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Thiago Teixeira Guimarães

Organizador

Excesso de
exercício físico?
1° Edição

Brazilian Journals Editora


2022
2022 by Brazilian Journals Editora
Copyright © Brazilian Journals Editora
Copyright do Texto ©2022 Os Autores
Copyright da Edição ©2022 Brazilian Journals Editora
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Edição de Arte: Sabrina Binotti
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Ciência e Tecnologia de Goiás, Brasil.
Profª. Drª. Ercilia de Stefano - Universidade Federal Fluminense, Brasil.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
G963e Guimarães, Thiago Teixeira

Excesso de exercício físico? / Thiago Teixeira Guimarães. São José


dos Pinhais: Editora Brazilian Journals, 2022.
181 p.
Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui: Bibliografia
ISBN: 978-65-81028-24-4
DOI: 10.35587/brj.ed.0001379

1.Saúde. 2. Exercícios físicos. I. Guimarães, Thiago Teixeira. II. Da


Silva, Daniel Costa Alves. III. Pinto, Elaine Cristina da Silva. IV.
Rubini, Ercole da Cruz. V. De Amorim, Marcos Vinicios Craveiro. VI.
Dutra, Patrícia Maria Lourenço. VII. Borges, Ricardo Moreira. VIII.
Cevada, Thais. IX. Coelho, Wagner Santos. X. Título.

Brazilian Journals Editora


São José dos Pinhais – Paraná – Brasil
www.brazilianjournals.com.br
editora@brazilianjournals.com.br
ORGANIZADOR

Dr. Thiago Teixeira Guimarães


Formação: Doutor em Ciências do Exercício e do Esporte – UERJ
Instituição: Oficial Pesquisador – Instituto de Medicina Aeroespacial, Programa
de Pós-Graduação em Desempenho Humano Operacional – Universidade da
Força Aérea
Endereço: Av. Marechal Fontenele, 1755, Campo dos Afonsos, Rio de
Janeiro/RJ, 21740-001
E-mail: thiagotguimaraes@yahoo.com.br http://lattes.cnpq.br/4356552805912391

AUTORES

Daniel Costa Alves da Silva


Formação: Especialista em Fisiologia do Exercício e Treinamento Desportivo – IBF
Instituição: Base de Abastecimento da Marinha no Rio de Janeiro
Endereço: Av. Brasil, 10500, Penha, Rio de Janeiro/RJ, 21012-350
E-mail: danielcsilva1985@gmail.com http://lattes.cnpq.br/8842290913125462

Elaine Cristina da Silva Pinto


Formação: Graduanda em Educação Física e Bacharel em Produção Cultural –
UFF
Instituição: Grupo de Pesquisa em Educação Física e Esportes, Programa de
Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde –
Universidade Federal do Pampa (Uruguaiana/RS)
Endereço: BR 472, Km 585, RS, 97501-970
E-mail: elaineprocult@gmail.com http://lattes.cnpq.br/3735909468192107

Dr. Ercole da Cruz Rubini


Formação: Doutor em Ciências do Exercício e do Esporte – UERJ
Instituição: Grupo de Pesquisa em Ciência do Exercício e da Saúde
(GPCES/UERJ)
Endereço: Rua São Francisco Xavier, n 524, bloco F, nono andar, Maracanã,
Rio de Janeiro/RJ, 20550-900
E-mail: ercolerubini@yahoo.com.br http://lattes.cnpq.br/6098132628059461

Marcos Vinicios Craveiro de Amorim


Formação: Bacharelado em Educação Física – UNESA, com pós-graduação
em Gestão e Marketing Esportivo – IBMEC/RJ
Endereço: Rua Visconde de Mauá, 246, Caxias do Sul/RS, 95010-070
E-mail: m.4morim@outlook.com http://lattes.cnpq.br/9146723724634439

Dra. Patricia Maria Lourenço Dutra


Formação: Doutora em Ciências Biológicas – IBCCF/UFRJ
Instituição: Professora Associada – Faculdade de Ciências Médicas – UERJ
Endereço: Av. Professor Manuel de Abreu, 444, PAPC, Vila Isabel, Rio de
Janeiro/RJ, 20550-170
E-mail: pmldutra@gmail.com http://lattes.cnpq.br/1617851661398279
Dr. Ricardo Moreira Borges
Formação: Doutor em Química de Produtos Naturais – UFRJ, com pós-
doutorado – UGA (EUA)
Instituição: Professor Associado – IPPN/UFRJ
Endereço: Av. Carlos Chagas Filho, 373, bloco H, Ilha do Fundão, Rio de
Janeiro/RJ, 21941-902
E-mail: ricardo_mborges@ippn.ufrj.br http://lattes.cnpq.br/2002185460196639

Dra. Thais Cevada


Formação: Doutora em Ciências do Exercício e do Esporte – UERJ
Instituição: Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) – USP
Endereço: Av. Professor Mello Moraes, 65, Vila Universitária, São Paulo/SP,
05508-030
E-mail: thacevada@hotmail.com http://lattes.cnpq.br/6766162058506703

Dr. Wagner Santos Coelho


Formação: Doutor em Ciências Biológicas – IBqM/UFRJ
Instituição: Professor Adjunto – Centro Universitário Estadual da Zona Oeste
(UEZO)
Endereço: Av. Manuel Caldeira de Alvarenga, 1203, Campo Grande, Rio de
Janeiro/RJ, 23070-200
Instituição: Docente – UNESA
Endereço: Rua José Acúrcio Benigno, 116, Sans Souci, Nova Friburgo/RJ,
28611-135
E-mail: wagscoelho@hotmail.com http://lattes.cnpq.br/3423043184092414
PREFÁCIO

Em 2015 tive o prazer de conhecer o novo professor da disciplina Teoria


e Prática da Natação, do curso de Educação Física da Universidade Estácio de
Sá, campus R9 – RJ, o qual sou coordenadora desde 2014. Seu
profissionalismo de imediato me chamou atenção, um rapaz jovem,
preocupado em acertar e despertar nos estudantes interesse pela investigação.
Com tanta criatividade e proatividade foi conquistando seu espaço e se
tornando uma referência no curso. A cada semestre, mais e mais elogios
chegavam à coordenação, pois as histórias contadas por ele sobre suas
derrotas e fracassos despertaram nos seus alunos um sentimento de
empoderamento e gratidão. Muitos que pensavam em interromper sua
trajetória acadêmica foram salvos por esse gigante professor, chamado
carinhosamente por seus alunos de “monstro”. A partir daí não parou mais...
Formou um grupo de iniciação científica chamado GPEEx (Grupo de Pesquisa
Excesso de Exercício), escreveu artigos, desenvolveu projetos, criou parcerias,
recebeu prêmios, foi homenageado diversas vezes e agora está lançando essa
obra inédita ao lado dos seus parceiros, alunos e colegas de trabalho.
Este livro confronta os extremos do exercício, “inatividade física e
excesso de exercício”, traz informações importantes sobre o overtraining em
diferentes populações e seus marcadores, como por exemplo, escalas
subjetivas e a variabilidade da frequência cardíaca. Discute, através de
informações científicas, estratégias contra a exaustão, fala sobre vício e
sistema límbico, aborda o esgotamento físico e mental.
Convido você, atleta ou não atleta, treinador, preparador físico ou
profissional de educação física e de outras áreas da saúde, para iniciar a leitura
desta obra organizada pelo professor Thiago Guimarães, impulsionada por
muita admiração de seus alunos.
E a você Thiago, deixo aqui minha eterna gratidão, por todo trabalho
realizado com excelência, no curso de Educação Física da Universidade
Estácio de Sá – campus R9.
Boa leitura a todos!

Ana Beatriz Moreira de Carvalho Monteiro


APRESENTAÇÃO

Nos últimos anos, alguns questionamentos nortearam a minha busca


pelo conhecimento nas ciências do exercício e esporte. O exercício físico
sempre é benéfico? O excesso de exercícios físicos entre atletas é uma
realidade? Do que se trata o overtraining? Qual a diferença entre overtraining e
overreaching? Deve-se evitar exercícios extremos? Há uma linha tênue entre
benefícios e prejuízos modulados pelo exercício físico? O excesso de
exercícios físicos entre atletas de recreação é uma realidade? O exercício
físico pode apresentar “efeitos colaterais”? Qual a origem do overtraining?
Quanto mais exercício, melhor? No pain, no gain? Viver SEMPRE fora da zona
de conforto? Existe algum tipo de relação paradoxal com o exercício físico?
Qualquer coisa é melhor do que nada? Muita coisa é melhor que qualquer
coisa? Quais são os benefícios e riscos potenciais de durações prolongadas,
cargas extremas e frequência alta? Como evitar o overtraining?
Este livro tem o objetivo de discutir e refletir sobre essas questões.
Normalmente, os debates sobre os possíveis efeitos colaterais do exercício
físico acontecem em outras áreas da saúde, como a fisioterapia e medicina,
por exemplo, quando são tratados assuntos envolvendo lesões e
desenvolvimento de doenças por estresse acumulado e repetitivo.
Ao longo da minha graduação, três cursos de pós-graduação e
mestrado, raríssimos foram os professores e disciplinas que debateram sobre
excesso de exercício físico. No doutorado, onde investiguei especificamente
esse tema e onde surgiu o Grupo de Pesquisa sobre Excesso de Exercício
(GPEEx), alguns professores chegaram a me questionar: “em um mundo com
pessoas cada vez mais sedentárias, como pode você falar mal do exercício?”
Esse questionamento reflete um tremendo conflito de interesse. Fazendo uma
analogia, consegue imaginar se todo pesquisador e profissional da área de
farmacologia partisse da premissa de que a sua fórmula seria perfeita contra
determinadas doenças?
Há períodos de um programa de condicionamento ou treinamento onde
o excesso de estresse provocado pelo exercício físico é desejável – isso
mesmo! Porém, o profissional de educação física que desconhece a linha
tênue entre seus riscos e benefícios potenciais, pode prestar um desserviço.
Se uma pessoa que se exercita vive cansada, lesionada, apática, inflamada e
dolorida, certamente, em algum momento, ela revisará o exercício enquanto
prioridade, podendo aumentar as estatísticas de abandono e sedentarismo.
Dentro das ciências do exercício e esporte diversas dificuldades
metodológicas limitam o avanço sobre o entendimento do tema aqui tratado.
Por exemplo, experimentos com humanos devem respeitar critérios éticos que
protejam o bem-estar físico e emocional das pessoas, sendo necessária a
utilização de modelos animais. Além disso, infelizmente, prevalece o paradigma
de que apenas atletas de elite experimentam os sintomas da síndrome do
overtraining. Ainda não há sequer um consenso sobre a terminologia mais
adequada para caracterizar o “descondicionamento paradoxal”. A própria
literatura aponta a inexistência de um marcador único, objetivo, preciso e
confiável, a partir de parâmetros fisiológicos e bioquímicos classicamente
estudados, para o diagnóstico da exaustão crônica relacionada ao treinamento.
Para se ter uma ideia, um comunicado especial publicado pelo Colégio
Americano de Medicina do Esporte e Colégio Europeu de Ciências do Esporte,
em 2013, afirma que o assunto é muitas vezes abordado de forma anedótica
(evidências informais, relatos subjetivos e baseados no “ouvir falar”).
O exercício físico por si só não faz milagres e uma boa execução de
movimento não é garantia de sucesso. Se pensarmos que o esforço físico é
mais um estímulo estressor na já agitada vida de algumas pessoas, uma
importante precaução é o seu excesso. Afinal, “o estresse mata e o pior: não
aparece no atestado de óbito.” Portanto, recomendações e prescrições
consistentes dependem de uma melhor compreensão sobre seus mecanismos
fisiológicos e funcionais.
Com muita alegria, doutores, mestres, egressos dos nossos grupos de
pesquisas e graduandos dedicaram parte do seu tempo precioso para propor
reflexões sobre o paradoxo do excesso de exercício físico.
O primeiro capítulo – PARADOXO: INATIVIDADE FÍSICA x EXCESSO
DE EXERCÍCIO, serve para confrontar os dois extremos do espectro
relacionado ao exercício. Sedentarismo e doenças crônicas não transmissíveis
geram sofrimento, dependência funcional, gastos intangíveis e muitas mortes.
Porém, cargas extremas, ao longo do tempo, podem impactar de forma
negativa o funcionamento celular, gerando, inclusive, doenças crônicas não
transmissíveis.
No segundo capítulo – TERMOS E DEFINIÇÕES PARA O EXCESSO
DE EXERCÍCIO, diferentes nomenclaturas são apresentadas, assim como
possíveis condições que impactam o desenvolvimento de seus sinais e
sintomas. O terceiro capítulo – PREVALÊNCIA, versa sobre a dificuldade de se
encontrar estudos epidemiológicos relacionados à síndrome do overtraining
entre diferentes populações. Há pesquisa mostrando que 64 % de corredores
de elite já experimentaram pelo menos um episódio da síndrome. Isso é
realmente muito relevante.
O capítulo quatro – OVERTRAINING NO FISICULTURISMO, discute a
vigorexia e diversos aspectos negativos dessa condição. O capítulo cinco –
OVERTRAINING NO AMBIENTE MILITAR, reforça a necessidade de redobrar
as atenções durante treinamentos extremos.
O capítulo seis – ORIGEM DO OVERTRAINING: SISTEMA IMUNE,
aborda um assunto que cada vez mais recebe atenção por parte da
comunidade científica mundial. O sistema imunológico, na maioria dos cursos
de graduação em educação física no Brasil, ainda não é trabalhado.
Comentamos também resultados da minha pesquisa de doutorado, premiada
no tradicional congresso brasileiro de medicina do esporte, em 2019. O capítulo
sete – ORIGEM DO OVERTRAINING: ESTRESSE OXIDATIVO, explica uma
importante hipótese relacionada aos possíveis efeitos colaterais do excesso de
exercícios.
O capítulo oito – ORIGEM DA FADIGA AGUDA: CÉREBRO, é muito
importante para o entendimento da exaustão aguda, que certamente impacta a
fadiga crônica. Como a percepção de cansaço é desenvolvida, estruturas
críticas determinantes para a superação de limites, integração de áreas do
encéfalo, controle de funções vitais. Conta com diversas informações
provenientes da neurociência do exercício e serve também para refletirmos
sobre dependência ao exercício, hedonismo, estado de fluxo. A intensa
perturbação da homeostase é um processo comprometedor das funções
fisiológicas, mas por que será que entusiastas dos esportes e atividades
físicas, atletas de recreação, amadores e de elite, praticantes de modalidades
“radicais” ou qualquer outra pessoa assídua nos exercícios, experimentam com
frequência a sensação de exaustão e tornam a repetir, alguns diariamente,
esses estímulos tão estressantes? Exercício sem prazer não favorece sua
adesão, mas o vício em exercícios físicos é um tipo de dependência não
química. Como trabalhar essa linha tênue?
O capítulo nove – SINTOMAS CLÍNICOS DO EXCESSO DE
EXERCÍCIOS, apresenta um caso concreto para discutir o monitoramento de
cargas no esporte. O capítulo dez – VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA
CARDÍACA, contextualiza uma importante e cada vez mais utilizada ferramenta
biológica para ajudar a controlar a distribuição de cargas em programas de
condicionamento ou treinamento. O capítulo onze – PERIODIZAÇÃO E
ESTRATÉGIAS DE TREINAMENTO, serve como revisão sobre o assunto e
tenta estabelecer um link entre as “atualidades” apresentadas nos capítulos
anteriores e os conceitos norteadores da prescrição de clássicos autores.
Finalmente, o capítulo doze – TÓPICOS ESPECIAIS: METABOLÔMICA,
convida o leitor para uma área muito promissora nas ciências do exercício e
esporte.
Em nome de todos os colaboradores, desejo a você uma boa leitura e
que o senso crítico despertado possa iluminar muitas tomadas de decisão!

Thiago Teixeira Guimarães


SUMÁRIO

CAPÍTULO 01 ............................................................................................................. 1
PARADOXO: INATIVIDADE FÍSICA x EXCESSO DE EXERCÍCIO
Thiago Teixeira Guimarães
CAPÍTULO 02 ............................................................................................................. 6
TERMOS E DEFINIÇÕES PARA O EXCESSO DE EXERCÍCIO
Thiago Teixeira Guimarães
CAPÍTULO 03 ........................................................................................................... 13
PREVALÊNCIA
Thiago Teixeira Guimarães
CAPÍTULO 04 ........................................................................................................... 19
OVERTRAINING NO FISICULTURISMO
Marcos Vinicios Craveiro de Amorim
DOI: 10.35587/brj.ed.0001380
CAPÍTULO 05 ........................................................................................................... 32
OVERTRAINING NO AMBIENTE MILITAR
Daniel Costa Alves da Silva
DOI: 10.35587/brj.ed.0001381
CAPÍTULO 06 ........................................................................................................... 53
ORIGEM DO OVERTRAINING: SISTEMA IMUNE
Patrícia Maria Lourenço Dutra
Thiago Teixeira Guimarães
DOI: 10.35587/brj.ed.0001382
CAPÍTULO 07 ........................................................................................................... 74
ORIGEM DO OVERTRAINING: ESTRESSE OXIDATIVO
Wagner Santos Coelho
DOI: 10.35587/brj.ed.0001383
CAPÍTULO 08 ........................................................................................................... 86
ORIGEM DA FADIGA AGUDA: CÉREBRO
Thiago Teixeira Guimarães
Thais Cevada
DOI: 10.35587/brj.ed.0001384
CAPÍTULO 09 ......................................................................................................... 104
SINTOMAS CLÍNICOS DO EXCESSO DE EXERCÍCIOS
Thiago Teixeira Guimarães
CAPÍTULO 10 ......................................................................................................... 116
VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA CARDÍACA
Ercole da Cruz Rubini
DOI: 10.35587/brj.ed.0001385
CAPÍTULO 11 ......................................................................................................... 124
PERIODIZAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE TREINAMENTO
Elaine Cristina da Silva Pinto
DOI: 10.35587/brj.ed.0001386
CAPÍTULO 12 ......................................................................................................... 155
TÓPICOS ESPECIAIS: METABOLÔMICA
Ricardo Moreira Borges
DOI: 10.35587/brj.ed.0001387
CAPÍTULO 01
PARADOXO: INATIVIDADE FÍSICA x EXCESSO DE EXERCÍCIO

Thiago Teixeira Guimarães

O engajamento em programas de exercícios físicos regulares e


adequadamente orientados é reconhecido como determinante para a promoção
e manutenção de saúde e qualidade de vida1; 2. Nos últimos anos, estudos vêm
demonstrando que um estilo de vida moderadamente ativo está associado à
promoção da saúde e à prevenção de doenças1; 2; 3
. Pessoas que praticam
exercício físico por no mínimo 30 minutos, cinco dias por semana, em
intensidade moderada podem reduzir em 14 % o surgimento de doença
coronariana e em 20 %, no caso de 300 minutos por semana4.
Embora a expectativa média de vida no mundo tenha aumentado, cada
vez mais pessoas são acometidas por doenças crônicas não transmissíveis,
como por exemplo, doenças cardiovasculares, diabetes, diversos tipos de
câncer, transtornos mentais, dos ossos e das articulações5. Além de causarem
sofrimento, dependência funcional, gastos intangíveis nos sistemas de saúde e
redução da qualidade de vida, de acordo com a Organização Mundial da
Saúde6, essas doenças são responsáveis por 58,5 % de todas as mortes
ocorridas no mundo. No Brasil, constituem o problema de saúde de maior
magnitude, correspondendo a 72 % das causas de mortes e 75 % dos gastos
com atenção à saúde no Sistema Único de Saúde7. A inatividade física figura
como uma das principais causas atribuídas à mortalidade3. As consequências
clínicas da inatividade física são apresentadas na Tabela 1.

1
Tabela 1. Doenças crônicas não transmissíveis mais prevalentes no mundo decorrentes da
inatividade física.

Condições gerais Condições específicas


Canceres Câncer de mama, câncer de cólon, câncer de
endométrio, câncer de próstata, câncer de
pâncreas, melanoma.

Doenças cardiovasculares Hipertensão, claudicação intermitente (dor nas


pernas ao caminhar), angina de peito, adesão e
agregação plaquetária, aterosclerose, trombose,
doença arterial coronariana, infarto do miocárdio
(ataque cardíaco), insuficiência cardíaca, acidente
vascular cerebral.

Condições gastrointestinais Motilidade intestinal reduzida, prisão de ventre.

Alterações do sistema Disfunção imunológica, inflamação crônica.


imunológico

Condições metabólicas Obesidade, diabetes tipo 2, dislipidemia,


(desregulação do metabolismo lipídico),
hipercolesterolemia, síndrome metabólica,
formação de cálculos biliares.

Desordens Dor lombar, osteoporose e fraturas relacionadas,


musculoesqueléticas osteoartrite, artrite reumatoide.

Desordens neurológicas Distúrbios de aprendizagem e memória, disfunção


cognitiva, demência, depressão, transtornos de
humor e ansiedade, neurodegeneração (tal como
ocorre na doença de Alzheimer, doença de
Huntington e doença de Parkinson).

Doenças pulmonares Asma, doença pulmonar obstrutiva crônica.

Sarcopenia Perda de massa muscular relacionada à idade.

Redução da qualidade de Fragilidade física, diminuição do bem-estar


vida psicológico, diminuição da capacidade para
realizar tarefas diárias e interações sociais,
diminuição da capacidade funcional, redução da
independência, diminuição da mobilidade,
aumento da susceptibilidade ao estresse
psicológico, tempo de reação prejudicado, piora do
equilíbrio, flexibilidade e agilidade.
Fonte: O autor.

Por outro lado, pessoas que se exercitam dez vezes acima de 150
minutos semanais em intensidade moderada ou acima de 75 minutos semanais
em intensidade vigorosa apresentam o mesmo risco de morte em relação a

2
pessoas pouco ativas fisicamente8. O exercício parece produzir benefícios à
saúde em doses moderadas8. Ainda que o esforço intenso seja capaz de
aperfeiçoar o desempenho e a saúde9; 10, cargas extenuantes de estresse físico
e mental podem os comprometer. Atletas amadores, profissionais ou de
recreação são frequentemente acometidos por desordens de origem
metabólica, imunológica, neurológica, endócrina, cardiovascular, muscular e
esquelética11; 12.
A linha tênue entre prejuízos e benefícios de sucessivas sessões
fatigantes de esforço não depende exclusivamente do entendimento de
conceitos e princípios metodológicos do treinamento. O exercício físico pode
apresentar uma relação paradoxal e sua prescrição consistente depende de
uma melhor compreensão sobre seus mecanismos celulares11; 13; 14.

3
REFERÊNCIAS

1 FIUZA-LUCES, C. et al.,, Exercise is the real polypill. Physiology (Bethesda),


v. 28, n. 5, p. 330-58, Sep 2013. ISSN 1548-9221. Disponível em: <
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23997192 >.

2 HEINONEN, I. et al.,, Organ-specific physiological responses to acute


physical exercise and long-term training in humans. Physiology (Bethesda), v.
29, n. 6, p. 421-36, Nov 2014. ISSN 1548-9221. Disponível em: <
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25362636 >.

3 HALLAL, P. C. et al., Global physical activity levels: surveillance progress,


pitfalls, and prospects. Lancet, v. 380, n. 9838, p. 247-57, Jul 2012. ISSN 1474-
547X. Disponível em: < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22818937 >.

4 SATTELMAIR, J. et al., Dose response between physical activity and risk of


coronary heart disease: a meta-analysis. Circulation, v. 124, n. 7, p. 789-95,
Aug 2011. ISSN 1524-4539. Disponível em: <
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21810663 >.

5 HANDSCHIN, C.; SPIEGELMAN, B. M. The role of exercise and PGC1alpha


in inflammation and chronic disease. Nature, v. 454, n. 7203, p. 463-9, Jul
2008. ISSN 1476-4687. Disponível em: <
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18650917 >.

6 ORGANIZATION, W. H. WORLD Health Organization: Non communicable


Diseases (NCD) Country Profiles 2014.

7 SAÚDE, M. D. Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das


Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília:
Ministério da Saúde 2011.

8 AREM, H. et al., Leisure time physical activity and mortality: a detailed pooled
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n. 8,2016.

5
CAPÍTULO 02
TERMOS E DEFINIÇÕES PARA O EXCESSO DE EXERCÍCIO

Thiago Teixeira Guimarães

Desde anos antes de Cristo, especula-se que o excesso de exercício


físico impacta negativamente o desempenho e saúde. Hipócrates, Platão e
Aristóteles alertaram não apenas para as possíveis complicações deletérias da
inatividade física, como também para a cultura da dor sem moderação, uma
realidade observada desde a antiguidade1. Os antigos ideais gregos, incluindo
os relacionados ao exercício e saúde, influenciaram a cultura ocidental
moderna e desempenharam um papel importante na prática da higiene
preventiva1; 2.
Passados alguns séculos, ainda não existe um consenso sobre a melhor
forma de se definir e diagnosticar os sintomas e complicações da exaustão
crônica provocada pelo excesso/acúmulo de estresse provocado pelo exercício
físico e fatores associados2. Overtraining, síndrome do overtraining,
overreaching (funcional e não funcional), síndrome inexplicável do baixo
desempenho (unexplained under performance syndrome), síndrome de
burnout, esgotamento físico e mental, exaustão, supertreinamento,
sobretreinamento, síndrome da fadiga crônica, síndrome de
descondicionamento paradoxal, estafa, lesão por esforço repetitivo, overuse,
distress (oposto de eustress) e deficiência de energia relativa no esporte (RED-
S) são termos recorrentes na literatura científica3; 4; 5. No senso comum parece
prevalecer o paradigma de que apenas atletas de elite são suscetíveis aos
sintomas da síndrome de overtraining. Porém o “descondicionamento
paradoxal” não é uma exclusividade das ciências dos esportes e performance,
e precisa ser repensado em outras áreas, sobretudo a da saúde6.
Os sinais e sintomas que caracterizam a síndrome do overtraining são
os transtornos de humor e ansiedade, depressão, apatia geral, instabilidade
emocional, perda de apetite, distúrbio de sono, alterações hormonais, aumento
da frequência cardíaca de repouso e aumento da vulnerabilidade a infecções e
lesões, além de dores musculares e articulares7; 8; 9. Diferenças individuais no
tempo de recuperação, capacidade de realizar e tolerar o esforço físico, além

6
de outros estímulos estressores não relacionados ao treinamento (sono, dieta,
família, estudos, trabalho, lazer e outros) podem explicar porque cada
praticante apresenta uma resposta diferente para uma mesma rotina ou
planejamento de treinamento10.
Uma importante definição de overtraining é o acúmulo de treinamento
e/ou estresse sem treinamento que pode resultar, a longo prazo, no
decréscimo da capacidade de desempenho, com ou sem sinais fisiológicos e
psicológicos relacionados, além de sintomas de má adaptação, cuja
restauração pode levar várias semanas ou meses3. Enquanto overtraining
caracteriza um processo de treinamento intensificado, a expressão "síndrome"
é utilizada para enfatizar a etiologia multifatorial de forma a reconhecer que o
exercício (treinamento) não é necessariamente o único fator causal da
síndrome11.
Entretanto, o exercício físico, através de durações prolongadas, cargas
extremas e/ou frequência elevada pode apresentar benefícios, caracterizando
um paradoxo6; 12
. Há uma linha tênue entre riscos e benefícios induzidos por
excesso de exercício. Como benefícios potenciais, há praticantes que podem
experimentar ativações no sistema límbico de recompensas cerebral,
sensações de prazer e bem-estar, além de aumentos no gasto energético e
reduções ou manutenções na distribuição da gordura corporal12; 13
. Se a
perturbação da homeostase for devidamente programada, monitorada e
avaliada ao longo de um ciclo de treinamento, ainda que ocorra uma exaustão
temporária induzida pelo excesso de treinamento, é possível reverter o status
de esgotamento, recuperar a constância fisiológica interna e aprimorar o
rendimento através da supercompensação de adaptações fisiológicas6.
Overreaching é justamente a exaustão temporária seguida da
supercompensação, porém, ao contrário do overtraining que requer meses, sua
recuperação é relativamente fácil de ocorrer em curto prazo, entre uma a
quatro semanas14, período conhecido como tapering ou polimento.
Segundo o Colégio Europeu de Ciências do Esporte4, o overtraining
pode ser resultado de dois estados diferenciados em relação ao desempenho:
overreaching de curta duração, funcional, ou overreaching extremo, não-
funcional. O estado funcional é caracterizado por uma queda rápida no
desempenho seguido por uma eventual melhora, em um processo que se

7
assemelha à teoria da supercompensação de adaptações fisiológicas4. Ainda
de acordo com o posicionamento, no estado não-funcional, a queda na
performance tem recuperação mais prolongada. Normalmente, é acompanhada
de fadiga e alterações bioquímicas, imunológicas, fisiológicas e
comportamentais4. O estado não-funcional desencadearia a síndrome do
overtraining, que por sua vez afetaria negativamente diversos sistemas
biológicos, sendo de recuperação muito lenta4.
Apesar dos inúmeros esforços para tentar classificar operacionalmente
os diferentes termos, a distinção entre o overreaching não-funcional e a
síndrome do overtraining é muito difícil e depende do resultado clínico e
diagnóstico por exclusão3; 6. Ainda assim, de acordo com um comunicado
especial publicado pelo Colégio Americano de Medicina do Esporte e Colégio
Europeu de Ciências do Esporte em 2013, não existe evidência científica para
se confirmar ou refutar essa sugestão3.
No Reino Unido, o termo síndrome inexplicável do baixo desempenho
(unexplained under performance syndrome – UUPS) tem sido adotado, ao
invés de síndrome do overtraining, para descrever um episódio de baixo
desempenho com fadiga persistente, ou seja, má adaptação. Esse constructo,
síndrome inexplicável do baixo desempenho, reflete a complexidade da
síndrome, a etiologia multifatorial e o supertreinamento ou um desequilíbrio
entre a carga de treinamento e a recuperação pode não ser a principal causa
do desempenho insuficiente15. A Tabela 2 apresenta um resumo sobre as
definições de termos e seus significados.

8
Tabela 1. Resumo de definições relacionadas ao excesso de exercício físico.

Termos Definições
Supertreinamento Processo de treinamento intensificado com possíveis resultados
ou como overreaching funcional, overreaching não funcional ou
overtraining síndrome do overtraining3.
Overreaching Após a intensificação do treinamento ocorre o decréscimo do
funcional desempenho em curto prazo. Através de duas a quatro semanas
de recuperação a supercompensação fisiológica promove a
melhora do condicionamento quando comparada ao início do
treinamento3.
Overreaching não Overreaching extremo, quando o treino intensificado continua e a
funcional recuperação não é adequada. Há estagnação ou redução do
desempenho, assim como o surgimento dos primeiros sinais e
sintomas fisiológicos de estresse prolongado. São necessárias
semanas ou meses para se recuperar3.

Síndrome do Em uma linha do tempo a síndrome do overtraining ocorre após o


overtraining overreaching não funcional. É considerada uma síndrome por ter
etiologia multifatorial, ampla variação entre indivíduos,
inespecificidade, anedótica, não se restringindo apenas às
variáveis clássicas do treinamento físico (frequência, duração e
intensidade das sessões). Há evidências sobre outros fatores
causadores como o estresse mental, alimentação e sono
inadequados, por exemplo3.

Síndrome Adotado no Reino Unido, ao invés de síndrome do overtraining,


inexplicável do para descrever um episódio de baixo desempenho com fadiga
baixo persistente, ou seja, mal adaptação. Reflete a complexidade da
desempenho síndrome, a etiologia multifatorial e o supertreinamento pode não
(unexplained ser a principal causa do desempenho insuficiente15.
underperformance
syndrome)

Polimento Descanso ativo, onde o volume de treinamento é reduzido de 1 a


(tapering) 4 semanas antes do evento principal com o objetivo de se
promover uma supercompensação de adaptações fisiológicas e,
consequentemente, o desempenho14.
Fonte: O autor.

De uma forma geral, independentemente da definição operacional,


diferentes causas têm sido associadas ao baixo desempenho: lesões
musculoesqueléticas como traumas, tendinopatias e estresses ósseos; causas
fisiológicas como sobrecarga funcional, alteração do ritmo biológico após
mudanças do fuso horário em longas viagens de avião (jet lag), sono
insuficiente, gravidez, calor, frio, altitude, desidratação; infecções do trato
respiratório superior e inferior, doença semelhante à gripe,
diarreia/gastroenterite, febre, asma, alergias; deficiências nutricionais de

9
proteínas, carboidratos, minerais, vitaminas (por exemplo, D), deficiência de
ferro (anemia), doença celíaca; outras condições como menorragia, abuso de
anti-inflamatório não esteroidal, abuso de drogas, concussão, estresse mental,
ansiedade e depressão15.
É muito difícil determinar crenças e hábitos, baseando-se
exclusivamente no tipo de conhecimento científico, compatíveis com o
desenvolvimento do esgotamento físico e mental. Pode-se sugerir, a partir de
observações empíricas, investigações futuras sobre alguns comportamentos e
circunstâncias:
• Temor do destreinamento;
• Excesso de motivação e resiliência;
• Vício pelo exercício;
• Treinamento não periodizado;
• Estresse mental;
• Restrição dietética (ainda que com o treino em volume reduzido);
• Restrição de sono (ainda que com o treino em volume reduzido);
• Achar que todos reagem da mesma forma ao estresse;
• Crer que apenas a inatividade física gera prejuízos;
• Desconhecer os efeitos colaterais do exercício;
• Excesso de confiança e soberba;
• Drogas que mascaram a fadiga e exaustão;
• Desconhecimento conceituais;
• Negligência profissional;
• Dismorfismo corporal e vigorexia;
• Monotonia e strain (tensão) não monitorados;
• Pressão de patrocinadores, treinadores e competições.

10
REFERÊNCIAS

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12
CAPÍTULO 03
PREVALÊNCIA

Thiago Teixeira Guimarães

A prevalência dos sintomas do excesso de treinamento é raramente


estudada, mas estima-se que 60 % dos maratonistas, 50 % dos jogadores de
futebol e 33 % dos jogadores de basquete já os experimentaram1. Dentre os
corredores de elite 60 % das mulheres e 64 % dos homens indicaram ter
experimentado pelo menos um episódio de overtraining, enquanto para a não
elite a ocorrência foi verificada em 33 % de corredores. Nadadores colegiais
que completaram um ciclo de treinamento relataram uma prevalência média de
10 % (variação de 7 % a 21 %) de sinais e sintomas de overtraining2, mas outro
estudo longitudinal com nadadores britânicos revelou que 29 % desenvolveram
overtraining pelo menos uma vez, com o risco positivamente relacionado ao
nível de habilidade3. Em um estudo com nadadores universitários dos Estados
Unidos, verificou-se que 91 % da amostra que desenvolveu a síndrome do
overtraining durante sua primeira temporada de treinamento colegial foi
diagnosticada com a síndrome do overtraining novamente em um ou mais dos
três anos seguintes de treinamento4.
O excesso de exercício físico parece não acometer apenas atletas de
alto rendimento. Com frequência, programas de condicionamento físico para
pessoas que não objetivam a competição envolvendo exercícios de endurance,
força e velocidade também provocam danos e efeitos colaterais agudos ou
crônicos indesejáveis5; 6; 7. O estresse severo provocado pelo esforço físico no
ambiente não competitivo também pode levar a complicações extremas, como
no estudo de caso apresentado em 2011, durante o congresso anual do
Colégio Americano de Medicina Esportiva 8. Três dias após uma sessão de
exercícios intensos, baseada no método CrossFit®, um homem de 33 anos,
previamente assintomático e fisicamente ativo, experimentou um quadro de
rabdomiólise, síndrome grave que pode levar ao óbito e ocorre devido à morte
das fibras musculares, que liberam seu conteúdo para a corrente sanguínea,
provocando insuficiência renal aguda, letargia, fraqueza, náuseas e tontura, por
exemplo8.

