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{ Roda de Capoeira e

Ofício dos Mestres de Capoeira }


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Ofício dos Mestres de Capoeira }
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Ofício dos Mestres de Capoeira }
Quem vem lá sou eu,
quem vem lá sou eu,
Berimbau mais eu,
capoeira sou eu.
Domínio público
PRESIDENTA DA REPÚBLICA TÉCNICOS RESPONSÁVEIS PELO
Departamento de Patrimônio Imaterial
Dilma Rousseff ACOMPANHAMENTO
COORDENAÇÃO-GERAL DE IDENTIFICAÇÃO na Superintendência do Iphan na Bahia
MINISTRA DA CULTURA E REGISTRO Maria Paula Adinolfi
Marta Suplicy Mônia Luciana Silvestrin
na Superintendência do Iphan em Pernambuco
PRESIDENTA DO IPHAN COORDENAÇÃO-GERAL DE SALVAGUARDA Elaine Muller
Jurema de Sousa Machado Rívia Ryker Bandeira de Alencar

DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE
Equipe Técnica de Produção do Dossiê
COORDENAÇÃO DE IDENTIFICAÇÃO
PATRIMÔNIO IMATERIAL Ivana Medeiros Pacheco Cavalcante COORDENAÇÃO
Célia Maria Corsino Wallace de Deus Barbosa
COORDENAÇÃO DE REGISTRO
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE Flávia de Sá Pedreira ASSISTENTE DE COORDENAÇÃO
ARTICULAÇÃO E FOMENTO
Maurício Barros de Castro
Luiz Philippe Peres Torelly COORDENAÇÃO DE APOIO À SUSTENTABILIDADE
Alessandra Rodrigues Lima CONSULTORES
DIRETOR DO DEPARTAMENTO
DE PATRIMÔNIO MATERIAL
Frederico José de Abreu
COORDENAÇÃO DE CONHECIMENTOS
Andrey Rosenthal Schlee Matthias Rohrig Assunção
TRADICIONAIS ASSOCIADOS
Ana Gita de Oliveira
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE
PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO
CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E
Marcos José Silva Rêgo CULTURA POPULAR – CNFCP
Cláudia Márcia Ferreira
SUPERINTENDENTE DO IPHAN
NA BAHIA
Carlos Amorim

SUPERINTENDENTE DO IPHAN
EM PERNAMBUCO
Frederico Almeida

SUPERINTENDENTE DO IPHAN
NO RIO DE JANEIRO
Ivo Barreto

Instituto do Patrimônio Histórico e


Artístico Nacional
DEPARTAMENTO DO PATRIMÔNIO IMATERIAL –
DPI/IPHAN
SEPS Quadra 713/913 Sul, Bloco D,
Edifício IPHAN, 4º andar
CEP 70.390-135 Brasília – DF
Telefone: (061) 2024-5401
Email: dpi@iphan.gov.br
Pesquisa Histórico-Documental e de Campo MONTAGEM Frederico G. Brigges, Gianny Melo, Isaac
André Sampaio Mendes Belisario, J. B. Debret, J. B. Von Spix,
J. M. Rugendas, John Rose, Luis Edmundo,
Rio de Janeiro LOCUÇÃO
PESQUISADORES
Marcel Gautherot, Mestre Pastinha, Mestre
Luiz Motta Bimba, Nestor Silva, Pierre Verger, Sales,
Carlo Alexandre Teixeira
Cristiana Nastari Villela Sandro Guimarães, Tt Catalão, Xim-Xim,
FINALIZAÇÃO DE ÁUDIO
David Nascimento Bassous Zacharias Vagener
Luiz Eduardo do Carmo
Hugo de Lemos Bellucco
Johnny Alvarez Menezes IMAGENS DO RIO DE JANEIRO Registro da Roda de Capoeira e do Ofício
Luiz Araújo
ESTAGIÁRIOS dos Mestres de Capoeira
Bárbara Tinoco IMAGENS DE RECIFE
Bernardo Guimarães Processo n° 01450.002863/2006-80
Antônio Luiz Carrilho
Filipe Gonçalves Hamilton Costa Filho
PROPONENTE
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Salvador IMAGENS DE SALVADOR
PESQUISADORES Tenille Bezerra
DADOS DO PROCESSO
Adriana Albert Dias Bruno Saphira
Pedido de registro aprovado na 57ª Reunião do
Amélia Conrado Wallace de Deus Barbosa
Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, em 15 de
Ricardo Biriba
julho de 2008.
IMAGENS ADICIONAIS
ESTAGIÁRIOS Gabriela Gusmão
Roda de Capoeira
Lucylane Oliveira Wallace de Deus Barbosa
Inscrição no Livro de Registro das Formas de
Nilo Ricardo Lobo
Expressão em 21 de outubro de 2008.
Edição do Dossiê Ofício dos Mestres de Capoeira
Recife Inscrição no Livro de Registro dos Saberes em
PESQUISADORES COORDENAÇÃO DE EDIÇÃO 21 de outubro de 2008.
Izabel Cordeiro Yeda Barbosa
Marco Aurélio Lauriano de Oliveira
Maria Jaidene Pires PROJETO GRAFICO
Vânia Fialho Victor Burton
PÁ GINA 2
ESTAGIÁRIOS REVISÃO DE TEXTOS RODA DE C A POE IRA DE BAI R R O ,
Annelise Lins Meneses Alexandra Bertola PROV A V E L M E NT E C ORT A B R A ÇO ,
Graciane Costa Gomes dos Santos Angélica Torres Lima NA L IBE RDA DE .
Joice Poliana da Paixão Sales Gilka Lemos FOT O PIE RRE V E RGE R.
Karina Lira da Silva Rosalina Gouveia
Paula Natanny Rocha Bezerra Grace Elisabeth de Oliveira Cruz PÁ GINA 4
Sílvia Carla Lafaiete C E NA S DE C A POE IRA NA BA H I A . MEST R E
DIAGRAMAÇÃO JU V E NA L E A L U NO.
FOTOGRAFIA E PESQUISA ICONOGRÁFICA Avellar e Duarte Serviços Culturais FOT O: PIE RRE V E RGE R@ FUN D A ÇÃ O
Eduardo Monteiro PIE RRE V E RGE R.
FOTOGRAFIAS E ILUSTRAÇÕES
Acervo Técnico Do Iphan, Acervo Técnico PÁ GINA A O L A DO
Vídeo do Centro Nacional de Folclore e Cultura C E NA S DE C A POE IRA NA BA H I A . MEST R E
Popular, Agostino Brunias, Albano Neves JU V E NA L E A L U NO – DE FE S A D E A T A Q UE
ROTEIRO e Souza, Augustus Earle, Calixto Cordeiro, C OM FA C A .
Wallace de Deus Barbosa Carybé, Cristiano Junior, Eduardo Monteiro, FOT O: PIE RRE V E RGE R@ FUN D A ÇÃ O
Maurício Barros de Castro Francisco Moreira da Costa, Frederic Mialhe, PIE RRE V E RGE R.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 9

sumário

10 apresentação 64 O Aprendizado e as 112 Os Mestres e as Rodas:


Escolas de Capoeira Patrimônio Vivo
13 introdução 71 Da rua para a academia. O
nascimento das primeiras escolas 120 Recomendações de
18 Referências Históricas de capoeira Salvaguarda
19 Origens e mitos fundadores 82 Algumas trajetórias da
22 Primeiros registros capoeira nos dias atuais 126 Notas
iconográficos
22 As cidades da capoeira 90 Descrição das Rodas de 130 fontes bibliográficas
47 O nascimento de uma nova Capoeira
tradição da capoeira / 1930-1940 91 Etnografia e performance anexos
52 O processo de folclorização e 94 Os movimentos e golpes 138 Anexo 1 – Parecer do relator
esportização / 1950-1970 98 O canto, os toques e a dinâmica 144 Anexo 2 – Certidão de
62 A globalização da capoeira das rodas Registro da Roda de Capoeira
87 Anexo 3 – Certidão de
102 Os Instrumentos Registro do Ofício dos Mestres de
105 Berimbau Capoeira
108 Atabaque
110 Pandeiro
32 Agogô e reco-reco
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apresentação C E NA S DE C A POE IRA NA BA H I A


M E S T RE JU V E NA L E A L U NO .
FOT O: PIE RRE V E RGE R@ FUN D A ÇÃ O
PIE RRE V E RGE R.

A Coleção Dossiê dos Bens Culturais


Registrados destina-se a tornar
amplamente conhecidos e
A divulgação dos processos
de Registro e dos resultados do
trabalho institucional contribui
e práticas de seus mestres, um
patrimônio vivo continuamente
transmitido às novas gerações.
valorizados, como Patrimônio para a extensão do reconhecimento Essa característica também impõe
Cultural do Brasil, os bens desse patrimônio pela sociedade importante desafio às pesquisas,
registrados de natureza imaterial. brasileira e favorece as condições de pela necessidade que se tem
Os dossiês têm por base os estudos sua permanência. São apresentados de delimitar o recorte para os
que fundamentaram o Registro nos dossiês elementos que definem estudos e para a definição e o
do Bem Cultural e refletem as a identidade dos Bens Culturais, reconhecimento desse Bem.
etapas de pesquisa, análise e seu universo de ocorrência, os Para a salvaguarda de um bem
reconhecimento desse patrimônio. grupos sociais envolvidos e as cuja territorialidade é tão extensa,
O patrimônio imaterial práticas e saberes a eles inerentes. concorrem inúmeras variáveis.
brasileiro é composto por aqueles Este 12º volume da Coleção A prática da capoeira, que hoje
bens que contribuíram para a apresenta o Registro do Modo extrapola a fronteira nacional,
formação da sociedade brasileira. da Roda de Capoeira e Ofício estendendo-se a mais de uma
O compromisso do Estado dos Mestres de Capoeira, centena de países, confere ainda
brasileiro para com sua preservação, respectivamente inscritos nos Livros maior sentido a uma política
reconhecimento e valorização de Registro das Formas de Expressão pública para sua salvaguarda, ao
decorre do Registro de um bem e dos Saberes. Esse registro trazer à tona a dura realidade de
imaterial, previsto no Decreto abarca a manifestação cultural seus mestres, cujo reconhecimento
nº 3.551/2000. São quatro os em todo o território nacional. e sabedoria são inquestionáveis, mas
Livros de Registro, de acordo com A prática da capoeira, presente que findam suas vidas enfrentando
a natureza do Bem Registrado: em vasta documentação histórica dificuldades e esquecimento. ¢
das Celebrações, dos Lugares, das que percorre os últimos 300 anos, Jurema Machado
Formas de Expressão e dos Saberes. continua pujante nos saberes Presidente do Iphan
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introdução C E NA S DE C A POE IRA NA BA H I A


M E S T RE JU V E NA L E A L U NO .
FOT O: PIE RRE V E RGE R@ FUN D A ÇÃ O
PIE RRE V E RGE R.

É vasto o universo de quem se


aventura a pesquisar a capoeira.
Arte que apresenta registros
portanto, a necessidade de reconstituir
brevemente a história da capoeira
e fazer um registro instantâneo
escravidão rural, à sua prática nas
senzalas sob o olhar desconfiado
do senhor de engenho. A
iconográficos e documentais desde de seu momento presente. capoeiragem, porém, fincou raízes
o século 18, a capoeira tem diversas Diante desses requisitos, a nas áreas urbanas1. A perspectiva
vertentes, ensinadas por mestres, pesquisa se concentrou em três que parecia mais coerente remetia
contramestres, professores e eixos principais: pesquisa para o desenvolvimento da arte
instrutores. Além disso, cobre um historiográfica; trabalho de campo; nas principais cidades portuárias
amplo território geográfico que abordagem de temas relacionados à brasileiras, tendo surgido como
mapeia os cinco continentes, uma capoeira, como a reflexão sobre o prática urbana de resistência de
vez que as rodas de capoeira estão aprendizado e a descrição das rodas. escravos de ganho, na maioria das
difundidas em mais de 150 países. A constituição deste dossiê, que vezes reunidos nos agrupamentos
O desafio do Inventário para pretende justificar a importância conhecidos como maltas.
Registro e Salvaguarda da Capoeira da capoeira como bem cultural do Cidades como Salvador, Rio
como Patrimônio Cultural do Brasil, Brasil, amparou-se nessas três linhas de Janeiro e Recife receberam um
realizado entre 2006 e 2007, de caráter metodológico distinto. grande contingente de africanos
era construir um diálogo entre o Por isso, buscou-se a formação escravizados e se tornaram
tempo histórico passado e o tempo de uma equipe multidisciplinar verdadeiros “santuários” da
presente. Como patrimônio vivo, que pudesse dar conta dos capoeira antiga. Os maiores
a capoeira se mantinha no cenário diversos vetores do projeto. acervos de documentos sobre a
atual por meio dos mestres que Também era importante capoeiragem pertenciam ao Rio
representavam o saber. Ao mesmo definir o recorte territorial da de Janeiro e a Salvador. Diante
tempo, acumulava produção pesquisa. Um reforçado imaginário da amplitude de uma pesquisa de
documental que atravessava os produzido por livros, filmes e campo – a capoeira propagava-
últimos três séculos. Havia, telenovelas relacionou a capoeira à se pelo território nacional e por
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C A M P O DE MA N DI N G A .
I L U S T R AÇÃ O DO LI V RO “O JOGO
D A C AP O EI RA - 1 4 DESENHOS DE
C A R YB É” .

outros países –, optou-se pela


pesquisa nos lugares históricos
como ponto de partida para a
reconstituição de sua trajetória.
Nesses locais, os mestres seriam
ouvidos; suas escolas e rodas,
visitadas e registradas.
De início, as capitais da Bahia
e do Rio de Janeiro, por serem
consideradas os locais históricos
mais importantes da capoeira,
foram delimitadas como campo
de pesquisa. Isso, porém, não
significava a realização de um referente à capoeira, que deveria
registro historiográfico restrito às ser de algum modo citado em
duas cidades. Estas eram território ocasião oportuna. No entanto,
possível de ser coberto, uma vez mais do que citar, percebemos
reconhecida a impossibilidade de a importância de incluir Recife
se alcançar toda a extensão no processo do registro.
territorial da capoeira. A ocasião das comemorações
No Plano de Ação que baseou do centenário do frevo coincidiu
a formulação da Proposta de com a percepção da influência
Trabalho, havia uma menção a da capoeira na criação do passo
Pernambuco como um estado da dança, principal expressão do
de importante passado histórico carnaval pernambucano. Essa
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I L U STR AÇÕES COM F UND O


C OLORI DO EX TR AÍDAS DO L IVRO
“O J O G O DA CAP O EI RA – 24
D E SEN HO S DE CA RYB É”.
I L U STR AÇÔES: CARYBÉ .

descoberta revelava a presença da profissionais que contemplava as


capoeiragem na cultura local de áreas de antropologia, história,
Recife e indicava a necessidade de psicologia, educação física e artes
uma investigação mais demorada cênicas. A maioria deles também
sobre a história dos bravos e atuava como capoeirista, incluindo
valentões, como eram conhecidos um mestre de capoeira, Carlo
os capoeiras de Pernambuco. Alexandre Teixeira, conhecido
Delimitado o território, como Mestre Carlão. Além da
foram constituídas as equipes, formação das equipes locais,
de perfil multidisciplinar, na foram realizados, nos três estados,
Bahia, no Rio de Janeiro e em os encontros Capoeira como
Pernambuco. Um grupo de Patrimônio Imaterial do Brasil.
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O objetivo desses encontros de capoeira como divulgadores como Patrimônio Cultural do


foi reunir mestres, alunos e da cultura brasileira no cenário Brasil, o saber do mestre de
pesquisadores para apresentar o internacional, tornando-se capoeira, como ofício, e a roda de
projeto do inventário e discutir necessário criar alternativas para capoeira, como forma de expressão.
sua importância; definir as facilitar seu trânsito por outros Em termos institucionais,
possibilidades de registro e fazer países; a necessidade da criação de o processo do inventário foi
um levantamento de pautas mecanismos que facilitem o ensino alocado no Laboratório de
que seriam utilizadas como da capoeira em espaços públicos; Pesquisas em Etnicidade, Cultura
referências para a elaboração o reconhecimento do ofício e do e Desenvolvimento (Laced), do
das Recomendações do Plano saber do mestre de capoeira, para Museu Nacional (UFRJ), por
de Salvaguarda da Capoeira. que ele possa ensinar em escolas meio da Fundação Universitária
A perspectiva que se apresenta e universidades; a criação de um José Bonifácio (FUJB/UFRJ). A
baseia-se em que a cultura é Centro de Referências da Capoeira, coordenação do projeto também
dinâmica, e não cristalizada; centralizando toda a produção contou com a supervisão da
portanto, o registro não é acadêmica sobre a capoeira, Diretoria de Patrimônio Imaterial
suficiente para salvaguardar as realizada por estudiosos de diversas do Iphan, das Superintendências do
manifestações, mas uma etapa disciplinas; um plano de manejo Iphan na Bahia e em Pernambuco
necessária para traçar um plano da biriba, madeira usada para e do Centro Nacional de Folclore e
que elabore e encaminhe políticas confeccionar o berimbau e que Cultura Popular – CNFCP/Iphan.
públicas para seus atores. pode ser extinta no correr dos anos. O texto desenvolvido neste
Os principais pontos levantados Trata-se de um conjunto de dossiê procurou reconstituir de
nesses encontros foram: encaminhamentos que norteou forma breve a história da capoeira,
a necessidade de aposentadoria as Recomendações do Plano de bem como descrever sua prática,
especial para os velhos mestres de Salvaguarda da Capoeira e que sua cultura material e seus rituais.
capoeira; a importância dos mestres indicou ser necessário reconhecer, Esse trabalho de pesquisa
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D E TALHE DE I MAG EM DE M E STRE


P ASTI N HA, EX TRAÍDA DA PUBL ICAÇ ÃO
C A P O EI RA A N G O LA ME STRE PASTINHA
E SUA A CA DEMI A.
F OTO: ACERVO TÉCN ICO DO IPHAN.

pretendeu justificar sua


importância como bem cultural,
a partir da documentação escrita
e dos relatos dos mestres que
continuam em atividade. A
Roda de Capoeira e o Ofício
dos Mestres de Capoeira foram
reconhecidos como patrimônio
cultural brasileiro por meio da
inscrição no Livro de Registro das
Formas de Expressão e no Livro
de Registro dos Saberes, volume
primeiro, respectivamente, do
Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional, em 21 de
outubro de 2008, conforme
decisão proferida na 57ª Reunião
do Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural, realizada
no dia 15 de julho de 2008. O
conselheiro relator do processo
de registro foi Arno Wehling. ¢
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Referências históricas C E NA S DE C A POE IRA NA BA H I A


- PRÓXIM O A O M E RC A DO MO D ELO .
FOT O: PIE RRE V E RGE R@ FUN D A ÇÃ O
PIE RRE V E RGE R.

A capoeira, uma manifestação


cultural que se caracteriza
por suas múltiplas dimensões,
capoeira, não apenas na África
Central, mas em outros países
que fizeram parte da diáspora
é ao mesmo tempo dança, luta negra (a Ladja da Martinica é
e jogo. Dessa forma, mantém uma delas), não se pode negar
ligações com práticas de sociedades Origens e mitos que as culturas são construídas
tradicionais, nas quais não havia a partir das influências que as
a separação das habilidades nas
fundadores cercam, o que gera tanto rupturas
suas celebrações, característica quanto continuidades. Portanto,
inerente à sociedade moderna. além da comprovação da raiz
Ainda que alguns praticantes africana, é preciso reconhecer as
deem prioridade ora à sua face mudanças e as contribuições que
cultural, a seus aspectos musicais ocorreram em solo brasileiro.
e rituais, ora à sua face esportiva, fundadores: a capoeira nasceu Da mesma forma, afirmar
à luta e à ginástica corporal, a na África Central e foi trazida que não existia prática corporal
dimensão múltipla não é deixada intacta por africanos escravizados; semelhante à capoeira na África,
de lado. Em todas as práticas a capoeira é criação de escravos restringido seu surgimento ao
atuais de capoeira, permanecem quilombolas no Brasil; a capoeira contexto dos escravos que a teriam
coexistindo a orquestração musical, é criação dos índios, daí a origem criado nos quilombos, como forma
a dança, os golpes, o jogo, embora do vocábulo que nomeia o jogo. de resistência escrava, esbarra em
o enfoque dado se diferencie de As três hipóteses geram pressupostos históricos. Além da
acordo com a singularidade de questões ainda não resolvidas. comprovada ligação com práticas
cada vertente, mestre ou grupo. Embora estudos recentes tenham ancestrais africanas, a capoeira foi
As origens da capoeira comprovado a existência de desenvolvida nos centros urbanos
remetem basicamente a três mitos danças guerreiras similares à em formação, principalmente em
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A BA IXO:
BA T U QU E E M S Ã O PA U L O.
GRA V U RA DE JOH A NN BA PT IS T
V ON S PIX.
DOM Í NIO PÚ BL IC O.

À DIRE IT A :
BA T U QU E . GRA V U RA DE JOH AN N
M ORIT Z RU GE NDA S .

cidades portuárias, como Rio de Diz respeito ao mito do escravo de Henrique de Beaurepaire
Janeiro, Salvador e Recife, onde fugitivo que surpreenderia seus Rohan e Brasil Gerson:
chegaram grandes levas de escravos. algozes na capoeira, local da
Por fim, a patente indígena na cilada. Além de ter uma lógica “Tendo como base capão, do
criação da capoeira é uma hipótese de difícil assimilação – a do qual Adolfo Coelho tirou o étimo
de difícil sustentação. Não há perseguido que inverte a situação de capoeira para o português,
documentação ou mesmo relatos e submete o perseguidor –, as Beaurepaire Rohan faz o mesmo
de índios que reivindiquem essa raízes etimológicas também para o vocábulo capoeira na
paternidade. O termo “capoeira” são controversas e apontam acepção brasileira, apresentando
faz parte da língua tupi e significa para outra possível origem da em defesa de sua opinião a
“mato ralo”, o que remete a uma arte. Waldeloir Rego, em seu seguinte explicação: – ‘Como o
das explicações sobre sua origem. livro clássico, expõe hipóteses exercício da capoeira, entre dois
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indivíduos que se batem por mero damos em português o nome da a história da Rua da Praia de D.
divertimento, se parece um tanto capoeira a qualquer espécie de Manoel, informa que lá ficava o
com a briga de galos, não duvido cesto em que se metem galinhas’. nosso grande mercado de aves e
que este vocábulo tenha sua origem Brasil Gerson, o historiador das que nele nasceu o jogo da capoeira,
em Capão, do mesmo modo que ruas do Rio de Janeiro, fazendo em virtude das brincadeiras dos
escravos que povoavam toda a rua,
transportando nas cabeças as suas
capoeiras cheias de galinhas”2.
A dificuldade em estabelecer
as origens da capoeira nos
aspectos geográficos, culturais e
etimológicos pode ser explicada
por causa de sua diversidade.
Manifestação intimamente
ligada às culturas locais, ganhou
contornos específicos de
acordo com os contextos em
que se desenvolveu. A capoeira,
dessa forma, é reconhecida
como fenômeno cultural
urbano, cuja história permeia
o passado e o presente. ¢
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Primeiros
registros
iconográicos

O mais antigo registro referente


à capoeira foi encontrado
pelo jornalista Nireu Cavalcanti3.
que se inicia com a chegada da
corte portuguesa ao Brasil, alcança
o fim da Monarquia, a instauração
motivo para troca de relações
culturais e sociais mais amplas.
Tanto que, no segundo momento
O documento data de 1789 e se da República e termina no ano em estudado por Soares, 1850-
refere à libertação de um escravo que a capoeira foi criminalizada 1890, é possível encontrar entre
chamado Adão, preso nas ruas e a maioria dos seus praticantes, os seus praticantes nomes de
do Rio de Janeiro por praticar a na capital, desterrada para a ilha letrados, aristocratas e militares.
capoeiragem. Isso mostra que a de Fernando de Noronha. O que marca este volume, no
repressão acontecia antes mesmo Entre 1808 e 1850 (ano em entanto, é a história das maltas,
da criminalização da capoeira, em que foi proibido o tráfico de como eram chamados os grupos
1890, durante o governo provisório escravos), existiu o que Soares de capoeiras que disputavam a
do marechal Deodoro da Fonseca. definiu como “capoeira escrava”, a geografia da cidade. Segundo
qual, segundo o pesquisador, não Soares, a visibilidade dos negros
AS CIDADES DA CAPOEIRA se restringe a “uma prática cultural e dos “homens pobres de todas
excludente de negros libertos ou as origens” revela a mobilidade
Na década de 1890, a livres, mas a uma tradição rebelde que os capoeiras alcançaram
historiografia se voltou para os que tinha fortes raízes escravas... no contexto de segregação
estudos da capoeira no Rio de e ‘seduzia’ aqueles de outra social sofrida pelas identidades
Janeiro do século 19. Os dois condição social e jurídica, por africanas e afrodescendentes
principais pesquisadores a explorar sua maneabilidade e resistência”4. que se espalhavam pela cidade.
esse recorte foram Carlos Eugênio O termo, portanto, não se aplica Conforme o autor, referindo-
Líbano Soares e Luís Sérgio Dias. apenas aos negros escravos, mas se ao século 19, “a capoeira
O primeiro percorreu, em dois ao contexto da escravidão. foi um fenômeno que marcou
livros, o período que cobre os anos Difundida na capital por fortemente a vida social do Rio
de 1808 a 1890. Essa trajetória, africanos, a capoeira se tornou de Janeiro no século passado”5.
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J OG O DA CAP O EI RA.
GRAVU R A DE
J OHAN N MO RI TZ R U GE ND AS.

pela localização das igrejas católicas.


As relações entre os capoeiras se
davam no cotidiano da escravidão
urbana, dividida entre a casa do
senhor e a rua, espaços onde
o escravo cuidava dos afazeres
domésticos e trabalhava no
comércio local, o que motivava,
muitas vezes, disputas territoriais.
Além disso, os capoeiras causavam
arruaças e brigas nos desfiles
das bandas militares. Conforme
escreveu Luiz Edmundo: “Em
Enquanto Soares prioriza a No Rio de Janeiro, a capoeira 1888, um ano antes da proclamação
formação e a distribuição desses foi duramente perseguida. Seus da República, cafajestes armados
grupos de capoeiras, Luís Sérgio praticantes eram conhecidos até os dentes ainda saem à frente
Dias focaliza o temor que eles por desafiar a ordem policial, das nossas bandas militares,
representavam para a sociedade hostilizar a população, provocar atravessam as ruas principais, as
carioca de meados do século 196. brigas e correrias, marcadas por mais policiadas da urbe, em pleno
A marginalização e a cabeçadas, rasteiras e navalhadas. exercício da capoeiragem”7.
criminalização sofridas por seus Muitos dos confrontos aconteciam Antes da proclamação da
praticantes fizeram com que entre as temidas maltas, as quais República, em 1889, os escravos
as principais fontes dos dois demarcavam seus territórios por capoeiras ganharam prestígio
historiadores se encontrassem meio das freguesias – como eram devido a sua participação na
nos arquivos policiais. conhecidos os bairros delimitados Guerra do Paraguai, que ocorreu
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 24

entre 1864 e 1870. Também perseguidos, dividiram a cidade praticada não apenas por escravos,
ficaram famosos por sua atuação em territórios de duas grandes mas também por homens livres
durante as eleições, quando maltas: Nagoas e Guaiamuns”9. – pobres e ricos, entre os quais
pressionavam eleitores para votar As maltas Nagoas e Guaiamuns europeus que viviam na capital do
nos candidatos dos partidos que representavam os dois partidos Império. O poeta português Plácido
defendiam, fossem conservadores políticos da época, respectivamente, de Abreu, que morreu na Revolta
ou liberais. Além disso, criaram liberais e conservadores. Isso da Armada, praticava capoeira,
uma milícia conhecida como garantiria “a perene permanência frequentou o universo das maltas e
Guarda Negra8, que era a favor da das maltas contra as investidas descreveu suas características num
Monarquia e atacava republicanos. frequentes da ação policial”10. A romance que escreveu sobre o tema11.
“Fundaram o Partido Capoeira capoeira alcançou diversas classes Na introdução da obra, Plácido
e, antes de serem definitivamente sociais na época colonial, tendo sido de Abreu apresenta as principais
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 25

À ESQ U ERDA
P AI SA G EM DE SÃ O SA L VAD OR.
GRAVU R A DE J OHAN N M ORITZ
R U G EN DA S.

