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Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.

2022)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema Estadual de Bibliotecas Escolares - SIEBE / SEDUC – PA

Entre saberes / Secretaria de Estado de Educação. Cefor. - v. 05 .-- n.


08 .–Belém, PA : SEDUC, CEFOR, Junho 2022.

Semestral
ISSN: 2596-0431
Revista de relatos de experiência em foco do Centro de Formação dos
Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (Cefor).

1. Educação – Ensino e Aprendizagem. 2. Metodologia. I. Secretaria de


Estado de Educação do Pará. Cefor.

CDD - 22. ed

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Expediente
“Entre Saberes” é uma publicação online de periodicidade semestral, destinada à publicação
de experiências educacionais exitosas, concebidas e realizadas por professores das escolas
da rede de Educação Básica do estado do Pará, com objetivo de valorização desse docente e
de propiciar o efeito multiplicador dessas práticas na rede.

GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ EQUIPE ENTRE SABERES


Helder Zahluth Barbalho
AUTOR CORPORATIVO
Centro de Formação dos Profissionais da Educação
SECRETARIA DE ESTADO DE do Estado do Pará
EDUCAÇÃO Endereço: Rua Gama Abreu, 256 - Bairro de Nazaré
Belém – Pará CEP: 66.015-130
Elieth de Fátima Silva Braga E-mail: ceforrevista@gmail.com

EDITORES
SECRETARIA ADJUNTA DE ENSINO
Nádia Eliane Cortez Brasil
(SAEN)
Sandra Lúcia Paris
Regina Lucia de Souza Pantoja
CONSELHO EDITORIAL
Esther Maria de Souza Braga
SECRETARIA ADJUNTA DE GESTÃO Francisco Augusto Lima Paes
DE PESSOAS (SAGEP) Nádia Eliane Cortez Brasil
Cleide Maria Amorim de Oliveira Martins Sandra Lúcia Paris

DIAGRAMAÇÃO
SECRETARIA ADJUNTA DE PLANEJA- Paulo Roberto Sousa David
MENTO E GESTÃO (SAPG)
CAPA
Delciene Loureiro Corrêa André Luís Pereira de Freitas

PARECERISTAS AD HOC
SECRETARIA ADJUNTA DE LOGÍSTICA Profª Ma. Ana Lúcia Brito
ESCOLAR (SALE) Profª Ma. Daniela de Nazaré Torres de Barros
Alexandre Buchacra Profª Ma. Esilene dos Santos Reis Arruda
Profª Ma. Esther Maria de Souza Braga
Profª Ma. Gláucia de Nazaré Baía e Silva
DIRETORIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA Profº Me. Roberto Pinheiro Araújo
(DEB) Profª Ma. Salier Juliane dos Santos Castro

Regina Celli dos Santos Alves


REVISÃO GERAL
(Secretária Adjunta de Ensino, em exercício)
Profº Me. Roberto Pinheiro Araújo
Profª Ma. Ana Lúcia da Silva Brito
CENTRO DE FORMAÇÃO DOS
PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO DO Periodicidade: semestral
ESTADO DO PARÁ Endereço eletrônico: https://issuu.com/entresaberes
Francisco Augusto Lima Paes

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Sumário
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................ 5

CIENTISTAS DA REALIDADE: TRANSVERSALIZANDO A CIÊNCIA NO COTIDIANO


INTERDISCIPLINAR ............................................................................................................................. 8
Marcilene do Carmo de Oliveira Miranda

ARTE QUE COMUNICA: UMA EXPERIÊNCIA DE TRANSFORMAÇÃO E INCLUSÃO DO


SAEE ..................................................................................................................................................... 17
José Antônio Cardoso de Souza e Thaís Ferreira de Sales

A LEITURA NO PERCURSO DA FORMAÇÃO DO ALUNO LEITOR E ESCRITOR: TRILHANDO


CAMINHOS PARA AUTORIAS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA ......................................... 26
Leidiane Pereira de Oliveira

JORNAL ESCOLAR: DESENVOLVENDO A LEITURA, ESCRITA, ORALIDADE E CIDADANIA ....... 35


Elton Oliveira Morais e Tayson Silva Cirqueira

PROJETO ENEM: POR UMA AMPLIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS E UMA FORMAÇÃO


HUMANA ............................................................................................................................................... 46
Ana Diane Vinhote de Almeida e João Aluízio Piranha Dias

(RE)CONSTRUINDO A IDENTIDADE DO INDÍGENA: “O ÍNDIO QUE MORA NA NOSSA


CABEÇA” .............................................................................................................................................. 56
Francinete de Jesus Pantoja Quaresma, Plíncida da Silva Marinho e Tânia Maria Cardoso dos
Santos

O ENSINO DE LIBRAS COMO L1 PARA SURDOS ............................................................................. 66


Walace de Souza Almeida, Ruth Carliane Brasil Ribeiro Almeida e Walber Gonçalves de Abreu

ESCRITORES EM FORMAÇÃO: PRÁTICAS DE CRIAÇÃO LITERÁRIA NO ENSINO


FUNDAMENTAL ................................................................................................................................... 75
Felipe Hilan Guimarães Santos

MEDO E OUSADIA NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19: O USO DAS TDICS NA


ALFABETIZAÇÃO DOS ALUNOS DO 3°ANO ..................................................................................... 84
Évila Roseanne Silva da Anunciação e Silva e Danielle Cristina Araújo e Silva Bentes

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Apresentação
É com grande alegria que publicamos a 8ª edição da revista eletrônica “Entre Saberes”,
trazendo à ribalta os relatos de experiência de professores e demais profissionais da educação
que atuam na rede pública de ensino, seja na esfera estadual ou municipal. Nesta edição,
contamos com diversas temáticas, as quais merecem publicidade, seja por serem práticas de
excelência ou como forma de sugestão para o trabalho docente, o que promove um efeito
multiplicador no que diz respeito aos processos de ensino e aprendizagem ou em relação à
atuação da gestão escolar e coordenação pedagógica das unidades de ensino. É fundamental
primar pela valorização desses profissionais que, com muita dedicação, mudam sua realidade.
A seguir, destacamos os relatos de experiência aprovados nesta 8ª edição e os seus
respectivos autores, acompanhados de uma síntese-anunciativa de cada temática, a saber:
Cientistas da realidade: transversalizando a ciência no cotidiano interdisciplinar -
Marcilene do Carmo de Oliveira Miranda – Cametá/PA, relata a participação dos alunos da E.
E.E.M. Júlia Passarinho, do município de Cametá/PA, os quais, por três anos consecutivos,
representam a escola na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia – SNCT. Esses estudantes
são convidados a visitar e cartografar diferentes ambientes que caracterizam os cenários do
setor econômico da região de Cametá, num processo de pesquisa voltado para a coleta do açaí,
a produção de farinha e a captura do pescado. Ao retornarem à sala de aula, têm como
propósito aliar a prática vivenciada às reflexões teóricas que corroboram para a compreensão da
realidade e ressignificação da experiência, permitindo assim maior diálogo entre os diferentes
componentes curriculares. Arte que comunica: uma experiência de transformação e
inclusão do SAEE – José Antônio Cardoso de Souza e Thaís Ferreira de Sales – Belém/PA,
apresenta os significativos avanços conquistados por um aluno, por intermédio da Arte, durante
os atendimentos especializados do Serviço de Atendimento Educacional Especializado (SAEE),
tornando-o protagonista de práticas e processos de criação que, ao longo do plano de
desenvolvimento individual elaborado para ele, possibilitaram-no socializar suas produções e o
auxiliaram a amenizar suas dificuldades escolares, seja de aprendizado, de comunicação ou de
socialização. A leitura no percurso da formação do aluno leitor e escritor: trilhando
caminhos para autorias nas aulas de Língua Portuguesa – Leidiane Pereira de Oliveira –
Belém/Pará, traz a descrição da experiência vivida com os alunos do 6º ao 9º ano do Ensino
Fundamental da E.E. “Ruth Passarinho” – Belém/PA – cuja atividade desenvolvida culmina na
Tarde de Autógrafo “Ler é uma Aventura”. Atualmente, o projeto, por sua relevância para a
comunidade, está em sua 3ª edição e desde 2019 valoriza o desenvolvimento da compreensão
leitora e das habilidades em escrita dos alunos, formando assim novos leitores e escritores.
Jornal Escolar: desenvolvendo a leitura, escrita, oralidade e cidadania – Elton
Oliveira Morais e Tayson Silva Cirqueira – Altamira/Pará, diz respeito à experiência vivenciada
no projeto Jornal Escolar, de criação dos estudantes do Ensino Médio do município de Brasil

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Novo/Pará, o qual tem por objetivo divulgar saberes, não apenas informação para o público
acerca de questões ligadas à escola, mas também refletir aspectos da vida social, econômica,
política, cultural da atualidade. Constitui uma ferramenta pedagógica para o trabalho inter e
transdisciplinar, por ser um espaço no qual se apresenta o debate de temas relacionados às
experiências dos alunos e no qual os conteúdos curriculares podem ser explorados,
enriquecendo a participação dos envolvidos. Projeto ENEM: por uma ampliação dos
conhecimentos e uma formação humana – Ana Diane Vinhote de Almeida e João Aluízio
Piranha Dias – Curuá/PA, descreve a experiência vivenciada pelos próprios autores do texto
quando da execução, desde 2019, do Projeto ENEM, desenvolvido na E.E.E.M. Soraya Marques
Chayb, município de Curuá/PA. Tem por finalidade ofertar aulas preparatórias para o Exame
Nacional do Ensino Médio e os resultados das ações desenvolvidas no projeto são visivelmente
positivos e animadores, o que estimulou os autores a darem continuidade no espaço da escola.
(Re)construindo a identidade do indígena: o índio que mora na nossa cabeça – Francinete
de Jesus Pantoja Quaresma, Plíncida da Silva Marinho e Tânia Maria Cardoso dos Santos –
Belém/PA, aborda o desenvolvimento e o resultado do projeto “O índio que mora na nossa
cabeça”, aplicado no ano de 2022, na E.E.E.F.M. Professora “Placídia Cardoso”, localizada no
bairro do Jurunas, em Belém/PA. O projeto, envolveu os componentes curriculares Língua
Portuguesa, História e Estudos Amazônicos, bem como o espaço pedagógico da Biblioteca
Escolar e teve como objetivo desconstruir, junto aos alunos, a imagem tradicional do índio em
1500. Como resultado da ação, houve uma visão real dos povos indígenas da região amazônica
brasileira, além da construção de uma imagem valorativa do indígena como cidadão participativo
nesta sociedade.
O ensino de Libras como L1 para surdos – Walace de Souza Almeida, Ruth Carliane
Brasil detalha as experiências na condição de professor de Libras como Primeira Língua de
Instrução (L1) para surdos matriculados na APAE do município de Tomé-Açu/PA. Conforme os
autores, a Lei n° 14.191/2021 – que dispõe acerca do ensino de Língua Brasileira de Sinais
(Libras) – compreende que sua prática deve ocorrer por meio de metodologias que a considerem
como língua de instrução. Após o estudo, foi observado pelos educadores que ainda são poucos
os professores bilíngues presentes nas escolas e essa demanda precisa ser atendida
emergencialmente, caso contrário, o aluno terá dificuldade em aprender e divulgar o saber. Os
professores autores dizem ainda que a aprendizagem da Libras, quando iniciada o mais breve
possível, cria uma consciência linguística nessa língua e que sua aprendizagem é fundamental
para pessoas surdas. Escritores em formação: práticas de criação literária no ensino
fundamental – Felipe Hilan Guimarães Santos – Ananindeua/PA, apresenta a vivência de um
projeto de criação literária construído e aplicado no ano letivo de 2022, em uma turma de 9º ano.
A prática acontece a partir da observação dos processos de escrita de textos literários e da
composição de um livro de minicontos lançado pelos discentes no ambiente escolar. A
metodologia utilizada com os alunos foi a criação dos minicontos durante as aulas de Língua
Portuguesa. Os resultados mostraram a necessidade de tomar a escrita como um trabalho
constituído por etapas, além de indicar as diversas formas de apropriação da escrita, apontando

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indícios da singularidade dos autores e autoras nos textos. Medo e ousadia no contexto da
pandemia de Covid – 19: o uso das TDICs na alfabetização dos alunos do 3º ano – Évila
Roseane Silva da Anunciação e Silva e Danielle Cristina Araújo e Silva Bentes – Belém/PA, traz
a experiência desenvolvida na E.M. “Alzira Pernambuco” – Belém/PA, a qual teve como objetivo
atender aos 51 alunos matriculados no 3°ano do Ensino Fundamental, em 2021, em pleno
período pandêmico. Dentre as diversas soluções educacionais, as TDICs geraram 12 aulas on-
line, elaboração de diagnósticos com o uso do Google Forms, videoconferências, atividades
impressas, aplicativos de mensagens e outras tarefas nas quais as competências, habilidades e
atitudes estavam atreladas aos objetos do conhecimento do ciclo de Alfabetização. Esta
experiência pedagógica procurou resgatar a dimensão humana no ensino e na aprendizagem
durante as atividades remotas.
Gostaríamos de aproveitar a oportunidade e agradecer a todos os professores autores
pela disponibilidade e generosidade em compartilhar os seus saberes e práticas por meio dos
relatos aqui apresentados. Conforme frisamos no início, a revista Entre Saberes tem o objetivo
de publicizar as boas práticas, mas também tem como princípio gerar inquietações e reflexões a
fim de que os educadores possam, ao analisar as histórias aqui apresentadas, reavaliar o seu
percurso e, a partir da análise, remodelar as ideias aqui presentes, adaptá-las à sua realidade,
gerando oportunidade de exercício para a criatividade e uma aprendizagem significativa e
reflexiva. Fica também nosso agradecimento aos colaboradores, aos pareceristas internos e
externos, aos revisores, diagramadores e artistas gráficos. Esperamos, prezados leitores e
leitoras, que vocês recebam esta edição como um espaço para pensarmos os saberes e fazeres
da Educação no Pará. Desejamos uma excelente leitura para vocês!

Comissão Editorial

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CIENTISTAS DA REALIDADE: TRANSVERSALIZANDO A CIÊNCIA NO COTIDIANO
INTERDISCIPLINAR

Marcilene do Carmo de Oliveira Miranda1

RESUMO
A experiência ora apresentada cumpriu a finalidade de atender às dinâmicas organizadas pela equipe regional do
Pará que participa anualmente da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Há três anos a Escola Estadual de
Ensino Médio Júlia Passarinho representa o município de Cametá neste evento, com o propósito de desenvolver
práticas que visem refletir aspectos relacionados à ciência e à tecnologia na realidade discente. Integrados ao
projeto “A ciência no cotidiano: território propício à transversalidade” (SNCT-Pará 2021), os discentes da referida
instituição foram convidados a visitar e cartografar diferentes ambientes que caracterizam os cenários que
movimentam o setor econômico da região de Cametá, num processo de pesquisa em atividades como: a coleta do
açaí, a produção de farinha e a captura do pescado. Ao retornarem à realidade de sala de aula, o propósito de aliar
a prática vivenciada às reflexões teóricas que corroboram para a compreensão da realidade foi crucial para
ressignificar a experiência proposta na SNCT e o cotidiano educacional em diferentes componentes curriculares. O
projeto foi desenvolvido ao longo do ano letivo encerrando na I Mostra Científico-Cultural em dezembro de 2021
exibindo webdoc’s, palestras e apresentações refletindo sobre temáticas relevantes durante o processo.

Palavras-chave: SNCT. Ciência. Cotidiano. Transversalidade.

1 INTRODUÇÃO

O resultado de um conjunto de estratégias e estudos, análises, pesquisas e ações


interventivas no espaço organizado em diferentes realidades geográficas e sociais em
ambientes rurais e ribeirinhos no município de Cametá-PA integrou as atividades que
compunham a realização da 18ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), com o
apoio do Ministério de Ciência e Tecnologia.
Entre as dinâmicas regionais, docentes e discentes da Escola Estadual de Ensino Médio
Júlia Passarinho integraram a dinâmica do projeto “A ciência no cotidiano: território propício à
transversalidade” na SNCT (Pará-2021). Uma das estratégias monitorou alunos que, distribuídos
em equipes, visitaram diferentes ambientes que caracterizavam o setor econômico da região.
Neste projeto, foi possível, por meio de imagens e vídeos, visualizar o processo de produção de
farinha, de captura do pescado e de coleta do açaí em diversos lugares nos quais habitava boa
parte do público discente, que assumiu, de forma responsável e ética, o papel de pesquisador.
Ao retornarem à realidade de sala de aula, o propósito de aliar a prática vivenciada às

1
Mestre em Ciências da Comunicação pelo programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia
(UFPA); e especialista em Língua Portuguesa: Uma Abordagem Textual (UFPA); especialista em Gestão Escolar
(UFPA). Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos de Comunicação (PESPCOM/UFPA). Docente de Lín-
gua Portuguesa na rede estadual e municipal da Educação Básica do Estado do Pará, em Cametá (PA).
2
O projeto alcançou dez municípios paraenses: Abaetetuba, Ananindeua, Belém (capital), Bragança, Santarém,
Cametá, Castanhal, Igarapé-Açu, Igarapé-Miri e Irituia.

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reflexões teóricas que permitiam compreender a realidade buscou ressignificar a experiência
proposta e o dia a dia educacional como um todo nos mais diferentes componentes curriculares
(Língua Portuguesa, Biologia, Matemática etc.).
Dentre as principais estratégias delineadas na E.E.E.M. Júlia Passarinho, que
assumiram o propósito de refletir sobre conceitos como “ciência”, “pesquisa”, “teoria e prática”,
“tecnologias digitais de informação e comunicação”, “transversalidade”, “responsabilidade
ambiental”, dentre outros, foram organizadas mesas redondas com profissionais de diferentes
disciplinas na tentativa de compreender o processo científico existente nas teorias e no
cotidiano.
Desse modo, pensando que as ações eram não apenas necessárias, mas estratégicas,
pois exigiriam pensar nos problemas existentes, no processo de transformação social e no
desenvolvimento crítico de nossos educandos – e, de certa forma, no refletir-se ‘ser docente’ -,
reunimos alguns propósitos:
• Incorporar à SNCT (edição 2021) ações que desenvolvam estratégias com o uso de
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC’s) de forma a
compreender o processo de transversalidade existente entre ciência e cotidiano nos
ambientes familiares e educacionais dos educandos;
• Fomentar reflexões sobre aspectos da ciência, das tecnologias digitais e estratégias
de inovação no cotidiano;
• Despertar, identificar e incentivar a participação discente no processo da pesquisa
científica e investigativa;
• Oportunizar o diálogo com diferentes áreas do conhecimento na compreensão sobre
conteúdos curriculares e a ciência vivenciada no cotidiano discente;
• Produzir webdoc’s3 durante as etapas de pesquisa, de modo a ratificar as reflexões e
discussões suscitadas em sala de aula;
• Envolver toda a comunidade escolar para a exibição dos resultados da pesquisa na I
Mostra Científico-Cultural.
Ao considerar tais objetivos, pontuamos o atravessamento de uma das mais importantes
referências teóricas no universo da educação, pesquisador que sempre ponderou a necessidade
de tais práticas no processo de ressignificação educativa das dinâmicas pedagógicas e
curriculares, nas quais somos sujeitos em constante (re)construção. Segundo ele:

“(...) nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em


reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador,
igualmente sujeito do processo. Só assim podemos falar realmente de saber ensinado, em
que o objeto ensinado é apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos
educandos”. (FREIRE, 1996, p.14).

3
MLink de acesso aos vídeos no site da SNCT Pará: https://snctpara.ufpa.br/acervo/.

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Ao percebermos a importância do papel do educador e dos educandos e o protagonismo
existente num processo recíproco de construção de saberes justificamos a importância de tal
projeto, visto que somente importando-se com a realidade do seu mundo será possível
ressignificar o cotidiano escolar nos tempos atuais de informação e comunicação líquidas.

2 UM OLHAR NA REALIDADE PARA ENTENDER CIÊNCIA

Para desenvolver as dinâmicas e todo o processo de investigação neste projeto,


necessitamos, na realidade de sala de aula, refletir sobre algumas conceituações e temáticas de
extrema importância para compreender cada passo a ser executado no decorrer do ano letivo.
Desse modo, abordamos conceitos como a transversalidade, a partir de Morin (1999) e
Barros e Passos (2012), os quais apresentam em suas reflexões a perspectiva complexa
existente em todo processo de investigação, levando-nos a compreender que os saberes se
conectam a partir do olhar acerca de um todo. De forma bem específica, transversalizar implica
integrar conhecimentos teóricos, práticos e empíricos, comuns a todas as áreas de
conhecimento, aliados às problematizações da vida cotidiana.
Nessa temática, também fomos atravessados por Heller (1992), a pesquisadora da vida
cotidiana, que nos orienta a pensar nesses aspectos considerando a vida do homem inteiro,
envolvido na sua individualidade, na sua personalidade, em suas capacidades intelectuais,
paixões e sentimentos4, enfim, critério entendido como um ambiente rico e propício à
ressignificação das aprendizagens discentes e docentes. Para ela, o cotidiano é, dialeticamente,
o lugar da dominação ou da revolução.
Outra temática abordada nessa primeira etapa metodológica conduziu-nos a refletir
sobre o uso das ferramentas digitais de comunicação e informação, pois os alunos produziriam
materiais multimidiáticos, como: fotografias, vídeos, gravações em áudios etc., em uma
realidade, possivelmente, à margem do desenvolvimento científico e tecnológico.
Neste propósito, foram cruciais as leituras do pesquisador paulista, José Morán (2014), o
qual aborda importantes reflexões sobre os recursos digitais de comunicação e informação,
sobre as dinâmicas organizadas em ambientes físicos e virtuais de aprendizagem, além de nos
fazer entender a necessidade de apostarmos em projetos de aprendizagem que façam sentido
para o aluno, pois de nada compensaria todo o esforço, de nada adiantaria estar munido dos
mais poderosos recursos digitais, se as temáticas e as estratégias não fossem interessantes e/
ou ligados às motivações profundas dos alunos.
Instituições com menos recursos podem promover projetos significativos, conectados à
realidade dos estudantes, usando, por exemplo, uma ferramenta simples, como o smartphone
(MORÁN, 2014). Foi então o que nos propusemos a inserir em nosso projeto, passando de uma

4
Interessante reflexão sobre esta temática, do ponto de vista da pesquisa qualitativa, pode ser ratificada em YIN,
Robert K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Porto Alegre, Penso, 2006, p. 134.

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aprendizagem individualizada a uma aprendizagem colaborativa, visto que nem todos os alunos
dispunham de um aparelho celular. Alguns relataram que em suas casas um único aparelho
assumia a função de telefone fixo na residência. Combinamos, por isso, desenvolver a
investigação em equipes.
Diante dessas e outras temáticas que emergiram no decorrer das discussões em sala de
aula, trazíamos atravessadas, nessa seara teórica, abordagens sobre a indagação principal
desenrolada em todas as etapas do projeto: “Mas, afinal, o que é ciência?”
Esta pergunta foi registrada no meio da lousa em cada sala de aula, antes de
começarmos a discussão e paulatinamente ouvíamos as respostas, quase imediatas, dos
alunos: “é produção de saber”, “é qualquer produção do conhecimento”, “é experimentação”, “é
pesquisa”, enfim, foram tantas e múltiplas respostas, todas coerentes ao sentido principal da
indagação. Compreendemos, portanto, que ciência é a maneira pela qual o ser humano
consegue entender o mundo, a realidade que o cerca. Assim, há ciência em tudo.

Gráfico 1 - Dados compilados em conversas informais de sala de aula, durante a orientação para a imersão no
campo, em junho de 2021.
Fonte: Compilação do autor

Nesse processo de reflexão e análise vieram à tona conceitos da física, da química, da


biologia, da literatura, da linguagem, do universo de todas as áreas de conhecimento. E além de
toda essa dinâmica de percepção projetada acerca do universo das ciências acadêmicas, os
estudantes perceberam que também há ciência no “quintal do seu João”, no “roçado do seu
Antonio”, “no subir e descer os açaizeiros no terreno do Zezinho”, no “traçar as talas nas mãos
de dona Josefa ao tecer o famoso “pairé5””.
Quiçá essa seja a magia que tanto Paulo Freire (1996) mencionara existir no ato de
ensinar e de aprender.

No âmbito dos saberes pedagógicos em crise, ao recolocar questões tão relevantes agora
quanto foram na década de 60, Freire, como homem de seu tempo, traduz, de modo lúcido
e peculiar, aquilo que os estudos das ciências da educação vêm apontando nos últimos
anos: a ampliação e a diversificação das fontes legítimas de saberes e a necessária
coerência entre o “saber-fazer é o saber-ser-pedagógicos” (Prefácio de Pedagogia da
Autonomia, 1996, p. 7).

5
Paneiro feito de talas extraídas de árvores na zona ribeirinha do município de Cametá.

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É por esse e outros atravessamentos que as metodologias a serem desenvolvidas nas
salas de aula nos mais diferentes rincões da Amazônia necessitam atender à necessidade
múltipla e plural de nossos jovens alunos.

3 CAMINHOS METODOLÓGICOS CURRICULARES E DE PESQUISA

Um dos maiores e mais instigantes desafios durante a necessidade de estruturar a


realidade educacional de centenas de alunos na E.E.E.M. Júlia Passarinho, em plena época de
pandemia, foi ressignificar o ambiente que os cercava, tanto do ponto de vista escolar quanto
pessoal.
Diante de todos os limites e entraves que se sobrepunham à vontade de reinventar a
educação, sentimos a certeza de que não poderíamos ficar estagnados, adotando as mesmas e
velhas técnicas tradicionais de ensino e de aprendizagem. Conscientes de que precisávamos
movimentar o cenário educacional presencial, retomado após longos meses de ensino remoto,
organizamos ações que viabilizaram estratégias de conhecimento que fariam sentido para os
alunos e que comungassem com o ambiente extraescolar em que estão inseridos.
Desse modo, a primeira etapa do projeto consistiu na adoção das Metodologias Ativas,
uma base teórico-metodológica que consiste em assumir a postura de construção do
conhecimento por meio de diálogos vinculados à realidade discente na busca da ressignificação
do processo de ensino-aprendizagem.
Segundo Bacich e Moran (2018), as metodologias ativas articulam diferentes
conhecimentos em ambientes formais de aprendizagem e na cultura de forma geral, visando
reconfigurar o papel dos protagonistas da educação: o professor e o aluno.
Assim, desde agosto de 2021, junto a algumas turmas concluintes do Ensino Médio vimos
discutindo e analisando sobre a temática “A ciência no cotidiano: território propício à
transversalidade” e, de forma dialógica, optamos pela produção de webdocumentários 7, os quais
revelaram a realidade que movimentava e organizava vários setores sociais e econômicos da
região cametaense de modo a buscar o entendimento de que há ciência em todos os cantos e
práticas sociais desenvolvidas.

Imagem 01 - Apresentação da proposta da SNCT 2021 aos alunos concluintes na EEEM Júlia Passarinho.
Fonte: Acervo do projeto.

7
Webdocumentário: produto cultural com linguagem documental, criado para o cinema e para a televisão e, re-
centemente, adaptado para a rede da Internet.