13
Entre crianças e adolescentes, o sucesso de jovens atletas pode ser
definido por convites para competições nacionais ou internacionais, ou para
bolsas de estudo. Apesar de apenas 0,02 % a 0,5 % dos atletas do ensino
médio continuar a participar em nível profissional, o número de jovens atletas
que se torna especialista em único esporte continua a crescer9. O aumento da
dedicação a regimes intensos de treinamento apresenta desafios físicos,
emocionais e cognitivos ao jovem atleta que podem colocar em risco a saúde
geral9. Não é do nosso conhecimento a existência de dados na literatura que
permitam uma discussão mais aprofundada sobre a epidemiologia do
supertreinamento nessa população.
Entre iniciantes, um dos tipos mais comuns de danos sofridos, através
de observações empíricas, é a dor muscular de início tardio fora de controle. A
dor muscular de início tardio é caracterizada como uma sensação de
desconforto na musculatura esquelética, que ocorre algumas horas após o
exercício físico, desencadeada por processo inflamatório a partir de
sobrecargas não habituais1011. Especula-se que a dor seja um importante fator
para reduzir a adesão ao exercício nessa população, contribuindo ainda mais
para a inatividade física.
No imaginário social entre treinadores e atletas de competição, o estado
de supertreinamento, seus sinais e sintomas deletérios à saúde são condições
não muito aceitas, afinal de contas, prevalece a cultura “no pain, no gain”. Além
disso, o temor do destreinamento que acomete atletas e treinadores, resulta
em contínua e precoce realização de sessões adicionais de treinamento físico
estabelecendo condição inflamatória crônica semelhante à observada entre
indivíduos obesos e em pacientes com diabetes melitus tipo 2 (DM-2), que
configura as bases para o desenvolvimento da resistência à insulina e da
disfunção do endotélio vascular12; 13.
Apesar de controverso o assunto em função de dados ainda
inconsistentes, o exercício de endurance praticado por pessoas com diferentes
níveis de aptidão física pode induzir o remodelamento patológico de estruturas
do coração e artérias adjacentes14. Maratonas, ultramaratonas, triátlons,
corridas de bicicleta muito longas, podem causar sobrecarga aguda de volume
nos átrios e ventrículo direito, com reduções transitórias na fração de ejeção do
ventrículo direito e elevação de biomarcadores cardíacos. Cronicamente, o

14
estresse repetitivo pode resultar em fibrose do miocárdio, fibrilações e
arritmias14.
Embora haja evidências de que o exercício físico intenso possa
promover o desempenho e a saúde15; 16, e seja considerado uma “polipílula”17
capaz de promover inúmeros benefícios biológicos e funcionais, não se pode
descartar a existência de uma linha tênue entre seus riscos e benefícios.
Existem efeitos colaterais, inclusive entre as populações mais frágeis
fisicamente, ainda que estudos epidemiológicos sejam escassos. Sinais e
sintomas de overtraining, rabdomiólise, dores e lesões musculoesqueléticas,
síndrome da mulher atleta envolvendo distúrbios na alimentação, ciclo
menstrual e densidade mineral óssea18, doenças crônicas não transmissíveis,
infecções bacterianas e virais (doenças transmissíveis)19 são alguns exemplos
de seus efeitos colaterais.
Como exemplo de que sintomas de exaustão física e mental não
acometem exclusivamente a população de atletas de alto rendimento, um
estudo envolvendo 186 universitários de diversas áreas da saúde evidenciou
que o grupo de insuficientemente ativos apresentou maior pontuação no
Questionário de Sintomas Clínicos do Overtraining em relação aos grupos de
moderadamente ativos e superativos6. Os autores sugerem que existem
questões relacionadas ao desenvolvimento da síndrome do overtraining que
não são justificadas exclusivamente pela frequência, intensidade, duração e o
intervalo das sessões de exercício físico6. Dados ainda não publicados pelos
mesmos autores, de dois diferentes estudos com universitários do curso de
medicina e militares, respectivamente, revelaram resultados semelhantes.
Existe ainda a recomendação de que pacientes com doenças neuromusculares
de caráter crônico, progressivo e muitas vezes inexorável, necessitem de uma
abordagem com enfoque no gerenciamento da fraqueza muscular, e não no
incremento da força, para evitar o estado de overtraining20.
Um programa de condicionamento ou treinamento físico, portanto, se
mal gerenciado pode provocar sinais e sintomas de exaustão ou esgotamento
físico e mental, lesões celulares e funcionais, redução da adesão ao exercício
físico e, consequentemente, aumento das estatísticas de inatividade física e
doenças crônicas não transmissíveis21; 22
. A Tabela 3 apresenta um breve

15
comparativo entre os potenciais riscos e benefícios do exercício físico em
excesso.

Tabela 1. Paradoxo do exercício físico em excesso: linha tênue entre riscos e benefícios de
durações prolongadas, intensidades extremas e/ou frequências elevadas21; 22.

Benefícios potenciais Riscos potenciais


Ativação do sistema límbico de Overreaching não funcional, síndrome do
recompensas do cérebro; overtraining, lesões celulares e
funcionais;
Prazer, sensação de bem-estar;
Remodelamento patológico do coração e
Aumento do gasto calórico, redução da arritmias;
gordura corporal;
Tríade da mulher atleta*;
Overreaching funcional.
Perda de desempenho e saúde;

Redução da adesão ao exercício e


desenvolvimento ou agravamento de
doenças transmissíveis e doenças
crônicas não transmissíveis.

*Para o Comitê Olímpico Internacional (consenso de 2014), o conceito “deficiência de energia


relativa no esporte” (Relative Energy Deficiency in Sport – RED-S) seria mais adequado
porque: (1) o fenômeno clínico não é exclusividade das três condições (tríade) decorrentes dos
distúrbios na alimentação, ciclo menstrual e densidade mineral óssea; (2) trata-se de uma
síndrome, algo mais complexo, que afeta múltiplos aspectos fisiológicos, psicológicos, da
saúde física e mental, além do desempenho; (3) sua complexidade é tamanha que atletas de
diferentes idades e do sexo masculino também podem ser acometidos23. Fonte: O autor.

16
REFERÊNCIAS

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18
CAPÍTULO 04
OVERTRAINING NO FISICULTURISMO

Marcos Vinicios Craveiro de Amorim

1. INTRODUÇÃO

De acordo com a definição descrita pela própria Federação Internacional


de Fisiculturismo e Fitness (IFBB), trata-se de uma modalidade esportiva
institucionalizada em que atletas treinam para desenvolver seus músculos com
harmonia e equilíbrio, sendo necessário reduzir ao menor percentual de
gordura corporal possível, assim como evitar a retenção hídrica subcutânea,
para que se torne visível sua definição e volume muscular1.
O Fisiculturismo, em inglês Bodybuilding, tem por finalidade a estética,
sendo praticada em diversas categorias, onde os critérios e julgamentos
subjetivos são: volume, simetria, proporção e definição muscular. Para que se
atinjam tais objetivos, faz-se uso, principalmente, do treinamento de
resistência1.

Figuras 1 e 2 – Atletas de fisiculturismo premiados em competição promovida pela IFBB nas


suas respectivas categorias.

Fonte: Federação Internacional de Fisiculturismo e Fitness (http://ifbb.com)

19
A prática da musculação de forma recreativa, tão difundida e
amplamente praticada pelas academias ao redor do mundo, também pode,
obviamente, resultar no desenvolvimento muscular. Portanto, pode-se concluir
que o Fisiculturismo é um degrau profissionalizado dentre os praticantes do
treinamento de resistência e que seus assuntos pertinentes possuem alta
relevância, não se tratando apenas de um nicho quando relacionado tal treino
também à prática da musculação amadora.
Neste capítulo, será explorada a preocupação exacerbada em relação à
estética corporal, que representa a base do Fisiculturismo, através de estudos
científicos sobre seus possíveis impactos na saúde da população. Brevemente,
além disso, serão abordados seus fatores associados, como o estresse
psicológico, personalidades que induzem autoimagem negativa, efeitos sobre a
massa muscular e as reações fisiológicas aos exercícios desmedidos.
Quanto ao Overtraining, a aderência entre a modalidade esportiva alvo
deste capítulo e a síndrome vai além da crença de que os excessos de treinos
resultam em melhores resultados. Ou seja, a errônea ultrapassagem da linha
tênue entre benefícios e prejuízos não se dá somente pela busca em atingir um
nível competitivo acima dos demais.

2. VIGOREXIA COMO PRECURSORA DO OVERTRAINING

A imagem corporal representa a forma como uma pessoa pensa e sente


sobre si mesma, sendo influenciada por inúmeros fatores que constroem
valores emocionais acerca de suas próprias características físicas. Ao haver
uma distorção da imagem corporal em um sentido negativo, enaltecendo,
assim, sempre algum atributo físico que cause incômodo à pessoa, pode-se
criar uma insatisfação corporal exacerbada2; 3.
Esse excesso de preocupação incidindo em qualquer característica vista
como algo negativo no corpo corresponde ao Transtorno Dismórfico Corporal.
A Dismorfia Muscular, também conhecida como Vigorexia, apresenta-se,
assim, como um subtipo, especificamente quando o alvo de insatisfação é a
massa muscular e a gordura corporal. Pessoas com esse transtorno em
particular adotam comportamentos sempre voltados a promover o físico
desejado, como o exercício compulsivo e dieta restrita, podendo, inclusive,

20
submeterem-se também ao uso indiscriminado de esteroides anabolizantes.
Com isso, o impacto em suas vidas pode afetar prejudicialmente a rotina social
e ocupacional4; 5.
Os sentimentos de baixa musculosidade em homens e suas
consequências começaram a ser estudados há pouco mais de vinte anos,
quando pesquisadores procuraram correlacionar o excesso de preocupação
nesse aspecto e possíveis impactos na saúde. A maioria de suas conclusões
aponta até hoje resultados maléficos significativos, onde essa condição faz
com que a rotina diária dessas pessoas seja tomada por comportamentos que
objetivam o crescimento e desenvolvimento muscular, como o treinamento de
resistência, dieta rica em proteínas e uso de recursos ergogênicos ilícitos5; 6.
Cabe ressaltar que existem parâmetros que incorrem sobre a
composição corporal, regulados pela individualidade biológica. Mesmo que
todo o potencial genético seja atingido, o desenvolvimento da massa muscular
ainda pode não ser o suficiente para atender às expectativas. Sendo assim, um
fisiculturista ou um praticante recreativo do treinamento de resistência pode
almejar um físico que possivelmente jamais poderá ser atingido7; 8.
Existem algumas investigações científicas voltadas a observar e
interligar grupos de fisiculturistas e traços de preocupações obsessivas em
manter um físico com predominância de Mesomorfia e baixo percentual de
gordura corporal, representando o ápice do perfeccionismo em relação à
estética. Um deles sublinhou que justamente praticantes desse esporte se
sentem menores e mais fracos em relação a outros grupos, como praticantes
Fitness, por exemplo, demonstrando maior prevalência de um complexo de
inferioridade, mesmo que não represente a nítida realidade4.
Ainda sobre esse estudo, não houve distinção no que diz respeito ao
envolvimento em sessões intensivas de treinamentos na comparação de
grupos de fisiculturistas e praticantes do treinamento de resistência recreativos.
Assim, ambos os grupos são suscetíveis a experimentar emoções negativas ao
não alcançar o desenvolvimento muscular planejado e ansiedade ao expor
essa suposta fragilidade em situações de contato social4. A baixa autoestima,
menor atividade sexual e depressão podem também estar relacionados à
Vigorexia2; 9.

21
A necessidade de alguns atributos são tradicionalmente impostos ao
homem como parte de sua aceitação na sociedade. Força física e mental,
competência e dominância são condicionantes para a afirmação de sua
identidade. O exercício físico, sob essa ótica, só reforça ainda mais a busca por
uma posição sólida de destaque social. O insucesso nessa afirmação pode
criar comportamentos desesperados e compensatórios, como uma obsessão
por desenvolver seus músculos6; 10.
Corroborando com isso, outros estudos transcreveram que a adoção de
exercícios físicos desmedidos e dietas restritas podem ser originadas por
pressões socioculturais, uma vez que a boa forma é vinculada à autoestima e
felicidade. A sociedade, com isso, cria um padrão de imagem corporal que é
difundido através das relações interpessoais contemporâneas. Assim, a
tecnologia faz com que cada vez mais pessoas sejam hipersensibilizadas por
imagens com pessoas felizes e corpos perfeitos2; 11.
Treinos com cargas elevadas e intervalos de recuperação curtos podem
ocasionar fadiga extrema e perda de desempenho esportivo, quadro
denominado Síndrome de Overtraining (SOT). Essa condição pode ser predita
através de estados relacionados, o Overreaching Funcional e Overreaching
Não Funcional, que se diferem, principalmente, no período de incidência dos
sinais e sintomas e na restauração do desempenho12; 13, mesmo sendo difícil
estabelecer uma definição inquestionável e limites precisos entre eles14.
Volume e intensidade excessivos compondo as sessões de exercícios, o
que exige grande demanda de energia, em junção com uma dieta voltada ao
baixo aporte de calorias, dificultando a restauração fisiológica pós-treino, são
atribuídos aos principais gatilhos da SOT. Os comportamentos são
incompatíveis e acarretam respostas anormais do organismo12; 13.
Uma das razões da dificuldade em notar características relativas à
Vigorexia é que a preocupação das pessoas em praticar exercícios físicos e se
engajar em uma dieta saudável pode ser vista como indicadores positivos de
atenção com a saúde, sem perceberem os prejuízos que isso pode causar se
submetidos de maneira obsessiva. Em decorrência de um sentimento de
vergonha em relação à sua forma física, elas podem também buscar
distanciamento social, o que dificulta ainda mais em se observar traços desse
transtorno e sua influência negativa no bem-estar6.

22
O Questionário do Complexo de Adonis é amplamente utilizado como
um instrumento de investigação da Vigorexia pela comunidade científica, já que
possui validação para tal. Sua composição é direcionada a apontar, por
exemplo, quanto tempo a pessoa se dedica a exercícios físicos para melhorar
sua aparência, assim como possui questões sobre dieta restritiva e
comportamentos que exprimem, possivelmente, fobia social2; 15.

3. ESTRESSE PSICOLÓGICO OCASIONADO PELA INSATISFAÇÃO DA


IMAGEM CORPORAL E SEUS IMPACTOS NA SAÚDE

O estresse é comumente utilizado para manifestar emoções negativas,


como irritação, descontentamento e fadiga. Na realidade, esse termo
representa qualquer alteração psicológica e fisiológica em decorrência de
ambientes desafiadores, como o contato social, por exemplo. Cabe ressaltar
que as reações condizem com a individualidade de cada um, baseado na forma
de interpretar determinadas situações16; 17; 18.
A experiência estressante é uma situação corriqueira e tudo depende do
controle que se exerce sobre suas consequências e reações. O estresse pode
ser muito útil ao fornecer motivação e desafio no cumprimento de uma tarefa,
enxergando-o pelo lado positivo. Em contrapartida, pode ser problemático se
assimilado de maneira negativa perante exigências ambientais. Assim, a
pessoa assume uma posição de elemento ativo ao eleger a melhor estratégia
condizente à solução do problema16; 19.
Em resposta ao estresse há uma estimulação neurofisiológica, na qual a
pessoa fica em estado de atenção e vigília e interpreta a experiência com
euforia ou fúria. Nesse sentido, o estímulo estressor é um fator preponderante
na maneira em que a experiência é sucedida, porém nem sempre estímulos
negativos provocam reações negativas. Na verdade, a base emocional irá
determinar reações que exprimem desconforto ou não16; 20.
Fisiologicamente, o estresse pode alterar de forma exacerbada as
atividades do eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (HPA), o Sistema Nervoso
Autônomo e o Sistema Imunológico, em que, possivelmente, podem ser
observadas através de níveis hormonais, como, por exemplo, o Cortisol16; 21
.

23
Outro hormônio sensível e que pode ter sua atividade basal alterada é a
Testosterona22.
O estresse pode ser mensurado de forma subjetiva, através de uma
avaliação psicométrica, como a aplicação de questionários, ou objetivamente
através de marcadores fisiológicos, obtidos em tecidos ou fluidos, como
sangue, urina e saliva16; 21.
Assim, a percepção de uma situação estressante pode depender da
personalidade de cada pessoa, sendo diversas também em suas reações
biológicas subsequentes. Portanto, identificar individualidades que provocam
respostas fisiológicas excessivas pode ter importância na manutenção da
saúde22.

4. PERSONALIDADES QUE INDUZEM AUTOIMAGEM NEGATIVA

A personalidade determina padrões de comportamentos característicos


para cada pessoa, sendo que algumas se mostram mais suscetíveis a
sentimentos pessimistas. Alguns estudos foram desenvolvidos para identificar
interações entre estímulos e respostas com a personalidade, no intuito de
poder estimar o nível de estresse do ser humano16; 23.
Alguns tipos de personalidade podem ao longo do tempo desenvolver
um apoio psicológico capaz de suportar o estresse, por maior que ele seja,
contornando-o ao lidar com positividade determinadas situações. Por outro
lado, existem tipos que são mais vulneráveis e predispõem pessoas a
apresentarem transtornos mentais e dificuldades em se adequar aos eventos
desafiadores16; 24.
Estudos objetivando avaliar respostas fisiológicas em decorrência de
agentes estressores foram desenvolvidos, especificamente medindo o Cortisol
e alterações cardiovasculares com individualidades comportamentais. Por
exemplo, seus achados significativos associaram baixa autoestima com
atividades hormonais adrenocorticotróficas anormais16; 25.
A resposta ao Cortisol parece ser bem aceita pela ciência ao prever se
um estímulo estressante causará ou não uma resposta desmedida. Fatores
fisiológicos e estruturas encefálicas determinam o modo de pensar e agir do
ser humano, indicando traços de personalidade que irão interagir com o

24
estresse e provocar respostas exageradas, ou não. Por exemplo, uma menor
resposta ao Cortisol pode fazer com que a pessoa se sinta mais confiante e
aceita socialmente. Já a alta reatividade pode provocar uma autopercepção
negativa16; 26.

5. ESTRESSE PSICOLÓGICO E MASSA MUSCULAR

Existe a correlação entre o excesso de estresse e a redução da massa


corporal magra27; 28; 29
, que tem como um de seus componentes a massa
muscular, apesar de, a nível molecular, os mecanismos específicos
responsáveis não estarem bem esclarecidos. Entre os efeitos desfavoráveis
desses achados sobre o organismo seria um maior acúmulo de energia nos
adipócitos e um enfraquecimento dos músculos, tornando-os mais suscetíveis
à fadiga e lesão27.
Um aumento na secreção de glicocorticoides pela glândula adrenal, em
consequência de uma hiperatividade do eixo HPA, pode ocasionar em uma
alteração na composição corporal, compondo um conjunto de fatores
justamente em decorrência do estresse, apresentando-se, assim, como um
modulador neuroendócrino importante27; 28; 30.
Reforçando, outros estudos também concluíram que o estresse
prolongado pode incitar acúmulo de gordura abdominal, podendo, inclusive,
desenvolver um quadro de obesidade e suas complicações associadas, como
as doenças crônicas não transmissíveis28; 29.

6. REAÇÕES FISIOLÓGICAS AOS EXERCÍCIOS DESMEDIDOS

Alguns mecanismos fisiológicos são instaurados para o início e


manutenção do desempenho esportivo, em que são responsáveis por estimular
fontes energéticas. No sistema endócrino, um deles eleva as concentrações
séricas de hormônios, como Cortisol e Hormônio do Crescimento,
metabolizando, respectivamente, Aminoácidos e Ácidos Graxos, possuindo
uma função crucial no suporte à demanda de energia31.
Em condições normais, os treinamentos de resistência que objetivam
ganho de força e hipertrofia muscular, desenvolvidos para que sejam intensos

25
e densos, com intervalos de recuperação curtos, são os que mais elevam de
forma aguda as concentrações do Cortisol, Hormônio do Crescimento e
Testosterona31; 32.
As lesões teciduais provocadas pela sobrecarga mecânica desses
treinos induzem tais respostas hormonais responsáveis pelas adaptações
fisiológicas. Esses hormônios anabólicos e catabólicos têm as funções de
reparação, remodelamento e hipertrofia muscular, evolvendo processos de
síntese e degradação do tecido proteico33; 34; 35
. O Cortisol, especificamente,
atua também como um anti-inflamatório31; 34. Assim, a atuação dos hormônios
secretados prepara o tecido muscular para suportar gradativamente maiores
cargas, aumentando a demanda metabólica33; 34.
Essas respostas hormonais podem servir de parâmetro para medir a
eficiência de um estímulo no processo de treinamento, sendo suas magnitudes
diretamente proporcionais ao esforço físico exigido. Sua importância prática se
orienta na readequação do estímulo caso sejam identificadas respostas agudas
distintas das utilizadas como base e suficientemente necessárias para induzir o
processo de adaptação fisiológica positiva, ou para observar o excesso31.
Um dano estrutural na fibra muscular provido pelo exercício causa,
inicialmente, um processo inflamatório, sendo que uma degeneração intensa
no local pode permitir o extravazamento anormal de constituintes celulares
para a corrente sanguínea33; 36
. Assim, exercícios físicos extenuantes que
incitam perda de integridade e acentuada lise do tecido muscular podem
desencadear um quadro gravemente nocivo à saúde, como a insuficiência
renal aguda, denominado Rabdomiólise37.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Fisiculturismo representa o ápice da busca pelo atributo estético dos


atletas, associado à hipertrofia muscular e baixo percentual de gordura
corporal. Esse esporte é difundido no mundo inteiro e desperta atenção
também de grande parte da população que não possui o interesse de
competição.
Trata-se de pessoas que objetivam usufruir da consequente boa
aparência física decorrente de treinamentos específicos, associando boa

26
imagem corporal com o sucesso pessoal. O problema ocorre quando há um
exagero, tanto em relação à distorção da autoimagem, quanto à adesão em
dietas excessivamente restritivas e exercícios desmedidos, mesmo o
crescimento muscular estando submetido aos parâmetros da individualidade
biológica.
Esse quadro característico à Vigorexia pode ocasionar riscos à saúde e
qualidade de vida dessas pessoas, referente, principalmente, ao alto nível de
estresse psicológico em decorrência do seu descontentamento quanto à
aparência física. A literatura aponta fatores ambientais atrelados, como a busca
pela aceitação social.
No âmbito biológico, esse agente perturbador, o estresse, quando
exacerbado, pode impactar também a composição corporal através da redução
da massa magra, sendo prejudicial à própria busca incessante pelo
desenvolvimento muscular. Além disso, respostas fisiológicas podem resultar
em um recorrente estado de atenção e vigília, baseado na mobilização de
substratos energéticos oriundos também do catabolismo do tecido proteico,
sobretudo concomitante aos treinos extenuantes e dietas restritas, como
consequências.
A adesão ao treinamento sem o devido controle de suas tantas variáveis
para que haja a necessária adaptação fisiológica gradativa estaria relacionada
à consequente dor muscular e dano tecidual, que, em casos extremos,
representam efeitos maléficos ao organismo. Seja no esporte ou na prática
recreativa de exercícios, a sobrecarga não deve exceder limites.

27
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29. BRANTH, S. et al., Development of Abdominal Fat and Incipient Metabolic


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Metabolism and Cardiovascular Diseases. Suécia, v. 17, n. 6, p. 427-435, jul.
2007. ISSN 1590-3729. Disponível em: <
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30. BOSE, M.; OLIVÁN, B.; LAFERRÈRE, B. Stress and Obesity: The Role of
the Hypothalamic-Pituitary-Adrenal Axis in Metabolic Disease. Current Opinion

30
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346, out. 2009. ISSN 1752-2978. Disponível em: <
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19584720/ >.

31. WALKER, S. et al., Acute Elevations in Serum Hormones are Attenuated


after Chronic Training with Traditional Isoinertial but not Eccentuated Eccentric
Loads in Strength-trained Men. Physiological Reports. Finlândia, v. 5, n. 7, p.
e13241, abr. 2017. ISSN 2051-817X. Disponível em: <
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28400506/ >.

32. KRAEMER, W. J. et al., Hormonal and Growth Factor Responses to Heavy


Resistance Exercise Protocols. Journal of Applied Physiology. Estados Unidos,
v. 69, n. 4, p. 1442-1450, out. 1990. ISSN 1522-1601. Disponível em: <
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33. PHILIPPOU, A. et al., Hormonal Responses Following Eccentric Exercise in


Humans. Hormones. Grécia, v. 16, n. 4, p. 405-413, out. 2017. ISSN 2520-
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34. IZQUIERDO, M. et al., Cytokine and Hormone Responses to Resistance


Training. European Journal of Applied Physiology. Espanha, v. 107, n. 4, p.
397-409, ago. 2009. ISSN 1439-6327. Disponível em: <
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35. KRAEMER, W. J.; RATAMESS, N. A. Hormonal Responses and


Adaptations to Resistance Exercise and Training. Sports Medicine. Estados
Unidos, v. 35, n. 4, p. 339-361, abr. 2005. ISSN 1179-2035. Disponível em: <
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36. PEAKE, J.; NOSAKA, K.; SUZUKI, K. Characterization of Inflammatory


Responses to Eccentric Exercise in Humans. Exercise Immunology Review.
Japão, v. 11, p. 64-85, 2005. ISSN 1077-5552. Disponível em: <
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37. PAULSEN, G; BENESTAD, H. B. Muscle Soreness and Rhabdomyolysis.


The Journal of the Norwegian Medical Association. Noruega, v. 139, n. 10, jun.
2019. ISSN 0807-7096. Disponível em:
<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31238673/ >.

31
CAPÍTULO 05
OVERTRAINING NO AMBIENTE MILITAR

Daniel Costa Alves da Silva

Na tentativa de aproximar os conhecimentos científicos relacionados ao


overtraining e aos militares, apresento informações básicas de como tal
condição impacta o ambiente militar, mais especificamente, as forças armadas.
No decorrer do texto, você encontrará os principais assuntos deste tema
descritos na seguinte sequência: (1) os conceitos básicos relacionados ao
overtraining, overreaching e Síndrome do Overtraining, bem como suas
causas; (2) o contexto da preparação física militar, sua importância e
planejamento, e o estresse inerente ao treinamento físico militar; (3) o
diagnóstico e a prevenção da Síndrome do Overtraining em militares, além da
identificação dos principais sinais e sintomas psicofisiológicos evidenciados por
militares em condição de overtraining; e, por fim, (4) doze resumos de estudos
envolvendo o overtraining no ambiente militar nos últimos anos.
Espero que este capítulo seja proveitoso e amplie seus conhecimentos
acerca do tema, motivando-os a considerar o excesso de exercícios como
possível fator prejudicial à saúde e ao desempenho dos militares, capacitando-
os com a sobrecarga necessária a fim de atingir o desempenho militar
desejado e com o devido controle dos sinais e sintomas os quais possam
indicar a presença da Síndrome do Overtraining.

1. INTRODUÇÃO
No ambiente desportivo, atletas buscam aumentar a performance
mediante o treinamento físico; este, por sua vez, é capaz de produzir a melhora
das aptidões físicas (velocidade, força, potência, resistência, etc.). Para ser
bem sucedido, sob o ponto de vista do treinamento, o atleta necessita de uma
rotina de atividades distribuídas ao longo de um período – a periodização – no
qual são aplicadas as cargas de treinamento cujo objetivo é promover a quebra
da homeostase. As cargas de treinamento aplicadas produzem o que
chamamos de efeito do treinamento: respostas orgânicas adaptativas como
consequência do estresse do treinamento. O devido equilíbrio entre estresse e

32
recuperação pode ser capaz de proporcionar ao organismo um fenômeno
denominado supercompensação, essencial para aumentar o desempenho1.
Por outro lado, alguns atletas podem experimentar situações nas quais
exista uma rotina de treinamento, entretanto, com estagnação ou queda do
desempenho e alterações de humor. Os efeitos do treinamento podem estar
relacionados a má adaptação orgânica do atleta ao exercício, o que alguns
pesquisadores denominam excesso de exercícios ou overtraining, ou ainda,
em casos mais graves, Síndrome do Overtraining. Sinais e sintomas também
podem surgir, como gripes e resfriados, ansiedade, insônia etc2.
Militares podem ser considerados como atletas em tempo integral, pois,
além de desempenharem diversas funções ao longo da carreira, destacando-se
as atividades burocráticas e as operativas, também devem estar prontos para o
combate; essa capacitação advém do treinamento físico, assim como realizado
pelos atletas. Dada a imprevisibilidade de seu emprego: podem ser
convocados para quaisquer missões a qualquer momento, militares devem, por
isso, adquirir condicionamento compatível com a demanda de tarefas, além da
manutenção de performance durante o ano inteiro – a prontidão.
Os treinamentos necessários ao desenvolvimento ou manutenção da
aptidão física normalmente são realizados durante os cursos de formação ou
cursos complementares realizados ao longo da carreira, incluindo treinamentos
específicos, visando capacitar ou aprimorar procedimentos militares –
denominados adestramentos – em menor tempo que os cursos, ou ainda pelo
“treinamento físico livre”, em suas respectivas unidades.
A necessidade de constante manutenção das aptidões físicas aplicadas
ao contexto do combate, o qual, por vezes, inclui condições exaustivas sob o
ponto de vista psicofisiológico, caracteriza o pessoal militar como um grupo
diferenciado sob os aspectos físico e mental (ex.: resiliência). Sendo assim, o
pessoal militar deve ter uma rotina regular de exercícios, periodizada,
delimitada pelos princípios do treinamento desportivo e com recuperação e
aporte nutricional suficientes, a fim de se evitar, entre outras mazelas, o
desenvolvimento da Síndrome do Overtraining, a qual pode impactar
negativamente a saúde e o desempenho do combatente.

33
2. CONCEITOS BÁSICOS

A literatura científica é vasta de termos e conceitos distintos


relacionados ao overtraining, os quais podem causar certa confusão. Nosso
objetivo, nesta seção, será esclarecer seus principais conceitos à luz do
Consenso entre o Colégio Europeu de Ciências do Esporte e o Colégio
Americano de Medicina do Esporte3, constantes resumidamente na Tabela 1.
O overtraining (OT) é considerado um processo de intensificação do
treinamento necessário quando se pretende melhorar as aptidões físicas,
podendo apresentar resultados – efeitos do treinamento – em curto ou longo
prazos. Em curto prazo, podem ocorrer a fadiga aguda, ou ainda, o
overreaching funcional (FOR); em ambos os casos, resultam em decréscimo
temporário do rendimento. A recuperação das funções psicofisiológicas e
posterior supercompensação podem ocorrer em poucos dias para a fadiga
aguda e de alguns dias a poucas semanas no caso do FOR, pois essa
diferença de tempo está relacionada à carga de treinamento aplicada: maior
carga de treino implica em maior tempo de recuperação. Em longo prazo, pode
ocorrer o overreaching não funcional (NFOR) ou, em casos mais graves, a
Síndrome do Overtraining (SOT). Ambas são caracterizadas pelo acúmulo de
estresse crônico no treinamento com recuperação orgânica insuficiente
decorrente da má adaptação aos estímulos aplicados, além de apresentarem
sinais e sintomas psicofisiológicos característicos desses fenômenos.
O NFOR está relacionado exclusivamente ao treinamento, apresenta
estagnação ou redução do rendimento e sua plena recuperação varia de
algumas semanas a meses; e a SOT tem como causa principal o excesso de
atividades físicas, porém, pode ser desenvolvida ou agravada pela presença de
outros fatores não relacionados especificamente ao treinamento, como excesso
de competições, viagens frequentes, lesões, dificuldades financeiras e conflitos
pessoais4,5; alimentação inadequada e baixa qualidade do sono6; estresse
psicológico proporcionado por longas horas de trabalho e/ou estudo7; e,
embora paradoxal, pode estar relacionada à inatividade física8, sendo, neste
último caso, sugerida a nomenclatura de sintomas de fadiga à SOT. Esta é
mais grave que o NFOR cuja recuperação varia de alguns meses a anos.

34
Quadro 1 - Possível apresentação das diferentes etapas do treinamento, OR e SOT (adaptado
de Meuseen et al.,, 2013).

Treinamento
Processo (Excesso de Intensificação do treinamento
carga)

OR de curto SOT
Resultado Fadiga aguda OR extremo (NFOR)
prazo (FOR)

Recuperação Dia (s) Dias a semanas Semanas a meses Meses ...

Decréscimo Estagnação ou
Desempenho Aumenta Diminuição
temporário diminuição

Fonte: O autor.

3. TREINAMENTO FÍSICO MILITAR

O Treinamento Físico Militar (TFM) é a preparação física destinada ao


pessoal militar e seu objetivo é desenvolver, manter ou recuperar a aptidão
física necessária ao desempenho de funções militares, contribuindo para a
saúde do militar9, além de prepará-lo para suportar o estresse extremo do
combate, situação na qual sua sobrevivência e de seus companheiros
dependerão da aptidão física adquirida10,11. Além dos efeitos positivos
provenientes de uma rotina regular de exercícios físicos na saúde e qualidade
de vida das pessoas em geral, são objetivos do TFM:
• Desenvolver as aptidões físicas básicas e específicas de combate,
relacionadas à saúde e ao desempenho;
• Aumentar a confiança e a motivação;
• Amentar a resistência às doenças;
• Reduzir o índice de lesões;
• Recuperar-se mais rapidamente de lesões, quando elas ocorrem;
• Melhorar o rendimento intelectual;
• Aumentar a concentração nas atividades pessoais e profissionais,
incluindo as burocráticas;
• Aumentar a prontidão para o combate e o desempenho durante o
mesmo; e
• Suportar maiores estresses decorrentes do combate.

