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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Sistema Estadual de Bibliotecas Escolares - SIEBE / SEDUC – PA


__________________________________________________________________________
Entre Saberes / Secretaria de Estado de Educação. Cefor. - v. 06. n. 11. Belém, PA:
SEDUC, CEFOR, dezembro 2023.

Semestral
ISSN: 2596-0431
Revista de relatos de experiência em foco do Centro de Formação dos Profissionais da
Educação Básica do Estado do Pará (Cefor).

1. Educação – Ensino e Aprendizagem. 2. Metodologia. I. Secretaria de Estado de


Educação do Pará. Cefor.
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CDD - 22. ed.


“Entre Saberes” é uma publicação online de periodicidade semestral, destinada à publicação de experiências
educacionais exitosas, concebidas e realizadas por profissionais das escolas da rede de Educação Básica do
estado do Pará, valorizando o profissional da educação e propiciando o efeito multiplicador dessas práticas na
rede.

GOVERNADOR EDITORAS
Helder Zahluth Barbalho Nádia Eliane Cortez Brasil
Sandra Lúcia Paris
VICE-GOVERNADORA
Hana Ghassan Tuma CONSELHO EDITORIAL
Esther Maria de Souza Braga
SECRETÁRIO DE ESTADO DE EDUCAÇÃO - Francisco Augusto Lima Paes
SEDUC Nádia Eliane Cortez Brasil
Rossieli Soares da Silva Sandra Lúcia Paris

SECRETÁRIO ADJUNTO DE EDUCAÇÃO DIAGRAMAÇÃO


BÁSICA Paulo Roberto Sousa David
Júlio César Meireles de Freitas
DESENHO DA CAPA
SECRETÁRIO ADJUNTO DE GESTÃO DE Desenho de autoria de Letícia Alva Farias
PESSOAS Rodrigues e Sophia Palheta Vieira
Marcelo Thiago França Roque Ribeiro (Alunas do 2º ano do Ensino Médio da E.E.E.F.M.
Profa. Dilma de Souza Cattete)
SECRETÁRIO ADJUNTO DE PLANEJAMENTO
E FINANÇAS ARTE DA CAPA
Patrick Tranjan André Luís Pereira de Freitas

SECRETÁRIO ADJUNTO DE LOGÍSTICA PARECERISTAS AD HOC


Belmiro Soares Campelo Neto Profa. Ma. Ana Lúcia da Silva Brito
Prof. Dr. Marcello Paul Casanova
SECRETÁRIO ADJUNTO DE Profa. Dra. Melissa da Costa Alencar
INFRAESTRUTURA Profa. Dra. Missilene Silva Barreto
Arnaldo Dopazo Antônio José Prof. Me. Roberto Pinheiro Araújo
Profa. Ma. Salier Juliane dos Santos Castro
DIRETOR DE FORMAÇÃO Prof. Dr. Wandré Guilherme Campos Lisboa
CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS
DA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO ORGANIZADORES DESTE NÚMERO
PARÁ Marcello Paul Casanova
Francisco Augusto Lima Paes Salier Juliane dos Santos Castro

EQUIPE ENTRE SABERES REVISÃO GERAL


Autor Corporativo: Centro de Formação dos Profa. Ma. Esther Maria de Souza Braga
Profissionais da Educação do Estado do Pará
Endereço: Rua Gama Abreu, 256 - Bairro de Periodicidade: semestral
Nazaré Belém – Pará CEP: 66.015-130 Endereço eletrônico:
Email: ceforrevista@gmail.com https://www.seduc.pa.gov.br/cefor/pagina/9186-
entre-saberes
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................ 5

REFLEXÕES SOBRE ASSÉDIO E VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: RELATOS DE UMA


ESCOLA PÚBLICA DE BELÉM (PA) .............................................................................................. 8
Ednei Silva Paiva, Juliete Miranda Alves e Rosangela Maia Ribeiro

EMPODERE-SER ............................................................................................................................. 19
Cléa Magnólia Figueira Palha, João Batista Feitosa Machado e Nelma Suely Barros Freitas

UMA HISTÓRIA CONTADA EM BIOGRAFIA ................................................................................. 28


Francinete de Jesus Pantoja Quaresma, Tânia Maria Cardoso dos Santos e Maria do Socorro
Dias da Silva

REVELANDO SENTIMENTOS: DA DOR AO EMPODERAMENTO ............................................... 39


Michelle Sadalla Naif Daibes

VIOLÊNCIA CONTRA MULHER: ESCLARECER PARA COMBATER .......................................... 48


Edival Rodrigues Prazeres, Josiane Tenório Souza e Miriam das Neves

MAS ELA SE QUER: ABORDANDO O EMPODERAMENTO FEMININO A PARTIR DA PRÁTICA


EDUCATIVA COM QUADRINHOS ................................................................................................... 56
Denise Santos de Figueiredo Vale, Márcio Alexandre Guedes Fernandes e Jorge Osvaldo
Alcântara Peixoto Filho

TECENDO DIÁLOGOS PARA O EMPODERAMENTO FEMININO .................................................. 69


Cleice do Socorro Abreu Maciel

MULHERES NA FILOSOFIA: O PENSAMENTO EMPODERADO ................................................. 78


Isabel Cristiane de Mendonça Silva

EMPINANDO PIPAS: O PROTAGONISMO FEMININO NA CONSTRUÇÃO DE PIPAS E DO


APRENDIZADO MATEMÁTICO ....................................................................................................... 88
Thiago Diogo Dias Cardoso

ROSA DE CETIM: UM CORDEL QUE EMPODERA ....................................................................... 97


Wilson Nascimento de Lima

ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO ENSINO MÉDIO: UM OLHAR CRÍTICO À VIOLÊNCIA 104


DOMÉSTICA NO CONTO DE MARINA COLASANTI “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE” .....
Sandra Regina Feiteiro e Hélio Castro do Nascimento

A ARTE E SUAS EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS EM CONEXÃO COM A SOCIOLOGIA PARA O


EMPODERAMENTO FEMININO ....................................................................................................... 116
Robelania dos Santos Gemaque, Sarah de Aviz Cardoso Rocha e Péricles Douglas Matos

DIVERSIDADE NO A.R: EMPODERAMENTO FEMININO NA PRÁTICA DOCENTE ..................... 126


Ana Maria Raiol da Costa e Rita de Cássia Macedo Leal
A Revista Entre Saberes chega à sua 11ª edição e não tardiamente traz um tema de grande importância
e relevância social, o Empoderamento Feminino, que nesta edição se apresenta diluído em variadas
experiências e práticas pedagógicas desenvolvidas e vivenciadas no período de março de 2022 a março de
2023 em 11 escolas de Tempo Integral de Ensino Médio e Fundamental da região metropolitana de Belém.
A Entre Saberes é um periódico semestral organizado pelo Centro de Formação de Educação dos
Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará, o CEFOR, que tem como principal objetivo dar visibilidade
às produções escritas e compartilhar práticas de sala de aula entre os docentes da rede pública de ensino do
Estado do Pará.
Os relatos apresentados nesta edição são resultados do curso Educação de Gênero e Diversidade:
formando para o empoderamento feminino ofertado pelo CEFOR, atendendo à implementação da lei estadual
8.775 de outubro de 2018, que institui nas escolas públicas e privadas a Semana do Empoderamento Feminino.
O curso foi estruturado em seis módulos, contemplando os temas de direitos humanos, educação, relação de
gênero e literatura e a materialização das ações nas escolas foi desenvolvida a partir da Pedagogia de Projetos.
Nesta edição, além do exercício de autoria, o leitor notará, que em todas as ações desenvolvidas houve
a escolha consciente de trazer a/o estudante para o centro das ações, isso se deu pela escolha da Pedagogia
de Projetos como estratégia, a proposta era que as ações fossem gestadas e produzidas em parceria com as
alunas e os alunos, evidenciando o protagonismo dos atores envolvidos: docentes e discentes, dividindo a cena
e o centro da sala de aula, num exercício freireano de mutualidade.
Dialogando com a proposta da estratégia adotada, que tem em sua essência estimular o protagonismo
da/do estudante e fazê-la/lo sentir-se parte da construção e da produção das aulas, Berth (2020) diz que a ideia
de dar poder, presente no conceito de Empoderamento, está relacionada a estimular em alguém algum nível
de aceitação, de modo que venha a desenvolver novas percepções sobre a realidade existente e sobre si
mesmo.
O empoderamento é um movimento de tomada de consciência e (ou) de despertamento de
potencialidades que se inicia internamente, porém nunca haverá empoderamento se a percepção individual
não sair em busca de alcançar a coletividade.
Nesse contexto de desvelamento de potencialidades, buscou-se estimular a escrita autoral de alunas e a
parceria entre alunas e alunos na produção de performances, vídeos, fotografias, folhetos informativos, teatro,
dança e nas mediações de rodas de conversas, evidenciando que individualidade e coletividade são “faces
indissociáveis” no processo de empoderamento (Berth, 2020), bem como evidenciam as bases da Pedagogia
de Projetos.
A temática sobre o Empoderamento Feminino foi abordada por todas as áreas de conhecimento,
contemplando quase todos os campos de saberes do Ensino Médio e componentes do Ensino Fundamental.
Quanto aos relatos desta edição temos a experiência intitulada Reflexão sobre assédio e violência contra
as mulheres: relato de uma escola pública de Belém (Pa) de autoria das professoras Juliete Alves, do campo
de saber da Sociologia, Rosangela Ribeiro, da Geografia e do professor Ednei Paiva, da Filosofia, da escola

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 5


Temístocles de Araújo. As ações desenvolvidas visaram a esclarecer as formas de violência contra as
mulheres, principalmente o assédio sexual e enfatizaram a importância das denúncias e dos mecanismos legais
para a punição dos abusadores. Adotou-se como procedimento metodológico as rodas de conversa com alunos
e alunas.
A escola Souza Franco traz o relato Empodere-Ser de autoria das professoras Cléa Magnólia, do campo
de saber da Arte, Nelma Barros, da Sociologia, e do coordenador pedagógico João Batista Feitosa. As
atividades nasceram da sensibilização ao tema, por meio do contato com as histórias de vida de mulheres
inspiradoras que contribuíram para a conquista da autonomia feminina em diversas áreas, a partir dessa
proposta, as turmas foram divididas em equipes, cada uma responsável pela idealização e caracterização de
personagens e a produção de figurinos que estivessem relacionados aos diálogos desenvolvidos em sala,
resultando em uma série de performances relacionadas ao universo feminino.
No texto Revelando Sentimentos: Da dor ao Empoderamento (Exposição Fotográfica), apresentado pela
professora Michelle Daibes, do campo de saber da Língua Inglesa, da escola Placídia Cardoso, há o relato
de um ensaio fotográfico buscando uma interface entre as Artes Visuais e a Língua Inglesa. Seis alunas
retratam cenas de violência e de empoderamento feminino no intuito de fomentar reflexões sobre o tema. Para
aflorar os sentimentos durante a produção das fotos, foi realizada uma discussão baseada nas frases em inglês,
retiradas das mídias sobre mulheres empoderadas.
Ainda na escola Placídia Cardoso, as professoras. Francinete Quaresma, do campo de saber da Língua
Portuguesa e suas Literaturas, e Tânia Cardoso, da História, em parceria com a coordenadora pedagógica
Maria do Socorro Dias, usaram o gênero textual biografia, em uma atividade interdisciplinar com produção
autoral das/dos estudantes, aprendizagens de conceitos e realização de atividades de uso e reflexão linguística,
além da apresentação de fatos históricos do cotidiano discente. A atividade foi desenvolvida no âmbito de uma
intervenção pedagógica intitulada Uma história contada em biografia, realizada como parte das ações da
Semana do Empoderamento Feminino na escola.
O texto dos professores Marcio Alexandre Fernandes do campo de saber da Filosofia, Jorge Osvaldo
Alcântara, da Sociologia, e da professora Denise Santos, da Língua Portuguesa e suas Literaturas, da escola
Antônio Teixeira Gueiros, relatam a produção da HQ Para que ninguém a quisesse, mas ela se quer de
autoria de duas estudantes, durante o desenvolvimento do projeto Empoderamento Feminino em Quadrinhos,
alinhado à Lei estadual 8.775/2018 que institui a Semana do Empoderamento Feminino nas escolas.
O relato de experiência da escola Dilma Cattete, de autoria da professora Cleice Maciel, do campo de
saber da Arte, mostra que as/os estudantes tiveram oportunidade para exercer autonomia e protagonismo por
meio de rodas de conversa, pesquisas, apresentações de seminários, aplicação de questionários, análise de
dados estatísticos, oficinas e apresentações artísticas, envolvendo diferentes áreas do conhecimento com o
projeto Escola: Tecendo Diálogos sobre o Empoderamento Feminino para o Enfrentamento das violências
contra a mulher.
A escola Dilma Cattete também participa com o texto Mulheres na Filosofia: o pensamento empoderado,
da professora Isabel Cristiane Silva, do campo de saber da Filosofia, apresentando uma pesquisa bibliográfica
sobre o tema, levando as alunas e os alunos a refletirem acerca das condições das mulheres em um espaço
extremamente masculino, que é a Filosofia. O texto ratifica que pensar o empoderamento feminino é trazer
contribuições para que a mulher possa ser e fazer tudo o que ela quiser.
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A ilha de Mosqueiro participa desta edição com três relatos da escola Padre Eduardo. O primeiro trata
do trabalho do professor Thiago Cardoso, do campo de saber da Matemática, que deu prosseguimento ao
projeto PIPAs, já existente na escola desde 2022, mas trazendo para a edição de 2023 a reflexão sobre
Empoderamento Feminino, destacando a produção feminina e seu protagonismo na construção de papagaios
e rabiolas. Usando a metodologia de Ilhas Interdisciplinares de Racionalidade, o professor de Matemática, junto
com as/os estudantes visaram contribuir para a aprendizagem de Geometria em práticas sociais cotidianas.
Já o professor Wilson Nascimento, do campo do saber da Língua Portuguesa e suas Literaturas,
apresenta o relato Rosa De Cetim: um cordel que empodera, resultando na produção da literatura de cordel
intitulada Rosa de Cetim, de autoria de duas alunas da escola; a produção do cordel se efetivou a partir da
leitura compartilhada do conto Para que ninguém a quisesse, de Marina Colasanti, utilizando o método de
produção escrita como atividade interativa.
Encerrando a participação da escola, a partir da análise do mesmo conto Para que ninguém a quisesse,
a professora Sandra Regina, do campo do saber da Língua Portuguesa e suas Literaturas, e o professor Hélio
Castro, da Filosofia, trabalharam estratégias de leitura como oficina, roda de conversa e tertúlia literária com
as alunas e os alunos do Ensino Médio, privilegiando a integração entre esses dois campos de saber - Literatura
e Filosofia.
A contribuição da escola Benjamin Constant se deu com a autoria das professoras Josiane Tenório,
do campo de saber da História, Míriam das Neves, da Arte, e do professor Edival Prazeres, da Geografia. A
escola abordou o tema do Empoderamento Feminino assegurando que todas as ações fossem desenvolvidas
no horário das aulas, como exibição de filmes, roda de conversa relacionados ao tema, com foco na discussão
sobre os tipos de violência descritas na lei Maria da Penha e debates que culminaram na produção de um
folheto informativo sobre as violências contra a mulher.
A escola Manoel Leite Carneiro, representada pelas professoras Robelania Gemaque, do campo de
saber da Sociologia, Sarah de Aviz, da Arte, e pelo diretor Péricles Matos, apostou nas produções
audiovisuais, propondo o diálogo entre esses campos de saberes a partir do tema A Arte e Suas Experiências
Estéticas em Conexão com a Sociologia para o Empoderamento Feminino articuladas às obras de Shamsia
Hassani e Marina Colasanti, em diálogo com as vivências compartilhadas pelas/pelos estudantes.
De Icoaraci vem o relato Projeto Diversidade no A.R.: tempo de abraçar produzido pelas professoras
Ana Maria Raiol, do campo de saber da Sociologia, e Rita Leal, da Língua Portuguesa e suas Literaturas, da
escola Avertano Rocha. A proposta das ações tinha como finalidade oportunizar uma formação à comunidade
acerca do tema educação de gênero e diversidade, em especial, no que tange à apropriação com relação ao
Empoderamento Feminino.
Neste breve menu degustativo, narramos as atividades desenvolvidas nas escolas, que tiveram como
objetivos principais assegurar a unidade temática do Empoderamento Feminino e a implementação da lei
8.775/2018 que institui a Semana do Empoderamento Feminino nas escolas públicas. Convidamos as leitoras
e os leitores a conhecer, emocionar-se e refletir a partir das experiências compartilhadas nos relatos desta
edição.

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REFLEXÕES SOBRE ASSÉDIO E VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: RELATOS DE UMA
ESCOLA PÚBLICA DE BELÉM (PA)
Ednei Silva Paiva1
Juliete Miranda Alves2
Rosangela Maia Ribeiro3

Resumo

O objetivo central deste relato de experiência é destacar as ações desenvolvidas em uma escola pública de Ensino Médio
Integral em Belém-PA, esclarecendo as formas de violência contra as mulheres, principalmente o assédio sexual. A
finalidade dessas ações visa, além de esclarecer, a enfatizar a importância das denúncias e dos mecanismos legais para
a punição dos abusadores. Consideramos neste relato que essas ações contribuem para o empoderamento feminino. As
ações desenvolvidas na escola fazem parte do projeto “Empoderamento Feminino” desenvolvido pelo Centro de Formação
dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR) da Secretaria de Estado de Educação do Pará
(SEDUC). Adotamos como procedimentos metodológicos as rodas de conversa com alunos e alunas da 1ª, 2ª e 3ª série
do ensino médio e, para subsidiar as rodas, elaboramos um questionário quantitativo e uma pesquisa qualitativa sobre o
assédio sexual. Alguns resultados iniciais do questionário demonstram que, apesar dos avanços legais, o assédio contra
as mulheres é praticado em espaços públicos e privados e o grande temor das mulheres entrevistadas é ser culpabilizada
pelo assédio, dificultando a denúncia. As rodas de conversa foram momentos importantes de desnaturalização da violência
contra a mulher, mostrando suas origens na sociedade patriarcal e a importância da informação e do conhecimento para
o empoderamento feminino.

Palavras-Chave: Assédio sexual. Violência contra as mulheres. Empoderamento feminino.

Introdução

A violência contra as mulheres nos revela em dados de 2021 da Ouvidoria Nacional dos Direitos
Humanos que, no Brasil, 677 mulheres foram assassinadas em decorrência da violência de gênero.
Para esta Ouvidoria, até julho de 2022, também foram registradas 31.398 denúncias de violência
contra as mulheres. Em 2023, o Ministério Público do Trabalho registrou o crescimento das denúncias
de assédio moral e sexual no Brasil. A entidade recebeu, de janeiro a julho, 8.458 denúncias em todo
o país. Este número representa quase a mesma quantidade do total de denúncias de todo o ano
passado, com o número de 8.5084.

O assédio sexual tipificado é uma expressão da violência sexual, caracterizada como


manifestação sensual ou sexual, alheia à vontade da pessoa a quem se dirige. De acordo com a
pesquisa Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, realizada pelo DataFolha e Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (2022), em março de 2023, o equivalente a 30 milhões de mulheres
foram assediadas sexualmente no ano de 2022. A pesquisa chama a atenção para o perfil etário das
1 Mestre em Educação e professor da SEDUC.
2 Doutora em Sociologia e professora UFRA/FLACSO/SEDUC.
3 Especialista em Ciências Políticas e professora da SEDUC.
4 Disponível em: https://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2023/08/16/denuncias-por-assedio-moral-e-sexual-

disparam-no-brasil-em-2023.ghtml. Acesso em: 30 jun. 2023.

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vítimas de assédio sexual: 76,1% com idades entre 16 e 24 anos. E em 86% dos casos os agressores
são conhecidos da vítima5.

Esses números demonstram que, apesar dos avanços legais penalizando os diferentes tipos
de agressões contra as mulheres, ainda temos um longo caminho de desconstrução de desigualdades
históricas a combater. Esta preocupação com o avanço da violência contra as mulheres, em especial
o assédio sexual, levou-nos a refletir a respeito de quais ações poderíamos considerar na intenção de
contribuirmos para esclarecer, principalmente às meninas da escola, sobre a violência sexual.

Para tais ações foi importante também identificar se as meninas da escola sofreram assédio
sexual ou moral. Procedemos com um questionário em que alunos, alunas, professores e professoras
puderam responder a algumas perguntas. Para os professores e professoras envolvidas/os neste
projeto, o empoderamento é uma conquista também quando as mulheres se apropriam da origem
desses problemas, da formação de uma sociedade patriarcal e das desigualdades de gênero.

O relato exposto neste trabalho é o resultado desse esforço coletivo. Por outra, esse projeto faz
parte de um Programa intitulado “Empoderamento Feminino” desenvolvido pelo Centro de Formação
dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR) da Secretaria de Estado de
Educação do Estado do Pará (SEDUC).

As atividades desenvolvidas pelo CEFOR estão em consonância com a lei estadual 8775/2018
(Pará, 2018, n.p.), expressas no artigo 1° “Fica instituído, no âmbito do Estado do Pará, a primeira
semana do mês de março, como a semana dedicada a discutir a igualdade de gênero, como foco em
ações que promovam o empoderamento”6. Segundo esta lei, o empoderamento feminino é o ato de
estimular entre meninas, jovens e mulheres sua participação efetiva nas diversas esferas da
sociedade, estimulando mudanças culturais, desconstruindo preconceitos e promovendo a equidade
de gênero.

O projeto iniciou em 2022 e está sendo desenvolvido em escolas de Ensino Médio Integral em
Belém-PA7. Portanto, os dados e a pesquisa para este relato são resultados deste trabalho no período
compreendido entre maio a dezembro de 2022, com alunos e alunas da 1ª, 2ª e 3ª séries de uma
escola de Ensino Médio na cidade de Belém-PA. O objetivo central do projeto construído na escola foi
esclarecer sobre as diferentes formas de violência contra as mulheres, principalmente o assédio
sexual em espaços privados e públicos. Para isso, procuramos elaborar com as alunas e alunos um
levantamento de dados e situações de violência contra as mulheres no Brasil.

5 Disponível em: https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/visivel-e-invisivel-a-vitimizaca o-de-mulheres-no-brasil-


4a-edicao/. Acesso em: 30 de junho de 2023.
6 Disponível em: https://www.alepa.pa.gov.br/noticiadep/4870/106. Acesso em 30 de junho de 2023.
7 A escola de tempo integral tem jornada diária de 9 ou 7 horas, dependendo do modelo adotado pela unidade. E neste

período deverá ter aulas diversificadas e atividades práticas.

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Destacamos as formas de violência e os canais de denúncia, debatemos a origem e a formação
de uma mentalidade patriarcal demarcadora dessas desigualdades e da violência. A partir destes
levantamentos, fortalecemos ações e eventos organizados com as alunas, principalmente acerca da
temática violência, mas também reforçamos as conquistas das mulheres em diversos setores da
sociedade.

Os procedimentos metodológicos adotados foram articulados no ano de 2022, incluindo a


temática da violência, principalmente o assédio sexual e moral, nos componentes curriculares de
Filosofia, Geografia, História e Sociologia. Fizemos um mapeamento das situações e dados de
violência no Brasil. Realizamos um evento, intitulado “Ações humanas”, com debates e a produção de
pequenos vídeos sobre o empoderamento feminino, realizados pelas turmas do 1°, 2° e 3° séries do
EM da escola.

Em março de 2023, na semana dedicada ao Dia Internacional da Mulher, além da produção


desses vídeos, houve também a aplicação de um questionário estruturado com perguntas a respeito
do assédio em espaços públicos; acrescido a esses elementos, uma pesquisa qualitativa acerca dos
relatos de assédio subsidiou as rodas de conversa, organizada por séries. Iniciamos com o primeiro
ano.

A cada roda de conversa, os dados dos questionários e os vídeos produzidos pelas turmas da
escola fortaleciam as discussões. Optamos, neste relato, em transcrever as falas das
meninas/protagonistas sem modificá-las, na intenção de mostrar essas experiências em seus
cotidianos.

É sobre esta experiência e os resultados alcançados que versa este relato. Este trabalho está
assim organizado: primeiramente, destacamos alguns dados sobre a violência contra as mulheres
referentes ao assédio sexual. No segundo momento, apresentamos a trajetória do projeto na escola
e a organização em todos os momentos - ou o passo a passo. Por último, destacamos as rodas de
conversa e os resultados iniciais alcançados pelo projeto em andamento.

A violência contra as mulheres

O levantamento de dados sobre a violência contra a mulher foi central na preparação do projeto
e debatido em sala de aula. Dentre esses dados, um nos chamou a atenção, o Relatório do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), intitulado “Índice de Normas Sociais de Gênero”
(ONU, 2023). Esta pesquisa destaca os dados sobre o preconceito contra as mulheres. Foram
utilizadas quatro dimensões para esta análise: educação, integridade física, política e economia.
Segundo o PNUD, este estudo foi realizado em vários países da Europa, América do Norte e América
do Sul.

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O levantamento revela que 90% dos entrevistados têm algum tipo de preconceito contra as
mulheres e 25% dos entrevistados acreditam ser justificável agredir a parceira. Metade dos
entrevistados preferem homens liderando na política do que as mulheres. Duas em cada cinco
pessoas responderam que os homens são melhores em cargos executivos do que as mulheres.

O Brasil foi o único país de língua portuguesa no estudo. O levantamento apontou que 84,5%
dos brasileiros têm pelo menos um tipo de preconceito contra as mulheres. A pior avaliação foi no
quesito integridade física. Em média, mais de 75% dos brasileiros entrevistados têm preconceitos em
questões de violência e direito de decisão sobre ter filhos.

Quanto à participação feminina na política, a pesquisa evidencia que mais de 39% dos
entrevistados acreditam que as mulheres não desempenham esse papel tão bem quanto os homens;
31% dos brasileiros consideram os homens com mais direitos a vagas de trabalho; e apenas 15,5%
da população do Brasil afirmam não ter preconceito contra as mulheres.

Os dados do PNUD revelam a espiral de desigualdade brasileira: o masculino em patamar


superior e o feminino em posição de sujeição (Silva, 2010, p. 49). Esta desigualdade construída
historicamente articula como sustentáculo de dominação o poder e a violência. Afigurando-se como
“um mecanismo necessário à perpetuação do poder masculino sobre as mulheres” (Santos, 2008, p.
46).

Esta violência é uma forma de dominação patriarcal e histórica e encontra-se “impregnada de


profundos conteúdos inconscientes” (Dias, 2010, p. 3) e presentes em diversas situações cotidianas
taxadas como “normais”, seja pela linguagem ofensiva, pelas piadas machistas, pelo estereótipo do
corpo da mulher, pela obstrução da liberdade sexual, pela intimidação, pelo assédio, pelo abuso, pelo
estupro e pela morte (Santos, 2008, p. 23).

A tentativa consciente de naturalizar formas de violência foi identificada inclusive nos relatos
das meninas quando responderam ao questionário, se já haviam sofrido algum assédio sexual ou
constrangimento. De 125 respostas, 124 meninas responderam que sim! E os espaços vão desde a
casa, igreja, ônibus, trabalho e escola. E como relatou uma aluna do 1° ano: “não estamos livres nem
em casa”.

O Brasil ocupa o 2° lugar no ranking de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes


(Instituto Liberta, 2023), com cerca de 500 mil vítimas, ficando atrás da Tailândia. A partir deste
cenário, e apoiados por dados levantados nas aulas pelos próprios alunos e alunas, subsidiamos a
condução do projeto8.

8 Disponível em: https://liberta.org.br/entenda-2/. Acesso em 30 de junho de 2023.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 11


O desenvolvimento do projeto na escola

Iniciamos o projeto no segundo semestre de 2022, após uma reunião do CEFOR na escola. O
passo a passo incluiu o tema do assédio sexual e moral contra a mulher nos componentes curriculares
de Geografia, Filosofia, História e Sociologia. Reforçamos como escola o debate em oficinas
ministradas sobre a lei Maria da Penha (Brasil, 2006), coordenada pela professora de Geografia; e
sobre o feminicídio e assédio sexual, coordenada pela professora de química com formação também
na área do Direito. O projeto contou com o apoio de diferentes áreas para o esclarecimento - inclusive
jurídico - dessas formas de violência.

A constituição dessa proposta no componente curricular de Sociologia apresentou um


diagnóstico realizado no início de 2022 sobre o tema assédio. O resultado destacou uma série de
denúncias feitas principalmente pelas meninas (a maioria não se identificou) sobre assédio sexual e
moral sofrida por elas.

Motivados por essas situações, consideramos que a melhor forma de empoderar as alunas
seria o esclarecimento ao propor os seguintes questionamentos: o que era o assédio? Quais canais
de denúncias para esses crimes? Tal esforço é importante não somente para esclarecer como também
por evidenciar as leis e as punições cabíveis nestas formas de violência. Inclusive, muitos alunos e
alunas desconheciam os canais de denúncia ou mesmo as formas de assédio.

Finalmente, no final do 2° semestre de 2022, esta atividade se tornou central dentro de um


evento coordenado pelas professoras e professores de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (CHS),
intitulado, “Ações Humanas”, norteada pelo tema do Empoderamento Feminino. Adotamos as
seguintes ações em articulação com o objetivo do projeto: palestras e aulas sobre os dados de
violência contra a mulher, o que é o assédio sexual e moral? a produção de vídeos por parte dos
alunos e alunas, sobre a violência contra a mulher e o que é empoderamento feminino?

A culminância desse projeto contou com a participação importante das professoras de


Linguagens e suas Tecnologias, por meio de trabalhos a respeito de mulheres de destaque nas áreas
das ciências e no campo artístico-literário, com as poetas e escritoras. O protagonismo negro por meio
das mulheres foi um tema mostrado em cartazes, que contaram suas histórias de resistência.

Realizamos também uma homenagem àquelas mulheres que muitas vezes são invisibilizadas
nos seus trabalhos cotidianos dentro da escola: serventes, cozinheiras, secretárias da escola, mas
também destacamos o trabalho das professoras.

Finalizamos este evento com música e um chá9 de empoderamento com alunas e alunos da 1ª
série; nesse chá, contamos com a contribuição de uma professora de linguagens contribuindo na
organização e com músicas para despertar a vivência de e com mulheres. Consideramos importante

9 O chá foi uma forma simbólica de mostrar o trabalho das mulheres, visibilizando suas ações na escola foco deste relato.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 12


a referência a essas contribuições, para demonstrar a interdisciplinaridade da temática e as diferentes
formas de abordagem sobre a realidade vivenciada pelas alunas e alunos de uma escola pública.

As rodas de conversa: do sentimento de injustiça ao empoderamento

As rodas de conversas são dinâmicas importantes e muito utilizadas por professoras e


professores para conduzir o aluno e aluna a falar e perder “o medo” de expor sua opinião. Iniciamos
as rodas de conversas na semana alusiva ao Dia Internacional da Mulher (dia 8 de março).

As rodas de conversa foram mediadas por professoras e professores da área de Ciências


Humanas e Sociais Aplicadas. Apresentamos, inicialmente, os vídeos realizados no semestre anterior
e instigamos as meninas e meninos a falarem sobre o assédio e se conheciam pessoas que sofreram
essas violências.

No início, o silêncio, mas pouco a pouco os relatos corajosos de meninas que sofreram abusos
foram decisivos para uma série de denúncias. As falas foram muitas e os debates mostraram o
desconhecimento sobre as leis, sobre as formas de assédio e constrangimentos sofridos no cotidiano
e em diferentes espaços: na escola, na igreja, na casa. Abusos relatados e abusadores conhecidos,
como parentes, amigos ou membros da igreja. Aqueles que deveriam proteger eram os algozes.

Nas falas das meninas, ficou marcada a angústia e o sentimento de não saber o que fazer. A
seguir, apresentamos algumas dessas narrativas, ocultando nomes.

Desde criança o amigo da família me chamava de mulher e passava a mão no meu corpo, falei para
minha família que não acreditou em mim. Os abusos continuaram e eu não tinha a quem recorrer, pois
ninguém acreditava em mim. Até que finalmente fomos embora para outro bairro e pude dormir mais
tranquila (Relato de uma aluna da 1ª série).

Morava em uma vila e o marido de minha prima bebia, e ficava me olhando escondido me esperava
trocar de roupa. Eu soube por que vi ele me espiando, fui falar com ele e me disse que eu era bonita e
ficava me exibindo. Ele não achava que estava fazendo algo errado. Falei para minha prima e ela não
fez nada, ela sofria violência, apanhava e justificava o fato dele estar bêbado. Vivia assustada e me
escondendo. A minha família disse para eu não falar nada, para não magoar outros membros da família.
Fiquei mais tranquila agora que eles foram embora da vila. (Relato de uma aluna da 2ª série).

Eu conhecia o garoto, éramos amigos, mas ele me assediava sempre. Não conseguia falar, tinha medo.
Medo da família, dos amigos de ficar sendo apontada. É a primeira vez que exponho essas questões.
Guardei, pois além do medo, não sabia a quem recorrer sem ser apontada como a culpada. (Relato de
uma aluna da 3ª série).

As falas representam o medo, a insegurança e o desamparo por não saber a quem denunciar.
Considerando as falas, percebemos que a família não dá suporte necessário e até impedem e
intimidam. O primeiro movimento das meninas que sofrem assédio é procurar a família; e isto também
foi narrado por outras meninas. Contudo, em grande parte, não são ouvidas ou levadas a sério. Muitas
relataram que a família sabia, mas pediram para silenciar em nome da harmonia familiar.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 13


Os relatos das rodas de conversa corroboram com os indicadores nacionais apontando que
86,1% dos agressores são conhecidos, sendo 64,4 % familiares, conforme Anuário Brasileiro de
Violência Pública (ABVP, 2023). Nas rodas, apresentamos os resultados do questionário respondido
por 125 mulheres. Nomeamos este questionário de “O assédio em espaços públicos”.

Os resultados foram destacados e orientados pelas seguintes perguntas:

1. Você já recebeu cantadas? Nessa pergunta optamos por colocar um nome conhecido dos
alunos e alunas, o termo cantada.

2. Você acha que ouvir cantadas é algo legal?

3.Voce já deixou de fazer alguma coisa por medo de assédio?

4. Você responde aos assédios que ouve na rua?

5. Você já foi ofendida porque disse não as cantadas de alguém?

6. Quais cantadas você já ouviu em espaços públicos?

7. Já passaram a mão em você?

8. Se sim, onde?

A seguir apresentamos os dados do questionário, perpassados por narrativas das


mulheres, demonstrando o medo, o controle e a mudança de comportamento.

As respostas do questionário

As respostas vieram, em sua maioria, das meninas. Não há respostas dos meninos ao
questionário. Nossa hipótese, é de que os meninos consideravam o tema como “algo relativo às
mulheres”. Essa hipótese precisa de uma outra pesquisa para analisar este silêncio masculino

A seguir consideramos apresentar alguns destes dados e, em seguida, analisamos os


resultados (Gráficos 1 a 5).

Gráfico - 1: Você já recebeu cantadas?

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Gráfico - 2: Você acha que ouvir cantadas é algo legal?

Gráfico - 3: Quais cantadas você já ouviu em espaços públicos?

Gráfico - 4: Você já deixou de fazer alguma coisa com medo de assédio?

Gráfico - 5: Você já foi ofendida porque disse NÃO às cantadas de alguém?


Fonte: Elaborado pelo autor.

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As respostas correspondem ao cenário nacional, nenhuma mulher está segura; seja na rua, na
casa, no transporte público, na igreja, no trabalho. No Gráfico 1 o assédio configura-se como rotina
na vida das meninas, pois 85,5% responderam serem assediadas na rua. E o lugar que deveria ser o
mais seguro, a casa da família, representa 41,9%.

Não! As meninas não gostam de ouvir cantadas. É o que mostra o percentual de 93,7%. Nesse
quesito, muitas relataram ficar caladas ou intimidadas. Já no Gráfico 3, 59,1% reagiram às cantadas
e foram novamente agredidas. Nos relatos, a reação à agressão é vista pelos agressores como
“vitimismo”; “coisa de mulher mal-amada”. As expressões “és uma delícia”, “gostosa”, “te pegava toda”,
“senta aqui no meu colo”, “bora ali no canto”, “ô lá em casa” são comuns nas ruas e praças, segundo
gráfico 2.

Os olhares ao corpo feminino mostram um dispositivo de controle e de intimidação. Em um


relato na pesquisa qualitativa, uma resposta chamou-nos atenção, “não sei o que dizer quando me
dizem coisas que não gosto, até parece que estou nua, começo a olhar para ver se não estou com os
seios aparecendo, se não estou rebolando, fico sem saber o que fazer. Me sinto culpada”. A fala
sinaliza uma sociedade de controle, principalmente sobre as mulheres. Segundo Foucault (1999), a
disciplina é interiorizada, esta é exercida fundamentalmente por três meios globais absolutos: o medo,
o julgamento e a destruição.

Sobre esta destruição moral, vários relatos expressam: “Não sei o que fazer”; “Saio correndo e
se denuncio me dizem, deixe de passar por este lugar, evite!”; “Se coloco um short, tá curto demais,
se acho graça, estou aceitando a cantada”. O medo do assédio é um sentimento comum em 92,8%
das mulheres em resposta às perguntas do questionário, fazendo-as mudar inclusive o
comportamento, falar menos, rir menos ou, como informou outra menina, “eu fico de cabeça baixa e
sigo em frente, tenho receio de olhar para quem está me cantando”. O sentimento dessas mulheres é
do seu corpo (ou comportamento) ser o responsável pelo assédio.

Ao debatermos esses dados nas rodas de conversa, a escuta foi o primeiro passo; o segundo
foi dar atenção a essas falas como vivências e experiências, aproximando-as dos dados nacionais; o
terceiro passo foi desconstruir o julgamento do corpo e da culpa por ser mulher. A estas questões
colocadas pelas meninas, seguiram-se o debate - mais entre meninas e meninos - mediado/mediadas
pela reflexão de uma sociedade ainda moldada por discursos que naturalizam o machismo e o controle
sobre o comportamento feminino.

Nesse sentido, a preparação com antecedência dos componentes curriculares para a


abordagem do tema foi oportuna e didática, pois as alunas e os alunos se sentiram mais seguros e
protagonistas. A relação entre conteúdo, dados e debate aproximou-os de suas realidades.

As rodas de conversas motivaram outras dúvidas: o que fazer diante de tantas denúncias? Qual
o papel da escola e das professoras e professores? Primeiramente, não é fácil tratar deste assunto
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sem mostrar as dificuldades de enfrentá-los, posto ser a escola um lugar também de desigualdades
de gênero e de violência. Em muitas situações, o tratamento dado em muitas escolas para o problema
da violência contra a mulher é oferecer uma rosa ou lembrança no dia 8 de março. Em uma reunião
para tratar acerca do mês das mulheres, um professor, questionando sobre esta data, alertou a
respeito da romantização da violência contra as mulheres e, em vez de somente flores, dar-lhes
oportunidade de falar, serem ouvidas e amparadas.

A escola precisa ser um lugar seguro e seus componentes curriculares e suas ações devem
referenciar a importância da diversidade, do respeito e a desconstrução de preconceitos. As perguntas
no parágrafo acima ainda não foram completamente respondidas, compreendemos que outros passos
deverão ser dados nas escolas, esbarrando no currículo engessado, no temor a certos assuntos, na
formação dos professores, na ausência ou pouca visibilidade desses temas pela Secretaria de
Educação.