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Como Barros e Passos (2012, p. 241) argumentam, o verbo transversalizar implica ação e
dinamismo na arte de investigar. Após a apresentação do projeto e discussão das etapas a
serem desenvolvidas, os alunos assumiram a condição de pesquisadores e investigadores
científicos em ambientes “que se comunicam e produzem desarranjos no sistema binário de
definição/categorização” de nossos objetos de conhecimento.
Esse primeiro movimento metodológico (o das metodologias ativas) desencadeou as
demais etapas de leitura da realidade discente, ocasionando o inserir-se, de forma criteriosa e
estratégica, na realidade em que os estudantes, em equipes, estavam inseridos nos locais de
investigação a que se propunham realizar.

A pesquisa em equipe oferece benefícios compensadores, tais como criar a oportunidade


de reforçar a validade e confiabilidade de um estudo e dar mais atenção aos objetivos de
triangulação (...). Essencialmente, a existência de múltiplos visitantes significa ter a
oportunidade de usar múltiplos instrumentos de pesquisa no trabalho de campo,
comparado com as limitações de observadores participantes sozinhos (YIN, 2016, p. 114).

Nessa proposta metodológica, Yin (2016) nos orienta a compreender a necessidade de


estar presente, de forma coletiva, em um campo multifacetado de investigação, em realidades
singulares e múltiplas que se mesclam. Nessa fundamentação, cotidianos, ideias,
comportamentos, baseados em evidências empíricas, articularam-se às bases teóricas
previamente organizadas e discutidas em sala de aula, nos inserindo nas etapas de uma
pesquisa qualitativa de investigação.
Nesse processo de imersão, foram realizadas intervenções na realidade de produção da
farinha, do roçado, da colheita de hortaliças e de açaí, da prática do pescado e da confecção de
paneiros e outros materiais, com o objetivo de proporcionar a reflexão de que há ciência em
tudo, sobretudo entendendo que todo conhecimento científico se configura no senso comum.

Imagem 02 - Etapas de investigação da realidade desenvolvidas em setembro de 2021.


Fonte: Acervo do projeto

É importante ressaltar que, durante o processo de investigação científica das equipes nas
diferentes ambiências visitadas, nem sempre todos tiveram êxito em seus projetos previamente
registrados. Muitos foram os entrevistados que se recusaram a gravar as entrevistas ou
aparecer nos vídeos; alguns desses registros foram socializados em sala somente de forma oral,
o que não inviabilizou a importância desse momento, pois incentivou a equipe a ir em busca de
novos sujeitos a serem entrevistados e compreender que nem sempre um projeto que traçamos
virá a dar certo da maneira exata como fora pensado.

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Mencionamos também o fato de que algumas equipes perderam os prazos de execução
das etapas; outras tiveram problemas com os aparatos tecnológicos utilizados no momento da
investigação em campo, enfim, situações não desejáveis também fizeram parte nas dinâmicas
projetadas e executadas.
Diante de todo o exposto, é valioso considerar que, tanto as entrevistas, imagens e vídeos
autorizados, ou não, pelos entrevistados (além dos registros coletados e perdidos), foram dados
valiosos para atingir os objetivos pretendidos, pois durante todo o processo uma pesquisa
qualitativa pode apresentar eventualidades que fogem do controle do pesquisador.
Após essas etapas de investigação e produção de pesquisa, propusemo-nos apresentar o
resultado de todo esse trabalho no I Ensaio Científico-Cultural da E.E.E.M. Júlia Passarinho,
organizado pelas especialistas em educação da referida instituição no turno da manhã, de modo
a socializar a riqueza científica presente nas realidades de nossos alunos.

Imagem 03 - Exibição de mesas regionais apresentadas no I Ensaio Científico-Cultural no ginásio


poliesportivo da instituição, em dezembro de 2021.
Fonte: Acervo do projeto.

Desse modo, em dezembro de 2021 várias turmas foram mobilizadas a fazer uma
exposição de todo o trabalho desenvolvido na instituição ao longo do ano letivo e muita riqueza e
sabor científico estavam presentes no evento8. Foram exibidos a todos os alunos e convidados
presentes as práticas investigadas e registradas nos webdoc’s9 produzidos pelos alunos-
pesquisadores.
Além das palestras dos professores da instituição, com o olhar transversal das várias
áreas do conhecimento, ouvimos, a partir da Matemática, Biologia, Filosofia, Química, Língua
Portuguesa, Literatura, Arte e outras, como se constrói o universo da ciência sob um prisma que
se articula e se cruza com vários componentes curriculares. Buscamos fazer com que os alunos
entendessem que não se faz pesquisa somente por fazer e que há a necessidade de
compreendermos que os produtores da farinha, os cultivadores de hortaliças e os apanhadores
de açaí e do pescado nas realidades investigadas, têm consciência de que produzem e fazem

8
Alguns estandes exibiam trabalhos e pesquisas realizados a partir do componente curricular de Arte.
9
ALinks de acesso nos canais do You Tube: https://www.youtube.com/watch?v=N4y4clxHBPk; https://
www.youtube.com/watch?v=Xf_driNFSbA; https://www.youtube.com/watch?v=-2zBLRbrB5E; https://
www.youtube.com/watch?v=k5ZhTF9SVho; https://www.youtube.com/watch?v=-aeldENpWCk; https://
www.youtube.com/watch?v=uZHQ1Vj795c.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 14


ciência(s) todos os dias.
Desse modo, entendemos que o que fazer freireano nos movimenta a implementar ações
articuladas no chão de nossos ambientes escolares entendendo que os homens se educam
entre si mediatizados pelo mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar, configurar e implementar estratégias cada vez mais interessantes no universo de
nossas instituições escolares nunca se fez tão necessário como em tempos hodiernos. Diante
de tantos recursos tecnológicos e informações disponíveis nas mídias, reside a importância de
tornarmos cada etapa vivida pelos nossos alunos em nossa sala de aula, e as práticas
educativas que acontecem fora dela, mais atraentes e instigadoras de conhecimento.
A Base Nacional Comum Curricular é bastante enfática ao pontuar que devemos ter
cautela ao trabalhar com este público, que nem pode ser considerado infanto, tampouco um
adulto em formação, pois não são sujeitos em uma “passagem da infância à maturidade”.
Entrementes, constituem-se agentes a serem considerados em suas múltiplas dimensões
(social, histórica, cultural etc.) e, portanto, devem ser vistos como sujeitos diversos, dinâmicos e
participantes (BRASIL, 2018, p.462).
Nesse ínterim, ao estilo freireano, buscamos articular as mais diversificadas experiências
científicas que acontecem entre os diferentes eixos curriculares para, com os alunos,
compreendermos o funcionamento e a dinâmica do processo científico dentro e fora de sala de
aula.
Registramos ambiências, práticas, saberes, mas, acima de tudo, registramos sentimentos,
comportamentos, que ressignificaram as práticas científicas arroladas no senso comum e que
atribuem sentido e relevância às práticas científicas nas academias e instituições educativas.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 15


REFERÊNCIAS

BACICH, L. MORAN, J. (Orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma
abordagem teórico-prática [recurso eletrônico]. Porto Alegre: Penso, 2018. e-PUB.

BARROS, R. B; PASSOS, E. Transversalizar. In: FONSECA, Tania Mara Galli; NASCIMENTO,


Maria Lívia do; MARASCHIN, Cleci (orgs.). Pesquisar na diferença: um abecedário. Porto
Alegre: Sulina, 2012.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Educação é a Base. Ensino Médio. Brasília:
Ministério da Educação, 2018.

Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.

HELLER, A. O Cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

MORAN, J. M. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. 5. ed.
Campinas: Papirus, 2014.

MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento complexo. In: MARTINS, Francisco


Menezes; SILVA, Juremir Machado da (Org.). Para navegar no século XXI: tecnologias do
imaginário e cibercultura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999. p. 1-27.

YIN, Robert K. pesquisa qualitativa do início ao fim. Porto Alegre: Penso, 2016.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 16


ARTE QUE COMUNICA: UMA EXPERIÊNCIA DE TRANSFORMAÇÃO E INCLUSÃO DO
SAEE

José Antônio Cardoso de Souza1


Thaís Ferreira de Sales2

RESUMO
Neste relato de experiência pode-se verificar avanços significativos a partir da arte com um aluno durante os
atendimentos especializados do Serviço de Atendimento Educacional Especializado (SAEE) que o tornaram
protagonista de práticas e processos de criação que, ao longo do plano de desenvolvimento individual elaborado
para ele, possibilitaram-no socializar suas produções e o auxiliaram a amenizar suas dificuldades escolares, de
aprendizado, comunicação e socialização.

Palavras-chave: SAEE. Artes Visuais. Inclusão.

1 INTRODUÇÃO
A escola Vera Simplício fica localizada na Rua do Una no Bairro Telégrafo em Belém/PA.
Atualmente, atende a uma clientela estimada em 600 alunos nos turnos da manhã e da tarde;
seu principal público são crianças oriundas de bairros periféricos da cidade (Vila da Barca,
Barreiro, Acampamento, etc.).

Ela possui um corpo técnico completo, assim como a equipe docente, sua gestão é
democrática e participativa e, por ser uma escola inclusiva, recebe muitas demandas de alunos
com necessidades educacionais especiais, tais como autistas, cegos, crianças com
incapacidade motora cerebral, com síndrome de down, com deficiência no processamento
auditivo central (DEPAC), com deficiência intelectual e com déficit de aprendizagem. Estes
estudantes, além da sala de aula regular, recebem o atendimento especializado.

O Serviço de Atendimento Educacional Especializado (SAEE) desenvolve atividades


suplementares ou complementares para alunos com necessidades educacionais especiais. Eles
têm impedimentos de longo ou curto prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial.
Neste relato de experiência, iremos tratar de um estudante com déficit de aprendizagem e
transtorno de ansiedade, aluno de nossa escola durante os cinco anos iniciais do Ensino
Fundamental que apresenta características dessas condições de forma muito intensa; o relato
se torna possível pela necessidade de desenvolver um trabalho mais específico com o aluno
mencionado.

1
Professor do SAEE/SEDUC
2
Professora do SAEE/SEDUC

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 17


André3 tinha 15 anos quando passou por esta experiência; sempre teve grandes
dificuldades relacionadas à aprendizagem e socialização e, em seu último ano em nossa escola,
essas barreiras ficaram mais presentes, pois o afligia a certeza de que precisaria mudar de
escola para avançar ao sexto ano. Seus laços conosco eram muito fortes, uma vez que, por ser
uma escola inclusiva, traçamos metas e cuidados muito específicos para tornar o dia a dia de
alunos com deficiência, como ele, mais inclusivos em suas participações.

André, embora com muitas dificuldades na escola sempre foi um aluno dedicado, assíduo
e participativo e em todo esse processo teve apoio da família que nunca mediu esforços para
que sua total integração fosse possível. Notou-se, também, outra característica muito
interessante do aluno em questão: a predisposição e interesse pela arte, principalmente a
pintura de quadros à mão livre; suas habilidades o destacavam tanto na sala de aula regular,
nas aulas de Arte, quanto no SAEE, frequentado no contraturno de sua escolarização.

O plano de ação desenvolvido no SAEE foi então voltado para esses momentos de
imersão artística e conversas sobre o dia a dia de André e suas dificuldades, uma vez que se
comunicava melhor desta forma; ressalta-se também que havia sempre um bom canal de
comunicação com a área de saúde, a qual André era assistido e sua família.

Portanto, foi possível verificar avanços significativos a partir da arte com o aluno, uma vez
que o tornamos protagonista de práticas e de processos de criação que, ao longo desse plano,
possibilitaram-no socializar suas produções em sua sala de aula com seus colegas de classe e,
posteriormente, com o restante das turmas da escola em sua própria exposição com visitas
dirigidas e mediadas por ele.

Além do claro desempenho de habilidades artísticas, junto com a ponte escola-família-


médico, os avanços percebidos foram significativos em relação às deficiências de André que ao
longo do processo foram sendo controladas e contornadas, ficando evidente o sucesso obtido ao
final do ano letivo.

2 DISCUSSÃO TEÓRICA
Em primeira instância, entendamos o Serviço de Atendimento Educacional Especializado
como recurso escolar importante para o desenvolvimento do aluno com deficiência, instituído no
DECRETO nº 6.571 de 17 de setembro de 2008 para um sistema educativo mais democrático e
efetivo:

Considera-se atendimento educacional especializado o conjunto de atividades, recursos de


acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou
suplementar à formação dos alunos no ensino regular. (BRASIL, 2008, p. 26).

3
Nome fictício, para preservar a identidade do aluno.

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Assim, André se enquadra no perfil de um aluno público-alvo da Educação Especial,
tendo em vista os laudos específicos apresentados de déficit de aprendizagem e transtorno de
ansiedade

O processo desta experiência pedagógica acontece em dois momentos: inicialmente,


registramos a realidade do André na sala de aula regular, quando são identificadas as
demandas mais importantes relatadas pelos seus professores, suas necessidades e suas
dificuldades no processo escolar como um todo, compreendendo aprendizado de objetos de
conhecimentos específicos e de socialização.

No segundo momento, o professor do SAEE, juntamente com as orientações da equipe


multiprofissional que atende ao aluno em sua área médica, traça um plano de desenvolvimento
individual com o objetivo de mediar as dificuldades apresentadas no primeiro momento.

Assimilando o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI), fundamentado nas seguintes


bases legais: CNE/CEB nº 04/2009 (BRASIL, 2009), Decreto nº 7611/2011 (BRASIL, 2011) e a
Lei Brasileira de Inclusão n° 13.146/2015 (BRASIL, 2015, n.p.) que objetiva “contribuir na
instrumentalização de professores e técnicos da rede estadual de ensino”, entendemos que essa
é uma estratégia muito interessante a ser utilizada nestas ocorrências pontuais, pois, não
apenas considera as especificidades dos alunos com necessidades especiais, como as utiliza
nas estratégias educativas, tornando o processo mais efetivo.

Para Moura e Souza (2015), a inclusão escolar envolve não somente princípios e
procedimentos para inserção, eliminando barreiras e bloqueios para o acesso, mas, sobretudo,
mudanças atitudinais, posturais do educador e dos grupos sociais, garantindo a permanência
nas classes regulares, aperfeiçoando e otimizando a educação em benefício dos alunos com e
sem necessidades educacionais especiais.

A inclusão rompe com paradigmas que sustentam o conservadorismo das escolas e com o perfil de
aluno ideal, pois elimina modelos específicos e contesta a seleção de eleitos para frequentar a
escola, provoca o professor a novos saberes e os gestores a adequação, pois uma escola inclusiva
precisa pretender o aluno PcD e não a chegada do mesmo para adequar-se (MOURA; SOUZA,
2015, p. 5)

O SAEE é um serviço oferecido preferencialmente no contraturno do aluno com


necessidades educacionais especiais, podendo ser ofertado na própria escola ou em escolas
especializadas.

As atividades desenvolvidas nesse espaço contribuem no desenvolvimento das principais


dificuldades encontradas por esse aluno em sua sala de aula regular, cabe, portanto, ao
professor do SAEE, em conjunto com os demais professores elaborar um plano de ação que
contemple as principais necessidades dos alunos especiais com a finalidade de tornar o espaço
escolar e o processo educativo com equidade para o aluno com deficiência eliminando as
barreiras arquitetônicas e atitudinais que o impeçam de desenvolver suas habilidades
acadêmicas junto aos seus pares.

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Tal serviço é oferecido na escola Vera Simplício em uma sala específica, equipada para
trabalhar no contraturno com todas as demandas e o professor responsável, com especialização
em Educação Inclusiva com ênfase na Educação Especial e atende, atualmente, a vinte alunos
com diferentes deficiências. É nesta sala que André, aluno do 5º ano do turno da manhã, recebia
o atendimento especializado duas vezes na semana, variando de 45 a 60 minutos cada 4.

Durante esse processo, foram registrados os avanços e dificuldades a cada encontro com
o aluno individualmente e também em sua sala de aula até chegarmos à culminância dessa
experiência. André era um aluno agitado, com muitas dificuldades de aprendizagem e mudanças
de comportamento abruptas, ora era comunicativo e participativo e em outros momentos
introspectivo e sem motivação, tinha muitas dificuldades em se relacionar com outros colegas,
não participava de rodas de conversas ou atividades coletivas, procurando sempre se isolar da
turma e dos professores.

Além disso, embora já alfabetizado, tinha dificuldades de inferir textos um pouco mais
elaborados e acumulava incompreensões em matemática. O Conselho Estadual de Educação
(CEE/PA) determina que essa avaliação do desempenho escolar do aluno deve constatar os
avanços acadêmicos alcançados pelo estudante, prevendo intervenções pedagógicas
elaboradas exclusivamente para ele, competências, habilidades, conhecimentos adquiridos no
decurso de sua escolarização e frequência mínima de 75% na escola, igualmente aos demais
alunos.

Em seus atendimentos, além das problemáticas mencionadas, percebemos um bloqueio


muito forte em sua socialização na sala de aula, que considerávamos seu maior desafio, uma
vez que “situações de exclusão, como a falta de oportunidades e o insucesso escolar, por
exemplo, reforçam, quase sempre, a baixa autoestima do aluno, que volta à escola fragilizado,
inseguro e sentindo-se incapaz de aprender” (SILVA, 2010, p. 25).

A legislação atual considera a socialização parte importante do processo de


escolarização, o que faz com que muitos dos documentos elaborados pelo Ministério da
Educação, assim como as Secretarias estaduais e municipais de educação, seguirem por este
caminho.

A educação, por meio da escolarização, consolidou-se nas sociedades modernas como um direito
social, ainda que não tenha sido universalizada. Concebida como forma de socializar as pessoas de
acordo com valores e padrões culturais e ético-morais da sociedade e como meio de difundir de
forma sistemática os conhecimentos científicos construídos pela humanidade, a educação escolar
reflete um direito e representa componente necessário para o exercício da cidadania e para as
práticas sociais (BRASIL, 2013. p 150).

Utilizar das Artes nos atendimentos especializados é uma estratégia interessante, pois,
por não ter a obrigatoriedade do currículo de Arte a ser cumprido neste horário, são colocadas

3
NEste relato se refere ao período que se inicia no segundo semestre de 2021 e se conclui no primeiro bimestre
de 2022 quando a experiência com André aconteceu e quando começaram a ser analisados e avaliados todos os
processos.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 20


como método. Neste caso, não apenas educativo, mas comunicativo.

A Base Nacional Curricular Comum – BNCC (BRASIL, 2018), importante documento no


âmbito educacional, destaca, como uma das competências específicas da área de Linguagens,
ao qual o componente Arte está incluído:

Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual,
sonora e digital –, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em
diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao diálogo, à resolução de conflitos e à
cooperação (BRASIL, 2018, p. 65).

Tal proposta documental assinala, em suas entrelinhas, a necessidade de explorar


diferentes formas para a construção de diálogos; isso implica dizer o quão ricas podem ser as
práticas educacionais na área das Linguagens e, mais especificamente, no que se refere às
artes visuais, cujas aproximações foram feitas de forma natural, neste caso, uma vez que André
já trazia consigo uma predisposição com este tipo de linguagem.

3 PERCURSO METODOLÓGICO
A partir da observação em sala de aula e outros espaços escolares, principalmente nas
aulas de Arte, verificamos que o aluno tinha grande interesse pelas Artes Visuais. André trazia
de casa informações já previamente pesquisadas, sobre técnicas, História da Arte e produções
artísticas; o hobby rapidamente se tornou principal assunto nos atendimentos do SAEE, assim,
partindo desse ponto inicial, foi desenvolvido um plano de atendimento.

Nesse plano, ora eram apresentados a André textos, imagens, filmes e animações, que
exploravam muitos e diferentes recursos visuais, ora eram oferecidos materiais diversos para
produção artística; logo verificamos que sua maior afinidade estava na pintura de quadros,
usando tinta guache escolar sobre tela, e modelagem com cerâmica fria (biscuit).

Desse processo, surgiram revelações de características muito próprias do aluno,


principalmente na pintura de quadros. Seguindo os postulados de Santaella e Nöth (1998), que
defende a imagem não somente como forma de expressão pura, mas também como linguagem
comunicativa e simbólica, observamos uma singularidade nos trabalhos artísticos de André.

O primeiro é o domínio das imagens como representações visuais: desenho, pintura, gravuras,
fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas pertencem a esse
domínio. Imagens, nesse sentido, são objetos materiais, signos que representam o nosso ambiente
visual. O segundo é o domínio imaterial das imagens na nossa mente. Neste domínio, imagens
aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos, ou, em geral, como
representações mentais (SANTAELLA; NÖTH, 1998, p.15).

Inicialmente, suas pinturas traziam de forma recorrente cores escuras e temáticas


sombrias e tristes. Quando questionado sobre suas produções, André afirmava fazerem parte de
seu cotidiano, pois se dizia solitário e sem amigos, refletindo sua introspecção.

Muito se discute sobre a influência dos sentimentos na elegibilidade de cores em


trabalhos visuais; a partir de pensamentos defendidos por Eva Heller (2012), as cores se

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relacionam com as sensações e ações do indivíduo, portanto, seguindo sua análise, tons
escuros, que se aproximam do preto, costumam se relacionar com termos como “mistério”,
“introversão”, “peso”, “fim”, “luto”, “elegância”, “poder”, “azar”, “brutalidade”, etc.
Coincidentemente (ou não), descobrimos, além de seus problemas de solidão na escola, uma
recente perda familiar de André (Imagens 1 e 2).

Imagens 1 e 2 - Quadros criados por André nos atendimentos do SAEE


Fonte: Acervo pessoal.

Após essa primeira experiência, sugerimos ao aluno que compartilhasse seus resultados
com sua turma e professores, para que expressassem suas opiniões; a partir da socialização
dos seus trabalhos, André passou a protagonizar uma experiência de reconhecimento e
identificação com o grupo pelas impressões apresentadas a ele, de forma positiva,
principalmente pelo fato dos demais alunos passarem a enxergá-lo como artista e até sugerirem
outras perspectivas de pintura.

A valorização pela qual o aluno passou com sua experiência em compartilhar sua arte o
remeteram a uma nova tendência na pintura, cores mais vivas, paisagens mais alegres e
principalmente a ânsia de compartilhar sua produção.

Em outros momentos, os professores da sala de aula regular começaram a desenvolver


atividades contextualizadas com a Arte para toda a turma, tornando esses momentos mais
atrativos para os alunos e principalmente para André, que cada vez mais se sentia estimulado
em participar ativamente de atividades da sala de aula regular.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS ALCANÇADOS


Nesse ponto, o SAEE articulou uma culminância no final do ano letivo, com uma pequena
exposição em um painel no pátio de entrada da escola, onde participariam todas as outras
turmas da escola, de manhã, desde o 1º ao 4º ano, de visitas dirigidas e mediadas pelo próprio
André, para que o aluno pudesse falar sobre suas produções e técnicas usadas para a criação
dos trabalhos.

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Esse pequeno ato contribuiu, então, para aumentar o seu protagonismo e melhorar sua
autoestima em todo o espaço escolar. Em um curto espaço de tempo, pudemos ver a
transformação pela qual o aluno passou, uma vez que, já conseguia participar efetivamente de
rodas de conversas dentro e fora de sala de aula, obteve entrosamento em conversas coletivas
e passou a ter mais visibilidade nos espaços coletivos da escola.

Notamos que suas mudanças abruptas de comportamento, relacionadas às suas


necessidades, já não eram tão presentes, em contraposição à sua maior participação em sala de
aula; ele deu um salto qualitativo, academicamente e isso somente foi possível a partir da
estratégia adotada em seu Plano de Desenvolvimento Individual, que era alimentada
bimestralmente com a participação de todos os professores e técnicos da escola com os
avanços que alcançava, assim como, ajustes necessários para obtenção de maiores êxitos
(Imagem 3).

Imagem 3 - André em uma de suas mediações da exposição.


Fonte: Acervo pessoal.

Com a apresentação das produções, na exposição, o aluno apresentava suas obras


explicando como se deu o ato criativo, quais influências o motivaram na produção, quais
técnicas foram usadas e principalmente estimulando os alunos a praticar a arte; percebemos,
nesse ato, atitudes que revelavam a reunião e contextualização de muito do que ele aprendera
durante o ano.

CONCLUSÃO
Ao término de todo processo, ficou evidente a possibilidade de ressignificar a condição do
aluno, principalmente pelo fato do trabalho coletivo dos profissionais que o acompanhavam e a
sensibilidade em aproveitar seu objeto de interesse para diminuir suas condições de déficit de
aprendizagem e ansiedade; além de estimular a autoestima do André, provando que o aspecto
socioemocional do aluno influi em seus rendimentos escolares.

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Fica evidente, ainda, que a inclusão na escola é algo possível e sua eficácia e êxito se
tornam viáveis a partir da seriedade em que foi tratada a problemática e principalmente pelo
trabalho desenvolvido no SAEE e seu link com a sala de aula regular do aluno e dos demais
profissionais que o acompanhavam. O trabalho mútuo possibilitou ao André se tornar
protagonista de uma nova história em sua vida e deixar para trás uma condição que já vinha
amargando por anos devido à sua condição de Pessoa com Deficiência.

Embora André continue frequentando o SAEE em nossa escola, hoje ele cursa o sexto
ano do Ensino Fundamental em outra unidade escolar perto de sua casa; sua transição está
sendo tranquila e ele está se adaptado com seus novos amigos e professores, continua
praticando a arte como ferramenta de transformação de sua condição e vem tendo avanços
significativos nas áreas de conhecimento, dessa forma podemos afirmar que a vinculação da
tríade de sala de aula regular, SAEE e Arte fora responsável pela amenização de muitos de
seus problemas. André ainda tem um caminho promissor a traçar em toda sua trajetória e
ficamos felizes em poder ter feito parte do início dela.

REFERÊNCIA

BRASIL. Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre o atendimento


educacional especializado, regulamenta o parágrafo único do art. 60 da Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao Decreto nº 6.253, de 13 de novembro de 2007.
Diário Oficial da União - Seção 1, Brasília, DF, 2008.

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009. Institui Diretrizes


Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica,
modalidade Educação Especial. Diário Oficial da União – Seção 1, Brasília, DF, 2009.

BRASIL. Decreto Nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o


atendimento educacional especializado e dá outras providências. Diário Oficial da União.
Brasília, DF, 2011.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação


Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, a. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da


Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 18 ago. 2022.
2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/SEB,


2018. Disponível em: http://basenacionalcomum. mec.gov.br/abase/ Acesso em: 19 de abril
de 2022.

MOURA. Simone; SOUZA. José. Auto do Círio, uma experiência de inclusão por meio da
arte na escola Vera Simplício. Anais do XXV CONFAEB, III Congresso Internacional da
Federação de Arte/educadores. Fortaleza, CE, 2015.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 24


HELLER, Eva. A Psicologia das Cores: Como as cores afetam a emoção e a razão. São Paulo:
Editora Gustavo Gili, 2012.

SANTAELLA, Lúcia; NÖTH, Winfried. Imagem, cognição, semiótica, mídia, Iluminuras, São
Paulo, 1998.

SILVA, Luciane. Autoestima e aprendizagem na educação de jovens e adultos –


Contribuições da família e da escola. 2010, 41f. Monografia (Pós-graduação em Psicopedagogia
institucional) – Instituto A Vez do Mestre, Universidade Cândido Mendes. Niterói, RJ, 2010.