35
Taylor et al.,, (2008) identificaram que a aptidão aeróbia elevada auxilia
no controle da ansiedade e melhora a resiliência, mitigando o impacto
psicológico de eventos estressantes ocorridos durante treinamentos militares,
sendo, por isso, essa aptidão muito valorizada pelos militares12.
No ambiente militar, a periodização deve ser elaborada com base nos
princípios do treinamento desportivo (individualidade biológica, adaptação,
sobrecarga progressiva, continuidade, especificidade e interdependência
volume e intensidade) a fim de que haja adaptações positivas, tais como no
meio desportivo. Vale ressaltar que o princípio da especificidade deve ser
cuidadosamente aplicado, pois o militar deve treinar, também, sob as mesmas
condições em que poderá ser empregado nas missões. Sendo assim, os
treinamentos militares devem estar relacionados com os objetivos e atividades
de sua respectiva unidade militar, tropa, cargo, função ou especialidade. Na
prática, militares que exercem funções predominantemente burocráticas, por
exemplo, não necessitariam, a princípio, dos exigentes treinamentos realizados
pelos grupos operativos13.
Os grupos operacionais merecem destaque nesse contexto, porque,
além de necessitarem de treinamento físico rigoroso, devem ser preparados
psicologicamente (resiliência mental e a versatilidade), objetivando o equilíbrio
psicológico, a tomada de decisão sob estresse e outros fatores específicos os
quais são necessários durante essas atividades. Alguns autores sugerem que
militares operativos devem treinar em ambientes e sob condições
psicofisiológicas semelhantes às condições peculiares de operações militares,
por exemplo: diferentes climas e tipos de terrenos, sob variadas umidades
relativas do ar, em diferentes horários do dia, e em condições fisiológicas
desfavoráveis (restrição à alimentos, água e sono), transportando carga
elevada e sob estresse psicológico14,15.
Quanto à periodização, há poucas informações acerca de modelos e
distribuições de cargas ideais dada a grande variedade de condições
psicofisiológicas que devem suportar e da multiplicidade de capacidades físicas
devem desenvolver16,17.
A quantificação das cargas de treinamento pode ser obtida por meio de
avaliações e cálculos matemáticos os quais possibilitam identificar os efeitos do
treinamento nos praticantes de exercícios físicos18. A necessidade da

36
quantificação da carga ideal decorre da importância em se acompanhar os
impactos psicofisiológicos do exercício visando o aumento do desempenho
cronicamente – adaptações positivas –, visto que alguns cursos de formação
militares possuem cargas de treinamento tão altas, as quais podem se
equiparar àquelas de atletas profissionais19. Por outro lado, atletas têm maiores
possibilidades e recursos para equilibrar a relação entre estresse e a
recuperação das sessões visando a máxima performance com baixo risco de
adaptações negativas (lesões e overtraining): possuem um período
considerado de baixa temporada no qual descansam e se recuperam de lesões
musculoesqueléticas; realizam profilaxia; e utilizam, quando necessário, de
fisioterapia. Já alguns grupos militares podem não possuir esse “período de
descanso” devido sua a prontidão para o combate e o treinamento árduo e
constante, cujo pico de performance deve ser mantido durante o ano inteiro20.
Outro princípio do treinamento desportivo muito importante sob o ponto
de vista do overtraining é a interdependência volume e intensidade. O TFM
geralmente contém bastante volume de treino como atividades de endurance
(natação ou corrida), treinamentos de combate (incluindo o tiro de combate) e
exercícios realizados durante muitas horas. Essas atividades, quando
associadas ao estresse psicológico do treinamento militar, podem resultar em
overtraining20 e interferir no desenvolvimento da capacidade aeróbia (VO2máx) e
na força muscular21.
A adaptação aos estímulos do exercício durante e após o TFM ocorre
por meio da aplicação de cargas de treinamento, as quais devem ser
suficientes para alterar a homeostase – o equilíbrio interno dos sistemas –, mas
também condizentes com os princípios da individualidade biológica e da
adaptação, além de respeitar a devida recuperação. Esse mecanismo de
adaptação foi sugerido por Seyle (1956) com a Síndrome da Adaptação
Geral22. Sua interpretação sob o contexto do exercício prevê que o estímulo
aplicado é o agente estressor capaz de modificar padrões homeostáticos, cujas
percepções no cérebro produzem como resposta a ativação dos sistemas
fisiológicos de luta ou fuga, ativando o eixo hipotálamo-pituitária-adrenais e o
sistema nervoso simpático, liberando cortisol, adrenalina e noradrenalina, por
exemplo. Esses e outros hormônios, quando secretados, são altamente
benéficos em doses controladas e em fase aguda, pois gera adaptação positiva

37
aos estímulos; todavia, pode ocorrer o oposto quando secretados em altas
doses ou, principalmente, de modo crônico23.
Outro conceito relevante e muito aplicado em atividades de treinamento
militar é a teoria Hormesis. Ela afirma que “os estímulos potencialmente
nocivos podem gerar adaptações positivas no organismo por meio da
exposição adequada e controlada desses estímulos24. Por isso, durante a
periodização do TFM, deve haver sessões com altas cargas de estresse físico,
mas também psicológico para que ocorram as devidas adaptações, ainda que
esses estímulos sejam “potencialmente nocivos”. Talvez, o segredo de uma
preparação física militar de combate seja o devido equilíbrio entre estímulos e
recuperações física e psicológica, para que haja adaptações positivas ao longo
do tempo (cronicamente).
Portanto, sugere-se que sejam observados os possíveis sinais e
sintomas da SOT apresentados por militares ao longo da periodização, e
também planejada, periodicamente, a avaliação das respostas orgânicas
daqueles que necessitarem de rotinas de treinamento com altas demandas
físicas e mentais25.

4. DIAGNÓSTICO E PREVENÇÃO DA SOT

A SOT é multifatorial e isto significa que pode ocorrer por diversas


causas as quais podem ou não estarem relacionadas ao treinamento físico.
Além disso, é considerada uma síndrome, porque pode apresentar sinais e
sintomas em um ou mais sistemas orgânicos3. As principais alterações podem
ser observadas na Figura 1.

38
Figura 1 – Alguns sistemas fisiológicos possivelmente associados à SOT e os marcadores
utilizados para diagnóstico e monitoramento para prevenção.

Síndrome do
Overtraining

Sistemas Marcadores

Composição
Fisiológico
corporal

Hormonal Desempenho

Psicológico e
Bioquímico
cognitivo

Imunológico Padrão do sono

Fonte: o autor.

Diagnosticar a SOT é um grande desafio enfrentado por pesquisadores


e treinadores por uma série de motivos, dentre os quais destaco alguns:
• É multifatorial;
• Apresenta sinais e sintomas que podem diferir entre indivíduos;
• Os sinais e sintomas apresentados consistem nas respostas orgânicas
produzidas por um ou mais sistemas: fisiológicos, imunológicos, bioquímicos,
hormonais, comportamentais, de desempenho, entre outros;
• Deve-se excluir possíveis patologias que estejam causando as
alterações nos sistemas orgânicos;
• Não há um protocolo padronizado para seu diagnóstico que seja
simples, rápido e de fácil aplicação e preciso; e
• O diagnóstico preciso é realizado após a verificação da ausência de
outras causas não relacionadas ao exercício e, caso não haja, deve-se
aguardar o período de recuperação para que a SOT não seja confundida com a
NFOR.
Uma saída encontrada para a grande dificuldade de se diagnosticar a
SOT no ambiente militar é a prevenção por meio do monitoramento da

39
presença desses sinais e sintomas, pois eles podem indicar que haja a
presença do NFOR ou da SOT.
Os sinais e sintomas apresentados por militares que estejam em OT de
longo prazo (crônico) devem ser acompanhados durante a periodização, a fim
de evitar maiores comprometimentos da saúde e do desempenho. Abaixo
destaco aqueles que, segundo alguns estudos, são os mais simples de serem
utilizados e que podem indicar má adaptação aos estímulos:
• Fisiológico: frequência cardíaca de repouso pela manhã20;
• Comportamental: estado de humor17; e
• De desempenho: testes físicos padronizados17.
Talvez, o indicador fisiológico mais simples que pode representar má
adaptação orgânica à rotina de exercícios extenuantes seja a frequência
cardíaca de repouso obtida pela manhã, um pouco antes de sair da cama. Os
registros desse monitoramento ao longo do tempo podem fornecer informações
importantes relacionadas ao exercício e a fadiga: indivíduos em OT
apresentarão variação entre 10 a 15 batimentos por minuto mais elevada
quando medida por vários dias. A redução aos níveis basais pode ocorrer em
um ou dois dias de repouso; contudo, caso haja continuidade das atividades de
resistência (endurance), o militar ficará apenas em overtraining, não
promovendo benefícios do ponto de vista de desempenho20, ou então, pode
evoluir para o NFOR3.
Questionários de autorrelato para a avaliação do estado de humor
(POMS) e questionário específico do overtraining (versão brasileira), baseado
no Questionário de Sintomas Clínicos do Overtraining, da Sociedade Francesa
de Medicina do Esporte podem ser aplicados e reaplicados no mesmo
indivíduo ao longo do tempo para verificar se há alterações significativas no
estado de humor, ou ainda, na pontuação final obtida por meio do Questionário
do OT: neste caso, quanto maior o escore, mais sinais e sintomas relatados.
Outro protocolo simples destinado ao monitoramento dos sinais e
sintomas do OT em militares consiste na avaliação do desempenho físico por
meio da aplicação de testes físicos padronizados da unidade militar ou força a
qual pertencem17. Caso a aplicação do treinamento ao longo do tempo esteja
produzindo estagnação ou piora no rendimento físico, há um sinal de alerta e
esse militar deve ser observado para excluirmos a NFOR ou a SOT.

40
Além dos meios sugeridos para a prevenção, podemos verificar se o
exercício é extenuante a ponto de prejudicar a saúde por meio de alterações
fisiológicas da variabilidade da frequência cardíaca26 (utilizando-se um monitor
cardíaco específico com esse recurso); por marcadores bioquímicos, como a
relação glutamina-glutamato27; por marcadores hormonais28 , como a relação
testosterona e cortisol; ou por marcadores imunológicos, os quais podem
resultar em infecções do trato respiratório superior (gripes e resfriados), muito
comum em militares que combinam excesso de exercícios com restrição de
sono29. Ainda que sejam importantes marcadores relacionados à SOT,
necessitam de logística, pessoal treinado e geralmente possuem alto custo,
tornando-se, portanto, inviáveis para avaliar grandes grupos, como os militares.
Sendo assim, quando observar algum militar apresentando algumas
dessas alterações, deve-se, primariamente, reduzir a excessiva sobrecarga
orgânica causada pelo treinamento físico30. No entanto, tal procedimento pode
ser incompatível com o momento da periodização do TFM, evidenciando que
há uma linha tênue entre a preparação física militar de alto desempenho e a
SOT.

5. CONCLUSÃO

Estudar o “OT” não é algo recente. O Professor Evangelos Albanidis, em


seu trabalho intitulado “Exercise in moderation: Health perspectives of Hellenic
antiquity”, em 2013, citou relatos de médicos Hipocráticos e dos filósofos Platão
e Aristóteles, da Grécia Antiga, que “qualquer exagero no treinamento poderia
se voltar contra a natureza humana e que o excesso de treinamento sempre
está errado”. Em época tão remota e com poucos recursos, os ilustres filósofos
observaram que exercitar-se exageradamente compromete a saúde. Contudo,
nos dias de hoje, há certa resistência na aceitação de que o exercício em
doses elevadas sem o repouso adequado possa promover adaptações
negativas. Essa corrente se faz conhecida pela clássica frase “no pain no gain”
(sem dor, sem ganho).
Entretanto, talvez essa frase não esteja totalmente equivocada; acredito
que a interpretação esteja. Como vimos neste breve e limitado capítulo, o
“prejuízo” orgânico promovido pelo excesso de exercícios é inerente à melhora

41
da performance, se e somente se, houver recuperação condizente com os
estímulos aplicados. Simplificando, não é a presença do OT que define e
crucifica o treinamento extenuante com altas cargas de estresses físicos e
psicológicos do TFM, mas sim se esse mesmo treinamento ocorrer sem o
monitoramento dos sinais e sintomas, visando a prevenção da SOT. Embora a
fisiologia do exercício forneça informações acerca das horas necessárias à
recuperação dos sistemas (fosfagênico, anaeróbio lático e oxidativo), quando
observamos a rotina do treinamento militar, torna-se difícil e complexo
determinar as horas necessárias ao repouso do organismo, visto que, a
individualidade biológica será a determinante nesse processo de adaptação.
Sendo assim, sugiro que a prevenção por meio do monitoramento dos
marcadores mencionados seja o melhor “termômetro” utilizado numa
periodização de militares que necessitem de treinamento com muitas
atividades físicas. A aplicação prática dos conceitos descritos neste capítulo
pode ser útil no ambiente militar para o controle do OT e prevenção do NFOR e
da SOT. De modo prático, resumimos os procedimentos mais importantes a
serem adotados no planejamento do TFM:
• Planejar com base nos princípios do Treinamento Desportivo;
• Periodizar o TFM e, sempre que possível, prescrever os exercícios de
modo individualizado ou em grupos tão homogêneos quanto possíveis;
• Monitorar os efeitos das cargas de treinamento com os marcadores
fisiológicos, comportamentais e de desempenho sugeridos neste capítulo ou
quaisquer outros marcadores recomendados pela literatura aplicável ao
contexto do grupo; e
• Divulgação dos possíveis efeitos indesejáveis do excesso de
exercícios, provenientes de uma rotina de exercícios mal planejada e mal
executada não só aos instrutores militares, mas também aqueles que apenas
realizam o TFM.
Todas as informações aqui apresentadas não limitam nem esgotam os
assuntos sobre este tema, o qual é amplo. Meu desejo é que, ao tomar
conhecimento dessas informações, o leitor se incline a pesquisar outras
informações em livros e artigos científicos, inclusive com diferentes pontos de
vista dos aqui apresentados, pois assim, acredito, haverá a construção do
conhecimento científico aplicado à prática, pois a ciência baseia-se no

42
questionamento de ideias. Assim, a prescrição de exercícios em ambiente
militar será cada vez mais fundamentada em ciência, promovendo a melhora
da tropa e reduzindo os riscos de efeitos indesejáveis com o exercício.

6. ESTUDOS COM OVERTRAINING EM AMBIENTE MILITAR

Quadro 02 - ESTUDOS COM OVERTRAINING EM AMBIENTE MILITAR.

Título: Immune and hormonal changes following intense military training.


Autores: Gomez-Merino et al.,, 2003.
Objetivos: determinar se os sistemas imunológico e hormonal foram afetados por um curso
militar de 5 dias após 3 semanas de treinamento de combate.
Resultados: a combinação de atividade física pesada e contínua combinada com a privação
de sono levou à deficiência de energia. No início e imediatamente após o referido curso,
foram analisadas amostras de saliva para imunoglobulina secretora A, amostras de plasma
para interleucina-6, sulfato de desidroepiandrosterona (DHEA), prolactina, catecolaminas,
glicocorticóides e testosterona. Ao final do curso, a imunoglobulina secretora A foi reduzida
e a interleucina-6 circulante aumentou, o que foi atribuído à estimulação simpático-
adrenérgica. Os níveis de sulfato de DHEA, prolactina e testosterona caíram
significativamente.
Conclusão: exercícios prolongados e repetidos, como os encontrados em um programa de
treinamento militar, induzem o comprometimento imunológico por meio de uma
diminuição da imunidade da mucosa e da liberação de interleucina-6 na circulação.
Acredita-se que a secreção prejudicada de sulfato de DHEA e prolactina, dois hormônios
imunomoduladores, seja uma resposta aos estressores crônicos. A testosterona reduzida
reflete uma diminuição geral na síntese de esteroides como consequência da tensão física e
psicológica.

Título: Australian Army Recruits in Training Display Symptoms of Overtraining.


Autores: Booth et al.,, 2006.
Objetivos: verificar se demandas de treinamento de recrutas, incluindo estresse físico e
psicológico, resultam em sintomas de overtraining durante o curso de 45 dias do Army
Common Recruit Training, do Exército Australiano.
Resultados: foram encontradas evidências de sintomas de fadiga excessiva, distúrbios do
sono, imunossupressão, redução do status de ferro, altas taxas de lesões leves e alterações
hormonais. No entanto, os treinamentos não foram tão extenuantes ao ponto de que o
desempenho físico se deteriorasse muito.
Conclusão: segundo os autores, a privação de sono acumulada pode ser um dos principais
contribuintes para as alterações hormonais adversas. Os autores concluíram que havia
alguma evidência de recrutas em estado de overtraining.

Título: Serum Sex Hormone–Binding Globulin and Cortisol Concentrations are Associated
with Overreaching during Strenuous Military Training.
Autores: Tanskanen et al.,, 2011.

43
Objetivos: (1) estudar o efeito de um período de treinamento básico militar (BT) finlandês
de 8 semanas na aptidão física, na composição corporal, no estado de humor e nos
parâmetros bioquímicos séricos; (2) determinar a incidência de overreaching (OR) durante o
BT entre novos recrutas; e (3) avaliar se os níveis iniciais ou respostas de treinamento da
aptidão física, da composição corporal e dos parâmetros bioquímicos séricos diferem entre
os indivíduos com OR e não-OR.
Resultados: o VO2max melhorou durante as quatro primeiras semanas do BT. Durante a
segunda metade do BT, foi observada uma estagnação do aumento de VO2máx, aumento
da globulina basal de ligação ao hormônio sexual sérico (SHBG), aumento do fator de
crescimento semelhante à insulina-1 (IGF-1) e também aumento do cortisol. Além disso, os
aumentos induzidos pelo exercício submáximo no cortisol, na frequência cardíaca máxima e
no aumento pós-exercício no lactato sanguíneo, foram atenuados. Dos 57 sujeitos, 33%
foram classificados como OR. Eles apresentaram a SHBG basal mais alta antes e após a
quarta e a sétima semanas de treinamento e o cortisol sérico basal mais alto no final do BT,
quando comparados com os indivíduos não-OR. Além disso, ao contrário do não-OR, os
indivíduos com OR não exibiram aumento na razão basal de testosterona/cortisol, mas
apresentaram uma diminuição na proporção máxima de Lactato/Classificação do esforço
percebido (La/RPE) durante o BT.
Conclusão: um terço dos recrutas estavam em OR, portanto, o treinamento após o BT deve
envolver recuperação adequada para impedir o desenvolvimento da síndrome do
overtraining. Os resultados confirmam que as taxas séricas de SHBG, de cortisol e de
testosterona/cortisol e La/RPE máximas podem ser ferramentas úteis para indicar se o
treinamento é muito extenuante.

Título: Hormonal, Immunological and Neuromuscular Responses During 21 Days Of Military


Field Training.
Autores: Ojanen et al.,, 2016.
Objetivos: determinar as respostas hormonais e neuromusculares dos militares durante um
treinamento militar de campo (MFT) de 21 dias.
Resultados: houve declínios significativos após o MFT da testosterona (11,4%), do fator de
crescimento semelhante à insulina (IGF-1) (21,0%) e da leptina (44,4%). Ocorreram
aumentos do cortisol (32,0%) e da globulina basal de ligação ao hormônio sexual sérico
(SHBG) (16,3%). No início do MFT, o TNF-α aumentou, mas diminuiu no final e retornou ao
valor de pré-medição após a recuperação. A mesma tendência também foi encontrada para
IL-1β e IL-6. A massa corporal e a gordura diminuíram após o MFT, mas se recuperaram
durante o período de recuperação de quatro dias. Houve uma diminuição significativa no
salto em distância após o MFT e também após o período de recuperação em comparação
com os valores do pré-MFT. Não houve alterações significativas na força máxima isométrica
durante o MFT. A atividade física foi maior no MFT e os recrutas sentiram que o
treinamento foi mais exigente, tanto física quanto mentalmente, do que a rotina no
ambiente da guarnição.
Conclusão: o presente estudo demonstrou ligeiros decréscimos no desempenho físico dos
militares durante o MFT de 21 dias. Embora os recrutas tenham sido sobrecarregados
durante o MFT, quatro dias de recuperação pareceram suficientes para obter os valores pré-
MFT no desempenho neuromuscular, e nos parâmetros hormonais e imunológicos séricos.
Os resultados sugerem que é importante ter um tempo de recuperação suficiente após um
MFT para retornar à prontidão de combate.

Título: Seasonal weather conditions affect training program efficiency and physical

44
performance among special forces trainees: A long-term follow-up study.
Autores: Dhahbi et al.,, 2018.
Objetivos: acompanhar o efeito dos ciclos de treinamento específicos de comandos (SCTCs),
na resistência muscular da parte superior do corpo e no desempenho de corrida de
resistência, bem como determinar se a variação nos parâmetros sazonais tem algum efeito
no desempenho físico.
Resultados: houve redução significativa da massa corporal em todos os grupos após os
SCTCs; houve aumento significativo nas flexões de braço, nas flexões na barra e abdominais
de 70 segundos; houve um decréscimo significativo no tempo de corrida de 5 km entre
todos os formandos. Com relação a influência dos parâmetros sazonais, os resultados dos
testes de flexão de braço, de flexões na barra e de abdominais de 70 segundos foram
significativamente maiores no inverno e primavera em comparação com as outras duas
estações, enquanto as melhorias no desempenho de corrida de 5 km foram
significativamente maiores na primavera e no verão, em comparação com as outras duas
estações.
Conclusão: os autores concluíram que 14 semanas de SCTCs melhoraram a resistência
muscular da parte superior do corpo e o desempenho de endurance nos comandos. As
melhorias no desempenho de resistência muscular foram maiores durante o clima frio
(inverno e primavera), enquanto as melhorias no desempenho de resistência de corrida
foram maiores durante as estações mais quentes (primavera e verão).

Título: Effect of Long-term Elite Military Training and Operations on Hormonal Profile.
Autores: Jensen et al.,, 2018.
Objetivos: o objetivo deste estudo foi determinar os efeitos crônicos do estresse
multifatorial, incluindo o treinamento e operações militares, sobre o perfil hormonal de
operadores militares de elite.
Resultados: houve uma correlação positiva significativa entre testosterona total (TT) e
cortisol. Além disso, 43% dos participantes (n=28) apresentaram TT abaixo dos intervalos de
referência normativa baseados na idade. Aqueles com TT abaixo do normal também tiveram
menores testosterona livre, cortisol e triiodotironina (T3).
Conclusão: os resultados indicam que os treinamentos e as operações militares podem
colocar tamanha carga sobre os operadores a ponto de deprimir ou alterar os eixos
hipotalâmico, hipofisário, adrenal, gonadal e da tireóide, sugerindo que mais pesquisas
precisam ser realizadas de modo que sejam verificadas as consequências dessas alterações.

Título: Optimising training adaptations and performance in military environment.


Autores: Kyröläinen et al.,, 2018.
Objetivos: este é um estudo de revisão que busca métodos ideais para realizar o
treinamento militar, concentrando-se nos efeitos do treinamento.
Resultados: os autores observaram que o treinamento militar consiste, principalmente, de
atividades físicas prolongadas realizadas em baixas intensidades, o que pode interferir no
desenvolvimento da força máxima, potência e capacidade aeróbica. A resistência
combinada e o treinamento de força parecem ser os métodos de treino mais adequados
para melhorar o desempenho físico geral dos militares.
Conclusão: o presente estudo demonstrou que o treinamento militar necessita de uma
maior variação no estímulo de treinamento para induzir adaptações mais efetivas,
principalmente, quando se considera o desenvolvimento de força máxima ou explosiva e

45
capacidade aeróbica máxima. Os programas de treinamento devem ser bem periodizados
para que a carga total de treinamento aumente progressivamente, mas também inclua
períodos de recuperação suficientes. Além disso, é necessária alguma programação
individualizada para evitar lesões desnecessárias e overreaching, pois as diferenças na
aptidão física inicial dos militares podem ser muito altas.

Título: Increased Risk of Upper Respiratory Infection in Military Recruits Who Report
Sleeping Less Than 6 h per night.
Autores: Wentz et al.,, 2018.
Objetivos: o objetivo deste estudo foi descrever a duração do sono autorreferida em um
grande grupo de recrutas militares e avaliar a relação entre a duração relatada do sono e a
incidência de infecções do trato respiratório superior (ITRS).
Resultados: a duração do sono autorreferida diminuiu significativamente entre o período
anterior ao treinamento e durante o mesmo. Antes do treinamento, 13% dos participantes
relataram dormir menos que 7 horas de sono por noite; no entanto, isso aumentou para
38% durante o treinamento. No geral, 49 participantes (8%) foram diagnosticados por um
médico com pelo menos uma infecção no trato respiratório superior (ITRS) e 3 participantes
(<1%) foram diagnosticados com duas ITRS. Depois de controlar o sexo (masculino e
feminino), o índice de massa corporal, a temporada de recrutamento, o tabagismo e o uso
de álcool, os participantes que relataram dormir menos de 6 horas por noite, durante o
treinamento, tiveram quatro vezes mais chances de serem diagnosticados com ITRS em
comparação aos participantes que dormiram de 7 a 9 horas noite. Em média, cada ITRS
resultou em aproximadamente 3 dias de treinamento perdidos. Os participantes que foram
diagnosticados com ITRS tiveram mais dias de treinamento perdidos para qualquer doença
em comparação com os participantes que não relataram uma ITRS durante o treinamento
militar básico.
Conclusão: em uma grande população de recrutas do Exército britânico, essas descobertas
mostram que mais de um terço dos participantes não cumpriram as recomendações de
duração do sono durante o treinamento. Além disso, aqueles que relataram dormir menos
de 6 horas por noite tiveram quatro vezes mais chances de serem diagnosticados com uma
ITRS e perderam mais dias de treinamento devido a ITRS. Uma vez que a restrição do sono é
considerada um elemento necessário do treinamento militar, estudos futuros devem
examinar intervenções para reduzir quaisquer efeitos negativos sobre a imunidade e a
defesa do hospedeiro.

Título: The Overtraining Syndrome in Soldiers: Insights from the Sports Domain.
Autores: Vrijkotte et al.,, 2018.
Objetivos: o objetivo desta revisão foi fornecer informações acerca do overreaching
funcional (FOR), do não-FOR (NFOR) e da síndrome de overtraining (OTS) nas forças
armadas.
Resultados: sete estudos que investigaram os efeitos do OT durante os cursos de
treinamento foram selecionados. As definições usadas para o OT variaram amplamente e
não há uso sistemático de marcadores para determinar o FOR, NFOR ou OTS nas forças
armadas.
Conclusão: muitas pesquisas sobre NFOR e OTS foram conduzidas no domínio esportivo e os
militares poderiam usar essas ideias para promover um equilíbrio mais eficiente entre carga
de treinamento e recuperação. Sugere-se que os militares testem regularmente o
desempenho físico, a velocidade psicomotora e o humor usando, idealmente, um teste

46
específico militar ou uma corrida de 2,4 quilômetros, teste de vigilância psicomotora e
Profile of Mood States (POMS), respectivamente. O teste de esforço de duas sessões pode
ser usado como teste específico se testes anteriores indicarem o desenvolvimento de NFOR
/ OTS e podem ser combinados com testes metabólicos e imunológicos para excluir causas
patológicas.

Título: Effect of Prolonged Military Field Training on Neuromuscular and Hormonal


Responses and Shooting Performance in Warfighters.
Autores: Ojanen et al.,, 2018.
Objetivos: investigar as alterações na composição corporal, força corporal superior e
inferior, concentrações séricas de testosterona (TES) e cortisol (COR), do fator de
crescimento semelhante à insulina-1 (IGF-1), da globulina basal de ligação ao hormônio
sexual sérico (SHBG) e da precisão de tiro durante treinamento militar de campo (MFT)
prolongada.
Resultados: não houve alteração no escore de tiro em pronação entre os pontos de
medição. Na posição em pé, no entanto, houve uma diminuição significativa entre os
momentos PRE MTF e MID (após 12 dias). Semelhantemente, os momentos POST (após o
MFT) e o RECO (após 4 dias de recuperação) foram significativamente maiores que o MID.
As concentrações hormonais séricas de TES e IGF-1 diminuíram significativamente durante a
MFT. Durante a MFT, foram observados aumentos significativos nas concentrações de COR e
SHBG. Houve correlação significativa entre a força na região inferior do corpo e nas
pontuações do tiro em pé (PRE–MID/POST/RECO). O achado foi semelhantemente
observado entre as alterações na força da região superior do corpo e no tiro em pé entre os
pontos de medição PRE e RECO. As alterações no COR e as alterações no tiro de pronação
mostraram uma correlação positiva em todos os pontos de medição. As mudanças no IGF-1
correlacionaram-se negativamente com o disparo em pronação entre os pontos de medição
PRE e MID. As mudanças na posição de tiro e as mudanças na TES entre PRE e POST
correlacionaram-se negativamente.
Conclusão: os autores observaram uma diminuição na força da região inferior do corpo das
medidas PRE para MID. Quando a carga física durante o MFT diminui após as medições de
MID, a força dos membros inferiores aumentou. Além disso, a pontuação do disparo na
posição em pé diminuiu das medições PRE para MID e melhorou significativamente das
medições MID para POST. O escore de tiro em pronação não mostrou alterações
significativas durante o período do estudo. Correlações positivas significativas foram
encontradas entre as mudanças na pontuação do tiro em pé e as mudanças na força das
pernas e parte superior do corpo. Houve uma correlação positiva entre as alterações nas
concentrações séricas de COR e as alterações no escore de tiro em pé. No total, o presente
estudo mostrou que o MFT prolongado tem efeito adverso sobre os níveis de força e a
capacidade de tiro em militares combatentes. Isso mostra que é importante garantir que
eles tenham uma quantidade adequada de descanso durante o desempenho de suas
atividades físicas militares. O disparo em posição de pronação não foi afetado pelas
mudanças nas cargas de trabalho e esse resultado indicou que os soldados deveriam atirar
de uma posição prona, sempre que possível, principalmente quando fatigados.

Título: Effects of military training on plasma amino acid concentrations and their
associations with overreaching.
Autores: Ikonen et al.,, 2020.
Objetivos: investigar os efeitos do treinamento militar de 10 semanas nas concentrações de
19 aminoácidos.

47
Resultados: os resultados sugerem que alterações nos níveis de três aminoácidos
importantes: alanina, glutamato e arginina e, possivelmente, a tirosina neuroativa e o
triptofano, podem explicar alguns dos sintomas físicos e psicológicos do overreaching. O
presente estudo também confirma o uso potencial da razão glutamina-glutamato como uma
ferramenta para detectar o overreaching.
Conclusão: os presentes achados podem ajudar a detectar e impedir o overreaching e
oferecer uma abordagem diagnóstica confiável. Para evitar a síndrome do overtraining, o
treinamento militar deve ser periodizado e individualizado, especialmente durante as
primeiras quatro semanas de serviço militar.

Título: Militares fisicamente inativos apresentam sintomas da síndrome do overtraining.


Autores: Silva et al.,, (dados não publicados).
Objetivos: avaliar, por questionário, os níveis de atividade física de militares participando de
um curso de carreira e correlacionar os sintomas da SOT entre os fisicamente inativos,
ativos e muito ativos.
Resultados: 41 % da amostra estava fisicamente inativos, 40 % em ativos e 19 % muito
ativos. A ANOVA indicou diferença significativa nos escores do questionário do overtraining
entre inativos (38,62±17,58) e muito ativos (29,06±11,65), com p=0,04.
Conclusão: a maior parte do grupo estudado mantém níveis adequados de atividades físicas
e militares fisicamente inativos podem apresentar sintomas mais evidentes da SOT quando
comparados aos militares ativos e muito ativos, pois essa síndrome não está exclusivamente
relacionada ao treinamento.
Fonte: O autor.

48
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52
CAPÍTULO 06
ORIGEM DO OVERTRAINING: SISTEMA IMUNE

Patrícia Maria Lourenço Dutra


Thiago Teixeira Guimarães

1. VISÃO GERAL DO SISTEMA IMUNE

O sistema imunológico é um sistema baseado na cooperação,


responsável pelo reconhecimento do que é próprio e não próprio do organismo.
Sua função geral é reparar danos e preservar a homeostase1;2. No
desempenho de suas funções, em resposta aos desequilíbrios apresentados
pelo organismo, o sistema imune pode apresentar dois tipos principais de
resposta: resposta imune inata e resposta imune adaptativa3.
A resposta inata inclui barreiras físicas (ex.: pele), químicas (ex.: lágrima,
sistema complemento) e a participação de células como macrófagos,
neutrófilos, células dendríticas, células natural killers (NK) e moléculas
microbicidas como o óxido nítrico (NO) e ânion superóxido (O2-). A resposta
imune adaptativa envolve principalmente linfócitos T (T CD4+ e T CD8+) e B,
além de seus produtos como citocinas e anticorpos, respectivamente. Pode ser
dividida em resposta imune humoral (mediada por anticorpos) e resposta imune
celular (mediada por células, tais como linfócitos T e macrófagos)3; 4.
Geralmente os microrganismos são detectados e destruídos
rapidamente por mecanismos menos específicos apresentados pela resposta
imune inata. Para sua detecção, esses microrganismos precisam ser
reconhecidos e tanto o sistema imune inato quanto o adaptativo são capazes
de distinguir entre o próprio e o não próprio. Contudo, eles diferem na maneira
como fazem esse reconhecimento. Na imunidade inata existe um número
limitado de receptores e proteínas secretadas que são codificadas na linhagem
germinativa e que reconhecem características comuns a muitos patógenos.
São os chamados receptores de repetição de padrões (PRRs)4;5. Já na
imunidade adaptativa os receptores para o reconhecimento do organismo
invasor são formados por um processo de rearranjo gênico. Ainda assim, a

53
resposta imune inata é muito eficiente na discriminação entre células
hospedeiras e patógenos, proporcionando as defesas iniciais e também
contribuindo para a indução da resposta imune adaptativa através da ação das
células apresentadoras de antígenos (APCs)6.
Podemos dizer que a resposta imunológica a uma infecção inicial ocorre
em três fases: resposta imune inata, resposta imune induzida precocemente e
resposta imune adaptativa. As primeiras duas fases fazem o reconhecimento
do patógeno por meio dos PRRs. Na terceira fase, o reconhecimento é feito por
meio de receptores variáveis para antígenos específicos formados por um
processo de rearranjo gênico nas células somáticas que produz um enorme
repertório de receptores de antígenos, os quais são capazes de distinguir
perfeitamente entre moléculas muito relacionadas. Deste modo, a imunidade
adaptativa ocorre posteriormente, porque as poucas células B e células T
precisam sofrer expansão clonal antes de se diferenciarem em células efetoras
que eliminam a infecção. Contudo, os mecanismos efetores que eliminam os
agentes infecciosos são similares ou idênticos em todas as fases4; 7.
Apenas os mecanismos que envolvem os componentes solúveis e
celulares da imunidade inata não são capazes de promover uma memória
imunológica protetora de longo tempo. Deste modo, a imunidade inata, quando
o patógeno rompe as duas primeiras fases de sua resposta, é responsável pela
indução da resposta imune adaptativa, a terceira fase da resposta à infecção
inicial por um patógeno. Essa indução leva à expansão dos linfócitos antígeno-
específicos que têm como alvo os patógenos específicos e a formação de
células de memória, que proporcionam uma imunidade específica
persistente4;7.

2. RESPOSTA IMUNE INATA

A resposta inata é aquela com a qual já nascemos. É pronta, imediata e


inclui barreiras físicas (como a pele, por exemplo), químicas (lágrima, sistema
complemento)4 e a participação de células fagocíticas como os macrófagos,
neutrófilos e células dendríticas, além dos linfócitos conhecidos como células
natural killers (NK) e de moléculas microbicidas como o óxido nítrico (NO) e
ânion superóxido (O2-)3.

54
As primeiras defesas apresentadas incluem várias classes de moléculas
solúveis pré-formadas presentes no sangue, nos líquidos extracelulares e nas
secreções epiteliais. Podemos citar as enzimas antimicrobianas, como a
lisozima, que inicia a digestão da parede celular bacteriana; os peptídeos
antimicrobianos, como as defensinas, que são capazes de lisar diretamente a
membrana da célula bacteriana; e um sistema de proteínas plasmáticas muito
importantes, conhecido como sistema do complemento, que promove a lise do
microrganismo ou a sua fagocitose por células fagocíticas do sistema imune
inato, tendo os macrófagos, neutrófilos e células dendríticas como importantes
exemplos4.

