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Descrição
Propósito
Objetivos
Módulo 1
O perfil docente
Reconhecer o perfil dos docentes conforme o nível de ensino em que atuam e suas especificidades:
educação infantil, anos iniciais e finais do ensino fundamental e ensino médio.
Módulo 2
Módulo 3
Módulo 4
No contexto profissional docente, é preciso considerar uma série de elementos constitutivos: mesmo
que cada um tenha sua especificidade, eles estão sempre enredados uns aos outros. Na compreensão
da docência como exercício cotidiano, é preciso reconhecer, portanto, o status social da profissão, o
padrão de remuneração, a formação e suas dimensões, o contexto histórico da profissão e o mercado
de trabalho existente e seus comportamentos.
1 - O perfil docente
Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer o perfil dos
docentes conforme o nível de ensino em que atuam e suas especificidades:
educação infantil, anos iniciais e finais do ensino fundamental e ensino
médio.
Aspectos gerais
Conhecendo o professor
A formação da identidade profissional integra todas as identificações feitas sobre determinada profissão ao
longo da vida, ou seja, tudo aquilo que sobre ela se aprende. O desenvolvimento da identidade ocupacional,
por sua vez, pertence a cada indivíduo inserido em sua história e deverá continuar pertencendo como projeto
de vida ou de futuro.
É nesse cenário que compreendemos a construção das identidades docentes (em uma perspectiva mais
geral) e dos docentes que atuam nos diferentes níveis de ensino (em particular).
Por isso, tais identidades estão em permanente movimento, que muitas vezes é de tensão; ao mesmo tempo,
elas são participantes das dinâmicas de estruturação e desestruturação. Essas dinâmicas são estados de
continuidade e descontinuidade que fazem parte da dinamicidade da vida e, portanto, dos movimentos de
construção identitária, pessoal, social e profissional.
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Identidade biográfica ou identidade de si e para si
Processo mais subjetivo e individual, embora esteja inevitavelmente atrelado ao Outro e ao seu
reconhecimento nos grupos dos quais faz parte, inclusive os profissionais.
groups
Identidade para o outro ou relacional
Processo mais objetivo e genérico, ele fica atrelado aos atos de atribuição que sinalizam para cada sujeito
como ele é visto pelos grupos dos quais faz parte, até mesmo os profissionais.
De acordo com Dubar (1988, p. 3), tais processos dizem respeito “às diversas maneiras pelas quais
indivíduos tentam dar conta de suas trajetórias (familiares, escolares, profissionais...) por meio de uma
‘história’, no intuito, por exemplo, de justificar sua ‘posição’ em dado momento e, às vezes, antecipar seus
possíveis futuros”.
Essa dupla percepção é particularmente relevante, porque tal imaginário social sobre quem são esses
profissionais - no nosso caso, os docentes - opera fortemente nas escolhas que eles fazem e nas formas
como atuam. Portanto, em um contexto amplo, percebemos que a constituição das identidades docentes é
influenciada pelas identidades individuais e pelos contextos sociais vivenciados cotidianamente na
formação e no exercício da docência.
Sendo assim, para abordarmos os perfis docentes, devemos compreender de que modo investimentos e
políticas de formação foram implementadas historicamente, que perfis socioeconômicos e culturais
predominam entre docentes, assim como o tipo de formação, os conhecimentos existentes sobre a docência,
as possibilidades e ofertas de formação e os diferentes perfis socioeconômicos, políticos e de gênero.
A formação docente
Um pouco de história
Sala de aula de 1912.
A demanda por escolarização, que emergiu com força em finais do século XVIII e no século XIX, se
assemelha a uma revolução social. Em diversas sociedades, ocorreu o processo de universalização da
escolarização elementar para todos como direito subjetivo que, quando não é assegurado, possibilita uma
ação judicial contra o Estado.
Essa nova revolução, na qual a luta pelo direito à educação se instala, desafia a escola e seus profissionais a
elaborar e redimensionar uma cultura escolar que reconheça o direito às diferenças e contemple a
diversidade cultural, sobretudo nos últimos 50 anos.
Comentário
Esse processo constitui um desafio para um novo espaço, refletindo diretamente no que ensinar, por que
ensinar e como ensinar. Esse movimento gera discussões, escolhas e posicionamentos políticos em torno do
currículo, dos sujeitos e dos contextos aos quais se destina dentro e fora da escola. Só que isso nem sempre
foi assim.
Para Antonio Nóvoa (1992, p. 2), essa articulação técnica e crítica coopera para tornar o professor “capaz de
pensar a sua ação nas continuidades e mudanças do seu tempo, participando criticamente na renovação da
escola e da pedagogia”.
Demerval Saviani.
Para Demerval Saviani (2009), muito embora a preocupação com a formação docente estivesse presente já
no século XVIII, ela é assumida com ênfase a partir da Revolução Francesa, quando começou a se debater a
necessidade de uma educação para as classes populares.
Segundo Saviani, é daí que deriva o processo de criação de escolas normais como instituições encarregadas
de preparar professores sob responsabilidade do Estado. Para ele, essa preocupação voltada para a
formação de professores no Brasil “emerge de forma mais explícita após a independência, quando se cogita
a organização da instrução popular” (2009, p. 143).
Desse modo, a primeira lei geral brasileira relativa ao ensino primário é criada em outubro de 1827. São as
escolas de ensino mútuo, que assumem a função de preparar e treinar os professores nas capitais das
respectivas províncias às expensas dos próprios ordenamentos (MOACYR, 1936, p. 189).
Esse período histórico é de grande importância para a compreensão do funcionamento escolar, pois é nesse
momento que o Estado começa a se implantar como organizador e controlador do sistema educacional e
que muitas características de nossa escola atual começam a ser delineadas (HYPÓLITO, 1997). Isso
demarca a situação docente como a de um trabalhador do ensino subserviente ao Estado, que passa a
regular, a manter e a promover a estruturação de um sistema de ensino no qual está inclusa a formação
docente, sempre voltada para assegurar uma formação considerada adequada às demandas do sistema, o
qual, por sua vez, também regula a atuação docente.
Atenção!
Hoje, no Brasil, a normatização da formação docente (2019) está atrelada à Base Nacional Comum
Curricular (BRASIL, 2017), evidenciando a permanência dessa política de normatização e controle estatal da
formação oficial.