À D I R EI TA:
M ON TA G EM F EI TA A PARTIR DE
D E TALHE DA G RAVU R A JOGO DE
C A P O EI RA, DE J O HANN M ORITZ
R U G EN DA S E DESEN HO DE UM
B E RI MB A U .
I L U STR AÇÃ O : ACERVO TÉ CNICO DO
IPHAN.

características daqueles dois de Prata, além de outros grupos o lugar escolhido por eles era a
bandos que ficaram conhecidos menores, filiados àqueles. praia do Russel, para os partidos
como os dois grandes celeiros “A cor por que são de S. José e Lapa, Morro do
da capoeiragem carioca no Rio conhecidos é a branca... Pinto, para o de Sant’Anna”12.
antigo. Desde as cores pelas quais se “Há pouco tempo ainda o bando O “submundo” da capoeira
distinguiam – branco e vermelho – guayamú costumava ensaiar os era frequentado não só por
até as localidades a que pertenciam noviços no morro do Livramento, intelectuais e profissionais
e onde ocorriam seus treinos: lugar denominado Mangueira. liberais; “até figuras prestigiosas
“Os ensaios faziam-se no plano político, como o Barão
“Guayamú é o capoeira que regularmente nos domingos de do Rio Branco, quando jovem, e
pertence aos seguintes partidos: manhã e constavam dos exercícios Floriano Peixoto, entre outros,
S. Francisco (grande centro, do de cabeça, pé e golpes de navalha e foram apontados como praticantes
qual foi chefe o célebre Leandro de faca. Os capoeiras de mais fama da arte da capoeiragem”13. Ainda
Bonaparte), Santa Rita, Ouro serviam de instrutores àqueles assim, mesmo os que faziam
Preto, Marinha, S. Domingos de que começavam. A princípio, os parte da elite foram perseguidos
Gusmão, além de outros pequenos golpes eram ensaiados, fazendo- por Sampaio Ferraz, “chefe
bandos agregados a estes”. se uso da mão limpa. Quando de polícia que comandou a
“A denominação que tem estes o discípulo aprendia as lições, campanha que desterrou os
grupos é casa ou província, e a cor começava a ser ensaiado com armas capoeiras para Fernando de
por que são conhecidos é a vermelha. de madeira e por fim serviam-se Noronha durante o governo
“Nagôa é o capoeira que dos próprios ferros, acontecendo de Deodoro da Fonseca”14.
pertence aos seguintes partidos: muitas vezes ficar ensanguentado A primeira codificação penal
Santa Luzia (Centro do qual foi o lugar dos exercícios. brasileira, intitulada de Código
chefe Manduca da Praia), S. José, “Os nagôas faziam os mesmos criminal do Império do Brasil, datada de
Lapa, Sant’Anna, Moura, Bolinha ensaios, com a diferença de que 1830, não fazia referência explícita
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 26

aos praticantes da capoeira, mas os capoeira, a polícia reprimiu com “Coelho Neto não apenas
chefes de polícia os enquadravam extrema violência os praticantes realça as qualidades ginásticas
no capítulo que tratava dos vadios e dessa tradição. Assim, o século 19 da capoeira. Ele a celebra como
mendigos. Com o fim da escravidão é marcado, principalmente nos a verdadeira educação física do
e o início da República, a capoeira arredores das cidades do Rio de Brasil, que deve ser ensinada nas
é inserida, “com todas as letras”, Janeiro e de Recife, por histórias escolas, nos quartéis, nos lares,
no Código Penal Brasileiro, por de combates e conflitos entre as em quaisquer lugares onde a
meio do Decreto nº 847, de 11 de maltas dos capoeiras e os policiais. instrução seja importante”.16
outubro de 1890, que assim dizia: De acordo com Soares, as maltas Soares lembra ainda que
eram formadas “por três, vinte Coelho Neto apresentara a Luiz
“Art. 402. Fazer nas ruas e até mesmo cem indivíduos” e Murat um projeto instituindo
e praças públicas exercícios de constituíam a “forma associativa a obrigatoriedade do ensino da
agilidade e destreza corporal, de resistência mais comum entre capoeira em escolas e quartéis.
conhecidos pela denominação escravos e homens livres pobres do Tal intenção acompanha a visão
capoeiragem; andar em correrias, Rio de Janeiro da segunda metade do nacionalista que se construiu a partir
com armas ou instrumentos capazes século 19”. Embora colocados como daquela época, investindo na capoeira
de produzir uma lesão corporal, criminosos, os capoeiras tiveram uma como representação autêntica da
provocando tumulto ou desordens, recuperação social promovida pela brasilidade, como podemos perceber
ameaçando pessoa certa ou incerta, “vertente nacionalista da belle époque”, neste trecho da crônica intitulada,
ou incutindo temor ou algum mal. que buscava defender a capoeira sugestivamente, O nosso jogo:
Pena: de prisão cellular de como ginástica brasileira. Nesse
dois meses a seis meses” . sentido, Coelho Neto “representou “Em 1910, Germano Harlocher,
Munida, nesse momento, o ponto alto da versão que defendia Luiz Murat e quem escreve estas
de um instrumento jurídico a transformação da capoeira em linhas pensavam em mandar um
específico de incriminação da esporte nacional”. Conforme Soares: projeto à Câmara dos Deputados
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 27

À ESQ U ERDA
M I TO : A I MA G EM RO M ANTIZ ADA
E A N A CR Ô N I CA DO MUL ATO D A
C A P O EI RA P R O J ETADA NO TE M PO
C OLON I AL.
D E SEN HO DE LUÍS EDM UND O.

À D I R EI RA
A Q U A RELA DE AU G U S TUS E ARL E .

tornando obrigatório o ensino da


capoeiragem nos institutos oficiais
e nos quartéis. Desistiram, porém,
da ideia, porque houve quem a
achasse ridícula, simplesmente
porque tal jogo era... brasileiro”.
“Enfim, vamos aprender a
dar murros – é esporte elegante,
porque a gente o pratica de
luvas, rende dólares e chama-
se box, nome inglês”17.
A inclusão da capoeira no
projeto nacionalista se estenderia
ao longo das décadas seguintes. Apesar do “desaparecimento” nunca o tivesse conhecido, misturou
A ideia de nação que passava a da capoeira no Rio de Janeiro do a capoeira que aprendeu nas ruas
ser construída por intelectuais final do século 19 e início do 20, à luta greco-romana e ao boxe.
da belle époque, na qual se avaliava um mestre de capoeira paulista, Conforme explicou Muniz
o lugar da capoeira na cultura conhecido como Sinhozinho, Sodré: “É que, no Rio da década
brasileira, teria continuidade nos apelido de Agenor Moreira Sampaio, de 1920, como já se encontrava
escritos de Mello Moraes Filho, manteve uma academia em Ipanema, praticamente extinta a perigosa
que retomaria essa imagem já na entre os anos 1920 e 1960. Nela, técnica de luta das maltas, restava
década de 1920, afirmando: eliminou o canto e os instrumentos o aproveitamento ginástico ou
“A capoeira, como arte, musicais, preocupando-se apenas pugilístico (regrado, controlado
como instrumento de defesa, com as questões física e marcial. À por academia) da velha capoeiragem
é a luta própria do Brasil”.18 maneira de Mestre Bimba, sem que por jovens bem-nutridos da alta
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 28

À E S QU E RDA
PA IS A GE M DE S Ã O S A L V A DOR .
GRA V U RA DE JOH A NN M ORIT Z
RU GE NDA S .

À DIRE IT A
PA S S E IO DE DOM INGO À T A R D E.
A QU A RE L A S OBRE PA PE L DE J EA N -
BA PT IS T E DE BRE T .

classe média”. Confirmando essa históricas sobre a capoeira baiana estudos sobre o tema21. Registra
tendência, “surgiu, em 1928, no século 19 eram as crônicas cantigas, golpes, instrumento
no Rio de Janeiro, um Manual escritas por Manuel Querino musical, gírias, indumentárias,
de gymnastica nacional (capoeiragem) e Antônio Vianna, relatos de costumes, cismas, rixas, ritos,
methodizada e regrada, escrito por viajantes estrangeiros, algumas ocasiões e lugares dos conflitos,
Annibal Burlamaqui, o Zuma poucas notícias de jornal, a tradição além de apontar as diferentes
nas rodas de capoeira”19. oral e a gravura San Salvador, finalidades que eram atribuídas
Essa nova visão da capoeira de Rugendas. Ao contrário da à capoeira, como esporte, luta e
nos quadros da sociedade urbana capoeira do Rio de Janeiro, que folguedo. Sabe-se, por meio dele,
da capital revela que, junto com tem uma grande documentação que, desde aquele período, o jogo
a ampliação dos espaços onde referente a esse período e que já era praticado por diferentes
a capoeira pôde ser praticada, foi bastante estudada, o universo grupos sociais.
ocorreu um processo de da capoeiragem da Bahia no século Querino relata também
socialização altamente marcado 19 é permeado de mitos, fantasias, o envolvimento dos capoeiras
pela versão mais atlética e muitas suposições e alguns com a capangagem eleitoral e a
esportiva que, nas décadas de documentos. Mesmo participação do grupo na Guerra
1920 e 1930, autores como assim, aos poucos, vai sendo do Paraguai. A capoeira relatada e
Coelho Neto e Mello Moraes montado o mosaico de peças que interpretada por ele aparece com
Filho afirmavam como projeto. compõe a capoeira baiana do diferentes significados, conflito e
Na Bahia, o período mais tempo dos escravos. brincadeira, dança e luta, presente
estudado e documentado, Manuel Querino, negro, no mundo da festa, da política
de maneira ordenada, é o da baiano, nascido em meados do e das ruas. Quanto à origem da
República Velha, mais precisamente século 19, deixou muitas pistas aos luta, ele a atribui ao “angola”,
entre 1890 e 193020. Até há estudiosos sobre o assunto. Pode “typo completo e acabado do
pouco tempo, as únicas fontes ser considerado o precursor dos capadócio”, “introdutor da
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 29

capoeiras usadas para conquistar


autonomia territorial e armar
redutos para a prática de sua arte23.
Em Vianna, também se
encontra uma das raras descrições
de batuque (luta), em que aparece
a sua interface com a capoeira.
Seus registros recaem, mais
frequentemente, nos ambientes
de festa, trabalho e conflito que
aconteciam na região portuária, em
especial no Cais Dourado, por ele
destacado como uma das principais
capoeiragem na Bahia”22. Antônio Vianna mostra zonas da capoeiragem, entre o final
Antônio Vianna, a outra fonte a influência da luta greco- do século 19 e início do 20. Além
primordial sobre este tema, que romana sobre a capoeira. Narra disso, ele já revela o preconceito
vivenciou desde menino aspectos ainda aspectos do cotidiano dos social em relação ao capoeira.
da capoeira baiana, registra em capoeiras: valores, armas usadas, Seguindo as pistas deixadas
suas crônicas ricas e importantes lugares por eles frequentados, por Querino e Vianna, Antônio
descrições sobre a cultura da hábitos alimentares, cismas, brigas Liberac foi o primeiro a estudar
capoeiragem, as indumentárias entre capoeiras e os conflitos sistematicamente a capoeira
e os instrumentos, cantigas e entre estes e a polícia. Ao citar a baiana do século 19. No início
golpes, ampliando o volume figura de Lamite, capoeirista tido de sua pesquisa, Liberac, que já
de informações anteriormente como um valentão, o autor coloca havia estudado a capoeira no Rio
apontadas por Querino. em evidência algumas táticas dos de Janeiro, vasculhou centenas
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 30

GR U PO DE G A RO TAS F R ANC E SAS.


L I T OG R AVU R A DE I SA AC M E ND E S
B E L I SA RI O.

de registros de entrada de presos


na Casa de Detenção da cidade
de Salvador. Ao contrário de
sua investigação sobre o Rio de
Janeiro, que resultou no encontro
de numerosas fontes jurídico-
policiais, em Salvador ele não
localizou na documentação sequer
uma menção aos capoeiras24.
Por esse motivo, para identificar
seus sujeitos, o autor rastreou,
na imprensa da época e nos
processos-crimes consultados, os
termos “capadócio”, “valentões”, O objetivo do autor era fazer visualizar a presença da capoeira
“bambas”, “navalhistas”, uma análise comparativa entre as baiana na cultura de rua de
“cabeçada”, “rasteira”, “pontapé”, capoeiras carioca e baiana de 1890 Salvador, onde se destaca como
“vadiação”, “rabo de arraia”, a 1950. Uma de suas conclusões uma arma eficiente nos conflitos
“berimbau”, entre outros. é a de que a capoeira da Bahia, corpo a corpo com os agentes
Segundo Liberac, eles faziam embora não tenha tido a mesma policiais. Constatou, através de
parte da cultura da capoeiragem, visibilidade histórica que a do Rio queixas e reclamações nos jornais,
uma vez que a palavra capoeira de Janeiro, certamente fez parte a vigência do preconceito social
aparecia muito raramente nessa do universo cultural da sociedade e racial em relação à capoeira,
documentação e nem sempre soteropolitana do século 19. assim como acontecia com outras
como sinônimo de jogo/ Pela nova documentação manifestações afrodescendentes.
luta propriamente dito. apresentada por Liberac, é possível Observou que, na imprensa baiana,
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 31

L E DOU , A GRA NDE FE S T A


DOS E S C RA V OS , V IA GE M A O
S U RINA M E , PU BL IC A DO PE L A
S OC IE DA DE DE BE L A S A RT E S .
DE S E NH O DE PIE RRE
JA C QU E S BE NOIT .

o candomblé, a capoeira e o samba Também relativiza a capoeira como para a realização das duas
muitas vezes eram encontrados fenômeno exclusivamente urbano, atividades. Dessa forma, Frede
estreitamente interligados no uma vez que fotografias e gravuras suspeita que “a cadência dos
universo de um mesmo indivíduo. da capital da Bahia do século 19 passos dos carregadores da Bahia
E embora confirme que a capoeira mostram que, embora fosse tenha se figurado nos passos da
fazia parte, principalmente, do um núcleo urbano desenvolvido, capoeira”, da mesma maneira que,
universo popular masculino, Salvador conservava amplas anteriormente, diferentes autores
mostra que, já nesse período, áreas de mata. suspeitaram que a marcha-rancho
existiam pessoas da elite e também No entanto, grande parte da do carnaval carioca tenha sido
mulheres pobres que dominavam documentação apresentada no prefigurada na cadência dos passos
os códigos da capoeiragem. livro se restringe à zona urbana, na dos carregadores de café no Rio de
Recentemente, Frede Abreu, qual o autor destacou, em especial, Janeiro26. Ainda sobre a imbricação
dando continuidade ao estudo a interface da capoeira com o da capoeira no universo das ruas, o
realizado por Liberac, escreveu mundo do trabalhador de rua, autor revelou que o cancioneiro da
um livro no qual amplia o principalmente dos carregadores, capoeira se enriqueceu dos cantos
volume de documentação sobre ocupação exclusiva de negros de trabalho e que o trabalhador
o tema, incluindo novas notícias naquele período. Percebeu que de rua, em momentos lúdicos e de
de jornais, processos crimes, o rito dos trabalhadores na Bahia conflitos, também se utilizava dos
relatos de viajantes estrangeiros, de carregar peso, descrito por golpes e movimentos da capoeira.
memórias e algumas imagens de alguns viajantes estrangeiros, No seu livro, Frede Abreu
época25. O autor dialoga com tinha várias semelhanças com o torna conhecidos alguns nomes
diferentes estudiosos da escravidão ritual da capoeira. Em ambos de capoeiras do século 19, dentre
na Bahia (e no Rio de Janeiro), há uma combinação de três eles João Pernambucano, Marcus
buscando as pistas por eles deixadas elementos básicos: música, dança Rabeca, Celestino Estivador,
sobre a capoeiragem baiana. e esforço físico, indispensáveis Domingos, Alexandre Evaristo e
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 32

A BA IXO
RE C ORT E DA PINT U RA DE
A GOS T INO BRU NIA S QU E RE T R A T A
O C OM BA T E DE V A RA NA IL H A D E
S Ã O DOM INGOS .
PINT U RA DE A GOS T INO BRU N I A S.

À DIRE IT A
DIA DE RE IS , H A V A NA C U BA .
L IT OGRA V U RA DOA DA POR
FRE DE RIC M IA L H E .

Manuel dos Passos Ramos. Mostra a capoeiragem já se constituía


que muitos locais e ocasiões de uma atividade popular muito
prática de desordem divulgados apreciada por parte da população
pelos jornais eram também baiana e fazia parte do cotidiano
espaços de capoeiragem. Nesse das ruas da cidade de Salvador,
período, é fato conhecido que atraindo também a atenção da
homens do povo (maioria negra), juventude, o que era motivo de
fossem eles desordeiros ou não, preocupação para as autoridades.
eram recrutados à força pelas A República Velha foi a
autoridades policiais para servir época privilegiada pelos estudos
à Marinha de Guerra Brasileira históricos sobre a capoeira
e ao Exército, como forma de baiana na cidade de Salvador. Os
punição. Alguns escravos também caminhos de pesquisa trilhados por
se alistavam voluntariamente seus primeiros estudiosos foram pesquisa sobre a capoeira carioca,
nessas instituições militares, como diferentes dos passos de investigação buscou localizar os capoeiras nos
meio de conseguir a liberdade. dados pelos principais historiadores processos-crimes referentes ao
Por meio da localização de da capoeira carioca. É que, no artigo 303, que tratava dos crimes
alguns processos livres e coercitivos Rio de Janeiro, a criminalização por lesão corporal. Conseguiu
de recrutamento de capoeiras da capoeira pelo famoso artigo reunir 92 processos-crimes,
para as forças armadas e para a 402, do Decreto nº 847, de 11 de entre os anos de 1890 e 1930,
Guerra do Paraguai, observou- outubro de 1890, produziu uma encontrados por meio dos nomes
se ainda que os capoeiras baianos série de documentos que até hoje mencionados pela tradição oral
não escaparam dessa prática não foram localizados na Bahia. e dos elementos que, de acordo
corrente, o que confirma o relato Assim, Antônio Liberac, com com o autor, faziam parte da
de Manuel Querino. Nessa época, a experiência adquirida na sua cultura da capoeiragem.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 33

Os demais historiadores termos diretamente relacionados Mestre Pastinha, foi possível seguir
deste tema, Adriana Albert a ela. Na maioria das notícias os passos desses capoeiras pelas
e Josivaldo Oliveira, dando levantadas, os capoeiras não ruas de Salvador. Suas memórias
continuidade aos estudos sobre o eram diferenciados dos demais foram pontos de partida para os
assunto, privilegiaram a imprensa indivíduos. Pois, todos eram novos estudos, porque esses mestres
baiana como fonte de pesquisa, chamados de forma generalizada registraram nomes e apelidos dos
especificamente a coluna policial, de “desordeiros”, “capadócios”, capoeiras referentes ao período
onde estavam localizadas as “valentões” etc.27. Era grande, focalizado, além de alguns fatos
notícias de desordens. Em algumas portanto, o desafio para penetrar de suas vidas que permitiram
delas, era explícita a referência no universo da capoeira baiana. identificar, nos jornais da época,
ao capoeira em função do uso da Mas, graças aos manuscritos mais de 115 notícias envolvendo
própria palavra “capoeira” ou de do Mestre Noronha e ao livro do capoeiras. Nessas duas fontes
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aparecem também ocupações, desordeiros, uma vez que muitos quase todos no estado da Bahia,
manias, cismas, costumes, locais deles simplesmente viviam no com maior incidência em Salvador
e ocasiões de capoeira e uma série mundo das ruas, batiam tambor, e no Recôncavo Baiano. Com
de outras informações. Por isso, jogavam capoeira e algumas relação ao grau de instrução, a
devem ser consideradas essenciais vezes até matavam. Em síntese, maior parte dos capoeiras era
para a construção da história da transgrediam os padrões e as analfabeta; quanto à ocupação,
capoeira baiana na época28. regras da ordem pública. como já foi dito, muitos realizavam
Os estudos revelam que grande A maioria dos capoeiras dessa trabalho braçal, principalmente
parte dos capoeiras era formada época trabalhava como carregador na região portuária.
por trabalhadores, ao contrário e estivador, atividades muito Constatou-se também que
do que escreviam os jornalistas da ligadas à região portuária. Outros grande parte dos capoeiras
época, que se referiam a eles como eram carroceiros, peixeiros, em Salvador era de cor negra,
um bando de vadios e vagabundos. marítimos, engraxates, pedreiros, embora, desde o século 19, alguns
Contudo, assim como a maioria marceneiros, chapeleiros, donos códigos culturais da capoeiragem
da população soteropolitana29, de botecos e casas de jogo, já tivessem se expandido para o
os capoeiras eram trabalhadores vendedores ambulantes, leões de universo de diversos segmentos
de rua, viviam de ocupações chácara e até mesmo policiais. sociais, inclusive da elite e da
esporádicas e intermitentes. Além do padrão ocupacional juventude baiana. Durante a
Ou seja, tinham um ritmo de apresentado, esse volume de República Velha, a capoeiragem
trabalho bastante irregular, o documentação permitiu a baiana era uma manifestação de
que lhes proporcionava períodos construção do perfil dos capoeiras rua, afrodescendente, e muitos
de ociosidade, entremeados daquela época. A maioria deles dos seus praticantes tinham
por momentos de diversão. tinha apelido, havia nascido entre ligações com candomblé, samba
Mesmo sendo trabalhadores, os as últimas décadas do século 19 e e batuque. O vínculo entre os
capoeiras também podiam ser os primeiros anos do século 20, capoeiras e essas práticas podia
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 35

À E SQ U ERDA
D AN ÇA DE N EG R AS.
D E SEN HO DE MA RTI N E Z COM ANON
Y BUJ A N DA.

ABAIXO
B AN DA DE J A W -B O N E E JOHN-
C A N OE.
L I TO G R AVU R A DE
I S A AC MEN DES B ELI SARIO.

era “desafricanizar as ruas”30, os frequentes conflitos com a


ou seja, erradicar de Salvador polícia. Todavia, o que os demais
todos os hábitos e costumes do estudos históricos já citados
povo que lembrassem a África. mostram é que esses indivíduos
Grande parte da população não só entravam em conflito
soteropolitana compunha-se de com a polícia, como também
negros e mestiços, e o cotidiano brigavam com outros capoeiras,
da cidade era marcado por diversas trabalhadores, desordeiros e, às
manifestações da cultura negra. vezes, agrediam mulheres, até suas
Com o movimento pretendido próprias companheiras. Muitas
de reforma e higienização do dessas brigas envolvendo capoeiras
espaço urbano, multiplicaram-se as foram registradas na imprensa
reclamações moralistas da imprensa baiana. Algumas delas viraram
se originar na própria família, e foi acirrada a repressão policial “caso de justiça”, e os capoeiras
no ambiente de trabalho ou, contra tais práticas culturais. responderam a processo por
também, nas festas populares. Portanto, não é de se surpreender desordem ou por lesão corporal.
No contexto da República que, nessa época, uma boa parte das Essas notícias, alguns processos
Velha, as elites baianas sonhavam camadas populares soteropolitanas, crimes e o seu cruzamento com
em transformar a capital da fosse ela desordeira de fato, ou as crônicas e a tradição oral – que
Bahia numa metrópole moderna não, tivesse sua vida marcada por registraram os principais pontos
e civilizada, nos moldes da recorrentes confrontos com a lei. da cidade e ocasiões de capoeira –
sociedade europeia. Para tanto, Com os capoeiras não podia possibilitaram que os estudiosos da
acreditavam ser necessário reformar ser diferente. Uma característica capoeiragem baiana do começo do
a arquitetura da cidade e, mais que marcava fortemente o século 20 traçassem a geografia da
do que isso, o que se pretendia cotidiano dos capoeiras eram capoeira na cidade de Salvador.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 36

Das vinte freguesias que zonas perigosas, principalmente não apenas como arma de conflito,
compunham a cidade de Salvador, à noite, quando o comércio como em geral era descrita nos
três se destacaram como áreas de fechava suas portas e as ruas jornais. Nessa época, “a capoeira era
maior concentração de capoeiras, eram ocupadas por indivíduos também um tipo de divertimento
a seguir apresentadas em ordem chamados de vadios e vagabundos, popular, uma brincadeira, e tinha
decrescente: o Pilar, que ficava conforme o “conceito” policial muitos significados. Luta em
na cidade baixa, e a Sé e a rua do e de imprensa da época31. diferentes situações, brincadeira
Paço, que ficavam na cidade alta. Dentro dessas três freguesias de rua realizada nas folgas do
Essas freguesias eram relativamente ficavam a ladeira do Tabuão, a serviço, nas festas de largo e até
próximas e tinham algumas Baixinha, a Baixa dos Sapateiros, mesmo durante o trabalho”33, o
características em comum que o Terreiro de Jesus, o Cruzeiro que aponta certa continuidade
explicam porque os capoeiras se de São Francisco, a rua do entre a capoeiragem oitocentista e a
encontravam nelas. Eram áreas Saldanha, a praça Castro Alves capoeira republicana em Salvador.
de trabalho, próximas ao porto e o Cais Dourado, conhecidos As festas populares da
e ao bairro comercial, local de como tradicionais pontos de Bahia ficaram tradicionalmente
moradia de muitas famílias pobres capoeiragem, desde o século 1932. conhecidas como ocasiões em que
e ambiente de diversão para as Nesses locais, formou-se uma os capoeiras se reuniam para fazer
camadas populares, com casas de importante geração de capoeiras sua brincadeira. Tudo indica que
jogo, botequins, vendas e zonas que, posteriormente, se tornaram foi no ambiente da festa que a
de prostituição nelas localizadas. célebres: Onça Preta, Noronha, capoeira conquistou seu espaço
Essa proximidade do ambiente Pastinha, Bimba, Cobrinha na sociedade soteropolitana.
de trabalho e de vadiagem, onde Verde, Maré e Livino Diogo. Muitas delas são lembradas
a “ordem” e a “desordem” se É importante destacar que, em por Mestre Noronha em seus
misturavam, fazia com que essas todos os locais citados, a capoeira manuscritos, porque ele e outros
freguesias fossem consideradas se manifestava de diversas formas e mestres tinham por costume
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 37

OS “BRA BOS ” DO RE C IFE .