3. RECONHECIMENTO

O reconhecimento dos patógenos pelas células da imunidade inata na


segunda fase da resposta é feito por meio de moléculas típicas dos
microrganismos, as quais não são compartilhadas pelas células do hospedeiro.
As moléculas específicas dos microrganismos que são reconhecidas pelas
células da imunidade inata são denominadas padrões moleculares associados
a patógenos (PAMPs, do inglês Pathogen-associated molecular pattern). Os
PAMPs são reconhecidos pelos já citados PRRs. Eles reconhecem estruturas
como oligossacarídeos ricos em manose, peptideoglicanos e
lipopolissacarídeos (LPS) da parede celular bacteriana. Também podem
reconhecer DNA CpG não metilado. Essas moléculas são comuns a muitos
patógenos e têm sido conservados durante a evolução (Tabela 1)5.

55
Tabela 1 - Moléculas presentes em microrganismo (PAMPs) reconhecidas pelos receptores de
reconhecimento de padrões (PRRs) presentes em células do sistema imune inato.

Padrões moleculares Microrganismo


associados aos patógenos
Carboidratos Glucanas Fungos
Mananas Fungos e bactérias
Lipídios da parede celular Ácido lipoteicóico Bactérias Gram-negativas
Lipopolissacarídio Bactérias Gram-positivas
CpG Vírus e bactérias
Ácidos nucleicos ssRNA Vírus
dsRNA Vírus
Proteínas Flagelina Bactérias
Pilina Bactérias
Fonte: O autor.

Além dos PAMPs, os receptores PRRs também são capazes de


reconhecer moléculas próprias ao organismo que surgem em situações onde
há comprometimento do equilíbrio, denominadas padrões moleculares
associados a danos (DAMPs, do inglês Damage-associated molecular pattern).
São exemplos as proteínas induzidas por estresse (proteínas de choque
térmico HSPs, do inglês heat shock protein), cristais e proteínas nucleares5
(Tabela 2).

Tabela 2 - Moléculas presentes em células com danos (DAMPs) reconhecidas pelos receptores
de reconhecimento de padrões (PRRs) presentes em células do sistema imune inato.
Padrões moleculares associados a danos
Cristais Urato monossódico
Proteínas induzidas por Proteínas de choque términco (HSPs)
estresse
Proteínas nucleares HMGB1
Fonte: O autor.

4. MACRÓFAGOS

Os macrófagos (“makros” = grande, “phagein” = comer) são células


fagocíticas que desempenham a função de células apresentadoras de
antígenos. Seu papel central no sistema imunológico inato pode estar no
controle da fagocitose, na promoção da morte de microrganismos, na produção
de citocinas ou mesmo na apresentação de antígenos aos linfócitos T virgens

56
para o desenvolvimento da resposta imune adaptativa. Estas células foram
identificadas pela primeira vez pelo zoólogo russo Elie Metchnikoff em 1883,
que descobriu que muitos microrganismos poderiam ser engolfados e digeridos
por células fagocíticas8.
Os macrófagos expressam vários PRRs que os permitem reconhecer
componentes específicos dos microrganismos. Aqueles que se ligam a
carboidratos da parede celular das bactérias, das leveduras e dos fungos são
os receptores de manose e de glicano e os receptores de varredura. Os
receptores semelhantes ao Toll (TLRs, do inglês Toll-like receptors) são uma
importante família de receptores PRRs que estão presentes nos macrófagos e
em outras células imunes. Os TLRs são capazes de se ligarem a diferentes
tipos de microrganismo, como por exemplo, TLR-2 liga-se aos componentes da
parede celular das bactérias gram-negativas, enquanto TLR-4 se liga aos
componentes da parede celular das bactérias gram–positivas. O CD14 é o
receptor de LPS, o lipopolissacarídeo presente na parede celular de bactérias
gram-negativas8 (Figura 1). O LPS é muito utilizado experimentalmente para a
ativação clássica de macrófagos.

Figura 1 - Receptores de reconhecimento de padrões (PRRs) presentes em macrófagos.

Fonte: Extraído e adaptado de Teshima (2011) e Normanton e Marti (2013).

57
5. CLASSES DE MACRÓFAGOS

Os macrófagos consistem em duas importantes classes principais:


macrófagos residentes nos tecidos e macrófagos infiltrantes. Como macrófagos
residentes em tecidos podemos citar as células de Kupffer hepáticas, micróglia,
macrófagos peritoneais, macrófagos alveolares, macrófagos da polpa esplênica
e da medula. Em seus tecidos específicos esses macrófagos mantêm a
integridade e a homeostase dos sistemas através da remoção de patógenos
invasores, de células apoptóticas e de detritos de células (debris celular)3. Por
outro lado, os macrófagos infiltrantes são encontrados somente após uma
patologia, sendo eles oriundos da diferenciação dos monócitos clássicos
(também conhecidos como monócitos ''inflamatórios'' ou classicamente
ativados). Esses macrófagos geralmente são encontrados em contextos
patológicos, como o câncer, aterosclerose e doença metabólica9.
Quando um processo inflamatório é desencadeado pela perturbação da
homeostase tecidual, monócitos derivados da medula óssea que circulam na
corrente sanguínea são atraídos para o local da inflamação, através da atração
realizada por quimiocinas inflamatórias secretadas por macrófagos residentes,
células do tecido conjuntivo e endoteliais10;11. No local da inflamação,
monócitos se diferenciam em macrófagos, que cooperam com células
residentes para manter a imunidade ou promover a resolução de inflamação e
regeneração tecidual, dependendo do fenótipo de macrófago no qual o
monócito se diferencie. Este processo de diferenciação de macrófagos em um
determinado fenótipo é chamado de polarização e ocorre em resposta a
estímulos provenientes do microambiente local12. De acordo com essa
polarização, os macrófagos podem ser classificados em classicamente
ativados (pró-inflamatórios ou M1) e alternativamente ativados (anti-
inflamatórios ou M2)10. Esses fenótipos são baseados em programas
específicos de expressão gênica que levam à aquisição de diferentes
marcadores de superfície celular, à secreção de determinadas citocinas, bem
como às adaptações metabólicas dos macrófagos11. Os macrófagos pró-
inflamatórios (M1) são ativados por produtos microbianos como o
lipopolissacarídeo (LPS) e outros ligantes de TLRs, ou por ação de citocinas
secretadas por linfócitos Th1, como IFN-γ e TNF. São caracterizados por sua

58
capacidade de eliminar patógenos e apresentar seus antígenos aos linfócitos T
virgens, iniciando o desenvolvimento de respostas adaptativas. Assim, eles
expressam moléculas do complexo principal de histocompatibilidade de classe
II (MHC-II), ciclooxigenase 2 (COX-2) e óxido nítrico sintase induzível (iNOS) e
CD 14, o receptor de LPS. Eles também produzem altos níveis de citocinas
inflamatórias, como TNF, IL1-β, IL-6, IL-12 e IL-23 e induzem respostas do tipo
Th110; 11 (Figura 2).
Macrófagos M2 são alternativamente ativados por ação das citocinas IL-
4 ou IL-13 secretadas por mastócitos, basófilos (imunidade inata) e linfócitos
Th2 (imunidade adaptativa)10; 11
. Esse fenótipo é caracterizado por um perfil
anti-inflamatório, que permite a resolução da inflamação e a reparação tecidual.
Eles expressam altos níveis de receptor de manose (CD206), bem como o
antagonista da IL-1R, e produzem fatores pró-fibróticos, como o fator de
crescimento e transformação beta (TGF-β) e fator de crescimento semelhante à
insulina 1 (IGF-1), suprimindo ativamente a inflamação e promovendo o reparo
tecidual. Macrófagos M2 induzem angiogênese e linfangiogênese por produção
do fator de crescimento endotelial vascular A (VEGF-A), fator de crescimento
endotelial (EGF), fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF) e IL-811.
O fenótipo M2 pode ser subdividido em 4, dependendo do estímulo que
promova sua diferenciação. Esse fenótipo induzido por IL-4/IL-13 é conhecido
como M2a. Outros estímulos, incluindo imune complexos/ligantes de
TLR/agonistas de IL-1R (M2b), glicocorticóides/IL-10 (M2c) ou ligantes de
TLR/agonistas de A2R/IL-6 (M2d) também promovem a polarização deste
fagócito (Figura 2)11. Considerando a complexidade do microambiente tecidual
e a plasticidade dos macrófagos, uma visão estática da polarização M1 – M2
adotada em experimentos in vitro pode não descrever completamente a
polarização de macrófagos in vivo, o que deve ser considerado um processo
extremamente dinâmico e específico do organismo vivo11.

59
Figura 2 – Polarização de macrófagos – Os fenótipos dos macrófagos são formados
dependendo do estímulo que promova sua diferenciação. A polarização se divide em
macrófagos classicamente ativados (M1), com perfil inflamatório, estimulados por IFN-γ, TNF e
ligação ao LPS bacteriano, e macrófagos alternativamente ativados (M2), com perfil anti-
inflamatório, estimulados por IL-4, IL-13, complexos imunes, dentre outros. Dependendo do
fator ativador, o fenótipo M2 pode ser subdividido em M2a, M2b, M2c e M2d.

Fonte: Extraído e adaptado de Martinez e Gordon, 2014 e de Viola et al., 2019.

6. RESPOSTA IMUNE ADAPTATIVA

A resposta imune adaptativa envolve, principalmente, células como


linfócitos T e B, e seus produtos, como citocinas e anticorpos, respectivamente.
Citocinas são proteínas glicosiladas ou não, que, em geral, apresentam baixo
peso molecular (entre 5.000 e 30.000) e desempenham um papel central na
mediação e regulação das respostas imunológicas3. Elas atuam como
mensageiras entre as células do sistema imune, hematopoiético e
neuroendócrino. As citocinas têm sido classificadas como pró ou anti-
inflamatórias, de acordo com as funções desempenhadas1.
Os linfócitos T podem apresentar diferentes marcadores na superfície
celular. Os principais são os chamados cluster de diferenciação (CD), que
representam um conjunto de moléculas marcadoras da superfície celular usado
para diferenciar variados tipos de células. Dois deles são considerados
bastante importantes e dividem os linfócitos T em CD4+ e CD8+. Os linfócitos

60
TCD4+ são chamados de auxiliares (helper - Th) enquanto os linfócitos TCD8+
são os conhecidos linfócitos T citotóxicos13.

7. RESPOSTA CELULAR E HUMORAL

Por sua vez, a resposta imune adaptativa pode se dividir em resposta


imune celular (mediada por células, tais como linfócitos T e macrófagos) e
resposta imune humoral (mediada por anticorpos, produzidos por linfócitos B)14.
Ambas precisam da participação de linfócitos T auxiliares (T helper) para a
produção de citocinas que criam o microambiente favorável a um tipo ou outro
de resposta. Os linfócitos Th0 (T CD4+ virgens) podem diferenciar-se em
diversas subpopulações dentre as quais se destacam as células Th1 (T helper
tipo 1), as células Th2 (T helper tipo 2), as células Th17 (T helper tipo 17) e as
células Treg (T regulatórias). Cada um desses tipos celulares produz diferentes
padrões de citocinas e sua diferenciação nesses diversos fenótipos depende
da presença das citocinas que predominam no microambiente de ativação,
moléculas co-estimulatórias e do tipo de antígeno a ser apresentado13. Para
que esta diferenciação ocorra, é necessário que o linfócito T helper seja ativado
através da apresentação de antígenos pelas moléculas de MHC de classe II
presente nas células apresentadoras de antígeno como os macrófagos e as
células dendríticas15.
A diferenciação de Th0 em Th1 está relacionada à ação e à
responsividade a IL-12, citocina que pode ser produzida por células dendríticas
e por macrófagos durante a resposta imune inata, na fase aguda de uma
infecção por microrganismos intracelulares. Além de estimular os linfócitos Th0
a se diferenciarem em células Th1 e a produzirem IFN-γ, a IL-12 também
estimula as células Natural Killer (NK) a produzirem esta importante citocina
inflamatória16.
Os linfócitos Th0 apresentam receptores (IL-12Rβ2), que se ligam a IL-
12 permitindo sua sinalização intracelular, a qual envolve moléculas
transdutoras e ativadoras de transcrição como a STAT1 e STAT4. Além destas,
a diferenciação em Th1 também passa pela ativação do fator de transcrição
Tbet (Figura 3). O interferon gama (IFN-γ) é a citocina predominantemente
produzida pelo fenótipo Th117. Esta citocina atua sobre macrófagos

61
estimulando a expressão da enzima óxido nítrico sintase induzida (iNOS ou
NOS2), a qual oxida o átomo de nitrogênio guanidínico terminal da L-arginina à
citrulina com a concomitante liberação de óxido nítrico (NO)18. O óxido nítrico
representa o principal mecanismo microbicida capaz de destruir
microrganismos cuja célula hospedeira seja o macrófago, como por exemplo
vários patógenos, incluindo T. cruzi19, T. musculis20, M. avium21, M. leprae22,
Toxoplasma gondii23, Candida albicans24 e L. major25.
Além do NO, as espécies reativas de oxigênio (ROS) também podem
participar como mecanismo microbicida em macrófagos induzidos por IFN-γ ou
receptores do tipo Toll. ROSs derivam da redução de oxigênio, gerando um
grupo de íons, moléculas e radicais altamente reativos e podem ser geradas
nas mitocôndrias como produtos da cadeia respiratória e podem participar da
sinalização celular e destruição de patógenos intracelulares. Deste modo, em
resumo, as células Th1 produzem predominantemente IFN-γ que ativam
classicamente os macrófagos, e estão relacionadas à resposta imune celular e
ao controle de infecções causadas por microrganismos intracelulares1; 14.
O padrão apresentado pelo fenótipo Th2 inclui as citocinas IL-4, IL-5, IL-
10 e IL-13, e está associado com a resposta às infecções extracelulares, sendo
tipicamente uma resposta imune humoral. A diferenciação neste fenótipo
ocorre por estímulo pela IL-4 em decorrência da interação com helmintos e
bactéria extracelulares26. A IL-4 pode ser produzida por mastócitos, eosinófilos
e, possivelmente, outras populações de células (como células linfoides inatas)
ou as próprias células TCD4+ estimuladas pelo antígeno que secretam
pequenas quantidades de IL-4 a partir de sua ativação inicial26. A diferenciação
em Th2 passa pela ativação dos fatores de transcrição GATA3 e STAT6. A
resposta imune humoral está associada às respostas anti-inflamatórias,
promovendo a ativação alternativa de macrófagos, além da ativação de
mastócitos e de eosinófilos, que auxiliam na defesa contra helmintos26 (Figura
3). A transformação de Th0 em Th17 é estimulada pelas citocinas IL-1, IL-6 e
IL-23 produzidas em resposta às infecções por bactérias e fungos27. Essas
citocinas ativam o fator de transcrição órfão gama relacionado a RAR (RORγt),
fazendo com que os linfócitos diferenciados em Th17 secretem as citocinas IL-
17, IL-21, IL-22. A IL-17 tem um papel protetor contra infecções a bactérias

62
extracelulares e fungos, devido a sua capacidade de recrutar neutrófilos para
as áreas de infecção27; 28; 29 (Figura 3).
A diferenciação de Th0 em linfócitos T regulatórios (Treg) ocorre a
partir da ativação do fator de transcrição FoxP3 realizada pelas citocinas IL-2,
IL-10 e TGF-β30. Esses linfócitos foram inicialmente descritos na década de
1970, como linfócitos T supressores. Posteriormente, essas células foram
redescobertas por Sakaguchi e colaboradores (1995), os quais mostraram que
havia um pequeno grupo de linfócitos T helper que co-expressavam o
marcador CD25 e exibiam atividade supressora em cobaias adultos. Desde
então, vários grupos descreveram linfócitos TCD4+CD25+ com ação regulatória
em humanos30.
As células Treg são encontradas na periferia e suas citocinas são
responsáveis por inibirem a proliferação de Linfócitos T efetores. Inibem a
secreção de IL-12 e prejudicam sua capacidade de promover a ativação de
células T e diferenciação em Th1. Sua deficiência está envolvida no
desenvolvimento de síndromes autoimunes severas30.

Figura 3 – Diferenciação de linfócitos T – Diferenciação de células TCD4+ virgens nos fenótipos


Th1, Th2, Th17 e Treg. As células TCD4+ virgens diferenciam-se nos fenótipos Th1, Th2, Th17
e Treg por ação das citocinas presentes no microambiente onde ocorre sua proliferação. A
sinalização promovida por estas citocinas leva à expressão dos fatores de transcrição
específicos para cada fenótipo (Tbet para Th1, GATA3 para Th2, RORγt para Th17 e FoxP3
para Treg) e à síntese das citocinas específicas de cada padrão fenotípico.

Fonte: Adaptado de Takanori Teshima, 201131.

63
A diferenciação das células T CD4 é mais variada do que as células T
CD8, que possuem um fenótipo citotóxico uniforme. Células T citotóxicas
contêm lisossomas especializados chamados de grânulos líticos, que
apresentam proteínas citolíticas. As células T CD8+ citotóxicas efetoras são
essenciais na defesa do hospedeiro contra os agentes patogênicos que vivem
no citosol, como os vírus, por exemplo. As células T citotóxicas podem induzir
as células-alvo a sofrer morte celular programada, exterminando seletivamente
e de forma seriada os alvos que expressam um antígeno específico. O principal
mecanismo de ação das células T citotóxicas é a liberação, dependente de
cálcio, de proteínas citotóxicas (granzinas e perforinas, por exemplo) após o
reconhecimento do antígeno na superfície de uma célula-alvo. As células T
citotóxicas também atuam liberando citocinas IFN-gama e TNF, por exemplo26.

8. EXCESSO DE EXERCÍCIO E RESPOSTA IMUNE

O estresse é fundamental em processos adaptativos, sejam eles físicos


ou psicológicos. Ele pode ser considerado um conjunto amplo de eventos,
consistindo de um estímulo estressor, uma reação processada no sistema
nervoso central, e respostas de luta ou fuga a partir da ativação de diversos
sistemas fisiológicos32. Praticamente todas as células do corpo respondem aos
fatores liberados em situações de estresse como adrenalina, noradrenalina,
cortisol e diversas citocinas32.
Existe uma hipótese clássica de que o overtraining se origina no
momento em que novas sessões vigorosas de exercícios são realizadas sem o
tempo necessário de recuperação da imunossupressão33; 34. O exercício severo
pode provocar uma leucocitose aguda transitória seguida de supressão parcial
da imunidade celular, redução no número ou função de leucócitos e outros
componentes do sistema imunológico35;36. O período em que agentes do
sistema imunológico são suprimidos após uma sessão de treinamento ou
evento competitivo é conhecido como janela aberta de oportunidade36. O
aumento do risco de infecções do trato respiratório superior pode variar dentro
de uma a nove horas37, 72 horas38 ou até mesmo duas semanas39. O estresse
fisiológico e metabólico acumulado desequilibra as diferentes respostas
imunes36, e parece originar a síndrome do excesso de treinamento33; 34.

64
Enquanto o exercício de intensidade moderada promove proteção contra
infecções causadas por microrganismos intracelulares, pois direciona a
resposta imune para um perfil predominantementedo tipo Th1, atividades
vigorosas geram concentrações crescentes de citocinas anti-inflamatórias e
induzem o predomínio do perfil Th21; 40; 41; 42. Apesar de multifatorial, os sinais e
sintomas da sídrome do overtraining podem ser decorrentes da ação
autrócrina, parácrina e/ou endócrina das citocinas, que orquestram não apenas
a imunidade específica, como também atuam na interação entre os sistemas
nervoso, endócrino e cardiovascular34. Além disso, exercícios prolongados e
extenuantes diminuem a expressão de toll-like receptors (TLRs) em
macrófagos e comprometem a apresentação de antígenos para os linfócitos T
impedindo, sobretudo, a resposta inflamatória Th11; 43.
Dados obtidos pelo nosso grupo mostraram que células de linfonodos de
camundongos submetidos à natação em dose moderada, por 12 semanas,
apresentaram elevação nas concentrações de IFN-γ e TNF, enquanto IL-4 e IL-
10 diminuiram significativamente em relação ao grupo sedentário. A razão IL-
10/IFN-γ evidenciou o predomínio do perfil Th1. Além disso, macrófagos
isolados de camundongos exercitados produziram mais IL-12 e TNF, após
estímulo com lipopolissacarídeo (LPS). A infecção desses macrófagos por
Leishmania major resultou em maior produção de IL-12 do que foi observado
com os macrófagos do grupo controle. A produção de NO também foi
aumentada em macrófagos, estimulados com LPS, oriundos do grupo
exercitado. Esses dados sugerem que exercícios moderados promovem a
predominância de uma resposta imune protetora tipo Th1 em camundongos41.
Por outro lado, a revisão clássica de Smith (2000) sugere que o trauma
gerado no sistema musculoesquelético, a partir do estresse extremo provocado
pelo exercício, produz grandes quantidades de citocinas pró-inflamatórias,
como IL-1β, IL-6 e TNF34. A retroalimentação positiva dos componentes anti-
inflamatórios torna-se iminente e o desequilíbrio no perfil Th1 e Th2 pode
refletir uma condição perturbadora da homeostase. Os estímulos crônicos
sucessivos do treinamento excessivo, sem uma recuperação adequada do
estado fisiológico estável, podem desenvolver sintomas deletérios à saúde,
como por exemplo, os distúrbios neuroendócrinos e comportamentais44; 45; 46
.
Especula-se também que os microtraumas gerados nas membranas das

65
células musculares, com extravasamento do seu conteúdo para o meio
extracelular, bem como o aumento da secreção de cortisol, favorecem o
desequilíbrio com predominância de resposta humoral anti-inflamatória,
desenvolvendo a imunossupressão celular43.
Poucos estudos, no entanto, testaram a hipótese de que os perfis Th1 e
Th2 são cronicamente alterados pelo overtraining. De fato, ensaios clínicos
randomizados e controlados podem permitir maior robustez quanto à hierarquia
de evidência científica. Entretanto, experimentos com humanos devem proteger
o seu bem-estar físico e emocional, sendo imprescindível a utilização de
modelos animais. Apesar dos diferentes protocolos de exaustão crônica, tipos
de pesquisas e populações utilizadas, uma revisão sobre o assunto42 sugere a
predominância da resposta Th2 sobre Th1.
No estudo de Ceddia e Woods (1999), foi verificado que camundongos
experimentam uma supressão na apresentação de antígenos por macrófagos
após quatro dias de treinamento exaustivo, quando comparados aos
camundongos do grupo que treinou moderadamente. Especula-se que, uma
vez comprometidos, os macrófagos podem perder a capacidade de estimular a
diferenciação de linfócitos T CD4+ virgens em Th1, provocando
47
imunossupressão celular . Estudos com maior tempo de intervenção, como o
de Ru e Peije (2009), onde oito ratos foram submetidos a nove semanas de
treinamento com distribuição progressiva de cargas, seis dias por semana,
também verificaram imunossupressão celular por predominância da resposta
Th248. A relação Th1/Th2 pelas citocinas IFN-γ/IL-4 foi desequilibrada,
destacnado-se o perfil Th248.
Gholamnezhad e colaboradores (2014) investigaram o efeito de oito
semanas de treinamento moderado e onze semanas de treinamento severo
(overtraining) na concentração plasmática de citocinas de ratos. O treinamento
moderado promoveu a imunidade celular, enquanto em outros grupos,
incluindo o controle, foi observada uma imunossupressão celular. A
imunossupressão observada nesses grupos foi associada ao direcionamento
da resposta ao perfil Th2, enquanto no grupo moderado houve um
direcionamento da resposta imune para o perfil do tipo Th149. No entanto, neste
trabalho não estão publicados os resultados dos testes de capacidade e os
animais não foram submetidos a nenhum tipo de infecção.

66
Em relação ao período de polimento ou tapering, Gholamnezhad e
colaboradores (2014) verificaram que duas semanas de redução gradual nas
cargas de treinamento não foram suficientes para reverter a imunossupressão
celular49. O tapering é caracterizado como um período de recuperação ativa
que varia entre duas e quatro semanas antes de algum evento importante.
Esse período pode provocar efeitos de supercompensação fisiológica e
melhorar o desempenho, a partir do overreaching funcional50.
Jà no estudo de Farhangimaleki e colaboradores (2009), o grupo de
ciclistas que realizou o polimento durante três semanas, após oito semanas de
treinamento, experimentou um melhor desempenho em relação ao grupo
controle, que treinou onze semanas com sobrecarga progressiva. As citocinas
IL-1 β, IL-6 e TNF no grupo controle apresentaram concentrações mais altas.
Embora os autores não tenham avaliado o perfil Th2, os achados reforçam a
necessidade do período de polimento para evitar distúrbios na homeostase
fisiológica, risco de infecções e fadiga51.
Em 2019, o 31º Congresso Brasileiro de Medicina do Exercício e do
Esporte premiou nosso trabalho sobre excesso de exercício na imunidade
celular de macrófagos de camundongos52. Observamos que o treinamento
aeróbio de muito alto volume, além de prejudicar o desempenho físico da
amostra, aumentou a suscetibilidade de infecções por protozoários em
macrófagos, paralelamente à predominância da resposta imune extracelular,
condições semelhantemente observadas no grupo fisicamente inativo52. Já o
treinamento moderado, mostrou-se protetor contra infecções celulares e
apresentou predominância deste perfil52, corroborando achados anteriores do
próprio grupo41; 53.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exercício físico vem sendo considerado um remédio milagroso, porém,


dependendo da dose, pode piorar o desempenho, gerar lesões e aumentar o
risco de morte súbita. Profissionais da saúde, praticantes dos mais variados
níveis de aptidão física e objetivos com as atividades físicas e esportivas
devem estar atentos. O monitoramento dos níveis de esgotamento físico e
mental deve receber cada vez mais atenção. Doses controladas de estímulos

67
físicos, químicos ou ambientais, com potencial lesivo em quantidades mais
elevadas, parecem induzir efeitos crônicos positivos às células, tecidos, órgãos
e sistemas fisiológicos54. Logo, o exercício físico pode ser remédio ou veneno,
dependendo da dose. O aumento da predisposição do organismo humano à
inúmeras doenças, a partir do exercício enquanto veneno, é incompatível com
os valores e postulados da saúde.

68
REFERÊNCIAS

1 TERRA, R. et al., Effect of exercise on immune system: response, adaptation


and cell signaling. Rev Bras Med Esporte, v. 18, n. 3, 2012.

2 SOUZA, A. et al., Sistema imunitário Parte III: o delicado equilíbrio do sistema


imunológico entre os polos de tolerância e autoimunidade. Revista Brasileira de
Reumatologia, v. 50, n. 6, 2010.

3 CRUVINEL, W. et al., Sistema imunitário - Parte I. Fundamentos da imunidade


inata com ênfase nos mecanismos moleculares e celulares da resposta
inflamatória. Revista Brasileira de Reumatologia, v. 50, n. 4, 2010.

4 MEDZHITOV, R.; JANEWAY, C. Innate immunity. N Engl J Med, v. 343, n. 5, p.


338-44, Aug 2000. ISSN 0028-4793. Disponível em: <
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10922424 >.

5 AKIRA, S.; UEMATSU, S.; TAKEUCHI, O. Pathogen recognition and innate


immunity. Cell, v. 124, n. 4, p. 783-801, Feb 2006. ISSN 0092-8674. Disponível
em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16497588 >.

6 CHAPLIN, D. D. Overview of the immune response. J Allergy Clin Immunol, v.


125, n. 2 Suppl 2, p. S3-23, Feb 2010. ISSN 1097-6825. Disponível em: <
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CAPÍTULO 07
ORIGEM DO OVERTRAINING: ESTRESSE OXIDATIVO

Wagner Santos Coelho

O termo “estresse oxidativo” foi cunhado em 1985 e inicialmente foi definido


como um distúrbio no balanço pró-anti-oxidante em favor da oxidação1. Mais
recentemente a definição do termo foi refinada e atualmente é entendido que o
estresse oxidativo é um desbalanço entre oxidantes e antioxidantes, a favor da
oxidação levando a disrupção do controle e sinalização redox e/ou a danos
celulares2.
A descoberta dos radicais livres em células vivas foi reportada pela primeira
vez em 19543. Contudo, apenas no final dos anos 1970 foi relatado que o
exercício muscular aumenta o dano tecidual através de processos oxidativos,
levando a um grande interesse da ciência em investigar o papel de espécies
reativas de nitrogênio (RNS) e espécies reativas de oxigênio (ROS) sobre o
metabolismo do músculo esquelético e outros tecidos metabolicamente ativos
durante o exercício físico4,5. De fato, vários estudos sugerem que níveis
elevados de RNS e ROS podem provocar danos aos tecidos musculares e
ainda indicam que oxidantes intracelulares apresentam um importante papel na
modulação da produção da força muscular, regulação de sinalização
intracelular e controle da expressão gênica6,7,8,9.
A ciência por trás dos estudos dos radicais livres remonta a segunda guerra
mundial, quando várias armas de guerra usando bombas nucleares foram
usadas provocando o envenenamento com radiação e as mutações
provocadas pela exposição à radioatividade, aumentando assim o interesse em
descrever os mecanismos por trás das doenças associadas à alta exposição à
radiação, levando a hipótese de que os danos celulares observados eram
consequência da exposição a radicais livres10. Ainda nesse período, foi descrito
que as mitocôndrias produzem uma ROS conhecida como peróxido de
hidrogênio (H2O2) durante a respiração celular11, estabelecendo que as
mitocôndrias sejam as fontes celulares de ROS que podem se difundir pelas
células.

74
Posteriormente, Harman propôs que a taxa de envelhecimento celular está
diretamente relacionada aos danos celulares ocasionados por radicais livres,
criando a hipótese de correlação entre o envelhecimento e os radicais livres12.
Apesar de essa hipótese ser muito interessante a época, a indisponibilidade de
tecnologias que permitissem medir e, portanto estabelecer as relações entre os
radicais livres e os processos de envelhecimento manteve muitos
pesquisadores céticos e relutantes em aceitar essa ideia. Por outro lado, essas
evidências estimularam e motivaram muitos cientistas a investigar os efeitos
dos radicais livres em organismos vivos e assim, em 1969 Joe McCord e Irwin
Fridovich fizeram uma importante descoberta, e demostraram que uma
proteína recém-descoberta era capaz de catalisar uma reação de dismutase de
superóxidos e deram o nome a essa enzima de superóxido dismutase
(SOD)13,14. Essa revelação é aceita como a primeira evidência convincente de
que ROS biológicos existem em solução e que podem apresentar papel
relevante na biologia celular.
Os primeiros estudos que evidenciaram as relações entre o exercício físico
e a indução do estresse oxidativo datam do final dos anos 1970. Dillard e
colaboradores demonstraram que 60 minutos de exercício de endurance a
50 % do VO2máx provoca aumento na expiração de pentano, um biomarcador
da peroxidação de lipídios, e que a suplementação com vitamina E é capaz de
reduzir a produção deste biomarcador, em repouso ou no exercício5. Logo em
seguida, Brady e colaboradores confirmaram esses achados, demonstrando
que o exercício de natação também está associado ao aumento da
peroxidação lipídica em ratos4.
Esses estudos iniciais representam um “divisor de águas” no conhecimento
dos efeitos do exercício físico sobre o estresse oxidativo e desde então vários
investigadores têm demonstrado que sessões de exercício prolongado ou de
curta duração com moderada ou alta intensidade resultam em aumento de
biomarcadores de estresse oxidativo no plasma sanguíneo e no músculo
esquelético de humanos e de outros modelos animais, associados a danos
celulares.
No início dos anos 1980, foi demonstrado que a contração do músculo
esquelético leva a produção de ROS e que a deficiência em vitamina E
potencializa esse efeito, promovendo um aumento exacerbado na produção de

75
ROS no músculo esquelético e fígado15 e esses agentes estressores induzidos
pelo exercício aumentam a suscetibilidade a danos nas membranas celulares.
Esses estudos levaram a investigações para a compreensão do papel de
sistemas biológicos de proteção contra o estresse oxidativo e logo em seguida
foi demonstrado que o treinamento de endurance promove aumento nos níveis
de enzimas antioxidantes nos músculos cardíaco e esquelético. Além disso,
ficou evidente que a vitamina E tem um papel importante na proteção das
membranas biológicas contra danos celulares induzidos pelo exercício16,
indicando assim a capacidade dos sistemas biológicos em se adaptar frente
aos estímulos provocados pelo treinamento desportivo. Essas adaptações no
aumento da expressão de enzimas antioxidantes ocorrem de forma
proporcional à intensidade e duração do exercício nos músculos esquelético e
cardíaco17. Por outro lado, sessões agudas de exercício de alta intensidade
levam a depressão na atividade de diversas enzimas antioxidantes18.
Ao longo da década de 1990, vários estudos independentes, lançaram luz
sobre as relações entre a produção de ROS mediada pelo exercício físico e a
fadiga tanto em modelos animais quanto em humanos. Reid e colegas,
demonstraram que os oxidantes produzidos pelo exercício contribuíam para a
fadiga muscular durante o exercício prolongado, através de estimulação
elétrica de membros inferiores19, permitindo aos autores postularem que o
estado redox das fibras musculares tem um importante papel na modulação da
produção da força muscular. Essa predição foi baseada em experimentos que
indicaram que a produção de força máxima nas fibras de músculo esquelético
ocorre em um estado redox ótimo, levando a proposição de um modelo de
curva “U” invertido que descreve as relações entre o estado redox e a geração
de força muscular. Durante esse período, foi descoberto ainda que a produção
de radicais livres ocorre no próprio músculo esquelético, de forma proporcional
ao percentual de produção da força máxima, liberando esses agentes no
espaço intersticial20. Ainda hoje, o sítio de produção de ROS no músculo
esquelético em contração não está completamente esclarecido e permanece
controverso. Por muitos anos as mitocôndrias são apontadas como o principal
local de produção de ROS, contudo os avanços de técnicas analíticas e
experimentais, hoje disponíveis indicam que as mitocôndrias não representam
o local dominante de produção de ROS e que a enzima NADPH oxidase é

76
apontada como agente chave na produção de ROS nos músculos esqueléticos
durante a contração muscular21. De fato, a mitocôndria produz mais ROS
durante o estado de repouso do que durante a respiração estimulada por
ADP22 sustentando a ideia de que a mitocôndria não é a fonte primária de
produção de ROS durante a contração muscular.
O exercício físico é capaz de promover um fenótipo que se relaciona a uma
maior capacidade do músculo cardíaco em resistir a lesões isquêmicas, uma
condição de cardioproteção. Os mecanismos metabólicos desse efeito incluem
o aumento da expressão da enzima superóxido dismutase 2 (SOD2) mediado
pelo exercício físico e assim esse agente antioxidante tem papel chave na
proteção que o tecido cardíaco desenvolve contra eventos isquêmicos como
fruto das adaptações positivas promovidas pelo treinamento físico23.
O óxido nítrico (NO) é outro ROS produzido pelo músculo esquelético
durante o exercício. As fibras musculares esqueléticas expressam duas
isoformas da enzima óxido nítrico sintase (NOS) e suas atividades aumentam
durante a contração muscular resultando em aumento na formação do NO,
produto de sua reação24. A localização celular das duas isoformas da enzima
está diretamente associada às funções biológicas do NO. Uma das isoformas
está mais expressa no sarcolema e a outra está associada ao complexo
distrofina e disfunções na sua expressão e atividade têm implicações em
algumas formas de distrofia muscular25.
A descoberta do NO representou uma mudança de paradigma sobre a visão
do papel biológico dos ROS. Desde a descoberta de que o exercício induz o
estresse oxidativo, os ROS foram considerados moléculas deletérias e que
causam danos aos tecidos do organismo. Contudo, o NO foi reconhecido como
uma molécula de sinalização responsável por induzir a vasodilatação, alterando
o conceito das funções biológicas dos ROS26.
Em seguida a essa descoberta, uma ampla gama de evidências demonstra
que moléculas específicas participam como intermediários na comunicação
celular, além disso, são capazes de controlar a expressão gênica e tem papel
na manutenção da homeostase celular. Em fibras musculares esqueléticas
intactas, o H2O2 não compromete a liberação de cálcio do retículo, contudo
reduz a sensibilidade miofibrilar ao cálcio deprimido a força gerada pela
formação das pontes cruzadas27,28.