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A LEITURA NO PERCURSO DA FORMAÇÃO DO ALUNO LEITOR E ESCRITOR:
TRILHANDO CAMINHOS PARA AUTORIAS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Leidiane Pereira de Oliveira1

RESUMO
Compartilho uma experiência que tem sido referência para o desenvolvimento da competência leitora dos alunos do
6º ao 9º ano dos anos finais do ensino fundamental da Escola Estadual Ruth Passarinho. O Projeto Tarde de
Autógrafo “Ler é uma aventura” vem sendo desenvolvido na escola desde o ano de 2019 e tem como objetivo
principal despertar o desejo pela leitura. A 1ª versão do projeto, desenvolvida em 2019 e 2020, culminou com a
publicação de um livro de autoria dos próprios alunos que reúne as produções textuais realizadas em sala de aula
durante as aulas de língua portuguesa. O livro foi publicado em fevereiro de 2020 pela Editora Dalcídio Jurandir do
IOEPA. Em 2021, foi desenvolvido uma 2ª versão do projeto que culminou com a confecção de um Portfólio dos
textos produzidos em sala de aula, hoje disponível na biblioteca da escola para uso dos estudantes. Hoje já
estamos trilhando novos caminhos para a 3ª versão do projeto Ler é uma aventura, uma vez que tem sido de muita
relevância para a comunidade escolar e valorização das capacidades de leitura e escrita de nossos alunos e tem
contribuído para a formação de alunos leitores e escritores.

Palavras-chaves: Leitura. Escrita Literária. Ludicidade. Tecnologia.

1 INTRODUÇÃO

Na concepção interacional (dialógica) da língua para Koch; Elias, (2009, p. 10), “os
sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que dialogicamente se
constroem e são construídos no texto, considerando o próprio lugar da interação e da
constituição dos interlocutores.” Esse texto reflete um pouco das minhas vivências de sala de
aula como professora de língua portuguesa no processo de formação de alunos leitores e
escritores. Experiências que a cada ano letivo se aperfeiçoam e vão ganhando novos rumos
com o intuito de despertar no aluno o prazer pela leitura nas aulas de língua portuguesa.
De acordo com a autora, a criança é vista como um sujeito histórico e de direitos, que
interage e constrói sua própria identidade. Um ser que brinca, imagina e deseja. Um ser que
narra sua história, produz conhecimentos e constrói seu próprio saber. E é nessa perspectiva de
ser criança como sujeito ativo e autor da sua própria história, que busco descrever neste relato o
processo de formação de alunos leitores e escritores que vem sendo desenvolvido na Escola
Estadual Ruth Passarinho da USE 08. A escola está localizada na Passagem Torres, SN, no
bairro Curió-Utinga, Belém - Pa, bairro de periferia de Belém que atende estudantes oriundos de
comunidades ribeirinhas do rio Guamá, nas proximidades da estrada da Ceasa e das

1
Graduada em Licenciatura Plena em Letras – UFPA. Graduada em Pedagogia – UNAMA. Professora da rede
estadual de ensino do Estado do Pará – SEDUC. Técnica em Gestão Pública – SEMAS/PA. Especialista em Psi-
copedagogia–Universidade Estadual do Vale do Acaraú. E-mail:oleidiane@yahoo.com.br.

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comunidades do entorno do Parque Estadual do Utinga, uma área de preservação ambiental.
O percurso que aqui será relatado teve início em 2019 antes do período da pandemia do
Novo Coronavírus (COVID-19), com a implementação do projeto Tarde de autógrafo “Ler é uma
aventura: criando e recriando textos na sala de aula”. O projeto tem como objetivo formar alunos
leitores e escritores por meio da criação e recriação de textos na sala de aula. A 1ª versão do
projeto atendeu aproximadamente 55 estudantes dos anos finais do ensino fundamental e como
resultado dessa 1º etapa, foi publicado um livro de autoria dos alunos, em fevereiro de 2020,
pela Editora Dalcídio Jurandir em parceria com o IOEPA/PA que resultou na impressão de 200
unidades do livro. O livro somente foi lançado em 2021 na 24ª Feira Pan-Amazônica do Livro e
das Multivozes, devido à pandemia do Novo Coronavírus que impossibilitou a realização do
evento em 2020. Momento em que participaram apenas dois alunos representantes da escola
para autografarem os livros no stand da SEDUC e dar entrevista no Portal da TV Cultura,
ocasião de suma relevância para a valorização de nossos alunos.
Vale dizer que a experiência de implementação do Projeto Tarde de Autógrafo me
possibilitou, entre outras coisas, produzir um relato de experiência da 1ª versão do projeto, já
publicado na revista “Entre Saberes”, Volume III, Nº. 4, em junho de 2020, organizada pelo
Centro de Formação de Professores - CEFOR/SEDUC/PA.
O projeto Tarde de Autógrafo “Ler é uma aventura” objetiva, a partir do prazer pela leitura,
estimular um processo de formação contínua de alunos leitores e escritores, desenvolvendo
habilidades expressivas, de modo que sejam capazes de compreender, utilizar e refletir sobre as
diferentes linguagens no dia-a-dia; de produzir conhecimentos de forma autônoma; resolver
problemas do cotidiano com iniciativa.

O projeto surgiu com foco nas leituras de textos literários e atualmente tem também enfoque
nas linguagens tecnológicas digitais, na cultura de hipertextos na sala de aula, considerando o
novo cenário que vivemos devido à necessidade de ensino remoto por causa da pandemia do
Novo Coronavírus. Nesse sentido, o projeto, em 2021, objetivou relacionar os textos literários
com os hipertextos na sala de aula. Trabalhamos com a charge digital, memes, blogs, paródias,
vídeos-minutos e outros textos digitais que possibilitam os multiletramentos na escola.

Com o avanço da sociedade digital, nossos alunos não são mais os mesmos, estão cada
vez mais integrados às novas tecnologias digitais, o que exige da escola outros métodos de
aprendizagem, para integrar os textos digitais com os textos impressos. Diante desse novo
cenário mundial, senti a necessidade de incluir cada vez mais a cultura digital na sala de aula,

4
Lei nº13.415, de 16 de Fevereiro de 2017. Altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manu-
tenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação
das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236,
de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à
Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/
legin/fed/lei/2017/lei- 13415- 16-fevereiro-2017-784336-publicacaooriginal-152003-pl.html Acesso: 9 de dezembro
de 2021.

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ainda que com limitações de infraestrutura tecnológica na escola; é preciso introduzir aos
poucos os textos digitais nas aulas de Língua Portuguesa.

Vale ressaltar que a BNCC define competências gerais para a educação básica que
orientam as habilidades, conhecimentos, atitudes e valores que todos os alunos devem
desenvolver ao longo da sua formação. Uma das competências gerais da BNCC é compreender,
utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação, o que exige dos estados e
municípios investimentos em tecnologia na escola, disponibilização de wi-fi, equipamentos
(datashow, tablets, computadores), para o desenvolvimento das atividades de leitura e escrita na
escola com maior dinamicidade.

O referido relato tem como objetivo contribuir para a atuação do professor de língua na
sala de aula, voltado para estudantes do 6º ao 9º anos finais do ensino fundamental, a partir de
experiências simples, mas possíveis de serem desenvolvidas e aperfeiçoadas, por meio da
criação e recriação de textos na sala de aula, a fim de que
[...] a experiência da literatura – e da arte em geral – possa alcançar seu potencial
transformador e humanizador, é preciso promover a formação de um leitor que não
apenas compreenda os sentidos dos textos, mas também que seja capaz de fruí-los. Um
sujeito que desenvolve critérios de escolha e preferências (por autores, estilos, gêneros) e
que compartilha impressões e críticas com outros leitores (BRASIL, 2018, p. 156).

2 DISCUSSÃO TEÓRICA

Como professora de língua portuguesa, sempre tive uma preocupação muito grande no
que ensinar e como ensinar. Nos últimos anos, meu objetivo tem sido cada vez mais contribuir
para o desenvolvimento da competência comunicativa dos estudantes, utilizando estratégias
com vistas a sanar suas dificuldades de aprendizagem e auxiliá-los no processo de formação de
leitores críticos, capazes de exercer sua autonomia no uso da linguagem.

Os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) é a etapa que além de buscar o
aprofundamento e ampliação do repertório do aluno, tem como foco o desenvolvimento da
autonomia. Um dos objetivos de ensino da língua portuguesa é desenvolver a competência
leitora dos alunos, de modo que este aluno desenvolva habilidades de expressão oral e escrita,
de leitura, de produção textual e aprenda compartilhar suas experiências locais e regionais por
meio da linguagem em diferentes situações comunicativas do cotidiano. Este é o desafio não só
do professor de língua como dos demais professores de outras áreas de conhecimento que têm
também a responsabilidade de ampliar as capacidades expressivas dos alunos.

Nesse sentido, chegamos à seguinte problemática: como, então, o professor pode


contribuir para a formação do aluno leitor-escritor? Numa perspectiva de interação e integração
entre as áreas de conhecimento, o professor de língua portuguesa pode ser tanto o mediador do

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processo, o incentivador das práticas de leitura na escola, aquele que propõe estratégias ao
desenvolvimento da competência leitora dos alunos, visando capacitá-los a lerem e
compreenderem um texto, em diversas situações comunicativas, bem como pode ser aquele que
busca interagir com os demais professores e auxiliá-los no processo de ensino e aprendizagem.

A BNCC (BRASIL, 2018) traz a necessidade de se valorizar a ludicidade, a diversidade de


saberes, as vivências culturais e a relação do saber com as práticas sociais, e não há como
realizar um trabalho multi, sem uma discussão interdisciplinar e transversal, preconizando
a superação da fragmentação radicalmente disciplinar do conhecimento, o estímulo à sua
aplicação na vida real, a importância do contexto para dar sentido ao que se aprende e o
protagonismo do estudante em sua aprendizagem e na construção de seu projeto de vida
(BRASIL, 2018, p. 15).

Além disso, a BNCC (BRASIL, 2018, p. 19) propõe “incorporar aos currículos e às
propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em
escala local, regional e global, preferencialmente, de forma transversal e integradora.”

Entendo que meu papel como professora sempre foi contribuir para a formação de
pessoas críticas e não apenas transmitir conteúdo. Aprendi durante todo o meu processo de
atuação docente que o professor de língua portuguesa é aquele que busca possibilitar aos
estudantes práticas diversificadas de linguagem, para o desenvolvimento habilidades de
oralidade, de leitura, de escrita, de produção textual e de análise linguística e literária.

Nessa perspectiva, a prática que venho desenvolvendo na escola estadual Ruth Passarinho
tem considerado a interação professor-aluno e aluno-professor como fator determinante no
processo ensino-aprendizagem da língua portuguesa. Vale ressaltar, que a compreensão que o
professor tem de sujeito e de língua, influencia no processo de ensino e aprendizagem, logo, se
o aluno é visto como sujeito, autor da sua própria história, o ensino da língua portuguesa passa
também a ser visto como processo de interação entre os interlocutores.
Paulo Freire discorre, que ensinar está intimamente ligado à produção das condições
pertinentes de um aprender crítico, envolvendo os sujeitos do processo (FREIRE, 1996). Isto é,
ensinar é muito mais que formar o ser humano em sua destreza, mas é estar atento para a
formação ética dos alunos, de modo que possam estimulá-los a uma reflexão crítica da realidade
em que estão inseridos.
Içami Tiba (2011, p.103) em diálogo com a proposta Freireana de que o processo de ensino-
aprendizagem é um profundo movimento de mutualidade entre educador/educando, que “Em
qualquer ocasião, sempre há alguém ensinando e outro aprendendo, direta ou indiretamente”,
ou seja, o “Educador não é somente aquele que se propõe a ensinar” (TIBA, 2011, p.104).
Portanto, ensinar vai além do conteúdo a ser ensinado, pressupõe uma relação dialógica na sala
de aula, em que o professor propõe e o aluno produz a partir de suas experiências.
Irandé Antunes (2003, p. 37) também explica sobre esse novo perfil de ser um professor,
como sendo um “novo perfil do professor que deve ser um ‘pesquisador’, que, com seus alunos

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(e não, “para” eles), produz conhecimento, o descobre e o redescobre”. Mais uma vez, ressalta-
se que o professor precisa ultrapassar os limites do conteúdo programático e oportunizar
experiências de forma prazerosa e significativa, assumindo o papel de mediador da
aprendizagem na prática educativa. A autora também reforça que a questão maior não é ensinar
ou deixar de ensinar gramática, é saber discernir o que se pretende ensinar, uma vez que a
gramática não existe em função de si mesma, mas se constrói nos processos de interação da
língua na prática educativa.
E é nessa perspectiva, durante o desenvolvimento do Projeto “Ler é uma aventura”, que
compreendi que não bastava só ensinar gramática, era preciso ensinar a língua num processo
de interação com ela, mas sem deixar de envolver a gramática no processo, pois entendo, de
acordo com Koch (2009), que o texto é construído na interação entre autor-texto-leitor em um
determinado contexto social, isto é, corresponde a uma visão de ensino da língua que vai além
do ensino de gramática.
Nesse sentido, durante toda a execução do projeto “Ler é uma aventura” busquei propor
algo a mais para meus alunos, algo que eles pudessem aprender para a vida, de modo que
influenciasse também no seu jeito de vestir e de se comportar, de maneira simples, criando e
recriando textos.
Sobre isso, Xavier e Marcuschi (2010 p. 209) explicam que
na esteira da leitura do mundo pela palavra, vemos emergir uma tecnologia de linguagem
cujo espaço de apreensão de sentido não é apenas composto de palavras, mas, junto com
elas, encontramos sons, gráficos e diagramas, todos lançados sobre uma mesma
superfície perceptual, amalgamados uns sobre os outros, formando um todo significativo e
de onde sentidos são complexamente disponibilizados aos navegantes do oceano digital.
É assim o hipertexto.

Os textos são vistos como hiper, ou seja, não têm mais caráter único, eles são múltiplos.
São interativos, colaborativos e híbridos, o que faz com que o ensino também mude, uma vez
que trabalhar com esses tipos de textos requer estratégias metodológicas inovadoras para
desenvolver no aluno mais habilidades de leitura e mais vivências com variedades de textos que
circulam no meio social.
Autores como Rojo e Moura explicam multiletramentos como textos que possuem um
caráter multi “um dos mais destacados funcionamentos desses novos textos que requer novos
letramentos é seu caráter multi, mas hiper: hipertextos, hipermídias” (ROJO E MOURA, 2012 p.
21).
Nessa perspectiva de multiletramentos, os hipertextos colocam novos desafios aos
professores e alunos, pois exigem de ambos, o multiletramento, muito mais que a leitura de
textos, e sim a leitura de mundo, o que exige do leitor o esforço para inferir, preencher lacunas e
utilizar todo o seu conhecimento enciclopédico.
A BNCC (BRASIL, 2018, p, 136, grifo nosso) também propõe multiletramentos na prática
educativa:
Nos Anos Finais do Ensino Fundamental, o adolescente/jovem participa com maior
criticidade de situações comunicativas diversificadas, interagindo com um número de
interlocutores cada vez mais amplo, inclusive no contexto escolar, no qual se amplia o

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número de professores responsáveis por cada um dos componentes curriculares. Essa
mudança em relação aos anos iniciais favorece não só o aprofundamento de
conhecimentos relativos às áreas, como também o surgimento do desafio de aproximar
esses múltiplos conhecimentos. A continuidade da formação para a autonomia se
fortalece nesta etapa, na qual os jovens assumem maior protagonismo em práticas
de linguagem realizadas dentro e fora da escola.

Nesse contexto, as práticas de leitura e escrita que vêm sendo desenvolvido nas aulas de
língua portuguesa são práticas que exigem um novo olhar para o processo de ensino e
aprendizagem. Busca-se desenvolver práticas inovadoras de leitura e de escrita na escola. E é
nessa perspectiva que a escola Ruth Passarinho passa a ter novos desafios para que de fato
ocorra o desenvolvimento da competência leitora.
Com o avanço do acesso às tecnologias digitais, cabe ao professor de língua portuguesa
adotar um novo enfoque na sua formação e assim possa reconhecer o potencial dos alunos
enquanto protagonistas na construção do conhecimento, de modo que os alunos se tornem
agentes culturais ativos para viver numa sociedade pós-contemporânea.

3 PERCURSO METODOLÓGICO

No ano de 2021, com o retorno das aulas presenciais nas escolas públicas, deu- se
continuidade ao desenvolvimento do projeto Tarde de Autógrafo “Ler é uma aventura” a partir da
metodologia de criação e recriação de textos nas aulas de língua portuguesa, por meio da ação
escrita-feedback-reescrita de textos produzidos pelos alunos. Busquei desenvolver estratégias
metodológicas de leitura e escrita, em que a partir da leitura de textos diversos, o aluno recriava
outros textos, dando novo sentido a eles, ou seja, busquei orientá-los para as produções e
recriações de suas próprias autorias. Normalmente, os textos eram corrigidos pelos alunos, após
as observações feitas pelo professor, e quando estes estavam compreensíveis e organizados,
eram selecionados para compor a coletânea de textos ao final do ano letivo.

As atividades de leitura e de escrita realizadas durante as aulas de língua portuguesa


abordaram diversas temáticas, entre elas, relacionadas à influência do uso da internet e das
redes sociais na vida das pessoas, considerando as experiências dos estudantes com as redes
sociais, suas implicações à saúde mental e suas vantagens e desvantagens para a sociedade.
Os alunos puderam interagir, em rodas de leitura, com crônicas, charges, resenhas, histórias em
quadrinhos, poemas, contos e internetês, também com cordéis na sala de aula. Essa prática
permitiu oportunizar ao estudante experiências significativas de leitura e de escrita, em que o
feedback dos textos enquanto estratégia utilizada, possibilitou ao aluno o aperfeiçoamento de
seus textos.

Tendo em vista a formação do aluno leitor-escritor-crítico, questionador, ativo e sujeito


do processo de aprendizagem, essa prática educativa, baseada na ação-reflexão-ação, buscou
superar os entraves encontrados no dia a dia da sala de aula.

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Esse ano, o projeto culminou na confecção de um Portfólio de textos disponível hoje na
biblioteca da escola para uso de todos, como forma de divulgar e valorizar os trabalhos dos
alunos junto à comunidade escolar, pois dessa vez não foi possível garantir a produção do 2º
livro dos alunos. Além do portfólio, os alunos produziram dicionários paraenses, livretos de
cordel, charges, tiras de humor, histórias em quadrinhos, dentre outros gêneros textuais.

As figuras a seguir descrevem um pouco os processos metodológicos vividos em sala de


aula (arquivo pessoal)

Figura 1 Figura 2 Figura 3

Figura 4 Figura 5 Figura 6

Legenda: (1) Portfólio na biblioteca da escola (2) Criação e recriação de textos em sala de aula (3) Produção de
aluno com deficiência - PcD,(4) Exemplo de Conto em Cordel (5) Linguagem de internetês (6) Autógrafo do livro na
24º Feira Pan Amazônica do Livro /2021.
Fonte: Compilação do autor (2021)

4 RESULTADOS

Com o projeto “Ler é uma aventura”, a leitura foi ganhando mais espaço nas aulas de língua
portuguesa, o espaço da biblioteca passou a ser mais valorizado, incentivou-se o hábito de ler
na biblioteca com mais frequência, seja por intermédio do professor, seja por livre iniciativa do
estudante. Aos poucos vem se intensificando na escola o hábito da leitura.

Entretanto, o resultado do projeto não pode ser mensurado ainda, por ser um processo
lento, com várias interrupções devido à pandemia do Novo Coronavírus. Sabe-se que nossos
alunos retornaram à sala de aula com mais dificuldades do que antes, menos concentração,
menos hábito de leitura e mais acesso ao celular. A escola tem o desafio de despertar esse
prazer pela leitura e continuar estimulando novos processos de aprendizagem de forma mais

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significativa para os estudantes.

Ainda assim, entendo que o objetivo do Projeto vem sendo alcançado, mesmo que
lentamente; adquirir o hábito e o prazer pela leitura é um processo contínuo, que deve ocorrer
tanto no meio escolar, quanto no meio familiar.É importante destacar, que o envolvimento da
família pode fazer toda a diferença. Há a necessidade de se criar mais estratégias de
envolvimento dos pais/responsáveis no acompanhamento das atividades de seus filhos, tendo
em vista que a família precisa fazer parte do processo de aprendizagem dos filhos, o que poderá
auxiliar a sanar as dificuldades dos estudantes. Acreditamos, então, que família e escola devem
educar juntas e a escola, por sua vez, deve envolver a família em projetos escolares, visando
assim a melhores resultados.

CONCLUSÃO

Sabemos que para o hábito e o prazer pela leitura na escola requer uma mudança de
postura do professor de todas as áreas de conhecimento, a fim de que este alcance mudanças
significativas no processo de ensino e aprendizagem. O professor de língua portuguesa,
especialmente, precisa além de ensinar gramática, possibilitar o desenvolvimento de uma atitude
crítica no aluno, preparando-o para a leitura do seu mundo e todos os mundos possíveis. Sobre
isso Koch (2011 p. 157), já dizia que o
importante é o aprendiz notar que cada nova leitura de um texto lhe permitirá desvelar
novas significações, não detectadas nas leituras anteriores. Esse fato poderá, inclusive,
servir-lhe de motivação, despertando-lhe maior gosto pela leitura ao perceber que, pela
reconstrução que ele próprio faz do texto, acaba por recriá-lo, tornando-se por assim dizer,
o seu coautor.

E é dentro dessa perspectiva de leitura e produção textual enquanto processo prazeroso,


que pretendo dar continuidade ao desenvolvimento do Projeto Tarde de Autógrafo “Ler é uma
aventura” nas aulas de língua portuguesa na escola estadual Ruth Passarinho . Espera-se com
esse projeto aperfeiçoar os processos de leitura e produção textual na escola, a fim de dar
respostas às necessidades dos alunos, auxiliando-os em suas dificuldades, tendo em vista a
superação dos obstáculos e a inclusão dos mesmos na sociedade como leitores e escritores
críticos e autônomos.

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REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial,
2003.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. Brasília, DF: MEC, 2018,
p. 15-135.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Argumentação e Linguagem. Algumas reflexões sobre o
ensino da leitura. São Paulo: Cortez, 3º ed., 2011.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e Compreender: os sentidos do texto. São
Paulo: Editora Contexto, 2009.
MARCUSCHI, Luis Antônio & XAVIER, Antônio Carlos (Orgs.). Hipertextos e Gêneros Digitais:
novas formas de construção de sentido. São Paulo: Cortez, 3º ed., 2011.
ROJO & MOURA. Roxane Helena R e Eduardo (Orgs.). Multiletramentos na escola. São
Paulo: Parábola Editorial, 2012.
TIBA, Içami. Pais e educadores de alta performance. São Paulo: Integrante Editora, 2011.

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JORNAL ESCOLAR: DESENVOLVENDO A LEITURA, ESCRITA, ORALIDADE E CIDADANIA

Elton Oliveira Morais1


Tayson Silva Cirqueira2

RESUMO
O projeto Jornal Escolar foi desenvolvido por estudantes do ensino médio em uma escola rural em Brasil Novo (PA)
e teve como objetivo dar condições para que os alunos criassem dois jornais - vídeo e impresso - que
desempenhassem um papel importante para o processo educativo, ao desenvolver habilidades em leitura, escrita,
oralidade e cidadania. O jornal procurou divulgar saberes não apenas como informação para o público acerca de
questões ligadas à escola, mas também refletir acerca de aspectos sociais. A preparação para o projeto foi muito
importante para a construção do conhecimento dos educandos, pois eles puderam investigar várias questões que
estimularam o seu senso crítico. Ao final, a divulgação do material trouxe informação para a comunidade escolar,
além de dar foco aos alunos, propagadores de informações e saberes sociais, culturais e pedagógicos.

Palavras-chave: Jornal Escolar. Leitura. Escrita. Oralidade e Cidadania. Informação.

1 INTRODUÇÃO

A aprendizagem por meio de projetos oferece a possibilidade de investigar um tema


partindo de um enfoque relacional, o qual vincula ideias-chave e metodologias de diferentes
disciplinas, abrindo caminho para se repensar a função social dos alunos, da escola e revisar os
saberes escolares.
Nesse sentido, o jornal escolar é uma ferramenta pedagógica para o trabalho inter e
transdisciplinar, por ser um espaço no qual se apresenta o debate de temas relacionados às
experiências dos alunos e no qual os conteúdos curriculares podem ser explorados,
enriquecendo a participação dos envolvidos. Isso contribui para uma escola conectada com a
realidade, uma vez que suas atividades partem de situações sociais, cujos objetivos e modos de
interação determinam, em grande medida, as atividades que podem ser realizadas, os contextos
a serem construídos pelos participantes e as interações possíveis (KLEIMAN, 2006).
Dessa forma, diante do diagnóstico de que era preciso incentivar a leitura, produção de
textos, práticas comunicativas e cidadania, desenvolveu-se o projeto de produção de um jornal
escolar em versão impressa e audiovisual, o qual procurou estimular uma reflexão acerca do
papel do cidadão, proporcionando a eles uma visão sistêmica da comunidade, além de um
diagnóstico das necessidades para que futuramente pudessem buscar soluções por meio de
pesquisas, estudos e propostas, uma vez que o significado de cidadania ganha sentido quando
é produto de uma construção dinâmica dos estudantes.

1
Professor de Língua Portuguesa do Sistema Modular de Ensino (SOME) Altamira-PA.
2
Professor de Língua Portuguesa do Sistema Modular de Ensino (SOME) Altamira-PA.

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O objetivo geral do projeto foi potencializar o desenvolvimento das capacidades criativas
e comunicativas, procurando integrá-las com as tecnologias e materiais diversos, contribuindo
para a construção de instrumentos para compreensão e intervenção na realidade.
Foram estabelecidos como objetivos específicos:
• Ampliar progressivamente o conjunto de conhecimentos discursivos, semânticos e
gramaticais envolvidos na construção dos textos.
• Reconhecer a contribuição dos elementos não-verbais na construção da língua.
• Reconhecer os níveis de linguagem verbal e não verbal.
• Reconhecer as variações existentes entre a língua oral e escrita.
• Resgatar conhecimentos adquiridos anteriormente, introduzindo-os no contexto.
• Produzir mensagens próprias nas modalidades oral e escrita, interagindo com as
tecnologias.
• Organizar as informações e conhecimentos teóricos, construindo conceitos,
argumentos e comprovando-os por meio de de experimentos.
• Escolher o registro adequado à situação na qual se processa a comunicação e o
vocábulo que melhor reflita a ideia que pretende comunicar.
• Organizar registros de dados em textos, desenhos, fotografias, áudio ou vídeo que
estejam adequados à exposição do trabalho.
Este projeto foi desenvolvido pelos professores Elton de Oliveira Morais e Tayson Silva
Cirqueira, servidores vinculados à Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC), lotados
no 4º módulo (ano de 2021), na E.M.E.F. Santa Terezinha, localizada na vicinal 20, município de
Brasil Novo (PA), para atuar nas turmas do Ensino Médio pelo Sistema de Organização Modular
de Ensino (SOME).
Sob influência da rodovia Transamazônica (BR-230), a escola fica em uma comunidade
rural cuja população é formada por migrantes agricultores e pecuaristas que ali se
estabeleceram a partir da década de 1970. E, como em boa parte das comunidades rurais do
Brasil, o acesso à zona urbana por vezes é difícil - assim como o acesso à informação - o que
torna o projeto bastante relevante.

2 REFLEXÃO TEÓRICA

Partindo do entendimento de que a educação não serve ao propósito de armazenar


conteúdos e conhecimentos na mente dos alunos, faz-se necessário que esses conteúdos
estejam correlacionados com os acontecimentos de fora da escola e que, a partir daí,
conclusões sejam extraídas. Acredita-se que o jornal escolar possibilita o engajamento dos
alunos, favorecendo o diálogo e o protagonismo social de educandos e educadores, além de
preparar os discentes para o consumo da mídia (MIRANDA, 2006) e favorecer o
desenvolvimento e a aquisição da competência da língua (BALTAR, 2003).