Consideramos que avançamos alguns passos (mesmo que ainda cambaleantes), mas ao ouvir
o sentimento das meninas sobre a importância destas ações na escola, de terem perdido o medo e a
culpa, de sentirem-se empoderadas e apoiadas em um espaço no qual passam grande parte da vida,
sentimos um alento, reforçando o papel da escola nessas transformações.

Considerações finais

O projeto Empoderamento feminino não está finalizado. Apenas começando. A experiência no


ensino médio integral em Belém-PA resultou em múltiplas possibilidades de trabalhar tal tema. A
escola pública, tão necessária no Brasil, é um espaço que pode e deve ser da diversidade e do trato
com as diferenças. Sabemos que ainda estamos sonhando. Contudo, experiências e relatos sobre as
ações de empoderamento mostraram possibilidades conduzidas por professoras e professores em
tratar deste assunto.

Empoderar significa também dar o poder a quem foi apartado historicamente das decisões.
Mostrar estes caminhos nada fáceis foi também um desafio. Na escola foco deste relato, as ações do
projeto contaram com a participação de outras professoras e professores das áreas de Ciências
Exatas e de Linguagens. Flexibilizamos as ementas de alguns componentes curriculares, na
possibilidade de aproximar o conhecimento científico com a realidade vivenciada de meninas e
meninos da escola.

A escola foco deste projeto tem dificuldades infraestruturais, de recursos humanos


especializados, como psicólogos. A merenda e o almoço não são constantes, dificultando ações
contínuas e a longo prazo de temas delicados e importantes. O resultado destas lacunas possibilita o
bullying, a insegurança e o número crescente de suicídios e depressão entre jovens. Os relatos

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destacados neste trabalho, apesar de pequenos, são representativos do quanto devemos conversar
sobre assédio, violência contra as mulheres, homofobia, racismo.

Referências

ABVP. Anuário Brasileiro de Violência Pública. São Paulo: FBSP, 2023.


BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2012.
BRASIL, Presidência da República. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Brasília: Presidência da
República. Secretaria-Geral, 2006. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em 30 jun. 2023.
DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha – sentimento e resistência à violência doméstica. 30 ago.
2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_817)
21_lei_maria_da_penha_sentimento _e_resistencia_a_violencia_domestica.pdf>. Acesso em: 30 jun.
2023.
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 1999.
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, INSTITUTO DATAFOLHA. Visível e invisível: a
vitimização de mulheres no Brasil. Brasília: Instituto DataFolha, 2022.
ONDH. OUVIDORIA NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre a violência contra a
mulher. Brasília, 2021.
ONU. Relatório “Índice de Normas Sociais de Gênero”. Programa das Nações Unidas para o
desenvolvimento.Genebra: ONU, 2023.
SANTOS, Lígia Pereira dos. Mulher e violência: histórias do corpo negado. Campina Grande:
EDUEP, 2008.
Grande: EDUEP, 2008. SILVA, Luciana Santos. O que queres tu mulher? Manifestações de gênero
no debate da constitucionalidade da “Lei Maria da Penha”. In: 5º PRÊMIO Construindo a igualdade
de gênero – redações, artigos científicos e projetos pedagógicos premiados. 5. ed. Brasília:
Presidência da República, Secretaria de políticas públicas para as mulheres, 2010. p. 48-68.

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EMPODERE-SER

Cléa Magnólia Figueira Palha1


João Batista Feitosa Machado2
Nelma Suely Barros Freitas3

Resumo

Este presente trabalho tem o objetivo de relatar o projeto Empodere-SER, desenvolvido na Escola Estadual Visconde de
Souza Franco, como implementação da lei nº 8.775, de 16 de outubro de 2018 (Pará, 2018), institui no âmbito do Estado
do Pará, a primeira semana do mês de março como a semana dedicada a discutir a igualdade de gênero, com foco em
ações que promovam o empoderamento feminino nas escolas públicas e privadas do Estado. Com o aumento dos casos
de feminicídio e considerando a finalidade da educação escolar em formar cidadãos ativos, desenvolvendo sua consciência
crítica, a equipe de professoras, coordenadoras do projeto Empodere-SER, concordam com a necessidade de
engajamento da instituição escolar na luta contra a violência de gênero e a importância em sensibilizá-los para reconhecer
e coibir atitudes de violência contra a mulher. As ações possibilitaram que as/os estudantes protagonizassem todo o
processo, contribuindo de forma eficaz para a construção de sua consciência crítica.

Palavras-Chave: Empoderamento. Violência feminina. Escola

Introdução

O presente trabalho tem o objetivo de relatar a experiência obtida, na Escola Estadual Visconde
de Souza Franco, com o desenvolvimento do projeto Empodere-SER, iniciado com o Curso Educação
e Diversidade de Gênero: formando para o empoderamento feminino, ofertado pelo Centro de
Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR) em parceria com a
Secretaria de Estado de Educação (SEDUC).

Foi apresentado às escolas em Tempo Integral (TI) como proposta piloto para implementação
da lei nº 8.775, de 16 de outubro de 2018 (Pará, 2018), institui no âmbito do Estado do Pará, a primeira
semana do mês de março como a semana dedicada a discutir a igualdade de gênero, com foco em
ações que promovam o empoderamento feminino nas escolas públicas e privadas do Estado.

Entende-se por empoderamento feminino o ato de estimular entre meninas, jovens e mulheres
sua participação efetiva nas diversas esferas da sociedade, estimulando mudanças culturais,
desconstruindo preconceitos e promovendo a equidade de gênero.

1 Especialista em Arte na educação escolar pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora do componente
curricular Artes da Secretaria de Estado da Educação (SEDUC-PA). Email: clea.palha@escola.seduc.pa.gov.br
2 Especialista em Educação. Técnico pedagógico da Secretaria de Estado da Educação (SEDUC-PA). Email:

joao.machado@escola.seduc.pa.gov.br
3 Especialista em Políticas de Promoção da Igualdade Racial na Escola pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

Professora do componente curricular Sociologia da Secretaria de Estado da Educação (SEDUC-PA). Email:


nelma.freitas@escola.seduc.pa.gov.br.

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Um dos documentos que norteiam a educação básica, Lei nº 9.394/96, que estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Brasil, 1996), um dos princípios para pensar a
Educação é o vínculo entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. E, portanto, criar
espaços de debates e discussões de temas que afetam a sociedade, por exemplo, igualdade de
gênero e violência contra as mulheres, é desenvolver nos educandos práticas sociais. Torná-los
cidadãos críticos, empoderados, capazes de reconhecer e denunciar a violência doméstica e todas as
formas de violência.

Discussão Teórica

Joice Berth (2019) oferece parâmetros relevantes para entendimento e compreensão da noção
de Empoderamento, dizendo que ele é

[...] um fator resultante da junção de indivíduos que se reconstroem e descontroem em um


processo contínuo que culmina em empoderamento prático da coletividade, tendo como resposta
as transformações sociais que serão desfrutadas por todos e todas (Berth, 2019, p. 54).

Compreendendo coletividade como resultado da junção de muitos indivíduos que apresentam


algum – ou alguns – elemento comum.

Para uma melhor compreensão, a autora faz uma simples analogia, “se o empoderamento fosse
uma casa, os indivíduos seriam seus materiais de construção -, tijolos, argamassa, telhado, piso,
pintura etc. Serão adquiridos e trabalhados para que a união de todos se transforme na tão sonhada
moradia” (Berth, 2019, p. 54-55). Ressaltando que “esses elementos construtivos precisam ter uma
qualidade individual para que o resultado seja igualmente qualitativo. Se isolados, não conseguem
complementar a função inicial que é edificar a moradia”.

Segundo a pesquisadora, são muitas as definições e literaturas que proferem sobre


empoderamento e destaca algumas em sua obra, dentre elas a de Paulo Freire para o qual, a
consciência crítica é condição indissociável do empoderamento. Em sua obra, Educação como prática
de liberdade (Freire, 1982, 138), afirma que a opressão só poderá ser superada por meio da tomada
da consciência crítica que é “a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência
empírica”; e a educação é um dos principais instrumentos para essa conscientização, cujo processo
educativo deve possibilitar ao homem uma reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo e suas
responsabilidades.

Atualmente, as instituições escolares, que estão presentes em todos os setores e são parte
constituinte da sociedade contemporânea, responsáveis pela formação de seus indivíduos, seguem
orientações de documentos oficiais que reforçam a importância do pensamento crítico.

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Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá
como finalidades:
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico (Brasil, 1996, n.p.).

A escola tem o papel de viabilizar processos que possibilitem aos alunos e alunas condições
para que se tornem capazes de problematizar as formas de vida, criando iniciativas que tratem dessa
temática. Enquanto mulheres docentes envolvidas nesse contexto, temos consciência da importância
dessas práticas no âmbito escolar e da emergência em discutir e sensibilizar a comunidade escolar
para esse tema, envolvidas na esperança de que é possível uma transformação social a partir deste
espaço geográfico, chamado escola, para que todo o conhecimento produzido nele ultrapasse os
muros e sejam levados para outros espaços. Acreditamos que os docentes podem contribuir para a
formação de cidadãs/ãos ativas/os compromissadas/os com mudanças sociais.

No Brasil, os direitos humanos estão garantidos na Constituição de 1988, apresentados no seu


1º artigo:

[...] a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I
- a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição’ (Brasil, 1988, n.p.).

Apesar disso, existem inúmeros casos em que a República Federativa do Brasil, não garante
esses direitos de fato. Foi o caso da farmacêutica Maria da Penha, que teve seus direitos garantidos
após a condenação do Brasil por ineficiência de proteção às mulheres.

Dessa trágica história, surge a lei 11.340 (Brasil, 2006), conhecida como lei Maria da Penha,
sancionada em 7 de agosto de 2006, cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, determinando como violência doméstica qualquer ação ou omissão baseada
no gênero que lhe cause anomorte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial. Esta lei é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das três mais
avançadas do mundo por ser um marco na luta contra a violência de gênero. Anterior a essa lei, as
denúncias de casos de violência doméstica eram enquadradas como causas cíveis de menor
complexidade.

Outra conquista importante, é a inserção do crime de feminicídio no código penal brasileiro pela
lei nº 13.104, de 9 de março de 2015 (Brasil, 2015). É qualificado como feminicídio quando o
assassinato de mulheres for motivado por razões de violência doméstica e familiar, ou pelo
menosprezo ou discriminação da condição de mulher, podendo ser incluído no rol dos crimes
hediondos.

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Apesar desses avanços legais, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) 4, divulgou em
março de 2023 dados estatísticos de crimes que vitimizam meninas e mulheres. Quase 30% das
brasileiras relataram ter sofrido algum tipo de violência ou agressão no ano de 2022, o que
corresponde a 18,6 milhões de mulheres acima de 16 anos.

A organização ressalta que a quantidade de mulheres que experimentaram alguma forma de


violência no ano passado foi a maior já registrada em quatro edições da pesquisa. E, continua, no
primeiro semestre de 2023, 722 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, crescimento de 2,6%
comparado ao mesmo período do ano anterior, quando 704 mulheres foram assassinadas por razões
de gênero. O FBSP afirma que os dados apresentados têm como fonte os boletins de ocorrência
registrados pelas Polícias Civis dos estados e do Distrito Federal.

Diante desse contexto lastimável, é imprescindível criar uma rede de diálogos para discutir e
obter uma compreensão maior sobre os crimes que vitimizam as meninas e mulheres, dispondo de
um engajamento, não apenas de meninas e mulheres, mas, também, de meninos e homens, na luta
para mudança desses dados estatísticos, porque a violência contra a mulher não é um problema
unicamente do gênero feminino e sim de todos, pois atinge as diversas camadas sociais.

A violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais
na Convenção de Belém do Pará, como ficou conhecida a Convenção Interamericana para prevenir,
punir e erradicar a violência contra a mulher, adotada em 9 de junho de 19945 pela Assembleia Geral
da Organização dos Estados Americanos (OEA). Nos dispositivos das diretrizes curriculares, os
direitos humanos estão como princípio norteador e como um dos papéis fundamentais da escola em
garanti-los, contribuindo para o conhecimento de direitos fundamentais.

Empodere-SER

A partir desse contexto, iniciou-se o desenvolvimento das atividades, coordenadas pelas


professoras Cléa Magnólia Figueira Palha, componente curricular Artes; Nelma Suely Barros Freitas,
componente curricular Sociologia; João Batista Feitosa Machado, coordenador pedagógico e a
monitoria/consultoria da equipe de formadores do CEFOR para possibilitar o sucesso deste desafio.

O espaço de desenvolvimento da proposta foi a Escola Estadual Visconde de Souza Franco que
funciona, atualmente, com 9 turmas e divide um prédio público, na avenida Almirante Barroso, com
outras organizações da SEDUC, a então USE 8 e o Centro de Atendimento Educacional Especializado

4 O FBSP é uma organização não-governamental, apartidária, sem fins lucrativos, que se dedica a construir um ambiente
de referência e cooperação técnica na área de segurança pública. Site: https://forumseguranca.org.br/.
5 Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, “Convenção de Belém do

Pará”. Adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994, no Vigésimo Quarto Período Ordinário de Sessões da
Assembleia Geral. Disponível em: https://www.oas.org/pt/ cidh/ mandato/basicos/belemdopara.pdf. Acesso em: 4 nov.
2023.

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(CAEE). Nesse ambiente circulam diariamente cerca de 400 pessoas, entre estudantes, servidores do
estado e a comunidade extraescolar.

O projeto Empodere-SER foi desenvolvido ao longo do mês de março, com a apresentação


aos/às discentes a Lei nº 8.775, de 16 de outubro de 2018 (Pará, 2018), que institui a semana do
empoderamento nas escolas públicas e privadas do estado do Pará. As atividades foram
desenvolvidas com a proposta de leitura do livro Empoderamento, de Joice Berth (2019), para
entendimento e compreensão da noção do conceito de empoderamento; e compreender que o
empoderamento individual e coletivo são duas faces indissociáveis do mesmo processo.

Com a compreensão e sensibilização do tema, seguiu-se outro momento, em que as/os


discentes davam exemplos de mulheres empoderadas e inspiradoras, que contribuíram para a
conquista da autonomia feminina em diversas áreas, por exemplo, Carolina Maria de Jesus, Cora
Coralina, Malala e várias outras mulheres de uma longa lista.

Também foram realizadas pesquisas, no laboratório de informática da escola, sobre a obra e a


vida dessas mulheres, cuidadosamente planejado, cada turma teve uma equipe para pesquisar a lei
Maria da Penha e lei de Feminicídio, possibilitando acesso a mais informações e promovendo a
construção do conhecimento para ampliar o poder de reflexão e argumentação. Este momento
resultou na produção de cartazes e apresentação de seminários abordando o texto e a temática
(Imagem 1).

Imagem - 1: Produção de cartazes e apresentação de seminário


Fonte: Arquivo pessoal (2022).

O Cine Soufran6 apresentou o filme As Sufragistas, inspirados em fatos, um grupo militante, do


Reino Unido, que luta por direitos ao voto, decide coordenar atos de insubordinação, quebrando
vidraças e explodindo caixas de correio, para chamar a atenção dos políticos localiza; a série Maid
nos mostra uma faceta diferente do relacionamento abusivo: a violência psicológica.

6O Cine Soufran é um projeto desenvolvido na escola pela área do conhecimento em Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas.

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Nas aulas de Arte, foi realizada a oficina de colagem, que consiste em sobrepor recortes de
jornais, revistas, pinturas e pedaços de tecidos. Utilizando esta técnica, das artes plásticas, os
estudantes criaram, individualmente, em suas perspectivas, a imagem da mulher do século XXI.

Para as turmas da 3ª série, foram ministradas aulas sobre performance, segmento artístico
estudado na arte contemporânea. De acordo com Yasmim Abdalla (2017) 7, esse estilo de arte passou
a ser catalogada desde as décadas de 50 e 60 do século XX, um dos destaques deste segmento é a
performista Marina Abramovic, que atua desde a década de 1970.

A partir dessa iniciativa, as turmas foram divididas em equipes, cada uma responsável pela
idealização, a caracterização de personagens e a produção de figurinos que estivessem relacionados
aos diálogos desenvolvidos em sala. O que resultou em uma série de performances relacionadas ao
universo feminino, pensadas pelas/pelos alunas/os, que apresentaram com brilhantismo e
sensibilidade.

Com a finalidade de socializar toda a produção elaborada e trazer o debate para toda a
comunidade escolar, realizamos uma manhã de culminância, em alusão ao dia da mulher, celebrando
os produtos dos alunos e alunas. A abertura desta celebração, no hall central da escola, foi realizada
por nós, professoras Clea Palha, Nelma Freitas e a diretora Marilena Guimarães. Também, estavam
presentes os formadores do Cefor, Marcello Casanova e Salier Castro, orientadores do projeto
(Imagem 2).

Imagem - 2: Professoras, estudantes, diretora e formadores


Fonte: arquivo pessoal (2022).

Neste espaço, foram expostos os cartazes, um varal com as colagens e a realização de quatro
performances. A primeira, Mulher e o Padrão da Sociedade, duas alunas robotizadas, com um cartaz
grande pendurado no pescoço escrito: ‘O que falta para ela ser perfeita para você?’ Os demais,

7é a plataforma digital da SP–Arte que tem por objetivo conectar as galerias participantes a colecionadores e amantes
das artes. Disponível em: https://www.sp-arte.com/

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componentes da equipe, portavam maquiagens e canetas, e convidavam o público a maquiar os
‘robôs’ e escrever uma resposta nos cartazes (Imagem 3).

Imagem - 3: Segunda equipe


Fonte: arquivo pessoal (2022).

A segunda equipe abordou o tema da violência contra mulheres trans e travestis, Não é só Maria
que sofre: Roberta da Silva sofreu também, um aluno estava caracterizado com um vestido todo
confeccionado de jornais, tendo seu rosto coberto com uma peça circular, também de jornal, desfilava
no hall seguido pelos demais componentes da equipe que seguravam pequenas placas com as
seguintes frases, quem ama não bate, o feminismo nunca matou ninguém, o machismo mata todos
os dias, uma vida sem violência é um direito das mulheres (Imagem 4).

Imagem - 4: Segunda equipe


Fonte: arquivo pessoal (2022).

Mexeu com uma, mexeu com todas foi o tema da performance de outro grupo, tinham cartazes
vermelhos pendurados no pescoço com frases não é não, assédio não é elogio, e a culpa não é da
vítima. As alunas usavam capa de tecido branco manchado com tinta vermelha e o aluno tinha suas
mãos pintadas de vermelho.

Todos os grupos circulavam performando para os espectadores, no espaço de convivência da


escola, usando seus corpos como manifestação artística para levantar questionamentos sobre o
padrão de beleza imposto às mulheres, que exige uma determinada forma de corpo, comportamento,
Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 25
estilo de roupa, maquiagem, protestando contra a violência de gênero e os assassinatos de mulheres
trans e travestis.

Segundo o Dossiê de Mortes e Violências Contra LGBTI+8, em 2022, foram cerca de 273 casos
de mortes violentas, sendo 58,24% de pessoas travestis e mulheres transsexuais. O Brasil foi o país
que mais matou LGBTQI+ em todo o mundo, pelo 14º ano consecutivo. Sendo considerado um lugar,
extremamente, inseguro para essa população.

Uma terceira ação, surge a partir da solicitação dos alunos por um espaço que pudessem recitar
poesias, fazer denúncias, desabafos, compartilhar experiências (Imagem 5).

Imagem 5. Microfone aberto


Fonte: arquivo pessoal (2022).

Para atendê-los, havia um Microfone Aberto - um espaço disputado e bastante usado durante o
evento.

Considerações Finais

No processo de ensino aprendizagem todos ensinam e, também, aprendem, e no planejamento


e execução do projeto, Empodere-SER, não foi diferente. Houve um movimento constante envolvendo
docentes, alunos e alunas, direção, equipe técnica e a equipe de formadores do CEFOR; o
envolvimento dos discentes foi surpreendente, mergulharam nas discussões do tema, na produção e
na execução das atividades propostas por eles.

Durante as aulas e culminância do projeto, por diversas vezes, alunos e alunas relataram
experiências, vividas ou testemunhadas, a respeito de crimes que vitimam meninas e mulheres.

A escola foi palco não apenas de conteúdo, mas de vivências, trocas de experiências e
transformações de saberes, diante do exposto, pode-se afirmar que alcançamos o objetivo de
contribuir para a construção de uma consciência crítica para reconhecer e coibir atitudes de violência

8 O Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil é uma instância da sociedade civil autônoma,
protagonizada pela parceria entre Acontece LGBTI+, ANTRA e ABGLT. Nossa missão é a garantia do Direito à Vida da
comunidade LGBTI+. Disponível em: https://observatoriomortes eviolenciaslgbtibrasil.org/slides/observatorio-mortes-lgbt/

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 26


contra a mulher; por certo, não estão formados completamente, isso irá acontecer no processo de
socialização que designa aprendizagem e perdura por toda vida, entretanto sabemos que o processo
iniciou para alguns, e se potencializou em outros.

Esta primeira experiência, será relevante para as próximas etapas, foi um desafio e nem tudo
o que foi planejado foi executado, mas entendemos que isso, também, faz parte do processo. Após
uma avaliação, elaboramos novas estratégias para o desenvolvimento do projeto no próximo ano letivo
que a lei 8.775/2018 (Pará, 2018) e sua implementação com os projetos desenvolvidos nas escolas
sejam mais um instrumento de combate e enfrentamento de violências contra as mulheres existentes
em nossa sociedade.

Referências

ABDALLA, Yasmin. Mas, afinal, o que é uma performance?. São Paulo: SP-Arte Editorial, 2017.
Disponível em: <https://www.sp-arte.com/editorial/mas-afinal-o-que-e-uma-performance/>. Acesso
em 26 nov. 2023.
BERTH, Joice. Empoderamento. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
BRASIL. Constituição Federativa do Brasil. Brasília: Presidência da República, 1988.
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília,
DF:Diário Oficial da União, 1996.
BRASIL. Senado Federal. Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha e normas
correlatas. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2019. Disponível em:
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496319/000925795.pdf. Acesso em: 3 nov. 2023.
BRASIL. Casa Civil. Lei 13.104, de março de 2015. Brasília: Casa Civil, 2015. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/_ato2015-2018/ 2015/lei l13104.htm.> Acesso em: 5 nov.
2023.
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento
de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1980.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
PARÁ. Lei Ordinária nº 8775, de 16 de outubro de 2018. Institui no âmbito das escolas públicas e
privadas do estado do Pará a semana do empoderamento feminino. Belém, PA: Diário Oficial do
Estado, 2018.

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UMA HISTÓRIA CONTADA EM BIOGRAFIA

Francinete de Jesus Pantoja Quaresma1


Tânia Maria Cardoso dos Santos2
Maria do Socorro Dias da Silva3

Resumo

Este relato de experiência objetiva compartilhar o desenvolvimento e o resultado da intervenção pedagógica intitulada
“Uma história contada em biografia”, realizada como parte das ações da Semana do Empoderamento Feminino, instituída
pela Lei 8775/2018 (Pará, 2018). Tomamos o gênero textual biografia como ponto de partida à produção de texto de
alunas/os do 9º ano do Ensino Fundamental, da Escola E.E.F.M. Professora Placídia Cardoso, no ano letivo de 2023. Em
uma atividade interdisciplinar, exploramos tanto os saberes da Língua Portuguesa quanto os da História, evidenciando o
gênero em questão como um caminho para o ensino-aprendizagem de conceitos importantes, como o de Empoderamento
Feminino; bem como à realização de atividades de uso e reflexão linguística, e de apresentação de fatos históricos do
cotidiano do discente. Os pressupostos teóricos que fundamentam a atividade embasaram-se, dentre outros, em
Marcuschi (2010), Koch (1992, 2011, 2012), Koch e Elias (2016), Silva (2010), Berth (2019) e Documento Curricular do
Estado do Pará (Pará, 2021).

Palavras-Chave: Empoderamento Feminino. Gênero Textual. Biografia. Língua Portuguesa. História.

Introdução

As atividades expostas no presente relato foram realizadas pelas professoras de Língua


Portuguesa, Francinete Quaresma, e de História, Tânia Santos, junto a uma turma de 9º ano, da
Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professora Placídia Cardoso, localizada no Bairro
do Jurunas.

Esta intervenção pedagógica foi executada como parte do Projeto Trabalhando o


Empoderamento Feminino na Escola, coordenado na referida instituição pela Especialista em
Educação Maria do Socorro Silva, o qual integrou várias ações que fizeram parte da Semana do
Empoderamento Feminino, instituída pela Lei 8775/2018 (Pará, 2018), do Deputado Carlos Bordalo.
No âmbito do Estado do Pará, essa semana é designada à discussão da igualdade de gênero, visando
realizar ações que promovam o Empoderamento Feminino dentro do contexto escolar, seja ele público
ou privado.

As professoras promoveram uma atividade interdisciplinar entre seus componentes


curriculares, a qual resultou em produções textuais bibliográficas, em que os alunos puderam aplicar
1 Professora de Língua Portuguesa e Francesa da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc/PA). Doutora em
Letras - Linguística pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestra em Letras - Linguística pela mesma Universidade.
Especialista em Letras - Língua Portuguesa pela UFPA. Graduada em Letras pela referida Universidade.
2 Professora de História e Estudos Amazônicos da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc/PA). Graduada em

História pela Universidade Federal do Pará.


3 Especialista em Educação da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc/PA). Graduada em Pedagogia pela

Universidade Federal do Pará.


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conhecimentos obtidos tanto no âmbito da Linguagem quanto no das Ciências Humanas, lançando
um novo olhar sobre o conceito de Empoderamento Feminino.

Este manuscrito relata não somente as ações desenvolvidas em prol da realização da


intervenção pedagógica supracitada, apontando um possível caminho metodológico para debater o
tema Empoderamento Feminino e para abordar objetos de conhecimentos correspondentes aos
componentes curriculares mencionados, como texto narrativo, marcadores discursivos, periodização
histórica, conceito de Empoderamento Feminino; mas também os resultados alcançados ao
trabalharmos a produção textual a partir do gênero a biografia. Nosso objetivo consistiu em levar as/os
discentes a observarem que as histórias das mulheres de seu meio familiar, demonstram o quanto
essas mulheres são empoderadas.

Assim sendo, a fundamentação teórica que subsidia esta discussão se baseia nos
pressupostos dos gêneros textuais, em especial o gênero biografia (Marcuschi, 2010; Silva, 2010),
apontado aqui como uma alternativa para o ensino de objetos de conhecimentos da Língua
Portuguesa e da História. No campo específico das Ciências Humanas, buscamos subsídio em Berth
(2019), com o propósito de fundamentar os saberes do componente curricular História, em especial,
a história e a construção do conceito de Empoderamento Feminino. Não obstante, subsidiamos nossa
discussão do Documento Curricular do Estado do Pará - DCE/PA (Pará, 2021).

Nessa intervenção pedagógica, analisamos as produções textuais das/dos alunas/os


envolvidas/os em uma perspectiva qualitativa (Thiollent, 1986). Percebemos que nosso público-alvo
compreendeu o conceito de Empoderamento Feminino, demonstrando isso em seus textos, bem como
produziu biografias utilizando-se dos objetos de conhecimentos abordados.

A realização desta atividade junto a uma turma de 9º ano agregou uma grande experiência
em relação ao trabalho interdisciplinar e à vivência narrada por nossas/nossos estudantes. As histórias
compartilhadas enriqueceram nossa formação enquanto ser humano e educadoras, mostrando o
quanto é importante, em nossa prática pedagógica, despertar no aprendiz os saberes e os sentimentos
que ainda estão adormecidos. Por meio da biografia, as/os alunas/os tiveram a oportunidade de lançar
um olhar mais atento ao seu ambiente familiar, percebendo que, nesse círculo, há mulheres com
grandes histórias de vida, que podem ser vistas como Mulheres Empoderadas.

Aporte Teórico

Marcuschi (2010) introduz a noção de gênero textual, fundamentando-se nos postulados


bakhtinianos (Bakhtin, 2003) de que os gêneros modelam a interação humana. Conforme Marcuschi
(2010, p. 19), como “entidades sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer
situação comunicativa,” os gêneros textuais não somente ordenam, mas também organizam as

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atividades comunicativas do cotidiano. Assim sendo, o autor afirma não ser possível haver
comunicação verbal sem se fazer uso de gêneros textuais, e ser impossível comunicar-se verbalmente
sem se fazer uso de textos.

Diante dessa compreensão, Marcuschi (2010) destacou a necessidade de tomar a noção dos
gêneros textuais como abordagem de ensino-aprendizagem de línguas, visto se constituírem
verdadeira oportunidade de estudá-las, em situação cotidiana, em seus usos autênticos. Marcuschi
(2010, p. 37) destaca que “nada do que fizermos linguisticamente estará fora de ser feito em algum
gênero”, fazendo uso de algum texto. O autor corrobora com os postulados de Dolz e Schneuwly
(2004, p. 57), para quem os gêneros “devem constituir os ingredientes de base do trabalho escolar,
pois, sem os gêneros, não há comunicação e, logo, não há trabalho sobre comunicação.”

Há alguns anos, em contexto brasileiro, nas escolas da Educação Básica, os gêneros textuais
servem de modelo didático para o ensino da Língua Portuguesa. Em outras palavras, no campo do
ensino-aprendizagem das línguas, os gêneros textuais embasam currículos escolares, a exemplo do
que acontece na educação pública do Estado do Pará. O DCE/PA (Pará, 2021), seguindo orientações
presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (Brasil, 1998) e na Base Nacional Comum
curricular - BNCC (Brasil, 2018), pauta a abordagem do ensino da Língua Portuguesa na concepção
interacionista da linguagem, tomando o texto como objeto de ensino e os gêneros textuais como eixo
de progressão e articulação para o Ensino da Língua Portuguesa.

Assim,

[...] o ensino por meio de diferentes gêneros permite a valorização das culturas específicas de
cada lugar e da própria identidade, relacionando a forma do sujeito ser estar no mundo com
outras formas diferentes da sua; logo, considerando aspectos como as necessidades e
finalidades de aprendizagem, a faixa etária, a série, sugere-se um trabalho sistematizado e
aprofundado com um gênero discursivo por bimestre (Pará, 2021, p. 108).

Seguindo essas diretrizes do documento curricular paraense que orienta nossa prática
pedagógica, na ação que desenvolvemos, optamos por trabalhar com o gênero textual biografia,
realizando encaminhamentos didáticos sistematizados em sequência didática (Dolz; Noverraz;
Schneuwly, 2004), conforme sugerido pelo DCE/PA (Pará, 2021).

A palavra biografia significa, em diferentes línguas ocidentais, “a escrita de uma história de


vida” (Silva, 2010, p. 13). O gênero textual biografia, portanto, consiste no “relato da vida de uma
pessoa. Uma definição simples para um gênero de fronteira, que dialoga com diferentes áreas do
saber, da História ao Jornalismo, passando pela Literatura e a Psicologia”.

O gênero biografia possibilita ao professor realizar uma abordagem interdisciplinar, tornando-


se “um instrumento que oferece possibilidades para a sala de aula” (Silva, 2010, p. 13). Ademais,
trabalhar a produção da escrita nesse gênero textual propicia às/aos alunas/os o “diálogo com o
cotidiano e com o generalizado interesse pela vida privada, que reside em todos nós”. Por esse
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aspecto, a autora afirma que a biografia sendo um gênero de caráter popular, torna-se atrativo utilizá-
la como instrumento de ensino do componente curricular História.

[...] ela se apresenta como um meio que facilita a discussão histórica ao despertar a curiosidade
dos alunos porque fornece nomes e faces aos processos históricos. Ou seja, a biografia
personaliza a História que enfoca estruturas e processos amplos. E, em uma sociedade em quem
a individualização está por toda parte, associar contextos históricos a personagens que os alunos
possam nomear, dos quais possam se recordar, é fornecer as ferramentas mais importantes, se
interessar por esses momentos históricos (Silva, 2010, p. 17).

No campo da História, conforme a estudiosa, o gênero textual biografia possibilita ainda


relacionar o interesse do professor com o das/dos alunas/os, tratando das realidades específicas
desses como, por exemplo, as culturas de cada lugar, a identidade, o lugar de fala; realidades
destacadas pelo DCE/PA (Pará, 2021) como possíveis de serem valorizadas por meio do ensino de
diferentes gêneros textuais, dentre os quais a biografia. Não obstante, Silva (2010) também sugere
que trabalhar com a biografia consiste em uma forma de fomentar a pesquisa, haja vista que as/os
alunas/os precisam buscar informações sobre as personagens escolhidas a fim de biografá-las.

No campo da Língua Portuguesa, compreendemos que produzir textos escritos, a partir do


gênero textual biografia, pode constituir, para a/o aluna/o, uma oportunidade de fazer uso dos objetos
de conhecimento aprendidos na escola, relacionando-os às suas reais necessidades comunicativas,
a exemplo do que ocorreu quando as/os alunas/os precisaram utilizar marcadores discursivos de
temporalidade (objeto de conhecimento de Língua Portuguesa) para organizar a linha do tempo (objeto
de conhecimento de História) de sua biografia. A produção escrita do gênero em questão, nesse
sentido, possibilita aos discentes, cumprirem uma função comunicativa específica, na qual se
constituem sujeitos de fala, com objetivos definidos (Marcuschi, 2010).

Dentro das ações realizadas na intervenção pedagógica Uma história contada em Biografia,
a atividade consistiu em as/os alunas/os biografar uma mulher vista por elas/eles como empoderada,
pertencente ao seu seio familiar. Nesse momento, as/os alunas/os tinham a palavra e escreviam
conforme a sua interpretação dos fatos coletados em entrevista informal. O objetivo era mostrar a
mulher empoderada que havia em sua família, a qual era digna de sua admiração. A atividade de
escrita deu-se, portanto, de forma contínua, em que os estudantes escreveram e reescreveram seu
próprio texto a fim de aperfeiçoá-lo quanto aos aspectos discursivo e formal.

Na referida atividade, vimos o gênero textual biografia como uma possibilidade para a/o
aluna/o apresentar sua compreensão sobre o conceito que estava sendo trabalhado naquela
sequência didática: Empoderamento Feminino. Discutimos sobre o conceito apresentado na Lei da
Semana do Empoderamento Feminino, Lei 8775/2018 (Pará, 2018), de autoria do Deputado Carlos
Bordalo.

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Entende-se por empoderamento feminino o ato de estimular entre meninas, jovens e mulheres
sua participação efetiva nas diversas esferas da sociedade, estimulando mudanças culturais,
desconstruindo preconceitos e promovendo a equidade de gênero. (Pará, 2018)

Também compartilhamos o pensamento de Berth (2019), para quem Empoderamento


Feminino consiste em “dar poder” a indivíduos, isto é, dar poder de autoafirmação, de autovalorização,
autorreconhecimento e autoconhecimento sobre si próprio e sobre suas habilidades, possibilitando
(re)conhecer sua história, sua posição social e política, seu estado psicológico perceptivo sobre o que
ocorre ao seu redor.

Para a autora, “dar poder” equivale também estimular

[...] a autoaceitação de características culturais e estéticas herdadas pela ancestralidade que lhe
é inerente para que possa, devidamente munido de informações e novas percepções críticas
sobre si mesmo e sobre o mundo em volta, e, ainda, de suas habilidades e características
próprias, criar ou descobrir em si mesmo ferramentas ou poderes de atuação no meio em que
vive e em prol da coletividade (Berth, 2019, p. 18).

O conceito de Empoderamento Feminino assumido por Berth, deve ser visto como instrumento
de emancipação política e social, o qual visa promover a equidade entre os gêneros, defendendo a
liberdade e o direito igual. Empoderar-se, portanto, significa tomar poder sobre si!

Percurso Metodológico

As ações desenvolvidas durante esta intervenção pedagógica aconteceram no mês de março


de 2023. Antes de iniciarmos as ações, compartilhamos com os estudantes nossa proposta de
atividade, expondo-lhes nosso objetivo e nossas expectativas como resultado: a produção de
biografias escritas sobre uma mulher de sua família, vista por eles como importante, e de um vídeo
com essas narrativas.

A primeira ação realizada teve como ponto de partida a exibição do vídeo “Empoderamento
das mulheres” disponível no YouTube4, com duração de 2min37’. Após assistirmos ao vídeo, abrimos
uma roda de conversa para que os estudantes pudessem compartilhar o que aprenderam. A discussão
encadeou-se em uma perspectiva histórica e, a partir das falas dos discentes, buscamos construir
suas interpretações sobre Empoderamento Feminino. Na sequência, apresentamos o conceito desse
tema, segundo a perspectiva de Berth (2019).

Em um segundo momento, os discentes assistiram ao vídeo “Marie Curie – Biografia


resumida” também disponível no YouTube5, cuja duração totaliza 5min8. Como desdobramento da
atividade, exploramos as características do texto bibliográfico. Para tanto, o vídeo foi apresentado
mais de uma vez.
4 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6RSc_XYezig.
5 Disponível em: https://youtu.be?PTdiKQEM58Q.

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Sequencialmente, abordamos, junto à turma, os aspectos do gênero textual biografia por meio
de uma apostila, contendo conceitos e exemplos de texto bibliográfico. Fazendo uso da biografia de
Clarice Lispector, realizamos um estudo comparativo entre essa história e a de Marie Curie, a fim de
evidenciar que, embora as biografias se apresentem em diferentes modalidades de texto – uma em
texto oral (vídeo narrativo) e outra em forma de texto escrito - possuem as mesmas características, a
saber: cronologia das informações, a qual foi destacada pela turma.

Na oportunidade, materializamos essas informações em formato de linha do tempo, a fim de


mostrar a sequência dos fatos vivenciados por Curie e Lispector, e, posteriormente, de texto biográfico,
levando os estudantes a escreverem pequenos trechos das informações que obtiveram por meio do
vídeo assistido e do texto lido.

Nessa mesma aula, também destacamos a importância das obras realizadas por Marie Curie
e por Clarice Lispector dentro do contexto histórico e geográfico em que essas viveram, o que nos
oportunizou dialogar sobre aqueles momentos históricos, enfatizando o pensamento humano daquela
época. Assim, conseguimos mostrar aos discentes o porquê das referidas mulheres terem sido
destaques na sociedade em que viveram.

Posteriormente, orientamos a turma quanto à construção de um roteiro com as perguntas a


serem usadas durante a entrevista informal com a pessoa escolhida para a escrita da Biografia. A
princípio, buscamos explorar a criatividade dos discentes, pedindo-lhes que sugerissem as perguntas.
A título de exemplificação, surgiram perguntas como: Onde você nasceu e qual a lembrança que você
tem desse lugar? Como foi sua infância e o que você lembra dessa época?

Depois, acrescentamos outros questionamentos que a turma poderia fazer, a fim de obter
informações que exemplificassem o empoderamento de sua biografada. Sugerimos às/aos estudantes
que realizassem a entrevista “A mulher que me tornei” em forma de uma conversa, buscando um
ambiente agradável para que a entrevistada pudesse ficar confortável para buscar suas lembranças.
Recomendamos também que as alunas e os alunos tomassem nota das informações para,
posteriormente, escrever a biografia.

O material coletado foi analisado por nós, professoras, e, quando necessário, pedimos às/aos
estudantes para buscar mais informações sobre determinado fato, explorando a lembrança de sua
entrevistada. Na sequência, pedimos aos/às discentes que escrevessem o texto da biografia,
colocando em prática a sequência cronológica trabalhada em forma de linha do tempo. Orientamos
as/os estudantes a seguirem o modelo da biografia de Clarice Lispector, trabalhada no início dessa
intervenção pedagógica (Figura 1).

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 33


Figura 1 – Painel Uma história contada em biografia
Fonte: Autoras (2023).