No caso dos docentes da educação infantil e do ensino fundamental I, a relevância e a ênfase no cuidado
são grandes, bem como em relação ao fato de serem educadores em formação. De certa forma, os
conteúdos são menos valorizados nessa abordagem, que privilegia as responsabilidades formadoras em
relação ao ensino em si. Tanto que somente a formação em nível médio foi historicamente aceita no Brasil
para atuação nesses níveis de ensino.
A formação é pensada como ensino dos conteúdos das diferentes disciplinas. A parte chamada de
pedagógica surge como menor ou irrelevante no formato curricular conhecido como 3 + 1, em que, por três
anos, os docentes em formação estudam os conteúdos e só no último se ocupam da dimensão pedagógica
da docência.
Podemos perceber, com base nessa apresentação esquemática dos modelos de formação, que muito do que
imaginamos e do que conhecemos dos perfis dos docentes atuando em diferentes níveis de escolarização
deriva desse modelo e que talvez ele já tenha sido pensado em função de algumas hierarquias e
especificidades da sociedade moderna. Vejamos:
Esse binômio define e compõe todo o processo educativo. É bastante evidente que se espera dos
docentes atuando nos níveis iniciais uma maior preocupação com o cuidado, já que os conteúdos
são poucos e “fáceis”, enquanto os docentes do ensino fundamental II e do ensino médio precisam
concentrar sua atenção na “matéria” a ser dada.
As hierarquias expand_more
Longe de confirmarmos tal classificação, nosso objetivo é evidenciar o quanto as hierarquias e os valores
sociais hegemônicos influenciam aquilo que se pensa e se considera como perfil docente. Mais do que
balizar as propostas e as normas de formação docente, essas crenças hegemônicas influenciam salários,
reconhecimento social e intelectual dos docentes, como veremos adiante.
A docência como espaço feminino
Docência e sexismo
As primeiras escolas normais, voltadas para a formação das professoras para a escola primária, visavam a
formar professores como peças fundamentais na expansão do ideário positivista que influenciava uma nova
visão de mundo e uma forma de conduzir o país do início do Brasil independente e, posteriormente,
republicano.
Os docentes formados nas escolas normais atendiam à necessidade da expansão do ensino primário. Eram
professoras mulheres, na maioria, e ficaram conhecidas como as normalistas. Com o diploma do ensino
normal, a formação da professora estava completa para cuidar e ensinar as primeiras letras às crianças.
A professora normalista aponta um importante aspecto do contexto histórico do trabalho docente no qual se
observa a incorporação massiva das mulheres a esse segmento e sua relação com o processo de trabalho
assalariado. Em 1935, a participação feminina já possuía destaque em alguns espaços, inclusive no
magistério, em que já era superior a 80%.
Nesse contexto, a docência como espaço profissional feminino articula questões culturais sobre o papel da
mulher na sociedade desde a época em que esses processos passaram a ser normatizados no país. Tal
atividade poderia ser mais bem desempenhada pelas mulheres por conta da identidade feminina vigente na
época e em torno do conceito de “mãe educadora”.
Apple (2002) apresenta o contrato de trabalho de professores de uma localidade, evidenciando o caráter
machista da sociedade estadunidense do início do século XX. Entre outras exigências, para atuar na
docência no primário, a moça deveria ser recatada e solteira, não podia frequentar bares nem deixar os
tornozelos à mostra. Todas essas faltas eram consideradas graves e poderiam dar margem a demissões.
O controle sobre o corpo da mulher e sobre seu modo de viver revela que a
desqualificação profissional das docentes nesse nível de ensino possuía um caráter
sexista.
Paulo Freire.
No Brasil, também havia normatizações desse tipo. Paulo Freire (1997) nos alerta sobre as questões de
preconceito contra essas docentes, questionando a desprofissionalização embutida no uso do termo “tia”
nas escolas primárias, hábito que se espalhou no Brasil na segunda metade do século XX.
Embora o termo também adviesse das culturas afrodescendentes, nas quais as “tias” são as sábias da
comunidade, seu uso disseminado reforçou um imaginário sobre qual deveria ser o perfil dessas professoras.
Nesse contexto, a gentileza familiar e a maternal emergem como qualidades, desconsiderando-se o
necessário preparo profissional para seu exercício.
A obra Professora sim, tia não alerta sobre como uma professora é reduzida à condição de “tia”. Para ele,
ensinar é uma profissão que envolve certa tarefa, certa atuação, certa especificidade no seu cumprimento,
enquanto ser tia significa viver uma relação de parentesco.
Apesar de o magistério se delinear como uma possibilidade profissional às mulheres desde o início do século
XX, os cargos administrativos e de liderança, todavia, continuavam sendo exercidos por homens, como a
maioria deles, ainda hoje, é. Com o passar do tempo, essa atividade também ficou financeiramente
desinteressante para os homens por conta de sua baixa remuneração.
Docência e autonomia
Qual é o “ofício do professor”? Qual é a identidade que se busca no docente? Para o professor Antonio
Nóvoa, existe certa dificuldade para se definir isso devido ao fato de o trabalho docente ser licenciado,
regulamentado e fiscalizado pelo Estado, o que constitui um importante obstáculo à instituição dessa
atividade como uma profissão com identidade profissional própria.
Ao oficializar o exercício formal da docência, o Estado atribui ao professor a condição de funcionário (na
maioria das vezes, público), privando-lhe de autonomia na regulação de sua profissão. Para Nóvoa (2003, p.
25), essa regulação deveria ocorrer no seio da própria categoria, a exemplo do que acontece com outras
classes:
Antonio Nóvoa.
(NÓVOA, 2003, p. 5)
Nessa discussão, Philippe Perrenoud (2015) busca refletir sobre a ação do docente em um contexto de
constantes transformações, apontando algumas competências próprias do ofício de ensinar.
Trata-se de faculdades reconhecidas como prioritárias na formação de professores, já que, para ele, são
características necessárias ao perfil de todo docente para atuar na educação básica:
Organizar e dirigir situações de aprendizagem
Trabalhar em equipe
Chamamos a atenção para o fato de que, na proposta do autor, não há uma hierarquia entre cuidados e
ensinamentos, tampouco o privilégio dos chamados conteúdos de ensino sobre os conhecimentos
pedagógicos. Trata-se de uma teia de capacidades que envolve conhecimentos disciplinares e não
disciplinares, envolvimento e comprometimento com os resultados a serem obtidos, interação com a
comunidade escolar interna e externa e capacidade de adaptação às circunstâncias.