DE SENH O DE NE S T OR S IL V A .

realizar, nessas ocasiões, uma sobre capoeiragem e registrado,


“grande roda de capoeira”34. também, na tradição oral. Na
Todavia, mesmo quando Bahia, os capoeiras Inocêncio Sete
praticada como forma de Mortes, Estevinho, Duquinha,
brincadeira, nas festas populares ou Samuel da Calçada, Sebastião
durante o trabalho, a capoeira era de Souza e Pedro Mineiro,
vista com maus olhos pela imprensa entre outros, atuaram como
baiana. E apesar de processos capangas. Em troca dos favores
por crime de capoeiragem não prestados, recebiam proteção
terem sido encontrados nos policial e, por isso, suas práticas
arquivos de Salvador, os capoeiras de desordem eram toleradas.
podiam ser presos, simplesmente, Recife também teve
por estar realizando o jogo. capoeiristas valentes que se
Pode-se afirmar que a popularmente conhecido por tornaram lendários, como
República Velha foi o momento Pedrito, ambos perseguidores Nascimento Grande, Adama,
de maior turbulência da capoeira dessas manifestações. Chico Cândido, Antônio
baiana e também de maior Nem sempre, porém, capoeiras Florentino e muitos outros.
repressão policial, que atingiu não e policiais estavam em posições Como no Rio de Janeiro, a
só a capoeira como os terreiros opostas. Uma característica forte da capoeira pernambucana sofreu
de candomblé e o samba. Neste capoeiragem baiana na República forte repressão, defrontando-
processo, os historiadores da Velha, como acontecia no Rio de se com o estigma do crime e
capoeira baiana destacaram duas Janeiro da época do Império, é a sua da marginalidade. Por outro
autoridades policias: o chefe de relação com a capangagem política. lado, os capoeiras recifenses
polícia Álvaro Cova e o famoso Isso fica bastante em evidência também estiveram envolvidos na
delegado Pedro Gordilho, em todos os estudos realizados capangagem eleitoral e na proteção
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 38

NA GOA S E GU A Y A M Ú S – ROU P A S
T Í PIC A S - IL U S T RA Ç Ã O DA K O SMO S,
RE V IS T A A RT Í S T IC A , C IE NT Í F I CA E
L IT E RÁ RIA .
C A L IXT O C ORDE IRO – K . L IXT O .

de figuras políticas, bem como que já tem sido levantado há


na constituição da Guarda Negra algum tempo por pesquisas em
e na campanha do Paraguai. torno do Rio de Janeiro e de
No que se refere ao Carnaval, Salvador. Enquanto estas cidades
há ainda mais um paralelo com têm um acervo significativo de
a história da capoeira no Rio de histórias e personagens, a crônica
Janeiro: se a ginga dos capoeiristas da capoeira no Recife permanece
influenciou o carnaval carioca, um campo relativamente
por meio da dança do mestre-sala restrito em referências
e porta-bandeira, no carnaval detalhadas sobre o cotidiano
de Pernambuco, sua presença é dos capoeiristas ao longo da
ainda mais ostensiva, já que os história e de sua presença
capoeiras foram os criadores do viva nos espaços da cidade.
passo do frevo no Carnaval35. As indicações existentes na pedestres”, durante a segunda
Apesar de sua importância bibliografia consultada revelam, metade do século 19, sugere que a
histórica, poucos são os estudos sobretudo, a relação dos antigos experiência urbana da escravidão
e pequeno o levantamento capoeiras com as rivalidades no Império é um traço inseparável
bibliográfico e documental entre as bandas de música nos da história da capoeira no Recife.
sobre a capoeira em Recife. primórdios do Carnaval e com Gilberto Freyre reproduz
Mesmo assim, o reconhecimento a origem do “passo”. A maioria uma imagem típica e muito
da influência da capoeira na das referências sobre o passado divulgada da ação fatal dos
cultura urbana da capital de dos capoeiras nessa cidade refere- capoeiras na cidade do Recife:
Pernambuco é um fato. Mas se à sua presença no carnaval de “Às vezes havia negro
é uma trajetória ainda pouco rua. A frequência de libertos e navalhado; moleque com os
conhecida, se compararmos ao escravos de ganho nos “clubes intestinos de fora que uma rede
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 39

branca vinha buscar (as redes perfil dos antigos bravos e valentes: prosseguindo a prática daquelas
vermelhas eram para os feridos; as sua atuação nas bandas de música, corporações que empunhavam
brancas para os mortos). Porque nas procissões e nas festas de rua, seus estandartes e “marchavam”
as procissões com banda de seu caráter urbano e sua ligação pelas ruas no Corpus Christi e nas
música tornaram-se o ponto de com a malandragem e o crime. Festas de Reis, envolvendo a massa
encontro dos capoeiras, curioso Mas é, principalmente, através de trabalhadores pobres – entre os
tipo de negro ou mulato da da história do Carnaval que a quais se destacavam, justamente,
cidade, correspondendo ao dos memória da capoeira antiga do os libertos e os descendentes
capangas e cabras dos engenhos. Recife se constrói. A referência às de escravos. A tradição dos dois
primeiras corporações de ofício, grandes rivais, o Clubes das
“O forte do capoeira era a formadas por carregadores do Pás e o Vassourinhas, também
navalha, ou a faca de ponta; sua porto, nas origens dos “clubes de traz a marca dessa origem.
gabolice, a do pixaim penteado rua”, confirma essa característica Pereira da Costa38, em um
em trunfa, a da sandália na e aproxima a capoeira do Recife estudo publicado na Revista do
ponta do pé quase de dançarino dos primeiros folguedos urbanos. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
e a do modo desengonçado de Os desfiles das corporações (IHGB), refere-se à presença das
andar. A capoeiragem incluía, reuniam trabalhadores de diversos bandas militares naqueles desfiles
além disso, uma série de passos ramos, que batizariam os primeiros do século 18 e, neles, à atuação dos
difíceis e de agilidades quase clubes. Katarina Real37 nos dá capoeiras. O autor lembra “duas
incríveis de corpo, nas quais notícia de alguns desses clubes, excelentes bandas de música que,
o malandro de rua se iniciava intimamente associados aos laços de pelo ano de 1856, existiam entre
como que maçonicamente”36. ofício entre trabalhadores urbanos, nós”: a do “quarto batalhão de
Nessa descrição, Gilberto já no final do século 18: Clube artilharia” e outra, pertencente a
Freyre reproduz as principais linhas dos Ferreiros, dos Vasculhadores, “um corpo da Guarda Nacional”,
que, ainda hoje, configuram o dos Espanadores e outros, formando “dois partidos de
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 40

capoeiras que eram violentos Viva o Quarto, remetendo às raízes do frevo,


rivais, o Quarto, que apoiava o 4° Fora o Espanha! nasce, então, nos “partidos” de
Batalhão, e o Hespanha, que apoiava Cabeça Seca capoeira que acompanhavam
a banda da Guarda Nacional”. É que apanha! as bandas militares, durante os
Pereira da Costa lembra ainda desfiles dos clubes pedestres.
que tal rivalidade encerra-se com Ou esses: Katarina Real observa em seu
a ida do Quarto para a Guerra Não venha, estudo que essas origens do passo
do Paraguai, em 1865. Esses dois chapéu de lenha! têm uma história em comum
partidos reproduziam a rivalidade Partiu, com o processo de aclimatação de
entre as bandas de música, cujo Caiu, manifestações africanas observado
encontro resultava em lutas e Morreu, também no Rio de Janeiro: “As
hostilidades entre os grupos de Fedeu! origens dos passos do frevo vêm
capoeiristas que as acompanhavam. diretamente da capoeira de angola
Essa realidade, muito semelhante “Saísse uma música para trazida ao Brasil pelos negros
à das maltas do Rio de Janeiro uma parada ou uma festa angolenses, dança guerreira na
nas bandas militares, durante a e lá estavam infalíveis os sua forma original que produziu
segunda metade do século 19, capoeiras à frente, gingando, não somente o passo como
prolonga-se pelo Carnaval dos piruetando, manobrando também a pernada carioca”40.
clubes pedestres do início do século cacetes e exibindo navalhas”39. Outro parentesco facilmente
20 e, nesse percurso, mistura-se Dessa participação dos identificável entre a história da
ao variado repertório do Carnaval capoeiras na folia das ruas capoeira nas duas cidades se refere à
de Recife. Pereira da Costa registra nasceria o passo característico atuação dos capoeiristas na política
os versos de hostilidade que da coreografia que acompanha a partidária do século 19. Mário Sette
bramavam entre si os “bravos”, música do frevo. Essa conhecida menciona o prestígio que muitos
enfrentando-se à saída das bandas: relação da capoeira com o passo, “bravos” adquiriam por intermédio
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 41

P I NTURA ORI G I N AL DO ABBY


A LDRI CH R O CK EF ELLE R FOL K ART
M USEUM, I N TI TU LADA D E DANÇA DA
P L A N TA ÇÃ O , CA RO LI NA D O SUL .
P I NTURA DE J OHN ROSE .

a seguinte passagem: “Do


começo foram os capoeiras a
modalidade mais ágil e pública
dos valentes. A capoeiragem no
Recife, como no Rio antigo,
criou tais raízes que se julgava um
herói sobrenatural quem tivesse
forças para acabar com ela”43.
A progressiva criminalização
da capoeira, na cidade do
Recife, acompanha as práticas
de normatização do espaço e
de perseguição aos “bravos” e
de suas relações com figuras da dos elementos ligados à capoeira “valentes”, que também se observam
política, para quem serviam de que, muitas vezes, contribuíam nas outras grandes capitais da
capangas eleitorais: “Os capoeiras, ou negociavam com o sistema Primeira República, a partir de
em regra, pertenciam a este ou político. Nos dois registros, 1890. Como afirma Evandro
àquele figurão dos tempos. Nos dias o personagem da capoeira Rabello, os códigos de postura
de eleição retribuíam com serviços pernambucana assume uma decretados pela administração
valiosos a proteção e a impunidade”41. posição análoga à que, na crônica municipal, naquele contexto,
Entre esses “bravos” da da capoeira carioca, os membros faziam proibir a aglomeração, em
capoeiragem, o memorialista das maltas desempenhavam no locais públicos, de ex-escravos
cita João Sabe Tudo e o lendário Rio de Janeiro. Tal semelhança e demais elementos ligados às
Nascimento Grande, lembrado por não passou despercebida por práticas culturais afro-brasileiras.
Gilberto Freyre42 como exemplo Mário Sette, conforme demonstra Na capital federal, esse momento
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 42

O V E L H O ORFE U A FRIC A NO
(ORIC ONGO).
A QU A RE L A DE JE A N- BA PT IS T E
DE BRE T .

tem no chefe de polícia Sampaio


Ferraz, nomeado por Deodoro
da Fonseca, um símbolo extremo
da política de perseguição e de
deportações que se abateram sobre
os capoeiristas nas cidades.
Depois de recordar antigos
capoeiras recifenses de renome
– além de Nascimento Grande,
Chico Cândido, Amaro Preto,
Sabe Tudo, José Siri e outros
–, Valdemar de Oliveira lembra
que, em Pernambuco, a caçada à
capoeira nos primeiros tempos o desembargador Santos Moreira, Note-se que, durante a crise
da República também teve seus segue o exemplo de Sampaio final do Império, vinha ocorrendo
representantes. Entre eles, destaca- Ferraz: manda alguns para o um aumento da visibilidade dos
se a figura de Santos Moreira, cemitério (‘por terem reagido à capoeiras, após a Guerra do
principal responsável pela série de prisão’), outros para a Detenção, Paraguai, com a formação da Guarda
deportações, desterros e extermínio os mais temíveis para Fernando. Negra e a presença difusa de libertos
de numerosos capoeiristas Das ruas cada vez mais bem que participaram do conflito,
durante a República Velha. iluminadas do Recife (até isso teria pelas capitais, provocando uma
concorrido para o progressivo transformação no estatuto daqueles
“Havia de chegar a vez de extermínio dos desordeiros), “homens de cor” que, em parte,
todos eles. O Chefe da Polícia do foram desaparecendo, pouco ficavam investidos de uma nova
governo Sigismundo Gonçalves, a pouco, os brabos”44. identidade social. Estabelecendo
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 43

NE GROS QU E V Ã O L E V A R A Ç OIT E S .
FRE D E RIC O GU IL L E RM E BRIGGS .

um paralelo com a reflexão de Rabello chama a atenção para tal fardados sentiam-se mais protegidos
Carlos Eugênio Líbano Soares sobre aspecto, demonstrando que essa das investidas repressoras da polícia,
a condição dos capoeiras no Rio inserção dos capoeiras nas forças já que os próprios soldados do
de Janeiro oitocentista, Evandro oficiais poderia assumir um sentido exército, quando envolvidos em
Rabello45 sugere que os “capoeiras- inusitado e estratégico para garantir desordens, recusavam-se a aceitar a
soldados” do Recife estiveram à a continuidade daquela tradição: autoridade da polícia provincial”46.
frente das primeiras manifestações Rabello faz uma compilação
públicas abrangendo a prática da “Registros jornalísticos de matérias do Diário de Pernambuco
capoeiragem, liderando as disputas demonstram a presença ativa e do Jornal Pequeno em torno do
entre os clubes e as agremiações de soldados fardados exibindo- Carnaval. Em algumas dessas
carnavalescas, como também os se publicamente nas rodas de matérias, aparece a conhecida
conflitos em que se envolviam capoeiragem. Esses capoeiras imagem do capoeira marginal
partidos e tendências políticas rivais. e desordeiro, envolvido em
A mobilidade social dos assassinatos e brigas, como
libertos que assumiam alguma justificativa para medidas
posição no exército e na polícia repressivas em nome da
correspondia à sua liderança “pacificação” dos desfiles. Assim,
nos partidos de capoeira que em matéria de 1923, o Jornal
se enfrentavam em torno das Pequeno noticiava o aparecimento
bandas ou nas disputas eleitorais. de um bloco carnavalesco que,
Assim, a presença ambígua dos supostamente, fazia renascer a
capoeiristas de Recife nas fileiras personagem do capoeira como
do exército fazia-os assumir um vândalo. Aos olhos do autor
papel importante para a visibilidade anônimo da matéria, essa categoria
da capoeira nas ruas. Evandro de bravos parecia ter sumido
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 44

com a introdução da cavalaria os clubes nesses passeios por dos artigos compilados no livro
da polícia no acompanhamento patrulhas de cavalaria. de Rabello com referências ao
dos cordões. Diz o jornal: “Ontem à noite, porém, surgiu Carnaval e à capoeira. O dado
na cidade inesperadamente uma da cavalaria, tema comum nas
“A essas exibições públicas, troça, cordão ou bloco que tomou o histórias de perseguição da
que pela impropriedade nada nome pouco significativo de “Braço polícia a capoeiristas, remete à
tinham de carnaval, deu o nosso é braço”. E depois de andar, acima observação de Gilberto Freyre
povo a denominação de frevo. e abaixo, azucrinando os ouvidos e sobre a repressão às manifestações
“Sempre que esses cordões interrompendo a normalidade da públicas de ex-escravos e da faixa
saíam à rua, precedidos vida citadina, lá pelos lados de S. mais pobre da população, que
de numerosa orquestra ou José, valente-capoeira recordando abrigava a maioria dos capoeiras:
fanfarra, arrastavam um grande os velhos tempos disparou para o
acompanhamento, em que ar a sua respeitável pistola. Foi o “Só brancos, soldados ou
predominavam tipos afeitos a bastante para fechar o tempo... fidalgos feudalmente a cavalo faziam
desordens, capoeiras profissionais, “Para que os desordeiros de fugir moleques afoitos, capoeiras
enfim, elementos da pior espécie. ofício não escapassem ao castigo, desembestados, capadócios
Por isso mesmo, registravam-se no fez-se necessário que a cavalaria atrevidos. Veio até quase nossos
mais aceso dos frevos, cacetadas, entrasse em cena e mostrasse que dias o prestígio do simples grito
facadas, bofetadas e até mortes. a divisa de tal clube não estava ‘lá vem a cavalaria!’, isto é, a tropa
“Quando as desordens não certa. Nem sempre braço é braço. a galope, fazer dispersarem-se
eram provocadas por velhas Às vezes, braço... é espada”47. desordeiros ou insurretos a pé”48.
rixas de foliões, provocavam- A produção desse estigma em A existência desse mecanismo
nas os tipos de maus instintos. torno da figura do capoeirista, repressivo, defendido pelo
“Daí a providência da atribuindo-lhe a responsabilidade artigo do jornal e confirmado
polícia fazendo acompanhar pela “desordem”, é o tom geral por outros comentaristas em
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 45

C E RIM ÔNIA DE A DV INH A Ç Ã O E


DA NÇ A - BRA S IL .
DE S E NH O DE Z A C H A RIA S
W A GE NE R.

relação à capoeira, em geral, presença negra se impôs, antes e música. Essa lacuna não passou
bem como nas histórias contadas depois da Abolição. No Recife, despercebida a Mônica Beltrão:
pela própria comunidade a estudiosa e capoeirista Mônica
de capoeiristas, em torno da Carolina Beltrão registra, entre os “Tendenciosamente, os
origem do toque de berimbau, lugares frequentados por grupos de capoeiras foram vinculados a
denominado “Cavalaria”, revela capoeiras, as ruas do Imperador, tais agremiações, até porque,
mais uma vez que a história da do Rosário, das Trincheiras e do após a abolição da escravatura,
capoeira do Recife tem traços Pátio do Carmo, bem como os os desfiles das bandas passaram a
muito semelhantes ao que já foi bairros de Santo Antônio, São ser o principal atrativo cultural
observado por diversos cronistas José, Afogados, Torre e Madalena. da cidade. Não obstante,
e pesquisadores nas outras duas Em resumo, a ênfase na eternizaram a relação entre tais
cidades onde a capoeira constituiu presença da capoeira para bandas e os valentes, submergindo
as suas mais sólidas tradições: a formação das tradições o registro de outras manifestações
Rio de Janeiro e Salvador. carnavalescas de Recife é uma populares que contavam com
É possível, nesse sentido, marca da bibliografia sobre o a presença dos capoeiras,
imaginar a existência de registros assunto. Mas não há ainda uma maiormente as que envolviam
mais detalhados, correspondentes pesquisa de fôlego sobre o universo costumes afrodescendentes como
aos que já existem sobre as outras da capoeiragem. E nem mesmo o maracatu”49.
duas capitais. As semelhanças um estudo sistemático que se Retornando ao conjunto de
apontadas com o percurso da detenha sobre as trajetórias da fontes jornalísticas apresentadas no
capoeira no Rio de Janeiro sugerem capoeira para além de sua presença livro de Rabello, confirma-se que a
que, em Recife, a memória sobre a inquestionável na história do questão acima citada, levantada pela
capoeira se relaciona com a própria frevo e do passo e de seu vínculo pesquisadora, é importante para a
história de deportações e “limpeza” primordial com a ação de escravos ampliação do universo da capoeira
ocorridas nas cidades onde a e libertos nas antigas bandas de em Pernambuco. Temos, por
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 46

CAPOE IRA GE M S E C . XIX -


M AL TAS C A RIOC A S .
D E SE NH O DE S A L E S .

exemplo, um indício da participação libertos e seus descendentes. Além principal, senão o único, sinal
de capoeiras na brincadeira do disso, o caráter de divertimento da presença da capoeira na
bumba meu boi, conforme um popular da capoeira – como historiografia sobre a cidade.
relato de 1897, do Jornal de Pernambuco: mais um brinquedo ou um É necessário buscar, por
folguedo entre outros que aqui exemplo, a presença negra nas
“Em um bumba meu boi, se desenvolveram a partir de referências sobre as sedições e
brinquedo aliás selvagem que matrizes africanas – ainda não revoltas populares em Pernambuco,
efetua-se todos os sábados e foi devidamente ressaltado ou durante o século 1051, a participação
vésperas de dias santificados, houve mapeado nas fontes de época. de escravos e libertos no ciclo de
anteontem pancadaria e a mocidade Nestas, a ênfase na relação dos levantes liberais e a trajetória dos
vadiou. Noves fora. Um pobre “valentes” com a desordem pública “soldados-capoeiras” de Recife que
diabo com duas tremendas facadas. nos blocos de música ainda é o retornaram da Guerra do Paraguai.
Quanto ao mais, tudo vai bem”50. Essas temáticas, envolvendo
Igualmente, nas rivalidades estratégias de luta e modos de
entre os maracatus Oriente resistência e negociação dos
Pequeno e Leão Coroado, Rabello escravos e libertos, relacionam-se
anota a frequência de brigas e diretamente com a experiência dos
hostilidades envolvendo grupos capoeiras. Os arquivos da justiça
de “valentes”. Assim, para um e da polícia pernambucana, além
levantamento da presença de dos periódicos e das crônicas, são
capoeiristas em outras situações espaços onde se pode fazer esse
da vida urbana de Recife, seria levantamento imprescindível, na
preciso ampliar a busca da relação busca de indícios dessa inserção
das forças repressivas com as dos capoeiristas de Recife em
demais práticas reunindo escravos, seu ambiente sociocultural. ¢
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 47

RODA DE C A POE IRA .


FOT O: M A RC E L GA U T H E RO T .

O nascimento
de uma nova
tradição da
capoeira /
1930-1940

O período denominado “anos 30”


foi eleito pela literatura sobre
a capoeira baiana como divisor da
Lima, para a Bahia, “era aquele
um tempo em que os impulsos
amortecidos e reprimidos do
sua história. O destaque dado a essa negro começaram a se reorganizar
década está associado à invenção da através de diversos mecanismos
capoeira regional por Mestre Bimba, e estratégias de resistência
a partir de 1928, e sua consolidação cultural e afirmação política.
nos anos 30. O surgimento dessa Organizavam-se os movimentos
capoeira traz implícitas outras sindicais e os candomblés”52.
questões relacionadas à capoeira E, pode-se acrescentar,
baiana como um todo, envolvendo organizavam-se também as
desde a sua prática até o seu modo academias de capoeira.
de se relacionar com a sociedade. Entre as décadas de 1930
É necessário dizer que esse e 1940, cresce o interesse de sociedade sobre as manifestações
fenômeno acontece num contexto intelectuais brasileiros e de culturais afro-brasileiras.
histórico em que se dá um processo alguns estrangeiros por essas No caso da capoeira da Bahia,
de renovação institucional das manifestações, que se tornam é relevante o papel desempenhado
manifestações culturais negras em seus objetos de estudo e pesquisa. por Édison Carneiro, pioneiro
busca de legitimação, legalização Entre eles estavam Gilberto ao publicar, em 1936, um artigo
jurídica, construção de autonomia Freyre, Édison Carneiro, de página inteira sobre capoeira
territorial, visibilidade na imprensa, Arthur Ramos, Jorge Amado, na imprensa baiana, ressaltando
aceitação social, afirmação cultural Donald Pearson. Na realidade, seus aspectos culturais, texto
e maior expansão da sua prática esses intelectuais tiveram uma posteriormente inserido no
para outras camadas sociais. De participação importante na seu livro Negros bantos53. Essa é a
acordo com Vivaldo da Costa construção de uma nova visão da primeira vez que a capoeira baiana
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 48

M O NTAG EM DE R ECO RTE S DE


I L U S T R AÇÕES DE LI V RO S
A ) MESTRE P ASTI N HA – QUE BRA
M I LHO CO MO G EN TE MACAC O.
M A C ACO QU E QU EB R A DE ND Ê
M A C ACO.
B ) C AN J I QU I N HA – A A LEGRIA DA
C A P OEI RA
C ) MESTR E P ASTI N HA –
R E C OR TE DA CAP A DO LIVRO D E
M E S T RE P ASTI N HA – Q U AND O AS
P E R N A S F A ZEM MI ZERÊR
I L U S T R AÇÕES DE MESTRE S
P A S T I N HA E CAN J I QU I N H A.

recebe uma pequena descrição


etnográfica. Carneiro narra como
era o ritual da roda, apresenta
o berimbau como instrumento
indispensável à realização da
brincadeira, cita e interpreta
algumas cantigas, vinculando-as
ao universo cultural africano.
Para o autor, a capoeira é uma
herança dos negros bantus. Atento
à contemporaneidade da capoeira
de seu tempo, o estudo revela as
disputas entre a Capoeira Regional
e a Capoeira dita de Angola, as tornaram verdadeiros redutos de culturais. De acordo com
tensões daí provenientes, e projeta capoeiragem nos anos posteriores. Assunção e Vieira, estudiosos da
um futuro não muito promissor Édison Carneiro foi um capoeira, ele “contribuiu para a
para a capoeira por ele denominada dos principais organizadores do maior aceitação do candomblé
“folclórica” ou “legado de Angola”. II Congresso Afro-Brasileiro, e da capoeira pelas elites e para
Sendo vítima do progresso, essa realizado em janeiro de 1937. Esse o consequente abrandamento
manifestação (ou prática) estaria Congresso, além de promover a da repressão policial”54.
em vias de extinção, avalia o autor, apresentação de pesquisas sobre Estava prevista para esse
que reconhece, porém, a existência os costumes africanos, também congresso a criação da União dos
de alguns pontos da cidade onde foi palco de reivindicações e Capoeiras Baianos, o que não
é grande a vitalidade dessa arte. de protestos em favor do povo ocorreu. No entanto, a capoeira
Tais pontos, provavelmente, se negro e das suas manifestações marcou sua presença com uma
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 49

M ONT A GE M DE RE C ORT E S D E
IL U S T RA Ç ÕE S DO L IV RO D E
M E S T RE PA S T INH A
DE S E NH OS DA C A PA E
IL U S T RA Ç Ã O DO L IV RO DE
M E S T RE PA S T INH A – QU A N D O
A S PE RNA S FA Z E M M IZ E RÊ R .
IL U S T RA Ç ÕE S DE M E S T RE
PA S T INH A .

público cerca de 80 notícias de


jornal, publicadas entre 29 de
agosto de 1935 e 20 de janeiro
de 1937, em cinco periódicos
baianos (A Tarde, Diário da Bahia,
O Estado da Bahia, Diário de Notícias
e O Imparcial). A quantidade de
dados encontrados traz à tona a
grande visibilidade que a capoeira
ganha, nessa época, na imprensa.
Para o autor, as lutas no ringue
representam, simbolicamente, a
divisão entre a Capoeira Angola e
apresentação da Capoeira de Outro evento, também a Regional. Frede Abreu observa
Angola, liderada pelo conhecido fundamental para se compreender que, apesar de ser um evento
capoeira Samuel Querido de a capoeiragem baiana nessa época, pugilístico, por meio das súmulas
Deus, juntamente com Aberrê, foram as lutas no ringue do parque das lutas e dos debates a seu
Bugaia, Eutychio, Barbosa, Maré, Odeon, nas quais participaram respeito publicados na imprensa
Edgar, entre outros nomes de diversos capoeiristas baianos. Esse tornam-se visíveis muitos aspectos
famosos da capoeira de angola. evento, em que Mestre Bimba socioculturais da capoeira na
Capoeiristas da Regional não consagrou-se campeão baiano época. Dentre eles, são revelados
estiveram presentes ao congresso. de capoeira, foi alvo de estudo não apenas as diferentes formas
Esse evento, de natureza cultural, de Frederico José de Abreu55. de jogar capoeira, como também
foi muito importante para a Nesse trabalho, o autor analisa o novo método de ensino do
capoeira baiana nos anos 1930. e torna disponível ao grande Mestre Bimba, as visões que os
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 50

capoeiras tinham da sua própria tão fértil para a capoeira baiana e para o governador do estado,
arte e os diferentes modos de os é apontada por muitos outros Juracy Magalhães. Na ocasião,
capoeiras se relacionarem com estudos produzidos sobre ele, o presidente teria se referido à
a sociedade e o poder público. alguns escritos por seus alunos. capoeira como o único esporte
O autor ainda destaca, nesse Em 1928, Mestre Bimba genuinamente nacional.
livro, episódios que possibilitam afirmou ter criado sua Capoeira A desmarginalização da
acompanhar o processo histórico Regional. Para Muniz Sodré, as capoeira se deu num mesmo
de legitimação e legalização do ideias de Zuma influenciaram movimento em que o Estado
ensino da capoeira atribuído a na criação da nova modalidade: brasileiro resolveu nacionalizá-
Mestre Bimba. De certa forma, “Contato houve, é certo, entre os la, motivo que levou o governo
Abreu reforça a contribuição discípulos de Bimba e o manual do estado da Bahia, em plena era
pessoal do mestre para os de Annibal Burlamaqui”56. De Vargas, a permitir o funcionamento
destinos da capoeira moderna. qualquer maneira, o contexto da escola de Mestre Bimba.
Ele ressalta suas iniciativas para a histórico posterior também Este, por outro lado, defende
oficialização jurídica da capoeira; privilegiou a proposta da Capoeira a capoeira como luta criada no
seu ajustamento a um novo espaço Regional, principalmente no Brasil. A ideia da capoeira como
(a academia); sua maior expansão Estado Novo, instalado em “arte marcial brasileira” norteou
para outros segmentos sociais; e sua 1937, mesmo ano em que se as primeiras iniciativas públicas
penetração em outras instituições consagrou o início do processo que tiveram impacto no cotidiano
(quartéis, palácios, escolas, clubes de descriminalização da capoeira, do capoeirista, uma perspectiva
esportivos etc.). Assim, com a quando Bimba recebeu autorização polêmica que permanece defendida
inserção desses novos elementos, para manter seu Centro de Cultura por uns e criticada por outros,
a capoeira passava a ser exercida Física e Capoeira Regional. Mais principalmente pelos mestres de
como ofício. A importância de tarde, em 1954, se apresentaria Capoeira Angola, que afirmam
Mestre Bimba nesse momento para Getúlio Vargas, em Salvador, sua ancestralidade africana.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 51

F OTO DE MESTRE P ASTINHA E


J ORG E A MA DO – I LU ST RAÇ ÃO
D O LI V RO “ CAP O EI RA ANGOL A”
P OR MESTR ES P ASTI N HA.
F OTO: ACERVO TÉCN ICO IPHAN.