77
Esses achados levaram a várias tentativas de aprimorar a performance
através do uso de suplementos antioxidantes. Apesar disso, muitos
antioxidantes comuns na dieta, como a vitamina C e E não se comprovaram
capazes de melhorar o desempenho desportivo29. Contudo, a administração de
outro agente antioxidante, a N-acetilcisteina foi capaz de promover aumento no
desempenho desportivo em humanos durante o exercício submáximo, entre
60-80 % do VO2 de pico. Apesar desses efeitos, esse agente não é capaz de
aumentar a tolerância ao exercício durante atividades de alta intensidade,
acima de 90 % do VO2 de pico30,31.
A ideia de que a produção de ROS poderia servir de estímulo para as
adaptações musculares ao exercício físico remonta a década de 1980 e ao
longo dos anos que se seguiram as descobertas iniciais, com o esforço de
muitos cientistas, essa noção inicial tem sido confirmada indicando que os ROS
são necessários para promover as respostas nos músculos esqueléticos frente
ao exercício físico. Por exemplo, a inibição da atividade da enzima xantina
oxidase in vivo em ratos durante o exercício agudo previne a ativação de vias
de sinalização envolvidas em adaptações induzidas pelo exercício em células
musculares ativas32. Adicionalmente, estudos in vitro demostraram que a
exposição de H2O2 a miotubos em cultura promove aumento na expressão de
vários genes, incluindo a indução da expressão, mediada pela contração
muscular, do gene do co-ativador 1α do receptor γ de proliferação ativado por
peroxissomo (PGC-1α), uma proteína que faz parte de uma classe de
reguladores da transcrição que levam ao aumento de genes envolvidos na
biogênese mitocondrial com aumento da capacidade do metabolismo aeróbio,
levando ao aumento da capacidade enzimática associada a β-oxidação de
ácidos graxos, ao ciclo de Krebs e a fosforilação oxidativa33,34. Essas
evidências são confirmadas com a observação de que a administração de
agentes antioxidantes, como a vitamina C, previne os efeitos do exercício sobre
o aumento da expressão de PGC-1α e consequentemente reduz a biogênese
mitocondrial promovida como resposta adaptativa ao exercício, reforçando a
ideia de que a produção de ROS induzida pelo exercício é necessária para as
adaptações observadas pelo treinamento desportivo e ainda indicando que a
suplementação com agentes antioxidantes pode deprimir as respostas
adaptativas ao exercício físico32.

78
A noção de que os ROS atuam como mediadores da sinalização celular,
participam no controle do metabolismo, seja através do controle alostérico da
atividade enzimática ou por meio da expressão gênica e que tem papel
importante nas adaptações biológicas desencadeadas pelo exercício físico
estão de acordo com o conceito de hormese. A hormese é uma resposta
adaptativa da célula frente à estimulação de estressores, como substâncias
químicas, toxinas, radiação, incluindo os ROS; que quando em baixas doses
leva a efeitos adaptativos positivos e benéficos, ao contrário do que se
esperaria para altas doses que leva a efeitos tóxicos35. Nesse contexto, a
produção de ROS mediada pelo exercício segue os princípios da hormese
onde exercícios de intensidade baixa a moderada, promovem respostas
adaptativas no músculo esquelético decorrente a produção de ROS que
servem justamente para proteger o tecido contra a oxidação e manter a
homeostase entre os efeitos oxidantes-antioxidantes durante o exercício36,37.
Uma sessão aguda de exercício leva ao aumento na expressão da enzima
SOD2 em mitocôndrias de músculo esquelético de ratos resultando em um
aumento da atividade da SOD2 durante o treinamento físico38. Assumindo que
SOD2 tem um papel central na prevenção do acúmulo de superóxidos nas
células, o aumento da expressão gênica de SOD2 no músculo esquelético
induzido pelo exercício ilustra o princípio adaptativo postulado pelo conceito de
hormese. Assim, esses ajustes biológicos ocorrem no sentido de aprimorar a
capacidade do tecido muscular em suportar a ação de oxidantes produzidos ao
longo do treinamento desportivo.
Atualmente a ciência continua perseguindo o aumento da compreensão
sobre o equilíbrio entre os danos oxidativos induzidos pelo exercício e a
sinalização dependente de ROS que promove respostas adaptativas positivas
sobre os tecidos dos músculos esquelético e cardíaco. Um novo campo de
investigação tem surgido com o avanço nos estudos em epigenética. A
epigenética é uma área das ciências biológicas que estuda as alterações no
fenótipo de uma célula, tecido ou organismo que leva a alterações na
expressão gênica provocadas como resultado de exposição a fatores externos
ou ambientais. O termo epigenética pode se referir a heranças genéticas, mas
no contexto dos ROS refere-se a mudanças autônomas; onde alterações
funcionais relevantes no genoma ocorrem sem que haja modificações na

79
sequência do DNA. Em uma analogia, é possível pensar no DNA como uma
biblioteca com um grande repertório de informações, algumas são acessadas e
outras não; e através da exposição a diferentes fatores e condições ambientais,
pequenos “postes” de sinalização são adicionados ao DNA nas regiões onde
as informações necessárias para o ajuste a certos estímulos podem ser
acessadas e assim a célula passa a ter um marcador que indica o local onde
um gene para a expressão de uma proteína importante para o funcionamento
celular se localiza. Os mecanismos de marcação do DNA envolvem a metilação
e modificação em histonas no DNA, alterando como os genes serão expressos,
sem alterar a sequência dos nucleotídeos no DNA. De fato, o estado redox
pode regular vias epigenéticas através da metilação do DNA e por mudanças
pós-traducionais de histonas, sugerindo que a produção de ROS mediada pelo
exercício pode ser um importante agente em eventos epigenéticos, embora os
mecanismos ainda não estejam completamente esclarecidos39. Dessa forma,
esse é um campo de grande interesse no futuro da ciência que investiga os
efeitos do exercício sobre o estado redox do organismo.
O esforço da ciência nos últimos 30 anos permitiu esclarecer vários
aspectos relevantes para a compreensão das relações entre o exercício a os
ROS. Entretanto, muitas questões ainda continuam sem entendimento e
representam lacunas no conhecimento desse assunto. Os locais precisos de
produção de ROS, bem como as relações desses compostos como agentes de
controle das vias de sinalização celular, inclusive envolvidas nas adaptações
musculares promovidas pelo exercício ainda necessitam de investigações para
melhor compreensão dos mecanismos envolvidos. O crescente interesse da
ciência sobre os efeitos do exercício nas respostas epigenéticas representam
um campo fértil de investigações e podem contribuir para o conhecimento e
fomentar descobertas que revelem os mecanismos de produção e ação de
ROS no controle do metabolismo do músculo esquelético, cardíaco e outros
tecidos.
Finalmente, fica claro que a produção de ROS, associada ao exercício físico
só representa uma ameaça para a homeostase celular, agindo como estresse
oxidativo e podendo provocar danos celulares, em circunstâncias onde há
excesso de exercícios e que a prática regular de atividade física de forma
adequada à saúde fisiológica tem maior probabilidade de promover respostas

80
positivas sobre a biologia dos tecidos musculares esqueléticos e cardíaco e
estão associadas a adaptações provocadas pelo exercício que promovem a
melhoria do próprio desempenho desportivo.

81
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85
CAPÍTULO 08
ORIGEM DA FADIGA AGUDA: CÉREBRO

Thiago Teixeira Guimarães


Thais Cevada

1. INTRODUÇÃO
Thiago Teixeira Guimarães

Cada vez mais a ciência do exercício e do esporte sugere que o cérebro


seja a estrutura crítica determinante para a superação de limites de
performance física. Certamente, esportistas e treinadores desconfiam há
tempos, mas talvez não consigam explicar com uma riqueza de detalhes seus
possíveis mecanismos. Alguns pesquisadores acreditam que modelos teóricos
tradicionais sobre o desenvolvimento da fadiga e exaustão menosprezam
certos processos cerebrais, bem como suas percepções subjetivas e
manifestações comportamentais1; 2.
O objetivo deste capítulo é refletir, a partir de informações provenientes
da neurociência, sobre o funcionamento de áreas específicas do encéfalo
associadas à fadiga, como os sistemas límbico, de recompensa e vagal, que
envolvem estruturas como o hipotálamo, amígdala, hipocampo, córtex frontal,
dentre outras. Essas regiões monitoram permanentemente as alterações no
metabolismo periférico e governam comportamentos cruciais à preservação
das funções orgânicas e da vida.

2. HIPOTÁLAMO E SUAS PROJEÇÕES SINÁPTICAS


Thiago Teixeira Guimarães

O hipotálamo é uma estrutura cerebral que exerce controle sobre


inúmeras funções essenciais: homeostase energética, pressão arterial, ritmos
circadianos, equilíbrio eletrolítico, temperatura corporal e sistema endócrino,
por exemplo3. Se uma dessas funções for modificada, o hipotálamo pode
induzir comportamentos particulares como fome, raiva, sede e fadiga, com o
objetivo de restabelecer o equilíbrio, em um estado estável3. O estresse

86
causado pelo esforço físico produz uma série de eventos químicos periféricos e
centrais, e o hipotálamo é crucial para o restabelecimento da homeostase e
preservação do funcionamento normal das células, tecidos, órgãos e sistemas.
Se o ser humano não tivesse uma estrutura capaz de realizar essa leitura em
detalhes, integrando e coordenando várias funções, certamente o estresse
físico severo seria mais fatal do que o número registrado de mortes súbitas por
esforço, de até 13 por 100.000 praticantes anualmente4.
O hipotálamo é capaz de projetar sinapses excitatórias e inibitórias para
outras regiões do cérebro, como o núcleo accumbens, amígdala, hipocampo,
tálamo, área ventraltegmentar, locus coerelus, núcleos da rafe, sistema límbico,
regiões motoras e demais estruturas corticais e subcorticiais3. A sinalização
orexigênica e anorexígena em condições de estresse, como os distúrbios do
sono e síndrome metabólica, por exemplo, são essenciais para a integração do
metabolismo em funções expressas como o alerta, sono, motivação e
comportamento3. Essas vias parecem conectar sistemas periféricos e centrais
permitindo que o cérebro tome decisões apropriadas para a preservação da
vida.
O peptídeo YY e os hormônios leptina, grelina e insulina são os
principais controladores dos neurônios anorexígenos e orexígenos descritos na
literatura5. O peptídeo YY, secretado no trato gastrointestinal distal, tem a
função de inibir neurônios orexígenos que expressam o neuropeptídio Y (NPY)
e o agouti-related peptide (AGRP) através de receptores Y2R. A leptina,
secretada no tecido adiposo, tanto pode inativar neurônios orexígenos que
expressam NPY/AGRP, como ativar neurônios anorexígenos que expressam
proopiomelanocortin (POMC) e cocaine- and amphetamine-related transcripts
(CART). A grelina, secretada no estômago, ativa neurônios orexígenos que
expressam NPY/AGRP através de receptor secretagogo do hormônio do
crescimento (GHS-R). A insulina, secretada no pâncreas, ativa neurônios
anorexígenos que expressam POMC/CART e inibe neurônios orexígenos que
expressam NPY/AGRP. Além disso, uma vez ativados, os neurônios
orexígenos que expressam NPY/AGRP podem inibir a expressão de
POMC/CART pelos neurônios anorexígenos via GABA, conhecido por ser o
principal neurotransmissor inibitório no SNC5; 6; 7.

87
A deficiência na atuação dos peptídeos orexígenos está associada à
narcoplesia (sono excessivo) e cataplexia (atonia muscular, queda,
incapacidade de falar e mexer)8;9;10. Durante o estado de vigília seu fluido
cerebroespinhal é máximo, e a infusão desses peptídeos gera vigília11. Animais
knockout dos peptídeos orexígenos apresentam comprometimento em
respostas de luta ou fuga12. Por outro lado, roedores que tiveram essas vias
superativadas apresentaram um comportamento exagerado em recompensa a
alimentos e drogas, como a dependência de opióides13. A partir de uma
dinâmica irregular em vias regidas pelo hipotálamo, a inabilidade de modulação
das vias de motivação e recompensa torna-se iminente, através do aumento de
sensibilidade do glutamato, conhecido como neurotransmissor excitatório no
SNC, em sinapses na área tegmentar14.
O hipotálamo pode ter inputs de informações periféricas provenientes de
vias aferentes. Entretanto, alterações no próprio cérebro, como o aumento na
concentração de adenosina, decorrente do aumento da demanda energética
imposto pelo exercício15, a partir do fracionamento da molécula de ATP, pode
ditar o ritmo de desenvolvimento de fadiga. A consequência do acúmulo de
adenosina é a inibição da excitabilidade neuronal e transmissão sináptica,
reduzindo o alerta, suprimindo a atividade espontânea e estimulando o sono15.
Essas funções são comandadas pelo hipotálamo e suas projeções sinápticas
interagem com outras estruturas, especialmente as que compõe o sistema
límbico.
Ainda que a fadiga seja uma manifestação capaz de preservar a
integridade orgânica, podendo gerar dor, sofrimento, medo ou riscos, o atleta
profissional, amador ou de recreação tende a repetir inúmeras vezes estímulos
severos. O estudo biológico do comportamento hedônico16, capaz de elucidar a
integração entre vias como a dopaminérgica, anorexígena e orexígena em
áreas como o hipotálamo e outras que compõe o sistema límbico, pode gerar
desdobramentos importantes não apenas na ciência dos esportes, como no
tratamento de doenças neurodegenerativas e diversos tipos de vício (ex.
drogas e o próprio exercício físico - vigorexia).
O que diferencia o ser humano de outros animais é a capacidade de
processar informações cognitivas complexas através do córtex cerebral17; 18; 19;
20; 21
. O córtex responde por processos como o planejamento e a integração

88
das necessidades corporais e culturais. Se por um lado o hipotálamo projeta
informações para outras estruturas no cérebro a fim de provocar
comportamentos específicos e preservar a homeostase, por outro, é possível
que o córtex pré-frontal seja capaz de exercer um controle vertical sobre o
sistema límbico de recompensas, regiões motoras e o próprio hipotálamo17; 22;
23; 24
. No contexto da obesidade, por exemplo, existe uma hipótese de que a
falha do córtex em inibir o hipotálamo seja uma de suas causas principais17. A
estrutura cerebral responsável por regular esses impulsos é o córtex pré-
frontal. Estratégias terapêuticas que estimulam a conscientização, como os
suportes conferidos em programas de reeducação comportamental, parecem
ser justificadas por esses mecanismos17. No contexto do exercício, é
especulado que o encorajamento verbal ou outras estratégias similares possam
promover a performance motora por mecanismos semelhantes. Ou seja,
embora em um dado momento crítico do exercício o hipotálamo esboce uma
sinalização para a fadiga, o córtex pré-frontal teria a capacidade de inibi-lo,
permitindo que mais energia fosse gasta para a manutenção ou aumento do
trabalho por uma valiosa fração superior de tempo, resultando em melhores
desempenhos físico/motores.
Além disso, estudos com espectroscopia no infravermelho (NIRS)
permitem discutir as alterações da hemodinâmica no córtex cerebral durante o
esforço físico25; 26; 27
. A oxigenação do córtex pré-frontal aumenta durante o
exercício de leve a moderada intensidade, mas durante esforços extenuantes
parece haver um redirecionamento do fluxo sanguíneo cerebral do córtex pré-
frontal para áreas do córtex motor26; 27; 28; 29
, de acordo com dados que
corroboram a hipótese da hipofrontalidade. Como o córtex pré-frontal mostra
uma ligação entre sentimentos e cognição3, aspectos cognitivos como
percepção visual, atenção, memória, movimentos programados e resolução de
problemas (funções executivas) podem influenciar o desenvolvimento da
fadiga. A fadiga, enquanto sensação, pode ser derivada da redistribuição do
fluxo sanguíneo no córtex frontal (pré-frontal) em direção ao córtex parietal,
comprometendo o desempenho das tarefas cognitivas. Estudos futuros
ajudarão a investigar os efeitos agudos do exercício físico no controle cognitivo,
oxigenação e conectividade cerebral.

89
3. SISTEMA LÍMBICO E DE RECOMPENSA
Thais Cevada

O sistema límbico cerebral é comumente associado às emoções, tanto


positivas quanto negativas. É composto por inúmeras estruturas corticais e
subcorticais, das quais podem ser destacadas: hipocampo, hipotálamo, insula,
amígdala, tálamo, córtex frontal e estriado17;30;31. Mais especificamente, o
circuito accumbens-estriado, que liga o núcleo accumbens ao córtex estriado,
está associado a diferentes respostas emocionais e movimentos do nosso
corpo. Áreas como o córtex pré-frontal, área ventral tegmentar, tálamo,
hipocampo, hipotálamo e núcleos da rafe são as principais vias aferentes deste
circuito32. Por outro lado, as vias eferentes desse sistema enviam informações
tanto para o córtex estriado quanto para o córtex pré-frontal. Essas
informações podem influenciar na produção de movimento e modular os
processos de atenção, nível de ativação, aprendizagem e resolução de
problemas, respectivamente. Logo, diferentes estágios do processamento de
informação que resultam no desempenho de uma tarefa motora, isto é,
percepção, decisão e ação, podem ser influenciados pela ação do sistema
límbico.
Algumas pesquisas tentam investigar a relação da ativação do sistema
límbico com o estado de fadiga. Como exemplo, um estudo com ratos teve o
objetivo de verificar possíveis mecanismos cerebrais que modulam o estado de
fadiga durante o exercício físico prolongado. Os autores mostraram que a
fadiga no rendimento físico é mediada pelo núcleo ventro-medial hipotalâmico,
independente de ajustes termorreguladores33. Um outro estudo com humanos,
teve o objetivo de associar o volume de matéria cinzenta cerebral com a
percepção de fadiga em idosos. Os autores encontraram em seus resultados
que as maiores sensações de fadiga física e mental nos idosos podem ser
associadas aos menores volumes nos gânglios basais e no sistema límbico,
indicando a necessidade de se explorar melhor a relação entre estes
mecanismos34.
Os principais neurotransmissores associados ao sistema límbico e ao
sistema de recompensa são a serotonina e a dopamina, respectivamente. A
serotonina, liberada pelos núcleos da rafe, é uma monoamina que circula por

90
inúmeras vias cerebrais e está associada a sentimentos de prazer, sono e
fome. Doenças como depressão, fobias específicas, transtornos de ansiedade
e alimentares apresentam em suas fisiopatologias alterações na concentração
serotoninérgica em áreas especificas do cérebro35. Por outro lado, a dopamina
é uma catecolamina, liberada pela área tegmentar ventral e conhecida por
executar uma função essencial no sistema de recompensa e no complexo
sistema de network neural associado à produção de movimentos. É provável
que adaptações em mecanismos dopaminérgicos possam influenciar nossa
capacidade de se movimentar e de se exercitar6. Uma desregulação desse
sistema pode estar relacionada à distúrbios neurológicos, como as doenças de
Parkinson e esquizofrenia36. Alterações dopaminérgicas afetam agudamente
também as sensações de fadiga e exaustão, e cronicamente, podem prejudicar
a execução de movimentos, o humor, o controle das emoções, a cognição, o
sono, a memória e a capacidade de aprendizagem.
Em relação à fadiga, durante a prática do exercício físico extenuante, a
liberação desses neurotransmissores varia de acordo com as condições do
exercício e as regiões cerebrais. Dessa forma, parece que a serotonina no
cérebro está associada à diminuição do débito neural e consequentemente,
resulta em um menor recrutamento muscular durante o exercício. A dopamina
cerebral, por outro lado, está associada ao aumento de execução do período
de exercício. A "Hipótese de Fadiga Central" utiliza desse conhecimento e
afirma que a relação serotonina/dopamina no cérebro pode ser um dos
indicadores de fadiga. Dessa forma, quanto maior o resultado da relação
serotonina/dopamina (5HT/DA) maior o estado de fadiga da pessoa37. De fato,
um estudo com ratos observou que, à medida que o tempo de fadiga se
aproximava, os níveis de dopamina cerebrais diminuíam e se igualavam aos
valores de início de exercício, enquanto que, os níveis de serotonina ainda
permaneciam altos38. Além disso, deve-se levar em consideração que o
exercício físico realizado de forma crônica tem a capacidade não apenas de
estimular a plasticidade cortical nas vias monoaminérgicas, mas também de
alterar as concentrações basais, a síntese de neurotransmissores e a ativação
de seus receptores pós sinápticos de membrana39. Dessa forma, talvez exista
também uma modulação da sensação de fadiga, a partir da concentração
monoaminérgica cerebral, de acordo com a "Hipótese de Fadiga Central".

91
As explicações neurofisiológicas sobre a "Hipótese de Fadiga Central"
alegam que, durante a fadiga na prática do exercício físico, a alta concentração
do nível de serotonina pode ser o originador para a interrupção/término do
exercício. Nesse caso, o aumento da serotonina estaria relacionado ao
aumento da taxa metabólica e a diminuição da eficiência mecânica40,
contribuindo para o ato de cessar da prática exercida. Por outro lado, a
dopamina exerce um importante papel para a realização do ato motor. De um
modo interessante, foi visto que indivíduos que possuem maior circulação
dopaminérgica no córtex estriado parecem ter uma capacidade aumentada
para realizar exercícios físicos41. No entanto, além da predominância para a
melhor função motora, a liberação de dopamina no cérebro apresenta também
relação direta com a motivação para se executar o exercício. Dessa forma, é
sabido que, com o aumento da motivação intrínseca, a sensação de fadiga e o
final da prática de exercícios apresentam grandes chances de serem
retardados pelo indivíduo. Isso pode ser explicado pelo fato de que a
recompensa de se executar ou finalizar a tarefa pode ser, em alguns casos,
mais importante do que o conjunto de situações nocivas enfrentadas no
momento pelo indivíduo, como por exemplo, a dor e o desconforto durante a
fadiga42.
Outros fatores neuroquímicos que podem ser liberados durante o
exercício físico são os opioides e os endocanabinóides, como as endorfinas e a
anandamida, respectivamente. Essas substâncias causam nos seres humanos
sentimentos de euforia e bem-estar, produzem efeitos ansiolíticos, de sedação
e diminuem a sensibilidade à dor43. A explicação fisiológica para tais efeitos
remete à característica inibitória dos receptores canabinóides (CB1 e CB2), que
costumam também ativar os receptores opioides, principalmente nas áreas
mesolímbica e fronto-límbica cerebrais associadas ao processamento
emocional44. A ação desses receptores pós-sinápticos de membrana pode
modular o sistema de liberação dopaminérgicano circuito de recompensa e
diminuir a concentração de dopamina em áreas corticais responsáveis pela
cognição, como o córtex pré-frontal, já que receptores de dopamina (D1 e D2)
parecem estar colocalizados com os receptores CB1 e CB2. Nesse sentido, um
estudo com humanos mostrou que os exercícios de alta intensidade e
extenuantes aumentaram a ativação do sistema opioide em grandes áreas do

92
sistema límbico cerebral, com destaque para o córtex insular. Os autores
concluem que a ativação desse sistema está relacionada com a intensidade de
trabalho executada durante o exercício e com o desenvolvimento do estado de
fadiga durante intensidades extenuantes45.
O sistema límbico e o sistema de recompensas cerebrais, representados
pelas emoções e motivações, apresentam uma gama de explicações neuro-
anatômicas e neurofisiológicas com o estado de fadiga durante o exercício.
Diferentes são as teorias com embasamento empírico ou científico que
relacionam essas variáveis. No entanto, parece que fatores interoceptivos
aumentados (sensação de dor, sudorese, hiperventilação, taquicardia) com o
exercício extenuante podem gerar sensações e afetos negativos favoráveis à
interrupção do exercício no momento de fadiga46. Esse conjunto aferente
interoceptivo (sensações negativas) aumenta a ativação de áreas cerebrais,
como o córtex pré-frontal ventro-medial e amídala, presentes no sistema
límbico. Uma alternativa para se controlar a percepção desse conjunto de
sensações negativas durante o estado de fadiga é alterar o foco de atenção
para fatores externos, através de processamentos cognitivos (via cortéx pré-
frontal) e motivação para alcançar objetivos (ativação do sistema de
recompensa). Como exemplo, praticantes que preferem utilizar músicas
durante o exercício com o intuito de distração e sensações mais prazerosas.
Dessa forma a percepção negativa dos fatores interoceptivos pode ser
minimizada e a sensação de fadiga postergada47. De acordo com essa
explicação, podemos concluir que o sistema límbico, ativado pelas vias bottom-
up (corpo-cérebro) interoceptivas, teria uma ação negativa e antecipatória do
estado de fadiga. Já o sistema de recompensa, em conjunto com áreas
corticais cognitivas, via top-down (cérebro-corpo), poderia retardar o momento
de fadiga durante o exercício físico extenuante48.

4. AMÍGDALA, HIPOCAMPO E SISTEMA VAGAL


Thiago Teixeira Guimarães

Os circuitos neurais envolvidos na regulação cardiovascular autonômica


são influenciados por questões emocionais como fadiga, esforço percebido e
ansiedade. O desenvolvimento da fadiga central está associado ao aumento do

93
esforço percebido, diminuição do controle autonômico cardiovascular e
desempenho durante o exercício49; 50; 51; 52
. A predominância vagal está
associada à diminuição da frequência cardíaca e à ativação do córtex pré-
frontal, e essas associações indicam melhor adaptação do controle autonômico
cardiovascular. O mecanismo oposto é promovido pela ativação da amígdala,
aumento do processo inflamatório, diminuição do desempenho durante o
exercício e desenvolvimento de doenças cardiovasculares e metabólicas53; 54;

55; 56; 57
.
A amígdala, estrutura relacionada com as emoções, agressão,
sexualidade, raiva, ansiedade, medo, sistema límbico e resposta de luta ou
fuga58; 59; 60; 61
, participa de funções integradoras do subconsciente e
consciente, para promover uma resposta emocional que determinará ajustes
contínuos no exercício. Além disso, está associada à aprendizagem, pois
modula o potencial de longa duração59; 62 e, consequentemente, a formação de
memórias no hipocampo61; 63; 64.
A regulação autonômica cardiovascular também pode ser influenciada
por características como ansiedade e humor pré-competitivos, que diminuem a
ativação vagal65; 66; 67. A ansiedade, do ponto de vista fisiológico, pode ser um
produto da inibição de influências vagais que aumentam a atividade simpática e
ativam o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA). Essas ativações impedem o
controle inibitório do córtex pré-frontal na amígdala, que uma vez ativada inibe
o circuito de retroalimentação, impedindo o retorno do controle inibitório tônico.
A predominância do ramo simpático sobre o parassimpático promove aumento
do custo metabólico, reduz a eficiência do controle homeostático e pode levar
ao desenvolvimento de fadiga68.
O sistema vagal é um fator neuroprotetor que ajusta os mecanismos
centrais e periféricos de acordo com as demandas metabólicas exigidas pelo
ambiente68; 69. Nos atletas, a conversão do predomínio vagal para o simpático
está associada à fadiga, sobrecarga70; 71
e estresse da competição72. Além
disso, o aumento da modulação parassimpática está associado a uma maior
capacidade de continuar a uma maior taxa de trabalho durante o exercício
máximo50.
Os circuitos neurais que regulam o controle cardiovascular central são
os mesmos em situações estressantes que envolvem exercícios ou não52. No

94
entanto, há uma diferença na ativação desses circuitos que estaria relacionada
à experiência anterior (memória) ou à intensidade do estímulo. A ativação
diferencial do sistema vagal depende da capacidade do indivíduo de perceber
características ambientais, como, segurança ou risco iminente de morte73. No
esporte, são observadas essas distinções na percepção do indivíduo quando
comparado a condição de treinamento com a de competição74. As diferentes
mudanças observadas antes das competições denotam a influência de
aspectos psicológicos nas respostas adaptativas dos circuitos neurais. Nesse
caso, quanto maior a capacidade dos circuitos neurais em se adaptarem à
demanda metabólica necessária, melhor é o desempenho.
Uma questão observada com frequência na prática é a subestimação ou
superestimação da percepção subjetiva de esforço. Por exemplo, normalmente,
pessoas com alto nível de aptidão física tendem a subestimar a percepção
subjetiva de esforço, enquanto pessoas com baixo nível de aptidão física
tendem o contrário. Assim podemos questionar: um atleta que, por senso
comum, acredita na necessidade de superar seus limites diariamente, e por
evocar memórias muito positivas da vitória, acaba por burlar suas próprias
percepções de cansaço? Por outro lado: será que uma pessoa que
experimentou um infarto agudo do miocárdio, seguido de uma experiência de
quase morte, formaria uma memória muito negativa do evento, desenvolvendo
medo durante o exercício, ainda que controlado e em baixa intensidade? A
sensação é o conhecimento, consciente ou subconsciente, dos estímulos
externos ou internos, enquanto a percepção é o conhecimento consciente e
interpretação do significado das sensações3. Quanto maior a consciência do
profissional e, sobretudo, do praticante sobre o processamento fisiológico da
percepção de fadiga, provavelmente, maiores as chances de sucesso na
distribuição e controle das cargas de exercício ao longo do tempo.

5. INTEGRAÇÃO DE ESTRUTURAS
Thiago Teixeira Guimarães

A Figura 1 mostra a integração de estruturas centrais para processar


alterações periféricas e do próprio cérebro, que resultam na manifestação da
percepção de fadiga.

95
Figura 1. Integração de diferentes estruturas no desenvolvimento da fadiga.

Fonte: O autor.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Thiago Teixeira Guimarães

Percebe-se que as emoções e sentimentos, comportamentos e aspectos


cognitivos, desprezados pelos modelos tradicionais que explicam a fadiga, não
ocorrem ao acaso. Existem densos fenômenos psicofisiológicos, essenciais
para a preservação de funções vitais em condições de estresse extremo. Os
metabólitos podem se acumular na periferia ou no próprio cérebro, mas quem
governa as sinapses de inibição ou excitação modulando o alerta, a percepção
de fadiga e a atividade locomotora, por exemplo, são áreas e sistemas
específicos, como o hipotálamo, amígdala, hipocampo, sistema límbico e vagal,
córtex frontal e parietal. A tomada de decisão parte do encéfalo e pode ser
crucial para o momento de cessar o exercício.

96
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103
CAPÍTULO 09
SINTOMAS CLÍNICOS DO EXCESSO DE EXERCÍCIOS

Thiago Teixeira Guimarães

1. INTRODUÇÃO

A deterioração da performance constitui-se como principal desfecho e é


considerado o fator consensual para a constatação da síndrome do overtraining
(SOT)1. Entretanto, é possível que um atleta acometido pelo overreaching
tenha o seu desempenho reduzido, mas após o período de duas a quatro
semanas de redução das cargas de treinamento (período de polimento ou
tapering), a supercompensação de adaptações fisiológicas pode ocorrer e o
desempenho pode melhorar. Como então saber se a queda na performance é
decorrente do overtraining ou overreaching (funcional ou não funcional)?
O diagnóstico da SOT é um desafio para os profissionais de saúde, visto
que ela pode apresentar alterações fisiológicas, bioquímicas, hormonais,
psicológicas ou de desempenho. Não se tem conhecimento de um único
marcador objetivo, preciso e confiável, de aplicação prática e simplificada para
o monitoramento das distribuições das cargas de treinamento ao longo do
tempo2.
Nos últimos tempos, o monitoramento de cargas internas e externas tem
recebido cada vez mais atenção, pelo suposto fornecimento de visão ampliada
sobre o estresse crônico provocado pelo treinamento. As cargas internas são
definidas como cargas biológicas (ex. bioquímicas e fisiológicas) impostas ao
atleta durante a temporada. Frequência cardíaca, lactato sanguíneo, consumo
de oxigênio e percepção subjetiva de esforço são comumente utilizados para
avaliá-la. Por outro lado, as cargas externas são medidas objetivas do trabalho
realizado pelo atleta ao longo do tempo e são avaliadas independentemente
das cargas internas. Medidas comuns de carga externa incluem a potência,
velocidade, aceleração e análise de movimento por sistema de posicionamento
global (GPS)3. Entretanto, as inúmeras formas de se controlar as distribuições
de cargas têm se mostrado insuficientes para prevenir o desenvolvimento de
sinais e sintomas da exaustão crônica4.