Apesar de, sem dúvida, ser um perfil idealizado, o relevante dele é o fato de que rompe com as hierarquias
estabelecidas entre os supostos perfis docentes. Não só na formação, mas também na atuação docente, o
perfil profissional não muda em sentido hierárquico, e sim em função da especificidade dos desafios.
Como em qualquer outra profissão, nenhum professor tem 100% desse perfil ideal. Por isso, não se pode
negligenciar o fato de que a própria possibilidade de enunciação dele, de reconhecimento da importância dos
múltiplos conhecimentos próprios da docência para além dos conteúdos disciplinares e das especificidades
pedagógicas e sociais de cada situação, permite reafirmar a profissionalidade da docência e a necessidade
de reconhecimento dessa complexa teia de saberes que baliza a sua atuação.
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Relações de poder e a formação docente
Relações de poder marcam qualquer profissão. A profissão docente foi, ao longo do tempo, idealizada. Se
quisermos perceber a dinâmica entre as hierarquias e a formação de professores, precisamos discutir e
debater as demandas e as sociedades.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
A relação entre a escola e seu passado é marcante; por isso, importantes nomes da Educação sugerem
alguns cuidados. Sobre a crítica de Paulo Freire, em que a professora não deve ser chamada de “tia”,
podemos afirmar que:
a docência é uma profissão que requer uma formação permanente, enquanto tia é uma
A
relação de parentesco.
B é uma tradição familiar o cuidado das crianças, tradição que precisa ser vencida.
é fruto de uma estrutura de poder que considera a tia como a mulher que não pode ter
C
filhos.
D a criança não pode ser confundida, acreditando que suas professoras são seus parentes.
E é um exagero do politicamente correto, e Freire deve ser criticado por essa visão.
Questão 2
I. Não existe dificuldade devido ao fato de o trabalho docente ser licenciado, regulamentado e
fiscalizado pelo Estado.
II. A regulamentação pelo Estado impede a instituição da atividade docente como profissão com
identidade própria.
III. A falta de formação é uma dificuldade, pois todos os cursos de formação de professores são muito
fracos e mal frequentados por falta de regulamentação da profissão.
Estão corretas:
A somente a I.
B somente a II.
C somente a III.
D somente I e II.
E somente II e III.
O anedotário social está pleno de imagens de um docente como aquele que não pôde fazer outra coisa por
não saber o suficiente ou que faz isso como bico ou hobby. Mas esse não é o perfil do docente brasileiro,
formado para tal e reconhecido por seus pares (e por muitos) como um profissional importante, socialmente
necessário e responsável pela formação das futuras gerações.
O elo entre Igreja e Estado, com a responsabilidade da primeira sobre a educação, produziu uma docência
sacerdotal, já que, em escolas da época, só sacerdotes davam aula. À medida que o ensino se ampliava e a
sua universalização era proposta para maior número de pessoas a fim de dar conta da escolarização em
massa da população, foi necessária a abertura da docência para leigos, isto é, para pessoas de fora do clero.
Mas, sendo o docente leigo ou religioso, a abertura da docência continuava guiada por suas práticas
segundo concepções religiosas.
A reforma protestante foi um movimento importante para levar as escolas à grande massa dos fiéis, mas o
grande impulso para esse movimento se deu com o desenvolvimento social, o processo de industrialização,
as mudanças políticas, o advento da modernidade e o ideário liberal que a acompanhou a partir do século
XVIII, consolidando-se no século seguinte. Surgia igualmente naquele momento uma concepção liberal de
educação.
Aula da Escola Politécnica regida pelo Padre Antônio Amaral Rosa, em 1960.
Para isso, no período republicano, percebeu-se a necessidade de instalação de escolas em todo o território
nacional para a qualificação imediata do maior número de professores possível e a enorme tarefa que se
desenhava para a nação. A expansão educativa teria de ser acompanhada pela incorporação massiva de
trabalhadores.
Foi a partir da República que a necessidade de criação de um corpo docente em nível nacional foi
percebida. O Brasil, de certa forma, demora para pensar nesse investimento.
Atualmente, mesmo após mais de um século das mudanças na esfera do Estado que trazem a
secundarização da Igreja e a caridade envolvida nos processos educativos por ela liderados, o ideário
permanece. Não faltam notícias, depoimentos e discussões que levam em consideração a percepção do
perfil da docência como vocação.
Muitos autores e estudiosos acreditam que é dessa percepção que advêm os baixos salários geralmente
pagos aos professores e algumas das representações demeritórias (GARCIA, 2013) sobre o ofício docente,
levando ao não reconhecimento e à precarização da profissão.
Nas últimas décadas, percebeu-se, no país, um esforço concentrado na área educacional, tendo como
horizonte os desafios postos por demandas e necessidades de ordem social, econômica e cultural no
contexto da defesa e da valorização dos direitos humanos, em geral, e do direito à educação, em particular.
No setor educacional, procurou-se:
Reorganizar aspectos do financiamento da educação
Valorização docente
Concretamente, vem desde o período após a Constituição de 1988 a marca das lutas pelo reconhecimento
social do magistério em sua dimensão política. Conforme assinala Ângela Paiva, o reconhecimento dessa
luta faz compreender que a valorização docente “pode ser interpretada como sinônimo da história das
demandas por inclusão na esfera pública das sociedades ocidentais”, momento novo em que “vários
segmentos da sociedade, antes invisíveis na organização sociopolítica, passaram a demandar seus direitos,
ou seja, seu reconhecimento a partir da formação de identidades específicas” (PAIVA, 2006, p. 11).
Para isso, entende-se que a preparação das escolas para a função exige a formação de seus professores, e
isso requer o reconhecimento profissional em diversos níveis: o da formação profissional, o da remuneração
e o do reconhecimento do caráter intelectual do fazer docente.
psychology
Desenvolvimento cognitivo
volunteer_activism
Desenvolvimento afetivo
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Desenvolvimento social
Porque é assim que o educador se torna capaz de mediar o desenvolvimento dos alunos e suas capacidades
de lidar com diferenças, respeitando-as, tais como a heterogeneidade dos alunos quanto a estágios de
desenvolvimento, vínculos familiares, religiosos, condições econômicas e pertença cultural, entre outros.