O mais importante deles foi Alemão, filho de Maré –, na década não só como mestres de capoeira,
Mestre Pastinha, articulador do de 1940, foi individualizada como mas também como porta-vozes
Centro Esportivo de Capoeira academia de Mestre Pastinha. da cultura popular. Na primeira
Angola – Ceca. Essa instituição, A importância de Mestre metade do século 20, esses dois
inicialmente organizada de forma Pastinha à frente da Capoeira mestres se transformam nas
associativa – juntamente com os Angola foi fundamental para que principais referências da capoeira
que frequentavam a Gengibirra, esta se tornasse visível e ocupasse da Bahia e estabelecem a base
ponto de visibilidade de capoeira espaços em que, até então, não de sustentação da modernização
nos anos 1930, Amorzinho, havia penetrado. O valor da da prática da capoeira.
Noronha, Totonho de Maré, Academia de Mestre Pastinha para a A capoeira passa a ser
Livino Diogo, Onça Preta, capoeira é tão grande que se tornou conhecida nacionalmente, no
Olímpio, Zeir, Victor H. U. e o modelo dominante e hegemônico século 20, a partir da Bahia.
de jogar Capoeira Angola, Não apenas Mestre Bimba,
suplantando outros importantes mas também a escola de Mestre
mestres dessa modalidade. Pastinha, no Pelourinho, ganha
Tanto Bimba quanto Pastinha destaque, tornando-se ponto
foram os principais responsáveis da velha guarda da Capoeira
pela expansão inicial, para outros Angola, de intelectuais e turistas
estados do Brasil, da maneira que iam apreciar as rodas. Como
tradicional baiana de jogar resultado, ocorrem as primeiras
capoeira. Dessa forma, ambos viagens de grupos de capoeira pelo
ganham o respeito da sociedade território brasileiro. A partir dos
e passam a se relacionar com anos 50, uma farta documentação
intelectuais, artistas e políticos baseada em notícias de jornais
da época, que vão legitimá-los começa a ser produzida. ¢
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 52

O processo de
folclorização
e esportização
1950-1970

A pesar de os anos 1950 terem


sido bastante efervescentes para
a capoeira baiana e de haver um
nacional e fonte alimentadora
de diversas linguagens artísticas
(música, dança contemporânea,
em especial o berimbau pintado,
obra do Mestre Waldemar.
Nesse novo cenário da
aumento do interesse de famosos teatro, artes plásticas etc.). capoeiragem baiana, dois mestres
intelectuais de diversas áreas pela Seus principais mestres ganham destaque: Waldemar da
arte da vadiação, existe uma lacuna – Bimba e Pastinha – já eram Paixão/da Liberdade e Cobrinha
muito grande no campo da pesquisa conhecidos nacionalmente e, Verde. Suas academias de Capoeira
sobre essa época, inviabilizando em viagens para outros estados Angola do final dos anos 1940
uma análise mais profunda da do Brasil, difundiam a capoeira e ao longo de toda a década de
prática da capoeira e do cotidiano baiana, que a cada dia ia se 1950 desempenharam um papel
dos capoeiras no período. afirmando no cenário nacional relevante na história da capoeira da
Até hoje não foi feito como “o jogo da capoeira”. Bahia. Suas rodas domingueiras,
um levantamento sistemático Nesse período, quando se faz localizadas respectivamente na
das notícias e das reportagens referência à capoeira, esta é Liberdade e no Chame-Chame,
publicadas sobre o assunto nos imediatamente associada à Bahia, além de reunir famosos capoeiristas
jornais e nas revistas da época. No que passa a ser considerada o da época, como Bimba, Traíra,
entanto, por meio de depoimentos seu berço. Além disso, nesse Najé, Onça Preta, Cabelo Bom,
orais e de algum material já momento, tal manifestação Bráulio, Bugalho e muitos outros,
coletado na imprensa baiana, não é mais vista como marca do também atuaram na formação de
pode-se supor que nesse período a atraso e da barbárie, mas como uma nova geração de capoeiristas,
capoeira estava bastante difundida, símbolo da cultura baiana e que teve um papel importante
com um número significativo brasileira. É a partir dos anos nos anos 1960 e 1970.
de praticantes, espalhada 1950 que o berimbau passa a As academias desses mestres
por diversas camadas sociais, ser usado como um símbolo de se estabeleceram nos bairros
foco de atenção do noticiário identidade da cultura baiana, periféricos de Salvador e, dessa
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 53

RODA DE M E S T RE V A L M IR -
FIC A BA H IA .
FOT O: T T C A T A L Ã O – A C ER V O
T É C NIC O IPH A N.

maneira, serviram como agências


culturais capazes de agregar, em
torno desse meio de diversão,
tanto os habitantes do local como
pessoas de fora e até estrangeiros,
atraídos pela fama dos grandes
mestres. É preciso acrescentar
que a academia de Waldemar,
no bairro da Liberdade, foi
considerada um dos principais
pontos de capoeira nos anos 1950
e serviu de local de observação para
estudiosos de diversas áreas, como
a musicóloga Eunice Catunda, o
fotógrafo Pierre Verger, o artista
plástico Caribé, o romancista Jorge
Amado, o escultor Mário Cravo,
o cineasta Alexandre Robato –
diretor do filme Vadiação (1954)
–, atraídos pela excelência da
capoeira ali jogada. Parte da
história da academia encontra-se
no livro de Frede Abreu, chamado
Barracão do Waldemar, nome pelo qual
ficou conhecido esse espaço57.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 54

Da mesma forma que nos de notícias de jornais e revistas, emblemático, principalmente


anos 1950, a capoeiragem baiana livros, artigos, anais de congressos por ligar a capoeira à África.
dos anos 1960 e 1970 não foi publicados na Bahia e no Brasil. Na década de 1960, a fama
alvo de investigação, embora se Entre as notícias, deve-se de Pastinha e Bimba continua
saiba, de antemão, que existe destacar um importante evento: em ascensão, suas academias
uma grande documentação sobre o Festival de Artes Negras, realizado funcionam com grande vitalidade;
aquelas duas décadas, como provou em 1966, em Dakar, capital já as academias dos mestres
Raimundo Alves de Almeida, do Senegal. Mestre Pastinha Waldemar e Cobrinha Verde,
o Mestre Itapoan. Tomado o liderou o grupo de Capoeira e tantas outras localizadas na
referido período da capoeira baiana Angola nesse festival, que periferia de Salvador, estão em
como referência58, ele reuniu ficou registrado na memória decadência. Entre os anos 1960 e
material basicamente composto da capoeira como um episódio 1970, dois momentos devem ser
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 55

À ESQ U ERDA
M Ã O DE MESTRE CURIÓ
T OCAN DO B ER I MB A U .
F OTO: TT CATALÃ O – ACE RVO
T É CN I CO I P HAN

A O LADO
R ECO RTE DE F OTO DE M ARC E L
GAU THERO T

mencionados, exatamente porque ajustaram-se às exigências de uma quais, embora ainda não fossem
influenciaram profundamente prática esportiva, outras mais mestres, tinham capacidade
os rumos da capoeira baiana. tradicionais, tanto Angola quanto de gerir o próprio grupo.
O primeiro foi o início Regional, não se adaptaram e Nas décadas de 1960 e
do processo de esportização da ficaram à margem desse processo. 1970, dois mestres de capoeira –
capoeira, homologado em 1972 O segundo está relacionado Canjiquinha e Caiçara – surgem
pelo Conselho Nacional de ao processo de folclorização da como figuras importantes no
Desportos – CND, que submeteu cultura negra na Bahia, associado universo da capoeira baiana,
a prática da capoeira às regras do ao crescimento da indústria ambos mostrando capacidade
pugilismo. Datam daí a realização turística em Salvador, que, nos de se ajustar diretamente às
dos campeonatos nacionais, as anos 1960 e 1970, introduz no novas exigências do folclore,
tentativas de unificação da capoeira, repertório de atrações para a sua estilizando as manifestações
no sentido de eliminar as distinções clientela, além das belezas naturais e, no caso da capoeira,
entre as capoeiras Angola e dos monumentos e do barroco transformando o jogo/ritual em
Regional; e ainda os treinamentos das igrejas, as manifestações da show. A atuação desses mestres,
voltados para fazer do capoeirista cultura negra, principalmente no sentido da transformação
um atleta; e a simplificação dos o candomblé, a capoeira e o do jogo em espetáculo, vai
ritos que não se adequavam às samba. As demandas provenientes romper com a bipolarização da
práticas esportivas. Essa tendência desse novo contexto tiveram um capoeira da Bahia em torno dos
esportiva fomenta a vigência de forte impacto nas academias mestres Pastinha e Bimba.
sistema de graduação e tentativas de capoeira. Muitos dos seus As principais lideranças da
de criação de uma nomenclatura membros passaram a compor capoeira na época se voltam de
também unificada. Enquanto grupos folclóricos, que surgiram forma preferencial para atender às
algumas academias, principalmente liderados por empresários, demandas do mercado turístico,
de Regional e algumas de Angola, pesquisadores e capoeiristas, os por causa de sua rentabilidade.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 56

Ainda que pouco significativo


do ponto de vista financeiro,
os ganhos com as apresentações
folclóricas superavam os que se
podia conseguir com o ensino da
capoeira. Esse fato comprometeu
o funcionamento de muitas
academias, principalmente
em relação à formação de
novos capoeiristas, porque as
atividades das academias eram
mais voltadas ao treinamento/
ensaio dos shows folclóricos do
que às aulas propriamente ditas. 1950. O mais importante deles derrotado por um aluno de Mestre
Apesar dos problemas trazidos foi Arthur Emídio, que vinha de Sinhozinho, chamado Ismanir.
pela folclorização da cultura negra, Itabuna, região do cacau na Bahia. Ainda que tivesse ênfase na
não se pode deixar de reconhecer Mestre Arthur Emídio trouxe marcialidade, Arthur Emídio,
que esse fenômeno contribuiu uma capoeira que não tinha ao contrário de Sinhozinho,
significativamente para a expansão ligação com a Capoeira Angola de mantinha a orquestração musical
da capoeira baiana pelo Brasil. Além Pastinha nem com a Regional de e fazia apresentações folclóricas.
disso, com a migração de baianos Bimba. Tinha uma movimentação Instalou sua academia na Zona
para o sudeste brasileiro, em busca veloz e eficaz marcialmente, Norte do Rio de Janeiro e se
de melhores oportunidades de vida, tanto que chegou a competir nos tornou um dos capoeiristas mais
uma leva de mestres capoeiristas ringues com lutadores de outras famosos da cidade. Mestres cariocas
chegou ao Rio de Janeiro, nos anos artes marciais. No entanto, foi importantes como Leopoldina,
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 57

PÁ GINA À E S QU E RDA
RODA DE C A POE IRA –
M E S T RE NA GÔ.
FOT O: A C E RV O T É C NIC O I P H A N .

À DIRE IT A
RODA DE C A POE IRA –
M E S T RE T ONI V A RGA S .
FOT O: A C E RV O T É C NIC O I P H A N .

Pestalozzi do Brasil. Foi quando eu


fui indicado para dar aula, pois os
garotos gostavam de mim porque
eu tocava berimbau e gingava e
eles achavam aquilo incrível”59.
Enquanto Mestre Arthur
Emídio ensinava capoeira na Zona
Norte do Rio de Janeiro, um
outro movimento de capoeiristas
surgiu na Zona Sul carioca. Em
1964, os irmãos Rafael e Paulo
Flores retornaram de uma viagem
à Bahia, onde treinaram capoeira
Celso do Engenho da Rainha, a capoeira, foi lutar com os Gracies durante alguns meses com Mestre
Paulo Gomes, Djalma Bandeira e nos ringues, porque, antigamente, Bimba. Resolveram continuar com
Vilmar foram seus alunos, o que o Brasil parava para ver essas lutas na os treinos no terraço do prédio
dá uma dimensão de sua influência TV Continental. Então, de um lado em que moravam em Laranjeiras.
na capoeira praticada na Zona o Artur Emídio, que foi o propulsor Outros jovens foram chegando,
Norte carioca, nos anos 1950. da capoeira no Rio de Janeiro, e como Gato e Gil Velho, que tinham
Conforme relatou Mestre Vilmar: do outro o Djalma Bandeira dava tido experiência de capoeira com
aula de capoeira. E eles se juntavam alunos de Mestre Sinhozinho. Em
“Eu aprendi com o mestre nos fins de semana para fazer a 1966, Mestre Bimba esteve no Rio
Djalma Bandeira, que dava aula em exibição em locais considerados de para realizar o show folclórico Vem
Olaria a mando do mestre Artur elite, como a Universidade Rural, Camará e visitou os jovens, que
Emídio, que na época, para difundir a ACM na Lapa e a Sociedade haviam se intitulado Grupo Senzala.
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M A GNO E RODA DE
C A XIA S – RU S S O.
FOT O: A C E RV O T É C NIC O
IPH A N.

No ano seguinte, 1967, o Mestre Bimba não foram os únicos a proclamou ter inventado o sistema
Senzala ganhou a competição de criar um novo estilo baseado em seus de cordas e sistematicamente
música e jogo chamada Berimbau ensinamentos, visando a uma ênfase utilizava uma saudação para
de Ouro, que tinha Mestre Arthur na esportização, em contraste com capoeira: “Salve”. As regras
Emídio como juiz. O grupo da Zona a folclorização a que era associada inventadas por ele agradaram as
Sul carioca também venceu nos dois a capoeira baiana. O principal forças armadas e simpatizantes
anos seguintes e alcançou enorme exemplo foi Carlos Sena. De acordo do regime militar... Ele também
sucesso entre a juventude da cidade. com Matthias Röhrig Assunção: contribuiu para as Regras
Ainda assim, a percepção de que Técnicas da Capoeira adotadas pela
estavam distantes dos fundamentos “Nascido em Salvador, ele Confederação Brasileira de Boxe, em
da capoeira baiana fez com que os começou a treinar com Bimba, 1972. Durante os anos 1960, Sena
principais capoeiristas do Senzala em 1949. Ele se tornou um dos foi frequentemente considerado
retornassem a Salvador, “visitando e melhores alunos do mestre, e representante de um novo estilo,
treinando em diferentes academias, diretor de sua academia em 1954. diferente da Capoeira Angola e
participando das mais tradicionais Ainda em 1955, ele decidiu abrir sua Regional, usualmente chamado de
rodas de Capoeira Angola”60. própria escola, chamada Senavox, capoeira estilizada ou Senavox”61.
Devido a essas experiências e a ensinar uma capoeira diferente,
entre os dois estilos, o Senzala não se mais estilizada. O que distinguia Apesar do sucesso inicial e de
definiu por nenhum deles. Manteve Sena era sua crítica à “estagnação do sua boa conexão com os militares,
os ensinamentos de Bimba com folclorismo cultural” das exibições de a Senavox não prosperou. A
os movimentos e instrumentos da capoeira e seu esforço para esportizar insistência na hierarquia e na
Capoeira Angola. Também foram a capoeira. Ele criou um elaborado disciplina militar entrou em
muito influenciados pelas artes sistema de regulamentações formais desacordo com o processo de
marciais japonesas, principalmente que supostamente regrariam treinos deslegitimação social da ditadura
o caratê. No entanto, os alunos de e rodas... Sena, entre outros, nos anos 1970. Quanto à polêmica
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 59

em relação à criação do sistema Embora essas cores não fossem Paulo. Desde 1960, um grupo de
de cordas, o certo é que seu uso adotadas por todos os grupos, o mestres baianos começou a ensinar
foi institucionalizado em 1972, sistema de cordas passou a fazer na capital paulista: “Suassuna,
apoiado pelo nacionalismo militar. parte da capoeira, de forma Brasília, Joel, Gilvan, Paulo Limão,
A Confederação Brasileira de predominante, a partir dos anos Silvestre, Ananias e, durante os
Boxe determinou que a capoeira, 1970. Um modelo novo, que fundia anos 70, Airton Onça e Acordeon.
assim como acontecia com as artes elementos das capoeiras Regional Alguns eram pupilos dos famosos
marciais orientais, deveria graduar e Angola, surgia no Sudeste do angoleiros Canjiquinha (Brasília,
seus alunos, mas ao contrário das Brasil, difundindo-se pelo país e, Ananias) ou Caiçara (Paulo Limão,
faixas, utilizaria “cordéis” com mais tarde, pelo mundo. Além do Silvestre), enquanto outros tinham
as cores da bandeira brasileira: Senzala, outros grupos que seguiam vindo da escola regional de Bimba
branco, verde, amarelo e azul. essa tendência iam surgindo em São (Airton Moura, Acordeon)”62
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 60

RODA D E C A XIA S RU S S O.
FOTO: T T C A T A L Ã O – A C E RV O
TÉ C NIC O IPH A N.

Foram também responsáveis pela


criação da Federação Paulista de
Capoeira, em 1974, instituição
que endossava as regulamentações
esportivas criadas para a capoeira.
Influenciados pelas sequências
de Mestre Bimba, os grupos
cariocas e paulistas incorporaram
à sua prática movimentos e
instrumentação da Capoeira
Angola. Uma das suas características
principais é o uso de cordas
para graduar os jogadores. Essa
modalidade ainda não tem Cordão de Ouro e Cativeiro. de Paulo Guiné, de Três Carneiros,
um nome consensual entre os Na mesma época em que essa e a outra, de Pirajá, do Morro da
capoeiristas. Uns preferem chamá- modalidade se definia e difundia, Conceição. Não sei informar em
la “capoeira contemporânea”, em Recife, cidade histórica da arte, que ano eles começaram, acredito
outros “capoeira de vanguarda” e a capoeira encontrava-se resumida que foi nesse mesmo período,
há ainda os que a nomeiam como a três academias. Conforme porque Pirajá era daqui, foi para
“capoeira atual” ou, simplesmente, contou Mestre Coca-Cola: o Rio de Janeiro e voltou. Eu sei
“capoeira hegemônica”. Os grupos que comecei a jogar capoeira em
que se tornaram os principais “Quando eu montei minha 63-64, mas a academia é da década
representantes dessa tendência no academia de capoeira, em 71, por de 70. Antes existia uma ou outra
Rio de Janeiro são Senzala, Abadá aí, começamos a trocar ideias com pessoa que jogava capoeira, como o
e Capoeira Brasil; e em São Paulo, mais duas academias daqui; uma era Luciano Vitela lá de Piedade e o Lula
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 61

e o Paulo Cristo, que aprenderam morreu, em 1974, em situação Apesar dos deslocamentos
também com o Marcos Natal. precária e longe de sua terra e das mudanças de contexto,
Eu penso que esse meu mestre, natal – em Goiás. Em 1981, foi as tradições locais e o passado
o Marcos Natal, foi quem deu o a vez de Mestre Pastinha morrer histórico influenciaram a capoeira
pontapé inicial, porque foi com pobre e cego, num cortiço que se redefinia nas cidades. Em
ele que começamos a aprender. Ele do Pelourinho. A Capoeira Recife, a capoeira se mantém
passou uns cinco, seis anos aqui e foi Angola, principalmente, vivia voltada para a luta, o jogo é mais
embora para o Rio, porque a família um momento de esquecimento. duro, o que remete à tradição dos
dele foi transferida para lá”63. Um dos principais responsáveis antigos capoeiras pernambucanos,
De acordo com Mestre Coca- pela sua revitalização foi Mestre conhecidos como bravos e valentes.
Cola, o seu “primeiro mestre”, Moraes, baiano que se iniciou na No Rio de Janeiro, a figura do
chamado Marcos Natal, era de São Capoeira Angola ainda criança, capoeira é sempre ligada à do
Gonçalo, município do estado do aos oito anos, quando começou malandro, personagem emblemático
Rio de Janeiro. A reorganização a ter aulas no Centro Esportivo da cultura popular carioca, a partir
da capoeira em Recife e Olinda, Capoeira Angola – Ceca, de Mestre dos anos 1920. Salvador, por sua vez,
a partir dos anos 1970, se deu em Pastinha. Em 1980, criou o Grupo permanece no imaginário coletivo
grande parte devido a essa expansão, de Capoeira Angola Pelourinho – como “berço” e “Meca” da capoeira,
que teve num primeiro momento a GCAP, no Rio de Janeiro. No ano cidade santuário das antigas
influência da capoeira baiana, mas seguinte, Mestre Moraes retornou a tradições. Apesar de afirmações
que depois se difundiria a partir Salvador e liderou um movimento como essas gerarem polêmicas e
do Rio de Janeiro e de São Paulo. de revalorização dos antigos controvérsias, é correto afirmar
Contraditoriamente àquela mestres angoleiros, promovendo que a capoeira baiana influenciou
expansão da capoeira, os velhos oficinas no forte Santo Antônio, de forma decisiva o modo como
mestres da Bahia viviam em sérias onde fixou sua academia e já se o jogo é praticado desde os anos
dificuldades. Mestre Bimba encontrava Mestre João Pequeno. 1920 no Brasil e no mundo. ¢
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E M BA IXO
M A RC A – Y OU T H IN A C T ION ...
S E RV IC E T H ROU GH M OV E M EN T .
FOT O: T T C A T A L Ã O – A C E RV O
T É C NIC O IPH A N.

A globalização
À DIRE IT A
RODA DO GRU PO DE C A POE IR A

da capoeira
A NGOL A N GOL A , C OM M E S T R E J O SÉ
C A RL OS .
FOT O: XIM - XIM .

M estre Arthur Emídio foi,


provavelmente, o primeiro
capoeirista a viajar para o exterior,
do grupo Viva Bahia, que não
voltou ao Brasil após uma série de
shows pela Europa. Ele permaneceu
entre os anos 1950 e meados da em Londres e, em 1975, foi se
década de 1960. Ele se apresentou apresentar em Nova York, onde
na Argentina, no México, nos resolveu estabelecer residência. Ao
Estados Unidos e na Europa. Além lado de Loremil Machado, foi o
disso, fez demonstrações para os pioneiro da difusão da capoeira nos
presidentes brasileiros Vargas e Estados Unidos. Em 1979, chegaria
Kubitschek e para os governantes Mestre Acordeon, responsável
norte-americanos Eisenhower e pelo ensino do jogo na Costa
Kennedy. Depois dele, em 1966, Oeste, na Califórnia. A capoeira,
Mestre Pastinha e seus discípulos dessa forma, cobriu as duas faces
fizeram a antológica viagem para do território norte-americano. trabalhando num posto de gasolina
a África, onde participaram Em 1990, Mestre João em Salvador. Mestre João Grande
do Festival de Artes Negras. Grande chegaria a Nova York tinha 53 anos quando voltou a
Uma das formas de os e inauguraria a primeira escola praticar capoeira. A partir desse
capoeiristas conhecerem o mundo de Capoeira Angola dos Estados momento de retomada de sua arte,
era participando de grupos Unidos: Capoeira Angola Center, trilhou caminhos inesperados.
folclóricos. Em algum momento com sede em Manhattan. Aos 72 Maurício Barros de Castro
da excursão, ou ao fim dela, alguns anos, ele praticava e ensinava a assim descreveu sua trajetória:
resolviam se estabelecer e ensinar tradicional Capoeira Angola em
capoeira nas cidades onde se solo estrangeiro. Esquecido no “Convidado, em 1990, para
encontravam. Foi o que aconteceu Brasil, foi redescoberto por Mestre participar do Festival de Artes
com Mestre Jelon Vieira, integrante Moraes, seu antigo discípulo, Negras de Atlanta, nos Estados
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Unidos, foi chamado para (Comunidades do Patrimônio Nacional), de crescimento internacional


ministrar aulas em Nova York, o mais alto título concedido nos da capoeira, paralelamente, a
onde passou a morar e instalou, Estados Unidos para personalidades arte também se desenvolveu no
em 1992, sua escola: Capoeira que lidam com as artes folclórica Japão, no Canadá, em Israel e na
Angola Center. Em 1993, adquiriu e nacional no País”65. Em 1994, África do Sul. Recentemente, foi
o Green Card, visto que permitia foi a vez de Mestre Cobra Mansa difundida pelo Leste Europeu
ao estrangeiro morar e trabalhar chegar e se instalar em Washington, (Polônia, Estônia, Sérvia e
no País. Mesmo que seja pouco onde fundaria, ao lado de Mestre Finlândia), América Latina
lembrado no Brasil, Mestre João Jurandir, a Fundação Internacional (México e Venezuela) e África
Grande é prestigiado no exterior, de Capoeira Angola – Fica. (Angola e Moçambique).
a ponto de uma universidade do Na Europa, possivelmente, Atualmente, a capoeira se
estado de Nova Jersey, o Upsala o primeiro a ensinar foi Mestre encontra presente em mais de
College, tê-lo titulado, em 1994, Nestor Capoeira. Depois de obter 150 países, atraindo praticantes e
como doutor honoris causa. O a graduação máxima do Grupo estudiosos dos cinco continentes
prestígio do mestre angoleiro Senzala, a corda vermelha, em do planeta. A sua globalização,
entre os norte-americanos não se 1969, decidiu viajar para o exterior. feita sem incentivo governamental,
limitou a esse título. Em 2001, ele Em 1971, aterrissou em Londres, ocorreu devido às errâncias
recebeu uma alta homenagem do onde começou a ministrar aulas dos capoeiristas, verdadeiros
governo dos Estados Unidos”64. de capoeira numa academia de embaixadores informais da
De acordo com um jornal local dança. Mestre Nestor Capoeira cultura brasileira. Assim, este se
de Salvador, um dos poucos veículos percorreu a Europa por três anos, torna um momento oportuno
da mídia que noticiou o fato, ensinando em diferentes cidades, para que o Estado brasileiro
Mestre João Grande “é o primeiro antes de retornar ao Brasil. reconheça a capoeira como
brasileiro a ser agraciado com o Embora os Estados Unidos e a Patrimônio Cultural do Brasil. ¢
prêmio da National Heritage Fellowships Europa fossem os principais pontos
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dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 65

O Aprendizado e as M E S T RE PA S T INH A PRA T IC A N D O


C A POE IRA .
FOT O: PIE RRE V E RGE R@ FUN D A ÇÃ O

Escolas de Capoeira PIE RRE V E RGE R.

À DIRE IT A
E S T A NDA RT E BRA BOS E V A LEN T Õ ES.
FOT O: FRA NC IS C O M ORE IR A
DA C OS T A .

A capoeira vem se mantendo


até os nossos dias graças,
sobretudo, à transmissão dos
Por último, recorta o período que
vai da década de 1980 até os nossos
dias, ou fase contemporânea da
ensinamentos do mestre para o capoeira, em que podemos observar
aluno, de geração para geração, o crescimento e a difusão da
por meio de suas práticas e capoeira baiana (Regional e Angola)
rituais. Nessas transmissões, por todo o Brasil e o mundo, numa
destaca-se a importância do proliferação de grupos e vertentes.
aprendizado da capoeira, já Desde o período colonial
que é por meio de práticas de brasileiro, a capoeira foi
iniciação e desenvolvimento considerada uma prática
que esta cultura tem se mantido marginal e os seus participantes
viva. É possível afirmar também apresentados como delinquentes
que, durante sua longa história, criminalizada, do ano de 1890 que a sociedade devia vigiar,
a capoeira vem se modificando, até o início de seu processo de controlar e punir. Como não havia
incorporando e abandonando descriminalização, em 1937. academia organizada, a reunião
algumas dessas tradições de Posteriormente, alcança o período dos capoeiras se dava em torno dos
aprendizado e transmissão. conhecido como “escolarização da acontecimentos festivos ou nos
O aprendizado na capoeira capoeira”, em que são formadas ambientes de trabalho, durante as
se divide em três momentos as primeiras academias oficiais e horas de descanso, assim como nas
históricos, que caracterizam institucionalizadas, destacando- ruas, em botequins e quitandas.
fases marcantes e distintas. A se principalmente as vertentes Essa característica informal
primeira destaca as formas de da Capoeira Regional, de Mestre e não profissionalizante dos
aprendizado existentes no período Bimba, e da Capoeira Angola, capoeiras em tal época vai marcar
em que a capoeira foi amplamente codificada por Mestre Pastinha. profundamente o modo como as
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À D I REI TA
F O T O : MA RCEL G A U THEROT.