De posse das biografias escritas, realizamos a leitura. Ao invés de corrigir o texto, segundo a
norma culta, preferimos apontar os problemas ortográficos, orientando-os a buscar a forma correta.
Também apontamos os problemas referentes à coerência textual, pedindo às/aos estudantes que
reescrevessem alguns trechos.

Ao devolvermos os textos das biografias aos seus autores, procuramos trabalhar com eles os
marcadores discursivos, a fim de promover o encadeamento e a coesão textual (Koch, 1992, 2012,
2012; Koch; Elias, 2016). Listamos alguns marcadores discursivos presentes em textos de biografias
e exploramos o conhecimento das/dos estudantes, pedindo que apontassem outros operadores
linguísticos com a mesma funcionalidade. Recebemos uma nova versão do texto e, dada a
proximidade da culminância do evento, fizemos as correções e as orientações necessárias para
adequá-los à norma culta.

Os textos foram digitados para passarmos a uma nova fase da nossa ação: a confecção do
painel contendo as biografias, o qual seria apresentado na culminância do Projeto Trabalhando o
Empoderamento Feminino na Escola, realizado por ocasião da Semana do Empoderamento
Feminino, pela Escola Professora Placídia Cardoso. Vale ressaltar que esse painel foi produzido pelos
próprios discentes, sob nossa orientação.

Além desse, as/os estudantes também produziram um vídeo, fazendo a leitura de algumas
narrativas que foram selecionadas por nós, professoras. A fim de não constranger as biografadas,
optamos pela não identificação dessas. Assim sendo, as/os estudantes colocaram apenas as iniciais
de seus nomes e a leitura dos textos, durante a apresentação na culminância do Projeto, foi feita de
forma aleatória, isto é, sem a correspondência autor-texto

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Resultados

As atividades pedagógicas desenvolvidas constituíram-se um meio reflexivo para trabalhar o


conceito de Empoderamento Feminino na referida escola, presente no bairro do Jurunas, um dos
bairros mais populosos de Belém. O Jurunas, enquanto espaço físico, consolidou-se econômica e
socialmente como um território cuja expansão se deu pela presença de imigrantes vindo do interior do
Estado do Pará, seus primeiros habitantes (Trindade, 2017), característica observada por meio das
narrativas presentes nas biografias das/dos alunos/as, conforme os trechos destacados: “M. nasceu
no interior do Marajó” e “O nome dela é GM. Nasceu no interior de Igarapé-Miri, no ano de 1959.”

Periférico, o bairro do Jurunas é marcado pela luta e pelo trabalho de sua população, que vive
o desafio do saneamento básico, da segurança pública, da violência e da oportunidade de trabalho
(EEEFPPC, 2015), sem perder a esperança de uma vida melhor. As mulheres jurunenses, em especial
as biografadas pelas/pelos alunas/os, são batalhadoras: “Descendente de OS. e OC., R. sempre foi
uma mulher batalhadora e guerreira” e “Ela trabalha desde os 12 anos”. São empreendedoras: “Em
2016, ela começou a trabalhar com sublimação. Ela abriu um negócio e começou a ganhar muito
dinheiro com isso”. São vencedoras: “Mulher estudiosa e trabalhadora, concluiu os estudos”. São
generosas: “Ela gosta de aprender e compartilhar.”

Elas também são sonhadoras. Alguns dos sonhos já foram realizados: “Hoje, ela está muito
motivada para voltar a estudar e dessa vez realizar sua vontade que é cursar Designer de
sobrancelhas. Ela já conseguiu fazer um curso de 03 meses nessa área e espera aprender ainda
mais”. Outros, ainda são almejados: “Desde a infância C. tinha o sonho de cursar Medicina”; “Seu
maior sonho sempre foi ter uma casa com jardim”; “Seu maior sonho é conhecer Paris”; e “Seu maior
sonho é fazer missões, levando a Palavra de Deus para às nações”.

Os/as estudantes narram que suas homenageadas são dedicadas à família: “Seus filhos são
a sua motivação para continuar lutando cada dia mais. Nos textos, são perceptíveis também o olhar
que as mulheres têm sobre elas mesmas: “Hoje em dia, M. trabalha como empregada doméstica e se
considera uma mulher muito trabalhadora” e “Embora sua vida seja corrida, ela ama o que tem e o
que faz”.

Por meio dessas conquistas, os autores e as autoras das biografias consideraram essas
mulheres empoderadas: “Ela é mãe, esposa, trabalhadora e, principalmente, uma mulher
empoderada” e “Esta é sua história: uma mulher guerreira, dedicada e uma ótima mãe.”

Mas, como diz a canção, “nem tudo são flores”, os textos também retratam a história de luta
das biografadas, mostrando momentos de dificuldade financeira: “A vida dela era muito complicada
lá. Ela trabalhava com seu pai pescando camarões. Ela comia cabeça de camarão para vender o
corpo do marisco e conseguir dinheiro para dar comida aos seus irmãos mais novos”; “Neste momento
de suas vidas, passaram muitas dificuldades financeiras”; “[...] foi quando ela começou a trabalhar
Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 35
com corte e costura. Desde então ela começou a ajudar o seu pai, sua mãe e seu irmão com o pouco
do seu dinheiro”; e “Ela estudou em uma escola, era bem dedicada. Mas as muitas dificuldades na
infância acabaram atrapalhando um pouco”.

Mostram também um histórico de violência vivido por elas desde a infância (quando viviam
com os pais): “Quando nova, apanhava muito de sua mãe. Mas aos 16 anos cansou da vida que
levava e foi embora para Belém do Pará, onde começou a trabalhar em casas de família [...]”; até o
momento atual (quando vivem com os companheiros): “O relacionamento com o pai de sua filha foi
temporário, pois ele era uma pessoa agressiva e ela não queria que sua filha crescesse presenciando
cenas de agressões, como ela vivenciou na infância”.

Foram muitas histórias de sofrimento, mas também de superação, o que fizeram os/as
estudantes compreenderem que as mulheres biografadas por eles são, sim, empoderadas, pois
assumiram seu lugar no mundo, compreendendo o papel que lhes cabe, lutaram por seus sonhos e
superaram e/ou buscam superar os percalços da vida.

Os textos produzidos de acordo com o gênero biografia constituíram-se também um meio para
que nossas alunas e nossos alunos colocassem em prática saberes aprendidos em Língua
Portuguesa e História. Trabalhamos a organização das informações em forma de linha do tempo, a
fim de fazer o/a estudante observar a cronologia dos fatos, o que pode ser visto neste trecho da
biografia “C.H.S. - a biomédica de sucesso”, em que o autor apresentou informações sobre o
nascimento da homenageada, seguida da informação sobre a família e a infância, passando para o
momento da juventude. No trecho, fica evidenciado uma cronologia seguida pelo estudante, muito
embora as informações não sejam necessariamente colocadas na ordem dos acontecimentos. Para
organizá-lo, o discente lançou mão de recursos linguísticos como “Quando jovem” e “Mas, antes disso”
(Destaque nosso):

CHS. nasceu no ano de 1989, no dia 13 de abril. Ela é de Belém do Pará. Os seus pais eram
autônomos e trabalhavam em cidades festivas de santos, vendendo lembrancinhas. C. é a
terceira de seis filhos do casal, filhos esses biológicos e afetivos.
Desde a infância C. tinha o sonho de cursar Medicina. Ela era muito estudiosa. Ela esforçou-se
muito para poder ser médica. Porém não conseguiu ser aprovada nesse curso. Ela passou no
vestibular para Biomedicina. C. se orgulha muito de ter se formado nesse curso superior.
Quando jovem, namorou com PR., com quem se casou. Mas, antes disso, ganhou o prêmio
de Miss Simpatia, do qual se orgulhou demais. C. era uma jovem que gostava muito de
festividades, sobretudo as juninas.

Ademais, trabalhamos também o uso de marcadores discursivos de temporalidade, para fim


de organização sequencial das informações, e de conjunções coordenativas para organização das
ideias. Mostramos que a sequência temporal poderia também ser marcada por meio de verbos de
ação e por datas específicas.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 36


É válido ressaltar que a abordagem dada a esses objetos de conhecimento que auxiliam na
produção do discurso não se deu de forma sistemática, explorando todo o conteúdo. Orientamos as/os
estudantes quanto à existência deles na língua e ao uso, fazendo, portanto, uma abordagem reflexiva
a partir do conhecimento linguístico do falante. O emprego desses recursos linguísticos pode ser
observado nos trechos desta biografia (Destaque nosso):

RM nasceu em 09 de janeiro de 1992. Quando era menor, amava estudar. [...].


Estudou todo o Ensino Médio na Escola Professora Placídia Cardoso. Antes de concluir essa
etapa do ensino, engravidou de sua primeira filha, MR, porém nunca parou de estudar.
Em 2012 foi aprovada no vestibular em Assistência Social, mas essa não era a sua verdadeira
paixão. Logo, R não concluiu sua faculdade.
Posteriormente, conheceu aquele que viria a ser o pai do seu segundo filho. Em 2015, a criança
nasceu. Cerca de três meses após o nascimento, seu marido, que na época era namorado, foi
jogar uma partida de futebol e quebrou o joelho. [...].
Hoje, ela está muito motivada para voltar a estudar [...].
Casou-se em 27 de outubro de 2020. Um tempo depois entrou para a igreja [...].

Sobre as produções textuais discentes, é válido informar que, das vinte biografias produzidas,
nem todas foram escritas fazendo uso dos recursos linguísticos aqui destacados. Em algumas havia
apenas as informações em sequência cronológica, obedecendo a ideia de linha do tempo trabalhada
e de narração da história de uma mulher que, aos olhos do discente/autor, é empoderada.

Considerações Finais

As atividades desenvolvidas nesta intervenção pedagógica nos permitiram perceber que as/os
estudantes envolvidas/os conseguiram compreender o conceito de Empoderamento Feminino
trabalhado, conforme os trechos destacados; bem como conseguiram aplicar, em sua produção
textual, os objetos de conhecimentos dos componentes curriculares Língua Portuguesa e História que
foram tratados, tal como objetivávamos.

O resultado aponta, dessa forma, o gênero textual biografia como um caminho possível para
o ensino dos referidos componentes curriculares, bem como para o ensino de conceitos importantes
para a formação discente. Não obstante, trata-se também de um recurso pertinente para atividades
de uso e de reflexão linguística discursiva.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BERTH. Joice. Empoderamento - Feminismos plurais. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa: terceiro
e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 37


BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação e
Cultura. Brasília, DF: MEC, 2018.
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita –
elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In.: DOLZ, Joaquim;
SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e Organização de Roxane
Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004, p. 41-70.
DOLZ, Joaquim; NAVERRAZ, Michèle; SCHNEUWLY, Bernard. Sequências didáticas para o oral e a
escrita: apresentação de um procedimento. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas:
Mercado de Letras, 2004, p. 95-128.
EEEFPPC. ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO PROFESSORA
PLACÍDIA CARDOSO. Projeto Político Pedagógico. Belém: SEDUC/PA, 2015.
KOCH, Ingedore Vilaça. Dificuldades na leitura/produção de textos: os conectores interfrásticos. In.:
CLEMENTE, E. (org.) Linguística aplicada ao ensino de português. Porto Alegre: Mercado Livre,
1992, p. 84-98.
KOCH, Ingedore Villaça. Ler e escrever: estratégias de produção textual. 2 ed. São Paulo:
Contexto, 2011.
KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. São Paulo? Contexto, 2012.
KOCH, Ingedore Vilaça; ELIAS, Vanda Maria. Escrever e argumentar. São Paulo: Contexto, 2016.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. In.: DIONÍSIO, Angela
Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora. Gêneros Textuais e Ensino. São
Paulo: Parábola, 2010, p. 19-36.
PARÁ. Lei 8775, de 16 de outubro de 2018. Institui no âmbito das escolas públicas e privadas do
estado do Pará a Semana do Empoderamento Feminino. Belém: ALEPA, 2018.
PARÁ. Secretaria de Estado de Educação do Pará. Documento Curricular do Estado do Pará –
Educação Infantil e Ensino Fundamental. Belém: SEDUC/PA, 2021.
SILVA, Kalina Vanderlei. Biografias. In.: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Novos temas nas aulas
de história. São Paulo: Contexto, 2010, p.13-28.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez,
1986.
TRINDADE, Márcio Marcelo de Souza. A regularização fundiária de interesse social na cidade de
Belém/PA: a experiência do bairro do Jurunas. VIII Jornada Internacional de Políticas Púb

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REVELANDO SENTIMENTOS: DA DOR AO EMPODERAMENTO

Michelle Sadalla Naif Daibes1

Resumo

Este relato tem como objetivo apresentar uma experiência didático-pedagógica realizada com um grupo de seis alunas do
Ensino Médio, como parte das ações que integraram as ações da Semana do Empoderamento Feminino, instituída pela
Lei 8.775/2018 (Pará, 2018), de autoria do Deputado Carlos Bordalo. Dentro desse contexto, produzimos com essas alunas
o ensaio fotográfico Revelando Sentimentos: Da dor ao Empoderamento (Exposição Fotográfica). Esse ensaio tem o intuito
de retratar a violência contra as mulheres e refletir sobre os sentimentos aflorados nessas estudantes durante a produção
das fotos. Os resultados revelaram que as alunas envolvidas captaram os conceitos e as leis trabalhadas durante as aulas,
assim como, compreenderam como agir e proceder em eventuais situações de violência, nas quais elas forem as vítimas.

Palavras-chave: Reflexão. Ensaio fotográfico. Empoderamento feminino.

Introdução

A experiência pedagógica Revelando Sentimentos: da dor ao empoderamento (Exposição


Fotográfica) compõe o Projeto Trabalhando o Empoderamento Feminino na Escola desenvolvido na
Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professora Placídia Cardoso, por ocasião da
Semana do Empoderamento Feminino. A equipe escolar dessa instituição de ensino, com uma postura
sempre de acolhimento aos seus discentes, contribuiu para a realização desse projeto e abraçou essa
temática que é de grande relevância para a sociedade.

Essa experiência teve como objetivo representar por meio de um ensaio fotográfico a violência
contra as mulheres e discutir acerca das sensações sentidas no processo de produção das fotos.
Acredito que convidar nossas alunas a participarem de projetos como esse, nos quais se tornam
protagonistas de suas experiências e descobertas, vai fazer com que elas se sintam mais vivas e
sabedoras das providências e ações que devem tomar em caso de violência contra elas.

Nesse projeto, houve uma conexão com as artes envolvendo uma produção fotográfica
relacionada à violência contra mulher, principalmente a física; e para torná-lo mais significativo,
fizemos um debate sobre os sentimentos e emoções aflorados durante o desenvolvimento do trabalho.
As atividades artísticas expressam diversas formas de interpretação e sentimentos, e foi com essa
intenção que busquei criar com um grupo de alunas, por meio de um ensaio fotográfico realizado por
elas, um momento de reflexão, com o intuito de produzir pensamentos sobre os aspectos relacionados
à violência física contra a mulher.
1Professora de Língua Inglesa da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc/PA). Especialista em Letras pela
UEPA. Graduada em Letras pela UNAMA.

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Segundo Müller e Dias (2019), a fotografia é muitas vezes utilizada como forma de
comunicação, para expressar um desejo simples de registrar determinado assunto, mas também pode
ser um ato intencional de comunicar uma mensagem explícita ou implícita. No caso do projeto, a
intenção era comunicar uma mensagem explícita sobre o empoderamento feminino.

Empoderar-se!

A palavra Empoderamento é a tradução de Empowerment e “vem do conceito de empoderar-


se, ter liberdade, expor opiniões, tomar decisões e participar ativamente de uma organização” (Silva;
Souza Júnior, 2019, p. 2); origina-se na língua inglesa e tem como significado dar poder a alguém.

Conforme Berth (2019), no Brasil, empoderamento é um neologismo, um fenômeno linguístico


em que se cria uma palavra nova ou se atribui um novo sentido a uma palavra que já existe, e também
significa dar poder. A autora afirma que empoderamento é um conceito muito complexo, o qual vem
sendo muito distorcido e incompreendido devido ao debate acrítico relacionado ao tema.

Nesse sentido,

Empowerment é um conceito do qual muito se fala, mas pouco se pratica. Seu objetivo é simples:
transmitir responsabilidade e recursos para todas as pessoas a fim de obter a sua energia criativa
e intelectual, de modo que possam mostrar a verdadeira liderança dentro de suas próprias
esferas individuais de competência, e também, ao mesmo tempo, ajudá-las a enfrentar os
desafios globais de toda a empresa. O empowerment busca a energia, o esforço e a dedicação
de todos e tirar do gerente o antigo monopólio do poder, das informações e do desenvolvimento
(Chiavenato, 1999 apud Silva; Souza Júnior, 2019, p. 3).

O empoderamento vem dar poder às mulheres para que elas conquistem seu papel na
sociedade e se conheçam melhor, para que deixem de ser vistas apenas para realizarem serviços
relacionados com o lar, como ser dona de casa sustentada pelo marido, haja vista que as mulheres
têm sido subordinadas aos homens durante muito tempo e seu papel na sociedade era apenas como
um enfeite ao lado deles (Silva; Souza Júnior, 2019)

Ao longo dos anos, as mulheres começaram a despertar para situações que as colocavam de
maneira desigual em vários pontos, principalmente no mercado de trabalho e em determinadas
profissões que antes eram ocupadas somente por homens, juntamente com os abusos físicos e
psicológicos em meio a opressões e humilhações, porém o que se fazia silêncio se tornou voz e
consciência por seus direitos, dignidade e respeito por suas escolhas e por isso a expressão
empoderamento é atualmente umas das mais utilizadas para propagar essas lutas.

Dada importância do tema, a ONU Mulheres (Organização das Nações Unidas voltada para as
mulheres) criou sete princípios do Empoderamento Feminino, a saber: Liderança; Igualdade de
oportunidade, inclusão e não discriminação; Saúde, segurança e fim da violência; Educação e
formação; Desenvolvimento empresarial e práticas da cadeia de fornecedores; Liderança comunitária

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e engajamento; Acompanhamento, medição e resultado. Estes princípios reúnem todas as
necessidades que as mulheres precisam para ter uma vida social, profissional e familiar com
segurança, pois contém pontos básicos e primordiais para estabelecer uma sociedade mais justa
(Silva; Souza Júnior, 2019).

Com a homologação da Lei Maria da Penha, Lei nº. 11.340 (Brasil, 2006), em nosso país,
percebeu-se um grande avanço nas questões que cercam os direitos das mulheres, outrora ignorado,
muitas vezes, por quem deveria combater situações de violência, nas suas diversas formas, e não o
fazem; nesse caso, o poder público.

As mulheres começaram a ter voz para lutar por suas dignidades, passando a ter mais apoio,
como por exemplo a criação de Delegacias especializadas em atendê-las nos momentos em que se
sentem fragilizadas, oprimidas e não saberem o que fazer, inclusive com atendimento psicológico,
pois chegam desestruturadas emocionalmente, quando agredidas fisicamente.

Os meios midiáticos passaram a exercer um importante papel na divulgação e alerta não


somente às mulheres, mas a toda sociedade que precisa se mobilizar para o enfrentamento do
problema, no entanto, quase todos os dias lamentavelmente há notícias de feminicídios provocados
por ações machistas e por uma cultura patriarcal surgido dentro da nossa história.

Empoderando-se!

A construção desta experiência didático-pedagógica se iniciou com algumas discussões, com


estudantes das turmas da primeira e segunda série do Ensino Médio. Nesse debate, tratamos sobre
várias questões conscientizadoras a respeito do que norteiam o universo da mulher e suas histórias
no cenário mundial.

Esses momentos foram disponibilizados concomitante às aulas de Língua Inglesa, por meio de
atividades que associassem a ministração do idioma e a temática proposta pelo Centro de Formação
dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR/SEDUC) sobre o Empoderamento
Feminino.

Nessas discussões, analisamos frases retiradas de mídias que retratassem o posicionamento


da mulher frente a cultura machista dominante, no intuito de potencializar o ensaio fotográfico de seis
alunas que participaram do projeto; a intenção era criar uma atmosfera sensível para o registro das
imagens que variassem do sentimento de angústia para a sensação de poder e, a partir do registro
das imagens, provocá-las a expressarem o que sentiram durante a experiência vivida.

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Frases e imagens: conectando sensações

Nas aulas de Língua Inglesa, analisamos duas frases e uma canção de personalidades e
ativistas que representam atualmente a voz das mulheres, que vão desde abordagens sociais e
políticas aos relacionamentos abusivos. Abaixo algumas das inserções realizadas em sala:

● You have to act as if it were possible to radically transform the world. And you have to do it all
the time. – Tradução: Você deve agir como se fosse possível transformar radicalmente o
mundo. E você deve fazer isso o tempo todo.

A assertiva em questão foi proferida por Angela Davis (2016 [1981]), uma ativista norte-
americana de enorme representação no combate à segregação racial nos Estados Unidos na década
de 1960. Ela se tornou professora na Universidade da Califórnia, nos departamentos de História da
Consciência e Estudos Feministas.

● Let us remember: one book, one pen, one child and one teacher can change the
world. – Tradução: Vamos lembrar: um livro, uma caneta, uma criança e um professor podem
mudar o mundo.

A segunda frase foi proferida pela adolescente paquistanesa Malala Yousafzai (Yousafzai;
Lamb, 2013), que se tornou em 2014 a pessoa mais nova do mundo a receber o Prêmio Nobel da
Paz, com apenas 17 anos, é conhecida pelos seus esforços na luta pela educação de meninas em
seu país, tendo sofrido diversas perseguições do grupo extremista que o controlava no período.

A canção utilizada para fomentar a reflexão sobre a temática que estava sendo tratada intitula-
se Flowers2, interpretada pela cantora, compositora e atriz estadunidense Miley Cyrus e aborda a
história de uma pessoa que se libertou das amarras emocionais que lhe faziam mal, de um antigo
relacionamento, e pode ser feliz consigo mesma, sem depender do outro para sua caminhada.

Tanto as falas dessas mulheres empoderadas quanto a letra da canção escolhida serviram de
pano de fundo para suscitar o debate acerca da posição da mulher no mundo e sua luta por uma
sociedade mais justa e igualitária. A próxima etapa seria o convite das alunas para a realização do
ensaio fotográfico.

Ao longo das ministrações das aulas de Inglês e da apresentação do percurso teórico por meio
de discussões e de debates, percebi um interesse dos discentes pelo campo das artes. Foi quando
esta experiência didático-pedagógica passou da teoria para a prática. Em um momento de lazer,
ocorreu-me um pensamento/ideia: ao apreciar uma exposição de fotografias, cogitei a possibilidade
de reunir algumas alunas para fazermos um ensaio envolvendo as situações recorrentes aos abusos
sofridos por mulheres e suas redenções.

2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=G7KNmW9a75Y.

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O primeiro passo consistiu na convocação dos estudantes. Agrupei seis alunas que queriam
participar do trabalho e, posteriormente, conversei sobre o objetivo do ensaio e as conscientizei de
que seria necessário a expressividade de sentimentos tristes, como se elas absorvessem os mesmos.
Sequencialmente, agendamos a data do ensaio fotográfico e definimos o cenário e as vestimentas
necessárias. Optamos em realizar as fotografias dentro de uma sala de aula, de modo que as alunas
tivessem tranquilidade e pudessem estar à vontade para se expressarem.

No dia marcado para fazermos as fotos, as alunas se produziram conforme o que havíamos
pensado: em um primeiro momento, a fim de evidenciar as situações de abuso, elas usariam roupas
rasgadas e fariam poses que expressassem dor; em um segundo momento, elas se vestiriam e se
maquiariam de modo a expressar sua redenção, demonstrando sentimentos de alegria, bem como
atitudes de encorajamento e empatia.

Assim foram realizadas as fotos no ensaio fotográfico “Revelando sentimentos: da dor ao


empoderamento”, expostas nos dias em que ocorreu a Semana do Empoderamento, na escola.

Do preto e branco ao colorido do empoderamento

A produção foi realizada em uma sala de aula da própria escola, de maneira proposital, pois
evidencia o processo de relação entre aprendizado e situações do cotidiano. A primeira parte do
ensaio, em preto e branco, mostra os momentos de sofrimento e tristeza que envolvem a fragilidade
e o silêncio das mulheres, vítimas de violência. A outra parte, em cores, simboliza a luta, a
reconstrução e a união em prol do resgate da autoestima e de seus verdadeiros valores, ou seja, a
busca por seu amor-próprio, desatrelamento e coragem para se libertarem das amarras opressoras e
repressoras.

Na primeira parte do ensaio fotográfico, fizemos uma sequência de fotos em preto e branco
para evidenciar as situações de abuso físico e psicológico sofridas por mulheres (Imagem 1).

Imagem - 1: Dores compartilhadas em preto e branco


Fonte: Arquivo pessoal (2023)

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Nessa imagem as alunas estão demonstrando fragilidade e indignação por saberem que
a violência não é uma prática que ocorre somente com uma mulher, mas que muitas são vítimas. E,
ainda, por saberem que, às vezes, essa situação ocorre com pessoas próximas ao seu convívio.

Na segunda foto (Imagem 2), temos uma discente em uma cena com trajes rasgados em
consequência de uma possível violência física.

Imagem - 2: Lamentação e indignação


Fonte: Arquivo pessoal (2023)

A terceira foto (Imagem 3) mostra uma aluna encenando a vergonha por ter passado por
humilhações e abusos psicológicos.

Imagem - 3: A triste vergonha


Fonte: Arquivo pessoal (2023)

O silêncio, as dores e as marcas são mostradas na sequência de fotos (Imagem 4) para


evidenciar as agressões sofridas por mulheres.

Imagem - 4: Quanta dor... Por favor, pare! Minha alma está ferida!
Fonte: Arquivo pessoal (2023)

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A imagem 5 objetiva mostrar que as mulheres não estão sozinhas nessa luta, elas têm umas
às outras.

Imagem - 5: Não estamos sozinhas...


Fonte: Arquivo pessoal (2023)

A segunda parte do ensaio foi composta de fotos coloridas (Imagem 6). Essas fotos revelam
a mudança ocorrida na vida das mulheres, com as perspectivas de dias melhores, vindos com o poder
da voz e da reflexão. A intenção é perceber que por muitas vezes é necessário buscar ajuda daqueles
que estão ao nosso lado e que se importam com a nossa dor.

Imagem - 6: União e redenção e Energia positivas


Fonte: Arquivo pessoal (2023)

O alívio e sentimento de que a liberdade e a chance de recomeçar estão mais perto do que
nunca, por vezes um caminho difícil, porém a vitória é garantida (Imagem 7).

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Imagem - 7: Juntas podemos mais...
Fonte: Arquivo pessoal (2023)

A imagem 7 mostra as mulheres de mãos dadas, indicando que são fortes e capazes de mudar
o cenário das suas vidas. São, portanto, mulheres empoderadas que podem protagonizar suas
histórias.

Com esse ensaio, em que apresentamos as fotos das alunas na Semana do Empoderamento
na escola, fomentamos discussões para combater a violência doméstica, situações de abusos físicos,
psicológicos e o feminicídio. Desse modo, almejamos tratar a fotografia como forma de ativismo visual,
tendo como foco o empoderamento feminino (Müller; Dias, 2019) e assim trazer reflexões sobre o
lugar da mulher na sociedade e o respeito que devemos ter a todas as mulheres.

Considerações Finais

Ao realizar uma análise qualitativa do material produzido por meio do ensaio fotográfico, foi
possível observar que as alunas envolvidas captaram os conceitos e as leis que foram trabalhadas
durante as aulas e que culminaram nesta produção artística, bem como, compreenderam como agir e
proceder em eventuais situações de violência que porventura atinjam suas vidas, pois o papel da
escola também tem seu caráter social e isto precisa ser levando em consideração, já que pode
influenciar na vida estudantil destas discentes.

O objetivo desse projeto foi alcançado quando trabalhamos com a conscientização e o


fortalecimento dos direitos conquistados pelas mulheres e pelo envolvimento e participação das
discentes nas atividades, pois de acordo com o que foi planejado, houve a sensibilização, reflexão e
desenvolvimento de empatia no momento em que estávamos no ensaio, como se as alunas pudessem
se colocar no lugar das mulheres que antes se mostravam atingidas, submissas, frágeis e com baixa
autoestima e agora empoderadas e donas de seus destinos.

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Referências

BERTH. Joice. Empoderamento – Feminismos plurais. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
BRASIL. Casa Civil. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Lei Maria da Penha. Brasília: Casa Civil,
2006. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil _03/ _Ato2004-2006/ 2006/Lei/L11340.htm>.
Acesso em: 5 dez. 2023.
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo, Boitempo, 2016 [1981].
MÜLLER, Luana Anita; DIAS, Ricardo Henrique Almeida. A Fotografia como Ativismo: de Mulheres e
por Mulheres. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XX
Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, Porto Alegre – RS, 20 a 22/6/2019. Disponível
em: R65-0653-1.pdf (portalintercom.org.br). Acesso em: 5 dez. 2023.
PARÁ. ALEPA. Lei 8775, de 16 de outubro de 2018. Institui no âmbito das escolas públicas e privadas
do estado do Pará a Semana do Empoderamento Feminino. Belém: ALEPA, 2018.
SILVA, Jaqueline Santos; SOUZA JÚNIOR, Martinho Lutero de. Empoderamento feminino: um
estudo de campo com mulheres em diversos espaços da sociedade local. Caratinga-MG: Doctum,
2019. Disponível em: https://dspace. doctum.edu.br/ handle/ 123456789 /2354. Acesso em: 25 nov.
2023.
YOUSAFZAI, Malala; LAMB, Christina. Eu sou Malala: a história da garota que defendeu o direito à
educação e foi baleada pelo talibã. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. ISBN 978-85-359-
2343-8.

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VIOLÊNCIA CONTRA MULHER: ESCLARECER PARA COMBATER

Edival Rodrigues Prazeres1


Josiane Tenório Souza2
Mirian das Neves3

Resumo

O objetivo deste relato é partilhar o resultado de ações (aulas, exibição de filmes, roda de conversa e etc.) que culminaram
na Semana do Empoderamento Feminino, bem como o efeito produzido por essa ação na comunidade da Escola Estadual
de Ensino Fundamental e Médio Benjamin Constant. A Semana do Empoderamento Feminino tem como base a Lei
ordinária 8.775 (Pará, 2018), de 16 de outubro de 2018, e aconteceu no período de 6 a 10 de março de 2023. Entre as
atividades ocorridas, tivemos a visita do deputado estadual Carlos Bordalo, autor da lei citada. O trabalho foi desenvolvido
por meio de aulas, exibição de filmes e roda de conversa relacionados ao tema, com as alunas e os alunos das turmas do
7º, 8º e 9º ano, com foco na discussão sobre os tipos de violência descritas na lei Maria da Penha (Brasil, 2006). Este
trabalho visou a informar e a esclarecer as/os estudantes para que elas/eles consigam identificar um momento de violência
que venham presenciar e, assim, denunciar, combatendo, dessa forma, a prática da violência doméstica e familiar contra
a mulher.

Palavras-chave: Empoderamento. Mulher. Legislação. Violência.

Introdução

A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Benjamin Constant” é a segunda escola


pública mais antiga do Estado do Pará. Foi criada pelo decreto Nº 1067, assinado pelo então
governador Augusto Montenegro, no dia 12 de agosto de 1901, sendo instalada no dia 19 de agosto
do mesmo ano, atendendo a alunas e alunos do primário. Inicialmente a escola foi denominada
“Segundo Grupo Escolar” em razão da ordem cronológica da fundação dos estabelecimentos da Rede
de Ensino público Estadual.

Seu nome atual foi dado por um de seus diretores, o professor Raymundo Trindade, que
solicitou ao Exmo. Sr. Governador, que fosse o mesmo chamado de Grupo Escolar Benjamin
Constant, em homenagem ao fundador da República. Até hoje funciona no prédio que pertencia aos
herdeiros do Visconde de Santo Elias, na travessa Benjamin Constant, nº 497, no bairro do Reduto.
O primeiro diretor da escola foi o prof. Bertoldo Nunes. Atualmente a escola está sob a direção da
professora Márcia Cristina Miranda Lopes. A escola atende alunas e alunos do Ensino Fundamental
e do Médio de Tempo Integral e do Ensino Médio Regular.

1 Edival Rodrigues Prazeres (Geógrafo e Professor de Geografia e Estudos Amazônicos, Mestrado pela Universidade
Estadual do Pará - UEPA), Professor da E.E.E.F. Benjamin Constant.
2 Josiane Tenório Souza (Historiadora e professora de História, especialista pela Universidade da Amazônia - Unama),

Professora da E.E.E.F. Benjamin Constant


3 Mirian das Neves (Professora de Artes, com habilitação em música pela Universidade Estadual do Pará).

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Diferentemente da maioria das escolas estaduais de Belém, que tem seu público formado por
moradores do entorno, na Escola Benjamin Constant são poucos as/os estudantes que residem nas
áreas próximas à escola, ou seja, poucos são do bairro do Reduto. Uma grande parte dos estudantes
reside nos bairros do Telégrafo, Pedreira, Sacramenta, mas um número significativo vem de bairros
como Tapanã, Pratinha e até mesmo de outro município, como por exemplo, de Ananindeua.

Tal característica se deve, principalmente, à situação de trabalho de suas/seus responsáveis,


que têm na escola um ponto de apoio, por trabalharem nas proximidades, trazem seus filhos e suas
filhas pela manhã e os levam no período da tarde. Outro ponto importante diz respeito à diversidade
dessa clientela, a escola recebe alunos oriundos de famílias com uma estrutura financeira mais
abastada e outras em situações de vulnerabilidade extrema.

Essa característica marcante da escola deu origem ao projeto sobre o Empoderamento


Feminino. São muitas as situações de violência doméstica vivenciadas e relatadas pelas mães dos
alunos durante os plantões pedagógicos e conselho de classe. Partindo desse contexto social, e
embasados pelo curso ofertado pelo Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica do
Estado do Pará (CEFOR), a escola desenvolveu o projeto “Violência contra a mulher: esclarecer para
combater”, que culminou na Semana do Empoderamento Feminino atendendo a Lei 8.775 (Pará,
2018) de 16 de outubro de 2018.

Pressupostos Teóricos

A educação democrática está mais presente, mas quando nos aprofundamos em tal
pensamento vemos que, na maioria das vezes, ela não passa de anseios que permeiam o espaço
escolar e são bloqueados por medo de adentrar em novos terrenos, continuando na “segurança” do
senso comum.

De acordo com Libâneo (1999, p. 104), a escola deve ser espaço de construção para um novo
pensamento popular, voltado a criar uma ideologia que trabalhe ao seu favor, para seu
desenvolvimento, para ele, a nova escola “precisa deixar de ser meramente uma agência
transmissora de informações, e transformar-se num lugar de análises críticas, produção e propagação
da informação”.

Logo, as/os alunas/os aprendem a analisar as informações que a escola traz, e não apenas
visualizá-las e internalizá-las. Esse tipo de atitude permanece com o aluno pela sua vida quando ele
entende que no momento que pensa sobre algo, ele tem poder de internalizar aquilo que se mostra
mais relevante conforme sua realidade, e toma para si principalmente o que pode trazer contribuições
para agir no seu contexto.

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O trabalho educacional que é objetivo da educação diz respeito, de um lado, a identificação
dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que
eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais
adequadas para atingir este objetivo (Saviani, 2013. p. 13).

Portanto o estudante deve ser o ponto de partida para qualquer didática, método ou
planejamento adotado na escola. O ato de reuni-los para produzir, direta e intencionalmente,
conhecimento é de suma importância para a formação de cidadãos críticos e reflexivos capazes de
trabalhar os mais diversos tipos de assuntos, até mesmo os mais delicados como a violência contra a
mulher. Mas que atualmente pós-período pandêmico necessita ser debatido, principalmente no âmbito
escolar.

A pandemia fez com que as mulheres ficassem mais tempo em casa, na companhia de
parceiros, tutores e familiares, muitas vezes na companhia de seus agressores, o número de casos e
denúncias sobre violências aumentou significativamente: registros de feminicídio cresceram 22,2% e
os chamados para o 180, Central Nacional de Atendimento à Mulher, aumentaram em 34% se
comparado com o mesmo período dos anos anteriores, de acordo com o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública4.

Uma vez que essas agressões transcendem ao ato físico, os impactos emocionais chegam
também às instituições de ensino, trazendo consigo situações de violência doméstica que se tornam
visíveis no dia a dia da escola. Assim, é preciso trabalhar na base do problema e discutir no sentido
de esclarecer para combater a violência doméstica contra a mulher, planejar ações que proporcionem
o desafio ao modelo patriarcal de sociedade, onde o poder dominante pertence ao homem que
também detém os privilégios de gênero.

O Empoderamento pode ser entendido como o aumento de poder e da autonomia pessoal e


coletiva das mulheres, principalmente daquelas submetidas a violência doméstica, discriminação e
dominação social.

O espaço escolar deve oportunizar e garantir aos estudantes a possibilidade de pensar suas
condições e suas vivências, para que assim comece o processo de

empoderamento, possibilitando a aquisição da emancipação individual e também da consciência


coletiva.

Para Sandenberg (2006), o processo de empoderamento tem como objetivos questionar a


ideologia patriarcal; transformar as estruturas e instituições que reforçam e perpetuam a discriminação
de gênero e as desigualdades sociais; criar as condições para que as mulheres pobres possam ter

4O fórum é uma organização não-governamental, apartidária, sem fins lucrativos, que se dedica a construir um ambiente
de referência e cooperação técnica na área de segurança pública (site: https://forumseguranca.org.br/).

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 50


acesso e controle sobre os recursos materiais e informacionais. Assim, o empoderamento de
mulheres possibilita a libertação das amarras da opressão de gênero, da opressão patriarcal vigente
desde os primórdios da sociedade, garantindo assim a liberdade da mulher de usufruir do seu poder
e direito de escolha.

Berth (2019) vem sintetizar a ressignificação do empoderamento pelo olhar das teorias do
feminismo negro e interseccional. Onde a compreensão e concepção de poder presente no
empoderamento é apreender que a nova lógica não é inverter as relações de poder, mas subvertê-la.
Portanto, empoderar não é somente mudar a dominação, mas sim garantir que as mulheres tenham
autonomia sobre suas escolhas, seus corpos, sua sexualidade, bem como ter o direito de desprezar
o abuso físico, abandonar as decisões unilaterais dos homens, ou seja, ter direitos de serem tratadas
com igualdade entre os gêneros no trabalho, em casa, na mídia, na família e na sociedade como um
todo.

Nesse sentido, observando a necessidade de ações voltadas a essa discussão, o espaço


escolar, é, sem dúvida, o melhor meio para a prevenção e combate a todo tipo de violência contra a
mulher e também o espaço de promoção do empoderamento feminino, tema trabalhado durante o
curso Educação e Diversidade de Gênero: formando para o Empoderamento Feminino.

Desse modo, com base no curso e atendendo ao que está previsto na Lei 8775/2018 (Pará,
2018) que institui no âmbito do Estado do Pará, a primeira semana do mês de março como a semana
dedicada a discutir a igualdade de gênero, com foco em ações que promovam o empoderamento
feminino nas escolas públicas e privadas do Estado. A escola Benjamin Constant promoveu uma série
de ações que incluíram oficinas, palestras, estímulo a pesquisas realizadas pelos próprios alunos,
apresentações de filmes, produção de material educativo, entre outros. Tais ações foram trabalhadas
ao longo dos meses de fevereiro e março de 2023, e envolveu de maneira geral toda a comunidade
escolar.

Visando a garantir que meninas e meninos tenham oportunidades iguais de participar em


atividades extracurriculares, competições acadêmicas e liderança estudantil. A escola Benjamin
Constant defende uma cultura escolar que valorize e reconheça as contribuições de meninas em
todas as áreas, desde as ciências até as artes.