Resumindo
Sendo a escola o lócus preferencial de formação necessária à vida social pública, com base no trabalho
cotidiano dos educadores, é necessário que tal formação funcione em boas condições a fim de que, com
isso, possa oferecer possibilidades reais para que seus profissionais, se sentindo capacitados e reconhecidos
do ponto de vista social, se dediquem à formação das novas gerações conforme a perspectiva democrática
definida pela Constituição Federal e na direção de uma formação intelectual, cidadã e profissional.
Políticas de valorização docente passam a fazer parte da luta sistemática pelo reconhecimento desses
profissionais. Propostas de planos de carreira que remunerem docentes, valorizando níveis mais elevados de
formação e/ou tempo de dedicação à carreira, são elaborados nos diferentes estados e redesenhados na
esfera federal. Mesmo na iniciativa privada, movimentos nesse sentido, a partir dos sindicatos e das
organizações de docentes, passam a habitar o cenário político brasileiro.
Os critérios para essa remuneração pautam-se nos preceitos da própria Lei nº 11.738/2008 e no art. 22 da
Lei nº 11.494/2007, que dispõe sobre a parcela da verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e Valorização do Magistério (FUNDEB) destinada ao pagamento dos profissionais do
magistério. Eles também se baseiam no art. 69 da Lei nº 9.394/1996, que define os percentuais mínimos de
investimento dos entes federados na educação.
O valor acima pode impressionar, considerando os baixos salários pagos aos docentes no país, mas,
comparado aos de outros países, permanece muito aquém do desejado. Não é um salário adequado se
considerarmos tudo que se espera de um educador, incluindo o fato de que a formação continuada é parte de
seu cotidiano.
Esse problema salarial docente se associa à discussão sobre a qualidade da educação e a atratividade da
carreira e permanência nela, formando uma rede da qual não se poderemos escapar se entramos nesse
debate. Com frequência cada vez maior, profissionais qualificados deixam as escolas para atuar em carreiras
em que são mais respeitados e podem receber maior remuneração, como no nível superior ou em formações
pontuais para concursos e provas.
Um estudo desenvolvido por Alves e Pinto (2011) desdobra microdados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD, 2009) e confirma o já sabido sobre a remuneração insatisfatória de professores na
comparação com a de outros ramos profissionais.
No estudo citado, verifica-se ainda que, em 24 estados, a remuneração média dos docentes com formação
em nível superior e que trabalham em tempo integral está abaixo daquilo que o Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estima como o salário-mínimo necessário ao trabalhador
brasileiro e, sobretudo, abaixo do piso nacional estabelecido para a categoria.
Comentário
O Brasil vive em um círculo vicioso de baixa remuneração docente, dificuldades e não incentivo a
investimentos na própria formação por parte dos profissionais por conta da falta de atratividade da carreira.
A ruptura precisaria ter início em políticas salariais e sociais de valorização e mais e melhores possibilidades
de formação, conferindo mais atratividade a essa carreira.
De acordo com essa resolução, as esferas da Administração Pública que oferecem alguma etapa da
educação básica em quaisquer de suas modalidades devem instituir planos de carreira para todos os seus
profissionais do magistério e eventualmente aos demais profissionais da Educação.
Como tal, devemos ter em mente o reconhecimento da educação básica pública e gratuita como direito de
todos e dever do Estado, que deve provê-la de acordo com o padrão de qualidade estabelecido na Lei nº
9.394/1996, sob os princípios da gestão democrática, de conteúdos que valorizem o trabalho, a diversidade
cultural e a prática social por meio de financiamento público que leve em consideração o custo-aluno
necessário para alcançar a educação de qualidade. Esse padrão é garantido em regime de cooperação entre
os entes federados com responsabilidade supletiva da União.
Para tal, é estabelecida uma remuneração “condigna para todos” - e, no caso dos profissionais do magistério,
com vencimentos ou salários iniciais nunca inferiores aos valores correspondentes ao Piso Salarial
Profissional Nacional nos termos da Lei 11.738/2008.
É proposta uma jornada de trabalho preferencialmente em tempo integral de, no máximo, 40 horas semanais,
incluindo a ampliação da parte da jornada destinada às:
Atividades de
preparação de aulas
Avaliação da
produção dos alunos
Reuniões escolares
Contatos com a
comunidade
Formação continuada
Ficam assegurados, no mínimo, os percentuais da jornada que já vêm sendo destinados para tais finalidades
pelos diferentes sistemas de ensino de acordo com os respectivos projetos político-pedagógicos. Com isso,
espera-se mais participação dos profissionais no planejamento, na execução e na avaliação do projeto
político-pedagógico do local em que atuam.
A Resolução CEB/CNE nº 2/2009 complementou tal diretriz com essa determinação, orientando com
princípios e aspectos a serem observados nesses planos. Ela caminha para uma articulação entre as
diferentes políticas de ação do MEC (Lei do Fundeb e Lei do Piso Salarial de Professores) e os distintos entes
federados.
A resolução do CNE não tem o caráter de lei, mas expressa uma perspectiva norteadora, cobrindo
aspectos importantes para a constituição de processos educacionais escolares dos quais os
profissionais do magistério são peças-chave. Espera-se com isso o reconhecimento da importância da
carreira dos profissionais da educação, criando perspectivas de se chegar à equiparação salarial desses
profissionais a outros com as mesmas exigências formativas iniciais e padrões de responsabilidade
semelhantes.
Vários dos princípios contemplados no art. 4º da Resolução CNE/CEB nº 2/2009 focalizam a necessidade da
formação continuada dos profissionais, com a ressalva de que não se firam os interesses da aprendizagem
dos educandos. Licenças sabáticas para formação são recomendadas, mas contêm regras claras.
Disso deve decorrer a constituição de incentivos de progressão na carreira por qualificação do trabalho
profissional, a qual, entre outros referenciais, agrega a avaliação de desempenho do profissional do
magistério e do sistema de ensino.
Essa proposta, se devidamente aplicada, levaria à maior atratividade da carreira e à consequente melhoria
dos profissionais - e, com isso, à melhora da própria educação.
