculados, as escolas técnicas integrais exigem professores da Base Técnica
e laboratórios específicos para os cursos técnicos que ofertam.
O Custo-Aluno Qualidade Inicial incorporado ao novo FUNDEB se torna
cada vez mais pertinente. O simulador do CAQi está disponível no
site http://custoalunoqualidade.org.br/. O simulador permite comparar cada etapa
da educação básica e seus custos em tempo parcial e em tempo integral. O que
evita os achismos muito comuns em educação.
Por exemplo, o leitor interessado poderá simular o custo-aluno/mês de
uma escola com 12 salas de aula, 35 estudantes por sala e jornada de 7 horas/
diárias. O Custo-aluno/mês é de R$ 581,24; a média dos países da OCDE é de
R$ 1.339,00 e uma escola particular de classe média alta é de R$ 1.500,00. O
FUNDEB anterior repassava somente R$ 202 aluno/mês nesse caso hipotético.

102 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Jhonatan Almada

O custo anual por aluno na escola de ensino médio urbana de tempo integral
de nossa hipótese é de R$ 6.974,92, enquanto o valor estipulado pelo FUNDEB,
em 2018, era de R$ 3.921,67. O FUNDEB pagava menos do que seria necessário
para garantir o básico, a questão da qualidade do ensino, na qual intervêm fatores
intra e extraescolares, fica comprometida.
Fica claro que os investimentos nos termos atuais são inferiores aos das
escolas dos países da OCDE e das escolas particulares de classe média.
Portanto, é mito afirmar que se gasta muito na educação básica brasileira,
pois não se gasta suficiente em relação aos países mais avançados e nem frente
às necessidades ainda existentes de infraestrutura, equipamentos e manutenção.
Por outro lado, mais grave ainda, se gasta mal aquilo que temos, basta checar
os relatórios das fiscalizações que a Controladoria-Geral da União-CGU faz em
relação aos recursos do Fundeb e programas federais.
O estudo “Excelência com equidade no ensino médio: a dificuldade das
redes de ensino para dar um suporte efetivo às escolas”, produzido pelo IEDE,
Fundação Lemann, Instituto Unibanco e Itaú BBA, reforça os argumentos em
prol da educação integral (FARIA, 2019).
O estudo analisou 5.042 escolas para identificar as que contribuíam com o
efetivo aprendizado dos estudantes no ensino médio. Para tanto, adotou os seguintes
critérios para selecionar as escolas: a) nível socioeconômico baixo, conforme
classificação do Inep; b) proficiência de 275 em português e 300 em matemática; c)
taxa de aprovação de 95%; d) estar igual ou acima da média nacional do Enem nas
provas objetivas, redação e nas quatro áreas do conhecimento.
O resultado é impactante: de 5.042 escolas analisadas, somente 100,
ou seja, 2% preencheram tais critérios. O fato é que a maioria das escolas não
garante o aprendizado básico para os estudantes que mais precisam, portanto,
não fornecem as ferramentas fundamentais para que eles possam desmontar a
máquina da desigualdade.
É o achado que nos interessa para este debate: o estudo destaca que 82%

A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
103
das 100 escolas identificadas funcionam em tempo integral, sendo 9,5% delas no
Ceará, 4,1% no Espírito Santo e 2,7% em Pernambuco. Os grandes Estados como
São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul só possuem 2 escolas cada um.
O estudo diz que não analisou o ensino profissional e recomenda ser
importante fazê-lo. Essa ausência talvez os tenha levado a omitir que das 100
melhores, no mínimo 62 são escolas técnicas. Ao não analisar esse aspecto
crucial, o estudo perdeu parte da sua potencialidade. O fato é que as melhores
escolas são técnicas de tempo integral.
As escolas de bons resultados têm em comum: a) tomada de decisão
baseada em evidência; b) foco no monitoramento da aprendizagem; c) currículo
diversificado; d) parceria entre professores e alunos; e) boa interlocução e f)
estratégias pedagógicas sintonizadas com os alunos.
Esses elementos em comum vêm do modelo da Escola da Escolha,
disseminado em Pernambuco, Ceará e Espírito Santo pelo Instituto de
Corresponsabilidade pela Educação-ICE, o qual também inspirou a reforma
do ensino médio aprovado pelo Governo Temer e o modelo do IEMA,
necessitaríamos de capítulo à parte para tratar das limitações, insuficiências e
problemas desse modelo.
O que falta para mais escolas chegarem lá? Além dos fatores já mencionados,
falta: políticas de rede, currículo como norteador das ações pedagógicas, formação
continuada de professores e o financiamento adequado para que esses desafios
sejam enfrentados e superados.
Reiterando, o achado de pesquisa ignorado pelo relatório do “Excelência
para a equidade no ensino médio” é que as escolas técnicas de tempo integral são
as mais bem- sucedidas em garantir o aprendizado dos estudantes de baixo nível
socioeconômico.
Os resultados do PISA-S, exame da OCDE voltado para as escolas que
foi aplicado no Centro Paula Souza-CPS, vão no mesmo sentido. Este exame foi
lançado em conferência internacional realizado no Rio de Janeiro sob os auspícios

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Jhonatan Almada

da Fundação Cesgranrio. Segundo dados do CPS, 80% dos seus estudantes são
oriundos de escolas públicas, 90% possuem renda familiar de até 5 salários-
mínimos e 32% autodeclarados afrodescendentes (LAGANÁ, 2019).
O PISA-S foi aplicado em quatro escolas (3 na capital e 1 no interior),
todas com média superior a 570 pontos no ENEM. Os resultados dessas escolas
em leitura, matemática e ciências ficaram acima da média brasileira, sendo que na
leitura ficou à frente de países como Finlândia, Canadá e Japão. Dados similares
foram observados em relação à Rede Federal como citei anteriormente.
Os estudantes que participaram do PISA-S em sua maioria são do ensino
médio integrado à educação profissional, o qual representa 80% das matrículas
do Centro Paula Souza. O que mais uma vez corrobora a relevância do tempo
integral para ampliar as possibilidades de aprendizado dos estudantes.
Apesar de todas essas evidências concretas ainda existem os que não
acreditam na potência da educação integral combinada com a educação
profissional, chegando mesmo a apontá-lo como um falso consenso brasileiro.
Como podem concluir, não é falso, mas fundado em décadas de experiências e
pesquisas. E como está a educação integral hoje?
Como vocês podem constatar a educação integral é um tema que há décadas
ronda as políticas públicas no Brasil, experiências de redes estaduais e municipais
foram se espraiando ao longo do tempo, ora expandidas, ora descontinuadas. A
conjuntura de deterioração das finanças públicas afeta a educação integral.
O Anuário da Educação Básica Brasileira traz evidências de que a
conjuntura atual está afetando a expansão da educação integral, o percentual
de matrículas retrocedeu na educação infantil e no ensino fundamental, com
tendência de crescimento no ensino médio (DA EDUCAÇÃO BÁSICA, 2020).
Os dados das escolas de educação integral implantadas apontam que 90%
delas não possuem laboratório de ciências e 59% não possuem laboratórios de
informática, 63% não possuem quadra de esportes.
Isso indica que o modelo de precariedade do tempo parcial se mudou para

A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
105
o integral, mais ainda, significa que se trata somente de extensão da jornada
escolar, nunca de uma proposta efetiva de educação integral.
Existe tempo para corrigir distorções que tornam a educação integral
uma enganação ou repetição do tempo parcial. As políticas expansivas devem
ser seguidas por políticas intensivas. Apesar desses esforços, somente 12,7%
das matrículas da educação básica são integrais, há que colocar esse número
em observação.
As desigualdades também se manifestam na oferta da educação integral.
Enquanto o Ceará lidera no Nordeste com 20,1% das matrículas da educação
básica, Sergipe e Rio Grande do Norte não atingem 10% de oferta em relação ao
total de matrículas da educação básica.
Educação integral, como já mencionado, implica no desenvolvimento dos
aspectos cognitivos, corporais, socioemocionais e técnico-científicos. Representa
avanço histórico no modo como o Brasil sempre tratou a educação básica, e pode,
de fato, contribuir para rompermos com o ciclo de desigualdades.
A ideologia de gênero, a culpabilização de Paulo Freire, a exigência de
cantar o Hino Nacional em todas as escolas e a doutrinação do marxismo cultural
são falsos problemas que devem ser retumbantemente ignorados e rejeitados por
aqueles que tratam a educação pública de forma séria. Não podemos à essa altura,
tal como Dom Quixote, confundir moinhos de vento com gigantes assustadores.
Nenhum governo será bem-sucedido na área de educação sem respostas
críveis, eficazes, eficientes e referenciadas para o déficit de aprendizagem dos
nossos estudantes, os problemas de arquitetura curricular, o baixo incentivo ao
protagonismo juvenil e a conexão com o interesse dos jovens e a atual oferta de
educação profissional aquém das necessidades.

2. Lições derivadas da experiência

Superar a máquina de enganação, apoiados na experiência brasileira de

106 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Jhonatan Almada

educação integral, fundamenta esta síntese sobre a instituição educacional que


tive a responsabilidade de liderar no Maranhão. Assim sendo, apresento aqui
minha reflexão como Reitor do IEMA.
O Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão-
IEMA foi criado dia 2 de janeiro de 2015, logo no primeiro ano do Governo
Flávio Dino. A criação do Instituto fazia parte do programa de governo, do qual
participei na coordenação que o elaborou com contribuições de diferentes
segmentos sociais.
O espelho que inspirou a criação do IEMA foi a Rede Federal com seus
Institutos. O Governador Flávio Dino no livro “Experiências de educação
profissional e tecnológica: o IEMA semeando futuros”, livro organizado por mim
e Eneida Erre (ALMADA; ERRE, 2015, p. 23), conta a história que o levou a
inserir essa ideia em seu programa de governo, senão vejamos:

A educação profissional surgiu e se fixou na minha cabeça como


uma ideia, durante a campanha eleitoral, quando uma jovem
de 19 anos moradora da Cidade Olímpica, numa das reuniões
de campanha chorou! Mas chorou muito! Convulsivamente de
modo emocionante e ela só dizia uma coisa: “A minha vida
acabou!” Isso. Uma jovem de 19 anos dizer que sua vida acabou
e eu fui conversar com ela, claro, até porque eu tenho um filho
quase da mesma idade. Minha amiga a vida não acaba aos 19,
costuma começar e olhe lá. “Mas eu não consegui entrar no
IFMA e meus pais nunca me perdoaram por isso”. Claro que eu
conversei com ela e fixei uma ideia, não tem vaga no IFMA, no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia para todos
os jovens, infelizmente! Vamos fazer a rede estadual, o IEMA,
que é a contraface do IFMA como a UEMA está em relação à
Universidade Federal do Maranhão.
Longe de ser uma exceção, os sentimentos despertados durante a campanha
eleitoral influenciam a definição das políticas públicas por parte dos governantes.
Nesse caso, compreendo ser, também, um problema concreto da juventude, qual

A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
107
seja, a escassez de oportunidades educacionais que as façam construir trajetórias
escolares e profissionais exitosas.
A educação profissional continua alijada como alternativa para o ensino
médio, apesar da expansão dos últimos anos, temos 1,13 milhão de matrículas
da educação profissional para 6,7 milhões de matrículas no ensino médio
da rede pública. A expansão da oferta é o problema central ainda. Isso tem
levado aos governos estaduais a criarem suas redes de educação profissional,
considerando que os indicadores de abandono e desempenho nessas escolas são
melhores que nas demais.
O Maranhão tem 360 mil matrículas no nível médio, somente 10,7% ou
cerca de 38 mil estão na educação profissional. O Governo do Estado reservou mais
de 250 milhões em investimento para implantar sua rede até 2022, entre recursos de
empréstimos nacionais e recursos próprios do tesouro estadual.
O relatório “País estagnado – um retrato das desigualdades brasileiras”
elaborado pela OXFAM nos mostra o quão grave estamos (BRASIL, 2018). Nos
últimos cinco anos (2014-2018), a proporção de pessoas em condição de pobreza, a
desigualdade de renda do trabalho e os índices de mortalidade infantil aumentaram,
por outro lado, o coeficiente de Gini de renda domiciliar per capita estagnou.
A Fundação Getúlio Vargas corrobora tal diagnóstico com o levantamento
“Qual foi o impacto da crise sobre a pobreza e a distribuição de renda?”. A
miséria que vinha em trajetória descendente desde 2003, a partir de 2014
começa a se ampliar, 11,2% da população está vivendo abaixo da linha de
pobreza (NERI, 2018).
Tal cenário nos faz recorrer à escola pública como uma das possibilidades
para revertermos essas tendências negativas, não como panaceia, mas como ação
estruturante de médio e longo prazo.
O IBGE, reiteradamente, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua-PNAD, aponta que quanto maior o nível de escolarização maior será a
empregabilidade da pessoa. Isso em parte depende das políticas públicas, por outra
parte depende do crescimento da economia.

108 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Jhonatan Almada

É certo que não devemos depositar nas escolas a solução de todos os


problemas de um povo. Contudo, é lá que muitos caminhos podem ser iniciados
e apoiados. A educação alinhada a um projeto de desenvolvimento contribui para
o progresso científico-tecnológico dos países, Coréia do Sul é um exemplo, mas
existem outros, na construção do IEMA, buscamos inspiração nas experiências
das redes do Ceará e de Pernambuco, contando com apoio inicial do Instituto de
Corresponsabilidade pela Educação-ICE.
O IEMA foi criado com a missão de oferecer educação profissional, científica
e tecnológica de nível médio e superior. O foco desses quatro primeiros anos foi o
ensino médio técnico de tempo integral. Estamos organizados em duas tipologias
de Unidades, as Unidades Vocacionais que ofertam educação profissional para
jovens e adultos e as Unidades Plenas que ofertam ensino médio técnico de tempo
integral para os jovens entre 15 e 17 anos.
Toda instituição tem sua missão, visão e valores. O IEMA traz dois diferenciais
relevantes, o sonho e o propósito. O sonho é ser a melhor instituição pública de
ensino do Brasil e o propósito é contribuir para que nossos estudantes consigam
realizar seus projetos de vida e serem agentes de transformação no mundo.
A primeira lição derivada da nossa experiência é que toda escola precisa ter
seu sonho, algo que mobilize a comunidade escolar para o futuro, cria o horizonte
para sua caminhada, motiva a todos.
Até então tínhamos 26 unidades, mais de 4 mil estudantes matriculados nas
Unidades Plenas e outros 3 mil nas Unidades Vocacionais. O que poderia levá-
los a pensar que se trata de uma instituição elitista e excludente. Não é. Para isso,
precisamos conhecer quem são nossos estudantes, 85,2% vinham de escolas públicas
municipais, 13,9% de escolas particulares, desse total, 60,5% eram atendidos pelo
Programa Bolsa- Família.
O IEMA, portanto, alcançou o público que mais precisa da escola pública.
Eles estão no centro de todo o trabalho que fazemos, como poderão constatar no
desenho do nosso modelo institucional:

A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
109
Figura 1 – Modelo Institucional do IEMA

Eis aqui uma segunda lição derivada da experiência. Não basta ter bom
vento, fundamental saber para onde ir. As escolas precisam ter seu projeto, aquilo
que dá sentido existencial e de missão ao trabalho pedagógico desenvolvido
ali. O modelo institucional que construímos cumpre esse papel e alinha toda a
comunidade escolar na busca pelo nosso sonho e propósito.
O modelo pedagógico significa formação acadêmica de excelência,
formação para a vida, formação de competências para o século XXI e formação
para o mundo do trabalho, assegurando ao jovem seu projeto de vida como
centralidade. São princípios desse modelo:

a)  Protagonismo: o estudante é envolvido como parte da solução e


não tratado como problema;
b)  Quatro pilares da educação: aprender a ser, a fazer, a conhecer
e a viver juntos;

110 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Jhonatan Almada

c)  Pedagogia da presença: exercício ativo de atenção, de diálogo


com intensa escuta do outro e de si próprio, referência de todas
as práticas educativas de todos os educadores;
d)  Educação interdimensional: dimensões da corporeidade,
espírito e emoção na formação humana;
e)  Inserção transformadora: tomada de decisão no sentido de
intervir e transformar a realidade.

Necessário comentar o caráter central do protagonismo juvenil no modelo


pedagógico, pois é uma mudança efetiva na forma como os estudantes eram
enxergados e tratados. O livro “Guarnicendo uma nova geração: o protagonismo
juvenil no IEMA” que lançamos este ano traz os aportes dessa prática e o alcance
dela para o Instituto e nossos egressos (PALHANO et al, 2019).
O modelo de gestão é revestido pelo ciclo contínuo de planejamento,
execução, avaliação e correção para garantir a efetiva aprendizagem dos
estudantes e a terminalidade com sucesso do ciclo educativo. Os princípios do
modelo de gestão são:

a)  Relevância social: eficiência, eficácia e efetividade para definir


prioridades na aplicação dos recursos disponíveis e alcançar
resultados socialmente relevantes;
b)  Círculo virtuoso: relação profícua entre gestão pública,
instituição de ensino/estudante, parceiros e comunidade;
c)  Comunicação: clareza, transparência, honestidade, foco e
sinergia na interlocução;
d)  Educação pelo trabalho: processo educativo deve ocorrer
para, pelo e no trabalho.

E o modelo de pertinência que abrange a todos é o ciclo de análise,

A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
111
articulação, mediação e validação da oferta educativa junto à sociedade, aportando
relevância, aceitabilidade, confiança e inovação. Seus princípios são:

a)  Aperfeiçoamento contínuo: analisar experiências e tendências


nacionais e globais na área de educação profissional, científica
e tecnológica para atualização regular de conteúdos, métodos
e práticas;
b)  Prática baseada em evidência: implementar projetos-piloto
antes da incorporação ou disseminação de novas ideias,
métodos e práticas;
c)  Pesquisa aplicada: realizar estudos e pesquisas dos arranjos
produtivos e demandas sociais para delinear a oferta educativa
institucional.

Este modelo institucional nos leva à terceira lição da experiência do


IEMA, nossos gestores escolares são os líderes da implementação, e a eles cabe
grande responsabilidade, nós os selecionamos de forma técnica, com base em
prova, entrevista e formação. Isso garante que a gestão das Unidades do IEMA
esteja resguardada de interferência políticas inapropriadas e impeditivas de nosso
funcionamento pleno, blindando a gestão educacional.
Tal modelo institucional implica em jornada integral dos estudantes, com
currículo integrado entre Base Nacional Comum Curricular, Parte Diversificada
e Base Técnica. A BNCC se refere aos conteúdos das 13 disciplinas, a Parte
Diversificado é a inovação e a Base Técnica se refere ao conteúdo específico de
cada curso.
A Parte Diversificada é formada por componentes curriculares como Projeto
de Vida no qual o estudante constrói seu plano de trabalho para a realização
daquilo que sonha ao final do ensino médio. Temos ainda o Estudo Orientado
em que os estudantes aprendem a como estudar. A Tutoria em que cada professor

112 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Jhonatan Almada

é tutor de um grupo de estudantes e os acompanha. E o Acolhimento diário,


recebendo toda a comunidade escolar, desde a abertura dos portões da escola, de
forma alegre, criativa e calorosa, afinal, eles não são números, são gente.
Nossos professores e demais educadores têm atuação profissional
diferenciada, e em regime de dedicação plena e integral à unidade escolar. Isso
tem impacto. Formação continuada permanente e apoio à sua qualificação são dois
instrumentos estratégicos que se somam à gratificação, por atuarem em escola de
tempo integral, isso permite alcançarem remunerações mensais superiores a 5
mil reais, de fato a maior de todas as redes estaduais do Brasil.
A formação continuada dos professores é uma quarta lição que temos. Sem
formação, os gestores, os professores novos e maduros não conseguem rever suas
práticas, aperfeiçoar suas metodologias de ensino e, especialmente, gerir bem sua
sala de aula, garantindo o efetivo aprendizado dos estudantes.

Gráfico 1 – Indicadores do IEMA 2016-2018

Fonte: IEMA/Elaboração própria.

A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
113
O Gráfico 1 evidencia os resultados alcançados pelo IEMA nos indicadores
tradicionais como aprovação, frequência, evasão e abandono. Nossos estudantes
não são faltosos, aprendem de fato, gostam da escola, por isso não a abandonam
ou evadem. Os números do IEMA contrastam, fortemente com os do ensino
médio no Maranhão, pois de cada 100 estudantes que ingressam na escola, só
52 concluem, destes que concluem, 96,8% não têm aprendizado adequado em
matemática e 83,6% em português. Nós acompanhamos e monitoramos os
indicadores de forma permanente, com ciclos trimestrais de acompanhamento em
cada uma das nossas Unidades, eis aqui a quinta lição.

Gráfico 2 – Resultado do IEMA no IDEB 2019

Fonte: MEC/Inep/Elaboração própria.

A qualidade do trabalho que fizemos enquanto equipe e comunidade


escolar foi aferida no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica-IDEB

114 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Jhonatan Almada

de 2019. Conforme o Gráfico 2, todas as unidades do IEMA que participaram


da Prova Brasil obtiveram desempenho superior à média estadual e nacional no
ensino médio.
Acompanhamento é chave para obter resultados, o resultado mais
importante é garantir que os estudantes aprendam. Acompanhar não é punir,
mas sim corrigir rumos, alinhar e melhorar. É isso que a literatura de escolas
eficazes destaca em trabalhos como Reynolds et al (1996), Slavin (1996) e
Sammons et al (1995).
O último dado atualizado apontava a oferta de 30 cursos técnicos nas
Unidades do IEMA, todos eles estão alinhados com os arranjos produtivos locais
ou são portadores de futuro na oferta educativa. A relação entre o IEMA e as
empresas, órgãos públicos e o mundo do trabalho é a mais próxima possível,
aqui nos inspiramos no modelo da Alemanha de educação profissional onde essa
relação é estreita.
A definição de cursos é precedida da realização de pesquisa do mercado
de trabalho realizada pelo então Centro de Estudos e Pesquisas para a Excelência
na Educação-CEPEDUC, vinculado à Reitoria do Instituto, o qual foi extinto. A
pesquisa fundamentava a audiência pública local que valida a oferta e confirma
ou melhora o diagnóstico que foi produzido na pesquisa, modelo similar ao dos
Institutos Federais.
Disso deriva nossa sexta lição da experiência. Educação e economia
devem estar alinhadas e integradas, as parcerias devem ser virtuosas para ampliar
as possibilidades de geração de trabalho, emprego e renda para nossos egressos.
As empresas não podem ser tratadas como inimigas, elas são colaboradoras do
processo educativo, sobretudo em uma escola técnica.
Isso nos permitiu construir alianças com mais de 200 empresas do
Maranhão, entre elas, a Vale. Esta empresa investiu 250 mil para criarmos o nosso
primeiro FabLab, laboratório de fabricação para inovação, empreendedorismo
e prototipagem, um dos 107 existentes no Brasil e integrantes da plataforma

A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
115
internacional Fablabs.io. E logo em seguida, a mesma empresa investiu 6 milhões
de reais para aquisição de laboratórios técnicos para nossas Unidades.
Os caminhos para alcançar a excelência na educação são conhecidos e
estão registrados em inúmeros estudos e pesquisas. Por outro lado, o uso dessa
informação para tomada de decisão é um problema latino-americano.
A propósito, cito o trabalho “Talentos escondidos: os beneficiários do Bolsa
Família medalhistas das Olimpíadas de Matemática”, publicado no Caderno
de Estudos nº 30 do Ministério do Desenvolvimento Social, o qual evidencia
a importância das políticas de transferência de renda aliadas à identificação de
estudantes talentosos (BRASIL, s/d).
A Olímpiada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas-OBMEP foi
criada em 2005 com o apoio de Eduardo Campos (1965-2014), então ministro da
Ciência e Tecnologia do Governo Lula.
A OBMEP é liderada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada-IMPA
com a Sociedade Brasileira de Matemática-SBM e financiada pelos Ministérios
da Educação e da Ciência e Tecnologia. É a maior olimpíada científica do
Brasil, envolve mais de 18 milhões de estudantes e 54 mil escolas, cobrindo
99,71% dos municípios.
Olimpíadas como a OBMEP estimulam e descobrem talentos acadêmicos
em todo o Brasil. O trabalho “Talentos escondidos” informa que dentre os
beneficiários do Programa Bolsa Família, um total de 1.288 foram medalhistas,
no período 2011-2017, com média de 184 medalhistas por ano, o Nordeste é a
região com maior frequência de medalhas.
A tese “Recognizing performance: how awards affect winners and peers
performance in Brazil” de Diana Moreira comprova o impacto da presença de
estudantes medalhistas na sala de aula, cerca de 20% dos seus colegas de turma
melhoram em participação e notas. Além disso, incrementa 10% o ingresso
desses estudantes em Universidades, dados de mais de 5 milhões de estudantes
brasileiros, em 170 mil salas de aula, foram compilados e analisados na tese de
Diana (MOREIRA, 2017).

116 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Jhonatan Almada

É fundamental para o Brasil formular políticas públicas inclusivas,


salvando os filhos da pátria do extravio da pobreza. Acredito que devemos apoiar
esses talentos e garantir trajetórias de vida exitosas.
Penso ser indispensável ampliar ao máximo o portfólio da oferta educativa
e oportunidades aos estudantes, eis a sétima lição, o IEMA faz isso através
de práticas institucionalizadas como Núcleos de Pesquisa e Olimpíadas do
Conhecimento, práticas experimentais em laboratórios, participação em projetos
de pesquisa e olimpíadas do conhecimento. A título de informação, entre janeiro
e outubro de 2019 conquistamos 1.568 medalhas de ouro, prata e bronze.
Cito dois exemplos dessa evolução no âmbito do IEMA, o primeiro
ligado à robótica e o segundo à foguetes. A robótica começou como iniciativa de
professores e estudantes de uma das nossas unidades, se expandiu para as demais,
conquistamos medalhas em competições nacionais e internacionais, criamos a
Coordenação de Robótica Educacional e hoje ela é um componente do currículo.
Hoje, presido o capítulo do Brasil na Federation International of Robot
Sports Association (FIRA), cuja sede é em Taiwan. Nós lideramos a América do
Sul para as seletivas da Copa Mundial de Robôs realizada pela FIRA todos os
anos, sempre no continente asiático, o evento envolve mais de 20 países e 170
equipes. E conseguimos trazer para o Brasil este evento em 2021, pela primeira
vez e após vencermos a disputa com a China.
Lançar foguetes de garrafa pet é algo comum entre as escolas brasileiras
e do mundo. Nós começamos assim, fomos vice-campeões da Mostra Brasileira
de Foguetes-MOBFOG por dois anos consecutivos e agora campeões também
pela segunda vez consecutiva. Isso nos fez criar a Olimpíada Maranhense de
Foguetes-OMAFOG.
Desenvolvemos e lançamos dois cansats para obtenção de dados climáticos,
trabalho apresentado na Mostra Nacional de Robótica-MNR e na Reunião Anual
da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC.
Essa experiência nos fez criar a Coordenação de Foguetes e Satélites

A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
117
cuja responsabilidade é garantir padrões cada vez mais elevados para nossa
participação em eventos e no desenvolvimento de cansats.
Finalizo destacando que o IEMA se tornou Escola Associada da
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura-UNESCO,
isso em 3 anos de efetivo funcionamento. Nossa candidatura foi submetida à
coordenação nacional e por último à coordenação internacional da Rede PEA-
UNESCO, somos a única escola pública no Maranhão com esse reconhecimento.
O compromisso do IEMA com o desenvolvimento sustentável, a
cidadania global e a aprendizagem intercultural nos tornaram membros da
Rede PEA-UNESCO, grupo constituído por 569 escolas no Brasil e 11 mil
escolas em todo o mundo.
A articulação em âmbito internacional também nos levou a fazer a
primeira captação de recursos do exterior. Submetemos projeto para a fundação
norte-americana The Pollination Project e captamos 5 mil dólares, com os quais
compramos 3 mil livros para as bibliotecas do Instituto.
As sete lições nos levam aos aprendizados da experiência do IEMA. O
mais importante de todos, nada é possível sem LIDERANÇA, PROJETO e
EQUIPE, este é cerne dos resultados que alcançamos e mais:

•  Monitoramento e acompanhamento são indispensáveis, verdadeira


barreira técnico-política;
•  Prestar contas à sociedade é dever constitucional e fortalece a instituição
pública;
•  O professor é o alicerce da qualidade e o estudante o centro de todo
processo educativo, sobretudo pelo seu protagonismo;
•  Formar cidadãos e técnicos não é suficiente, precisamos formar novas
lideranças;
•  É necessário enfrentar fake news, superar o achismo e o senso douto em
educação;

118 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Jhonatan Almada

•  Nossos resultados, as conquistas dos nossos professores e estudantes são


evidências claras de eficiência;
•  Não precisamos reinventar a roda, fazemos aqui aquilo que deu certo e é
bem- sucedido no mundo;
•  Nossa juventude tem potencial, as oportunidades que oferecemos
retornam como conquistas e resultados;
•  A excelência está no horizonte, precisamos caminhar com perseverança
até lá.

Apresentei esse relato de experiência em eventos nacionais e internacionais,


convicto de que é possível fazer com que a escola pública seja de excelência, isso
exige muito trabalho, dedicação, financiamento, pessoas motivadas e sonho, mas
é plenamente possível.
Desejo animar e inspirar outras escolas, redes e sistemas educacionais a se
transformarem, colocando o aprendizado de cada estudante como centro dos seus
esforços institucionais.

3. Considerações finais

Em que pese o otimismo da vontade, devo aqui explicitar o pessimismo da


inteligência, como afirmou Gramsci. Aponto como conclusão questões cruciais
e não resolvidas que serão decisivas para o futuro do IEMA, organizo-as nas
dimensões da identidade, da institucionalidade e da continuidade.
Há uma crise identitária que oscila e está tensionada entre a ideia de
uma educação técnica integral, como um tipo novo de oferta do ensino médio
integrado à educação profissional, e a influência do modelo pernambucano, cujas
organizações privadas disseminadoras (como o ICE e o Instituto Natura) pautam
a tomada de decisão política.
Isso tem gerado o sufocamento da experiência do IEMA, a impede de se

A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
119
afirmar como algo próprio e novo, limitando-a a ser mais uma escola ou mais
uma rede de escolas técnicas como as que existiram anteriormente na história da
educação maranhense.
Essa crise se inicia com a desvinculação da Secretaria de Ciência, Tecnologia
e Inovação-SECTI e a incorporação do IEMA à Secretaria de Educação-SEDUC,
sem consulta à comunidade escolar. Pensávamos no IEMA como vinculado ao
Sistema Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação e complementar ao Sistema
Estadual de Ensino, não o contrário.
Presidiu essa concepção as experiências do Centro Paula Souza-CPS em
São Paulo e da Fundação de Apoio à Escola Técnica-FAETEC do Rio de Janeiro,
ambos vinculados às Secretarias de Ciência e Tecnologia, porém, atuando de
forma complementar e integrada com as Secretarias de Educação.
Em face dessa mudança, a institucionalidade se viu e ainda se vê fragilizada.
O que antes era a inovação educacional precisava agora se conformar a ser
elemento do programa Escola Digna, ou seja, precisava ser uma escola como as
outras, só um pouco melhor, mas despojada da ideia de Instituto, substituída pelo
termo Rede.
O reconhecimento externo e interno do IEMA como experiência bem-
sucedida na educação levou ao entendimento da instituição como uma espécie
de “grife”. Isso vai de encontro a ideia de instituição pública de ensino com
identidade própria e teve como efeito a incorporação de projetos estranhos ao
Plano de Desenvolvimento Institucional-PDI e à própria missão do IEMA, a
exemplo das Escolas bilíngues ou dos Centros Educa Mais.
É importante compreender qual o papel do Estado como ente federativo na
educação básica, papel previsto pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional. Na ausência dessa compreensão, o Estado assumiu
a oferta de ensino bilíngue para o ensino fundamental, cuja responsabilidade
pertence aos municípios.
Na mesma linha, ao não compreender a especificidade da educação

120 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Jhonatan Almada

profissional, científica e tecnológica, o Estado passou a transferir para o IEMA


as escolas de ensino médio de tempo integral (Centros Educa Mais), as quais não
tem natureza profissionalizante e açodadamente se tornaram unidades do IEMA.
A institucionalidade se fragilizou mais ainda quando a gestão das unidades
do Instituto foi dividida, parte é feita pela SEDUC (Unidades Vocacionais) e
parte é feita pela Reitoria do IEMA (Unidades Plenas), o que está como prática,
mas não faz parte da regulamentação formal existente.
Isso enfraqueceu a instituição e a autoridade do Reitor, retirou a unicidade
administrativo-pedagógica e reduziu a capacidade de governança, a qual se reflete
no fato da Reitoria ter saído da sua sede própria e sido transferida para um anexo
da SEDUC, cujas condições de funcionamento são precárias.
Por fim, o elemento da continuidade está em suspenso. Apesar da expansão
do IEMA continuar, com a inauguração de obras novas ou a incorporação de
escolas já existentes, não há perspectiva de continuidade de experiências
inovadoras como a Rede Bandeira Tribuzi de Bibliotecas Escolas ou a Rede
Maria Aragão de Educação em Saúde, as quais colocaram pela primeira vez nas
escolas públicas, a presença de bibliotecas com bibliotecárias e enfermarias com
enfermeiras, algo comum nas escolas de países desenvolvidos.
A redução constante do quadro de pessoal administrativo (técnicos,
secretárias escolares e supervisores), cujos vínculos são precarizados, ameaça a
continuidade da qualidade da oferta. Como sabemos, não há concurso público para
esses segmentos e a opção do Estado foi a terceirização via organizações como a
Fundação Sousândrade. Ao retirar esses quadros e não os repor nos distanciamos
do modelo dos Institutos Federais ou das instituições congêneres estaduais, que
previram seus quadros técnico-administrativos e passamos a sobrecarregar os
professores e gestores com funções alheias ou desnecessárias.
Apesar da afirmação de que o IEMA seria a contraface do IFMA no âmbito
estadual, de fato essa inspiração não se materializou em sua completude. O IEMA
segue sem autonomia administrativa, didático-pedagógica e financeira, o que

A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
121
ameaça sobremaneira seu futuro no próximo ciclo de governo, garantir o futuro
é resolver as questões pendentes em termos de identidade, institucionalidade e
continuidade.
O que ofereci aos leitores deste capítulo é saber de experiência feito como
cantou Camões nos Lusíadas, consciente das tomadas de posições e limites que
elas impõem à reflexão crítica e acadêmica, contudo, peço que façam sua própria
leitura e possam dialogar comigo nessa permanente construção do conhecimento
e busca por verdades mesmo provisórias.

122 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Jhonatan Almada

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A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO MARANHÃO-IEMA: lições aprendidas e questões para o futuro
125
DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: EGRESSOS DO CURSO
TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO EM AGROPECUÁRIA OFERTADO
PELO IFMA – CAMPUS SÃO LUÍS-MARACANÃ

Vespasiano de Abreu da Hora31


Gilberto Luiz Alves32

1. Introdução

Este artigo tem sua origem na pesquisa de campo, desenvolvida para a


produção da minha tese de doutoramento em Meio Ambiente e Desenvolvimento
Regional na Universidade Anhanguera – UNIDERP/MS.
Analisar o mercado de trabalho no Estado do Maranhão implica
compreendê-lo na dinâmica do mercado de trabalho nacional e ter consciência
de que o sistema brasileiro de produção está regido pelo capitalismo, cuja
essência consiste na concentração de renda e riqueza, na exclusão social e na
geração de pobreza.
É nesse cenário que os operários empregados e desempregados alimentam
suas expectativas de ingressarem e/ou permanecerem e melhorarem sua condição
nas empresas e/ou em instituições públicas. Enquanto isso, os desempregados
buscam sofregamente ingressar num posto de trabalho. Paralelamente a esse
movimento contínuo, a dinâmica dos avanços tecnológicos tem promovido a
reestruturação produtiva, a qual impacta profundamente o processo de oferta ou
supressão de postos de trabalho, pois, promove o desemprego estrutural e recria
novas formas de trabalho.

31 Professor Titular do Instituto Federal do Maranhão (IFMA), Campus São Luís -


Maracanã. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional (Universidade Anhanguera-
UNIDERP/MS). Mestre em Educação (UFMA).
32 Professor e pesquisador da Universidade Anhanguera-UNIDERP/MS. Doutor (1991) e Pós-
doutorado em Educação (1998) pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.

126 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

A reestruturação produtiva é alimentada por máquinas modernas, operadas


não raras vezes por um único trabalhador, a exemplo de determinadas máquinas
agrícolas que, através da atuação de um só operador, preparam a terra, plantam
e colhem. Esse operador único também deve ser polivalente, ou seja, possuir
habilidades que lhe permitam solucionar problemas mecânicos e elétricos que
a máquina venha a apresentar. São tecnologias que promovem o desemprego
estrutural e a seletividade da força de trabalho, ao mesmo tempo em que alimentam
a ilusão e/ou a necessidade de preparação permanente.
Essa verdadeira armadilha tem levado muitos empregados e desempregados
à constante busca por preparação em cursos técnicos, em instituições tanto públicas
quanto privadas. Outros, ainda, deixam-se seduzir pelo empreendedorismo,
tentando abrir seus próprios negócios, criando micros e pequenas empresas, sem
levarem em conta a grande incidência de falência desses empreendimentos.
Nessa conjuntura, delineiam-se as possibilidades de ingresso para
o exercício da profissão do egresso do Curso Técnico em Agropecuária na
modalidade de Educação a Distância da Rede e-Tec Brasil, ofertado pelo Instituto
Federal do Maranhão – Campus São Luís / Maracanã – IFMA. As possibilidades
de ingresso dessas pessoas no mundo do trabalho se visualizam: a) na condição
de empregado; b) na condição de empregador; e c) na condição de gerador de
trabalho e renda.

2. Procedimentos metodológicos

O título deste artigo evidencia o próprio objeto de investigação. No


percurso da pesquisa, recorreu-se a fontes primárias e documentais, elegendo-
se como instrumentos de pesquisa entrevistas semiestruturadas e questionários
constituídos com questões fechadas e abertas.
As entrevistas e os questionários foram concebidos de modo a desvelar
a síntese das percepções dos sujeitos envolvidos sobre a realidade concreta por

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
127
eles vivenciada, no que concerne ao objeto em estudo, considerando os públicos
distintos: coordenadoras do curso; equipe pedagógica; e alunos.
O processo de coleta dos dados referente aos alunos foi bastante difícil,
exigindo a utilização de táticas diversificadas de abordagem, para chegar à
amostra. Essas abordagens se deram através de a) seminários – convite para
participar de seminários promovidos nos oito polos, durante os quais alguns
egressos da primeira turma apresentariam suas experiências; desses eventos
participaram 35 egressos; b) correios – envio de 150 envelopes para os endereços
dos egressos, do que resultou a devolução de quinze devidamente respondidos;
c) visitas a domicílios – abordagem direta aos egressos em suas residências para
completar a amostra.
Através dessa última tática de abordagem, foi possível conhecer as razões
do insucesso das abordagens anteriores, como esquecimento ou mudança de
endereço. Frente a essa dificuldade, foi-se uma e, em alguns casos, duas vezes
em cada um dos oito polos. Foram aplicados 150 questionários, de um total
de 250 alunos. Esse processo de coleta de dados durou um ano e seis meses,
haja vista que pesquisas com egressos tende a ser difícil, sobretudo quando sua
abrangência é estadual.
As informações foram obtidas através da aplicação de um questionário
com questões abertas e fechadas. Esse tipo de procedimento se caracteriza pela
abordagem direta às pessoas cujo comportamento se deseja conhecer, através
da “[...] solicitação de informações a um grupo significativo de pessoas acerca
do problema estudado para em seguida, mediante análise quantitativa, obter as
conclusões correspondentes aos dados coletados” (GIL, 2008, p. 55).
Os dados da pesquisa foram tabulados em planilhas eletrônicas do software
Microsoft Office Excel, para posterior análise e interpretação. Para apresentação
dos resultados, os dados tabulados foram submetidos a tratamento estatístico
simples, com base na frequência relativa, após o que se fez a interpretação dos
dados desta pesquisa.

128 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

Posteriormente foi aplicada a técnica estatística Análise de Correspondência


Múltipla, através do software estatístico Statistical Package for Social Science®
(SPSS), objetivando identificar a relação das respostas dos egressos do Curso
Técnico de Nível Médio em Agropecuária com os polos do Instituto Federal do
Maranhão (IFMA), por meio de uma representação gráfica.

3. Resultados e discussão

O senso comum construído pela ideologia dominante conduz a


equívocos recorrentes, entre os quais o de que o estudo de uma profissão
técnica favorece a conquista de um posto de trabalho. À luz da realidade
concreta, com as evidências de cada momento histórico, infere-se que, quando
ocorrem transformações produtivas estruturantes (como a Revolução Industrial
e os subsequentes aprimoramentos dela – taylorismo, fordismo, toyotismo),
os processos produtivos determinaram os tipos de atividades laborais e de
trabalhador necessários, determinando a importância ou não do “exército de
reserva”. O modo de produção capitalista acabou determinando os sistemas
de ensino quanto à preparação dos trabalhadores, idealizados conforme as
exigências e as demandas do processo produtivo.
O que determina o surgimento ou o desaparecimento de novos postos de
trabalho, ou ainda a ampliação do número dos existentes, são os processos de
produção, o mercado de trabalho, o crescimento econômico, a distribuição de
renda e a diminuição da taxa de juros. Hoje, vive-se a dinâmica do desemprego
estrutural, no curso do qual muitos trabalhadores, antes empregados, estão agora,
em decorrência do desemprego, buscando sobreviver pela via da informalidade.
A oferta da EaD através da Rede e-Tec Brasil é apresentada como estratégia
de desenvolvimento e democratização do acesso à educação profissional de nível
médio, sobretudo para as pessoas situadas em regiões longínquas e de baixa
cobertura da rede pública federal de Educação.

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
129
Para obter uma compreensão aprofundada sobre os demandantes do Curso
Técnico de Nível Médio em Agropecuária da Rede e-Tec Brasil ofertado pelo
IFMA, faz-se necessário realizar as primeiras aproximações sobre o perfil desse
egresso. Essa caracterização será apresentada não por polos isoladamente, mas
na sua totalidade, ou seja, o resultado representará os demandantes no conjunto
de oito polos distribuídos no Estado do Maranhão.
Ao analisar essa distribuição, procura-se perceber a abrangência dos polos
e a sua relação com as propostas do governo do Maranhão de regionalização do
desenvolvimento no Estado. Buscando compreender tal processo de aceleração
do desenvolvimento regional no Estado, deflagrado por sucessivos governos,
toma-se como recorte temporal o período de 2007 a 2015. “Em 1998 e 2006,
o planejamento estadual ‘navegou’ em sucessivas regiões pontuais, conforme a
percepção de cada unidade administrativa, embora a referência fossem as citadas
gerências regionais” (IMESC, 2015, p. 12). Nova proposta foi apresentada
em 2007, dividindo o território maranhense em 32 Regiões de Planejamento,
proposta até então (2015) em vigor (Id. ibid.).
O presente estudo se utiliza dessa proposta para fundamentar algumas
análises de pertinência e elementos de escolha das cidades em que foram
instalados polos da Rede e-Tec Brasil no Estado do Maranhão.
Nessa distribuição, realizada pelo Estado para efeito do Plano Popular
de Desenvolvimento Regional do Estado do Maranhão (PPDR), das 32 regiões,
apenas seis foram contempladas, em 2009, pelo Curso Técnico de Nível Médio
em Agropecuária ocorreu nas seguintes regiões:

•  Região de Chapada das Mesas – Campestre do Maranhão, Carolina,


Estreito, Feira Nova do Maranhão, Lajeado Novo, Porto Franco, São
João do Paraíso e São Pedro dos Crentes (Rede e-Tec Brasil Polo
Porto Franco);

130 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

•  Região da Ilha do Maranhão – São Luís, São José de Ribamar, Paço


Lumiar e Raposa (Rede e-Tec Brasil Polo São Luís);
•  Região do Delta do Parnaíba – Água Doce do Maranhão, Araioses,
Brejo, Magalhães de Almeida, Milagres do Maranhão, Santana do
Maranhão, Santa Quitéria do Maranhão e São Bernardo (Rede e-Tec
Brasil Polo Brejo);
•  Região do Litoral Ocidental – Apicum-Açu, Bacuri, Cedral, Central do
Maranhão, Cururupu, Guimarães, Mirinzal, Porto Rico do Maranhão e
Serrano do Maranhão (Rede e-Tec Brasil Polo Cururupu);
•  Região do Pericumã – Alcântara, Bequimão, Peri-Mirim, Presidente
Sarney, Pinheiro, Pedro do Rosário, Santa Helena, Turiaçu e Turilândia
(Rede e-Tec Brasil Polo Pinheiro);
•  Região do Tocantins – Amarante do Maranhão, Buritirana, Davinópolis,
Governador Edson Lobão, Imperatriz, João Lisboa, Montes Altos, Ribamar
Fiquene e Senador La Roque (Rede e-Tec Brasil Polo Imperatriz);
•  Região dos Guajajaras – Barra Corda, Fernando Falcão, Jenipapo dos
Vieiras (Rede e-Tec Brasil Polo Barra do Corda);
•  Região dos Timbiras – Aldeias Altas, Caxias, Coelho Neto, Duque
Bacelar e São João do Soter (Rede e-Tec Brasil Polo Caxias)
(OLIVEIRA, 2008, p. 22-560).

O que determinou de fato a escolha das cidades Polo da Rede e-Tec Brasil
IFMA, no convênio firmado entre a reitoria do IFMA e o governo do Estado do
Maranhão, porém, foi a contrapartida que o Estado deveria disponibilizar. Esta
incluiria salas de aula adequadas, laboratórios de informática com acesso à internet
e compatíveis com o número de alunos, além, obviamente, de abastecimento de
água e eletricidade.
Para viabilizar o fornecimento dessa contrapartida, o Estado lançou mão
das estruturas pré-existentes – as Unidades Regionais de Educação (URE). Essas

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
131
unidades, num total de dezenove, foram criadas pelo governo do Maranhão
visando promover a reestruturação administrativa do Estado, a descentralização
e a gestão participativa.
Os profissionais formados no referido curso são preparados para atuarem
profissionalmente na agricultura, na pecuária e em atividades afins. Assim,
era de se esperar que a escolha dos polos estivesse vinculada a essa vocação e
necessitando de condições técnicas para o desenvolvimento da agricultura e da
pecuária. Logo, os profissionais formados estariam disponíveis nas respectivas
regiões e a elas ligados, de modo que não seriam rompidos seus vínculos de
pertencimento com suas origens e sua singularidade.

3.1 Perfil dos egressos

De acordo com os dados apresentados na Tabela 1, que se segue, o perfil


dos egressos mostra uma leve predominância do sexo masculino (56,73%) sobre
o feminino (43,2%). Quanto à idade, quando se agrega a faixa de 20 a 39 anos
apresenta o maior percentual, que é de 69,23%; já a faixa etária de 40 a 49 anos
abrange 20,19%; e, por último, os de 50 a 60 anos ou mais representam um
percentual de 10,57%. Porém, desagregando esse último grupo, percebe-se que,
na faixa acima de 60 anos, o percentual é de apenas 1,92%.
A etnia autodeclarada predominante foi parda / mulata com 58,65%, mas
pode-se considerar que a possibilidade de que a autodeclararão esteja permeada
pela negação da etnia negra, o que mascararia esse resultado. Ao se agregar
a etnia pardo / mulata (58,65%) com a negra (19,23%), o resultado se altera
significativamente (77,88%). Por outro lado, a etnia branca apresentou um
percentual de 21,15%.
Ao ingressarem no curso, os egressos apresentavam os seguintes
percentuais de escolaridade: 22,12% com Ensino Fundamental completo; 59,62%
com Ensino Médio completo; 8,65% com Ensino Superior incompleto; e 9,62%

132 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

com Ensino Superior completo. Quando agregado o Ensino Médio completo com
o Superior incompleto e o Superior completo, tem-se 77,89% dos egressos com
o Ensino Médio completo. Juntando-se o Ensino Superior incompleto (8,65%)
com o completo (9,62%) o percentual vai para 18,27%.
Esses dados revelam que a questão essencial não é só a formação, mas
a existência, no mercado de trabalho, de oportunidades, as quais ainda são
extremamente escassas e cada vez mais seletivas. Frente a esse quadro, os
alunos buscam por uma especialização, movidos pelo senso de oportunidade e
pela ideologização de que a capacitação permanente lhes possibilitará atingir
o status de empregabilidade33 e figurar como desejáveis ante o mercado de
trabalho, ou ainda tornarem-se micro e pequenos empreendedores nesse
mercado seletivo e competitivo.
Os dados revelam que o perfil dos egressos é constituído por homens
e mulheres, com uma variação de 13,46% para mais, de homens em relação
a mulheres. A faixa etária predominante se situa entre 20 e 49 anos. A etnia
autodeclarada parda / mulata com 58,65%, prepondera sobre as demais. E apenas
22,12% têm escolaridade em nível de Ensino Fundamental completo, ou seja,
este público representou a demanda do PROEJA. Por outro lado, 77,88% tinham
o ensino médio completo, destes 8,65% de nível superior incompleto e 9,62% de
ensino superior completo.

33 Segundo Gentili (1998), o termo empregabilidade faz parte do ideário capitalista e


surgiu no início do século XX na Grã-Bretanha, para distinguir os trabalhadores empregáveis
dos não empregáveis. Trata-se, portanto, de uma categoria que compreende a capacidade do
trabalhador pela qualificação e pela requalificação permanentes, bem como por sua inserção e
permanência no mercado de trabalho, haja vista terem atingido o status de “desejáveis” pelas
empresas.

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
133
Tabela 1. Perfil dos egressos do Curso Técnico de Nível Médio em
Agropecuária do pelo Campus São Luís / Maracanã (IFMA), ano 2009 – 2011

Questão 7: Sexo Total


Masculino 56,73%
Feminino 43,27%
Total Geral 100,00%

Questão 8: Idade
20 a 29 anos 24,04%
30 a 39 anos 45,19%
40 a 49 anos 20,19%
50 a 59 anos 8,65%
Acima de 60 1,92%
Total Geral 100,00%
Questão 9: Etnia
Branca 21,15%
Indígena 0,96%
Negra 19,23%
Parda/Mulata 58,65%
Total Geral 100,00%
Questão 10: Situação de escolaridade antes de iniciar o curso
Ensino fundamental 22,12%
Ensino médio completo 59,62%
Ensino superior incompleto 8,65%
Ensino superior completo 9,62%
Total Geral 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa de campo.

134 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

3.2 Expectativas antes da realização do curso, situação antes e pós


realização do curso

Em tese, a procura por cursos técnicos está vinculada à possibilidade dos


postulantes de melhorarem sua relação com o mercado de trabalho. Portanto, deve-
se considerar que esses demandantes compõem um cenário de pessoas que podem
estar desempregados e buscam se preparar para a possível conquista de um posto
de trabalho ou estão empregadas e pretendem manter-se no posto de trabalho e/ou
melhorar na carreira. Há também aqueles que ou pretendem conquistar um novo
posto de trabalho, melhor do que aquele em que se encontram, ou desenvolver
uma atividade autônoma com maior conhecimento técnico. Nos três casos, essas
pessoas entendem que as referidas possibilidades serão alcançadas através de
uma especialização.
A Tabela 2, “Situação dos egressos do curso” apresenta duas dimensões:
1ª) as expectativas antes de realizar o curso; e 2ª) a situação de trabalho/ocupação
antes de iniciar o curso. Os dados da pesquisa de campo contidos nessa tabela
permitem entender as expectativas antes da realização do curso: 25% dos egressos
desejavam aumentar / atualizar conhecimentos e habilidades para o desempenho
de uma atividade. Semelhante a essa expectativa, 21,32% procuraram o curso
para ampliar conhecimentos. Agregados pela semelhança de interesses, têm-se,
então: 46,32% de alunos que desejavam ampliar e/ou atualizar conhecimentos;
13,6% pretendiam aprender uma ocupação; 8,46% queriam especializar-se /
atualizar-se numa ocupação; e 6,62% objetivavam obter certificado de um curso
técnico. Essas respostas têm sentido próximo, o que torna possível agregá-las, de
modo que juntas perfazerem 28,68% que desejam aprender uma profissão e obter
os respectivos certificados. Apenas 7,35% foram explícitos em afirmar que sua
expectativa era conseguir trabalho.