Lei nº 8.775, de 16 de outubro de 2018

O Pará é o 6º estado mais violento do país para as mulheres. A informação é do Atlas da


Violência no Brasil, divulgado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) em 2015. O
índice de feminicídios no Pará foi de 6,4 mulheres mortas a cada 100 mil habitantes no período entre
2005 e 2010. O crescente número de violência contra a mulher vem mobilizando a sociedade em

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 51


busca de ações que promovam maior representatividade do empoderamento feminino para a
diminuição da violência.

Nesse contexto, a Lei 8.775/2018 (Pará, 2018) institui a Semana Estadual do Empoderamento
Feminino que visa promover a igualdade de gênero nas escolas públicas e privadas do Estado do
Pará com atividades socioeducativas com a participação de alunos, professores, pais e comunidade.

A Semana do Empoderamento Feminino deverá abordar ações educativas, culturais, palestras,


seminários sobre direitos humanos, com foco na igualdade de gênero. A programação ocorrerá,
anualmente, excepcionalmente na primeira semana de março, período que antecede ao Dia
Internacional da Mulher.

Percurso Metodológico

Para que toda a comunidade escolar estivesse envolvida na execução do projeto, a escola
Benjamin Constant assegurou que as ações desenvolvidas no período da Semana do
Empoderamento Feminino acontecessem durante o horário das aulas. Dessa forma, foi traçado um
plano de trabalho que envolvesse todas as aulas e docentes durante aquela semana.

Durante a Semana o tema foi abordado sob vários aspectos e olhares em diversos
componentes e diversas áreas do conhecimento. O evento aconteceu no período de 6 a 10 de março
e envolveu várias ações como: palestras, confecção de um panfleto contendo as informações sobre
os tipos de violências descritas na lei Maria da Penha (Brasil, 2006), paródia da música 7 cores,
exibição de filmes e aulas priorizando os objetos de conhecimento do componente em diálogo com o
eixo temático do Empoderamento Feminino.

Houve a visita do Deputado Carlos Bordalo, autor da Lei 8775/2018 (Pará, 2018), que embasou
o curso ofertado pelo CEFOR. Ele participou de uma das rodas de conversa mediada pelos grupos
de alunos do 8º e 9º ano, que debateram as violências contra a mulher previstas na Lei Maria da
Penha, sob a supervisão da professora Mirian das Neves.

As palestras foram mediadas pelo professor Edival Prazeres e promovidas pela Dra. Alyne
Souza e pela Dra. Juliana Machado, advogadas que representam a Comissão da Mulher da OAB-Pa,
para falarem a respeito dos direitos da mulher e da lei Maria da Penha. E a Dra. Dandara Pinho que
ressaltou a importância de falar sobre a dificuldade de acesso da mulher negra ao ensino superior, a
palestra se tornou uma agradável roda de conversa com as turmas de 8° e 9° ano.

Um ponto alto do evento foi a roda de conversa com a Psicóloga Doutoranda pela UFPA, Críssia
Cruz, mediada também pelo professor Edival. A Psicóloga utilizou-se de uma dinâmica que consistia
em as/os alunas/os escolhessem aleatoriamente pequenos cartões coloridos com frases referentes a
questões de gênero e sobre os quais os mesmos deveriam comentar e ao mesmo tempo relacionar a
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situações do cotidiano. A dinâmica fez com que as alunas e os alunos se sentissem tão à vontade que
chegassem a relatar as suas experiências familiares, situações vividas na escola ou de grupos de
amizade.

O componente de Ciências contribuiu debatendo a temática através do filme "Estrelas além do


Tempo, com as turmas do 8º e 9º ano sob a orientação do professor Erick Monteiro, o filme aborda a
história das primeiras mulheres pretas a trabalhar na NASA. Elas contribuíram em demasia para o
projeto do primeiro foguete a ir para a Lua, porém, por conta da cor de sua pele sofreram inúmeras
agruras e os mais variados preconceitos ainda que elas se destacam mais que os homens ou outras
mulheres de pele branca. Ao final da exibição houve uma roda de conversa, na qual os alunos fizeram
analogia da temática do filme com a Semana do Empoderamento Feminino, expondo seus olhares, e
assim compreendendo a importância de se discutir tal temática e tornando a metodologia muito
produtiva.

O componente Inglês ministrado pela professora Adhara Cunha Collyer trabalhou com a
exibição do curta “Vida Maria”, vídeos (em português e em inglês) sobre a história do dia internacional
da mulher, com perguntas para interpretar o vídeo e fixar os principais fatos. As/os estudantes
analisaram alguns cartoons com imagens de machismo e misoginia para identificar o que havia de
inadequado em cada um deles.

A escolha de traçar um plano de trabalho que assegurasse o andamento das aulas no período
da Semana do Empoderamento Feminino mostra que podemos dar a tais temas o tratamento de
objetos de conhecimento, desse modo, consideramos que nós educadores somos atores de
contribuição para a desconstrução de uma sociedade patriarcal e machista que tem gerado
desrespeito, desigualdade e violência contra a mulher.

Empoderando-se

As atividades voltadas para o Empoderamento Feminino, mostraram o quanto é importante


que a escola esteja trabalhando constantemente questões de gênero. E dentro da proposta da lei
estadual, conseguimos pôr em prática algumas ações, tais como, palestras, rodas de conversa,
construção de materiais didáticos, exposição de filmes e divulgação feita pelos alunos nas salas de
aula.

Com relação às informações sobre o tema, deu para perceber o quanto ainda se faz
necessária, na verdade, pode-se dizer que o empoderamento começa por aí, se as mulheres
conhecerem os seus direitos serão menos vulneráveis a situações de desigualdade de gênero e de
violência.

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Durante as atividades voltadas para a Semana do Empoderamento conseguimos promover
palestras e rodas de conversa que foram muito esclarecedoras e serviram como uma forma de
sensibilização da temática. Essa etapa foi interessante, pois a participação dos alunos e alunas foi
muito grande, de tal forma que o debate fluiu espontaneamente, por conta da didática utilizada pelas
palestrantes.

As habilidades de alunos e alunas com artes foram praticadas quando a professora Miriam
propôs a construção de uma cartilha e panfletos (Imagem 1) abordando os tipos de violência contra a
mulher previstos na Lei Maria da Penha.

Imagem - 1: Panfleto produzido pelas/pelos estudantes


Fonte: Arquivo pessoal.

As/os discentes se sentiram preparadas/os a tal ponto que, na Semana do Empoderamento,


se propuseram a fazer a divulgação nas diversas salas de aula, inclusive apresentaram ao deputado
Carlos Bordalo e aos membros da Comissão de Direitos Humanos da Alepa que estavam
acompanhando as ações da Semana do Empoderamento nas escolas. Essa atividade foi importante
para as/os que receberam as informações divulgadas, como também para as alunas e os alunos que
prepararam o material.

Outro ponto importante, foi a participação dos professores das diversas disciplinas,
coordenação, direção, apoio etc. Tal participação mostrou o quanto é importante o trabalho
interdisciplinar em volta da questão da igualdade de gêneros e do Empoderamento Feminino. Vídeos
trabalhados por diversos professores e aulas voltadas para a temática foram muito significativos e
repercutiram na comunidade escolar como um todo, mostrando que o trabalho em equipe só contribui
para o sucesso das ações promovidas pela escola.

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Portanto, podemos afirmar que: Informar é uma das formas mais eficazes de combater qualquer
tipo de violência, por meio de palestras voltadas para o conhecimento da legislação que garante os
direitos às mulheres e que contribuem no combate à violência contra elas.

Considerações Finais

Pensar em escola é pensar em desconstrução e reconstrução social. Discutir, questionar,


conversar são partes desse processo. Não dá para imaginar mudanças na sociedade sem pensar em
uma escola que promova a convivência de pessoas diversas, orientações sexuais diferentes, de
gêneros diferentes onde a mulher seja respeitada e acolhida. Não pode mais haver ambiente para a
violência contra a mulher na sociedade.

Com isso, o empoderamento feminino é um caminho para que a mulher consiga ter seu espaço
na sociedade, ter poder de voz e liberdade de expressão, para que as mulheres se enxerguem e se
aceitem do jeito que são e amem seus corpos. Esse empoderamento passa também por uma questão
econômica, de colocar as mulheres em cargos de liderança e poder, isso ajuda para que as mulheres
comecem a escrever suas próprias histórias, pois a mulher sempre foi vista de forma secundária.

Por muito tempo, apenas os homens eram reconhecidos no mundo e apenas eles estavam no
poder, criavam conteúdos e eram os grandes nomes da sociedade e da cultura. Então se hoje
persistimos em reconhecer as mulheres como produtoras, relatando suas conquistas e colocando a
sua versão dos fatos, é uma maneira de empoderar outras mulheres para que elas não se sintam
reprimidas e busquem por mudanças necessárias para sua evolução, para se fortalecer e fazer suas
próprias escolhas.

Referências

BERTH, Joice. O que é empoderamento? São Paulo: Pólen, 2019.


LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora? novas exigências educacionais e
profissão docente. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
PARÁ. ALEPA. Lei nº 8.775, de 16 de outubro de 2018. Disponível em:
https://leisestaduais.com.br/pa. Acesso em: 4 de nov. 2023.
SANDENBERG, Cecília. Conceituando “Empoderamento” na perspectiva feminista. Transcrição
revisada de comunicação oral apresentada ao I Seminário Internacional: trilhas do
empoderamento de mulheres. Promovido pelo MEIM/UFBA, Salvador, Bahia, de 5 a 10 de junho de
2006. Disponível em:
https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/6848/1/Conceituando%20Empoderamento%
20na%20Perspectiva%20Feminista.pdf. Acesso em: 25 out. 2023.
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica. 11. ed. Campinas: Autores Associados, 2013.

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MAS ELA SE QUER: ABORDANDO O EMPODERAMENTO FEMININO A PARTIR DA PRÁTICA
EDUCATIVA COM QUADRINHOS

Denise Santos de Figueiredo Vale1


Jorge Osvaldo Alcântara Peixoto Filho2
Marcio Alexandre Guedes Fernandes3

Resumo

A partir de trabalhos pedagógicos desenvolvidos por professores e professoras do Ensino Médio Integral da Escola Dr.
Antônio Teixeira Gueiros, realizados entre 2022 e 2023, e com base no curso Educação de Gênero e Diversidade
formando para o Empoderamento Feminino, organizado pelo Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica
do Estado do Pará (CEFOR), desenvolvemos o Projeto “Empoderamento Feminino em Quadrinhos”, esse também
alinhado com a lei estadual 8.775 (Pará, 2018) que orienta o trabalho de empoderamento feminino nas escolas estaduais
e que institui a Semana do Empoderamento. Deste processo resultaram várias atividades interessantes na escola, como
a “Semana do Empoderamento Feminino” e a produção de uma HQ intitulada “Para que ninguém a quisesse, mas ela se
quer” de Marina Colasanti (1999). Como resultado, notamos maior engajamento das/dos alunas/os referentes às tarefas,
além do desenvolvimento de suas habilidades artísticas em textos que agregam várias matrizes de linguagem, como as
HQs.

Palavras-chave: Gênero. Empoderamento Feminino. Quadrinhos.

Introdução

Em maio de 2022, na EEEFM Dr. Antônio Teixeira Gueiros, um grupo de docentes realizou
uma roda de conversa com representantes das turmas dos Ensinos Fundamental e Médio com base
na ação referente ao Plano Estadual de enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças
e adolescentes promovida pela Coordenação das Ações Complementares (CAEC) da Seduc-PA, em
alusão ao Dia Nacional do Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes para
esclarecimentos acerca dessa temática.

Essa roda de conversa encorajou e gerou a denúncia de um caso de abuso sexual por parte
de uma adolescente e expôs dilemas vivenciados pelas estudantes por conta de julgamentos em
relação ao modo de se vestirem e se portarem em público, além de relatarem episódios de
importunação e assédio seja em casa, na rua ou na própria escola.

Nesse mesmo período, alguns professores participaram do curso Educação de Gênero e


Diversidade: formando para o Empoderamento Feminino, organizado pelo Centro de Formação dos

1 Professora da rede estadual de ensino. Licenciada em Letras e Artes pela UFPA e Mestrado em Ciências da Religião
pela UEPA.
2 Professor da rede estadual de ensino. Licenciado e Bacharel em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia – UFPA,

Especialista em Educação Profissional integrada à EJA – IFPA.


3 Professor da rede estadual de ensino. Licenciado em Filosofia pela UCDB-MS, Bacharel e Licenciado em História -

UFPA, Especializado em História Contemporânea - FIBRA.

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Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará) (CEFOR) e, dessa forma, conjugamos a
necessidade de aprofundar os relatos advindos das experiências destacadas pelos estudantes com
a proposta formativa oferecida pelo curso. A partir dessa conjuntura, adaptamos ao tema uma
proposta já formatada no planejamento do Médio Integral da escola, qual seja, a realização de uma
oficina de quadrinhos com o objetivo de produzir uma narrativa gráfica que desenvolvesse as
habilidades artísticas das/dos alunas/os.

Sendo assim, a oficina de quadrinhos seria orientada com o objetivo de mobilizar o


engajamento da comunidade escolar para desenvolver um projeto educativo acerca dos direitos
humanos - voltado para questões de gênero - gerando debates em relação ao movimento feminista,
à cultura do assédio, às práticas machistas do cotidiano e ao ciclo de relações abusivas.

Aliás, a utilização dos quadrinhos como ferramenta pedagógica pressupõe também a própria
problematização da sua produção e mensagem em relação à pauta identitária sobre o feminino.

Nas muitas narrativas que constituem a história das HQs, de seus artistas e de seus
personagens, é recorrente a afirmação de que as mulheres tiveram pouco espaço num meio
dominado essencialmente por homens. Os cânones associados aos vários formatos de
publicação - da tira cômica às graphic novels - são de artistas homens dedicados a produzir
narrativas voltadas para leitores do sexo masculino. O caso das revistas de super-herói seria a
expressão mais representativa do silenciamento da presença feminina nas HQs (Gomes, 2020,
p. 7).

As discussões encaminhadas no processo serviram de base para desenvolver os aspectos


conceituais e pragmáticos para a temática do Empoderamento Feminino. Vale lembrar que o
documento elaborado pela Secretaria de Estado de Educação, no Caderno de Projetos Integrados
de Ensino e Campos de Saberes e Práticas Eletivas, explica que

[...] é importante que a escola ao criar oportunidades para a construção e sistematização dos
conhecimentos ofereça também amplo acesso a informações na sala de aula sobre temáticas
emergentes que traz no seu interior processos sociais de discriminação e preconceitos
presentes na sociedade, como as relacionadas a questões de gênero e diversidade, por vezes
consideradas complexas e, por consequência, silenciadas no ambiente escolar (Pará, 2022, p.
47).

A partir dessa conjuntura, as discussões propostas durante a oficina de quadrinhos


problematizaram aspectos sociais, culturais e históricos que são naturalizados e que violam as
liberdades e a identidade feminina de múltiplas formas. A abordagem sobre gênero e diversidade
esteve em conexão com o contexto escolar, trazendo para o debate realidades vivenciadas,
colaborando para desconstruir percepções do senso comum sobre um assunto que é imperativo ser
debatido em sala de aula.

Muitas alunas presenciam ou são vítimas de episódios de abuso físico e/ou psicológico,
sentem-se rotuladas por sua forma de se vestir ou cobradas para assumir, de forma excessiva,
responsabilidades como as tarefas domésticas e o cuidado com irmãos menores.

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Com efeito, vejamos a tirinha abaixo (Figura 1) que se propõe a tecer uma crítica à
determinada prática da cultura machista no âmbito familiar.

Figura - 1: Tirinha feita por uma aluna


Fonte: Arquivo pessoal.

Percebemos que a tirinha, produzida por uma aluna da segunda série durante o módulo Gênero
e Cotidiano da oficina de quadrinhos, expressa um entendimento crítico acerca da reprodução do
estereótipo da mulher como “rainha do lar”, em que as tarefas domésticas seriam sua exclusividade.
O que chama a atenção na sequência narrativa é que a reprodução de tal lugar-comum do “papel
feminino” é reforçada por outra mulher, no caso a mãe da personagem. Demarca-se assim a
compreensão, por parte da estudante, de como a educação familiar perpetua um ciclo marcado pela
cultura do patriarcalismo.

Essa é a realidade vivenciada em inúmeros lares por mulheres que em sua tripla jornada
(mãe, carreira profissional e donas de casa) experimentam uma forma de exploração que tende a ser
romantizada e condiciona a definição do ser ou não um modelo de “mulher completa”, e que em
determinados contextos é cobrado não só por homens, mas por outras mulheres.

A reflexão vai ao encontro da provocação realizada durante a leitura, no mesmo módulo


temático, da obra Mafalda: feminino singular, uma coletânea de tiras da famosa personagem do artista
argentino Quino (Joaquim Salvador Lavado Tejón) em que se destaca o papel da mulher no mundo
(Figura 1).

Figura - 1: Tirinha de Quino.


Fonte: Quino, 2020, p. 67.

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Na tirinha acompanhamos o dilema do personagem Felipe que entra em crise sobre sua
masculinidade. A questão é posta a partir da consideração se cumprir determinada tarefa doméstica,
no caso cuidar da louça, é coisa de “mariquinhas”. Destacamos, nesse ponto, a fala de um dos
docentes durante o debate em torno do assunto:

“Trago um relato pessoal para ilustrar como a minha educação na infância e adolescência
também compactuou com essa noção que ao homem cabem outras funções que não as
atividades rotineiras da casa, onde cozinhar, varrer, lavar louça, sempre foram atividades
reservadas para as minhas irmãs e eu só cuidava de sair para fazer compras na mercearia,
pagar contas, essas coisas. Depois, seja pela necessidade de lidar com outros contextos e,
também, por uma tomada de consciência, entendi que não é demérito algum para o homem
assumir essas responsabilidades em casa, na verdade é até respeito e apreço pela
companheira” (Relato de professor).

De fato, em famílias que são compostas por casais de filhos homens e mulheres a tendência
é de que os primeiros, por se habituarem a não realizar tarefas domésticas, reproduzam esse
comportamento na vida adulta e assim continuam a naturalizar como uma conduta padrão. Até
mesmo a postura, o modo de se vestir, o falar e os espaços ocupados refletem esse efeito
condicionante da cultura em relação a como as identidades com base no gênero devem funcionar.

É a chamada pedagogia de gênero que tende a cristalizar atitudes adequadas ao ser homem
e ao ser mulher. Inicia-se já na infância com definição de cores conforme o sexo ou uso de
determinados tipos de brinquedos para menino ou menina. Para muitos, por exemplo, é estranho que
uma menina peça um carrinho de controle remoto para brincar em vez de um kit de cozinha, que
seria o “mais natural”.

Para desconstruir tais práticas e representações, é inescusável uma efetiva inflexão em relação
à crença de que a mulher dá conta de tudo ao mesmo tempo. Isso implica que quando o homem
participa e divide responsabilidades que foram estabelecidas como próprias do feminino, não significa
que está perdendo sua “essência de macho” e nem que precise ser valorizado de forma diferenciada
superestimando suas ações, mas que compreende a corresponsabilidade como uma forma de
desconstrução de visões essencialistas e socialmente injustas em relação a desigualdades de gênero
perpetradas por dogmas patriarcais.

Decerto, na condição de educadores envolvidos no projeto, entendemos igualmente a


necessidade de uma auto-análise de nossos discursos e atitudes devido ao fato de constantemente
sermos confrontados com a necessária avaliação do quanto a herança de uma construção social e de
estruturas de poder centralizadas no masculino ainda estão enraizadas em nossas práticas educativas
e como é fundamental a consciência dessas permanências para propor um processo de ensino-
aprendizagem que considere a compreensão da identidade feminina na sua especificidade e
multiplicidade no intuito de garantir suas vozes e protagonismo.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 59


Apoderar para empoderar

Dentre vários fatores preponderantes ao acesso do conhecimento para alcançar o


esclarecimento e fomentar o discurso com criticidade, constituindo elementos notórios à informação a
partir do processo formador da oficina de quadrinhos. Destaca-se o debate sobre os referenciais da
cidadania e dos direitos individuais e/ou coletivos que representam e protejam o gênero feminino
diante das diversas práticas sociais e culturais do machismo e seus desdobramentos.

Um dos momentos em questão refere-se ao tratamento de conceitos sociológicos e jurídicos


relacionados à experiência do cotidiano das estudantes participantes, no qual vivenciaram situações
de importunação e assédio sexual como fatos recorrentes a partir dos relatos pessoais compartilhados
na convivência em sala de aula. Desta forma, mostrou-se necessário trazer temas como a violência
simbólica e psicológica manifestada em coerções e coações de cunho machista e misógino,
considerando a possibilidade de dialogar com os enfrentamentos subjetivos diante da objetificação da
mulher na sociedade.

Apropriar-se do conhecimento para ter consciência e posicionamento perante as intempéries


da realidade, principalmente no que concerne às condições da desigualdade de gênero em sociedade,
identificando os diversos locais de incidência da violência contra as mulheres, nas grandes e pequenas
cidades, em suas bordas periféricas, nas ruas e no núcleo familiar. Assim, a partir do diálogo e
compartilhamento de fatos informativos por meio da progressiva legislação moldada às mudanças e
exigências de uma nova cidadania para o Século XXI, no qual traz um arcabouço jurídico de proteção
e amparo às mulheres.

Foi exposto, nesse momento oportuno, o conjunto de leis que tem como objetivo assegurar a
dignidade e o respeito à integridade plena feminina. Propostas que foram criadas em consonância
com os apelos e episódios, lamentáveis, das variadas manifestações da violência contra as mulheres.

Na vigente legislação temos como marco referencial a difundida Lei Maria da Penha – Lei
11.340/2006 (Brasil, 2006), que foi criada para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher,
estabelecendo medidas de assistência e proteção. Em seguida, entrou em debate a Lei Carolina
Dieckmann – Lei 12.737/2012 (Brasil, 2012), que tornou crime a invasão de aparelhos eletrônicos para
obtenção de dados particulares e íntimos, assim como a divulgação e compartilhamento de material.
Outro tema importante tratado foi sobre a Lei 13.718/2018 tornou crime a importunação sexual, que é
caracterizada como o ato libidinoso praticado contra alguém, sem a autorização da vítima, com o
objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.

Em correlação a lei anterior, temos a caracterização do assédio sexual como crime no Brasil,
definido no artigo 216-A do Código Penal como “constranger alguém com o intuito de obter vantagem
ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou
ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 60
É preciso observar que existem outras iniciativas e dispositivos na legislação que estão
seguindo a obtenção de guarda-chuva de proteção à dignidade e qualidade de vida das mulheres em
sociedade. O caminho é árduo e longo, pois os movimentos e marés da sociedade seguem o ritmo da
democracia com riscos a retrocessos e pressões políticas opostas. Porém, há um evento em pujante
processo de construção do conhecimento e das oportunidades de direitos equânimes entre homens e
mulheres.

Entre gêneros: crônica, HQ e feminismo

Convém evidenciar, no que tange ao percurso metodológico adotado, inicialmente o critério


para a seleção dos estudantes envolvidos no projeto. Esta ocorreu por meio de uma triagem que
levou em consideração a aptidão dos discentes em relação ao gosto pelo desenho, pela criação de
narrativas e da leitura, especialmente de hqs. Foram realizadas inscrições em todas as turmas do
Médio Integral e assim se formou um grupo bastante heterogêneo que incluía alunas/os que se
dedicavam à tatuagem, desenhistas de retratos, jogadores de RPG, entusiastas de fanzines e até os
famosos rabiscadores de carteira.

Com base em um questionário, procurou-se delinear um perfil dos participantes e sondar


alguns de seus interesses com perguntas sobre leituras preferidas, contato prévio com os quadrinhos,
expectativa em relação à oficina, assunto que gostariam de abordar, etc.

Destacamos, ainda, que a metodologia durante as oficinas se estruturou a partir de uma


sequência didática que se iniciava com a leitura de um texto motivador realizada para conduzir uma
primeira provocação sobre o tema do módulo em questão e se acordou para essa ocasião concorrer
o gênero crônica; depois, a reflexão era direcionada para uma HQ que se alinhava ao objeto de
discussão e cuja leitura era combinada de forma antecipada.

Essa dinâmica teve como escopo a proposta de composição de roteiro e arte para uma HQ a
partir das leituras e considerações decorrentes dos módulos 4; a fim de dispor de um dos objetivos
inerentes ao projeto, qual seja, a promoção da educação literária, o exercício da interpretação textual,
o incentivo à produção gráfica utilizando como ferramenta pedagógica as histórias em quadrinhos.

Cabe pontuar aqui a seguinte admoestação sobre o uso do quadrinho como instrumental
desencadeador para a fala dos estudantes na prática educativa.

4Clique aqui para acessar a HQ produzida pelas/pelos alunas/os e professoras/es do MI da escola Dr. Antônio Teixeira
Gueiros.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 61


[...] a utilização dos quadrinhos na educação ainda necessita de reflexões que subsidiem
práticas adequadas e levem a resultados concretos em relação ao aprendizado. Ter álbuns e
revistas de quadrinhos disponíveis nas salas de aula ou nas bibliotecas escolares não implica,
necessariamente, no uso correto do material por parte dos professores. É sempre bom lembrar
que as histórias em quadrinhos são produzidas para públicos diferenciados (infantil,
adolescente ou adulto) e, portanto, não podem ser usadas indiscriminadamente (Santos;
Vergueiro, 2012, p. 84).

A oficina, projetada inicialmente para abranger seis módulos, teve que ser readaptada (por
questão de cronograma e adequação do material) para apenas três módulos assim definidos: módulo
I – Empoderamento feminino, módulo II – Cultura do assédio e módulo III – Gênero e cotidiano. É
conveniente destacar que complementar a essa sequência didática dos módulos a estrutura
metodológica do projeto comportava também, em paralelo, um curso de linguagem e ilustração dos
quadrinhos, ministrado por profissionais da área.

Mediante ao que foi delineado acerca da estrutura metodológica do projeto, iremos pontuar
algumas mediações a partir das falas e produções dos estudantes a fim de evidenciar como estes
ainda assimilam determinados conceitos e posturas de forma convencional em relação ao proposto
acerca das questões de gênero. Vejamos, no módulo “Cultura do assédio” apresentamos aos
participantes da oficina a crônica do jornalista Guilherme Goulart intitulada "A Estagiária” (2017).

Essa crônica foi publicada em setembro de 2017 no jornal Correio Braziliense 5 e expunha
como uma estagiária chamada Melissinha era descrita de forma objetificada no ambiente da redação
de um jornal. O início da crônica exprime a tônica do conteúdo.

Primeiro dia de trabalho. Melissa, estudante de comunicação social de uma faculdade particular
de Brasília, logo mostrou a que veio. Decotinho perverso, coxas de fora, pezinhos docemente
acomodados em sandalinhas rasteiras. Como se estivesse em uma passarela, a mocinha de
19 anos – recém feitos – desfilou a balançar os quadris para lá e para cá, para cá e para lá.
Escondia o nervosismo com o andar tão leve e brilhante quanto pluma e paetê. Melissa se
apresentou à coordenação de pauta da editoria de Cidades no início tarde, horário de repórter
na rua. Mas os poucos representantes da fauna masculina não decepcionaram o restante da
matilha (Goulart, 2017).

O fato é que a crônica recebeu uma série de críticas por exaltar o assédio no ambiente de
trabalho, o que a fez ser retirada do site do jornal e o autor em seguida publicar uma retratação, em
que afirmava que o objetivo do texto era justamente o contrário, ou seja, chamar a atenção para a
continuidade de tais condutas. Esse contexto foi posteriormente explicado aos discentes; entretanto,
a observação de um aluno a respeito do texto indicou a persistência de uma estigmatização que
culpabiliza a mulher por “provocar” o assédio, o que tivemos de refutar com reflexões que mostraram
que não é assim e que esse estigma não leva a nada.

Outrossim, em uma atividade da oficina de quadrinhos que visava dimensionar a compreensão

5 Para mais informações, acessar: https://revistaforum.com.br/midia/2017/9/11/correio-braziliense -publica-crnica-de-


cunho-machista-alimenta-cultura-do-estupro-22927.html.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 62


dos estudantes acerca do significado de empoderamento feminino, percebemos que alguns
entendiam o empoderamento como uma espécie de machismo invertido no qual a mulher deveria
assumir o papel de opressora. A Figura 3 ilustra o trabalho feito.

Figura - 1: Tirinha produzida por um aluno


Fonte: Arquivo pessoal.

Obviamente, entendemos que o aluno tem clareza que a mulher precisa se posicionar diante
de certas circunstâncias; todavia, não deixou de ser um desafio no processo da oficina esclarecer para
os estudantes que empoderamento feminino não significa algo semelhante a “masculinizar a mulher”,
mas trazer para o debate de sala de aula o combate às desigualdades e violências contra o gênero
feminino e mostrar que a mulher pode e deve ser protagonista da sua história. Tal é a divisa do
feminismo.

De modo preliminar, a composição da HQ seria baseada em uma das crônicas contempladas


durante a oficina e a preferência dos estudantes foi pelo texto Para que ninguém a quisesse, da
escritora Marina Colasanti. A proposta seria elaborar um roteiro a partir de uma livre adaptação,
valorizando as impressões das/dos alunas/os em relação à narrativa da escritora. Com esta premissa,
logo se questionou a respeito de uma mudança no título, pois a leitura dos estudantes era que o
empoderamento feminino implicava que a mulher primeiro tinha que se querer, isto é, valorizar a si
própria e não prioritariamente agradar o homem, por isso o complemento mas ela se quer foi
acrescentado ao título da HQ.

Como a crônica trata de um relacionamento abusivo, compreendeu-se que era necessário


também explicitar no roteiro as diferentes formas de violência pelas quais a mulher passa e que, nesse
sentido, a violência física é apenas uma faceta de um ciclo gradual de constrangimentos e

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 63


improbidades alimentado por um sentimento de posse sobre o outro.

A percepção de que o empoderamento feminino pressupõe uma consciência de si, isto é, da


própria identidade que muitas vezes passa a ser anulada por uma submissão aos desejos do homem
motivou os discentes a atribuírem um nome a protagonista, no caso Rosa, o que não ocorre na crônica.

Outro aspecto observado na criação do roteiro da HQ foi a compreensão por parte dos
estudantes que o empoderamento feminino ocorre a partir da dinâmica da sororidade, isto é, da
confiança, solidariedade e acolhimento entre mulheres. Na HQ, tal intuição é retratada quando a
personagem Rosa, a partir de uma reportagem, acessa um site com relatos de mulheres que
passaram por relações abusivas e se sente encorajada a virar aquela página de sua vida.

Mulheres na literatura

Embora cientes de que a abordagem desse relato de experiência se pauta pelo projeto
Empoderamento Feminino em quadrinhos é necessário destacar que muitas outras ações educativas
relacionadas à temática foram desenvolvidas no âmbito escolar, tanto em sala de aula como na
culminância da Semana da Mulher em março de 2023 com o tema Empoderamento Feminino:
autoestima e engajamento. Apresentamos, dessa forma, uma dessas intervenções pedagógicas, que
esteve em consonância com o projeto e foi essencial na estruturação do mesmo, a partir das nossas
considerações em sala.

Ao ministrar aulas de Literatura Brasileira desde 2008 nas escolas públicas do estado do Pará,
nunca notamos em nossa escola uma aluna ou um aluno questionarem o lugar das autoras brasileiras
e o porquê de elas aparecerem a partir do Modernismo. Este questionamento rendeu debates acerca
do feminismo, questão de gênero, questão de pseudônimos e anonimatos na Literatura.

No mundo pós-pandêmico, nossas/nossos jovens começaram a questionar, além dos lugares


de fala das autoras mulheres, seu próprio lugar de fala como meninos e meninas de periferia que não
tem voz, assim como essas mulheres há tão pouco tempo.

Desta forma, a partir de 2022 começamos um trabalho de trazer fortemente autoras da


Literatura Brasileira e Paraense para falar conosco em sala de aula através de suas obras. E este
trabalho foi muito inspirador para os alunos e, principalmente, para as alunas que, a partir da leitura
mais profunda de Conceição Evaristo “Olhos d’água” (2016), de Cecília Meireles “Cânticos e outros
poemas” (2001), de Maria Lúcia Medeiros “Zeus ou a menina e os óculos” (1988), de Clarice Lispector
“A Hora da Estrela” (1984) e de Marina Colasanti “Para que ninguém a quisesse” (1999),
começassem a perceber que podemos sim criar literatura na periferia e sermos vozes de nossos
próprios anseios por melhorias na educação e em nossas vidas diárias.

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O empoderamento feminino inicia na hora de acreditar que podemos escrever nossa própria
história e que podemos, sim, ser ouvidas pelo máximo de pessoas que alcançarmos. Inclusive uma
das alunas roteiristas dos quadrinhos, em depoimento ao final da oficina, disse que não acreditava
que os meninos fossem produzir uma HQ, ela sempre foi incrédula em relação a isso. Achou que
ficaria tudo no plano das ideias e, quando viu a HQ materializada, ficou tão surpresa e entendeu que
um trabalho feito coletivamente e com um certo esforço por parte de todos os participantes pode
resultar em muitas coisas boas realizadas.

A falta de recursos financeiros foi um dos empecilhos, mas com a ajuda coletiva, tudo se
realizou e isto, para ela, foi um dos grandes aprendizados ao final deste processo. A nossa principal
desenhista da HQ é uma mocinha muito tímida e introspectiva e, com o processo de construção da
revista, também começou a participar mais, inclusive de eventos e passeios da escola e, pela primeira
vez, a vimos sorrir com gosto e parecer feliz por todo o processo ocorrido nos últimos meses de
construção e produção de nossa obra coletiva.

Então, nota-se que ler literatura produzida por mulheres já nos mostra os caminhos para o
empoderamento; já o fato de produzir literatura nos coloca no lugar do empoderamento feminino,
pois agora nós expressamos nossas dores e desilusões, anseios e decepções, damos vozes à
menina periférica com suas experiências de fuga de abusos ou assédios, sua sobrevivência e
resistência num mundo ainda muito machista em que escutam que não são capazes e que nunca
serão nada na vida, apenas por serem mulheres. E na literatura o movimento de dar voz às mulheres
começou apenas no século XX.

Nesse novo cenário, a literatura foi fundamental para pôr em discussão o papel implantado em
torno da mulher. Com isso, nesse movimento, de maior efervescência no século XX, começam
a manifestarem-se escritoras que passaram a produzir obras que põe em debate a posição
secundária e subalterna da mulher na sociedade, buscando suscitar no leitor novos pontos de
vistas a respeito da identidade feminina fundada pelo discurso patriarcal (Sousa et al., 2019, p.
32)

Durante o ano de 2022, já como forma de embasar o projeto de empoderamento, começamos


as formações literárias nas turmas de Médio Integral com gêneros distintos e autoras escolhidas a
dedo para suscitar os debates e até desconfortos necessários para que os jovens pudessem verificar
na prática que Literatura é feita não só por homens ricos e nobres como ocorria no início da Literatura
Brasileira, mas também por mulheres pobres, negras e periféricas.

Dessa forma, começamos com o livro de contos “Olhos d’água” de Conceição Evaristo (2016),
em que as/os estudantes se depararam com contos curtos e nevrálgicos que geraram incômodo de
tal modo que algumas/alguns diziam preferir não ter lido, outras/outros choraram e outras/outros
queriam reescrever os contos para o final não ser tão triste, disseram. Falou-se nesse período da
estrutura do conto, da concepção dos personagens, da construção do olhar feminino, negro e
periférico a partir da obra desta autora.
Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 65
Também trabalhamos com autoras do modernismo que romperam barreiras antes tão visíveis
para as nossas escritoras, pois nos movimentos literários anteriores as mulheres não tinham nem
voz nem vez, algumas precisaram de pseudônimos para escrever algo e publicar. Mas as coisas só
começaram a melhorar no modernismo.

Nesse período, a experiência feminina no campo literário levou as mulheres, até então
segregadas e emudecidas, a libertar-se na ficção e a emitir indagações sobre os discursos
absolutos, evidenciando as condições “de funcionamento, desmascarando os processos de
naturalização das diferenças hierarquizadas de gênero e, consequentemente, problematizando
o cânone literário estabelecido” (Rossini, 2016, p. 2).

Dessa forma, trabalhamos em sala de aula autoras como Cecília Meireles e Clarice Lispector,
fundamentais para as/os alunas/os entenderem o processo de construção da escrita feminina no
panorama literário brasileiro a partir do século XX. Suas lutas e sua escrita repercutem até hoje,
formando as novas gerações que vieram, inclusive, Marina Colasanti, a escritora base de nossa HQ.

Escolhemos uma crônica de Marina Colasanti intitulada “Para que ninguém a quisesse” (1999)
e primeiro focamos na estrutura da crônica, na distinção entre conto e crônica ou crônica e notícia de
jornal. Falamos da relação da crônica com o tempo, origem do nome vem de Khronos (Deus grego
relacionado ao tempo).

Então a crônica sendo uma narrativa mais curta e direcionada para acontecimentos daquele
período em que foi escrita poderia perder o encanto ou o sentido depois de alguns anos, mas
analisamos com as/os alunas/os que a crônica de Marina era muito atual, já que ainda hoje muitos
homens tentam silenciar suas mulheres e deixá-las tão sem graça e sem vida que mais parecem um
móvel da casa. Daí para chegar em graus mais severos como crimes de feminicídio temos uma linha
tênue.

Assim, também utilizamos como base de nossa HQ um poema de Cecília Meireles “Retrato”
(2001), além da crônica de Colasanti (1999), criando assim uma intertextualidade com produções
destas autoras. Desta forma, as/os discentes puderam continuar seu processo criativo, falando do
que escolheram em nossas rodas de criação: relacionamentos abusivos e tóxicos, silenciamento da
mulher, conscientização do processo abusivo, procura de ajuda, empoderamento, superação. Desta
forma, a partir de uma HQ, nossas/nossos estudantes quiseram conscientizar outras mulheres sobre
o que é um relacionamento abusivo e como se empoderar e superá-lo. Mas para isso tiveram a base
de reflexão e inspiração grandes autoras da Literatura Brasileira e seu trabalho de empoderar o
público feminino a partir de sua existência literária num país extremamente machista e a partir da sua
resistência por meio de sua escrita.

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Empoderamento: protagonismo e representatividade. Palavras finais

O projeto Empoderamento Feminino em quadrinhos foi o núcleo de onde se propagou e


ampliou o debate na escola acerca da questão de gênero. Procuramos junto aos estudantes não
chegar com “verdades prontas”, mas apresentar critérios e qualificar a discussão para ressignificar
uma visão de mundo que faz perdurar em nossa sociedade uma distorção sobre a luta do movimento
feminista. Iniciamos esse projeto com um horizonte de expectativas.

Percebemos que entre as metas traçadas e o caminho percorrido foi preciso rever, com a
prática do chão da escola, outras abordagens frente a diferentes variáveis: transferências de
estudantes durante o ano, falta de recursos financeiros para o aporte humano e material, calendário
letivo atribulado com prazos apertados, falta de empenho de algumas/alguns discentes nas
atividades solicitadas, etc.

Todavia, reputamos como fecundo o trabalho desenvolvido e ressaltamos sempre o papel de


protagonistas que nossos estudantes assumiram no intercurso do projeto. Uma dessas pessoas foi
a aluna Jhennyfer que começou desde cedo a produzir seus quadrinhos de forma independente e
criou uma personagem que busca montar um negócio próprio enfrentando a resistência do pai, o que
nas entrelinhas, percebemos traduzir uma aspiração pessoal.