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Caracterizando a profissão docente
O que estabelece a Lei nº 11.738/2008 para a carreira docente? Em que o trabalho docente se difere das
demais categorias de trabalhadores? Os professores têm direito a ter um plano de carreira, ou isso é algo que
varia de instituição para instituição? No vídeo abaixo, vamos esclarecer essas e outras dúvidas sobre a
carreira docente.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
O professor é uma figura especial. Essa frase pode ter muitas interpretações e algumas bem complexas.
Em que o trabalho docente se difere das demais categorias de trabalhadores?
I - A atividade docente se caracteriza por um trabalho igual aos outros, pois toda profissão envolve um
alto grau de subjetividade sobre o qual não se tem uma medida possível.
II - O educador deve não somente dominar conhecimentos disciplinares e metodologias de ensino, como
também compreender o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social das crianças e jovens.
III – Uma competência que muitas vezes é reduzida, embora seja fundamental é a capacidade de lidar
com a igualdade, considerando a homogeneidade dos alunos em seus diversos aspectos.
A Apenas I e II.
B Apenas I e III.
C Apenas II e III.
E Apenas a afirmativa I.
A atividade docente é um trabalho que se diferencia em virtude de sua relação com a subjetividade, que
é um aspecto imensurável. Além disso, o professor deve considerar que atua com uma diversidade de
alunos. Por isso, ele precisa respeitar as diferenças e ser capaz de atuar com elas. Por fim, o papel
docente envolve conhecimentos sobre a disciplina e os métodos de ensino, bem como sobre o
desenvolvimento cognitivo, afetivo e social de seus alunos.
Questão 2
A história da profissão é um fator complexo, embora seja fundamental para notar o valor que a carreira
passa a ter. Nesse contexto, indique uma característica importante do processo de formação docente no
Brasil.
A história cria uma relação do docente como um sujeito de afeição moral, com um compromisso que se
aproxima ao sacerdócio, mas isso, apesar de ser presente, precisa ser revisto e retrabalhado. A
profissionalização, a introdução de elementos relativos à carreira e o reconhecimento de valor são traços
fundamentais.
3 - Proletarização e desprofissionalização da
docência
Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer as questões que
envolvem a proletarização e a desprofissionalização da docência na
atualidade.
A proletarização docente
Nesse contexto, prevê-se uma igualdade de aptidões e de possibilidades virtuais dos cidadãos de gozar de
tratamento isonômico pela lei. Por meio desse princípio, são vedadas as diferenciações arbitrárias. Sua
finalidade é limitar a atuação de legisladores e intérpretes ou autoridades públicas, assegurando as bases de
compreensão do que a lei expressa.
Em relação a salários, por exemplo, seria correto legalmente que mulheres e homens recebessem o mesmo
valor para o exercício de funções iguais, mas, mesmo que isso seja praticado no campo da docência,
sobretudo na esfera pública, é uma isonomia de salários baixos.
Vivemos em um cenário de proletarização vinculado ao fato de que políticas recentes buscam retirar do
docente o controle de seu processo de trabalho.
A BNCC, por exemplo, tal como organizada em sua homologação de 2016, impõe ao docente conteúdos e
modos de ensinar, regulando e controlando a prática em sala de aula.
As políticas educacionais neoliberais também contribuem para o processo de proletarização docente. O
professor se torna um executor ocupado com questões burocráticas, impelido a atuar para os processos de
avaliação em uma lógica de mercado, como veremos adiante.
Pode-se afirmar ainda que a proletarização docente está relacionada ao processo de empobrecimento
econômico da categoria, sobretudo dos professores da educação básica. Aquilo que, em um primeiro
momento, podia ser considerado parte de um processo emancipatório da mulher, hoje aparece como
argumento para a desvalorização salarial da categoria.
Aula do ensino fundamental I em uma escola pública de Vitoria da Conquista, Bahia, em outubro de 2011.
Docentes mulheres, que compõem a maioria absoluta na educação infantil e na primeira etapa do ensino
fundamental, são fortemente desqualificadas. Além de desprofissionalizadas, elas são proletarizadas,
recebendo baixos salários e sendo instadas a não assumir o protagonismo de seu ofício.
Além disso, a precarização também está relacionada ao próprio modo de contratação do docente, contratado
muitas vezes por meio de contratos temporários e remunerações sem direitos trabalhistas, tornando essa
mão de obra ainda mais barata.
assessment
Sistematizar avaliações em larga escala
pattern
Padronizar os currículos
rule
Controlar a forma como os professores devem lecionar
As políticas públicas atuais de educação, desde o início dos anos 1990, se baseiam em avaliações, como:
Sistema de Avaliação
da Educação Básica
(SAEB)
Em 1990, surge um conjunto
de avaliações composto pela
Avaliação Nacional da
Educação Básica (ANEB) e
pela Avaliação Nacional do
Rendimento Escolar
(ANRESC), também
conhecidas como Prova
Brasil.
Exame Nacional do
Ensino Médio
(ENEM)
Em 1998, o ENEM é criado
para avaliar o desempenho
dos alunos ao término da
educação básica. Em 2009, o
exame passa a ser utilizado
como um mecanismo de
acesso à educação superior.
Avaliação Nacional da
Alfabetização (ANA)
Oliveira aponta o cenário dos anos 1990, que tornou essas políticas possíveis. Segundo ela, as reformas do
período “foram implementadas em um período de relativa estabilização da luta político-sindical, marcado por
fraca mobilização de base e burocratização das direções sindicais” (OLIVEIRA, 2010, p. 31). Já Hypólito
(1997) entende que o “Estado quer subtrair do professor o controle de suas localidades, mas não deseja que
ele perca aquelas características de dedicação, de empenho e honra” (HYPÓLITO, 1997, p. 25).
Uma das características dessas políticas é a responsabilização imediata dos professores pelos resultados
obtidos pelos estudantes, desconsiderando-se as condições de trabalho e formação - e até mesmo as
especificidades dos estudantes e das escolas.
Além disso, há o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), do qual o Brasil faz parte.
Somam-se a esse panorama outros programas que estados e municípios adotam concomitantemente.
Na verdade, mais do que definir a qualidade do ensino (criando um ranking), essas avaliações fazem parte de
um eficiente mecanismo de controle dos professores, repercutindo "nos currículos escolares, bem como
transformam paulatinamente a cultura escolar e as relações no interior da escola e desta com a comunidade"
(SANTOS, 2013, p. 109). Além disso, elas também transformam a produção de conteúdo escolar, que passam
a ser definidos em relação a elas – e atualmente centralizados em torno da BNCC –, contribuindo para o
processo de padronização do ensino, de desconsideração de diferenças e desigualdades e de proletarização
docente.