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
135
3.3 Situação dos egressos antes do curso

Antes de iniciarem o curso, os egressos se apresentavam nas seguintes


situações: nunca tiveram ocupação remunerada (2,09%); desempregados (2,43%);
trabalhadores em atividade familiar ou comunitário (4,17%); trabalhadores
em atividade familiar ou comunitária que gera renda individual (6,26%);
trabalhadores com carteira assinada (20%); trabalhadores sem carteira assinada
(3,13%); funcionários públicos (25,57%); trabalhadores autônomos (21,91%);
bico / trabalho eventual (5,22%); e atividade do lar (6,78%).
Na Tabela 2, quando se soma os dados da questão 12, aqueles que
desejam conseguir trabalho (7,35%), com os da questão 14, os que nunca tiveram
uma ocupação (2,09%), desempregados (2,43%); os da atividade familiar ou
comunitária (4,17%); trabalhador em atividade familiar ou comunitária que gera
renda individual (6,26%); os trabalhadores sem carteira assinada (3,13%); os que
vivem de bico ou trabalho eventual (5,22%); e atividade do lar (6,78%) chega-
se a 37,43%, que subliminarmente expressam o desejo da especialização para
melhorar sua condição no mercado de trabalho.
Os que desejam conseguir trabalho, os desempregados, os que nunca
tiveram uma ocupação e os que vivem de bico ou trabalho eventual e atividades
do lar demandaram o curso em busca de atingir conhecimentos e status de
empregabilidade. Em tese, deverão exercer pressão sobre o mercado de trabalho.
Nessa mesma lógica, os que desejavam aumentar ou atualizar conhecimentos
e habilidades para o desempenho de uma atividade, somados àqueles que
objetivavam ampliar conhecimentos, correspondem a 46,32%, constituindo
o principal público que deseja aprimorar os conhecimentos. Os trabalhadores/
operários da iniciativa privada provavelmente buscam conhecimentos para
ampliar suas possibilidades de ingresso e/ou condições de subir na escala
hierárquica dentro das empresas.
Investimento na capacitação pessoal cria a possibilidade para funcionários

136 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

públicos serem reposicionados horizontal e verticalmente na carreira mediante


melhorias no currículo, daí decorrendo melhorias salariais. Os autônomos
buscam ampliar os conhecimentos para melhor desenvolverem suas atividades
como comerciantes de insumos agropecuários e/ou melhorarem o desempenho
nas suas chácaras e prestarem assessoria no campo das atividades agropecuárias.

Tabela 2. Situação dos egressos antes do Curso Técnico de Nível Médio em


Agropecuária do pelo Campus São Luís / Maracanã (IFMA), ano 2009 – 2011 – continua

Total

Questão 12: Quais as suas expectativas antes de realizar o curso


Aprender uma ocupação 13,60%
Especializar-se/atualizar-se em uma ocupação 8,46%
Aumentar/atualizar conhecimentos/habilidades para o melhor 25,00%
desempenho de uma
atividade
Conseguir trabalho 7,35%
Aumentar a renda 6,25%
Melhorar suas condições pessoais no trabalho 6,99%
Obter certificado de um curso técnico 6,62%
Elevar escolaridade/obter um certificado de escolaridade 4,04%
Ampliar conhecimentos 21,32%
Outra 0,37%
Total Geral 100,00%
Questão 14: Situação de trabalho/ocupação do egresso antes de iniciar o curso
Nunca teve ocupação remunerada 2,09%
Desempregado 2,43%
Trabalhador em atividade familiar/comunidade 4,17%

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
137
Trabalhador em atividade familiar/comunidade que gera 6,26%
renda individual
Empregado com carteira assinada 20,00%
Empregado sem carteira (desde que não seja trabalho 3,13%
eventual nem funcionário
público)
Funcionário público 25,57%
Autônomo / Conta própria 21,91%
Bico / Trabalho eventual 5,22%
Atividades do lar 6,78%
Outros 2,43%
Total Geral 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa de campo - conclusão

3;4 Situação do egresso depois do curso

Em contato com um número substancial de egressos no processo de


pesquisa de campo, constatou-se algumas das práticas profissionais desenvolvidas
por eles. Em razão do questionário não conter nenhuma pergunta sobre o tipo de
atividade profissional que cada egresso estava desenvolvendo, fez-se o registro
durante a pesquisa de campo: operadores de caixa em supermercados, atendentes
em lojas e farmácias, trabalhadores em agências bancárias, docentes da Educação
Infantil, donos de lojas de insumos agropecuários, proprietários de sítios e/ou
chácaras com atividades agrícola e pecuária, vigilantes, servidores públicos
estaduais e municipais, guardas municipais e assentados em áreas da reforma
agrária e em comunidades remanescentes de quilombos, onde desenvolvem
agricultura familiar.
Os dados constantes na Tabela 3 – Situação dos egressos depois do curso
permitiram apreender quatro aspectos: 1º – se houve alteração na ocupação /
trabalho do egresso depois que concluído o curso; 2º – se o empregador

138 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

manifestou alguma preferência quanto à formação nas modalidades de educação


a distância ou presencial; 3º – a renda individual mensal dos egressos; e 4º – quais
expectativas dos egressos foram atendidas após a realização do curso.
Ainda segundo os dados obtidos a partir da questão 16 da Tabela 3,
14,42% continuam desempregados; 26,92% conseguiram o atual emprego; 5,77%
passaram a trabalhar com carteira assinada; 2,88% conseguiram montar seus
próprios negócios, tornando-se autônomos; 0,96% tornaram-se empregadores;
3,85% começaram a participar de empreendimentos cooperativos; 2,88%
passaram a participar de empreendimentos solidários; 7,69% melhoraram seus
cargos ou funções; 4,81% melhoraram seus salários e rendas; 21,15% ficaram
mais “qualificados” para o trabalho; 6,73% obtiveram mais informação sobre
mercado e trabalho.
Assim, como se pode perceber, houve uma melhora geral nas condições
de emprego e renda dos egressos, após a conclusão do curso. Quando cruzamos
esses dados com os constantes na questão 14 da Tabela 2, que levantou a
situação do egresso observa- se que: 7,35% desejavam conseguir trabalho;
2,09% nunca tiveram ocupação remunerada; 2,43% eram desempregados; 4,17%
era trabalhador em atividade familiar/comunitária; 6,26% era trabalhador em
atividade familiar/comunitária que gera renda individual; 3,13% eram empregados
sem carteira (desde que não seja trabalho eventual nem funcionário público);
5,22% faziam bicos, ou seja, trabalhos eventuais; e 6,78% exerciam atividades
do lar. Agregados, os percentuais acima totalizam 37.43% aqui considerados em
condição de vulnerabilidade.
Comparados aos 26,92% que conseguiram o atual emprego, de acordo
com a questão 16 da Tabela 3, percebe-se uma melhora substancial quanto ao
ingresso no mercado de trabalho em relação a trabalhadores em atividade laboral
sem carteira assinada, que eram 3,13% antes de iniciar o curso e após a sua
conclusão, pois 5,77% passaram a trabalhar com carteira assinada, superando
a condição anterior em 2,64%. Outros conseguiram montar o próprio negócio

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
139
(2,88%); tornaram-se empregadores (0,96%); melhoraram de cargo ou função
(7,69%); e melhoraram seus salários e rendas (4,81%). Na Tabela 2, questão
14, eram 20% de trabalhadores com carteira assinada, após a conclusão do
curso 5,77% passaram a trabalhar com carteira assinada. Provavelmente, esses
novos trabalhadores vieram do público em condição de vulnerabilidade e estão
figurando entre os 26,92% que conseguiram o atual emprego. Contudo, 14,42%
permaneceram sem qualquer trabalho – ocupação remunerada ou não remunerada.

O atual cenário de desemprego estrutural – promovido pela reestruturação


produtiva e a atual correlação de forças: de um lado, os trabalhadores e do outro,
empresários e governos – é, dentre outros, o principal fator da flexibilização
dos direitos trabalhistas. Esse determinante tem levado à via da informalidade
do trabalho, ou seja, à substituição do emprego pela ocupação. Resulta disso
o aumento substancial de trabalhadores informais, como: carregadores;
trabalhadores de rua; vendedores de balas, merendas e fast food em bicicletas ou
carros; prestadores de assistência veterinária a pets em residências; condutores
de carros de lotação; proprietários de trailers para venda de diversos tipos de
comida; e vendedores ambulantes nas ruas e calçadas das capitais e das cidades
do interior, comercializando de tudo um pouco, incluindo produtos nacionais e
importados.
Segundo Antunes (2013, p. 14-15), ao desenvolver sua análise, “a
nova morfologia do trabalho e suas principais tendências à informalidade,
infoproletariado (i)materialidade e valor” apresenta um espectro da informalidade
que abrange diversos modos: os trabalhadores informais tradicionais, envolvidos
em atividades de baixa capitalização em busca de renda para provimento
individual e familiar, podendo envolver o trabalho da família ou de ajudantes
temporários:

140 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

•  os informais instáveis, que são aqueles recrutados temporariamente por


serviços realizados (carregadores, carroceiros, trabalhadores de rua ou
serviços gerais);
•  os trabalhadores informais assalariados, sem registro e sem proteção da
legislação trabalhista; e
•  informais por conta própria, que podem ser uma variação de produtores
simples de mercadorias contando com a própria força de trabalho, com o
auxílio de familiares ou até com trabalhadores assalariados subcontratados.

No Brasil, a informalidade representa a ruptura de contratação e da


regulação da força de trabalho:

podemos acrescentar que, se a informalidade não é sinônimo


direto de condição de precariedade, sua vigência expressa,
com grande frequência e intensidade, formas de trabalho
desprovidas de direitos, as quais, portanto, apresentam clara
similitude com a precarização. Desse modo, a informalização
da força de trabalho vem se constituindo como mecanismo
central utilizado pela engenharia do capital para ampliar a
intensificação dos ritmos e dos movimentos do trabalho e
ampliar seu processo de valorização. E fazê-lo desencadearia
um importante elemento propulsor da precarização estrutural
do trabalho (ANTUNES, 2013, p. 16-17).

Quando se analisam os dados presentes na Tabela 2, percebe-se certo


conformismo por parte dos egressos, senão vejamos: dos 23,87% egressos
desempregados (assalariados) de acordo com os dados obtidos na questão 14,
da Tabela 2, apenas 7,35% deles foram incisivos ao declararem que desejavam
conseguir trabalho. Isso permite inferir que o discurso do empreendedorismo
presente no ideário neoliberal e difundido em todos os espaços públicos e
privados, principalmente nas matrizes curriculares das instituições de ensino (por
exemplo, do curso em análise) e nos programas do Serviço de Apoio às Micro

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
141
e Pequenas Empresas (SEBRAE), Serviço Nacional de Aprendizagem (Rural)
etc., tem produzido certo conformismo diante da realidade concreta, embora
permaneça latente o desejo de melhorias. Daí as demandas por cursos num claro
sentido da preparação para possíveis oportunidades.
Quando 21,91% dos egressos, ao responderem a questão 14, da Tabela 2,
declararam que, antes de iniciar o curso, eram autônomos, já estavam vivendo
a customização da realidade alimentada pelo processo de ideologização,
inculcado nos estudantes e prosseguindo nos egressos dessas instituições de
ensino – o ideário neoliberal. Ao assimilarem esse ideal, esses indivíduos estão
se autorresponsabilizando pela crise do emprego estrutural e buscam forjar
alternativas, ingressando na informalidade ou aventurando-se como micro e
pequenos empresários em busca de geração de renda. Não que o trabalho autônomo
seja algo novo, mas não deixam de ser formas criadas pelas empresas capitalistas
para extração da mais-valia absoluta. O que é novo é a sua intensificação atual.
O termo empreendedorismo remonta ao século XV, quando passou a ser
empregado com um sentido seletivo, para se referir aos “homens de negócios”
(COAN e SHIROMA, 2012, p. 250). Segundo Coan e Shiroma (2012, p. 249-
255), na década de 1980 esse termo foi introduzido no Brasil e, em 1981, iniciou-
se a sua difusão através da Escola de Administração de Empresas da Fundação
Getúlio Vargas, em São Paulo, e, em 1992, pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). A partir de então passou a irradiar-se lentamente para os demais
níveis e modalidades de ensino, especialmente nos cursos profissionalizantes,
tanto os regulares quanto os de baixa carga horária, como os de qualificação e
requalificação, assim como os de capacitação.
Hoje, estão maciçamente presentes diversas iniciativas de convencimento
ao empreendedorismo como a principal saída para combater a crise do emprego
formal e das desigualdades sociais. Vão além das redes de ensino profissional
(federal, estadual e municipal) e estão presentes em várias iniciativas como: os
cursos e assessoramento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas

142 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

Empresas (SEBRAE) e os cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural


(SENAR), entre os quais se destaca o Programa O Empreendedor Rural.
Nos meios de comunicação, destaca-se a Rede Globo de televisão, que
apresenta, aos domingos, o programa “Pequenas Empresas e Grandes Negócios”,
que apresenta as iniciativas exitosas de empreendedorismo, usadas como
exemplos para fazer apologia ao empreendedorismo. O alarde “sobre as façanhas
dos empreendedores exitosos convive com o silêncio absoluto sobre o caos das
falências” (COAN e SHIROMA, 2012, p. 256).
No Maranhão, a partir da intervenção do SENAR e do SEBRAE, vem
ocorrendo melhoramento na produção de mel de abelhas, de farinha d’água, na
difusão e produção de peixes em tanques, melhorias nas práticas de produção da
Agricultura Familiar (AF), etc. Esse aporte tecnológico tem promovido alterações
e melhorias na forma de produção e na qualidade dos produtos. Reconhece-se o
papel significativo dessas instituições, sobretudo do sistema S34, pois elas têm
desempenhado um relevante papel na valorização das alternativas construídas
pelos excluídos do trabalho formal, tanto urbano quanto rural.
Reconhece-se o papel significativo dos micros e pequenos negócios. A
questão colocada é o limite dos marcos desse investimento, que é a vinculação
com a manutenção da ordem, em certa medida mitigando os problemas sociais
com o alívio da pobreza e, consequentemente, das tensões sociais que permeiam
as sociedades capitalistas.
Para Coan e Shiroma (2012, p. 269), “na atualidade os apelos ao
empreendedorismo estão associados à crise do emprego formal causada pelo
próprio capitalismo”. A ideologização dos trabalhadores nas instituições de ensino
e demais espaços sociais, segundo Ianni (2013, p. 53), está levando o capitalismo
a continuar se desenvolvendo como modo de produção material e espiritual. Isso
se evidencia quando 27% dos egressos estão em condições de vulnerabilidade e

34 Refere-se ao SEBRAE, SENAR, SENAC, SENAI.

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
143
apenas 7,35% deles declaram que desejam conseguir trabalho, sinalizando não
apenas a falta de postos de trabalho, mas o conformismo. Infere-se, daí, que a
sua produção material e espiritual está plasmada pelas ideias capitalistas. É ainda
segundo Ianni (Id. ibid.) que, referindo-se ao capital, afirma: “a despeito das
oscilações cíclicas, suas crises e contradições, ele se generaliza e se recria como
modo de produção material e espiritual de âmbito global”.
Na atual crise do emprego formal, observa-se uma tentativa de inversão
das responsabilidades: não é mais a burguesia (através dos seus agentes
capitalistas) a responsável pela exploração, pela concentração de renda e riqueza,
pelo desemprego, pela exclusão e pelos problemas sociais – são os próprios
trabalhadores. Portanto, é a eles que cabe a busca de soluções.
A fórmula engendrada pelo ideário e pelo Estado burgueses para a
superação da crise do trabalho versus capital está nas mãos dos trabalhadores,
que deverão se tornar empreendedores e criar suas próprias empresas. Com isso,
devem eles também desenvolver suas capacidades e suas competências para
vencer a concorrência do mercado livre, que farão deles empresários de sucesso
e contribuirão para a oferta de empregos para novos trabalhadores.
Sabe-se que a questão fundamental dissimulada e com esforço para
se desresponsabilizarem e responsabilizarem a outrem – neste caso, a classe
trabalhadora – pelo conflito entre capital e trabalho. É a exploração da
classe trabalhadora pela classe burguesa, ou seja, com diz Marx (s/d, p. 31),
“a condição essencial da existência e da supremacia da classe burguesa é a
acumulação da riqueza nas mãos dos particulares, a formação e o crescimento
do capital; a condição de existência do capital é o trabalho assalariado”. E o
enriquecimento e a concentração da riqueza daquela são a causa fundamental
do empobrecimento e da exclusão social sofrida por esta, provocadas pela
mais-valia e pela reestruturação produtiva.
Para demarcar o limite em que os trabalhadores e, portanto, os egressos do
curso em análise estão contidos, resgato a perspectiva de Mészáros (2011, p. 67-

144 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

72), o qual, ao se referir à emergência do desemprego crônico e à intensidade da


taxa de exploração, afirma que o capitalismo não tem condições de dar soluções
para o desemprego crônico e a degradação ambiental. Num passado recente, o
desemprego atingia quase exclusivamente os operários não especializados; hoje,
diferentemente daquela realidade, ele impacta também trabalhadores altamente
especializados e, em síntese, todas as categorias de trabalhadores.
Para entender melhor a atualidade, recorre-se às crises cíclicas, há muito
previstas por Marx e consubstanciadas por Sadi Dal Rosso (2013, p. 46), através
de dados da atualidade. Para esse autor, o estourar de uma crise se dá quando
o capital já não consegue mais auferir mais-valia, em razão de ganhos que os
trabalhadores obtiveram em momentos anteriores. Em decorrência disso, a
referida crise se manifesta imediatamente no desemprego e na redução de salários,
fato presente no Brasil desde 2008, com a chamada crise do neoliberalismo.
Tal crise se aprofunda até que os salários sejam rebaixados ao limite do
insuportável, condição favorável para reorganizar a produção e o trabalho. Inicia-
se, assim, uma nova fase gradual de emprego e conquistas de direitos trabalhistas,
melhores condições de trabalho e ganhos salariais, até que ocorra uma nova crise.
Contudo, o processo de aumento e diminuição do emprego não impede que a
lei geral da acumulação continue e a produção da miséria se agrave. Em sua
reflexão, Mészáros (2011, p. 70) reitera essa realidade, ao afirmar que, quando o
capital atinge o ponto de saturação e não consegue mais se expandir, leva a força
de trabalho a sofrer as graves consequências da deterioração da taxa de lucro.

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
145
Tabela 3. Situação dos egressos depois do Curso Técnico de Nível Médio em
Agropecuária do Campus São Luís / Maracanã (IFMA), ano 2009 – 2011-continua

Total

Questão 16: Houve alteração na sua situação de ocupação/trabalho, depois que você
concluiu o curso
Continuou sem trabalho, ocupação remunerada ou não remunerada 14,42%
Conseguiu o atual emprego 26,92%
Passou a ser empregado com carteira assinada 5,77%
Conseguiu montar negócio próprio/tornou-se autônomo 2,88%
Tornou-se empregador 0,96%
Começou a participar de empreendimentos cooperativados 3,85%
Passou a participar de empreendimentos solidários 2,88%
Melhorou cargo/função 7,69%
Melhorou salário/renda 4,81%
Ficou mais qualificado para o trabalho 21,15%
Obteve mais informações sobre o mercado de trabalho 6,73%
Outros 1,92%
Total Geral 100,00%

Questão 18: Você observou alguma preferência do seu empregador quanto a formação na
modalidade educação a distância ou presencial

Não 76,92%
Sim 23,08%
Total Geral 100,00%

Questão 20: Qual a sua Renda individual mensal

sem renda alguma 9,62%


até 1 salário mínimo 17,31%
mais de 1 a 2 salários mínimos 50,96%
mais de 2 a 3 salários mínimos 13,46%
mais de 3 a 5 salários mínimos 6,73%

146 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


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mais de 5 a 10 salários mínimos 1,92%


Total Geral 100,00%

Questão 21: Após a realização do curso, quais expectativas foram atendidas

Aprender uma ocupação 15,59%


Especializar-se/atualizar-se em uma ocupação 7,60%
Aumentar/atualizar conhecimentos/habilidades para o melhor 20,91%
desempenho de uma
atividade
Conseguir trabalho 10,65%
Aumentar a renda 5,32%
Melhorar suas condições pessoais no trabalho 12,55%

Obter certificado de um curso técnico 6,84%


Elevar escolaridade/obter um certificado de escolaridade 4,18%
Ampliar conhecimentos 16,35%
Total Geral 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa de campo.

Quando perguntados se perceberam alguma preferência do seu empregador


quanto à formação na modalidade educação a distância ou presencial (questão
18 da Tabela 3), 76,92% dos entrevistados afirmaram que não, enquanto
23,08% afirmaram ter notado uma preferência pela educação presencial. Esse
fato demostra que ainda persiste um número significativo de empregadores que
nutre certo preconceito em relação à educação a distância. Entretanto, o contexto
atual, permeado de práticas e processos informatizados e grande número de
instituições de Ensino Médio (oferecendo formação de técnicos de nível médio)
e de Ensino Superior (ofertando cursos tecnólogos, licenciaturas e bacharelados)
desenvolvendo a EaD, tem predisposto muitos empresários a empregarem
trabalhadores na área de que necessitam, indistintamente da modalidade de
ensino pela qual obtiveram sua formação profissional, desde que correspondam
aos interesses da produção e da acumulação de riqueza.

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


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147
No que diz respeito à renda individual mensal, investigada na questão 20
da Tabela 3, obteve-se o seguinte resultado: 9,62% se declararam sem renda
alguma; 17,31% afirmaram ter renda de até um salário mínimo; 50,96%, mais
de um a dois salários mínimos; 13,46%, mais de dois a três salários mínimos;
6,73%, mais de três a cinco salários mínimos; 1,92%, mais de cinco a dez salários
mínimos. Esse levantamento demonstrado na Tabela 3 é confirmado pela Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2011), segundo a qual um milhão
e 270 mil, correspondendo a 43,24% da população maranhense economicamente
ativa, vivem com uma renda de no máximo um salário mínimo, sendo que, dentre
esses, 575 mil (19,57%) ganham até meio salário e apenas 7 mil (0,25%) ganham
acima de 20 salários mínimos. Outro dado que revela os excluídos da renda no
estado dá conta de que são 744 mil (25,33%) que não têm renda nenhuma. É essa
a realidade do Estado brasileiro, um país desigual, concentrador de renda e, por
conseguinte, com baixíssima capacidade distributiva das riquezas produzidas.
Conforme dados apresentados por Pochmann (2007), os 10% mais ricos
da população brasileira detêm quase 75% de toda a riqueza nacional, enquanto
os 90% mais pobres ficam com apenas 25%. Para esse mesmo autor (2012),
entre 2004 e 2010, 94% das vagas de trabalho criadas foram de até um salário
mínimo e meio, denotando uma discreta inclusão da classe trabalhadora, sem,
contudo, descaracterizar o perfil do Brasil como um país altamente concentrador
de riqueza. Esse padrão de desigualdade na repartição da renda e da riqueza entre
os habitantes prevalece, independentemente dos padrões de desenvolvimento
econômico pelos quais o Brasil passou e continua passando na atualidade. O que
é mais grave – e, ao mesmo tempo – sensor da crise, é o fato de saber que essa
inclusão rebaixada de até um salário mínimo meio incide sobre um universo de
muitos trabalhadores especializados.
Quanto às expectativas atendidas, as afirmativas, de modo geral, após a
realização do curso (assunto investigado na questão 21 da Tabela 3), que suas

148 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

expectativas foram atendidas, mesmo com uma leve diferença para mais ou para
menos quando comparado por itens. Essa realidade é melhor entendida quando
os dados a ela referentes são cruzados com os da questão 12 da Tabela 2.
A questão 21, da Tabela 3, revela que 37,26% dos egressos afirmaram que
suas expectativas foram atendidas, verificando-se uma diferença de 9,06% aquém
das expectativas iniciais. Essas respostas, agregadas às obtidas em outro quesito
por semelhança e sentido muito próximo (aprender uma ocupação – 13,60%;
especializar-se / atualizar-se em uma ocupação – 8,46%; obter certificado de um
curso técnico 6,62%; elevar a escolaridade ou obter um certificado de escolaridade
– 4,04%) compõem um percentual de 32,05%, quando cruzadas com as da questão
21, da Tabela 3, (34,21% desejam aprender uma profissão, especializar-se e/ou
atualizar-se, obter um certificado e elevar sua escolaridade, obtendo o respectivo
certificado). Assim, verifica-se uma superação das expectativas em 2,16%.
O total dos egressos entrevistados que foram explícitos ao dizer que
desejavam conseguir trabalho (7,35%), quando cruzado com o da questão 21 da
Tabela 3 (10,65% que conseguiram trabalho) apresentaram uma superação das
expectativas em 3,3%. As informações resultantes das respostas à questão 21
da Tabela 2 (melhorar suas condições pessoais no trabalho – 6,99%), ao serem
cruzadas com os dados dessa questão 21 da Tabela 3 – 12,55% – revelam uma
superação das expectativas em 5,56%.

4. Considerações finais

Após a análise e interpretação dos dados coletados, pode-se, à guisa de


conclusão, afirmar que a inserção dos egressos do curso em questão ocorreu
de forma diversificada e, em certa medida, já expressa nas expectativas desses
sujeitos. Tais expectações mostraram-se permeadas pela ideologia neoliberal,
que busca sedimentar a lógica do empreendedorismo em curso diante da crise do
desemprego estrutural e dos interesses do capital, no contexto da reestruturação

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
149
produtiva, de não buscar soluções para o desemprego. Ao invés disso, o sistema
capitalista tem se empenhado em encontrar novos mecanismos geradores de
mais-valia junto a essa massa de força de trabalho especializada e desempregada,
expandindo as formas de produção e circulação de mercadoria através do
espectro da informalidade, que, segundo Antunes (2013) pode ser subdividida
em trabalhadores informais tradicionais (informais instáveis, ociosos ou
temporários); informais assalariados sem registro; e informais por conta própria.
A dinâmica de inserção desses egressos ocorreu de forma diversa, na
iniciativa privada, no serviço público e como autônomo (proprietários de lojas
de insumos agropecuários, de sítios ou chácaras que desenvolvem atividades
agropecuárias; e na agricultura familiar, em assentamentos da reforma agrária
e comunidades quilombolas). Disseminados nesse universo de possibilidades,
restaram ainda 14,42% que se declararam sem trabalho, remunerado ou não. O
mosaico de possibilidades, porém, é ainda mais amplo, podendo ser apresentado
nos seguintes grupos:

1.  o agronegócio, em que se destacam a pecuária de corte (o Maranhão


possui o segundo maior rebanho do Nordeste) e as monoculturas voltadas à
produção de matérias-primas para a indústria, como cana-de-açúcar, algodão,
eucalipto, soja etc., produção essa sustentada pelo capital através de seus agentes
(médios e grandes produtores);
2.  a agricultura familiar, sobretudo aquela desenvolvida em
assentamentos, tanto da esfera federal quanto da estadual;
3.  as instituições financeiras (carteiras agrícolas), a exemplo do Banco
do Nordeste do Brasil (BNB), que preferem técnicos agrícolas para ocupar as
referidas carteiras, em razão de seus conhecimentos específicos;
4.  os órgãos estaduais reguladores – a Agência de Defesa Agropecuária
Animal (AGED) e a Agência Estadual de Pesquisa e Extensão Rural (AGERP)
–, bem como órgãos federais, tais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais (IBAMA), o Ministério da Agricultura, Pecuária e

150 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

Abastecimento, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),


a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e o próprio IFMA, nos
campi oriundos das Escolas Agrotécnicas (Codó, Maracanã e Mangabeira; e
5.  finalmente, o setor de serviços, área em expansão no Brasil e também
no Maranhão. A profissão de técnico em Agropecuária (ou técnico agrícola)
foi historicamente construída, reconhecida socialmente e organizada, em nível
nacional, através da Federação Nacional dos Técnicos Agrícolas (FENATA)
e, nos Estados, através de associações e sindicatos. No Maranhão, a entidade
representativa desse segmento é o Sindicato dos Técnicos Agrícolas do Estado
do Maranhão (SINTAG-MA). Os salários desses profissionais variam por região:
na Região Sul vão de três a cinco salários mínimos, enquanto na Região Nordeste
oscilam entre um e quatro salários mínimos. Essa variação é definida pela esfera
do emprego – se no serviço público (municipal, estadual ou federal) ou na
iniciativa privada –, estando sujeita à negociação entre patrões e trabalhadores.

O técnico agrícola é um profissional especializado para atuar no setor


primário (produção animal e/ou vegetal) e na área de prestação de serviços
afins. Trata-se, portanto, de profissionais preparados para atuar numa profissão
definida e com lugar social, e não trabalhadores sem instrução formal ou de baixa
escolaridade. Os dados obtidos através da pesquisa confirmam que, apesar do grau
de satisfação evidenciado pelos egressos, sua absorção pelo mercado de trabalho
ocorre de forma subordinada e em campos de trabalho distintos de sua área de
formação, o que os submete a toda sorte de possibilidades. Nessa diversidade,
encontram-se o campo das condições de trabalho formais e o espectro de
trabalhadores na informalidade, esta voltada quase exclusivamente para a geração
de renda com fins de sobrevivência. Face a essa falta de oportunidades na área,
recorrem a outras possibilidades existentes no mercado de trabalho, tornando-
se alvo de rebaixamento salarial. Expostos, esses profissionais à informalidade
caminham para a precarização do trabalho.
Os dados da Tabela 3 permitem observar a dinâmica de busca de

DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
151
alternativas (montaram negócios próprios – 2,88%; tornaram-se empregadores
– 0,96%; ingressaram em empreendimentos cooperativos – 3,85%; ingressaram
em empreendimentos solidários – 2,88%; além dos 14,42% que continuam
desempregados). Essa realidade é característica de contextos em que o
capital entra em crise e não consegue mais se expandir, gerando desemprego
e relegando a força de trabalho à própria sorte. O desemprego, por sua vez,
impacta desde os trabalhadores não especializados até aqueles considerados
altamente especializados. Em síntese, afeta indistintamente todas as categorias de
trabalhadores, contexto no qual estão inseridos os egressos, objeto desta análise.
A produção de riqueza, razão de ser do sistema capitalista, caracteriza-
se pela exploração do trabalhador e dos sistemas ambientais, cenário pelo qual
transitam os técnicos agrícolas. No Maranhão, a produção da riqueza vem
destruindo sua própria base e a diversidade de recursos naturais, o que equivale
a dizer que, em proveito da produção de lucro privado, acarreta-se um alto custo
socioambiental que atingirá sempre as classes desfavorecidas.
As melhorias na vida sinalizadas pelos egressos evidenciam que o curso
ministrado pelo Campus São Luís / Maracanã do IFMA representou importante
valorização e melhoria na qualidade de vida desses egressos. Isso, porém, não
isenta o IFMA da sua condição de subordinado à lógica capitalista, quando
este não consegue romper com a ideologização praticada em seu interior e
quando, dentre outros fatos, lança mão do empreendedorismo como elemento
de formação dos alunos, além da promoção de cursos de pouca duração, até
então imputada ao sistema S. Tudo isso pode ser afirmado apesar das críticas
e da pertinência da forma de conduzir os cursos oferecidos na modalidade EaD
(nesse caso específico, da Rede e-Tec Brasil/IFMA), sem a qual dificilmente
esses egressos teriam os benefícios que eles próprios declararam ter auferido.
Não se pode negar, porém, que essa alternativa de cursos dissimula a falta de
priorização, pelas diferentes esferas governamentais (municipal, estadual e
federal), do provimento de uma rede de educação de qualidade que possa de fato

152 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

instrumentalizar a classe trabalhadora na tomada de decisões e opções na vida.


Esse ponto de vista nada tem de romântico, mas sim de utópico, em prol de uma
perspectiva de mundo cujos ideólogos e intelectuais sejam compromissados com
um mundo justo e igualitário, sem deixar de incentivar e construir alternativas
ao sistema dominante, mesmo nos limites da impregnação dos valores burgueses
que habitam cada um de nós.

REFERÊNCIAS

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informalidade, infoproletariado, (i)materialidade de valor. In: RICARDO, A.
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DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


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Vespasiano de Abreu da Hora e Gilberto Luiz Alves

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DESAFIOS PARA A EMPREGABILIDADE: egressos do curso técnico de nível médio


em Agropecuária ofertado pelo IFMA – Campus São Luís-Maracanã
155
O PROGRAMA MULHERES MIL COMO POLÍTICA PÚBLICA
DE EDUCAÇÃO PARA MULHER: PERSPECTIVAS PARA
EMANCIPAÇÃO FEMININA?

Zeila Sousa de Albuquerque35


Diomar das Graças Motta36

1. Introdução

O estudo proposto tem como objeto de investigação uma política pública


de educação para mulher, o Programa Mulheres Mil (PROMIL) do Instituto
Federal do Maranhão, cujo propósito é a qualificação profissional de mulheres
em situação de vulnerabilidade social.
Considerando que o PROMIL é uma política pública educacional de
qualificação profissional e formação cidadã, que tem como metas estabelecidas,
a erradicação da extrema pobreza e da fome, promoção da igualdade entre os
gêneros, elevação da escolaridade e autonomia das mulheres e o combate à
violência de gênero por elas sofridas, por meio da educação profissional.
Teorizações acerca do assunto nos darão oportunidade de refletir sobre as
questões relacionadas à educação profissional no contexto das políticas sociais
para educação profissional, trabalho e gênero, tendo em vista que, atualmente, no
Brasil o discurso de democratização do ensino e a implementação da educação
tem se dado por meio de Programas governamentais. Assim, o principal objetivo
do estudo desenvolvido foi refletir sobre o referido programa, já que é uma
política pública educacional com recorte de gênero.

35 Doutoranda em Educação, mestra em Educação – PPGE/UFMA. Docente do Instituto Federal de


Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – IFMA.
36 Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense – UFF, docente do
Programa em Pós- graduação, Mestrado e Doutorado em Educação - PPGE/UFMA.

156 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Zeila Sousa de Albuquerque e Diomar das Graças Motta

Dessa forma, destacamos de que forma a agenda de gênero e educação


foi construída nas políticas públicas educacionais, buscando compreender que
emergências ela veio atender e responder o seguinte questionamento: como a
educação voltada para as relações de gênero vem concebendo uma resposta
para os desafios da igualdade entres os sexos e emancipação feminina nas
políticas públicas de educação? Indagamos, ainda, se erigiram respostas para
a emancipação feminina e superação das desigualdades de gênero. O estudo
é de cunho qualitativo e foram utilizados como instrumentos metodológicos a
pesquisa bibliográfica e a documental.
Apresentamos algumas considerações sobre as políticas públicas de
educação com recorte de gênero e, em seguida, destacamos aspectos históricos
do Programa Mulheres Mil, com reflexões sobre a perspectiva de gênero em suas
ações no que se refere a oferta dos cursos.

2. Políticas públicas de educação para a mulher: uma saída para o


combate à pobreza?

Iniciamos esta seção com o seguinte questionamento: as políticas públicas


de educação profissional com recorte de gênero seriam uma saída para o combate
à pobreza? Sabemos que as políticas públicas e os programas governamentais
são respostas do governo às demandas de reivindicações realizadas por diversos
seguimentos dos movimentos sociais. De acordo com Reis (1989), a política
pública pode ser entendida como um curso de ação do Estado, orientado por
determinados objetivos, refletindo ou traduzindo um jogo de interesses. Já um
programa governamental, consiste em uma ação de menor abrangência em que
se desdobra uma política pública. (DRAIBE, 1991)
Desta forma, os debates em torno das políticas públicas de educação
precisam ser situados no contexto de processos de reestruturação socioeconômica
e culturais mais amplos, considerando que as políticas públicas têm ligação direta

O PROGRAMA MULHERES MIL COMO POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO


PARA MULHER: perspectivas para emancipação feminina?
157
com o capitalismo e seu processo de produção-reprodução, com a luta de classes
nele estabelecida e com a intervenção do Estado.
No entanto, o debate em torno das políticas públicas sociais não é somente
sobre as formas de articulação do Estado com o capital, mas também “às
manifestações das forças sociais, da organização e da mobilização das classes
subalternas na alteração da ordem estabelecida em uma conjuntura específica”
(SIMIONATTO; COSTA, 2012, p. 18).
Os movimentos feministas e os movimentos de mulheres, enquanto
sujeitos políticos e sociais, tiveram papel basal na luta pelo fortalecimento das
mulheres nos espaços públicos e privados da sociedade brasileira, garantindo
políticas públicas com recorte de gênero em diversas áreas tais como: saúde,
trabalho, educação, assistência social, entre outras.
O conceito de gênero passou a ser utilizado por estudiosas feministas com a
intenção de dar visibilidade à mulher como sujeito, agente social e histórico. Tem
origem em um diálogo entre o movimento feminista e suas teóricas, juntamente
com as pesquisadoras de diversas disciplinas das ciências sociais e humanas.
Entende-se gênero como “uma forma de indicar ‘construções culturais’
– a criação inteiramente social de ideias sobre os papeis adequados aos homens
e às mulheres” (SCOTT, 1995, p. 75). Para a autora, a categoria gênero, além
de ser um instrumento para reivindicar certo terreno de definição e para insistir
sobre a inadequação das teorias existentes, por meio dele é possível explicar
as desigualdades persistentes entre as mulheres e os homens na sociedade.
Da mesma forma, ela salienta que, “[...] o termo ‘gênero’ também é utilizado
para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente
explicações biológicas [...]” (p. 75).
As questões relacionadas a gênero acabam por refletir o modo como são
classificadas as atividades de trabalho no âmbito público e privado, os atributos
pessoais e os encargos destinados tanto aos homens como às mulheres em diversos
campos, tais como: a religião, a política, o lazer e a educação.

158 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Zeila Sousa de Albuquerque e Diomar das Graças Motta

Contudo, para analisar políticas públicas de educação e programas


governamentais com recorte de gênero, não bastam identificar as políticas e
programas que atendem as mulheres e fazer a utilização do conceito de gênero,
apesar de a categoria gênero ser de extrema importância para que se compreenda
a interação e cumplicidade com que se constroem as relações entre homens e
mulheres, sujeitos marcados pela cultura.
É importante, também, o exame de como o processo de restruturação
produtiva do capital traz com ele a precarização do trabalho para homens e
mulheres, embora haja aumento da exploração da força de trabalho feminina, que
é absorvida pelo capital no universo do trabalho precarizado e desregulamentado.
A pobreza apresenta uma das problemáticas sociais que, nas últimas
décadas, tem provocado mobilização por parte do governo federal no Brasil.
Somado a isso, as políticas públicas de caráter social são colocadas como
estratégias governamentais no combate à pobreza. Para Frigotto (2010, p. 418),
a temática da exclusão social no contexto da mundialização do capital e das
políticas neoliberais ganha “centralidade nos debates no campo econômico-
social e educacional”.
O aumento da pobreza entre as mulheres está diretamente ligado à qualidade
de sua inserção no mundo do trabalho. Para Melo (2005, p. 16), quando se trata
de pobreza, é essencial o recorte de gênero, tendo em vista que as condições
objetivas de trabalho são diferentes para homens e mulheres. Na perspectiva da
CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), pobreza e exclusão
são fenômenos que atingem de forma diferenciada os sexos.
A América Latina tem se tornado neste cenário, nas últimas décadas, um
local de implementação de uma nova política social e educacional com foco nas
famílias e, em especial, a mulher. É nessa perspectiva que o Programa Mulheres
MIL surge no contexto educacional brasileiro, tendo como propósito “aliar a
educação ao trabalho, visando à diminuição dos problemas em comunidades de
baixo índice de desenvolvimento humano” (BRASIL, 2011b, p. 5).

O PROGRAMA MULHERES MIL COMO POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO


PARA MULHER: perspectivas para emancipação feminina?
159
Por consequência, as políticas públicas voltadas para gênero e
desenvolvimento são impostas pelo Banco Mundial (BM), políticas de caráter
emergencial e compensatórias, no qual faz-se um deslocamento da noção
universal de direitos das políticas sociais para o enfoque da pobreza.
Países de terceiro mundo, sobretudo da América Latina, de maneira
especial o Brasil, são submetidos a uma política educacional estruturada pelos
organismos multilaterais vinculados ao capitalismo para atender às demandas
da globalização. Para Santos e Rosas (2014), a América Latina tem se tornado
“laboratório de políticas públicas”.
Em conformidade com os/as autores/as, a América Latina tem representado
um ‘laboratório’ exitoso de novas projetos, especialmente no que se refere às
políticas focalizadas nas famílias, à transferência de renda com critérios de
repasses.
A formação da nova assistência na América latina é fruto de
acúmulo de teorias sobre pobreza e desenvolvimento, que
apontam para as dimensões que não se limitam à pobreza de
renda, mas incluem outros fatores de privação, como aqueles
relativos ao direito ao trabalho, à saúde, moradia, educação,
segurança e aos vínculos sociais (SANTOS et al. 2014, p. 265).

Desse modo, para Santos et al. (2014, p. 265), além do termo pobreza, a
gestão da assistência tem usado “o termo ‘vulnerabilidade social’ para assinalar
as múltiplas dimensões do fenômeno, assim como a possibilidade de mobilidade
social por meio da participação nesses programas e serviços”.
Os programas do governo passam a ser desenvolvidos para atender a lógica
de capacitação para o mercado de trabalho. De tal modo, o Programa Mulheres
Mil em análise, seguindo essa lógica, propõe acesso à educação profissional
consoante às ofertas de trabalho de cada local, elevação da escolaridade e inserção
de mulheres das Regiões Norte e Nordeste do Brasil no mercado de trabalho.
A qualificação das mulheres para o desenvolvimento, nos documentos dos

160 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Zeila Sousa de Albuquerque e Diomar das Graças Motta

organismos internacionais, são sobre a função feminina na esfera da reprodução


social, na qual é feita a associação do desenvolvimento econômico e social,
relacionado à educação feminina, ao baixo nível de instrução das mulheres
que pode ocasionar “uma elevada taxa de mortalidade infantil, uma alta taxa
de crescimento demo gráfico as zonas rurais, crianças mal alimentadas e com
pouca saúde, bem como a estagnação da economia” (UNESCO, 1996, p. 263).
A qualificação da mulher é apresentada, portanto, como ponto central para o
desenvolvimento e combate à pobreza.
Essa questão é observada nas recomendações sobre Desenvolvimento
Social da Cúpula Mundial, na qual a preocupação com a qualificação da mulher
está ligada ao trabalho de “produção de pessoas”, que é um trabalho relegado à
reprodução social. “Pois na sociedade capitalista, a organização da reprodução
social se baseia no gênero: ela depende dos papeis de gênero e entrincheira-se na
opressão de gênero” (ARRUZZA et al. 2019, p. 53).
Para as autoras, esse trabalho de “produção de pessoas” sofre tentativas de
instrumentalização de Estados modernos para projetos nacionais e imperiais, que
desenham políticas de educação e família para formar pessoas preparadas para
aceitar ‘seu posto’ e tolerar a exploração capitalista.

3. Aspectos históricos do PROMIL

O Programa Mulheres Mil propõe acesso à educação profissional


consoante às ofertas de trabalho, elevação da escolaridade e inserção de mulheres
no mercado de trabalho. O primeiro projeto teve início, em 2007, decorrente
de uma cooperação internacional entre o Instituto Federal do Rio Grande do
Norte (IFRN), na época ainda um Centro Federal de Educação Profissional e
Tecnológica (CEFET), lá foi realizado um projeto de extensão que ofereceu
capacitação para camareira.
Conforme o guia metodológico do Programa (BRASIL, 2011a), o Mulheres

O PROGRAMA MULHERES MIL COMO POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO


PARA MULHER: perspectivas para emancipação feminina?
161
Mil nasce de uma parceria com os colleges canadenses, por meio da Agência
Canadense para o Desenvolvimento Internacional (CIDA/ACDI) e a Associação
dos Colleges Comunitários do Canadá (ACCC) e Colleges parceiros, tendo como
referência metodológica a Avaliação e Reconhecimento de Aprendizagem Prévia
(ARAP) do sistema de educação canadense. O financiamento do Programa fica a
cargo do Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Profissional
e Tecnológica, sendo os Institutos Federais os responsáveis pela execução.
Nos anos de 2007 a 2011, por intermédio da Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica (Setec), e da Agência Brasileira de Cooperação (ABC/
MRE), o projeto foi ampliado para mais 12 Estados brasileiros, das regiões norte
e nordeste: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba,
Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Sergipe e Palmas. Era apenas um projeto
piloto Estruturado em três eixos - Educação, Cidadania e Desenvolvimento
Sustentável, que tinha como objetivo o desenvolvimento de ações educativas
por meio de Formação Integrada Continuada de mulheres nos Institutos Federais
desses Estados brasileiros.
Em 2011, o projeto transformou-se em Programa Nacional37, como uma
das ações do Plano Brasil Sem Miséria foi implantado em todos os Institutos
Federais de Educação (IFs), oferecendo cursos de Formação Inicial e Continuada
(FIC) às mulheres em situação de vulnerabilidade social.
Em 2014, o governo federal promoveu mudanças no PROMIL, inserindo-o
na estrutura do Programa de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC),
este foi lançado em 2011 pelo Governo Dilma, por meio da Lei nº 12.513/2011,
“com a finalidade de ampliar a oferta de educação profissional e tecnológica,
por meio de programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira”. Em
um dos seus artigos, a Lei diz que “será estimulada a participação de mulheres
responsáveis pela unidade familiar beneficiárias de programas federais de
transferência de renda [...]”.

37 Instituído por meio da Portaria nº 1.015, de 21 de julho de 2011, por meio da Secretaria
de Educação Profissional e Tecnológica (Setec/MEC).

162 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Zeila Sousa de Albuquerque e Diomar das Graças Motta

A inclusão do Mulheres Mil no PRONATEC se deu por meio de uma


parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
e o Ministério da Educação (MEC) no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria
(PRONATEC/BSM), passando a contar com o custeio de vagas por meio de Bolsa
Formação do PRONATEC, conforme estabelece a Portaria Nº 168/2013. Com
essa cooperação, o programa passa a ser abrangido nas ações previstas da meta
de erradicação da pobreza extrema, estabelecida no Plano Brasil Sem Miséria e
constante no Plano Plurianual (PPA) e no III Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres do Governo Federal. (BRASIL, 2014)
Essa parceria entre MDS e MEC faz com que a questão da qualificação
profissional de mulheres se aproxime da Rede Socioassistencial. Com isso, o
PRONATEC/BSM Mulheres Mil amplia a oferta de qualificação profissional
para as mulheres mais pobres, sobretudo às beneficiárias do Programa Bolsa
Família. As especificidades do Programa possibilitam à Secretaria de Políticas
Públicas para as Mulheres, juntamente com o Ministério de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, serem demandantes.
Com a integração do Mulheres Mil ao PRONATEC, os cursos do programa
passam a abranger a formação inicial e continuada (FIC)38 ou qualificação
profissional e cursos técnicos. Os cursos ofertados para a formação profissional
das mulheres passam a constar no Catálogo Nacional de Cursos FIC, elaborado
pelo MEC.
O Programa acontece em toda a rede federal de ensino dos IFs e, o Instituto
Federal do Maranhão (IFMA), nos dias que correm, possui 29 campi espalhados
por todas as regiões do Maranhão. A instituição oferece cursos de nível básico,
técnico, graduação e pós-graduação para jovens e adultos, dentre estes são
oferecidos cursos do PRONATEC para as mulheres que participam do PROMIL.

38 As características dos cursos FIC são, sobretudo, a baixa carga horária, sendo a maioria
de 160 horas.

O PROGRAMA MULHERES MIL COMO POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO


PARA MULHER: perspectivas para emancipação feminina?
163
4. O Mulheres Mil no IFMA

No Maranhão, o programa fez parte do projeto piloto, e teve início em


2009 na capital do Estado, São Luís, no campus Monte Castelo, com a oferta do
curso profissionalizante básico de técnico em Conservação e Congelamento de
Alimentos - “Alimento da Inclusão”. E no campus Centro Histórico, que ofertou
curso na área de artesanato, “Curso Básico de Qualificação Profissional em
Artesanato/Biojóias”. Posteriormente, a oferta foi estendida para campi de outros
municípios do Estado.
Em 2011, em parceria com a Secretaria de Estado da Justiça do Maranhão,
junto à Administração penitenciária, Tribunal de Justiça e Administração
Penitenciária, a oferta se estendeu para mulheres do sistema prisional, visando a
qualificação e inclusão social. Os cursos ofertados para as detentas foram os de
“Preparo, conservação, congelamento de alimentos”, “Introdução à culinária” e
“Qualificação profissional em artesanato”.
Nos anos posteriores, outros cursos foram ofertados, dentre eles: “Curso
básico em qualificação profissional em camareira”, “Curso básico em qualificação
profissional em culinária avançada”, “Curso básico em qualificação profissional
em atendente de lanchonete”, “Curso básico em qualificação profissional em
customização de roupas”, “Curso de formação inicial e continuada em cuidador
de idosos”, entre outros.
A escolha e oferta dos cursos se deram levando em consideração questões
de ordem administrativa dos campi, tais como: formação dos profissionais que
iriam atuar nos cursos e infraestrutura, “[...] para o planejamento dos cursos,
foi possível observar que não houve nenhuma pesquisa prévia ou diagnóstica
para sua oferta nem a participação das mulheres nas ações de planejamento”
(NASCIMENTO, 2015, p. 73).
Verifica-se que os cursos ofertados partem da visão dominante sobre papel
atribuído historicamente à mulher, relacionados ao cuidado no âmbito privado

164 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Zeila Sousa de Albuquerque e Diomar das Graças Motta

com a visão de que a mulher pode trabalhar sem precisar sair de casa. Trabalhos
realizados no espaço doméstico para comercializar fora de casa são considerados
uma colaboração na produção, um complemento, e não trabalhos em si, visto
que na sociedade capitalista contemporânea o trabalho doméstico, por não gerar
lucro, não é valorizado.
Essas políticas com perspectiva “Mulheres em Desenvolvimento” (MD)
se baseiam nas teorias da modernização, procurando meios para incorporar as
mulheres no desenvolvimento econômico. Assim, a maioria dos cursos ofertados
mostram a noção de empreendedorismo presente no programa, que possui a
proposta de geração de trabalho e renda, conforme pode-se observar em um dos
seus objetivos: “capacitar as educandas para a compreensão e o exercício da
economia solidária, do empreendedorismo, do cooperativismo e do associativismo
como oportunidades de geração de renda e de melhor desempenho no mundo
produtivo” (BRASIL, 2014, p. 26).
Contudo, esse cenário revela a dificuldade de uma mulher empreender,
uma vez que a mulher empreendedora tem que se dividir entre seu negócio e
as tarefas domésticas, fazendo com que o seu trabalho seja desenvolvido nas
dependências da casa, reforçando, portanto, a dupla e tripla jornada de afazeres.
Dessa forma, questiona-se como integrar a perspectiva de gênero em
uma política pública visando reduzir as desigualdades entre os sexos, quando se
reforça estereótipo de gênero? Mesmo quando o trabalho feminino é realizado
fora do espaço doméstico, a mulher não deixou de ter uma dupla-jornada. Para
Federici (2019), arrumar um segundo emprego nunca nos libertou do primeiro.
O programa propõe trabalhar a perspectiva da autonomia da mulher
e das mudanças nas relações familiares. Apesar disso, esses tipos de ações
implementadas tendem a não propiciar o redimensionamento da questão de
gênero, tanto nas atividades empreendedoras, bem como nos espaços sociais
e familiares, que reforçam papeis e funções sociais construídos culturalmente
como se fossem naturais.

O PROGRAMA MULHERES MIL COMO POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO


PARA MULHER: perspectivas para emancipação feminina?
165
Diferentes estudos em vários Estados brasileiros sobre o PROMIL,
(MENDES; NASCIMENTO, 2015; TELES, 2015; SILVA, 2015), entre outros,
demonstram que o programa tem se mostrado limitado no sentido de modificar
o quadro de desproteção ao qual se propõe a realizar, a autonomia por meio de
qualificação profissional de mulheres em situação de vulnerabilidade social,
pelo escasso acesso ao mercado de trabalho, estando grande parte das mulheres
egressas sem trabalho formal ou na informalidade, não havendo também a
elevação da escolaridade com continuidade dos estudos, um dos objetivos que
norteiam a proposta do programa. Apesar disso, os mesmos estudos mostram que
houve elevação da autoestima das mulheres.
Embora o programa proponha a inclusão de mulheres no mercado de
trabalho, como meio para a redução da violência de gênero, observa-se a
ausência de estudos detalhados sobre as repercussões do Programa na atenuação
da violência enfrentada pelas participantes.