P Á G I N A À DI R EI TA
F O T O : MA RCEL G A U THEROT.

práticas de aprendizado foram


concebidas. Perseguidos pela
sociedade oficial e legal, sua
organização era móvel e dinâmica,
dissimulada e malandra.
A capoeira era aprendida
e desenvolvida no dia a dia
de trabalho, festas e disputas.
Carregando seus instrumentos
e suas armas, caso fosse preciso
usá-las, os capoeiras se dirigiam
para a rua, onde praticavam
sua arte e desenvolviam suas
habilidades. Como não havia um Consideradas ilegais e para conhecimento da arte.
lugar específico para o treino e principalmente imorais, tais Uma primeira e importante
o jogo da capoeira, o ensino e a relações de ensino e aprendizagem característica dessa forma de
transmissão das tradições desta se davam num ambiente de enorme aprendizagem é a relação entre
arte giravam em torno de espaços cumplicidade e dissimulação. o mestre e o aluno. Como não
abertos e públicos. Um lugar A capoeira vivia uma relação havia espaços institucionais
especial de treino, registrado por ambígua com o espaço, sendo específicos para o treino e o
fotógrafos como Pierre Verger e por um lado pública e por outro cultivo da capoeira, o aprendiz
Marcel Gautherot, é a praia, marca lado dissimulada, com rigorosas deveria se vincular diretamente
das cidades portuárias onde a estratégias de acobertamento. É aos mestres e praticantes. Seu
capoeira se desenvolveu, território nesse cenário que os aprendizes engajamento na capoeira teria
por excelência da vadiação. da capoeira deveriam se inserir que ser pleno, aproveitando
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 67

sempre as oportunidades para


extrair certo conhecimento dos
mestres. Aprendia-se nos terreiros
abertos, em frente às quitandas,
aos botequins e festas, e até mesmo
no quintal das residências. Sobre
isso, afirmou Waldeloir Rego:

“Não havia academias de


capoeira, nem ambiente fechado,
premeditadamente preparado para
se jogar capoeira. Antigamente,
havia capoeira onde havia uma
quitanda ou uma venda de cachaça,
com um largo bem em frente,
propício ao jogo. Aí, aos domingos,
feriados e dias de santos, ou após
o trabalho se reuniam os capoeiras
mais famosos, a tagarelarem,
beberem e jogarem capoeira”66.
Outra característica muito
importante dessa forma singular
de aprendizado é a inexistência,
por parte dos mestres, de uma
metodologia ou pedagogia
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 68

L IÇ Ã O PA RT IC U L A R DE
C A POE IRA – A U L A .
FOT O: C RIS T IA NO JU NIOR.

específica para a transmissão de Frede Abreu, “era na roda, sem


sua arte. Pode-se dizer que o a interrupção de seu curso, que
mestre não privilegiava uma técnica se dava a iniciação, com o mestre
de ensino formal. Além disso, pegando nas mãos do aluno
seu objetivo era vadiar e jogar, para dar um volta com ele”67.
não especificamente ensinar. O O aprendiz convivia desde o
foco não era o aprendizado ou início com as situações próprias
a transmissão. O mestre não era do jogo, por meio de exemplos
um professor no sentido estrito concretos e reais da prática da
da palavra. Ele só ensinava se o capoeira. O lugar por excelência
aprendiz se mantivesse atento, do aprendizado era a experiência
observando e arriscando-se a concreta e encarnada das rodas de
realizar os principais movimentos. rua, onde o aprendiz tinha que
De algum modo, o aprendizado encontrar um lugar na tradição. o aprendiz teria que estar sempre
ficava a cargo do aprendiz, que, Outra característica importante era atento e se virar de algum modo
engajado na capoeira, inseria- a relação dos jogadores iniciados com os golpes que lhe chegavam.
se a partir da observação e da com os recém-chegados à roda. Mestre Waldemar, importante
vivência de suas rotinas. Os mais experientes não tratavam capoeirista da Bahia, descreveu
O aprendizado da capoeira se o jogador como principiante, assim o seu encontro e aprendizado
produzia por “oitiva”, ou seja, sem do qual exigiam postura de um em 1936, em Periperi, subúrbio
método ou pedagogia formalizada. capoeira. É na roda que se aprende ferroviário de Salvador:
Pela vivência do jogo, por sua e, entrando nela, o aprendiz não
observação, o mestre introduzia tinha facilidades, não lhe era dado “Eles [os mestres] vinham para
os jovens interessados no universo o privilégio de ser principiante. Periperi, aquela roda danada. Foi
da capoeira. Conforme explicou Diante de tremendas exigências, quando eu peguei a aprender com
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 69

eles. Eu era rapazinho. Comprava Outra característica importante de capoeira, que podia ser um
duzentos reis de vinho tinto, aquele era que nenhum mestre desse marceneiro, um sapateiro ou
copo branco de alça, ele tomava período vivia do ensino da capoeira, um artesão, profissões comuns
e dizia: ‘pegue na boca de minha o que facilitava uma relação de entre os mestres de capoeira de
calça!’. Eu levava pra pegar na boca proximidade com seu mestre. antigamente. Moravam no mesmo
da calça dele e ele virava aquela Muitas vezes, essa proximidade bairro e tinham, geralmente, a
cambalhota desgraçada e já cobria era tão grande que o aprendiz mesma situação econômica, pois
[com] o rabo de arraia. Quando eu acabava frequentando os espaços eram oriundos da mesma classe
ia levantando ele dizia: ‘não levante familiares e até aprendendo as social. A convivência entre mestre
não, lá vai outro!’. Os alunos deles profissões dos mestres. Sobre essas e aprendiz era então um fator
jogavam com a gente como que situações reais e concretas do dia que auxiliava muito o processo de
[se] a gente já era [fosse] bom”68. a dia, vivenciadas pelos aprendizes aprendizagem da capoeira”69.
da capoeira antiga, escreveu Abib: A capoeira, como é
Neste jogo, não há lugar para ensinada nesse momento de
atitudes de principiantes: ao entrar “Às vezes, esse aprendizado se sua história, prioriza desde
na roda, o aprendiz é tratado como dava também individualmente, nos o início um aprendizado em
capoeirista, jogando como se já quintais e nos terreiros das casas, que o aluno se vira para, “de
soubesse jogar. O que significa onde a proximidade entre o mestre oitiva”, ouvindo, observando
que, para os mestres tradicionais, e o aprendiz era um fator essencial. e vivenciando, desenvolver nas
a postura do discípulo não pode Muitas vezes, como lembra o mestre situações reais o seu jogo – uma
ser passiva, pois só a partir da Moraes – coordenador do Grupo técnica bem diferente das práticas
prática, com as rasteiras e os golpes, de Capoeira Angola Pelourinho, formais de aprendizagem,
pode aprender a se esquivar, em Salvador – em seu depoimento, nas quais o vínculo do aluno
experimentando concretamente os o aprendiz de capoeira era também e do professor é estritamente
movimentos, suas falhas e acertos. aprendiz de ofício do seu mestre ligado às habilidades que serão
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 70

À D I REI TA
F O T O : MA RCEL G A U THEROT.

P Á G I N A À DI R EI TA
F O T O : MA RCEL G A U THEROT.

desenvolvidas, com exercícios


repetidos exaustivamente de
modo serial e descontextualizado,
para somente no futuro serem
realizados em seu conjunto.
Os aprendizes da capoeira
recebiam instruções e dicas dos
seus mestres, mas essas instruções
não se reduziam a regras gerais,
modelos ou código de condutas.
Durante as rodas ou nas conversas
do cotidiano, os mestres instruíam
os aprendizes, mas era a experiência
do aluno que guiava as instruções experimente jogar, cantar, tocar conhecimento, sem escolas formais,
do mestre, e não o contrário. Na e vadiar. Nessa forma de prática, grupos com estatutos, uniformes
tradição, o conhecimento não o aprendiz, de algum modo, é o e métodos específicos. A vadiação
é um patrimônio formal, mas responsável direto pelo processo da capoeira reinava sem muita
algo que auxilia na resolução de de aprendizado. Suas motivações visibilidade institucional, nas
problemas concretos do dia a dia. e seu engajamento nas rodas e bordas da ilegalidade. Aprender
Se a relação com o mestre nos grupos de capoeiragem são capoeira estava, de alguma maneira,
é direta, o ensino não é o que o tornam um capoeira. vinculado a práticas diversas e
responsabilidade direta do mestre. Era no ambiente ao mesmo múltiplas que criativamente se
O mestre não ensina diretamente, tempo perigoso e festivo que dissimulavam, para sobreviver
ele apenas ajuda a criar as condições os mestres antigos da capoeira numa sociedade que, além de não
propícias para que o aprendiz ensinavam e transmitiam o as reconhecer, as criminalizava. ¢
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 71

Da rua para
a academia. O
nascimento
das primeiras
escolas de
capoeira

A pós anos de criminalização e


marginalidade, a capoeira –
principalmente a partir da década
Mestre Bimba nasceu em 23 de
novembro de 1899, no bairro do
Engenho Velho, freguesia de Brotas,
de 1920 – vai aos poucos sendo em Salvador. Seu pai era praticante
absorvida pela sociedade formal do batuque, antiga tradição de
brasileira. Tal absorção permitiu disputa e luta em que dois jogadores,
que experimentasse inúmeras reunidos numa roda, disputam
transformações. Dessas, interessa um combate à base de pernadas e
descrever o surgimento das rasteiras. Um deles unia firmemente
primeiras escolas ou academias de as duas pernas, permanecendo
ensino e aprendizagem de capoeira. imóvel. O outro buscava, com golpes,
O primeiro mestre a abrir uma desequilibrar o oponente, que se
escola de capoeira foi Mestre Bimba esforçava para se manter no lugar sem
(Manuel dos Reis Machado), em cair ou se deslocar da base. Tudo isso como estivador no Cais do Porto,
1932, na cidade de Salvador, Bahia, acompanhado de cantigas marcadas na rua onde executava pequenos
no Engenho Velho de Brotas. Por por palmas, tambor e pandeiro. serviços. Frequentando, enfim,
volta de 1937, consegue o primeiro Aos 12 anos de idade, Mestre os espaços públicos de Salvador.
registro oficial do governo para sua Bimba é iniciado na capoeiragem É justamente com essa tradição
academia. A Secretaria da Educação, pelo africano Bentinho, capitão que Mestre Bimba buscará uma
Saúde e Assistência Pública registra da Companhia de Navegação ruptura, inventando a Capoeira
sua academia como uma escola de Baiana. Começa, portanto, seu Regional baiana. Segundo ele, a
educação física, com o nome de aprendizado da arte da capoeiragem capoeira deveria se transformar
Centro de Cultura Física e Capoeira do “modo antigo”, nas rodas das para se inserir na sociedade.
Regional, destacando o papel festas e feiras populares; jogando, Tais transformações teriam
desportivo e marcial da arte. nas horas vagas de seu trabalho, de abandonar toda e qualquer
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 72

vinculação da capoeira com a vida encontro do projeto de construção capoeira antiga, conhecida como
malandra, enfatizando os seus de uma identidade brasileira que Capoeira Angola, com o batuque
aspectos desportivos e marciais. desembocará no Estado Novo. e, principalmente, incorporando
Mestre Bimba tenta, portanto, Movimentos semelhantes ocorrem movimentos de ataque e de defesa
transformar a capoeira numa com o samba e o candomblé. Tal de outras artes marciais, como
ginástica genuinamente nacional. confluência de interesses políticos o jiu-jítsu. Modificações que
A Capoeira Regional nasce é aproveitada por Mestre Bimba e promoveram a Capoeira Regional
tentando buscar um rompimento sua nascente Capoeira Regional. como uma singular e eficiente
com a imagem do capoeira vadio e Outra marca empreendida arte marcial de origem brasileira.
desordeiro, em nome do capoeira por Mestre Bimba é a necessidade Com o intuito de propagar a
esportista saudável e disciplinado. de afirmar o caráter marcial da eficiência da Capoeira Regional
A construção de uma academia, capoeira. Mestre Bimba realiza como combate, Mestre Bimba e
reconhecida oficialmente pelo uma análise pessimista em relação alguns de seus principais alunos
Estado, em que a prática e o treino aos caminhos que a capoeira começam a participar de torneios
da capoeira são realizados, foi tradicional vinha percorrendo, e lutas, enfrentando oponentes de
a forma encontrada por Mestre em que os contornos alegóricos diversas modalidades marciais. A
Bimba para levar essa tradição para e exibicionistas são por ele violência da capoeira, que antes
além dos bairros populares. Assim, questionados. A seu ver, os era exercida nas ruas, muitas vezes
a capoeira regional começa a atrair aspectos marciais da capoeira em combates com a polícia, passa
o interesse cada vez maior de um estariam cedendo espaço para agora a ser realizada num ringue,
público diversificado, de diferentes um jogo cada vez mais lúdico com regras e juízes credenciados.
camadas sociais, com destaque e alegórico. Nesse sentido, a O resultado dessas disputas,
para estudantes universitários. Capoeira Regional dará destaque muitas vezes favoráveis à Capoeira
Esse movimento de Mestre à eficiência do combate marcial, Regional, chega aos principais
Bimba vai, de certo modo, ao misturando movimentos da jornais da época. No entanto, vale
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 73

À E S QU E RDA
GINGA – PA S S O BÁ S IC O DA
C A POE IRA - DE S E NH OS DE MEST R E
BIM BA U T IL IZ A DOS NO C UR SO D E
C A POE IRA RE GIONA L .
IL U S T RA Ç Ã O DE M E S T RE B I MB A .

A BA IXO
DE S E NH OS PA RA M A T E RIA L D O
C U RS O DE C A POE IRA RE GI O N A L D E
M E S T RE BIM BA .
IM A GE M E S C A NE A DA - A C ER V O
T É C NIC O DO IPH A N.

lembrar que muitos angoleiros sistemática de luta. Ainda assim, da capoeira das ruas e espaços
também buscaram o ringue como nos anos posteriores, ocorre seu públicos para os espaços privados
forma de afirmação da sua arte. afastamento dos ringues de luta. das academias, nos fala Pires:
Mestre Bimba e sua capoeira Mestre Bimba começa a restringir
passam a ser reconhecidos e sua os embates dos capoeiras às rodas. “A roça do lobo era um fundo
academia procurada cada vez Não interessava mais desafiar de quintal, um terreiro. Esse local
mais por jovens interessados em e ser desafiado em lutas com aparece nos primeiros movimentos
aprender esse esporte marcial outras modalidades, mas afirmar de retirada da capoeira das ruas
nacional. Deixando de lado o a particularidade da capoeira para levá-la até o que é hoje,
sentido lúdico, malandro e vadio, como uma luta esportiva, cujas em sua forma de organização de
a Capoeira Regional se desenvolve regras deveriam ser respeitadas. base: as academias, instituições
como uma prática desportiva e Tal posicionamento ainda socioculturais, enquadradas em
mantém intacto o valor marcial uma demanda comercial. Bimba
de defesa e ataque da capoeira, fundou a roça do lobo nos anos
mas enfatiza a necessidade de 40, e uma reportagem, que
treinar e de jogar apenas com os relaciona Bimba à cultura negra,
próprios capoeiristas, segundo os escrita por Ramagem Badaró,
critérios e regras da capoeira. Sua em 1944, nos dá uma visão
escola se desenvolve e, no final da desse local de treinamento”.70
década de 1940, as relações sociais Por meio da Capoeira
de Mestre Bimba encontram- Regional, Mestre Bimba põe
se ampliadas, liderando assim o em execução uma padronização
movimento de escolarização da e institucionalização da prática
capoeira na Bahia. Sobre esse da capoeira, com a criação de
movimento de retirada da prática estatutos, manuais de técnicas
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 74

de aprendizagem, descrição desprezada, batizado, formaturas, As sequências que inventou foram


objetiva dos golpes, toques e cursos de especialização e toques o primeiro método de ensino
cantos, utilização de uniformes de berimbau. De certa maneira, da capoeira. Trata-se de uma
e indumentárias especiais, Mestre Bimba contrapôs aos série de movimentos de ataque,
entre outras coisas. No que velhos jeitos de se ensinar, por defesa e contra-ataque que podia
diz respeito ao aprendizado da ele denominados “oitiva”, um ser ministrada para iniciantes
Capoeira Regional, podemos método didaticamente articulado numa forma simplificada.
perceber a inclusão, nesta de ensino da capoeira. A repetição levaria o aprendiz
prática, de todos os referenciais Mestre Xaréu, aluno de Bimba, a realizar determinadas sequências
pedagógicos e educacionais explicou que o exame de admissão mínimas necessárias para um
de uma escola tradicional. se resumia a três exercícios básicos jogo. Mestre Bimba acreditava
O espaço de aprendizado é – cocorinha, queda de rins e ponte que a prática desses exercícios
agora um ambiente fechado, uma –, cuja finalidade era verificar o com afinco e regularidade levaria
academia, onde são desenvolvidas equilíbrio, a força e flexibilidade o aluno, no final de mais ou
rotinas sistemáticas de treinos do jovem aprendiz71. Mestre Bimba menos um mês, a estar apto a jogar
e de atividades voltadas para dizia que, ao contrário dos meninos capoeira com relativa eficiência e
o aprendizado da capoeira, que aprendiam capoeira na rua, segurança. É claro que esse recém-
acompanhadas por um rígido que traziam consigo no corpo praticante não estaria totalmente
sistema de avaliações. As rodas toda a ginga referente à prática da pronto, mas a técnica permitiria
passam a ser o lugar em que capoeira, a maioria dos seus alunos que ele pudesse se iniciar nas
os aprendizes podem aplicar o desconhecia completamente esses rodas. Na “sequência de cintura
que treinaram. Nessas rotinas, movimentos. Sendo assim, seria desprezada”, utilizava balões e
Mestre Bimba inclui: exame de necessário um exame adicional para um conjunto de movimentos
admissão, sequências básicas de verificar aspectos básicos do corpo ligados, também conhecidos como
ensino, sequências de cintura dos recém-chegados à academia. projeções, em que o capoeirista
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 75

E X TREMA ESQ U ERDA


E M B LEMA – MESTR E BIM BA.
F OTO: ACERVO TÉCN ICO IPHAN.

projetava os companheiros para atividades regulares do grupo. exibiam seus repertórios de


o alto e estes deviam cair em pé Sua aprendizagem começa, na movimentos, toques e cantos. Ao
ou agachados, jamais sentados. verdade, com o batizado. final dessa exibição, os iniciantes
Seu objetivo era desenvolver Após todo percurso de deveriam passar pela prova de
autoconfiança, responsabilidade, desenvolvimento das habilidades fogo, jogando com um capoeirista
agilidade e destreza. básicas do jogo da Capoeira graduado, ritual que ficou
O batizado é um dos momentos Regional, realizando com eficiência conhecido como “tira medalha”.
de grande significado para o e plasticidade os repertórios de Nesse desafio, o graduado
aluno, já que, após todos esses golpes, toques dos instrumentos e tentaria, com os pés, tirar a
treinamentos iniciais, ele será cantos, o aluno pode se formar. A medalha do peito do formando,
apresentado ao grupo e poderá formatura é um dia especial para o que ficaria, assim, com sua roupa
participar pela primeira vez de mestre e seus alunos. Trata-se de e sua dignidade manchadas. Se no
uma roda. Coloca-se em cada um ritual semelhante à formatura final do jogo a medalha estivesse
calouro um nome de guerra, que de qualquer escola de ensino ainda no peito do formando,
passa a ser a sua identidade no formal, com direito a paraninfo, este era considerado, pela escola
grupo. Para seu jogo de estreia, é orador, madrinha e medalha. regional baiana, formado. Por
escolhido um aluno veterano, que, No início, Mestre Bimba último, eram realizadas atividades
na qualidade de padrinho, entra realizava a festa de formatura festivas com apresentações
na roda para desafiar o calouro. no sítio Caruano, no nordeste de maculelê, samba de roda,
No fim do jogo, o mestre, no de Amaralina, na presença de samba duro e candomblé.
centro da roda, levanta a mão do convidados e de toda a academia O curso de especialização foi
calouro, pronuncia seu apelido regional baiana. Os formandos, criado por Mestre Bimba para
e o apresenta à comunidade. todos de branco, eram chamados ser realizado secretamente com
A partir desse momento, o por Mestre Bimba e, diante de os seus principais alunos. Tinha
aluno poderá participar das convidados e equipes da academia, como objetivo aprimorar golpes
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 76

de defesa e de ataque advindos e entregava aos seus alunos de Essa sistemática estruturação do
de adversários perigosos e bem elite um “lenço vermelho”. ensino da capoeira leva a uma
treinados e era dividido em dois Com interesse em inserir mudança radical no perfil dos
módulos. O primeiro deles, com essa prática tradicional da cultura jogos, dos ritos e das rodas. A
duração de 60 dias, era realizado popular brasileira nas esferas oficiais ênfase agora é atlética, esportiva
dentro da academia, onde Mestre da sociedade brasileira, a Capoeira e marcial, predominando o
Bimba desenvolvia estratégias de Regional de Mestre Bimba assume espírito competitivo de esforços
combate específicas e sofisticadas. um perfil específico de uma prática individuais na busca de superações.
O segundo, que também durava desportiva e marcial com elementos Essa preocupação competitiva da
60 dias, era ministrado na culturais e artísticos: música e Capoeira Regional tem levado,
Chapada do Rio Vermelho e dança. Sua capoeira era organizada muitas vezes, como veremos
tinha como principais atividades nos moldes de uma atividade física mais adiante, a uma perda de
as chamadas “emboscadas”. e marcial, cuja escola obedecia a marcas da capoeira antiga, dos
Seus alunos veteranos rígidas técnicas de ensino e avaliação, aspectos culturais de caráter
eram colocados na mata com que permitiam ao aprendiz realizar, mítico, de malandragem e
o objetivo de, à espreita, a partir de seus treinamentos, vadiação. Há uma redução dessa
aguardar a passagem do aluno os movimentos e as habilidades tradição a seus aspectos atléticos
especialista. A meta dos alunos próprios desse jogo. Treinamentos e marciais, próprios das escolas
que buscavam a especialização divididos, tal como na escola ou ou academias de educação física.
era chegar a um determinado nas Forças Armadas, em etapas Aproveitando o caminho aberto
ponto específico, lutando com hierarquicamente bem definidas, por Mestre Bimba, Mestre Pastinha
“soldados” que, sorrateiramente, nas quais determinados objetivos funda, em 1941, o Centro Esportivo
os emboscavam. Ao final do curso, deviam ser alcançados ao final. de Capoeira Angola – Ceca. Nascido
Mestre Bimba realizava uma Para isso, eram estabelecidos em 1889, na cidade de Salvador,
festa nos moldes da formatura rigorosos exames de avaliação. Pastinha, segundo seus relatos,
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 77

À ESQ U ERDA
M OVI MEN TO S DA CAPOE IRA.
F OTO: RECO RTES DE FOTO DE
M A RCEL G A U THERO T.

ABAIXO
R EP ORTAG EM SO B R E M E STRE
P ASTI N HA J O RN A L – 1 3 DE
A G OSTO DE 1 97 5 .
F OTO: ESCAN EADO P ARA AC E RVO
T É CN I CO DO I P HAN .

horas vagas para colegas de arma. Brasil colônia, eram escravos,


Saiu da Marinha aos 20 anos. e nessa condição tão desumana
Trabalhou como engraxate e não lhes era permitido o uso de
vendeu gazetas, no garimpo e na qualquer espécie de arma (...)
construção do porto de Salvador. viu-se, nessas circunstâncias,
Assim como Mestre Bimba, a capoeira, tolhida em seu
Mestre Pastinha não via com bons desenvolvimento, sendo praticada
olhos o momento que a capoeira às escondidas ou disfarçada
baiana atravessava no início do cautelosamente com danças e
século 20, cercada de grupos músicas de sua terra natal”.72
desordeiros e de violentos embates Tal como Mestre Bimba,
entre si e com a polícia. Práticas Mestre Pastinha pautará sua
que, na sua visão, não traziam vida tentando achar caminhos
iniciou seu processo de aprendizado qualquer benefício para a ascensão oficiais que permitissem retirar
da capoeira por volta dos 10 anos. social da capoeira. A situação a capoeira do gueto em que ela
Seu mestre foi Benedito, um negro de ilegalidade e de perseguição se encontrava. Ambos os mestres
natural de Angola. Do mesmo em que se encontrava impedia o aprenderam capoeira na rua e
modo que Bimba e tantos outros desenvolvimento de todas as suas vivenciaram todas as características
mestres, Pastinha aprendeu a potencialidades de arte. Para ele: dessa época, como problemas com
capoeira “de oitiva”, frequentando a polícia. Insatisfeitos com esse
e vadiando nas rodas da cidade “(...) a capoeira que veio estado de coisas, Mestre Bimba
de Salvador. Durante toda a sua com os africanos no tempo da e Mestre Pastinha procurariam
adolescência, frequentou a Escola colonização não teve maior modificá-lo, cada um a seu jeito.
de Marinheiros, onde, segundo desenvolvimento por razões Essa desilusão faz com que
seu relato, ensinou capoeira nas óbvias. Os negros africanos, no Mestre Pastinha fique mais
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 78

ou menos 20 anos afastado da festivos. Assim como Mestre e não à mistura de capoeira com
capoeira, entre as décadas de Waldemar, destacam-se também boxe, luta livre americana, judô,
1920 e 1940. Após esse tempo, os mestres Caiçara, Canjiquinha, jiu-jítsu etc., que lhe tiram suas
reencontra a capoeira de outro Cobrinha Verde, entre outros características, não passando de
modo. Sua prática já não é que pertencem ao bastião da uma modalidade mista de luta ou
proibida nem violentamente Capoeira Angola dessa época. defesa pessoal, onde se encontram
reprimida pela polícia; já existem É nesse cenário que, no início golpes e contragolpes de todos os
centros ou academias oficiais de da década de 1940, Mestre Pastinha métodos de luta conhecidos”73.
cultivo e treinamento daquela retorna, assumindo a direção do Mestre Pastinha buscava
arte e a sociedade como um Ceca, em que permaneceria até a diferenciar a Capoeira Angola da
todo já começa a olhar para a sua morte, em 1981. Ao longo desse Capoeira Regional, que se difundia
capoeira e para seus integrantes tempo de dedicação à Capoeira cada vez mais. Referenciado
de modo menos resistente. Angola, ele ajudará, de modo pela ancestralidade africana,
Outro centro importante de marcante, a definir os fundamentos denominava a modalidade angola
Capoeira Angola formado nessa dessa prática de capoeira até os de “capoeira mãe”. Defensor
época foi o terreiro de Mestre nossos dias. Com características radical de sua arte, Mestre Pastinha
Waldemar. Situava-se na rua Pero próprias, a Capoeira Angola não acreditava que o aluno não podia,
Vaz, no bairro da Liberdade. Um poderia se misturar com as outras de modo algum, dedicar-se a
barracão construído de madeira, práticas desportivas e marciais, como treinamentos atléticos e marciais
com cobertura de palha, cercado o judô, o jiu-jítsu, a luta livre, entre impróprios à prática da capoeira.
por ripas de madeira que separavam outras. Mestre Pastinha aponta: Esses movimentos, toques e cantos
os jogadores do restante da plateia. devem ser vivenciados a partir de
Nesse lugar, eram realizados treinos, “É lógico que nos referimos todas as performances ritualísticas.
rodas de capoeira e de candomblé à Capoeira Angola, a legítima Ciente das dificuldades em
e outros tipos de encontros capoeira trazida pelos africanos, manter esses rituais, Mestre
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 79

À ESQ U ERDA E À
D I REI TA
F L I P LI VRO DE ARI STI DE S
E N EW DAO .

Pastinha avalia ser necessário de jogar descalços e sem camisa. principais do jogo, construídas
constituir, em seu centro de Proíbe alguns movimentos. coletiva e socialmente.
Capoeira Angola, regras e Enfatiza o lado lúdico e artístico da Busca na tradição conceitos
hierarquias que possam ajudar capoeira, destacando os treinos de centrais, como “malícia”. Ser
no aprendizado. Assim, novas cantos e toques de instrumentos. angoleiro, para Pastinha, é
regras são incorporadas à prática Define a “bateria” ou a “orquestra” usar a malícia o tempo todo,
da capoeira e seus treinos. Na com três berimbaus (gunga, nos golpes, nas defesas e nos
roda, apresenta a figura do juiz, médio e viola), dois pandeiros, contragolpes. Iludir o adversário
ou daquele que responde pela sua um atabaque, agogô e reco-reco. sempre que possível, evitando
organização, mantendo-a dentro Destaca a importância dos toques assim movimentos mecânicos e
dos fundamentos da capoeira. e cantos na condução dos ritmos previsíveis. Dessa forma, destaca no
Na rotina diária do Centro, do jogo. Enfatiza a necessidade de aprendizado da capoeira condições
Mestre Pastinha cria funções desmistificar a capoeira como a para que cada aprendiz desenvolva
específicas ocupadas por arte dos valentões, mostrando que estilos próprios de dissimulação,
capoeiristas mais avançados, aquela não deveria ser exercida beleza, continuidade e elegância
responsáveis pela orquestra, pela valentia, mas pela busca da em seus movimentos, toques e
instrutores de movimentos – integridade física e espiritual. cantos. Seus treinos não visam
chamados “trenel” –, arquivistas, Se necessário, a capoeira seria uma repetição dos exercícios, mas
contramestres e mestres. Escolhe uma excelente arte de defesa e uma expressão de estilos próprios.
um uniforme que passará a ataque, mas seus fins principais Para Mestre Pastinha, ninguém
identificar os seus alunos, calça não podiam ser esses. Destaca joga igual a ninguém. Mesmo
preta e camisa amarela, em a necessidade dos valores éticos em um jogo de movimentos e de
homenagem às cores de seu clube e políticos da capoeira, como a golpes definidos, é a expressão
de coração: Ypiranga Futebol lealdade aos companheiros e à destes que marca a singularidade
Clube. Impede seus alunos capoeira, a obediência às regras e o estilo de cada jogador.
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Diante de todas as vadiação, uma dança, um canto, antiga, privilegiando a vivência,


características acima mencionadas, uma comunhão. Mestre Pastinha ou melhor, a convivência entre
podemos destacar a importância busca com isso aproveitar os novos os capoeiras, que, “pegando pelas
da ritualística na Capoeira Angola, espaços que a sociedade do seu mãos os aprendizes”, nos convidam
elemento principal na transmissão tempo finalmente abriu para a a desenvolver coletivamente os
do saber. Mestre Pastinha elaborou capoeira, sem com isso aderir múltiplos aspectos dessa rica
com minúcias os procedimentos plenamente às mudanças impostas tradição. O desafio de mestre
de entrada e saída do jogo, a a ela por esses novos espaços. Pastinha talvez seja conciliar o novo
importância das chamadas de O aprendizado da Capoeira das técnicas e os procedimentos
mandinga – quando os oponentes Angola que Mestre Pastinha ajudou das escolas formais com os ritos e
paralisam o jogo num desafio de a construir incorporou às formas as mandingas da antiga capoeira.
intensa representação simbólica –, antigas do aprendizado da capoeira O aprendiz tem que tomar
a relação estreita entre os toques elementos próprios das escolas para si a responsabilidade de
e os cantos com o tipo de jogo, formais, como estatuto, cartilhas de sua aprendizagem. É ele quem
entre outras coisas. Assim é buscada procedimentos, treinos e exercícios deve ditar o ritmo. Para Mestre
a manutenção dos referenciais específicos, hierarquias e rotinas. O Pastinha, um bom aprendiz não
dos rituais afrodescendentes. descompromisso alegre da vadiação, é o que obedece cegamente ao
Tratando a capoeira como um rito, a malícia ácida da malandragem, mestre, mas aquele que busca tomar
Mestre Pastinha busca impedir a a espiritualidade dos rituais atitudes próprias. O capoeirista,
sua total absorção pelas práticas religiosos, a beleza das danças e para fortalecer sua academia ou
físico-desportivo-marciais. toques, a celebração e a comunhão seu grupo, deve chamar para si a
A capoeira é sem dúvida uma de um povo não cabem em técnicas responsabilidade, tornando-se
atividade física, um esporte e uma ou conceitos. Por isso, a escola mais atento, vigilante e convicto.
luta, mas é também uma reza, um de Pastinha tenta fundamentar Ao mestre caberia a função de
lamento, uma brincadeira, uma sua transmissão na capoeira orientá-lo nesse caminho. ¢
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 81

M ESTRE MORAES, B AHIA.