A desprofissionalização docente
No filme Tempos modernos, Charlie Chaplin apresenta um trabalhador cuja função (interminável) é a de
apertar dois parafusos, sem que jamais saibamos o que está sendo produzido – nem a plateia, nem o
trabalhador. A modernidade era, então, relatada de modo nu, identificada como a era da imposição de
processos de trabalho desprofissionalizados, mecânicos e automáticos.
No momento atual, de políticas voltadas para o controle docente e a imposição de modelos tecnicistas de
atuação, ocorre o mesmo processo com os docentes. Essa característica da proletarização – o não controle
sobre o próprio processo de trabalho – vem se fazendo crescentemente presente nos processos educacionais
e sofre um sério agravamento com a implantação de políticas que visam a modelizar os processos de
trabalho docente, criando padrões cada vez mais impostos do alto e de longe.
A própria ONU insiste com a publicação do índice de desenvolvimento humano (IDH) como forma de medir
resultados de políticas públicas em diferentes países, envolvendo índices padronizados de qualidade da
educação.
No mesmo padrão, podemos citar o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o
Fundo Monetário Internacional (FMI), a Unesco e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), bem como a Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Ciência e a Cultura (OEI).
Os resultados dessas verificações, além de servirem para supostamente indicar níveis de qualidade ou de
excelência, são utilizados para desqualificar profissionais e instituições e para comprometer o acesso aos
direitos sociais, notadamente à educação de qualidade. Esse modus operandi é resultado de políticas que
agridem e influenciam as reformas do Estado brasileiro a partir dos anos 1990, sendo frequentemente
gestadas por organismos internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, entre outros, e impostas aos países
menos poderosos.
Resumindo
Percebemos que cada vez mais as políticas públicas oficiais impõem aos professores que exerçam somente
funções de meros transmissores de conteúdos pré-moldados sobre os quais eles são chamados a não
intervir. Assim, a própria profissionalidade docente fica reduzida à dimensão da formação e, não raras vezes,
a uma formação precária ou reduzida.
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Desprofissionalização docente e o
neoliberalismo
Elaboraremos neste vídeo um conjunto de narrativas ilustradas com base no texto da professora, além de
colhermos seu depoimento sobre como o neoliberalismo contribui para a desprofissionalização e a
proletarização docente. Também focaremos as políticas públicas atuais e o sistema de avaliação.
Nesse contexto, o professor perde sua qualificação, seus conhecimentos e suas habilidades para planejar,
compreender e agir sobre a produção. A proletarização leva o docente a perder o controle sobre o próprio
trabalho ao ficar submetido ao controle e às decisões do capital, perdendo a capacidade de resistência.
Cartaz (no qual está escrito “Por uma educação que nos ensine a pensar, não a obedecer”) durante os protestos em defesa da educação
pública no Chile, em outubro de 2019.
Por isso, é fundamental pensar sobre a docência para além desses problemas, vendo-a como uma profissão
com saberes próprios, a qual, para ser exercida, precisa gozar de autonomia decisória e flexibilidade
pedagógica. Deve-se considerar que, entre esses saberes reconhecidos como específicos do fazer docente,
está o reconhecimento das necessidades de mudanças e adaptações nos planejamentos sempre que a
situação assim exige.
A amplitude e a diversidade das situações nas quais o docente precisa produzir soluções e respostas
adequadas evidenciam a presença, na docência, de um movimento contínuo de aprendizagem e adaptação a
exigir a seguinte compreensão: há uma profissionalidade efetiva no exercício da profissão. E é justamente
esse reconhecimento que pode contribuir para o combate à precarização e à proletarização.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Em analogia ao filme Tempos modernos, o professor, na contemporaneidade, tem sido concebido como
mero transmissor de conhecimento, recebendo instruções sobre o que e como ensinar em sala de aula
em processos mecanizados. Essa relação é concebida a partir de qual ideia?
A imposição de uma carreira estruturada do alto e de longe, criando uma jornada longa
E
demais, apesar de segura de trabalho docente
Proletarização é uma estrutura que não visa a reduzir, e sim a associar um processo que ocorreu em
determinados segmentos e que chegam à educação. Trata-se da ideia de reduzir e reproduzir um
trabalho que, em si, é variável e construído como algo mecânico e de fácil reprodução.
Questão 2
As atuais políticas públicas educacionais brasileiras utilizam um rigoroso sistema de avaliação. Nesse
contexto, a respeito dos exames nacionais, podemos afirmar que elas:
B
reconhecem imediatamente a atuação dos professores, considerando as condições de
trabalho e de formação, bem como as especificidades dos alunos e das escolas.
No Brasil, as políticas públicas se baseiam nas avaliações de larga escala. Tais exames são definidos
por currículos preestabelecidos, que são padronizados para a elas atenderem. Com isso, desconsidera-se
a diversidade composta por diferenças sociais, econômicas e culturais. Além disso, responsabiliza-se
diretamente os professores pelos resultados, criando classificações e ranqueando alunos e escolas.
4 - A marginalidade e a violência no
cotidiano docente
Ao final deste módulo, você será capaz de analisar as questões que
envolvem os problemas da marginalidade e da violência no cotidiano
docente.
Docência e violência
Hamilton Werneck.
Em 2008, o professor Hamilton Werneck publicou um livro com o título de Professor, profissão perigo pela DP
et Alii Editora. Recentemente, a revista Isto é , em seu número 2.716, publicou uma matéria com o mesmo
título revelando índices alarmantes de violência a partir de dados fornecidos pelo Sindicato do Professor de
Minas Gerais e pelo Sindicato dos Professores de Ensino Privado do Rio Grande do Sul.
De acordo com a pesquisa, 82% dos professores entrevistados alegam ter sofrido algum tipo de violência.
Em 2011, a cada três dias, era registrada uma ocorrência no disque-denúncia, sendo 42% delas oriundas da
rede privada de ensino. Isso indica graves problemas em relação a um tema difícil: a violência no ambiente
escolar.
Na rede privada de ensino do estado do Rio Grande do Sul, 58% dos professores foram identificados com
estresse. Desse grupo, 17% dos entrevistados foram diagnosticados com a síndrome de Burnout.