5. Considerações finais

O Programa Mulheres Mil está inserido no contexto de um conjunto


de políticas sociais com interesses do capital, que postula o desenvolvimento
econômico, por meio do desenvolvimento técnico científico, que exigem um
novo tipo de trabalhador/a, mais polivalente e flexível, com ocupação de postos
de trabalho precarizados e informais.
Percebe-se que políticas públicas como o Mulheres Mil são de caráter
emergencial e compensatório, e que há um deslocamento da noção de
universalidade de direitos para o enfoque da questão da pobreza feminina.
A certificação não lhes assegura a inserção no mercado de trabalho e
os cursos ofertados são pertencentes à visão dominante sobre papel atribuído,
historicamente, à mulher, relacionados à função do cuidado do trabalho
reprodutivo no espaço privado, atividades essas desvalorizadas e atribuídas ao
gênero feminino.

166 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Zeila Sousa de Albuquerque e Diomar das Graças Motta

A formação profissional ofertada não é suficiente para sanar problemas


históricos pertinentes às questões de gênero, educação e trabalho, tornando-
se incapaz de modificar o cenário de vulnerabilidade social das mulheres
participantes. Todavia, avança no que se refere a sensibilização das mulheres para
elevação da autoestima, participação mais ativa na comunidade local e motivação
para melhoria da vida.

REFERÊNCIAS

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para os 99%: um manifesto. São Paulo: Boitempo, 2019.

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168 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA
NO PROEJA IFMA

Vânia Mondego Ribeiro39


Antonio Germano Magalhães Junior40

1. Introdução

A produção histórica sobre a educação escolar brasileira dedicou pouca


atenção às práticas docentes. Talvez essa história ainda não esteja de todo
catalogada e assim sistematizada para ser escrita. Quem sabe por isso, prevaleceu
a história do sistema educacional capitaneado ora pelas mudanças da política,
ora pela economia, ora pelas leis que determinaram mudanças nas práticas. De
fato, essas interpretações alteraram as estruturas do sistema educacional para, em
seguida, chegarem até a escola.
Esta produção colabora com pesquisas sobre práticas docentes da Educação
Profissional-EP na modalidade EJA. O contexto da pesquisa foi o Programa de
Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), desenvolvido no Instituto Federal
do Maranhão (IFMA), no Campus São Luís - Monte Castelo, nos cursos de
Alimentos e Eletrotécnica, que foram ofertados ao Programa. O primeiro curso
teve início em 2007 e terminou em 2010. O curso de Eletrotécnica, iniciou em
2011 e ainda estava em funcionamento até o ano de 2017, final desta pesquisa.
Contou com a participação de seis docentes com maior tempo de experiência no
Programa, entre os anos de 2007 a 2014, nos cursos citados.
Não existe, na Rede Fede Federal de Educação, concurso para docente da

39 Doutora em Educação (UECE), Mestre em Educação (UFMA), graduada em História e


Pedagogia, professora do IFMA.
40 Pós-doutorado em Educação (UFRN, Doutor em Educação, graduado em Pedagogia e História.
Professor do Doutorado e Mestrado em Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

169
modalidade EJA. Por consequência, os docentes do IFMA atuam no Programa,
mas não são professores do PROEJA. Além do mais a formação inicial não os
preparou para atuarem nessa modalidade. Dessa forma, chegaríamos ao nosso
principal objetivo que foi conhecer as práticas docentes no PROEJA no IFMA
Campus São Luís-Monte Castelo e de como fizeram para superar os desafios para
atuarem no Programa, visto ser uma inovação na Educação Profissional (EP).
Trabalhamos com a hipótese de que, para desenvolver suas práticas
no PROEJA, os docentes do IFMA servem-se de saberes que não foram
necessariamente adquiridos no IFMA, mas em outros contextos de aprendizagens.
Nesta produção, indicamos o percurso metodológico da pesquisa; em
seguida, tratamos da formação docente no IFMA para atuar no PROEJA
evidenciando uma formação específica para a EJA; depois destacamos algumas
dificuldades relatadas sobre a prática docente no Programa, como deficiência
de conhecimento dos educandos. Na seção seguinte, apresentarmos como os
docentes do Campus fizeram para resolver os desafios de formar os educandos
do Programa e, concluímos com as considerações finais. Assim, recorremos
aos fundamentos da história oral (THOMPSON, 1998), por meio de entrevista
temática que se estruturou em torno do tema da prática docente no PROEJA.
Dessa forma, selecionamos e construímos os instrumentos organizadores dessa
interpretação para compreender os relatos docentes, pois “[...] é impossível
compreender a natureza do saber dos professores sem colocá-lo em íntima
relação com o que os professores nos dizem” (TARDIF, 2012, p.15). E, assim,
igualmente por considerarmos ser uma oportunidade de conhecer como se deu a
prática docente no PROEJA.
Os docentes entrevistados, relatam como eles desenvolveram suas práticas
no Programa, eles reuniram formação docente, práticas e saberes, adotando
um modo próprio de fazer. Nesse aspecto, o conceito de memória foi revelador
para compreendermos que em contexto de experiências compartilhadas, como
é o Programa, o desenvolvimento das práticas docentes envolve o individual

170 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

e o social, a lembrança, o esquecimento e até mesmo o silêncio, conforme


Portelli (1998), (2000) e Pollak (1989). Considerando a especificidade do
Programa, reconhecemos a insuficiência da formação inicial e assim indicamos
a necessidade da formação continuada para chegar à formação contínua e, dessa
maneira, fundamentar os princípios de uma educação que promova a autonomia
dos educandos. Esse entendimento também vai ao encontro da tipologia de
saberes docentes (TARDIF, 2012), em que os saberes utilizados no ensino têm
relação com o docente e sua identidade. Trata-se de um repertório de saberes que
o professor adquire ao longo de sua vida e desenvolve em sua prática docente,
suas dificuldades e como fizeram para superá-las.
Compreendemos a memória como uma linguagem humana carregada
de sentidos que recorda e ao fazer isto também interpreta, logo, avalia ações.
Portelli (1998), (2000) e Pollak (1989) argumentam sobre a capacidade contida
na memória de (re)avaliar opiniões, motivada pelas necessidades do presente.
E, mesmo que deixemos de ter acesso aos grupos de referência, como, por
exemplo, família e escola, ainda assim, as motivações do presente nos fazem
lembrar, pois, os indivíduos estão ligados socialmente a lugares e falam mediante
tais prerrogativas. Estas constatações foram percebidas nos relatos dos docentes
sobre sua atuação no PROEJA que na tentativa de fundamentar uma identidade
docente na EP gera disputas, visto que não há eco entre pontos de vista sobre a
práticas que querem perpetuar e a memória institucional que está contida nos
documentos, logo as memórias estão divididas e entram em disputa.

2. O percursos da pesquisa

A construção desta pesquisa contou com várias fases, entre estas, a


pesquisa bibliográfica, pesquisa documental em regulamentos, ofícios, leis,
decretos, PPP do Campus São Luís - Monte Castelo, Brasil (2010), planos dos
cursos pesquisados, lista de oferta das disciplinas nos Cursos de Alimentos e

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 171


Eletrotécnica. Nesta fase, inicialmente em caráter exploratório, utilizamos dados
do currículo lattes dos entrevistados para subsidiar na elaboração do perfil
profissional; elaboramos roteiro de entrevista com 10 (dez) perguntas.
Nosso ponto de partida para descrever as práticas docentes no PROEJA foi
recorrer as memórias por meio dos relatos sobre suas práticas no Programa. Assim
interrogamos: Como é gerada essa memória? Halbwachs (2006, p. 125) diz “[...],
trata-se de um acontecimento da minha vida familiar, da minha vida profissional
ou que ocorreu em grupos ou que meu pensamento se dirige com maior frequência,
talvez o contexto temporal que me ajudará a lembrar melhor disso”.
No caso dos docentes, compreendemos que a memória de seus saberes foi
constituída em vários contextos social, mas singular. Quanto ao ato de lembrar,
se lembramos de algo, é porque uma situação presente nos faz lembrar; alguma
motivação. Já o conteúdo dessas lembranças é um filete da memória do grupo na
singularidade do sujeito que lembra; portanto, também é um aspecto da memória
coletiva. Portelli (1998) estudou a natureza da memória coletiva com o massacre
de 13 prisioneiros pelas tropas alemães num povoado da Toscana, denominado
Civitella, Itália, em 1944. Admite que os acontecimentos produzam a existência
de uma memória coletiva dividida e conclui por considerar uma pluralidade
fragmentada de memórias em que elas assumem situações diversas no contexto
do relato, mas que, mesmo dividida, o estudo da memória do referido evento
estaria incompleto, sem esses pontos de vista.
A propósito de esclarecimento, a opção pela história oral, como metodologia
que se alimenta de falas contidas em depoimentos, relatos de experiências em que
depoentes documentam o que fazem, como fazem e o que pensam sobre o que
fazem. Assim, concordamos com Thompson (1998, p. 174) quando afirma que
“Uma das mais profundas lições da história oral é a singularidade, tanto quanto a
representatividade, de cada história de vida”.
Com essas possiblidades, a seção seguinte destaca também como os
docentes se formaram, para formar os educandos no PROEJA.

172 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

3. Formação docente no IFMA para atuar no PROEJA

A Educação Profissional- EP brasileira41, a princípio foi criada para ser


uma espécie de ação moralizadora social para os desvalidos. Já na década de
1990, o Brasil elaborou políticas e reformas educacionais, dentre elas a inclusão
do currículo integrado na EP.
Neste contexto, a Rede Federal de Educação Profissional implanta o
PROEJA nos Institutos Federais de Educação, a exemplo do IFMA Campus São
Luís - Monte Castelo. O PROEJA tem como um dos objetivos inserir jovens
e adultos que, por vários motivos, abandonaram a escola e agora necessitam
ingressar no processo produtivo, mas não possuem a escolarização exigida para
o ingresso. Uma vez que o PROEJA é um programa ofertado a modalidade EJA42.

A EJA, em síntese, trabalha com sujeitos marginais ao


sistema, com atributos sempre acentuados em consequência
de alguns fatores adicionais como raça/etnia, cor, gênero,
entre outros. Negros, quilombolas, mulheres, indígenas,
camponeses, ribeirinhos, pescadores, jovens, idosos,
subempregados, desempregados, trabalhadores informais
são emblemáticos representantes das múltiplas apartações
que a sociedade, excludente, promove para grande parte da
população desfavorecida econômica, social e culturalmente
(BRASIL, 2007, p.8).
De fato, as profundas mudanças processadas no mundo do trabalho exigem
também formação que habilite os docentes a qualificar esses educandos da EJA

41 Pelo Decreto n.º 7.566 de 23 de setembro de 1909, assinado pelo então presidente Nilo
Peçanha - foram criadas as Escolas de Aprendizes artífices nas capitais dos estados. para
aprofundar a questão da educação profissional, ver Xavier (1992).
42 Modalidade, para o Conselheiro Jamil Cury, no Parecer CNE nº. 11/2000, implica
um modo próprio de fazer a educação, indicando que as características dos sujeitos jovens e
adultos, seus saberes e experiências do estar no mundo, são guias para a formulação de propostas
curriculares político- pedagógicas de atendimento (BRASIL, 2006, p. 6).

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 173


para ingressar no processo produtivo. A heterogeneidade da clientela-alvo dos
cursos da EJA gera desafios que repercutem nas práticas dos professores que
trabalharam no PROEJA.
Sobre a formação continuada para os docentes do PROEJA, nesta seção e
nas que seguem, tentaremos conhecer como os docentes estão desenvolvendo suas
práticas no PROEJA sem terem a formação específica para atuar no Programa,
respondendo as seguintes perguntas: Como os professores se formaram para
formar os educandos no PROEJA? Para atender às expectativas pessoais e
institucionais de formar os educandos do PROEJA-IFMA, Campus São Luís –
Monte Castelo, a quais saberes os docentes recorrem?
Iniciamos por informar que os docentes aqui entrevistados relataram que
foram convidados pelo corpo pedagógico do Campus para trabalhar no PROEJA
e que o convite se justifica pela postura profissional desses docentes. Mas a
Docente nº 2 nos informou que o convite ocorreu “porque os outros professores
não queriam trabalhar no Programa”, mesma opinião da Docente nº4. Para efeito
de síntese, elaboramos um quadro com indicadores extraídos das entrevistas:
Quadro 1 – Quadro síntese das entrevistas
Participante/ tempo Formação inicial formação inicial Como foi a formação Maiores dificulda-
de experiência no e demais qualifi- preparou para for- continuada no IFMA para des em formar no
PROEJA/ Regime de cações mar no ROEJA? o PROEJA PROEJA
Trabalho
Docente1: 6 semes- Bacharel em Não A pedagoga fez uma série Em termos de conteú-
tres (10 disciplinas). Engenharia de reuniões para discu- do [...] que eles
DE46. Ingressou em Elétrica, com- tirmos os pressupostos
(os alunos) não co-
2006/ plementação da EJA.
nheciam.
Pedagógica,
Esquema I.
Docente 2: Licenciatura, Não Só tive aquela preparação Os alunos têm
em Letras, com a pedagoga. MEDO de não serem
semestres/ 6 discipli- Especialista em capazes de aprender.
nas. DE. Gestão Educa-
cional, Mestre
Ingressou em 1987.
em Educação.

174 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

Docente3:6 semes- Licenciatura Não Especificamente não. Foi Ritmo de estudo.


tres/ 6 disciplinas. em Matemática, a sistemática da pedago- Eles estavam com 15
DE. Ingressou em mestrado em ga que ajudou a melhor a 20 anos longe dos
1993. andamento. desenvolver a prática no estudos.
PROEJA
Docente 4: discipli- Bacharel em Não O IFMA não tive nenhum Faltou estrutura,
nas/ 5 semestres. Química Indus- tipo de formação para construção coletiva
DE. trial, Mestre em essa finalidade. na construção do
Alimentos. projeto.
Ingressou em 1991.
Docente 5: discipli- Licenciatura Não Não fiz nenhuma quali- Deficiência na for-
nas/ 4 semestres. em Ele- ficação para trabalhar no mação escolar dos
tricidade, PROEJA, mas houve, não alunos.
E. Ingresso em 2010. Especialista sei por que não participei.
em psicope-
dagogia.
Docente 6: Licenciatura Não O minicurso desenvolvi- Tentar voltar o con-
em Química, do pela pedagoga. teúdo [...] para o cur-
semestres/ Mestrado em so de Eletrotécnica.
4 disciplinas. Química e
Doutorado em
Ingresso em 2010.
Ciências.

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Como posto no quadro, os docentes relataram que não tiveram na


formação inicial – graduação – a preparação específica para atuar no Programa.
Na sequência da entrevista, perguntamos que tipo de formação/preparação os
docentes haviam adquirido no IFMA para trabalhar no PROEJA e também quais
as maiores dificuldades encontradas para formar os educandos no Programa.
Pelo currículo dos entrevistados, verificamos trata-se de profissionais
fartamente qualificados, com formações consolidadas no que se presume o domínio
de conteúdo. Informam não terem na formação inicial a qualificação específica
para atuação na modalidade EJA e que não houve para eles sistematicamente
formação continuada no IFMA para atuarem no PROEJA, como definia em Brasil
(2007). A pedagoga do curso de Eletrotécnica ofereceu preparação inicial para os
professores que atuaram neste curso oferecido ao Programa. Nessas condições,

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 175


foi necessário conhecer as principais dificuldades para atuar em uma modalidade
sem ter as qualificações necessárias.

4. Narrando as dificuldades para formar os educandos no


PROEJA-IFMA

Os docentes relataram que não possuíam uma formação pedagógica


específica para atuar no Programa. Assim, coube-nos pesquisar quais as principais
dificuldades que eles tinham para desenvolver suas práticas no Programa. Então,
fizemos a seguinte pergunta: Quais as dificuldades encontradas por você como
professor (a) para formar no PROEJA-IFMA?

A maior dificuldade foi em termos de conteúdo, o mais difícil


foi trabalhar a disciplina [...], porque era necessário o domínio
de números complexos, gráficos, multiplicação, divisão e
transformação das duas formas: retangular e polar. [...] as
outras dificuldades elencadas são dificuldade de permanência,
perseverança frente aos desafios, dificuldade de conciliar
estudo e trabalho, imaturidade, atitudes juvenis e terceiro fator
seria falta de fundamentação. Esses três pilares dificultaram
(DOCENTE Nº1).

Docente n.º 5 também defende que a dificuldade para formar no Programa


é do educando, como segue: “A principal dificuldade é deficiência na formação
escolar dos alunos” (DOCENTE N. º5).
A falta que faz o domínio de conteúdos da educação escolar para os
educandos do PROEJA foi relatado também, pela Docente n.º 2, como segue:

Bem, sempre considerei que estes sujeitos geralmente já


vivenciaram tentativas de aprender e fracassaram. Esse
fracasso pode ter desencadeado no MEDO de não ser capaz
de aprender. Então, senti que eles se subjugavam (alguns) e

176 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

começavam a faltar pelo fato de não estar acompanhando.


(DOCENTE Nº 2, grifo nosso).

Docente n.º 2 reconhece, que para os educandos do PROEJA, o tempo


de permanência na escola ainda é pouco com “carga horária com muito pouco
tempo para se querer dizer muita coisa. Primeira coisa que devemos repensar no
IFMA para o PROEJA é a questão das Cargas Horárias das disciplinas da área de
humanas é pequena”. A Docente n.º 3 relata que

Eles estavam com 15 a 20 anos longe dos estudos e aí para se


adaptar a esse ritmo, o raciocínio lento [...]. As dificuldades
são grandes, eles não têm tempo, porque trabalham: saem de
casa cedo, não têm horários disponíveis para estudar, nem
para vir para cá e nem tempo para estudar em casa, porque
trabalham o dia todo. Chegando tarde e acordando cedo!!
(DOCENTE Nº3).

Os relatos dos Docentes n.º 2 e n.º 3 referem-se ao precioso tempo


transcorrido. Pouco tempo para ministrar muito conteúdo e muito tempo longe da
escola. Essa constatação ampliou a dificuldade dos educandos em compreender
os conteúdos.
A maioria dos docentes entrevistados relatou não possuir dificuldades para
formar os educandos no PROEJA. Entretanto, existe diferença entre ensinar e
os educandos aprenderem. Eles podem afirmar que não possuem dificuldade de
ensinar, devido a sua prática ser voltada para um ensino focado na transmissão de
conteúdos e não na aprendizagem dos educandos. Neste caso, não ter dificuldades
em formar no Programa torna-se quase uma virtude do professor, que se reconhece
apenas como transmissor de conteúdo, visto que, pelas narrativas, as dificuldades
recaem sobre os educandos.
Historicamente, o professor é referendado como aquele que possui o
conhecimento. Pensando assim, o discurso da maioria dos docentes entrevistados,
de não ter dificuldade em formar no PROEJA, como todo senso comum, se

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 177


mantém apoiado em um fundo de verdade. Os docentes entrevistados compõem
o quadro dos professores da “Denotada Rede Federal”, esta marca também
os define como preparados, tendo em vista, a contar a forma como eles foram
selecionados, por concurso de provas e títulos, uma seleção mais rigorosa, se
comparada às seleções para os demais professores das redes públicas de ensino.
Tais exigências para ingresso lhes conferem uma espécie de distintivo, que os
fazem diferentes dos demais; essa ideologia pode ajudar na afirmação desse
discurso. Entretanto, compreendemos que o significado do discurso diverge
dos fundamentos que o sustentam. Para exercer sua prática, além de dominar
o conteúdo, é necessário considerarmos a especificidade do perfil profissional
que estamos formando. Mesmo sendo uma experiência sobre a modalidade EJA,
compreendemos que esse relato tem relação com a necessidade de qualquer
profissional e, principalmente, na EP, haja vista que estamos formando futuros
profissionais, pois.
Aspecto irrenunciável é o de assumir a EJA como
um campo de conhecimento específico, o que im-
plica investigar, entre outros aspectos, as reais ne-
cessidades de aprendizagem dos sujeitos alunos;
como produzem/produziram os conhecimentos que
portam, suas lógicas, estratégias e táticas de resol-
ver situações e enfrentar desafios; como articular os
conhecimentos prévios produzidos no seu estar no
mundo, àqueles disseminados pela cultura escolar;
como interagir, como sujeitos de conhecimento,
com os sujeitos professores, nessa relação de múlti-
plos aprendizados [...]. (BRASIL, 2007, p. 37).

Pelo que dizem nos relatos, a maioria declara não possuir dificuldade para
formar no Programa. Em retrospecto, nem a formação inicial e nem a continuada,
como demonstrado nesta seção, não preparou os docentes entrevistados para
formar no PROEJA.
Legalmente, não existe obrigatoriedade para que o docente tenha a formação
específica para trabalhar no Programa. Entretanto, a instituição proponente pode

178 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

fazer a formação continuada desses profissionais e programas de âmbito geral


fomentados ou organizados pela SETEC/MEC. Se a finalidade do ensino no
PROEJA, como definido na legislação, é a preparação do futuro profissional para
atuação profissional, é necessário que o docente formador seja qualificado com
as devidas condições, para que possibilite ao educando adquirir e desenvolver
capacidades e atitudes, tendo em vista esse perfil.
Pelo que dizem os entrevistados, o esforço empreendido em relação à
oferta da formação continuada dos docentes do curso de Eletrotécnica ofertado ao
PROEJA, reconhecemos, por sua importância no trato sobre a EJA, na definição,
contextualização e sistematização dos fundamentos teórico-metodológicos do
Programa que desse modo, cria condições para uma prática atenta ao perfil dos
educandos do Programa. Mesmo assim, as evidências encontradas na pesquisa
empírica demostram não haver uma política sistemática de formação continuada
para os professores do IFMA que atuam no PROEJA.
Como apresentamos nas seções anteriores, consideramos que o tipo de
formação inicial dos docentes da EP, sem a devida formação pedagógica, não seria
suficiente para atender à especificidade do PROEJA. Declarada a necessidade da
formação continuada, mesmo não sendo legalmente definida, ou seja, não pode ser
complementação pedagógica, atualização, reciclagem, treinamentos ou qualquer
outra ação que objetive apenas acumular conhecimento e ou instrumentalizar o
docente de técnicas pedagógicas para adequação paradigmática.
Entendemos, pelos relatos da pesquisa, nos quais a maioria dos docentes
entrevistados acredita não ter dificuldade, visto que as dificuldades são dos
educandos, e assim: “pensar que ensinar consiste apenas em transmitir um
conteúdo a um grupo de alunos é reduzir uma atividade tão complexa quanto o
ensino a uma única dimensão, aquela que é mais evidente” (GAUTHIER et al,
2013, p. 20-1).
Ocorre que, como defendemos, a formação continuada trata-se de uma
formação que discute possibilidades para a prática docente em contexto específico

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 179


de aprendizagem, para desempenho de suas atribuições em sua nova realidade.
A citada formação é processo de desenvolvimento humano e profissional, e daí
decorre seu caráter permanente, por tanto, formação contínua.
O docente é alguém que sabe determinado assunto e tem como função
transmitir esse saber. Mesmo assim, a construção que parece habitual e fácil pode
ficar complexa quando relacionamos a dinamicidade da educação escolar, haja
vista a natureza específica das interações que os docentes estabelecem com os
saberes. Tardif (2012, p. 11) lembra que “O saber dos professores é o saber deles
e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com suas experiências de
vida, [...], por isso, é necessário estudá-lo, relacionando-o com esses elementos
constitutivo do trabalho docente”. Sobre a dinâmica de tratar os saberes docentes,
Tardif (2012, p. 45), apresentando elementos explicativos sobre os saberes,
escreve que “[...] saber alguma coisa não é mais suficiente, é preciso também
saber ensinar”.
Há o entendimento de que cada indivíduo, particularmente e socialmente, e
ao seu tempo, extrai memórias de vários grupos; mas também pode compartilhar
com eles suas experiências, visto que cada indivíduo tem algo a contribuir com a
história da sociedade.
No caso dos professores, diferente das demais profissões, eles já possuem
experiências advindas dos seus percursos escolares. Dessa forma, concebem que
ensinar é reproduzir tais experiências. Outra condição é que nem sempre o fato
de saber implica em saber ensinar. “O saber-ensinar seria a coincidência perfeita
entre a personalidade do autor e o papel do agente, ambos justificando-se assim
mutuamente” (TARDIF, 2012, p. 74). Por esse entendimento, as práticas docentes
ocorrem numa mediação entre a história de vida dos professores e os papéis que
eles devem desenvolver institucionalmente, discursos construídos como aluno e
como professor.
Feitos esses esclarecimentos, passemos a apresentar os relatos narrados
pelos docentes sobre os desafios de formar os educandos no PROEJA-IFMA,
conforme segue.

180 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

5. A vida ensina muito: práticas docentes no PROEJA IFMA

Considerando que as políticas de EJA, para garantir a permanência dos


educandos na escola, devem considerar “O papel do sujeito professor de EJA,
suas práticas pedagógicas, seus modos próprios de reinventar a didática cotidiana,
desafiando- o a novas buscas e conquistas — todos esses temas de fundamental
importância na organização do trabalho pedagógico” (BRASIL, 2007, p. 38).
Com essas constatações, selecionamentos alguns relatos: quando perguntamos
aos docentes como desenvolveu sua prática no Programa, ouvimos várias
opiniões. A começar pela Docente nº2, relatando sobre a utilização da literatura
no PROEJA, disse:

E aí começamos. Fomos estudando o trovadorismo, as


cantigas, até começo do modernismo, por volta de 1900. Não
terminamos, mas lemos, deste a “Farsa de Inês Pereira”, “Os
Lusíadas” (forma compactada e em prosa), até Contos de
Machado de Assis, e eu senti o brilho nos olhos dos alunos
quando adentrávamos, ou viajávamos para um mundo passado.
Terminamos, alguns seguiram seus caminhos, passando até
para Direito na UFMA e outros querendo chegar até a porta
da universidade. Hoje, quando os encontro sinto que eles
querem ir para frente e só falam sobre ENEM. Menina, quando
se inicia com literatura parece que abre a cabecinha deles, a
aula flui [...]; é uma aula mais adulta, mais produtiva e com
mais avidez. A exemplo do PROEJA na literatura tem mais
avidez, mais adulta, realmente mais adulta mais produtiva.
[...] A literatura foi importante, pois eu botei para ler tudo,
tudo, tudo. Joguei Machado de Assis, Aluísio Azevedo, O
teatro de Gil Vicente fui muito audaciosa, eles se extasiavam
na literatura, eles viajavam na literatura. Menina, eles leram,
leram muito, eles se extasiavam com a literatura; era uma aula
que eles viajavam (DOCENTE Nº 2).

Dentre as inúmeras idas ao Campus Monte Castelo, sem sucesso, para a


entrevista com a Docente nº 2, em um fim de tarde, ela havia me mostrado uma

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 181


mesa com muitos cadernos. Quando nos encontramos para completar a entrevista,
perguntei assim: Eu fui até sua sala, no departamento, e a Senhora abriu a porta
para mostrar cadernos que os alunos estavam deixando para correção. Era do
PROEJA?
Com olhar cheio de si, fisionomia de quem tem uma boa história para
contar, respondeu assim:

Sim, sim, eram sim! Porque, porque, inclusive essa turma


agora eu já estou trabalhando. Eu trabalho o portfólio43 no
PROEJA e nos demais cursos do ensino médio. E eles têm
um mimo muito grande de confeccionar esse portfólio, é uma
preciosidade. Esse portfólio começa como? Um autorretrato
deles, esse autorretrato já é literário, aí que eu chamo a
questão da literatura. Graciliano Ramos fez um autorretrato
quando tinha 57 anos, fez um autorretrato dele e lá colocou
todas as suas preferências, várias coisas. Então eu pego o
autorretrato de Graciliano Ramos e peço que eles façam o
autorretrato deles, mas claro, baseado na própria realidade
deles, dos alunos (DOCENTE Nº 2).

Explicando a feitura do portfólio, relatou que os educandos se envolvem


bastante nessa atividade e com brilho nos olhos vai descrevendo seu achado.

[...] e fazem com muito esmero; bem parnasiano mesmo, essa


é a palavra. No verso do caderno, que só pode ser um e deve
custar em torno de R$ 5,00. No verso da capa dura tem a
fotografia da turma. Como eu trabalho com várias literaturas,
eu peço para eles pregarem as fotografias de todos os autores
que leram e atribua, com frases, cada um do seu estilo. Depois
eu coloco o conteúdo programático e peço para eles avaliarem

43 Explicando de forma pormenorizada, disse que Graciliano, ele colou lá em seu


autorretrato que tinha 3 ternos, eles não vão colocar isso lá no deles. Eles fazem assim: em um
caderno colocam um retrato colorido deles, fazendo aquilo que eles mais gostam; nesse caso a
tecnologia ajuda muito hoje, eles colocam tocando violão, lendo.

182 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

tudo que foi feito; eles avaliam, reavaliam fazendo avaliações


mensais o que gostaram o que não gostaram e o que querem
rever e checo na avaliação (DOCENTE Nº 2).

Acrescentou-nos que leva esses cadernos para casa, passa visto em tudo,
coloca seu carimbo e ainda registra uma frase de estímulo. Afirma ser um trabalho
que tem tido muito sucesso. Relatou que possui carimbo de professora com
registro do MEC e coloca nos cadernos, “pois desse jeito eles já sabem que eu
vi. [...] O autorretrato tem carimbo. O autorretrato é feito na 3ª pessoa, narrador
onisciente, é como tipo assim: eles apresentam a leitura preferida. Eu registro
muito bom!” (DOCENTE N° 2).
Assim, perguntamos: Como adquiriu essas experiências para atuar no
Programa? Logo nos foi relatado que na década de 1980, ainda cursando Letras,
teve sua primeira experiência com o trabalho de Jovens e Adultos:

Foi num curso chamado Edurural / Imperatiz - MA. Lá


vivenciei uma clientela bem particular, talvez até mais
heterogênea que o PROEJA IFMA, haja vista trabalhar/
ensinar/ efetivamente a alfabetização de adultos. Senti
que, daí por diante, estava preparada para trabalhar com
qualquer outro nível. Já a ideia do portifólio foi aprimorada
quando fiz o mestrado em Educação em Brasília. No
PROEJA, comecei a trabalhar em 2010, após conclusão do
meu mestrado […] (DOCENTE Nº 2).

A Docente n.º 2 informou que o atual IFMA foi seu primeiro emprego.
Destacou: “Minha mãe era costureira e meu pai, marceneiro, eles me ensinaram
a humanização, valorização do outro”. Sobre o Edurural, afirmou: “Levei mais
saber do Edurural para o PROEJA, foi a humanização mesmo, o ser ontológico
da pessoa, ver a necessidade daquele ser, é saber ser humilde mesmo”.
Já o Docente n.º 3, explicando-nos sobre sua prática no ensino de
Matemática para o PROEJA, disse o seguinte: “Já aqui, nós é que temos de

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 183


nos adaptar ao modus vivendi deles, o que fazem, profissão que desenvolvem,
linguagem; eles têm uma interpretação diferente”. Reconhece ser necessário
relacionar o conteúdo das disciplinas com os conhecimentos que os educandos
trazem: “Para eles entender a Matemática com a linguagem que a gente fala e que
eles não estão acostumados a ouvir, então a gente desce o nível, para depois subir
junto” (Docente nº 3). E complementa:

O que muita gente se engana é que a Matemática não é o que


atrapalha. Não, não são os números, são as letras: lê, mas não
compreende o que ler. Em matemática significa uma coisa, e
no dia a dia significa outra. As letras, por eles não conhecerem
os termos que em Matemática, ex.: hipótese na vida pode ser
ou não; já em Matemática hipótese é certo, tendo isso como
hipótese é o certo (DOCENTE Nº 3).

O Docente informa que a carga horária destinada aos cursos do PROEJA


é irrisória, e como os alunos apresentavam dificuldades, iniciou os conteúdos a
partir das dificuldades dos educandos em interpretar os conteúdos matemáticos,
procedeu da seguinte forma: “Viemos do elementar, com a tabuada mesmo tive
que começar com a tabuada, as casas decimais, fácil, fácil! Aí a professora de
Português fez um trabalho muito bom de interpretação com eles e assim ajudou
bastante”. E, então, perguntamos como havia adquirido essa compreensão
sobre a prática docente, informou ter sido em um curso de Metodologia do
Ensino Superior,

ele me deu melhor embasamento disso que eu já tinha, melhor


visão de como utilizar a contextualização”; mas também
nos explicou ainda que são as vivências [...]. Eu comecei a
trabalhar no curso supletivo que era algo bem parecido com o
PROEJA. Comecei em 1972, na época chamava Madureza do
Ginásio e Científico, era no turno noturno e a gente também
aprendeu (DOCENTE Nº 3).

184 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

Docente n.º 4 é bacharel em Química Industrial e mestre em Alimentos,


não obteve formação para o Programa. Sobre sua prática no PROEJA, no curso de
Alimentos, informou-nos que seu avô “ensinou um bairro a ler”, quando ela tinha
uns 3 anos. Lembra que seu “pai cuidava da saúde bucal de uma comunidade
indígena, [...] minha mãe ensinava mulheres indígenas a costurar, bordar, fazer
crochê, artesanato...”; nessas experiências, ela via similitude com o Programa e
ajudaram-na atuar no PROEJA.
Já o Docente n.º 5 disse o seguinte: “Na minha área (...), nós pegávamos
trena e medíamos a sala de aula para fazer cálculos. Fazíamos o desenvolvimento
do conteúdo dentro da sala de aula, aí eu dizia: vamos calcular a área? Pergunto.
O que é perímetro? É a soma dos lados!”.
Para Brasil (2007), a organização curricular do PROEJA não está dada a
priori. Trata-se de uma construção contínua, processual e coletiva que envolve
todos os sujeitos que participam do Programa e como também na prática dos
professores visto que,

[...], a EJA abre possibilidades de superação de modelos


curriculares tradicionais, disciplinares e rígidos. A desconstrução
e construção de modelos curriculares e metodológicos,
observando as necessidades de contextualização frente à
realidade do educando, promovem a ressignificação de seu
cotidiano. (BRASIL, 2007, p. 50).

Como destacou o Docente n.º 5, sobre a interdisciplinaridade “se não fizer


essa articulação, o conteúdo fica solto para o aluno; eu pedia para eles trazerem
aquilo que eles tinham mais dificuldade lá fora para discutir as problemáticas e
envolver a turma”. Complementa informando ser necessária

A interdisciplinaridade para atacar os pontos fracos dos alunos,


pedir que os professores reforcem, lembrem alguns conteúdos
para que eu aplique; a minha área é aplicação prática. Se a
turma tem dificuldade em matemática, eu preciso ir até este

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 185


professor para falar sobre essa necessidade. A mesma coisa
é a Língua Portuguesa com a elaboração dos relatórios e a
interpretação (DOCENTE N° 5).

Lembrando que no Programa, Brasil (2007, p. 28), “a finalidade da


formação integral é a superação da dualidade histórica presente na educação
brasileira entre teoria e prática, e cultura geral versus cultura técnica”, então,
interroguei-o sobre onde ele havia aprendido acerca da interdisciplinaridade, nos
respondeu assim:

Eu fiz um curso de especialização em Psicopedagogia em uma


universidade particular; fiz para melhorar minha prática. Nesse
percurso, desde aluno eu observava algumas práticas aqui
que eu observava, sendo que essa especialização me ajudou a
resolver esses desafios, a melhorar minha prática pedagógica
não foi o IFMA que me ofereceu (DOCENTE Nº 5).

O Docente n.º 5, reportando-se às suas experiências profissionais em


atividades técnicas desenvolvidas antes do ingresso no IFMA, quando ainda
não era graduado, “já desenvolvia atividades de ensino como multiplicador
nos centros de treinamento da Vale e Alumar para profissionais que mais se
destacavam no grupo; ministrava minicursos para equipes”. Após especializar-se
em Psicopedagogia e ter experiência na parte técnica de sua área, então concluiu
dizendo: “Quando eu cheguei para dar aulas aqui só aperfeiçoei” (Docente n.º 5).
Este docente informa que no curso de Eletrotécnica “a pedagoga marcava
as reuniões entre as áreas a cada 3 ou 4 meses, e nessas oportunidades eu também
já apresentava essas demandas”. Explicando como conseguiu desenvolver suas
aulas, avalia que o planejamento deve ser flexível e relatou:

Quantas vezes eu tive que retomar, revisar, flexibilizar o conteúdo


e até atrasá- lo. Depois uma satisfação: ver alunos que nem
pensaram em chegar tão longe já entrando na graduação...

186 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

É maravilhoso ver esses alunos que eram do PROEJA e tem


aluno fazendo Direito. Eles ‘startaram’ e daí pronto, não
querem mais parar!! Eles nem imaginaram na chegada aqui
que teriam tantas oportunidades; é uma satisfação para mim
vê-los com essas trajetórias (DOCENTE N.º 5).

Como demonstrado, a aprendizagem não consiste apenas na ministração


de conteúdo, mas na interação desses com os objetivos que desejamos alcançar,
pautados em uma realidade. Nesses termos, reconhecemos a importância das
experiências práticas em cursos técnicos no PROEJA que ocorreram também
fora do IFMA. De posse dessas informações, solicitamos que ele nos relatasse
experiências com os alunos do Programa desenvolvidas fora do Instituto, visto
que, na leitura dos projetos dos cursos técnicos integrados de Alimentos e
Eletrotécnica ofertados ao PROEJA, identificamos que dentre as atividades a
serem desenvolvidas constam as visitas técnicas. A proposta era experienciar
situações inerentes ao campo profissional, sair do laboratório/escola e chegar
à realidade da prática profissional. O primeiro relato, trata-se de um projeto
desenvolvido na periferia da cidade de São Luís-MA. Foi no final do semestre do
ano de 2013; três finais de semana dedicados a esse projeto de instalação elétrica.
E nos explica que essa experiência já havia sido testada no laboratório com eles,
e foram para o campo para viver os desafios.

Foi cansativo, mas valeu a pena. Foram uns 10 a 15 alunos


que participavam efetivamente da etapa da instalação,
da experiência desenvolvida na casa. (...). Esta não tinha
instalação e os donos não tinham condições de pagar um
engenheiro. O proprietário comprou o material e durante três
finais de semana nós concluímos o serviço (DOCENTE N.º5).

Explicando o processo, informou que de início participou muito, esteve


presente, mas percebendo o desenvolvimento dos educandos na experiência,
assim se conduziu:

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 187


Eu deixei que eles tomassem de conta. Toda instalação, todas as
lâmpadas, tomadas foram colocadas por eles. Foi maravilhoso
para eles; voltaram com os olhos brilhando, convictos de que
poderiam trabalhar naquilo para que estavam se preparando.
Depois dessa experiência eles viam outro universo profissional
(DOCENTE N.º 5).

Durante a entrevista, fazia questão de destacar a importância da prática


em cursos técnicos, lembrava que o educando não quer ficar só na teoria. “Foi
a mesma coisa que aconteceu com a viagem. Eles vieram com outro olhar,
outra cabeça; ao conhecerem a hidroelétrica de Paulo Afonso, na Bahia, eles
visualizaram outro mercado a ser conquistado” (DOCENTE N.º 5).

Exatamente o que precisa o PROEJA: teoria aplicada à


prática, o aluno não quer ficar só no teórico. A prática é
o principal carro-chefe do PROEJA; o aluno espera muito
da prática. Isso facilitou para mim: aplicação da teoria na
prática, se a pessoa já tiver vivenciado essa teoria na prática,
isso facilita muito, muitas vezes eu lembro da minha vivência
e cito exemplos que estão em minha experiência de quase 20
anos (DOCENTE Nº 5).

Pelos relatos, compreendemos que nem tudo fica guardado na memória.


Esta seletividade motivada pelas necessidades do presente é que indica o que
deve ser lembrado. O relato do Docente n.º 5 sobre a mencionada visita técnica
se encontra com as lembranças do Docente n.º 1 quando disse:

Recordo de uma viagem de estudos com os alunos (do PROEJA)


(...). Para eles a viagem foi proveitosa, abriu seus horizontes,
conheceram novos lugares e um mundo real para atuação na
área. Contribuímos muito pouco nessas oportunidades, eles
tiveram uma excelente oportunidade de se enxergarem nessa
imensidão que é a geração (hidrelétrica e eólica) de energia,
a transmissão através das grandes linhas e as subestações das
usinas etc. (DOCENTE Nº 1).

188 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

Sobre as visitas técnicas, a Docente n.º 6, reportando-se à sua experiência


como aluna da EP no CEFET-MA, recordando sobre aspectos importantes
que viveu no antigo Segundo Grau, destacou que as visitas técnicas foram
suas primeiras experiências de sair sem a companhia da família, e que estas
experiências, além de promover um olhar sobre o campus profissional, também
lhe motivava muita segurança. A opinião do Docente n.º 1, que ministrou maior
número de disciplinas no Programa, destaca que para a oferta escolar para a
Educação Profissional-EP é necessária que se façam as conexões com o perfil
profissional do egresso, para que assim eles também reconheçam a necessidade de
determinados conteúdos. Enfatiza que os docentes do PROEJA são desmotivados,
e que precisam de esforço docente para aprender. A exemplo de esforços para
superar as dificuldades dos educandos aprenderem informou:

Outro procedimento que utilizei nos dois últimos semestres


foi o laboratório individual. Levei essa mesma atitude
para outras disciplinas, como Acionamentos de Máquinas,
Medidas, Máquinas Elétricas. Atividades individualizadas
foi uma estratégia utilizada para resolver este problema
(DOCENTE N.º 1).

Ainda sobre as experiências que foram utilizadas para atuar no PROEJA,


eis que o Docente n.º 1 nos relatou que foi aluno do curso Técnico em
Eletrotécnica na Escola Técnica e que, em 1985, iniciou no Pró-Técnico, curso
preparatório para seu ingresso em 1986, no 1º ano básico que concluiu em
1988. Informou ainda,
A minha prática no PROEJA não é desassociada da minha
prática docente nos demais cursos e níveis de ensino, em
todas as instâncias que passei na minha experiência na EJA
com adultos em 92, 93 no colégio CIMA, com o ensino médio
noturno no Estado (do MA) em 1994 até 1998, com os alunos
do SENAI nos cursos de qualificação profissional. Vejo que
todas estas etapas me qualificaram para trabalhar com alunos
deste perfil, mas também com outros (DOCENTE Nº 1).

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 189


O ato de lembrar, indicado nos relatos são individuais mesmo tocando a
memória coletiva e ora da memória institucional do IFMA. São singulares ao
seu tempo visto que a memória tende a atualizar-se e assim sofrer alterações,
pode estar dividida e até entrar em disputa. Nos relatos não foi mencionando
a necessidade de uma formação docente específica para a modalidade EJA,
destacou ainda:

Eu lembro das minhas aulas de Máquinas Elétricas lá de 1987


e também das aulas de Comandos Elétricos. É dessas aulas que
eu repasso para os alunos eu, tenho uma lembrança muito boa.
Eu fiz um curso no SENAI, em 1991, no Sindicato da Construção
Civil ali no Diamante e a forma como desenvolvíamos as
atividades, sem muitos recursos, equipamentos. Tínhamos que
arrumar casas (de verdade) para desenvolver algumas práticas
do curso. [...] Como aluno a maior lembrança que levei para
minha prática foi a que tive aqui na Escola Técnica, quando
cursei o ensino médio (DOCENTE Nº 1).

De modo geral, esses relatos têm relação com a defesa de Tardif (2013),
quando afirma que os saberes docentes são advindos das experiências vivenciadas
pelo professor ao longo de sua vida e não apenas aquela que ele adquire na
formação acadêmica, para a finalidade específica de atuar na profissão. Os saberes
dos professores são adquiridos socialmente por diferentes fontes de aquisição e,
dessa forma, estas são plurais e não podem ser separadas da prática docente.
Pelo relato, o Docente n.º 1 considerou que sua prática no Programa lembra
sua vida escolar quando foi aluno da Escola Técnica Federal de São Luís, há mais
de 30 anos, quando ainda cursava o antigo Segundo Grau. Lembra-se do seu
ingresso no Pró- Técnico, curso que frequentou na antiga Escola.
Tentando compreender como essas experiências ajudaram em sua atuação
no PROEJA, o que o fez pensar que essas experiências o ajudaram a trabalhar no
PROEJA, explica:

190 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

É porque nesses 20 e poucos anos de docência, em 92, 93, 94,


quando eu trabalhava no CIMA era também curso técnico,
os alunos eram adultos, o turno era noturno e depois mais 6
anos de experiência no SENAI. Quando entrei no SENAI eram
cursos técnicos para qualificação ou do curso técnico em
eletroeletrônica em 2000, esse foi muito importante viu, era
só de alunos adultos que trabalhavam no ramo de manutenção
Eletrônica (DOCENTE Nº1).

Ele relatou que ministrou uma disciplina de Eletrônica para os donos de


assistência técnica de aparelhos de São Luís-MA; a maioria consertava nossos
aparelhos televisores, videocassete, e estavam lá sentados fazendo aquele curso
para obtenção de CREA.
Do mesmo jeito que o Docente nº 1, a Docente nº 6, falando sobre a
influência dos seus professores da EP demonstraram ter relação afetiva com esta
memória que, em parte, ainda está preservada. A Docente nº6 nos repetiu: “Fui
aluna do curso Técnico em Química aqui no CEFET”, destacou que era muito
tímida e relatou: “Uma lembrança marcante que contribuiu para a minha prática
docente foram os meus professores do curso do técnico (...) sempre recordava
da atuação desses professores”. Ela se lembrou de sua experiência no curso de
Eletrotécnica:

Minha primeira aula com eles (a pedagoga sempre lembra),


usei a estratégia da Química da vela. Eles aguardavam por
uma aula tradicional, do tipo tabela periódica, cálculo
estequiométrico, e eu iniciei com perguntas do tipo: O que eles
estavam vendo? O que estava acontecendo? (DOCENTE Nº 6)

Ela disse que utilizando a estratégia de interrogar, essa prática motivou os


educandos a participarem da aula e que “aos poucos foram surgindo respostas
interessantes, algumas equivocadas, mas que foram aproveitadas e reformuladas”.
Acrescentou que os alunos aguardavam por uma aula tradicional, talvez em

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 191


função da tradição da EP, em que a aula está centrada no conteúdo. Vemos que
mesmo sendo “filha da EP”, seu argumento para motivar a aprendizagem dos
educandos já não se apoia nos fundamentos os quais, outrora, respondiam a sua
definição de aprender. Indica ser necessário enfatizar as características específicas
dos educandos. “Por exemplo, para o curso de Técnico em Eletrotécnica, o
primeiro questionamento onde eu fiz (para mim mesma) foi: Quais conteúdos de
Química são mais importantes para o conhecimento de um profissional Técnico
em Eletrotécnica?” (DOCENTE nº 6).
Disse ainda que mediante as particularidades, o docente “poderá desenvolver
metodologias que auxilie no desenvolvimento de habilidades cognitivas e na
construção do conhecimento científico”. Levando-se em conta o lugar a partir
do qual essas falas foram produzidas, essas experiências, compreendemos
que a memória nos permite elaborar e avaliar conceitos, impressões e com as
experiências do presente, (re) qualificar pontos de vista acerca do vivido. Isso
ocorre em virtude de que, quando nos reportamos às nossas experiências estamos
elaborando também um exercício de avaliação. Assim, compreendemos que
interrogar sobre a experiência no Programa foi uma espécie de “chave” para
chegarmos até essas práticas. Pelo que compreendemos desses relatos, foram
necessárias outras experiências para que a docente pudesse (re) avaliar, indicando-
as como necessárias para atuar no Programa.

6. Considerações finais

Pensando assim, com a história oral foi possível elaborarmos pontos de


vista, ouvir experiências individuais e interpretá-las, em conexão com o discurso
institucional contido na Legislação sobre o Programa.
Pelo relato dos Docentes n.º 1, n.º 2 e n.º 3, eles tiveram experiências com
educandos com perfil de EJA, como as experiências do Docente n.º 3, vividas há
mais de 40 anos, em curso supletivo em 1972. Eles viram nessas experiências

192 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

algo que também os favoreceu para atuar no PROEJA. Entretanto, mesmo ciente
de que a experiência é importante para o desenvolvimento do trabalho docente,
não podemos reduzir o saber ensinar principalmente à prática docente, visto que
a maneira de ensinar é uma representação do tempo no contexto em que a prática
se desenvolve.
Como mencionamos, uma das funções da memória é selecionar experiências
vividas ou compartilhadas; essas que nos chegam pelo relato de outrem, que de
alguma forma foram significativas para, em alguma situação, nos reportarmos a
elas, por sua importância.
Após conhecermos relatos dos docentes sobre suas práticas no PROEJA-
IFMA Campus São Luís - Monte Castelo, há contradição entre essas narrativas,
em relação ao discurso oficial, centrado na legislação do Programa. Afinal, o
docente, mesmo não tendo a formação específica, está preparado para formar no
PROEJA. Isso se confirma exatamente porque, pelo que define a Lei n.º 9.394/96,
ter a licenciatura – a formação inicial – prepara o docente para atuar na Educação
Básica, na qual está a oferta do Programa. Mesmo tratando-se de uma inovação
na Educação Profissional.
Nos relatos sobre as práticas no PROEJA, as lembranças sobre a atuação
docente no Campus, os docentes indicam que a formação para o Programa
foi desenvolvida em diferentes contextos, como por exemplo na família, em
experiências com educandos jovens e adultos, nas experiências profissionais nas
empresas. Essas constatações aqui narradas pelos seis docentes que participaram
desta pesquisa confirmam nossa hipótese de que para resolver os desafios de
formar no PROEJA-IFMA, no espaço específico da sala de aula, os docentes
servem-se de saberes não necessariamente associados a políticas de formação
docente institucionais do IFMA.
Reconhecemos, pelos relatores, vários esforços dos docentes
entrevistados para ensinar os educandos no Programa. Mesmo assim, como
defendemos ao longo desta tese, compreendermos que esses esforços poderiam

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 193


ter sido melhor desenvolvidos, caso os docentes tivessem a formação específica
para a modalidade EJA.
O Docente n.º 3 também destaca que os educandos do PROEJA têm
interesse em aprender, e que para isso eles deixam coisas importantes, “limitam
o tempo para ficar no convívio com a família. A vontade deles, porque querem
aprender, se esforçando para chegar, para chegar a algum lugar, foi muito forte
neles, um grupo que era presente e interessado”.
Ao longo desta pesquisa foi indicado pelos docentes que os educandos têm
dificuldades de compreender os conteúdos previstos para a série, por não possuírem
osconhecimentos prévios necessários para tal necessidade. Reconhecemos que a
narrativa deve ter outros lados. Aqui, pesquisamos apenas o lado do docente,
fica, então, o outro lado da história: qual a dificuldade do educando para estudar
no Programa? Por quis motivos o IFMA não oferece a formação continuada
específica para os docentes atuarem no PREJA? Ficam as perguntas em aberto!
Querendo acertar, as pelas falas dos docentes indicaram, que suas decisões
foram tomadas baseadas apenas em suas experiências. De forma descritiva,
focados na necessidade de agir, eles argumentam que a intenção da ação é resolver
o imediato, como destacado na prática de laboratório individual nos relatos do
Docente n.° 1, na adoção da Literatura pela Docente n.° 2 e na retomada da
tabuada pelo Docente n.º 3.
Retomamos o caráter impositivo de um programa que deveria ter sido
amplamente divulgado, estudado e discutido em vários espaços escolares e não
escolares, sob o risco de se implantar uma política sem o adequado conhecimento
de sua função. Isso se reflete nas memórias que se mostram divididas por seus
pontos de vista e entram em disputa, por não comporem mais uma memória
coletiva institucional acerca da atuação no Programa.

194 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Vania Mondego Ribeiro e Antonio Germano Magalhães Junior

REFERÊNCIAS

BRASIL Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e


Tecnológica. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional
com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
Brasília: SETEC, 2007. (Documento Base).