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O processo de comunicação e interação humana sempre foi marcado pela existência de
múltiplas linguagens. No entanto, mais recentemente, boa parte dos textos contemporâneos
passaram a ser de gêneros multissemióticos/multimodais (impressos e/ou digitais) incluindo a
imagem, a música, e outras semioses que não somente a escrita.
Neste sentido, no contexto escolar, os alunos carecem de metodologias que englobem o
multiletramento para que possam, não apenas reconhecer os múltiplos recursos semióticos que
constituem determinado gênero discursivo, mas interagir utilizando e produzindo esses recursos.
Entendemos que o jornal escolar é um dos instrumentos mais apropriado para isso, pois
de acordo com Bonini (2011), este tipo de projeto apresenta importância social e a tecnologia
empregada é de relativamente simples implementação, favorecendo o trabalho com a linguagem
e, por conseguinte, a autoria e protagonismo de alunos, professores e comunidade escolar.
A noção de autoria, como é compreendida neste trabalho, está alinhada com o que
preconiza Bakhtin e o conceito cunhado por ele de autor-criador, no qual o autor é quem cria o
todo, dando forma ao conteúdo. A autoria de cada sujeito é determinada “a partir de uma certa
posição axiológica”, em que se busca fazer um recorte e reorganização dos eventos a serem
tratados (FARACO, 2012), ou seja, está relacionada às escolhas do ser humano que
naturalmente são influenciadas por seus valores morais, éticos, estéticos e espirituais, dentre
outros. Assim, é possível compreender que a autoria de cada sujeito está relacionada a sua
história e ao seu entendimento de mundo. Dessa forma, as marcas de autoria dos alunos se
revelam nos textos ao vincularem informações à sua opinião pessoal denotando reflexão sobre a
realidade social, econômica e política em que vivem.
Por protagonismo, entendemos, segundo Freire (2011 [1996]), que o sujeito deve ser
parte daquilo que está aprendendo. Neste sentido, o estudante não apenas absorve conteúdos,
mas também desempenha um papel ativo na construção do próprio conhecimento pesquisando
informações, expondo ideias, debatendo, criando.
Além disso, a metodologia empregada neste projeto está alinhada com a BNCC da área
de Linguagens e suas Tecnologias no Ensino Médio priorizando os campos de atuação social
das práticas de estudo e pesquisa e jornalístico-midiático, como também das competências
específicas 3 e 7 as quais se referem à utilização de diferentes linguagens (artísticas, corporais
e verbais) para exercer, com autonomia e colaboração, protagonismo e autoria na vida pessoal e
coletiva e mobilização de práticas de linguagem no universo digital, considerando as dimensões
técnicas, críticas, criativas, éticas e estéticas, para expandir as formas de produzir sentidos, de
engajar-se em práticas autorais e coletivas,
Este tipo de projeto é importante também pela construção de mídias escolares; mídias
criadas pelos alunos e que possibilitam o debate acerca da comunidade escolar, da sociedade
na qual estamos inseridos, da imprensa e do poder, colocando uma lente de aumento nos
problemas e nos acertos, evidenciando trabalhos e projetos que empoderem o alunado, a fim de
que ele possa repensar a sociedade e tornar-se um cidadão mais engajado.

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A produção de jornal escolar destaca a importância da formação de alunos produtores de
textos, evidenciando seu protagonismo e engajamento na condição de cidadãos,
O jornal escolar [...] pode ser um espaço importante de os alunos tomarem a palavra e
darem a conhecer o que acham significativo ou que precisam; tornarem públicas as suas
inquietações e os seus sonhos; trazerem ao debate os assuntos quentes; desenvolverem
as distintas linguagens gráficas; expressarem as suas capacidades e os seus gostos;
exercerem a crítica e a sugestão (SANTOS; PINTO, 1995, p. 7).

É necessário, porém, um debate a respeito do que vai ser produzido e a forma como
ocorrerá essa produção. Nesse sentido,
É necessário refletir acerca do papel representado por esta prática [de produção do jornal
escolar] no ambiente escolar, haja vista que este projeto não pode ter um caráter de pura
mídia dos alunos (uma vez que se perde de vista a especificidade da esfera jornalística,
empobrecendo o conteúdo de linguagem a ser apreendido pelo aluno), mas também não
pode se tornar um mero simulacro do jornal convencional (sob pena de se perder de vista
a sua especificidade enunciativa escolar, o que lhe confere valor subjetivo do ponto de
vista do aluno como sujeito autor) (BONINI, 2011, p. 161-162).

Assim sendo, é fundamental também delimitarmos o termo ‘mídia’ que


inclui toda a gama da comunicação moderna: televisão, cinema, vídeo, rádio, fotografia,
propaganda, jornais e revistas, músicas, jogos de computador e internet. Os textos de
mídia são os programas, filmes, imagens, sites (e por aí vai), que são os portadores das
diferentes formas de comunicação (BUCKINGHAM, 2010 [2003], p.3).

A imensidão dessa indústria leva a uma transformação dos jovens pelas experiências da
mídia, pois “a proliferação das tecnologias midiáticas, a comercialização e a globalização das
mídias, a fragmentação das audiências de massa e a ascensão da
'interatividade''' (BUCKINGHAM, 2010[2003], p. 15) compõem o dia a dia da juventude
contemporânea e, em boa medida, formam a cultura de uma sociedade de consumo, por
intermédio “da televisão, do vídeo, dos jogos de computador, da Internet, da telefonia móvel, da
música popular e pelo leque de commodities ligadas à mídia” (BUCKINGHAM, 2010, p. 42).
A indústria midiática, conforme observamos, alcança vários níveis da nossa sociedade;
ela está presente nos lares, contribui para a formação de opiniões, noticia os fatos correntes,
além de impor sua visão sobre esses fatos. Sendo assim, é impossível falar de mídia e não
pensar em poder, não analisar o que está por trás dos fatos noticiados ou mesmo na escolha de
quais fatos serão anunciados.
Para Kellner e Share (2008), as novas tecnologias de comunicação são ferramentas “que
podem libertar ou dominar, manipular ou esclarecer” (KELLNER; SHARE, p. 703); assim, ensinar
os alunos a usar e analisar as mídias é um trabalho vital e necessário, a fim de que se
desenvolva senso crítico e democrático nos educandos:
No contexto da contínua expansão da transformação tecnológica e econômica, a
alfabetização crítica da mídia é um imperativo para a democracia participativa, pois as
novas tecnologias de informação e comunicação, associadas a uma cultura de mídia com
base no mercado, fragmentaram, conectaram, convergiram, diversificaram,
homogeneizaram, estabilizaram, ampliaram e remodelaram o mundo (KELLNER; SHARE,
2008, p. 689-690).

Por fim, podemos afirmar que as pesquisas aqui analisadas apontam para a validade do
trabalho, principalmente no sentido de buscar uma sociedade menos opressiva e mais igualitária
(KELLNER; SHARE, 2008), na qual os jovens sejam mais críticos, repensem os discursos

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 38


postos e tornem-se cidadãos mais ativos socialmente.

3 PERCURSO METODOLÓGICO

Em um primeiro momento, os alunos foram apresentados ao gênero jornal, sendo


realizada uma aula para abordagem dessa temática. Inicialmente, os alunos foram questionados
sobre o que eles entendiam por jornais e, com base nessas informações, foi construído um
quadro conceitual sobre o assunto. Em seguida, foi apresentado o gênero aos alunos por meio
da disponibilização de edições de jornais impressos, páginas de internet e jornais audiovisuais.
Com o auxílio dessas edições, os alunos foram orientados a buscar, em grupo, os
elementos que compõem o jornal, tais como: nome do jornal, edição, ano, títulos e o assunto
principal das matérias. Em um segundo momento, foi feita uma enquete (gráfico 1) pelo Google
Forms para a escolha do nome do jornal.

Gráfico 1 - gráfico com resultado da enquete


Fonte: projeto, 2021.

Posteriormente, os alunos formaram grupos (imagem 1): um para trabalhar com o jornal
impresso e outro para o jornal audiovisual. Em conjunto, tendo o direcionamento do professor,
elegeram como foco para as matérias a serem escritas: notícias locais, notícias sobre a
pandemia, entrevista com secretário de saúde, entrevista com funcionários públicos locais,
entrevista com secretário de educação e entrevista com o prefeito. Sob orientação, os alunos
elaboraram os questionários para as entrevistas, adaptaram textos de grandes veículos de
comunicação e produziram textos próprios.

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Imagem 1 - grupos de estudos
Fonte: projeto, 2021.

No momento seguinte, sempre sob orientação e seguindo as normas de segurança


vigentes, alguns alunos se deslocaram até a zona urbana a fim de realizar as entrevistas com as
autoridades. As entrevistas foram gravadas pelos alunos utilizando celulares e microfones de
mão (imagem 2).

Imagem 2 - gravação de entrevista.


Fonte: projeto, 2021.

Após esse momento, um estúdio improvisado - que utilizou tecido verde para o chroma key,
refletores, tripés e celulares - foi montado em sala de aula pelos alunos sob orientação dos
professores (imagem 3). Foram gravadas, nesse estúdio, as imagens e áudios da apresentação
do jornal, além das reportagens.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 40


Imagem 3 - montagem de estúdio
Fonte: projeto, 2021.

Para a gravação das imagens com chroma key, foi utilizado o aplicativo Prism, com
estúdios virtuais baixados da internet e imagens gravadas na zona urbana (imagem 4). Além
disso, para captar imagens, foram utilizados o Open Camera e outros aplicativos de câmeras
dos celulares. Para a captação de áudio, foram utilizados aplicativos de gravação de áudio e
microfone de mão e de lapela.

Imagem 4: gravação em estúdio.


Fonte: projeto, 2021.

Depois da captação das imagens e áudios, houve a edição e, para isso, utilizamos um
computador e o software Movavi - de edição de vídeo - (imagem 5 e 6), além de templates
obtidos no site https://flixpress.com/AutomatedTemplates.aspx.

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Imagem 5 - vídeo editado.
Fonte: projeto, 2021.

Imagem 6: vídeo editado.


Fonte: projeto, 2021.

A edição impressa (imagem 7) foi feita em um computador utilizando o Word. As transcrições


das entrevistas foram feitas pelos alunos por aplicativos de celular e editadas posteriormente. As
imagens ilustrativas da edição impressa foram printadas dos vídeos, produzidas pelos próprios
alunos e/ou baixadas da internet. Cópias foram distribuídas para os alunos e para a
comunidade.

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Imagem 7 - capa da versão impressa do jornal.
Fonte: projeto, 2021.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS ALCANÇADOS

Durante este projeto foi constatado que a educação transborda as barreiras do prédio
escolar, pois se mostra ativa dentro dos demais contextos em que ela é inserida. Os estudantes
se tornaram protagonistas do seu aprendizado sendo estimulados a compor os novos
conhecimentos, ou seja, além da descoberta podemos destacar a autonomia. O jornal escolar
também tornou as aulas mais dinâmicas aumentando de forma significativa o interesse e
motivação dos estudantes.
No mundo globalizado e cada vez mais tecnológico, notamos que as duas formas de
jornais - impresso e audiovisual - foram de extrema importância para atrair os educandos e, ao
mesmo tempo, auxiliaram no desenvolvimento de habilidades comunicativas, seja por meio da
produção coletiva ou individual. O jornal ofereceu uma visão ampliada e atualizada sobre os
diversos assuntos propostos por eles de forma multidisciplinar e interdisciplinar como: pandemia,
vacinas, estradas, saúde, educação, serviços públicos entre outros.

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Seguindo a BNCC, notamos que passamos a obter maior conscientização da importância
da tecnologia como ferramenta favorável para a propagação de boas informações por meio da
linguagem. Foi constatado que o projeto alcançou objetivos para além das nossas expectativas,
pois os dois formatos de jornais foram amplamente divulgados dentro e fora da comunidade; fora
o fato de que a tecnologia permitiu que o vídeo fosse compartilhado centenas de vezes em
aplicativos de mensagens, motivo de orgulho para estudantes, equipe escolar, pais e
responsáveis.

CONCLUSÃO

Portanto, este projeto foi importante para construção do conhecimento acerca das
práticas de linguagem que envolvem a leitura, a produção de texto e a oralidade. As mídias
criadas pelos alunos possibilitam o debate na comunidade escolar e na sociedade a respeito das
relações de poder pelos veículos de comunicação. A construção do conhecimento durante o
andamento do projeto enriqueceu a experiência de ensino-aprendizagem ampliando as
possibilidades de desenvolvimento de novas soluções para problemas diagnosticados.
O jornal escolar empodera o aluno, faz com que repensem a sociedade e se tornem
cidadãos mais engajados. Produzir um jornal escolar é essencial para a escola, pois desenvolver
a educação e a comunicação viabiliza na escola a produção do conhecimento científico,
mobilizando uma série de ações visando à promoção, no aluno, da consciência crítica quanto
aos usos da linguagem e da comunicação.
Quando falamos em leitura, escrita, oralidade e cidadania desenvolvido por meio de
mídias, podemos recorrer a Freire (1987, p.32), quando afirma que “(...) a leitura da palavra não
é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de escrevê‐lo ou de
reescrevê‐lo, quer dizer, de transformá‐lo através de nossa prática consciente”. O jornal foi uma
estratégia pedagógica de incentivou a leitura, o letramento, a produção textual, criticidade e
também o letramento digital, com uso das tecnologias por meio de ferramentas tecnológicas.
Assim, o projeto mostrou-se uma forte fonte de conhecimento, sendo muito importante
inseri-lo dentro do contexto escolar, pois além de formar o senso crítico do cidadão, torna os
estudantes mais conscientes e participativos. Trabalhar com projetos pedagógicos é uma forma
de melhorar a qualidade de aprendizagem e, no campo da linguagem, especificamente neste
projeto, o jornal aborda os mais diversos conteúdos e formas como que eles são abordados,
despertando a curiosidade e a criticidade dos estudantes, que deixam de usar apenas os
métodos mais tradicionais, como o livro didático, e passam a ser responsáveis pela construção
do seu conhecimento.

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REFERÊNCIAS

BALTAR, Marcos. A competência discursiva através dos gêneros textuais: uma


experiência com o jornal de sala de aula. Tese de doutoramento, UFRGS, 2003.

BONINI, Adair. Jornal Escolar: gêneros e letramento midiático no ensino aprendizagem de


linguagem. Belo Horizonte: RBLA, 2011.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394/96, Brasília. 5. 1996
______. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

BUCKINGHAM, David. Media Education: literacy, learning and contemporary culture.


Cambridge: Polity, 2010 [2003].

_____________. Cultura digital, educação midiática e o lugar da escolarização. Tradução


de Ricardo Uebel. Porto Alegre: Educ. Real, 2010.

FARACO, Carlos Alberto. Autor e Autoria. In: BRAIT, BETH (org). Bakhtin: conceitos-chave.
São Paulo: Contexto, 2012).

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São


Paulo: Paz e Terra S/A, 2011 [1996].
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KELLNER, Douglas; SHARE, Jeff. Educação para a leitura crítica da mídia, democracia
radical e a reconstrução da educação. Tradução de Márcia Barroso. Campinas: Educ. Soc.,
2008.

KLEIMAN, A. B. Leitura e prática social no desenvolvimento de competências no ensino


médio. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (Orgs.). Português no ensino médio e formação do
professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

MIRANDA, Amanda Souza de. O Jornal Escolar e a Educação Problematizadora:


vislumbrando uma aproximação. UNIrevista, 2006.

SANTOS, Antônio; PINTO, Manuel. O jornal escolar: por que e como fazê-lo. Porto: Edições
Asa, 1995.
SEDUC. Proposta curricular na área de linguagens, códigos e suas tecnologias. Belém,
2006.

_______. Documento Curricular do Estado do Pará – Etapa Ensino Médio: versão


preliminar. Volume II. Belém: SEDUC-PA, 2020

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PROJETO ENEM: POR UMA AMPLIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS E UMA
FORMAÇÃO HUMANA

Ana Diane Vinhote de Almeida1


João Aluízio Piranha Dias2

RESUMO
Este texto relata a experiência vivenciada pelos seus autores na execução de um projeto denominado “Projeto
ENEM”, desenvolvido na EEEM Soraya Marques Chayb, município de Curuá, Pará, desde o ano de 2019, cuja
finalidade principal é oferecer aulas preparatórias para o Exame Nacional do Ensino Médio, aos alunos concluintes
da educação básica da referida escola. As aulas do projeto ocorrem no contraturno para os alunos que estudam
pelo período da manhã e tarde, em dias alternados da semana no turno da noite com aulas presenciais, atividades
impressas e vídeo aulas para o aprofundamento de seus conhecimentos para fazerem a avaliação do ENEM. O
aporte teórico conta com as recomendações da BNCC decorrentes da CF de 1988 e da LDB de 1996, e de autores
como Freire (2004), Alarcão (2011), Vigotsky (1987), Morin (2011), Loureiro (2007), dentre outros. Os resultados
das ações desenvolvidas no projeto foram visivelmente positivas e animadoras o que estimulou os autores a
produzirem este relato e continuarem com o projeto no espaço da escola.

Palavras-Chave: Projeto Enem. Aulas preparatórias. Relato de experiência.

1 INTRODUÇÃO

O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é uma avaliação realizada em todo o Brasil,
pelo Ministério da Educação (MEC), por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), para avaliar a qualidade de ensino do Ensino Médio nas
escolas brasileiras, além de ser o meio pelo qual muitos jovens têm acesso a universidades
públicas e privadas a partir da nota que vai ser ponderada no SISU, no PROUNI e em outros
processos de seleção das instituições de Ensino Superior.
Em virtude disso, a Escola Estadual de Ensino Médio Soraya Marques Chayb, localizada em
Curuá, Pará, desenvolve o “Projeto ENEM” desde 2019, sob a coordenação do Prof.º Dr. João
Aluízio Piranha Dias (coordenador pedagógico da escola) e da Prof.ª Ma. Ana Diane Vinhote de
Almeida (professora de Língua Portuguesa da escola), com o objetivo de desenvolver,
primeiramente, a autoconfiança dos alunos em fazer o ENEM e, segundamente, ampliar os seus
conhecimentos para terem um bom rendimento nessa avaliação. Integraram também o projeto

1
Mestra em Letras (UFOPA, 2019), Licenciada Plena em Letras (UFPA, 2009), Professora de Língua Portuguesa
lotada pela SEDUC/PA, na EEEM Soraya Marques Chayb, município de Curuá, Pará.
2
Doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia (2019), Licenciado Pleno em História e Pedagogia, Professor de
História e Especialista em Educação lotado pela SEDUC/PA, na EEEM Soraya Marques Chayb, município de Cu-
ruá, Pará.

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Enem o professor João Paulo da Silva (SEMED) com Física e o professor Áquisson de Azevedo
Castro (SEDUC) com Química.
Diante desse cenário, da baixa quantidade de alunos da escola que se inscreviam no referido
exame, além de os resultados ficarem muito aquém do esperado, pensou-se em desenvolver o
Projeto ENEM para que tal contexto fosse modificado. A maior preocupação da escola era, e
continua sendo, com o futuro dos jovens após terminar o Ensino Médio, pois grande parte se
acomoda, não segue os estudos, ficam em situações que poderiam ser mudadas, caso eles
tivessem a oportunidade de fazer o Ensino Superior.
Acreditar que é possível contribuir com a mudança dessa realidade, foi fator
preponderante para que se pensasse na necessidade de trazer para os alunos um projeto que
os instigasse a estudar para o ENEM, com rotina de estudo, preparação para a redação em
busca de uma vida melhor. Cabe ressaltar que a sociedade só melhora por meio da educação,
embora sabendo que outros fatores interferem na vida em sociedade. Por isso, os cidadãos
precisam ter uma boa formação para que o lugar onde vivem possa ser modificado para o
melhor do contexto social.
Assim, neste relato, apresenta-se o Projeto e as reflexões de como ele ocorreu.
Primeiramente, falando do contexto da experiência de como os alunos entraram para o grupo de
estudos para o ENEM e o contexto escolar também. Após isso, fez-se uma reflexão e uma
análise das ações desenvolvidas no projeto, a fim de que possibilite ao leitor interessado, a
escolas de Ensino Médio, a professores e a gestores escolares o conhecimento da realização do
projeto e, possivelmente, desenvolvê-lo, de acordo com a realidade escolar em que atuam, para
uma ampliação dos conhecimentos e motivação do aluno do Ensino Médio para o seu ingresso
na universidade.
Pensou-se nesse projeto para contribuir com a aprendizagem do estudante da referida escola,
a fim de ter um bom rendimento na avaliação do Ensino Médio - ENEM, além de desenvolver a
autoestima para fazê-lo, pois alguns não se inscrevem por não confiar em sua capacidade, no
seu potencial, que muitas vezes está adormecido dentro de si. Além disso, muitos não têm o
incentivo da família, outros pensam em uma vida mais imediata. Mesmo assim, a partir disso, o
que se observa é que os bons resultados que o Projeto ENEM vem conquistando influenciam
outros alunos a estudar mais e a focar no exame mais importante do Brasil para ter acesso ao
Ensino Superior.

2 DISCUSSÃO TEÓRICA

Nas primeiras décadas do século XXI, o ensino no Brasil vem passando por mudanças,
principalmente, a partir da homologação da Base Nacional Curricular – BNCC, que atende às
recomendações legais advindas da Constituição de 1988 e da própria LDB de 1996. Tal fato faz
com que os professores comecem a rever suas práticas e pensar na formação integral tão
colocada na BNCC. Ademais, com o Novo Ensino Médio novas perspectivas surgem e é fato

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que nós professores precisamos aderir a essas mudanças nos conceitos e concepções a fim de
contribuir para o aprendizado dos jovens de agora que exigem ações metodológicas mais
dinâmicas, nas quais ele seja o protagonista para perceber a utilidade daquilo que ele está
estudando.
Diante disso, este trabalho desenvolveu-se com a concepção da formação integral
proposta pela BNCC, na qual

a Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que


implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento [...] e
promover uma educação voltada ao seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento
pleno, nas suas singularidades e diversidades. (BRASIL, 2018, p. 15).

Nessa perspectiva, busca-se essa autonomia responsável dos alunos no Projeto ENEM,
pois eles são motivados a ter uma prospecção do seu futuro e se preparar para ele. Nesse viés,
percebe-se que à medida que vão adquirindo a capacidade de planejar sua rotina de estudos,
abstrair informações e relacionar às demais situações sociais exigidas para a compreensão dos
conhecimentos – são as conexões – que fazem com que o indivíduo possa desenvolver essa
formação humana integral. Diante disso, percebemos que as ações desenvolvidas no projeto
capacitam o aluno para esse fato, pois, segundo Aguiar (2006, p. 12), baseado na proposta de
pensamento e linguagem de Vigotsky, o indivíduo é “constituído na e pela atividade, ao produzir
sua forma humana de existência revelada em todas as suas expressões a historicidade social, a
ideologia, o modo de produção”.
Assim, vale dizer que o Projeto ENEM tem um objetivo de responsabilidade educacional e
também social, pois buscamos instigar nos jovens a ação, proposta por Vigotsky (1987) como
atividade, a fim de que possam trilhar o futuro deles com autonomia, com objetivos firmados e
com autoestima. O referido objetivo é sempre alcançado, pois os jovens, quando bem mediados,
conseguem resultados positivos.

3 PERCURSO METODOLÓGICO

O percurso metodológico trilhado pelo Projeto Enem seguiu uma dinâmica própria, ajustada à
disponibilidade de tempo dos professores, que idealizaram o projeto juntamente com
professores que trabalham na rede municipal de ensino de Curuá, e se disponibilizaram a
contribuir com a preparação dos alunos para a prova do Enem. Desde o início o projeto conta
com aulas presenciais e virtuais, realização de tarefas impressas, vídeo aulas, oficinas de
execução de atividades como redação, resolução de questões das provas anteriores do Enem,
além dos encontros nos finais de semana quando um professor convidado trabalha com a turma
assuntos específicos de sua área que mais são cobrados na prova.
A Escola Estadual de Ensino Médio fica localizada no município de Curuá, oeste do Pará.
Essa instituição tem uma estrutura pequena, apenas 7 salas de aula e, no momento, adaptação
de outros espaços que funcionam como sala de aula, no caso, a biblioteca e o laboratório de

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 48


informática. Isso porque o número de alunos só aumenta a cada ano, haja vista que atende
jovens da zona urbana, de comunidades rurais desse município e do município de Óbidos
também, que ficam próximas a Curuá. Abaixo, quadro demonstrativo dos alunos concluintes de
2017 a 2021.

Gráfico 1 – Número de alunos concluintes do Ensino Médio 2017/21


Fonte: Arquivos da escola

Tal trabalho não tem sido muito fácil ao longo dos anos, primeiramente porque não é só o
trabalho dos professores que conta, mas uma organização de toda a escola. Assim, poucos
alunos conseguiam notas boas no ENEM, quando faziam. Na sequência, um quadro demonstra
os percentuais de alunos do terceiro ano do ensino médio que realizaram as provas do Enem
nos anos de 2016 a 2019. Percebe-se claramente o baixo percentual de alunos que se
inscreviam para fazer a prova, ficando abaixo de 30% do total de alunos concluintes.
Além disso, a escola não tem quadra poliesportiva, auditório, laboratório de informática
funcionando, nem laboratório multidisciplinar, muito menos a biblioteca em funcionamento. Há
uma cantina, secretaria, sala da direção e sala de professores, dois laboratórios (um está
ocupado com os livros didáticos e da biblioteca). Em vista dessa realidade estrutural da escola,
tem-se que desenvolver um trabalho que conduza os estudantes de maneira competente ao
ENEM.
Em 2019, o número de alunos inscritos foi ainda mais baixo, apenas 17% (em torno de 40
alunos). Ainda não temos dados disponíveis dos anos de 2020 e 2021.

Gráfico 2 - Alunos inscritos no Enem de 2016 a 2019


Fonte: Dados coletados no Qedu.