A realidade educacional de crescentes exigências e diversificação do trabalho escolar faz com que o
professor emerja como mediador e alicerce para a consolidação das políticas educacionais propostas. “Isso
significa que, cotidianamente, estes profissionais são desafiados a ressignificar suas práticas pedagógicas”,
frisa Arraz (2018, p. 34). Isso se dá em função de tais mudanças, que ocorrem sem a sua participação e que
trazem muitas exigências.
Educação é proteção contra a violência, seminário nacional no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, em junho de 2019.
Chega um momento em que essa permanente violência esgota a capacidade de ação e de reação de
docentes interditados de educar e de discentes discriminados – e até mesmo de escolas.
José Carlos Libâneo (2004) aponta que o cotidiano do professor não tem sido muito confortável, pois são
muitos os papéis assumidos por tais profissionais diante de um horizonte de desafios, como baixos salários,
baixa autoestima, ausência de valorização e indisciplina – leia-se desrespeito, desafio etc. – por parte dos
educandos e pais, mas, sobretudo, por parte do próprio Estado.
Na verdade, a escola está inserida dentro de um contexto social maior, sendo automaticamente um reflexo
do momento social em que está inserida. Por isso, sozinho, o docente não tem o poder de reverter o processo
de barbarização das relações sociais, até porque o professor raramente consegue estabelecer um vínculo
próximo e positivo com os alunos interessados - e vice-versa. Comportamentos incivilizados e não
reconhecidos como tais emergem a todo o momento, e suas vítimas podem reagir, até inconscientemente,
tornando-se elas mesmas agressivas ou simplesmente desistindo!
De acordo com Wanderley Quedo, presidente do Sindicato dos Professores no Estado do Rio de Janeiro,
depois de iniciar uma campanha incentivando os professores a cuidarem da voz, o órgão de classe percebeu
que os distúrbios na fala eram, em grande parte dos casos, apenas reações físicas a problemas bem mais
complexos, de cunho emocional.
Tal constatação fez mudar o eixo do trabalho do sindicato para o campo da saúde mental dos professores. A
tudo isso se soma a desvalorização financeira e social do professor, que também pode ser percebida como
uma forma de violência tanto ética quanto simbólica.
Deparamo-nos, assim, com o seguinte quadro: destacadamente na rede privada, vê-se com frequência,
de um lado, o aluno cliente (deesresponsabilizado de suas tarefas e apoiado por responsáveis, os quais,
por sua vez, também se percebem como tais e pretendem que a escola se ocupe de tarefas educativas)
e, de outro, as escolas e os docentes (aprisionados por um sistema que exige deles o cumprimento de
uma missão quase impossível: oferecer educação de qualidade em um cenário de subalternidade).
Em uma inversão desse cenário, também observamos professores estressados e escolas precariamente
estruturadas em muitas redes públicas ou privadas de baixo custo desrespeitarem e cometerem “violência”
contra alunos que não se enquadram apenas porque se comportam de modo diferente do esperado ou pelo
fato de não trazerem para ela aquilo que se considera indispensável no modelo de escola vigente. Esses
estudantes, além disso, não têm como se proteger dos processos discriminatórios.
Com isso, é possível observar uma dupla situação: de um lado, há uma compreensão de que, quando algo dá
errado, os alunos são sempre as vítimas, enquanto o professor geralmente ocupa o papel do culpado
(inclusive para a própria escola); de outro, os alunos são sempre vistos como culpados, e o Estado é
desresponsabilizado de suas tarefas de oferta de ambiente apropriado (processo apoiado por docentes, os
quais, sem apoio e condições dignas de trabalho, também assumem comportamentos violentos – sobretudo
simbolicamente – contra alunos indefesos).
Resumindo
Trata-se de uma violência profissional em dois tempos: o da impossibilidade de exercício da profissão e o da
desqualificação permanente. Ambos são motivos mais do que suficientes para o burnout docente e discente.
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Profissão docente e as doenças ocupacionais
Diante de tanta violência a que o professor está exposto, como ele pode pensar em caminhos e mecanismos
de enfrentamento?
O combate à violência é social
Escola e sociedade
A solução para a violência na escola passa obrigatoriamente pelo conjunto da sociedade. Esse é o ponto
central. Não basta responsabilizar os alunos pelos problemas enfrentados pelos docentes nem aos
professores ou aos familiares por desistências e problemas de estudantes.
Considerar esses atores apenas individualmente, negligenciando o contexto social no qual esses
comportamentos se inscrevem, é um equívoco. É necessário, portanto, interrogar valores e práticas sociais
hoje em dia hegemônicos em relação à questão para perceber como se combate o problema e buscar
proteger docentes e estudantes dos graves problemas que os atingem.
Vive-se atualmente diante de acontecimentos e situações em que a violência fora e dentro da escola é a
tônica - e ela não é questionada como tal. A influência dos atuais padrões de agressividade na sociedade
sobre a constituição das identidades sociais precisa ser considerada; senão, estaríamos apartando escola e
sociedade, o que certamente não pode ser feito se pretendemos compreender os problemas e buscar suas
soluções.
A agressividade contra autoridades instituídas ou contra cidadãos inocentes em virtude de suas crenças ou
de seus comportamentos, possibilidades e limites vem invadindo noticiários e famílias na sociedade em
geral. Evidentemente, nas escolas, esse cenário se faz presente, ampliando a violência escolar.
Ações e ideias que podemos considerar como barbáries vêm sendo cometidas por
sujeitos e grupos sociais diversos - e até mesmo por autoridades constituídas. Elas
não são, portanto, uma exclusividade das salas de aula ou do espaço da educação
privada, em que a questão do aluno cliente opera fortemente. Tampouco são
exclusivas do espaço das redes públicas, nas quais as más condições de vida, a
insegurança geral e a carência são os principais elementos detonadores de
problemas.
Isso tudo evidencia a preponderância de um padrão de comportamento social agressivo sobre o padrão que
se pretende privilegiar na escola, que é o da amabilidade, do companheirismo, da cooperação e da tolerância.
Espalhados pelo mundo, episódios mais recentes poderiam se juntar a esses. Eles evidenciam
inequivocamente que as relações sociais entre sujeitos e grupos sociais sofreram uma relevante inflexão
para a violência explícita - e a tendência tem sido a piora do problema. Assassinatos e agressões
injustificáveis de cidadãos, afinal, povoam os noticiários cotidianos.