. Projeto Político-Pedagógico IFMA Campus São Luís Monte Castelo


2010. São Luís-MA, IFMA, 2010. Disponível em: http/www.ifma.edu.br. Acesso
em 10 de março de 2014.

FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaina (Orgs). Usos e abusos da


história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998.

GAUTHIER, Clermont et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisa


contemporânea sobre saberes docentes. Trad. Francisco Pereira de Lima. 3. ed.
Ijuí. Editora Unijui, 2013.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. Laurent Leon Schaffter.


São Paulo: Centauro Editora, 2006.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos.


Trad. Dora Rocha Flaksman. Rio de Janeiro. Vol. 02, Nº 03, 1989, p. 03-15.

PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana: 29


de junho de 1944): mito, política, luto e senso comum. AMADO, Janaína;
FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro:
Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998. p.103-130.

LEMBRANÇAS DE PRÁTICAS DOCENTES NA MODALIDADE EJA NO PROEJA IFMA 195


TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O Oficio de professor: histórias,
perspectivas e desafios internacionais. 5.ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2013.

XAVIER, Maria Luísa Silva Prado. Poder político educação da elite. São Paulo:
Cortez,1992.

196 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL
DO MARANHAO: MUDANÇAS NA NATUREZA DO TRABALHO DO
PROFESSOR

Elen de Fátima Lago Barros Costa44


Maria Cristina dos Santos45

1. Introdução

O objeto de estudo deste artigo é o trabalho docente no campo da educação


profissional, mais especificamente, as mudanças ocorridas no trabalho e na carreira
do professor nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs)46,
criados no Brasil a partir do ano de 2008. Os países capitalistas, por volta da
segunda metade do século XX, iniciam reformas no âmbito político-econômico
para adaptar seus governos à nova forma de acumulação do capital, que tem
como principal característica a predominância do capital financeiro e o regime de
produção flexível. Com o aporte teórico de uma vasta literatura que trata da questão
do Estado, do capitalismo e suas crises47, “entende-se que este sistema econômico
traz, em sua gênese, formas de autorregulação que garantem a sua reprodução,
tornando-o um modo de produção hegemônico” (COSTA, 2016, p. 34).

44 Doutora em Educação (UFSCar). Professora Magistério Superior/IFMA-Campus São


Luís Monte Castelo. Professora do Programa de Pós-graduação em Educação Profissional e
Tecnológica (PROFEPT). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e
Educação no Brasil” (HISTEDBR/GT Maranhão).
45 Pós-Doutora em Educação pela Universidade de Lisboa/IE-ULISBOA; Doutora em
Educação pela Universidade Estadual de Campinas/Unicamp; Professora do Programa de Pós-
Graduação em Educação/PPGE/UFSCar; cbezerra@ufscar.br
46 Este artigo traz resultados dos estudos realizado no Doutorado realizado no período de 2012 a
2016. Na época a sigla utilizada para os Institutos Federais nos documentos oficiais e em vários artigos de
pesquisadores deste tema era IFETS (Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia). Atualmente é
comum encontrarmos somente IFs como menção aos Institutos Federais.
47 .

197
Em meados do século XX, o paradigma neoliberal, caracterizado por
um conjunto de ideias político-econômicas capitalistas, se hegemoniza,
favorecendo mudanças em escala mundial nos campos político, econômico,
social, intelectual e cultural. Como afirma Costa (2002, p. 43), o neoliberalismo
constitui a maior estratégia já arquitetada pelo capitalismo mundial para perpetuar
sua hegemonia, cada vez mais livre de qualquer restrição, “impulsionando o
crescimento do capital transnacional de grandes conglomerados, viabilizando a
globalização da economia”.
Em suas múltiplas denominações – capitalismo financeiro, capital fictício,
neoliberalismo48 – este se constitui uma doutrina e um receituário pragmático de
política econômica que se caracteriza por ser “mais estreito, pois se restringe ao
aspecto econômico da vida humana em sociedade; menos ‘iluminista’, porque
depende mais de crença do que de razão [...] e pautado por um capitalismo duro
e livre de regras” (PAULANI, 2008, p. 67). Além disso, esta política, orquestrada
pelos executivos dos governos, dos bancos multilaterais e de empresas privadas
torna-se uma política que afeta sobremaneira os países de capitalismo dependente.
De acordo com Fiori49 (1995, p. 234), na América Latina, em contraposição
ao regime de acumulação e intervenção estatal, o paradigma neoliberal é definido
como “um plano único de ajustamento das economias periféricas, chancelado
pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).
Segundo Costa (2016, p. 40), no setor educacional, “as reformas do ensino
foram adotadas no país inicialmente no Ensino Fundamental e se estenderam
para toda Educação Básica e Educação Superior”. Afirma-se que um dos marcos
legais para estas reformas foi a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da

48 David Harvey (2011a, 2011b, 2012, 2013); István Mészaros (2006a); François Chesnais
(1996, 1998, 2002, 2005).
49 Fiori (1995) analisa esta questão no texto “Da dependência ao social-liberalismo: a
bússola de Fernando Henrique Cardoso”, em que afirma que, nos países da América Latina, este
paradigma esteve pautado no Consenso de Washington.

198 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

Educação Nacional (LDBEN), a Lei n.º 9.394/96 (BRASIL, 1996a), na qual são
definidas concepções e organização do ensino voltados para adequar o sistema
educacional às transformações e demandas do capital financeiro.
No que concerne especificamente às mudanças no âmbito da Educação
Profissional e Tecnológica (EPT), de acordo com a LDBEN, esta modalidade
de ensino é concebida como “integrada às diferentes formas de educação, ao
trabalho, à ciência e à tecnologia” com o propósito de conduzir a vida produtiva.
Em se tratando exclusivamente a rede federal de EPT, historicamente as
instituições que a compõem tiveram várias denominações – Escola de Artífices,
Escola Industrial, Escola Técnica, Centro Federal de Educação e Tecnologia
(CEFET) e/ou Escola Agrotécnica Federais (EAF) – e tendo o mesmo propósito
de ofertar educação técnica para a classe trabalhadora do país (COSTA, 2016).
Em 2008, no governo Lula, através da Lei n.º 11.892/2008 (BRASIL, 2008a),
cria uma nova Rede Federal de Educação Profissional, Ciência e Tecnologia
(RFEPCT), composta pelas antigas instituições da rede, ou seja, o governo aglutina
os CEFETs, as Unidades Descentralizadas (UNEDs), as Escolas Agrotécnicas
Federais (EAFs) e as Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades, criando
uma grande rede, em sua maioria, denominada Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia (IFETs)50.
Em termos de expansão, a EPT no Brasil apresentou crescimento desde
2003, mas é, a partir do ano de 2008, com a lei supramencionada, que o governo
inicia o processo de expansão da rede federal, com o firme propósito de transformar
estas instituições em modelos para a qualificação e requalificação do trabalhador
brasileiro (COSTA, 2016).
Deste modo, o governo federal, no período de 2003 a 2013, expandiu

50 Atualmente, a RFEPCT é formada pelos 38 IFETs (314 campi), 02 CEFETs (16


campi), o Colégio Pedro II (14 campi), 26 Escolas Vinculadas às Universidades (26 campi) e 01
Universidade Tecnológica Federal (13 campi), responsáveis por ofertar EPT articulada a níveis e
modalidades de ensino.

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
199
a EPT na rede pública e privada, em seu nível prioritário (nível Técnico), em
154,92%. E na rede federal, aqui exemplificada somente com os dados dos IFETs
e CEFETs, a referida expansão foi de 219,69%, sendo que, no nível técnico, foi
de 204,15% e, na educação superior, de 256,22%.
Os Institutos estão presentes em todo o território nacional, e têm
como objetivo precípuo colaborar na estruturação das políticas públicas
regionais, estabelecendo uma interação mais direta junto ao poder público e
às comunidades locais, para tanto, devem criar um observatório de políticas
públicas, consideradas “espaço fundamental para o desenvolvimento do seu
trabalho” (BRASIL, 2008b, p. 22).
Para tanto, a EPT, a partir do Governo Lula, foi reestruturada abrangendo
em sua organização curricular desde a Educação Básica a Educação Superior,
através da oferta de cursos/programas voltados para qualificar/requalificar
a classe trabalhadora e suas futuras gerações, fato este que traz inúmeras
mudanças no âmbito do trabalho e da carreira docente. As mudanças são desde
a nova organização da carreira docente até a natureza do trabalho do professor,
que para atender a especificidade da rede tem que atuar da Educação Básica a
Educação Superior. E é nesta perspectiva que este artigo foi organizado buscando
compreender: em que medida a nova institucionalidade e a expansão da RFEPCT,
em particular o IFET, tem acarretado mudanças no trabalho do professor? Qual
o entendimento que os docentes têm a respeito da expansão e dessas mudanças?
Trata-se, portanto, de um artigo que adota como método de abordagem o
materialismo histórico dialético que nos dá o suporte necessário para compreender
este objeto em seu movimento e suas contradições, buscando compreendê-
lo em suas múltiplas determinações. No que diz respeito aos procedimentos
metodológicos realizou-se uma pesquisa bibliográfica, documental e de campo,
tendo como lócus da pesquisa o Instituto Federal do Maranhão (IFMA), mas
precisamente os campi São Luís-Monte Castelo, São Luís-Centro Histórico e São
Luís-Maracanã. Foram entrevistados 47 (quarenta e sete servidores) incluindo

200 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

docentes, pró-reitores e diretores de campi. Tal seleção se deu pelas características


de cada um, pois:

a)  Campus S. L.-Monte Castelo – mais antigo do Estado do Maranhão,


onde se concentrou a Reitoria do IFMA e local em que eram tomadas
todas as decisões políticas e administrativas da instituição. Ademais
é o campus com maior quantitativo de professores que atuavam na
instituição no período da mudança de CEFET para IFET ou que dela
participaram e o que conta com maior concentração de professores
do Ensino Básico Técnico e Tecnológico (EBTT) e Magistério
Superior (MS).
b)  Campus S. L.-Maracanã – antiga Escola Agrotécnica Federal (EAF),
que, com a mudança para IFET, passa a oferecer curso superior e tem
100% de professores da Carreira EBTT;
c)  Campus S. L.-Centro Histórico - mais novo da Capital, que
congrega 99% dos professores na nova carreira EBTT, mas que
concentra também professores que acompanharam a transição de
CEFET para IFET.

No que diz respeito aos participantes da pesquisa, foram entrevistados 47


docentes, sendo 27 do Campus São Luís-Monte Castelo; 09 do Campus São Luís-
Centro Histórico; 04 do Campus São Luís-Maracanã, assim como 07 Gestores da
Reitoria da instituição.
Quanto ao critério de escolha dos entrevistados, definiram-se os gestores
do primeiro escalão da Reitoria – Reitor e Pró-Reitores – por considerar que toda
a execução da política e burocracia que se refere ao ensino, pesquisa e extensão da
instituição é definida nestas instâncias. Em relação aos docentes, priorizaram-se
os professores que acompanharam a mudança de CEFET para IFET; professores
que mudaram de Carreira de 1º e 2º Grau para a Carreira EBTT; os do MS; e os
professores da antiga EAF, que passaram a ministrar aulas na educação superior.

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
201
Atendendo às normas constantes na Resolução 196/1996 (BRASIL, 1996b),
que aprovou as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo
seres humanos, particularmente no Item III, que trata dos aspectos éticos, do
critério de confiabilidade e privacidade, criaram-se códigos de identificação para os
entrevistados, assim organizados: GRT: Gestor da Reitoria (Reitor, Pró-Reitores,
Gestores do Terceiro Escalão – Assessores, Coordenadores de Áreas, Diretores de
Seção, e outros); GCMC: Gestor de Campus São Luís- Monte Castelo (Diretor
de Campus, Chefe de Departamento, Coordenador de Curso); GCM: Gestor
de Campus São Luís-Maracanã (Diretor de Campus, Chefe de Departamento,
Coordenador de Curso); GCCH: Gestor de Campus São Luís-Centro Histórico
(Diretor de Campus, Chefe de Departamento, Coordenador de Curso); DSLMC:
Docente Campus São Luís- Monte Castelo; DSLM01: Docente Campus São Luís-
Maracanã; DSLCH01: Docente Campus São Luís-Centro Histórico.
A pesquisa de campo foi realizada no período de maio a julho/2014.
Para a coleta de dados, utilizou-se a entrevista semiestruturada, que, permite a
apropriação imediata da informação almejada pelo pesquisador, além de permitir
que o entrevistado siga espontaneamente sua linha de pensamento e experiências
e, desde modo, participe na elaboração do conteúdo da pesquisa.

2. A percepção dos docentes sobre as mudanças do trabalho e no seu


cotidiano profissional

Sobre a caracterização dos sujeitos da pesquisa, foram entrevistados 47


docentes, sendo 27 do Campus São Luís-Monte Castelo; 09 do Campus São Luís-
Centro Histórico; 04 do Campus São Luís-Maracanã e 07 Gestores da Reitoria da
instituição. Destes 47 docentes, 20 desenvolvem atividades de docência e cargos
de chefia nos campi; 07 exercem somente cargo de chefia (Gestores da Reitoria)
e 20 praticam atividades de docência (ensino, pesquisa e extensão), sem cargos
de chefia (COSTA, 2016).

202 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

Observou-se que, quanto à faixa etária, à carreira e ao regime de trabalho,


53,19% têm entre 31 e 45 anos, 42,53% acima de 45 anos; 74,46% da Carreira
Ensino Básico Técnico e Tecnológico (EBTT) e 25,53% da carreira Magistério
Superior (MS); 95,74% o regime de trabalho é de Dedicação Exclusiva, o que
corresponde ao fato de que, dos campi estudados, dois pertencem à antiga Rede
e, portanto, os docentes já integravam seus quadros funcionais. Além disso, o
governo federal, a partir de 2008, só realizou concurso público na RFEPCT para
a carreira EBTT (COSTA, 2016).
Quanto à formação acadêmica e ao tempo de serviço na área de ensino,
91,49% possuíam Pós-Graduação stricto sensu, sendo 18 mestres, 24 doutores
e 01 Pós-Doutor. Quanto à experiência profissional, 19,15% apresentaram
experiência de 04 a 10 anos e 80,85% mais de 10 anos de experiência na área
de ensino; 99% atuavam de acordo com a sua formação acadêmica; 68% tinha
curso de licenciatura e, dos 31,91% (15 docentes) que não possuíam este grau
acadêmico, a sua maioria (07 docentes) tinha curso de formação pedagógica para
suprir esta necessidade.
No que diz respeito ao tempo de serviço dos docentes na instituição,
48,93% deles apresentaram até 10 anos no IFMA, 48,93% têm mais de 10 anos
e, como era esperado pela própria história de cada campus, no São Luís-Monte
Castelo (antigo CEFET/Sede) e no São Luís-Maracanã (antiga EAF), por serem
os campi mais antigos do IFMA, a média de tempo de serviço dos docentes é de
14,3 anos e 12,5 anos, respectivamente. E, no campus São Luís-Centro Histórico,
por ser o mais novo, a média é de 6,3 anos (COSTA, 2016).
No que concerne ao quadro docente e ao trabalho docente do IFMA, quanto
à titulação e regime de trabalho dos professores do IFMA, conforme dados do
Relatório de Gestão/2009 (MARANHÃO, 2010), o quadro de docentes do IFMA
era composto por 25,92% graduados, 4,07% aperfeiçoados, 3,55% especialistas,
25,52% mestres e 9,34% doutores.
E, em 2013, de acordo com a Diretoria de Gestão e Tecnologia da

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
203
Informação (DGTI/IFMA), a instituição, para atender à demanda de 33.067
alunos matriculados nos cursos técnicos e superiores (regulares e dos programas),
contava com 1.273 docentes (1.157 permanentes, 83 substitutos e 33 temporários)
e 993 técnico-administrativos.
Percebeu-se uma melhoria na formação dos docentes, na medida em que a
instituição possuía no quadro funcional 32,13% com pós-graduação lato sensu;
45,64% com pós-graduação stricto sensu, sendo que 30,54% em nível de mestrado
e 11,41% em doutorado. Chama-nos atenção o fato de 34,95% possuíam somente
o curso de especialização e 18,14% nenhuma titulação, o que se contrapõe à
própria política da instituição de incentivo à qualificação docente, prevista no
PDI 2009/2013, além do que não se coaduna com as exigências enfrentadas por
esses docentes (COSTA, 2016).
De acordo com Costa (2016), com relação alunos matriculados e a força
de trabalho, o MEC utiliza o critério de estabelecer a relação entre o quantitativo
do professor de tempo integral - aquele que presta atividades acadêmicas
exclusivamente em sala de aula, em regime de 40 horas semanais - e a quantidade
de alunos matriculados para mensurar se a instituição tem cumprido com o que
acordou no Termo de Acordos e Metas (TAM) (BRASIL, 2008c). Sendo que
cada professor em tempo integral é computado como “1” docente, e os demais
professores, com carga horária de 20 horas semanais, é contabilizado “0,5”
docente, ou seja, 01 professor 40 horas equivale a 01; 01 professor 20 horas
corresponde a 0,5.
Neste documento, a TAM (BRASIL, 2008c), convencionou-se que, para
cumprir a meta no indicador alunos matriculados em relação à força de trabalho,
a instituição deveria ter 20 alunos matriculados nos cursos por professor, em
relação a todo quadro de professores ativos na Instituição.

204 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

Tabela 01 – Demonstrativo de Relação Matrículas e Força de Trabalho do


IFMA 2009 a 2013

RELAÇÃO ALUNOS MATRICULADOS/


ANOS ALUNOS FORÇA DE FORÇA DE TRABALHO
MATRICULADOS TRABALHO INDICE IFMA
2009 8.092 632 12,80
2010 10.933 642 17,03
2011 16.665 973 17,12
2012 24.179 1.135 21,30
2013 33.067 1.273 25,97

Fonte: IFMA/PROPLAD (2010, 2011, 2012, 2013, 2014). Nota: Tabela elaborada pela
pesquisadora.

Considerando este critério de 20 alunos por professor, percebeu-se que, no


IFMA, nos anos de 2009 a 2011, a instituição cumpria as metas estabelecidas.
Mas, a partir de 2012, as tem descumprido, visto que, em 2012, a relação foi
de 1 professor para 21,30 alunos e, em 2013, foi de 1 professor para 25,97
alunos. Preocupa-se com o fato de que existe uma evolução em andamento desta
relação professor/aluno nos institutos e que, com certeza, com a atual política
governamental de produzir mais com menos, de enxugamento da máquina
pública e de reorganização da classe, quem arcará com a expansão dos institutos
será, em primeira análise, os docentes (COSTA, 2016).
Compreende-se que, ao analisarmos todos os dados relativos aos critérios
de implementação dos campi do IFMA, há uma preponderância do critério
político em detrimento do critério técnico. Quanto à relação dos APLs e o papel
do IFMA, apesar dos esforços na diversificação de áreas/cursos, a instituição
poderia ter avançado em cursos que melhor atendessem aos interesses do
crescimento econômico e social de cada região (COSTA, 2016).
Relativamente às matrículas, o IFMA, a exemplo do que aconteceu

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
205
nacionalmente e o que é esperado dos institutos, tem priorizado o ensino técnico
integrado às diversas modalidades, e, principalmente, os cursos FIC. Observou-
se também ter havido um expressivo crescimento das matrículas EAD, tanto no
nível técnico quanto no superior.
No que diz respeito ao trabalho docente no IFMA, constatou-se no
período estudado a precariedade, os dados apontam para uma crescente
precarização das condições de trabalho nesta instituição, visto que muitos
campi são implementados em prédios adaptados, alugados. Outro aspecto
observado é que, durante um período, nestes campi são ministrados cursos
somente do PRONATEC e, principalmente, que a expansão da matrícula não
tem acompanhado a contratação de docentes.

3. A percepção dos entrevistados sobre a existência de um processo de


precarização e intensificação do trabalho docente no IFMA

No PDI 2009/2013 (MARANHÃO, 2009), a instituição reafirmou o seu


compromisso com a gestão de pessoas, voltada para a melhoria das condições
de qualificação, capacitação dos profissionais que ingressam no IFMA. Deste
modo, o documento definia que a instituição desenvolverá um trabalho voltado
para a capacitação e identificação das potencialidades dos servidores, objetivando
a multiplicação de conhecimentos, interna e externamente, e pretende oferecer
um ambiente adequado para o contínuo processo de qualificação. Para tanto,
serão realizados os estudos de identificação das necessidades de pessoal, bem
como a organização, sistematização e divulgação da legislação federal e interna
do IFMA (COSTA, 2016).
Entretanto, dos entrevistados, somente 12% afirmaram que, ao ingressarem
na instituição, foram recepcionados, tendo como primeira atividade a capacitação
pedagógica. A maioria dos entrevistados afirmou que no máximo foram
apresentadas informações básicas a respeito da instituição.

206 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

“Foi assustador, eu caí aqui de paraquedas, porque eu


vinha de uma dinâmica do estado que você tem lá a sala
dos professores, fica todo mundo reunido, todo mundo se
conhece e aqui o Campus Maracanã tem essa particularidade
que são os departamentos e na época o Maracanã tinha um
perfil diferenciado do que a gente tem hoje, as pessoas não
frequentavam o departamento, então na verdade quando
disseram “ah... você tem que tomar posse”. Tomei posse e
“você começa a dar aula amanhã”. Mas não houve nenhum
processo de acolhimento, não houve... eu fui jogada aqui e
gradativamente fui me adaptando à instituição, mas não houve
nenhum processo de informação de absolutamente nada. [...]”.
(GCMC01- grifo nosso).

Os entrevistados relataram que anualmente acontece uma jornada


pedagógica, no início do semestre, em que são discutidos temas referentes às
demandas da instituição. Entretanto, todos foram unânimes em afirmar que
estes encontros contribuem pouco para as suas reais necessidades acadêmico-
pedagógicas, como afirmou um docente

entrei na instituição no início do semestre letivo e na época


da formação pedagógica organizada pelo DESU. Mas,
sinceramente, achei muito ruim. Temas desinteressantes e senti
um clima muito pesado entre os docentes e os gestores. Falta de
respeito entre eles. Achei estranho e confesso que só voltei nos
outros dias por causa da lista de presença (DSLMC13).

Além da falta de uma recepção pedagógica, percebeu-se que o docente


tem a consciência de que a formação continuada ofertada não consegue sanar
as dificuldades ou necessidades que os docentes enfrentam para atuarem numa
instituição que tem como foco uma formação tecnológica.
No que diz respeito aos desafios da docência, estes não divergem da maioria

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
207
dos enfrentados pelos profissionais na atualidade, como os inúmeros problemas,
impasses, desgastes e prazeres da profissão, ou seja, a complexidade que conduz
a prática de ser professor. Este é, sem dúvida, um debate contemporâneo que
contempla diferentes dimensões da função do magistério, desde a formação do
trabalhador, às condições de trabalho para um ensino de qualidade, a valorização
da profissão, até as interferências que contribuem positiva ou negativamente para
que o professor consiga estabelecer um vínculo entre docente/conhecimento/
discentes. Esta questão da formação do professor e o significado do papel da
docência e o estabelecimento deste vínculo docente/conhecimento/discentes
ficam muito explícitos na fala de um dos entrevistados (COSTA, 2016).
Uma questão que foi muito abordada pelos entrevistados diz respeito às
mudanças aceleradas da informatização, da sofisticação das tecnologias, que,
com certeza, são atrativos e/ou impedimentos para o bom desempenho em sala de
aula. As mudanças em todos os setores da sociedade, muitas delas relacionadas
ao desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s), que
invariavelmente influenciam na dinâmica de espaço e tempo, formas e conteúdos,
exigindo do professor novas maneiras de fazer ciência, de desenvolver seu papel
social, obrigando-o a adquirir fluência tecnológica para o uso das ferramentas
digitais. Tais questões foram amplamente registradas como desafios pelos
professores entrevistados.

Acho que o maior desafio que a gente enfrenta hoje talvez


seja conscientizar sobre a importância do aprender. Eu sou
professora de História e aí você tem que conscientizar esse
aluno, fazer com que ele realmente perceba que é importante
tentar refletir sobre esse passado, que isso é significativo [...]
E hoje o celular, por incrível que pareça, tem se tornado uma
grande dor de cabeça em sala de aula, eles passam o tempo
inteiro conectados, têm aparelhos extremamente modernos
sempre na internet e a gente está ali disputando com esse
vestibular ou com esse celular, com essa dinâmica (GCMC01).

208 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

Ainda sobre os desafios as respostas foram as mais diversas. Desde


a infraestrutura até as relações interpessoais problemáticas, muitas vezes
antidemocráticas.

Ser professor do IFMA é sempre um desafio porque, como


eu falei, eu não me senti integrado a um projeto e depois eu
tive que perceber que eu precisava me integrar a esse projeto.
Então é um desafio, porque você tem que buscar seu espaço,
o espaço físico existe, mas você tem que construir esse espaço
(DSLMC01).
E em relação à atuação, enquanto professor do Instituto, ela
tem sido um pouco mais complicada por conta da estrutura
que nós temos que éprecária, principalmente nesses campi da
expansão, pois foram colocadas muitas metas, mas, na minha
concepção, a gente não recebeu as condições adequadas
para atingir essas metas e esse é o único questionamento que
eu faço (GCCH03).

As mudanças ocorridas na instituição com a transformação para IFET


trouxeram, também, algumas anomalias que, para os docentes, têm sido um
complicador a mais no desenvolvimento dos seus trabalhos. Para os professores
da carreira Magistério Superior (MS), o problema seria a falta de prioridade deste
nível de ensino dentro da instituição.

[...] a mudança de CEFET pra Instituto Federal polarizou


aquilo que pra mim já era polarizado que é os dois níveis
de ensino que existem na instituição, o ensino superior e a
educação básica profissional [...]Há uma necessidade parece
assim de mostrar que o professor do ensino superior é ocioso
e essa carga horária e contabilizada principalmente a partir
do que ele faz em sala de aula, entendeu? Quer dizer a
mudança para Instituto Federal ela aconteceu sem que a
instituição tivesse o amadurecimento para compreender o
que é uma instituição de ensino superior na sua essência,

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
209
ou seja, o que faz um professor do ensino superior, ele só dá
aula? Não ele não só dá aula, ele orienta, ele faz projeto, ele
faz pesquisa, ele tem outras atribuições que excede a sala de
aula.? (DSLMC 01) grifo nosso.

Um dos problemas mais apontados, principalmente pelos professores


da carreira EBTT, foram a multiplicidade no perfil dos alunos e diversidade
curricular, oriundas dos dois níveis: básico e superior, e as diversas formas de
integração: concomitante, integrado e subsequente.

O que é ser professor daqui? Eu costumo dizer hoje que


eu considero a carreira EBTT uma carreira precarizada
porque nós estamos atuando nos dois níveis, no ensino
médio profissionalizante integrado, o que é esse ensino
profissionalizante integrado? Nós trabalhamoscom alunos de
quatorze, treze, até dezessete anos. Adolescentes que saíram
lá do nono ano estão chegando aqui nessa escola para fazer
um curso integrado, nem eles sabem direito o que significa
isso. Aí nós temos também uma outra modalidade que é o
concomitante que é um aluno que faz ensino médio na outra
escola e faz o curso técnico aqui, temos os subsequentes que
são alunos que já terminaram o ensino médio e que estão
fazendo outras universidades, mas que estão fazendo os cursos
profissionalizantes aqui (DCSLMC08).

Esta multiplicidade congrega adolescentes e jovens com interesses e


vivências diversas, o que, de certa forma, intensifica o trabalho docente. O mesmo
professor, no mesmo dia, desenvolve atividades nos dois níveis e, em mais de
uma forma de integração, o que demanda planejamento, conteúdo, estratégias de
ensino e abordagens diferenciadas, como exemplifica o professor

[...] esse semestre eu estou com quatro cursos diferentes,


então estou ministrando disciplinas de filosofia em momentos
diferentes para cursos diferentes. Então, no semestre, eu

210 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

ministro Filosofia I, II e III, nos cursos de Segurança do


Trabalho, Informática, Eletrotécnica, Química (DSLMC12).

Compreende-se que a adoção de um currículo integrado e diversificado


deve ter como princípio a importância de preparar os indivíduos que irão
efetivamente atuar neste ambiente. Pensar este ambiente necessita da instituição
um conhecimento pedagógico- administrativo que contemple esta complexidade
e organize o ambiente para tamanho desafio.
Um dos parâmetros para se definir a precarização das condições de
trabalho do professor é, também, a análise das questões de infraestrutura de uma
instituição. É preciso verificar se esta instituição viabiliza um espaço acadêmico,
científico, administrativo e didático-pedagógico que oportunize um processo
educativo com qualidade.
Quanto à infraestrutura dos três campi, com a mudança de institucional
para IFET, apesar do discurso oficial do Governo Federal de maior incremento
financeiro na estrutura das instituições que aderissem ao projeto da ifetização, os
campi ainda se encontram em condições precárias.

Houve alguma mudança, mas ainda não senti ainda aquela


mudança que os profissionais desejariam. Eu acredito que os
professores das antigas instituições CEFET’s e das EAF’s,
e agora dos institutos, percebem que, com a mudança da
denominação dessas instituições, houve, claro, um acréscimo,
um aporte maior de recursos [...] Nós temos equipamentos
ainda muito ultrapassados da EAF. Não foi construído nenhum
laboratório específico para a disciplina. Tivemos algumas
conquistas, mas todas pontuais. Houve melhora, nas salas de
aulas, salas climatizadas, mas ainda insuficientes para a nossa
realidade (DSLM02) grifo nosso.
Em número de sala de aula não houve mudança, oque houve
foi qualidade na sala de aula. Por exemplo, hoje, não tem nem
uma sala de aula aqui que não seja climatizada [...] Todos
os laboratórios estão melhor dotados de equipamentos. Ainda

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
211
não está perfeito, mas está melhor dotado de equipamentos
[...] Hoje nos dispomos de muito mais recursos do que naépoca
de Escola Agrotécnica, não tem nem comparação, entendeu?
(GCM01) grifo nosso.

O campus S. L.-Centro Histórico funcionava precariamente no campus


S. L.-Monte Castelo e, desde 2011, está alojado em um prédio do patrimônio
histórico da cidade de São Luís, com uma infraestrutura precária, cujos ambientes
foram adaptados, o que resultou em um problema que é relatado por todos
entrevistados. Em verdade, muitos dos campi do IFMA, a priori, funcionam em
edifícios cedidos pelas Redes Estadual ou Municipal e, em alguns casos, não é
construída nenhuma estrutura nova.

Pesquisadora: Como são as salas de aula no Centro Histórico?


Entrevistada: Temos essa coisa belíssima, que é esse prédio,
que ele é um prédio belíssimo, mas ele é um prédio que está com
problemas. O prédio do Centro Histórico ele tem problemas
[...]salas com pintura desgastada, focos de cupim, rato e mofo
(DSLCH02).

Quanto ao campus S. L.-Monte Castelo, as modificações ficam por conta


da climatização de todas as salas de aula, o incremento no equipamento de alguns
laboratórios e a realocação de espaços de alguns novos laboratórios, sendo que
muitos deles foram adquiridos pelos professores pesquisadores via Editais de
Pesquisa, mas, no geral, a estrutura continua a mesma do antigo CEFET.
A falta de uma infraestrutura adequada tem causado danos pedagógicos.
Ademais, na instituição, falta planejamento e tomadas de decisões que
contribuam para sanar os problemas que vão surgindo. Além desses fatores, em
muitos depoimentos, percebeu-se que a falta de um planejamento participativo,
em que os docentes e a comunidade acadêmica sejam considerados, tem

212 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

contribuído para a arbitrariedade na tomada de decisões, como afirmam os


docentes nos excertos abaixo,

Em termo institucional, ainda estamos muito a desejar. A


questão de infraestrutura principalmente de laboratório. Nós
aqui do Curso de Física, junto com departamento, desde 2010
que lutamos com a instituição para a compra de equipamentos.
E por conta disso, passou praticamente um ano sem oferecer
disciplinas experimentais [...] Está complicado. Além disso,
nós temos outra questão que é a adequação do espaço físico
para esses laboratórios que têm um problema muito grande de
infiltração [...]Aqui as coisas têm que pegar fogo, acontecer
um acidente, infelizmente para os gestores observarem
(GCMC07) grifo nosso.

A partir do exposto pelos entrevistados, depreende-se que, dentre as


dificuldades apontadas, merece destaque a falta de infraestrutura adequada,
já que 75% dos entrevistados relataram que, por não encontrar um espaço
acadêmico satisfatório na instituição para desenvolver suas atividades didático-
pedagógicas – como a pesquisa, o planejamento e o preparo das aulas, a correção
das atividades, dentre outras atividades – acabam sacrificando o seu horário de
lazer e o tempo livre reservado ao seu descanso para solucionar estas lacunas
estruturais, como se pode verificar nos excertos

Pesquisadora: Você costuma levar trabalho para casa?


Entrevistado: Sim. É um pouco inevitável no sentido de que
uma parte do nosso trabalho, antes da execução da aula, da
preparação dela, geralmente vão ocorrer onde as condições
mais adequadas [...] o laboratório do cientista social é
biblioteca, e aqui, como a biblioteca não tem condições, não
tem o meu acervo, eu não tenho os materiais de pesquisa. É
uma biblioteca muito barulhenta, sem condições [...]então,
inevitavelmente, essas coisas eu faço em casa (DSLM03).

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
213
É evidente que tal situação é muito absorvida no cotidiano do professor.
Muitos não conseguem perceber o processo de precarização e alienação em
que se encontram. Consideram uma prática positiva e absolutamente normal ou
aceitável sua vida se restringir aos aspectos profissionais, pois, para eles,

por esses três momentos que falei, do planejamento, do ensino


e da correção, só ficando para cá o ministrar aula mesmo, e
aí em seguida a gente tem que levar o trabalho para casa. Eu
particularmente, eu me divirto pouco. Eu não tenho muito lazer
não. Mas eu administro isso, eu sei administrar (DSLCH03).

E muitos outros abordaram esta “necessidade”,

Eu vivo aqui, eu sou full time77, já ouviu falar dos workaholics?


Aqueles profissionais que não têm muito uma fronteira
estabelecida entre o lazer e trabalho? Eu sou uma profissional
do lazer, mas o meu trabalho é o lazer, então eu vivo aqui, eu
sou dedicação exclusiva, eu sou servidora pública e eu vivo
isso, né? Então eu estou aqui nos meus dois turnos de segunda
a sexta, são raríssimas as vezes quando eu não estou e gosto de
estar aqui atendendo o meu aluno (DSLCH02).

Este processo alienante em que estão inseridos muitos trabalhadores não


é diferente na carreira docente e configura-se em várias dimensões no âmbito
institucional e no espaço da sala de aula. Após análise criteriosa das entrevistas
acerca da infraestrutura e dos problemas que esta precariedade ocasiona tanto
no cotidiano profissional quanto pessoal, observou-se que, no IFMA, no geral,
houve uma melhoria com a climatização das salas de aulas e a compra de alguns
equipamentos, apesar de não ter havido uma mudança estrutural nos prédios ou
mudanças que atendessem às reais necessidades dos professores.
Em sua totalidade, os professores ressentem-se da falta de equipamentos
e/ou ambientes básicos como: impressoras, computadores, laboratórios

214 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

específicos para suas disciplinas, gabinetes individuais e/ou coletivos (dos campi
estudados somente o campus S. L- Monte Castelo, em cinco departamentos, os
professores contam com Gabinetes coletivos que comportam cerca de dois a
três professores por espaço), espaços para atendimento individual de alunos
para orientação de monografia ou de pesquisa, salas de estudos, dentre outros.
O problema de infraestrutura se constitui, portanto, uma forma de precarização
do trabalho docente.
No que diz respeito as atividades de ensino, pesquisa e extensão, durante
o processo de entrevistas com os docentes, da coleta de informações no campo
empírico e da análise documental, procurou-se analisar as informações a fim de
perceber se, efetivamente, a mudança para IFET representou ou não mudanças
significativas no trabalho dos professores, na sua carreira, no trabalho com
pesquisa e extensão, enfim, buscaram-se indícios que apontassem um processo
de intensificação do trabalho.
Para estudar estas questões, definimos como critérios de análise da
intensificação: relação entre as matrículas e quantitativo de docentes; carga
horária por docente; funções desenvolvidas individualmente pelo docente de
acordo com sua carreira; o perfil dos professores ingressantes na instituição e
a clientela/alunos com faixas etárias, interesses diferenciados convivendo em
um mesmo ambiente e, às vezes, na mesma sala de aula; e, principalmente, a
diversidade curricular da instituição (COSTA, 2016).
No que se refere à relação entre as matrículas e quantitativo de docentes
nos campi analisados, observa-se que, em 2013, os campi estudados totalizavam
8.091 alunos matriculados, sendo que, destas matrículas, 77,49% eram na
Educação Profissional/Nível Técnico e 22,51% na Educação Superior. Do total
das matrículas, 58,25%% se davam em cursos regulares e 41,75% em programas
como PRONATEC, PROEJA, Programa de Apoio à Formação Superior em
Licenciatura em Educação do Campo (PROCAMPO), PARFOR etc.
Em 2013, as matrículas oscilaram nos três campi, sendo que, no ano de

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
215
2013, se comparado ao anterior, houve um decréscimo nas matrículas no campus
S. L.-Monte Castelo.
E neste ano de 2013, para atender a esta demanda de 8.091 alunos, de acordo
com dados da Diretoria de Gestão de Tecnologia da Informação (DGTI/IFMA), a
instituição contava com um quadro de 431 docentes (ativos e temporários).
Ao estabelecermos uma relação entre o quantitativo de matrículas e de
professores, percebe-se que, se utilizarmos o que preconiza o TAM (BRASIL,
2008c) de 20 alunos por professor, somente o campus S. L.-Monte Castelo atende
a esta exigência, demonstrando que nos outros dois campi há uma sobrecarga
de alunos por turma e, consequentemente, por docente. E se tomarmos como
parâmetro a OCDE (12,9 RAP), nenhum dos três campi atende ao que foi
estimado como ideal.
Em alguns depoimentos, esta questão é mencionada e torna-se mais
problemática quando a diversidade curricular e heterogeneidade na oferta de
ensino são consideradas como fator de intensificação do trabalho,

Nós trabalhamos no mesmo dia, às vezes no mesmo turno, com


os dois níveis. Eutrabalho, por exemplo, das 13h até as 14h50
com ensino médio e o terceiro, quarto, quinto e até a noite eu
vou trabalhar com ensino superior. Isso no mesmo dia, e assim
eu não trabalho só com uma disciplina existem semestres que
eu tenho cinco disciplinas diferentes em modalidades de ensino
diferentes que isso é super difícil. A minha carga horária média
aqui seria em torno de treze a quinze horas por semestre [...]
são turmas de trinta alunos, de vinte alunos. Já peguei turmas
do ensino superior até com sessenta alunos, a desse semestre
tem quarenta e cinco alunos, eu não consigo perceber qualidade
de ensino em turmas de ensino superior com quarenta e cinco
alunos, sessenta alunos principalmente na cadeira de meio
ambiente que eu tenho que levar aluno para o campo, não tem
como fazer campo com quarenta e oito alunos, sessenta alunos
(DSLMC08).

216 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

No excerto acima, percebe-se que o docente identifica vários pontos


comprovadores do estresse vivido no seu cotidiano profissional e que é o mesmo
relatado por vários entrevistados. A sobrecarga de alunos por turma, a atuação em
dois níveis de ensino e disciplinas diferentes no mesmo semestre, a diversidade
na clientela por conta da faixa etária e, portanto, de interesses, é, sem dúvida, um
desafio e um entrave que comprometem a qualidade do ensino na instituição.
No que diz respeito à média da carga horária por docente, a Resolução
087/2011 (MARANHÃO, 2011), em anexo, no artigo 19, que trata da carga
horária destinada às atividades de ensino, determina que,

A carga horária destinada às atividades de ensino, descritas no


Inciso I do artigo 2º, terá a seguinte distribuição: I – Docentes
com regime de tempo parcial com 20 horas semanais de trabalho
terão no mínimo 8 (oito) horas- aula; e II – Docentes com
regime de tempo integral com 40 horas semanais de trabalho
ou dedicação exclusiva terão no mínimo 12 (doze) horas-aula;
§ 1º No caso de não distribuição de horas-aula nos limites
previstos nos incisos I e II, será efetivada a complementação
de carga horária com as demais atividades de ensino, pesquisa
e extensão (IFMA, 2011, p. 9).

Convém ressaltar que as atividades de ensino, prescritas no inciso I do artigo


2º, são apenas atividades de sala de aula, na íntegra da resolução “artigo 2º - serão
consideradas atividades de ensino as ações de docência [...] compreendendo: I –
aulas; II - organização do ensino; e III - orientação acadêmica” (IFMA, 2011, p.
3, grifo nosso).
As atividades de ensino, pesquisa e extensão de que trata o §1º são definidas
nesta resolução como: ensino – aulas, organização do ensino e orientação
acadêmica; pesquisa – orientações em programas institucionais de iniciação
científica, coordenação de projetos de pesquisa reconhecidos pela instituição,
participação em grupos de pesquisas reconhecidospelo IFMA e cadastrados
no CNPQ, orientação e/ou registro de patentes institucionais, outras atividades

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
217
correlatas e reconhecidas pela Pró-Reitoria de Pesquisa Pós-Graduação e
Inovação (PRPGI); extensão – aulas e coordenação previstas em programas/
projetos de extensão, participação em programas de extensão financiados por
órgãos de fomento, assim como, toda atividade relacionada a atividades de
extensão (IFMA, 2011).
Deste modo, observa-se, que a carga horária dos docentes que desenvolvem
suas atividades em tempo integral (40 horas ou DE), no campus S.L-Monte
Castelo e S.L.-Centro Histórico, está perfeitamente dentro do que preconiza
a Resolução 087/2011 (IFMA, 2011) para as atividades de ensino, visto que a
maioria deles não ultrapassa 12 horas efetivas de sala de aula. Somente o campus
S. L. Maracanã excede um pouco este quantitativo de horas. Ressalta-se que esta
carga horária é referente à sala de aula e que 87% dos docentes têm entre 26 e 40
horas desenvolvidas em outras atividades de ensino, pesquisa e extensão.
Convém ressaltar, também, uma especificidade do campus S. L.-Monte
Castelo, que, por ser organizado por departamentos, apresenta cargas horárias
bem distintas. Verifica-se que dois departamentos apresentam carga horária
acima do que é definido na Resolução e que alguns departamentos estão com
carga horária muito abaixo. De acordo com os professores, a transformação para
IFET não acarretou um aumento significativo na sua carga horária de sala de
aula. Para eles, a mudança está na natureza do trabalho e nas atribuições que
foram incorporadas ao seu cotidiano profissional, assim como as exigências da
instituição com as outras atividades relativas à docência, como a pesquisa e a
extensão, que não era uma imposição para todas as instituições que integravam a
antiga rede (COSTA, 2016).
Outra mudança relatada diz respeito à diversidade curricular. Hoje, a
instituição trabalha com níveis, formas e modalidades bem diversificados, assim
como as políticas de programas, que já analisamos. Estas observações acerca
das exigências de outras atividades que não somente o ensino e a presença
da diversidade curricular foram recorrentes nos depoimentos de docentes da
carreira EBTT ou da EAF.

218 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

Penso que o grande problema que a gente enfrenta hoje


aqui no Campus S.L. Maracanã é por conta de um perfil de
institucionalidade que de fato é muito confuso. Assim em que
há muito da herança da educação técnica e que não consegue
acompanhar essa nova institucionalidade de conviver, coexistir
a educação superior, mas também educação de jovens e
adultos, ensino integrado, ensino subsequente que na verdade
é uma série de exigências para atuação no trabalho que não
faz parte da ossada de formação de boa parte dos professores,
até mesmo para quem é licenciado não é algo muito simples.
(DSLM03).

Não, não! Não aumentou o número de carga horária, ela


estabilizou, o mínimo de doze horas [...] O que acontece é que,
com a mudança para Instituto Federal, o professor ele pode ter
o seu trabalho de sala de aula afetado porque ele está sendo
hoje chamado a participar de mais programas fora da sala de
aula e isso pode comprometer a sala de aula dele se ele não
atentar para isso. Por exemplo, o professor hoje ele pode dar
aula no PARFOR, no PRONATEC, no PROEJA [...] o Instituto
virou uma instituição de programas. Programas, programas e
mais programas (DSLMC01).

Uma outra questão bastante apontada como um entrave para o trabalho


docente, que está articulada à diversidade curricular, é a clientela/alunos com faixa
etária diversa e, portanto, interesses diferenciados, convivendo, em um mesmo
ambiente e, às vezes, na mesma sala de aula. Esta é uma questão sutil e até certo
ponto comum em diversas instituições e, talvez, não se constituiria um problema
pedagógico, visto que a heterogeneidade e a diversidade no âmbito escolar é
uma realidade. Entretanto, nos institutos federais, isso é um complicador, devido
ao fato de que, nestas instituições, coexistem níveis, formas e modalidades e os
docentes vivem em sua maioria, no mesmo turno de trabalho, no mesmo semestre,
esta diversidade, alterando sobremaneira sua carga de trabalho e intensificando
qualitativamente suas atividades.

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
219
Uma questão que nos chama atenção e que vale ressaltar é que, nos três
campi estudados, dos 50 entrevistados, 20 docentes desenvolvem atividades
de sala de aula e ainda acumulam cargo de chefia. No campus São Luís-Monte
Castelo, são 15 Gestores/Docentes, com uma média de carga horária de 10 horas
em sala de aula. Todos têm projeto de pesquisas; sete ministram aula nos cursos
Técnicos, na Graduação e na Pós-Graduação, e oito somente na Graduação e Pós-
Graduação. Além disso, assumem coordenações de vários programas, projetos
e ações na instituição como: Coordenação do PRONATEC, Coordenação de
Programa de Educação Tutorial (PET), Coordenação do Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), Coordenação de Pós-Graduação,
Comissões, dentre outros.
No campus São Luís-Centro Histórico, são cinco Gestores/Docentes, com
média de carga horária em sala de aula de seis horas, além de desenvolverem
outras atividades acadêmicas e administrativas.
Apesar de a carga horária apresentada estar dentro dos padrões estabelecidos
pela Resolução 087/2011 (IFMA, 2011), que, no artigo 25, preconiza que os
docentes com Função Gratificada (FG) ou Cargo de Direção (CD) podem ter
carga horária dispensada, muitos professores alegaram que não o fazem porque o
quadro docente é escasso, ou porque a sua disciplina não conta docente disponível
para ministrá-la.
Percebeu-se, nas entrevistas, que o aumento na carga horária foi maior
nos campi do interior do Estado, como foi relatado por alguns docentes
entrevistados que iniciaram a docência no interior e que foram transferidos
para os campi da capital.
Quanto às funções desenvolvidas individualmente pelo docente de acordo
com sua carreira, as atribuições são bem definidas. O desconforto causado por
carreiras distintas na instituição relaciona-se ao fato de que os professores EBTT
são, regimentalmente, obrigados a desenvolver atividades nos níveis básico e
superior, quando muitos deles não têm o perfil para um desses níveis de ensino.

220 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

Exemplo disso é o relato de alguns professores que não se sentem confortáveis


em ministrar aulas no ensino superior, assim como professores da MS que não
têm afinidades com os cursos da educação básica.

Bastante complexo, bastante difícil. Para um percentual bem


significativo de profissionais do Instituto, que não tiveram
formação em licenciatura e estão na docência. O Instituto
mesmo tendo já assinado um Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC) com o Ministério Público, até hoje não foi ofertado curso
de formação docente para os bacharéis (DSLM01).

Tem várias questões difíceis de lidar [...] o público do superior


ele é completamente diferente do nosso público do técnico [...]
nesta diversidade de clientela os alunos mais adultos fazem
reivindicações que são necessidades de um público adulto.
O espaço é o mesmo, os professores são os mesmos, mas as
atividades bem diferenciadas. A carreira EBTT exige que o
professor atue no ensino superior e no ensino técnico, muitas
das vezes a gente não tem nem formação, nem know-how e
nem apoio institucional para lidar com essas diferenças. Mas
é fato, o fato dessa EBTT é que não sabemos exatamente o que
priorizar porque existem inúmeras exigências que o professor
EBTT tem que seguir, que são definidas na carreira, então você
precisa ser um pesquisador, mas você precisa ser também um
professor dos alunos adolescentes (GCCH02).

A diferença é que, para alguns professores da carreira MS, ministrar aulas


na educação básica do IFMA passa a ser um acordo entre chefias, coordenações
e docentes. Ou seja, o docente MS só ministra aulas no nível básico, caso queira
“contribuir” institucionalmente, e esta questão, em alguns casos, tem provocado
alguns problemas de relacionamentos entre os próprios docentes de carreiras
distintas e entre os docentes e gestores.

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
221
Ser docente enfim não é fácil, mas acho que ser docente do
IFMA eu acho que tem algumas especificidades eu acredito
que a maior [...] o maior problema é que nós temos uma
instituição que ela é híbrida. [...]dentro do campus, existe
uma rivalidade muito grande e essa rivalidade é com o ensino
superior, porque nós percebemos que o ensino superior ele
vive de sobras, sobrando sala do ensino médio, do ensino
técnico fica pro superior, entendeu? Então acho que esse é o
meu maior problema é um mal estar muito grande saber que o
ensino superior não é prioridade aqui (DSLMC10).

Quanto à pesquisa e à extensão no IFMA, a instituição tem alocado muitos


recursos neste setor, visto que é uma prioridade do governo federal disseminar na
nova rede o paradigma da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
No que se refere à instituição como espaço da prática acadêmico-científica
e em relação às mudanças no trabalho/carreira docente, nas condições de ensino,
pesquisa e a extensão no IFMA, por conta da sua diversidade curricular, após
as análises destas entrevistas, percebeu-se uma outra forma de intensificação do
trabalho docente.
Trata-se da intensificação que está diretamente relacionada ao volume
de trabalho dos professores frente à diversidade curricular da instituição e das
exigências deladecorrentes. Isso se materializa nas horas destinadas ao preparo
de aulas e atividades para uma clientela tão diversificada (de faixa etária,
interesses e níveis de ensino); na formação inicial que inexiste para atender a esta
diversidade; na exigência da pesquisa e da extensão, sem a infraestrutura física
adequada e, até mesmo, na formação de alguns docentes para este fim, dentre
outras questões.
No geral, observa-se um sentimento de que a expansão cumpre o seu
papel social, pois os IFETs, ao serem interiorizados, têm levado oportunidades
de ensino técnico e superior para as regiões que realmente dele necessitavam,
municípios que tinham uma demanda educacional reprimida muito significativa.
Mas, ao mesmo tempo, os docentes destacam a falta de planejamento, a rapidez

222 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

e a condução desta expansão, como um fator negativo que compromete a


qualidade dos serviços educacionais, inclusive trazendo impactos no seu
trabalho como docente.
Compreende-se, portanto, que, por ser uma instituição recém criada neste
novo formato ou nova institucionalidade, os docentes afirmam que esta identidade
ainda não está constituída ou definida. Entretanto, percebe-se também que esta
crise de identidade acontece pelo fato de que é bastante difícil, do ponto de vista
da organização do trabalho administrativo- pedagógico, criar uma identidade
numa instituição pluricurricular, com sérios problemas infraestruturais e com
uma expansão que aconteceu, nacionalmente, de forma abrupta e para atender a
um modelo de política para a EPT.

Consideraçoes finais

A criação e expansão de uma nova RFEPCT, tendo como modelo a


ifetização, além de modificar institucionalmente e juridicamente as instituições
seculares, trazem mudanças no trabalho do professor que atua nestes espaços, e
refletem diretamente no trabalho didático-pedagógico do docente.
A partir do ano de 2008, com a Lei n.º 11.892/2008 (BRASIL, 2008c),
o Governo Federal inicia o processo de expansão, via a nova RFEPCT e
criação dos IFETs, com o firme propósito de transformar estas instituições em
modelos para a consolidação desta modalidade de ensino para o país. Nesta
nova institucionalidade, o governo aglutina as instituições que faziam parte da
antiga rede e, nesta reestruturação, agrega ao trabalho docente novas exigências
e expectativas, devido a vários entraves que vão desde as dificuldades dos
docentes oriundos de uma formação inicial, em alguns casos, sem formação
pedagógica e com uma precária formação continuada que agudizam sua atuação
numa instituição pluricurricular e verticalizada, até a gestão administrativa
autocrática/engessada, identidade institucional confusa e a infraestrutura
inadequada ou inexistente.