104
O monitoramento de cargas remete a algumas responsabilidades
básicas do profissional de educação física, como avaliar, planejar, intervir de
forma eficaz, reavaliar e manter-se atualizado tecnicamente. No que diz
respeito às avaliações físicas, as mais tradicionais são a anamnese,
antropometria, funcional (estática e dinâmica) e de performance (valências da
aptidão física). Quanto aos marcadores de exaustão, citam-se os de
desempenho/performance, bioquímicos, fisiológicos, morfológicos e de
sintomas clínicos.
Quanto aos marcadores de desempenho, além da limitação abordada no
primeiro parágrafo deste capítulo, destaca-se o fato de que, dependendo do
protocolo a ser utilizado e do período específico do treinamento, seu estresse
induzido pode ser indesejável (distress) e aumentar o risco de lesões. Uma
solução simples e prática, cada vez mais disseminada, é a realização do salto
vertical. O My Jump é um exemplo de aplicativo que pode ser empregado em
diferentes modalidades esportivas, pois reflete a progressão da força e
potência de grandes grupamentos musculares, certamente requeridos em
diversas modalidades. Como os marcadores de desempenho por si só não
esgotam as possibilidades de diagnóstico da SOT, prossigamos para as
possibilidades bioquímicas.
Com frequência, análises de hormônios anabólicos e catabólicos,
mioglobina, lactato desidrogenase e outras enzimas, mediadores do estresse
oxidativo e sistema imune, além de áreas mais recentes como as ômicas, são
investigados na tentativa de se de determinar “com precisão” o grau de fadiga e
exaustão decorrente do exercício. Entretanto, até o momento, não existe uma
única variável precisa e confiável para tal1;4. Um exemplo corriqueiro é a
avaliação da enzima creatinoquinase (CK) plasmática, utilizada como principal
biomarcador de diagnóstico para a rabdomiólise (processo de lesão e ruptura
das membranas de células musculares, com extravasamento de seus
componentes para a corrente sanguínea). O problema é quando seus níveis
críticos não são acompanhados de sinais ou sintomas clínicos de rabdomiólise
e vice-versa5; 6; 7.
Por esse motivo, trabalhar com múltiplos marcadores pode ser a
solução. Por que não eleger, com base na relação custo-benefício, um ou outro
marcador de desempenho, um ou outro marcador bioquímico, alguns

105
marcadores fisiológicos (como a variabilidade da frequência cardíaca, que será
abordada no capítulo seguinte) e um ou outro marcador morfológico (como a
termografia, que cada vez mais se mostra eficiente, diga-se de passagem)?
Porém, como agir se não houver a menor possibilidade de investimento
(capital)? Existem soluções ainda mais práticas, com base na teoria? A seguir
serão discutidas possibilidades relacionadas aos sintomas clínicos e
comportamentais associados à exaustão.
As alterações da SOT podem ser manifestadas através de sinais clínicos
e comportamentais, como por exemplo, perturbação do humor, transtorno de
ansiedade, instabilidade emocional, apatia ou agressividade1;8. Essas
condições são possíveis reflexos do estresse crônico na modulação molecular,
celular e tecidual, impactando diferentes sistemas fisiológicos (nervoso,
endócrino, cardiovascular, renal, digestório, respiratório, gonadal e
imunológico) e suas respectivas funções9. Nesse contexto, aspectos
psicofisiológicos recebem cada vez mais atenção por parte da comunidade
científica, sob a justificativa do conteúdo abordado no capítulo sobre a origem
da fadiga aguda e cérebro, além do argumento de que a prevenção da SOT e o
rendimento esportivo dependem da interação entre fatores físicos, técnicos,
táticos, cognitivos e comportamentais.
Apesar de aparentemente paradoxal o assunto, sintomas
psicofisiológicos associados à SOT também podem ser observados em
pessoas inativas fisicamente quando comparadas com congêneres ativos e
muito ativos10, reforçando a necessidade de se contemplar fatores muito além
das habituais variáveis do treinamento (frequência, duração, intensidade e
intervalo das sessões). Sendo assim, destacam-se os seguintes quesitos:
estresse mental e situações decorrentes ou que impactam a sua administração
(ex. ansiedade, motivação, tempo disponível para o lazer, percepção de saúde,
felicidade e qualidade de vida, fé, finanças, pensamentos ruminantes e
negativos/positivos); estado nutricional, nível de hidratação e consumo de
drogas (lícitas ou ilícitas); qualidade do sono, percepção de fadiga acumulada,
vigor e recuperação entre as seções; condições climáticas; libido; dores no
corpo, frequência de infecções, resfriados e gripes (desequilíbrio imunológico).
Repare como o profissional de educação física carece de uma interação com

106
profissionais de outras áreas quando o assunto é saúde integral e otimização
do rendimento.
Constituem protocolos que se propõem a avaliar quesitos além da forma
física: World Health Organization Quality of Life Instrument (WHOQOL) e Short-
Form Health Survey 36 (SF-36) para qualidade de vida; Questionário de
Sintomas Clínicos do Overtraining (QSCO), questionários de Burnout e bem-
estar, questionários de estresse e recuperação para atletas e treinadores
(RESTQ); questionários sobre dor aguda, dor muscular de início tardio,
percepção subjetiva de esforço (PSE) e percepção subjetiva de recuperação
(PSR); cruzamento de cargas internas e externas (Monotonia e Strain, por
exemplo); coloração da urina e imunidade. Salienta-se, mais uma vez, o
trabalho em equipe e o papel articulador do profissional de educação física
para a integração entre diferentes áreas da saúde através de uma abordagem
holística.
Na prática do profissional da saúde é crucial levar em consideração não
somente a ciência, como também a experiência na aplicação do conhecimento
e o respeito às crenças do beneficiário de suas intervenções11;12. Além disso,
há quem concorde que um toque de arte seja necessário. Já concluímos
previamente que a aplicação de um protocolo isolado (seja ele qual for), em um
dado momento aleatório, talvez não faça o menor sentido, podendo gerar
conclusões enviesadas inclusive. Consegue imaginar um atleta sendo
indevidamente diagnosticado com SOT, quando na verdade se encontra em
overreaching? Outros questionamentos são inevitáveis: quantos atletas
realizam testes e têm inúmeras medidas e informações coletadas, mas ficam
sem o principal passo do processo que é o feedback, a avaliação?
Avaliar é determinar a importância ou valor da informação coletada,
crucial para a tomada de decisões, classificação, comparação com algum
padrão13. A avaliação informa sobre o progresso, reflete a filosofia, metas e
objetivos de uma intervenção13. Ora, se o atleta e a equipe técnica recebem um
papel cheio de informação (quando recebem), mas não refletem em conjunto
sobre o processo, isso significa dizer que não houve avaliação! Então, para que
testar e medir? Consegue imaginar, na prática profissional, a quantidade
existente desses exemplos? Agora então, com o arsenal crescente de
tecnologia, quantas informações são coletadas, porém, mal contextualizadas?

107
Com base nessas e outras reflexões, foi desenvolvida uma proposta de
avaliação crônica e periodização do monitoramento de cargas, provisoriamente
intitulada Modelo do Farol14, descrita a seguir através de um caso concreto.

2. CASO CONCRETO

Em meados de 2019, atleta olímpica de remo do sexo feminino, então


com 34 anos, solicita ajuda: histórico recente de SOT, utilização de
antidepressivos, aparentemente recuperada, porém, muito insegura em relação
ao aumento de volume nos seus treinamentos.
No primeiro momento, através de uma anamnese, foram solicitadas
informações sobre possíveis restrições de saúde, nível prévio de aptidão física
e condicionamento geral, metas e data do evento-alvo. Com base nessas
informações, foi desenhado o primeiro passo do macrociclo 1 (Tabela 1) numa
planilha de Excel. O número total de semanas até o evento-alvo serviu para a
distribuição preliminar dos períodos do treinamento, sendo eles: preparatório
geral (semana 1 a 12), preparatório especial ou específico (semana 13 a 20) e
pré-competitivo (polimento ou tapering – semana 21 a 24).
Como observações, o período transitório foi previamente estabelecido
nas semanas 25 e 26, porém, por determinação da federação no meio da
temporada, o evento-alvo foi adiado para duas semanas após sua data
inicialmente prevista, sendo necessário flexibilizar parte do período preparatório
especial, pré-competitivo e transitório.
O segundo passo consistiu no estabelecimento, através de cores, da
previsão do nível de estresse induzido pelo treinamento (e por condições
externas ao treinamento, já que são impossíveis de serem isoladas). O farol/cor
verde indica a zona de conforto. O amarelo indica o limite entre o conforto e
desconforto, enquanto o vermelho, a zona de desconforto (Tabela 1). Repare
que para o período preparatório geral (até a semana 12), foi recomendado que
a atleta treinasse forte, porém, com uma certa reserva. Já no período
preparatório especial ou específico (semana 13 a 20), foi solicitado que a atleta
não poupasse suas reservas e realmente experimentasse a fadiga. Já no
período pré-competitivo (tapering), com a redução gradual da duração dos

108
treinos, a atleta deveria retornar ao farol verde, indicando sua recuperação, na
expectativa de desenvolver a supercompensação de adaptações fisiológicas.

Tabela 1. Primeiro passo do macrociclo 1: determinação do evento-alvo e divisão dos ciclos de


treinamento. Segundo passo do macrociclo 1: previsão do farol verde, amarelo e vermelho ao
longo dos diferentes períodos do treinamento.

Fonte: O autor.

O terceiro passo (Tabela 2) consistiu no estabelecimento de diferentes


protocolos de avaliação ao longo das 26 semanas de monitoramento. Foram
utilizados os protocolos de monotonia e strain15, WBS16, lesões17, QSCO18 e
PSR15; 19
. A atleta preenchia de dois a três diferentes protocolos,
semanalmente, via plataforma virtual, e o feedback, em forma de farol, ocorria
sempre às segundas-feiras (referente à semana anterior).
A pontuação avaliada no farol variava conforme a pontuação obtida nos
protocolos. Por exemplo, o QSCO apresenta uma pontuação mínima de 0 e
máxima de 87. Dividindo-se os escores em tercis, pode-se atribuir uma nota
final de 1 a 3 para o cálculo do farol. O mesmo ocorria na contagem dos
demais protocolos e uma média aritmética era realizada, levando-se em
consideração os dois ou três protocolos utilizados semanalmente: médias em
torno de 1 ponto refletiam o farol verde; médias em torno de 2 pontos refletiam
o farol amarelo, e; médias em torno de 3 pontos refletiam o farol vermelho.

Tabela 2. Terceiro passo do macrociclo 1: avaliação semanal através do farol.

Fonte: O autor.

Nota-se que até a semana 7 houve compatibilidade entre o farol previsto


e o avaliado. Porém, é interessante observar que na semana 8, após duas
avaliações consecutivas em amarelo, a atleta relatou uma infecção na
garganta, seguida de gripe na semana seguinte (nona semana). Conforme

109
discutimos nos capítulos anteriores, o estresse em excesso pode gerar
imunossupressão celular. Na semana 20, uma nova gripe acometeu a atleta,
após seis avaliações acumuladas de amarelo e vermelho.
Embora o resultado no evento-alvo tenha sido louvável (prata no double
peso leve e bronze no four skiff pesado), a atleta concluiu que ficou abaixo de
suas potencialidades, reforçando a compatibilidade entre a sua percepção de
rendimento e o monitoramento através do Modelo do Farol. A atleta não
retornou à sua zona de conforto durante o período pré-competitivo, sugerindo o
não desenvolvimento da supercompensação de adaptações fisiológicas no
polimento (tapering).

3. MACROCICLO 2

Partimos então para o macrociclo 2 (Tabela 3), onde infelizmente, não


foram aplicadas estratégias de regeneração compatíveis com o período
transitório. Desta vez, foram 14 semanas no total, periodizadas da seguinte
forma: preparatório geral (semana 1 a 4), especial/específico (semana 5 a 9) e
pré-competitivo (10 a 13). Mais uma vez, a federação atrasou em uma semana
a data do evento-alvo através de comunicado realizado um mês antes da
competição.

Tabela 3. Macrociclo 2.

Fonte: O autor.

No reinício do monitoramento, destaca-se que o último farol verde


avaliado ocorreu na semana 14 do macrociclo 1 (Tabela 2). As suspeitas de
esgotamento físico/mental aumentavam. Cabe ressaltar que a intenção do
Modelo do Farol não é apontar erros ou interferir diretamente no processo de
treinamento, muito pelo contrário. O Modelo do Farol não é o fim, mas um
meio. Trata-se de um convite ao atleta (e sua equipe) para aprimorar o grau de

110
consciência em relação a paradigmas que certamente interferem no resultado,
como por exemplo, a “síndrome no pain, no gain”. O treinamento desportivo
serve para construir, manter ou reduzir a capacidade física ao longo do tempo.
A periodização serve para distribuir as cargas de estresse ao longo da
temporada. Há tempos de estresse leve, outros de estresse moderado a alto, e
outros de estresse severo. Viver fora da zona de conforto não é compatível
com o melhor desempenho possível. Um atleta pode até vencer uma
importante competição nessas condições, mas consegue imaginar seus
resultados de médio a longo prazo vivendo dessa forma? O que é mais
importante, vencer uma batalha ou uma guerra?
Contabilizadas 15 semanas consecutivas fora de sua zona de conforto,
sendo 13 faróis amarelos e dois vermelhos, sem tempo adequado para
regenerar através do período transitório no macrociclo 1, a atleta desenvolveu
uma forte gripe e se afastou por 15 dias dos treinamentos. Na semana 6, um
desabafo (Imagem 1).

Imagem 1. Cópia da tela de aplicativo de mensagem.

Fonte: O autor.

111
O tal convite para a conscientização havia sido apurado. O que
inicialmente foi discutido genericamente passou a ser trabalhado de forma mais
organizada. Foram realizadas breves apresentações conceituais sobre
treinamento esportivo, fisiologia do estresse com ênfase no sistema nervoso e
imunológico, além de hábitos e estímulos ambientais que influenciam
diretamente a atividade celular.
Um dos pontos mais curiosos durante esse processo foi o levantamento
e análise de informações sobre o sono (Imagem 2) através do aplicativo Polar
Vantage M®. Simplesmente, nos últimos meses, a atleta não apresentava a
fase mais importante do sono, a fase REM (do inglês rapid eye movement).
Uma das rotinas mais sacrificantes de sua modalidade é justamente a
necessidade de acordar de madrugada para navegar em águas calmas e sem
vento.
Imagem 2. Análise do sono pelo aplicativo Polar Vantage M®.

Fonte: O autor.

Como desfecho para o macrocilo 2, a atleta prestes a desistir, não


somente competiu, como ficou surpresa com a terceira colocação no quarteto e
quarta colocação no individual.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Modelo do Farol para a periodização do monitoramento de cargas,


mostrou-se prático e relevante na conscientização da atleta sobre a
periodização do treinamento e fatores que podem interferir no seu rendimento.

112
Pôde-se prever, qualitativamente, o desenvolvimento ou não da
supercompensação de adaptações fisiológicas.
O organismo humano foi projetado para manifestar sinais e sintomas de
exaustão, logo, espera-se que o desenvolvimento dessa percepção, no nível do
consciente, esteja associado à superação de limites. Protocolos com
componentes subjetivos e qualitativos, normalmente negligenciados pela
fisiologia do exercício tradicional, podem fornecer informações preciosas. Na
era da tecnologia de ponta e super softwares inteligentes para o
processamento simultâneo de centenas de informações, com frequência, a
avaliação integral do ser humano atleta não é realizada. Tal qual o simples e
imprescindível Teste de Apgar, desenvolvido em 1953, continua sendo utilizado
em pleno anos 2020 para avaliar o ajuste imediato do recém-nascido à vida
extrauterina, ferramentas dessa natureza no treinamento esportivo são muito
bem-vindas.

113
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11 VAN DIJK, N.; HOOFT, L.; WIERINGA-DE WAARD, M. What are the
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13 MARINS, J.; GIANNICHI, R. Avaliação & Prescrição de Atividade Física:


Guia Prático. Rio de Janeiro: Shape, 2003.

14 GUIMARÃES, T. Monitoramento do overtraining com o Modelo do Farol:


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15 FOSTER, C. et al., A new approach to monitoring exercise training. J


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16 MCLEAN, B. D. et al., Neuromuscular, endocrine, and perceptual fatigue


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17 SILVEIRA JUNIOR, J. et al., Questionário de prontidão para o esporte com


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Esporte, v. 22, n. 5, 2016.

18 FILHO, M. G. B. et al., Adaptação e validação da versão brasileira do


questionário de overtraining. HU Revista, v. 36, n. 1, 2010.

19 BORG, G. A. Psychophysical bases of perceived exertion. Med Sci Sports


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115
CAPÍTULO 10
VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA CARDÍACA

Ercole da Cruz Rubini

1. BREVE INTRODUÇÃO

Pesquisadores já estudam a Variabilidade da Frequência Cardíaca


(VFC) há muitos anos. Uma busca rápida na base de dados MEDLINE nos irá
mostrar um primeiro artigo de Malmo e Shagass de 19481 já falando em VFC
durante uma situação de estresse em pacientes psiquiátricos. Mas, a literatura
mostra que, o interesse clínico por essa variável fisiológica parece ter surgido
em 1965 quando Hon e Lee2 analisaram a VFC fetal através de um
eletrocardiograma. Eles observaram que no sofrimento fetal ocorria
concomitantemente distúrbios nos intervalos RR cardíacos2. Portanto, foi na
área da obstetrícia que inicialmente se observou o interesse clínico. Na
cardiologia, parece que Wolf foi o primeiro a chamar a atenção para a relação
existente entre a VFC e o sistema nervoso3. Mais tarde, também foi verificada,
por outro grupo com autor de nome semelhante, a associação entre diminuição
da VFC e o aumento da mortalidade em pacientes pós-infartados4.
Não demorou muito para que a VFC fosse utilizada pelos cientistas para
descrever as oscilações entre uma sístole e outra e identificar diferentes
fenômenos relacionados ao Sistema Nervoso Autônomo (SNA) em indivíduos
saudáveis, atletas e doentes. Temos hoje mais de 20 mil artigos publicados
que de alguma forma, investigaram a VFC. A VFC reflete a influência do SNA
sobre o nodo sinusal e tem a vantagem de ser de fácil obtenção e não invasiva
e isso explica, em parte, o grande e crescente interesse por essa variável.

2. ENTENDENDO A VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA CARDÍACA

O SNA tem a capacidade de controlar parte importante de todas as


vísceras do corpo humano, entre elas, o coração. Funcionalmente o sistema
nervoso é dividido em Sistema Nervoso Somático que é consciente e voluntário
e Sistema Nervoso Visceral que é inconsciente e involuntário. O Sistema

116
Nervoso Visceral tem vias aferentes que recebem estímulos provenientes de
receptores localizados nas vísceras espalhadas pelo corpo humano. O
coração, especificamente falando, é modulado por informações oriundas
principalmente de receptores atriais e ventriculares, barorreceptores,
quimiorreceptores, sistema respiratório, sistema vasomotor, sistema
termorregulador e sistema renina-angiotensina-aldosterona. Essas fibras
aferentes conduzem os estímulos recebidos para o Sistema Nervoso Central
que interpreta, analisa e se necessário através de vias eferentes envia
estímulos em direção dos efetores para que alguma resposta seja produzida
adaptando assim, às necessidades de cada momento específico, a cada nova
sístole. Quanto mais rápido esse ajuste acontece mais protegido o indivíduo
encontra-se. A via eferente do Sistema Nervoso Visceral é chamada de SNA e
se subdivide em dois outros sistemas: Sistema Nervoso Simpático (SNS) e
Sistema Nervoso Parassimpático (SNP) que estão em constante e permanente
atividade, que chamamos de tônus simpático/parassimpático.
As fibras nervosas do SNS originam-se entre as regiões localizadas
entre T1 e L2 enquanto as fibras do SNP originam-se nos seguintes nevos
cranianos: Nervo Oculomotor (3º. par), Nervo Facial (7º. par), Nervo
Glossofaríngeo (9º. Par) e Nervo Vago (10º. par). Além disso, surgem também,
dos seguintes nervos sacrais localizados entre S2 e S3. No entanto, a maior
parte de suas fibras (75%) originam-se no Nervo Vago tendo esse nervo
imensa importância para o SNP e sobretudo, para o coração.
No coração, especificamente, terminações simpáticas atingem todo o
miocárdio e as parassimpáticas o nodo sinusal, o miocárdio atrial e o nodo
atrioventricular.
Um aumento da estimulação simpática gera uma elevação da frequência
cardíaca e um aumento da estimulação parassimpática gera uma diminuição
da frequência cardíaca. As sístoles não têm a mesma duração e é isso que
caracteriza a VFC, as oscilações constantes no comprimento do segmento R-
R. Tais oscilações são fisiológicas e esperadas pois traduzem a capacidade
que o SNA tem de produzir respostas aos milhares de estímulos internos e
ambientais que sempre estão ocorrendo. Pode-se destacar como importantes
estímulos a respiração, o exercício físico, o estresse, alterações

117
hemodinâmicas e metabólicas, sono, dieta, posição do corpo e até
compensações induzidas por doenças5.
Uma alta VFC em repouso é um indicador de excelente prognóstico de
saúde significando que os mecanismos autonômicos estão se ajustando com
muita velocidade e eficiência às alterações fisiológicas e ambientais tendo o
indivíduo, inclusive, uma baixa expectativa de mortalidade. Já uma baixa VFC
em repouso é normalmente um indicador de péssimo prognóstico de saúde
significando que os mecanismos autonômicos estão se ajustando muito
lentamente e de forma insuficiente às alterações ocorridas. Nesse caso, o
indivíduo necessita de maiores investigações para poder se entender o que
está ocorrendo e ter um bom diagnóstico6.
Desta forma, a VFC constitui um potente e independente indicador de
saúde cardiovascular e risco de mortalidade. Sabe-se que a diminuição do
tônus paras simpático e da VFC ocorre depois do infarto do miocárdio7, na
hipertensão arterial sistêmica8 e na síndrome da insuficiência cardíaca9.
Modificações autonômicas no coração, evidenciadas com uma
diminuição do tônus vagal e da VFC em repouso também ocorrem com o
aumento da idade10 e que o condicionamento físico exerce papel protetor
importantíssimo no sentido contrário, aumentando o tônus vagal e a VFC em
repouso10.

3. VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA CARDÍACA E EXERCÍCIO FÍSICO

A VFC tem um importante significado clínico e vem sendo cada vez mais
utilizada nos estudos envolvendo exercício físico11 para avaliar a função
autonômica após os mais variados tipos de exercícios12;13. Sabe-se que os
exercícios físicos podem influenciar positivamente o SNA, reduzindo a
atividade simpática e aumentando a atividade parassimpática14;15. Uma boa
recuperação da frequência cardíaca após um exercício físico é sabidamente
associada a uma maior saúde cardiovascular e menor risco de doenças
cardiovasculares16;17 e neuropatias diabéticas18. Portanto, conhecer o
comportamento da VFC é extremamente relevante para uma melhor prescrição
dos exercícios físicos considerando a saúde dos beneficiários podendo ser

118
uma excelente ferramenta profilática e/ou terapêutica visando uma melhoria da
função autonômica e cardiovascular.
Entretanto, nunca é demais lembrar que a prescrição do exercício físico
é muito semelhante a prescrição de remédios pois depende diretamente da
dose prescrita. A prescrição acima da dose “ideal” prejudicará o beneficiário
podendo levá-lo, em casos extremos, ao óbito e a prescrição abaixo da dose
“ideal” não surtirá todos os efeitos esperados. No Brasil o profissional que mais
estuda sobre o exercício físico é o Profissional de Educação Física. Esse
profissional prescreve exercícios físicos para qualquer ser humano, que podem
ser indivíduos com as mais diferentes características, que vão de nenéns a
idosos, de indivíduos aparentemente saudáveis a doentes e, inclusive, atletas
que buscam melhorar o desempenho.
Entretanto, atletas muitas vezes estão envolvidos em atividades
extremamente extenuantes e que nem sempre são muito saudáveis e, assim,
muitas vezes a dose do exercício físico a que seus beneficiários é submetido
foge muito ao que seria a dose ideal pensando exclusivamente na saúde deste
beneficiário. Nesses casos, o exercício físico que seria o “remédio” passa a ser
o “veneno” para esses indivíduos por ser excessivo.

4. VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA CARDÍACA E SÍNDROME DO


OVERTRAINING

A Síndrome de Overtraining (SO) pode ser definida como uma resposta


generalizada ao estresse em atletas, e caracterizada por fadiga persistente,
perda de desempenho, modificações fisiológicas, psicológicas e
comportamentais, neuroendócrinas, bioquímicas, hormonais, imunológicas, em
função do excesso de exercício.
Recentemente, um estudo realizado com ultramaratonistas verificou
seus efeitos na VFC e os resultados mostraram que a modulação autonômica é
significativamente alterada após uma ultramaratona de 64 Km com supressão
da atividade parassimpática por um período de até dois dias após o evento19.
Por ser uma medida não invasiva a VFC foi proposta como uma
alternativa para avaliar a função autonômica durante o exercício20. Estudos já
demonstraram uma associação entre treinamentos de sprint em nadadores

119
com um progressivo aumento da atividade do SNS e uma maior incidência de
lesões quando comparados ao treino de endurance21. Preocupados com a SO
em atletas de endurance pesquisadores compararam 9 atletas com SO com 10
sem SO e encontraram diferenças significativas entre o comprimento dos
intervalos R-R e a modulação vagal dos atletas com a SO quando comparados
com os que não tinham SO. Os atletas com SO tinham um menor comprimento
dos intervalos R-R e uma menor atividade vagal22.
A função autonômica tem um significado clínico importantíssimo no
desenvolvimento da SO e na manifestação de seus sintomas23; 24. Atletas que
treinam vigorosamente diariamente, algumas vezes apresentam uma
diminuição da atividade vagal e um aumento da atividade simpática que muitas
vezes pode caracterizar overloading ou overreaching25; 26; 27.
Finalizando, já existem muitos estudos investigando anormalidades no
controle autonômico do nodo sinusal em atletas como overreaching ou
overtraining. O fato de a investigação da VFC ser um método relativamente
simples e não invasivo torna-o interessante. No entanto, os resultados obtidos
até o momento necessitam de maior consistência para um melhor
entendimento do fenômeno. Mas, parece que associado a outros marcadores,
a VFC seja um instrumento importante para a detecção e a recuperação de
atletas com SO através da análise da função autonômica.

120
REFERÊNCIAS

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123
CAPÍTULO 11
PERIODIZAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE TREINAMENTO

Elaine Cristina da Silva Pinto

Quando se pensa em treinamento esportivo, é importante trabalhar as


cargas em consonância com o condicionamento do indivíduo e assim prepará-
lo para o seu objetivo. É fundamental entender os conceitos básicos no que diz
respeito à preparação física, e mais especificamente às questões técnicas
sobre montagem e organização de treinos, assim como o cálculo do tempo de
recuperação, que deve ser proporcional à carga imposta durante o período
estabelecido a fim de reduzir os riscos de fadiga. Para Bompa (2002)1, o
objetivo do treinamento é “preparar as funções humanas, psicológicas e
fisiológicas para poder superar as tarefas mais exigentes”.
Gomes (2009)2 define treinamento esportivo como procedimentos que
objetivam aprimorar a capacidade motora em harmonia com os sistemas
biológico, psicológico e social. Para o autor, os preceitos do treinamento devem
levar em consideração que todo o processo da preparação física implica a
manipulação e a aplicabilidade de técnicas que estimulem as capacidades
físicas e promovam o desenvolvimento da performance do atleta, conjugadas
com ações que reduzam as possibilidades de o atleta ser acometido pelo
estresse físico e mental, com sintomas tais como insônia, queda na
performance, desequilíbrio do sistema hormonal, dor de cabeça, alteração da
pressão arterial, irritabilidade, dores musculares e/ou lesões agudas e crônicas,
dentre outros que são alertas para um possível estado de Overtraining.
De acordo com Lehmann et al.,, (1992)3, o desequilíbrio crônico entre o
treinamento e a recuperação pode desenvolver a síndrome do excesso de
exercício, com diferentes sintomas físicos e psicológicos nos seus praticantes,
paralelamente ao comprometimento do desempenho, sendo importante sua
diferenciação do overtraining de curto prazo (overreaching). Nesse sentido, o
ajuste das variáveis do treinamento deve ser programado visando a obtenção
do máximo de rendimento com o mínimo de fadiga. Para isso, verifica-se a
necessidade de respeitar as etapas – treinamento, adaptação e controle –
referentes à preparação que acompanha o calendário competitivo, cujo

124
planejamento inicia com a elevação do nível de treinamento, passando pela
acomodação deste nível às exigências de cada competição, encerrando com o
acompanhamento dos resultados obtidos com o intuito de avaliar se houve um
acúmulo satisfatório dos efeitos das cargas competitivas, assim como de
preparar o atleta para o próximo ciclo, conforme descreve Gomes (2009)4,
classificando tais períodos em preparatório, competitivo e transitório,
respectivamente.
Através de um sistema estruturado de desenvolvimento gradual das
aptidões físicas, planeja-se a periodização de um treino, que é definida por
Tubino (2003)5 como “a divisão do mesmo, em etapas, para se atingir objetivos
específicos”, e que Salo e Riewald (2008)6 entendem como “um método
comprovado para obter picos de desempenho nos momentos mais importantes
do ano”. Os autores ainda listam os benefícios que consideram mais relevantes
sob a perspectiva do treinamento periodizado, que incluem: o desenvolvimento
de capacidades físicas tais como força e resistência; intervalos de descanso e
recuperação entre os ciclos, que favorecem a prevenção de lesões; prevenção
de platôs de desempenho, com o acréscimo de estímulos variados em cada
período, escalonados em uma progressão lógica através da construção de uma
base de força que irá sustentar o incremento de outras valências dentro de
uma progressão lógica e proporcional; e redução do risco de overtraining
(SALO e RIEWALD, 2008)7.
Sendo assim, a periodização nada mais é do que a divisão da
preparação física em períodos, em que serão determinadas as progressões
das inúmeras variáveis do treinamento, tais como volume, intensidade,
velocidade, frequência, densidade, etc., sempre respeitando as bases
fisiológicas do indivíduo.

1. COMPONENTES DA APTIDÃO FÍSICA

Entende-se aptidão física como a competência para executar


determinadas tarefas de maneira fluida e sem dificuldades, preferencialmente
de forma enérgica, sem excesso de fadiga e com considerável resistência ao
estresse.
O Colégio Americano de Medicina do Esporte define aptidão física como

125
um conjunto de atributos ou características que um indivíduo tem ou alcança e
que se relaciona com sua habilidade de realizar uma atividade física (ACSM,
2014)8. O conceito é tratado tanto na medicina quanto no treinamento
esportivo, sob a perspectiva de seus componentes essenciais, através de duas
abordagens: a primeira é relacionada à saúde e discute a influência de
características físicas na realização de atividades diárias, assim como a
ocorrência de lesões relacionadas a elas, e podem ser melhoradas através de
um programa que desenvolva essas funcionalidades; a segunda é relacionada
à habilidade e discorre sobre a performance no desempenho esportivo, sendo
menos sensíveis à intervenção exclusiva do treinamento pois sofrem
interferência de questões genéticas. Para Guedes (1996 apud ARAÚJO e
ARAÚJO, 2000)9, a aptidão física pode ser associada ao estado de energia e
vitalidade, ocupação ativa nas horas de lazer, realização de tarefas diárias e
enfrentamento de emergências imprevisíveis sem fadiga excessiva, prevenção
de doenças hipocinéticas, capacidade intelectual e alegria de viver.
Os cinco componentes da aptidão física relacionados à saúde são a
capacidade aeróbica, a flexibilidade, a composição corporal, a força muscular e
a resistência muscular. Já os componentes da aptidão física relacionados à
performance são: agilidade, coordenação, equilíbrio, potência e tempo de
reação.

1.1 Capacidade aeróbica

Refere-se ao potencial de um indivíduo para se exercitar em intensidade


de moderada a alta, captando, transportando e utilizando o oxigênio como
principal substrato energético, permitindo a manutenção da atividade de forma
consistente e prolongada assim como uma melhor recuperação durante e após
o exercício. Se relaciona com a saúde pois exige excelente estado funcional
dos sistemas respiratório, cardiovascular e musculoesquelético para que ocorra
naturalmente a distribuição de oxigênio em quantidade satisfatória para prover
as demandas dos tecidos. O transporte de gases é controlado pelo sistema
nervoso central, que é o principal regulador do fluxo sanguíneo e da ventilação
e responsável pela eficiência global do sistema cardiorrespiratório (HARTMAN
et al.,, 2016)10. Por isso, qualquer sinal de perturbação ou dificuldade durante o

126
exercício, além de caracterizar baixa aptidão física, também pode ser sintoma
de doenças graves como distúrbios cardiovasculares, por exemplo.
Em fisiologia do exercício, existe um método para aferir e mensurar a
capacidade cardiorrespiratória através do consumo máximo de oxigênio, que
possibilita quantificar esse gasto durante um exercício de intensidade máxima.
A potência aeróbica máxima, dada pelo símbolo VO2máx, é determinada pela
“maior taxa de consumo de oxigênio possível de ser atingido durante o
exercício máximo ou exaustivo” (WILMORE & COSTILL, 2001 apud
HARTMANN el al., 2016)11, sendo um “fator de importância na definição do
ritmo ou da intensidade do exercício que o indivíduo pode suportar”
(HARTMAN et al.,, 2016)12.

1.2 Flexibilidade

É a capacidade de locomoção e elasticidade das articulações - ou conjunto


de articulações - através de uma amplitude de movimento normal, cuja função
se refere ao componente motor da aptidão física, e expõe a relação mútua
entre músculos, tendões, ligamentos, tecidos conectivos, entre outras
estruturas (GLANER, 2003)13, combinadas à mobilidade articular.
No geral, as mulheres estão mais propensas a possuí-la em maiores níveis
e crianças e adolescentes possuem mais capacidade para adquirir e manter os
índices de flexibilidade, que tende a diminuir a partir da idade adulta. Porém, é
caracterizada de forma multifatorial. Além de associações notáveis, tais como:
nível de atividade física, tipo de atividade, gênero e idade (GLANER, 2003)14,
alguns estudos ponderam a interação da flexibilidade com medidas
antropométricas, composição corporal e fatores genéticos, culturais,
patológicos e maturacionais. Pesquisadores concluíram que, “com o avanço da
idade e da maturação sexual, as variáveis de massa corporal, estatura e IMC
sofrem um aumento crescente, principalmente, nas idades compreendidas
entre oito e 13 anos”, entretanto perceberam nesta pesquisa que a flexibilidade
não sofreu diferença significativa com o avanço da idade, ao contrário da
estatura, da flexibilidade, do IMC e da massa corporal, em indivíduos com
idade entre 8 e 17 anos (MINATTO et al, 2010)15.
Como componente relacionado à saúde, é associada à prevenção e

127
reabilitação de problemas posturais e lesões, especialmente nas regiões
lombar e dorsal.

1.3 Composição corporal

A composição corporal é o componente da aptidão física que demarca a


dimensão morfológica, e refere-se à quantidade dos principais elementos do
organismo - ossos, músculos e gordura - assim como determina a distribuição
deste último elemento no corpo. É dividida em: massa magra, que é a parte
constituída por proteínas, líquido intra e extracelular e conteúdo mineral ósseo;
e massa gorda, constituída pela gordura corporal.
Além dos elementos citados, ao examinar a composição corporal, é
possível quantificar todo o rol de compostos orgânicos – tais como água,
proteínas, glicogênio, minerais, etc. – e especificar suas massas, que variam
de acordo com idade, gênero, nível de atividade física, estatura, peso, dieta,
fatores psico-sociais, estado físico do elemento em questão, dentre outros16.
Vale ressaltar que a água é o componente mais abundante no corpo e
responsável por diversas reações químicas fundamentais para o funcionamento
de órgãos vitais e de atividades metabólicas.
Assim sendo, o estudo da composição corporal permite entender a ação
dos diferentes componentes químicos que engendram as alterações
metabólicas resultantes dessas variáveis, propiciando o reconhecimento de
possíveis riscos à saúde.

1.4 Força muscular

A força muscular pode ser definida como a tensão que um grupamento


muscular executa contra uma resistência em um dado padrão de movimento,
envolvendo fatores mecânicos e fisiológicos (BARBANTI, 1997)17. e conta com
três tipos de contração: isotônica, isométrica e isocinética.
É uma capacidade de extrema importância no que se refere à realização
de atividades diárias. A força resistente é responsável por evitar problemas
acerca da locomoção, coordenação de movimentos e desvios posturais,
especialmente em idosos (WEINECK, 1991 apud GLANER, 2003)18; a força
mecânica promove fortalecimento e manutenção da massa óssea e

128
consequentemente previne a osteoporose (BOUCHARD et al.,, 1994 apud
GLANER, 2003)19.
O processo de ganho de força provoca algumas respostas fisiológicas,
tais como hipertrofia20, adaptações neurais e alterações bioquímicas. Com um
programa de treinamento bem planejado21 é possível aprimorá-la e colher os
benefícios para a saúde global e/ou para a performance, se for o caso, como
por exemplo, redução da gordura corporal e aumento da massa magra. Dentre
as inúmeras alternativas, podem ser realizados com a mesma eficiência tanto
os exercícios com carga externa ou somente com o peso corporal.