F OTO: A CERVO TÉCNIC O
IPHAN.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 82

M E S T RE C U RIÓ.
FOT O: E DU A RDO M ONT E IRO .

Algumas
trajetórias da
capoeira nos
dias atuais

E ntre as décadas de 1930 e 1980,


a capoeira viveu mudanças
que fundamentaram a capoeira
contemporânea. As escolas de
capoeira baiana, principalmente
as vertentes da Regional de Mestre
Bimba e a Angola de Mestre
Pastinha, expandem-se, alcançando
o Brasil e o mundo. Dessas sementes
nascerão diversos grupos, cuja
filiação aos dois estilos nem sempre
será explícita, mas talvez seja
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 83

PÁ GINA S E GU INT E
À E S QU E RDA
M E S T RE BRA NDÃ O E JOGO D E
DE NT RO.
FOT O: E DU A RDO M ONT E IR O .
À DIRE IT A
RODA DO GRU PO DE C A PO EI R A
A NGOL A N GOL A - 2 007.
FOT O: XIM - XIM .
À DIRE IT A , E M BA IXO
RODA DO GRU PO DE C A PO EI R A
A NGOL A N GOL A - 2 007.
FOT O: XIM - XIM .

certo dizer que, implicitamente, públicos. A rua, que era o espaço com nomes, uniformes e regras
a capoeira, tal como ela hoje se próprio para a vadiação, passou a de procedimentos particulares.
apresenta, deve em muito às duas ser ocupada, principalmente, para A Capoeira Angola, diante
escolas. Essa herança é percebida na demonstrações, como propaganda dos desafios de enquadrar-se aos
organização em grupos e academias dos grupos privados. Ainda assim, novos tempos, sem perder o contato
específicas para a prática da capoeira. algumas rodas de rua permanecem com as tradições, experimenta uma
Podemos perfeitamente célebres, como a Roda Livre difusão mais tímida, atravessada por
dizer que a capoeira antiga, de Duque de Caxias (RJ). De inúmeras crises. Já a Regional, com
que existia de modo informal, qualquer maneira, os grupos de proposta modernizadora, alcança um
vinculada diretamente a um éthos capoeira ganharam contornos de crescimento ampliado e diversificado.
muito próprio das cidades e de instituições, na maioria das vezes Um dos motivos mais marcantes
suas comunidades, praticamente informais, que se proliferam do crescimento da Capoeira
desaparece. A rua, as quitandas
e as festas públicas vão cedendo
lugar para as academias e os
espaços privados da prática da
capoeira. O aprendiz agora
deve se matricular numa escola
ou num grupo de capoeira,
frequentando regularmente
esses espaços e respeitando suas
regras e seus procedimentos.
Não se aprende mais ao modo
antigo, por “oitiva”, numa vivência
coletiva em espaços abertos e
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 84

Regional é a assimilação das práticas vem indicando a trajetória da Instrução de Capoeira, fundado
físicas e esportivas. Tratada como Capoeira Regional em direção à em outubro de 1955), em 1980,
um genuíno esporte nacional, escolarização. A partir de 1972, publicou um inusitado trabalho
a Capoeira Regional se infiltra o “esporte” capoeira estreita denominado Capoeira: arte marcial
rapidamente nas escolas, no suas relações com a formação brasileira. Essa publicação mostra a
currículo das universidades de dos educadores físicos. Assim: preocupação do autor com exames,
educação física, nas academias corpo docente, regulamento
militares, assim como nas academias “Mestre Carlos Senna, ex- de competição e súmulas. Ele
de musculação e ginástica. aluno de Mestre Bimba, um fundamenta, também, seu projeto
Mestre Xaréu, num livro defensor ferrenho da capoeira nos valores educacionais e reconhece
recente intitulado Capoeira na esporte e fundador da Senavox ser a capoeira uma “... incomparável
universidade: uma trajetória de resistência, (Centro de Pesquisa, Estudo e forma de educação física ...”.74
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 85

A capoeira penetra de A perspectiva da capoeira como


três modos nos programas de uma forma completa de educação
educação física: incluída nos física deve ser compreendida,
métodos de ginástica tradicional; segundo Mestre Xaréu, como um
como conteúdo distinto de conceito ampliado de atividade
ginástica escolar; ou como física, contemplando os aspectos da
disciplina esportiva de caráter capoeira. Esta passa a ser entendida
optativo. Destacam-se assim os como um esporte popular, com
efeitos da prática da capoeira vigoroso substrato cultural, que
sobre a força, flexibilidade, suscitaria nos alunos interesses
resistência, habilidade específica maiores do que aprender golpes
e composição corporal. e movimentos. Amplia-se assim
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 86

À D I REI TA
M E S T RE TO N I V ARG A S, GRUPO
S E N ZALA , RI O DE J A N EI RO.
F O T O : TT-CATALÃ O .

À D I REI TA, EMB A I X O


M E S T RE TO N I V ARG A S, GRUPO
S E N ZALA , RI O DE J A N EI RO.
F O T O : TT-CATALÃ O .

o conceito da capoeira para


instrumento completo de educação
integral dos jovens estudantes.
Sobre isso, diz Mestre Xaréu:

“É importante frisar que o


ensino/aprendizagem da capoeira
não deve ser voltado apenas para
o aspecto técnico de aprender
determinada forma de luta e de
esporte. O ensino de golpes,
contragolpes, esquivas e sequências
deverá ser acompanhado de
transmissão de todos os elementos
que envolvem a sua cultura, história,
origem e evolução, ao tempo
em que se estimulará a pesquisa,
debate e discussão em seminários,
para que o educando tenha
participação efetiva no contexto
da capoeira como um todo”.75
Esse encontro com as
escolas formais e suas pedagogias
centradas no conhecimento
intelectual tem transformado o
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 87

P AI N EL DE MA RCA S.
F OTO: ACERVO TÉCN ICO
IPHAN.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 88

A BA IXO
RODA DE C A POE IRA RE A L IZ AD A EM
S E DE DE A S S OC IA Ç Ã O.
FOT O: E DU A RDO M ONT E IRO .

À DIRE IT A
RODA DE C A POE IRA , E NC ONT R O D A
C A POE IRA E M S A NT A T E RE Z A , R I O
DE JA NE IRO, 2 007.
FOT O: XIM - XIM .

ensino da capoeira numa prática


pedagógica sistemática, em que o
conhecimento não é construído
num ambiente de tradição
popular, mas nas academias dos
mestres ou nas cadeiras formais
dos bancos universitários.
Nesse ponto, existe um conflito
estabelecido entre o mestre sem
formação escolar e o professor
de educação física, considerado
apto a substituí-lo. De um lado,
o saber da cultura popular; de
outro, o conhecimento formal e
conceitual das universidades.
Nos últimos anos, a capoeira
ganhou o Brasil e o mundo e as
escolas contemporâneas tiveram que
se reorganizar a partir de princípios
próprios e distintos. Há uma
recuperação dos valores tradicionais
da Capoeira Angola no que tange
às formas de ensino e aprendizado,
em que se pretende trazer de
volta o método tradicional da
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 89

“oitiva”, resistindo, a seu modo, ao na forma antiga de aprender, na de Capoeira Angola e Regional.
processo de escolarização formal. qual a vadiação, a brincadeira Se olharmos bem de perto para
Dessa maneira, estamos diante e a estética tornam-se base. cada um deles, poderemos
de duas tradições de ensino e Não é justo afirmar que a perfeitamente encontrar, no
aprendizado que atravessaram Capoeira Angola é o patrimônio aprendizado do dia a dia, marcas
a história da capoeira. O da forma antiga de aprender dessas duas tendências, com uma
modelo da escola tradicional, e a Capoeira Regional é o da predominância do modo escolar
voltado para a sistematização, forma escolar e formal. Podemos e formal. A história e a tradição
racionalização e competição, em apenas constatar nelas o que da capoeira e de suas formas de
que o importante é o resultado historicamente se apresenta como aprendizado ainda continuam
ou a eficiência do processo de forma hegemônica de aprender e abertas, num jogo incompleto,
aprendizado, e o modo inspirado ensinar. Existem grupos e grupos sem vencedor ou vencido. ¢
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 90
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 91

Descrição das À E S QU E RDA


RODA DE C A POE IRA DE
DOM INGO E M BA IRRO

Rodas de Capoeira – JOGO DE DE NT RO,


T E S OU RA .
FOT O: PIE RRE V E RGE R@
FU NDA Ç Ã O PIE RRE
V E RGE R.

A pesar do advento das escolas de


capoeira, as rodas permanecem
como espaços não apenas do jogo,
largo, porque os capoeiristas,
em sua maioria, frequentavam
candomblés e igrejas, eram
mas também do aprendizado. devotos de santos e orixás.
Afinal, quando se joga também Esta relação estreita pode
se aprende e, além disso, Etnograia e ser uma das explicações para
alguns mestres ainda mantêm o oferecimento de comida
o antigo hábito de passar lições
performance durante as rodas de capoeira
durante o ritual. No entanto, festivas, aquelas que comemoram
é difícil precisar o período em determinada data ou evento.
que as rodas se converteram As celebrações realizadas pelas
em marca da capoeira. escolas, por grupos e academias
Estas se tornaram característica vão desde a comemoração pela
da capoeira a partir da Bahia. Na Bahia, as rodas se passagem de aniversário dos
Enquanto no Rio de Janeiro tornaram famosas como espaços mestres responsáveis por essas
as maltas eram duramente de “vadiação”, brincadeira e instituições a rodas em memória
perseguidas, principalmente com a lazer. Aconteciam próximas a daqueles que já partiram e
criminalização de 1890, na capital biroscas e botequins, regadas a deixaram um legado no meio
baiana a prática era mais tolerada, cachaça, muitas vezes distribuída social. Outras celebrações se
o que pode ter contribuído para pelo próprio dono do realizam em datas comemorativas,
o desenvolvimento das rodas estabelecimento, como espécie eventos que são a síntese de
como uma expressão ritual que de contrapartida ao fato de o todo o processo que ocorre na
combina música, luta, dança e jogo atrair público e fregueses. formação, na organização, nas
engendra uma série de significados As rodas também faziam aulas e nos princípios aprendidos.
simbólicos e mítico-religiosos. parte das festas religiosas de Como explica o Mestre Curió:
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 92

“Tenho alunos em diversos


países com grupos estruturados,
onde anualmente viajo para dar
uma assistência mais de perto.
Todos os anos fazemos o Evento
da Escola, que é um momento
de encontro e de discussões com
temas de interesse não só para a
Capoeira Angola, mas também
para a comunidade negra. Nesse
Evento, oferecemos um grande
Caruru para os presentes,
homenageamos os alunos mais
destacados, efetuamos a tradicional realiza-se no dia 26 de janeiro, servido em ocasiões especiais,
troca das carteiras; e realizamos aniversário de sua academia: como na Festa de Santa
o ritual do apelido com os alunos Escola de Capoeira Angola Irmãos Bárbara, em Salvador, em que
mais novos. Este é o momento de Gêmeos de Mestre Curió. O é chamado de Caruru de Santa
reencontro com mestres de outras motivo da devoção é o fato de Bárbara, ou por ocasião do dia
escolas, alunos de outros países, ter irmão e dois filhos gêmeos. de Cosme e Damião, em que
amigos e familiares, é o momento O caruru, conforme recebe o nome de Caruru das
mais importante da Escola”.76 conhecemos hoje em dia, é um Crianças, ou Caruru dos Erês.
O tradicional caruru oferecido prato feito à base de quiabos Em dezembro, por ocasião
por Mestre Curió, ao contrário cortados em rodelas, camarão da Festa de Santa Bárbara, o
do calendário, cujo dia reservado seco, castanha ou amendoim e caruru é servido nas ruas de
para os santos é 27 de setembro, azeite de dendê. É preparado e Salvador. O Caruru de Santa
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 93

À ESQ U ERDA
M ESTRE CURI Ó E MES TRE
M A RTI N HO , 20 0 7 .
F OTO: EDU A RDO MO NTE IRO.

À D I R EI TA
M ESTRE CURI Ó.
F OTO: VAN DER LEI CATAL ÃO –
A CERVO TÉCN I CO I P HAN.

Bárbara também é oferecido a das crianças, chega a vez dos


Iansã, que é uma das três esposas convidados participarem da festa.
de Xangô e que, segundo o Na família do Mestre Curió,
lendário, alimenta-se também a tradição do caruru vem dos
da comida predileta do marido. antepassados. Além da vontade
Apesar de fora da data de prosseguir com a tradição
usual, o caruru de Mestre Curió familiar, Mestre Curió decidiu
segue o modo como os baianos “tomar essa responsabilidade”
homenageiam todos os anos, pela impressionante coincidência
em setembro, São Cosme e São na sua vida, o fato de ter um
Damião. O trabalho começa irmão e dois filhos gêmeos.
cedo, pois tudo precisa ser O caruru, que ele oferece em
feito no dia: caruru, xinxim de janeiro, mês do seu aniversário
galinha, vatapá, arroz, feijão e do seu grupo de capoeira,
fradinho, feijão preto, farofa, acontece na sua academia para os
acarajé, abará, banana-da- sete meninos, alunos e convidados
terra frita e os roletes de cana. e, depois, em sua própria casa.
Depois, o caruru é servido a sete Enquanto a Capoeira
crianças, que comem juntas, Angola manteve uma ritualística
com as mãos, numa grande semirreligiosa, a Capoeira
bacia ou num tacho. Os sete Regional buscou uma forma
meninos correspondem aos sete mais laica. Curiosamente,
irmãos: Cosme, Damião, Doú, Mestre Bimba denominou de
Alabá, Crispim, Crispiniano batizado o rito de passagem
e Talabi. Só após a refeição em que seus alunos deixavam
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 94

RODA DE C A POE IRA , E NC ONT R O D A


C A POE IRA E M S A NT A T E RE Z A , R I O
DE JA NE IRO, 2 007.
FOT O: XIM - XIM .

de ser iniciantes para serem festa, o que, durante a pesquisa


iniciados. Além da referência à de campo, pôde ser observado
cerimônia religiosa cristã, nas suas em momentos distintos. Num
rodas, costumava contar com a batizado do Grupo Senzala,
participação de sua esposa, Dona na Barra da Tijuca, no Rio
Alice, que era mãe de santo. de Janeiro, foi constatado o Os movimentos
Portanto, Mestre Bimba oferecimento de frutas aos
também mantinha ligações com presentes. Da mesma forma, na
e os GOlpes
o universo religioso na prática roda de rua de Duque de Caxias,
da capoeira, o que foi deixado de na Baixada Fluminense, são
lado pelas gerações posteriores comuns os churrascos que animam
que modernizaram sua Capoeira os momentos de comemoração.
Regional. Embora mantivessem A roda de capoeira, onde quer
o batizado, transformaram-no
em uma demonstração esportiva
em que ocorre a mudança das
que aconteça, continua atraindo
rapidamente as pessoas que passam
e param para observar, se divertir,
O acervo gestual da capoeira tem
características próprias que
variam de acordo com a vertente
graduações simbolizada nas ficar em suspense, devido ao jogo do jogador, que por sua vez possui
trocas de cordel, hierarquização de corpo entre duas pessoas, uma expressão própria e individual,
inspirada nas faixas das regido por instrumentos musicais manifestada na roda. Neste lugar,
artes marciais orientais. de percussão e cânticos. ¢ os capoeiristas colocam em prática
No entanto, mesmo as os golpes e os movimentos que
vertentes de capoeira que não aprenderam nos treinos.
privilegiam o aspecto religioso Com certeza, a movimentação
mantêm o hábito de servir comida da capoeira se modificou ao longo
aos convidados nas ocasiões de dos séculos, o que torna difícil
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 95

comparar o jogo primitivo com guerreira temida por seus inimigos Embora não seja um golpe, a
o contemporâneo. Por meio e conhecida por sua habilidade ginga é o principal movimento da
dos registros históricos e de nas negociações com portugueses capoeira, o primeiro que um aluno
crônicas, no entanto, é possível e africanos. Ora tendia para um aprende, dentro ou fora da roda.
identificar alguns movimentos lado, ora para outro, negociando Consiste num bailado invertido,
que permaneceram no decorrer com malícia no jogo com seus quando a mão direita está à frente,
do tempo, como a cabeçada, a adversários, mas muitas vezes também o pé esquerdo se encontra atrás do
rasteira e o rabo de arraia. agindo de forma violenta contra corpo, e vice-versa. É a partir da
Um movimento que faz parte eles77. A sua presença na memória ginga que surgem os deslocamentos
de todas as vertentes de capoeira é a dos africanos escravizados é uma e golpes. Uma das principais
ginga, homenagem dos capoeiristas das hipóteses para a denominação formas de o capoeirista se deslocar
à Rainha Nzinga, de Angola, do gesto primordial da capoeira. durante o jogo é o “aú”, através
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 96

do qual o jogador se movimenta do salto dado pelo capoeirista


de um lado para o outro usando dependem de sua condição
apenas os braços. Uma outra individual, independentemente de
maneira própria de o capoeirista estilo. Uma peculiaridade do jogo
se movimentar é com ajuda da de Capoeira Angola, no entanto,
bananeira, quando troca “os pés é a “chamada”, momento em que
pelas mãos”, ficando de cabeça para um dos jogadores deixa de dar
baixo, sustentado pelos braços e continuidade à brincadeira e para
com as pernas tremulando no ar. em posições diversas, chamando
Vale lembrar que a nomenclatura o outro para tocar as suas mãos.
dos golpes costuma variar de Quando isto acontece, dão alguns
acordo com o tempo histórico, passos, como numa dança, para
regiões e vertentes. A bananeira, depois retornar à brincadeira.
para alguns, por exemplo, é Ainda que seja de difícil
chamada de “parada de mão”. explicação, a “chamada de Angola”
Tanto a Capoeira Angola é um artifício usado para muitos
como a Regional utilizam esses fins, como por exemplo quando o
movimentos, mas de maneiras capoeirista quer armar uma cilada
distintas. É comum associar à para o outro, podendo inclusive não
primeira uma movimentação mais fazer nada, apenas dar três passos
lenta e próxima do chão, enquanto para um lado e três para o outro.
a segunda se caracterizaria por Mestre Bimba, por sua vez, tornou
movimentos jogados em pé e mais característicos da sua Capoeira
velozes. Apesar de, em certa medida, Regional os chamados “balões”,
isso ocorrer, a velocidade e a altura como o que denominou de “cintura
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 97

SE QU Ê NC IA DE M OV IM E NT OS
DE C A POE IRA .
FOTO : PIE RRE V E RGE R@
FUNDA Ç Ã O PIE RRE V E RGE R.

desprezada”. Assunção explica As performances acrobáticas dos


melhor como eles aconteciam: balões se transformaram num
símbolo da beleza da Regional ou,
“Os movimentos acrobáticos de acordo com outras observações
usando a ‘cintura desprezada’ da época, uma ‘adulteração’
constituíram a principal inovação da “genuína capoeira”78.
da Capoeira Regional. Através dela, A crítica à “adulteração” da
o capoeirista era capaz de reagir “genuína capoeira” mostra que
contra tentativas de agarrá-lo, muitas vezes os mantenedores
exatamente o que praticantes da da modalidade tradicional não
maioria das outras tradições de lutas assumem os movimentos como
de agarrar iriam fazer num combate inventados e recriados. Assim como
de estilo livre. Estes movimentos na Capoeira Regional, mestres
(a maioria deles chamados de de Capoeira Angola recriaram a
“balões”) consistiam em projeções movimentação, incluindo novos
de um capoeirista, que tinha que golpes, excluindo outros, o
se lançar e cair sobre seus pés o que relaciona a capoeira a uma
mais suave possível, escapando de memória corporal que se mantém
forma acrobática de uma situação no presente devido a uma constante
em que sua cabeça havia sido seleção de imagens gestuais.
colocada sob os braços do outro. Um exemplo disso é a invenção
Os balões logo se tornaram um da vertente modernizadora
dos mais polêmicos movimentos da Capoeira Regional que
de Bimba, pois na capoeira introduziu saltos de ginástica
tradicional não havia agarramento. olímpica nas rodas de capoeira.
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O canto, os
toques e a
dinâmica das
rodas

T oda roda de capoeira se inicia


com uma canção. Na Capoeira
Angola, o ritual é aberto com um
Tava em casa
Sem pensar nem imaginar
Delegado no momento
pelo coro. Nesse momento,
ainda não se pode jogar:

cântico em forma de lamento, Já mandou foi me intimar Ê, maior é Deus,


chamado ladainha. Um grito É verdade meu colega Ê, viva meu mestre,
gutural, “iê”, é emitido pelo Com toda diplomacia Ê, quem me ensinou
cantador, antes de se iniciar Prenderam o capoeira Ê, a capoeira...
o canto, instaurando silêncio Dentro da delegacia O jogo só se inicia após os
na roda. A ladainha é entoada, Para dar depoimento cantos corridos. Como o nome
normalmente, pelo capoeirista/ Daquilo que não indica, as canções são mais aceleradas
mestre que toca o berimbau sabia, camaradinho... do que as ladainhas e chulas, embora
principal, de som grave, chamado não sejam rápidas. Na Capoeira
berra-boi ou gunga. A ladainha não é o único Regional de Mestre Bimba não há
Quando se inicia a ladainha, cântico da roda. A maior parte ladainhas, o que abre as rodas são
os capoeiristas que vão jogar do ritual se desenrola com o quadras musicais que também são
permanecem “agachados” ao canto das chulas e dos corridos, respondidas pela audiência da roda
pé do berimbau, à espera do cuja expressão musical se dá, e têm estrutura semelhante aos
momento para jogar, envoltos na sua execução, de forma bem corridos. A capoeira que funde as
em um silêncio religioso que semelhante às canções de samba duas modalidades utiliza o padrão
apenas se rompe com o canto de roda baiano e às variações de canto da Capoeira Angola,
sofrido, louvando a memória dos do partido-alto carioca: “Seus iniciando suas rodas com ladainhas
mestres antigos, saudando Deus cantos são tirados por um solista e utilizando a instrumentação da
e santos católicos, orixás, figuras e respondidos pelo coro” . capoeira antiga. Um outro aspecto
lendárias, ou ainda os casos de Durante a chula, são feitas as importante das rodas de capoeira
perseguição aos capoeiristas: saudações, respondidas a seguir são os toques de berimbau.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 99

DE S E NH OS DE M E S T RE
BIM BA - C U RS O DE
C A POE IRA RE GIONA L .
FOT O: A C E RV O
T É C NIC O IPH A N.

Um toque é um conjunto- O principal deles é o toque de capoeira com toques de berimbau” .


padrão de notas emitidas pelo Angola, cadenciado e lento, que De fato, os angoleiros costumam
berimbau. O instrumentista usa abre a roda de capoeira. Os toques rejeitar a simplificação da Capoeira
o dobrão (moeda) para alterar o são tão importantes para a capoeira Angola ao toque de Angola, que é
comprimento da corda e produzir que alguns os relacionam aos estilos. apenas um dos elementos da arte.
três diferentes tonalidades Édison Carneiro, por exemplo, Além do toque de Angola,
sonoras: um tom baixo, com escreveu que a capoeira possuía fazem parte das rodas o São Bento
a corda solta; um tom alto, nove modalidades, entre elas a Grande e o São Bento Pequeno,
com o dobrão pressionando a Capoeira Angola. Um erro, segundo versões mais rápidas do toque
corda; e um tom estridente, Waldeloir Rego: “O que houve de Angola, mas que seguem sua
em que o dobrão é usado para foi uma bruta confusão de Édison estrutura rítmica. Um outro
abafar a vibração da corda . Carneiro, misturando golpes de toque inventado pelos capoeiristas
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 100

antigos, que permanece nas rodas e não acompanham o canto nas e Regional, cada toque requer
atuais, ainda que em raras ocasiões, rodas, como Santa Maria, Jogo de uma forma diferente de jogar.
é a Cavalaria. O ritmo, que imita o Dentro e Iúna, criado por Mestre No Grupo Senzala, como não
som de cavalos trotando, era tocado Bimba para ser tocado nas rodas de se segue uma vertente exclusiva,
para avisar da chegada do Esquadrão alunos formados. No entanto, o toque é possível, em uma roda, serem
da Cavalaria. Liderado pelo temido também é associado a momentos tocados diversos toques diferentes.
chefe de polícia conhecido como fúnebres. Na verdade, existem muitos Quem dita o que se deve jogar
Pedrito, o esquadrão atacava as toques, alguns controversos, criados é o berimbau comandado pelo
rodas e perseguia os capoeiras na por outros mestres, tornando difícil mestre ou professor. Se o toque
década de 1920, em Salvador. enumerar todos com exatidão. for de Angola, joga-se Capoeira
Assim como a Cavalaria, outros Nas rodas que fundem Angola; se for São Bento Grande,
toques são basicamente instrumentais elementos das capoeiras Angola joga-se Capoeira Regional.
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S E QU Ê NC IA DE M OV IM E NT O S D A
C A POE IRA .
M A T E RIA L E S C A NE A DO DO
FL IPL IV RO DE A RIS T IDE S E N EWD A O .

Nas rodas de Capoeira Angola comandados pelo berimbau, que quando um jogador entra na roda,
não se muda o estilo de capoeira, determina ainda o tempo do jogo, interrompe o jogo e escolhe um
mas há variação de toques, como geralmente mais longo entre os dos jogadores para jogar, e assim
o jogo de dentro, “um dos toques angoleiros. Quando o tocador bate por diante. As rodas, de uma
mais rápidos e bonitos da Capoeira repetidas vezes no berimbau, é sinal maneira geral e independentemente
Angola. Durante esse toque, de que o jogo acabou. É preciso do estilo, terminam com
capoeiristas procuram demonstrar apertar as mãos e dar lugar a outra corridos de despedida:
todas as suas habilidades, dupla. Nas rodas de Capoeira
jogando o mais próximo possível Regional e dos grupos que usam Adeus, adeus,
do solo e do oponente”82. cordel, os jogos têm curta duração e Já vou-me embora
Os toques e jogos na roda não são comandados pelo berimbau. Eu vou com Deus
de Capoeira Angola também são É o chamado jogo de “compra”, E Nossa Senhora.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 102
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 103

os instrumentos FOT O: PIE RRE V E RGE R@ FUN D A ÇÃ O


PIE RRE V E RGE R.

A BA IXO, À DIRE IT A
T OC A DOR DE BE RIM BA U
A NGOL A NO.
DE S E NH O A . NE V E S E S OU Z A .