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
223
Quanto ao trabalho docente, tendo como pressuposto a concepção de
intensificação de Rosso (2008) e de precarização de Alves (2007), compreende-
se que os desafios impostos pelo governo, ao criar os institutos, ocasionaram,
em alguns aspectos, a precarização e a intensificação do trabalho do professor.
No que diz respeito a precarização – carreira e infraestrutura – compreende-
se que as políticas e o trabalho no capitalismo são, por natureza, precários. A
precariedade é inerente a este sistema. Mas entende-se, também, que, no tocante
à carreira docente, além dos avanços, são percebidos retrocessos que apontam
para a precarização da carreira.
Os avanços estão relacionados à incorporação de gratificações ao
vencimento básico; vantagens ligadas à melhoria da remuneração, como é o
exemplo da RSC para a carreira EBTT; a criação da classe de professor titular
livre, concedendo a entrada de docentes mais qualificados. Observa-se, no
entanto, que, ao coexistirem duas carreiras distintas na mesma instituição, o que
se constitui em avanço para uma carreira transforma-se em retrocesso para a
outra. Deste modo, depreende-se que a carreira EBTT tem vantagens garantidas
na nova legislação e que a carreira MS não acompanha estes ganhos, como
citado no parágrafo anterior. Registra-se, ainda: a reforma previdenciária, que,
na análise de estudiosos e sindicatos, foi a forma encontrada pelo governo de
privatizar o sistema previdenciário, trazendo perdas trabalhistas; a coexistência
de duas classes de professores titulares; o aumento no período para promoção
por interstício; o ingresso na carreira que, independentemente da titulação
passa a vigorar como sempre no primeiro nível da classe, que anteriormente era
vinculada à titulação do servidor; a exigência somente da graduação ou a não
exigência da titulação stricto sensu para o ingresso nos institutos, todas estas
questões impactam a qualidade do trabalho gerando incertezas nos docentes.
Diante destas mudanças, corroboramos a ideia de muitos autores que está
em curso um processo de precarização do trabalho docente, tanto no âmbito dos
institutos como no de toda classe trabalhadora, sendo que no âmbito dos institutos,

224 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Elen de Fátima Lago Barros Costa e Maria Cristina dos Santos

a carreira MS encontra-se mais precarizada se comparada a EBTT. Percebe-se,


também, que se analisarmos sobre o ponto de vista da infraestrutura e condições
de trabalho ambas as carreiras foram precarizadas, visto que, a expansão da rede
não representou, efetivamente, melhorias no ambiente físico e nas relações de
trabalho. A expansão desordenada – reaproveitamento de instalações, recursos
humanos escassos – compromete o trabalho docente gerando insatisfação e perda
da qualidade dos serviços educacionais prestados a comunidade.
No que diz respeito à intensificação, é percebida, de forma sutil, na
quantidade do trabalho e mais contundente na qualidade/natureza deste trabalho.
As mudanças sutis aparecem no aumento pequeno, porém, gradativo da carga
horária dos professores e do quantitativo das matrículas em relação a força de
trabalho. E nesta questão, percebe-se que a carreira EBTT encontra-se mais
intensificada se comparada a MS.
Desde modo, as mudanças mais perceptíveis surgem na natureza dos
institutosde verticalização curricular, na atuação em dois níveis de ensino, na
atuação em cursos regulares e programas de qualificação que proporcionam a
pluralidade de faixa etária e interesses dos alunos, e esta heterogeneidade traz
grandes desafios para o docente e, nesta medida, também intensifica o seu
trabalho. A precarização, expressa nas mudanças na carreira e na infraestrutura
para o desenvolvimento das atividades pedagógicas, assim como a intensificação,
presente no aumento gradativo da carga horária e na modificação da natureza do
trabalho, embora sutis, são claramente perceptíveis, mesmo que com diferenças
entre as duas carreiras docentes que compõem os institutos.

TRABALHO E CARREIRA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHAO:


mudanças na natureza do trabalho do professor
225
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228 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL DE PROFESSORES NO BRASIL: DILEMAS DO
PERFIL DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO PROFESSOR

Ana Paula Ribeiro de Sousa51


Leonardo José Pinho Coimbra52
Samy Oliveira Silva53

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo discutir os aspectos


históricos e teóricos da formação de professores no Brasil que incidem sobre a
definição da sua identidade. Nesse percurso, contrapõem-se modelos de formação
distintos, que podem ser localizados nos cursos de formação em nível médio
(Escolas Normais), nos cursos de Pedagogia e nos cursos de Licenciatura, em
nível superior. De acordo com Saviani (2009), predominou, nos cursos normais
“o modelo pedagógico-didático de formação de professores”, voltado para a
preparação didático-pedagógica do futuro docente, tendo como inspiração o
ideário escolanovista, bastante influente partir da década de 1920. Com relação
aos cursos superiores ocorreu o contrário; centrou-se o ensino nas disciplinas
específicas, secundarizando os conteúdos específicos do núcleo pedagógico,
naquilo que foi conhecido como “modelo dos conteúdos culturais-cognitivos”
(SAVIANI, 2009). A partir dos anos 1990, a formação de professores passa
por profundas reformas, no sentido de superar as dicotomias previstas nos dois
modelos, além de propor uma aproximação maior com a prática. Tais reformas
se amparam nas influências de paradigmas pedagógicos que Duarte (2001)
conceitua de “pedagogias do aprender a aprender”, que abrangem, dentre outras,

51 Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Maranhão.


52 Doutor em Educação. Professor da Universidade Federal do Maranhão.
53 Estudante do curso de Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Humanas/Sociologia
da Universidade Federal do Maranhão.

229
a “teoria do professor reflexivo”, a “pedagogia dos projetos” e a “pedagogia das
competências”. Portanto, o objetivo do presente artigo é analisar esse percurso
histórico da formação de professores no Brasil, tomando como base a constituição
da identidade da formação profissional docente e seus dilemas a partir do seu
processo formativo. O método de análise utilizado foi o materialismo histórico-
dialético e os procedimentos de pesquisa foram revisão de literatura e análise
documental.
Palavras-chave: Formação de professores. Diretrizes curriculares.

1. Introdução

A formação de professores é uma problemática candente, sendo uma


preocupação teórico-prática que perpassa o campo educacional, pelo menos desde
que são instituídos os sistemas nacionais de ensino, no século XIX (SAVIANI,
2009), que denota uma preocupação do Estado Moderno com a instrução popular,
que deveria ser gratuita, laica e mantida às expensas do Estado. A preparação
dos professores emerge como uma problemática fundamental, com a criação
das primeiras instituições responsáveis pela formação do magistério, as Escolas
Normais. No Brasil, de acordo com Saviani (2009), a questão da formação de
professores surge de forma explícita após a independência, quando se cogita
a organização da instrução popular, sendo que nos anos 1930 são criados os
primeiros cursos superiores voltados à preparação para o magistério.
Nesse processo, foram constituídas diferentes formas de organização
dos cursos de formação profissional de professores no Brasil, acompanhando a
dinâmica da constituição da escola pública, erigindo modelos de formação que
se consagraram em determinados contextos históricos, forjando a identidade da
formação de professores no Brasil, dos cursos e das instituições formadoras.
Nesse percurso, contrapõem-se modelos formativos distintos, que podem
ser localizados nos cursos de formação em nível médio (Escolas Normais), nos

230 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

cursos de Pedagogia e nos cursos de Licenciatura, em nível superior. De acordo com


Saviani (2009), predominou, nos cursos normais “o modelo pedagógico-didático
de formação de professores”, voltado para a preparação didático-pedagógica do
futuro docente, tendo como inspiração o ideário escolanovista. Com relação às de
Pedagogia e licenciaturas ocorreu o contrário; centrou-se o ensino nas disciplinas
específicas de cada curso, secundarizando os conteúdos específicos da profissão
docente – os conteúdos didático – pedagógicos, naquilo que foi conhecido como
“modelo dos conteúdos culturais-cognitivos” (SAVIANI, 2009).
A partir dos anos 1990, a formação de professores passa por profundas
reformas, no sentido de superar as dicotomias previstas nos dois modelos de
formação, além de propor, principalmente no caso das licenciaturas, uma
aproximação maior com a prática. Contudo, tais reformas se amparam nas
influências de paradigmas pedagógicos que Duarte (2001) conceitua de
“pedagogias do aprender a aprender”, que abrangem, dentre outras, a “teoria
do professor reflexivo” e a “pedagogia das competências”, culminando com a
elaboração de diretrizes curriculares para a formação de professores.
Nesse artigo, pretende-se discutir as bases teóricas e o percurso histórico
da formação profissional dos professores no Brasil, e o papel que desempenha
na definição da identidade da profissão docente no Brasil. Como método de
análise foi utilizado o materialismo histórico-dialético e como procedimentos de
pesquisa foram utilizados pesquisa bibliográfica e análise documental.

2. O percurso histórico da formação de professores no Brasil e o dilema


da identidade da formação profissional do magistério.

A pedagogia tem como objetivo orientar a relação professor-aluno e


conduzir o processo de ensino e aprendizagem. Assim sendo, não se pode definir
como pedagogia as teorias que interpretam a educação a partir de sua relação com
o meio social e não almejam direcionar a atividade educativa (SAVIANI, 2005).

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
231
Para Saviani (2005) diferentes definições de educação podem ser divididas
em duas linhas de pensamento: a primeira perspectiva inclui as pedagogias
tradicionais, em sua vertente religiosa ou leiga, dominante até o final do século
XIX e que tinham, como ponto principal, a preocupação com as teorias e os
métodos de ensino. Enquanto a segunda, disseminada a partir do século XX e
denominada de Pedagogia Nova, trazia consigo novas formas de ensino, onde a
preocupação central era com as teorias da aprendizagem e com a maneira como
os alunos aprendiam os conteúdos.
Logo, o objetivo inerente à primeira vertente leva a valorização da
transmissão de conteúdos teóricos e do ensino centrado em disciplinas, enquanto
que a segunda valoriza os aspectos psicológicos, metodológicos e didáticos mais
apropriados para a aprendizagem do aluno, não concebida como decorrente da
transmissão de conteúdos, mas sim, da relação desses conteúdos com a atividade
prática do aluno, com a consequente sobreposição da prática sobre a teoria e
da aprendizagem sobre o ensino. Portanto, sobre a égide dessas concepções
hegemônicas de educação, se configurou teoricamente, ao longo da história, a
formação de professores no Brasil.
Como afirma Saviani (2009), no Brasil a questão do preparo de
professores surge de maneira específica no século XIX, após a independência,
como uma problemática inerente à organização da instrução popular. Segundo
Nóvoa (2019), foi nessa conjuntura que nasceu um corpo profissional voltado
para a educação popular e que normalizou o modelo escolar, transitando de
uma determinada desordem nos espaços educativos para uma forma estruturada
e padronizada de escola.
Nota-se que foi formado um contrato social e político entre a sociedade e
a escola, na qual esta se responsabiliza pela formação das crianças de maneira
efetiva e organizada. Contudo, no decorrer dos anos, é necessário que haja
aperfeiçoamentos, inovações e certas mudanças nesse tipo de contrato e na

232 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

formação do educador. E a partir daí, a formação docente passa por um longo


processo de descontinuidades nas políticas públicas ligadas ao tema.
No Brasil, a questão da formação docente emerge como uma preocupação
clara do Estado no contexto da Lei das Escolas de Primeiras Letras (1827), que
determina que os professores devem ser formados para o uso do método de
ensino mútuo, instituído como método oficial de ensino. Após o Ato Adicional à
Constituição de 1834, que promoveu a descentralização do ensino elementar para
as províncias, estas também assumiram a responsabilidade sobre a formação do
magistério, por meio da criação de Escolas Normais.
No entanto, esse movimento é caracterizado por Saviani (2009) como
intermitente, devido a abertura e fechamento desses estabelecimentos pelas
províncias, obtendo uma certa regularidade somente no período republicano,
sobretudo após a reforma da Escola Normal de São Paulo, em 1890, sendo que,
a partir desse momento, esse modelo se consolida também em outros estados.
A principal característica dessa reforma passa a ser “o enriquecimento dos
conteúdos curriculares anteriores e ênfase nos exercícios práticos de ensino,
cuja marca característica foi a criação da escola-modelo anexa à Escola Normal”
(SAVIANI, 2009, p. 145).
Contudo, esse modelo é criticado pelos reformadores de 1930, por
ser predominantemente centrado nos conteúdos gerais a serem transmitidos,
descuidando da formação pedagógica. Desde modo, um outro modelo é proposto,
o dos Institutos de Educação, concebidos por Anísio Teixeira, com forte inspiração
escolanovista. Com a reforma instituída pelo decreto nº 3.810, de 19 de março de
1932, a pretensão foi erradicar o antigo modelo das Escolas Normais e instituir
a Escola de Professores, com um viés mais voltado para o ensino e também a
pesquisa, “de maneira a incorporar as exigências da pedagogia, que buscava se
firmar como um conhecimento de caráter científico” (SAVIANI, 2009, p. 146).
Desta forma, de acordo com Saviani (2009, p. 146):

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
233
Caminhava-se, pois, decisivamente rumo à consolidação
do modelo pedagógico-didático de formação docente que
permitiria corrigir as insuficiências e distorções das velhas
Escolas Normais caracterizadas por “um curso híbrido, que
oferecia, ao lado de um exíguo currículo profissional, um
ensino de humanidades e ciências quantitativamente mais
significativo” (TANURI, 2000, p. 72).

A partir daí, abre-se caminho para a criação de cursos superiores de


formação de professores, voltados para atuação no ensino secundário e nas
Escolas Normais. No entanto, a incorporação do modelo proposto por Anísio
Teixeira, que integrava a formação geral, o preparo didático-pedagógico e o
aspecto de experimentação e pesquisa, realizadas nas escolas de aplicação, não se
realizou. Os primeiros cursos superiores de Licenciaturas e de Pedagogia foram
estruturados a partir do “modelo 3 + 1”, caracterizado por “três anos para o estudo
das disciplinas específicas [...] e um ano para a formação didática” (SAVIANI,
2009, p. 146), consolidado, nestes cursos, a dualidade histórica que caracterizou
a formação do magistério em nível superior a partir do modelo dos “conteúdos
culturais-cognitivos”, onde

os cursos de licenciatura resultaram fortemente marcados


pelos conteúdos culturais-cognitivos, relegando o aspecto
pedagógico-didático a um apêndice de menor importância,
representado pelo curso de didática, encarado como uma mera
exigência formal para a obtenção do registro profissional de
professor. O curso de Pedagogia, à semelhança do que ocorreu
com os cursos normais, foi marcado por uma tensão entre os
dois modelos (SAVIANI, 2009, p. 147).

Por meio do decreto-lei nº. 8.530, de 2 de janeiro de 1946, conhecido


como Lei Orgânica do Ensino Normal (Brasil, 1946), as Escolas Normais
passaram por uma reformulação que instituiu a divisão do curso normal em
dois ciclos (ginasial e colegial), sendo que no primeiro ciclo predominou

234 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

o ensino de disciplinas de cultura geral e no segundo, os fundamentos da


educação. Deste modo, pode-se afirmar que, “o aspecto pedagógico-didático,
em lugar de se constituir em um novo modelo a impregnar todo o processo
da formação docente, foi incorporado sob a égide do modelo dos conteúdos
culturais-cognitivos” (SAVIANI, 2009, p. 146).
Com a reforma instituída no período militar, as Escolas Normais são extintas
e a formação de professores para atuar nas séries iniciais do ensino fundamental
passa a ser uma habilitação específica (HEM), no âmbito da profissionalização
compulsória do ensino de 2º grau, imposta pela Lei n. 5.692/71. Deste modo,
“A formação de professores para o antigo ensino primário foi, pois, reduzida
a uma habilitação dispersa em meio a tantas outras, configurando um quadro
de precariedade bastante preocupante” (SAVIANI, 2009, p. 147). O currículo
da HEM era fragmentado entre disciplinas de cultura geral (núcleo comum) e
fundamentos da educação (parte diversificada), contemplando a preparação
didático-pedagógica do docente, realizada no 4º ano da habilitação.
Já a formação dos professores para as quatro últimas séries do 1º Grau
era ministrada em cursos de Licenciatura curta (3 anos de duração) e para o
Ensino de 2º Grau, em Licenciaturas plenas (4 anos de duração). O Curso de
Pedagogia, além da formação de professores para atuar na Habilitação Específica
de Magistério, recebeu a atribuição de formar os especialistas em Educação,
diretores de escola, orientadores educacionais, supervisores escolares e inspetores
de ensino, por meio das “habilitações”, esvaziando o caráter de formação para
a docência desses cursos, ao gosto do processo de “racionalização” da educação
imposto pela Pedagogia Tecnicista.
O que se conclui desse percurso histórico é a existência de uma contraposição
entre modelos de formação docente, além de uma descontinuidade e precariedade
das políticas de formação. A questão do preparo didático-pedagógico, associada
à formação geral, não foi devidamente equacionada pelos respectivos “modelos”
de formação, articulando, de forma insatisfatória, os aspectos do conteúdo e da
forma que caracterizam o processo de ensino (SAVIANI, 2009).

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
235
Na verdade, está implícita a ideia, sobretudo nas Universidades, que a
formação de professores se apoia no domínio específico dos conteúdos a serem
ensinados e que a formação didática é uma decorrência natural da “prática” ou
da experiência no exercício profissional. Outrossim, a identidade da formação
docente não se realiza a partir da ideia de docência enquanto núcleo da formação,
agregando conhecimentos específicos dos objetos a serem ensinados e as formas
mais adequadas para o ensino, em que pese o amplo movimento pela reformulação
dos cursos de Pedagogia e licenciaturas desencadeado a partir dos anos 1980,
no sentido de estabelecer a docência como base da identidade profissional e da
formação do professor.
A tendência geral é justapor a formação geral, oferecida pelo curso específico,
e a formação pedagógica, como um apêndice da formação do licenciado, a cargo
das Faculdades de Educação. Assim, do ponto de vista da indissociabilidade entre
forma e conteúdo, tem-se constituído, historicamente, um dilema da formação de
professores, que se apresenta nas formas abstraídas de conteúdo e vice-versa
(SAVIANI, 2009). Para Saviani (2009, p. 152) a superação desse dilema se daria
“recuperando a ligação entre os dois aspectos que caracterizam o ato docente, ou
seja, evidenciando os processos didático- pedagógicos pelos quais os conteúdos
se tornam assimiláveis pelos alunos no trabalho de ensino-aprendizagem”.
Ocorre que, nos últimos anos, a formação docente tem sido marcada pelo
processo de reformas neoliberais, que visam reconfigurar a formação desse
profissional ao gosto das diretrizes emanadas dos organismos internacionais, que
formularam uma agenda global de reformas que agregam a educação em sentido
amplo e a formação de professores, em particular, configurando uma nova etapa
do percurso histórico da formação docente no Brasil.

236 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

3. A formação de professores a partir da década de 1990: reconversão


do trabalho docente e as novas diretrizes para a formação do professor.

A década de 1990 é um marco nas políticas educacionais no Brasil ao


constituir um conjunto de reformas que visam adequar a educação as novas
demandas do mundo globalizado, marcado pelas mudanças no padrão de
sociabilidade capitalista que emerge no final do século XX (EVANGELISTA,
MORAES E SHIROMA, 2003), tendo como destaque a formação de professores
(MORAES, 2003). As preocupações com a formação de professores neste
início de século coincidem com as demandas que a educação escolar é instada
a assumir, diante dos desafios da assim chamada “sociedade do conhecimento”
(DUARTE, 2001), no bojo da atual onda de globalização neoliberal sob a égide
da acumulação flexível (HARVEY, 2001).
A formação de professores é reconhecida como elemento fundamental,
fomentando um debate em torno dos seus pressupostos teóricos e da organização
curricular dos cursos de formação de professores, visando adequá-la às demandas
de formação geral apresentadas no contexto do capitalismo neste final de século.
Tais demandas, correspondem a formação de trabalhadores de novo tipo
(MACEDO, 2020), vista como uma necessidade para a expansão das novas
formas de reprodução do capital, sob bases cada vez mais instáveis, demandando
a formação de uma “nova subjetividade” atrelada à necessidade de gestão do
trabalho e da pobreza pelo Estado e pelo capital. Por isso, a centralidade atribuída
ao professor e sua formação extrapolam a esfera educacional, sendo ampliada para
a esfera política e econômica, adquirindo um caráter estratégico (SHIROMA;
EVANGELISTA, 2003).
Nesse cenário, são definidas as políticas de formação de professores
também de novo tipo (MACEDO, 2020), “no sentido de que esses trabalhadores
também se adaptem às novas exigências do mundo da produção e, dessa forma,
sejam responsáveis pela formação do trabalhador de novo tipo” (MACEDO,

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
237
2020, p. 65), afeitos às constantes mudanças e instabilidades geradas por uma
base produtiva flexível, automatizada e globalizada.
A formação de professores adquire centralidade na reforma, que, nos termos
de Dale (apud EVANGELISTA e SHIROMA, 2007), se configura como uma
“Agenda globalmente estruturada” (AGEE)54, que se constitui na dinâmica entre
os países centrais e periféricos, no sentido de “produzir, nas diferentes regiões do
mundo, um professor com inúmeros elementos em comum, instrumentalizados
com objetivos assemelhados” (EVANGELISTA; SHIROMA, 2007, p. 533).
A aprovação de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996,
foi o marco inicial dessas reformas no Brasil, promovendo um profundo ajuste
no regramento jurídico no que se refere à formação de professores, sobretudo no
que diz respeito à flexibilização de seus formatos e instâncias formativas, abrindo
espaço para uma nova configuração quanto aos modelos de formação até então
existentes.
Apesar de instituir a obrigatoriedade da formação do magistério em nível
superior em curso de licenciatura de graduação plena para atuar na maioria dos
segmentos da educação básica, a LDB abre precedente para que essa formação
ocorra em diversos tipos de instituições55 e mantém o curso normal como
possibilidade de formação de professores para atuação na educação infantil e
séries iniciais do ensino fundamental.
Portanto, além dos cursos normais em nível médio, do curso de Pedagogia

54 Esse conceito sugere que, apesar de não ser possível homogeneizar países e regiões, por
conta de sua posição distinta no bojo da divisão internacional do trabalho e das dinâmicas internas
específicas, há lineamentos originários das agências multilaterais, articulados aos interesses dos
países capitalistas hegemônicos em torno de uma agenda comum de reformas educacionais. Dentre
esses lineamentos, podemos citar: financiamento, avaliação, gestão, controle, descentralização e
responsabilização.
55 A exemplo do Decreto 2.306/1997, que reformula o sistema federal de ensino e,
posteriormente, o Decreto 3.860/2001, que regulamenta a atuação das IES privadas com fins
lucrativos e institui diferentes modelos de organização institucional (faculdades, centros
universitários e universidades), rompendo com o padrão universitário de educação superior,
pautado na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

238 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

e Licenciaturas, ofertados por instituições de ensino superior (universidades,


faculdades e centros universitários), a formação de professores poderia ser
realizada em outros formatos (a exemplo do curso Normal Superior) e por meio
dos Institutos Superiores de Educação56. Deste modo, “Seguiu-se uma acelerada
privatização do ES, sua configuração como Educação Terciária e a dispersão da
formação docente em uma miríade de formatos institucionais” (SHIROMA et al.
2017, p. 36).
Nesse processo, ocorre um importante movimento de deslocamento da
formação de professores das universidades para as instituições não-universitárias,
estas últimas situadas majoritariamente no setor privado, com menores exigências
de qualidade acadêmica. Cabe destacar também o expressivo crescimento
da oferta de cursos de formação de professores na modalidade de Educação a
Distância (EaD), tanto no setor público, quanto no privado.
De acordo com Malanchen (2007), entre 1995 e 2006, a EaD se tornou a
principal estratégia de formação docente do Estado brasileiro em qualquer das
esferas, pública ou privada, tendência iniciada no governo FHC e não rompida
no Governo Lula57. De acordo com Mandeli (2014, apud SHIROMA et al, 2017),
após 2006, a esfera privada dominou as licenciaturas em Ead no Brasil. De 2002 a
2012, as matrículas nesta modalidade cresceram 7.200% na rede privada e 317%
na rede pública (SHIROMA et al, 2017).

56 A intenção seria colocar os ISE como lócus inicialmente exclusivo e posteriormente


preferencial da formação inicial e continuada de professores, em detrimento da universidade,
constituindo um sistema a parte voltado para a formação desse profissional, dotada de um forte
caráter técnico e instrumental (BAZZO; SCHEIBE, 2013).
57 É importante destacar iniciativas importantes do governo federal visando ampliar a
oferta de educação a distância nas instituições públicas, como foi o caso da Universidade Aberta
do Brasil (UAB), criada por meio do Decreto 5.800/2006. De acordo com Mandeli (2014, apud
SHIROMA et al, 2017), em 2013, a UAB ofereceu 28,49% das 449.966 matrículas em cursos de
licenciatura na modalidade EaD; de 2005 para 2012 o crescimento percentual das matrículas via
UAB foi de 116.441,82%.

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
239
Este deslocamento faz todo o sentido na lógica de “reconversão”58 do
professor (SHIROMA et al, 2017) operada pelas organizações multilaterais
(Banco Mundial, BID, UNESCO, CEPAL, OCDE), empresariais, mídias e
intelectuais que defendem abertamente a adesão a projetos de formação docente
mais direcionados às demandas contemporâneas. Portanto, a manutenção de um
único padrão de formação superior – o universitário – estaria ultrapassado. A
adoção de um padrão de formação pautado em competências e habilidades, mais
flexível e dinâmico, tendo por fundamento a prática em detrimento da teoria, passa
a ser a referência para a formação de professores para o século XXI. De acordo
com Shiroma et al. (2017), a reconversão do professor esvazia sua formação em
termos teóricos e políticos.
No entanto, para justificar ideologicamente a reconversão docente se fez
necessário construir a imagem do professor desqualificado e responsabilizá-lo
por sua formação, legitimando, assim, a reconversão da formação docente sobre
novas bases. Segundo as recomendações do Banco Mundial:

Ao invés de cursos orientados pela teoria, os programas de


formação desenhados a partir das evidências de observação de
sala de aula usam vídeos e exercícios práticos para transmitir
técnicas eficazes de gerenciamento da sala de aula, para
utilização de materiais de aprendizagem e para manter os
alunos envolvidos e “ocupados”. Esta formação orientada
para a prática é a nova direção nos países da OCDE (BANCO
MUNDIAL, 2010, p. 10, apud SHIROMA et al. 2017).

58 O fenômeno da reconversão docente parte de um processo amplo de reconversão


laboral ocorrido no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, referido como reestruturação produtiva,
abertura de mercados e reforma do Estado, que deram maior visibilidade às mudanças nas
relações capitalistas de produção (desemprego estrutural, reconversão do mundo do trabalho,
em função das transformações tecnológicas e das novas formas de gestão do trabalho e da
produção), exigindo mudanças na (con)formação da força de trabalho, como forma de garantir
a empregabilidade, que consiste na responsabilização individual do trabalhador pela sua própria
inserção e permanência no mercado de trabalho (SHIROMA at al. 2017).

240 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

Do ponto de vista teórico e ideológico, a inspiração para essas reformas


se encontra em um conjunto amplo e diversificado de teorias pedagógicas,
caracterizadas por Duarte (2001) como “pedagogias do aprender a aprender”,
que abrangem, dentre outras, a Pedagogia das Competências, o Construtivismo,
a Pedagogia dos Projetos e a Teoria do Professor Reflexivo. Segundo este autor,
o que melhor define essas concepções seria a negação das formas clássicas de
educação, mais especificamente, do ato de ensinar, estando inteiramente em
sintonia com o universo ideológico contemporâneo, marcado pelo neoliberalismo
(DARDOT; LAVAL, 2018) e pelo pós-modernismo (CHAUÍ, 2001).
Para Duarte (2010), tais pedagogias induzem a um enfoque pragmático59
e utilitarista da educação escolar e da formação de professores, a medida em que
a ordem social existente (as relações sociais capitalistas) é reificada como único
horizonte de sociabilidade possível, cabendo a educação preparar os indivíduos
para viver nesta sociedade. Assim, o conceito de prática não subentende seu
sentido mais amplo, enquanto prática social humana, aberta para a temporalidade
histórica e como produto das ações humanas, mas sim, apenas na dimensão
da cotidianidade imediata, a realidade presente, cuja posição dos sujeitos seria
simplesmente adaptativa.

Nessa perspectiva, o conhecimento é visto como uma ferramenta


na resolução de problemas, e a prática cotidiana determinaria a
validade epistemológica e pedagógica dos conteúdos escolares.
Atualmente essa ideia é denominada como aprendizagem
significativa ou conteúdos contextualizados. Ensinar conteúdos
que não tenham utilidade no cotidiano do aluno tornou-se uma
atitude antipedagógica (DUARTE, 2010, p. 37).

Tal atitude de reificação, diante da realidade social existente, se sustenta


sobre a tendência relativista inspirada a partir da postura epistemológica pós-

59 É importante mencionar a filiação do escolanovismo, outra referência das pedagogias do”


aprender a aprender”, ao pragmatismo, cujo principal expoente é John Dewey.

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
241
moderna, que consiste em uma negação da verdade objetiva em detrimento de
narrativas, versões relativas da história, que variam de acordo com o “olhar”
do sujeito, o que significa a negação de uma perspectiva de totalidade da
realidade social. Isto traz uma implicação pedagógica de suma importância: a
impossibilidade de se constituir um currículo universal, uma vez que cada aluno,
cada comunidade, cada escola, tem sua “realidade”.
Assim, a noção de conhecimento universal e a perspectiva de totalidade
se esfacela, bem como a ideia de um currículo baseado na transmissão desses
conhecimentos.
Portanto, se o único critério legítimo para eleger o que ensinar na escola
passa a ser a prática cotidiana e o valor do conhecimento advém do seu caráter
utilitário, nada melhor que substituir o ensino de conteúdos pelo desenvolvimento
de competências e habilidades requeridas pela prática, que o método de trabalho
privilegiado na escola seja a aprendizagem por projetos, a partir de temas de
interesse para a vida cotidiana dos alunos, e não de um currículo previamente
prescrito e sistematizado, baseado em conteúdos universais. Deste modo, a
função do professor seria também redirecionada.

O professor deixa de ser um mediador entre o aluno e o


patrimônio intelectual mais elevado da humanidade, para ser
um organizador de atividades que promovam o que alguns
chamam de negociação de significados construídos no cotidiano
dos alunos. Mesmo quando os projetos surgidos nas atividades
escolares demandem algum tipo de conhecimento proveniente
do campo da ciência, o que articula os conhecimentos é o
objetivo de formação de habilidades e competências requeridas
pela prática cotidiana (DUARTE, 2010, p. 38).

Seguindo uma coerência com esta concepção educacional, a formação


de professores também deveria ter seus fundamentos na prática cotidiana e ser
estruturada a partir de competências e habilidades, pois:

242 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

o conhecimento decisivo para as decisões que o professor


toma em sua atividade profissional não é aquele proveniente
dos livros e das teorias, mas o conhecimento tácito que se
forma na ação, no pensamento que acompanha a ação e no
pensamento sobre o pensamento que acompanha a ação
(DUARTE, 2010, p. 42).

Assim, a (des)qualificação do professor, calcada na prática cotidiana e


destituída de fundamentos teóricos, filosóficos e científicos, sobre a qual deve
se estruturar o ensino, ganha força, promovendo o esvaziamento da formação
e, consequentemente, a desintelectualização do professor (EVANGELISTA;
SHIROMA, 2007). Conforme aponta Moraes (2003), a prática destituída de reflexão
teórica parece responder bem às atuais demandas, além de ser pragmaticamente
mais eficaz. Contudo, afirma-se o caráter contraditório dessas posições, pois, como
formar um professor capaz de refletir sobre sua prática se lhe são negados, em sua
formação, os fundamentos para a compreensão dessa prática?
Ficam instituídas as bases para a formação de professores na atualidade,
as quais se inserem nas diretrizes curriculares que foram elaboradas ao longo
da década de 1990 e 2000. Tais diretrizes se consubstanciam em uma gama de
documentos e dispositivos legais, que fornecem o aparato jurídico necessário
para a reconversão da formação docente, proporcionando “uma verdadeira
reconstrução na organização e desenvolvimento dos cursos de licenciatura
e, consequentemente, a exigência de uma efetiva mudança de mentalidade60
dos formadores que neles atuam e das instituições que os abrigam” (BAZZO;
SCHEIBE, 2013, p. 23).
Como exemplos dessa farta regulamentação, tem-se a Resolução CNE/

60 É importante ressaltar que o processo de reconversão da formação docente também depende


de um estabelecimento de consenso entre os que atuam na formação docente, desafiando suas concepções
acerca desse processo. Não por acaso, muitos eventos têm sido promovidos com o objetivo de difundir essa
concepção entre esses docentes.

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
243
CP nº 1/2002, que instituiu as diretrizes curriculares nacionais para a formação
de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura de
graduação plena. Tal resolução vigorou até o ano de 2015, quando foi revogada
após a aprovação da Resolução CNE/CP nº 2, que a substituiu. No entanto, é
importante destacar o conteúdo desta resolução, a fim de demonstrar a apropriação
dos pressupostos teóricos e ideológicos que presidem a formação de professores
na atualidade, os quais são praticamente retomados por meio da aprovação da
atual Resolução CNE/CP nº 2/2019, que institui a base curricular nacional para a
formação de professores (BNC-Formação).
O documento apresenta a concepção de competência como nuclear na
estruturação dos projetos de formação docente, além disso, aponta que a formação
de professores deve ocorrer em um contexto similar ao que irá atuar, buscando a
coerência entre a formação e o que se espera do professor no seu local de trabalho
(simetria invertida). A prática também é elevada ao posto de objeto preferencial
de investigação no contexto da pesquisa que possa ser produzida nos cursos de
formação de professores (se é que ela existe em contextos como as faculdades
e institutos de formação de professores sem configuração universitária). Desta
forma, amplia-se o pressuposto de reificação da prática, uma vez que a formação
na e pela prática não comporta, obviamente, um questionamento crítico ou a
possibilidade de transformação dessa prática, mas uma melhor instrumentação
para a ação.
De modo semelhante, a atuação prática possui uma dimensão
investigativa e constitui uma forma não de simples reprodução
mas de criação ou, pelo menos, de recriação do conhecimento.
A participação na construção de um projeto pedagógico
institucional, a elaboração de um programa de curso e de planos
de aula envolvem pesquisa bibliográfica, seleção de material
pedagógico etc. que implicam uma atividade investigativa que
precisa ser valorizada (PARECER CNE/CP n. 9/2001, p. 24).

Entretanto, a formação do professor como um intelectual, no âmbito das

244 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

licenciaturas, fica secundarizada mediante a necessidade de instrumentalização


para prática. Assim, segundo o Parecer do CNE, o conhecimento valorizado na
formação de professores é um tipo de conhecimento que deve ser constituído na
prática e, de maneira nenhuma, sobre a prática, já que, antes de tudo, se trata de
“aprender a ser professor” (SHIROMA, 2003, p. 72).
Nota-se um processo de hipostasia da prática na formação de professores,
uma vez que esta dimensão deve ser contemplada durante todo o curso (Art. 12,
§§ 1º, 2º e 3º). A flexibilidade quanto aos formatos inovadores de cursos propostos
pelas instituições formadoras também é prevista na resolução, fomentando a
diversificação e a fragmentação de modelos formativos.

Ela (a prática) terá que ser uma atividade tão flexível quanto
outros pontos de apoio do processo formativo, a fim de dar
conta dos múltiplos modos de ser da atividade acadêmica
científica. Assim, ela deve ser planejada quando da elaboração
do projeto pedagógico e seu acontecer deve se dar desde o
início da duração do processo formativo e se estender ao longo
de todo o seu processo (PARECER CNE/CP Nº. 28/2001, p. 7).

Entretanto, chama a atenção a redução da carga horária dos cursos de


licenciatura, que foi estabelecida em um mínimo de 2.800 horas e três anos
para integralização, conforme a Resolução CNE/CP nº 2/2002, que instituiu
a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura. Além disso, é atribuída
uma carga horária de 800 horas destinadas, especificamente, para atividades
práticas, envolvendo tanto o estágio curricular (400 horas), quanto a prática
como componente curricular (400 horas), distribuídas ao longo do curso. Isso
demonstra que, de fato, o prolongamento do tempo de formação acadêmica do
docente é algo desnecessário, pelo seu viés excessivamente teórico e distanciado
da prática cotidiana. Por essa lógica, a formação inicial poderia ser mais enxuta e
flexível, complementada pela formação continuada.
Pelo que se percebe, o problema da relação teoria e prática, e ainda, a questão

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
245
da identidade dos cursos de formação de professores não foi adequadamente
equacionada nas diretrizes curriculares.
O esforço em recuperar a identidade das licenciaturas, tendo a docência
como núcleo da formação, foi desencadeado pela atuação coletiva de diversas
entidades da área de educação (ANFOPE, ANPED, CNTE, CEDES, FORUMDIR),
denunciando, justamente, o caráter de sobreposição das duas dimensões nos
cursos de formação de professores, a fragmentação da formação (professor x
especialista) e recolocando a questão da indissociabilidade entre teoria e prática.
Nesse sentido, ganha força a ideia de uma base nacional comum para a
formação de professores, com incidência sobre a docência e o trabalho pedagógico
com núcleo constitutivo e constituinte da formação (DOURADO, 2013). Na
análise de Freitas (2012, apud DOURADO, 2013, p. 376), a concepção de uma
base comum nacional remete

ao caráter sócio histórico dessa formação, a necessidade


de um profissional de caráter amplo, com pleno domínio e
compreensão da realidade do seu tempo, com desenvolvimento
da consciência crítica que lhe permita interferir e transformar
as condições da escola, da educação e da sociedade. Com essa
concepção emancipadora de educação e formação, avançou
no sentido de buscar superar as dicotomias entre professor
e especialistas, pedagogia e licenciaturas, especialistas e
generalistas [...] construir a concepção de profissional da
educação, que tem na docência e no trabalho pedagógico sua
particularidade e especificidade.

Como resultado dessa articulação e fruto de uma conjuntura política mais


favorável ao diálogo com as organizações científicas, profissionais e de classe e
da academia junto ao governo federal61, foi possível a ampliação do debate que

61 O período de 2003 a 2015 foi um momento profícuo no avanço dos debates e das
políticas no âmbito da educação de cunho mais progressista e de caráter democrático. Podemos
citar a realização das Conferências Nacionais de Educação (CONAES) para discussão do novo
Plano Nacional de Educação, com participação ampla da sociedade, a criação do Fórum Nacional

246 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

culminou com a proposição de novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)


para a formação docente, pautada nos princípios defendidos pelas organizações
científicas e profissionais do setor educacional, dentre os quais: a sólida formação
teórica e interdisciplinar em educação, com base nos conteúdos específicos a
serem ensinados na educação básica, bem como nos conteúdos especificamente
pedagógicos, renegando a concepção de competências; a atividade docente como
foco da formação, compreendendo essa atividade para além de sua dimensão
prático-instrumental, e do trabalho como princípio educativo; integração teoria e
prática e contato com a realidade escolar desde o início do curso; a pesquisa como
princípio cognitivo e formativo; articulação entre formação inicial, continuada e
a valorização dos profissionais da educação (DOURADO, 2013).
A partir dessa concepção, foi aprovada a Resolução CNE/CP n. 2/2015,
contendo novas diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial e
continuada e valorização dos profissionais do magistério da educação básica62.
Assentada sobre a concepção de base nacional comum63, a Resolução ampliou a
carga horária das licenciaturas64 (mínimo de 3200 horas, com duração de 4 anos),
preferencialmente na modalidade presencial, apresentou maior organicidade
entre a formação inicial, continuada e a valorização docente e pautou-se em uma
sólida formação docente.

de Educação (FNE), além da elaboração de uma farta legislação de amparo ao direito à educação.
Para maiores detalhes sobre este período, ver Dourado (2013).
62 Sobre o processo de elaboração da Resolução, ver Dourado (2015).
63 De acordo com Dourado (2013), a concepção de base comum nacional é distinta de base
curricular nacional, pois se apoia no estabelecimento de diretrizes comuns, mas que comportam
uma diversificação e autonomia das instituições formadoras. “Ou seja, trata-se do estabelecimento
de diretrizes nacionais para a formação de professores que garantam unidade na diversidade, o que
não se coaduna com a padronização ou rigidez curricular” (DOURADO, 2013, p. 377). Assim,
a Resolução n. 2/2015 propõe a organização do currículo dos cursos de formação de professores
em três núcleos de estudos, a saber: núcleo de formação geral, núcleo de aprofundamento e
diversificação de estudos e núcleo de estudos integradores (art. 12).
64 A resolução define a formação inicial dos profissionais do magistério em cursos de
primeira licenciatura, com carga horária mínima de 3.200 horas, cursos de segunda licenciatura,
com carga horária entre 800 e 1.200 horas e formação pedagógica para graduados não licenciados,
com carga horária de 1000 a 1400 horas.

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
247
Art. 5o. A formação de profissionais do magistério deve
assegurar a base comum nacional, pautada pela concepção
de educação como um processo emancipatório e permanente,
bem como pelo reconhecimento da especificidade do trabalho
docente que conduz à práxis como expressão da articulação
teoria e prática e à exigência de que se leve em conta a realidade
dos ambientes das instituições educativas da educação básica e
da profissão (RESOLUÇÃO n. 2/2015).

A Resolução estabelece que a instituição formadora deverá definir no


seu projeto institucional as formas de desenvolvimento da formação inicial
dos profissionais do magistério da educação básica, fortalecendo sua definição
como uma política institucional, em articulação com o sistema de ensino e as
instituições de educação básica.

as novas DCNs enfatizam a necessária organicidade no processo


formativo e sua institucionalização ao entender que o projeto
de formação deve ser elaborado e desenvolvido por meio da
articulação entre a instituição de educação superior e o sistema
de ensino e instituições de educação básica, envolvendo a
consolidação de Fóruns Estaduais e Distrital Permanentes
de Apoio à Formação Docente, em regime de cooperação e
colaboração (DOURADO, 2015. p. 307).

Cabe ressaltar que as Diretrizes visam conferir uma maior organicidade


e identidade dos cursos de licenciatura pautada na formação para o magistério e
não como subárea ou um apêndice dos bacharelados.

as novas DCNs definem que essa formação inicial proposta


requer projeto com identidade própria de curso de licenciatura
sem prescindir de articulação, no que couber, com os cursos
de bacharelado ou tecnológico, a outra(s) licenciatura(s) ou
a cursos de formação pedagógica de docentes (DOURADO,
2015. p. 309).

248 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

Outro avanço importante trazido pela Resolução nº 2/2015, se refere


a superação da concepção de competências e a estruturação do currículo
dos cursos de formação de professores a partir de conteúdos que expressam
os conhecimentos necessários à docência, numa perspectiva ampla, que
proporcione ao graduado um visão integral do processo educativo e de seus
fundamentos, incluindo o ensino e a gestão dos processos educativos escolares
e não escolares, a produção e difusão do conhecimento científico, tecnológico
e educacional (DOURADO, 2015).

Os cursos de formação deverão garantir nos currículos


conteúdos específicos da respectiva área de conhecimento
ou interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem
como conteúdos relacionados aos fundamentos da educação,
formação na área de políticas públicas e gestão da educação,
seus fundamentos e metodologias, direitos humanos,
diversidades étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de
faixa geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras) e direitos
educacionais de adolescentes e jovens em cumprimento de
medidas socioeducativas (DOURADO, 2015. p. 309).

Com a mudança da conjuntura política pós 2016, que reconduziu ao poder


grupos tradicionais da política nacional, a partir do impeachment da Presidente
Dilma Rousseff, houve uma inflexão no campo das políticas educacionais e nas
políticas de formação de professores. É importante ressaltar que com o retorno do
PSDB à base de apoio do governo Michel Temer, houve um retorno da perspectiva
educacional hegemônica nos governos de Fernando Henrique Cardoso no MEC e
CNE, responsáveis pela elaboração de referenciais curriculares pautados sobre a
mesma base epistêmica identificada com as “pedagogias do aprender a aprender”,
que inspirou a elaboração dos Parâmetros e Diretrizes Curriculares Nacionais
para a educação básica e para a formação de professores na década de 1990.
A elaboração de novos referenciais curriculares para a educação básica, a

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
249
partir da ideia de base nacional comum, teve início em 2015, no segundo governo
de Dilma Rousseff. Com o avanço da agenda liberal conservadora, defendida
pelos grupos políticos tradicionais que passam a ocupar o MEC e o CNE, além do
setor empresarial, à exemplo do “Movimento Pela Base”, as discussões em torno
da construção da Base Nacional Comum Curricular- BNCC para a educação
básica se intensificaram, sendo que em menos de três anos o documento foi
aprovado65.

A Base se constitui como referência nacional obrigatória para


a elaboração dos currículos municipais, estaduais e do Distrito
Federal. É parte integrante da política nacional de educação
básica e objetiva alinhar-se a outras políticas como formação
docente, avaliação e infraestrutura básica para desenvolvimento
educacional em todo território nacional (ALBINO; SILVA,
2019, p. 142)

Com a aprovação da BNCC, é retomada a noção de competências66


como base para a organização do currículo e da avaliação da educação básica,
inspirada nos modelos internacionais67 e nos padrões da OCDE, que se impõem
através das avaliações internacionais, como o PISA. Em decorrência do caráter
prescritivo do currículo, engessado pelas competências e habilidades exigidas
pela Base, resta pouco espaço para a autonomia das redes e escolas na proposição

65 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi aprovada no dia 22 de dezembro de


2017, por meio da Resolução n° 2 do Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno (CNE/
CP). Sobre a participação de atores e organizações ligadas ao setor empresarial junto ao
CNE pela aprovação da Base, verA BNCC é “um documento de caráter normativo que define o
conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais” (BRASIL, 2018, p. 7), que deve ser observado
pelas redes de ensino e escolas particulares na tarefa de construir seu currículo, com base nas aprendizagens
estabelecidas.
66 EVANGELISTA; FIEIRA; TITTON (Diretrizes para formação docente é aprovada na calada
do dia: mais mercado - Universidade à Esquerda (universidadeaesquerda.com.br).
67 A noção de competência é compreendida como: “a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e
valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do
mundo do trabalho” (BRASIL, 2018).

250 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

do currículo, uma vez que as referidas competências, que serão avaliadas nos
exames nacionais de avaliação da qualidade do ensino, também serão alinhados
à BNCC. De acordo com Albino e Silva (2019) o comum na BNCC é o todo
objetivado e descrito em ações, conteúdos, habilidades e competências, deixando
“evidente a compreensão de manual detalhado em torno das competências e
habilidades, subposicionando o professor a um executor de tarefas pedagógicas”.
(IDEM, p. 143).
Diante da necessidade de alinhar a formação de professores a nova BNCC68,
foram elaboradas novas diretrizes curriculares para a formação de professores,
assentadas nos mesmos princípios que orientam a BNCC. Em 2019, foi aprovada
a Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019, que define as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação
Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores
da Educação Básica (BNC-Formação)69.

A proposta da Base Nacional Comum, apresentada


em dezembro de 2018, no final do Governo Temer,
consiste, em grande medida, na reafirmação e na
atualização de princípios e estratégias constantes
da Resolução nº 1/2002 e na assimilação de estraté-
gias constantes nas Metas 13, 15, 16 e 18, do PNE
(2014- 2024), relativas a instrumentos de avaliação
e processos de certificação e admissão de cursos de
professores [...] A proposta da Base Nacional Co-
mum tem por objetivo adequar a formação de pro-
fessores à BNCC, no entanto, a unidade entre estes

68 Sobre as experiências internacionais nas quais se inspiram a elaboração da BNCC, ver


FREITAS (2019) (Ponhamos fim ao experimento neoliberal na educação: lições que vêm do
Chile | FORMAÇÃO DE PROFESSORES – BLOG DA HELENA (formacaoprofessor.com)
69 Tal alinhamento está previsto nos artigos 5º, § 1º, e no artigo 17, da Resolução do CNE/
CP nº 2/2017, que instituiu a BNCC e também na Resolução CNE/CP no. 2/2019, Art. 3º “Com
base nos mesmos princípios das competências gerais estabelecidas pela BNCC, é requerido do
licenciando o desenvolvimento das correspondentes competências gerais docentes”.

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
251
documentos já está assegurada, visto que estão an-
corados na perspectiva da formação por competên-
cias (ALBINO; SILVA, 2019, p. 146).

Os dois eixos que sustentam as atuais diretrizes para a formação de


professores se constituem em formação por competências alicerçadas na prática
– tomando a BNCC como referência – e a padronização curricular alinhada à
BNCC. As competências previstas na BNC-Formação, comporta três dimensões:
conhecimento profissional, prática profissional e engajamento profissional (Art.
4o. §§. 1º, 2º e 3º). De acordo com a ANFOPE (2021, p. 27) “um conjunto
de competências gerais e específicas, com habilidades correspondentes que
padronizam a formação de professores, recaindo numa matriz prescritiva,
neotecnicista, com foco central no saber fazer docente”. Ao retomar as mesmas
concepções subjacentes à Resolução CNE/CP nº 2/2001, as atuais diretrizes
retomam o paradigma de formação docente estruturado sobre a ação e reflexão
sobre a prática e no desenvolvimento de competências com paradigma oficial
de formação docente no Brasil. As atuais diretrizes retomam também a ideia de
constituir, a partir delas, um sistema de certificação de competências docentes
como critério para ingresso e progressão na carreira, alinhando a formação inicial
e continuada à perspectiva das diretrizes, exercendo um controle quase total
sobre a formação docente, retirando, deste modo, a autonomia das instituições
formadoras e reforçando sua sujeição à Base.
Além disso, descaracteriza o percurso formativo da docência com uma
qualificação específica obtida através de uma formação e de um diploma, uma
vez que propõe a certificação da competência como critério para avaliação do
saber-fazer docente, abrindo um precedente para a descaracterização da profissão
do magistério, agregada a formação e a carreira70.

70 Mesmo mediante intensa mobilização dos setores e entidades ligados a educação pela manutenção
da Resolução nº 02/2015 e contrária a aprovação do Parecer que fundamentou a Resolução no. 02/2019.
Ver FREITAS (2019) CNE ignora entidades da área e aprova Parecer e Resolução sobre BNC da Formação
(atualizado) | FORMAÇÃO DE PROFESSORES – BLOG DA HELENA (formacaoprofessor.com).

252 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

Para a materialização dessa proposta, o documento propõe a


criação de um instituto nacional de acreditação e formação
de profissionais da educação básica, visando a formulação de
políticas de avaliação, a coordenação e o monitoramento da
definição de competências e das ações de certificação de cursos
e docentes (ALBINO; SILVA, 2019, p. 148).

Tal processo de certificação abre margem para a atuação de profissionais


com “notório saber”, que tenham sido reconhecidos e certificados pelos sistemas
de ensino, para ministrar conteúdos referentes a formação técnica e profissional
na educação básica, incluído na LDB através da Lei nº 13.415/2017 (Reforma
do Ensino Médio), comprometendo o princípio da docência como identidade da
formação de professores, conforme advogado pelas instituições representativas
no segmento da educação.
Portanto, a aprovação da BNC-Formação compromete ainda mais a
identidade da formação docente pautada nos princípios historicamente defendidos
pelas entidades do setor educacional71, a partir de uma base comum nacional,
tendo à docência como núcleo da formação, como garantia de unidade para a
multiplicidade de experiências curriculares, conforme contido na Resolução nº
2/2015, revogada de forma abrupta em meio aos processos de adaptação curricular
ainda em andamento por parte das instituições formadoras.

Tal concepção de formação de professores, fundada em


uma concepção sócio histórica e de caráter emancipador,
comprometida com as transformações sociais necessárias para
a superação do atual sistema político social, está sob ataque,
a partir de um projeto fundamentado em uma concepção de
modelo gerencialista neoliberal, de espectro neotecnicista,
com base na teoria das competências, e subordinada à BNCC
(ANFOPE, 2021, p. 26).