Comentando a respeito de sua produção e participação na oficina de quadrinhos Jhennyfer


expressou o seguinte:

Produzo meus quadrinhos pelo celular com o aplicativo ibis paint x (...) Bárbara é uma
personagem forte e curiosa pelo fato de seu pai mudar constantemente. Ela é uma super-heroína
e uma de suas paixões é seu gato de estimação. Ela também gosta de fazer bolos e ama seu
amigo Frenk. Essa personagem surgiu como criação do meu irmão que gostava de me ajudar a
fazer os roteiros. A Bárbara representa a força feminina (...) Ela, junto com sua mãe e irmão
cuidam de uma cafeteria e ela é a super-heroína da cidade (...) A oficina foi uma oportunidade
de aprender cada vez mais sobre narrativa e arte participando de algo que eu gosto. A
mensagem é que toda mulher pode ser o que ela quiser (Relato de aluna).

Por fim, avaliamos que o projeto favoreceu a troca de experiências e visões da realidade
acerca do espaço escolar e da vida social em torno da equidade de gênero, isso nos levou a perceber
o nível de complexidade do assunto e a tarefa hercúlea em semear o debate e implementar ações
de esclarecimentos na tentativa de educar o pensamento e as atitudes em relação ao tratamento e a
condição das mulheres na sociedade.

É uma obrigação trazer ao debate o devido respeito e a necessidade de implementar direitos


plenos a partir do atual cenário político e a exigência dos movimentos sociais, tendo presente as
situações concretas enfrentadas pelas mulheres no processo de empoderamento. Acreditamos que
esse é o passo inicial e o papel da educação para a necessária mudança que se almeja no tocante
ao gênero feminino e seus direitos.

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Referências

PARÁ. SEDUC. Caderno de Projetos Integrados de Ensino e Campo de Saberes e práticas


Eletivos da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – Etapa Ensino Médio – Orientação
para escolas da Rede Estadual de Ensino Médio do Estado do Pará (2022). Belém: SEDUC-PA, 2022.
BRASIL, Presidência da República. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Brasília: Presidência da
República. Secretaria-Geral, 2006. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em 19 out. 2023.
BRASIL, Presidência da República. Lei Nº 12.737, de 30 de novembro de 2012. Brasília: Presidência
da República. Secretaria-Geral, 2006. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/l12737.htm. Acesso em 19 de out. 2023.
LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1984.
MEDEIROS, Maria Lúcia. Zeus ou a menina e os óculos. São Paulo. Roswitha Kempf: 1988
MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Organização de Antônio Carlos Secchin.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 2 v.
COLASANTI, Marina. Para que ninguém a quisesse. In: _____. Um espinho de Marfim & outras
histórias. Porto Alegre: L&PM, 1999.
GOMES, Ivan Lima. Mulheres e(m) quadrinhos: caminhos e perspectivas historiográficas.
Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 12, n. 31, p. e0107, 2020. DOI:
10.5965/2175180312312020e0107. Disponível em:
https://revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180312312020e0107. Acesso em: 19 out.
2023.
EVARISTO, Conceição. Olhos d'água. Pallas Editora, 2016.
PARÁ. Documento Curricular do Estado do Pará. CEE: Belém, 2019. Disponível em:
https://www.seduc.pa.gov.br/site/public/upload/arquivo/probncc/ProBNCC_DCEPA-
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QUINO. Mafalda: feminino singular. Martins Fontes, São Paulo, 2020.
ROSSINI, T. N. A construção do feminino na literatura: representando a diferença. Trem de
Letras, v. 3, n. 1, p. 97-111, 11 jul. 2016.
SANTOS, R. E. dos; VERGUEIRO, W. de C. S. Histórias em quadrinhos no processo de
aprendizado: da teoria à prática. EccoS – Revista Científica, [S. l.], n. 27, p. 81–95, 2012. DOI:
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Acesso em: 19 out. 2023.
SOUSA, A. L. de et al. Empoderamento feminino: um estudo dos contos “Corpo Inteiro” e “Chuvas e
Trovoadas" de Maria Lúcia Medeiros Trovoadas” de Maria Lúcia Medeiros. Revista A Palavrada. A
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TECENDO DIÁLOGOS PARA O EMPODERAMENTO FEMININO
Cleice do Socorro Abreu Maciel1

Resumo

Este relato pretende apresentar de forma reflexiva uma experiência vivenciada na escola Dilma Catete a partir do Projeto
“Escola: Tecendo Diálogos sobre o Empoderamento Feminino para o Enfrentamento das violências contra a mulher”.
Fundamentado na Lei Nº 8.775/2018 (Pará, 2018) que institui no âmbito das escolas públicas e privadas do Estado do
Pará a Semana do empoderamento Feminino, de autoria do Deputado Bordalo. A presente experiência deu-se por meio
de rodas de conversa, pesquisas, apresentações de seminários, aplicação de questionários, análise de dados
estatísticos, oficinas e apresentações artísticas, envolvendo diferentes áreas do conhecimento e realização de parcerias
com outras entidades para abordagem dos temas. As discussões teóricas fundamentam-se em textos, periódicos,
diversos recursos e referenciais sugeridos e trabalhados durante o Curso Educação de Gênero de Diversidade para o
Empoderamento feminino, dados estatísticos disponibilizados no Site do Governo e Ministério dos diretos Humanos e da
Cidadania entre pesquisas realizadas pelos estudantes e professores envolvidos no projeto. Apresentou como resultado
a cooperação, engajamento e protagonismo discentes.

Palavras-chave: Diálogo. Empoderamento Feminino. Oficinas.

Introdução

O presente trabalho Tecendo diálogos para o empoderamento feminino foi uma experiência
vivenciada com as/os alunas/os de 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio da Escola Estadual de Ensino
Fundamental e Médio Dilma Catette onde atuo como professora de Arte e de Projeto de vida.

Essa temática é resultado do Projeto “Escola: Tecendo Diálogos sobre o Empoderamento


Feminino para o Enfrentamento das violências contra a mulher”, pensado e implementado após
participar da formação continuada Educação de Gênero e Diversidade para o empoderamento
feminino, ministrado pelos Professores Salier Castro, Nazaré Fernandes, Patrícia Cavalcante, Lilian
Godinho, Ruth Helena Almeida, e Marcello Paul Casanova, abordou temáticas como Direitos
Humanos e Gênero; Invisibilidade Feminina e Políticas Públicas para Educação das Relações de
Gênero; Relações de Gênero Interseccionalidade e Sexualidade e Literatura e Gênero.

A escola enquanto espaço de formação para a vida, deve orientar os estudantes munindo-os
de informações, para que possam compreender criticamente o mundo e transformar a sociedade.

Esta orientação no mundo só pode realmente ser compreendida, na unidade dialética entre
subjetividade e objetividade. Assim entendida, a orientação no mundo põe a questão das
finalidades da ação ao nível da percepção crítica da realidade (Freire, 2021, p.67)

1Graduada em Licenciatura Plena em Teatro Pela Universidade Federal do Pará-UFPA; Professora efetiva, classe I-
Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC), lotada na Escola Dilma de Souza Catette; Atriz-palhaça do Grupo
Palhaços Trovadores- Militante dos direitos da criança e do adolescente.

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Essa experiência pedagógica com a intenção de “Promover diálogos sobre a paridade de
gênero no espaço escolar, a partir da Lei Nº 8.775 de 2018 (Pará, 2018), teve como objetivo geral
compreender a importância do empoderamento feminino como forma de combate à violência contra a
mulher, e como objetivos específicos: Realizar diagnóstico sobre os tipos de violência contra a mulher
junto aos estudantes do ensino médio; Envolver os estudantes do 2ª ano do ensino médio em pesquisa
com aplicação de questionário com intuito de gerar dados estatísticos a respeito das formas de
violência contra mulheres (componentes arte e matemática; Realizar três rodas de conversas sobre
os temas: Diversidade de gênero, violências contra a mulher; participação da mulher na política; e
sobre produções literárias femininas (componentes: Arte, português, inglês, educação física); Produzir
e apresentar esquetes teatrais sobre as temáticas discutidas; Produzir uma coreografia de dança com
a Música “Triste, louca ou má” (componentes: Educação Física e Arte); Apresentar o resultado
estatístico da pesquisa realizada pelas/pelos alunas/os do 2º ano a comunidade escolar; Realizar
análise e apresentação de letras musicais em inglês, com temáticas relacionadas ao empoderamento
feminino, com as turmas do 1º ano do Médio (Disciplina Inglês); Realizar uma semana da mulher com
rodas de conversa e programação cultural em alusão ao dia 8 março; e Sistematizar os relatórios e
produzir artigos de relatos de experiencias e atividades do projeto.

Fundamentação Teórica

As discussões teóricas fundamentam-se em textos, periódicos, diversos recursos e referenciais


sugeridos e trabalhados durante o Curso Educação de Gênero de Diversidade para o Empoderamento
feminino, entre eles: Diferentes, não desiguais a questão de Gênero nas Escolas de Beatriz Lins,
Bernardo Machado e Michele Escoura, a partir das percepções dos estudantes sobre relações de
gênero no cotidiano da escolar, entendendo a reprodução e legitimação de preconceitos construídos
socialmente em frases como: “menino não chora’ ou “toda a mulher quer ser mãe, “meninas são
vaidosas” e “meninos são agitados” e fortalecendo as “desigualdades de gênero” e desqualificando e
inferiorizando mulheres a fim de supervalorizar estereótipos de masculinidade. Outra referência usada
para fomentar esse debate foi: “Os Brinquedos e Estereótipos que ensinamos a nossos filhos e as
nossas filhas”, de Carolina Vicentin.

Para abordagem dos temas a respeito das violências de gênero e feminicídio, foram usadas
notícias de jornais locais e nacionais, além de dados estatísticos do disponibilizados pelo Site do
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos atualmente, Ministério dos diretos Humanos
e da Cidadania, com informações complementadas pelos estudantes com a realização de pesquisas
sobre as tipificações e características das violências sofridas por mulheres.

O texto “Para que ninguém a quisesse”, de Mariana Colasanti (1999). Sempre iniciava a roda
de conversa, como uma espécie de introdução reflexiva, a temática, para que os participantes

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percebessem que a violência não necessariamente é só física.

Percurso Metodológico

A presente experiência ocorreu em junho de 2022 com oficinas de sensibilização com os


discentes e docentes da escola Dilma Catete. Depois, vivenciamos um outro momento importante
para consolidar a adesão de nossa instituição de ensino ao projeto, ao recebermos a visita dos
professores formadores do CEFOR – Salier Castro e Marcello Casanova.

Ressaltamos que a estrutura física da escola estava muito comprometida, os espaços


encontravam-se em condições muito precárias de funcionamento. Com a reforma parada, estávamos
desestimulados, pois não havia previsão de recursos para dar suporte às atividades pedagógicas, as
aulas estavam acontecendo nos espaços pedagógicos (Sala de vídeo, Biblioteca e Laboratório de
Ciências da Natureza), e em sistema de revezamento de turmas. Contudo, aderimos de imediato ao
desafio de implementar o referido projeto em nossa escola.

Essa ação pedagógica foi desenvolvida da seguinte maneira. A priori, vivenciamos as


atividades do projeto junto aos estudantes envolvidos. Depois, foram realizadas pesquisas, rodas de
conversas e entrevistas com moradores do entorno da escola.

Em seguida, refletimos juntos, e pudemos perceber a nossa imersão numa sociedade patriarcal
em que a escola reproduz isso, quando não reconhece as violências de gênero em suas relações
cotidianas. A atuação dos estudantes nesse processo todo foi participativa, democrática, colaborativa,
protagonista.

Eles trouxeram exemplos de relações de violência de gênero vivenciadas em suas casas, a


maioria delas recorrentes de gerações passadas, fruto da cultura do patriarcado. No decorrer das
rodas de conversa, identificamos situações de violências contra alunas no seio familiar, na escola e
na comunidade.

Essa constatação foi notada nos depoimentos reflexivos, repletos de descobertas e


confidências dolorosas, os quais em alguns momentos foram silenciados pela falta de preparo e
acolhimento da equipe escolar, por desconhecimento ou por preconceito; pois o espaço escolar, é
carente de escuta qualificada para atender estudantes vítimas de violências, e poder dar o devido
encaminhamento e articular com a rede o acesso às políticas públicas de atendimento, ou a realização
das denúncias; nesses termos, conforme Paulo Freire (2021, p.143), “o conhecimento envolve
constante unidade entre a ação e reflexão sobre a realidade”.

Após as orientações do último módulo intitulado Pedagogia de Projeto, ministrado pelo


Professor Marcello, no curso sobre o Empoderamento feminino, iniciamos a elaboração do projeto

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 71


“Escola: Tecendo Diálogos sobre o Empoderamento Feminino para o Enfrentamento das violências
contra a mulher” e a seguir apresentamos como ocorreu todo esse processo (Figura 1).

Figura - 1: Bate papo com os discentes


Fonte: Arquivo pessoal.

Nesse bate-papo, observamos a ambientação do espaço, com as cadeiras dispostas em forma


circular, com a escuta da música “Triste Louca ou má”2 composição de Francisco, El Hombre. Para
suscitar a discussão sobre os textos e a letra dessa música, distribuímos trechos de textos de
periódicos da década de 60 e 80 para leitura, que faziam referência às mulheres como submissas,
atribuindo-lhes responsabilidades do lar, como cuidar dos filhos e do marido.

Após ouvir a música e a leitura dos textos, iniciamos o debate a respeito dos textos e da letra
da música considerando a condição das mulheres na sociedade atual.

Nesse sentido, é papel da escola

[...] fazer com que os alunos transformem a realidade em que as mulheres são vistas como as
encarregadas das coisas menos importantes. Ou também mudar a visão de que as mesmas são
encarregadas de cuidarem dos seus lares e se envolverem com as atividades de salários
inferiores aos dos homens, ou mesmo, tendo os mesmos cargos que eles, devem ter um salário
menor. Infelizmente essa visão tem início, muitas vezes, no ambiente escolar, pois o mesmo
acaba determinando o espaço das meninas dentro e fora dele (SILVA; MUHL, 2021).

Houve um momento marcante com a participação dos docentes (Figura 2); esse encontro
contou com a participação de onze profissionais da escola, a saber: professores de Língua
Portuguesa, Língua Estrangeira, Matemática, Física, Filosofia, Geografia, Biologia, Arte e Química, a
diretora e vice-diretora. Para esse momento, fizemos uso dos mesmos recursos utilizados com os
discentes. Porém, a dinâmica da roda de conversa foi diferente, o tempo de fala e troca de
experiências foi mais estendido.

2 https://www.youtube.com/watch?v=lKmYTHgBNoE.

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Figura - 2: Entre os docentes
Fonte: Arquivo pessoal.

As professoras relataram suas histórias de vida, enfatizando situações de violências


normalizadas no cotidiano familiar e profissional, os professores recordaram suas relações maternas
e a submissão conjugal a que presenciaram no seio familiar. Assim, o projeto “Tecendo diálogos sobre
o Empoderamento Feminino para o Enfrentamento das violências contra a Mulher”, foi construído a
partir da junção de várias ideias e olhares dos docentes.

Figura - 3: Tagarelando sobre o tema


Fonte: Arquivo pessoal.

Nessa etapa, as ações do projeto foram pautadas nas descobertas das/dos próprias/os
alunas/os, a partir da formação de grupos de estudo e pesquisa acerca dos temas: A Lei Maria da
Penha; Gênero e diversidade; e Mulheres na política, nas Ciências e na Literatura, que contou com a
orientação dos docentes das áreas do conhecimento de Humanas e Sociais Aplicadas, Linguagem e
Suas Tecnologias e Matemática e Suas Tecnologias.

Nessa fase do projeto, fomos cautelosos no tocante à abordagem dessas temáticas, a fim de
assegurar que os estudantes tomassem consciência de forma crítica a respeito da invisibilidade
feminina e as violências de gênero nas relações sociais.

Após a etapa anterior, coube a cada grupo discente apresentar seu tema (Relações de gênero
e Homofobia na escola; Abuso sexual; Relacionamentos abusivos; Violência doméstica e Invisibilidade
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da mulher no mercado de trabalho) por meio das linguagens artísticas (Figura 4). Desse modo, foram
apresentadas cinco cenas teatrais.

Figura - 4: Falando por meio da arte


Fonte: Arquivo pessoal.

Ainda tivemos muitas conversas com as/os alunas/os aplicando questionário sobre Equidade e
sobre a Lei Maria da Penha a Homens e Mulheres com idade a partir de 15 anos (Figura 5).

Figura - 5: De conversa em conversa...


Fonte: Arquivo pessoal.

Figura - 6: Sobre a equidade


Fonte: Elaborado pela comunidade escolar.

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Figura - 7: Sobre a Lei Maria da Penha
Fonte: Arquivo pessoal.

As figuras 6 e 7 revelam os resultados da enquete realizada pelas/pelos alunas/os com a


comunidade do entorno da escola. Tal enquete, tratava sobre a equidade e sobre a Lei Maria da
Penha.

No período de 7 a 10 de março de 2023, realizamos a Semana de Empoderamento Feminino


Dilma Catete, estabelecendo a culminância das atividades realizadas em 2022 (Figura 8).

Figura – 8:Culminância
Fonte: Arquivo pessoal

A culminância contou com a participação de todas as turmas do Ensino Médio, além da equipe
de formadores do CEFOR e do Deputado Bordalo, mentor da lei a qual trabalhamos em sala de aula.

Resultados e Discussões

O projeto “Tecendo diálogos sobre o Empoderamento Feminino para o enfrentamento das


violências contra a mulher” foi imprescindível para a formação cidadã dos estudantes, pois gerou
reflexões necessárias sobre os direitos femininos e sobre a equidade entre homens e mulheres,
conforme podemos observar nos depoimentos a seguir.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 75


Olá, sou aluna da escola Dilma Cattete desde 2015 e com o projeto de empoderamento feminino
na escola em 2022 foi algo muito incrível e novo para mim, mas acho que para outros alunos
também foi uma sensação incrível pois na escola nunca tivemos um projeto parecido com esse
onde todos os alunos e professores puderam se unir para pesquisar, incentivar, criar novas ideias
para o ambiente escolar se tornar mais profissional e acolhedor para todos. Como mulher, acho
que com os vídeos, projetos e rodas de conversas e falar de diversidade, falar de
empoderamento e falar de feminismo é algo central que a nossa sociedade precisa e estar dentro
deste espaço escolar é tão importante que levamos da escola para casa e da casa para a
comunidade inteira.

O projeto de empoderamento feminino espero que aconteça sempre em outras escolas e que
este projeto sirva de exemplo para a educação se tornar mais diversa e igualitária”. (V. T 2º ano
médio)

O empoderamento feminino na Escola Dilma Cattete foi de extrema importância, pois


proporciona debates indispensáveis sobre a igualdade de gênero, combate ao machismo no
corpo estudantil, diversidade e inclusão. Que incentivou toda a escola e as demais disciplinas,
promovendo peças teatrais por autoria dos alunos, levantamento de dados envolvendo a
matemática, trabalhos sobre música em inglês falando sobre a força da mulher, entre outros
projetos que foram necessários para a quebra de pensamentos patriarcais. Incentivando
meninas a acreditarem no seu potencial e nunca desistirem dos seus sonhos. (J.S 3º ano médio)

Como eu me sentir depois dos assuntos abordados em sala:


Mudei minha perspectiva e passei a acreditar que ainda tem como acabar com o machismo, se
todas as escolas abordassem esses assuntos, acredito que não só mulheres como homens
também seriam formados e nos ajudariam a combater e eliminar o machismo de vez. Quando
eu fiz minha apresentação, eu tive mais conhecimento sobre as mulheres no mercado de
trabalho e pude ver que não só a desigualdade salarial estava presente como o racismo também
estava lá, mulheres em si já são difíceis de arranjar um emprego digno, mulheres negras então,
tem uma dificuldade 3x maior...” (A.V. 1 ano médio)

Esses depoimentos nos revelam que apesar de desafiador, o trabalho realizado junto com as/os
estudantes foi muito gratificante e significativo, pois os/as discentes começaram a perceber as
desigualdades de gênero, identificar as formas de violências e os órgãos públicos de denúncia, além
de refletirem sobre suas próprias posturas, a fim de criarem mecanismos de enfrentamento e
transformação social.

Considerações Finais

O presente trabalho teve como propósito apresentar alternativas capazes de diminuir as


desigualdades de gênero e promover o empoderamento feminino; com isso, realizamos uma diagnose
com as alunas e os alunos participantes cujo questionário teve como intuito a análise e a geração de
estatísticas acerca da invisibilidade feminina e das formas de violência contra mulher.

Também, participamos de rodas de conversas a respeito da temática sobre empoderamento


feminino e várias atividades surgiram como performances de dança e de teatro, apresentação dos
dados estatísticos da pesquisa realizada pelos alunos, análise das letras de músicas em Inglês tudo

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com temáticas relacionadas ao empoderamento feminino. Por fim, houve a culminância das atividades
na Semana da mulher (6 a 10 de março de 2023).

Essa experiência foi válida, porque por meio dela foi possível perceber o empenho, a
colaboratividade, o protagonismo dos discentes, levando em conta o papel da escola como um espaço
diverso, complexo e imprescindível à construção da cidadania de transformação da realidade.

Referências

COLASANTI. Marina. Para que ninguém a quisesse. In.: COLASANTI, M. Um espinho de marfim e
outras histórias. Porto Alegre: L&PM, 1999, p. 111-112.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a Liberdade e outros escritos.16. ed. Rio de Janeiro/São Paulo:
Paz e Terra, 2021
PARÁ. ALEPA. Lei 8775, de 16 de outubro de 2018. Institui no âmbito das escolas públicas e privadas
do estado do Pará a Semana do Empoderamento Feminino. Belém: ALEPA, 2018.
SILVA, Larissa H. M.; MUHL, Eldon H. Feminismo e Educação: Desafios da Pedagogia na
Construção de uma Formação mais Equânime. Artigo para Conclusão de Curso (Graduação) –
Universidade de Passo Fundo. Passo Fundo, 2021. Disponível em:
file:///C:/Users/cleic/OneDrive/Documentos/forma %
C3%A7%C3%A3o%20sobre%20empoderamento%20feminino/ 20220405_ 1945968.pdf. Acesso em
novembro de 2023.
VICENTIN, Ana Carolina. Os Brinquedos e Estereótipos que ensinamos a nossos filhos e às nossas
filhas. In.: Nana Queiroz. (org.). Você já é feminista! Abra este livro e descubra o porquê.1. ed.
São Paulo: Pólen Livros, 2016, p. 164-169

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MULHERES NA FILOSOFIA: O PENSAMENTO EMPODERADO

Isabel Cristiane de Mendonça Silva1

Resumo

O trabalho de pesquisa Mulheres na Filosofia: o pensamento empoderado, desenvolvido com alunas/os da 2ª série do
Ensino Médio, da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Dilma de Sousa Cattete, teve como objetivo central
mostrar que as mulheres sempre foram empoderadas, pois nunca se calaram diante dos grandes desafios impostos por
uma sociedade machista em que as lutas por igualdade incomodam todos aqueles que não reconhecem seus direitos e
não respeitam as suas potencialidades. O ponto de partida para a realização do trabalho foi a pesquisa bibliográfica,
buscando trabalhos em meio digital sobre a temática. O trabalho foi de grande importância na medida em que levou as/os
alunas/os à reflexão acerca das condições das mulheres em espaços de grande domínio masculino, como é o caso da
Filosofia, assim como em alguns cargos e funções que, em outras épocas, jamais poderiam ser cogitadas para uma
mulher. Ademais, a pesquisa ratificou que pensar o empoderamento feminino é trazer contribuições para que a mulher
possa ter seu lugar como empresária, filósofa; e tudo aquilo que ela queira ser; além do de mãe, esposa, se também for o
que ela quiser ser.

Palavras-Chave: Mulheres. Empoderamento. Filosofia.

Introdução

O trabalho de pesquisa Mulheres na Filosofia: o pensamento empoderado foi desenvolvido


na EEEFM Dilma de Sousa Cattete, como contribuição para o Projeto Educação de Gênero e
Diversidade: formando para o empoderamento feminino. Tal Projeto atende à Lei nº 8.775 (Pará,
2018), de 16 de outubro de 2018, e foi desenvolvido por um grupo de formadores do Centro de
Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR) em escolas de Tempo
Integral.

A temática abordada tem relevância na medida em que traz para o conhecimento das/dos
alunas/os as mulheres que ousaram pensar em um espaço extremamente masculino, que é a
Filosofia. A ousadia dessas mulheres que viveram em épocas de grandes transformações
sociopolíticas, mas também, de muita repressão e práticas abusivas de direitos, sobretudo em relação
à mulher, deixa uma contribuição para além do seu tempo, quebrando barreiras e destruindo tabus.

Para a execução deste trabalho foi selecionado, a partir da leitura da monografia de Líria Ângela
Andrioli (2004), o texto O corpo e a mulher na história da filosofia: uma leitura a partir de Merleau-
Ponty centrada na atual discussão sobre a corporeidade, em seis filósofas. Nessa monografia, há um
destaque para as filósofas que tiveram seu pensamento em evidência no século XX. Dentre tantas
pensadoras, foram eleitas para este trabalho: Rosa Luxemburgo (1871-1919); Edith Stein (1891-
1Professora de Filosofia da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc/PA) Mestre em Estudos Literários.
Especialista em Educação especial e Psicologia e transtornos do espectro autista.Graduada em Filosofia.

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1942); Maria Zambrano (1904-1991); Hannah Arendt (1906-1975); Simone de Beauvoir (1908-1986)
e Simone Weil (1909-1943).

Para a execução do trabalho foram formados seis grupos com uma turma da 2ª série do Ensino
Médio. Cada grupo ficou responsável pela pesquisa de uma filósofa e tiveram como orientação
metodológica a investigação dos seguintes pontos: vida e obra, principais ideias, contribuições para a
sociedade e a questão feminina. A partir das pesquisas, houve momentos de discussão com os grupos
para esclarecimento de algumas dúvidas e de orientação para o andamento da pesquisa e preparação
dos cartazes que seriam apresentados na culminância do Projeto em março de 2023.

Durante as discussões, houve um impacto positivo em relação ao interesse das/dos alunas/os


em pesquisar as filósofas, como se aquilo representasse para elas/eles uma novidade. Embora já
tivessem estudado Filosofia no Primeiro Ano, algumas/alguns disseram que nem sabiam que existiam
mulheres filósofas, pois todos os filósofos que lembravam o nome eram homens.

De toda forma, isso não me surpreendeu, pois algumas filósofas citadas na monografia de
Andrioli (2004) me eram desconhecidas, eu não conhecia seus pensamentos e quase nenhuma delas
estudei na Universidade. Na verdade, estudei apenas Hannah Arendt, ela fez parte do meu curso, as
demais eram apenas citadas por alguns professores dentro dos conteúdos tradicionais da Filosofia.

Quanto à pesquisa, após realizarem esse trabalho, as/os alunas/os fizeram a produção dos
cartazes que serviriam como suporte de suas aprendizagens na culminância do Projeto. Inclusive,
abro uns parênteses para dizer que mais uma vez elas/eles me surpreenderam, pois todas/os estavam
muito empenhadas/os em dar as suas contribuições; eu diria até empolgadas/os em escrever, colar
as imagens e fazer o melhor cartaz.

Escolha do tema

No dia 7 de junho de 2022, foi-nos apresentado pela professora Cleice Maciel, em uma Roda
de Conversa, o Projeto sobre o Empoderamento Feminino, uma iniciativa da Secretaria de Estado de
Educação do Pará (SEDUC), por meio do CEFOR. Na ocasião, a professora nos explicou do que
tratava o Projeto e quais as suas finalidades e objetivos. A ideia naquele momento era termos
conhecimento sobre a temática abordada no Projeto e, a partir daí, nos engajarmos juntamente com
a professora em ações que mobilizassem as/os alunas/os em torno dessa questão, com o objetivo de
divulgação do Projeto e de conscientização sobre o tema. Comecei então a me questionar como
poderia contribuir com o Projeto.

A princípio pensei em uma pesquisa sobre como as mulheres eram vistas pelos filósofos, mas
logo abandonei essa ideia, afinal o Projeto era sobre o empoderamento feminino, ou seja, as mulheres
deveriam ser as protagonistas e, nesse primeiro pensamento que tive, o que se destacaria seria a

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visão dos filósofos sobre as mulheres. E como podemos ver na citação que segue, essa visão precisa
ser rechaçada veementemente:

Uma mulher se sente pouco embaraçada por ser desprovida de grandes ideias, ou por se mostrar
receosa com ocupações importantes ou despreparada para elas etc. É bela e agrada – e basta.
(...) Em compensação, o homem já é bem mais delicado diante dos belos atrativos da mulher. A
figura refinada, a vivaz ingenuidade e a encantadora sensibilidade dela recompensam, para ele,
a ausência da erudição dos livros, ou outras carências que cabem a ele suprir com o seu próprio
talento (Kant, 1993, p. 61).

Figura - 1: Banner do tema do trabalho


Fonte: Arquivo pessoal.

Surgiu então a ideia de pesquisar o pensamento de algumas mulheres que tiveram suas ideias
difundidas em um meio completamente hostil para elas; afinal, como bem se sabe, a História da
Filosofia é em certa medida a história do pensamento dos homens sobre todos os temas que
englobam o pensamento filosófico. Daí porque surgiu o título: Mulheres na Filosofia: o pensamento
empoderado (Figura 1).

Processo de construção da pesquisa

O ponto de partida para a realização do trabalho foi a pesquisa bibliográfica, buscando


trabalhos em meio digital sobre a temática. Na busca encontramos uma gama de produções como
artigos, dissertações e teses dentre as quais se destacam o trabalho de Líria Ângela Andrioli (2004),
Nádia Junqueira Ribeiro (2019) e Juliana Pacheco Borges da Silva (2016).

Todos os trabalhos dessas autoras trazem como temática central o questionamento sobre a
presença da mulher na história da Filosofia. Com destaque para o fato dessas mulheres sempre terem
existido, e, portanto, poderem ter seus pensamentos registrados e reconhecidos para a posteridade.

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Um dos primeiros registros dessas mulheres está no diálogo Banquete de Platão (2020).
Trata-se de Diotima de Mantineia, ao falar sobre o tema central do diálogo, a saber, o Amor, dizendo
que tudo que discorrerá sobre esse tema ouviu de Diotima que era, segundo ele, entendida nesses e
tantos outros assuntos:

E a ti eu te deixarei agora; mas o discurso que sobre o Amor eu ouvi um dia, de uma mulher de
Mantinéia, Diotima, que nesse assunto era entendida e em muitos outros — foi ela que uma vez,
porque os atenienses ofereceram sacrifícios para conjurar a peste, fez por dez anos recuar a
doença, e era ela que me instruía nas questões de amor — o discurso então que me fez aquela
mulher eu tentarei repetir-vos, a partir do que foi admitido por mim e por Agatão, com meus
próprios recursos e como eu puder (Platão, 2020, p. 46)

Como podemos ver, há um reconhecimento da figura da mulher em uma sociedade excludente


com todos aqueles que não eram considerados cidadãos. E com evidência para o fato de esse
destaque estar relacionado a uma questão teórica, reflexiva. Não se sabe ao certo se tal mulher
referida por Sócrates tenha realmente existido, e qual a sua intenção em colocá-la na discussão. Fato
é que existe esse registro e que não passa despercebido quando se fala da presença das mulheres
na História da Filosofia.

Ainda se têm registros de Hipátia de Alexandria (355 – 415/16?) e Christine de Pisan (1364-
1430), que teria sido uma poetisa medieval. A primeira era filha de Theon, um filósofo, astrônomo e
matemático egípcio. Conta-se que a filha se inspirou no pai, a ponto de dar aulas de Matemática,
Astronomia e Filosofia. Estudou na Academia de Alexandria, onde posteriormente veio a ser diretora;
e estudou também em uma escola neoplatônica de Atenas.

Tudo o que se sabe sobre Hipátia foi registrado por suas/seus alunas/os, pois grande parte
de seus escritos, inclusive em parceria com seu pai, se perdeu com a destruição da Biblioteca de
Alexandria. Não se sabe ao certo em que ano Hipátia morreu se em 415 ou 416, entretanto, a filósofa
teve uma morte violenta, segundo o que se diz, por conta da defesa do raciocínio lógico dos gregos,
sendo acusada, por esse fato, de anticristã, embora não se saiba se realmente se confirmava tal
direcionamento de Hipátia (Silva, 2016).

Christine de Pizan era italiana da cidade de Veneza, mas aos quatro anos de idade mudou-
se para Paris. Sua mudança de vida se deu quando ficou viúva com três filhos e precisou sobreviver
com sua família. Encontrou nas letras a forma de sobrevivência e se destacou por se tornar uma
escritora de profissão, algo muito incomum na época em que vivia; entretanto, sua viuvez acabou
facilitando tal fato, pois, no período medieval, a viuvez no meio aristocrático dava às mulheres certa
liberdade, pois não precisavam se casar novamente caso não quisessem.

Pizan é uma defensora da igualdade entre os sexos, e dentre tantas obras que escreveu A
Cidade das Damas (1405) expressa a ideia de que as mulheres devem receber a mesma educação
dos homens. Por ter expressado, através de suas obras, críticas ao tratamento dado às mulheres,
com argumentos consistentes do ponto vista teórico, Schmidt (2018, p. 23) afirma que ela “encontra
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um modo de legitimar seu discurso filosófico. Suas motivações para engajar-se nos debates de seu
tempo emanam de uma visão transformadora e emancipadora do que significa ser uma filósofa”.

Hipátia e Pizan são alguns dos poucos exemplos que à história do pensamento humano
mereceram destaque como filósofas, se considerarmos que lutar contra uma sociedade adversa,
colocando em risco a própria vida, representa a força intelectual e racional de um sexo nada frágil.

Discussões em sala a partir das pesquisas das/dos estudantes

Para a realização do trabalho, foram formados seis grupos e cada grupo ficou responsável
pela pesquisa bibliográfica de uma filósofa. O resultado dessa pesquisa foi exposto em cartazes os
quais serão apresentados em seguida por ordem de nascimento: Rosa Luxemburgo (1871-1919);
Edith Stein (1891-1942); Maria Zambrano (1904-1991); Hannah Arendt (1906-1975); Simone de
Beauvoir (1908-1986) e Simone Weil (1909-1943).

Os cartazes virão acompanhados de um pequeno resumo (Figuras 2 a 7).

Figura - 2: Cartaz Rosa Luxemburgo


Fonte: Arquivo pessoal.

O grupo de alunas/os que ficou responsável pela pesquisa da filósofa Rosa Luxemburgo
informou que ela era de origem polaco-alemã, judia e posteriormente aderiu ao ateísmo. Em relação
a suas ideias destacaram o fato de a filósofa ser marxista ligada ativamente aos movimentos
revolucionários e à Social-Democracia da Polônia (SDKP). Quanto à questão feminina, não tratou
diretamente do tema, mas seus escritos sobre a opressão operária e sua vida emancipada legou aos
movimentos feministas suporte teórico de grande relevância.

Rosa Luxemburgo é, até hoje, a maior pensadora marxista desde a concepção da obra
marxiana. À sua altura, poucos pensadores podem ser mencionados, entre eles Lenin e Lukács. Essa
distinção por si só torna obrigatória a menção de seu pensamento em qualquer estudo sobre a
Filosofia produzida pelo gênero feminino. E ainda que Rosa tenha como formação e preocupação
inicial a Economia e as teses da teoria econômica, suas reflexões sobre a ação política, o colapso do

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capitalismo, a revolução socialista e outros temas relevantes a tornam uma pensadora fundamental
para a Filosofia Política, como o diz a citação a seguir.

A proletária é ao mesmo tempo uma cúmplice do homem trabalhador na luta revolucionária e a


única entre as mulheres capaz de se empenhar pela emancipação das mulheres. Toda a luta
feminina, para Rosa Luxemburgo, era uma luta da trabalhadora (Silva, 2016, p. 171).

Figura - 3: Cartaz Edith Stein


Fonte: Arquivo pessoal.

Já o grupo responsável em pesquisar a filósofa Edith Stein relatou que a pensadora era alemã
de origem judia. Converteu-se à Igreja Católica após a leitura da autobiografia de Teresa de Ávila que
foi canonizada como Santa Tereza Benedita da Cruz pelo Papa João Paulo II em 11 de outubro de
1998.

Ligada à escola fenomenológica, estudou com Edmund Husserl e defendeu sua tese com o
tema, Sobre o problema da empatia (1916). Inclusive, o tema da empatia permeou todo seu percurso
filosófico onde defendia que não há crescimento ou progresso humano sem adversidades e que tais
ocorrem sempre na relação do ser com o outro e com o mundo (Almeida, 2014).

A origem judia de Edith Stein e suas críticas ao Nazismo, levou à sua captura e morte por
envenenamento em uma câmara de gás no campo de concentração de Auschiwtz – Birkenau aos 50
anos de idade.

Figura - 4: Cartaz Maria Zambrano


Fonte: Arquivo pessoal.

Maria Zambrano Alarcón era espanhola, nascida na cidade de Vélez-Málaga e foi a primeira
mulher a receber o Prêmio Miguel de Cervantes, o mais importante da Língua espanhola. Discípula

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de Ortega y Gasset e Manuel García Morente, foi influenciada por outros tantos filósofos buscando
fundir filosofia, poesia e religião.

Seus escritos políticos, fruto de suas participações em movimentos estudantis, a levaram ao


exílio durante a Guerra Civil Espanhola. O período de exílio foi o mais produtivo apesar de todas as
dificuldades enfrentadas por Zambrano. Teve contatos com figuras proeminentes no campo
intelectual, político e literário.

Maria Zambrano não teorizou sobre as questões femininas de forma ativa, mas seus escritos
políticos questionadores, principalmente quando começou a escrever no jornal El Liberal, uma coluna
que levava o nome “Mujeres”, repercutiam as condições precárias que as mulheres operárias
vivenciavam nas fábricas.

Figura - 5: Cartaz Hannah Arendt


Fonte: Arquivo pessoal.

O grupo de pesquisa da filósofa Hannah Arendt trouxe como destaque o fato da teórica ser
judia nascida na Alemanha e ser uma das intelectuais mais influentes do século XX. Perseguida pelo
regime Nazista perdeu sua nacionalidade em 1937 e viveu como apátrida até conseguir a
nacionalidade norte-americana em 1951.

Suas influências filosóficas incluem filósofos da Antiguidade como Sócrates, Platão, Aristóteles;
e modernos como Kant, Heidegger, Jaspers, além de teóricos políticos como Maquiavel e
Montesquieu. Seu pensamento original, sobretudo ao tratar das questões políticas de seu tempo, a
colocaram dentro dos debates centrais contemporâneos. Também teorizou sobre os regimes de
exceção como aquele do qual foi vítima, o totalitarismo.

Arendt tem uma vasta produção, sendo em sua grande maioria textos que expõem os males
de governos autoritários e totalitários. Em um momento de guerras que assolam algumas sociedades,
podemos ver o quanto o pensamento de Hannah Arendt é atual.

O desenvolvimento técnico dos implementos da violência alcançou agora o ponto em que


nenhum objetivo político poderia presumivelmente corresponder ao seu potencial de destruição,
ou justificar seu uso efetivo no conflito armado. Assim, a guerra (...), perdeu muito de sua eficácia
e quase todo o seu fascínio. O jogo de xadrez “apocalíptico” entre as superpotências, quer dizer,
entre aqueles que manobram no mais alto plano de nossa civilização, está sendo jogado de
acordo com a regra de que “se alguém ‘vencer’ é o fim para ambos”. Trata-se de um jogo que
não apresenta qualquer semelhança com quaisquer jogos de guerra que o precederam. O seu
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objetivo “racional” é a discussão não a vitória, e a corrida armamentista, como não é mais uma
preparação para a guerra, agora só pode ser justificada sob o princípio de que mais e mais
dissuasão é a melhor garantia para a paz. Não há resposta à questão de como poderemos nos
desembaraçar da óbvia insanidade desta posição (Arendt, 1994, p. 13).