Q uando utilizados no território


da roda, os instrumentos
não são apenas objetos. Afinal,
através do universo simbólico
da música, dos ritmos e cantos,
expressões corporais dramáticas,
eles tomam parte em todo golpes, quedas e ritos, numa esfera
o cerimonial que envolve a de atividade que tem sua tendência
roda, ganhando significados própria: a tendência do jogo.
e sentidos que os tornam É preciso admitir que a
sensíveis. Os corpos interagem roda de capoeira como hoje a
com o som dos instrumentos, conhecemos perde o sentido sem
incorporando-os. A música da a utilização do elemento música
capoeira, como qualquer música, e dos objetos musicais que a
será regida por tempo, pulso, constituem. Como não falar então
síncope, compassos, colcheias da cultura material da capoeira
e semicolcheias, rufos, canto e e dos seus objetos fundamentais,
melodias, criando uma teia de os instrumentos musicais?
símbolos que provocam na roda Os instrumentos descritos
essa condição mágica que distorce a seguir podem ser encontrados
o tempo e o espaço. principalmente na tradição
Esse complexo musical é musical praticada na Capoeira
necessário para o deslocamento Angola. Essa modalidade é a que
dos jogadores e do público para se manteve mais vigorosa como
uma temporalidade própria. Um depositária da estrutura musical
espaço limítrofe situado num que preserva estreitas relações
território extracotidiano poderá com as matrizes africanas. Isso
ser mobilizado e disponibilizado não só pelas formas harmônica e
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 104

rítmica presentes na composição BERIMBAu se fundem dentro de uma mesma


sonora da tríade de berimbaus A presença dos berimbaus é expressão, oriundos que são
grave, médio e agudo, mas também essencial para que determinado das culturas “diaspóricas”. Estas
pelo aspecto melódico e de evento seja concebido como uma trouxeram em sua estrutura o
conteúdo das letras cantadas nas roda de capoeira. A princípio, a aspecto da multidimensionalidade,
ladainhas, chulas e nos corridos, assimilação do berimbau dentro do qual a música e os
mantidas vivas até hoje graças da capoeira fez-se a partir do instrumentos musicais são parte
à memória oral da capoeira. disfarce de seu caráter subversivo constituinte e fundamental.
Mestre Bimba, quando e marcial, que sob o manto da Waldeloir Rego chega a citar
criou sua Capoeira Regional, dança e da música escondia um levantamento que assinala a
manteve apenas um berimbau um tipo de luta corporal. Mas, presença do berimbau em Cuba.
e dois pandeiros. Vertentes por outro lado, representa Lembre-se ainda da modalidade
modernizadas de seu estilo, por uma comprovação daquilo que do berimbau de boca, encontrado
sua vez, reincorporaram nas chamamos multidimensionalidade de forma abundante na África,
suas rodas e treinos a tríade de das culturas africanas, condição mas também na Europa. Essa
berimbaus e outros instrumentos, que se impõe em toda manifestação ocorrência “em vários cantos
como atabaque e agogô. artística afrodescendente. do universo”83, segundo Rego,
Assim, a aparição e a presença corresponde à indefinição de sua
dos instrumentos musicais, sejam origem, possivelmente africana.
eles berimbaus ou quaisquer Atualmente, não é preciso
outros, surgem dessa condição esforço para associar a capoeira
imanente da cultura africana ou ao berimbau, que há muito vem
afro-americana, em que aspectos impregnando o imaginário dessa
musicais, dançantes, culinários, prática cultural. O instrumento
religiosos e, também, do vestuário está de tal forma associado a esse
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 105

P AI N EL DA R O DA DO
M ESTRE VALMI R CO M
I NSTR U MEN TO S -
B E RI MB A U E P AN DEI RO.
F OTO: TT CATALÃ O -
A CERVO TÉCN I CO I P HAN.

território que seria inconcebível


uma roda de capoeira sem a
aplicação efetiva desse arco musical.
A forma do berimbau é
simples e seus materiais, em certa
medida, ainda são facilmente
coletados na natureza, exceto,
obviamente, pela corda de arame
de aço, chamada no meio da
capoeiragem simplesmente de
arame. Provavelmente, o berimbau
foi uma das primeiras criações de
objetos musicais que emitem som
por meio da vibração de uma corda.
A parte mais importante do
berimbau utilizado nas rodas de
capoeira é a vara ou verga da árvore
conhecida como biriba (Eschweilera
ovata), comumente encontrada ao
longo da mata atlântica do estado da
Bahia. Afixado às duas extremidades
da verga vem um arame. Na
ponta superior do berimbau,
um pedaço circular de couro
de sola pregado servirá de polia
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 106

para se envergar o instrumento. baqueta ou vaqueta é uma vareta como a base na qual a semente
A cabaça, com uma abertura ou de madeira fina que não deverá conhecida como Lágrima de Nossa
boca, que pode variar de tamanho, passar da medida convencionada Senhora vai vibrar para emitir
deverá ser presa na parte de baixo de dois palmos e não inferior a um som semelhante ao da chuva
da verga, a uma distância de um palmo e meio de mão. Por caindo nas folhas das árvores.
aproximadamente um palmo acima fim, o último artigo corresponde Infelizmente, a biriba está
da sua extremidade inferior. a um instrumento musical à parte cada vez mais escassa, devido à
Completando a composição do que o acompanha – o caxixi –, intensa exploração dessa árvore
berimbau, há ainda um dobrão de chocalho que produz um som para comercialização de berimbaus.
cobre que, ao entrar em contato agudo. Confeccionado em palha Atualmente, chegam ao mercado
com o arame, altera a tonalidade de vime trançada num pedaço internacional através dos sites
do som que ressoa da cabaça. A circular de cabaça, funciona que trabalham com venda de
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 107

D E TALHE B ER I MB A U .
F OTO: F RAN CI SCO MORE IRA
D A COSTA.

ABAIXO
M ESTRE COCA -CO LA .
F OTO: F RAN CI SCO MORE IRA
D A COSTA

instrumentos de percussão, ou a maior parte dos toques da


pelas mãos dos mestres de capoeira capoeira. São eles: o berimbau
que cruzam o mundo. A utilização gunga, grave e maior de todos;
do berimbau em terras brasileiras o berimbau médio, como o
era comum em diversas cenas próprio nome indica, localiza-se
do cotidiano carioca. Fez parte, numa sonoridade intermediária;
por exemplo, da indumentária e o berimbau viola ou violinha,
do vendedor ambulante no responsável pelos agudos dessa
Rio de Janeiro colonial. tríade instrumental. A disposição
Além de sua permanência ao dos instrumentos da capoeira
longo dos séculos, é notável que numa roda se orienta por
sua forma praticamente não tenha convenções normalmente criadas
sido alterada, pois apenas alguns pelos velhos mestres durante
materiais foram substituídos por suas trajetórias e experiências.
outros, o que não comprometeu a Esses berimbaus guardam
sua estrutura básica. Constata-se, aspectos que os relacionam
dessa forma, a vitalidade e o poder diretamente ao candomblé, como
de permanência desse instrumento também a outras tradições de
musical, possibilitando que origem africana, principalmente
ele ultrapassasse o tempo, as no que se refere aos três atabaques
culturas e as fronteiras. dessa religião afro-brasileira,
Nas rodas tradicionais de assemelhando-se à organização e
capoeira, são utilizados três estruturação rítmica do candomblé.
berimbaus criadores da célula Um paralelo relacionando
rítmica binária que caracteriza a musicalidade dessas duas
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 108

manifestações culturais, a capoeira com essa diferença, tanto o rum ATABAQuE


e o candomblé, mostrará células quanto o gunga encarnam o O atabaque é também
rítmicas muito semelhantes. papel de liderança e de comando usado dentro do jongo e do
O gunga, berimbau que nas ações musicais dos rituais. caxambu. Sem dúvida, foi um
emite uma sonoridade mais grave O berimbau viola dos primeiros instrumentos
e de maior porte, aparece na corresponde, de acordo com a adotados na capoeira, como fica
roda desempenhando um papel analogia que vimos demonstrando, demonstrado numa das gravuras
de marcação, determinando ao atabaque de menor porte, de Rugendas, feita no século 19,
e orientando qual ritmo será chamado “lé”, no candomblé. um dos raros registros antigos
executado durante todo o tempo Enquanto o viola faz as variações da existência da capoeira no
de uma roda. A sua posição é e improvisos, o lé responde pela Brasil. No fantástico cenário
destacada na hierarquia dos marcação do ritmo. A sonoridade retratado por Rugendas, apenas
instrumentos. Ele é o responsável desses dois instrumentos preenche um instrumento – o atabaque –
direto, tanto pela ativação dos aquele espaço dos sons agudos se destaca em uma manifestação
códigos que provocam o início nos rituais dessas manifestações. que apresenta traços da
das cerimônias, como pelo Finalmente, o berimbau médio movimentação da capoeira84.
encerramento da roda. Da mesma encontra seu análogo no atabaque Sem o conjunto de
forma que o gunga, o atabaque “rumpi”, já que tanto um quanto instrumentos hoje característicos
mais grave do candomblé, o outro atuam como ponte entre a essa prática, observa-se a
denominado “rum”, na maioria dois polos sonoros. Dessa forma, participação de um público
das vezes está posicionado à direita harmonizam o diálogo entre as atento e participativo em torno
dos outros dois atabaques. Ao sonoridades graves e agudas dos de um atabaque, que marca o
contrário, porém, do gunga, sua outros dois berimbaus e atabaques: ritmo da dança-luta retratada.
função não é de marcação, mas gunga e viola, na capoeira, e Segundo a etnografia de
de variação e improviso. Mesmo rum e lé, no candomblé. Rego, nas escolas de Capoeira
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 109

INS T RU M E NT OS DE
M E S T RE NE S T OR.
FOT O: T T C A T A L Ã O
– A C E RV O T É C NIC O
IPH A N.

Angola dos mestres Pastinha


e Canjiquinha não se observa
a sua utilização, embora se
reconheça, na maioria dos
registros, que o atabaque
formava o acompanhamento
musical da capoeira.
Assim como o pandeiro,
o atabaque é um instrumento
muito antigo e recorrente no
mundo árabe e na África, tendo
sido divulgado na Europa já
na época das cortes medievais.
O atabaque da capoeira tem
a mesma forma do n’goma,
de origem angolana, e seus
tamanhos variam dentro da
configuração encontrada
nos atabaques rum, rumpi e
lé. O mais adotado, porém,
na capoeira é o rum, devido
a seu tamanho maior e,
consequentemente, por
emitir um som mais grave.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 110

M E S T RE RU S S O C OM PA NDE IR O .
FOT O: T T C A T A L Ã O.

PANDEIRO
Além dos berimbaus e do
atabaque, há ainda os pandeiros.
Como todos os instrumentos
utilizados na capoeira, têm sua
trajetória no Brasil vinculada
aos povos de origem africana.
Entretanto, sua presença
na cultura universal perde-
se nos tempos, do Oriente
antigo às rodas de samba. Em
Portugal, existe o adufe, que
em muito se assemelha ao
nosso pandeiro, levando-nos
a crer que esse instrumento
também chegou pelas mãos
dos portugueses durante o
período da colonização.
Existem diversos tipos de
pandeiro, mas o ideal para a
orquestra da roda de capoeira
deve ser encourado com couro
de cabra e sua carcaça, ou
moldura, feita em madeira
resistente e ao mesmo tempo
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 111

A GOGÔ.
A C E RV O DO C E NT RO NA C IONA L DE
FOL C L ORE E C U L T U RA POPU L A R.

execução de alguns toques e em


outros momentos do seu ritual.
O agogô pode se apresentar sob
mais de uma forma. Com três
campânulas, quatro ou mais. Na
capoeira, porém, a versão de duas
campânulas é a mais utilizada.
O instrumento chamado
reco-reco normalmente é feito
a partir de algumas espécies de
bambu ou da própria cabaça,
quando esta apresenta uma forma
mais alongada. A forma simples e
AGOGô E RECO-RECO rústica faz do reco-reco e do agogô
flexível. As platinelas, pequenos O agogô empregado na os instrumentos de mais fácil
pratos de latão, completam capoeira tem duas campânulas de execução na orquestra da capoeira.
o instrumento, dando-lhe ferro e deve ser percutido com O som do reco-reco é produzido
o som agudo tão importante uma baqueta, preferivelmente quando se desliza uma baqueta
para o equilíbrio entre os feita em madeira para amenizar de madeira por sobre uma área
timbres grave e abafado do o som metálico produzido pelo entrecortada de sulcos transversais.
pandeiro. Esse som é emitido agogô. Como a maior parte dos A fricção da baqueta sobre a
continuamente durante a instrumentos da capoeira, a superfície da peça de bambu ou
percussão do instrumento e lhe sua assimilação está relacionada cabaça produz o som característico
confere uma sonoridade que, ao candomblé, que também desse instrumento. ¢
de longe, pode ser percebida. se utiliza do agogô durante a
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 112
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 113

Os Mestres e as Rodas: À DIRE IT A


RODA DE C A POE IRA .
FOT O: PIE RRE V E RGE R@ FUN D A ÇÃ O

Patrimônio Vivo PIE RRE V E RGE R.

A BA IXO
M E S T RE JOÃ O PE QU E NO.
FOT O: E DU A RDO M ONT E IR O .

A o percorrer os olhos
rapidamente pelos jornais
da década de 1970 em diante,
sacramentando algumas conquistas
em prol das manifestações negras.
Em 1977, o Departamento de
percebe-se que alguns analistas e Assuntos Culturais da Prefeitura
estudiosos da cultura popular da Municipal de Salvador inicia um
época traçam um quadro sombrio projeto diretamente relacionado
para os destinos da capoeira, em à capoeira, que encontra adesão
muito influenciados pelos danos da comunidade capoeirística.
socioeconômicos e culturais A iniciativa consegue abranger
provocados pelo turismo/ desde os mais tradicionais mestres
folclorização e esportização. ainda em condições de participar,
Esse período coincide com como Cobrinha Verde, Atelino,
a decadência das academias Waldemar, Canjiquinha,
tradicionais de capoeira da Bahia No final da década de Caiçara, entre outros, até a
– as de Bimba e Pastinha –, com 1970, militantes do movimento nova geração composta de
a situação de pobreza em que negro, estudiosos, políticos, praticantes pertencentes a
se encontravam os principais carnavalescos e estudantes segmentos da classe média,
mestres, razão da saída de Mestre universitários começam a denunciar muitos deles universitários.
Bimba para Goiânia, em Goiás. a folclorização da cultura negra e Esse projeto tinha por
O período marca, ainda, a morte reivindicam, aos poderes públicos, objetivo agregar todos os
de muitos deles em quadro de medidas que pudessem coibir estilos de capoeira e todas as
indigência, num momento em esse processo. Na Bahia, algumas tendências que estavam em voga
que a capoeira já começava a dar instituições públicas tomaram (esporte, folclore, educação).
mostras da possibilidade de ser iniciativas que procuravam atender Por meio de fórum de debates
explorada economicamente. a essas reivindicações e acabaram e de apresentações de capoeira,
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 114

M E S T RE C U RIÓ.
FOT O: T T C A T A L Ã O – A C E RV O
T É C NIC O IPH A N.

que envolviam a capoeira da época


e indicados alguns rumos de
atuação para orientar as políticas
públicas em seu benefício: a
revitalização da Capoeira Angola; a
introdução da prática da capoeira
nas escolas; o incentivo às pesquisas
e aos estudos sobre o tema; a
importância de encontrar formas
de amparo aos velhos mestres e
suas famílias; a realização de novos
eventos de capoeira; a busca de
novos espaços para a sua prática.
listou os pontos impulsivos No ano de 1983, o projeto Muitos desses itens levantados
e restritivos para a prática da relacionado à capoeira do encontram ressonância no
capoeiragem. Além dos mestres Departamento de Assuntos momento atual da capoeira. Apesar
e de capoeiristas, convidados Culturais da Prefeitura Municipal de a arte ter se difundido no
e consultores eventuais e de Salvador culminou com a Brasil e no exterior, isso ocorreu
periódicos, participavam do realização do Primeiro Seminário Regional por meio do saber dos mestres,
projeto intelectuais baianos, de Capoeira e do Festival de Ritmo de que, sem amparo ou recurso, se
estudiosos da cultura negra, Capoeira, que devem ser entendidos lançaram na aventura da errância
membros do Movimento como a primeira iniciativa em busca de condições melhores
Negro Unificado (MNU), governamental em prol da capoeira. de vida, dentro e fora do País.
educadores e dirigentes de Nesses eventos, foram Há, portanto, uma contradição
outras entidades públicas. levantadas as principais questões inerente à difusão da capoeira. Por
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 115

À DIRE IT A
M E ST RE L U A RA S T A .
FOTO : T T C A T A L Ã O –
ACE R V O T É C NIC O IPH A N.

ABAIXO
M E ST RE V IRGÍ L IO, IGRE JA
DO B ONFIM , BA H IA .
FOTO : T T C A T A L Ã O –
ACE R V O T É C NIC O IPH A N.

Esse é um ponto que patrimônio próprio. O Brasil,


mostra a necessidade de um nesse contexto, não seria o local
reconhecimento oficial da onde a capoeira se desenvolveu,
importância da capoeira por parte mas ponto de passagem para
do Estado brasileiro. Exemplos sua difusão internacional.
como o de Mestre João Grande, A perspectiva deste Dossiê é
que recebeu diversas homenagens a de que, embora marcada pela
nos Estados Unidos, revelam influência africana, a capoeira
a apropriação da capoeira por – como hoje é conhecida –
governos multiculturalistas, estabeleceu-se no Brasil. Foram
que buscam reconhecê-la como também os mestres brasileiros os
parte da diáspora africana e responsáveis por articular aspectos

um lado, percebe-se que o jogo


não corre o risco de desaparecer,
é praticado por milhões de pessoas
em todo o mundo e estudado por
pesquisadores de universidades
nacionais e internacionais. No
entanto, os mestres encontram
brutais dificuldades para manter seu
ensinamento, enfrentam problemas
financeiros, falta de espaço para
ministrar aulas e barreiras para
divulgar a arte no exterior.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 116

culturais a uma manifestação a roda é um espaço de criação Mestre Bamba


que poderia ficar restrita à face artística e de performance cultural (Rubens Costa Silva)
marcial. Ao contrário disso, em que se realiza plenamente a Mestre Gajé
a capoeira é reconhecida por multidimensionalidade da capoeira. (José Izidro de Carvalho)
sua riqueza musical e gestual, o Portanto, a roda também precisa
que a aproxima também de uma ser registrada, assim como os Mestre Xaréu
dança especial, reminiscência mestres, depositários do saber (Hélio Campos)
de jogos de combate de imaterial da capoeira. No dossiê do Mestre Demolidor
sociedades tradicionais. processo de Registro, encontram-se (Augusto Januário Passos da Silva)
A roda de capoeira, nesse anexadas 16 entrevistas com mestres
Mestre Lua Rasta
sentido, é a forma de expressão de diversas vertentes, reconhecidos
(Gilson Fernandes)
que permitiu o aprendizado e a pela comunidade capoeirística
expansão do jogo. Nela se encenam como importantes mantenedores
golpes e movimentos acrobáticos, da cultura. São eles, distribuídos RIO DE JANEIRO
cânticos antigos são reatualizados pelas cidades de Salvador, Rio de Mestre Vilmar
e outros são inventados, Janeiro e Recife, os mestres: (Vilmar da Cruz Brito)
acompanhados por uma orquestra
de instrumentos que produz uma SAlVADOR Mestre Nestor Capoeira
sonoridade múltipla e, ao mesmo (Nestor Sezefredo dos Passos Santos)
Mestre João Pequeno
tempo, característica da arte. Mestre Gil Velho
(João Pereira dos Santos)
A roda é um momento (Gilberto Cavalcanti)
determinante da prática da capoeira Mestre Curió
(Jaime Martins dos Santos) Mestre Russo (Jonas Rabelo)
que não pode ser ignorado. Seja
na Capoeira Angola, Regional Mestre Virgílio Mestre José Carlos
ou a que funde as duas vertentes, (Virgílio Maximiniano Ferreira) (José Carlos Gonçalves)
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 117

PÁ GINA S 1 1 8 E 1 1 9
A L GU NS DOS M E S T RE S
DE C A POE IRA
FOT OS :

ACERVO TÉCNICO DO

IPHAN, FRANCISCO MOREIRA

DA COSTA, EDUARDO

MONTEIRO, GIANNY MELO,

SANDRO GUIMARÃES, TT

CATALÃO E XIM-XIM.

RECIfE Mestre Leopoldina (Demerval Mestre Peixinho


Lopes de Lacerda – RJ) (Marcelo Azevedo Guimarães – RJ)
Mestre Coca-Cola
(Marco Aurélio Moreira) Mestre Moraes Mestre Rafael Flores
(Pedro Moraes Trindade – BA) (Rafael Flores Viana – RJ)
Mestre Mulatinho
(João Ferreira Mulatinho) Mestre Celso do
Mestre Lua de Bobó
Engenho da Rainha
Mestre Meia-Noite (Edvaldo Borges da Cruz – BA)
(Celso Carvalho Nascimento – RJ)
(Gilson Santana) Mestre Suassuna
Mestre Pelé da Bomba
(Inaldo Ramos Suassuna – BA)
(Natalício Neves da Silva – BA)
Além desses, são importantes Mestre Itapoan
Mestre Felipe de Santo Amaro
depositários do saber da (Raimundo César Alves
(Felipe Santiago – BA)
capoeira os seguintes mestres: de Almeida – BA)
Mestre Gigante
Mestre João Grande Mestre Acordeon
(Francisco de Assis – BA)
(João Oliveira dos Santos – BA) (Ubirajara Guimarães
Almeida – BA) Mestre Bigodinho
Mestre Arthur Emídio (Reinaldo Santana – BA) ¢
(Arthur Emídio – RJ) Mestre Decânio
(Ângelo Augusto Decânio Filho – BA)
Mestre Boca Rica
(Manoel Silva – BA) Mestre Camisa Roxa
(Edvaldo Carneiro e Silva – BA)
Mestre Pirajá
(Marcondes Luiz Ferreira Mestre Camisa
da Silva – PE) (José Tadeu Carneiro Cardoso – BA)
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 118
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 119
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 120
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 121

recomendações de RODA DE C A POE IRA DE


BA IRRO, PROV A V E L M E NT E
C ORT A BRA Ç O, NA L IBE RD A D E.

salvaguarda FOT O: PIE RRE V E RGE R@


FU NDA Ç Ã O PIE RRE V E RGE R .

E m 19 de agosto de 2004, o
ministro da Cultura, Gilberto
Gil, viajou para Genebra, na
capoeira disseminou-se pelo
mundo com entusiasmo. Mesmo
sem falar português, um chinês,
mestres nas áreas de pesquisa,
formação de acervo e ações
socioculturais. A capoeira
Suíça, sede europeia da ONU, um árabe, um judeu ou um também foi privilegiada em
a convite do então secretário- americano podem repetir o outras linhas de atuação,
geral Kofi Annan. Na ocasião, compasso da mesma música, a como o edital de incentivo a
o ministro levou 15 capoeiristas arte do mesmo passo e a ginga documentários (DOC TV) e
brasileiros e estrangeiros para do mesmo toque. A diáspora os Pontos de Cultura. Diante
homenagear o embaixador Sérgio da capoeira no mundo é uma dessas propostas, torna-se
Vieira de Mello, morto um ano realidade que já conta com o aval importante recomendar as
antes, em um atentado terrorista de instituições educacionais como seguintes medidas de salvaguarda.
na cidade de Bagdá, no Iraque. O o Unicef, que referenda trabalhos
ministro da Cultura aproveitou de iniciativa dos capoeiristas RECONHECIMENTO, PElO
para lançar, nessa oportunidade, brasileiros em vários países”85. MINISTÉRIO DA EDuCAçãO
as bases de um Programa Esse foi o primeiro passo (MEC), DO NOTóRIO SABER DO
Brasileiro e Internacional para do Ministério da Cultura para MESTRE DE CAPOEIRA
a Capoeira. Segundo afirmou o estabelecimento de políticas Espera-se que o registro
o ministro em seu discurso: públicas para a capoeira. Além do saber do mestre de capoeira
do Inventário para Registro e Salvaguarda como Patrimônio Cultural do
“Atualmente, a capoeira é da Capoeira como Patrimônio Imaterial Brasil possa favorecer a sua
praticada em mais de 150 países. do Brasil, foi lançado, em 2006, desvinculação obrigatória do
Nas Américas, no Japão, na o edital do Capoeira Viva, parceria Conselho Federal de Educação
China, em Israel, na Coreia, do MinC com a Petrobras, já em Física, ao qual a capoeira está
na Austrália, na África e em segunda edição, que apresenta subordinada. Entende-se que
praticamente toda a Europa. A linhas de fomento para grupos e o saber do mestre não tem
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 122

equivalente no aprendizado PlANO DE PREVIDêNCIA junto à Previdência Social, um


formal do profissional de ESPECIAl PARA OS VElHOS plano especial para mestres
Educação Física, mas, sim, que MESTRES DE CAPOEIRA acima de 60 anos que tenham
se estabelece como acervo da Este foi um dos pontos mais tido dificuldades de contribuir
cultura popular brasileira. Dessa abordados durante os Encontros com a entidade ao longo dos
forma, espera-se contribuir para Capoeira como Patrimônio anos. Como justificativa,
que mestres de capoeira sem Imaterial do Brasil. Diante reconhece-se a contribuição do
escolaridade, mas detentores do de um histórico de mestres velho mestre de capoeira para
saber, possam ensinar capoeira em importantes, como Bimba e difusão da cultura brasileira.
colégios, escolas e universidades. Pastinha, entre outros, que Como se trata de uma ação de
Recomenda-se que essa proposta morreram em sérias dificuldades emergência, para acolhimento
seja de implantação imediata. financeiras, sugere-se elaborar, dos mestres atuais que vivem em
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 123

4 º EN CO N TR O DE CA POE IRA,
A G OSTO DE 20 0 7 .
F OTO: ACERVO TÉCN ICO
D O I P HAN .

absoluto estado de carência, CRIAçãO DE uM CENTRO PlANO DE MANEJO DA BIRIBA


recomenda-se que esta proposta NACIONAl DE REfERêNCIAS E OuTROS RECuRSOS
tenha implantação imediata e DA CAPOEIRA A prática da capoeira no Brasil
que perdure até que os mestres Os estudos sobre a capoeira estão e no exterior gerou a produção
vindouros possam dispensar dispersos entre os departamentos de de um repertório significativo
esta ação de salvaguarda. ensino de Antropologia, História, de commodities que passam a
Educação, Educação Física, Psicologia, circular através da internet e das
ESTABElECIMENTO DE Artes, entre outros. A natureza redes constituídas pelas franquias
uM PROGRAMA DE polifônica e multifacetada do jogo dos grandes grupos de capoeira
INCENTIVO DA CAPOEIRA e da cultura da capoeira enseja de renome internacional. Hoje se
NO MuNDO reflexões em diversos campos do presencia a constituição e reprodução
Outro ponto importante saber (da biomecânica aos estudos de um crescente mercado de bens
destacado nos Encontros diz das performances). Como a produção culturais constituídos por itens da
respeito à dificuldade de os relativa à prática da capoeira no cultura material da capoeira: cordéis,
mestres circularem pelos países Brasil contemporâneo encontra-se abadás, berimbaus, instrumentos
onde são convidados para dispersa, justifica-se a criação de (pandeiro, reco-reco, atabaque),
ensinar capoeira. Espera-se um Centro Nacional de Referências dobrões e demais itens, muitos
que o Ministério das Relações da Capoeira, virtual, no Brasil, de confeccionados artesanalmente,
Exteriores possa inserir a capoeira caráter multidisciplinar e multimídia, valendo-se de técnica e matéria-
nos seus programas de apoio à abrigando produções científicas, prima nativa do Brasil, como é o
difusão da cultura brasileira. acadêmicas, mas também produções caso da biriba (Eschweilera ovata) –
Desse modo, pode facilitar o audiovisuais, sonoras, entre outras. madeira com que se confeccionam
trânsito de mestres e grupos de Espera-se que esta iniciativa tradicionalmente os berimbaus. Para
capoeira que oferecem cursos e possa facilitar consultas acerca das sua confecção utilizam-se também
apresentam rodas no exterior. referências existentes sobre a capoeira. madeiras da mata atlântica, ameaçadas
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 124

C A POE IRIS T A T OC A NDO


BE RIM BA U .
FOT O: T T C A T A L Ã O –
A C E RV O T É C NIC O IPH A N.