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Esse cenário, começou a preocupar a escola, principalmente professores e coordenação
pedagógica. Algo deveria ser feito para mudar esse quadro, pois não se deve usar as
dificuldades como desculpa para não fazer o melhor no trabalho.
Assim, em 2019, pensamos e analisamos que deveria ser realizado um projeto no qual os
alunos tivessem um curso preparatório para o ENEM, mas gratuito, ofertado pela escola, em
parceria com professores voluntários no turno da noite, a fim de que trouxesse interesse aos
alunos em se inscrever, autoestima no decorrer do aprendizado e resultados positivos no exame
nacional.
A implantação do Projeto ENEM ocorreu, tivemos aproximadamente 40 alunos participando.
Com efeito, percebemos o empenho dos alunos e os bons resultados vieram. No entanto, esse
trabalho parou em 2020 devido à pandemia, causada pela COVID-19, vírus que assolou todo o
planeta, muito infeccioso, o qual causou muitas mortes e problemas de saúde às pessoas, e,
além disso, levou à paralisação das aulas presenciais. Em 2021, voltamos com o projeto. As
aulas trouxeram mais ânimo aos alunos, principalmente nas aulas normais e tivemos boas notas
no ENEM. Houve uma queda no número de alunos inscritos, certamente, por conta do momento
pandêmico, mas o rendimento foi qualitativamente positivo com alunos ingressando em
diferentes cursos em universidades públicas e particulares com a nota obtida no exame
nacional. O que serve de ânimo para o projeto continuar em 2022.
Portanto, vale dizer que desenvolver ações que tragam para os alunos a responsabilidade e a
importância da prova do ENEM para o futuro pessoal e profissional de cada um é muito válido,
haja vista que a escola tem um papel crucial de conduzir os alunos para realizar esse exame e
obter resultados satisfatórios, isto é, não fazer a prova apenas por fazer. Não que o ensino seja
só para isso, de maneira mecânica, eximindo-se da formação integral3, mas que seja um
complemento, seja, nesse momento, parte do projeto de vida do estudante. Isso porque, acredita
-se, que o acesso às universidades trará um futuro melhor a esses jovens que, na maioria, são
de famílias de baixo poder aquisitivo, os quais merecem ser orientados de maneira responsável,
principalmente pela escola para alcançar tal objetivo.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS ALCANÇADOS NO PROJETO

Trabalhar com entusiasmo tem sido a tônica do desenvolvimento das ações do Projeto ENEM
da Escola Soraya Marques Chayb. É verdade que muitas vezes vem o desânimo por se
perceber que nem todos os professores concebem a importância dessa preparação que vai além
do trabalho normal em sala de aula. Alguns se limitam a trabalhar a sua carga horária e, mesmo
dentro desse tempo, cumprem a execução de sua tarefa de forma mecânica sem provocar no

3
A formação Integral, aponta para a formação de um aluno que possa ter compreensão de si e do outro, superan-
do a lógica da linearidade e ir em busca de uma formação humana que valorize o acolhimento, o reconhecimento
e o desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e diversidades. E nessa direção, a escola, como espaço de
aprendizagem e de inclusão, deve se fortalecer na prática da não discriminação, não preconceito e primar pelo
respeito às diferenças e às diversidades, é o que preceitua a BNCC (2018).

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 50


aluno o desejo, a busca, a inquietação e a curiosidade. E a gestão, por seu turno, também,
muitas vezes, se distancia, deixando de incorporar na missão e na visão da escola esse papel.
Mesmo assim, percebe-se que a força motivadora vem dos alunos, embora não de todos,
mas daqueles que no dia a dia acreditam na possibilidade de mudança e que se inspiram nos
professores que também buscam fazer a diferença sem nenhuma pretensão de glória ou de
elevação do espírito de vaidade. Ao contrário, transformam seus tempos livres em organização
de atividades, leituras, orientações e estão sempre disponíveis para ouvir os alunos e apresentar
possibilidades e caminhos para uma vida promissora por meio da educação. E é nesse embalo
movido pelo desejo dos alunos que as ações do projeto se desenvolvem. Entendendo-se, com
base em uma visão freiriana, que educação, por sua natureza, é um ato político e,
consequentemente, o educador também,

[...] na medida em que o educador é um ser político, ele tem que ter uma relativa clareza,
pelo menos com relação à sua opção política, o que vale dizer que ele precisa se
perguntar: em favor de quem eu trabalho em Educação, em favor de que, ou em outras
palavras, qual é o meu sonho enquanto educador. Isso vale perguntar também contra que
eu estou trabalhando, porque eu conheço uma coisa pelo contrário dela, é preciso que eu
saiba então como educador com quem eu estou. Qual é a minha opção, qual é o meu
compromisso (FREIRE, 2004, p. 35).

Ampliando a compreensão freiriana, Morin (2011, p. 13), ao apresentar os sete saberes


necessários à educação do futuro enfatiza a importância de se ter “o pensamento complexo,
ecologizado, capaz de relacionar, contextualizar e religar diferentes saberes ou dimensões da
vida. A humanidade precisa de mentes mais abertas, escutas mais sensíveis, pessoas
responsáveis e comprometidas com a transformação de si e do mundo”. Desejo que o Projeto
ENEM também compartilha, visto que se busca não apenas preparar o aluno para enfrentar o
exame, mas também prepará-lo para a vida de forma responsável e eticamente comprometida
com a sociedade.
Para Freire não é o discurso que valida a prática, é a prática que dá vida ao discurso. E é
nessa direção que os professores do Projeto ENEM buscam efetivar suas ações por meio de
parcerias com empenho e determinação, tendo clareza do poder que a educação pode exercer
na vida de cada estudante, ainda que diante dos entraves e obstáculos que se apresentam
cotidianamente na vida escolar de cada um. Nos depoimentos colhidos junto aos alunos 4 que
fizeram parte da turma de 2021 e obtiveram bons resultados na prova de redação, observa-se a
importância das aulas preparatórias e o quanto que elas podem fazer diferença na vida dos
estudantes:

As aulas começaram em março e ainda remotas por conta da pandemia, na qual estudamos
algumas competências que nos ajudaram na produção da redação. Em julho ficamos de
férias e em agosto retornamos presencialmente. As aulas online são boas, mas
presencialmente são melhores porque no caso da internet, às vezes a internet travava muito
e tinha aqueles colegas que moravam distante e não tinham acesso à internet também, e

4
Os alunos foram identificados com a letra maiúscula (A e B), respectivamente, preservando-se a identidade de
cada um.

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tinham aqueles que moravam na cidade, mas que não tinham internet para acompanhar a
aula e isso dificultava muito o aprendizado deles e dificultava muito também para que a
gente pudesse ter um ensino de qualidade (aluno A, 17 anos).

O depoimento demonstra não somente o empenho dos estudantes e as dificuldades, mas


também, a importância das aulas presenciais com a figura do professor. Isabel Alarcão, ao
abordar o tópico sobre os professores na sociedade da aprendizagem, em seu livro Professores
reflexivos em uma escola reflexiva, destaca que: “Não há que declarar morte ao professor. Pelo
contrário, na era da informação, ele é o timoneiro na viagem da aprendizagem em direção do
conhecimento”. E complementa:
O conhecimento está lá na escola, lugar privilegiado para as iniciações, as
sistematizações, o estabelecimento de relações estruturantes, as discussões críticas e as
avaliações informadas. Os professores são estruturadores e animadores das
aprendizagens e não apenas estruturadores do ensino (ALARCÃO, 2011, p. 33).

Em tempos contemporâneos, a figura do professor se torna mais importante ainda,


porque além do presencial precisa aprender e saber operacionalizar os recursos digitais, não
somente para acompanhar a linguagem dos jovens e adolescentes, mas principalmente para
diversificar suas formas de ensinar. No caso específico do projeto do Enem da Escola Soraya
Chayb, em razão da pandemia alunos e professores se empenharam, utilizando o ensino
híbrido, por meio de recursos e ferramentas (aulas virtuais, material impresso, grupo de
whatsapp para orientação, vídeo aulas, oficina de redação etc.) que lhes eram disponíveis para
fazer diferença não somente no momento das provas, mas também como pessoas
comprometidas e responsáveis na vida social.
O ensino on-line, mesmo com todas as suas deficiências, foi uma alternativa necessária e
que auxiliou o trabalho dos docentes que mesmo não estando em sala de aula tiveram que
aprender maneiras outras de trabalhar e dinamizar o ensino. Nessa dinâmica, os conteúdos e
atividades eram trabalhados tanto de forma virtual quanto por meio de cadernos impressos, o
que caracteriza o que os estudiosos denominam de ensino híbrido. Para Moran (2015, p. 01), “o
ensino híbrido é uma modalidade pedagógica que mistura possibilidades de combinar atividades
em sala de aula com atividades em espaços digitais para oferecer as melhores experiências de
aprendizagem a cada estudante”.
Movidos por essa dinâmica e com o retorno das aulas presenciais, o segundo semestre
de 2021, foi um período de trabalho bem intenso no grupo de estudos para o ENEM, pois além
das aulas ministradas pelos professores da escola no turno da noite nos dias de terça, quarta e
quintas-feiras, ainda houve a contribuição de professores convidados vindos de Santarém para
trabalharem nos finais de semana, numa dinâmica denominada de “aulão do ENEM”. Contou-se
com professores das disciplinas de Matemática, Biologia e Redação. Experiência que advém
desde o ano de 2019, com aulas durante todo o dia de sábado e domingo até meio-dia.
Experiência que se pretende ampliar nos anos seguintes.
O aluno B (17 anos), assim se reporta ao referir-se à experiência de ter feito parte do
grupo de estudos para o ENEM:

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Eu comecei a estudar em maio e sentia a importância de eu me preparar melhor e com
tempo, com uma folga de tempo para que eu pudesse exercer um bom desempenho na
prova e foi uma rotina bem intensa de estudo. Estudava de 3 a 4 horas por dia, de vez em
quando extrapolava 5, 6 horas estudando de tarde, de manhã, de madrugada ou qualquer
momento que dava eu estava estudando, lendo, porque a leitura gente tem grande
importância para quem vai fazer a prova do Enem.

O depoimento do aluno B, revela um entusiasmo com disciplina, rotina de estudo e vontade


de alcançar seus objetivos e metas por meio da educação escolar. Como já mencionado acima,
essa realidade ainda não é da maioria dos alunos. O cenário que se observa no dia a dia da
escola é de alunos com baixa estima e sem perspectiva de continuidade dos estudos, mesmo
assim, diariamente se trabalha para despertar o interesse e a vontade dos alunos em almejarem
uma vida melhor, transformando sua realidade e consequentemente de sua família.
Sabe-se, no entanto, que não é fácil, pois culturalmente no Brasil, e, especialmente no
Norte, jovens e adolescentes da classe menos favorecida da sociedade desde cedo foram
estimulados para o trabalho quase sempre desvinculado da formação acadêmica. O reflexo de
uma escola que valoriza apenas o domínio da leitura, da escrita e do cálculo ainda se faz
presente em grande parte do contexto amazônico. Violeta Loureiro refletindo sobre a educação e
a sociedade na Amazônia em mais de meio século, referindo aos últimos cinquenta anos do
século XX, enfatiza que

embora a educação fosse considerada como um valor intelectual relevante para a formação
das pessoas, esse valor tornava-se, realmente essencial, quando alguém pretendia dedicar-
se a uma profissão específica que exigia uma formação em nível superior. Ou para exercer
o magistério primário, que requeria o antigo Curso Normal, procurado pela parte das poucas
mulheres que ingressavam numa vida profissional.
Mas, no geral, a educação escolar não era considerada como elemento fundamental da
inclusão plena de alguém na sociedade ou de sua exclusão dela, posto que as principais
atividades econômicas, pelo menos aquelas ligadas ao extrativismo e à vida no interior,
podiam ser exercidas sem qualquer escolaridade maior (LOUREIRO, 2007, p. 19).

É fato que os tempos mudaram, inclusive no que tange às políticas públicas e nos
investimentos para a educação, principalmente a partir da promulgação da Constituição Federal
de 1998 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, mas ainda há fortes
resquícios de um pensamento que não consegue perceber a força e a importância da educação
na transformação dos sujeitos e da própria sociedade. Talvez isso decorra ainda, do próprio
contexto da realidade onde estão inseridos que não permite um olhar diferente, visto que desde
cedo muitos meninos e meninas já iniciam nos trabalhos da roça, do gado, da pesca e até
mesmo no mundo das drogas e da prostituição.
Mesmo diante desse cenário o grupo de professores do projeto faz um trabalho de
formiguinhas e a cada aluno que consegue ingressar na universidade é uma alegria para todos.
A partir de 2021, as redes sociais5 foram grandes aliadas para a divulgação dos resultados e
depoimentos como forma não só de mostrar o trabalho, mas estimular àqueles que ainda estão

5
Instagram, Facebook, Whatsapp por meio das quais foram veiculados fotografias, imagens, vídeos e depoimentos
dos alunos que obtiveram bons resultados nas provas do Enem, em 2021.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 53


em dúvida por onde começar. Vale registrar aqui que Curuá foi elevado à categoria de município
no ano de 1995, e deste então, vem investindo na área educacional. O Ensino Médio funciona
desde o ano de 1994, quando Curuá ainda era vila, por meio do Sistema de Organização
Modular de Ensino, funcionando nessa modalidade até o ano de 2003. A partir de 2004, passou
a funcionar de forma regular e hoje além da escola sede conta com anexos em quatro
comunidades.
A satisfação no trabalho junto aos alunos que fazem parte do projeto é que hoje com a nota
do Enem tem-se alunos estudando em diferentes cursos superiores como Engenharia Civil,
Engenharia Mecânica, Direito, Matemática, Fisioterapia, Enfermagem, Farmácia, Administração,
Economia, Educação Física, dentre outros. Além daqueles que mesmo sem o projeto na escola
foram pioneiros nesse processo. Já se tem advogados, enfermeiros, engenheiros, médicos e
outros profissionais que desbravaram os caminhos, saindo de Curuá em busca de uma vida
melhor. Esses exemplos fortalecem o trabalho e inspiram outros jovens a trilhar esse caminho.
Essa é a reflexão e a análise que se faz das ações desenvolvidas no Projeto Enem da Escola
Estadual Soraya Marques Chayb, em Curuá, Pará.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como enfatizamos durante a apresentação do Projeto, buscamos mostrar como tal trabalho
pedagógico é relevante para o desenvolvimento e a formação integral dos alunos de Ensino
Médio na Escola Estadual Soraya Marques Chayb. A partir da contextualização, aporte teórico e
análise dos resultados é possível afirmar como o Projeto ENEM é positivo para a ampliação da
capacidade cognitiva e autônoma dos alunos.
Apesar disso, não devemos ver esse projeto como a fórmula para a solução dos problemas
no ensino, mas ele mostra os caminhos possíveis para que isso aconteça. De fato, ainda há
ajustes a serem feitos, por exemplo, só conseguimos atingir os alunos dos turnos da manhã e da
tarde, pois as aulas são à noite, mas os alunos da noite ficam impossibilitados de participar. Isso
é uma falha que deve ser resolvida. Desse modo, fica a cargo do leitor também pensar junto
conosco nas soluções para esse entrave, além de acrescentar sugestões que muito
contribuiriam para adaptar à realidade de cada instituição de Ensino Médio que tem suas
peculiaridades e realidades diferentes da que apresentamos aqui.
Nesse sentido, o objetivo é conduzir os alunos de Ensino Médio ao ENEM, por intermédio de
concepções teóricas aqui já definidas, com autoestima, ou seja, confiando em suas
capacidades, com projetos traçados daquilo que pretendem para o seu futuro. Além disso, ter
seus conhecimentos ampliados, principalmente, para a escrita da redação, que ainda é um dos
maiores problemas dos alunos que participam do Exame Nacional de Ensino Médio.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 54


Enfim, o Projeto ENEM é um trabalho relevante que nos possibilitou muitas conquistas junto
aos alunos. Isso já incentivou mais outros que também querem participar e, a partir disso,
moldar o seu futuro, ter um projeto de vida que transforme seus sonhos em realidade. Assim
como para a escola, para os coordenadores do projeto e demais professores parceiros é a maior
conquista no percurso do ensino da Educação Básica.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, W.M.J. de. Sentidos e significados do professor na perspectiva sócio-histórica:


relatos de pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

ALARCÃO, Isabel. Professores Reflexivos em uma Escola Reflexiva. 8ª Ed. São Paulo:
Cortez, 2011 (Coleção questões de nossa época; v. 8).

BRASIL, Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular Ensino Médio. Brasília,
2018.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Tolerância. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

MORAN, José. Educação Híbrida: um conceito chave para a educação, hoje. In, BACICH,
TANZI & TREVISANI (Orgs.) Personalização e Tecnologia na Educação – Porto Alegre:
PENSO, 2015, pp. 27-45.

MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 2ª Ed. Revisada – São
Paulo: Cortez; Brasília, DF. UNESCO, 2011.

LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Educação e Sociedade na Amazônia em Mais de Meio Século.


Revista Cocar. v. 1, n. 1 – UEPA, Belém – PA, 2007.

VIGOTSKY, L. Pensamento e linguagem. São Paulo: M. Fontes, 1987.

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(RE)CONSTRUINDO A IDENTIDADE DO INDÍGENA: “O ÍNDIO QUE MORA NA NOSSA
CABEÇA”1

Francinete de Jesus Pantoja Quaresma2


Plíncida da Silva Marinho3
Tânia Maria Cardoso dos Santos4

RESUMO

Abordar sobre povos minoritários, tais como as comunidades indígenas, é fundamental e urgente em contexto da
Educação Básica, sobretudo em escolas da zona urbana. Assim sendo, este relato de experiência teve como
propósito compartilhar o desenvolvimento e o resultado do projeto “O índio que mora na nossa cabeça”, aplicado no
ano de 2022, na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professora Placídia Cardoso, localizada no bairro
do Jurunas, em Belém/PA. O referido projeto, que envolveu os componentes curriculares Língua Portuguesa,
História e Estudos Amazônicos e o espaço pedagógico Biblioteca Escolar, tinha como objetivo desconstruir, junto
aos alunos, a imagem tradicional do índio contactado em 1500. Esse se embasou na literatura indigenista,
fundamentando-se em autores como: Grupioni (2004; 2012); Medeiros (2012); Moore, Galuccio e Gabas Jr. (2008);
Pimentel (2012); Quaresma (2021); bem como no DCE-PA (SEDUC, 2019). Os resultados alcançados são de cunho
qualitativo, percebeu-se que o público-alvo compreendeu a visão real dos povos indígenas da região amazônica
brasileira, construindo uma imagem valorativa do indígena enquanto cidadão participativo nesta sociedade.

Palavras-chave: Povos indígenas. Culturas indígenas. Reconstrução da identidade do indígena. Currículo inclusivo.
Aluno não indígena.

1 INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, atuando como professoras da Educação Básica, notamos o quão
desinteressantes são determinados temas para os alunos. Um desses temas é, sem dúvida, a
questão indígena.

Considerando que o estado do Pará configura-se como uma das unidades federativas
com maior população indígena do país e com uma diversidade de línguas indígenas faladas em
seu território; bem como considerando que a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio

1
O subtítulo atribuído a este relato de experiência foi inspirado no livro de Pimentel (2012), cujas informações com-
pletas encontram-se na seção Referência deste manuscrito.
2
Professora de Língua Portuguesa e Francesa da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc/PA). Doutora
em Letras - Linguística pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestra em Letras - Linguística pela mesma uni-
versidade. Especialista em Letras - Língua Portuguesa pela UFPA. Graduada em Letras pela referida universidade.
3
Professora de Língua Portuguesa da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc/PA). Especialista em
Letras – Literatura e suas interfaces pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Graduada em Letras pela Uni-
versidade da Amazônia (UNAMA).
4
Professora de História e Estudos Amazônicos da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc/PA). Gradu-
ada em História pela Universidade Federal do Pará.

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Professora Placídia Cardoso situa-se na capital deste estado - Belém, em um bairro cujo nome é
indígena – Jurunas, por ocasião da comemoração do Dia dos Povos Indígenas do ano de 2022,
pensou-se em desenvolver as ações deste projeto, que teve como temática O índio que mora
na nossa cabeça. Essas se tornaram fundamentais como estratégia para desmitificar a imagem
tradicional que os brasileiros e, em particular, os alunos das escolas urbanas, têm sobre os
cidadãos indígenas: um ser que ainda habita no interior da floresta, mora em oca, anda nu ou
seminu, pinta, canta, dança, usa arco e flecha e sustenta-se da caça e da pesca (PIMENTEL,
2012), sendo esse o objetivo geral desta empreitada.

A hipótese inicial confirmou-se após as primeiras ações desenvolvidas durante o projeto.


Após a leitura de diversos textos com os alunos do oitavo ano, constatou-se que eles
apresentavam uma visão bastante distorcida e desatualizada dos indígenas. Para eles, o índio
de hoje ainda é como aqueles que habitavam o litoral brasileiro, no ano de 1500, quando a
esquadra de Pedro Álvares Cabral desembarcou em Porto Seguro, na Bahia. Assim como a
maioria dos brasileiros, uma das maiores dificuldades para o aluno urbano compreender os
índios “não está naquilo que eles não sabem, e sim naquilo que pensam que sabem sobre os
índios.” (PIMENTEL, 2012, p. 11).

Na tentativa de mudar esse cenário, escolheu-se o índio como alvo deste projeto de
ensino. E foi com interesse que todos mergulharam numa pesquisa ampla e histórica sobre os
povos originários, a fim de desvendar os mistérios do momento atual no qual eles se encontram.
Afinal, há riqueza maior neste território do que a cultura daqueles que aqui já habitavam, quando
chegaram os homens brancos?

No desdobramento das ações do projeto, como objetivos específicos, pinturas corporais,


tradições milenares, casamento, a escolha dos nomes dos filhos, alimentação, relação índio/
natureza e até os remédios naturais utilizados por eles, quando estão doentes, foram foco de
intenso estudo, antes da montagem do painel principal, que seria exposto para toda a escola. A
história de luta e resistência também foi contemplada por meio de documentário. E, ainda, a
interação índio-aluno urbano não índio foi promovida por meio de vídeos destinados
especificamente ao público-alvo do projeto. Todas essas questões tentaram encontrar suas
respectivas respostas, neste projeto audacioso e atual, que ocorreu na escola Professora
Placídia Cardoso.

A escola, enquanto lugar de formação do indivíduo, é uma instituição que pode cooperar
nessa desmistificação, desenvolvendo ações de conscientização de seus alunos no que
compete aos povos minoritários, tais como as comunidades indígenas. Nesse sentido, a escola,
na figura do corpo docente, buscou fazer a sua parte frente ao público-alvo selecionado, alunos
do Ensino Fundamental maior matriculados nas turmas de oitavo, turno matutino, no ano letivo
de 2022.

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As ações se justificam pela compreensão da importância de trabalhar não somente a
conscientização dos alunos, mas também a inclusão das questões culturais e políticas que
envolvem esses povos, a fim de promover uma nova visão do aluno urbano sobre o indígena
brasileiro. Pretende-se que esse tenha um olhar mais contextualizado e desprovido de
preconceito étnico, linguístico e cultural.

2 APORTE TEÓRICO

A Amazônia é a região com maior concentração de populações indígenas no território


brasileiro, logo também se constitui uma região com grande diversidade linguística e cultural
(MOORE, GALUCIO, GABAS JR., 2008). Aqui estão concentrados mais de dois terços das
línguas faladas por povos indígenas desse país. “Somente no estado do Pará há cerca de 25
idiomas nativos, um número semelhante ao de línguas faladas na Europa ocidental.” (MOORE;
GALUCIO; GABAS JR., 2008, p. 1).

O Documento Curricular do Estado do Pará (DCE-PA) descreve e distribui a população


indígena em sete famílias com seus respectivos grupos indígenas 5: Tupi Guarani (Amanaié,
Anambé, Assurini-do-Tocantins, Assurini-do-Xingu, Kaiabi, Parakanã, Suruí ou Aikewara, Zoé,
Wajãpi); Karíb (Aparai, Arara, Katxuyana, Tiriyó, Uaiana); Timbira Oriental (Paracatejê-Gavião);
Munduruku (Curuaia, Mundurucu); Jê (Panará); Kayapó (Caiapó-Xicrin) e Juruna (Xipaia)
(SEDUC/PA, 2019). Utilizando-se da lógica de que para cada língua há uma comunidade de
indivíduos falantes, o Pará se credencia como uma unidade federativa com grande concentração
de povos indígenas no Brasil, fato que demanda de seus governantes o desenvolvimento de
políticas públicas em favor desses povos.

Da conscientização a ações mais concretas e pontuais, o governo, bem como as


instituições de ensino e desenvolvimento, precisam fomentar práticas que valorizem as
comunidades indígenas, desmistificando imagens muitas vezes pejorativas criadas ao longo do
contato. A escola constitui um lugar importante para promover reflexões nesse sentido.

Buscando desenvolver uma educação mais equilibrada em termos de valorização dos


diferentes povos que compõem o estado do Pará, o DCE-PA (SEDUC/PA, 2019) destaca a
necessidade de implementação de políticas públicas de qualidade no campo da educação, como
forma de garantir à população paraense a integridade sociocultural, estimulando os processos
criativos e produtivos que emanam dos grupos sociais e/ou comunidades campesinas,
ribeirinhas, quilombolas, indígenas ou citadinas. Nesse sentido, o DCE-PA (SEDUC/PA, 2019)
afirma estar trazendo para o debate do currículo escolar da Educação Básica o

5
A ortografia dos nomes dos grupos indígenas aqui mencionados segue o exposto em SEDUC/PA (2019).

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respeito às diversidades culturais amazônicas e suas inter-relações no espaço e no
tempo, na Educação para a sustentabilidade ambiental, social e econômica e na
Interdisciplinaridade no processo de ensino-aprendizagem” (SEDUC-PA, 2019, p.
17 – grifo do original).

Em outras palavras, o currículo da Educação Básica precisa contemplar “aspectos


inerentes aos costumes e modos de vida dos povos que vivem na Amazônia Paraense com suas
riquezas cultural e econômica distribuídas nas mais diversas regiões do Estado”. (SEDUC/PA,
2019, p. 17).

Antes mesmo das orientações do DCE-PA (SEDUC, 2019), em 10 de março de 2008, o


Congresso Nacional já havia instituído a Lei nº. 11.645, alterando a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, já modificada pela Lei nº. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. A Lei em vigor
estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inserindo, em estatuto de
obrigatoriedade, no currículo oficial da rede de ensino da Educação Básica a temática histórica e
cultural indígena. Segundo Medeiros (2012, p. 49),

[...] essa inclusão da temática indígena na escola é resultado de um amplo


movimento de luta dos povos originários - juntamente com outras entidades, como
ONG’s, universidades, igrejas - por seus direitos, principalmente pelo
reconhecimento de suas identidades étnicas, culturais, econômicas e sociais.

Com base nessas orientações, fundamentou-se o projeto de ensino apresentado neste


relato de experiência. Assim, objetivava-se promover não somente o respeito à pluralidade
linguística e cultural dos povos amazônicos, em particular os povos indígenas, mas também a
interação entre indígenas e não indígenas do território paraense, a fim de combater a assimetria
cultural dos alunos da escola Professora Placídia Cardoso no que tange às comunidades
indígenas. É a escola assumindo o papel de incentivadora na construção do respeito à
diversidade étnica e cultura. Ademais, com essas ações, a escola tornava-se também inclusiva
das temáticas envolvendo povos minoritários.

Conforme Quaresma (2021), a escola tem função social relevante diante da formação do
indivíduo como cidadão, haja vista que constitui um lugar onde o aluno aprende a lidar com os
desafios do mundo moderno. Entre esses desafios, citamos o da convivência responsável e
respeitosa com o outro, o que inclui conviver responsável e respeitosamente com a cultura
alheia. A autora afirma que cabe à “escola a formação do ser crítico e criativo, conhecedor das
ciências e saberes que regem não somente a sociedade na qual está inserido, mas também os
demais grupos circunvizinhos” (QUARESMA, 2021, p. 260), a exemplo dos grupos indígenas
presentes no contexto da amazônia paraense.

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3 PERCURSO METODOLÓGICO

Com a proximidade do Dia dos Povos Indígenas, surgiu a ideia de trabalhar, junto aos
alunos, qual a verdadeira imagem que esses têm dos indígenas, na atualidade. Levando em
conta a hipótese de que essa imagem era certamente equivocada, levantou-se o fato de que era
possível “desconstruir” esse elemento, a fim de que os estudantes pudessem ter uma ideia
verossímil do que realmente representa o índio no mundo de hoje.

Num primeiro momento, dentro do componente curricular Língua Portuguesa, em turmas


do oitavo ano do Ensino Fundamental, buscou-se incentivar os alunos a terem mais curiosidade
e a demonstrarem interesse acerca do objeto de pesquisa, dentro do processo de ensino-
aprendizagem. Tal incentivo ocorreu depois do tema lhes ser revelado, mediante a leitura de
textos e a apresentação de imagens dos indígenas em diferentes períodos da história do nosso
país.