1.5 Resistência muscular

É a capacidade de um determinado músculo de vencer uma carga por


mais tempo, tornando possível a execução de um maior número de repetições
de um exercício, com mais capacidade de resistir à fadiga. A resistência
muscular pode ser trabalhada de forma estática (com contrações isométricas) e
de forma dinâmica (com sequências repetidas de contrações concêntricas e
excêntricas) e ambas são adequadas à prescrição de treinamento cujo
propósito seja o fortalecimento ou a hipertrofia muscular em qualquer praticante
de atividade física com fins estéticos e para a promoção da qualidade de vida.
Em atletas de alto rendimento, o treino de resistência muscular também
é indicado para incremento da performance, visto que o estresse metabólico
provocado pelo esforço submáximo contribui para um aumento significativo da
quantidade das mitocôndrias na célula muscular, trazendo ao músculo uma
maior capacidade oxidativa e, consequentemente, maior potencial
aeróbiomuscular.

1.6 Agilidade

Qualidade física que permite deslocar o corpo no menor tempo possível


sem abrir mão da coordenação e do equilíbrio, possibilitando a realização de
uma série de movimentos diferentes, assim como trocas rápidas de direção,
habilidades fundamentais tanto na prática de esportes quanto na realização
das atividades diárias. Sob o ponto de vista da qualidade de vida, o
desenvolvimento de um bom equilíbrio dinâmico reduz potencialmente o risco

129
de acidentes, exercendo influência positiva no processo de envelhecimento do
indivíduo. Notadamente, a prática regular de atividade física apresenta
excelente meio para desenvolver esta capacidade física.
A agilidade pode ser examinada de forma global, compreendendo a
agilidade geral, ou seja, do corpo como um todo, ou de forma isolada,
abarcando os segmentos corporais separadamente. A primeira proporciona
maior eficiência na locomoção e na movimentação geral do corpo, enquanto a
segunda oferece maior qualidade na execução das tarefas específicas de cada
segmento.

1.7 Coordenação motora

Capacidade que permite ao corpo utilizar os músculos com eficiência


para realizar tarefas de forma coordenada, nas quais os sistemas orgânicos
irão interagir entre si através de ações e reações, produzindo um movimento –
ou uma sequência de movimentos – de forma equilibrada e articulada, podendo
ser avaliada pela velocidade de resposta a determinados estímulos que o
indivíduo recebe, pela habilidade de controlar os movimentos simples e
complexos produzidos pelo corpo e pela energia empregada. Definida pelo
ACSM como a “habilidade de utilizar os sentidos, como a visão e audição, em
conjunto com as partes corporais na realização de tarefas de modo harmônico
e preciso” (ACSM, 2014)22, a coordenação tende a progredir ao longo da vida e
seu desenvolvimento tem relação com aspectos físicos, ambientais, culturais,
familiares, dentre outros, podendo ser classificada como coordenação motora
grossa e coordenação motora fina.
A coordenação motora grossa trata de movimentos primários – como
saltar, pular e correr – que envolvem grupos musculares maiores e se relaciona
com a prática de exercícios e atividades esportivas. A coordenação motora fina
está ligada à realização de movimentos precisos e delicados – tais como
desenhar e costurar – que envolvem pequenos grupamentos musculares.

1.8 Equilíbrio

Competência que permite sustentar a massa corporal em posições


diversas através do desempenho muscular durante a ação de forças externas.

130
Se refere à captação de informações externas e às respectivas e contínuas
respostas provenientes dos sistemas nervoso e musculoesquelético, que
permanecem em constante adaptação, garantindo o desenvolvimento da
propriocepção e a organização dos movimentos com sincronicidade e
coordenação. Pode ser classificado em dois tipos: estático e dinâmico.

1.9 Potência

Constantemente requisitada na prática de esportes, a potência


determina a quantidade de energia que pode ser gerada durante uma atividade
por unidade de tempo. De acordo com a ACSM (2014)23, é “a habilidade com
que uma pessoa pode realizar trabalho”, em que a taxa de realização desse
trabalho se identifica através do produto da força pela velocidade.
Dal Pupo et al.,, (2010)24 identificaram que a potência muscular,
associada a outras competências, tais como a capacidade de recrutamento de
unidades motoras e a aplicação da energia elástica ao movimento, é
determinante no desempenho esportivo; e ainda, que existem variáveis
fisiológicas de redução dos mecanismos de fatiga, tais como o tamponamento
ácido-base, que são um diferencial na produção de potência do atleta, visto
que possibilitam a manutenção da atividade muscular com mínimo prejuízo dos
mecanismos contráteis.

2. PRINCÍPIOS DO TREINAMENTO E DA PREPARAÇÃO ESPORTIVA NA


PERIODIZAÇÃO

Seja para atletas de alto rendimento ou para praticantes amadores de


qualquer modalidade, uma periodização adequada e atenta aos Princípios do
Treinamento Esportivo, terá grandes chances de ser bem sucedida para,
assim, alcançar os ganhos desejados.
Para ser elaborado, um programa de atividades necessita de regras que
atendam a critérios e demandas específicas, tais como: biótipo do atleta,
modalidade esportiva, nível de condicionamento e capacidade física, entre
outras variáveis. Fatores como a continuidade do treinamento, a progressão de
cargas e variação de volume e intensidade dos exercícios vão oferecer
estímulos diversos e, consequentemente, alterar significativamente, tanto de

131
forma funcional quanto estrutural, os sistemas orgânicos do indivíduo
submetido ao treinamento esportivo.
Segundo Tubino (1984)25, são cinco os Princípios do Treinamento
Esportivo:
• O Princípio da Individualidade Biológica estabelece que cada pessoa é
um ser individualizado, logo não existem pessoas iguais. Nesse sentido, o
estímulo aplicado terá um efeito diferente em cada corpo. Portanto, para um
treinador, é importante aproveitar as respostas individuais do atleta para
incrementar sua performance através da prescrição mais adequada para
atender suas características.
• O Princípio da Adaptação trata das mudanças biológicas, funcionais e
estruturais que acontecem em decorrência do treinamento. O desequilíbrio
provocado pelo estresse fisiológico faz com que o corpo automaticamente
procure reorganizar suas funções metabólicas em busca da homeostase.
Como resposta a este estímulo, cria-se uma condição favorável para o
progresso do condicionamento físico e do rendimento do atleta.
• O Princípio da Sobrecarga pressupõe a variação de carga como
determinante para a evolução do treinamento. Como visto anteriormente, após
a aplicação de um estímulo, o corpo reage no sentido de recuperar a
homeostase. Ao encontrar esse ponto de “conforto”, a sobrecarga aplicada
anteriormente pode não mais exercer o efeito desejado no treinamento e com
isso o atleta pode ser prejudicado na progressão dos níveis de performance.
• O Princípio da Continuidade institui a necessidade na constância do
treinamento por um determinado período ideal para cada preparação, para que
as capacidades físicas sejam desenvolvidas de forma satisfatória. Este interage
bastante com o Princípio da Adaptação, visto que, como não há adaptação
sem treinamento contínuo. Logo, para alcançar os resultados desejados, o
treinador deve trabalhar a periodização do atleta conjugando os estresses
metabólicos provocados pelo treinamento e pela sobrecarga com um período
proporcional de recuperação.
• O Princípio da Interdependência Volume-Intensidade esclarece a
relação inversamente proporcional entre volume e intensidade, prevendo que o
aumento em uma dessas variáveis provocará a diminuição da outra, e vice-
versa.

132
Atualmente, alguns autores reconhecem ainda, a influência de mais
quatro princípios:
• O Princípio da Especificidade norteia as questões acerca das
características particulares de cada esporte, considerando que o resultado será
mais facilmente alcançado com exercícios que tenham alguma similaridade e
promovam melhora na performance do atleta. Vale ressaltar que tal
similaridade não está atrelada à reprodução do gesto desportivo em si, mas
sim em atingir um ponto de rendimento ótimo através de um trabalho conjunto
das qualidades físicas necessárias com o sistema energético predominante e
as coordenações psicomotoras, assim como o segmento corporal envolvido na
atividade.
• O Princípio da Reversibilidade está intimamente ligado aos princípios
da continuidade e da adaptação, pois revela que a interrupção ou redução
drástica do nível de treino leva a uma perda significativa dos ganhos adquiridos
na performance. Ao deixar de receber os estímulos do treino, o organismo
entende como obsoletos aqueles ajustes funcionais conquistados e passa a
eliminá-los gradativamente.
• O Princípio da Variabilidade questiona a eficiência de um treino a partir
de um determinado tempo de execução, por duas razões. Primeiro porque após
algumas sessões da mesma série de exercícios, aquele treino já não faz mais
o mesmo efeito sobre o corpo do atleta, respeitando o Princípio da Adaptação.
Segundo porque o Princípio da Variabilidade se fundamenta na ideia de
treinamento físico integrado, em que se procura trabalhar o corpo do indivíduo
em sua totalidade, o mais completo possível, o que só é conseguido com
variedade de estímulos atingindo todos os sistemas energéticos e
desenvolvendo diversas capacidades físicas.
• O Princípio da Saúde está ligado à importância da atividade física para
a saúde do indivíduo e é fundamentado na interdisciplinaridade, sendo visto
como princípio norteador, já que a manutenção da saúde deve ser primordial
dentre os objetivos relacionados à prática de exercícios.
Tubino (1984)26 salienta que os princípios se “inter-relacionam em todas
as suas aplicações”, o que Gomes da Costa (1996)27 chamou de Princípio da
Inter-relação dos Princípios, que expressa o caráter integrado da orientação
destes princípios dentro do treinamento e de sua aplicação prática no dia-a-dia

133
do atleta no sentidodeatingir os pontos de performance desejados dentro do
período programado, com a maior eficiência28possível. Ao tratar das Leis e
Regras da preparação desportiva, Matveev (1991, ApudGomes, 2009)29
esclarece que esses são os princípcios norteadores da educação física, pois o
desenvolvimento motor está associado à alternância de cargas, intervalos de
descanso, construção cíclica de sessões e orientação adaptável a diferentes
obejtivos. Durante todo o ciclo, o corpo do atleta vai receber a variação de
estímulos e o organismo vai trabalhar no sentido compensatório a fim de
retornar à homeostase e, assim, responder às demandas fisiológicas. Cabe ao
treinador regular todas as variáveis do treinamento para que essa
compensação não chegue a um nível excessivo a ponto de provocar sintomas
de supertreinamento.

3. MODELOS CLÁSSICOS DE PERIODIZAÇÃO

O desenvolvimento do treinamento esportivo ofereceu suporte para o


surgimento de diferentes alternativas no que se refere aos procedimentos e
formas de planejar um período de treino. O viés científico, aliado à
necessidade crescente de se estabelecer múltiplos “picos” por temporada
trouxeram a necessidade de pesquisar metodologias diversas que
atendessem às demandas particulares de planejamento. Sendo assim, os
modelos de periodização começaram a ser criados no sentido não somente
de atender, mas também de potencializar os resultados dentro dessa
perspectiva de variabilidade de demandas.
Além do modelo clássico proposto por Matveev, a literatura sustenta
diversas tendências de modelos de periodização que podem ser aplicados
conforme a demanda de trabalho e o objetivo esportivo.

3.1 Modelo clássico

Apresentado por Matveev, e publicado em 1965, o modelo de


planejamento anual de treinamento esportivo é uma das principais
referências naspesquisas acerca do treinamento e da periodização. Ele
recomenda que a periodização comece a ser trabalhada na infância para
que no decorrer dos anos, com o desenvolvimento motor e cognitivo do

134
indivíduo, aqueles que apresentarem alguma aptidão esportiva, recebam um
treinamento maisespecializado.
Amparado pela Síndrome Geral da Adaptação30, o planejamento
esportivo de alto rendimento começa então a tomar forma, sendo descrito
pela variação ondulatória das cargas e é dividido em três fases:
• Preparação
Neste período devem ser implementadas as estratégias para que o
indivíduo atinja a sua melhor forma física. Matveev sugere que essa fase seja
dividida em duas etapas: a preparação geral, quando o haverá predominância
do volume sobre a intensidade e o foco será no componente geral do
treinamento, sendo trabalhadas as valências físicas requisitadas para as
necessidades do indivíduo, tais como força, resistência, potencia, agilidade,
flexibilidade, etc; e a preparação específica, quando a intensidade predomina
em relação ao volume, as habilidades técnicas são enfatizadas e o treinador
trabalha as características físicas específicas para atender à pratica do
esporte, combinadas com estratégias e táticas que o favoreça, quando for o
caso.
• Competição
É nesse período que o atleta atinge o pico de performance. O corpo do
indivíduo já se encontra pronto para o esporte, com nível máximo de
desempenho. Aqui a relação volume x intensidade tende a estabilizar, porém
em períodos competitivos de longa duração, podem sofrer pequenas
oscilações ondulatórias para evitar a perda de treinabilidade, dando pequenos
estímulos para que o corpo continue reagindo positivamente à progressão de
cargas, sempre com cuidado para não sobrecarregar o organismo do atleta.
• Transição
Período de restauração do organismo entre macrociclos, no qual deve
ser proporcionada uma recuperação tanto física quanto psicológica. Prioriza-
se o descanso ativo como forma de evitar que o efeito acumulativo se traduza
em supertreinamento, ao mesmo tempo em que oferece manutenção ao nível
de treino a fim de reiniciar novo ciclo com mais preparo que o ciclo anterior. É
um excelente momento para tratar lesões e avaliar os resultados da
temporada anterior, assim como realizar trabalhos com intuito de melhorar a
mobilidade e a flexibilidade do atleta.

135
3.2 Modelo modular

Neste modelo o foco são as habilidades específicas do indivíduo, com


prioridade para exercícios e técnicas voltadas para o melhor desempenho no
esporte ou na atividade desejada. Elaborado por A. Vorobjev, o modelo
modular leva em consideração que os calendários competitivos no geral não
oferecem tempo hábil para o prepare inicial com treinos gerais.

3.3 Modelo pendular

Proposto por Arosjev em 1971, o modelo pendular é fundamentado na


alternância de cargas gerais e específicas, tendo em vista o quadro
competitivo, de modo que as cargas gerais decresçam ao longo do período até
darem lugar exclusivamente às cargas específicas. A ideia é aproveitar a
variação dos efeitos do treino no organismo, fazendo com que o atleta aumente
as cargas específicas no período do ciclo em que estiver mais próximo das
competições, trabalhando apenas com as cargas gerais fora desse período.
Nesse caso, o atleta deve atingir o pico desportivo antes das
competições para ir realizando manutenções desse condicionamento até o final
do ciclo, aproveitando, assim, o acúmulo dos efeitos das cargas gerais para as
específicas. Conjectura-se, então, que tal estrutura pode se traduzir tanto em
um restabelecimento da capacidade de trabalho a curto prazo, assim como o
aumento da treinabilidade a longo prazo. Para De La Rosa31 (2001, apud Lima
Paulo, 2015)32, quanto menores os pêndulos, maiores as chances de sucesso
em competições, porém, se os pêndulos são maiores, maior a possibilidade de
sustentar a performance de médio a longo prazo.

3.4 Modelo de treinamento em blocos

Ideal para trabalhar em esportes em que a força é a principal valência


física utilizada, o modelo criado por Yuri Verkhoshanski atua com cargas
concentradas, volume elevado e esquema de supercompensação. Permite a
realização de mais de um ciclo por temporada, sendo dividido em três blocos33:
• Bloco A
Bloco em que acontece a preparação física específica para a

136
competição. Aqui os mecanismos do processo de adaptação – tais como
controle de volume e intensidade – são ativados, com destaque para a
especialização morfológica e funcional do organismo e para adaptação ao
treinamento.
• Bloco B
Enfoque na preparação técnico-tático, com aumento gradual – porém
significativo – da intensidade de carga da atividade competitiva, redução do
volume, combinada com a assimilação da capacidade de utilizar o potencial
locomotor para a execução dos exercícios específicos.
• Bloco C
Conclusão do ciclo, auge das adaptações orgânicas, com pico de
performance. Momento em que o indivíduo deve estar preparado levar o
organismo à sua máxima capacidade.

3.5 Modelo de sinos estruturais

Este modelo foi criado por Forteza De La Rosa como uma adaptação ao
conceito pendular de Arojsev, e que propunha dar mais ênfase às cargas
específicas. Seguindo o princípio de redução das cargas gerais e aumento das
cargas específicas ao longo do processo, em cada mesociclo. De La Rosa
defende, entretanto que as cargas específicas estejam desde o início em um
nível maior do que as cargas gerais.
De La Rosa (2004)34 restaura o fundamento da diferenciação de cargas
proposto por Matveev, porém sugere a substituição dos termos “geral” e
“específico”, respectivamente, pelos conceitos de Direções Condicionantes do
Rendimento (DCR) e Direções Determinantes do Condicionamento (DDR), de
modo que as cargas da DDR serão maiores que as da DCR, seguindo o
princípio de estruturação em sinos do modelo. “O mais importante é identificar
os objetivos e as ações que são condicionantes e determinantes para a
melhora do rendimento” (apud De La Rosa, 1999, 2001b). Vários sinos podem
ser estruturados ao longo de um ano de treinamento ou em um macrociclo
(BOSSI, 2010)35.

137
3.6 Modelo de estado de rendimento prolongado

O professor romeno Tudor Bompa desenvolveu um modelo bastante


inspirado em Matveev, incluindo a divisão em fases, assim como a subdivisão
da fase de preparação em geral e específica. Entretanto, Bompa entende que o
macrociclo deve ser instaurado em um tempo mais reduzido, rechaçando a
ideia de periodização anual de Matveev, crítica que fica mais evidente na
importância que ele atribui à recuperação no treinamento. Desta forma, o
macrociclo de Bompa corresponde ao mesociclo de Matveev, o que significa
uma quantidade maior de períodos recuperativos para o atleta. Sobre este
aspecto, ele criou o conceito de macrociclo de polimento, que se refere a um
período de recuperação pré-competição de cerca de dois microciclos que visa
reduzir os riscos de fadiga e promover o deload e estimulando a
supercompensação.
Para além da análise com foco nas consequências do treinamento para
a restauração do organismo, esta crítica ao modelo remonta à ineficiência da
proposta de Matveev dentro de um cenário em que o calendário esportivo
contempla diversas competições durante todo o ano, tendo em vista a
necessidade de estimular diversos picos de performance em uma temporada.
Ademais, a outra ressalva de Bompa ao modelo clássico sugere que
este é útil apenas para esportes de potência e velocidade, dando a entender
que não é aplicável em esportes de resistência. Por este motivo, ele propõe
que em esportes com estas características sejam aplicados volume e
intensidade altos durante todo o macrociclo.

3.7 Modelo estrutural de treinamento de altos rendimentos

Com uma proposta de distribuição de cargas pela temporada, Peter


Tschiene, com seu modelo estrutural, defende a manutenção de níveis altos de
intensidade no decorrer de todo o ciclo, servindo-se essencialmente de treinos
técnicos e cargas específicas, atendendo modalidades que requeiram grande
componente de força explosiva. A ideia é que o descanso recuperativo seja
introduzido com pequenas intervenções, que Tschiene chamou de “intervalos
profiláticos” no período pré-competitivo para a restauração fisiológica do atleta
antes do início do novo ciclo. Com dinâmica ondulatória de alterações

138
continuadas, porém pouco intensas, o objetivo é conservar as capacidades de
performance elevadas ao longo da temporada.

3.8 Modelo integrador

O modelo criado por Bondarchuck adota o processo de construção da


forma esportiva a partir de três fases: desenvolvimento, manutenção e
descanso, de modo que as duas primeiras se intercalam com a última
conforme a necessidade de cada atleta, que por sua vez irá determinar a
quantidade de competições que poderão ser aproveitadas durante a
temporada. Partindo dessa premissa, Bondarchuck propôs uma série de
variantes de macrociclo para serem empregadas de acordo com a resposta do
indivíduo ao tempo de treinamento, levando em consideração o calendário
esportivo. Sobre estas variantes, Gomes (2009)36 entende que “fica evidente
que os vários modelos apresentados por Bondarchuk devem ser selecionados
levando em consideração a resposta da adaptação apresentada pelo
organismo do atleta nos primeiros anos”.
Sob essa perspectiva individualizada proposta pelo modelo, as cargas –
tanto as gerais quanto as específicas – são aplicadas paralelamente enquanto
o macrociclo estiver vigente, porém as cargas específicas serão decisivas na
adequação das respostas orgânicas.

3.9 Modelo de cargas seletivas

Diante da dificuldade de se organizar uma periodização para esportes


coletivos, principalmente para o futebol, Antonio Carlos Gomes sugeriu um
modelo que procurasse atender os atletas durante todo o calendário
competitivo, que devido à quantidade de jogos dificulta a distribuição de
cargas no microciclo (GOMES, 2009)37. A proposta seria trabalhar com
volume constante ou com pouca variação, destacando as capacidades
motoras relativas à performance, alternadamente:
Como os desportos coletivos, de forma geral, não exigem o
desenvolvimento das capacidades máximas e, sim, submáximas,
nos últimos anos, elaboramos um modelo de organização de
cargas na temporada que permanece durante todo o ciclo com o
volume inalterado, procurando uma forma de qualificação durante
toda a temporada e alternando as capacidades de treinamento a
cada mês durante o ciclo competitivo.

139
Nesse sistema de cargas seletivas, a exemplo do anterior
sistema de cargas em bloco, o alvo do aperfeiçoamento no treino
está nas capacidades de velocidade.
(…) No futebol moderno, o técnico tem dificuldades de prescrever
o conteúdo do treinamento, pois o calendário apresenta uma
grande quantidade de jogos em âmbito regional, nacional e
internacional que devem ser disputados com alto rendimento
devido aos sistemas utilizados na classificação.

Gomes (2009)38 defende que existem cinco capacidades de treinamento


a serem desenvolvidas prioritariamente dentro do macrociclo em esportes
coletivos: resistência especial, flexibilidade, força, velocidade e técnico-tática. O
estudo de Thiengo et al.,, (2013)39 avaliou a aplicabilidade do modelo de
Gomes durante um mesociclo de treinamento em jogadores de futsal, composto
por sete microciclos. Nesta programação, foram realizadas 23 sessões de
treinamento intercaladas por sessões de avaliação, jogos oficiais e controle
(que incluíram avaliações médicas e terapêuticas.
Foram avaliados os resultados do treinamento nas seguintes
capacidades motoras: aeróbia intermitente (resistência especial), força rápida e
força explosiva (avaliando o componente de força), velocidade e agilidade
(avaliando o componente de velocidade) e potência anaerobia (avaliando os
componentes força e velocidade). O estudo verificou que houve melhora
significativa em todos os componentes avaliados e que, portanto, o modelo de
cargas seletivas é adequado para o tipo de preparação proposta, porém sugere
outros estudos para verificar os resultados a longo prazo, durante todo o
macrociclo.

3.10 Modelo ATR

O modelo de Issurin & Kaverin propõe um conceito alternativo para


classificação dos mesociclos, dividindo-os dentro dos macrociclos em três tipos
sequenciais: Acumulação, cujo objetivo é aumentar o potencial técnico e motor
e construir a base para a preparação especial concomitantemente à aquisição
de capacidades técnicas e motoras; Transformação, que visa transformar as
capacidades básicas acumuladas na preparação específica conforme as
necessidades técnicas e táticas, assim como incrementar a resistência à fadiga
e promover a estabilização dos movimentos motores técnicos; e Realização,
quando se pretende atingir o melhor desempenho técnico e motor, com

140
proveito das capacidades motoras e técnicas somente sob o ponto de vista
específico competitiva, promovendo a máxima performance para a competição
(TAVARES JUNIOR, 2014)40. Pode ser planejado em macrociclos curtos, de
seis semanas, em esportes cujos calendários apresentam muitas provas. “Esse
sistema prevê de 4 a 9 macrociclos por temporada, de acordo com as
necessidades e especificidades de cada modalidade” (TAVARES JUNIOR,
2014)41.
A ideia geral do modelo se fundamenta na concentração de cargas
sobre capacidades específicas ou objetivos concretos de treinamento e no
desenvolvimento consecutivo de determinadas capacidades e objetivos em
blocos de treinamento especializados ou mesociclos, apresentando as
seguintes características:
• O treinamento deve iniciar-se desenvolvendo aquelas capacidades que
gerem o maior efeito residual. A fase posterior deve orientar-se no
desenvolvimento de capacidades com efeitos residuais médios tais como força
resistente e capacidade anaeróbia. O mesociclo final deve incluir as cargas de
menor efeito residual, anaeróbias aláticas, competição, etc.
• A concentração de uma determinada orientação específica de carga de
treinamento em atletas de elite é assegurada com 40 % do trabalho total. Os
60% restantes da carga do mesociclo se distribuem em cargas de diferentes
orientações, prevalecendo aquelas cujo trabalho foi realizado anteriormente.
• A distribuição racional de macrociclos no plano anual depende do
número e duração de cada um, da fase específica dentro da temporada, do
nível e do rendimento do atleta e a especificidade do esporte.
• No final de um mesociclo de desempenho, o atleta será capaz de
alcançar altos recordes, razão pela qual as competições devem ser incluídas
neste momento.

4. PRINCÍPIO F.I.T.T. (FREQUÊNCIA, INTENSIDADE, DURAÇÃO E TIPO)

O princípio F.I.T.T. é comumente utilizado como referência em


prescrição de treinamento para torná-lo próprio para o atleta ou o cliente. Isto
quer dizer que considerando estes quatro parâmetros, que definem o acrônimo
– Frequência, Intensidade, Tipo e Tempo – é possível programar um

141
treinamento individualizado que atenda as características e demandas de cada
indivíduo.

4.1 Frequência

Indica a quantidade de dias estabelecidos dentro de um determinado


período, no qual o indivíduo deverá realizar o treino proposto, com a aplicação
das respectivas cargas e conforme todas as orientações recebidas pelo
treinador. Não respeitar a frequência pode ocasionar prejuízos de diversas
magnitudes.
Realizar os exercícios com menos frequência pode comprometer o
acúmulo de cargas planejado para o mesociclo, afetando consequentemente a
treinabilidade do atleta; no caso do praticante recreativo, possivelmente irá
retardar o alcance do objetivo desejado; e ambos os casos podem se traduzir
em danos psicológicos que irão afetar ainda mais o resultado final do
treinamento.

4.2 Intensidade

A intensidade é o parâmetro que está relacionado ao nível de estresse


aplicado durante o trabalho, cuja medida irá variar de acordo com o tipo de
treino que está programado. Quando o objetivo da sessão é a resistência
cardiovascular, a intensidade será mensurada pela frequência cardíaca
(medida com aparelhos ou manualmente) ou por esforço percebido. Em
treinamento de força, a intensidade pode ser monitorada por diversas variáveis
– de forma combinada ou não – tais como: sobrecarga, número de repetições,
número de séries, quantidade de exercícios para um mesmo grupamento
muscular. A melhor estratégia para o treinamento esportivo seria equilibrar
diversas intensidades durante o mesociclo, pois além de ser uma excelente
ferramenta para desenvolver todos os sistemas energéticos, também atua no
sentido de reduzir os riscos de supertreinamento. No caso do treinamento
recreativo, o mais importante é adaptar a intensidade ao nível de treinamento e
aos objetivos do indivíduo, visto que exercícios de alta intensidade pressupõem
maior risco de lesões e os de baixa intensidade podem impactar a aderência ao
treinamento.

142
4.3 Tipo

A escolha dos exercícios tem um papel fundamental na periodização,


pois além de ser uma excelente ferramenta para manipular o controle de
cargas – considerando que cada tipo de exercício envolve uma demanda
energética específica – também é uma forma de dinamizar o treinamento. No
caso, o tipo é a variável que se relaciona com a escolha do exercício que será
programado.

4.4 Tempo

O tempo é um fator importante para o treinamento e está diretamente


relacionado à intensidade, enquanto análise da quantidade de trabalho e da
melhora da aptidão física. A duração diz respeito à quantidade de tempo gasto
para a conclusão de um exercício ou uma série, incluindo a execução do
exercício e os tempos de intervalo.
A literatura atual percebe com clareza a influência significativa dos
intervalos no resultado do treinamento. Entretanto, ainda não há estudos
relevantes que quantifiquem e estabeleçam uma proporção ideal para a relação
volume x intervalo em um padrão determinado. Por isso, sob o ponto de vista
comercial, o treinador que possui mais sensibilidade para avaliar e programar
um treino que incorpore os benefícios dos intervalos em níveis ótimos e
assertivos para cada objetivo certamente irá se destacar com relação aos
demais.
Os intervalos – tanto entre séries, quanto entre sessões e entre ciclos –
devem ser organizados a fim de evitar como resultante o esgotamento e as
perturbações no sistema imune que podem levar ao excesso de treinamento.
Para isso, tais intervalos devem ser estabelecidos tendo em vista o volume de
treino, de forma proporcional, sem, entretanto, comprometer o princípio da
continuidade. De acordo com Gomes (2009)42, alguns dias de interrupção na
rotina de treinamento pode impactar diretamente a aptidão física de seu
praticante. O autor quer com isso dizer que a programação de intervalos muito
longos pode comprometer a preparação do atleta, seu nível de
condicionamento e o acúmulo de benefícios dos efeitos do treinamento. Desse
modo, se por um lado os intervalos inter-sessões devem ser programados com

143
regularidade suficiente para não provocar um estado de supertreinamento e,
assim, comprometer a performance, também é importante ter em mente o
tempo real necessário para restaurar o organismo, se será necessário repouso
total ou se a recuperação ativa será suficiente, para não perder o timing da fase
de supercompensação.
Quanto aos intervalos intra-sessões, a medida em que o atleta vai
apurando suas capacidades físicas, a necessidade de intervalos vai se
reduzindo, visto que as fontes de energia conseguem se restabelecer com mais
rapidez, e os mesmos podem ser programados com menos frequência e
menos tempo, sem provocar fadiga e sem comprometer sua recuperação. Para
tanto, é interessante realizar avaliações periódicas para programá-los de forma
eficiente.

5. MANIPULAÇÃO DE CARGA E AUMENTO DAS CAPACIDADES FÍSICAS

Assim como a programação dos intervalos, a definição das cargas é um


fator determinante para o avanço dos ciclos. O aumento da capacidade de
trabalho está diretamente relacionado à relação da progressão de cargas com
a continuidade do treinamento e com os intervalos recuperativos, que por
conseguinte são controlados pela disposição do organismo para se adaptar às
sobrecargas impostas. Sobretudo em respeito aos Princípio da Sobrecarga e
da Adaptação, vale tentar periodicamente não apenas atingir as cargas
propostas, mas acima de tudo superá-las, pois isso significa um alcance efetivo
de resultados.
A partir desta programação é possível estabelecer parâmetros avaliativos
para controle do aumento de carga, que irão traduzir a resposta do atleta ao
treinamento, oferecendo ao treinador um retorno sobre o momento mais
propício para o incremento das cargas, que sempre deve ser observado com
bastante cuidado para que a sobrecarga não se traduza em fadiga excessiva
ou num possível diagnóstico de Overtraining. Sobre isso, Gomes (2009)43
destaca que:
Não é correto considerar adequada cada carga imposta ao
desportista, quando sua aplicação for de uma ou poucas vezes,
em caso de sua reprodução múltipla de uma sessão para outra.
Enquanto isso, no processo de reprodução regular, podem
ocorrer somente as cargas que correspondam ao nível presente

144
das capacidades adaptativas do desportista, ou seja, aquelas às
quais ele é capaz de se adaptar sem ter índices de tensão
excessiva, ou de supertreinamento. A partir disso, as cargas
elevadas adquirem o controle minucioso de seu efeito
acumulado, o fato de determinar, segundo seus índices, as
tendências do desenvolvimento da preparação desportiva e de
corrigir (enquanto surgir a necessidade) a carga somada em
várias sessões ou semanas de treinamento para evitar tal estado,
resultado do supertreinamento.

Com isso podemos dizer que, ao passo que as cargas aumentam e os


intervalos diminuem, o atleta vai desenvolvendo maior treinabilidade.
Entretanto, o excesso de cargas, expõe o organismo a sintomas como estresse
físico e mental, fadiga, etc. que podem a longo prazo resultar em
supertreinamento. Este quadro pode serrevertido com a adoção de programas
de treinamento ondulatórios, nos quais o acúmulo de cargas será alocado em
fases específicas, respeitando os efeitos das cargas e as fases de deload44.
Inclusive, os benefícios acumulados em função do treinamento são melhor
observados em períodos de cargas estáveis e até mesmo reduzidas.
A condução do processo de programação do aumento dessas cargas a
partir da adaptabilidade do atleta está relacionada à estruturação da
periodização em ciclos de preparação esportiva. Gomes (2009)45, descreve que
as cargas de treinamento possuem três formas:
- Curtas: caracterizam as cargas ondulatórias nos microciclos
(semanas) de treinamento;
- Médias: trata-se das cargas expostas em uma série de
microciclos, compondo, assim, o treinamento mensal
(mesociclo);
- Longas: São as cargas que se manifestam em séries de ciclos
médios que compõem etapas e períodos do macrociclo,
conhecidos como temporada de treinamento e competições

Observa-se nessa estrutura que o caráter ondulatório se torna


imprescindível à medida em que o nível geral de treinamento do atleta aumenta
– especialmente na preparação competitiva de desportos de força e
velocidade, em que predominam forças de potência fisiológica elevadas –
revelando, entretanto, que a alternância de cargas deve respeitar a integridade
das funções orgânicas nas fases de pico, assim como assegurar os efeitos do
acúmulo de cargas nas fases de restauração, reduzindo os riscos tanto de
super quanto de subteinamento. Sobre isso, Gomes (2009)46 explica:
Nos ciclos médios, com o crescimento da carga em várias
sessões ao longo de uma série de microciclos, cedo ou tarde
surge a necessidade de mudar sua tendência geral,

145
paralelamente à diminuição no tempo do nível de cargas que
foram acrescidas com a atividade principal. Em primeiro lugar,
isso é necessário para excluir a transformação do efeito
acumulado das cargas crônicas47no estado de treinamento
excessivo e em outros fenômenos parecidos, para não entrar em
contradição perigosa com as possibilidades adaptativas do
organismo, para facilitar a evolução dos processos adaptativos
no estágio de “adaptação estável” e para garantir, com isso, as
condições para assimilação dos novos parâmetros das cargas de
treinamento para o desenvolvimento no mesociclo seguinte.
Assim, a dinâmica está coordenada com as regras da
transformação da acumulação das cargas preparatórias a longo
prazo, no efeito do incremento dos resultados desportivos.