71 A resolução aponta para a reformulação do ENADE como estratégia de certificação das


competências docentes, alinhado à BNC (art. 26).

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
253
4. Considerações finais

A análise histórica da formação docente no Brasil aponta um percurso que


sinaliza as disputas em torno de concepções de educação e de formação docente
que correspondem às contradições em torno de projetos de sociedade distintos,
que se materializam no âmbito das políticas educacionais e das práticas que se
estabelecem nos espaços de formação profissional de professores.
Na virada do século XX, os debates em torno da identidade da formação
de professores, tendo como foco a atividade docente, que foram suscitados pelas
organizações do setor educacional, visavam recuperar a especificidade da atividade
do magistério, no sentido de contrapor a dispersão da formação docente e sua
descaracterização, sobretudo após as reformas do regime militar, que desfigurou
o modelo de formação dos cursos normais, substituído pela habilitação específica
para o magistério, criou as modalidades de licenciatura curta e plena, conforme
o nível de atuação do professor e promoveu a fragmentação da formação do
pedagogo pela via das habilitações.
A aprovação da Lei nº 9.394/96 logrou a obrigatoriedade do nível superior
para a formação de professores, permanecendo a possibilidade de formação em
nível médio (Normal) para exercício do magistério da educação infantil e séries
iniciais do ensino fundamental, além da criação da figura dos Institutos Superiores
de Educação na oferta de cursos de formação docente em nível superior, abrindo,
mais uma vez, o precedente para a dispersão e fragmentação da formação docente.
A LDB fixou a competência da união para legislar sobre as diretrizes
curriculares em nível nacional e também a necessidade de uma base comum para
a formação docente. Nesse sentido, foram elaborados uma série de dispositivos
visando orientar a elaboração dos currículos dos cursos de formação docente.
A perspectiva hegemônica contida nestes documentos aponta para a
flexibilização, diversificação e aligeiramento da formação e para a defesa de que
a mesma deveria ser fortemente fundamentada na prática cotidiana, na gestão

254 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


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da sala de aula, na reflexão sobre a prática e no saber fazer competente, que


caracterizariam a atuação docente. Ficam implícitas as orientações emanadas dos
organismos internacionais no sentido de baratear a formação docente, retirá-la
das universidades e buscar estratégias inovadoras para promover essa formação,
sobretudo por meio da educação a distância.
Atualmente, com a aprovação da Resolução CNE/CP nº 2/2019, que
institui a Base Nacional para a Formação de Professores, alinhada a Base
Nacional Comum Curricular, recoloca-se o problema da identidade da formação
docente, sempre cambiante ao longo da história da formação de professores no
Brasil. A perspectiva de uma base comum nacional, na perspectiva da Resolução
nº 2/2015, aprofundada por meio de debates e reformulações necessárias, poderia
contribuir para a superação das dicotomias que caracterizaram o histórico da
formação docente no Brasil.
No entanto, a abrupta revogação de Resolução CNE/CP nº 2/2015 e
a instituição de um currículo padronizado baseado no desenvolvimento de
competências, faz reemergir tal problemática, num momento em que forças
políticas que representam segmentos mais conservadores da sociedade ocupam
o aparelho de Estado, representando um retrocesso no que se refere às políticas
de formação docente no sentido da reconversão da formação de professores no
quadro da atual sociabilidade capitalista.
Alinhados a outros projetos na área educacional em andamento no
presente momento, como a Base Nacional Comum Curricular, a Reforma do
Ensino Médio, o Projeto FUTURE-SE72, o REUNI digital73, os programas de

72 CÂMARA DOS DEPUTADOS. PROJETO DE LEI no. 3076/2020. Institui


o Programa Universidades e Institutos Empreendedores e
Inovadores – FUTURE-SE. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_
mostrarintegra;jsessionid=EB1062A5AA5D3BDB3 E4112E8A52B723B.
proposicoesWebExterno1?codteor=1900012&filename=PL+3076/2020. Acesso em junho de
2020.
73 No dia 23 de junho de 2021, o MEC enviou às universidades a minuta do Programa
Reuni Digital: Plano de Expansão da EAD nas IES públicas federais (versão preliminar) que,

O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
255
fomento a formação de professores a partir do modelo de competências74, a nova
base nacional curricular para a formação docente, visa consolidar o processo de
reconversão da formação docente no âmbito da racionalidade capitalista.
Portanto, a intenção é direcionar a formação docente e a formação das
crianças e jovens por meio de políticas curriculares convergentes, pautadas na
concepção de competência, na reificação da prática cotidiana, no disciplinamento
da força de trabalho a atual configuração do capital e dentro dos limites da
racionalidade neoliberal, que consiste em rebaixar a formação teórica, aligeirar
o tempo de formação e retirar a autonomia das instituições sobre o currículo
dos cursos, que passam a responder aos padrões definidos pelas organizações
internacionais, na implementação de um projeto global de educação.

entre outras propostas, inclui a criação de uma Universidade Federal Digital e sinaliza com uma
expansão exponencial de vagas do ensino superior, tendo em vista o cumprimento da meta 12 de
Plano Nacional de Educação, com o intento de criar 1 milhão e meio de vagas nas universidades
públicas por meio da Ead.
74 PORTARIA MEC Nº 412, DE 17 DE JUNHO DE 2021. Institui o Programa Institucional
de Fomento e Indução da Inovação da Formação Inicial Continuada de Professores e Diretores
Escolares.

256 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Ana Paula Ribeiro de Sousa, Leonardo José Pinho Coimbra e Samy Oliveira Silva

REFERÊNCIAS

ALBINO, Ângela Cristina Alves; SILVA, Andrea Pereira da. BNCC e BNC da
formação de professores: repensando a formação por competências. Revista
Retratos da Escola, Brasília, v. 13, n. 25, p. 137-153, jan./mai. 2019. Disponível
em: http://www.esforce.org.br/. Acesso em jun. de 2021.

ASSOCIAÇÃO NACIONAL PELA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS


DA EDUCAÇÃO (ANFOPE). Documento final do XX encontro nacional
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O PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORES NO BRASIL
261
PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO

Maria José Pires Barros Cardozo75

RESUMO: O presente artigo decorre de reflexões e inferências que


fizemos a partir de estudos bibliográficos e documentais sobre a reforma do
Ensino Médio, concretizada por meio da Lei 13.415/2017 que teve início com
a Medida Provisória 746/2016, oriunda do Projeto de Lei-PL de nº 6.840/2013.
Destaca-se, como os Organismos Internacionais influenciam com seus estudos
e documentos na condução das reformas educacionais, em especial, no ensino
médio. Apresenta-se, também, algumas reflexões sobre as interfaces entre o
precariado e as proposições da Lei 13.415/2017 em face das transformações na
organização do trabalho, destacando-se que esta lei apresenta elementos que se
coadunam com a os preceitos da ideologia neoliberal. Conclui-se que a lei em
análise promoveu uma contrarreforma do ensino médio, acentuando a dualidade
estrutural que historicamente marca esse nível da Educação Básica no Brasil
e tentando formar os jovens para a informalidade, o emprego temporário e até
mesmo para o desemprego, ou seja, para a precarização.

Palavras-chave: Reforma do Ensino Médio. Organização do Trabalho.


Precariado.

75 Doutora em educação. Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da


Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

262 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria José Pires Barros Cardozo

1. Introdução

O presente artigo decorre de reflexões e inferências que fizemos a partir


de estudos bibliográficos e documentais sobre a reforma do Ensino Médio,
concretizada por meio da Lei 13.415/2017 que teve início com a Medida
Provisória 746/2016, oriunda do Projeto de Lei-PL de nº 6.840/2013 apresentado
pelo deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG).
Apresenta-se algumas reflexões teóricas sobre a reforma do ensino médio,
situando-a no contexto da mundialização do capital em curso capitaneado pela
financeirização, reestruturação produtiva e reconfiguração da organização do
trabalho. Destaca-se, ainda, como os Organismos Internacionais influenciam com
seus estudos e documentos na condução das reformas educacionais, em especial,
no ensino médio. Discorre-se sobre alguns elementos da Lei 13.415/2017 e da
Resolução nº 3 de 21 de novembro de 2018 que atualiza as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), destacando-se que esses instrumentos
legais se coadunam com as diversas formas de flexibilização do trabalho,
terceirização, informalidade e desemprego. Infere-se que a Lei 13.415/2017
apresenta elementos que se coadunam com a os preceitos da ideologia da
competência e da empregabilidade, uma vez que propõe a formação dos jovens
para a informalidade, o emprego temporário e para o desemprego, ou seja, para
a precarização.

2. A mundialização do capital e os reflexos na organização e


precarização do trabalho

A regulação do trabalho e suas diversas formas de expressão relacionam-


se com as características da organização do trabalho no modo de produção
capitalista. Nesse sentido, os impactos na produção e circulação das mercadorias
são determinadas pelas formas como o capital se expande, se transforma e se

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 263


reconfigura em cada momento histórico e, no atual contexto a crise do capital,
com manifestação em quatro aspectos: caráter universal (não se restringe a uma
esfera particular - financeira ou comercial); alcance global (não se limita a um
conjunto de países); escala de tempo extensa (contínua e permanente); e modo
de desdobrar rastejante (MÉZÀROS, 2002 grifos do autor). A busca para sair
dessa crise tem sido a reestruturação produtiva, ou seja, a transição do modelo
de acumulação padronizado do taylorismo/fordismo para o modelo denominado
produção flexível Harvey (1992).
A acumulação flexível caracteriza-se pela redução do tempo de produção,
aumento do giro do capital e redução de estoques. Ela combina elementos da
produção fordista altamente eficiente (com frequência nuançada pela tecnologia
e pelo produto flexível) em alguns setores e regiões (como os carros nos E.U. A.,
no Japão ou na Coreia do Sul) e de sistemas de produção mais tradicionais (como
os de Cingapura, Taiwan ou Hong Kong) que se apoiam em relações de trabalho
vergonhosas: artesanais, paternalistas ou patriarcais (familiares).
Essas estratégias de valorização do capital provocaram o surgimento de
setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimentos de
serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas
de inovação comercial, tecnológica e organizacional, com mudanças dos padrões
do desenvolvimento desigual entre setores e regiões geográficas, criando, por
exemplo, um vasto movimento no emprego no setor de serviço, bem como a
transferência de conjuntos industriais para regiões até então subdesenvolvidas.
Do ponto de vista do emprego Harvey (1992) destaca que essa configuração
da organização do trabalho provocou uma heterogeneidade de condições de
trabalhos, direitos e salários, dividindo os trabalhadores nos seguintes grupos:
central (empregados em tempo integral); periféricos (trabalhadores em regime
de tempo integral, porém, com habilidades e atributos facilmente encontráveis
no mercado de trabalho); trabalhadores com qualificações pouco valorizadas
no mercado de trabalho, em regime de tempo parcial, trabalhadores eventuais,

264 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria José Pires Barros Cardozo

com contratos de trabalho por tempo determinado, subcontratados; autônomos e


desempregados.
Essa reconfiguração do trabalho, segundo Krei e Biavaschi (2015), indicam
que a precarização do trabalho se disfarça de diversas formas e, o estágio é uma
delas, pois o estagiário substitui empregados permanentemente necessários à
realização do serviço. Eles indicam que de acordo com a Associação Brasileira
de Estágio-ABE, em 2012, havia 01 milhão de estagiários, sendo 740 no ensino
superior e 260 no médio. A terceirização também se aprofundou no Brasil a partir
dos anos 1990 e, tem sido estratégia utilizada pelas empresas para reduzir custos
e fazer uso da força de trabalho segundo suas necessidades de acumulação. Trata-
se de uma das formas mais visíveis de flexibilização que amplia a liberdade do
empregador de gerir o uso da força de trabalho da melhor forma que lhe convier
para garantir os lucros.
A terceirização na maioria das vezes não é capturada pelas pesquisas
oficiais de produção e emprego, pois a transferência de postos de trabalho de
grandes empresas para médias, pequenas empresas e até mesmo grupos familiares
camufla a precarização sob o disfarce da flexibilização, precarizando as relações
trabalhistas e aumentando a exploração da força de trabalho em todos os níveis.
Nesse contexto, o neoliberalismo como ideologia “acentua a supremacia
do mercado como mecanismo de alocação de recursos, distribuição de
bens, serviços e rendas, remunerador dos empenhos e engenhos inclusive”
(MORAES, 2002, p 15). Ao lado do endeusamento do mercado revigora-se a
ideologia da competência e da empregabilidade, reafirmando os preceitos da
competitividade, do individualismo e do capital humano. Esse pensamento é
defendido pelos Organismos Internacionais (OI) de hegemonia do capital – Fundo
Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, Associação Interamericana
de Desenvolvimento Internacional (AID), Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Comissão Econômica para

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 265


América Latina e Caribe (CEPAL) etc., que passaram a desenvolver estudos e
pesquisas, conferências e fixar agendas que enfatizam prioridades, formas como
os problemas se colocam e podem ser equacionados, destacando, dentre outros,
os seguintes aspectos: relação custo/benefício, taxas de retorno para o capital e
trabalho e relação entre qualificação/escolarização e salário. Os resultados dessas
pesquisas culminaram com propostas para as reformas da educação, voltadas
para atender aos imperativos da acumulação do capital, sob a denominação de
mundialização, de financeirização, ou seja, do mercado.
Segundo Krawczyk esses OI defendem que:

A competitividade do país no mercado globalizado é a chave


desse projeto, e o lugar do Brasil no ranking internacional da
“qualidade de seus recursos humanos” apresenta-se como uma
das variáveis imprescindíveis para atingir esse objetivo. A
qualidade da educação brasileira é convalidada por mecanismos
de regulação internacionais, tais como o Pisa, que ao mesmo
tempo direcionam o trabalho escolar. Nesse marco, certamente
se requer da escola pública que seja ainda mais seletiva e
institua mecanismos de seleção dos “bons” alunos que a escola
estaria desperdiçando, ao dar excessiva atenção à maioria. Uma
maioria que “fatalmente” vai fracassar. Se não for assim, o
Brasil vai “perder seus melhores cérebros”, como tantas vezes
se ouve (2014, p.37).

Consideramos que a relação entre as propostas dos OI e as reformas na


educação brasileira não sejam linear, entretanto, as medidas tomadas nos últimos
30 anos tiveram influências das orientações internacionais que, priorizaram o
caráter mercadológico da educação, embora o discurso seja o da melhoria da
qualidade do ensino, com o objetivo de adequá-la às mudanças ocorridas na
organização do trabalho. Nesse contexto, as reformas do ensino médio e técnico,
tiveram e ainda têm, como eixo basilar o modelo de competência mediante
currículos que direcione a formação dos alunos de acordo com as demandas

266 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria José Pires Barros Cardozo

decorrentes das necessidades provocadas pela reestruturação produtiva, ou seja,


com as mudanças nos padrões de relações sociais e de trabalho.
É mister citarmos que no documento Estratégias para a Educação 2010-
2020 “Aprendizagem para todos: investindo no conhecimento e habilidades
das pessoas para promover o conhecimento”, o Banco Mundial destaca que a
partir dos 16 anos os jovens iniciam a transição da escola para a vida profissional,
portanto, é necessário que este jovem não interrompa o itinerário escolar após
o ensino fundamental; segundo, a pedra angular das políticas públicas voltadas
ao ensino médio é o jovem, e, neste momento de transição é preciso construir e
aproveitar a vida, habilidades de trabalho, valores e atitudes dos jovens; terceiro,
alavancar o setor educacional privado via estabelecimento de parcerias para a
formação técnica e profissional. (BANCO MUNDIAL, 2011).
Ainda nesse documento o Banco mundial destaca que:

Melhorar a relevância do mercado de trabalho é um objetivo chave


da nova estratégia. Atualmente, muitos jovens nos países em
desenvolvimento estão deixando a escola e entrando no mercado
de trabalho sem o conhecimento, habilidades e competências
necessárias para prosperar em uma economia global competitiva.
Ao concentrar-se na aprendizagem, a nova estratégia será desviar
a atenção de apenas de matrícula e de conclusão para se aqueles
que abandonam a escola têm os necessários conhecimentos e
habilidades e o objetivo é aumentar a parcela de projetos que
inclui o mercado de trabalho relacionado com os objetivos. A
abordagem sistêmica adotada pela Estratégia reforça este foco,
reconhecendo os empregadores como os principais interessados
sob a definição mais ampla do sistema de ensino e enfatizando
a responsabilidade pelos resultados. No âmbito da Estratégia,
os esforços estão em curso, em colaboração com os parceiros
de desenvolvimento, para desenvolver uma estrutura e as
ferramentas para medir as habilidades e competências necessárias
para competir efetivamente no mercado de trabalho (BANCO
MUNDIAL, 2011, p. 21).

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 267


No documento específico para o Brasil intitulado, “Atingindo uma
educação de nível mundial no Brasil: próximos passos”, estão presentes
algumas recomendações para o Ensino Médio brasileiro:

- Estratégias universais (reforma de currículo e de treinamento, grandes


investimentos em infraestrutura para apoiar um dia escolar mais longo e eliminar
o ensino noturno, melhoria da qualidade de professores);
- Escolas de demonstração (escolas de ensino médio de tempo integral
e com bastante recursos que tanto testam inovações quanto demonstram que
escolas secundárias de alta qualidade são viáveis);
- Parcerias público-privadas no ensino técnico e vocacional (para garantir
uma fácil transição para o mercado de trabalho para os formandos do ensino
médio que não continuam o ensino superior, através da orientação do conteúdo
vocacional do currículo para as habilidades que estão em demanda local)
(BANCO MUNDIAL, 2011).

A OCDE, por sua vez, também, vem definindo indicadores e estabelecendo


relações entre eles e as competências demandadas no atual século, os indicadores,
segundo Walberg e Bottani (1992), são os seguintes:

Quadro 01: INDICADORES DE COMPETÊNCIAS- OCDE

Indicadores Temas

Input- entrada Acesso à educação-participação e progresso


Output-resultados Ambiente da aprendizagem e a organização das escolas

Processo Recursos humanos e financeiros investidos em educação


Recursos humanos e financeiros Resultado das instituições educativas e o impacto no
conhecimento

Fonte: Elaboração da autora com base em Bottani e Walberg (1992).

268 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria José Pires Barros Cardozo

Com base nesses indicadores e temas, os relatórios anuais da OCDE,


a partir de 1992, abordaram os seguintes aspectos: Transição da escola para
o trabalho (1998); Resultados da educação no mercado de trabalho (2000-
01); Resultados da educação na aprendizagem (2001); Acesso à educação,
participação e Progresso (1996 a 2007); Ambiente de Aprendizagem e
organização das escolas (1997 a 2007); Resultados das instituições educativas
e impacto da aprendizagem (2002 a 2007).
Os relatórios dos OI tais como BM, OCDE e Unesco procuram moldar e
formatar as políticas dos governos, pois eles procuram definir problemas e indicar
soluções mediante avaliações que apresentam evidências com base na ideologia
do mercado e da competência. Dentre as avaliações podemos destacar:

TIM-SS- Trends in International Mathematics and Science Study, realizado


em 1995-1999, 2003 e 2007;
PISA, Program for International Student Assessement, iniciado em 2000
com avaliações realizadas em 44 países;
PIRSL- Progress in International Reading Literacy Study- 2001- Avaliação
do 4º ano em 35 países e 2006 45 países;
TALIS- Teaching and Learning International Survey- 2007- 24 países, com
foco no contexto de aprendizagem e as condições do trabalho dos professores.
Essas proposições são encontradas de forma explícita e implícita nos
textos da Medida Provisória 746, de 22 de setembro de 2016 e da Lei nº 13.415,
de 16 de fevereiro de 2017 e na Resolução nº 3, de 21 de novembro de 2018 que
atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM),
conforme apontaremos no próximo tópico deste artigo.

3. A reforma do ensino médio e a precarização do trabalho

De acordo com Assad (2014), o precariado é visto como uma camada

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 269


do proletariado ou como nova classe social, consequente do neoliberalismo e
da globalização do capital destituídas das garantias sociais relativas ao vínculo
empregatício, como estabilidade de emprego e renda e a representação política.
Já Alves (2013), não considera o precarizado como uma nova classe social,
mas sim uma nova camada da classe social do proletariado com demarcações
categorias bastante precisas no plano sociológico, ou seja, o precariado é a
camada média do proletariado urbano precarizado, constituída por jovens-
adultos altamente escolarizados com inserção precária nas relações de trabalho
e vida social. Nesse sentido,

[...] a construção categorial do conceito de precariado como


camada social da classe dos trabalhadores assalariados implica
delimitá-lo, num primeiro momento, pela variável salarial: trata-
se sim do “proletariado precarizado”, mas é preciso salientar:
um proletariado jovem, altamente escolarizado, frustrado em
suas expectativas de ascensão profissional e sonhos, anseios e
expectativas de consumo (ALVES, 2013, p. 2).

Braga (2012), por sua vez, utilizou a dimensão do lumpemproletariado e da


população pauperizada presente no conceito marxista de superpopulação relativa
por considerá-la intrínseca ao modo de reprodução capitalista. Ele destaca que o
processo de desenvolvimento capitalista periférico brasileiro, em função de sua
própria condição periférica, impõe limites estritos de concessão aos proletários,
portanto, a condição precária aqui é histórica e estrutural.
É nesse contexto de precarização, flexibilização e perda de direitos
trabalhistas que situamos a atual contrarreforma76 do Ensino Médio iniciada com
o debate do Projeto de Lei-PL de nº 6.840/2013 do deputado federal Reginaldo

76 O termo contrarreforma assenta na perspectiva que não aceita a concepção de reforma aos
processos regressivos. E, ainda ao fato de que o ensino médio vinha desde 2002 sendo objeto de uma
reforma que, mesmo com limites, contrapunha-se aos programas e legislações aprovados pelo governo de
Fernando Henrique Cardoso no final dos anos 90 do século passado.

270 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria José Pires Barros Cardozo

Lopes (PT-MG). O debate que culminou nessa legislação iniciou-se, em 2013,


quando o então Deputado Federal Reginaldo Lopes (PT-MG), elaborou um
Projeto de Lei-PL de nº 6.840/201377, no qual constavam algumas preposições
para o Ensino Médio: jornada de 7 horas para todos os alunos do diurno; ensino
médio noturno com duração de quatro anos e jornada diária mínima de três horas,
contemplando o mesmo conteúdo curricular do ensino diurno e; organização
curricular, com opções formativas para os alunos nas seguintes áreas do
conhecimento: linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas.
Para a tramitação desse PL, foi criada uma comissão com a seguinte
denominação: Comissão Especial Destinada a Promover Estudos e Proposições
para a Reformulação do Ensino Médio- CEENSI. Sua composição contou com
24 deputados dos seguintes partidos (PT, PMDB, PSCB, PP, DEM, PR, PSD,
PDT, PTB, PSC, PC DO B, PRB, PSD e PSOL). O presidente dessa comissão foi
o deputado Reginaldo Lopes do PT/MG, a primeira vice-presidente a deputada
Fátima Bezerra PT/RN; o segundo vice-presidente, o deputado Alex Canziani
PTB/PR, a terceira vice-presidente a deputada Professora Dorinha Seabra
Rezende DEM/TO e o relator o deputado Wilson Filho do PMDB/PB.
Os trabalhos da comissão foram subsidiados por audiências públicas,
seminários estaduais e um seminário nacional, cujas temáticas concentram-se em
cinco eixos: currículo; integração do ensino médio com a educação profissional;
formação de professores; condições de oferta e infraestrutura; instrumentos de
avaliação do ensino médio utilizados pelo MEC. De acordo com o relatório final,
o ponto mais debatido nas reuniões da comissão e nas audiências públicas foi a
necessidade de readequação do ensino médio de modo a torná-lo mais atraente
aos jovens e possibilitar sua inserção no mercado de trabalho (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 2013).

77 O PL foi resultado do Relatório da Comissão Especial destinada a promover Estudos e


Proposições para a Reformulação do Ensino Médio – CEENSI e propôs alterar a Lei no 9.394,
de 20 de dezembro de 1996 com vistas a instituir a jornada em tempo integral no ensino médio,
dispor sobre a organização dos currículos do ensino médio em áreas do conhecimento.

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 271


O relatório enfatizou ainda, que

O consenso foi de que o atual currículo do ensino médio


é ultrapassado, extremamente carregado, com excesso de
conteúdos, formal e padronizado, com muitas disciplinas
obrigatórias numa dinâmica que não reconhece as diferenças
individuais e geográficas dos alunos. Há que se ampliarem as
possibilidades formativas do ensino médio, de modo a torná-lo
adequado às necessidades do jovem de hoje, atraindo-o para a
escola (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013, p. 8).

Em contraposição ao PL 6.840, no início de 2014, o Movimento Nacional


pelo Ensino Médio – composto por dez entidades do campo educacional78
realizou várias ações junto ao Congresso Nacional e ao Ministério da Educação
no sentido que esse projeto não fosse aprovado. Para tanto, foram realizados
debates, produção documentos e uma petição pública. Destas ações, resultou
um Substitutivo elaborado pelo Deputado Reginaldo Lopes, ainda durante a
tramitação do PL 6.840 na Comissão de Educação.
Esse Substitutivo destacou os seguintes aspectos: Os currículos do ensino
médio contemplarão as quatro áreas do conhecimento e adotarão metodologias de
ensino e de avaliação que evidenciem a contextualização, a interdisciplinaridade
e a transversalidade, bem como outras formas de interação e articulação entre
diferentes campos de saberes específicos, conforme expressa nos parágrafos
abaixo:

78 ANPED (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação), CEDES


(Centro de Estudos Educação e Sociedade), FORUMDIR (Fórum Nacional de Diretores das
Faculdades de Educação), ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da
Educação), Sociedade Brasileira de Física, Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito
à Educação, ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da educação), CONIF
(Conselho Nacional Das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional Científica e
Tecnológica) e CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação).

272 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria José Pires Barros Cardozo

§ 3º Serão incluídos como temas transversais no ensino


médio os seguintes: I – prevenção ao uso de drogas e álcool;
II – educação ambiental; III – educação para o trânsito; IV –
educação sexual; V – cultura da paz; VI – empreendedorismo;
VII – noções básicas da Constituição Federal; VIII – noções
básicas do Código de Defesa do Consumidor; IX – importância
do exercício da cidadania; X – ética na política; e XI –
participação política e democracia.
§ 4º A inclusão de novos conteúdos e componentes curriculares
no ensino médio ficará submetida a deliberação do Ministério
da Educação, ouvido o Conselho Nacional de Educação.
§ 5º A última série ou equivalente do ensino médio será
organizada a partir das seguintes opções formativas, a critério
dos alunos:
I – ênfase em linguagens; II – ênfase em matemática;
III – ênfase em ciências da natureza; IV – ênfase em ciências
humanas; e V – formação profissional.

O Substitutivo ao PL 6.840/13 foi aprovado na Comissão Especial da


Câmara dos Deputados em dezembro de 2014. Entretanto, antes de ir ao plenário
foi preterido pela Medida Provisória 746, de 22 de setembro de 2016, que
retomou à versão inicial do PL 6.840/2013 em que estava proposta a ampliação
da carga horária para mil e quatrocentas horas e a organização curricular em
quatro itinerários formativos: linguagens; matemática; ciências da natureza;
ciências humanas. A diferença é que no substitutivo as opções formativas não
eram obrigatórias.
Assim o que foi aprovado, em 13 de fevereiro de 2017, no Senado, recebeu
a denominação de Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 34/2016. Em 16 de
fevereiro de 2017, esse PLV foi sancionado pelo Presidente Temer, transformando-
se na Lei nº13.415 que estabeleceu as diretrizes para o “novo” ensino médio. As
proposições dessa contrarreforma foram pactuadas com o apoio da Fundação
Victor Civita, o Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social, Instituto Ayrton Senna
e Instituto Península, dentre outros, os estudos e proposições desses institutos

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 273


e fundações coadunam-se com os interesses do empresariado com a educação
brasileira, sobretudo no que se referem aos padrões de competitividade do Brasil
no mercado globalizado, conforme expressa

Esses fatos reforçam a compreensão de como a contrarreforma


do ensino médio é parte integrante de uma agenda globalmente
estruturada da educação. Os exemplos utilizados pelos
defensores dessas mudanças são frágeis, mas confirmam
os padrões de governança internacional, cuja missão
modernizadora é reduzir a educação (e o conhecimento) a
funções mínimas de acordo com as necessidades imediatas da
sociedade capitalista contemporânea. Tarefa essa que deverá
ser cumprida crescentemente pelos mercados educacionais
(FERREIRA, 2017, p. 304).

Os reformadores explicam que são necessárias mudanças no ensino médio


haja vista os resultados nas avaliações externas, bem como, a necessidade de
atender as metas previstas para o Ideb no Plano Nacional de Educação (PNE)/2014.
Para tanto, é preciso um “novo ensino médio” que possibilite opções nas diversas
áreas do conhecimento e cursos de qualificação e ensino técnico profissional de
acordo com as disponibilidades de cada sistema e “escolhas” dos alunos.
A Lei n.º 13.415/2017 alterou a carga horaria do Ensino Mé-
dio, conforme dispõe o artigo 1º:

O art. 24 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a


vigorar com as seguintes alterações:
A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput
deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino médio,
para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino
oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil
horas anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017
(BRASIL, 2017, p. 1).

A ampliação da carga horária implica uma jornada diária de 7 horas.

274 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria José Pires Barros Cardozo

Portanto, convém ressaltar que que os jovens das classes média e alta já cumprem
essa jornada, pois a maioria das escolas privadas já oferta mais de 7 horas diárias
de atividades escolares, além de outras atividades complementares, tais como:
língua estrangeira, esportes, reforços escolares, simulados preparatórios etc. Este
aspecto nos leva a corroborar a assertiva de Sanchis (1997), quando ele afirma
que toda vez que escasseiam as oportunidades de emprego, o sistema educativo
procura formas de prolongar a permanência dos jovens na escola, a fim de conter
a demanda por empregos.
Em Mészáros (2002), também encontramos elementos para compreendermos
essa proposição enunciada na lei em análise, pois ele destaca que a retórica oficial
sobre a centralidade da educação, apresentada como antídoto ao problema do
crescimento do desemprego, não co
ndiz com a realidade, ou melhor, corresponde à inserção dos jovens no
mundo do trabalho precário ou à condição de força de trabalho supérflua.
A esse respeito, destacamos que não somos contrários à ampliação da
jornada escolar para os jovens, o que ponderamos é a defesa posta pelo Movimento
Nacional pelo Ensino Médio que, considera o respeito ao direito de acesso à
educação básica para mais dois milhões de jovens de 15 a 17 anos que estudam e
trabalham ou só trabalham. Desse modo, essa proposição poderá limitar o acesso
de mais jovens à conclusão da educação básica. E, ainda, segundo Frigotto et. al.
(2005), reforçar a dualidade estrutural e cultural da nossa sociedade presente no
Ensino médio na histórica separação entre a formação propedêutica, concebida
como estudos científicos que permite a continuidade dos estudos em nível superior
e, a formação profissional – estudos para o desenvolvimento de atividades
produtivas – e, pela diferenciação educação geral para as elites e preparação para
o trabalho para os pobres
Em relação ao currículo a Lei n.º 13.415/2017 prevê no artigo 3º que a
Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida do seguinte
o

art. 35-A:

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 275


Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos
e objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme
diretrizes do Conselho Nacional de Educação, nas seguintes
áreas do conhecimento:
I - linguagens e suas tecnologias;
II - matemática e suas tecnologias;
III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências
humanas e sociais aplicadas.
§ 1o A parte diversificada dos currículos de que trata o caput
do art. 26, definida em cada sistema de ensino, deverá estar
harmonizada à Base Nacional Comum Curricular e ser
articulada a partir do contexto histórico, econômico, social,
ambiental e cultural.
§ 2o A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino
médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação
física, arte, sociologia e filosofia.
§ 3o O ensino da língua portuguesa e da matemática será
obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às
comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas
línguas maternas.
§ 4o Os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente,
o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas
estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol,
de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários
definidos pelos sistemas de ensino (BRASIL, 2017).

Quanto às áreas do conhecimento, a Lei acima referida, manteve uma


proposição igual à da MP Nº 746/2016, conforme expressa o artigo 4º:

O art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a


vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela
Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos,
que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes
arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto
local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:
I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas
tecnologias;

276 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria José Pires Barros Cardozo

III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências


humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e
profissional.
§ 1º A organização das áreas de que trata o caput e das
respectivas competências e habilidades será feita de acordo
com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino
(BRASIL, 2017a. p.3).

Em relação ao currículo, destacamos que os itinerários formativos


poderão ser organizados mediante arranjos curriculares diferenciados de acordo
com peculiaridades e possibilidades de cada sistema de ensino. Somente as
disciplinas língua portuguesa e matemática serão obrigatórias ao longo dos três
anos do ensino médio. Já artes, educação física, sociologia e filosofia, devem
ser obrigatoriamente incluídas, mas como estudos e práticas, como módulos ou
temas transversais. A língua inglesa também aparece como oferta obrigatória e os
sistemas de ensino poderão ofertar outras línguas, em caráter optativo.
A justificativa para esse desenho curricular na linguagem dos reformadores
são os resultados insatisfatórios nas avaliações externas, em especial no PISA,
com baixos indicadores do IDEB, portanto, é necessário tentar alcançar os índices
dos 20 países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e atender às premissas do Banco Mundial e da Unesco. Os
dados do relatório da OCDE confirmam essa justificativa ao demostrar que:

O desempenho dos alunos no Brasil está abaixo da média dos alunos


em países da OCDE em ciências (401 pontos, comparados à média de
493 pontos), em leitura (407 pontos, comparados à média de 493
points) e em matemática (377 pontos, comparados à média
de 490 pontos).
A média do Brasil na área de leitura também se manteve
estável desde o ano 2000. Embora tenha havido uma elevação
na pontuação de 396 pontos em 2000 para 407 pontos em 2015,
esta diferença não representa uma mudança estatisticamente
significativa. Na área de matemática, houve um aumento

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 277


significativo de 21 pontos na média dos alunos entre 2003
a 2015. Ao mesmo tempo, houve um declínio de 11 pontos
se compararmos a média de 2012 à média de 2015. (OCDE,
2016, p.1).

Os dados acima revelam a preocupação dos reformadores em preparem


os estudantes os alunos para a realização dessas avalições de desempenho,
na perspectiva de melhorar os indicadores do país. Nas palavras de Freitas a
intenção é:
[...] passa-se a defender uma “base nacional comum” “associada
a uma revisão das matrizes de referência dos exames nacionais,
com ênfase na definição das expectativas de aprendizagem por
série que leve a uma melhor “amarração” entre os objetivos,
a avaliação (agora censitária) e os conteúdos no momento
seguinte (2014, p. 1092).

Outro aspecto que merece destaque é a questão dos itinerários formativos,


ou seja, a “escolha” dos jovens de uma área do conhecimento, ou duas, de
acordo com as suas necessidades. Para Kuenzer, os certificados de conclusão
do ensino médio irão habilitar à continuidade de estudos no ensino superior,
entretanto, o itinerário cursado poderá reduzir “as possibilidades de sucesso
em processos seletivos para áreas diferentes da cursada, o que levará os alunos
a frequentarem cursos preparatórios, que acabam sendo incentivados pela
nova proposta” (2017, p 353), principalmente, se aluno escolher o itinerário da
formação técnica e profissional.
A esse respeito corroboramos a análise de Lisete Arelaro em entrevista
concedida à Revista Retratos da Escola Revista Retratos da Escola, Brasília, v.
11, n. 7, jan./jun. 2017:

Eu gostaria muito que nossos jovens fossem protagonistas de


suas escolhas curriculares, a partir de uma sólida e diversificada
formação curricular. Acho ridículo o governo achar as 13
disciplinas atuais um “absurdo”, que “confundem” os jovens,

278 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria José Pires Barros Cardozo

e propondo uma opção por percurso formativo aos 14, 15


anos de idade, quando sabemos que, nem quando chegam à
universidade, depois de exames seletivos, sabem exatamente
se o curso que estão fazendo traduz o que queriam fazer. Basta
olhar o número de desistências e/ou mudanças de curso no
decorrer do ensino superior. A propaganda confunde formação
profissional (o que quero fazer quando me formar...) com opção
pelos virtuais, e potencialmente falsos, percursos formativos,
procurando destruir a concepção de formação unificada para o
ensino médio (ALERARO, 2017, p.12-13).

Desse modo, a “opção” pela formação profissional da forma como está


definido pela Lei nº. 13.415/2017 (artigo 4º): inclusão de vivências práticas de
trabalho; possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação
para o trabalho; oferta de formação profissional em parcerias com outras
instituições, reconhecimento de competências com instituições de educação a
distância, poderá diminuir a qualidade da formação técnico-profissional, bem
como, acabar com as boas experiências do ensino médio integrado, fortalecendo
assim as instituições privadas.
Ao analisar essa proposta Kuenzer, destaca que devemos ficar atentos, pois

[...] o discurso da necessidade de elevação dos níveis de


conhecimento e da capacidade de trabalhar intelectualmente,
quando adequadamente analisado a partir da lógica da
acumulação flexível, mostra seu caráter concreto: a necessidade
de ter disponível para consumo, nas cadeias produtivas, força
de trabalho com qualificações desiguais e diferenciadas
que, combinadas em células, equipes, ou mesmo linhas,
atendendo a diferentes formas de contratação, subcontratação
e outros acordos precários, assegurem os níveis desejados de
produtividade, por meio de processos de extração de mais-valia
que combinam as dimensões relativa e absoluta. (2017, p. 341).

Corroborando a assertiva de acima, reafirmamos que as indicações e


proposições previstas na Lei nº. 13.415/2017 coadunam-se com os interesses

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 279


mercadológicos e com o processo de reestruturação produtiva pautado na
flexibilização do trabalho, na diminuição da proteção social, por meio de
estratégias, reformas trabalhistas e regulamentações que fragmentam as relações
de trabalho, aumentam o desemprego, a informalidade e a precarização.
Ressaltamos, ainda, que Base Nacional Curricular do Ensino Médio-
BNCC também, teve a participação de diversas organizações nos debates para
a elaboração e a implantação da BNCC, indicando os “parceiros” envolvidos
no processo, que são representados por instituições financeiras e empresas, tais
como: Itaú (Unibanco), Bradesco, Santander, Gerdau, Natura, Volkswagen,
entre outras. Além desses, podem ser apontadas, ainda, Fundação Victor Civita,
Fundação Roberto Marinho, Fundação Lemann, CENPEC, Todos pela Educação.
Constatamos a influência dessas organizações empresariais na definição de
currículos, tanto disseminando ideologias como defendendo os seus interesses.
Desse modo, Saviani pontua o seguinte:

[...] a força do privado traduzida na ênfase nos mecanismos de


mercado vem contaminando crescentemente a esfera pública. É
assim que o movimento dos empresários vem ocupando espaços
nas redes públicas via UNDIME e CONSED nos Conselhos de
Educação e no próprio aparelho do Estado, como ilustram as
ações do Movimento “Todos pela Educação” (2014, p. 105).

Um dos princípios defendidos pela BNCC é a flexibilidade que é


destacado como obrigatório. A flexibilidade é explicada pelo avanço da base
microeletrônica, mas não podemos reduzi-la a essa dimensão, pois ela visa
atender aos precitos do mercado, cujas bases devem ser buscadas para além das
questões tecnológicas. Suas raízes estão na materialidade que as criam: regime de
acumulação flexível (KUENZER, 2017).
Destaca-se, ainda, que em relação à educação técnica e profissional, essa
flexibilidade revela aspectos do Decreto nº 2.208/97, uma vez que essa modalidade
poderá ser organizada em módulos com sistema de créditos e terminalidade

280 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria José Pires Barros Cardozo

específica. Ademais a Lei nº. 13.415/2017 permite convênios com instituições


de ensino que ofertem formação técnica e profissional de modo presencial e a
distância, a exemplo do Sistema S, a fim de que as competências e os cursos
desenvolvidos em outros espaços sejam validados.
A competência é outro elemento marcante da BNC sendo definida
como um conjunto de aprendizagens que se expressam no desenvolvimento de
conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e a capacidade de os mobilizar,
articular e integrar. Destacam, ainda o “Saber fazer” para resolver demandas
complexas da vida cotidiana e da qualificação para atuar com esperteza no mundo
do trabalho; ser proativo, conviver com o incerto e o inusitado; buscar soluções
cada vez mais rapidamente.
A esse respeito destacamos essa contrarreforma do ensino médio
buscar a formação de trabalhadores adaptáveis à lógica do capital, por meio
de uma educação geral complementada por itinerários formativos por área
de conhecimento, principalmente pela educação técnica e profissional, cuja
oferta depende da origem social dos alunos. Assim, para os jovens oriundos
das escolas públicas são disponibilizados treinamentos rápidos e qualificações
que não lhes permitirão exercer funções complexas e criativas, mas serem
“empreendedores”, ocupar os postos de trabalhos temporários, simplificados,
precários e com salários aviltados.
Essas questões estão na origem da divisão social do trabalho e da
sociedade em classes, ou seja, na negação aos jovens das classes populares
da possibilidade de se dedicarem apenas ao estudo, sem terem que deixar a
escola para trabalharem, ou ainda, tentarem articular trabalho e estudo. Assim,
as justificativas para as constantes reformas do ensino médio são explicações
ideológicas que tentam explicar que os jovens evadem da escola porque elas são
desinteressantes, conteudistas e que não preparam para o mundo do trabalho.
Portanto, como revela Enguita (2014), o nível médio de ensino historicamente
revela a dualidade estrutural do sistema educativo. Para a maioria significa a

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 281


terminalidade do percurso educativo e para poucos é início da trajetória. Os
destinos individuais dependem da classe social.

4. Considerações finais

Ao longo do presente artigo tentamos articular as disposições da


contrarreforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017) às estratégias de valorização
do capital, mediante a reconfiguração das relações de trabalho. Ao nosso ver, a lei em
foco reforça a dualidade estrutural do ensino médio, revivendo a profissionalização
compulsória da Lei 5.692 de 1971, quando os jovens das classes trabalhadoras
foram obrigados a frequentarem os cursos técnicos profissionalizantes e tiveram
dificuldades de acesso aos conhecimentos que lhes possibilitassem o ingresso
no nível superior. Mais uma vez corre-se o risco de que os filhos das classes
trabalhadoras sejam direcionados para profissões de pouco prestígio social,
subempregos, informalidade e até mesmo para o desemprego, pois a escolha para
o itinerário da formação profissional conforme prevê a lei: inclusão de vivências
práticas de trabalho; possibilidade de concessão de certificados intermediários
de qualificação para o trabalho; oferta de formação profissional em parcerias
com outras instituições, reconhecimento de competências com instituições de
educação a distância; irá fortalecer as instituições privadas, frear o acesso aos
cursos superiores para a maioria dos jovens, enfraquecer a qualidade da formação
técnico profissional e fragilizar as experiências do ensino médio integrado que
até então são desenvolvidas no país.
Destacamos, também que a Lei acima referida, apresenta uma proposição
de opção por itinerários formativos, ou seja, os alunos irão escolher a trajetória
formativa de acordo com suas aptidões, vontades e necessidades. Mas,
questionamos: aos 14-15 anos eles terão maturidade para definir sua trajetória
profissional? Eles irão escolher áreas do conhecimento ou disciplinas? Quem
irá optar pela formação propedêutica ou profissional? A oferta desses eixos será

282 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria José Pires Barros Cardozo

de acordo com a escolha do aluno, ou com o quê o sistema irar oferecer? Quais
são os itinerários que as redes públicas estaduais irão ofertar? Como as escolas
das zonas rurais irão oferecer esses itinerários? Os adolescentes e jovens das
classes populares serão direcionados para quais itinerários? As escolas privadas
irão seguir as determinações previstas Lei?
Esses questionamentos nos levam a concluir que: Propor os itinerários
formativos, em especial, o da formação profissional significa a tentativa de manter
a dualidade estrutural que marca o ensino médio brasileiro. Desse modo, a atual
contrarreforma do ensino médio, não representa o novo, pois implementação
dessa proposta irá aprofundar a divisão entre os alunos que cursarão o ensino
médio propedêutico e aqueles que terão como destino os cursos técnicos de baixa
qualidade, ou que “optarão” por itinerários formativos impostos pelo sistema ou
escolas. Portanto, a Lei nº. 13.415/2017 revigora outras leis que já reformaram o
ensino médio no Brasil na tentativa de decretar a profissionalização com caráter
de terminalidade para os jovens das classes menos favorecidas.

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 283


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284 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


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DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO
INTEGRADO NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: UMA
BREVE LEITURA HISTÓRICA DOS EMBATES POLÍTICOS

Lícia Cristina Araújo da Hora79

RESUMO: Neste artigo analisa-se os confrontos de projetos para o


Ensino Médio Integrado, tomando como referência de formação humana o debate
histórico da Politecnia no Brasil. Busca-se situar historicamente esse debate,
assim como sua compreensão associada ao conceito de Omnilateralidade. Parte-
se deste recorte histórico nos anos de 1980, para posteriormente apresentar as
disputas que se deram nas escolas federais com a criação do Decreto nº. 2.208/97
e as resistências produzidas especificamente na realidade maranhense. Também,
importa entender o significado da aprovação do Decreto nº 5.154/04 e a simbologia
da expressão travessia, por fim buscamos identificar no atual cenário de reformas
a partir da Base Nacional Curricular Comum e nas Diretrizes Curriculares para
Educação Profissional os reflexos para o Instituto Federal do Maranhão (IFMA) e
o permanente desafio desta Instituição de tornar como política de ensino, pesquisa
e extensão a consolidação do projeto de Ensino Médio Integrado. Para realizar
este trabalho busca-se os fundamentos teórico metodológicos nos estudos do
campo Trabalho e Educação e em documentos oficiais. O método de análise foi
o materialismo histórico-dialético, com ênfase nos estudos do campo Trabalho e
Educação. Como procedimentos de pesquisa, utilizou-se revisão de literatura e
análise documental.

Palavras-chave: Ensino Médio Integrado. Politecnia. Educação Profissional.

79 Mestre em educação pela UFF. Doutoranda em Educação Escolar pela UNESP Araraquara.
Professora do Instituto Federal de Educação Profissional e Tecnológica do Maranhão.

288 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

1. Introdução

O tema da Politecnia produziu um fecundo debate no Brasil. A proposta do


campo progressista80 possui um marco temporal, a realização das Conferências
Brasileiras de Educação no início nos anos 1980. Essa abordagem progressista
ganhou destaque a partir da mobilização no âmbito do Fórum em Defesa da
Escola Pública e da sua atuação na Constituinte e durante a elaboração da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Educadores que atuaram
intensamente nesses espaços públicos de debate e de luta social e política como
Saviani (2003, 2007), Frigotto (1984), Machado (1994) e Kuenzer (1998)
enfatizaram, em suas pesquisas, a partir da influência das leituras de Marx e
de Gramsci, categorias como Politecnia, Trabalho como princípio educativo,
Educação Tecnológica e Escola Unitária.
É sob a influência do debate teórico envolvendo esses educadores que
os documentos oficiais que subsidiam a criação da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica apresentam o projeto de Ensino Médio
Integrado. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), criados
a partir da Lei n.º 11.892/2008, são o início de um novo projeto de institucionalidade

80 Campo progressista, as entidades organizadas no bojo das lutas pela educação


no período recortado no final dos anos 1970. Entre essas citamos a União Nacional dos
Estudantes (UNE) e a Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC), que já existiam
anteriormente, mas foram reativadas naquele período. Destacamos ainda: Confederação de
Professores do Brasil (CPB), Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior (ANDES)
articuladas em 1979; Federação das Associações de Servidores das Universidades Brasileiras
(FASUBRA) em 1978; eAssociação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPED) em 1977. Entre outras entidades acadêmico-científicas criadas nesse período,
citamos ainda o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) e a Associação Nacional
de Educação (ANDE). Estas entidades buscaram aglutinar forças e consensos possíveis para
o enfrentamento da ditadura empresarial- militar e para discutir uma proposta de educação
pública no âmbito das Conferências Brasileiras de Educação. Em 1986, a consolidação dessas
forças, apesar de suas contradições, organizou-se no âmbito do Fórum Nacional da Educação
na Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito.
DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO
NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 289
embates políticos
dentro da Rede Federal, congregando Escolas Técnicas Federais (ETFs), Escolas
Agrotécnicas Federais (EAFs), Escolas Técnicas Vinculadas a Universidades
Federais (EVs) e Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs). Essa Lei
também criou a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.
O documento das Concepções dos IFs (2010) apresenta uma redação
elaborada com acentuada investida no uso de conceitos que dão ao texto
a aparência de uma formulação que concebe educação como processo que
busca romper a lógica do capital. É possível encontrar a afirmação de que “Os
Institutos Federais são uma revolução na Educação Profissional e Tecnológica”
(PACHECO, 2010). Também é possível encontrar a defesa de que “o Governo
Federal tem implementado, na área educacional, políticas que se contrapõem às
concepções neoliberais e abrem oportunidades para milhões de jovens e adultos
da classe trabalhadora” (PACHECO, 2010, p. 7).
Entre os pesquisadores que se dedicaram ao tema da Politecnia, destacou-
se Dermeval Saviani, que escreveu um texto de subsídio sobre este tema para
discussão e formulação do projeto da LDB. O debate sobre Politecnia, tal como
foi incorporado e produzido pelos educadores brasileiros, esteve mais associado
à etapa do Ensino Médio, a partir da categoria Trabalho. O debate da Politecnica
ou da Educação Tecnológica ou mesmo sobre a Formação Omnilateral está longe
de ser esgotado, é um projeto em disputa situado nos limites que a sociedade
capitalista impõe. Saviani (2007) aponta que o avanço da indústria moderna
incorporou funções manuais e intelectuais às máquinas, fazendo recuar as
necessidades por qualificação do tipo específico, tal qual apontadas por Taylor.
Com o avanço da industrialização, cresceu a demanda do processo produtivo por
elevação da qualificação geral. Assim, passou a ser foco de disputa de correlações
de forças o projeto de formação educacional para o Ensino Médio.
No bojo dessa disputa, ganhou capilaridade no Brasil a Pedagogia

290 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

das Competências81, nos anos 1990. Essa pedagogia investiu no discurso da


qualificação flexível, empreendedora, polivalente, autônoma, da validação por
certificação dos conhecimentos tácitos, sendo assimilada no projeto educacional
dos Centros Federais de Educação Tecnológica, garantindo organicidade da
concepção de educação empresarial.
O debate sobre Politecnia continuou concorrendo na disputa pela formação
humana, pela formação dos trabalhadores e da juventude, ainda que em condições
de disputas muito desfavoráveis aos educadores progressistas durante o governo
do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), que promoveu, entre outras
medidas, a aprovação do Decreto nº. 2.208 de 1997, sobre o qual mais adiante
nos debruçaremos.
No primeiro ano do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (Lula),
foi aprovado o Decreto n.º 5.154 de 2004, que demarca uma aparente cisão com o
decreto anterior, n.º 2.208 de 1997, vigente até então, e estabelece um projeto de
travessia, denominação dada por Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) para discussão
do Ensino Médio Integrado. O termo Ensino Médio Integrado foi utilizado por
educadores e formuladores do novo “projeto” como tática política de substituição
ao conceito de Politecnia, uma vez que este é associado a educadores do campo da
esquerda e perderia força na disputa política no âmbito da Educação Profissional
junto ao Sistema S, visando a aprovação do Decreto.
O movimento construído pelo campo progressista para o projeto de
Ensino Médio Integrado passa a ser incorporado pelo governo do PT, pelo menos
aparentemente nos primeiros oito anos de mandato do governo Lula. É com base
neste contexto que o discurso que apresentava o projeto dos Institutos Federais e

81 A mais veemente marca do neotecnicismo se dá por meio da Pedagogia das


Competências e reflete as formulações racionalistas associadas à teoria do Capital Humano, que
se tornou mais evidente no Brasil na década de 1970. A pedagogia das competências passou a ser
instituída como a pedagogia oficial que ordena a organização curricular da educação profissional
por meio do Parecer n.º 16/99 de 1999. Desde então, essa pedagogia do capital-imperialismo
ganhou capilaridade entre os CEFETs, Agrotécnicas, Colégios de Aplicação Vinculados, sendo
incorporada ao novo modelo institucional dos Institutos Federais.
DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO
NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 291
embates políticos
o projeto de Ensino Médio Integrado ganhou força, trazendo reflexões amparadas
em categorias como Formação Omnilateral, Politecnia, Trabalho como princípio
educativo e Escola Unitária82.
No ano de 2004, foi editado o Decreto nº 5.154 (BRASIL, 2004), que
versa sobre a oferta da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, conhecido
amplamente como Ensino Médio Integrado. Em 2008, dois documentos foram
lançados: “Reestruturação e Expansão do Ensino Médio no Brasil” (BRASIL,
2008a); e “Ensino Médio Integrado: uma perspectiva abrangente na política
pública educacional” (BRASIL, 2008b). Conforme destacam os autores do campo
progressista que disputaram o processo de correlação de forças, é importante
entender que:

Um documento é fruto de um conjunto de disputas, por isso


mesmo, é um documento híbrido, com contradições que, para
expressar a luta dos setores progressistas envolvidos, precisa
ser compreendida nas disputas internas na sociedade, nos
estados, nas escolas. Sabemos que a lei não é a realidade, mas
a expressão de uma correlação de forças no plano estrutural e
conjuntural da sociedade (FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS,
2005, p. 27).