Seguindo o tema elucidado pelo jornalista e antropólogo Spensy Pimentel (2012), a


expressão O Índio que mora na nossa cabeça foi logo escolhida para dar capa ao projeto, que
teria como principal objetivo apresentar as dificuldades que os brasileiros têm para entender os
povos indígenas de um modo geral, assim como sua grande diversidade cultural e as formas de
se relacionar com ela.

No mesmo sentido, no componente curricular História e Estudos Amazônicos, buscou-se


trabalhar a temática a partir da leitura dos livros de Pimentel (2012) – “O índio que mora na
nossa cabeça - sobre as dificuldades para entender os povos indígenas”; de Grupioni (2004) –
“Viagem ao mundo indígena”; e de Grupioni (2012) “Juntos na aldeia”, sobre os quais foram
realizados estudos dirigidos a fim de fornecer embasamento teórico para o aluno participar da
confecção dos painéis e da exposição fotográfica.

Após o embasamento teórico, as professoras incentivaram os alunos a pesquisarem em


jornais, revistas e em sites da internet, como por exemplo, o site do Instituto Socioambiental
(ISA)6, de modo a conhecer a diversidade de povos indígenas presentes no Brasil, bem como os
grupos documentados pelo ISA. Grupioni (2004, p. 4) afirma haver “cerca de 200 sociedades
indígenas diferentes, falando mais de 170 línguas e dialetos conhecidos.”

Depois das pesquisas, uma nova roda de conversa foi necessária para coletar os
resultados e esclarecer as dúvidas dos alunos. Essa roda foi promovida durante as aulas de
Língua Portuguesa, sendo essa ação seguida da confecção dos painéis contendo fotos, textos e
desenhos indígenas sobre os mais variados aspectos da cultura autóctone.

6
Disponível em: https://www.socioambiental.org/. Acesso em: 10 abr. 2022.

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A professora do espaço pedagógico Biblioteca Escolar subsidiou as ações desenvolvidas
pelas docentes dos componentes curriculares envolvidos no projeto, ora na pesquisa e
fornecimento do material teórico, ora nos momentos mais práticos do trabalho dos alunos.

De forma sintetizada, as ações deste projeto se desenrolaram da seguinte forma:

• Roda de conversa com as turmas, apresentando o tema e delimitando tudo o que


seria trabalhado;

• Leitura e estudos dirigidos das obras supracitadas;

• Pesquisa em jornais, revistas e em sites da internet, a fim de que os alunos


entendessem a importância do índio para cultura brasileira;

• Pesquisas em sites da internet para produzir uma exposição fotográfica sobre


personalidades indígenas;

• Nova roda de conversa para coletar os resultados obtidos;

• Confecção dos painéis com fotos, textos e desenhos dos indígenas, assim como sua
grande contribuição para a cultura nacional.

• Culminância do projeto.

No dia da culminância do projeto, as professoras organizadoras prepararam uma


programação que destacava a cultura indígena. Assim, os alunos foram acolhidos e
recepcionados no auditório da Escola Professora Placídia Cardoso com cantos do povo indígena
Parkatêjê, compilados no conjunto livro/CD “Cantos de caçador: povo Parkatêjê” (CANTOS,
2014). A proposta era proporcionar o contato com as línguas indígenas, desmistificando a ideia
de que o Brasil é um país monolíngue (OLIVEIRA, 2000). Conforme afirma Grupioni (2004, p. 4),
ainda há “cerca de 200 sociedades indígenas diferentes, falando mais de 170 línguas e dialetos
conhecidos”, distribuídas de norte a sul, de leste a oeste do país.

Em seguida, após a fala das organizadoras, os discentes assistiram ao vídeo com a mensagem
do líder indígena Katê Parkatêjê, na qual esse saudava os alunos placidianos, fazendo uma
breve exposição sobre o seu grupo indígena e sobre a relação que esses mantêm com a
natureza. Na sequência, foi exibido um documentário, também sobre o povo Parkatêjê, intitulado
“Mẽ ikwỳ tekjê ri – Isto pertence ao meu povo” (JÕPAIPAIRE, 2011). Tinha-se como objetivo
proporcionar aos alunos o conhecimento sobre a história de luta e de resistência dessa etnia
indígena.

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Figura 1 – Exibição do documentário sobre o povo Parkatêjê: “Mẽ ikwỳ tekjê ri – Isto pertence ao meu povo”
Fonte: Autoras (2022)

Posteriormente, ainda no auditório, os alunos expuseram os conhecimentos obtidos


durante as ações do projeto. Esses apresentaram sobre a cultura dos povos indígenas em geral:
alimentação, corte de cabelo, pintura corporal, dança, canto, esporte, casamento,
medicamentos, tradições, cosmovisão, arte, etc. Não obstante, trataram também sobre o contato
com os não índios e sobre as mudanças resultantes dessa interação. Os alunos constataram
que, hoje, muitos indígenas são escritores de livros, têm nível superior, atuam como professores,
por exemplo. A ideia era fazer os alunos perceberem que, mesmo entrando em contato com o
branco e se relacionando com a cultura de seus circunvizinhos, o índio não deixa de ser índio,
“[...] as culturas indígenas são antigas, mas não são paradas no tempo. Elas se modificam, se
transformam em função de novos conhecimentos e situações.” (GRUPIONI, 2004).

Finalizou-se a programação com a exposição dos painéis e das fotografias sobre os


povos e as culturas indígenas.

Figura 2 – Exposição das fotografias e dos painéis


Fonte: Autoras (2022)

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4 RESULTADOS

O projeto em questão fez-se necessário a título de contribuição reflexiva para os alunos


da referida escola urbana. Conforme almejaram suas autoras, os resultados foram de cunho
qualitativo. Assim sendo, após as pesquisas, conversas e debates, que antecederam a produção
dos painéis e a exposição fotográfica, os alunos-alvo compreenderam que, de fato, tinham uma
visão equivocada sobre o indígena na atualidade. Muitos se surpreenderam ao tomar
conhecimento de indígenas formados em nível superior, ocupando o cargo de professor e
médico, por exemplo Outros entusiasmaram-se com a possibilidade de encontrar indígenas
circulando em centros urbanos do estado do Pará, como, por exemplo, no município de Marabá.

Houve um despertamento para a diversidade linguística e cultural presente em nossa


região, bem como uma compreensão sobre a relação do indígena com a natureza. Ademais,
compreenderam a razão da luta e da resistência indígena, quiçá tornando-se aliados e
defensores desses grupos ancestrais.

Dessa forma, evidenciou-se que as aulas de Língua Portuguesa, História e Estudos


Amazônicos, em contexto de ensino-aprendizagem interdisciplinar, são importantes cenários de
reflexão sobre questões culturais e políticas envolvendo grupos minoritários. Bem como, são
ambientes eficazes na promoção da inclusão e do respeito à diversidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tratar sobre a temática indígena em uma escola localizada na capital paraense foi
desafiador, haja vista que o objeto de ensino, os povos e as culturas indígenas, embora presente
no estado do Pará como um todo, está distante da realidade visual do aluno dos centros
urbanos. A imagem construída pelo aluno da escola urbana embasa-se nos conhecimentos
adquiridos durante as aulas, fundamentadas ora nos livros didáticos, ora em ações pedagógicas
desenvolvidas no ambiente escolar. Em relação aos povos originários, muitas vezes, o aluno
conhece tão somente a data alusiva à comemoração do Dia dos Povos Indígenas, o 19 de abril,
guardo na memória tão somente a lembrança de como retornava da escola para sua casa:
pintado e adornado como indígena.

A proposta principal deste projeto consistiu em desmitificar a imagem tradicional que o


aluno do centro urbano tem sobre o cidadão indígena, (re)construindo, para ele, a identidade do
indígena do século XXI. Em suas ações, este projeto buscou também contemplar a cultura da
região amazônica, destacando o modo de vida dos povos indígenas, seus costumes e crenças,
bem como suas relações com a sociedade circunvizinha, entre outros aspectos. Por meio de um
currículo crítico e atual, as professoras dos componentes curriculares supracitados e do espaço
pedagógico mencionado buscaram evidenciar a riqueza e a diversidade linguística e cultural

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presente nesta região, proporcionando a formação do espírito crítico de seus alunos.
Desconstruía-se, junto ao aluno, uma imagem negativa em torno dos povos amazônicos.

Não obstante, as ações deste projeto promoveram, junto ao público-alvo, uma reflexão
crítica sobre os povos minoritários e sobre sua luta e resistência diante das adversidades
resultantes do contato com o não índio. Para tanto, os conteúdos curriculares foram trabalhados
de forma crítica, contextualizada e interdisciplinar, conforme a orientação tanto do DCE-PA
quanto da Lei nº. 11.645, a qual estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Configurando-se como a primeira abordagem sobre essa temática, o projeto intitulado O


índio que mora na nossa cabeça, versão 2022, foi o primeiro passo para o alcance do objetivo
aqui traçado. Assim sendo, os resultados qualitativos alcançados foram essenciais e
motivadores para a continuação e desenvolvimento de futuras ações, cada vez mais intensas e
aprimoradas, em torno das questões indígenas.

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REFERÊNCIAS

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MEDEIROS, Juliana Schneider. Povos indígenas e a Lei nº. 11.645: (in)visibilidades no ensino
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XAVIER, Maria Luisa Merino de Freitas (Orgs.). Povos indígenas e educação. Porto Alegre:
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os povos indígenas. São Paulo: Prumo, 2012.

QUARESMA, Francinete de Jesus Pantoja. Livro didático e práticas em sala de aula para
alfabetização em Parkatêjê. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Pará: Belém, PA,
2021.

SEDUC/PA. Documento Curricular do Estado do Pará – Educação Infantil e Ensino


Fundamental. Belém/PA: SEDUC, 2019.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 65


O ENSINO DE LIBRAS COMO L1 PARA SURDOS

Walace de Souza Almeida1


Ruth Carliane Brasil Ribeiro Almeida2
Walber Gonçalves de Abreu3

RESUMO
Com base na Lei n° 14.191/2021, o ensino de Língua Brasileira de Sinais (Libras) deve ocorrer por meio de
metodologias que considerem como língua de instrução. O objetivo deste trabalho é detalhar as experiências
enquanto professor de Libras como Primeira Língua de instrução (L1 para surdos matriculados na APAE do
município de Tomé-Açu/PA. O relato de experiência foi caracterizado por pesquisa-ação e observação ótica de
Oliveira (2011); como principal teórico para o desenvolvimento da problemática apresentada, trazemos os
postulados de Quadros (2019) que subsidiarão esta produção. Ao longo deste percurso, observarmos que ainda
são poucos os professores bilíngues presentes nas escolas e essa demanda precisa ser atendida
emergencialmente, de uma feita que o aluno surdo terá dificuldade em aprender e divulgar o saber se não for
instruído por meio de profissionais que utilizem a Libras, a aprendizagem da Libras se dá mais proveitosa quando
iniciada o mais breve possível, a fim de criar uma consciência linguística no aluno e possibilitar que o aluno
desenvolva a linguagem e a expressão em Libras; com domínio da língua e boa sinalização e o estudo apontou que
a aprendizagem de Libras é fundamental para pessoas surdas.

Palavras-chave: Língua de instrução. Contexto educacional. Aprendizagem. Professores bilíngues.

1 INTRODUÇÃO

O ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras como primeira língua para surdos foi uma
reivindicação que a comunidade tem lutado para assegurar este direito cada vez mais. A recente
Lei 14.191/21 aponta no “Art. 60-A. Entende-se por educação bilíngue de surdos, para os efeitos
desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida em Língua Brasileira de Sinais (Libras),
como primeira língua, e em português escrito, como segunda língua (...)” (BRASIL, 2021, n.p.).

Assim, surge como um marco histórico para a educação bilíngue de surdos, pelo motivo
de determinar de forma abrangente no território brasileiro que as metodologias de ensino para a
educação de surdos devem, obrigatoriamente, ter a Libras como primeira língua de instrução na
comunidade escolar.

1
Especializando em Libras e Educação Especial e Inclusiva pelo Centro Universitário Leonardo da Vince
(UNIASSELVI). Licenciado em Letras com habilitação em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Rural da
Amazônia (UFRA). Professor da Secretaria Municipal de Educação e Desporto de Tomé-Açu (SEMED) E-mail: se-
nhorwalace@gmail.com
2
Especialista em Educação Especial pela Faculdade do Espírito Santo (FAES). Licenciada em Pedagogia pela Fa-
culdade Integrada de Cruzeiro (FIC) e professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE) da Secretaria
Municipal de Educação de Tomé-Açu (SEMED). E-mail: Carliane_vk@hotmail.com
3
Doutorando e Mestre em Letras – estudos linguísticos pela Universidade Federal do Pará (PPGL/UFPA). Especi-
alista em Libras pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Graduado em Letras – Libras e Língua Portuguesa
como L2 pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e professor assistente da Universidade Federal Rural da Ama-
zônia (UFRA) campus universitário de Tomé-Açu/PA. E-mail: WalberAbreu30@gmail.com

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 66


Ao acompanhar alunos surdos matriculados na Associação de Pais e Amigos de
Excepcionais – APAE, pudemos vivenciar o ato de ensinar e aprender também. Esse momento
nos causou muitas dúvidas quando percebemos que, ainda são poucos os professores
conhecedores e usuários da Libras na instrução de surdos. Sendo assim, nosso objetivo, neste
estudo foi detalhar as experiências adquiridas enquanto professor de Libras como L1 para
surdos matriculados na APAE do município de Tomé-Açu/PA, possibilitando socializar estes
saberes para os demais colegas de profissão.

Este relato de experiência é fruto de aulas de Libras para três alunas matriculadas na
APAE, lá, ocorreram os encontros no período da tarde durante o ano letivo de 2021. A
coordenação de educação especial por meio da Secretaria Municipal de Educação e Desporto
de Tomé-Açu – SEMED, disponibilizou os profissionais da equipe multidisciplinar para
realizarem atendimentos, entre eles, um professor de Libras.

Um estudo dessa natureza foi, antes de tudo, um dos meios para contribuir para a
educação de surdos do município de Tomé-Açu. Os alunos são beneficiados diretamente com
essas práticas e acreditamos que é preciso realizar mais estudos e desenvolver mais
problemáticas com os profissionais da educação, os educandos e as práticas de ensino.

Veremos, a partir de agora, a discussão teórica, a fim de dar base para as questões
levantadas neste estudo, seguida do detalhamento da metodologia selecionada para especificar
os métodos de coleta e análise de dados e, finalmente, comentar os resultados e realizar nossas
considerações finais sobre os achados.

2 DISCUSSÃO TEÓRICA

Na discussão teórica, apresentamos as fundamentações teóricas que trouxeram bases


para nossa problemática apresentada, estes conhecimentos são importantes para refletirmos
sobre nossa formação, enquanto profissional da educação, para atuação em sala de aula com
alunos surdos. A seguir, exibimos os tópicos construídos e organizados nesse estudo.

2.1 Libras, Português e a comunicação

A Libras foi reconhecida como sistema linguístico de comunicação e expressão pela Lei nº
10.436/02 (BRASIL, 2002) e regulamentada pelo Decreto nº 5.626/05 (BRASIL, 2005); ambas as
legislações possibilitaram ações posteriores com o desenvolvimento de formações e atividades
para a inserção da comunidade surda no ambiente escolar.

Olhando do ponto de vista cultural e social, a língua compõe a bagagem da vida do sujeito
surdo. Strobel (2009), em seus estudos, explica muitas temáticas importantes para a vida do
surdo. No que se refere à língua, é destacado que não é apenas um instrumento de ensino para
a língua oral, mas sim pertencente ao ser surdo.

Ainda nesse sentido, é importante enfatizar a diferença paramétrica entre língua oral e de
sinais; assim,

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 67


[...] a pessoa ouvinte ao identificar um usuário de língua de sinais pode perceber
rapidamente seus detalhes, mesmo que não os conheça, pois “são línguas que usam o
corpo, mais especificamente, os braços, as mãos e a face, comparados com articuladores
da fala (a boca, a língua etc.), que compreendem combinações visuais-espaciais
(...)” (BIDARRA; MARTINS; SEIDE, 2016, p. 18). Sabendo disso, caso não tenha
curiosidade em aprender sobre, há a possibilidade de ignorar ou não saber dissertar sobre
o assunto caso alguém pergunte sobre (ALMEIDA, 2021, p. 39).

É evidente que o Português e a Libras diferem em modalidade e forma de expressão; com


isso, ambas são línguas com regras gramaticais e mecanismos linguísticos que podem ser fonte
de pesquisas e estudos mais aprofundados. Sua relevância já foi comprovada por muitos
autores, inclusive pelos citados anteriormente nesse estudo.

Ao perceber que essas línguas citadas são diferentes, precisamos ter a ciência de que o
ensino planejado e aplicado, também, é diferente durante o processo. A comunicação precisa
ser embasada na Libras como primeira língua a fim de se tornar eficaz na instrução dos
discentes surdos.

2.2 Ensino-aprendizagem de surdos

A educação de surdos, segundo Quadros (2019), se dá por meio de práticas que


envolvam a língua de sinais da comunidade de fala e indivíduos bilíngues, aptos para o
desenvolvimento das atividades.

[...] o ensino de Libras com L1 precisa ser previsto no currículo do projeto


pedagógico. Considerando a educação bilíngue, a carga horária para o ensino de
Libras deve ser equivalente à carga horária da segunda língua (Língua
Portuguesa). Isso já integra a reestruturação da arquitetura escolar, pois as línguas
passam a ocupar parte da carga horária de ensino de forma mais equivalente
(QUADROS, 2019, p. 164-165).

Dessa forma, seria muito dificultoso para os surdos interagirem e aprenderem em


ambientes não bilíngues, posto que “as ideias em Língua Portuguesa precisam ser transmitidas
e socializadas em Libras com os alunos, possibilitando o feedback do educando para com o
docente durante as atividades em sala (ALMEIDA, 2021, p. 67); portanto, a aprendizagem de
surdos está ligada à Libras e assim possibilitará ganhos culturais entre a sala.

E a necessidade de unir práticas bilíngues na ou para a instrução de surdos envolve não


só elementos culturais, mas também: sociais, identitários, metodológicos e, principalmente,
atitudinais. Giroletti (2020) explica fatores importantes para conceituar e apresentar para os que
não são conhecedores sobre a educação de surdos, propondo o que já foi apresentado por
Quadros (2019) sobre o ensino bilíngue.

Ao tomar como base os estudos de Baú e Kubo (2009), qualquer planejamento,


necessariamente, vai precisar traçar metas prévias para serem testadas e posteriormente
observadas, já que “objetivos de ensino apropriadamente formulados e, consequentemente, a
uma avaliação do ensino eficiente e eficaz” (BAÚ; KUBO, 2009, p. 97). No caso de surdos,
professores surdos ou ouvintes bilíngues, ambos com formação para atuarem na área, seriam
uma das possibilidades a fim de desenvolverem boas práticas para a aquisição da Libras pelos
surdos.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 68


2.3 Professor bilíngue

Refletindo nos postulados de Quadros (1997), entendemos a importância do professor


bilíngue que, segundo esse autor, é o docente que utiliza duas línguas durante e para o
processo de ensino-aprendizagem. No caso de surdos, não é um intérprete, mas um profissional
com formação e que conhece a cultura, identidade e língua do povo surdo, possibilitando novas
estratégias para a produção das atividades em sala.

Ao manusear duas línguas para o ensino, o professor poderá refletir sobre a própria
prática e os instrumentos pedagógicos selecionados. Nesse sentido, é essencial pensarmos no
planejamento de ensino, conforme dialogam Baú e Kubo (2009) e Libâneo (2013), que apontam
acerca da ação de ensinar como precedente de uma preparação e estudo anterior.

Ao pensar na organização didática e nas metodologias bilíngues que o professor poderá


utilizar para beneficiar o sujeito surdo, já que é adequada ao momento e “intermediando esse
processo, os métodos de ensino são ações, passos e procedimentos vinculados ao método de
reflexão, compreensão e transformação da realidade, que, sob condições concretas de cada
situação didática” (LIBÂNEO, 2013, p. 167), contribuindo, assim, para o desenvolvimento
educacional de todos os discentes.

Por isso, concluímos que a pessoa surda, ao ser inserida em uma educação bilíngue,
poderá apresentar melhor desenvolvimento educacional, provido de práticas acessíveis para um
ensino efetivo. Os estudos realizados apontaram que o uso da Libras na educação de surdos foi
uma das melhores metodologias para contribuir com a aprendizagem e desenvolvimento social.

3 PERCURSO METODOLÓGICO

Nesta pesquisa, utilizaremos de metodologias específicas para a coleta de dados, entre


elas: contextualização do corpus da pesquisa, dos participantes e da abordagem metodológica
que se caracteriza por pesquisa ação e observação para, em um momento posterior, apresentar
resultados relevantes.

3.1 Corpus da pesquisa

A Associação de Pais e Amigos de excepcionais (APAE) é uma das instituições em Tomé


-Açu que atendem alunos público-alvo da educação especial, nela, há uma diversidade de
serviços prestados às crianças da rede municipal de ensino. Os alunos são atendidos
gratuitamente com horários marcados para o desenvolvimento das atividades educacionais e
sociais no local.

Em nosso estudo, nos focaremos especificamente para os alunos surdos da rede de


ensino que frequentam a APAE no contraturno escolar, a fim de ministrar aulas de e em Libras
para estes alunos.

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3.1.1 Participantes

As participantes deste Relato foram três surdas4, alunas da rede de ensino regular, cada
uma foi atendida individualmente em um horário para aulas de e em Libras. Não houve critérios
para a seleção delas, apenas foi organizado a distribuição das atividades semanais e o conteúdo
ministrado (Quadro 1).

Inicial do nome5 Idade Grau de surdez Laudo Expressão em Compreensão em

A 06 Surdez severa Sim Pouca Pouca

M 34 Surdez profunda Sim Pouca Regular

E 67 Surdez profunda Sim Boa Boa

Quadro 1 - Perfil dos participantes


Fonte: Autores (2022)

Ao observar as participantes ao discorrer das aulas, podemos notar que houve o interesse
em aprender mais sobre Libras. as aulas tiveram aulas regularmente e pouquíssimas vezes
faltaram. Na procissão seção, veremos a abordagem metodológica realizada durante a coleta de
dados.

4 ABORDAGEM METODOLÓGICA
A pesquisa-ação, segundo oliveira (2011) tem a função de resolver uma determinada
problemática, além de disso, o autor destaca que “é utilizada para identificar problemas
relevantes dentro da situação investigada, definir um programa de ação para a resolução e
acompanhamento dos resultados obtidos” (OLIVEIRA, 2011, p. 42). Logo, foi possível utilizar a
técnica para observar um fenômeno em desenvolvimento e descrever esse processo.

Em relação à observação, o autor acima destaca que “é considerada uma coleta de dados
para conseguir informações sob determinados aspectos da realidade” (OLIVEIRA, 2011, p. 38).
Portanto, combinando com a técnica anterior, foi possível identificar que a metodologia é
eficiente para este estudo.

5 ANÁLISE DOS RESULTADOS ALCANÇADOS

Após a coleta de dados, discutimos nossos resultados em três vertentes (organização do


conteúdo de Libras, algumas dificuldades e o ensino bilíngue), a fim de apresentar dados e,
posteriormente, conclusões relevantes.

5.1 Organização do conteúdo de Libras

Ao sabermos que iríamos ministrar aulas em Libras para alunas surdas, nossa primeira

4
Por ser um relato de experiência, todas as informações descritas nesse trabalho são resultantes das reflexões e
saberes adquiridos em sala, não ocorrido entrevistas, questionários ou qualquer outra forma de obtenção de dados
por parte das alunas atendidas.
5
Com base nos registros feitos pelos autores.

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ação foi selecionarmos materiais adequados e pensarmos em estratégias para o
desenvolvimento de atividades para o ensino (Imagem 1).

Imagem 1 - Aula de Libras de atividade


Fonte: Autores (2022)

Os conteúdos em Libras eram compostos dos parâmetros da língua, expressões


idiomáticas, estratégias de produção de frases e aquisição, além de materiais em vídeos
gravados ou selecionados de fontes confiáveis na internet.

A escolha dos materiais teve como base os já disponíveis na APAE e materiais impressos
como atividades de escrita e visual. O nosso objetivo foi compartilhar conhecimentos, visando à
comunicação e ao pleno desenvolvimento da linguagem; portanto, não nos ativemos a provas ou
a testes comuns, pois não era esse o objetivo da atividade, mas foi realizada a avaliação da
aprendizagem por outras vias.

Dentre as atividades trabalhadas tivemos algumas de caráter visual, por exemplo


(Imagem 2).

Imagem 2 - Tipos de atividade


Fonte: Autores (2022)

Entendemos também que ensinar uma língua de modalidade diferente é um dos desafios
para os professores ouvintes da educação de surdos, pelo motivo de não termos crescido com
essa cultura em nossas vidas escolares; por isso, é necessário antes do momento do ensino,
uma formação específica para que o docente possa adquirir conhecimento e experiência sobre o
que ensinará, consequentemente a prática o levará a melhorar.

Nessa perspectiva, o trabalho desenvolvido, os conteúdos elaborados para a regência


eram apenas apresentarão uma proposta melhor, diferentes e inovador; por esse motivo,

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acreditamos que foi mais interessante agir na prática e contextualizar para as alunas a que
apenas se manterem em sala escrevendo no quadro, o que consideramos não ser plenamente
efetivo para o entendimento da Libras.

Em relação às condições do ensino, de modo geral, consideramos favoráveis: sala


climatizada, quadro de escrever, cadeiras confortáveis, entre outros; entretanto, a reflexão que
fazemos é em relação às demais escolas da rede que não possuem espaços adequados e, nem
sempre, profissionais aptos prontos para atender cada demanda. Tais reflexões acima, apontam
que é necessário a gestão escolar se preocupar e fiscalizar os recursos para o provimento de
espaços adequados para o desenvolvimento do trabalho docente.

Por fim, o ensino, como um todo na rede, precisa de mais valorização, de mais pessoas
interessadas em atuar e de condições equitativas para todos, afinal, o ensino da Libras é
relevante e urgente, necessitando contemplar a todos por ser um direito adquirido.

5.2 Algumas dificuldades

Como não poderia deixar de ser, tivemos dificuldades ao longo do percurso; as alunas
eram fáceis de lidar, não tínhamos dificuldades na comunicação, porém, elas facilmente perdiam
a atenção e gostavam de conversar sobre outros assuntos, o que, analisamos como prejudicial
ao processo de ensino-aprendizagem naquele momento.

Para amenizar os ruídos que se faziam nesse caminho, utilizamos estratégias para
orientá-las a não conversarem paralelamente durante as aulas, explicando a importância do
momento e sensibilizando-as nesse sentido.

Outro ponto negativo diz respeito ao letramento das alunas; embora todas soubessem
Libras, não tinham as habilidades necessárias para o letramento nessa língua; dessa forma, foi
necessário explicar os sinais que elas não sabiam, expressões e conceitos para que pudessem
continuar dialogando sobre o assunto da aula.

Ao atender as três alunas no mesmo turno e horário específico, sentimos a necessidade


de fazer esses ajustes e aplicar algumas atividades para manter a atenção delas a fim de que
pudéssemos acompanhar o desenvolvimento de todas elas ao mesmo tempo. Para isso,
organizamos as aulas/atendimentos em uma hora de aula, com cada uma, pelo período da
tarde.