Especialmente no que se refere ao alto rendimento, Gomes (2009)48


enquadra o período de competições não-oficiais na fase de deload desse
esquema ondulatório. Em tese, o atleta receberá uma pausa na carga de
choque e terá um tempo para restaurar o organismo até que ele esteja
novamente preparado para retornar à fase que se propõe a elevar o nível de
treinamento e, assim, reiniciar um novo mesociclo ou período competitivo.
Nesse caso, as competições oficiais funcionam estrategicamente como
instrumento para evitar o estado de treinamento excessivo. Entretanto, ele
coloca em dúvida a validade dessas competições enquanto parte do período
transitório e indica a necessidade de avaliar se o organismo está de fato
reagindo consoante com uma eficiente progressão de cargas, como realmente
sepropõe.

6. VOLUME DE TREINO COMO VARIÁVEL DO OVERTRAINING

Outro ponto de vista acerca das estratégias recuperativas está em


trabalhar a sobrecarga compensando o equilíbrio no volume. Esta variável deve
ser observada com bastante cautela. É necessário definir um limite de volume
para que o trabalho produzido possa ser intensificado de forma adequada. Para
Lehmann et al.,, (1992 apud Gentil, 2014)49, “além de o aumento de volume
dificilmente trazer resultados benéficos, ele é a principal causa de overtraining
nos esportes em geral”. Em linhas gerais, a despeito da necessidade de
progressão do volume de modo que se promova maior treinabilidade, esta
mesma característica também se torna fator limitante na adequação da variável
volume, na medida em que um aumento excessivo pode gerar um desgaste
que não é interessante para o atleta. Por outro lado, um aumento irrisório, pode

146
levar à estagnação da evolução dotreinamento.
Cabe ressaltar aqui que, de acordo com o Princípio da Interdependência
Volume-Intensidade, o volume de treinamento é inversamente proporcional à
intensidade. Portanto, o alcance do estado ótimo de desenvolvimento da
treinabilidade implica no equilíbrio adequado entre as duas variáveis.

7. CONCLUSÃO

Existem diversas recomendações acerca da periodização, cada qual


atendendo as especificidades de determinadas variáveis, dentre elas: objetivos,
estratégias de otimização do treinamento e manutenção das funções orgânicas
em pleno funcionamento. A questão do excesso de fadiga ainda é um tema
muito pouco contextualizado nessa literatura e pode ser abordado de forma
interdisciplinar com outras áreas nas ciências da saúde e com as demais
ciências que desenvolvam estudos a respeito do comportamento humano e das
relações sociais. As alterações das capacidades físicas e do estado normal de
funcionamento do corpo em decorrência da sensação de esgotamento não
necessariamente se devem ao excesso de treino ou a períodos reduzidos de
descanso. A queda do rendimento esportivo pode estar relacionada também a
sintomas de ordem fisiológica, nutricional, social, psicológica e cognitiva,
comprometendo não apenas os benefícios da supercompensação, como
também expondo toda a estrutura física ao risco de lesões e até mesmo de
doenças devido à deficiência imunológica decorrente das perturbações na
atividade regular do organismo.

147
REFERÊNCIAS

1
BOMPA, Tudor O. Periodização: teoria e metodologia do treinamento. 4a ed.
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2
GOMES, A. C. Treinamento desportivo: estruturação e periodização. 2a ed.
Porto Alegre: Artmed,2009. p. 20.
3
Tradução livre do original: “The overtrainng syndrome describes a chronic
imbalance between training and recovery in athletes with accumulation of fatigue,
diferente physical and psychological symptoms and performance incompetence
over weeks and months. It has to be differentiated from short-term overtraining
(over-reaching) and local muscular overstrain”. p. 233. Aqui o autor trata de fadigas
musculares de forma pontual. Ver mais em LEHMANN, M et al., Training –
Overtraining: performance, and hormone levels, after a defined increase in training
volume versus intensity in experienced middle- and long-distance runners. Br J
Sports Med, 1992 26: 233-242.
4
GOMES, A. C. op. cit, loc. Cit.
5
TUBINO, M.; MOREIRA, S. B. Metodologia do treinamento desportivo. 1a ed.
Rio de Janeiro: Shape, 2003. p. 86.
6
SALO, D.; RIEWALD, S. A. Complete Conditioning for Swimming. Illinois:
Human Kinetics, 2008. p. 187.
7
Ibidem.
8
AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE. Diretrizes do ACSM para os
testes de esforço e sua prescrição. 9a Ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 2014. p.
19.
9
ARAUJO, Denise S. M. Soares de; ARAUJO, Claudio G. S. de. Aptidão física,
saúde e qualidade de vida relacionada à saúde em adultos. Rev Bras Med
Esporte, Niterói, v. 6, n. 5, p. 194-203, Oct. 2000.
10
HARTMANN, C. et al.,, Capacidade Cardiorrespiratória. The FIEP Bulletin,
Maceió, v. 86, p.27-30, 2016. p. 27.
11
Ibidem.
12
Ibidem. p. 28.
13
GLANER, M. F. Importância da aptidão física relacionada à saúde. Revista
Brasileira de Cineantropometria e Desempenho humano, Florianópolis, v.5,
n.2, p.75-85, 2003.
14
Ibidem.
15
MINATTO, G. et al., Idade, maturação sexual, variáveis antropométricas e
composição corporal: influências na flexibilidade. Revista Brasileira de

148
Cineantropometria e Desempenho Humano, Florianópolis, v. 12, n. 3, p. 151-
158, Jun. 2010
16
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antropométricas, neuromotoras e metabólicas da aptidão física. Rev. Bras. Ciên. e
Mov., Brasília, v.8, n. 4, p 21-32, Set., 2000.
17
BARBANTI, V. J. Teoria e prática do treinamento esportivo. 2a ed. São
Paulo: Blücher, 1997. p. 5.
18
GLANER, M. F. op cit. p. 81.
19
Ibidem.
20
O treino resistido provoca microlesões no tecido muscular que
desencadeiam um processo inflamatório no tecido conjuntivo e resulta na
chamada “dor muscular tardia”, que é a sensação de desconforto muito
comum após a prática de exercícios.
21
Mais adiante veremos que o princípio da sobrecarga é o que deve
prioritariamente ser levado em consideração no que diz respeito ao
treinamento visando o desenvolvimento de força.
22
AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE. Diretrizes do ACSM para os
testes de esforço e sua prescrição. 9a Ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 2014. p.
26.
23
Ibidem.
24
DAL PUPO, J. et al., Potência muscular e capacidade de sprints repetidos em
jogadores de futebol. Rev. Bras. Cineantropom. Desempenho Hum.,
Florianópolis, v.12, n. 4, p. 255-261, Ago., 2010.
25
TUBINO, Manoel José Gomes. Metodologia científica do treinamento
desportivo. 3a edição. São Paulo: Ibrasa, 1984.
26
Ibidem. p. 104.
27
COSTA, Marcelo Gomes da. Ginastica localizada: grupos heterogêneos. Rio
de Janeiro: Sprint, 1998. p. 21.
28
Como eficiência, aqui, entende-se o alcance do máximo de resultados com o
mínimo de risco possível para o atleta, evitando desgastes fisiológicos
desnecessários.
29
GOMES, A. C. op cit. p. 22-24.
30
O Princípio Geral da Adaptação é definido como um complexo de alterações
orgânicas que ocorrem durante ocasiões de estresse e obtém um
procedimento de resposta padrão, que acontece em três fases: a fase de
alerta (quando o indivíduo tem contato com o estímulo estressor), a fase de
resistência (quando o corpo reage no intuito de retornar à homeostase) e fase

149
de exaustão (quando o estímulo estressor desencadeia comprometimento
físico).
31
O professor cubano Forteza De La Rosa, seguidor do modelo de Arosjev,
propôs uma adaptação à estrutura pendular, conforme veremos adiante.
32
LIMA PAULO, Luiz Fernando de. Treinamento desportivo: da saúde e
emagrecimento ao alto rendimento. Timburi: Cia do E-book, 2015. p. 40.
33
O formato em três blocos é estabelecido via de regra, entretanto podendo
variar. Em alguns casos específicos, o treinador pode criar subdivisões em
cada ciclo que determinem maior quantidade de blocos, ou até mesmo
reduzindo para dois blocos, caso haja necessidade para o objetivo do atleta.
De uma forma geral, o bloco C se apresenta em todos os ciclos, favorecendo o
rendimento máximo doatleta.
34
O nome sugerido para o modelo se deve ao fato de que quando disposto em
gráficos, as curvas de evolução da DCR e da DDR se apresentam em formato
de sino. Ver mais em DE LA ROSA, A. F. Treinar para ganhar. 1a Ed. São Paulo:
Phorte Editora, 2004.
35
BOSSI, L. C. P. Treinamento funcional para mulheres: força, potencia e
agilidade. 1a ed. São Paulo: Phorte, 2014. p. 51.
36
GOMES, A. C. op cit.p. 220.
37
Ibidem. 185- 222.
38
Ibidem p. 91-148.
39
THIENGO, C. R. et al., Efeito do modelo de periodização com cargas seletivas
sobre capacidades motoras durante um mesociclo preparatório em jogadores de
futsal. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Porto Alegre, v. 35, n. 4, p.
1035-1050, Dec. 2013.
40
JUNIOR, A. C. T. A formação profissional e a aplicação dos modelos de
periodização do treinamento desportivo, por treinadores de judô de atletas
de elite. 2014. 81f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Motricidade) –
Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, 2014.
41
Ibidem. p. 80.
42
GOMES, A. C. op cit. p. 23.
43
Ibidem. p. 27.
44
Deload é a fase do treinamento em que o volume e a intensidade são
reduzidos sobremaneira a fim de proporcionar um tempo maior de descanso
entre os ciclos e a consequente recuperação do organismo. O deload pode ser
programado na forma de descanso ativo ou passivo.
45
GOMES, A. C. op cit. p. 29.

150
46
Ibidem. 29-31.
47
O conceito de cargas crônicas está ligado ao nível de condicionamento do
atleta e é medido entre a 3a e a 6a semana anteriores à ocorrência de cargas
agudas (relacionadas à fadiga). Esta relação tem sido bastante utilizada como
parâmetro avaliativo por preparadores em diversas modalidades esportivas,
tanto para aumento de performance quanto para controle e prevenção de
lesões. Ver mais em Hulin, B. T., Gabbett, T. J., Lawson, D. W., Caputi, P., &
Sampson, J. A. The acute:chronic workload ratio predicts injury: high chronic
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48
GOMES, A. C. op cit. p. 42-47.
49
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154
CAPÍTULO 12
TÓPICOS ESPECIAIS: METABOLÔMICA

Ricardo Moreira Borges

Como é de conhecimento amplo, sabemos que a prática de exercícios


físicos leva a modificações no fenótipo de cada indivíduo. Assim também é o
caso da alimentação e de doenças, por exemplo. De fato, podemos entender
essas modificações fenotípicas como consequência direta da própria variação
do perfil metabólico.
Considerando o organismo humano como um sistema complexo, é
esperado que a variação metabólica entre dois grupos não seja de um único
parâmetro. Aqui, os diferentes grupos podem ser de controle e teste: indivíduos
saudáveis e doentes; indivíduos alimentados regularmente e submetidos à
dieta experimental; indivíduos com hábitos saudáveis e sedentários; ou mesmo
de pessoas com e sem sintomas de exaustão (síndrome de overtraining ou
burnout). Nesse sentido, precisamos incluir uma observação global para
entender o sistema onde cada ponto observado será uma variável de resposta
àquela designada pelos grupos estudados. Essa resposta é sempre
multivariada e precisamos de métodos estatísticos multivariados (MVA, do
inglês multivariated analysis), capazes de explorar a distinção entre grupos e
evidenciar os parâmetros responsáveis para tal distinção.
O termo Metabolômica, descrito pela primeira vez por J. Nicholson1,
apareceu como uma extensão das tecnologias ômicas: genômica,
transcriptômica, proteômica, dentre outras novas nomenclaturas. Trata-se de
um esforço declarado com base no objetivo de se determinar a identidade e a
concentração de todas as micromoléculas (<2000 Da) presentes em um
determinado organismo. Dessa forma, a Metabolômica pode ser definida como
a caracterização fenotípica final de um organismo frente a alguma situação
estudada. Sua limitação consiste no fato de que tal abrangência é impossível
de ser coberta, visto que a enorme variação físico-química entre as
micromoléculas impossibilita que todas estejam, por exemplo, solúveis na
mesma amostra a ser analisada, ou mesmo que sejam detectadas com fatores
de resposta equivalentes entre si em diferentes técnicas espectroscópicas.

155
A Metabolômica é uma abordagem que parte do entendimento de que a
ocorrência de cada metabólito em um organismo é dinâmica, de modo que
apenas faz sentido a aplicação desta abordagem quando se comparam grupos
de fenótipos diferenciados. Esta é diferente de uma abordagem reducionista,
onde é estudada apenas a variação de concentração de um ou poucos
metabólitos e seu efeito.
Por se tratar de uma comparação entre resultados obtidos a fim de
desenvolver maior entendimento sobre o sistema estudado, a avaliação
estatística se faz necessária para que o resultado propriamente dito seja de
fato confiável. Por sua vez, para a avaliação estatística de um resultado é
necessário que o experimento seja realizado de forma planejada com um
número de amostras replicadas, suficiente para uma conclusão de qualidade
satisfatória. De forma mais técnica, visando um entendimento mesmo que
basal, vamos descrever a abordagem Metabolômica desde o planejamento do
estudo até o tratamento dos dados. Lembramos que a etapa de maior
importância é a interpretação dos dados obtidos, logo, ao se planejar um
estudo de tamanha abrangência, a confiança nos dados obtidos deve ser
considerada. Tal confiança será refletida nos parâmetros de significância
estatística encontrados. Vamos listar aqui algumas definições fundamentais
enquanto descrevemos a abordagem. Por fim, esperamos que o leitor tenha
adquirido uma visão mais crítica sobre as etapas de planejamento de um
experimento e as conclusões passíveis de serem atingidas por estes.

1. ANÁLISE MULTIVARIADA (MVA) DE DADOS

Como o termo indica, a MVA de dados trata da análise de várias


respostas para indicação de uma tendência estatística. Vamos imaginar que
em determinado estudo, a concentração de lactato no sangue está sendo
monitorada. Naturalmente, dois grupos distintos serão analisados para
comparação: grupo controle e grupo experimento. Neste caso, a interpretação
do estudo deverá ser feita considerando apenas a resposta obtida da
concentração do lactato e um cálculo tipo ANOVA (análise de variância) será
um dos métodos de escolha. Alternativamente, em um estudo semelhante e
com monitoramento de outros parâmetros (ex. eletrólitos, marcadores de danos

156
musculares e renais, leucócitos), inclusive aquele lactato, a interpretação será
condizente com todas as respostas obtidas ao mesmo tempo. Neste caso, a
distribuição das respostas em relação à distinção das amostras indicará quais
são aquelas mais relevantes, positiva ou negativamente, e ANOVA não será
mais a técnica estatística de escolha. Note que todo sistema complexo requer
uma avaliação multivariada e, para isso, técnicas que permitam a detecção dos
parâmetros necessários.
Como exemplo mais comum, podemos citar aqui a avaliação de um
exame de sangue de um paciente por um médico. Neste exemplo, o médico
não vai considerar apenas a taxa de leucocitose para sugerir um diagnóstico
positivo de infecção, mas também de Velocidade de Hemossedimentação, de
proteína C reativa e de desidrogenase láctica, que são marcadores clínicos de
inflamação. Neste caso, o médico está promovendo uma análise multivariada
intuitiva de dados quantitativos produzidos pela análise do plasma. Este é um
procedimento comum que todos nós já fizemos e ainda faremos muitas vezes.
Menos comum e encaminhado por grupos de pesquisas mais específicos,
podemos citar uma análise com cromatografia líquida de alta eficiência ligada a
espectrometria de massas (LC-MS, do inglês liquid chromatography coupled
with mass spectrometry) de amostras de plasma considerando todos os sinais
detectados para o melhor entendimento da evolução de um câncer, por
exemplo. Neste caso, cada ponto dos resultados analíticos (em muitos casos
atingindo centenas ou milhares de pontos) produzidos é uma variável, cada
intensidade de cada ponto é uma resposta e o estudo vai considerar todas as
respostas de uma vez.

2. ANÁLISE-ALVO E ANÁLISE NÃO-ALVO

Incluímos aqui a noção de análise-alvo e análise não-alvo (do inglês


target e untarget analysis), já que serão utilizadas com objetivos diferentes no
decorrer deste texto. Análises-alvo são aquelas onde as substâncias a serem
consideradas no estudo são bem conhecidas e há uma expectativa de que
estas sejam sim marcadores responsáveis por determinadas classificações de

157
grupo, os biomarcadores1. Em geral, análises-alvo são feitas com resultados
quantitativos de concentrações calculadas em relação a uma curva de
calibração e com procedimento devidamente validado seguindo documentação
indicada. Por outro lado, análises não-alvo desconsideram a expectativa de um
biomarcador definido e tem como objetivo intrínseco a produção de dados para
construção de hipóteses. Neste caso, a análise é feita de modo qualitativo e as
concentrações obtidas são apenas relativas à concentração total do que foi
detectado.
Seguindo os exemplos anteriores, a análise do hemograma pelo médico
pode ser classificada como análise-alvo e aquele estudo encaminhado pelo
grupo de pesquisa para criação de uma hipótese sobre a ocorrência de um
câncer, uma análise não-alvo. Observe que métodos quantitativos são
utilizados em análises-alvo e puramente qualitativa em análises não-alvo.

3. PCA

Análise de Componentes Principais (PCA, do inglês Principal


Component Analysis) é um método não-supervisionado2 de representação do
espaço amostral de acordo com a sua variância total2; para fins didáticos, não
incluiremos aqui nenhuma descrição matemática. As amostras com seus dados
analíticos são reorganizadas em novos eixos chamados Componentes
Principais (PC, do inglês Principal Component) de forma decrescente em
relação à variância total explicada; por exemplo, a PC1 explica uma fração
maior da variância total do que a PC2 (Figura 1). Neste método, as
contribuições das variáveis são chamadas loadings e das amostras, scores. Na
prática, é possível obter informações sobre a importância de cada variável em
relação a um possível agrupamento ou tendência de variância correlacionada.
PCA é o método multivariado mais utilizado em metabolômica, mas note que

1
Biomarcadores são aquelas substâncias apontadas experimentalmente (ou por expectativa
baseada em dados prévios) responsáveis por uma classificação distintiva entre dois ou mais
grupos estudados. Por exemplo, se o lactato é visto como indicação de treinamento intenso,
podemos dizer que o lactato é um biomarcador; eventualmente, um estudo tem mais do que
um único biomarcador.
2
Métodos não-supervisionados em estatística são aqueles onde os grupos não são
previamente classificados. Logo, supervisionados são aqueles onde as informações de
classificação são consideradas para o desenvolvimento. Por exemplo, em um método não-
supervisionado, nós não diríamos que as amostras pertencentes ao grupo A ou ao grupo B; tal
informação poderia ser obtida como parte do resultado do próprio método.

158
ele não produz nenhum dado de significância estatística para o agrupamento
observado.
Figura 1: Representação esquemática da redistribuição das amostras em novos eixos (PC’s)
observando os maiores valores de variância.

Fonte: O autor.

4. PLS

Análise de Mínimos Quadrados Parciais (PLS, do inglês Partial Least


Square), por sua vez, é um método supervisionado que usa técnicas de
regressão multivariada para criar um modelo preditivo que reflete a designação
das classes já descritas3. Tal modelo preditivo é obtido por meio de
combinação linear das variáveis, mas, como já pode ser observado, não é
objetivo deste documento apresentar os fundamentos matemáticos de cada
técnica. Em geral, a visualização do agrupamento resultado do PLS fica mais
clara do que aquela produzida pelo PCA (Figura 2). Por esse motivo, há quem
diga que o PLS força o agrupamento; isso é um equívoco. Diferente do PCA, o
PLS produz os parâmetros r2e q2 que representam os coeficientes de
determinação do grupo controle e de determinação do modelo com o grupo
teste (ou relevância preditiva), respectivamente. Logo, melhor o desempenho
da classificação do modelo quanto mais próximo o q2 for do r2; r2/q2≈1.

Figura 2: Representação esquemática da redistribuição das amostras em novos eixos (PC’s)


considerando os agrupamentos já conhecidos observando os maiores valores de variância.

Fonte: O autor.

159
5. AMOSTRAGEM

Diferentes amostras deverão seguir diferentes especificações de


preparo. Em geral, plasma e urina são as fontes mais utilizadas em estudos
com humanos; outras fontes como tecido, soro sanguíneo, suor e ar expirado
são outros exemplos. A máxima “toda amostra produzida deve ser armazenada
à -80oC” deve ser mantida em todos os casos e manipulações além do
necessário devem ser evitadas.
Plasma4: A adição de heparina, citrato ou EDTA garantem a inibição do
efeito coagulante por parte do fibrinogênio. Note que tais anticoagulantes serão
detectados pelas técnicas analíticas e farão parte da análise; estes podem
inclusive mascarar o sinal de possíveis substâncias-alvo limitando a
interpretação final. O plasma deverá ser separado das hemácias por
centrifugação a baixa velocidade (~500xG) para evitar hemólise e
extravasamento do conteúdo intracelular. A temperatura deve ser mantida
baixa durante o processo.
Urina4: Amostras de urina deverão ser centrifugadas (~13000xG) para
separação de eventuais sedimentos. Azida de sódio poderá ser usado como
bacterioestático ou microfiltração em membrana de 0,2 µm poderá ser usada
para esterilização. Atenção deverá ser dada à diluição necessária para a
técnica analítica.
Como a abordagem metabolômica se baseia em resultados de análises
estatísticas de dados, devemos dar atenção ao uso de réplicas a fim de se
obter uma distribuição amostras mais próxima da normal possível. Afinal, toda
a teoria da estatística de fenômenos naturais foi desenvolvida em torno da
distribuição normal (ou curva gaussiana) de populações. Por definição,
amostras replicadas são idealmente iguais entre indivíduos de uma mesma
população. Certamente, as réplicas irão apresentar alguma variação biológica
natural, mas espera-se que estas sejam menos características do que aquelas
variações observadas entre os dois grupos estudados. Talvez, a etapa mais
controversa da amostragem em metabolômica seja o número de réplicas a
serem coletadas, que irá refletir o poder estatístico3 (o termo em inglês mais

3
O poder estatístico é a probabilidade de se detectar um efeito, desde que ele de fato exista.

160
conhecido é power analysis)5. Dois grupos bem distintos irão requerer um
número de réplicas menor para distinção entre eles, e vice-versa. A forma mais
indicada de se prosseguir seria realizar um estudo-piloto com um número
reduzido de amostras e utilizá-lo para calcular a medida de confiança do
método em destacar o efeito estudado. O cálculo do poder estatístico nos dirá
o poder do estudo-piloto e o número de amostras necessárias para se atingir
um poder satisfatório (em geral, maior do que 0,8) para garantir significância
estatística. Por exemplo, se um estudo que compara dois grupos apresenta um
poder estatístico de 0,8, é esperado que em 80 % dos outros estudos iguais
atinjam um resultado tão significativo quanto o original. Podemos então dizer
que o poder estatístico é resultado de (1) tamanho do efeito estudado, (2) o
grau de confiança estabelecido para significância estatística (valor de p) e (3)
número de amostras. Certamente, a disponibilidade de indivíduos estudados
assim como o custo do experimento irá limitar o poder estatístico. Dessa forma,
a definição do número ideal de réplicas deverá ser parte do planejamento do
estudo e o poder estatístico deverá ser documentado junto ao resultado
analítico.
Todas as amostras coletadas devem ser organizadas de forma aleatória
para evitar possíveis efeitos de bloco4. E amostras de controle de qualidade
devem sempre ser utilizadas6. Amostras-branco devem ser adicionadas em
intervalos regulares de amostras para controle do procedimento de extração e
brancos técnicos (ou de análise) devem ser posicionados em intervalos
maiores para controle das condições analíticas. Ainda, amostras combinadas
com 10-20 % de cada amostra original de cada grupo também devem ser
analisadas conjuntamente para validação da diferenciação dos grupos e
verificação dos procedimentos de preparo de amostra e analíticos7.

6. TÉCNICAS ANALÍTICAS MAIS UTILIZADAS

Dentre as ferramentas analíticas mais comuns para estudos em


metabolômica temos: (1) cromatografia em fase líquida de alta eficiência
acoplada a espectrometria de massas (CL-EM ou LC-MS, do inglês liquid

4
Efeitos de bloco são resultado de tendências, em grande parte, do preparo de amostra em
variações não biológicas.

161
chromatography coupled with mass spectrometry) e a (2) ressonância
magnética nuclear (RMN ou NMR, do inglês nuclear magnetic resonance).
CL-EM: Certamente, a CL-EM é a técnica analítica mais utilizada em
metabolômica e análise de perfil químico de amostras8. Trata-se de uma
técnica que usa um fracionamento cromatográfico ligado a uma detecção em
espectrometria de massas (EM). Diferentes configurações podem ser
adquiridas e a escolha deverá ser feita à luz do objeto que se deseja estudar e
do investimento previsto. Vamos descrever a técnica de modo geral para
entendimento didático apenas.
A EM é a técnica analítica de maior sensibilidade desenvolvida até o
momento, e tem como característica fundamental a separação de moléculas
conforme suas massas moleculares sob o valor de razão massa-carga (m/z);
quando a carga (z) é igual a 1, o valor de m/z reflete o valor da massa
molecular detectada. Com o objetivo de estudar amostras de urina e/ou
plasma, esta descrição será direcionada ao uso da cromatografia em fase
líquida e da aplicação da interface tipo eletronebulização (ESI, do inglês
electrospray). Então, a amostra injetada no espectrômetro será ionizada pela
técnica ESI e um potencial eletrônico (e de pressão reduzida) direcionarão e
acelerarão os íons para o interior do EM onde está o analisador. Um
instrumento de EM pode ser setorizado em quatro partes: (1) interface ou fonte
de íons; (2) analisador(es); (3) detector; e (4) controle e processamento dos
sinais adquiridos8.
A ionização em ESI ocorre via protonação5 (em modo positivo) ou
desprotonação (em modo negativo) durante a passagem da amostra por um
capilar carregado com voltagem oposta à entrada do EM. Note que em ESI, a
ionização ocorre na fase líquida tal como uma reação tipo ácido-base Brönsted-
Lowry (protonação/desprotonação) e/ou como via mecanismo de Lewis
(formação de adutos)9. A formação de espécies não radicalares de baixa
energia caracteriza a ESI como sendo uma técnica branda onde a
fragmentação na interface tende a não acontecer6; diferente de sistemas de
ionização eletrônica onde a fragmentação na fonte de íons é regra. A

5
A formação de outros adutos além do aduto de H+ é bem conhecida. Adutos de Na+ e de K+
são os segundo e terceiro mais comuns.
6
Em algumas ocasiões tal fragmentação na interface pode acontecer, mas estas são menos
comuns e indesejáveis e, muitas vezes, resultado de parâmetros de voltagens muito altos.

162
nebulização ocorre com auxílio de gazes para a formação de um aerossol com
gotículas que serão reduzidas por evaporação (o termo dessolvatadas7 é
utilizado) por aplicação de calor no compartimento local. Eventualmente, as
gotículas serão secas e as espécies ionizadas estarão suspensas, estas serão
direcionadas para dentro do compartimento do(s) analisador(es).
O analisador é a parte responsável pela separação dos íons de acordo
com seus valores de m/z. Diferentes analisadores estão disponíveis
comercialmente e a capacidade de resolução e acurácia são os parâmetros de
maior importância e de maior efeito no custo do instrumento8. Ainda, podemos
utilizar instrumentos de EM sequencial (EMn), onde a configuração do
analisador é mais complexa com dois os mais analisadores em sequência para
fragmentação selecionada.
Vamos usar o caso mais comum para explicitar um instrumento de EM2,
o triplo-quadrupolo. Com este, podemos seguir um tipo de análise que nos
permite analisar fragmentos moleculares de espécies únicas selecionadas. No
primeiro quadrupolo, podemos selecionar uma espécie ionizada pela sua m/z,
excluindo todas as outras. No segundo quadruplo, podemos aumentar a
voltagem e, com isso, aumentar a energia cinética da espécie selecionada
levando a fragmentação molecular. E no terceiro quadrupolo, podemos analisar
os fragmentos característicos daquela espécie selecionada. Considerando que
uma substância pode ser caracterizada pela sua massa molecular e por seus
fragmentos característicos, a EM2 nos leva a identificação de substâncias
conhecidas com relativa facilidade.

Figura 3: Representação esquemática simplificada de um sistema de EM com um analisador


tipo triplo-Quadrupolo.

Fonte: O autor.

7
Dessolvatadas: termo técnico para fazer referência à evaporação de solventes em uma
gotícula.

163
Não menos importante, o fracionamento cromatográfico prévio a EM
garante uma redução de um efeito indesejável de supressão iônica e leva a
uma análise de EM mais limpa. Como resultado prático, temos um ganho de
sensibilidade e seletividade quando usamos sistemas de CL-EM.
RMN: A espectroscopia por RMN ocorre a partir da atividade de um
campo magnético externo à amostra responsável pela degeneração de dois ou
mais níveis de energia de um núcleo ativo (Figura 4). A saber, aqueles núcleos
com número de spin igual a ½ apresentam 2 níveis de energia degenerados
quando submetidos a um campo magnético externo. Os núcleos mais comuns
de serem observados para estudos tipo metabolômica são 1H (isótopo do
13
hidrogênio de massa atômica 1) e C (isótopo do carbono de massa atômica
13). Na RMN, cada substância apresenta um número de sinais
correspondentes ao número de spins não equivalentes quimicamente
detectados de modo que uma substância com três 1H não equivalente mostrará
três sinais diferentes. Ainda, caso estes estejam a 2 ou 3 ligações de distância
entre si, eles compartilham um fenômeno de acoplamento escalar homonuclear
(nJHH, n=1,2,3 ou 4) que leva a divisão dos sinais em dupletos sequenciais
conforme o número de interações. Se por um lado moléculas mais complexas
podem ter espectros com muitos sinais e difíceis de serem interpretados, essa
complexidade é característica daquela molécula tal como uma seletividade
inequívoca; uma impressão digital.
A maior desvantagem da RMN é sua inerente baixa sensibilidade. Essa
limitação é resultado da pequena diferença de energia entre os estados de
energia o que leva a um excesso muito pequeno de spins no nível de menos
energia segundo a distribuição de Boltzmann. Essa diferença de energia é
resultado direto da potência do campo magnético externo, mas mesmo em
instrumentos mais potentes de 28 Tesla (ou 1200 MHz em 1H)8 a sensibilidade
ainda é uma questão a ser resolvida. Entretanto, como o número de spins
magneticamente ativos é relacionado com a intensidade dos sinais, ou melhor,
um sinal de uma substância é relacionado com a quantidade molar dela na
amostra. Dessa forma, uma quantificação relativa entre as substâncias
presentes em uma amostra pode ser obtida diretamente via integração de

8
28 Tesla é a potência do instrumento de RMN mais potente já construído (2019).

164
sinais característicos de spins de suas estruturas. O potencial da RMN como
ferramenta quantitativa em metabolômica é reconhecido como sendo uma
vantagem10, principalmente, para casos onde não há padrões disponíveis para
quantificação por CL-EM.

Figura 4: Representação esquemática de um magneto de RMN com a amostra posicionada


dentro da sonda (dentro do magneto) e a degeneração dos estados de energia de um spin 1/2
modulada pela equação fundamental da RMN.

Fonte: O autor.

7. EXERCÍCIO FÍSICO E METABOLÔMICA

Os mecanismos pelos quais determinados comportamentos se


relacionam com a adesão à prática regular de atividades físicas ou com o
sedentarismo continuam obscuros. A genética e o ambiente provavelmente
desempenham papéis essenciais, e a análise metabolômica talvez ajude a
elucidar esse importante tópico nas ciências do exercício11.
Em um estudo de pesquisadores brasileiros12, setenta adultos jovens
foram submetidos a um teste de esforço máximo, no ciclo ergômetro, com o
objetivo de investigar se os perfis metabólicos séricos e musculares estão
associados à aptidão cardiorrespiratória intrínseca. O teste de esforço máximo
permitiu a divisão da amostra, por exemplo, entre classificados como baixa ou
alta aptidão física12. A comparação de metabólitos do sangue e do músculo
esquelético (vasto lateral) entre os grupos, revelou que dos 43 metabólitos do
soro e 70 do músculo esquelético analisados, a aptidão foi positivamente
associada com betaína, treonina, prolina, ornitina e glutamina no sangue, além
do lactato, fumarato, NADP+ e formate no músculo esquelético12. Segundo os

165
autores, as vias mais relevantes relacionadas ao metabolismo energético
corroboram seus achados e justificam diferentes níveis de aptidão física entre
homens jovens sedentários assintomáticos12.
Além de estudos observacionais sobre perfis metabolômicos que
caracterizam diferentes populações quanto ao nível de condicionamento,
também é possível destacar pesquisas sobre os efeitos agudos e crônicos do
exercício. Para comparar as mudanças metabólicas induzidas por diferentes
níveis de aptidão, Schader et al.,, (2020) investigaram o plasma de 76
corredores adultos, com idade entre 33 e 51 anos, antes e após uma
maratona13. Os autores verificaram que o exercício prolongado está associado
a uma perturbação nas concentrações de metabólitos plasmáticos, que é maior
em corredores com menor condicionamento aeróbio13. Outro estudo agudo,
com 30 jogadores de futebol profissional do sexo masculino, investigou os
metabólitos do sangue e urina antes e após uma partida, revelando que a
hipoxantina e seus produtos relacionados foram regulados positivamente na
urina, sugerindo que a desaminação do monofosfato de adenosina estava
aumentada14.
Quanto ao efeito crônico em variáveis metabolômicas, Sakaguchi et al.,
(2020) submeteram 28 ciclistas, com idade entre 20 e 40 anos, a diferentes
intensidades de treinamento muscular respiratório, de forma randomizada,
durante 11 semanas15. Os autores verificaram uma melhora geral da força
muscular inspiratória, entretanto, essa mudança não foi acompanhada de
alterações significativas de metabólitos sanguíneos15. Apesar de relevante, o
treinamento de músculos respiratórios, por si só, não ajuda a explicar as
importantes e necessárias alterações fisiológicas relacionadas ao
desenvolvimento da aptidão cardiorrespiratória. Empregar métodos de
treinamento que estimulem as diferentes vias e rotas energéticas (“aeróbicas” e
“anaeróbicas”) continua sendo essencial nesse contexto. Certamente, futuros
estudos proporão discussões mais robustas, permitindo conclusões objetivas e
práticas.
Em 2020, uma revisão sobre o estado da arte nesse assunto sinalizou
possibilidades de investigações para as ciências do exercício e esporte no
mundo11. Dentre elas, destacam-se o efeito crônico de atividades físicas
diversas, possíveis diferenças entre sexos, influências do estado de saúde e

166
condições patológicas, papel do estilo de vida, integração com outras áreas
ômicas e aplicabilidade prática11. Outras perspectivas envolvem o
aprofundamento da temática na compreensão das características femininas,
resultados estratificados, quando apropriados, por etnia e nível
socioeconômico, além das próprias validações metodológicas e protocolares
envolvendo as atividades físicas entre diferentes populações11.
Se você é entusiasta do movimento humano, aguarde as cenas dos
próximos capítulos científicos!

167
REFERÊNCIAS

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resonance spectroscopy of biological fluids. Progress in NMR Spectroscop, v.
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169
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