É com essa compreensão que realizamos a exposição argumentativa deste


trabalho. A primeira parte apresenta a disputa que se deu no período da criação
do Decreto nº. 2.208 e as resistências produzidas no interior das escolas e
especificamente na realidade maranhense. A segunda parte aborda o significado
da aprovação do Decreto nº 5.154 no atual cenário de reformas e os desafios aos
educadores e trabalhadores da educação de modo geral diante da Base Nacional
Curricular (2017, 2018) e das Diretrizes Curriculares para Educação Profissional

82 Termo utilizado nos escritos de Gramsci sobre Escola, Educação.

292 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

(2021). Para as novas gerações de educadores que ingressam nos Institutos


Federais a partir da transformação de sua institucionalidade e sob a reorganização
dos currículos dos cursos com base no “novo” Decreto, como veremos a seguir,
é imprescindível entender as disputas do passado para construir as lutas urgentes
e necessárias do presente.

2. O enfrentamento nas escolas à criação do Decreto n.º 2.208/97 sob o


governo Fernando Henrique

O governo de FHC representou o triunfo para expansão e execução da


etapa inicial da política neoliberal no Brasil. O Plano Diretor da reforma do
Estado, de acordo com Shiroma (2003), revelou a convicção dos gestores das
políticas públicas, nos anos 1990, a respeito de algumas teses que estiveram
e estão em voga: 1) o déficit público é uma consequência da exacerbação do
Estado-providência ou do Estado desenvolvimentista, e não do movimento do
próprio capital supranacional e financeiro;
2) o Estado necessita ser reduzido em suas funções, em especial naquelas
que supostamente teriam sido causa do déficit público, isto é, os hoje denominados
serviços sociais do Estado; 3) esses serviços públicos devem ser na
medida do possível, privatizados; 4) o ensino superior deve ser visto como
mercadoria ou semi-mercadoria, ou ainda, como bem privado antes que público;
e 5) o retorno social dos investimentos em educação superior seria menor do que
os dos investimentos na educação básica.
Podemos afirmar que, diferente do período dos anos 1990 em que
a educação básica ainda não era uma etapa sob ataque acirrado do capital
privado, nas mais recentes reformas educacionais, dos últimos oito anos, o setor
empresarial vem agindo de forma eficiente e num conjunto articulado de ações
para atingir o desenho de valores da educação formal brasileira, desde a educação
infantil à formação de professores, passando pelas modalidades da educação de
DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO
NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 293
embates políticos
jovens e adultos e educação profissional. O setor empresarial assume a liderança
com muita força no âmbito de ações organizadas da sociedade civil por meio do
Movimento Todos pela Educação, a partir da primeira década dos anos 2000, e
tem provocado uma verdadeira avalanche de pacotes de ações e serviços privados
sobre a escola pública.
Naquela década, teve enorme impacto sobre as escolas públicas de
educação profissional a criação do Decreto n.º 2.208/1997, regulamentando o
§2º do art. 36 e os artigos 39 a 42 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional. Esse decreto representou,
do ponto de vista educacional, uma das marcas mais autoritárias e de ação mais
descomprometida com a formação da juventude e de trabalhadores em relação
à elevação de escolaridade em nível médio associada a educação profissional,
no governo FHC. Para Frigotto, Ciavatta, Ramos (2005), as proposições mais
avançadas, do ponto de vista democrático-popular, para a LDB, foram quebradas
para se chegar à aprovação do Decreto n.º 2.208/1997, que representou o
aprofundamento da subordinação da educação ao mercado.

Sucessivamente, perdemos o apoio parlamentar para a


aprovação da lei em termos propostos e chegamos à LDB
n.º 9.394/1996 e, no ano seguinte, ao Decreto n.º 2.208/1997
e à Portaria n.º 646/1997. Enquanto o primeiro projeto de
LDB sinalizava a formação profissional integrada à formação
geral nos seus múltiplos aspectos humanísticos e científico-
tecnológicos, o Decreto n.º 2.208/97 e outros instrumentos
legais (como a portaria n.º 646/97) vêm não somente proibir
a pretendida formação integrada, mas regulamentar formas
fragmentadas e aligeiradas de educação profissional em
função das alegadas necessidades do mercado (FRIGOTTO;
CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 25).

No que se refere ao recuo histórico que esse Decreto nº. 2.208 representou,
podemos situá-lo junto à Reforma de Capanema de 1942, que no seu conjunto

294 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

abarcou as Leis Orgânicas do Ensino: Lei Orgânica do Ensino Industrial (Decreto-


lei n.º 4.073, de 30/01/1942); criação do Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial-SENAI (Decreto-lei n.º 4.048, de 22/01/1942); Lei Orgânica do Ensino
Secundário (Decreto-lei n.º 4.244, de 9/4/1942); Lei Orgânica do Ensino Comercial
(Decreto-lei n.º 6.141, de 28/12/1943); Lei Orgânica do Ensino Normal (Decreto-
lei n.º 8.530, de 2/01/1946); a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial-SENAC (Decreto-lei n.º 8.621 e 8.622, de 10/01/1946) e Lei Orgânica
do Ensino Agrícola (Decreto-lei n.º 9.613, de 20/08/1946). Os cursos médios
de 2º ciclo criados para jovens de camadas populares, como o agrotécnico, o
comercial técnico, o industrial técnico e o curso normal, não garantiam acesso ao
ensino superior. Em formato separado dentro da mesma reforma, foram criados
para os filhos das elites os cursos médios de 2º ciclo, científicos e clássico, com
duração de 3 anos, que davam acesso ao ensino superior.
Os valores educacionais do Decreto n.º 2.208 para educação profissional
significaram o rebaixamento da capacidade e do potencial educativo das escolas
federais no âmbito da força do trabalho pedagógico que essas escolas vinham
realizando historicamente junto a diferentes frações de classes, sendo reconhecidas
e referenciadas socialmente pela qualidade de seu trabalho. É importante destacar
as frentes de resistência que foram sendo construídas naquele período. No
âmbito das entidades de classes, o Sindicato dos Servidores Públicos Federais
(SINDSEP-MA) formou um Grupo de Trabalho sobre Educação Profissional e
organização da rede federal de educação profissional, composta por uma equipe
interinstitucional com representantes do CEFET- MA, Escola Agrotécnica de São
Luiz83 e Universidade Federal do Maranhão para debater o decreto e contribuir na
mobilização social de filiados ao sindicato.
No ano de 1996, ocorreu uma greve nacional dos servidores públicos
que teve como pauta a reforma administrativa para valorização dos serviços

83 Na época a denominação da Escola mantinha a escrita de São Luís com a letra z.

DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO


NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 295
embates políticos
públicos, o reajuste salarial, a reforma da previdência para aposentadoria digna,
a reforma agrária e a manutenção dos direitos sociais de trabalhadores/as. Um
número aproximado de 12 milhões de trabalhadores/as paralisaram os serviços
em todo o Brasil84. O setor da educação fez forte adesão, congregando sindicatos
estaduais e associações sindicais de universidades. Sindicatos de servidores
públicos federais engrossaram as fileiras da luta. Entre as pautas mais específicas
do setor da educação, figuravam a reivindicação pela mudança na concepção de
educação profissional e o protesto contra o caráter excludente e autoritário do
Decreto n.º 2.208, pois alijara do processo professores e técnicos. Na pauta
grevista, defendia-se também a garantia da elevação da escolaridade e a formação
propedêutica integrada à formação profissional.
Em outra pesquisa (ROSAR, HORA, 2017), foi feito o registro dessa luta
a partir da análise de documentos primários e coleta de algumas entrevistas com
servidores que participaram da greve na Agrotécnica São Luiz, no ano de 1996.
Entre as questões citadas nos boletins, constavam a concepção de educação
profissional que passava a ser disseminada no governo FHC, com a pretensão
da criação do Decreto n.º 2.208. Também já se apontava o impacto negativo das
medidas de contenção de gastos e recuo da presença do Estado no serviço público,
funcionando com parcos recursos financeiros e infraestrutura mínima e precária.
Um aspecto importante deste período foi a unificação das escolas federais nos
processos de organização das resistências.
É importante ter em conta que a nova institucionalidade de algum modo
altera a cultura escolar, o perfil docente, a dinâmica do trabalho e viabiliza a
incorporação da gestão empresarial e do produtivismo de resultados; portanto,
essas mudanças refletem nos processos de organização dos trabalhadores da
educação. Além desses elementos, soma-se o fato de que a criação dos Institutos
Federais representou a perda de organização com poder de autarquia, implicando

84 Fonte obtida no site: http://cedoc.cut.org.br/

296 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

na autonomia e na identidade das escolas Agrotécnicas, representando tensões


políticas com o Ministério da Educação e junto aos CEFETs85.
A expansão acelerada do Instituto Federal do Maranhão em uma imensa
extensão territorial trouxe enormes desafios para a organização das lutas de
trabalhadores, somadas a muitas variáveis que não são objeto deste artigo, e que
dificultam atualmente a mobilização social e unificação de lutas no âmbito das
organizações sindicais. No entanto, mesmo com tantas dificuldades, há registros
pontuais de greves e mobilizações unificadas com outras escolas e universidades
públicas nos últimos tempos. Como exemplo, temos as ações ocorridas nos meses
de maio e junho de 2019, conjunto de iniciativas de trabalhadores e estudantes
que ficou conhecido como “tsunami da educação”.
A justificativa do governo para aprovação do Decreto nº. 2.208 era
reparar a desigualdade existente nas escolas federais, principalmente CEFETs e
Escolas Técnicas Federais, uma vez que estas obtinham financiamento público
federal, tinham alto custo e responderiam pouco às demandas de trabalhadores,
revestindo-se mais com características de ensino propedêutico do que de ensino
técnico, atingindo, segundo o discurso oficial, mais a classe média (KUENZER,
1998). No entanto, o que estava por trás deste discurso era a submissão do Estado
brasileiro às determinações do Banco Mundial, cujo princípio para a reforma
embutida nesse decreto ficou explicitado como “justiça social com eficiência
econômica”, tendo no conceito de equidade uma referência que opera com as
diferenças sociais e econômicas como atributo natural e não como desigualdade.
Desse modo, o investimento no ensino fundamental é visto como a etapa
que traria mais rentabilidade, e o não investimento nas demais etapas seria uma
redução de custos desejável, o que trouxe consequências negativas para o setor
público no desenvolvimento da educação profissional e da educação superior,

85 A Professora Célia Otranto realizou várias produções sobre o tema da criação e expansão
dos Institutos Federais.

DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO


NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 297
embates políticos
inviabilizando a universalização do direito de acesso aos bens culturais e aos
fundamentos científicos do trabalho e da formação ética, estética e crítica.
A reforma desconsiderou, à época, a realidade de uma parcela significativa
de jovens trabalhadores brasileiros, cuja origem de classe social e os processos
de desigualdade e exclusão a que estão continuamente submetidos impõem de
forma mais precoce a luta pela sobrevivência, quase sempre atuando em postos
de trabalho precários ou informais. Para esses jovens, filhos de trabalhadores,
ofertar-lhes como única possibilidade de formação os cursos de Ensino Médio,
com a mesma modalidade ofertada a jovens de classe média, significou reiterar o
seu processo de exclusão, uma vez que este perfil de oferta de ensino ficou mais
distante das suas necessidades imediatas de vida, diminuindo as oportunidades
desses jovens de construírem novas necessidades por meio do acesso a bens
culturais e materiais.

3. O Decreto nº. 5.154 e a ilusão da conquista de uma luta que não se


enfrentou nas escolas

A aprovação do Decreto nº. 5.154 de 2004 significou uma vitória para


muitos educadores, sobretudo para aqueles que trabalham em escolas de educação
profissional pública, já que o decreto anterior impactou de forma negativa na
cultura, no currículo e no trabalho daquelas escolas. Para alguns intelectuais
e para uma parte dos pesquisadores da área Trabalho e Educação, que vinham
defendendo a existência da oferta do Ensino Médio Técnico Integrado, também
chamado de Ensino Médio Integrado, a aprovação desse novo decreto mereceu ser
comemorada como uma “travessia”. Esse tom de comemoração talvez se deva
pelo longo processo social envolvendo disputas travadas em torno da construção
e da aprovação de inúmeras legislações, como a primeira LDB n.º 4.024 de 1961,
quando conquistas foram interditadas pelo regime empresarial militar, alcançando
depois tímido avanço com a Lei n.º 7.044/82, sendo novamente interditadas

298 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

pelo Decreto nº. 2.208/97. Entre avanços e muitos recuos e a persistência pela
garantia de direitos em um país clivado por desigualdades estruturais, é possível
entender por que o decreto aprovado no governo Lula, e que revogou o decreto
anterior, foi tão celebrado como uma travessia. No entanto, é necessário explorar
rapidamente as contradições, rupturas e continuidades do que se chamou, à
época de sua aprovação, de “Novo” decreto. Muitos estudos já foram realizados
sobre ele, e nossa intenção é apenas lembrar aos esquecidos e aos reformadores,
que assimilam de forma acrítica as políticas dentro das escolas e dos Institutos
Federais, o que eles persistem em esquecer: os recuos e contradições das políticas
educacionais e seus impactos na formação dos adolescentes, jovens e adultos,
pois, qualquer prática comprometida com a qualidade para a formação humana
não pode prescindir da crítica aos limites impostos pelas políticas.
Ao analisar o novo Decreto nº. 5.154 de 2004, Kuenzer (2006) indagou sobre
sua intencionalidade, uma vez que revogou formalmente o Decreto n.º 2.208/97,
mas, na prática, recriou os cursos médios integrados que já estavam previstos no
parágrafo 2º do artigo 36 da Lei n.º 9.394/96, e incorporou todas as modalidades
de educação profissional por ele propostas, como a concomitante e a subsequente,
sem contudo limitar ou superar o balcão de negócios aberto pelo decreto anterior.
Em vez disso, manteve sua concepção e ampliou as possibilidades das parcerias
público-privadas por meio de inúmeros programas de qualificação profissional
que foram ampliados. Por fim, o que a autora conclui é que o “novo” decreto foi
uma “acomodação conservadora” para atender interesses da iniciativa privada.
Apesar de Kuenzer (2006) considerar que há diferenças que precisam
ser destacadas entre as políticas de educação profissional dos governos FHC e
Lula, sublinha o fato de que as diferenças não estão no plano da concepção das
relações entre Estado e Sociedade Civil, pois em ambas experiências é notório o
impulsionamento dado às parcerias entre o público e o privado. Assim, podemos
destacar a intensificação dessas parcerias relativas à educação profissional pública

DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO


NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 299
embates políticos
por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico86 (PRONATEC),
com privilégios assegurados ao Sistema S. O PRONATEC não só estimulou a
expansão privada, como agudizou as desigualdades de oportunidades de acesso
ao Ensino Médio Integrado público no sistema federal de ensino. Assim, vejamos
o que foi garantido ao sistema privado pela Lei n.º 12.513, de 26 de outubro de
2011, posteriormente modificada pela Lei n.º 12.816 de 201387:

Art. 20-A. Os serviços nacionais sociais terão autonomia para


criar unidades de ensino para a oferta de educação profissional
técnica de nível médio e educação de jovens e adultos integrada
à educação profissional, desde que em articulação direta com os
serviços nacionais de aprendizagem, observada a competência
de supervisão e avaliação dos Estados
Art. 20-B. As instituições privadas de ensino superior
habilitadas nos termos do § 2º do art. 6º-A ficam autorizadas
a criar e ofertar cursos técnicos de nível médio, nas formas
e modalidades definidas no regulamento, resguardadas as
competências de supervisão e avaliação da União, previstas no
inciso IX do caput do art. 9º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996.

86 O PRONATEC foi instituído pela Lei n.º 12.513/2011, de 26 de Outubro de 2011. O


programa, segundo o discurso do MEC, tem como objetivo principal expandir, interiorizar e
democratizar a oferta de cursos de Educação Profissional e Tecnológica (EPT) para a população
brasileira. Para tanto, prevê uma série de subprogramas, projetos e ações de assistência técnica
e financeira que juntos oferecerão oito milhões de vagas a brasileiros de diferentes perfis nos
próximos quatro anos. Os destaques do Pronatec são: a criação da Bolsa-Formação; a criação do
FIES Técnico; a consolidação da rede E-Tec Brasil (rede Técnica Aberta do Brasil); fomento às
redes estaduais de EPT por intermédio do Brasil Profissionalizado; a expansão da Rede Federal
de Educação Profissional Tecnológica (EPT). O FIES Técnico é o financiamento para alunos que
buscam cursos profissionalizantes em Instituições privadas, conforme já ocorre em nível superior.
(Fonte:www.mec.gov.br/pronatec).
87 A Lei 12.816 de 2013 destaca, no Art. 3º, que “O Pronatec cumprirá suas finalidades e
objetivos em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
com a participação voluntária dos serviços nacionais de aprendizagem, de instituições privadas e
públicas de ensino superior, de instituições de educação profissional e tecnológica e de fundações
públicas de direito privado precipuamente dedicadas à educação profissional e tecnológica,
habilitadas nos termos desta Lei”.

300 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

Para Rodrigues (2005), o Decreto n.º 2.208/97 recriou explicitamente


a dualidade no ensino e o Decreto n.º 5.154/04 reconhece essa dualidade, uma
vez que não foi até hoje revogado. Mais adiante retomaremos essa questão. A
proposta original de modularização da educação profissional, contida no decreto
anterior, foi potencializada por meio da noção de “itinerários formativos” no
“novíssimo decreto” de 2004. Aliás, esta expressão está atualizada com ares de
inovação pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional, n.º
1, de 5 de janeiro de 2021, no Art. 5º, § 4º “itinerário formativo deve contemplar a
articulação de cursos e programas, configurando trajetória educacional consistente
e programada”.
No entanto, o que estamos observando na arena das lutas é que o atual
projeto para educação profissional e tecnológica do governo Bolsonaro não é
somente conservador porque acomoda velhas concepções; é também autoritário
e profundamente excludente, pois além de aprofundar a formação de distintas
escolas para diferentes classes sociais, amplia na legislação mais oportunidades
de uso da escola pública para enriquecimento dos cofres privados.
Para José Rodrigues (2005), “o novíssimo decreto” de 2004 parece repetir
a lógica presente na Lei n.º 7.044/82. Portanto, pode-se dizer que o Decreto n.º
5.154 que tanto mobilizou o campo progressista e inspirou o debate sobre Ensino
Médio Integrado contém limites importantes a serem observados. O avanço
temporal do debate acerca desse decreto, como bem delimita o autor (ibidem) é:
deixamos o ano de 1942 e avançamos até 1982.
Resguardando os embates e limites do Decreto n.º 5.154/2004, foi a partir
dele que educadores se esforçaram para discutir a possibilidade de integração
entre o ensino médio e a educação profissional, “trazendo alguma expectativa de
avanço em direção à politecnia, mas mantendo, como acomodação e expressão
de posições contraditórias, as formas subsequente e concomitante” (DANTE,
DOMINGOS E RIBEIRO, 2015, p. 1.073).
Uma confusão de entendimento comumente realizada e que deve ser
DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO
NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 301
embates políticos
rigorosamente explicitada e esclarecida é que educação politécnica não possui o
mesmo significado de educação integral ou educação de tempo integral88. Essa
confusão ou “posição teórica” vem se apresentando de forma incisiva após a
aprovação da LDB na forma de discursos que operam os significados como
sinônimo ou que simplificam e reduzem a profundidade desse debate sobre o
papel da escola na Formação Humana Omnilateral. O primeiro aspecto a ser
observado é o uso do termo Politecnia; esta polêmica é muito bem recuperada
por Nosella (2007) e Saviani (2003), esclarecendo que o termo Politecnia não foi
o único utilizado por Marx; em algumas passagens ele utiliza o termo Educação
Tecnológica. É necessário resguardar as diferenças e confrontos conceituais que
foram sendo acumulados na área dos estudos sobre Trabalho e Educação. Outro
aspecto refere-se à totalidade do entendimento sobre o termo Ensino Médio
Integrado, na trajetória histórica do uso desse termo dentro do Fórum Nacional
da Educação e na Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito.
Compreender essa concepção de Ensino Médio Integrado na realidade
brasileira exige situá-la nesse período específico da história da educação e
entendê-la de forma indissociável dos termos de Politecnia e Omnilateralidade.
Por isso, é importante lembrar que “sua origem remota está na educação
socialista que pretendia ser omnilateral, no sentido de formar o ser humano
na sua integralidade física, mental, cultural, política, científico-tecnológica”
(CIAVATTA, 2014, p.190).
O projeto educativo que toma os escritos de Marx e de autores que
seguiram sua tradição como referência para pensar a escola entende esse espaço
institucionalizado da escola como aquele que cumpre papel social para além
de si mesmo, ou seja, para além da cotidianidade, pois valoriza as formas mais
desenvolvidas, problematiza a sociedade como obra humana, busca superar a

88 A este respeito consultar o artigo de Dante Henrique Moura, Domingos Leite Lima
Filho e Mônica Ribeiro Silva (2015).

302 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

cisão entre trabalho manual e intelectual, busca substituir indivíduo fragmentado


por um indivíduo integrado e que se vê artífice do mundo.
A pedagogia ancorada nesse projeto educativo tem como horizonte o
debate profundo sobre o modo de produção capitalista e a busca por uma outra
alternativa de organização social, encontrando no movimento dialético da
história a possibilidade de desenvolvimento de ricas necessidades humanas,
quase sempre limitadas e subsumidas pelo modo de produção capitalista, que as
reduz à luta imediata pela sobrevivência. A escola cumpre um papel inalienável
no desenvolvimento das propriedades essencialmente humanas, na humanização
e na emancipação das diferentes frações de classes.
No processo de criação dos Institutos Federais e do debate sobre Ensino
Médio Integrado, os processos discursivos sobre diferentes concepções de
educação se imbricaram, confundiram e simplificaram temas oriundos dos
fundamentos marxistas. A Pedagogia das Competências andou ao lado de
conceitos que pautaram a Politecnia. Os debates e organização de algumas
experiências sobre Ensino Médio Integrado foram de forma reiterada reduzindo a
organização do trabalho pedagógico à forma interdisciplinar ou transdisciplinar.
Por isso, tornou-se fácil para a pedagogia do capital se apropriar com destreza
da linguagem marxista nos documentos oficiais, pois a simplificação do debate
deu vazão a usos indevidos e intencionais que provocaram e ainda provocam
distorções entre os educadores sobre os projetos educativos que estão em disputa
na realidade brasileira.
Durante a primeira década e a metade da segunda década dos anos 2000,
os Institutos Federais ficaram imersos em seu processo de expansão institucional,
levado a cabo pelo Governo Federal. A corrida por implementar uma nova
institucionalidade, sua infraestrutura física e administrativa, formando novas
equipes de docentes e técnicos, colocou em segundo plano o que também era
urgente para os educadores, ou seja, disputar a construção de projetos pedagógicos
com fundamentos na defesa do Ensino Médio Integrado. A transição das antigas
DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO
NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 303
embates políticos
escolas para a nova institucionalidade incorporou, sem superar, a Pedagogias das
Competências, e o fez porque as Diretrizes Curriculares para Educação Básica
(1998) e para Educação Profissional (1999), mantidas durante um longo período
pelo governo Lula e Dilma, eram fundamentadas na lógica das competências.
O Instituto Federal do Maranhão foi o segundo maior em termos de
expansão institucional no país e logrou êxito em expandir o ensino médio para
municípios até então distantes do acesso ao direito a essa etapa da educação
básica, tão negligenciada por longos períodos do governo estadual, exercido
por Roseana Sarney, que acionou o Telensino como única possibilidade dos
adolescentes e da juventude das escolas públicas concluírem os estudos em nível
médio. Desse ponto de vista, é possível afirmar que tivemos avanços, ainda que
o formato da expansão tenha sido subserviente a critérios políticos e pressão
do setor produtivo89, negligenciando indicadores e pesquisas sobre a realidade
maranhense e suas reais demandas por escolarização. Considerando o cenário
em que se dava a expansão do IFMA, a urgência, os improvisos, os atropelos na
realização de audiências públicas para definir cursos, a expansão das escolas
foi ocorrendo sob frágeis processos formativos, além da pressão para executar
inúmeros programas de qualificação profissional que passaram a ocorrer no interior

89 Demonstro em outras pesquisas (HORA, 2013) como a expansão do Instituto Federal


do Maranhão foi subordinada ao eixo produtivo Carajás. A fase 1 da expansão articula-se toda no
eixo de produção da empresa privada Vale e de indústrias siderúrgicas. Apresento documentos
primários institucionais que confirmaram minha hipótese. Entre as cidades do Maranhão e povoados
atravessados pela ferrovia Carajás, quatro compõem o processo da primeira fase de expansão da
Educação Profissional: Açailândia, Buriticupu, Santa Inês e São Luís, sendo a capital destino final,
por constituir-se porto de embarque do minério destinado ao mercado internacional. A expansão
e a oferta de cursos seguem até hoje o conceito de Arranjo Produtivo Local (APL) que não está
associado às demandas produtivas das comunidades, mas prioritariamente à lógica das demandas
produtivas dos empresários. Os APLs foram assumidos como concepção de desenvolvimento
territorial dentro do Ministério do Desenvolvimento e no SEBRAE, sua concepção relaciona-se
a APLs industriais, ou seja, a uma política industrial. Na expansão da educação profissional no
Maranhão, a abordagem teórica que fundamenta esses APLs é a teoria da organização industrial,
cuja unidade de análise é a indústria; a natureza da vantagem competitiva é sustentável, fundada
no exercício de situações de quase-monopólio.

304 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

das escolas do Instituto, sobrecarregando as equipes de trabalho, desfocando o


trabalho de docentes e técnicos/as, e impondo novos obstáculos em seu exercício
de construir a identidade dessa nova instituição e compreender seu papel social.

4. O permanente desafio de iniciar o projeto de Ensino Médio Integrado

Na realidade que conjugava uma expansão desordenada, acelerada e


sob muitos manejos desenhados pela cultura política patrimonialista, gestores
e educadores do Instituto Federal do Maranhão não enfrentaram, ao longo
da primeira década de existência da instituição, o necessário debate sobre a
centralidade do Projeto do Ensino Médio Integrado no Plano de Desenvolvimento
Institucional. O que podemos registrar são experiências de projetos de ensino
isolados por meio de trabalhos interdisciplinares, o que significa apenas uma
dimensão metodológica da integração, mas não é a integração curricular. Essas
experiências são insuficientes e distantes do enfrentamento da questão, ou seja,
o de tornar a integração uma política de ensino, pesquisa e extensão no centro das
ações da Reitoria e Pró-reitorias, irradiando às Diretorias de Campi.
É somente a partir de 2016 que a Pró Reitoria de Ensino (PROEN) do
IFMA realiza os primeiros esforços no sentido de tornar a discussão sobre Ensino
Médio Integrado uma fonte para definir a política institucional e para impulsionar
ações de desenvolvimento do ensino, 12 anos após a aprovação do Decreto n.º
5.154 de 2004 ter aberto portas para esse debate. É importante frisar aqui que
isso só foi possível porque, dada a gravidade da conjuntura que se apresentava no
país no ano de 2016, era urgente que as escolas federais de educação profissional
fortalecessem seus currículos.
Foi assim, nesse mesmo ano, por iniciativa dos membros do Fórum de
Dirigentes de Ensino – FDE, que foi proposto ao Conselho Nacional das Instituições
da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF) o
estabelecimento de Diretrizes Indutoras para a Oferta do Ensino Médio Integrado
DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO
NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 305
embates políticos
como política prioritária na Rede Federal. O Fórum de Dirigentes elaborou dois
documentos90 que impulsionaram as ações pelo CONIF: o primeiro, em 2016,
o Documento Base para a Promoção da Formação Integral e Fortalecimento do
Ensino Médio Integrado; o segundo, em 2017, a Agenda de Fortalecimento do
Ensino Médio Integrado na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica.
Desse modo, a determinação do debate sobre Ensino Médio Integrado
no IFMA é impulsionada pelo Fórum de Dirigentes e pelo CONIF. A PROEN
passa, então, a constituir, no ano de 2016, o grupo de trabalho Currículo para
iniciar as atividades de formação e de discussão, inicialmente, da equivalência
curricular para os cursos técnicos de nível médio, subsequente e concomitante.
As atividades têm marco na II Reunião Técnica de Ensino, ocorrida no dia
23/11/2016. De acordo com documento oficial da PROEN (2019)91, essas
atividades iniciam “por força da necessidade de um alinhamento institucional
a partir da equivalência de Matrizes de Referência”. O termo “equivalência”
toma como referência o conceito defendido pelo Conselho Nacional de
Educação, assim entendido: “Não se trata de avaliar se os cursos são iguais,
mas se atendem às diretrizes curriculares e aos requisitos mínimos exigidos
pela legislação educacional” (Parecer CNE/CES nº 31/2014).
No ano de 2017, foi iniciada a mobilização institucional nacional sobre
a organização curricular, impulsionada pela conjuntura que se vivia no país.
Em 31 de agosto de 2016, o governo de Dilma Rousseff sofreu golpe de estado

90 Informações sobre esses documentos e a posição política do CONIF podem ser encontradas
oficialmente no site: http://portal.conif.org.br/images/Diretrizes_EMI_-_Reditec2018.pdf
91 Para relato das datas das atividades da Pró-Reitoria de Ensino do IFMA referente à
organização das matrizes curriculares e ao currículo integrado, tomamos como referência o
documento denominado Um Breve Histórico do Trabalho desenvolvido pelos GTs de
Currículo, do ano de 2019. Esse documento fundamentou a fala da Pró-Reitora de Ensino no
ano de 2019, nos momentos de formação nos Campi quando tiveram início os trabalhos de
reformulação dos projetos dos cursos nos Campi Monte Castelo, Centro Histórico e Maracanã,
todos situados na cidade de São Luís. No ano de 2019 eu participei destas atividades, inserida no
GT Currículo Central.

306 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

engendrado por forças civis e militares, o que ocasionou na perda do cargo de


Presidente da República. Logo após a posse do presidente Temer, uma série de
medidas nas políticas econômica e social foi apresentada por meio do documento
denominado programa “Uma ponte para o futuro”. Em relação às medidas para a
educação, entrou na ordem do dia a Medida Provisória do Ensino Médio (MP n.º
746 de 22 de setembro de 2016). O ex-presidente do INEP, Francisco Soares92,
justificou a medida afirmando:

[…] quando o Enem se estabeleceu como o principal processo


seletivo do ensino superior no País, acabou se criando um
“padrão único” para a saída do ensino médio. Todo mundo
estuda o que cai no Enem, o que é ruim, porque obriga todos
os alunos a aprenderem determinadas coisas com as quais nem
todos se relacionam. Agora, com as novas trilhas, a prova vai
ter de refletir uma nova base comum, de boa qualidade.

A fala dos reformadores do novo governo, após o golpe, liderado pelos


empresários sob o manto do MDB93 (Movimento Democrático Brasileiro), não
deixou dúvidas sobre o projeto pautado para a educação no país. Era necessário
acelerar o desmonte da educação pública na etapa da educação básica, uma vez
que o ensino superior público já estava vivendo há algum tempo processo de corte
de verbas, expansão acelerada da EAD, expansão precária de infraestrutura física
e administrativa para cursos presenciais, entre outras ações que colocaram as
escolas públicas em situação de alerta. No que se refere à etapa da educação

92 Fonte: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/brasil/2016/09/reforma-deve-
tambem-mudar- vestibulares.html. Acesso 13 de novembro de 2016.
93 O MDB aglutina toda a base do antigo partido PMDB, a mudança de sigla significou
estratégia de recomposição de forças na disputa do jogo político.

DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO


NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 307
embates políticos
básica, o foco dos empresários da educação era atacar inicialmente o projeto de
padronização do acesso aos conteúdos científicos, humanísticos, éticos, estéticos
e profissionais comuns a todos, ou seja, o currículo nacional. Nessa perspectiva,
estava sob alvo o Ensino Médio Integrado, política educacional estruturante da
educação profissional e tecnológica.
Nesse cenário conservador, o governo federal impulsionou diversas
ações preocupantes no âmbito dos Institutos Federais. Por isso, a mobilização
institucional nacional em prol da discussão sobre currículo integrado no âmbito
de todos os IFs passou a ser urgente, logo se articulou o ‘Seminário de Ensino
Médio Integrado’, realizado em Brasília. No ano de 2017, a PROEN realiza a II
Reunião Técnica de Ensino. Uma preocupação já rondava a comunidade escolar
em relação às mudanças que poderiam ser realizadas pela Lei n.º 13.415/2017: na
época, a PROEN emitiu documento oficial afirmando que no âmbito do “trabalho
de revisão das Matrizes Curriculares, a forma de oferta da Educação Profissional
Integrada ao Ensino Médio continua vigente nos termos apresentados pela LDB
9.394/96”.
Na primeira atividade do ano de 2018, intitulada de I Reunião Técnica
de Ensino, ocorrida nos dias 27 e 28 de março, a PROEN realizou atividade de
formação para a equipe dos GTs de Currículo, por meio de palestra proferida pelo
professor Edison Gonzague Brito da Silva, do Instituto Federal de Farroupilha,
durante a qual o palestrante relatou a experiência de integração curricular daquele
Instituto. Essa experiência foi referência para a construção dos trabalhos dentro da
Pró-Reitoria de Ensino. Além da palestra, vários momentos de estudos formativos
foram realizados com base em artigos científicos de autores já bastante conhecidos
na área Trabalho e Educação, de referência marxista, e que abordam de forma
profunda o projeto de Ensino Médio Integrado e de educação integral, dentro
dos fundamentos compreendidos historicamente no Brasil como Politecnia. Os
artigos científicos com fundamentos na concepção politécnica foram indicados
pela PROEN. As ações adotadas no ano de 2019 e os subsídios teóricos utilizados

308 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

para os momentos de formação passaram a estabelecer contradições na condução


da política de ensino.
Os fundamentos teóricos e filosóficos que passaram a ser adotados para
estudos não se compatibilizavam com aqueles já utilizados ao longo de mais
de duas décadas no Projeto Pedagógico do IFMA e nos projetos de cursos que
embasaram a formulação da redação e da organização curricular pautada na
Pedagogia das Competências94, orientada por legislações que demoraram muito
tempo para romper com a visão que reforça a articulação entre demandas da
economia e da educação escolar. Essa concepção reduz a compreensão crítica da
formação que tem no mundo do trabalho elementos para construir a identidade
do Ensino Médio Integrado em oposição à formação de ensino técnico integrado
ao médio que se submete às necessidades imediatas das empresas e do mercado.
As legislações a que nos referimos são as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio (DCNEM), explicitadas no Parecer 15/98 e na Resolução
3/98 da Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação
(CNE), e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de
1999 (Parecer CNE/CEB 16/99). Mesmo após a aprovação do Decreto n.º 5.154
de 2004, e mesmo após a criação dos Institutos Federais no ano de 2008, é somente
no ano de 2010 que o governo federal, por meio do Ministério da Educação,
inicia ações para reformular as DCNs aprovadas no ano de 1998. O documento
mais compatível com a concepção de Ensino Médio Integrado e de Educação
Profissional, defendida por setores progressistas,

veio a lume no primeiro semestre de 2010, e o primeiro


documento alternativo de um Grupo de Trabalho, promovido

94 Pedagogia pautada na resolução de problemas que valoriza saberes psicomotores,


socioafetivos, cognitivos com base nos pilares do: saber fazer, saber ser, saber conviver. Podemos
arriscar que a atualidade da pedagogia das competências convocada novamente para as atuais
reformas da educação vem reforçar mais um pilar, o saber empreender.

DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO


NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 309
embates políticos
pelo Ministério da Educação, reunindo movimentos sociais,
entidades científicas e setores do próprio Ministério, começou
a ser elaborado em meados do mesmo ano (RAMOS apud
ANPED, 2012).
As Diretrizes Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível
Médio aprovadas na Resolução 06/2012 têm como fundamento a formação
integral e o trabalho como princípio educativo, e compreendem o trabalho, a
ciência, a tecnologia e a cultura como dimensões a serem desenvolvidas na
formação dos estudantes. Aprovadas no ano de 2012, seus princípios formativos
nunca foram implementados como política de ensino no IFMA, diferentemente
de outros Institutos Federais.
O debate sobre Integração Curricular e Ensino Médio Integrado, tomado
por autores como Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos, Acácia
Kuenzer, Dante Moura, Domingos Leite Filho, Dermeval Saviani e outros do
mesmo campo teórico progressista, já extensivamente citados neste artigo e
em outros trabalhos, tem sido amplamente utilizado em documentos oficiais
com um caráter apenas instrumental do uso de seus conceitos, com apropriações
indevidas e equivocadas.
É necessário destacar que esses autores, ao realizarem o debate sobre
integração curricular, não o fazem circunscritos a um projeto de ensino com um
fim em si mesmo, ou um fim que opera apenas na relação intraescolar. Quando
fazem o debate, problematizam o modo de produção capitalista, as relações de
exploração, a necessidade de superação do capitalismo como única forma de
organização social, e objetivam a formação humana no processo histórico e
ontológico de produção da existência e transformação de suas realidades.
As reflexões sobre educação integral são produzidas no âmbito do mundo
do trabalho e nas relações humanas e de trabalho configuradas na sociedade
capitalista, assim, reflete-se também, por consequência, sobre o trabalho, a
cultura, a sociabilidade, as correlações de forças, o trabalho manual e intelectual
e a superação da divisão capital e trabalho. O debate sobre Ensino Médio

310 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

Integrado com base nos autores citados anteriormente não é um debate apenas
sobre a escola, é um debate sobre a escola na sociedade capitalista e a travessia
para a sua superação.
É necessário não perder de vista o horizonte que fundamenta a educação
integral com tradição na educação soviética. Excluir a origem do debate que
estabelece os fundamentos teóricos e filosóficos para a proposta de Ensino Médio
Integrado é torná-lo de caráter instrumental, portanto, limitado a concepções
pedagógicas do regime rígido e do regime de acumulação95, como denomina
Kuenzer (1998), pois, para esta autora, as demais pedagogias são por ela
denominadas de variações destas citadas. Outra expressão que também possibilita
um entendimento sobre concepções pedagógicas que limitam suas análises ao
currículo, ao cotidiano, às práticas pedagógicas, às metodologias, às tecnologias
e situam a função social da escola na conciliação entre racionalidade pedagógica
e racionalidade econômica, sem explicitar de forma objetiva suas concepções de
mundo e de homem, é a Pedagogia do Aprender a Aprender, assim denominada
por Duarte (2002).
O trabalho da PROEN prossegue no segundo semestre de 2018 no II
Seminário Nacional de Ensino Médio Integrado. Nesse evento são aprovadas
as Diretrizes Indutoras para o Ensino Integrado, que foram referendadas pelo
CONIF como referência à elaboração das Diretrizes Curriculares dos Institutos.
Este documento passou a nortear o GT Currículo do IFMA no ano de 2019.
Nesse mesmo ano, compus a equipe que assessorou pedagogicamente os

95 A acumulação flexível tem origem na organização da produção com base no toyotismo,


que marca um confronto direto com a rigidez do sistema fordista. Este modelo industrial foi
aplicado inicialmente no Japão, e no regime toyotista tem como uma de suas características o
investimento na formação da subjetividade dos jovens e dos trabalhadores, com vistas à maior
manipulação do consentimento do trabalhador no conjunto de ações no campo das inovações
organizacionais, institucionais e das relações que permitem superar os limites do antigo padrão de
acumulação fordista. Termos associados a este modelo: just in time, flexibilidade, terceirização e
quarteirização, inovação tecnológica, novos setores de produção e serviços e diversificação nas
novas maneiras de relacionamento no mercado.

DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO


NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 311
embates políticos
trabalhos para a reformulação das matrizes curriculares dos cursos. Foram quatro
meses acompanhando os trabalhos. Entre os obstáculos observados, estavam as
dificuldades na compreensão sobre o projeto de Ensino Médio Integrado na sua
totalidade, nas suas múltiplas dimensões constituídas no interior da escola. Por
outro lado, compreendemos também que construir essa experiência exige de nós
a ruptura com a lógica formal por incorporação à lógica dialética, superação da
formação fragmentada, taylorista, pela formação humana integral, estruturada
no eixo trabalho, ciência, tecnologia e cultura, além da ruptura com formas
autoritárias na organização do trabalho escolar por formas mais democráticas e
participativas.
Na agenda de trabalho, foram planejadas atividades de formação com
representantes docentes dos eixos tecnológicos escolhidos nos Campi e, nesse
mesmo calendário, iniciaram as atividades de elaboração das matrizes de
referência, mesmo reconhecendo que a aceleração da dinâmica das atividades
implicaria em prejuízos no processo. Notava-se a dificuldade de apropriação dos
fundamentos teórico-metodológicos que dariam base ao trabalho de organização
curricular. Toda a equipe apresentava dificuldade em compreender a integração
curricular e o projeto de Ensino Médio Integrado. A aceleração na agenda de
trabalho, a compactação de atividades e a realização em um curto intervalo de
tempo já começavam a anunciar que em breve ocorreriam problemas. As atividades
paralisaram no que ficou conhecido como “evento de Bacabal”. Naquele Campus,
foi encerrada uma das últimas etapas de alteração das matrizes, a reorganização
da carga horária.
Em discordância com a proposta apresentada pela equipe da PROEN,
docentes presentes rejeitaram a proposta, pois ela aproximava-se muito daquela
defendida pela reforma do ensino médio fundamentada pela Base Nacional
Curricular Comum (BNCC). A forte resistência constituída pelas vozes de
docentes, que expandiu para os demais campi, somada às dificuldades pedagógicas
e operacionais, tais como, equipe pequena, limites para expandir o trabalho de

312 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

formação para todos os campi e limites no calendário devido à proximidade do


final do ano letivo de 2019 foram alguns aspectos que representaram entraves à
execução do cronograma pretendido.
Após período de transição de uma gestão para outra e após processo
eleitoral para Reitor e diretores de campus do IFMA, já no contexto de pandemia
por Covid-19, o debate foi retomado sob justificativa da urgência diante das
“Diretrizes para Educação Profissional” aprovadas em janeiro de 2021 e do
atraso na atualização dos cursos a partir das Diretrizes Indutoras aprovadas pelo
CONIF em 2018. O calendário de trabalho da Pró-Reitoria de Ensino e Assuntos
Estudantis (PRENAE), sob nova gestão, apresentou uma agenda arrojada, ousada
e urgente de execução do trabalho e entrega de produtos. A partir do documento
denominado Plano Integrado de Ações Estratégicas 2021, a agenda de trabalho
para Reconstrução das Diretrizes Institucionais para os Cursos Técnicos
apresenta-se como uma das prioridades da política de ensino.
A reconstrução dessas diretrizes cumpre, sem dúvida, centralidade nas
ações da política de ensino, anteriormente nunca priorizadas nos planos de
trabalho de gestões anteriores; as alterações impactam toda a dinâmica da cultura
institucional, acadêmica e profissional. Considero de suma importância esse
debate dentro da instituição, associado à defesa do Ensino Médio Integrado.
Por outro lado, também entendo que a celeridade do calendário de trabalho
em um contexto de pandemia, cujo processo de deliberações e definições por via de
trabalho remoto, contexto que carrega inúmeros desafios e limites, representa um
prejuízo irreparável para a apropriação, participação com qualidade e construção
coletiva efetiva e qualificada das referidas diretrizes, podendo refletir em
reformulações de matrizes curriculares mais próximas a propostas conservadoras,
como por exemplo, a Reforma do Ensino Médio, além de mais uma vez adiar a
apropriação qualitativa sobre a implantação da Integração Curricular no chão da
escola. Podemos repetir experiências do passado que, ao acelerarem agendas de
trabalho, interditaram a compreensão, por parte de nossos/as educadores/as, do
projeto de Ensino Médio Integrado.
DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO
NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 313
embates políticos
Percebemos, na atual experiência, a persistência em compreender o
documento da BNCC como determinante das nossas adaptações curriculares. O
documento da BNCC não faz referência a Ensino Médio Integrado, portanto,
não é sobre esse documento que devemos centrar forças da resistência pela
construção de uma educação progressista, pois o próprio conteúdo que consta
naquela legislação nos desobriga a utilizá-la. Nossa identidade, presente em
todos os documentos que versam sobre Institutos Federais e o Projeto Político
Pedagógico do IFMA, baseia-se na identidade e especificidades do Ensino Médio
no qual trabalhamos, isto precisa ser urgentemente entendido. Devemos nos
preocupar e resistir a qualquer perspectiva que reduza a capacidade de construir
um projeto educativo pautado no compromisso ético, técnico e político com a
educação de qualidade que atenda com prioridade a elevação da escolaridade das
classes populares.
Também é necessário atenção às atuais Diretrizes para Educação
Profissional e Tecnológica, pois estas abusam do uso de diferentes conceitos no
mesmo texto e buscam dirimir as contradições entre esses conceitos, tentando
apaziguar as diferenças e seduzir o leitor desatento, fazendo não ver que as atuais
diretrizes pouco se modificaram em relação ao governo anterior e, portanto, são
boas e devem ser implementadas.

5. Considerações finais

É de suma importância recuperar o processo histórico da origem e das


disputas na realidade brasileira do conceito de Politecnia. Não podemos abrir
mão das conquistas do campo progressista da educação brasileira. A realização
de um Ensino Médio Integrado deve ser compreendida e articulada socialmente a
partir dessas bases conceituais, que orientam a ação dos educadores progressistas
nas disputas travadas no espaço educacional. Qualquer outro entendimento do
termo “Ensino Médio Integrado” dissociado de sua origem é instrumentalização
retórica. “A história do presente é sempre obscurecida pelo sentido de sua

314 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Lícia Cristina Araújo da Hora

transformação que, como soe acontecer, somente nos é dado depois que o futuro/
presente se realiza. Mas isso não pode nos imobilizar” (CIAVATTA, 2014, p.
189). Estamos diante de um duplo desafio para organizar as lutas e os processos
de resistência envolvendo trabalhadores da educação.
O primeiro é compreender o conjunto das reformas para educação na
sua totalidade, no qual a BNCC é apenas uma etapa. A atual versão da BNCC
apresenta um conteúdo pautado numa racionalidade técnica e instrumental de
educação que atende a demanda de setores produtivos empresariais que há algum
tempo vêm realizando esforços para gerir e controlar os recursos educacionais, a
organização pedagógica, a produção de materiais didáticos e a formação docente
no âmbito da educação pública. O conjunto da reforma da educação pública
abrange: Reforma do Ensino Médio, BNCC, Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio, Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação Inicial de
Professores para Educação Básica, a 4ª versão do Catálogo do Ensino Técnico e as
Diretrizes para Educação Profissional e Tecnológica.
O segundo desafio é compreender o projeto do Ensino Médio Integrado
e encará-lo como cerne de uma disputa social pela manutenção e melhoria do
trabalho que os Institutos Federais vêm realizando como possibilidade, ainda que
com limites, de construção de uma escola pública socialmente referenciada para
os filhos da classe trabalhadora e também para os/as trabalhadores/as, uma vez
que o Ensino Médio Integrado contempla a educação de jovens e adultos e faz
com que as escolas técnicas federais recuperem sua origem histórica junto às
classes menos favorecidas, ressignificando o compromisso e o papel pedagógico
dessas escolas junto a esses segmentos.
Neste momento lutamos contra o obscurantismo beligerante, como
denomina Duarte at ali (2020), assim como contra o anticientificismo, sendo
assim, não há outro caminho, senão resistir ao conjunto das reformas no que for
possível, a partir de nossas possibilidades, de nossa realidade, defendendo nesse
momento a especificidade do papel da Escola e da produção do conhecimento que
construímos nesse espaço, em defesa das condições para a emancipação humana.
DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO
NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO: uma breve leitura histórica dos 315
embates políticos
REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Resolução n. 3, de 26 de junho


de 1998 Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 ago. 1998.

BRASIL. Parecer CNE/CEB N. 16/99. Diretrizes Curriculares Nacionais para


a Educação Profissional de Nível Técnico. Diário Oficial da União, Brasília, 25
de novembro de 1999.

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Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Diário
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embates políticos
A EXPERIÊNCIA DE CENTROS DE ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

Maria Regina Martins Cabral96

Todo estudante do Ensino Médio pode ser um filósofo do


trabalho. Andar pelas ruas de seu bairro e descobrir novas
possibilidades para transformação da escassez em abundância.

Regina Cabral

RESUMO: Este artigo apresenta a experiência de criação dos Centros


de Ensino Médio e Educação Profissional (CEMP) como Escolas Pontos de
Desenvolvimento Territorial (EPDT) na Baixada Maranhense, no período de
2004 a 2017. É feito um histórico de sua implantação, aspectos de seu projeto
educativo e as repercussões dos resultados obtidos. Nesse projeto de escola, a
cidade é o grande laboratório de experimentação e os alunos são filósofos que
realizam pesquisa-ação voltada para o desenvolvimento orgânico da região, em
articulação com sua própria formação geral e profissional.

Palavras-chave: Educação Profissional. Desenvolvimento Orgânico.


Centros de Ensino Médio e Educação Profissional (CEMP). Escolas Pontos de
Desenvolvimento Territorial (EPDT).

96

320 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

1. Introdução

O presente artigo apresenta um relato da experiência de implementação


dos Centros de Ensino Médio e Educação Profissional (CEMP), instituições
de ensino médio e profissionalizante concebidas a partir da ideia de educação
integral e como ponto de desenvolvimento territorial.
A experiência foi realizada no período de 2003 a 2017, fruto de uma parceria
do Consórcio de secretários municipais de educação de alguns municípios da
região da Baixada Maranhense, do Portal da Educação e do Instituto Formação,
responsáveis pela concepção, implementação e avaliação do projeto educativo
dos CEMPs. Os municípios eram responsáveis pela gestão e manutenção das
escolas, inclusive no aspecto do financiamento, garantindo a infraestrutura, os
professores e funcionários.
Ao longo desses anos, foram criados sete CEMPs em diversos municípios
do Território, Campos e Lagos, na região da Baixada Maranhense e essa
experiência dos Centros de Ensino Médio e Educação Profissional como prontos
e desenvolvimento territorial foi reconhecida nacional e internacionalmente como
uma proposta inovadora de formação integral em nível médio e profissionalizante.