Por fim, cada aluna foi atendida em horário próprio, o que possibilitou avaliar e
acompanhar de forma mais efetiva a aprendizagem e uso da Libras como primeira língua,
visando uma comunicação efetiva.

5.3 O ensino bilíngue

No que se refere ao ensino bilíngue, Quadros (1997) afirma que devemos utilizar dois
idiomas para comunicação durante o processo de ensino-aprendizagem. Em relação aos surdos,
manusear a Libras como primeira língua de instrução, é o que a Lei nº 14.191/21 (BRASIL,
2021) discorre, pois possibilitará mecanismos linguísticos acessíveis ao surdo, ao ensino e ao
professor.

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Ainda nesse sentido, é preciso que essa iniciativa parta dos gestores, coordenadores e
não apenas dos professores, pelo motivo de serem poucas as pessoas que dominam mais de
um idioma, o que, em tese, é um atraso em relação ao desenvolvimento educacional.

Notamos, ainda, que a educação bilíngue é mais proveitosa para todos os sujeitos
envolvidos quando a experiência é multiplicada em relação aos objetos de conhecimento
trabalhados; a cultura enriquece e possibilita evitar confrontos, pois começamos a entender as
maneiras de pensar em comportamentos promovidos pelo uso da língua. Com isso, defendemos
que a educação bilíngue não deve ser apenas para os surdos, mas sim a todos em sociedade.

CONCLUSÃO
Ao longo deste estudo, identificamos algumas necessidades como, por exemplo,
investimento em formação continuada para professores que ministram aulas para surdos; além
disso, é preciso realizar adequação de procedimentos e técnicas pedagógicas para as aulas e,
principalmente, da conscientização sobre o ensino bilíngue.

Observamos que ainda são poucos os professores bilíngues presentes nas escolas e
essa demanda precisa ser atendida emergencialmente, tanto em escolas municipais quanto
estaduais. O aluno surdo terá dificuldade em aprender e divulgar o saber se não for instruído por
meio de profissionais que utilizem a Libras.

Outrossim, a aprendizagem da Libras como L1 se dá mais proveitosa quando iniciada o


mais breve possível, a fim de criar uma consciência linguística no aluno e possibilitar que ele
desenvolva a linguagem e expressão em Libras, pois ao longo do percurso foi visto um domínio
da Língua e boa sinalização.

Já em relação à Língua Portuguesa, durante o período de estudo, identificamos à vontade


em aprender esse idioma independente das dificuldades e, necessariamente, utilizamos
instrumentos e ferramentas didático-pedagógicas necessárias para continuar efetivando a
aquisição de ambas as línguas.

Concluímos este estudo apontando que a aprendizagem de Libras é fundamental para


pessoas surdas. Essa etapa poderá ser definitiva para o convívio em sociedade e para a
aquisição de demais conhecimentos.

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REFERÊNCIAS
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alunos surdos no município de Tomé-Açu. 2021, 80p. Trabalho de Conclusão de Curso
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da Amazônia – UFRA, campus universitário de Tomé-Açu, 2021. Disponível em http://
bdta.ufra.edu.br/jspui/bitstream/ 123456789/ 1777/4/PR%c3%81TICAS%20DE%20EDUCA%
c3%87%c3%83O%20INCLUSIVA% 20NO%20ENSINO%20DA%20L%c3%8dNGUA%
20PORTUGUESA%20COM%20ALUNOS%20SURDOS%20NO%20MUNIC%c3%8dPIO%
20DE%20TOM%c3%89-A%c3%87U%20%282%29.pdf. Acesso em 18 de março de 2022.

BAÚ. J; KUBO. O. M. Educação Especial e a capacitação do professor para o ensino.


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BRASIL. Decreto nº. 5. 626. Regulamento a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe
sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de
2000. Diário da União, Brasília, 22 dez, 2005. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.

BRASIL. Lei nº 14.191. Presidência da República. Secretaria-Geral, subchefia de assuntos


jurídicos. Brasília, 2021. Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.191-de-3-de-
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GIROLETTI. M. F. P. Legislação, educação e cultura surda. Indaial: Uniasselvi, 2020.

LIBÂNEO. J. C. Didática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2013.

OLIVEIRA. M. F de. Metodologia científica: um manual para a realização de pesquisas em


administração. Catalão: UFG, 2011.

QUADROS, R. M. Educação de Surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.

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STROBEL. K. História da educação de surdos. Universidade Federal de Santa Catarina


Licenciatura em Letras-LIBRAS na modalidade a distância: Florianópolis, 2009.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 74


ESCRITORES EM FORMAÇÃO: PRÁTICAS DE CRIAÇÃO LITERÁRIA NO
ENSINO FUNDAMENTAL

Felipe Hilan Guimarães Santos1

RESUMO
O referido trabalho vem de um projeto de criação literária construído e aplicado no ano letivo de 2022, em uma
turma de 9º ano. Nossa discussão se dá a partir da observação dos processos de escrita de textos literários e da
composição de um livro de minicontos lançado pelos discentes no ambiente escolar. O objetivo deste trabalho é
discutir os processos de criação literária da escrita de alunos mediante as orientações dadas aos textos. Para fins
metodológicos, esboçamos o trajeto da criação dos minicontos, durante as aulas de Língua Portuguesa, e
selecionamos um texto produzido por uma aluna para evidenciar seu processo criativo. Como principal aporte
teórico, embasamos nossa discussão a partir de recortes de conceitos sobre escrita, subjetividade e psicanálise nos
estudos de Abed (2022), Barzotto (2016), Belintane (2013), Cavalcanti (2015), Geraldi (2015), Riolfi e Andrade
(2011), os quais consideram que o ato da escrita é um espaço no qual subjetividades são mobilizadas, ante as
diferentes relações estabelecidas em um cenário de ensino-aprendizagem. Os resultados nos mostram a
necessidade de tomar a escrita como um trabalho constituído por etapas e também indicam as diversas formas da
apropriação da escrita, apontando indícios da singularidade dos autores e autoras dos textos.

Palavras-Chave: Escrita literária. Formação de escritores. Práticas de criação. Ensino-aprendizagem.


Subjetividade.

1 INTRODUÇÃO

Tomar a escrita como trabalho é um sustentáculo primordial das experiências de ensino-


aprendizagem. Muito mais que considerá-la como dom, talento ou inspiração, a escrita precisa
ser compreendida como um trabalho processual construído por diferentes etapas. Isso significa
dizer que aquele texto que o aluno entrega durante a aula de Língua Portuguesa não deve ser
tido como uma versão pronta e acabada, mas, a partir da interação entre docente e discente,
esse texto deve passar por diferentes encaminhamentos até que se chegue a uma versão final.
E em se tratando de texto literário, os processos de escrita e reescrita possibilitam moldar o
texto sob um ponto de vista mais literário, já que sua função não se encontra em apenas
informar o leitor, mas de persuadi-lo a assumir a construção da linguagem proposta pelo
universo ali criado.
Nesse sentido, minha proposta de trabalho tomou como objeto a produção de escrita
literária de alunos de uma turma de 9º ano do turno da tarde, da Escola E. E. F. M. Júlia Seffer.
Tal proposta foi realizada durante o 1º bimestre do ano letivo de 2022, durante minhas aulas de

1
É licenciado em Letras – Língua Portuguesa, Mestre em Estudos Linguísticos e atualmente cursa o Doutorado em
Estudos Linguísticos, ambos pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É professor de Língua Portuguesa e Lite-
ratura na Escola Estadual Júlia Seffer, em Ananindeua, e na Escola Estadual Cruzeiro do Sul, em Belém.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 75


Língua Portuguesa. Meu objetivo principal se encontra em discutir os processos de criação da
escrita literária, assim como o trajeto pelo qual se deu a montagem e a publicação do livro de
minicontos, o qual foi construído de forma coletiva a partir de nossos encontros presenciais.
A escola se situa na zona urbana da cidade de Ananindeua, na região metropolitana de
Belém e funciona em três turnos, recebendo alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio e
da Educação de Jovens e Adultos. Minha entrada na escola se deu no segundo semestre de
2020, quando ainda estávamos realizando as aulas remotas. Agora, no atual retorno presencial
às escolas, tento tornar mais ativa a participação dos alunos em projetos e atividades a fim de
que se percebam como sujeitos participantes do processo de ensino-aprendizagem,
considerando principalmente todo o período de dificuldades, distância e, muitas vezes, de apatia
que marcou o momento das aulas on-line por conta da pandemia da covid-19.
Sendo assim, entre março e maio de 2022, durante as aulas de Língua Portuguesa,
construí um percurso com uma turma de 9º ano que finalizou com a publicação do livro de
minicontos “Cada Gota Tem Uma História”, em um lançamento realizado dentro da própria sala
de aula, na qual pudemos divulgar e distribuir à comunidade escolar o trabalho feito pelos
estudantes.

2 A ESCRITA DO ENTREMEIO

Em uma sociedade permeada pela letra, vê-se que as práticas de leitura e de escrita
surgem como atividades socioculturais engendradas em cada setor da vida. Não seria diferente
perceber o viés valorativo tão fortemente veiculado a tais práticas no setor escolar, no entanto,
sabemos que nem sempre a abordagem dada à escrita neste cenário é significativa.
Ao falarmos a respeito do ensino de escrita, torna-se indispensável levar em consideração a
dimensão da subjetividade que constitui os sujeitos que interagem na escola. Para Geraldi
(2015), o encontro na sala de aula se dá sob uma ótica dialógica, ou seja, em um diálogo entre o
“eu” e o “outro”, podendo ser entre professor e aluno, entre alunos ou mesmo entre professores.
Sendo assim, considerar este “outro” é um aspecto importante para compreender a constituição
da subjetividade mediada, em um momento inicial, a partir da interveniência do “outro”.
Por isso, segundo o autor, os sujeitos não devem ser vistos como completos e totalmente
definidos, mas como seres inconclusos e em permanente constituição, já que à própria
linguagem é dado o atributo de permanente construção. Assim, a constitutividade torna-se
questão primordial nas relações de ensino/aprendizagem, pois “supõe uma teoria do sujeito e
esta, por seu turno, implica a definição de um lugar nem sempre rígido a inspirar práticas
pedagógicas e por isso mesmo políticas” (GERALDI, 2015, p. 30). Desta forma, os usuários da
língua precisam ser considerados quanto a sua subjetividade.
Diante disso, o ensino da escrita necessita ser visto como um espaço no qual subjetividades
são mobilizadas, uma vez que, no ato da escrita, não se está somente manifestando uma
expressão verbal, mas é uma combinação de experiência, vivências e saberes que o sujeito

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carrega, consciente e inconscientemente, e que tenta tornar concreto na dimensão linguística.
Para Belintane (2013), essa rede de memórias e conhecimentos constitui a “subjetividade
de entre-textos” que caracteriza as possibilidades de o estudante decifrar o material novo - o
saber escolar – àquilo que lhe surge como demanda, como desejo, construindo então diferentes
posições subjetivas mediante a esta rede de memórias textuais profundamente marcada por
experiências significativas.
Sendo assim, a intertextualidade seria uma operação que percorre o caminho “de uma
subjetividade de entre-textos, ou seja, um sujeito-efeito resultante das possibilidades de relações
que os dois eixos [palavra ou expressão cotidiana e um texto completo memorizado]
proporcionam” (BELINTANE, 2013, p. 18).
Vemos, então, que a escrita pode ser um lugar de entremeio, um espaço entre o que já se
viveu e o que se pretende ou se deseja experimentar. Escrever seria um ato intermediado pela
própria linguagem na interação entre sujeitos que também se movem por outras questões, as
quais podem ser mensuradas ou não pela linguagem. E justamente por ser um lugar entre
“limites”, entre “pontos extremos”, é que se torna importante entender que a escrita não é algo
fora do sujeito, como um dom dado à pessoa, mas sim como um trabalho constituído a partir de
suas próprias demandas.
Assim, tomar a escrita como um trabalho, como um processo a ser executado é um conceito
fundamental que, segundo Abed (2022) e Cavalcanti (2015), desmistifica a visão romantizada e
redutora que se tem a respeito da escrita e que possibilita ter um olhar mais crítico sobre o texto
que é produzido. Por isso, ao ver a escrita como um ofício constituído por etapas, segundo
Cavalcanti (2015), é possível estabelecer um trabalho com e sobre a linguagem no qual há
retomadas, decisões e escolhas feitas a todo o momento, portanto, um modo de analisar a
linguagem construída para a produção do efeito estético no texto.
Em complementação ao dito anteriormente, Abed (2022) vem nos dizer que o processo de
escrita não é linear, assim como todo e qualquer processo criativo. Dotado de complexidade, o
ato de escrever precisa lidar com a desordem e a ordem inerentes a sua constituição como
trabalho processual, que pode vir a ter múltiplas reformulações a depender das demandas que
surgem até a versão pronta do texto.
Tal discussão nos leva a questionar a maneira como a produção textual é abordada em sala
de aula. Ao invés de considerarmos a escrita do aluno como algo já finalizado em um momento
ainda inicial da tarefa, é fundamental entender o texto como um produto a ser reconstruído,
remodelado, cabendo ao professor encaminhar o texto ao processo de reescrita dando
sugestões, comentários e uma análise crítica a respeito do que foi produzido. Assim, ainda como
versão inacabada, os textos dos discentes sofrem alterações necessárias para que, de fato,
tenhamos um texto significativo e melhor construído em sua futura versão final.
Esse processo de “vaivém” dos textos, entre diferentes versões, foi bastante enfatizado por
mim durante a montagem dos textos literários do 9º ano, sob a tentativa de amenizar posições

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 77


mais resistentes com relação a alterações nos textos e também possíveis desistências - já que
reescrever, muitas vezes, pode ser algo árduo e carregado pelo sentimento de fracasso ou de
culpa.

3 A ESCRITA ALIENADA

Notamos que o ato de escrever não consiste apenas em dominar uma técnica ou uma forma,
mas também implica o desejo inconsciente. Deste modo, partindo de conceitos que articulam
psicanálise e educação, vemos que o sujeito escreve o texto e, durante o processo, também se
reescreve, construindo suas posições subjetivas nesse “entre-textos” na medida em que retoma
suas demandas.
Assim, haveria duas maneiras de o estudante se apropriar da escrita: de uma forma mais
obediente ao comando da tarefa, portanto, mais alienada, ou de uma maneira a cumprir a
solicitação dada ao mesmo tempo em que extrapola a própria tarefa, aproximando-se então de
uma postura mais singular. Sobre isso, Barzotto (2016) chama “atividade de repetição”, ao
retratar uma postura mais subordinada e mais acomodada, e “atividade de produção”, quando o
sujeito desestabiliza o lugar do conhecimento e tende a uma postura mais autônoma.
Em outras palavras, a partir do momento em que uma atividade é dada pelo professor, os
discentes podem agir de duas diferentes maneiras: realizando a tarefa escrita dentro do que está
estabelecido ou transplantando a um lugar mais significativo sua escrita, de maneira a torná-la
mais elaborada. É importante enfatizar que essas posições subjetivas nem sempre se dão na
dimensão do consciente, uma vez que trabalhamos com o conceito de subjetividade em
permanente constituição.
Para essa escrita inicial, que realiza o cumprimento da tarefa e quer somente mascarar o ato
da escrita, Riolfi e Andrade (2011) chamam “escrita cosmética”, já que surge como maneira de
corresponder à demanda de escrever “maquiando” com palavras o desejo bastante vinculado ao
“outro” que solicitou a atividade - em nosso caso, seria a figura docente.
Vê-se, assim, que, apesar de apresentar possivelmente uma escrita coerente, a escrita
cosmética se revela fortemente esmagada pelo desejo do “outro”, eliminando, por fim,
possibilidades de uma escrita mais autoral. Porém, a partir do momento em que se sabe lidar
com o discurso do outro, marcado pela imposição de uma tarefa e de comentários feitos sobre o
texto que é produzido, há brechas para uma escrita mais instituída, um trabalho com escrita de
fato que, segundo as autoras, leva a apresentar indícios da singularidade de quem escreve.
Para termos, então, uma possibilidade para apropriação da escrita, é preciso sair de uma
posição mais subordinada, mais colada à palavra do outro e elaborar a tarefa considerando suas
próprias demandas. Em suma, se faz necessário abandonar a escrita mais alienada, a qual se
espelha a todo tempo no comando dado pela figura do professor e pelas regras que estão em
jogo em determinada tarefa, a fim de trazer à tona a palavra que se refere à própria voz do
aluno. Rompendo tal alienação, seria possível quebrar essas relações mais narcísicas de um

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“eu” que se subordina às representações vindas da figura de um “outro” e que sai em busca da
própria imagem.

4 CAMINHOS METODOLÓGICOS

A construção do projeto de lançamento do livro de minicontos se deu após o início de nossos


estudos na área de linguagens. Como objetos de conhecimento do primeiro bimestre de Língua
Portuguesa foram elencados: textos informativos e literários, estilos, gêneros e estruturas;
linguagem denotativa e conotativa; e figuras de linguagem.
Nossos encontros em sala de aula (duas vezes por semana) passaram a enfatizar o
trabalho com textos literários a fim de discutir sobre os elementos da narrativa e os recursos
usados para construir uma linguagem figurada. Escolhi, então, abordar a leitura de narrativas
curtas que possuem uma grande virada no final: os minicontos. O gênero miniconto, também
conhecido como nanoconto e microconto, é um tipo de texto narrativo minimalista que tem como
objetivo contar uma história de forma concisa, articulando para isso os elementos comuns à
narrativa, como personagens, cenário, foco narrativo, dentre outros.
Alguns textos que levei eram de autoria de renome, como “Buzina”, de Carlos Seabra
(2005), e “46”, de Dalton Trevisan (1997), mas a maioria dos minicontos era de autoria de meus
alunos, como forma de apresentar as possibilidades de criação literária. Após os apontamentos
feitos em sala de aula com base na leitura, deu-se a proposta da criação deste gênero textual e,
por conseguinte, a organização de um livro de autoria coletiva para lançarmos na escola. É
importante destacar que todos os processos de construção do projeto se deram
concomitantemente com as aulas regulares de Língua Portuguesa.
No mês de abril, destinei dois encontros para a primeira tentativa de escrever um miniconto.
Os alunos, então, tiveram de escrever um texto que tocasse no tema da “morte” sem precisar
citá-la de forma direta, ou seja, era imprescindível a construção de uma linguagem mais
conotativa. Cabe destacar que boa parte dos minicontos anteriormente lidos falava sobre morte,
então decidi inicialmente propor algo dentro da mesma temática. Assim, deu-se nossa primeira
prática de escrita e reescrita dos textos que surgiam durante as aulas. Após essa escrita inicial,
passamos para o segundo momento: o da escrita dos textos que comporiam o livro. Destinei
mais uma semana do mês de abril para escolhermos, por meio de votação, qual seria a temática
do livro. De três sugestões que dei (a saber, “sol”, “chuva”, “sol e chuva”), a “chuva” foi o tema
que teve a maioria dos votos, como forma de se referir ao período que estávamos vivenciando
naquele momento, o do inverno amazônico marcadamente cheio de chuvas.
Com o tema escolhido, o comando foi dado: era preciso que cada aluno escrevesse um
miniconto entre três e seis linhas, construindo uma referência à chuva, ficando de livre escolha o
uso do tipo de linguagem – se mais conotativo ou denotativo. Conforme a primeira versão dos
textos era escrita, eu lia as produções e conversava com os estudantes da turma do 9º ano (ao
todo, eram 31 alunos) para dar encaminhamentos e sugestões a uma futura segunda versão do

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texto. Uma orientação que sempre destacava era que o primeiro texto não fosse apagado ou
riscado do caderno, a fim de que servisse como comparativo à versão finalizada. Tudo isso fazia
parte do processo de criação.
Após o processo de reescrita dos textos, chegamos a uma versão final. Algo a ser destacado
é a mudança de postura de boa parte da turma, ao recuperarmos o primeiro momento de criação
de minicontos. No início, muitos discentes mostraram dificuldades para entender o comando do
trabalho e também para finalizar o texto. Já nesse segundo momento, a grande maioria dos
alunos conseguiu lidar melhor com os processos de escrita e reescrita, demonstrando, por
exemplo, menos resistência aos comentários feitos por mim para possíveis alterações e mais
engajamento para construir uma linguagem que jogasse com a referência da chuva, ouvindo
dicas e sugestões que eu dava.
Finalizados os 31 minicontos, passei a organizar a turma em equipes de trabalho: a equipe da
decoração, que planejou o modo como a sala estaria organizada para o dia do lançamento e que
fez fotos no ambiente escolar para divulgação nas redes sociais; a equipe da divulgação, que
criou frases de convite para anexarmos à divulgação do lançamento do livro; a equipe dos
títulos, que elencou várias sugestões dos possíveis títulos do livro - escolhido depois por meio
de votação -; e a equipe da ilustração, que elencou alguns elementos marcantes das histórias
criadas e os desenhou, assim como foram responsáveis pela proposta da capa do livro. Vale
considerar que, antes de começarem este planejamento, os discentes tiveram a oportunidade de
ler todos os minicontos.
O título mais votado para o livro foi “Cada Gota Tem Uma História”, e também houve eleição
de qual desenho comporia a capa do livro de minicontos. Posteriormente, coube a mim o
trabalho de fazer a última revisão textual, assim como fiz a arte de divulgação nas redes sociais,
a diagramação do livro e a impressão do material. Antes da semana do lançamento, realizado no
mês de maio de 2022, a equipe da divulgação espalhou, pela escola, os flyers de lançamento do
livro para que a comunidade escolar ficasse a par do trabalho da turma. Organizei as
impressões do livro e dedicamos o horário da nossa aula para montar o livro artesanal, feito de
papel branco comum que foi recortado e grampeado como um livreto. No dia do lançamento do
livro, nos dividimos em equipes para atuarem na recepção dos alunos e funcionários da escola
que visitavam a sala de aula, na apresentação e distribuição dos livros, e na busca por
convidados nos corredores da escola. Foram quase cem livros distribuídos no lançamento de
“Cada Gota Tem Uma História”, realizado dentro do horário disponível da minha aula. Após o
evento de lançamento, passamos a disponibilizar a versão digital do livro por meio de divulgação
nas redes sociais2.

2
A versão digital de “Cada Gota Tem Uma História” pode ser acessada em: https://drive.google.com/file/d/1t2I_ueY
-cpnVajaBKFtj6bniKXmX3RPI/view

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5 BREVE ANÁLISE

Dedicarei esta seção para analisar o processo de criação dos textos, retomando os
principais conceitos teóricos já mencionados para articular à nossa experiência pedagógica.
Desde o momento inicial do projeto de montagem do livro, destacamos que um texto precisava
ser concebido como algo sujeito a mudanças e alterações, o que significa dizer que é comum
escrever várias versões de um texto até que se alcance a provável versão finalizada,
corroborando o conceito de escrita como um processo organizado por etapas.
Tentei oportunizar momentos de produção textual que dessem conta de um retorno àquilo
que era comentado a partir da primeira versão escrita. E, como a escrita se deu durante o
período das minhas aulas na escola, era preciso que o meu feedback e o dos discentes fossem
cumpridos dentro de um prazo determinado. Desta feita, a escrita só poderia avançar para uma
próxima versão caso houvesse algum tipo de comentário ou ajuste a ser feito, indicando um
texto a ser moldado com base no diálogo e na interação entre diferentes sujeitos. Não era uma
escrita solitária, era uma escrita que sofria a interveniência de um “outro”.
Assim, tornou-se importante submeter a produção dos minicontos a processos de escrita
e reescrita, nos quais é comum haver algum tipo de desconforto ou resistência por parte dos
alunos, na medida em que uma nova demanda de ajustes no texto é cobrada. No entanto, ao se
perceber que se tem em mãos uma versão pronta de sua própria criação, essas retomadas ao
texto podem gerar prazer e satisfação. De forma geral, assumir o texto como um material a ser
enredado aparece como um fator importante para lidar com as diferentes demandas que surgem
a partir de cada versão escrita.
Para exemplificar brevemente, selecionei um momento de criação dos minicontos com
base na elaboração textual de uma aluna. O que era aparentemente um “erro” criou a
possibilidade de trabalho com uma escrita mais instituída, aproveitando o comentário que fiz
acerca do texto para produzir o efeito estético necessário ao miniconto. A seguir, consta a
versão final do texto:
Texto 1:
DESLIZAMENTO DOS CORPOS
Esses dias teve um deslizamento de terra, e muitas pessoas foram engolidas pela
tragédia. Casas foram derrubadas com muita força e muitas pessoas morreram.
Depois de dois dias, os bombeiros foram ao local e começaram a procurar por
sobreviventes. De repente, corpos puxaram cada bombeiro pro fundo da terra. Os
bombeiros começaram a pedir socorro, mas não deu em nada.

Escolhi esse texto para comentar a respeito do modo como chegamos a sua versão final,
a fim de enfatizar a ideia de processo de criação. A autora do texto, ao apresentar a primeira
versão, escreveu algo mais próximo de uma notícia cuja informação relatava um caso de
deslizamento de terra por causa de uma forte chuva. Apesar de fazer referência ao elemento
“chuva”, a primeira versão era mais informativa do que literária. Quando conversei com a
discente, destaquei que ela precisava ajustar o texto à proposta do livro, mas que tentasse
aproveitar os principais elementos da notícia para a criação de seu miniconto. O que expomos

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 81


aqui é a versão final do miniconto que mescla o relato do deslizamento e leva o texto à temática
do terror quando, no desfecho, os personagens são puxados para baixo da terra pelas vítimas
da tragédia. Há, portanto, o cumprimento da tarefa, a de criar uma narrativa curta, citando o
elemento da chuva, e também uma reviravolta em seu final. É importante comentar que, no
momento inicial de criação dos textos, esta aluna demonstrou dificuldade em escrever um
miniconto.
Nota-se, então, que é possível moldar o texto a partir dos processos de reescrita para
uma versão mais bem elaborada, segundo uma dada proposta, e o quanto é necessário dar um
feedback ao discente para que haja um melhor direcionamento à criação, em nosso caso, uma
criação literária. Percebe-se também que conceber o ato da escrita como um processo complexo
e dinâmico corrobora uma escrita mais singular, mais autoral, distante daquela escrita, muitas
vezes, engessada ao comando de uma tarefa por querer apenas se alienar à ordem do outro.
Por fim, destaco a ideia de escrever para ser lido. Uma vez lançado o desafio da
construção de um livro, os discentes passaram a considerar que não somente eu seria o leitor
de seus textos. Haveria um “outro” ainda não totalmente conhecido: o púbico que estaria no
lançamento do livro. Assim, sob a orientação de um “outro olhar” (o meu), os sujeitos tiveram
que compreender que outros olhares também lidariam com suas versões finalizadas.
No dia do lançamento, pude ver, muitas vezes, os estudantes ansiosos em ter um retorno
dos colegas, dos professores, das pessoas de modo geral que receberam os livros. Observei
alunos de outras turmas lendo pelos corredores, tive retorno de leitores pelas redes sociais, e
levei os comentários do público à discussão com a turma do 9º ano. Partindo da ideia de
escrever para ser lido de alguma forma, seja em um livro físico ou de modo virtual, criar um
ambiente no qual a divulgação literária é o destino final surge como maneira de viabilizar aquilo
que se escreve ainda hoje.