Figura - 6:Cartaz Simone de Beauvoir


Fonte: Arquivo pessoal.

A filósofa Simone de Beauvoir impressionou as/os alunas/os que fizeram a pesquisa sobre ela.
Em suas investigações souberam que Beauvoir era parisiense e uma voz ativa quando o tema é
feminismo. Como todas as mulheres que não se acomodaram antes se rebelaram contra a opressão
machista de uma sociedade patriarcal, Beauvoir viveu, pensou e se expressou de forma livre.

Adepta da corrente existencialista como Sartre, seu parceiro de vida, Beauvoir defendeu a
liberdade em sua última instância: “Nada, portanto, nos limitava, nada nos definia, nada nos sujeitava;
nossas ligações com o mundo, nós é que as criávamos; a liberdade era nossa própria substância”
(Beauvoir, 2009, p. 18).

Como feminista, a filósofa deixou grande contribuição às lutas por igualdade de gênero das
mulheres. Suas ideias, duramente criticadas em sua época e até hoje, colocam a mulher como dona
e senhora de si, na medida em que enquanto ser humano é livre e pode viver da forma que decidir.

Figura - 7: Cartaz Simone Weil


Fonte: Arquivo pessoal.

Simone Weil era francesa e teve uma vida curta, mas muito intensa. Weil morreu aos 34 anos
de tuberculose, em 1943. A morte precoce pode ter sido provocada pelo modo como a filósofa decidiu
viver, ao radicalizar seu modo de vida, expôs o que acreditava que a filosofia era: algo vivenciado em
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ato e prática (Puente, 2020). Dessa forma, se alimentando mal em solidariedade a seus compatriotas
submetidos ao racionamento e trabalhando como operária da empresa Renault para poder relatar o
cotidiano dentro das fábricas, o resultado para o seu corpo foram complicações que a levaram à morte.

As experiências de Simone Weil, obtidas de forma prática nas fábricas, tornaram suas teorias
relatos de vivências das condições precárias da população empobrecida que sobrevive com bem
pouco dentro de um sistema opressor e desigual. E embora não teorizasse diretamente, como fez sua
compatriota Beauvoir, sobre a questão feminista, seu trabalho de denúncia da opressão dos
marginalizados e oprimidos reverbera como contribuição a toda e qualquer luta por igualdade.

Por fim, ver o resultado do trabalho realizado pelas/pelos alunas/os nesses cartazes, mesmo
com todos os reveses que o dia a dia escolar nos impõe, reafirma a minha convicção de que a
educação é transformadora, que só através dela se constroem cidadãos que pensam o mundo pelo
olhar da empatia e do respeito às diferenças.

Considerações Finais

O trabalho realizado pelas alunas e pelos alunos nos cartazes foi como uma sementinha
plantada por mim através desse Projeto extremamente necessário em uma sociedade que carece de
reflexões sobre temas tão caros aos seres humanos, como as questões de gênero.

Destaco também, o interesse de cada estudante em dar a sua contribuição fazendo-o de forma
satisfatória dentro das possibilidades que a escola permite. Isso mostra que não é preciso muito para
realizarmos ações que tragam grandes resultados e aprendizados para toda a comunidade escolar.

O que logicamente não exclui as lutas por melhores condições de trabalho para os professores
e de estudo para o público-alvo da educação. Projetos como esse certamente hão de refletir no
desenvolvimento cognitivo, emocional e intelectual de nossas alunas e nossos alunos, os quais
atingirão de forma plena o objetivo da educação, ou seja, o aprendizado que vai para além dos
conteúdos formais.

Referências

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Vale do Rio dos Sinos. Instituto Humanitas Unisinos, v. 12, n. 48, 2014. Disponível em:
https://ihu.unisinos.br/images/stories/ cadernos/ihu/048cadernosihu.pdf. Acesso em: out. 2023.
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Ponty centrada na atual discussão sobre a corporeidade. 2004, 89f. (Monografia em Filosofia) -
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul/ UNIJUI, 2004.
ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. Tradução de André Duarte. Rio de Janeiro: Relume-Dumará,
1994.

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BEAUVOIR, Simone. A força da idade. tradução de Sérgio Milliet. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2009. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/15 qRS6GEa4cZgwLllQHPWEoIZvo3-
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Figueiredo. São Paulo: Papirus, 1993.
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SILVA, Juliana Pacheco Borges da. Filósofas: a presença das mulheres na filosofia. [recurso
eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora FI, 2016. Disponível em: https://www.editorafi.org/filosofas.
Acesso em: out de 2023.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 87


EMPINANDO PIPAS: O PROTAGONISMO FEMININO NA CONSTRUÇÃO DE PIPAS E DO
APRENDIZADO MATEMÁTICO

Thiago Diogo Dias Cardoso1

Resumo

Este trabalho é um relato de experiência acerca de um Projeto de Matemática em desenvolvimento na Escola Estadual de
Ensino Médio Padre Eduardo, situada na Ilha de Mosqueiro, em Belém-PA. O projeto objetivou o ensino da geometria
plana, oportunizando aos alunos e às alunas, conhecimentos, debates e aprendizagem na área de Matemática,
destacando a produção feminina e seu protagonismo na construção de pipas, um brinquedo popularmente conhecido,
confeccionado e praticado majoritariamente por meninos nas praias e ruas paraenses. A atividade é realizada a partir do
desenvolvimento de várias aulas, tendo como eixo estruturante a investigação e o letramento científicos. Utilizamos a
metodologia de Gérard Fourez (1997) “Ilhas Interdisciplinares de Racionalidade” (IIR), partindo do clichê: “Por que a pipa
voa?”. A experiência de produzir pipas é um convite à construção do conhecimento que envolve o manuseio de pipas
como brincadeira famosa entre crianças e jovens de todo o Brasil. O trabalho propõe um festival de pipas envolvendo
alunos e alunas na produção e na prática de empiná-las, demonstrando para a comunidade escolar o conhecimento
matemático adquirido, bem como a reflexão sobre o empoderamento feminino na produção de pipas e na participação do
festival.

Palavras-Chave: Empoderamento feminino. Aprendizado em matemática. Construção de pipas.

Iniciando o voo das Pipas

O ensino de matemática tem se tornado cada vez mais desafiador nas escolas públicas do
Brasil. Segundo dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB (Brasil, 2019), 95% dos
estudantes da rede pública de ensino do país terminam a escola sem conhecimento adequado em
Matemática. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (Brasil, 2018, p. 271), “a
Geometria envolve o estudo de um amplo conjunto de conceitos e procedimentos necessários para
resolver problemas do mundo físico e de diferentes áreas do conhecimento”.

Historicamente, a exemplo de aplicação prática da matemática, Monteiro (2012, p. 4) afirma


que a geometria surge “devido às necessidades que o homem tinha de resolver questões práticas do
dia a dia, como divisões de terra férteis, construções de casas e observar e prever os movimentos dos
astros”, reforçando a ideia de que o ensino e aprendizado da matemática deve ser norteado pelo
contexto que o aluno está inserido, obtendo melhor efetividade no ensino e aprendizado em
matemática nas escolas.

Ainda, segundo a BNCC (Brasil, 2018), os alunos do ensino médio devem alcançar um leque
de competências específicas de Matemática para essa etapa, entre elas, “compreender e utilizar, com

1É aluno do curso de Mestrado Profissional em Ensino de Matemática do Programa de Pós-Graduação em Ensino de


Matemática da Universidade do Estado do Pará, na linha de pesquisa Metodologia para Ensino de Matemática no Nível
Médio.

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flexibilidade e precisão, diferentes registros de representação matemáticos (algébrico, geométrico,
estatístico, computacional etc.), na busca de solução e comunicação de resultados de problemas
(Brasil, 2018, p. 531).

Assim, o ensino e aprendizado em Geometria possui sua importância na formação do


estudante, pois seu estudo deve ser visto como básico e essencial quando se fala em alfabetização
matemática, visto que o letramento em Matemática compreende mais que, saber as quatro operações
básicas e outros métodos fundamentais da área.

Nesse voo, o projeto “Construindo Pipas” foi elaborado com objetivo de contribuir para a
aprendizagem de Geometria em práticas sociais cotidianas, por meio da vivência pedagógica na
construção das pipas. As/os discentes participantes do projeto, todas e todos moradoras/es da Ilha de
Mosqueiro, foram convidadas/os a desenvolver um olhar sensível para as formas geométricas que
podem ser encontradas nas simples brincadeiras do cotidiano e, por meio da investigação científica,
responder à pergunta: por que a pipa voa? Concluindo que aprender matemática pode ser divertido
como empinar pipas.

Só eles empinam pipas? Descaindo essa ideia

Pipas, papagaios e rabiolas são materiais de diversão muito antigos. Surgiram possivelmente
há 3 mil anos, na China, durante os conflitos civis, como forma de comunicação entre tropas,
padronizando sinais convencionados na reprodução de ações em batalhas.

Apesar disso, há registros históricos anteriores sobre as pipas; assim,

O primeiro voo do homem está relacionado com a mitologia onde consta que Ícaro voou tão alto,
que o sol derreteu a cera que prendia as asas ao seu corpo, sendo assim Ícaro caiu e morreu.
Pipa, Papagaio ou Pandorga é um brinquedo que voa preso à extremidade de uma linha ou
barbante. Em geral, tem uma armação leve de bambu ou madeira, sobre a qual se estica uma
folha de papel ou plástico. Os historiadores acreditam que tenha sido inventada entre 400 e 300
(A.C.) por Arquitas, um grego da cidade de Tarena. No entanto, os Chineses afirmam que um de
seus generais Han Sin inventou em 206 (A.C.), para uso dos militares (ANI, 2012).

A primeira aparição da pipa registrada e conhecida na história do mundo aconteceu durante um


experimento realizado por Benjamim Franklin, datado em 1752. Nessa experiência, o cientista inventor
do pára-raios, “lembrado pelas suas contribuições à eletricidade, especialmente pela criação dos para-
raios e pelo famoso experimento da pipa empinada em meio a uma tempestade” (Moura, 2018, p. 3),
utilizou-se de um fio de metal para empinar uma pipa de papel, vindo a descobrir a eletricidade, um
renomado reconhecimento público da ciência.

No estado do Pará, pipas de saco plástico ganham os céus nas férias escolares, em meados
de junho e julho, consagrando-as na temporada dos papagaios. Na linguagem dos “pipeiros”, há
diversas modalidades como “pipas”, “papagaios”, “rabiolas” e “cangulas”, produzidos de vários

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materiais, cores e formas geométricas, estimulando a criatividade de quem se propõe a confeccionar
e empinar.

Em matéria publicada no Jornal Diário do Pará, “O homem que marcou gerações fazendo
papagaios no Pará”, Wilson (2021) afirma que, há mais de 50 anos, o senhor Reginaldo da Costa
Mourão, mais conhecido como Cobra, é uma lenda viva fazendo papagaios e promovendo
competições de “laços”, deixando os céus de Belém repletos de um colorido especial.

Nota-se que nessa linha histórica, a utilização das pipas por homens em Guerras, na
descoberta científica da eletricidade e nas brincadeiras de rua. Todas essas utilizações das pipas
possuem um fator comum [ou a falta dele (a)], [a falta do] manuseio de pipas por mulheres. E essa
linha foi “encerada”, também, durante a inscrição dos alunos no projeto, na qual observamos que dos
35 estudantes inscritos, apenas 12 eram alunas, um percentual de aproximadamente 34%,
estimulando-nos a “descair” essa linha histórica e colocando no ar as pipas do empoderamento
feminino.

Construindo Pipas na Ilha de Mosqueiro e nas Ilhas de Fourez

A partir dos contextos da utilização das pipas historicamente manuseada por homens,
idealizou-se o projeto “Construindo Pipas”, uma matemática para voar alto, desenvolvido na Escola
Estadual de Ensino Médio Padre Eduardo desde o ano de 2022. Na edição de 2023, o protagonismo
feminino ganha destaque na produção de pipas e na aprendizagem de matemática, e ao final do
projeto busca-se responder a questão: o protagonismo feminino na produção e no manuseio de pipas
pode influenciar no processo de ensino e aprendizagem de geometria? Na tentativa de respondermos
a este questionamento e o clichê de “por que a pipa voa?”, utilizamos a metodologia de Gérard Fourez
(1997), denominada Ilhas Interdisciplinares de Racionalidade (IIR).

As IIR procuram privilegiar um movimento de Ciências, Tecnologia, Sociedade e Meio Ambiente


(CTSA), promovendo o pensamento crítico e consciente dos alunos, além do seu protagonismo. Nessa
perspectiva, o autor das IlR (Fourz, 1997), resume seu trabalho em 8 etapas (Quadro 1). Todas essas
etapas foram abordadas nas aulas durante o desenvolvimento do projeto.

Etapa Descrição da Etapa


1ª Clichê
2ª Panorama espontâneo
3ª Consulta ao especialista ou as especialidades
4ª Prática
5ª Abertura de caixas pretas
6ª Esquematização geral sobre a Ilha
7ª Abertura de caixas pretas sem a ajuda de especialistas
8ª Síntese sobre a IIR
Quadro - 1: Etapas da Metodologia de Fourez
Fonte: Elaborado pelo autor.
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Na 1ª etapa, denominada Clichê, reunimos todas/os as/os alunos do projeto para questionar e
levantar dados a respeito da situação-problema, tentando responder à questão que aparentemente é
simples de ser respondida: “por que a pipa voa?”. Nessa fase, foi proposta a pesquisa em sites de
buscas e em livros sobre temas relacionados à história das pipas, nomes para pipas nas diversas
regiões do Brasil, relação da ciência com as pipas, festivais de pipas, cuidados ao empinar pipas
próximo à rede elétrica e uso proibido de linha com cerol (popularmente conhecida como linha chilena).

Na 2ª etapa, denominada de Panorama espontâneo, as/os alunas/os foram estimulados a


apontar caminhos para chegar à resposta da situação-problema. A partir da pesquisa, propuseram
respostas utilizando, indiretamente, objetos das ciências: diferentes nomes de pipas, aerodinâmica da
pipa, os formatos (geométrico) das pipas, posição das talas (posições relativas de retas) na confecção
da pipa, peso da pipa (estudo da grandeza gravidade), material na produção da pipa, como papel ou
plástico (áreas e perímetros).

Na 3ª etapa, denominada de Consulta ao especialista, as/os alunas/os buscaram o especialista


que detém o conhecimento específico sobre determinado tema. Nesse passo, realizamos uma roda
de conversa sobre as pesquisas trazidas pelos alunos, debatendo e esclarecendo que as respostas
estão ligadas, diretamente, a objetos encontrados nas ciências. A partir de então, dividimos as equipes
para cada uma/um aprofundar-se em determinados temas e expor suas pesquisas e conclusões em
seminários para os demais alunos, organizando-os conforme mostrado no quadro 2.

Equipe Tema
1 História das Pipas e seus nomes
2 Pipas e Objetos da Matemática
3 Ângulo das talas e suas posições relativas
4 Perímetro e área das pipas
5 Pipa Tetraédrica
6 Construção de pipas
Quadro - 2: Organização das equipes por temas.
Fonte: Elaborado pelo autor.

Nesses temas, foi solicitado aos alunos que demonstrassem em painéis e trouxessem para a
prática o produto de suas pesquisas. De acordo com o planejamento do projeto, as reuniões deram-
se nas semanas do mês de outubro, período de retirada de dúvidas, esclarecimentos e
direcionamentos na construção dos trabalhos. Das 3 aulas semanais, procuramos resolver problemas
da geometria plana (Figura 1), ligados aos objetos matemáticos e na preparação dos seminários,
dando destaque para as produções femininas.

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Figura -1: Resolução de problemas por uma aluna do projeto Pipas
Fonte: Arquivo pessoal.

Na 4ª etapa, fase da Prática, as/os alunas/os foram estimulados a sair do campo teórico para
a construção de suas pipas. Nessa fase, durante as aulas, percebemos o protagonismo na construção
do aprendizado das/dos estudantes. Destaque ao trabalho desenvolvido por uma equipe formada por
alunas na construção de painéis (parte teórica) e de pipas (parte prática), produzindo pipas em
diversos formatos para demonstrar perímetros e áreas das figuras planas, o mesmo formato da
confecção de pipas (Figura 2).

Figura - 2: Construção de Pipas por uma das equipes


Fonte: Arquivo pessoal.

Na referida etapa, observou-se a criatividade da equipe de alunas ao confeccionarem pipas em


formato quadrado, pentagonal, hexagonal, losango e pentagrama, demonstração de dedicação,
cooperação e exercício da curiosidade intelectual na demonstração de que a matemática está
presente na simples brincadeira de empinar pipas. Nessa fase, elas puderam demonstrar seus
trabalhos aos demais alunos, que se sentiram desafiados em uma competição saudável entre os
alunos e alunas na construção das melhores pipas (Figura 3).

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Figura - 3: Aplicação da Teoria à prática: medido o perímetro e a área de uma pipa
Fonte: Arquivo pessoal.

A partir de suas produções, a turma passou para a etapa 5, Abertura de caixas pretas, que
consistiu no esclarecimento dos conteúdos presentes em cada situação em que a pipa foi considerada
como objeto matemático. Nela, as equipes tiraram dúvidas e tiveram esclarecimento acerca de seus
temas, contribuindo para direcionar seus estudos para as próximas etapas.

As etapas 6 e 7 que ainda não foram executadas, consistem na esquematização sobre as IIR
e abertura das caixas pretas sem ajuda, respectivamente. Na 6ª etapa, espera-se das/dos alunas/os
a demonstração de um esquema geral teórico sobre as IIR, analisando a situação-problema sob o
ponto de vista teórico; já na 7ª, a expectativa é de que elas/eles, sem dispor de ajuda de livros, internet
e professor, elaborassem as IIR por meio do conhecimento em grupo adquirido no decorrer das
atividades do projeto.

Essa avaliação ocorreu durante a apresentação do seminário, que estabeleceu os seguintes


critérios avaliativos (Quadro 3).

EXCELENTE BOM REGULAR INSATISFATÓRIO


CATEGORIAS
9,0 a 10 pontos 7,0 a 8,9 pontos 6,9 a 5,0 pontos 0 a 4,9 pontos
Concentrou-se
Concentrou-se e
por algum tempo Concentrou-se
respondeu a Raramente se
nas atividades parcialmente nas
FOCO NO PLANO todas as concentra nas
propostas, porém atividades propostas,
DE TRABALHO E atividades atividades
não deixou de cumpriu parcialmente
NAS TAREFAS propostas de propostas
realizar tarefas suas responsabilidades
forma satisfatória
importantes

Participou de forma
Participou de Participou de Participou de algumas
insuficiente das
todas as todas as atividades e poucas
atividades e permite
PARTICIPAÇÃO atividades, é atividades, mas pessoas podem contar
que outros façam
proativo não é proativo com sua ajuda
seu trabalho

Realizou a Realizou a
apresentação de apresentação de
Realizou a
forma forma pouco
apresentação de forma Não realizou a
aprofundada, sem aprofundada, sem
APRESENTAÇÃO fraca, com equívocos e apresentação
equívocos e com equívocos, porém
sem recurso visual
muito recurso com pouco
visual recurso visual

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(continua)

EXCELENTE BOM REGULAR INSATISFATÓRIO


CATEGORIAS
9,0 a 10 pontos 7,0 a 8,9 pontos 6,9 a 5,0 pontos 0 a 4,9 pontos
Interagiu e Interagiu, porém,
Interagiu parcialmente,
demonstrou demonstrou
porém não se
postura postura
INTERAÇÃO E evidenciou Não interagiu
colaborativa com colaborativa com
COLABORAÇÃO envolvimento com os
todos os parte dos
demais envolvidos
envolvidos envolvidos
Demonstrou
Demonstrou
domínio de
domínio de
conteúdos de Demonstrou
conteúdos de
forma dificuldades no domínio Demonstrou
forma
aprofundada, sem de conteúdos, baixa desinteresse no
DOMÍNIO DO aprofundada e
equívocos e com qualidade na produção domínio de
CONTEÚDO com qualidade na
qualidade na e abaixo do escopo do conteúdos
produção, porém
produção que trabalho
dentro do escopo
superaram as
do trabalho.
expectativas
Elaborado de
forma completa, Elaborado de
Elaborado de forma
com apresentação forma completa,
incompleta e
adequada e com apresentação
superficial, com
entregue no adequada e
apresentação Não entregou o
prazo, entregue no
RELATÓRIO adequada, porém relatório
obedecendo a prazo,
entregue fora do prazo,
todas as obedecendo a
obedecendo parte das
orientações e todas as
orientações
acima das orientações
expectativas

Participou das
Participou das
Participou de atividades, porém
Participou das atividades, porém
todas as com cerca de
atividades, porém com com cerca de 70%
atividades, ou 90% de
cerca de 80% de de frequência,
FREQUÊNCIA seja, 100% de frequência, obteve
frequência, mas obteve faltas e está
frequência e com faltas, mas
continua com abaixo do
o desempenho continua com
desempenho aceitável desempenho
esperado desempenho
esperado
aceitável

Registrado com Registrado com


as informações as informações
Registrado com as
completas, completas, com
informações
obedecendo a apresentação Não entregou o
DIÁRIO DE incompletas,
todas as adequada, relatório
BORDO obedecendo parte das
orientações e obedecendo a
orientações
acima das todas as
expectativas orientações
Quadro – 3: Rubricas da avaliação educacional e desenvolvimento do ensino e da aprendizagem
Fonte: Diretrizes orientadoras do trabalho docente com a pedagogia de projetos na Escola Estadual de Ensino Médio Padre
Eduardo, 2023.

A 8ª etapa, que ainda será executada, tratará sobre a síntese da IIR, nela espera-se que os
estudantes construam um resumo de investigação, que será demonstrado na apresentação de um
trabalho único, no workshop, a ser exposto para toda a comunidade escolar, e respondendo ao
questionamento “por que a pipa voa?”.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 94


Voando mais altos com PIPAs

No decorrer do planejamento do projeto, ao escolher a metodologia de Fourez (1997), sobre as


IIR, o objetivo central era o aprendizado em Geometria Plana, por parte das/dos estudantes
participantes do projeto, e de estabelecer uma relação interdisciplinar com as demais áreas; porém, o
trabalho interdisciplinar não foi atingido por incompatibilidade de horário dos professores das demais
áreas, uma vez que a partir desta metodologia, que traz a interdisciplinaridade em sua definição,
percebeu-se que a temática poderia ser abordada por todas as áreas de conhecimento, uma
oportunidade de melhoria para próximas edições do projeto.

Na atual etapa do projeto, denominada Abertura de caixas pretas, as/os estudantes estão
finalizando a abertura das caixas pretas para entrar na próxima fase, na expectativa que os discentes
realizem a apresentação do seminário e que as meninas, durante o festival de pipas de Mosqueiro
sejam protagonistas. Nesse festival a ser promovido pelo projeto, serão construídas pipas de todos os
tamanhos e formatos como oportunidade de demonstrar a todos que a brincadeira de empinar pipas
é uma brincadeira que deve ser praticada por alunas e alunos, estimulando a competição saudável e
o aprendizado em Matemática, desmistificando também a ideia de que só meninos empinam pipa.

A experiência do projeto está sendo de fácil execução e sem precisar de muitos meios que
prejudiquem o andamento das atividades ou o aprendizado dos alunos, pois as etapas da metodologia
de Fourez (1997) já estão estabelecidas e, apenas, devem ser seguidas partindo-se de uma ação do
cotidiano, que é um clichê (por que a pipa voa?), pode-se chegar no desenvolvimento de um
conhecimento fundamentado de ciências em um nível de formação mais elaborada. As etapas
seguintes (6ª, 7ª e 8ª) têm previsão de execução até novembro de 2023.

Ao final do projeto, todos os estudantes que concluírem as ações serão agraciados com
certificado de conclusão, validando sua finalização e aprendizado com aproveitamento, além de
certificar os objetos de conhecimento trabalhados e as competências socioemocionais alcançadas.

Por fim, na estima de que o aprendizado do aluno e sua formação como cidadão alcance voos
mais altos com pipas, apesar da falta do trabalho interdisciplinar nesta edição do projeto, podemos
estabelecer uma coincidência maravilhosa que pode direcionar as ações dos próximos projetos PIPAs:
Projeto Integrado por Áreas.

Referências

ANI. Associação Nacional dos Inventores. PIPA de pano. 2012. Disponível em:
https://inventores.com.br/pipa-de-pano/. Acesso em: 28/10/2023.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Relatório
de Resultados do Saeb 1. v. 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e séries finais do Ensino Médio
(v.2 com correção). Disponível em: ttps://download.inep. gov.br/educacao_basica/

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 95


saeb/2019/resultados/relatorio_de_resultados_do_saeb_2019_volume_1.pdf> Acesso em:
11/11/2023.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Versão final. Brasília: MEC,
2018. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 19/10/2023.
FOUREZ, Gerard. Alfabetización Científica y Tecnológica: Acerca de lãs finalidades de la
ensenanza de lãs ciências. Buenos Aires. Argentina. Ediciones Colihue, 1997.
MONTEIRO, Ivan. Alves. O desenvolvimento histórico do ensino de Geometria no Brasil. São
Paulo: Universidade Estadual Paulista Unesp, 2015. Disponível em:
https://www.ibilce.unesp.br/Home/Departamentos/Matematica/o-desenvolvimento-histn-alves-
monteiro.pdf. Acesso em: 19/10/2023.
MOURA, Breno Arsioli. As contribuições de Benjamin Franklin para a eletricidade. Física na Escola.
v. 16, n. 2, p. 27-35, 2018.
WILSON, Igor. O homem que marcou gerações fazendo papagaios no Pará. Diário do Pará. Belém:
19 de março de 2021. Entretenimento. Disponível em: https://dol.com.br/entretenimento/cultura/
644738/ o-homem-que-marcou-geracoes fazendo-papagaios-no-para?d=1. Acesso em 19/10/2023.

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ROSA DE CETIM: UM CORDEL QUE EMPODERA

Wilson Nascimento de Lima1

Resumo

O relato de experiência ora apresentado tem por objetivo abordar a produção da literatura de cordel, intitulado Rosa de
Cetim, de autoria de duas alunas da Escola Estadual de Ensino Médio Padre Eduardo, situada no Distrito de Mosqueiro,
Belém, Pará. Tal produção literária é resultado de uma ação promovida pelo Centro de Formação de Profissionais da
Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR), atendendo ao disposto na Lei 8775/2018, que institui a semana do
empoderamento feminino nas escolas públicas e privadas do Estado do Pará. Para a construção do referido cordel,
efetivou-se a leitura compartilhada do conto “Para que ninguém a quisesse”, de Marina Colasanti (1999) e utilizou-se o
método de produção escrita como atividade interativa proposta por Antunes (2003). Como resultado, o cordel revelou-se
um instrumento de reflexão sobre o empoderamento feminino e se expandiu para além da comunidade escolar.

Palavras-chave: Empoderamento feminino. Cordel. Marina Colasanti. Escrita.

Introdução

O ponto de partida para a minha experiência com a prática pedagógica acerca do


empoderamento feminino surgiu quando fui convidado a participar do curso de formação “Educação
de gênero e diversidade: formando para o empoderamento feminino”, promovido pelo Centro de
Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR), em parceria com a
Secretaria de Estado de Educação (SEDUC), atendendo ao disposto na lei nº 8.775/2018 (Pará,
2018), de autoria do deputado estadual Carlos Bordalo, a qual busca promover a igualdade de gênero
nas escolas públicas e privadas do Estado, com atividades socioeducativas com a participação de
estudantes, docentes, pais/responsáveis e comunidade.

Para o propósito deste relato, dentre os seis módulos desenvolvidos (Direitos humanos e
Gênero; Educação, Gênero e diversidade; invisibilidade feminina e políticas públicas para educação
das relações de gênero; relações de gênero, interseccionalidade e sexualidade; Literatura e Gênero;
Pedagogia de Projetos na Educação), dois foram fundamentais para a elaboração da atividade a ser
relatada: Literatura e Gênero, sob a tutoria da professora Salier Castro e Pedagogia de Projetos na
Educação, o qual foi ministrado pelo professor Marcello Casanova do CEFOR.

Os módulos citados anteriormente são norteadores para a minha experiência, uma vez que em
Literatura e Gênero, a professora-formadora Salier promoveu uma leitura reflexiva do texto “Para que
ninguém a quisesse”, de Marina Colasanti. Após a leitura do conto, decidi que levaria este texto para

1Especialista em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura (UNIASSELVI). Graduado em Licenciatura


em Letras – Língua Portuguesa (UEPA) Professor efetivo, Classe I – Secretaria de Estado de Educação (SEDUC PA).
Lotado na Escola Estadual de Ensino Médio Padre Eduardo, DRE 17.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 97


as/os minhas alunas e meus alunos, a fim de que realizássemos atividades ligadas à escrita como
atividade interativa, (Antunes, 2003, p. 44-66), as quais consistiam em adequar as práticas da
oralidade por meio de textos escritos.

Já em Pedagogia de Projetos, as reflexões encaminhadas pelo professor Marcello despertaram


meu interesse, mas uma em particular ficou mais evidente. Para ele, o trabalho com a Pedagogia de
Projetos deveria considerar a iniciativa da/do discente como protagonista do processo. Isso me deixou
preocupado, pois, até então, tudo o que eu havia planejado para a minha turma, a ideia partiu de mim,
enquanto os discentes eram, meramente, receptores do trabalho.

No entanto, para a minha felicidade, ao propor aquela atividade, na turma da 1ª série do Ensino
Médio, no ano de 2022, na Escola Padre Eduardo, duas alunas apresentaram um cordel intitulado
Rosa de cetim. Tal literatura, se configurava como um intertexto do conto de Colasanti trabalhado
com a turma.

Nesse momento, percebi na prática o que o professor Casanova abordara, identifiquei ali que
minhas alunas se apresentaram protagonistas e empoderadas. E então, escolhemos caminhar juntos
nesse percurso, cuja temática deve ser a valorização da produção intelectual e escrita da mulher por
meio da literatura de cordel. Para tanto, utilizou-se o método de produção escrita como atividade
interativa (Antunes, 2003) para que os educandos pudessem dialogar sobre o papel social da mulher
e, a partir disso, produzir o gênero estudado no ambiente escolar.

Em resumo, o trabalho revelou-se de grande impacto para as minhas práticas docentes, ao me


proporcionar a possibilidade de refletir sobre a importância de valorizar a construção do conceito de
empoderamento feminino na escola. Ademais, a turma, a partir da percepção do trabalho efetivado
pelas colegas, passou a interagir e a investigar mais sobre a temática em questão, sugerindo, por
exemplo, a produção de outros gêneros textuais.

A escrita empodera

Historicamente, as narrativas orais sempre estiveram presentes nas práticas sociais e interativas
do ser humano, mesmo com o surgimento da escrita, ainda permanecem inseridas e vivas em nosso
cotidiano (Marcuschi, 2001). A literatura de cordel é um exemplo da afirmação dessa prática, afinal
apesar de ser estruturada de forma escrita, a linguagem empregada revela variações linguísticas
perceptíveis nas atividades da fala, fato que identifica as tradições culturais de um povo.

Trazidos pelos colonizadores, os cordéis chegaram ao Brasil bem no início da colonização, e por
aqui se foram incorporados à nossa cultura, sobretudo à cultura nordestina, e por lá desempenha
inúmeras funções, como políticas, sociais, sanitárias e educativas, incluindo o processo de
alfabetização.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 98


Outro papel importante exercido pela literatura de cordel diz respeito à sua função como auxiliar
de alfabetização. Sabe-se que incontáveis nordestinos carentes de alfabetização aprenderam a
ler deletreando estes livrinhos de feira através de outras pessoas alfabetizadas. Numa época em
que as cartilhas de alfabetização eram raras e não chegavam gratuitamente ao homem rural, o
folheto de cordel cumpria espontaneamente esta alta missão social (Sousa, 2014, p. 15).

Convém revelar ainda que apesar de muito forte na cultura nordestina, é possível perceber
também a literatura de cordel em nossa região Amazônica, cuja temática dos cordéis revela, dentre
aspectos culturais, as narrativas das lendas e mitos da região. No Estado do Pará, por exemplo, há
grandes nomes como o reconhecido Antônio Juraci Siqueira. No entanto, durante a realização da
pesquisa bibliográfica, minhas alunas e eu sentimos a ausência de nomes de mulheres no destaque
dos principais autores de cordel,

A ausência feminina na autoria dos folhetos impressos deve-se em parte às funções que
deveriam ser exercidas pela mulher numa sociedade patriarcal de passado colonial, em que se
evidencia o silêncio e a reclusão tanto no cenário público da vida cultural quanto no registro das
histórias da nossa literatura (Queiroz, 2006, p.13).

Ademais, refletir sobre a igualdade de gênero, sobre o direito das mulheres muitas vezes
negligenciado, sobre a conjuntura social alicerçada no patriarcado, e consequentemente, refletir sobre
as inúmeras formas de violências sofridas por aquelas mulheres, deve ser, sobretudo, um dos papéis
primordiais da escola, a fim de possibilitar a igualdade de gênero no espaço escolar.

Através dessas discussões é possível fazermos com que a mulher saia do espaço privado (seu
lar) e possa frequentar o espaço público. Para ser possível trabalhar o assunto, é importante
levar até a sala de aula diferentes atividades, como, por exemplo, dinâmicas, livros didáticos,
contos, histórias, teatros e oficinas para que os alunos possam desenvolver consciência sobre o
que está sendo trabalhado e assim, de forma lúdica e esclarecida, fazer com que todos tenham
conhecimento sobre o tema (Muhl; Silva, 2020, p. 9).

Dessa forma, as alunas supracitadas propuseram a produção de um cordel baseado no conto


“Para que ninguém a quisesse”, de Marina Colasanti (1999), texto explorado em sala de aula por meio
da modalidade didática da leitura colaborativa.

O cordel e o método de escrita como atividade interativa

A produção do cordel Rosa de Cetim segue o método, conforme quadro 1, de exploração da


escrita defendido por Antunes (2003), o qual consiste em definir a escrita como uma atividade
cooperativa entre duas ou mais pessoas. Nesses termos,

Uma visão interacionista da escrita supõe, desse modo, encontro, parceria, envolvimento entre
sujeitos, para que aconteça a comunhão de ideias, das informações e das intenções pretendidas.
Assim, por essa visão se supõe que alguém selecionou alguma coisa a ser dita a um outro
alguém, com quem pretendeu interagir, em vista de um objetivo (Antunes, 2003, p. 45)

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 99


PLANEJAMENTO ESCRITA REESCRITA
As estudantes definiram o tema a
partir da leitura do conto “Para que Esta etapa contou com o
Nesse momento, as alunas
ninguém a quisesse”, de Marina meu auxílio, para que as
iniciaram o processo de pôr no
Colasanti. estudantes pudessem
papel o que foi planejado.
Escolheram o objetivo do texto, que perceber o que fora
Escolhido o gênero literatura de
foi contar uma narrativa que escrito e ratificar se os
cordel, as meninas decidiram
pudessem refletir sobre o objetivos foram
contar a narrativa por meio de
empoderamento feminino. cumpridos.
versos com rimas alternadas
Juntaram-se para organizar as Momento também de
(ABAB).
sequências das ideias. avaliar a continuidade da
Nessa etapa de produção, as
E pensaram sobre quais seriam seus temática desenvolvida no
estudantes também tiveram o
leitores e a forma de circulação do texto.
cuidado de analisar se o objetivo
gênero textual escolhido por elas. Além de rever aspectos
estava sendo cumprido: contar a
Por fim, decidiram as estratégias de gramaticais como
narrativa sem desconsiderar o
produção do texto. pontuação, ortografia e
conto de Colasanti
Nesse momento, convidaram outra adequação ao gênero
colega para fazer a xilogravura para a literatura de cordel
capa do cordel
Quadro - 1: Etapas distintas e intercomplementares do cordel Rosa de Cetim
Fonte: Elaborado pelo autor

No modelo proposto por Antunes (2003), a escrita se estrutura em três etapas distintas e
integradas de realização: planejamento, escrita e reescrita. Assim, a produção do cordel Rosa de
cetim, obedeceu a essas etapas descritas e representadas pelas imagens 1, 2 e 3.

Imagem – 1: Capa do Cordel Rosa de Cetim


Fonte: Elabora pela aluna Nayra Rosa Saldanha

Imagem – 2: Etapa do planejamento da escrita


Fonte: Arquivo pessoal.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 100


Imagem – 3: Lançamento da literatura de cordel
Fonte: Arquivo pessoal

Assim, as alunas pretendiam, por meio da adaptação do conto de Colasanti para a literatura de
cordel, compartilhar com o outro a busca pelo empoderamento feminino, em uma narrativa cuja
protagonista é vítima de inúmeras formas de violência por parte do marido

No dia do lançamento da obra das alunas Alice Neves e Ednelma Silva, apresentaram o cordel
Rosa de Cetim para a comunidade escolar da E. E. E. M., na Festa Literária de Mosqueiro 2023.

Resultados

O cordel produzido pelas discentes pode ser considerado como um dos muitos resultados do
Curso de Formação “Educação de gênero e diversidade: formando para o empoderamento feminino”.
Durante a trajetória de construção daquela produção literária, pude perceber que o objetivo principal
da formação era atingido todas as vezes que as meninas apresentavam uma parte do texto.

Ao ser apresentado no dia 8 de março, com a presença dos professores Salier Castro e
Marcello Casanova, o trabalho realizado pelas estudantes ganhou ainda mais representatividade.
Todas/os as/os estudantes da Escola Padre Eduardo realizaram atividades voltadas para a
valorização do empoderamento feminino. Efetivou-se um festival de música e dança no mês de março
e nos demais meses do ano letivo, nas atividades escolares, os discentes apresentaram a valorização
do trabalho da mulher, como forma de reflexão e de reconhecimento.

Foi perceptível, portanto, a evolução das discussões no ambiente escolar acerca da valorização
da mulher, no que tange os aspectos sociais, culturais e intelectuais. O trabalho das alunas trouxe aos
demais colegas a possibilidade de considerar, em todas as atividades escolares, a reflexão sobre a
importância feminina na construção de nossa sociedade.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 101


Ao ser apresentado na II Festa Literária de Mosqueiro, em junho de 2023, o cordel Rosa de
Cetim ganhou e deu voz às meninas, para que outras pessoas de fora da comunidade escolar
tivessem acesso a essa valiosa discussão e isso teve consequências muito positivas às autoras.

No que diz respeito ao empoderamento feminino, pude observar que as alunas se sentiram
mais importantes e empoderadas, uma vez que estão inseridas em um pequeno grupo de mulheres
cordelistas na Amazônia.

“Escrever o cordel, para mim, foi uma das sensações mais incríveis que já senti, lembro que
tentei desistir várias vezes, mas minha amiga sempre estava lá, me dando apoio e me encorajando a
continuar”, revelou Ednelma Silva.

Já Alice Neves considera que “foi uma experiência incrível, a qual nunca tinha vivido, nunca
imaginei que a produção do cordel iria trazer tantas oportunidades como as que eu tive, apresentar às
pessoas algo que você ajudou a construir é muito gratificante.”