Seguimos tentando melhorar o sistema e investir em valores mais humanistas, mas a tarefa não é simples
exatamente por não se dirigir somente a pessoas. Ela, na verdade, impõe mudanças na lógica relacional da
sociedade presente nas escolas.
O crescimento da aceitação da ideia de que a sociedade “pode” e deve “corrigir” os desvios comportamentais
pela violência – “fazer justiça com as próprias mãos” – ou pela desqualificação e invisibilização ameaça as
possibilidades de enfrentamento do problema.
Nesse cenário, frequentemente em locais em que a violência cotidiana foi e continua sendo a regra social, os
sujeitos das escolas tendem a se comportar a partir daquilo que vivenciam e aprendem cotidianamente,
mesmo quando se busca o oposto.
Resumindo
O trabalho cotidiano nas escolas, a despeito do percentual de alunos agressivos e violentos ou de
profissionais desgastados, precisa incluir a luta contra a violência, entendendo-a como uma questão social
para além dos sujeitos por elas vitimados.
A estrutura social e escolar e a luta contra a
violência
Sair do esquema individualista de percepção da agressividade e da violência, como se ambas fossem meras
ações isoladas de sujeitos desviantes, parece ser um caminho promissor para o encaminhamento das
questões relacionadas às agressões cometidas pelos alunos e narradas pelos profissionais das escolas. Ao
mesmo tempo, isso pode evitar os problemas docentes por meio de iniciativas de apoio a cada profissional
inscrito num problema social sério, e não apenas percebido como alguém que “não aguentou” ou não “deu
conta” dos desafios que lhe foram colocados.
“Despatologizar” esses comportamentos e problemas é condição necessária para sua inscrição social.
Nessa perspectiva, uma questão central para refletir sobre a violência escolar e sobre esse cenário de
violência geral é o que Boaventura de Sousa Santos (2006) chama de fascismo social.
É possível afirmar que docentes e alunos, em muitas situações, fazem parte deles, pois são negligenciados e,
por vezes, atacados em vez de serem protegidos.
Despatologizar
Os processos de medicalização e patologização da vida e da política são crescentes no mundo contemporâneo,
assumindo proporções que conseguem nos surpreender – e até assustar – novamente a cada dia. As tentativas
de padronização e homogeneização da vida avançam mais e mais, buscando eliminar, pela estigmatização, os
diferentes modos de ser, agir, reagir, sentir, afetar, ser afetado, aprender, lidar com os saberes já aprendidos,
questionar, sonhar, se expressar... busca-se silenciar e ocultar conflitos, sofrimentos de diferentes ordens,
fantasias, utopias, discordâncias e questionamentos. Nesse contexto, as possibilidades de construir futuros
diferentes ficam mais difíceis. As diferenças que caracterizam e enriquecem a humanidade são tornadas
transtornos. Desigualdades são escamoteadas, transformadas em doenças. As questões coletivas de ordem
política, social, econômica, cultural e afetiva que afligem milhões de pessoas são transformadas em individuais
e reapresentadas como doenças, transtornos ou distúrbios. Problemas políticos são tornados biológicos, inatos
à pessoa. A pessoa e sua família, que já sofrem a exclusão decorrente dos estigmas e preconceitos e da
culpabilização, sofrem então uma segunda exclusão, agora disfarçada de inclusão: a da doença (MOYSÉS;
COLLARES, 2013, p. 15-16).
Culpabilizar docentes e discentes por não se adaptarem ou não darem conta das tarefas que lhes chegam é
uma ação que precisa ser problematizada e enfrentada, já que, com frequência, ela funciona mais como
meio de fazer de conta que os problemas não estão lá do que de produção de soluções.
As ações pedagógicas e sociais paralelas, a atuação combinada com outras entidades e profissionais, a
intervenção de autoridades outras nos processos pedagógicos e sobretudo a inscrição dos problemas em um
mundo social que os transcende, neles inscrevendo-se, são mecanismos possíveis de combate que respeitam
direitos de alunos e professores, aceitam a diversidade comportamental como parte da vida humana e social
e principalmente responsabilizam o Estado por aquilo que lhe cabe em relação a todos os cidadãos:
oferecer educação básica pública, gratuita e de qualidade para todos.
Resumindo
Podemos, portanto, finalizar nossa reflexão apontando o fato de que, do ponto de vista social, a busca por
padrões de comportamento e modos de viver e lidar com problemas é sempre um erro, uma vez que, do ponto
de vista individual, as pessoas são diferentes e, por isso, lidam com os mesmos problemas, situações e
ensinamentos de modo diverso.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
A lógica de que acontecimentos na escola e na sociedade são algo isolado é a dicotomia central a ser
vencida; por isso, o esforço é coletivo.
Questão 2
Professor: profissão perigo não é só um título de efeito. Na verdade, ele dialoga com aspectos diversos
que impactam a vida docente e fragilizam sua condição. Entre tais aspectos, podemos destacar:
Considerações finais
Nosso objetivo principal neste conteúdo foi o de identificar diferentes aspectos da docência e dos problemas
que a cercam. Dessa forma, trabalhamos as identidades docentes em termos gerais e específicos.
Verificamos, portanto, suas atuações em diferentes níveis e modalidades de ensino e os principais aspectos
relacionados à formação e às identidades.
Cabe lembrar que cada um desses temas se enreda com os demais, já que docentes, seus processos de
formação e atuação, assim como suas possibilidades concretas de trabalho e os modos como tais trabalhos
são percebidos e tratados socialmente na sociedade, em geral, e nas escolas, em particular, constituem
sujeitos inteiros. Desse modo, tais questões incidem sobre todos e cada um de seus atores, formando uma
rede de influências que opera sobre a constituição da identidade de cada docente - e, consequentemente,
sobre suas atuações.
headset
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Podcast
Ouça este podcast. Vamos nos aprofundar nele sobre as origens das características da carreira docente e os
desafios presentes no cotidiano dela.
Explore +
Assista ao filme Entre os muros da escola e reflita sobre a proletarização docente, bem como sobre o
desafio da violência e outros conflitos no cotidiano escolar.
Pesquise também uma publicação da Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo com o
seguinte nome: NAAPA lança o seu primeiro caderno de debates.
Referências
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n. 1. 2002. p. 55-78.
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