CONCLUSÃO

De forma geral, pudemos observar como os processos de escrita e reescrita podem levar ao
trabalho de uma escrita mais elaborada, já que potencializa as mudanças subjetivas necessárias
para lidar com as possibilidades que vão surgindo a partir da proposta de reelaboração textual.
Tal fato corrobora a noção de escrita como trabalho processual que vai sendo moldado
conforme as demandas do trajeto da escrita do aluno. Assim, a escrita pode gerar uma
transformação subjetiva cuja marca é a construção de um estilo singular que ressignifica a
produção, causando ruptura, à procura da aparição do sujeito como um ser participante do
processo.
Cabe também salientar toda a mobilização realizada para o lançamento do livro, que acabou
por dinamizar a própria inserção dos alunos como sujeitos participantes do processo de ensino-
aprendizagem, os quais atuaram em todas as etapas da produção de um livro, desde a criação
dos textos até a distribuição do material literário presencialmente durante a publicação de “Cada

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Gota Tem Uma História”.
Dessa forma, foi possível legitimar a voz dos estudantes em um projeto cuja autoria era a
principal marca a ser defendida, mediante o circuito literário que pretendemos manter em
funcionamento na comunidade escolar, uma vez que consideramos que a literatura pode ser
produzida por adolescentes do ensino fundamental e que merece destaque no cenário da
literatura contemporânea na região amazônica.

REFERÊNCIAS

ABED, Carolina Zuppo. Como escrever mesmo estando em pânico. São Paulo: Editora
Europa, 2022.

BARZOTTO, Valdir. Leitura, escrita e relação com o conhecimento. Campinas, SP: Mercado
das Letras, 2016.

BELINTANE, Claudemir. Oralidade e alfabetização: uma nova abordagem da alfabetização e


do letramento. São Paulo: Cortez, 2013.

CAVALCANTI, Jauranice. Professor, leitura e escrita. São Paulo: Contexto, 2010.

GERALDI, João Wanderley. A aula como acontecimento. São Paulo: Pedro e João Editores,
2015.

RIOLFI, Claudia; ANDRADE, Ernani. A escrita cosmética: textos produzidos em uma graduação
semipresencial. In: RIOLFI, C.; BARZOTTO, Valdir. O inferno da escrita: produção escrita e
psicanálise. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2011.

SEABRA, Carlos. Microcontos do Carlos, 2005. Disponível em: < http://cseabra.utopia.com.br/


microcontos/index.php>

TREVISAN, Dalton. 234. São Paulo: Editora Record, 1997.

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MEDO E OUSADIA NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19: O USO DAS
TDICS NA ALFABETIZAÇÃO DOS ALUNOS DO 3°ANO

Évila Roseanne Silva da Anunciação e Silva1


Danielle Cristina Araújo e Silva Bentes2

RESUMO
A pandemia de Covid-19 atingiu a educação e trouxe à tona o ensino remoto, regularizado como uma alternativa
emergencial. Em Belém, cada unidade escolar teve que adequar o ensino de acordo com as características de sua
comunidade; sendo assim, após realização de um diagnóstico via telefonia móvel, formulário Google e atividades
impressas, a prática pedagógica adotada na Escola Municipal “Alzira Pernambuco” para atender aos 51 alunos
matriculados no 3°ano do ensino fundamental, em 2021, foi a introdução das Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação - TDICs - por meio de aplicativos de mensagens e de videoconferências que, entre as diversas
soluções educacionais, geraram 12 aulas on-line, as quais destacaram os objetos de conhecimento fundamentais
para o desenvolvimento de competências que são alvo do ciclo de alfabetização. Assim, este trabalho apresenta um
relato da experiência de alfabetização desses alunos por meio das TDICs durante esse período, tendo como
suporte metodológico os estudos de Pierre Lévy (1999) e Edméa Santos (2019) sobre cibercultura; da visão
humanista Freireana (FREIRE, 2007); de alfabetização de Ferreiro (2013) e da filosofia da educação de Luckesi
(2011). Esta experiência pedagógica procurou resgatar a dimensão humana no ensino e na aprendizagem durante
as atividades remotas.

Palavras-Chave: Pandemia. Alfabetização. Tecnologia. Competências.

1 INTRODUÇÃO
A Ciência tem contribuído de inúmeras formas para o fim da pandemia do novo
Coronavírus (COVID-19). No contexto da educação, as pesquisas atuam de forma a localizar os
fatores que têm dificultado o processo de ensino e aprendizagem; além disso, procuram trazer à
luz aqueles que contribuíram para a sua continuidade, ainda que a distância. Diante dessa
situação, as redes aplicaram medidas emergenciais, tais como a implantação do Ensino Remoto
em todo o território nacional a fim de dirimir eventuais problemas por conta da pandemia.
Com isso, a educação e as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação
(BRASIL, 2014) tornaram ainda mais árdua e desafiadora a tarefa dos educadores, acelerando

1
Servidora pública na Secretaria de Educação do Município de Belém; Servidora pública da Secretaria de Educa-
ção do Estado do Pará; Professora Alfabetizadora da Escola Municipal Alzira Pernambuco Especialista na Unidade
SEDUC na escola 08; Licenciada Plena em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará, Especialista em Cur-
rículo e Avaliação na Educação Básica pela Universidade do Estado do Pará. e-mail: evi-
la.rsilva@escola.seduc.pa.gov.br
2
Servidora pública na Secretaria de Educação do Município de Belém; Servidora pública da Secretaria de Educa-
ção do Estado do Pará; Professora Alfabetizadora da Escola Municipal Alzira Pernambuco e da Escola de Ensino
Fundamental e Médio Stélio Maroja; Especialista em educação na Escola Estadual; Licenciada Plena em Pedago-
gia pela Universidade do Estado do Pará, Especialista em Psicologia Educacional com ênfase em psicopedagogia
preventiva pela Universidade do Estado do Pará. e-mail: daniellecristinaaraujo.silva@escola.seduc.pa.gov.br

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 8 (jun.2022) 84


também o fomento do uso das tecnologias digitais no processo de alfabetização e, dado o
caráter de urgência, isso ocorreu de forma precária.
Nesse contexto, tendo em vista essa realidade e a realidade da Escola Municipal de
Ensino Fundamental “Alzira Pernambuco”, constatou-se a necessidade de revisitar o
planejamento pedagógico e propor novas alternativas para o ensino na referida escola,
localizada na Travessa Perebebuí n° 1995, bairro do Marco, a qual oferta ensino fundamental
ciclo I (ciclo de alfabetização) para 151 alunos matriculados no ano de 2021 nas turmas de 1°, 2°
e 3° anos, que são atendidos por 14 professores distribuídos nas disciplinas Educação Geral,
Artes, Educação Física, e que foram atingidos pela pandemia de Covid-19 no ano letivo anterior,
gerando déficit de aprendizagem, infrequência nas atividades remotas e evasão.
As Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação - TDICs - contribuem com uma
gama de soluções educacionais, além de possibilitar a aproximação das pessoas e diminuir as
distâncias e o tempo de tarefas. A inclusão destas em momento pandêmico, além de
fundamental, foi sinônimo de debates sociais, econômicos e políticos entre os sujeitos que
fazem a educação, partindo da ótica da acessibilidade, políticas públicas e intencionalidade das
ações.
Entretanto, é importante destacar que, de acordo com a teoria sociointeracionista
(VYGOTSKY, 1987), os alunos aprendem com as trocas entre seus pares. Em dado momento
aprendem e já estão ensinando, assim se constituem sujeitos atuantes no mundo. Quando
isolados, interagindo com equipamentos tecnológicos (sejam notebooks, celulares,
computadores, livros ou materiais de atividades impressas) e contando apenas com seus
familiares para compreender o manuseio destes, a educação escolarizada perdeu sua prioridade
no cotidiano familiar, sendo necessário retomá-la.
Nesses termos, a experiência profissional na Escola Municipal “Alzira Pernambuco” levou
a inquietações, gerando a seguinte problemática: conseguimos dar continuidade ao processo de
ensino aprendizagem durante a pandemia? O uso das TDICs trará eficiência a esse processo?
Entendemos como importante, então, usar as TDICs durante a pandemia e analisar seus
avanços e entraves, a fim de ressignificar as práticas escolares por meio de educacionais via
TV, aulas on-line ao vivo pelo aplicativo Google Meet, envio de materiais digitais via aplicativos
de mensagens e, ainda, usando o aplicativo, a telefonia móvel ou fixa para buscar a
aproximação com as famílias dos alunos; foram utilizados também livros didáticos e
paradidáticos, atividades impressas para o alcance de habilidades descritas para o ciclo de
alfabetização e para o desenvolvimento global dos alunos, a fim de que se tornem sujeitos
críticos e conscientes de suas ações.
Desse modo, o planejamento anual da alfabetização na Escola Municipal de Ensino
Fundamental Alzira Pernambuco ganhou um caráter de continuidade e inclusão de novas
ferramentas em sua aplicação. Buscou-se não apenas utilizar as TDICs, mas utilizá-las de forma
que os alunos conseguissem ver de forma atrativa e que aprendessem os conteúdos

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repassados.
O uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação no processo de
alfabetização tornou-se tema central da prática pedagógica para o ano de 2021 que, no
município de Belém-PA, iniciou ainda em um contexto de isolamento social, e portanto,
exclusivamente em ensino remoto.
Nesse sentido, o objeto deste relato são as experiências das professoras da Escola
Municipal “Alzira Pernambuco”, que atuam no ciclo de alfabetização, mais especificamente do 3º
ano, no que se refere à condução da sua prática pedagógica que foi repensada para buscar
soluções que permitissem a continuidade do desenvolvimento cognitivo e o resgate das relações
interpessoais entre os sujeitos que vivenciavam o processo de alfabetização: professores,
alunos e suas famílias, durante a pandemia de Covid-19.
A finalidade deste relato é registrar e compartilhar este processo de ensino e
aprendizagem das crianças belenenses, estudantes do 3º ano da referida Escola, as quais
foram, direta ou indiretamente, afetadas pela gravíssima crise de saúde pública mundial que
gerou medo, fome, desemprego, incertezas e mortes em decorrência da pandemia de Covid-19.
Estudar o uso das TDICs, e em especial na alfabetização, é uma contribuição significativa
para compreender a sociedade em uma visão de futuro, que estará sendo escrita pelas mãos
dos educadores, sociedade e educandos da pandemia.
O objetivo geral da prática aqui relatada foi, por meio de TDICs, oportunizar ao educando a
aprendizagem da Língua Portuguesa, a partir de situações críticas e reflexivas, trabalhando de
forma contextualizada, tendo a leitura, a escrita, a gramática, a produção e a interpretação de
textos como elementos para compreensão da língua escrita e falada; no que concerne à
Matemática, objetivamos propiciar condições que possibilitem ao educando atividades de
pensar, raciocinar, relacionar, compor e operar com amplas generalidades, favorecendo a
formação de conceitos e aquisições de conhecimentos básicos necessários para a compreensão
do seu contexto socioeconômico, político e cultural, contribuindo para a melhoria da qualidade
de vida como cidadão crítico, responsável e participante do desenvolvimento técnico e científico
da sociedade.
Quanto aos objetivos específicos de Língua Portuguesa, a prática buscou reconhecer a
ordem alfabética; interpretar e identificar a ideia central de um texto; antecipar sentidos e
conhecimentos prévios relativos à leitura textual; e identificar os tipos e o número de sílabas, o
espaçamento entre palavras na segmentação da escrita, da leitura de palavras formadas por
sílabas canônicas e não canônicas e frases.
Em Matemática, os objetivos específicos foram: executar a contagem de um grupo de
objetos; identificar números naturais (segundo critério de ordem – unidade, dezena),
regularidades e completamento de sequências de números naturais até 99, características do
sistema de numeração decimal, utilizando a composição e a decomposição de número natural
de até duas ordens; e utilizar instrumentos de medida de tempo (calendário) e diferentes

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procedimentos de cálculo mental e escrito para resolver problemas significativos envolvendo
adição e/ ou subtração com números naturais.

2 DISCUSSÃO TEÓRICA

Para embasar a prática pedagógica de alfabetização sob os efeitos da pandemia e o uso


das tecnologias educacionais na escola objeto deste relato, tomamos como bases teóricas o
pensamento de Pierre Lévy (1999) e Santos (2019), no que tange ao uso do computador e da
internet, bem como a relação estabelecida entre o objeto e os seres humanos e o deslocamento
do papel do professor na relação ensino-aprendizagem.
Contribuem também nesse debate os postulados de Emília Ferreiro (2013), ao discutir a
respeito das mudanças no processo de alfabetização a partir do uso de monitores; de Paulo
Freire (2007), com a sua concepção humanística de educação, em que educandos e
educadores têm que exercer papel de sujeitos de suas ações; e de Luckesi (2011), ao tratar
sobre a democratização do ensino.
Pierre Lévy (1999, p. 21) destaca que, por trás das técnicas, sejam elas computadores,
internet ou atividades impressas, não há apenas um único e invariável sentido, o certo ou
errado. Segundo ele, as técnicas recebem a influência de ideias e interesses diversos, o que
caracteriza de “jogos dos homens em sociedade”.
Vivemos em tempos de “jogos dos homens em sociedade”, num mundo dinâmico, que a
todo momento se inventa e reinventa. O homem, ser pensante, precisa interagir neste mundo de
forma consciente; desde a antiga história, as sociedades são formadas a partir das relações que
estabelecem com as grandes invenções, sua cultura, a comunicação e tantos outros aspectos,
os quais são definidos diante da intencionalidade de seus interesses.
Na atualidade, os avanços na área da tecnologia e da comunicação são céleres e
intrinsecamente ligados ao dia a dia da sociedade moderna. Lévy (1999, p. 19) após analisar a
definição da palavra "impacto", usualmente empregada para tratar sobre o uso das tecnologias,
afirma que esta é uma definição inadequada, pois para ele, a técnica é a parte material
indissociável dos fenômenos humanos.
Inferimos assim, que a relação entre o homem e seu ambiente material é inseparável,
pois seu contexto é fruto de interações entre os seres vivos e pensantes, as entidades naturais e
artificiais e suas ideias e representações; nesse sentido, o termo "impacto" é naturalmente
substituído por "relação" entre a tecnologia e a cultura.
Santos (2019, p. 30) complementa este pensamento ao afirmar que a cibercultura é
formada por todo produto da relação cultural e objetos técnicos digitalizados em conexão com a
internet; nesse sentido, a cibercultura proporciona ao processo educacional a realização de
trocas generalizadas de saberes, abandonando a formação exclusivamente escolarizada.
Diante desse retrato da comunicação atual, é importante pensar na formação escolar dos
alunos do período de alfabetização associada às novas demandas da cultura digital, pois este é

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um momento de grande relevância para a vida escolar de todo cidadão, especialmente para as
crianças de 8 a 9 anos de idade, as quais se relacionam com o mundo de forma ativa e, a partir
de processos psicológicos, constroem conhecimentos e se apropriam da escrita , das semioses
e de tantos outros saberes escolares a partir da psicogênese (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999).
Desse modo, Ferreiro (2013) sugere haver mudanças nos processos psicológicos de
aquisição da escrita diante do uso de "monitores" por crianças, pois há a interferência do mundo
social na aquisição dessa forma de comunicação, uma vez que textos e informações circulam,
trazendo-os com novos formatos e cheios de imagens e sons – são as multissemioses as quais
lidam todos os dias na sua interação com o mundo. Com a produção de informações e
conhecimentos nesse novo formato, as tecnologias aplicadas no campo educacional passam a
ser empregadas com uma intencionalidade, com objetivo de propor uma mudança qualitativa no
processo de aprendizagem.
Nas palavras de Lévy (1999, p. 171), a partir da ampliação do uso das tecnologias ocorre
uma profunda mudança na relação de saber: o professor desloca-se do papel de "difusor dos
conhecimentos" e passa a centrar-se no acompanhamento e na gestão das aprendizagens,
enquanto que o aluno terá acesso a novos meios de conhecimento, proporcionados pela
cibercultura, que disponibiliza a ele o autogerenciamento do conhecimento pela sociedade. Em
consideração a isso, é dever do estado garantir formação aos profissionais e permitir acesso
gratuito ao ciberespaço.
“Como presenças no mundo, os seres humanos são corpos conscientes que
transformam, agindo e pensando, o que os permite conhecer ao nível reflexivo” (FREIRE, 2007,
p. 103) se assim o é, a administração pública, com seus projetos de redistribuição de renda não
atinge a totalidade da população, muito menos possibilita a continuidade da formação dos
professores, os quais se veem diante de um processo repentino de autoformação quanto às
tecnologias.
Nessa perspectiva, impregnada de incertezas, é que a escola tenta seguir com a sua
função social; é nesse sentido que Paulo Freire (2007) destaca que o processo de alfabetização
dos seres humanos no mundo deve ter sempre como ponto de partida a percepção crítica da
realidade, a fim de se criar ações que atendam às suas necessidades.
Sendo assim, a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2018) traz como
meta a valorização das ações lúdicas de aprendizagem e a necessidade de articulação com as
experiências vividas na educação infantil. Na etapa da infância, suas descobertas e
aprendizagens são feitas mediante atividades lúdicas e concretas; é a partir desse mecanismo
que as ações pedagógicas de aquisição de leitura e escrita, conceitos matemáticos e outros são
estabelecidas.
Nessa mesma direção, Grossi (1990, p. 51) descreve a psicogênese da alfabetização
como uma longa trajetória a ser percorrida pelo aluno alçando os diferentes níveis de concepção
sobre leitura e escrita. Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), em

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seu art. 2 º, define a educação como dever da família e do Estado, e que tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do educando.
O ensino remoto emergencial, então, demandou que a parceria família e escola estivesse
cada vez mais alinhada; no entanto, as situações sociais e econômicas deficitárias revelaram
suas fragilidades no processo de alfabetização; dessa forma, precisamos construir escolas
democráticas (LUCKESI, 2011), aquela em que todos os educandos tenham real domínio dos
objetos de conhecimento por meio da ação docente eficiente e de todo um trabalho da escola, a
fim de que alcancem elevados patamares de compreensão da realidade.
Em face ao encadeamento das ideias e conceitos aqui elencados, é possível destacar
que a alfabetização e o uso das tecnologias estão diretamente ligados e são potencializados ao
relacionarem-se, superando paradigmas de que para alfabetizar existe apenas um método e
construindo assim novos direcionamentos. Além disso, é importante estudos direcionados para
analisar os efeitos do uso das tecnologias na alfabetização.

3 PERCURSO METODOLÓGICO

Esta prática pedagógica consistiu na realização de 12 aulas remotas e usou como


ferramenta o aplicativo Google Meet para buscar estabelecer uma relação entre professores-
alfabetizadores e alunos por meio do uso das tecnologias como computadores de mesa,
notebooks e aparelhos móveis a fim de dar continuidade ao processo de alfabetização.
Os sujeitos desta ação foram 51 alunos com idade entre 8 e 10 anos, matriculados nas
turmas de 3º ano do Ensino Fundamental, atendidas pelas professoras de educação geral,
aplicadoras das aulas, e mais 2 professores das disciplinas artes e educação física.
A ação iniciou com uma entrevista a partir de um roteiro semiestruturado, com questões
definidas e previamente estabelecidas relacionadas aos aspectos sociais, econômicos e
educacionais, tais como participação das atividades remotas no ano de 2020, acesso à internet,
ao uso das tecnologias na educação utilizadas pelos professores durante os momentos iniciais
da pandemia, bem como, quanto ao uso, e habilidades no manuseio das ferramentas digitais
pelos responsáveis e alunos.
Em seguida, foi realizada avaliação diagnóstica por intermédio do Google Forms para
identificar o nível de leitura, escrita e conhecimentos matemáticos, além de apresentação por
construção de acróstico e envio de fotos e vídeos de apresentação através de aplicativo de
mensagens instantâneas; posteriormente, ocorreu reunião on-line, por meio do aplicativo Google
Meet, entre pais e responsáveis, a fim de estabelecer as diretrizes para a aplicação das aulas,
tais como: horário, datas, tempo de duração, preparação para os momentos, seleção de
materiais que seriam utilizados e atividades remotas.
As aulas remotas pelo aplicativo Google Meet iniciaram no dia 14 de março, ocorriam
uma vez por semana e tinham duração entre 1 hora e meia e 2 horas. No dia 10 de agosto,
houve o encerramento dessas ações tendo em vista o retorno presencial das aulas. No

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planejamento de cada uma foi possível estabelecer atividades do cotidiano escolar - acolhida,
calendário, ficha do nome, contagens, agenda de atividades e compartilhamento de slides para a
apresentação dos conteúdos.
Os objetos de conhecimentos previamente elencados para serem trabalhados em língua
portuguesa estão relacionados ao alfabeto, à escrita de palavras simples e leitura visual, à
segmentação das palavras nas frases e à leitura e interpretação de texto. Já em Matemática
foram estudados números de 1 a 30, medidas de tempo/ agrupamento, composição e
decomposição de números naturais, adição, subtração e adição e subtração com
reagrupamento.
Quanto aos demais componentes curriculares, de forma interdisciplinar, trabalhamos a
festa junina e o folclore brasileiro, fazendo com que esses objetos de conhecimento dialogassem
com os demais trabalhados nos dois componentes mencionados. Em sua etapa final, foi
possível realizar a avaliação dos resultados, nível de aprendizagem dos alunos do ciclo de
alfabetização quanto à leitura, escrita, interpretação e ao letramento matemático, dessa vez de
forma presencial.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS ALCANÇADOS

Após as aulas on-line pelo aplicativo Google Meet durante os meses de abril a agosto,
realizamos os comparativos acerca da avaliação diagnóstica inicial, realizada por meio de
questionários via telefonia móvel, Google Forms e material impresso, com as avaliações
ocorridas na primeira quinzena do retorno presencial já no mês de agosto.
A avaliação diagnóstica foi aplicada para 51 famílias, cujo resultado (Gráfico 1) demonstra
o crescimento do engajamento delas neste processo e a importância de uma constante busca
ativa.

Gráfico 1 - Avaliação diagnóstica-participação das famílias


Fonte: Elaboração própria (2021).

As aulas on-line via aplicativo Google Meet contaram com a participação de 39,21 a 52,94
% dos alunos em cada aula (Gráfico 2).

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Gráfico 2 - Participação dos alunos nas aulas on-line
Fonte: Elaboração própria (2021)

Entendemos, assim, que, no processo de ensino-aprendizagem, é essencial direcionar o


percurso que melhor irá se adequar à realidade da turma atendida; nesses termos, no contexto
de pandemia de COVID-19, estabelecer o diálogo com famílias e alunos utilizando diferentes
ferramentas tornou possível alcançar o maior número de informações, gerando os resultados de
leitura, escrita e escrita do nome completo, sequência numérica e adição (Gráficos 3 a 7).

Gráfico 3 - Mosaico da avaliação de aprendizagem - LEITURA


Fonte: Elaboração própria (2021)

Gráfico 4 - Mosaico da avaliação de aprendizagem - ESCRITA DE PALAVRAS


Fonte: Elaboração própria (2021)

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Gráfico 5 - Mosaico da avaliação de aprendizagem - ESCRITA DO NOME COMPLETO
Fonte: Elaboração própria (2021)

Gráfico 6 - Mosaico da avaliação de aprendizagem - IDENTIFICA OS NÚMEROS


Fonte: Elaboração própria (2021)

Gráfico 7 - Mosaico da avaliação de aprendizagem - ADIÇÃO


Fonte: Elaboração própria (2021)

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Paulo Freire (1995, p. 98) sugere que o uso das tecnologias em lugar de reduzir,
poderiam expandir a capacidade crítica e criativa dos estudantes: “Depende de quem usa, a
favor de quê e de quem e para quê”; assim, estabelecer o uso das TDICs entre os alunos
matriculados para cursar o 3° ano do ensino fundamental na Escola Municipal Alzira
Pernambuco, teve como objetivo proporcionar vivência com uso dos monitores de forma a
auxiliar o processo educacional, compartilhando e pesquisando saberes e diversos recursos
didáticos nesta metodologia.
Foi possível observar que os alunos que frequentaram as aulas remotas deram
continuidade ao seu desenvolvimento cognitivo, apresentando avanços significativos,
demonstrados pelos gráficos de retorno presencial, os quais evidenciam o aumento no número
de alunos que escrevem o nome completo, escrevem alfabeticamente, leem textos, reconhecem
os números de três ordens e realizam adições simples.

CONCLUSÃO

A experiência pedagógica com o Uso das TDICs na alfabetização dos alunos do 3°ano
da Escola Municipal Alzira Pernambuco, no contexto da pandemia da COVID-19, revelou a
busca pelo resgate da dimensão humana no processo de ensino-aprendizagem durante o ensino
remoto e a mudança no papel do professor e nas metodologias nesse processo.
As TDICs, com seus aplicativos de mensagens instantâneas e vídeos chamadas,
favoreceram a possibilidade de resgatar aspectos das relações interpessoais estabelecidas
entre professores, alunos e responsáveis; a experiência de ver e ser visto, ouvir e ser ouvido,
interagir com o corpo em movimento por meio do cantar, do dançar e do brincar, tornou o ensino
ainda mais significativo.
O professor e o aluno, ao retomarem essa relação, ativaram sensações emocionais
necessárias à saúde mental: esperança de um breve retorno, alegria de conhecer o novo,
superação diante dos desafios, entre outros sentimentos.
Essas ferramentas, usadas com mais frequência nos ambientes escolares das redes
particulares de ensino, passam por processo de expansão e chegam de forma modesta nas
redes públicas de ensino, na maioria das vezes ancorada em ferramentas de uso particular; a
prática relatada revelou a necessidade de políticas públicas que sejam capazes de democratizar
o acesso à internet, aos monitores e outras ferramentas, a fim de que possa alcançar as salas
de aula das redes públicas com equidade no processo.
A cultura cibernética diminui as distâncias entre o espaço e o tempo, dinamizando os
saberes e multiplicando suas fontes e linguagens. Sendo assim, a escola entra num movimento
de ultrapassar as paredes físicas e agregar novas metodologias a fim de que possa atingir sua
função social de conectar o conhecimento às vivências dos alunos, sendo significativa e
servindo de base para uma consciência social.

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Portanto, não cabe mais ao professor o papel de detentor e transmissor do conhecimento.
Paulo Freire (2007) e Pierre Lèvy (1999) convergem em suas ideias: o professor é mediador do
saber, é aquele que ensina e aprende ao mesmo tempo, é pesquisador. Saber fazer uso das
tecnologias digitais de informação e comunicação para a consolidação da consciência de classe,
este é o novo desafio.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB. 9394/1996. 1996. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394compilado.htm. Acesso em: 6 fev. 2022.

BRASIL. Plano Nacional de Educação, PNE. Lei n° 13.005/2014. 2014. Disponível em:https://
pne.mec.gov.br/18-planos-subnacionais-de-educacao/543-plano-nacional-de-educacao-lei-n-13-
005-2014. Acesso em: 6 fev. 2022.

FERREIRO, Emília. O ingresso na escrita e nas culturas do escrito: seleção de textos de


pesquisa. Tradução de Rosana Malerba. São Paulo: Cortez, 2013.

(FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. 1. ed. São Paulo:
Artmed Editora, 1999.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

FREIRE. Paulo A Educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1995.

GROSSI, Esther Pillar. Didática da Alfabetização. 11 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra Ltda,
1990. (Didática dos Níveis pré-silábicos, v.1).

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposição.


22.ed. São Paulo: Cortez, 2011.

SANTOS, Edméa. Pesquisa-formação na cibercultura. Teresina: EDUFPI, 2019.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

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