Eu, enquanto docente, também pude enriquecer minhas práticas pedagógicas, ao conhecer
mais sobre as histórias de luta das mulheres, consigo hoje promover reflexões mais assertivas a
respeito dessas histórias, seja na análise de textos, na condução de debates ou até mesmo na
proposta de produção de textos escritos.

Considerações Finais

Apesar desses promissores resultados, há, pois, muito ainda a ser feito para dar à mulher um
lugar de equidade de direitos, por isso surge o compromisso de continuar o desafio de buscar
empoderar mais meninas e de incutir nos meninos a responsabilidade de garantir que este
empoderamento feminino continue a acontecer naquela Escola.

Para tal, é fundamental que desenvolvamos na referida escola a Semana do Empoderamento


Feminino, um evento que pode reunir as produções acadêmicas e culturais dos estudantes acerca
da temática tratada ao longo deste relato, como forma de assegurar a validação do Projeto de Lei nº
8.775/2018 (Pará, 2018), de autoria do deputado estadual Carlos Bordalo.

Convém, ainda, ressaltar a participação de toda a comunidade escolar na participação deste


evento para que a rede de empoderamento seja ampliada às famílias de nossos estudantes e alcance
mais mulheres em todo o Distrito de Mosqueiro, onde a escola está situada.

Destarte, poderíamos perceber como a produção literária de um cordel pode empoderar toda
uma comunidade, ao garantir o empenho de todos os envolvidos na Pedagogia de Projetos,
ressaltando sempre o protagonismo juvenil, sobretudo feminino, a escola é capaz de estimular que
trabalhos como este aqui relatado ganhem voz e apoio.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 102


Referências

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
COLASANTI. Marina. Para que ninguém a quisesse. In.: COLASANTI, M. Um espinho de marfim e
outras histórias. Porto Alegre: L&PM, 1999, p. 111-112.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez,
2001.F
MUHL, Eldon Henrique; SILVA, Larissa Hortência Moreira da. Feminismo e educação: desafios da
pedagogia na construção de uma formação mais equânime. 2020. 13 f. Artigo de conclusão de curso
(Licenciado em Pedagogia). Curso de Pedagogia. Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS,
2020. Disponível em: http://repositorio.upf.br/bitstream/riupf/1936/1/PF2021Larissa%20Hortencia
%20Moreira%20da%20Silva.pdf. Acesso em: 20 de outubro de 2023.
PARÁ. Lei n° 8775, de 16 de outubro de 2018. Institui no âmbito das escolas públicas e provadas do
Estado do Pará a semana do empoderamento feminino. Belém: Diário Oficial do Estado do Pará,
IOEPA, PA, n°33.720, 2018.
QUEIROZ, Doralice Alves de. Mulheres Cordelistas: percepções do universo feminino na literatura
de cordel. 2006, 121p. Dissertação (Mestrado em Letras - Estudos Literários) – Universidade Federal
de Minas Gerais, Minas Gerais, 2006.
SOUSA, Maria Ribeiro de. O cordel na sala de aula: a ressignificação do ensino de língua portuguesa.
2014, 50p. Monografia (Especialização em Educação: Práticas pedagógicas interdisciplinares) –
Universidade Estadual da Paraíba, Paraíba, 2014.

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ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO ENSINO MÉDIO: UM OLHAR CRÍTICO À VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA NO CONTO DE MARINA COLASANTI “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE”

Sandra Regina Feiteiro1


Hélio Castro do Nascimento2

Resumo

Este relato tem como objetivo apresentar a experiência didático-pedagógica, vivida por meio de uma prática de ensino e
aprendizagem que privilegia a integração entre a Literatura e a Filosofia, a partir da análise do conto “Para que ninguém a
quisesse,” de Marina Colasanti (2010), com alunas/os da Escola Estadual de Ensino Médio de Tempo Integral Padre
Eduardo, na Ilha de Mosqueiro. Para fundamentar a reflexão, foram utilizados alguns teóricos, como Kleiman (1995), Rojo
(2009) e Cosson (2020). Este estudo parte de uma abordagem qualitativa, com um caráter intervencionista, na qual foram
trabalhadas estratégias de leitura como oficina, roda de conversa e tertúlia literária. Os resultados indicam que as
atividades de leitura possibilitam o entendimento do letramento como um fenômeno que abrange um vasto campo do
conhecimento no que se refere aos usos e funções da oralidade e da escrita. Contribui à construção da identidade da/do
aluna/o livre de qualquer forma de violência, principalmente a sofrida pelas mulheres e outras formas de discriminação,
além de contribuir para a formação de leitores críticos de sua realidade.

Palavras-chave: Prática pedagógica. Empoderamento feminino. Letramento.

Introdução

Este trabalho apresenta um relato de uma experiência pedagógica vivenciada com alunas e
alunos do Ensino Médio, na Escola Estadual de Tempo Integral Padre Eduardo, localizada na Ilha de
Mosqueiro, região metropolitana de Belém/PA. A experiência ocorreu por meio de uma prática de
ensino e aprendizagem que privilegia a integração entre a Literatura e a Filosofia através do conto
“Para que ninguém a quisesse”, de Marina Colasanti (2010), com uma leitura acerca do
empoderamento feminino.

A Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2018), descreve competências e


habilidades essenciais que os estudantes devem adquirir ao longo de sua jornada educacional;
ressalta-se que, de certa maneira, isso já era estabelecido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais -
PCN (Brasil, 1998). Em relação à literatura, observa-se que está configurada como um campo da
segmentação do componente Língua Portuguesa: o campo artístico-literário. Conforme a BNCC
(Brasil, 2018, p. 495), “busca-se a ampliação do contato e a análise mais fundamentada de
manifestações culturais e artísticas em geral”. Nessa perspectiva, o documento aponta que a literatura

1 Mestra em Letras/Linguística (UFPA). Professora efetiva AD-4, Classe III - Secretaria de Estado de Educação PA. Lotada
na Escola Estadual de Ensino Médio Integral Padre Eduardo, DRE 17.
2 Professor especialista em Filosofia na Faculdade Unyleya. Professor efetivo, classe I. Secretária de Estado de Educação

PA. Lotado na Escola Estadual de Ensino Médio Integral Padre Eduardo, DRE 17.

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é uma arte entre outras, por isso deve ser estudada em diálogo com as práticas de linguagem, das
quais não se separa.

De acordo com essa BNCC (Brasil, 2018), a literatura favorece priorizar as práticas de
formação do leitor literário crítico, tanto no que diz respeito às mudanças sociais quanto às diferenças
de gênero. Nesse caso, é necessário trazer para a discussão o tema do empoderamento feminino no
Ensino Médio, com o intuito de desconstruir os preconceitos predeterminados com relação à mulher
num corpo social completamente patriarcal.

Destarte, com uma abordagem qualitativa e caráter intervencionista, este trabalho tem o
objetivo de apresentar estratégias de leitura que propiciam a relação literatura e leitor com ênfase à
temática do empoderamento feminino na prática docente. É intenção, ainda, discutir sobre o
empoderamento feminino no que se relaciona ao espaço da mulher na sociedade e na literatura
moderna no campo de estudo da filosofia: ética. Com base nesses princípios, visamos debater que a
justiça, dentro da doutrina moral de Immanuel Kant (1980), filósofo alemão construtor do criticismo,
não se confunde com vingança, seu resgate é acima de tudo a proposta de vitalização das potências
críticas do espírito, a caminho de uma relativa humanização. Tal filósofo foi escolhido em função de
que seus conceitos éticos estavam sendo abordados, quando o texto foi trabalhado com as alunas e
os alunos.

Nessa perspectiva, optamos por fomentar, de forma interdisciplinar, a formação do leitor crítico
frente às diversidades de gênero. Dessa forma, o caráter social da literatura promove diversas leituras
de mundo com o poder de construir discussões que levam à criatividade do leitor, ao diálogo e
compartilhamento de sua vivência de leitor literário, assim como de reflexões filosóficas de sua própria
identidade. Isso é possível através da “leitura literária que conduz a indagações sobre o que somos e
o que queremos viver, de tal forma que o diálogo com a literatura traz sempre a possibilidade de
avaliação dos valores postos em uma sociedade” (Cosson, 2020, p. 50), desafiando os discursos
preestabelecidos nela, uma vez que é possível uma perfeita relação da literatura aos direitos humanos.

Quanto à humanização, entendemos como

[...] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o
exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento
das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção
da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor (Candido, 2004, p. 182).

Nessa compreensão, vemos a importância da humanização na literatura. Mesmo bastante


rudimentar, ainda temos dificuldades em trabalhar com esse viés na escola em sala de aula. Porém,
observando a luta das mulheres por espaços sócio-políticos, atualmente, a expressão
empoderamento feminino tem um alcance significativo em projetos de âmbito educacional justamente
por ser um movimento de independência das mulheres em diversos aspectos da sociedade, como por
exemplo, nos aspectos político e educacional.
Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 105
Sob esse viés, os entraves encontrados no trabalho docente com essa questão de gênero,
mostram uma realidade social ainda patriarcal em pleno século XXI. A escolha pelo trabalho com
narrativa literária, no entanto, contribui para a formação do leitor e, consequentemente, para reflexões
que possam desmistificar a representação feminina na sociedade hodierna.

A proposta, descrita neste relato acerca do empoderamento feminino, baseando-se nos


conteúdos de literatura e filosofia, ocorreu durante a formação do Curso “Educação de Gênero e
Diversidade: formando para o Empoderamento Feminino”, ofertado pelo Centro de Formação dos
Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR), da Secretaria de Estado de Estadual
(SEDUC-PA), atendendo à Lei 8.775/2018 (Pará, 2018), de autoria do deputado Carlos Bordalo que
institui a Semana do Empoderamento Feminino nas escolas. O curso foi destinado a docentes e
coordenadores de 11 escolas de Tempo Integral da rede. Durante o planejamento didático entre as
áreas do conhecimento, surgiu o desejo de conciliar a proposta dos professores formadores do
CEFOR e o objetivo inerente às disciplinas de Língua Portuguesa e Filosofia, que é a formação do
leitor.

Desse modo, este relato expõe uma prática docente organizada em três etapas, utilizando-se
do conto moderno, a partir da temática do empoderamento feminino à luz do letramento literário
(Cosson, 2020), como estratégia metodológica para a formação leitora e o ideal em romper com a
dominação patriarcal no âmbito artístico-literário e filosófico.

Interfaces teórico-metodológicas

Importa apresentar, dialogicamente, como foram organizadas as práticas que sistematizaram


as interações das estratégias de leitura para este estudo. Porém, a priori, é importante destacar a
literatura utilizada cujas perspectivas teóricas buscaram refletir as singularidades das práticas de
letramento e bases filosóficas e deram conta dos objetivos nos autores Kleiman (1995), Rojo (2009),
Cosson (2020) dentre outros.

Segundo Freire (2005), a leitura de mundo antecipa-se à leitura da palavra, logo, não deve ser
uma mera atividade de decodificar códigos linguísticos. Ela acontece também no interior das
atividades que priorizam os aspectos da vida social, histórica e cultural do sujeito. No entanto, na
maioria das vezes, o único contato que as/os estudantres têm com os livros, principalmente de
literatura, é nas escolas, e as aulas de leitura, lamentavelmente, acontecem de forma obrigatória e
não voluntária.

Dessa forma, eles têm atravessado os portões das escolas sem o gosto pela leitura e chegado
às universidades tendo lido apenas resumos dos livros solicitados para o vestibular, porém, é possível

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 106


acreditar na mudança desse perfil de leitor começando pela centralidade do texto nas aulas de língua
materna e de filosofia.

Assim, os gêneros textuais se


[...] constituem o instrumento de mediação de toda estratégia de ensino e material de trabalho,
necessário e inesgotável, para o ensino da textualidade. A análise de suas características
fornece uma primeira base de modelização instrumental para organizar as atividades de ensino
que esses objetos de aprendizagem requerem (Dolz; Noverraz; Schneuwly, 2004, p. 51)

Os PCN (Brasil, 1998, p. 69-70) também destacam que “A leitura é o processo no qual o leitor
realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu
conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc.” Essa
orientação, entretanto, elucida de forma relevante o papel do leitor nesse processo, ou seja, a
importância daquele que produz novos sentidos para o texto e, consequentemente, faz uso de
diversas estratégias de leitura, como ilustra Freire (1996 p. 27): “A leitura verdadeira me compromete
de imediato com o texto que a mim se dá e a que me dou e de cuja compreensão fundamental me
vou tornando também sujeito”.

Com tal característica, torna-se cada vez mais importante a busca por um ensino de práticas
de leitura e escrita cuja participação da/do discente aconteça de forma efetiva. Para isso, os PCN de
Língua Portuguesa alertam que: “[...] um projeto educativo comprometido com a democratização social
e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso
aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos” (Brasil,
1997, p. 21).

É necessário destacar que essas práticas sociais de leitura e de escrita estão presentes no
cotidiano de toda a sociedade. São formas de utilização social da leitura e da escrita, sendo, portanto,
práticas de letramento. Segundo Soares (2008, p. 45), “as pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e
a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática de leitura e da escrita, não
necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita”.

Nesses termos,
O fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas
instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita. Pode-
se afirmar que a escola é a mais importante das agências de letramento, preocupa-se não como
letramento prática social, mas com apenas o tipo de prática de letramento, a alfabetização, o
processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico) processo geralmente concebido em
termos de uma competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola
(Kleiman, 1995, p. 20).

O letramento, portanto,
[...] varia através dos tempos e das culturas e dentro de uma mesma cultura. Por isso, práticas
tão diferentes, em contextos tão diferenciados, são vistas como letramento, embora
diferentemente valorizadas e designando a seus participantes poderes também diversos (Rojo,
2009, p. 99).

Daí vem a importância em agregar esses dois saberes: alfabetização e letramento, assim como
estudá-los nas práticas sociais.
Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 107
À luz dessas considerações, a partir de um trabalho pautado no gênero conto, temos a tertúlia
literária dialógica, por exemplo, como uma estratégia de leitura caracterizada pela interação social
entre as pessoas mediadas pela linguagem. De acordo com Mello, Braga e Gabassa (2012, p. 44), “é
uma atividade cultural, educativa e social”. Essa atividade possui características importantes para que
seu desenvolvimento tenha bons resultados.

A tertúlia Literária se reúne em sessão semanal de duas horas, decide-se conjuntamente o livro
e a parte a comentar em cada próxima reunião. todas as pessoas leem, refletem e conversam
com familiares e amigos durante a semana. Cada uma traz um fragmento eleito para ler em voz
alta e explicar o significado atribuído àquele parágrafo. O diálogo vai sendo construído a partir
dessas contribuições. os debates entre diferentes opiniões se resolvem apenas através de
argumentos (Flecha; Mello, 2005, p. 17-18).

Dessa maneira, podemos dizer que essas ideias corroboram com Freire (2005) e Rojo (2009),
quando afirmam a importância de promover uma educação do diálogo em que as/os estudantes
possam trocar experiências, aprender conjuntamente e produzir conhecimento, ressignificando a
linguagem e o contexto das pessoas na sociedade. O empoderamento feminino surge, nesse ínterim,
como foro de discussão entre discentes, a fim de que alcancemos a utopia de uma sociedade
igualitária e tolerante quanto à questão de gênero.

Certamente que o trabalho de inclusão da literatura escrita por mulheres na sala de aula ainda
é de difícil aceitação. Uma das mulheres empoderadas e imersas nessa literatura é Marina Colasanti.
Seus contos “transitam entre o real e o fantástico alinhavando ações que conduzem as relações
humanas e seus dilemas” (Santos; Grácia-Rodrigues, 2015, p. 160) e discute sobre as estruturas já
concebidas, oferecendo principalmente à mulher, oportunidade para descaracterizar a ideia
historicamente estabelecida da opressão imposta pelo patriarcalismo.

É mister destacar que a expressão empoderamento feminino é um neologismo, que conforme


Sardenberg (2016, p. 2), diz respeito a “um processo da conquista, da autonomia, da
autodeterminação” de uma pessoa que se encontra em desvantagem quanto aos seus direitos. No
tocante ao empoderamento feminino, é um movimento que corresponde “na libertação das mulheres
das amarras da opressão de gênero, da opressão patriarcal” (Sardenberg, 2016, p. 2).

O conceito de liberdade, no entanto, ganha destaque na discussão da temática do conto


escolhido para estudo em Schopenhauer (2002), que antevê a busca pela liberdade como um desejo
metafísico que não está mais satisfeito com o fenômeno, mas em busca do noumeno3. Diante desta
posição, o que move os leitores deste conto de Colasanti (2010), é a busca do princípio determinador
da moralidade “… o que move a investigação é uma ‘necessidade metafísica’, própria da humanidade
mesma, que o deixa insatisfeito com o fenômeno” (Schopenhauer, 2002, p. 9). Julgar os personagens
3 Na filosofia de Kant, termo que designa a realidade considerada em si mesma – a coisa – em si (Ding-na-sich),
independentemente da relação de conhecimento, podendo apenas ser pensada, sem ser conhecida. Opõem-se a
fenômeno, que designa objeto sensível precisamente como objeto da experiência (...) “Se admitirmos a existência de
coisas que são simplesmente objetos do entendimento, e que, portanto, podem dar-se como tais a uma intuição, sem que
possa ser uma intuição sensível, deveríamos chamar essas coisas de números” (Kant-Crítica da Razão pura). Apesar do
termo remontar a Kant, ele é utilizado por Schopenhauer no texto em questão (Japiassú, 2006).
Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 108
da trama com os apetrechos de seus espíritos, mesmo que de uma cultura filosófica e sociológica
mais rasa, não torne os leitores menos capazes, ao contrário, denuncia que há conteúdo, embora
descritos com menos maestria.

Partindo do princípio de que Schopenhauer (2002) incide sua luz à questão, leva-se em
consideração que Kant (1980) retempera o assunto, levando à posteridade um compromisso moral
capaz de caracterizá-lo. O princípio substancial de um caráter reto está assentado na percepção de
uma boa vontade; mesmo o desejo humano por dignidade, fortuna e prazer devem fazer parte deste
mote, pois ao bem de um bom caráter, deve reinar a vontade estabelecida no assento da dignidade
para a ascensão e participação na felicidade.

Assim, ser feliz é ser moralmente bem constituído de tudo que a Razão Pura pode alcançar,
porém com diligência da Razão Prática. Todo caráter deve estar assentado na dignidade da boa
vontade, como força motriz que nos desviem da barbárie de confundir justiça com vingança, do instinto
e da imprecisa capacidade de julgamento.

A boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão para alcançar qualquer
finalidade proposta, mas tão-somente pelo querer, isto é, em si mesma, e, considerada em si
mesma, deve ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo que por seu intermédio possa
ser alcançado (Kant, 1980, p. 110).

Do ponto de vista metodológico, este projeto foi realizado em sentido real de ensino e de
aprendizagem. Isso porque, como pesquisadores, observamos, interferimos e modificamos nossa
prática pedagógica, tentando entender as práticas sociais, culturais e históricas na comunidade. Para
fins metodológicos, dividimos as atividades em etapas, as quais se desenvolveram por meio de várias
ações, descritas parcialmente neste trabalho, organizadas por período bimestral, no decorrer dos anos
letivos de 2022 e primeiro semestre de 2023, com alunas e alunos do Ensino Médio da 1ª, 2ª e 3ª
séries, a saber:

Na primeira etapa, apresentamos às/aos discentes o conto “Para que ninguém a quisesse” de
Marina Colasanti (2010), utilizando a estratégia da tertúlia literária dialógica com o objetivo de encantá-
los para o universo maravilhoso das narrativas e em seguida focar na discussão da temática principal
do conto.

Na segunda etapa, aconteceram rodas de leitura nos espaços da escola com o conto
selecionado. As/os estudantes compartilharam a leitura, em círculo, destacando um trecho que leu e
mais chamou a atenção. Em seguida, construímos um mapa conceitual, na lousa, destacando
conceitos filosóficos a partir das interpretações extraídas da história envolvendo a personagem
feminina no conto. Essa prática discursiva, trouxe como propósito fecundar relatos de experiências já
vividas e que eclodem no ato de leitura do texto e representam uma profunda realidade na vida dos
discentes, haja vista que eles devem representar como se relacionariam com os conceitos da aula,
quando pensados e aplicados às suas vidas (Imagem 1).
Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 109
Imagem - 1: Painel fotográfico com tertúlia literária e roda de leitura
Fonte: Registrado pelos autores (2022).

Em seguida, aconteceram as tertúlias literárias, na biblioteca, com a temática que versava sobre
a representação feminina no conto “Para que ninguém a quisesse”. Nessa atividade, foram
selecionadas/os alunas e alunos de todas as turmas de Ensino Médio para apresentar a tertúlia com
a referida temática em outra escola, para professores, como exemplo de estratégia de leitura.
Concomitante a essas atividades, houve uma criteriosa reescrita do texto com o propósito de
estabelecer um final diferente para o enredo levando em consideração as discussões realizadas
anteriormente (Imagem 2).

Imagem - 2: Painel fotográfico “palavra em movimento” com visita às escolas e reescrita do conto
Fonte: Registrado pelos autores (2022).

Na terceira etapa, seguiram-se as oficinas para orientação de reescrita das narrativas com base
no conto “Para que ninguém a quisesse”. Na praça da escola, debaixo de uma mangueira e no
auditório, em uma roda de conversa com os professores de Filosofia e Língua Portuguesa, as/os
estudantes apresentaram as narrativas para os colegas em uma ciranda de leitura já com as histórias
tecidas, numa sessão de histórias do empoderamento feminino (Imagem 3).

Imagem - 3: Painel fotográfico com as oficinas de reescrita das narrativas e os círculos de leitura e debate
Fonte: Registrado pelos autores (2022).

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 110


Por fim, no período que antecedia o ENEM, as/os alunas/os participaram de um simulado de
redação com orientações para produção de dissertação-argumentativa com o tema “Desafios para
combater o feminicídio no Brasil”. Antes, porém, fizeram parte de uma mesa de debate com a presença
de especialistas em diversas áreas do conhecimento.

Foi elaborado, ainda, um livro com as narrativas reescritas, digitado pelas/pelos próprias/os
alunas/os da escola Padre Eduardo para que, mais uma vez, ficasse registrado na memória e na vida
de todas e de todos a importância de o letramento escolar ultrapassar os muros da escola e ir ao
encontro de práticas e eventos de letramento no contexto da comunidade.

Resultados alcançados

Considerando o aporte teórico brevemente assinalado, em interface com as ações


apresentadas pelo projeto, podemos afirmar que foram os contextos nos quais as práticas foram
mobilizadas que nos levaram às diversas orientações de uso da linguagem, de objetivos, de metas de
leitura e escrita, de várias situações de comunicação, assim como das relações e necessidades de
interação das/dos alunas/os envolvidos nessa situação.

Este projeto vai muito além de uma prática de leitura. A experiência vivida revela que a partir
do contato expressivo com discussões, elas/eles enriqueceram sua linguagem e ampliaram seu
repertório sociocultural, facilitando novas possibilidades expressivas da palavra. Isso foi perceptível
na reação delas/deles, quando ocorreu uma massiva manifestação de revolta, numa proposta de
substituição da justiça pela vingança, ante ao tratamento recebido pela protagonista do texto, imputado
pelo seu companheiro, o que fez refletir e muito nossa prática.

É importante, portanto, destacar algumas falas que mostram a relevância da leitura partilhada
e as reflexões filosóficas no processo de letramento. Os relatos das/dos alunas/os trouxeram
profundos significados ao perceber que suas revoltas aludem, em certo grau, às revoltas de toda uma
sociedade, a qual nos encontramos inseridos e a qual serve como nosso laboratório experimental.

Excerto 1: Aluna Odara


“Isso acontece muito ainda. A mulher é refém de sua própria sombra. Ela se sente culpada pela
relação não dar certo.”

Excerto 2: Aluno Maycon


“Gostei muito de ler o conto de Colasanti. Ela escreve sobre um tema tão atual e esse conto foi
escrito há tanto tempo.”

Excerto 3: Aluna Rebeca


“Ela é uma escritora que mexe com os sentimentos femininos e faz a gente refletir sobre o
machismo”.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 111


Excerto 4: Aluna Ednelma
“A leitura que faço é assustadora porque percebi, depois de lermos o conto de Colasanti, assim
que cheguei em casa, que meu irmão não faz serviço doméstico, minha mãe diz que esse serviço
é meu pois sou menina. Então, o machismo começa em casa desde muito cedo.”

Os apontamentos das/dos estudantes promovem uma estreita e profunda ligação entre as


bases, variadas aos montes, de uma linha literária que cintila no pedestal e no púlpito da crítica
filosófica e sociológica, enfileirando-se em uma extensa esteira do Modernismo. Na base do conto
“Para que ninguém a quisesse” (Colasanti, 2010), está a figuração de uma revolução intrínseca nas
sociedades, em épocas pregressas e atuais: a mulher como submissa ao homem, gritando a todos os
pulmões seu anseio por liberdade.

Esses entendimentos mostram a relação que as/os discentes estabeleceram com o conto,
elegendo-o como um excelente texto. Para além disso, a relação estabelecida entre leitor-mundo
como partilha, contribuiu à formação do leitor e do escritor. De modo análogo, ficou perceptível, nos
finais do conto reescrito o que tais práticas acarretaram tanto em relação à prática de leitura, à
ampliação vocabular, como do próprio funcionamento dos debates e reflexões filosóficas:

Excerto 5: Aluna Daniele


“[...] tinha dificuldade com a leitura, mas com a tertúlia agora eu leio mais e sinto vontade de
escrever.”

Excerto 6: Aluno Francisco


“Na tertúlia aprendi a esperar minha vez de falar e, principalmente, aprendi a escutar.”

Excerto 7: Aluna Beatriz


“Com o debate eu consegui reescrever melhor o texto. Estava com uma ideia muito simples para
o final do conto”.

A tertúlia permitiu, desse modo, o aprendizado escolar e, ao mesmo tempo, compreender uma
dinâmica pautada no respeito e na valorização das diferenças. Isso é confirmado nos discursos orais
das/dos alunas/os e, principalmente, na reescrita do conto. Em “Para que ninguém a quisesse”, a
mulher é apagada aos poucos, ficando sem vida, tornando-a um objeto, uma rosa desbotada. Isso
ocorre devido aos ciúmes do marido: “porque os homens olhavam demais para sua mulher, mandou
que descesse a bainha dos vestidos e parasse de se pintar” (Colasanti, 2012, p. 80).

Assim, aos poucos o marido a vai silenciando, para que ninguém a queira, só que isso o inclui
também

Ninguém a olhava duas vezes, homem nenhum se interessava por ela. Esquiva como um gato,
não mais atravessava praças. E evitava sair. Tão esquiva se fez, que ele foi deixando de ocupar-
se dela, permitindo que fluísse em silêncio pelos cômodos, mimetizada com os móveis e as
sombras. Uma fina saudade, porém, começou a alinhavar-se em seus dias. Não saudade da
mulher. Mas do desejo inflamado que tivera por ela (Colasanti,, 2012, p.80-81).

Ao final, o que sobra é apenas um vulto, que andava pela casa totalmente apagado tal qual
uma rosa desbotada. Dessa forma, a narrativa expõe a mulher na relação com o homem, mostrando
Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 112
um efeito de dominação masculina que silencia os dois de forma irreversível como apresenta a
releitura feita pela aluna Rebeca:

Excerto 8: Releitura do conto estudado de autoria da aluna Rebeca


[...] então ele buscou outros amores, ainda mantendo ela presa a si. Rosana afundada nas
dúvidas de quem ele era e de quem ela era, queria correr o risco de pedir ajuda, mas sob
ameaças simplesmente não podia, não conseguia. O ponto final para esta triste história acabou
não sendo outro que não fosse a arma ensanguentada ao lado do seu corpo na madrugada de
domingo com remédios espalhadas por todo o quarto. (Rebeca – 2022)

O efeito catártico da narrativa reescrita não guarda relação de reciprocidade com a ética, haja
vista que ela tende a valorar a ação do leitor como perfeitamente “compreensível”, “realizável” e
“perdoável”, canalizado pelas dores morais desses leitores, pois postula o resgate da justiça de forma
unilateral, entretanto com o desgaste da boa vontade e a valorização dos instintos. Os personagens
da trama conflitam em seus interesses, com o personagem masculino sabotando todas as
expectativas do feminino, o que causa revolta, porém, essa revolta não resgata a unidade formal
determinada pela boa vontade kantiana, o que significa uma carência de insumos morais.

Kant (1980) não será o último filósofo que alargaria a leitura do conto, mas descreve um bom
caminho na compreensão de um conceito de liberdade que sirva aos dois personagens, que estão
presos de alguma forma a uma vontade que não é boa em si mesma.

Em outra releitura, a personagem feminina também não consegue escapar de seu algoz, porém
dá uma outra versão para ele:

Excerto 9: Releitura do conto estudado de autoria da aluna Ednelma


Certo dia, ao ver seu reflexo no espelho e não se enxergar mais, não enxergar sentido para sua
vida, resolve com a mesma rosa de cetim que havia ganhado de seu marido, desferiu-a em seu
peito, agonizou na cama, mesmo lugar que um dia havia sentido amor por ele. Ao vê-la sem vida
sobre a cama, percebeu que seu medo de perdê-la para outro não era verdade, mas sim para a
morte. Com lágrimas nos olhos e a rosa de cetim na mão, atirou-se do terceiro andar e perdeu
sua vida e seu amor no mesmo dia. (Ednelma – 2022)

Porém, em grande parte das reescritas, os textos demonstraram um desejo significativo para
que essa realidade atual tivesse um rumo diferente, com a desigualdade de gênero sendo respeitada
e a mulher sem submissão e livre de qualquer tipo de violência, seja física, moral e psicológica:

Excerto 10: Releitura do conto estudado de autoria do aluno Hamilton


De repente, Sandra viu um livro de romance em cima da cômoda, leu e se encantou. Viu que
através dessa leitura o que seu marido sentia por ela não era amor, mas uma obsessão doentia
de lhe ter como posse. Ela aprendeu a amar a leitura e começou a ler, ler e ler. Até que um dia
ela se deparou com o conto de Colasanti Para que ninguém a quisesse. Ela se identificou com
a personagem, mas queria um rumo diferente. Pegou suas coisas e saiu de casa sem se importar
com seu marido. Ela pediu abrigo para uma amiga e no outro dia já conseguiu um emprego no
salão de beleza. Agora trabalhando ela voltou a se arrumar e se maquilar. Percebeu que não
precisava de homem para comprar suas coisas e não precisava de opinião dos outros para se
achar bonita, pois seu amor-próprio era o que importava. (Hamilton -2022)

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Todavia, o que é ser livre? Quando Penélope, na Odisseia, ganhava tempo enganando seus
pretendentes para não perder sua liberdade, aguardava fervorosamente a volta de Ulisses, que
representaria sua liberdade, ao mesmo tempo sua submissão ao próprio Ulisses. A liberdade se
compõe em uma figura alegórica, um desejo relativo e efêmero que não ressignifica por completo uma
nova pessoa, mas rompe, de modo abrupto, com um ser contingencial, incerto, margeado por uma
postura secular e naturalizada.

Desse modo, irromper com o velho e abraçar o novo é um parto dolorido em que as agruras do
processo dinamizam por baixo suas ações. Falo em parto porque é uma dor que marca profundamente
e é alcançada pelo cinzel da moralidade, mas também da construção epistemológica, que cultiva o
saber fazer. O fato é: querer fazer não sacramenta que a ação terá êxito, mas o saber fazer nos move
para mais próximos dessa certeza.

Nessa perspectiva, a literatura e a filosofia tornam-se lugar de produzir reflexões e assim efeitos
sobre como a mulher é significada e de que modo a resistência pode ocorrer. Possibilita o
entendimento do letramento como um fenômeno que abrange um vasto campo do conhecimento no
que se refere aos usos e funções da escrita e da fala.

Algumas considerações finais

O desenvolvimento de práticas de letramento atreladas a uma abordagem interdisciplinar entre


Língua Portuguesa e Filosofia, com alunas e alunos do Ensino Médio, tem apresentado impactos
positivos, especialmente no que diz respeito ao envolvimento de conteúdos por parte delas/deles e a
melhoria da convivência entre elas/eles, como por exemplo, atitudes de mais respeito, mais diálogo e
mais trabalho coletivo como revelaram, mesmo que parcialmente, os resultados deste estudo.

A experiência vivenciada nas escolas visitadas em relação à tertúlia mostrou-se bastante


significativa. Não apenas conclamada pelas/pelos alunas/os tertuliadores, mas pelos professores que
participaram. A tertúlia, como um momento de leitura partilhada, permitiu o aprendizado escolar do
ato de ler não apenas limitado ao processo de decodificação, mas avança em relação à leitura crítica
de mundo.

Em síntese, o interesse das/dos alunas/os pelos debates não é diferente; eles reivindicam a
atividade para acontecer periodicamente em suas turmas. Possuem limitações quanto ao repertório
temático, mas é perceptível o esforço para melhorar as interpretações buscando outros referenciais
e, algumas vezes, optando pela intertextualidade. Por fim, é importante afirmar que é possível realizar
práticas de letramento de maneira isolada e obter bons resultados, mas esses resultados serão mais
significativos se a proposta for tomada como a própria forma de organização da escola.

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Referências

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A ARTE E SUAS EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS EM CONEXÃO COM A SOCIOLOGIA PARA O
EMPODERAMENTO FEMININO
Robelania dos Santos Gemaque1
Sarah de Aviz Cardoso Rocha2
Péricles Douglas Matos3

Resumo

Este relato de experiência reflete a prática educativa desenvolvida na Escola Estadual de Ensino Médio professor Manoel
Leite Carneiro. As atividades realizadas se inserem no contexto da lei estadual de nº 8775/2018 (Pará, 2018), que institui
no âmbito das escolas públicas e privadas do estado do Pará a Semana do Empoderamento Feminino. As atividades
desenvolvidas em sala de aula, culminaram nos seguintes resultados: três produções audiovisuais, uma mesa temática
“Mulheres e situação de violência: quem são essas mulheres da mulheridade?” e na semana do Dia Internacional da
Mulher, durante o intervalo, a realização de um momento no espaço em frente ao refeitório da escola de exposição e
apresentação das atividades realizadas pelas/pelos estudantes. Considera-se que a Arte e suas experiências estéticas
em conexão com a Sociologia, articuladas às experiências e vivências compartilhadas pelas/pelos jovens, podem contribuir
para o combate aos preconceitos e ideias estereotipadas a respeito das diversidades presentes em nossa sociedade, nas
relações de poder entre os gêneros.

Palavras-chave: Prática educativa. Interdisciplinaridade. Violência de Gênero. Feminicídio.

Introdução

A prática educativa desenvolvida na Escola Estadual de Ensino Médio Professor Manoel Leite
Carneiro4, é uma reformulação de um projeto intitulado “As musas do nosso Brasil”, realizado sob a
orientação da professora Sarah Aviz do campo de saberes em Artes e tem como objetivo geral atender
ao disposto na lei nº 8775/2018, que institui no âmbito das escolas públicas e privadas do estado do
Pará a Semana do Empoderamento Feminino.

Nesse sentido, as atividades realizadas enfatizaram questões relacionadas ao ciclo de violência


contra a mulher, relacionamento abusivo, assédio sexual, violência física, sexual, psicológica, moral,
patrimonial, feminicídio e direitos das mulheres etc.

Compreende-se que o desenvolvimento de atividades pedagógicas sobre os temas em sala de


aula, possui potencial para o desenvolver o pensamento crítico dos estudantes, sobre projetos
societários que não reconhecem a diversidade existente em nossa cultura, deslegitima as identidades

1 Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT- IFPA);
Professora de Sociologia e Artes da Escola Estadual de Ensino Médio Manoel Leite Carneiro.
2 Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará, Professora da Escola Estadual de Ensino Médio

Profº Manoel Leite Carneiro


3 Licenciado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Pará, .Licenciado em Educação Artística pela Universidade

Federal do Pará, Diretor da Escola Estadual de Ensino Médio Profº Manoel Leite Carneiro
4 A partir daqui, mencionaremos somente a escola MLC, quando nos referirmos à instituição escolar lócus da prática

educativa.

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de gênero, ameaça direitos e pretendem impor a todas as pessoas a lógica homogeneizante cultural
e mercadológica, tendo em vista um projeto de educação e sociedade 5.

Nesse sentido, a prática educativa realizada na escola MLC, justifica-se pela importância das
discussões sobre violência de gênero e dar a conhecer a ação política organizada de mulheres para
a conquista de direitos, para o reconhecimento e o fortalecimento da cidadania.

Assim, conforme aponta Louro (1997, p.119), “a construção de uma prática educativa não-
sexista necessariamente terá de se fazer a partir de dentro desses jogos de poder. Feministas ou não,
somos parte dessa trama e precisamos levar isso em conta”.

O plano de ação elaborado para o desenvolvimento da prática educativa, propôs dar visibilidade
à construção social das desigualdades de gênero, e produzir um debate em sala de aula na
perspectiva da subversão do lugar social atribuído às mulheres na sociedade brasileira nas dimensões
do trabalho, da política, do patrimônio; informação quanto ao processo de luta para a conquista e
garantia de direitos políticos, civis e sociais para as mulheres; fortalecimento das/dos estudantes,
através do reconhecimento de instrumentos legais para o enfrentamento da violência contra a mulher.

O Contexto Social da Produção da Prática Educativa

A escola MLC localiza-se no Conjunto Maria Helena Coutinho, no bairro do Tenoné, periferia
do município de Belém. A escola se caracteriza pela proposta pedagógica de Educação de Tempo
Integral e de Educação Integral, desde o início do seu funcionamento, em 2015. Nesta modalidade de
educação, oferece, num tempo escolar ampliado de 9h, atividades escolares do currículo básico
intercaladas com oficinas curriculares nas áreas da linguagem, esportiva, artística, cultural e de
formação cidadã.

No entorno da escola estão presentes alguns equipamentos sociais como Unidade Integrada
de Polícia Pacificadora, posto de saúde, uma quadra poliesportiva do Sesc, além quatro igrejas
católicas e um grande número de igrejas evangélicas das mais diferentes denominações. Estão
presentes também, a influência de políticos locais que tem principalmente entre os moradores do
Conjunto Maria Helena Coutinho, aqueles que realizam serviço de cabos eleitorais, com forte
atuação em período de eleições.

O público atendido pela escola MLC é oriundo majoritariamente desse lugar, de modo que o
entorno influencia as relações que são estabelecidas dentro da escola, e na própria dinâmica de

5Durante o governo Bolsonaro (2018 - 2022), forte pressão foi exercida dentro dos espaços de poder e decisão tanto na
esfera municipal, quanto estadual, e federal, para que o estado interferisse nas publicações científicas e acadêmicas,
peças de teatro, exposições culturais, produção de filmes, apontando quais temas possuem, de acordo com a ideologia
defendida pelo governo, legitimidade para receber financiamento público - Censura de Bolsonaro à cultura afeta os
negros, as mulheres e os LGBTs. Disponível em: https://almapreta.com/editorias/realidade/ censura-de-bolsonaro-a-
cultura- afeta-os-negros-as- mulheres-e-os-lgbts. Acesso em: 8/11/2019.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 117


realização de atividades que a escola propõe para desenvolver, como as questões que envolvem o
debate sobre gênero, sexualidade e cultura africana e afro-brasileira, mesmo com a instituição da Lei
10.639/2003 (Brasil, 2003), o tema não ocupa espaço nos conteúdos curriculares obrigatórios.

A implementação da lei estadual de nº 8775/2018 (Pará, 2018), que institui no âmbito das
escolas públicas e privadas do estado do Pará a “Semana do Empoderamento Feminino”, e a valorosa
contribuição do Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará
(CEFOR), veio fortalecer o Projeto Político Pedagógico da escola e respalda o trabalho que já é
desenvolvido por docentes sobre os temas, tendo em vista a ampliação do debate sobre o tema no
dia a dia da escola.