À DIRE IT A
M E S T RE IT A POA N, L A GOA
DE A BA E T É , BA H IA .
FOT O: T T C A T A L Ã O –
A C E RV O T É C NIC O IPH A N.

de extinção, tais como: matamatá


branco, pau d’arco, pau pombo,
açoita cavalo, itaúba preta, guaiúba,
pitomba, tatajuba, marupá, tauari e
o morototó. Outras espécies vegetais,
como a cabaça ou coité (Crescentia
cujete), também são utilizadas, além
do vime, do bambu, da palha e de
sementes para a produção dos caxixis.
São instrumentos normalmente
confeccionados por uma rede local,
por meio artesanal, para fazer frente
a uma demanda cada vez maior de
mercadorias. Sugerimos um plano de
manejo de espécies nativas ameaçadas,
para fazer frente à necessidade de
matéria-prima para a confecção dos
berimbaus e demais instrumentos.

fóRuM DA CAPOEIRA
Realização de encontros
periódicos, em parceria com
universidades, para discutir questões
importantes da comunidade da
capoeira. O objetivo do Fórum é
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 125

estimular o encontro dos mestres interessados em registrar as base nas referências indicadas
com os estudiosos da capoeira. trajetórias de vida de antigos mestres durante o processo do Inventário
É notório que alguns mestres de de capoeira. O objetivo é que esse para Registro e Salvaguarda da Capoeira
capoeira possuem saber acadêmico, Banco de Histórias possa alimentar como Patrimônio Cultural do Brasil.
mas não é o caso da maioria. Espera- e fazer parte do Centro Nacional Cabe mencionar que
se, portanto, integrar a tradição oral de Referências da Capoeira. as recomendações aqui
ao ambiente de pesquisa acadêmica. identificadas foram revistas,
REAlIzAçãO DE INVENTáRIO restringindo-se seu escopo às
BANCO DE HISTóRIAS DE DA CAPOEIRA EM PERNAMBuCO ações afins à área cultural,
MESTRES DE CAPOEIRA Espera-se auxiliar e incentivar conforme demandas
Pretende-se oferecer oficinas o aprofundamento de pesquisas apresentadas nos Encontros Pró
de história oral para capoeiristas sobre a capoeira em Recife, com Capoeira, pelos detentores.¢
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1. Ainda assim, é preciso levar em Cultural, Arquivo Geral da Cidade do Rio


conta que os centros urbanos da época de Janeiro/ Divisão de Pesquisa, 2001.
tinham vasto entorno rural, de modo que 7. EDMUNDO, Luiz. O Rio de
havia engenhos e até mesmo quilombos Janeiro do meu tempo. Rio de Janeiro:
nos bairros afastados do centro do Rio Imprensa Nacional, 1938, p. 842.
de Janeiro e outras cidades coloniais. 8. Ver GOMES, Flávio dos Santos.
Como exemplo, ver SILVA, Eduardo. “No meio das águas turvas (racismo e
NOTAS As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: cidadania no alvorecer da República:
uma investigação de história cultural. São Guarda Negra na Corte – 1888-1889”.
Paulo: Companhia das Letras, 2003. Estudos afro-asiáticos, n. 21, 1991.
2. REGO, Waldeloir. 9. CASTRO, Maurício Barros de.
Capoeira Angola – ensaio socioetnográfico. Na roda do mundo: Mestre João Grande entre
Salvador: Itapuã, 1968, p. 33. a Bahia e Nova York. Tese de doutorado.
3. Ver CAVALCANTI, Nireu São Paulo: Departamento de História
Oliveira. Crônicas históricas do Rio Social (FFLCH-USP), 2007, p. 139.
Colonial. Rio de Janeiro: Civilização 10. SOARES, Carlos Eugênio
Brasileira-Faperj, 2004. Líbano. Op. cit., p. 41.
4. SOARES, Carlos Eugênio 11. ABREU, Plácido de. Os capoeiras.
Líbano. A capoeira escrava e outras tradições Rio de Janeiro: Tipografia da Escola
rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850). Seraphim Alves de Brito, 1886.
Campinas: Unicamp, 2001, p. 25. 12. ABREU, Plácido de. Op. cit., p. 3.
5. SOARES, Carlos Eugênio 13. DIAS, Luís Sérgio. Op. cit., p. 97.
Líbano. A negregada instituição: os capoeiras 14. CASTRO, Maurício Barros de.
na Corte Imperial (1850-1890). Rio Op. cit., p. 140.
de Janeiro: Access, 1999, p. 3. 15. BARBIEIRI, César. Um
6. Ver DIAS, Luís Sérgio. Quem tem jeito brasileiro de aprender a ser. Brasília:
medo da capoeira? Rio de Janeiro: Secretaria Defer/GDF. Centro de Informação
Municipal das Culturas, Departamento e Documentação Sobre a Capoeira
Geral de Documentação e Informação (Cidoca/DF), 1993, p. 117.
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M A RCEL G A U THERO T.
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16. SOARES, Carlos Eugênio 21. Ver QUERINO, Manuel. Bahia à capoeira baiana deste período que
Líbano. Op. cit., p. 40 e 12. de outrora. Salvador: Progresso, 1955 e não foram inseridos neste livro.
17. NETO, Coelho “O nosso jogo”. In: Costumes africanos no Brasil. Recife: Fundação 26. ABREU, Frederico
Bazar. Porto: Livraria Chardron, 1928, p. 140. Joaquim Nabuco-Massangana, 1988. José de. Op. cit., p. 95.
18. MORAES FILHO, Mello. 22. QUERINO, Manuel. Costumes 27. Capadócio é “o indivíduo que se
“Capoeiragem e capoeiras célebres”. africanos no Brasil. Recife: Fundação Joaquim dá ares de importância nos modos e nas falas para
In: Festas e tradições populares no Brasil. Belo Nabuco-Massangana, 1988, p. 73. enganar os outros; espertalhão, finório, velhaco”.
Horizonte-São Paulo: Itatiaia-Edusp, 23. Ver VIANNA, Antônio. Casos e Ver: SILVA, Antônio de Moraes.
1979, p. 263. coisas da Bahia. Salvador: Fundação Cultural Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de
19. SODRÉ, Muniz. Mestre do Estado da Bahia, 1984 e Quintal de Janeiro: Empresa Literária Fluminense
Bimba: corpo de mandinga. Rio de Nagô e outras crônicas. Salvador: Centro de A. A. da Silva Lobo, 1890, p. 403.
Janeiro: Manati, 2002, p. 62. de Estudos Baianos/UFBA, 1979. 28. Ver COUTINHO, Daniel
20. Ver PIRES, Antônio Liberac 24. Ver PIRES, Antônio Liberac C. (Noronha). O ABC da Capoeira Angola:
C. S. Bimba, Pastinha e Besouro de Mangangá. S. Movimentos da cultura afro-brasileira: a formação os manuscritos de Mestre Noronha. Brasília:
Três personagens da capoeira baiana. Tocantins- histórica da capoeira contemporânea (1890- Defer-Cidoca, 1993. PASTINHA,
Goiânia: Neab-Grafset, 2002 e A capoeira 1950). Tese de doutorado. Campinas: Mestre. A herança de Mestre Pastinha:
na Bahia de Todos os Santos. Um estudo sobre Instituto de Filosofia e Ciências manuscritos e desenhos. Estatutos do
cultura e classes trabalhadoras (1890-1937). Humanas da Universidade Estadual de Centro Esportivo de Capoeira Angola
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2004. DIAS, Adriana Albert. Mandinga, cores: criminalidade, cultura e racismo na cidade Capoeira Angola. Salvador: Fundação
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na cidade da Bahia (1910/1925). Salvador: de mestrado. Campinas: Departamento 29. CASTELLUCCI, Aldrin A.
Edufba, 2006. “Os ‘fiéis’ da navalha: de História da Unicamp, 1996. Silva. Salvador dos operários: uma história da
Pedro Mineiro, capoeiras, marinheiros 25. Ver ABREU, Frederico José greve geral de 1919 na Bahia. Dissertação de
e policiais em Salvador na República de. Capoeiras – Bahia, século XIX: imaginário e mestrado. Salvador: UFBA, 2001, p. 18.
Velha.” In: Revista Afro-Ásia, n. 32, Salvador: documentação. Vol. I. Salvador: Instituto 30. A expressão é de FILHO, Alberto
Ceao, 2005. OLIVEIRA, Josivaldo Pires Jair Moura, 2005. É importante Heráclito Ferreira. “Desafricanizar
de. No tempo dos valentes: os capoeiras na cidade ressaltar que, segundo o autor, há em as ruas: elites letradas, mulheres
da Bahia. Salvador: Quarteto, 2005. seu acervo mais documentos referentes pobres e cultura popular em Salvador
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(1890-1937)”. In: Revista Afro-Ásia, nº 36. FREYRE, Gilberto. Sobrados e 49. BELTRÃO, Mônica. A
21 e 22. Salvador: Ceao, 1998-9. mucambos. São Paulo: Global, 2006, capoeiragem no Recife antigo: os valentes de
31. Vale lembrar que, desde o p. 150-151. outrora. Recife: Nossa Livraria, 2007.
final do século XIX, o termo “vadio” 37. REAL, Katarina. O folclore no 50. Apud RABELLO,
era usado tanto para se referir àqueles Carnaval de Recife. Rio de Janeiro: MEC, 1967. Evandro. Op. cit., p. 148.
que não tinham trabalho como para 38. PEREIRA DA COSTA, 51.Para uma introdução a esse
designar todos os que viviam de ocupações Francisco Augusto. “Folclore assunto, ver CARVALHO, Marcus.
esporádicas. A palavra vadiação também pernambucano: subsídios para “Rumores e rebeliões. Estratégias de
qualificava as brincadeiras, jogos e a história da poesia popular em resistência escrava no Recife”. In: Revista
divertimentos de rua cultivados pelo povo Pernambuco”. Separata da Revista do Tempo, 6(3). Niterói: Universidade
e repudiados pelos que sonhavam com uma Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Federal Fluminense, dezembro, 1998.
população que vivesse disciplinadamente tomo LXX. Rio de Janeiro, 1908. 52. LIMA, Vivaldo da Costa e
pelos supostos padrões europeus. 39. SETTE, Mário. Maxambombas e OLIVEIRA, Valdir F. “O candomblé da
32. Cais Dourado designava toda maracatus. Recife: Fundação de Cultura Bahia na década de 30”. In: Cartas de Édison
a região onde estava situada a praça da Cidade do Recife, 1981, p. 87. Carneiro a Arthur Ramos – De 4 de janeiro de 1936 a
do Ouro, com vários botequins e o 40. REAL, Katarina. Op. cit., p. 27. 6 de dezembro de 1938. São Paulo: Corrupio,
Mercado do Ouro – importante espaço 41. SETTE, Mário. Op. cit., p. 87. 1987, p. 39.
do comércio ambulante e de venda de 42. FREYRE, Gilberto. Op. cit., p. 53. CARNEIRO, Édison. Negros
produtos em atacado, especialmente 650. bantos: notas de etnografia religiosa e de folclore. Rio
farinha de mandioca e açúcar. 43. SETTE, Mário. Op. cit., p. 86. de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936.
33. DIAS, Adriana Albert. A malandragem 44. OLIVEIRA, Valdemar de. Op. 54. VIEIRA, Luiz Renato e
da mandinga: o cotidiano dos capoeiras em Salvador na cit., p. 89. ASSUNÇÃO, Matthias R. “Mitos,
República Velha (1910-1925). Dissertação de 45. RABELLO, Evandro. Memórias da controvérsias e fatos: construindo a
mestrado. Salvador: UFBA, 2004, p. 44. folia: o Carnaval do Recife pelos olhos da imprensa. história da capoeira”. In: Estudos Afro-
34. COUTINHO, Daniel Recife: Funcultura, 2004, p. 30-31. Asiáticos (34): 81-121. Dez/1998, p. 84.
(Noronha). Op. cit., p. 19 e 21. 46. Idem. 55. Ver ABREU, Frederico José
35. Ver OLIVEIRA, Valdemar de. 47. Apud RABELLO, de. Bimba é bamba: a capoeira no ringue.
Frevo, capoeira e passo. Recife: Companhia Evandro. Op. cit., p. 184. Salvador: Instituto Jair Moura, 1999.
Editora de Pernambuco, 1985. 48. FREYRE, Gilberto. Op. cit., p. 651. 56. SODRÉ, Muniz. Op. cit., p. 64.
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57. ABREU, Frederico. O 64. CASTRO, Maurício (Jaime Martins dos Santos) em outubro
barracão do Mestre Waldemar. Salvador: Barros de. Op. cit., p. 12-13. de 2007, para o Inventário para Registro e
Organização Zarabatana, 2003. 65. VITA, Marcos. “Ginga na Casa Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural
58. Ver ALMEIDA, Raimundo Branca”. In: Correio da Bahia. Caderno Aqui do Brasil – Iphan, em Salvador – BA.
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59. Texto extraído da entrevista José de. Op. cit., p. 20. 78. ASSUNÇÃO, Matthias
realizada por Maurício Barros de 68. Apud ABREU, Frederico Röhrig. Op. cit., p. 135.
Castro e Matthias Rohrig Assunção José de. Op. cit.¸p. 16. 79. LOPES, Nei. O negro no Rio
com Mestre Vilmar (Vilmar da Cruz 69. ABIB, Pedro Rodolpho de Janeiro e sua tradição musical: partido-
Brito) em agosto de 2007, para o Jungers. Capoeira angola: cultura popular no alto, calango, chula e outras cantorias. Rio
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60. ASSUNÇÃO, Matthias Rohrig. 70. PIRES, Antônio Folkways Recordings, 1996, p. 32.
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art. Londres: Routledge, 2005, p. 174. 71. Ver CAMPOS, Hélio (Mestre Op. cit., p. 32.
61. ASSUNÇÃO, Matthias Xaréu). Capoeira na universidade: uma trajetória 82. Grupo de Capoeira Angola
Rohrig. Op. cit., p. 196-197. de resistência. Salvador: SCT-Edufba, 2001. Pelourinho. Op. cit., p. 34.
62. Idem, p. 177. 72. PASTINHA, 83. REGO, Waldeloir.
63. Texto extraído da entrevista Mestre. Op. cit., p. 31. Op. cit.,. p. 71-76.
realizada por Graciane Costa e Annelise 73. Idem, p. 35. 84. Ver RUGENDAS, Johann
Meneses com Mestre Coca-Cola 74. CAMPOS, Hélio. Op. cit., p. 70. Moritz. Viagem pitoresca através do Brasil. Belo
(Marco Aurélio Moreira) em julho 75. Idem, p. 87. Horizonte-São Paulo: Itatiaia-Edusp, 1981.
de 2007, para o Inventário para Registro 76. Texto extraído de entrevista 85. GIL, Gilberto. Brasil, paz
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RODA DE C A POE IRA –


INS T RU M E NT OS .
FOT O: PIE RRE V E RGE R@
FU NDA Ç Ã O PIE RRE
V E RGE R.

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Processo
Anexo 1 N° 01450.002863/2006-80
Parecer do Registro dos Bens Culturais
de Natureza Imaterial
relator Roda de Capoeira e Ofício dos
Mestres de Capoeira

T rata-se de processo cujo


objetivo é o registro da capoeira
como patrimônio cultural do
e o da Procuradoria Federal no
Iphan – o primeiro relativo ao
mérito da proposta, o segundo
Brasil. A abertura do processo sobre seus aspectos legais.
por solicitação do Presidente do Seguiu-se todo o iter
Iphan, em 17 de fevereiro de 2006, processual, cujos últimos passos
culminou gestões, de iniciativas foram os mencionados pareceres
diversas, que se encontram técnicos, com manifestação
devidamente consignadas, para favorável e o despacho da gerente
sua inclusão no registro do de Registro do Departamento de
patrimônio imaterial brasileiro. Patrimônio Imaterial no mesmo
A instrução do processo sentido, propondo a dupla
mostra-se extensa e abrangente, inscrição, da Roda de Capoeira
compreendendo material no Livro das Formas de Expressão
diversificado, como teses e outros e do Ofício dos Mestres de
textos acadêmicos sobre o assunto, Capoeira no Livro dos Saberes.
depoimentos de capoeiristas, O parecer da Procuradoria
memórias de encontros, inclusive Federal no Iphan reconhece a
específicos sobre sua inclusão relevância da proposta com base
como patrimônio cultural, a no parecer técnico precedente,
publicação Inventário para Registro e recomendando a observância das
Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio normas referentes à publicação, o
Cultural do Brasil e pareceres técnicos, que se deu pelo Aviso publicado
como o da antropóloga do Iphan, no Diário Oficial de 13 de
Maria Paula Fernandes Adinolfi junho de 2008. Seguiu-se o
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R O DA DE MESTRE VAL M IR –
F I CA B AHI A .
F OTO: TT CA TALÃ O –
A CERVO TÉCN I CO I P HAN.

encaminhamento do Presidente do artístico-culturais; V- os


Iphan ao Conselho Consultivo. conjuntos urbanos e sítios de valor
Na presente relatoria, foram histórico, paisagístico, artístico,
considerados basicamente dois arqueológico, paleontológico,
juízos, o de pertinência em relação ecológico e científico”.
aos objetivos do patrimônio Posteriormente, o patrimônio
imaterial e o de relevância da imaterial seria contemplado em
matéria. Quanto ao primeiro legislação específica, como o
aspecto, deve ser registrado que Decreto n° 3.551, de 2000, pelo
o Patrimônio Cultural Brasileiro qual se instituiu o Registro de Bens
encontra-se constituído, segundo Culturais de Natureza Imaterial,
o art. 216 da Constituição Federal, com seus respectivos Livros de
pelos “bens de natureza material e Registro, a saber, Livro de Registro
imaterial, tomados individualmente dos Saberes, das Celebrações, das
ou em conjunto, portadores Formas de Expressão e dos Lugares.
de referência à identidade, à A legislação brasileira acompanhou
ação, à memória dos diferentes tendência mundial, cujo foro mais
grupos formadores da sociedade expressivo foram as reuniões da
brasileira, nos quais se incluem: Unesco, procurando contemplar,
I- as formas de expressão; II- os ao lado da preservação dos bens
modos de criar, fazer e viver; III- materiais, aqueles de características
as criações científicas, artísticas e imateriais ou intangíveis.
tecnológicas; IV- as obras, objetos, A par da legislação, esse
documentos, edificações e demais movimento corresponde a uma
espaços destinados às manifestações crescente tomada de consciência,
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R O D A DE CA P O EI RA.
F O T O : ACERVO
T É C N I CO DO I P HAN .

no âmbito cultural e científico, do (...) No Rio de Janeiro e Recife a início da de Câmara Cascudo: o
significado de questões como as capoeira é jogo de rua... com uma jogo. A capoeira é essencialmente
da memória social e da identidade nomenclatura especial para os golpes um jogo, no que a expressão tem
cultural, particularmente presentes (...) Na Bahia, o capoeira luta com de mais intrinsecamente humana.
em manifestações como a capoeira. adversários, mas possui um aspecto Quando o historiador holandês
Mas, o que é a capoeira e qual particular e curioso, exercitando-se Johan Huizinga escreveu sua
a pertinência em considerá-la amigavelmente, ao som de cantigas obra clássica Homo ludens, desde
patrimônio cultural imaterial? e instrumentos de percussão...”. logo explicitou que não estava
O tema já foi extensamente Muniz Sodré diz que “O interessado no conhecimento
tratado no âmbito acadêmico e fora ritmo e o rito dão vida e alma à do elemento lúdico na cultura,
dele, e o próprio processo, além do capoeira. São eles que favorecem a como se ele fosse apenas uma
inventário publicado, relaciona os epifania dos corpos em movimento, expressão humana entre outras,
principais textos que lhe desenham trazendo beleza atlética para mas considerava o elemento
os traços históricos, antropológicos o gingado e para a execução lúdico da cultura, aquilo que
e estéticos. Entretanto, podemos harmoniosa dos golpes e balões. expressava algo inerente à condição
nos referir a duas autoridades, por Não se trata, portanto, de mero humana e às suas manifestações,
todos. Câmara Cascudo define a esporte, nem de mera técnica de que são, todas elas, culturais.
capoeira como “jogo atlético de defesa e ataque, mas de um jogo, A cultura tem, assim, como um
origem negra, introduzido no Brasil isto é, uma totalidade articulada de seus atributos, a ludicidade. E
pelos escravos bantos de Angola, de formas inventadas...”. a capoeira, sobretudo por ser um
defensivo e ofensivo, espalhado pelo Nas duas definições estão jogo, sublinha particularmente
território e tradicional no Recife, presentes a luta, o canto, a dança esta ludicidade, cuja regulação
cidade do Salvador e Rio de Janeiro, e a música, mas o traço mais interna e cuja exteriorização
onde são recordados os mestres, importante é o que aparece no final correspondem a formas de
famosos pela agilidade e sucessos. da definição de Muniz Sodré e no expressão, a criações artísticas e
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a modos (particulares) de criar, técnica de defesa pessoal, ritmo, aspectos da capoeira tem, pelo lado
viver e fazer. Estão cumpridos dança, espetáculo. Quanto à sua afirmativo, o mérito de alargar sua
três requisitos constitucionais – e caracterização, ela pressupõe compreensão, sublinhando-lhe
não apenas um – para que seja aspectos absolutamente próprios, as nuances. Pelo lado contrário,
pertinente a admissão da capoeira que a distinguem de outros o de questionar aquilo que já
como bem cultural imaterial. jogos, esportes, técnicas ou foi chamado de “mitificação
Quanto à relevância da capoeira espetáculos, mas também implica da capoeira”, desconstruindo
como patrimônio imaterial, dois diferenças regionais e temporais afirmações como a das “origens
aspectos podem ser considerados: importantes, como a Capoeira remotas”, a de uma suposta
o do seu significado sociocultural Regional, a Capoeira de Angola “unidade” e até a da “queima dos
e o do seu reconhecimento, ou ou a capoeira contemporânea. arquivos” sobre a escravidão.
de sua recepção. A percepção Quanto à sua incidência Nos dois primeiros casos, estão
do significado sociocultural de geográfica, embora nacionalmente em questão, como em quase todos
um fenômeno como a capoeira distribuída, adensa-se no Rio os mitos, a ilusão da antiguidade
começa por uma preliminar, a do de Janeiro, em Recife e em – quanto mais antigo, mais
reconhecimento da multiplicidade Salvador. Se o critério escolhido respeitável – e a ilusão da essência
de seus aspectos, o que vale for socioantropológico, então é – existe uma pureza essencial e
dizer que qualquer abordagem preciso sublinhar que, se na Bahia originária, a cujo retorno a prática
do tema é necessariamente constituiu-se frequentemente em contemporânea deve aspirar.
complexa. Reduzi-lo a um ou ponto de apoio para a identidade No episódio da “queima dos
outro aspecto é necessariamente negra, no Rio de Janeiro arquivos”, a equivocada impressão
empobrecer nosso entendimento. disseminou-se pelas camadas de que um decreto do governo
Essa multiplicidade se revela pobres em geral, sem vínculos provisório da República, baixado
de diferentes formas. Quanto à étnicos mais específicos. Admitir com o objetivo de dificultar a
sua finalidade, ela é jogo, esporte, de antemão a multiplicidade de tramitação de ações indenizatórias
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de ex-proprietários de escravos, País e fora dele, promovendo, luta, golpes, brincadeiras,


eliminou a documentação sobre mais que uma ideologia, uma rituais e símbolos. Mas a eles se
a escravidão e por extensão prática de diversidade cultural acrescentam o ofício de mestre de
situações a ela associadas. e de combate ao racismo e capoeira, supondo conhecimentos
A capoeira é, portanto, outras formas de preconceito e habilidades específicas e sua
relevante na vida brasileira por (...) a socialização de crianças e instrução aos neófitos.
pelo menos três aspectos. Ela é jovens e o desenvolvimento de Este ofício, por sua vez, com
uma prática de sociabilidade. formas de ensino-aprendizagem seu “mestre”, remete ao papel
Como jogo, e nas suas diferentes capazes de envolver múltiplas desta figura medieval (o mestre de
configurações, a capoeira induz dimensões de sua formação (física, ofícios) em outras manifestações
à socialização, à cooperação e à psíquica, ética, efetiva, lúdica)”. culturais que se estendem do Brasil
hierarquização, explicitando, Ela é uma prática cultural. colonial ao contemporâneo, como
também, uma ética perfeitamente A capoeira constitui-se num o mestre das festas do Divino ou
codificada. Como diz a antropóloga referencial do legado cultural da Folia de Reis, entre outros.
do Iphan Maria Paula Fernandes africano, especialmente bantu, no Por isso, a capoeira constitui-se
Adinalfi, no parecer 31/2008 cadinho heterogêneo da formação também uma visão de mundo,
incluído no processo, sob esse brasileira. Mas, como prática que se expressa em diferentes
aspecto, a capoeira representa “a cultural historicamente ativa, configurações, como a lúdica, a
formação de redes de sociabilidade ela se modifica no curso de sua estética, a física e a desportiva.
e constituição da identidade e historicidade, gerando as formas Africanidade, historicidade,
da autoestima de grupos afro- regionais e a “contemporânea”. sobrevivência estrutural no tempo
brasileiros, (...) a convivência Os elementos constitutivos da roda e visão de mundo dão forma
respeitosa e harmoniosa entre são talvez o principal aspecto dessa à prática cultural da capoeira,
diferentes grupos étnico- prática, já que envolvem dança, assegurando-lhe a personalidade.
raciais, etários e de gênero, no canto, toque de instrumentos, Ela é uma estratégia identitária.
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RODA DE M E S T RE V A L M IR
– FIC A BA H IA .
FOT O: T T C A T A L Ã O –
A C E RV O T É C NIC O IPH A N.

Certamente atribuir à dúvida contribuiu e contribui Saindo do limbo das


capoeira o caráter de jogo ou para a identidade nacional instituições oficiais, desde
mesmo “luta nacional brasileira” brasileira, sendo um de seus o governo Vargas, chegou a
é cair num exagero nacionalista. traços marcantes e expressando- elemento de política pública, com
Desde os estudos do antropólogo se como tal em variados a formulação de um programa
Melville Herskovits, na década aspectos da produção cultural, e no âmbito do Ministério da
de 1940, mostrou-se a relação particularmente artística, do país. Cultura, cujos elementos são,
da capoeira com “danças Por último, mas não menos entre outros, o reconhecimento
de combate” semelhantes, significativo ou verdadeiro, a capoeira da capoeira como patrimônio
encontradas em diferentes tem especial reconhecimento e cultural imaterial brasileiro e a
culturas da África e da própria recepção em diferentes universos. valorização do saber dos mestres
América. Entretanto, isso A adesão social é característica de capoeira, de que aqui se trata.
não significa elidir o fato de primordial desse reconhecimento/
que, em diferentes momentos recepção. De prática social e * * * Pelo exposto, o parecer
da história brasileira, a etnicamente restrita, e condenada, é favorável à inscrição da Roda de
capoeira constituiu-se como à prática social e transversalmente Capoeira no Livro de Registro
uma estratégia identitária de disseminada na sociedade, das Formas de Expressão e do
grupos étnicos, inclusive de transcorreram algumas gerações, Ofício dos Mestres de Capoeira
resistência negra e como tal mas é a realidade moderna. O no Livro de Registro dos Saberes.
foi percebida não só por seus interesse acadêmico que despertou, e
praticantes, como por aqueles desperta, tornou-a objeto de estudo Salvador, 15 de julho de 2008.
que procuraram reprimi-los. de antropólogos, historiadores,
Por esse fato e pela comunicadores, pedagogos e Arno Wehling
disseminação da capoeira ao especialistas em educação física, Membro do Conselho
longo do século 20, ela sem entre outras especialidades. Consultivo do Iphan
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Anexo 2
certidão de
registro
da Roda de
Capoeira
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Anexo 3
Certidão de
registro do
Ofício dos
Mestres de
Capoeira
Este livro foi produzido no verão
de 2014 para o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional.

Foi composto nas tipografias


Rosewood (títulos) e Mrs Eaves
(textos), corpo 12/14.4, em papel
couché matte 150 g/m (miolo).
DaDos InternacIonaIs De catalogação

na PublIcação (cIP)

bIblIoteca aloísIo Magalhães, IPhan

r685 roda de capoeira e ofício dos mestres de capoeira / Instituto


do Patrimônio histórico e artístico nacional. – brasília,
DF : Iphan, 2014.
148 p. : il. color. ; 25 cm. – (Dossiê Iphan ; 12)

Isbn: 978-85-7334-258-1

1. Patrimônio Imaterial. 2. capoeira. I. Instituto do


Patrimônio histórico e artístico nacional. II. série.

ccD 793.31

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