2. Da concepção a implementação: o histórico dos Centros de Ensino


Médio e Educação profissional e da escola como ponto de desenvolvimento
territorial

O projeto educativo dos CEMP - EPDT tem origem em duas pesquisas


realizadas, em 2003, pelo Instituto Formação, a pedido do UNICEF, sobre o perfil
do Ensino Médio e da Educação Profissional no Maranhão e sobre o Potencial
Produtivo do Estado. Abrangeu todo o Estado, mas na Baixada Maranhense teve
um recorte mais estratégico, pois, nesse mesmo período, o Formação – Centro

A EXPERIÊNCIA DE CENTROS DE ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO


PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 321
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
de apoio à Educação Básica97 e o Portal da Educação da Baixada98 dialogavam
sobre um grande projeto que envolveria a juventude daquele território. Portanto,
“simultaneamente mapeávamos as organizações juvenis, realizávamos pesquisas
sobre ensino médio e educação profissional, indagando aos jovens que ensino
médio eles desejavam e construíamos a base para a dinamização desse território”
(INSTITUTO FORMAÇÃO, 2012). Essas pesquisas foram apresentadas no I
Encontro Estadual sobre Políticas Públicas e Juventude em 2003.
Paralelo a esse processo, o então Prefeito da Cidade de São Bento, Sr.
Isaac Dias, estava construindo um grande prédio destinado a uma escola de
ensino médio. Por intermédio do Secretário de Educação, segundo a diretoria do
Instituto Formação, Vasconcelos, “ele nos indagou se não poderia a sua equipe
pensar, a partir da pesquisa realizada, um projeto diferente para aquela escola,
de modo que contemplasse a preparação dos jovens para o mundo do trabalho”
(CABRAL, 2013, p. 258). Essa demanda ocorreu no interior do movimento
do Portal da Educação da Baixada Maranhense que também fomentava ideias
e suportes voltados para políticas educacionais orgânicas. Dados, publicações
e depoimentos indicam que essa ideia foi fortalecida por um conjunto de
iniciativas e debates desenvolvidos nessa região do Maranhão, em torno de um
projeto denominado CIP Jovem Cidadão. Rapidamente o CEMP - EPDT tornou-
se um dos principais projetos capazes de alicerçar estruturalmente microprojetos
produtivos, tendo conseguido, de forma mais consistente, no período de 2004
a 2009, incidir em várias mudanças de atitudes e de construção de alternativas
coletivas, sobretudo no âmbito da agroecologia.

Esse CIP (Jovem Cidadão) tem como porta de entrada para


a discussão do desenvolvimento na microrregião da Baixada
Maranhense um projeto temático no campo da educação,

97 ONG (também conhecida como Instituto Formação) que concebeu e implementou, em parceria
com Prefeituras da Baixada Maranhense, o projeto educativo do CEMP.
98 Articulação de secretários e ex-secretários de educação da Baixada Maranhense.

322 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

concebido pela organização não governamental Formação, de


São Luís. A estratégia utilizada para discutir a educação nos
dez municípios que compõem o projeto [...] foi fortalecer como
aliado o fórum de secretários e ex-secretários de educação dos
dez municípios, denominado Portal da Educação. Esse diálogo
de atores internos com atores externos é utilizado para formular
políticas educacionais de desenvolvimento envolvendo as
partes interessadas na questão (gestores públicos, jovens,
técnicos e especialistas em educação). Esse movimento fez
com que as alianças pudessem ser ampliadas e a proposta de
projeto de desenvolvimento se legitimasse tanto nos espaços do
poder público local como nos diferentes meios organizadores
da juventude (NASCIMENTO, 2009, p.157)

O desafio então lançado pelo Prefeito de São Bento foi aceito e, desde
aquele momento, ainda em 2003, foi sendo construído simultaneamente um
prédio e um projeto educativo para o primeiro CEMP.
De acordo com o Instituto Formação, o maior desafio não foi o de
estruturar um desenho inovador para o CEMP, na Baixada Maranhense, mas todo
o currículo, as ementas de cada nova disciplina proposta na grade e a organização
de material didático para referências e aprofundamentos. Tudo isso ocorrendo de
forma simultânea ao processo de formação de professores, e ao mesmo tempo
em que necessitavam: compreender o novo projeto de ensino médio integrado
à educação profissional e ao desenvolvimento territorial; entender a disciplina
proposta e acessar material para a própria formação e trabalho em sala de aula.
Toda essa simultaneidade na ação formativa visava garantir o êxito do Projeto
Educativo do CEMP, que foi gradativamente sendo concebido e implantado
como uma unidade de produção e socialização de conhecimento específico para
o desenvolvimento territorial,

A EXPERIÊNCIA DE CENTROS DE ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO


PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 323
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
que se realiza em vários níveis de construção articulada,
adotando-se uma metodologia de trabalho pedagógico que
inclui a direção, os professores e os alunos99, inclusive com
a organização do grêmio estudantil, criando um diálogo
intergeracional sistemático e dinâmico, no ambiente da
escola e da comunidade onde o Centro de Ensino Médio e
Profissional (CEMP) Newton Bello Barros Filho, em pouco
tempo de funcionamento, conseguiu destacar-se como uma
instituição de referência para a sociedade local. (INSTITUTO
FORMAÇÃO, 2005, p.5)

O Projeto Educativo do CEMP foi sendo construído de modo a contemplar


o desdobramento do próprio desenho curricular inovador, elaborado como uma
resposta aos anseios dos jovens em relação à educação e ao trabalho no território,
tal como apontavam os dados da pesquisa100.
Com a perspectiva de que era necessário potencializar a educação dos
jovens quando, afinal, depois de um longo processo seletivo, eles alcançam o
nível do ensino médio, foi adotado um princípio teórico-metodológico que
permitia expandir as possibilidades de formação mais ampla e mais consistente
da juventude, mediante a realização de uma prática de trabalho pedagógico
centrado no princípio da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão.
Esse princípio, adotado para o nível do ensino superior, foi antecipado para
a organização do currículo e das situações educativas de caráter teórico-prático
desenvolvidas no cotidiano da escola, de tal modo que os jovens pudessem se
reconhecer como sujeitos de um processo de formação, em que se relacionam
consigo mesmo, com seus pares, com suas famílias e com a sua cidade.

99 Embora se considere o segmento de pais dos alunos da escola, como sendo fundamental na
construção do projeto educativo, que abrange da família à escola, no primeiro ano da experiência, 2004, a
sua participação foi mais efetiva, embora ainda muito tímida, nos seminários temáticos. No ano de 2005, as
famílias foram incluídas em programações realizadas de forma mais direcionada aos pais.
100 O desenho curricular do Centro de Ensino Médio e Profissional da cidade de São Bento está anexado
a esse projeto, como apêndice. Do mesmo modo, a metodologia de construção do Projeto Educativo foi
anexada, de modo a permitir uma análise mais detalhada dessa concepção, que se adotou e cuja experiência
de implementação tem indicado que este pode ser um caminho muito rico de elaboração coletiva de uma
nova escola de ensino médio, para as regiões mais desfavorecidas.

324 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

Além de se reconhecerem como sujeitos de direito, os jovens começaram


a assumir seu papel de liderança ativa, em atuações de forma coordenada e
coletiva, respeitando princípios éticos e educativos, exercitando a cidadania, e
co-responsabilizando-se pelo desenvolvimento de sua cidade e da região onde
nasceu e vive.

Os jovens são sujeitos importantes nos processos de


mudança e por isso devem ser priorizados em programas de
formação para o trabalho e de formação de lideranças locais,
através do estímulo à sua participação em espaços diversos,
em grêmios estudantis, em fóruns, o que vai cada vez mais
possibilitando a escala na participação com qualidade e
uma participação mais efetiva desse segmento da população
no debate permanente sobre as políticas públicas e o
desenvolvimento da economia de base.
São eles, os jovens, que poderão compreender e concretizar
novas perspectivas de desenvolvimento local, mediante
processo de organização de circuitos produtivos, cuja base
sejam as células de produção, comercialização, consumo
e distribuição socializada de renda, para reinvestir em
atividades produtivas, fortalecendo as ações exitosas, e
, também, elevando a qualidade de vida deles e de suas
famílias. Nesse sentido é importante que sejam garantidas
políticas públicas, especialmente educacionais, para que
esses jovens expressem todo seu talento e potencialidade
(INSTITUTO FORMAÇÃO, 2005, p.7).

Para que fossem alcançados esses objetivos que implicam um maior


comprometimento e articulação da escola com o território, os professores
foram permanentemente estimulados a fazer um processo de reeducação, com o
propósito de serem incorporadas novas perspectivas e novas práticas de trabalho
político-pedagógico que referenciam, de forma mais ampla, a construção de uma
comunidade educativa (ROSAR, 2005).

A EXPERIÊNCIA DE CENTROS DE ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO


PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 325
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
O fato de ter sido adotada uma metodologia de trabalho
integrado, interdisciplinar, interativo, crítico, e,
particularmente, propositivo criou a oportunidade de
realização de uma dinâmica intensiva de reflexão e prática
de expansão de todas as articulações possíveis, para que uma
ação cooperativa entre as organizações juvenis e o poder
público local favorecesse a análise da realidade e o debate
sobre as políticas públicas destinadas a todos os cidadãos e,
especialmente, aos jovens. Contudo, todo esse investimento
foi possível pelo conjunto de parcerias que decidiram apoiar,
desde as públicas, que tem o dever de ofertar a educação até
outras, externas ao território, que apoiaram sem ônus para
os cofres públicos, ou seja, todos que atuaram “de fora” não
tiveram pagamento de Secretarias de Educação, mas apenas
ajudaram a implantar uma ideia inovadora e potencialmente
eficiente para a dinamização de territórios com baixos IDH
(INSTITUTO FORMAÇÃO, 2009, p. 14).

As organizações acreditavam que a perspectiva de superação dessa


realidade estava organicamente vinculada à condição de educação e qualificação
profissional, compreendendo a escola como espaço para o debate da cidadania
ativa, espaço de construção de saberes onde se analisa a realidade local com o
propósito de encontrar possibilidades de transformá-la.
O diálogo com os dirigentes municipais, coordenado pelo Portal da
Educação da Baixada Maranhense e o Instituto Formação, permitiu ampliar a
interlocução com o poder público, na medida em que foram realizados encontros,
seminários e colóquios para a discussão das perspectivas de desenvolvimento
local, a partir da construção de circuitos produtivos, tal como ocorreu na
cidade de Arari, nos dias 08 e 09 de abril de 2005, em que estiveram presentes
os representantes das Prefeituras Municipais de quase todos os municípios da
região dos Lagos-Baixada Maranhense: prefeitos, secretários de educação, de
agricultura, de articulação política, e, também os representantes dos trabalhadores
rurais e colônias de pescadores.

326 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

Desde o início, o CEMP foi concebido não apenas como mais uma escola,
mas como um local de trabalho voltado para o desenvolvimento dessa região.
Segundo Bianka Pereira, Secretária de Educação do município de Palmeirândia,

Provavelmente o que impulsionou essas organizações


a implantarem esse projeto foi, ao mesmo tempo, a
necessidade desse tipo de educação para o desenvolvimento
dos jovens e de suas cidades e a construção de uma ampla
aliança que poderia garantir uma experiência de uma escola
concebida como um ponto de construção de conhecimento
contextualizado, voltado para o desenvolvimento territorial
garantindo alternativas aos filhos da terra (PORTAL DA
EDUCAÇÃO DA BAIXADA, 2009, p. 15).

No período de implantação do CEMP de São Bento (2004), muitos jovens


saíam para o que se convenciona denominar trabalho análogo à escravidão.
Dados da Delegacia Regional do Trabalho apresentavam, nessa época, um
quadro alarmante, ou seja, o de que quase 40% de todo o trabalho escravo
utilizado no Brasil originava-se do Maranhão101. O Instituto Formação identificou
um número significativo de jovens, que mesmo depois de terem passado pela
primeira experiência de trabalho escravo, ainda consideravam que essa era a
única alternativa que lhes restava, uma vez que não estavam adequadamente
escolarizados e, mesmo quando terminavam o ensino fundamental ou, raramente,
o ensino médio, eles não conseguiam vislumbrar as possibilidades de terem uma
atividade produtiva, capaz de garantir o sustento para sua família.
Por isso, no projeto educativo do CEMP apresenta como objetivo principal
melhorar a formação política, cultural e profissional de adolescentes e jovens
residentes na Baixada – Território Campos e Lagos. No quadro abaixo, dos
objetivos específicos fica mais claro como era concebida a sua concretização.

101 Dados do documento do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo no


Maranhão (dez/2004, p.17).
A EXPERIÊNCIA DE CENTROS DE ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 327
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
Após o bem sucedido primeiro ano da história do CEMP de
São Bento, com a população da cidade acompanhando de
perto a sua evolução e participando de seminários, com pais
fazendo fila para uma matrícula na escola, a qualidade dessa
escola municipal sendo considerada positiva em relação a
outras escolas locais públicas e privadas existentes na cidade
e, ao mesmo tempo, com os diversos ingredientes presentes
no seu projeto educativo que movimentavam os estudantes,
a experiência reverberou por todo território mediante
divulgação tanto pelo Portal da Educação, nas suas reuniões
sistemáticas, quanto pelos Fóruns da Juventude que estavam
sempre se movimentando em programações diversas em
todos os municípios de abrangência do CIP Jovem Cidadão
e que passaram a defender para seus municípios um CEMP
(INSTITUTO FORMAÇÃO, 2010, p.9).
Em 2004, aconteceu o II Encontro Estadual sobre Políticas Públicas e
Juventude, cuja programação principal tratava da socialização do primeiro ano
de experiência do CEMP, com mesas de debates em que participaram secretários,
diretores, professores e estudantes. Em decorrência de todo esse movimento
e debate ocorridos anterior ao encontro e durante esse evento, somado às
campanhas “Nenhum a Menos na Escola” , “Todo Jovem no Ensino Médio”
e “Diga Não ao Trabalho Escravo” protagonizadas pelos jovens, em 2005, o
Prefeito de Palmeirândia, que desde 2004 também estava construindo uma nova
escola, decidiu implantar nesse prédio um novo CEMP.
Em 2005, foi realizado o III Encontro Estadual sobre Políticas Públicas e
Juventude e foi definido, no âmbito do Portal da Educação, pelas prefeituras de
Olinda Nova do Maranhão, Matinha, São João Batista e São Vicente Ferrer que
também implantariam o CEMP no ano seguinte (2006). Passou assim a existir
uma rede desses centros, todas com a mesma concepção de projeto educativo
e com professores participando conjuntamente do processo de formação
continuada. Dessa forma, a cada nova discussão e experiência implantada,
foi sendo estabelecida uma rede de pontos de desenvolvimento do Território
Campos e Lagos.

328 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

Os principais cursos ofertados nos CEMPs, desde 2004, foram Agroecologia,


Enfermagem, Turismo Comunitário, Gestão de Meio Ambiente, Tecnologias da
Comunicação e Informação, Informática e Saneamento e Urbanismo.
Em 2006, aconteceu o IV Encontro Estadual sobre Políticas Públicas e
Juventude e foi iniciado o debate com a Secretaria de Estado da Educação, para
que ela apoiasse os CEMPs repassando o recurso das matrículas dos alunos para
que a Secretaria Municipal de Educação pudesse fazer a gestão dos recursos
públicos existentes para unidades de ensino médio integrado como as dos CEMP.
“Isso possibilitaria condições adequadas de continuidade do projeto educativo
implantado, pois os investimentos financeiros das parcerias iniciadas em 2004,
quando foi implantado o primeiro CEMP em São Bento, estavam previstas até o
ano de 2008” (PORTAL DA EDUCAÇÃO DA BAIXADA, 2011, p.3).
Não seriam necessários recursos externos, desde que os recursos públicos
fossem destinados ao seu custeio e ele existia, mas para isso o Governo do Estado
do Maranhão precisaria concordar em fazer o repasse de acordo com o número de
alunos matriculados em escolas públicas municipais de ensino médio integrado.
Isso, contudo, nunca ocorreu.

De fato, para todos os encontros convidávamos a Secretaria


de Estado da Educação e eles conheciam o CEMP, mas não
manifestavam interesse em apoiar, pois achavam que os
municípios estavam competindo com eles numa atribuição que
não era deles (municípios). A única proposta que eles aceitavam
negociar era de estadualização dos CEMP, mas quando isso
acontecia, o projeto educativo adotado era o do ensino médio
geral, pois o Estado do Maranhão não adotou o ensino médio
integrado (VASCONCELOS, 2012).
Durante os encontros estaduais, professores das mais diferentes e
destacadas universidades brasileiras estiveram presentes, dialogando com
estudantes e professores de ensino médio e com dirigentes do Portal da Educação.
Em 2007 (13 a 15 de agosto), o Instituto Formação e o Portal da Educação
A EXPERIÊNCIA DE CENTROS DE ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 329
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
realizaram o I Encontro sobre os CEMP da Baixada, em São Luís, no Liceu
Maranhense. Participaram como promotores as seguintes organizações: Instituto
Formação, Portal da Educação, Fóruns da Juventude da Baixada, Agência de
Desenvolvimento Sustentável do TCL, UNICEF. Foi apoiado pelas Prefeituras
Municipais, Fundação Kellogg e FAPEMA. “A ideia era disseminar o CEMP
como ponto de desenvolvimento do território dos campos e lagos maranhenses,
bem como propor ao Estado apoio aos municípios, para que pudessem continuar
com o projeto, mas com o recurso público” (PORTAL DA EDUCAÇÃO DA
BAIXADA, 2008, p.4).
Os objetivos desse encontro, que constam em sua programação, foram:
promover o debate sobre a necessidade da ação cooperativa entre os entes
federativos para a garantia da educação de qualidade para adolescentes e jovens;
provocar a reflexão sobre a ideia de CEMP como pontos de desenvolvimento de
territórios; resgatar a gênese da concepção e criação dos CEMP na Baixada, como
política municipal de educação; analisar as potencialidades do projeto educativo
inovador dos CEMP; compartilhar resultados da experiência de cinco anos de
implantação dos CEMP; refletir sobre os limites e dificuldades no percurso de
consolidação dos CEMP (INSTITUTO FORMAÇÃO, 2008, p.13).
Ainda em 2007, a experiência do CEMP foi apresentada em Congresso
Internacional de Ensino Médio, realizado na Argentina, como uma das boas
experiências desenvolvidas no Brasil. Em 2008, aconteceu o V Encontro Estadual
sobre Políticas Públicas e Juventude, com a temática da estadualização dos
primeiros CEMP. Em 2009, a experiência do CEMP foi apresentada em workshop
organizado pela UNESCO, em Brasília e ficou registrada sua sistematização
no livro editado por essa organização intitulado “Ensino Médio e Educação
Profissional, desafios da integração” (REGATTIERI, et al., 2010).
Nesse mesmo ano, três municípios (Matinha, Palmeirândia e São João
Batista) decidiram estadualizar os CEMP. Com a estadualização, eles foram
descaracterizados, do ponto de vista do projeto educativo, o que provocou debates

330 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

e mobilizações de estudantes, sobretudo em Matinha. Esse quadro de insatisfação,


provocou a organização do II Encontro dos CEMP, em Matinha, onde a temática
da agroecologia e da formação dos técnicos nessa área foi fortemente debatida.
Em 2010, sob a coordenação do Portal da Educação, o Instituto Formação
e os Fóruns da Juventude, integrados com outros órgãos locais como Secretarias
de Agricultura e Departamentos de Esporte e Cultura, foram realizadas, em todos
os municípios do Território, Campos e Lagos, as Conferências de Educação,
que culminaram na Conferência Territorial. Um dos temas do debate foi a
importância de os CEMPs continuarem com seu projeto original voltado para o
desenvolvimento da região. Nessa conjuntura de avanços e entraves, o Instituto
Formação e o Portal da Educação receberam pesquisador da UNESCO que estava
aprofundando conteúdos sobre seis experiências do país com mais êxito em seus
processos formativos na modalidade educação profissional, em nível médio, para
recomendações como boas referenciais. A experiência do CEMP era uma das
indicadas.
Ainda em 2010, o Ministério da Educação convidou o Instituto Formação
e o Portal da Educação para apresentarem a experiência dos CEMP em evento
de formação de professores do ensino médio. Esse evento, organizado em três
etapas, tinha como um dos objetivos disseminar ideias para os projetos de ensino
médio inovador no país. Todas as três etapas desse processo de formação foram
realizadas no Rio de Janeiro, com a coordenação compartilhada entre MEC e
SESI - RJ. Em cada uma das etapas participaram em torno de 500 professores
dos vários Estados brasileiros. Entre as experiências que foram relatadas nos
três momentos estava a do CEMP – pontos de desenvolvimento de território na
Baixada Maranhense (TCL).

O último debate mais amplo registrado sobre essa experiência


data de 2011, durante a realização do VI Encontro Estadual
sobre Políticas Públicas e Juventude. Entretanto, há uma
grande movimentação no CEMP de São Bento, inclusive com
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PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 331
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
intercâmbios de estudantes dessa cidade com estudantes de
uma escola da Alemanha que ocorre desde 2012. E, em 2013,
assumiu a Secretaria de Educação da cidade de São Bento a
primeira Diretora do CEMP, com o objetivo de continuar
trabalhando para colocar esse projeto como uma referência
territorial (CABRAL, 2013, p.273).

De 2010 a 2018, os CEMPs foram estadualizados e houve mudanças em seus


formatos. O projeto educativo original não se manteve. Em 2019, a organização
americana HUNDRED elegeu o projeto educativo do CEMP como um dos cem
melhores do mundo. Em 2020, o Grupo Formação (Formação – Centro de Apoio
à Educação Básica (FCAEB) e Formação Faculdade Integrada (FFI) decidiram
implantar o CEMP – EPDT como escola de aplicação da Faculdade de Educação
da FFI. Duas escolas foram implantadas: uma na Baixada Maranhense, no
Campus da FFI localizado no Parque Agroecológico Buritirana (Peri Mirim) e no
Campus Maracanã, em São Luís. A primeira escola inaugurada em dezembro de
2020 e a segunda escola a ser inaugurada em janeiro de 2022.
No que se refere à parte legal dessa escola o trâmite também aconteceu de
acordo com a legislação.

Como o CEMP de São Bento foi o primeiro a ser implantado


e, portanto, o primeiro a dar entrada em seu processo de
regularização no CEE, está autorizado a funcionar com a
Resolução nº 155/08 de 03 de julho de 2008 e todos os seus
cursos regularizados com o Parecer nº 187/08 de 03 de junho
de 2008 (INSTITUTO BAIXADA, 2010, p. 8, grifo nosso).

Após essa primeira parte mais histórica, irei me deter mais detalhadamente
no projeto em si, ou seja, o que o compõe e o diferencia de outros projetos de
ensino médio integrado com a educação profissional.

332 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

3. O projeto educativo dos Centros de Ensino Médio e Educação


Profissional: educação integral na perspectiva do desenvolvimento territorial

O projeto educativo do CEMP valoriza o potencial produtivo da região.


A sua matriz nasceu da concepção de que a formação universal e a profissional
devem ser contextualizadas e voltadas não apenas para formação dos trabalhadores
que vão ocupar vagas que são demandadas pelas áreas da indústria, agropecuária,
agroindústria, comércio e de serviços, no formato dos postos criados numa
sociedade tipicamente capitalista, mas também para trabalhadores que se dedicam
a pensar, a partir de um olhar atento, formas possíveis de desenvolvimento de
lugares onde esses empreendimentos não chegam.

Da mesma forma que é importante que os jovens filosofem


sobre um mundo mais justo é fundamental olharem
para todos os lados e pensarem soluções concretas para
resolução de problemas e, para que isso ocorra, necessitam
de conhecimento sistematicamente atualizado e espraiado
(CABRAL, 2013, p. 273).

Quando o primeiro CEMP foi criado, por iniciativa de uma prefeitura,


em um território com baixos indicadores, parecia improvável que tivesse êxito.
Afinal, até bem pouco tempo era impensável um município qualquer ofertar algum
dos níveis da educação; ainda hoje é do pensamento predominante, baseado na
própria LDB, que um município pobre, que ainda nem universalizou a Educação
Infantil seja ofertante da educação em nível médio, ainda mais quando se fala de
um Centro que, na sua estrutura, está composto por três núcleos que dialogam
entre si, mas que mantêm suas especificidades. É um projeto complexo que requer
pessoal qualificado para executá-lo.
Os três núcleos do CEMP são: Núcleo 1 – Educação Geral; Núcleo 2 –
Educação Profissional; Núcleo 3 – Incubadora de Projetos. A ideia inicialmente
pensada pelo Instituto Formação e aprovada pelo Portal da Educação e Secretaria
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PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 333
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
de Educação de São Bento era que os cursos, no conjunto de seus três núcleos,
teriam de 3 a 4 anos de duração, para o caso de cursos integrados e de 1 ano a 18
meses para cursos subsequentes. “A quantidade de anos do curso integrado e de
meses para o subsequente dependeria da capacidade da Secretaria de aumentar
a sua carga horária para alguns períodos integrais ao longo do ano” (Instituto
Formação, 2012).
O Núcleo 1, da Educação Geral, tem como objetivo garantir aos alunos o
conhecimento ampliado das ciências naturais, da matemática, das ciências sociais,
dos códigos, linguagens, arte popular e erudita e do movimento corporal, de
acordo com os referenciais utilizados no país, ou seja, os Parâmetros (Diretrizes)
nacionais para o Ensino Médio, assim como a bibliografia existente sobre o
currículo e conteúdo para essas áreas, nesse nível de ensino.
O professor desse núcleo é licenciado para ministrar suas disciplinas, sendo
ele o principal investigador e delineador desse currículo. Entretanto, o mesmo
é orientado e tem seus conhecimentos expandidos para o desenvolvimento do
projeto educativo do CEMP durante processo de qualificação que foi sendo
concebido e ofertado à distância e de forma presencial.
As áreas e disciplinas abrangidas por esse núcleo são as conhecidas em
outros cursos de ensino médio, por exemplo: em Linguagens e códigos: Língua
Portuguesa, Literatura, Arte, Língua Estrangeira, Educação Física; em Ciências
Sociais: História, Geografia, Sociologia e Filosofia; em Ciências da Natureza e
Matemática: Matemática, Química, Física e Biologia.
O Núcleo 2, da Educação Profissional, é composto por disciplinas
organizadas de acordo com o curso.

Nenhum curso profissionalizante teve sua estrutura copiada de


outra instituição, apesar de termos feito pesquisas e consultado
especialistas, a partir da visão que tínhamos. Cada grade e cada
ementa foi sendo concebida por especialistas que a elaboravam
olhando o TCL (CABRAL, 2013, p. 274).

334 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

Nesse núcleo, a ideia foi horizontalizar o conteúdo dos cursos


profissionalizantes. Por exemplo, o curso de agroecologia trata da concepção
agroecológica e das especificidades dos conteúdos de horticultura, avicultura,
piscicultura, apicultura, caprinocultura, meliponicultura, processamento e
beneficiamento de alimentos da agricultura familiar, além de tratar de questões
relativas ao mercado, à comercialização e ao financiamento em nível territorial.
Dessa forma, o estudante que escolhe esse curso, não se especializa apenas
em uma parte dessa ampla área: agroecologia. Mesmo porque, ao trabalhar, por
exemplo, com a agricultura familiar, vários desses conhecimentos são necessários
para uma boa produtividade em sua propriedade, respeitados os conceitos da
produção saudável tanto para a segurança alimentar como para a composição da
renda familiar.
O Núcleo 3, das Incubadoras de Projetos, é optativo, mas fundamental
na concepção do CEMP como ponto de desenvolvimento de território, pois é
a partir dele que o conhecimento profissional apreendido no Centro vai sendo
imediatamente aplicado no seu entorno, com verticalização de saberes. Diferente
de outras incubadoras de empresas concebidas como locais físicos onde um
negócio se instala e se desenvolve, esta incubadora foi concebida como uma
metodologia que leva o estudante, que apreende e constrói conhecimentos no
núcleo profissionalizante e na sua realidade circundante, a pensar e desenvolver
ideias de trabalho que reverberem em desenvolvimento local e territorial. Para
operacionalizá-lo foi adotada a concepção dos circuitos produtivos já em debate
no TCL, desde 2003.

A concepção de circuitos produtivos compreende uma


iniciativa de superação do mercado, como lócus de definição
de todo processo de produção e comercialização e, também, de
definição da relação capital-trabalho. Parte-se do princípio de
que os jovens têm necessidade de educação, trabalho e renda.
Portanto, para além do que o mercado define como sendo

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PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 335
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
prioridade, do ponto de vista da produção econômica, o que
se deseja garantir é o atendimento às demandas básicas de
desenvolvimento pessoal e social da maioria dos jovens, que
habitam as cidades em que se realiza o PJC.
Nessa perspectiva, o modelo de desenvolvimento local, a partir
da expansão da economia de base e da construção de uma
comunidade educativa implicará na concretização dos seguintes
processos metodológicos: a) instalação do Fórum Permanente
de Avaliação e Planejamento para o desenvolvimento do
território;
b) organização e instalação do comitê gestor em cada município;
c) realização de seminário intermunicipal para discussão sobre
as potencialidades locais e concepção de circuitos produtivos
de atividades econômicas integradas nos setores primário,
secundário e terciário; d) construção de células de produção,
a partir da concepção e incubação de projetos coletivos de
atividades produtivas em cadeias complementares, de modo
a criar suporte básico para as células de consumo, células
de ações cooperativadas/ associadas para a comercialização
e a socialização da renda; e) organização de programas de
qualificação profissional e social dos jovens, pais, gestores
municipais e professores, visando a difusão de padrões
educativos e culturais para o fortalecimento de comunidades
educativas (INSTITUTO FORMAÇÃO, 2005, p. 9)

As incubadoras de Projetos foram concebidas inicialmente como programas


estratégicos adotados pelo Instituto Formação e Portal da Educação como suporte
de dinamização territorial, no âmbito do CIP Jovem Cidadão, tanto por dentro de
Fóruns da Juventude como dos Centros de Ensino Médio e Educação Profissional
e da Educação de Jovens e Adultos Profissionalizante. Esses seriam locais onde a
metodologia de incubação seria aplicada para fomentar a construção de circuitos
de desenvolvimento nos municípios do TCL.

Quando concebemos o CEMP pensamos que seria importante


o adolescente e o jovem aprenderem os conteúdos de educação
geral e das profissões, bem como terem a oportunidade de

336 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

verticalizarem o conhecimento numa determinada área, com


experiências concretas de produção e de comercialização.
Assim, esse núcleo foi concebido como espaço de
aprofundamento da aprendizagem onde o jovem, ainda como
estudante, inquietar-se-ia com a estagnação de sua realidade e
se sentiria impulsionado a encontrar soluções com criatividade
e novas referências (CABRAL, 2013, p. 276).

Inicialmente, foram fortalecidos os projetos coletivos e somente no processo


foram incubados alguns projetos individuais ou familiares. Segundo Silva, um
dos consultores da Incubadora de Projetos Produtivos, em entrevista realizada
em 2012, no processo de incubação “era fortalecida a vivência da solidariedade
e a realização de projetos cooperativos”. Como esse núcleo não é obrigatório,
as ideias de projetos produtivos são estimuladas e desenvolvidas, inicialmente,
em atividades denominadas “Seminários de Ideias”. Esses seminários são
oferecidos para todos os jovens, entretanto, somente incubam projetos os alunos
que têm ideias e que desejam colocá-las em prática, ou mesmo, aqueles que
querem aprender mais sobre as ideias e metodologias apresentadas e discutidas
(CABRAL, 2013, p. 276).
É importante verificar que o CEMP de São Bento foi criado em 2004,
um ano antes da Resolução nº 1 do Conselho Nacional de Educação (CNE),
publicada no dia 11 de março de 2005, no Diário Oficial da União. Consta dessa
resolução, que
Os cursos de educação profissional técnica de nível médio
realizados de forma integrada com o ensino médio terão suas
cargas horárias totais ampliadas para um mínimo de três mil
horas para as habilitações profissionais que exigem mínimo de
800 horas; de 3.100 horas para aquelas que exigem mínimo de
1.000 horas e 3.200 horas para aquelas que exigem mínimo de
1.200 horas. Os cursos de educação profissional técnica de nível
médio realizados nas formas concomitante ou subsequente
ao ensino médio deverão considerar a carga horária total do
ensino médio, nas modalidades regular ou de educação de

A EXPERIÊNCIA DE CENTROS DE ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO


PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 337
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
jovens e adultos, e praticar a carga horária mínima exigida pela
respectiva habilitação profissional, da ordem de 800, 1.000 ou
1.200 horas, segundo a correspondente área profissional. Os
diplomas de técnico de nível médio terão validade tanto para
fins de habilitação profissional quanto para fins de certificação
do ensino médio, para continuidade de estudos na educação
superior (http://portal.mec.gov.br/index.php).

Mesmo sem conhecer essa resolução, ainda não aprovada no CNE, no


documento inicial de criação do CEMP como proposta de ensino médio integrado
à educação profissional, a carga horária seguia a mesma linha do posteriormente
definido na resolução nº 1.
No projeto original do CEMP, nos cursos subsequentes são desenvolvidos
os núcleos de educação profissional e de incubadora de projetos produtivos;
no curso completo (integrado), as disciplinas no núcleo profissionalizante são
ministradas simultaneamente com as do núcleo de educação geral, numa média
de dez aulas por semana desse núcleo, duas disciplinas de cada vez.
O Projeto do CEMP chamou a atenção das pessoas, sobretudo pela forma
como o Instituto Formação e o Portal da Educação estruturaram a proposta e
conceberam os princípios organizativos desse projeto educativo.
O princípio de organização curricular do CEMP prevê a articulação do
ensino com a pesquisa e a extensão e a organização dos conteúdos de cada curso
em eixos transversais e disciplinas, que articulam conteúdos teóricos e práticas
em laboratórios internos e externos, práticas investigativas e de aplicação de
conhecimento, a partir do primeiro ano.
Os cursos concebidos tiveram como contribuição inicial a elaboração da
grade e da matriz pela equipe de profissionais do Instituto Formação, também
responsável pela formação dos professores no período de 2004 a 2009. “Esse
processo de concepção, elaboração e formação inicial dos profissionais dos
CEMP não teve ônus para a Prefeitura ou Secretaria de Educação, mas foram
parceiros externos que financiaram e/ou a nossa própria equipe quem o fez, por
militância histórica na área da educação” (CABRAL, 2013, p. 274).

338 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

As matrizes dos cursos desvelam a lógica do CEMP e a sua conexão com


o desenvolvimento do território. O CEMP é uma escola convencional que se
abre para o desenvolvimento local. Por isso, é considerada como escola ponto
de desenvolvimento de território: “Quando pensamos esse projeto educativo
estávamos com a mente fixamente voltada para uma ideia, que era a de que,
naquele território, jovens deveriam ter conhecimento consistente capaz de,
ao ser experienciado, transformar escassez em abundância” (INSTITUTO
FORMAÇÃO, 2011, p.6).
Decorre dessa forma de pensar a lógica que possibilitou a estruturação da
matriz do projeto educativo. Para o Instituto Formação, o conhecimento deveria
ser ao mesmo tempo contextualizado e universal; partir do jovem, mas ir além. Por
isso, a articulação entre teorias das ciências sociais com a pesquisa da realidade
social e econômica do entorno do CEMP e do território mais amplo (TCL) que
englobava vários municípios era importante para dar subsídios teóricos e identificar
capacidades e potencialidades instaladas nos locais, mesmo estando invisíveis a
um olhar não atento ou sem conteúdos necessários para leituras mais profundas
da realidade. A partir dessa forma de pensar os conhecimentos advindos dessa
articulação entre ensino e pesquisa, aplicados em ações de extensão, tenderiam a
provocar formas diversas de desenvolvimento, desde o nível pessoal (individual
e coletivo) até os níveis social, cultural e econômico.
Está, portanto, desde o princípio, o conhecimento teórico e metodológico
concebido de forma integrada e interdisciplinar, porém, ministrado de forma
disciplinar. E a não integração total dos conteúdos sempre foi um ponto de
avaliação desse projeto educativo.

Em todos os debates e eventos que participamos, quer na


Argentina, no Maranhão, em Brasília ou no Rio, a pergunta que
sempre nos faziam é: por que um projeto tão interessante não era
totalmente integrado, mesclando os conteúdos? Respondíamos
que integrávamos os conteúdos a partir dos eixos, na articulação
A EXPERIÊNCIA DE CENTROS DE ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 339
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
entre ensino, pesquisa e extensão, mas a integração total do
núcleo geral com o núcleo profissional não era feita por um
cuidado nosso com a qualidade do ensino na sala de aula. De
nosso ponto de vista, a integração desses conteúdos somente
deveria ser feita pelo corpo de profissionais que vai executá- lo,
caso contrário corre-se o risco de se empobrecer o conteúdo.
Uma equipe que recebe um projeto interdisciplinar ou com
temas geradores prontos, sem entender como se chegou a essa
integração e sem conhecer a fundo as especificidades integradas
não conseguirá ministrar um conteúdo denso para os seus
estudantes. Para nós era importante, desde o princípio, que o
CEMP fosse uma excelente escola, onde o estudante realmente
se desenvolvesse e aprendesse conteúdos de disciplinas como
português, matemática, ciências, bem como fosse um lugar onde
estudasse os conteúdos que lhe possibilitariam uma imersão no
universo do trabalho e do desenvolvimento territorial e tivesse
ainda a possibilidade de verticalizar conteúdos específicos,
incubando projetos produtivos. Dizíamos que não seria difícil
integrarmos os conteúdos, mas que preferíamos não o fazer antes
de trabalhar com os professores as especificidades dos cursos
e seu processo de preparação para assumirem com autonomia
intelectual a direção do projeto educativo. A integração faria
parte de outro momento, após amadurecimento das equipes
formadas (INSTITUTO FORMAÇÃO, 2011, p.10)
Esses argumentos do Instituto Formação reforçam outro relacionado
com o fato de não se querer uma escola pobre em um território pobre, mas
uma escola rica de conhecimentos e construção de possibilidades. Para isso, os
professores precisam dominar conteúdos e metodologias. Nenhum dos dois pode
ser empobrecido na sala de aula. Caso o professor não conheça profundamente
o conteúdo a ser trabalhado e tenha que adotar, sem ter sido autor intelectual,
um projeto interdisciplinar, pode ser esvaziado de sentido o conteúdo. Porque
nesse caso, não é apenas uma tematização a partir de um eixo gerador, mas uma
articulação com horizontalidade, verticalidade e contextualização de conteúdos
compreendidos por meio de relações democráticas e horizontais de construção
de novos saberes.

340 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

Manter os conteúdos com as disciplinas e programas era


uma forma de possibilitar ao professor primeiro mergulhar
nesses conteúdos para, num momento posterior, a própria
equipe do CEMP, com apoio de profissionais experientes na
articulação de conteúdos fazê-lo. Saber o caminho percorrido
é fundamental para ajudar os estudantes a fazerem o mesmo
percurso (INSTITUTO FORMAÇÃO, 2011, p.13).

Para o primeiro ano do CEMP (2004), os programas propostos para os


currículos foram inicialmente elaborados pelas equipes de especialistas do
Instituto Formação e, somente a partir do segundo ano os professores começaram
a fazer ajustes a partir de seu referencial.
O primeiro passo dado pelo Instituto Formação após a elaboração da
matriz e do currículo foi pensar em como integrariam as disciplinas na agenda
semanal para garantir as horas/aula anuais previstas no projeto educativo. A
direção da escola, naquele momento, necessitava compreender como colocar em
funcionamento o CEMP.

Foi um trabalho intenso. Após assessorar a Secretaria de


Educação de São Bento e a Direção do CEMP na organização
da agenda semanal e após a Secretaria ter feito a lotação de
professores do Núcleo Geral e do Módulo Comum de todos
os cursos no Núcleo Profissionalizante tínhamos que garantir
aos professores, no Núcleo 2, o conteúdo inicial, pois não
tinham experiência com essas disciplinas. Então partimos para
organizar a primeira proposta-base dos programas. Um por um
fomos esboçando, trabalhando por muitas madrugadas. Alguns
programas mais específicos, com apoio de outros profissionais
do Instituto Formação das áreas de turismo, comunicação e
agroecologia. Como o Instituto Formação trabalhava com
áreas integradas voltadas para a dinamização econômica tinha
uma equipe multidisciplinar formada por pedagogos, mestres
e doutores em educação, comunicadores, mas também por
engenheiros agrônomos, engenheiros de pesca, veterinários,
especialistas em processamento de alimentos, turismólogo, entre
A EXPERIÊNCIA DE CENTROS DE ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 341
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
outros. Todos se envolveram de algum modo na organização
das ementas mais específicas (INSTITUTO FORMAÇÃO,
2010, p.8).

Alguns programas apresentam sugestões de procedimentos metodológicos


como, por exemplo: realização de aulas teóricas – leitura coletiva de textos,
diálogos com os estudantes sobre os conteúdos, ouvir a opinião deles sobre cada
questão, propor pesquisas e levantamentos no entorno do CEMP e na internet;
realização de aulas práticas – em laboratórios, na comunidade, aos sábados e
contraturnos.
A bibliografia que propúnhamos nos programas não era
necessariamente para os estudantes, mas para o aprofundamento
do professor. Para os estudantes eram tomadas algumas
medidas como: pesquisa da temática na internet; compra de
livros de pesquisa para a biblioteca; organização pelo Instituto
Formação de apostilas para cada estudante, para favorecer a
aprendizagem. De praticamente todas as disciplinas fizemos
uma primeira apostila, como material referência ao professor
e ao aluno. O trabalho era contínuo. Não estávamos copiando
nenhum curso e por isso tínhamos que planejar cada detalhe,
buscar todos os materiais. Era uma escola inédita. Caso o
Governo do Estado tivesse adotado teria feito bastante sucesso
como algo seu. O Instituto Formação nunca quis para si, pois
a intenção sempre foi contribuir com o Estado, com ideias
interessantes. E exatamente a região mais pobre, do Estado
mais pobre, estava desenvolvendo tecnologias educacionais de
ponta, naquilo que era a ideia e o objetivo desse Centro, ou
seja, contribuir com o desenvolvimento de um território pobre
(CABRAL, 2013, p.297).
Numa rápida análise de todo esse processo, é impossível imaginar que sem
uma formação densa os profissionais do CEMP conseguiriam dar conta de tal
projeto, mesmo porque existiam limites do financiamento e de recursos humanos
preparados para tal fim. Isso requereria, então, que efetivamente laboratórios
fossem criativamente estruturados, dado que não é um território com muitas

342 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

opções existentes, para que a formação dos profissionais fosse continuada.


Em entrevistas realizadas com Secretários de Educação, em 2012, houve
manifestações sobre as formas de superação das dificuldades enfrentadas para
o trabalho de experimentação em cada curso. “Para os três núcleos do CEMP
foram mapeados campos de estágio, laboratórios externos, unidades de educação
e trabalho “não apenas na Baixada, mas também em São Luís” (DARLENE
CUTRIM, 2012) e foram planejados e implantados em cada CEMP “em alguns
casos com dificuldade, os laboratórios como dos cursos de tecnologias, de
saneamento e de enfermagem, bem como bibliotecas com acervo especializado,
de modo a garantir ao máximo possível, espaço adequado para a formação
profissional dos adolescentes e jovens estudantes” (BIANKA PEREIRA, 2012;
CABRAL, 2013, p.297)
No CEMP de São Bento, por exemplo, foram implantados Biblioteca,
Laboratório de Informática e Laboratório de Enfermagem. No CEMP de
Palmeirândia, foram implantados Biblioteca, Laboratório Físico-Químico e
Laboratório de Informática.
As Unidades de Educação e Produção para os cursos de agroecologia e de
turismo comunitário eram os cultivos e criações dos trabalhadores da agricultura
familiar do TCL. A partir dos projetos incubados, alguns empreendimentos
como restaurantes, pousadas, pequenas fábricas e agroindústrias, como o caso
do Condomínio Cauaçú, foram sendo implantados e também passaram a ser
utilizados como laboratórios e unidades de educação e trabalho, bem como
campo de estágio.

Como ponto de desenvolvimento de território, tudo que


circundava o CEMP era mapeado como um laboratório em
potencial ou como local de estágio. Dessa forma, os alunos
dos diversos cursos, de acordo com suas especificidades
fizeram estágio em Laboratórios de Informática das Escolas,
Hospitais, Postos de Saúde do Sistema Municipal, Programa

A EXPERIÊNCIA DE CENTROS DE ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO


PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 343
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
Saúde da Família, Programas de Secretarias de Agricultura,
Projetos Incubados, Quintais Produtivos, Pomares Caseiros,
Agroindústrias Familiares. Também os alunos de agroecologia,
por exemplo, iam fortalecendo, ao mesmo tempo em
que estudavam, os circuitos produtivos (INSTITUTO
FORMAÇÃO, 2010, p. 9).

Os circuitos produtivos trabalhados nos CEMP, por dentro das Incubadoras


e que foram (e são) aprofundados tanto em disciplinas do Núcleo de Educação
Profissional quanto nos Seminários de Ideias, são os mesmos já apresentados nos
programas estratégicos do Instituto Formação.
Entretanto, vale ressaltar que a concepção por trás da ideia de circuitos
produtivos “compreende uma iniciativa de superação da mera concepção de
mercado de nosso atual sistema econômico” (CABRAL, 2013, p. 300). Para o
Instituto Formação, o mercado, na sociedade capitalista, lócus privilegiados da
definição de todo processo de produção e comercialização e, consequentemente,
dos processos de formação profissional não seria o adotado pelos CEMP.
Partiram do princípio de que os jovens têm necessidade de educação,
trabalho e renda, porém, para além do que o mercado define como sendo prioridade
existem lugares, territórios onde não serão criados postos de trabalho, mas onde
o trabalho deve existir como forma de desenvolvimento orgânico: “Do ponto de
vista da produção econômica, o que se desejava garantir era o atendimento às
demandas básicas de desenvolvimento pessoal e social da maioria dos jovens que
habitam as cidades do TCL” (CABRAL, 2013, p.300).
Nessa perspectiva, o modelo de desenvolvimento local, a partir da expansão
da economia de base e da construção de uma comunidade educativa implicou
na concretização dos seguintes processos metodológicos, simultâneos ao CEMP,
todos voltados para a dinamização territorial, tendo o CEMP um papel estruturante
na sustentabilidade da ideia, por ser desenvolvedor de ideias e provocador de
conhecimento contextualizado para aplicação imediata no território:

344 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


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a)  instalação do Fórum Permanente de Avaliação e Planejamento para o


desenvolvimento do TCL;
b)  organização e instalação de comitês gestores de desenvolvimento, em cada
município;
c)  realização de seminários e colóquios intermunicipais para discussão sobre
as potencialidades locais e concepção de circuitos produtivos de atividades
econômicas integradas aos setores primário, secundário e terciário;
d)  construção de células de produção, a partir da concepção e incubação de
projetos coletivos de atividades produtivas em cadeias complementares, de
modo a criar suporte básico para as células de consumo, células de ações
cooperativadas/associadas para a comercialização e a socialização da renda;
e)  aprovação de termo de referência sobre desenvolvimento local, que orientará
todas as ações;
f)  mobilização e formação política dos atores jovens, de suas famílias e das
organizações da sociedade civil;
g)  realização de pesquisas sobre produção e consumo, agricultura familiar
(e outras necessárias) em cada município, para comparar às pesquisas
anteriores, que revelam dados mais gerais sobre perfil sócio-político-
econômico e as propostas de arranjos produtivos concebidas pelo Governo
Estadual;
h)   constituição de células de produção, células de consumo, células de
comunicação educativa em formas de redes, associações, cooperativa e
outras;
i)  organização de programas de qualificação profissional e social dos jovens,
pais, gestores municipais e professores, visando a difusão de padrões
educativos e culturais para o fortalecimento de comunidades educativas
(INSTITUTO FORMAÇÃO, 2008, p. 14).

Essas ideias estavam na origem das concepções que geraram a árvore


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DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
de instituições do Território Campos e Lagos, tendo no centro a Agência de
Desenvolvimento Sustentável (ADS). Ainda na origem desse pensamento, que
gerou o CEMP e as demais ações, estava fixa a ideia da importância dos jovens
como sujeitos estratégicos no desenvolvimento desses territórios com baixos
índices socioeconômicos e educacionais.

4. Considerações finais

A escolha do jovem como sujeito principal desse processo de dinamização


se deve ao fato de que eles, no momento da própria formação, ao aprenderem
mais sobre suas cidades e o território onde vivem e sobre o que pode ser feito
para desenvolvê-lo, ampliam a sua força mobilizadora e de trabalho cooperativo
e solidário: “Os jovens podem contribuir com suas famílias e disseminar ideias
e tecnologias viáveis para a execução de projetos agroecológicos, de turismo, de
iniciativas comunitárias na área da comunicação e dos serviços de infraestrutura
básica, entre outros” (CABRAL, 2013, p.297).
Observa-se no modelo construído e implantado no TCL, de um lado os
CEMP fomentando, “em termos ideais, mas não totalmente materializado como
no sonho” (Instituto Formação, 2012) o conhecimento cotidianamente elaborado,
aprofundado, problematizado como ensinou Freire, ao mesmo tempo os jovens
se mobilizavam e participavam de outros processos formativos, via os Fóruns
da Juventude. Nesse segundo escopo, era garantido à juventude um conjunto
muito grande de conhecimentos de diversas áreas integradas, como foi visto ao
se aprofundar os projetos do CIP Jovem Cidadão.

Também sabíamos que para obtermos êxito no desenvolvimento


desse território seriam necessárias ações sistemáticas dos
governos nas três esferas, em cooperação com a juventude e
com as demais organizações que potencialmente fomentam e
fortalecem esse desenvolvimento. Sabíamos ser importante a

346 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

articulação dos órgãos intra e intermunicipais. Exatamente por


isso investimos muito também nos programas de formação de
dirigentes municipais, para que eles aprofundassem essas novas
formas de se construir e implantar políticas públicas nascidas
no próprio território, a partir de suas necessidades orgânicas
(CABRAL, 2013, p.301).

A partir dessas estratégias, articuladas com as demais ações de


fortalecimento e implementação de políticas públicas de educação, saúde,
desenvolvimento da cultura, do esporte, do lazer e da criação de mecanismos de
participação de amplos setores da sociedade para a gestão coletiva de projetos
econômicos, sociais e culturais, o Instituto Formação, o Portal da Educação e
os Fóruns da Juventude acreditavam que poderia se consolidar um sistema de
comunicação educativa, em médio prazo, favorecendo a criação de condições
mais permanentes, oportunizando uma expansão da economia social, a garantia
de oferta de serviços de qualidade financiados pelas políticas sociais e de
sustentabilidade das ações de desenvolvimento territorial, com a socialização
da cultura da transformação social. E nesse processo, o papel do CEMP seria
fundamental, assim como dos Fóruns da Juventude, em permanente processo de
articulação de ações.
Um aspecto importante do projeto educativo do CEMP está relacionado
também com a sua dinâmica política e cultural. Há um vasto acervo sobre o
primeiro ano do CEMP de São Bento relacionado com o processo de eleição
dos integrantes do Grêmio Estudantil e toda a programação desenvolvida pelos
estudantes naquele período. Estava na concepção da escola a criação de condições
para a prática da cidadania ativa dos próprios estudantes tanto via atividades
de extensão por dentro do currículo, como atividades de militância estudantil
mediante programações do Grêmio. Da mesma forma, houve, através de projetos
complementares de diferentes parceiros, investimento no desenvolvimento de
Companhias de Teatro, de Dança, Escolas de Música e Ateliês de Artes Visuais, de
acordo com o maior potencial de cada município onde o CEMP estava instalado.
A EXPERIÊNCIA DE CENTROS DE ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL NA BAIXADA MARANHENSE: ESCOLAS PONTO DE 347
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
Diante de todo esse arcabouço teórico-metodológico, sociocultural e
político- econômico é inegável que um processo de formação de profissionais
para uma escola com esse grau de complexidade precisa ser consistente, desde o
Ensino Fundamental, passando pelo Ensino Médio, pelas Licenciaturas, Cursos
de Especialização, e em programas de formação continuada. “Desde 2004,
as organizações coordenadoras desse processo (Instituto Formação e Portal
da Educação) dedicaram-se à preparação dos professores de maneira a terem
domínio dos elementos básicos necessários para a construção e execução do
projeto educativo do CEMP” (CABRAL, 2013, p.302).
Em 2019, o CEMP foi classificado entre os cem melhores projetos
pedagógicos do mundo, entre os projetos concebidos para a formação profissional
de jovens. Em 2020, o Instituto Formação, articulado com a Formação Faculdade
Integrada, decide manter o projeto educativo dos Centros de Ensino Médio, como
EPDT, ou seja, escolas pontos de desenvolvimento territorial, em formato de
escola de aplicação de cursos de graduação da referida IES. O primeiro CEMP,
nesse novo formato, foi inaugurado em janeiro de 2021, nas cidades de Peri
Mirim e Olinda Nova do Maranhão.

348 INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


Maria Regina Martins Cabral

REFERÊNCIAS

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– Universidade Estadual e São Paulo. São Paulo, 2013. Disponível em: https://
teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde- 18122014-104549/pt-br.php.
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