Apontamentos Teóricos Sobre Violência De Gênero e Feminicídio

Cunha (2014), trata a violência contra a mulher, enquanto relações patriarcais de gênero e
a desproporcionalidade que elas estabelecem na relação de convívio, identidade e sexualidade
entre os sexos. A autora enfatiza que a violência de gênero integra a ordem patriarcal de gênero
como relação de poder de dominação e exploração do homem e de submissão da mulher.

Alicerçada na desigualdade baseada no sexo, a violência de gênero também pode ser


entendida como uma produção histórica e social, que varia de acordo com o contexto cultural, cujas
implicações sociais refletem a naturalização da inferiorização e submetimento das mulheres a
situações constrangedoras, a negação de direitos e a ameaça à integridade física da mulher.

A lei 11.340 (Brasil, 2006, n.p.), em seu art. 5º diz que se “configura violência doméstica e
familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial".

Saffioti (2015), compreende a violência de gênero, para além da esfera familiar e doméstica.
Uma vez que o patriarcado atravessa a sociedade como um todo, ela se manifesta em todas as
instituições e impregna todas as relações sociais. No continuum da violência de gênero, o feminicídio
de acordo com Campos (2015), é a forma mais extrema da violência contra a mulher.

São imensos os obstáculos para o enfrentamento desse fenômeno social, em nível


governamental, das políticas públicas, da sociedade civil organizada e das instituições. Gadotti (2007,
p. 32), instiga a nos inspirar no legado de Paulo Freire, que nos “ensinou a olhar para o caos cotidiano
e enxergar nele a utopia, a não perder a esperança diante das dificuldades”.

O desafio está posto para todas e todos, no exercício da interdisciplinaridade, entende-se que
as escolas podem estimular o planejamento de atividades educativas tendo em vista a “superação
das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas

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as formas de discriminação”6, promovendo a disseminação de informações com vistas ao
empoderamento feminino.

Abordagem Metodológica e Concepção da Prática Educativa

A prática educativa, caracteriza-se pelo diálogo interdisciplinar entre o Campo de Saberes e


Práticas em Arte, o Campo de Saberes e Práticas em Sociologia, e o trabalho colaborativo de
estudantes da 2ª série da Escola MLC – ano letivo 2022, fundamentada na aprendizagem baseada
em projetos, que se caracteriza por trabalhar habilidades de pensamento crítico, criativo das e dos
estudantes para perceber que existem várias maneiras para a realização de uma tarefa, tidas como
competências necessárias para o século XXI (Moran, 2019).

Os encaminhamentos didáticos-pedagógicos, privilegiaram uma concepção freiriana de


educação, baseada no diálogo, nos termos de Santiago e Batista Neto (2016, 139), enquanto
“fundamento da educação problematizadora e como atitude pedagógica docente”.

A partir dos pressupostos adotados, construímos um plano de ação para desenvolvermos com
duas turmas da 2ª série, durante o período de novembro de 2022 a janeiro de 2023, obedecendo as
seguintes etapas: (A) problematização inicial, (B) organização do conhecimento e (C) aplicação do
conhecimento - dinâmica didático – pedagógica conhecida como “Três Momentos Pedagógicos”
(Muenchen; Delizoicov, 2012).

(A) Problematização

Inicialmente, apresentamos o projeto com as turmas selecionadas para a realização da prática


educativa; a partir disso, utilizando como recurso pedagógico, matéria jornalística que tratou dos
crimes de feminicídio no período da pandemia de COVID-19, no estado do Pará7, e o texto intitulado,
Um vírus duas guerras: no Pará crime de feminicídio aumentou 100% na pandemia. Os recursos
subsidiaram o início da problematização inicial

O objetivo desta atividade, foi apresentar aos estudantes o feminicídio enquanto um fenômeno,
construído social e historicamente, como estágio final da violência contra a mulher e como resultado
do tratamento desigual entre homens e mulheres, fundamentada no machismo e no patriarcado.

Exibimos e detalhamos os dados do gráfico e em seguida, com o objetivo de provocarmos o


pensamento crítico e a reflexão das e dos estudantes, formulamos o seguinte questionamento: quais

6 Texto final aprovado para o Plano Nacional de Educação - 2014. Alguns segmentos sociais e políticos discordaram
veementemente que os temas da sexualidade e do gênero devam ser tratados na esfera pública, em espaços como a
escola.
7 No Pará, o crime de feminicídio aumentou 100% na pandemia - Amazônia Real (amazoniareal.com.br).

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fatores podem ser considerados os causadores do aumento do número de casos de feminicídio no
período da pandemia?

Após o primeiro momento de reflexão, as/os estudantes levaram como tarefa para casa, a
pesquisa de casos de feminicídio ocorridos na Região Metropolitana de Belém. O material pesquisado,
foi utilizado como recurso didático, para o aprofundamento da discussão sobre violência contra a
mulher e feminicídio, no segundo momento da problematização inicial.

Organizados em grupo (Imagem 1) e as/os estudantes foram orientadas/os a realizar a leitura


do material pesquisado, destacar o que de mais importante encontraram na pesquisa e posteriormente
socializar com a turma as suas percepções. O objetivo da atividade foi apreender a percepção das/dos
estudantes diante dos casos de feminicídio pesquisados.

Imagem - 1: Trabalhando com as imagens de casos de feminicídio


Fonte: Arquivo pessoal.

O Aprofundamento do debate sobre violência contra a mulher ocorreu com a utilização de dois
recursos didáticos: um primeiro com a utilização da imagem de uma pintura produzida pela artista
plástica iraniana, Shansia Hassani intitulada: “Quadro Religioso”8 e o segundo, o texto “Para que
ninguém a quisesse” de Marina Colasanti” (2012). Em seguida, solicitamos que uma ou um estudante,
voluntariamente, realizasse a leitura do texto para a turma.

Com esses recursos, pedimos que as/os estudantes fixassem o olhar na obra da artista plástica
e descrevessem as sensações que a figura da mulher lhes despertava. Para tanto, formulamos a
seguinte questão: Qual leitura vocês fazem da arte produzida por Shamsia Hassani? Qual mensagem
a artista transmite através de seu trabalho? Estimulamos as/os estudantes a interpretar as expressões
faciais, corporais e os elementos presentes na obra da artista.

8 https://www.instagram.com/shamsiahassani/

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O objetivo dessa atividade foi apresentar contextos sociais, políticos e culturais diferentes nos
quais o silenciamento e a invisibilização da mulher ocorre de maneira explícita com a interferência
direta da religião ditando as regras e as normas para o comportamento das mulheres.

Por meio da leitura do texto, complementamos a discussão sobre a submissão da mulher como
resultado de um processo de silenciamento e invisibilização construído social e historicamente, com
base no patriarcado, quer seja de maneira explícita quer seja de maneira velada, escamoteada.

(B) Organização do Conhecimento

Esta etapa correspondeu às reflexões das/dos estudantes, as atividades avaliativas


realizadas ao longo do processo de problematização dos objetos de conhecimento da prática
educativa. Foram organizadas quatro atividades avaliativas para serem realizadas em grupo em
sala de aula. As avaliações dos estudantes foram realizadas concomitante ao desenvolvimento das
atividades de maneira processual e cumulativa e subsidiaram a etapa de culminância do projeto.

(C) Aplicação do Conhecimento

As atividades desenvolvidas em sala de aula, culminaram nos seguintes resultados: duas


produções audiovisuais9, uma mesa temática – Mulheres e situação de violência: quem são essas
mulheres da mulheridade? – no auditório com a participação de três mulheres feministas para
discutir a interseccionalidade gênero-raça-sexualidade, com estudantes das turmas da 3ª série, e
na semana do dia internacional da mulher, durante o intervalo, tivemos um momento no espaço em
frente ao refeitório da escola para a exposição e apresentação das atividades realizadas pelas/pelos
estudantes.

Resultados e Discussões: a sala de aula como lugar de empoderamento

As reflexões realizadas pelos estudantes, durante as atividades previstas no plano de ação


aproximam-se do objeto de diversos estudos realizados no Brasil, sobre a violência contra a mulher
no período da pandemia, os discursos dos estudantes durante o momento (A) problematização inicial,
refletem esse entendimento.

“Com o distanciamento social, a vítima passou a ser obrigada a conviver muito mais tempo com
o agressor”, relatou um estudante. “Com a falta de trabalho, muitos casais dependiam da família ou
do marido, com isso a violência psicológica...”, respondeu outra estudante. “A pandemia contribuiu,

9Trabalho de sociologia. Escola Manoel Leite Carneiro. - YouTube; Violência contra a mulher. Escola Manoel Leite
Carneiro. - YouTube

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pois, as mulheres ficaram dentro de casa com os seus companheiros que podem ser os seus
agressores”.

Para os estudiosos, é fato que o isolamento social gerou impactos determinantes para o
agravamento dos casos de violência contra a mulher e a consequente para a crescente do feminicídio,
entretanto os fatores que motivam a prática do feminicídio, já se encontravam presentes por questões
estruturais.

Entre vários fatores, os estudos destacam a situação socioeconômica desfavorável, relação de


poder, controle e dominação de homens sobre as mulheres, falta de legislação e serviços
disponíveis para as mulheres em situação de violência, a tolerância e a legitimação social da
violência entre outros fatores (Sunde et al., 2021, p. 64).

Durante a socialização do resultado das pesquisas dos casos de feminicídio, foi possível
perceber a aproximação dos estudantes do fenômeno social estudado pois relataram situações de
pessoas próximas envolvidas com a questão da violência doméstica conforme podemos observar
nos discursos das e dos estudantes: “Professora, um conhecido meu, ele tem o hábito de beber
bebidas alcoólicas, e quando ele bebe demais, essa pessoa fica fora de si e ele leva isso pra dentro
de casa, especialmente a mulher dele que sofre com agressões verbalmente ou fisicamente”
(Atividade realizada em sala de aula – dez/2022).

Foi possível também apreender a percepção dos estudantes para outras formas de violência
na qual a mulher encontra-se inserida. Uma estudante contribuiu com a socialização,
complementando que “o fato de agredir a mulher, além de machucar o corpo delas, eles agridem,
humilham elas com palavras ofensivas, acabando com o psicológico delas.”

As reflexões realizadas com os estudantes por meio da obra de Shamsia Hassani (Imagem 2)
e do texto da autora Marina Colasanti (Imagem 3) jogaram luz sobre a forma perigosa que se constrói
o silenciamento e a invisibilização da mulher e produz a subalternização em qualquer que seja o
contexto social e cultural, mediada pela ideologia e uma moral religiosa de maneira explícita ou velada.

Imagem - 2: Quadro religioso


Fonte: https://www.instagram.com/shamsiahassani/

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Imagem - 3: Trabalhando o texto da Marina Colasanti
Fonte: Arquivo pessoal.

A expressão da mulher sem voz, sem força, obediente a regras e fundamentos religiosos que
a imobilizam, – a mulher que é retratada na obra da artista iraniana, não tem a boca, olha para baixo,
está ao pé do homem e presa a um símbolo religioso – conduziram a interpretação dos estudantes
para a opressão, tristeza, medo, expressas na obra artista.

Entretanto, as/os estudantes também perceberam a força, a esperança e resistência, presentes


na atitude da artista, em retratar, difundir e denunciar por meio da arte, um contexto social, político,
econômico de extrema vulnerabilidade e negação de direitos em que as mulheres afegãs se
encontram inseridas. A comparação entre contextos sociais e culturais diferentes, foi realizada com a
leitura do texto “Para que ninguém a quisesse”.

Destaco a maneira sorrateira e a sutileza de como é produzida a subalternização da mulher,


mediante o silenciamento, o apagamento e a invisibilização, demonstrada por Marina Colasanti no
texto “Para que ninguém a quisesse” (2012). Tanto Shamsia quanto Marina, em situações de vida e
trabalho em culturas diferentes, expressam em suas produções, o sexismo e o machismo enquanto
produtos do patriarcado como um sistema dominante que atravessa diferentes mulheres.

As produções das autoras inserem o fenômeno social da violência contra a mulher, enquanto
categoria universal, e estende as formas de violência para outras dimensões além da física: a
psicológica, moral, sexual e patrimonial.

Imagem - 4: Culminância das atividades


Fonte: Arquivo pessoal.
Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 123
Todas as questões discutidas exaustivamente com os estudantes, por meio das dinâmicas orais
e escritas, atividades avaliativas, em sala de aula, foram socializados com toda a escola, em
momentos distintos, como culminância das atividades (Imagem 4) e caracteriza o fechamento final da
dinâmica didático – pedagógica – “Três Momentos Pedagógicos”.

Considerações Finais

O plano de ação desenvolvido em parceria com o CEFOR, e com estudantes de duas turmas
da 2ª série da Escola MLC, amplia e fortalece o desenvolvimento de práticas educativas sobre
gênero e violência de gênero dentro da escola.

O exercício da interdisciplinaridade, com atividades dinâmicas, estimulando a criatividade e as


habilidades das/dos estudantes, mostraram-se positivas e comprova, que mesmo diante das
dificuldades que cercam o debate sobre o tema em sala de aula, é possível mitigar as resistências
que os fatores ideológico e religioso impõem aos educadores.

Paulo Freire (2004 apud Gadotti, 2007, p. 96), sublinha os limites da prática educativa, “a
melhor afirmação para definir o alcance da prática educativa em face dos limites a que se submete é
a seguinte: não podendo tudo, a prática educativa pode alguma coisa. Temos no legado de luta e
esperança, do patrono da Educação Brasileira, o caminho pedagógico para vencermos as dificuldades
impostas, no dia a dia em sala de aula. Esperança na luta ... esperança da vida.

Consideramos importante a realização de práticas educativas, que destaquem a sutileza com


que é realizada a invisibilização feminina, como uma violência que é construída socialmente, de
maneira sorrateira, nas relações sociais. Faz - se imprescindível assumir o trabalho de visibilizar essas
práticas, em vista do empoderamento das mulheres.

Concordamos que, se a subalternização da mulher é construção histórica e social que é


ensinada e aprendida ao longo da socialização dos indivíduos, e tem na educação seu principal
instrumento de reprodução, concordamos também, que o trabalho de desconstrução dos estereótipos
de gênero, que levam a produção das desigualdades, seja assumido pelas escolas no conjunto dos
campos de saberes, de maneira inter, trans ou multidisciplinar.

Referências

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BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de
Execução Penal; e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 2006. Disponível em: Lei
nº 11.340 (planalto.gov.br). acessado em: 4 nov. 2023.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 124


CAMPOS, Carmen Hein de. Violência, Crime e Segurança Pública Feminicídio no Brasil Uma análise
crítico-feminista. Sistema Penal & Violência Revista Eletrônica da Faculdade de Direito Programa de
Pós-Graduação em Ciências Criminais Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul –
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Disponível em < http://www.direito.ufpr.br/portal/wpcontent/uploads/2014/12/Artigo-B%C3%A1rbara-
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GADOTTI, Moacir. A escola e o professor: Paulo Freire e a paixão de ensinar. 1. ed. São Paulo:
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DIVERSIDADE NO A.R: EMPODERAMENTO FEMININO NA PRÁTICA DOCENTE

Ana Maria Raiol da Costa1


Rita de Cássia Macedo Lea2

Resumo

O texto tem como objetivo relatar as práticas vivenciadas na escola estadual Avertano Rocha no âmbito do
desenvolvimento do “Projeto Diversidade no A.R.: tempo de abraçar”, elaborado com a finalidade de oportunizar à
comunidade escolar formação acerca do tema educação de gênero e diversidade, em especial, no que tange à apropriação
acerca do Empoderamento Feminino. Por meio dos encaminhamentos metodológicos do projeto, as/os alunas/os puderam
vivenciar, na prática, uma perspectiva interdisciplinar, em ações que fomentaram a solidariedade e a sensibilidade. Como
resultado, notamos maior envolvimento dos docentes de Linguagens e Ciências Humanas no trabalho por projetos, além
de aquisição de repertório por parte de alunos e discentes; observamos também a quebra do silêncio e maior denúncias
de práticas de assédio e uma expansão das ações para além dos muros da escola.

Palavras-chave: Escola. Docente. Diversidade. Empoderamento Feminino.

Introdução

A Escola Estadual de Tempo Integral Avertano Rocha, situada no distrito de Icoaraci, região
periférica da cidade de Belém, há tempos é vista, pela comunidade, como uma escola de projetos
diferenciados para educação. Será mesmo? Tal indagação se dá porque é importante esclarecer que
qualquer projeto desenvolvido na escola - ainda mais sendo inovador - precisa ser construído de forma
democrática, com a participação coletiva dos sujeitos envolvidos no processo educacional, portanto,
todos precisam se convencer da pertinência e importância do desenvolvimento do projeto na escola
(Gandin, 2013).

Nesse contexto, buscar-se-á nesta produção dizer como, na escola pública Avertano Rocha,
deu-se a aceitação do projeto “Diversidade no A.R3: tempo de abraçar”, mas também comentar alguns
resultados. Foi no ano de 2022 que a proposta para se discutir a condição da mulher na sociedade
brasileira, no tocante ao Empoderamento Feminino4, foi apresentada às professoras e aos professores
da escola. Mas tratar de temas acerca da diversidade, no ambiente escolar, requer o entendimento

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará - Belém /Brasil (2919). Professora de Sociologia do ensino
médio na escola de Tempo Integral Avertano Rocha - SEDUC/PA, Brasil. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Trabalho e Educação (GEPTE/UFPA). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2574829928192680. e-mail:
ana.mrcosta.escola.seduc.pa.gov.br
2 Mestre em Linguística pela UFPA (2010). Especialista em Currículo da Educação Básica pelo NEB/UFPA (2021) e

Especialista em Língua Portuguesa: uma abordagem textual pela UFPA (2023). Professora na Educação básica na rede
pública de ensino médio. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1529550619196801.
3 A.R é a abreviação de Avertano Rocha, trata-se da forma como muitos integrantes da comunidade escolar se referem

à escola estadual de Ensino Médio de Tempo Integral Avertano Rocha. No entanto, intencionalmente, lançou-se mão
dessa abreviação – A.R, para também se aproximar do significado de algo que circunda a atmosfera.
4 A proposta para, na rede pública, se discutir o tema sobre Empoderamento Feminino surge a partir de uma ação do

Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR), da Secretaria de Educação do
Estado do Pará.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 126


de outras perspectivas de currículo diferentes da concepção tradicional de educação, entendimento
ainda carente de compreensão.

Nesse sentido, a adesão ao projeto, por parte da equipe docente, não foi imediata, houve
resistência e, até mesmo, a perceptível insegurança e desconforto de algumas professoras e
professores. Diante das reações desfavoráveis à realização das atividades sobre diversidade na
escola; em consonância com a coordenação pedagógica, lançou-se mão de algumas estratégias para
minimizar essa resistência. Isso, claro, sem desconsiderar as razões justificáveis, dos docentes, para
tal conduta, das quais, ressalta-se aqui, pelo menos duas razões que serão explanadas abaixo:

1) distanciamento dos estudos e dos documentos que respaldam a ação docente para tratar o
tema sobre diversidade;

2) conjuntura sociopolítica polarizada desfavorável ao desenvolvimento do tema em questão na


escola.

Inicialmente é relevante destacar que na escola, seja ela pública ou privada, pouco se estuda
acerca do currículo crítico; já no que tange ao currículo pós-crítico a discussão é quase inexistente.
Para Silva (1999), depois de conhecer as teorias críticas e pós-críticas, torna-se impossível conceber
o currículo de forma ingênua e desvinculado de relações sociais de poder.

Portanto, em contexto de escolas em que não se discute esses currículos, surgem barreiras
que dificultam a proposição de projetos para trabalhar questões contemporâneas, como: gênero, raça
e etnia. Outra barreira a ser mencionada, refere-se à desconsideração dos marcos normativo
existentes como, por exemplo, a Constituição Cidadã (Brasil, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação brasileira – LDB (Brasil, 1996) vigente que são essenciais no momento de elaboração de
projetos a serem desenvolvidos na escola como, por exemplo: o Projeto Político Pedagógico.

Paralelamente às dificuldades mencionadas, foi perceptível o contexto problemático da


polarização político-partidária no ano de 2022, ocasião do período eleitoral, que contaminou o cenário
nacional. Como se sabe, uma parcela conservadora da sociedade, fazendo uso de uma régua
moral/religiosa, passou a vigiar e acusar a escola de absurdos nunca vistos antes na história da
educação no Brasil. Isso tudo só causou descrédito ao papel social da escola, desvalorização e
perseguição ao profissional professor que se sentiu acuado e desencorajado a trabalhar temas sobre
diversidade.

Diante desses acontecimentos e da necessidade de alcançar maior engajamento entre os


professores no interior da escola Avertano Rocha, ações programadas foram adotadas e surtiram
efeitos positivos. A primeira foi a realização de palestra com uma professora estudiosa5 do Currículo
Pós-Crítico, ação considerada relevante para atingir os objetivos principais: fomentar estudos,

5 Waldina Ribeiro Braga. Professora Mestre em Currículo e Gestão da Educação Básica da Universidade Federal do Pará.

Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 127


promover reflexão e ampliar conhecimento sobre currículo e, principalmente, demover a postura
resistente de alguns docentes.

Já a segunda ação planejada importantíssima, que favoreceu o desenrolar do trabalho, foi a


presença dos formadores do CEFOR na escola. Com esses profissionais, oportunizou-se um
momento esclarecedor quanto ao compromisso da rede estadual de ensino em trabalhar o tema
Educação de Gênero e Diversidade, com respaldo legal na lei ordinária estadual de nº 8.775 (Pará,
2018), lei que orienta a discussão sobre a temática do Empoderamento Feminino na escola (Figura
1).

Figura - 1: Formação Docente sobre currículo pós-crítico e ação do Cefor na escola


Fonte: Arquivo pessoal.

Portanto, na oportunidade de recordar os momentos mencionados é como olhar para trás, como
quem olha pelo retrovisor, e perceber que foi importante dar as mãos para viver um presente repleto
de possibilidades. Foi isso que se vivenciou na escola Avertano Rocha na “Semana do
Empoderamento Feminino”.

A virada de chave se deu...

A adesão da equipe docente ao tema sobre Empoderamento Feminino, na escola Avertano


Rocha, deu-se após as ações programadas acima descritas e foram profícuas ao ponto de haver o
compromisso, de boa parte das/dos professoras/es, em criar na escola uma atmosfera para se respirar
diversidade. A compreensão da importância e necessidade da inclusão da discussão sobre
diversidade - de gênero e de combate ao racismo -, no ambiente escolar, foi a grande virada de chave
que abriu as portas para elaboração do “Projeto Diversidade no A.R.: tempo de abraçar”6.

Com o projeto, assegurou-se ambiente favorável para desenvolvimento das ações de aplicação
da lei ordinária nº 8.775/2018 (Pará, 2018), do deputado estadual Carlos Bordalo, que institui a

6Para esse projeto foi criado uma logo pelo profissional da área de Comunicação Social e Publicidade especialista em
Mídia Social, Rodrigo Camargo da Silva que se voluntariou na criação e doação da arte.

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realização da semana do Empoderamento Feminino nas escolas, públicas e privadas, do estado do
Pará.

Empoderamento Feminino como Projeto Integrado de Ensino

O “Projeto Diversidade no A.R.: tempo de abraçar,” durante a semana do Empoderamento


Feminino7, permitiu que os docentes das diferentes áreas do conhecimento experimentassem, na
prática, o ensino interdisciplinar, sem que isso tivesse sido a intenção inicial. Com isso, consolidou-se
um Projeto Integrado de Ensino (PIE).

A constatação de que o projeto é um PIE também concretiza mais uma virada de chave, porque
viabiliza, na prática, a todos os envolvidos a compreensão o que é um PIE, já que na realidade das
escolas tem sido muito difícil fazer essa integração do ensino de modo interdisciplinar e essa é a
orientação central para se instituir o Novo Ensino Médio.

Conforme o marco legal do Novo Ensino Médio, o PIE é uma unidade curricular do núcleo
Formação para o Mundo do Trabalho (FMT) que corresponde à parte flexível do currículo com a
finalidade de aprofundar e ampliar conhecimentos pautados na interdisciplinaridade e integração
curricular, por meio de ações de aprendizagem que vão para além das questões estritamente
pedagógicas. O PIE favorece a aprendizagem de

[...] competências que contribuam para a construção de uma sociedade mais ética, democrática,
responsável, inclusiva, com vistas à formação humana integral, fundamentada nos pressupostos
teóricos sócio-histórico referenciados em Freire e Gramsci (Pará, 2021, p. 269).

Tudo o que fora materializado nesse PIE (“Projeto Diversidade no A.R.: tempo de abraçar”),
iniciado no mês de março de 2023, fomentado pela temática do Empoderamento Feminino (campanha
para arrecadação de absorventes higiênicos, discussões, rodas de conversas, palestras, elaboração
de textos, criação de playlist e vídeos, leitura literária...) correspondeu ao que se objetivou quando a
proposta foi pensada.

A execução do projeto inovou as práticas pedagógicas, pois desafiou que se fugisse do


currículo tradicional de ensino, este visto como neoliberal, mercadológico, privatista, minimalista e se
aproximasse do que se espera de novas propostas para o processo de ensino/aprendizagem. As
ações que movimentaram a escola durante mais de uma semana comprovaram essa inovação (Figura
2).

7 A Orientação da lei nº 8775/2018 (Pará, 2018) é que se institua, na primeira semana de março a “Semana do
Empoderamento Feminino”. No entanto, na escola Avertano Rocha, a ação didática ocorreu em um período maior, foi de
1° a 16 de março/2023, realizando diferentes atividades produzidas pelos estudantes sob a orientação dos docentes
responsáveis pelas turmas.

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Figura - 2: Ações ocorridas da Semana do Empoderamento Feminino e Culminância
Fonte: Arquivo pessoal.

É importante notar que os mosaicos acima apresentam momentos distintos ocorridos na escola.
Na figura 2, há o registro de ações desenvolvidas desde o dia 1º de março, por exemplo, em que
alunos e professores participaram de palestras (“Cuidado e saúde do corpo da mulher”, “Direitos da
mulher e a Lei Maria da Penha”, “Movimento Social de Mulheres”); alunas e alunos confeccionaram
painéis (análise de manchetes sobre a “mulher nas mídias”; “A figura feminina nas artes”); alunos,
professores e convidadas participaram da roda de conversa “A mulher militante profissional
professora”; alunas e alunos explanaram o texto literário “Torto Arado”, de Itamar Vieira Jr. Isso para
citar algumas ações realizadas, já que parece inviável descrever todas, uma vez que a escola possui
15 turmas e nenhuma ficou de fora.

Muitas turmas se organizaram para somente socializar as aprendizagens por meio do produto
final, no dia da culminância. É o que se visualiza na figura 4, em que no dia 16 de março, do ano
vigente, muitos espaços da escola foram tomados para ocorrer as diversas apresentações: playlist e
biografia de mulheres artistas da música; exposição de painéis; exibição de vídeos criados pelos
alunos, palestras. Foi uma manhã surpreendente porque superou as expectativas.

Todo esse movimento foi planejado e executado com muita responsabilidade por docentes e
discentes. Isso mesmo, após se conquistar o engajamento de grande parte dos docentes, esses
colegas também, usando de muita sensibilidade, envolveram os alunos. É importante citar aqui duas
ações que partiram dos professores que demonstram essa sensibilidade 8: a) o “Chá da tarde” pela
ocasião do lançamento da campanha de arrecadação (a seguir descrita) e b) a elaboração, distribuição
e leitura da Carta Aberta à comunidade escolar avertaniana, na qual anunciava a campanha de
arrecadação, alertando para: a existência da pobreza menstrual; a orientação para inscrição das
alunas beneficiadas e o pedido de doação e/ou divulgação da campanha.

Enfim, como se deu essa campanha de arrecadação, na escola Avertano Rocha, que garantiu
dignidade menstrual a tantas meninas/alunas/mulheres?

8Neste momento de realização do “Projeto Diversidade do A.R.: tempo de abraçar”, por ocasião da Semana do
Empoderamento Feminino, todas as ações foram financiadas pelos docentes da escola.

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Desdobramentos do PIE “Diversidade no A.R.: tempo de abraçar”

A possibilidade de desenvolver o projeto foi algo que aos poucos foi envolvendo muitas
pessoas. Esse compromisso social do indivíduo profissional professor foi se alargando de tal forma
que não foi suficiente ficar no plano da reflexão e do discurso. E no surgimento da primeira ideia para
se partir em direção a uma ação mais concreta, a adesão foi imediata. Houve a sugestão de auxiliar
algumas alunas que estivessem em situação de vulnerabilidade social, beneficiando-as com a
arrecadação e distribuição de absorventes higiênico.

Daí surge a Campanha Fluxo da Vida com o compromisso de combater a pobreza menstrual
do público feminino da escola durante todo o ano de 2023, visto que essa carência aflige uma parcela
das alunas em situação de vulnerabilidade social. Entendeu-se que, como minoria social, elas
precisavam ser empoderadas no sentido de mantê-las instruídas, oferecendo condições para
construírem seus projetos de vida e se ausentarem da escola por falta de absorvente higiênico era,
sobretudo, uma violação aos direitos humanos.

Assim sendo, o ponto de partida de adesão dessa campanha na escola, inicia coletivamente
com a participação docente, sugerindo e definindo o título da campanha, bem como a logomarca 9
adotada no banner de divulgação, cujo lançamento ocorreu mediante um “chá da tarde”, sob
organização voluntária dos docentes e ofertado às alunas e mães. Isso tudo representou o
compromisso e responsabilidade social da instituição escolar para combater a precariedade
menstrual, visando à garantia da dignidade das alunas.

Com a campanha lançada e alunas beneficiadas inscritas, foi dado início a arrecadação de
absorventes e o posto de coleta foi na própria escola (Figura 3).

Figura - 3: Registro da Campanha Fluxo da Vida


Fonte: Arquivo pessoal.

9A arte da Campanha foi criada pela professora de química da escola, Mirancleide de Araujo Batista Carneiro, também
Produtora Multimídia.

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Movimentar uma escola inteira para discutir sobre Empoderamento Feminino foi, sem dúvida
nenhuma, uma árdua tarefa assumida por partes dos docentes. No entanto, não só foi possível, como
também deu margem para implementar uma campanha de arrecadação anual e, também, para se
pensar em formar um grupo de alunos e professores para formação permanente ao longo do restante
do primeiro semestre de 2023.

A proposta de manutenção de diálogo sobre Empoderamento Feminino surgiu das duas


professoras10 que, no ano de 2022, representando a escola no CEFOR, participaram do curso
“Educação de gênero e diversidade: formando para o empoderamento feminino”. Elas, agindo de
acordo com as orientações da pedagogia de projeto, após a “semana do Empoderamento Feminino”,
deram continuidade à discussão, com o objetivo de oportunizar a alguns alunos um conhecimento
mais aprofundado do tema ao ponto de:

a) apropriarem-se de um discurso da mulher e em defesa de tudo que envolva a diversidade;

b) Comporem o grupo de alunos multiplicadores e monitores dos professores, quando na escola


for desenvolvida qualquer atividade do âmbito da diversidade.

Conforme pensado pelas professoras, foi exatamente o que ocorreu no primeiro semestre - ao
término da “Semana do Empoderamento Feminino” - as turmas dos 1º anos foram convidadas a
continuarem participando de palestras, apreciando depoimentos via documentários e/ou rodas de
conversas com profissionais da área da saúde (enfermeira, psicólogas), mas também profissionais do
Ministério Público e de Movimento social de mulheres. Esses encontros ocorreram de 15 em 15 dias,
no contraturno e chegou a atingir um público de quase 60 alunos11.

Depois de um período de sensibilização, todos os 60 alunos foram convidados a se inscreverem


na Oficina de Produção Oral, visto que já se aproximava do final do mês de maio e era preciso
desenvolver um trabalho de base mais sistemática que oportunizasse a produção desses alunos. Foi
então que o grupo foi organizado em um total de 30 alunas/os, de acordo com a inscrição voluntária.

As Oficinas de produção oral tiveram início, tendo como leitura de base o texto literário. Elegeu-
se como textos bases duas obras: Torto Arado, de Itamar Vieira Junior (2019) e Quarto de Despejo,
de Carolina Maria de Jesus (1960). Em ambas leituras a figura feminina está em evidência. As/os
alunas/os em formação estão fazendo a discussão sobre essas literaturas para, no mês de
novembro/2023, participarem da “Jornada Avertaniana de Afro-brasilidade”, uma vez que nas oficinas
se integrou a temática do Empoderamento Feminino à da Educação Antirracista. Essas alunas e
alunos, participantes da oficina de produção Oral, apresentarão sessões de comunicação na jornada.

10 As docentes em questão são as autoras deste Relato de Experiência.


11 Importante ressaltar que a escola possui sete turmas de 1º ano, cada turma com 35 alunos em média.

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Repercussões do projeto

Diversas literaturas que tratam sobre a educação escolar e sua função social apontam que para
muitos estudantes, filhos da classe trabalhadora, a escola é o único espaço de acesso ao conjunto de
conhecimentos e técnicas produzidos historicamente pela humanidade. O ingresso na escola permite
conhecer e compreender a realidade por um processo científico que vise à humanização dos sujeitos
e, nesse processo, o docente tem papel fundamental na formação humana. Mas, não é qualquer
ensino que atinge essa finalidade.

Nesse aspecto, a prática docente chama para si o dever de ser responsável com o seu fazer
educativo na perspectiva da formação humana da/do estudante 12, sem a qual não haverá ensino para
o desenvolvimento humano (Saviani, 2010).

Cabe destacar que no âmbito da execução do “Projeto Diversidade no A.R.: tempo de abraçar”,
com a realização da Semana do Empoderamento Feminino a escola se movimentou e passou a
discutir temas que antes não eram discutidos. Nesse cenário, de despertar para essas oportunidades
enriquecedoras, foi possível perceber a repercussão do projeto. Seguem as que mais chamou a
atenção:

● Envolvimento maior dos docentes da área de Linguagens e Ciências Humanas. E para


o pouco envolvimento de alguns docentes das áreas de Matemática e Ciências da Natureza, levanta-
se a hipótese de que há um limite em sua prática porque falta investir em formação continuada na
perspectiva de compreender o que é a formação humana integral;

● Aquisição de repertório (por parte de discentes e servidores) sobre os temas discutidos,


mas também reconhecimento de condutas preconceituosas e machistas frequentes no cotidiano
escolar;

● A quebra de silêncio. Passou-se a notar uma quantidade considerável de alunas que, de


modo coletivo, sentiram-se à vontade para denunciar, junto à direção e à coordenação pedagógica da
escola, várias situações ocorridas no espaço escolar, dentre elas violência verbal e assédio sexual;

● Notoriedade do Projeto para além dos muros da escola. A equipe de comunicação do


governo do Estado entrevistou professoras coordenadoras do projeto e alunas, pois desejavam saber
sobre uma das ações do projeto: a Campanha Fluxo da Vida;

● Formação de grupo de estudos composto por docentes interessados em temáticas da


diversidade epistemológica.

12Teoricamente fundamentada na perspectiva sócio-histórica de educação, a partir de pressupostos das abordagens


Histórico-Dialética de Antonio Gramsci e da Pedagogia Humanista-Libertadora de Paulo Freire. Ver o Documento
Curricular do Estado do Pará – etapa ensino médio (Pará, 2021, p.59-72).

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Diante do que se anunciou, sem se desconsiderar os inúmeros entraves, tem sido, sem dúvida
alguma, desafiador e ao mesmo tempo libertador oportunizar que na escola pública a diversidade
fomente relações dialógicas.

Considerações Finais

Este relato foi de fundamental importância, pois oportunizou não apenas relembrar o vivido no
âmbito do “Projeto Diversidade no A.R: tempo de abraçar”, como também permitiu identificar suas
potencialidades e os limites a serem enfrentados num futuro próximo, uma vez que se almeja que ele
tenha continuidade na escola Avertano Rocha.

No que se refere à potencialidade do projeto, ressalta-se que a adesão voluntária, ainda que
mediante formação e discussão de leis, revelou que na escola Avertano Rocha o corpo docente está
disponível ao diálogo.

Já em relação aos limites que desafiam a permanência do projeto, pontua-se a necessidade de


fortalecimento da perspectiva de formação plenamente humana com subsídios teórico-metodológico,
pelo fato de haver ainda no grupo docente aqueles que resistem em não assumir o “dever de ser
responsável” conforme menciona Freire (2018). Portanto, para esses sujeitos docentes que se
distanciam das questões inovadoras na educação básica, sugere-se “abrir os olhos” para conhecer e
aprofundar os conhecimentos em direção a uma educação emancipadora.

Outro desafio, é lançado ao campo da gestão escolar que precisa apresentar, de acordo com
seu projeto de gestão, ações mais concretas de enfrentamento a situações graves de violência verbal
e assédio sexual contra as mulheres (servidoras e alunas). Situações essas frequentes que quando
apontadas, denunciadas são banalizadas, como se o perigo ao qual as mulheres estão expostas na
escola seja natural.

Por se tratar da realidade de uma escola pública, as dificuldades infraestruturais se mantêm e,


obviamente, configuram-se também como limitações para o desenvolvimento de bons projetos, como
o “Diversidade no A.R.: tempo de abraçar”, que conforme a realidade da escola Avertano Rocha
contou quase que totalmente com os recursos financeiros dos docentes comprometidos com o projeto.
No entanto, o atual governo do estado anuncia políticas públicas que, em tese, resolverão questões
dessa natureza.

Por fim, entendemos que tratar a questão de gênero na escola não é tarefa fácil. No que se
refere ao projeto sobre diversidade, que visa o Empoderamento Feminino, claramente, vive-se o
contraditório. Isso porque o projeto propõe outra lógica de relação social mais justa e equitativa,
porém, a estrutura do sistema patriarcal estabelece um padrão hegemônico de relações desiguais e

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injustas contra as mulheres (Lins; Machado; Escoura, 2016), isso explica a resistência de docentes
homens que deixaram de participar das ações promovidas pelo projeto que trata de diversidade.

Diante disso, não desesperançar deve ser a palavra de ordem. Para tanto, faz-se necessário a
“pedagogia do compromisso, como concretização da esperança transformadora que anima as práticas
[...] e afirmam a possibilidade de construção de sonhos possíveis de sociedades mais justas” (Freire,
2018, p. 17).

Referências

BRASIL, Senado Federal. Constituição da república federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,
Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei n° 9394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Brasília: MEC, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do Compromisso: América Latina e educação popular. São Paulo: Paz e
Terra, 2018.
GANDIN, D. A Prática do planejamento participativo: Na educação e em outras instituições, grupos
e movimentos dos campos cultural, social, político, religioso e governamental. 22. ed.
Petrópolis/RJ:Vozes, 2013.
JESUS, C. M. Quarto de despejo: diário de uma favelada. Rio de Janeiro: Livraria F. Alves, 1960.
LINS, B. A. MACHADO, B. F. ESCOURA, M. Diferentes, não desiguais: a questão de gênero na
escola. São Paulo: Editora Reviravolta, 2016.
PARÁ. Documento Curricular do Estado do Pará. Belém: SEDUC, 2021. Disponível em:
https://www.seduc.pa.gov.br/site/public/ upload/arquivo/probncc/ ProBNCC_DCE PA-
12072021_compresse d-3b8b0.pdf. Acesso em: 25 de out. de 2023.
SAVIANI, D. Escola e democracia. 34. ed. Campinas: Autores Associados, 2010.
SILVA, Tomaz T. Documentos de Identidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
VIEIRA JÚNIOR, I. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2019.

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